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OBRAS DA NOVA REVELAÇÃO
CENAS ADMIRÁVEIS II
MANIFESTAÇÕES DE JESUS CRUCIFICADO E RESSUSCITADO,
desde o Gólgota até o Pentecostes (Cadernos 8 a 14).
Revelações recebidas pela Voz e Visão Internas por MAX SELTMANN
Traduzidas por Yolanda Linau e Jaime M. Murbõck
Rio de Janeiro - 1998
ÍNDICE
Notas biográficas de vida e obra de Max Seltmann
Prefácio
CADERNO NÚMERO 8
Sexta-feira da Paixão
I. Gólgota!
II. Aventura do capitão na noite seguinte
III. Acontecimentos espirituais no Gólgota
IV. Judas perante o Senhor
V. O Senhor no Templo
VI. O sábado anterior à Páscoa
VII. No albergue de Lázaro
VIII. Como o Salvador é esperado num outro Templo
IX. Jesus em meio de comerciantes judeus
X. Por que era preciso Jesus morrer?
CADERNO NÚMERO 9
A Caminho de Emaús
I. II. III. IV. V.
CADERNO NÚMERO 10
O Ressuscitado
Manhã de Páscoa em casa de Nicodemos
No albergue de Lázaro
Em companhia de Nicodemos
Na cidade de Deus
Em Betânia
Onde está Jesus?
A Aurora Gloriosa
Pilatus
Maria Madalena
Roma
Uma Festa em Betânia
CADERNO NÚMERO 11
A Vida Nova no Homem
No sanatório de Marcus
I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. X. XI. XII.
CADERNO NÚMERO 12
Betânia
Depois da crucificação - na casa de um templário
II. O túmulo está vazio!
III. Em poder do Templo
Em dúvida e angústia
Em fuga
Em Betânia!
CADERNO NÚMERO 13
Ascensão
Uma manhã em Betânia
A volta para a casa paterna
Na nova pátria
Era necessário que Jesus Se despedisse visivelmente?
Jesus ensina sobre a Sua herança
Sobre o silêncio
Ursus no Templo e no Gólgota
No banquete dos Céus
Ascensão de Jesus
Desfecho
CADERNO NÚMERO 14
Pentecostes
I. Apreciação da Cruz em um outro mundo
II. A grande mudança após a Ascensão de Jesus
III. Um testemunho dos amigos de Jesus diante dos templários
IV. Exortação ao Amor!
V. Quem e o que é Jesus para nós?
VI. Ação de graças pelas colheitas em Betânia
VII. O que é o Espírito Santo?
VIII. Pentecostes!
IX. Despedida de Betânia
NOTAS BIOGRÁFICAS DA VIDA E OBRA DE MAX SELTMANN
Max Seltmann nasceu em 1882 na Saxônia e era ferroviário de profissão. Os dados seguintes são tirados de cartas de Max Seltmann de 1960 e 1964.
Aos 33 anos recebeu de Jesus a Graça de ser curado de seus terríveis vícios de fumo, maldição, baralho e irascibilidade, transformando-o de um homem perdido em um verdadeiro discípulo. A partir de 1928, Jesus, o Filho do Homem, tornou-Se o centro de seus pensamentos. No mesmo ano, começou a ver desenrolar-se, como num filme, cenas da Vida de Jesus. No início se repetiram, até que ele passou a anotá-las num intervalo de seu serviço noturno como empregado ferroviário. Mal acabara de escrever, seguiram-se novas imagens que ficaram na sua vida interna, até que as anotou também, sempre ouvindo, ao mesmo tempo, a descrição do que via em cores maravilhosas.
Assim, encheram-se muitos cadernos, mas boa parte se perdeu numa busca policial feita em sua casa durante a era do nazismo, quando uma de suas filhas, cega e com retardo mental, foi morta pelas leis então em vigor. Mas ele teve os sentidos abertos e pôde ver as almas dos que passaram para o outro lado; ficou feliz em poder assim presenciar o desenvolvimento da própria filha no mundo dos espíritos, até ela chegará perfeição, o que levou dois anos e meio.
Acusado de ser Testemunha de Jehovah, Seltmann, então com 70 anos, teve que fugir de sua casa e família na Alemanha Oriental, encontrando um refúgio na Alemanha Ocidental, perto de Bietigheim, onde a Editora das Obras de Lorber tem sua sede. Em 28/6/1972, pouco antes de completar seu 91.° ano de vida, Max Seltmann voltou em Neckarwestheim / Württemberg à sua pátria espiritual.
Seus primeiros escritos foram publicados em Berlim por um círculo de amigos. Após a Segunda Guerra Mundial, a Editora Lorber em Bietigheim se incumbiu de novas edições.
As "CENAS" descritas por Seltmann nos revelam muitos detalhes da Vida de Jesus que não foram incluídos nos Evangelhos bíblicos, nem no Grande Evangelho de João recebido por Lorber. Referem-se, na primeira parte, aos últimos anos de preparação de Jesus para o começo de Sua Doutrinação (Cadernos 1 a 7 - já publicados em "CENAS ADMIRÁVEIS"); bem como à Manifestações de Jesus Crucificado e Ressuscitado desde o Gólgota até o Pentecostes (Cadernos 8 a 14 - publicados no presente livro "CENAS ADMIRÁVEIS II").
A segunda parte das "CENAS" relata sobre a vida e o crescimento das primeiras comunidades cristãs (Cadernos 15 a 19); e, finalmente, sobre o destino de Judas (já traduzido por Yolanda Linau), a preparação de João Batista e, em particular, sobre a vida e atividade do apóstolo João, o "Discípulo amado", até sua morte (Cadernos 20 a 24). O último caderno (25) relata sobre o caminho da filha de Seltmann no Além.
PREFÁCIO
No testemunho que Jesus, como Filho do Homem, deu sobre Si Mesmo no "Grande Evangelho de João", Obra principal da Nova Revelação recebida pela Voz Interna por Jakob Lorber, Ele disse: "Tive que conquistar − semelhante a qualquer um de vós − a Dignidade de um Deus, com grande esforço e exercícios, podendo só então unir-Me ao Espírito de Deus. Já estou, no entanto, UNO com Ele no Espírito, mas ainda não no corpo; isso será também alcançado, mas somente após grande sofrimento e total abnegação humílima de Minha Alma." (G.E.VI, cap. 90,8).
É neste ponto que começa a narrativa do Caderno 8 de Max Seltmann, que abre este livro. Admirados e comovidos, somos testemunhas de que o próprio capitão romano, incumbido de executar a crucificação de Jesus, recebeu, por sua fé na inocência do justiçado, a graça de reconhecer Nele o Filho de Deus e de vê-Lo, vivo, oferecer às almas dos desencarnados a libertação de sua prisão no reino espiritual, ao que o "Credo apostólico" das Igrejas Cristãs se refere com as palavras geralmente incompreendidas: "desceu aos infernos". Este capitão romano continua sendo a pessoa-chave em vários importantes episódios relatados nos Cadernos 8 e 10, sendo ao mesmo tempo levado ao conhecimento mais íntimo da Vida e Obra de Jesus, tornando-se ele mesmo um verdadeiro discípulo.
O Caderno 9 é totalmente dedicado à conhecida passagem bíblica sobre os Discípulos de Emaús (Lucas 24, 13-32), revelando-nos a profunda riqueza dos detalhes da conversa destes discípulos com o desconhecido acompanhante (que é Jesus) e, no fim, seu relato aos Discípulos em Jerusalém, quando o próprio Mestre aparece aos reunidos.
O Caderno 11 nos leva ao Sanatório do romano Marcus, grande cenário de Graças Divinas pela fé em Jesus. Aqui começa a atuação de outra pessoa-chave que nos acompanhará até o fim do livro: o romano Ursus. Seu ardente desejo de ver Jesus — frustrado pela notícia da morte violenta do Mestre, o que o deixa inconsolável — é transformado em expectativa de uma íntima vivência espiritual pela compreensão do motivo que levara Jesus a aceitar a morte na cruz. E esta transformação dá-se numa longa conversa com um desconhecido no caminho (é Jesus, semelhante ao relato dos discípulos de Emaús). A noite, Ursus recebe sua sagração pelo Próprio Mestre, que aparece no Sanatório.
A Marcus − e através dele a cada um de Seus futuros seguidores − Ele diz: "A partir de agora... és responsável por duas vidas, a tua e a Minha! Deves levar a tua até Mim, no Céu mais alto, recebendo por isso a recompensa de bem-aventuranças que nenhuma boca pode pronunciar. Mas a Minha Vida deves levar para baixo, até a mais profunda lama do inferno. Com isso, Me alegrarás e Me compensarás pelas dores que sofri."
Nos cenários dos últimos três Cadernos (12 a 14) − ora Jerusalém, ora Betânia − dois grupos de personagens ocupam lugar de relevo; de um lado, Lázaro (dono de Betânia) e o Discípulo amado João, que ensinam e orientam os fiéis reunidos; do outro, Ursus e Ruben-Teófilo, que entra em cena com a família de seu pai Enos. A luta interna e as dificuldades externas de Ruben-Teófilo e Enos − ambos sacerdotes do Templo do qual se desvinculam − encontram solução em Betânia, graças à atuação de Ursus.
As repetidas Aparições de Jesus chegam ao seu auge no "Banquete de Despedida", seguida pelas últimas horas de reunião no lugar da iminente Ascensão, onde participamos, com profunda emoção, do convívio do Ressuscitado com Seus seguidores e amigos e da indescritível vibração de Amor Divino do Próprio Jesus na despedida.
Nestas horas solenes, as almas de Ursus e Teófilo são levadas pelo anjo Rafael à pátria de sua anterior encarnação, numa estrela distante, com a incumbência de dar à sua humanidade um testemunho dos acontecimentos salvadores ocorridos na Terra. Essa revelação confirma a existência de vida humana em outros corpos cósmicos, não com corpos físico-materiais como na Terra, mas sim psíquicos, afins à nossa alma, que, portanto, nunca poderão ser descobertos pela nossa ciência materialista.
Ainda há outro mistério que envolve Ursus e Teófilo, aos quais Jesus − que já durante a Ceia de despedida Se sentara entre os dois − disse nas últimas Palavras que lhes dirigiu: "É necessário que saibais que pertenceis um ao outro pelo tempo e a eternidade!", sendo-lhes reservadas ainda importantes tarefas. Mas Jesus levou Consigo esse mistério, até o momento em que Seu Espírito Santo o quiser revelar.
Depois da Ascensão do Mestre, todos estavam na expectativa do Espírito Santo. Em Jerusalém, os Discípulos em preces com Maria, a Mãe de Jesus; em Betânia, os demais amigos sob a inspirada orientação de Lázaro, que ainda procurou acalmar o impetuoso desejo de Ursus de testemunhar, e publicamente, sua fé na Ressurreição e Ascensão de Jesus.
E eis que no sábado de Pentecostes, estando reunidos os Discípulos com Maria, Pedro viveu primeiro o milagre do espargir do Espírito Santo que logo tomou posse dos demais Discípulos: era a íntima vivência de que Jesus não era apenas o Filho, mas o Próprio Deus. E no dia seguinte — o Pentecostes — todos os Discípulos falaram inflamados diante do povo, no próprio Templo, convencendo milhares da Verdade da Doutrina de Jesus. Era o Pentecostes descrito no relato bíblico dos Atos dos Apóstolos. (At. 2, 1-41).
Os Desígnios Divinos Se cumpriram. O preço foi altíssimo. O Próprio Deus teve de assumir a natureza de Sua criatura e submeter-Se às provações de uma vida humana. — Em síntese: No primeiro livro das "CENAS ADMIRÁVEIS" de Max Seltmann testemunhamos esta luta do "Filho do Homem" que O sagrou MESTRE na união de Seu Espírito com o Espírito de Deus. Os frutos de Sua Vitória foram os anos de Doutrinação, cujos passos, ensinamentos e obras nos foram revelados por Jakob Lorber no "Grande Evangelho de João".
O presente livro das — "CENAS ADMIRÁVEIS II" — de um lado nos revela, nos dramáticos relatos da condenação, crucificação e Ressurreição de Jesus, a plenitude de Seu Poder Divino na vitória sobre a morte e na total união também de Seu Corpo com o Espírito de Deus. Do outro lado, é uma fonte incomparável das mais profundas revelações, dadas pelo Próprio Jesus, sobre os íntimos motivos que levaram Deus ao Plano de Salvação que resultaria no Sacrifício da Cruz e que foi aceito e executado por e em Jesus - Homem totalmente divinizado e que provou ser o "Filho do Homem"; em verdade, o "Filho de Deus".
E na Ascensão, Jesus levou com Seu Corpo Glorificado a Natureza humana, libertada do peso da matéria e em seu esplendor primário, para dentro da Divindade, totalmente espiritualizada, una com o Espírito de Deus. Faltava ainda — não para Jesus, mas para os Discípulos — a última pedrinha para fechar o círculo: a vivência do Espírito Santo, que no Pentecostes evidenciou, na confissão de Pedro, ser Jesus o Próprio Deus. E isso devia ser o âmago da fé cristã a ser levada, com a divulgação de Sua Doutrina, ao mundo inteiro.
Louvado seja Jesus por esta verdadeira Dádiva do Céu! Que sua leitura traga ricas bênçãos para quem a acolher no coração!
Rio de Janeiro, 25/3/1998 Jaime M. Murbëck
CADERNO NÚMERO 8
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
I. Gólgota
Num bramido horrendo, ouve-se entre o povo: "Crucifica-o! Crucifica-o!", dando a impressão duma onda de volúpia sanguinária. Um capitão da ocupação militar em Jerusalém segue atento aos debates com Pontius Pilatus. Sua calma é inabalável; entretanto, acompanha com vivo interesse o triste acontecimento. No momento em que Jesus — quadro que inspira o máximo de compaixão — está sendo conduzido de volta, o militar parece querer socorrê-lo e intervir nas discussões. Eis que Jesus o fita de um modo a fazer estremecer-lhe todas as fibras. Desesperado, o romano sai da sala, aguardando na entrada novas ordens.
Mais uma vez ouve-se o vozerio lá fora e depois, um silêncio de morte! A sentença de morte havia sido pronunciada e aprovada pelo povo! Cerrando os dentes, o capitão fica à espreita para, em seguida, atravessar agitado o pátio e receber um mensageiro que lhe transmite uma chamada do governador. Em lá chegando, recebe ordens para efetuar a crucificação no Gólgota! Silencioso, ouve a triste incumbência que lhe cabe e, após pequena pausa, diz a Pilatus: "Meu irmão, não houve criminoso que manifestasse este porte de dignidade! E se ele for inocente? Lavaste a responsabilidade de tuas mãos com água; como tirarás esta mancha de tua consciência? Sirvo ao Imperador, e aqui és tu seu representante! Cumprirei tua ordem! Dixi! — Uma coisa, porém, te digo: Se a caminho do Gólgota, ou lá mesmo, apresentar-se uma testemunha de sua inocência, impedirei sua execução!" Com estas palavras se vai, a fim de iniciar sua tarefa. Durante o trajeto para o suplício, ordena a três cabos da guarda do Templo a não se afastarem de seu lado. Assim chegam ao Gólgota, após alguns contratempos.
Milhares de curiosos, homens e mulheres, ocupam o monte, mas o militar determina que todas as crianças sejam afastadas. Em seguida, proíbe qualquer participação estranha no ato, por palavras ou atitudes! Ouve-se o som de uma trombeta, e o capitão fala: "Vede este homem! Foi condenado à morte em virtude de vossa queixa; mas estranho a ausência de testemunhas que afirmem o contrário de vossa acusação, pois Jesus não se defende! Não haverá um com valor para tanto? Em virtude de minhas atribuições legais, pergunto e dou-vos mais dez minutos para responderdes. Tu, condenado, prepara-te e despede-te, se tiveres amigos!"
Admirados e pálidos, os guardas do Templo observam a atitude do capitão; este, entretanto, prossegue: "Se aqui acontecer um milagre ou se se apresentarem testemunhas em seu favor, vós três sereis crucificados, mesmo se o mundo devesse perecer; pois um culpado não tem esta aparência! Assim, esperaremos!" Daí a pouco um outro avisa que o prazo se extinguira. O capitão, então, faz o sinal que o dever lhe impunha, e a crucificação se dá conforme é sabido.
Quando Jesus exclama: "Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem!", o capitão é tomado de imensa compaixão, de sorte que se precipita para junto da cruz à procura, com coração dolorido, de um olhar de Jesus. E Jesus, não ligando às próprias dores, lhe sorri! O romano com isto sente uma felicidade imensa, mas num estranho desacordo com este lugar de tão grandes injustiças. "Fui perdoado!", pensa ele com alívio, dizendo aos templários: "Olhai a quem preparastes a morte! Como ireis justificá-la? Já vistes um criminoso pedir perdão a seu Deus e Pai por aqueles que se lhe demonstraram tão desumanos? Nunca! Só manifestavam ira, revolta e pavor!"
E Jesus continua a suportar com dignidade as dores atrozes. Maria, voltando a si após a vertigem, levanta o olhar para o Filho; suas mãos delicadas apalpam o tronco da cruz, alcançam os pés, os cravos — e um grito dilacerante ressoa, fazendo estremecer todos, povo e soldados. Isto só uma mãe poderá sentir! Uma onda diferente passa por entre a multidão, a ira sanguinária dissipa-se! Maria se levanta, entrelaça-Lhe os pés sangrentos, e Jesus sorri à sua Mãe! Isto preenche o coração de Maria com o espírito da força e resignação à impenetrável Vontade Divina! O Discípulo João, agora, também se aproxima para receber a especial incumbência do alto da cruz. Como muitos começam a fugir e se recolher à cidade, o capitão determina: "Ninguém sairá sem minha ordem! Vosso desejo foi cumprido, cuidai que nada de pior vos suceda!" E logo dá ordem a seus soldados para que ninguém se afaste do lugar do suplício.
Tomado de imensa compaixão, o capitão ouve as derradeiras palavras de Jesus. Seu coração bondoso o leva a procurar as três mulheres, surpreendendo-o a elevação de sua dor. Pede, assim, a João esclarecimentos sobre Jesus e Sua Doutrina. Este lhe conta ter sido o Mestre Jesus bom amigo dos comandantes romanos Cirênius, Cornélius e Július, e que anunciara a todos a Sua futura e ultrajante morte que homem nenhum poderia impedir, de acordo com a Santa Vontade de Deus! Não obstante o fato ocorrido neste momento, o Senhor e Mestre dominará a morte como Salvador! Comovido, o romano estende a destra a João, dizendo: "Muito ouvi falar do Nazareno; se o tivesse conhecido antes, não teria chefiado essa execução!" E, virando-se para os templários, diz com voz estentórica: "Vós, judeus e ralé do Templo, ainda ajustarei contas convosco!" Afirma João, com brandura: "Não é assim, pois teria sido fácil ao nosso Mestre evitar tudo isto, tendo à disposição todas as forças do Céu e da Terra! Sua luta de ontem no Jardim de Getsêmani foi talvez maior que a de hoje, fazendo-nos vacilar — nós, Seus Discípulos! — porquanto não mais O compreendíamos! Ele, porém, disse ao Seu Pai Onipotente: 'Tua Vontade Se faça e não a Minha!' Agora peço-te que me deixes cuidar das mulheres. Nosso coração sangra! Agradeço teus sentimentos, pois és pagão. Proporcionas um alívio à agonia de nosso Mestre. Vem, pois, à Betânia, à casa de Lázaro, e lá encontrarás os amigos de Jesus!"
João conforta as mulheres, principalmente Maria Madalena, abraçada à cruz. O olhar de Jesus agradece, embora mesclado de sofrimento.
O céu ameaça anuviar-se e uma escuridão desconsoladora se faz sentir. Jesus pede para beber, e o capitão só lhe pode oferecer uma esponja com vinagre. E a escuridão se torna cada vez mais densa! O povo anseia por fugir, mas o medo dos romanos o impede. O capitão se dirige aos templários e fala: "Que me dizeis agora, após terdes exigido a morte deste homem puro? Não vedes ser ele inocente?" Eles se calam. O romano, porém, continua: "Somente por ele me ter perdoado, deixo de agir contra vós! Cuidado, porém, que não vos suceda algo pior; pois que desta ação injusta surgirá uma semente maléfica, trazendo-vos, forçosamente, à morte!" No mesmo instante, a terra estremece, fazendo agitar a multidão. — Ouvem-se, então, as últimas palavras de Jesus: "Está tudo consumado!" — Jesus terminara de sofrer!
Profundamente comovido, o capitão exclama: "Oh Tu, Deus, que apenas hoje venho a conhecer! Agradeço-Te por teres abreviado este suplício! De hoje em diante Te servirei, pois este Jesus deve ter sido Teu Filho!" Quando ele se aproxima das mulheres abraçadas, ouve-se um novo estampido; a terra tremia! Agora já não mais há possibilidade de conter o povo que rompe o cordão de isolamento dos soldados amedrontados, correndo numa fúria desabalada em direção à cidade, onde muitos edifícios importantes estão ruindo. Pouco a pouco, se apresenta a escuridão, e o Sol no ocaso ilumina com derradeiros raios a praça do suplício. O capitão faz reunir seu pessoal, ordenando ao tenente que arranje liteiras para conduzir as mulheres a seus lares, pois estavam impossibilitadas de andar. Em seguida, manda vigiarem o crucificado e logo cavalga até a cidade. Sem se fazer anunciar, entra na residência de Pontius Pilatus, relatando-lhe o ocorrido e pedindo uma forte guarda para o corpo de Jesus, pois desconfia do Templo. Nisto chega dali uma delegação, rogando permissão para a deposição do corpo de Jesus e seu sepultamento. O capitão, contudo, persiste que tal se faça unicamente sob escolta romana. Dizem Nicodemus e José de Arimateia: "Somos amigos Dele; portanto, nada há que temer! Ser-te-íamos gratos por tua ajuda oficial!" Fitando-os com olhar de dúvida, o capitão diz: "Dizei-vos amigos do Nazareno? Onde estivestes quando exigi testemunhas de Sua Inocência? Crede-me, se eu fosse Seu amigo, antes destruiria o Templo a permitir Sua crucificação!" Como o capitão afirma a inocência do supliciado, Pilatus permite que o corpo seja retirado da cruz. Rápido, o romano volta para o Gólgota; não pode, porém, impedir que um soldado perfurasse com sua lança o lado do crucificado! Imediatamente cientifica os amigos da permissão obtida, mandando que se buscasse água, óleos e linhos.
Com imensa devoção, o corpo do querido Mestre é carregado por Seus amigos ao sepulcro. Em seguida, o capitão manda selar a entrada, deixando uma forte guarda. Depois de tudo concluído, ele se junta às mulheres e a João, que se faziam levar à casa de Nicodemus. Este pede também ao romano que compartilhe da ceia. Chegadas à casa de Nicodemus, as mulheres querem ficar sozinhas, pois sentem agora duplamente sua solidão interior! Os outros tomam a ceia, e o capitão romano pede ao anfitrião e a João relatarem da Vida e Atividade de Jesus. Altas horas da noite, ele volta para seu lar.
II. Aventura do capitão na noite seguinte
Já em casa, o capitão permanece sentado à mesa até a madrugada, meditando sobre os acontecimentos. Súbito, vê um grande clarão! Um jovem, em vestes luminosas, se curva diante dele, dizendo: "Bom amigo! O amor ao nosso Deus e Criador, que permitiu assistíssemos hoje àquele tão grande acontecimento, me traz aqui para te agradecer por aquilo que fizeste num ímpeto do teu coração! É preciso que reconheças em Jesus este Filho do Homem, nosso Deus de eternidade! Não havia para Deus, o Criador de todos os homens e seres, outro caminho que salvasse todas as criaturas da perdição, após tantas e tantas tentativas, a não ser tornar-Se homem! Se Jesus tivesse pedido socorro humano ou exigido testemunhas, Lúcifer, o polo oposto de Deus, teria triunfado! A suma importância do Seu padecimento e morte para a Criação patenteou-se no obscurecimento do Sol e no tremor da terra! Todos os espíritos estavam com a atenção voltada para o Gólgota! Mas nós, habitantes dos Céus, nada podíamos fazer, porquanto o eterno Amor Divino assim o quis! Assimila-o, para que possas reconhecer os caminhos muitas vezes dolorosos que Deus destinou para a salvação das almas como meta final!"
Perplexo, o capitão estende a mão ao jovem, dizendo: "Caro amigo, não pergunto 'quem és' ou 'como entraste através de portas fechadas', pois muita coisa extraordinária ocorreu no dia de hoje, estando minha alma agitada! Desejo apenas saber: Onde agora Se encontra Jesus, porquanto irá revelar-Se como vencedor da morte na cruz, de acordo com Suas próprias Palavras. Se isso é verdade, e Ele só morreu para que no futuro não haja mais nada de mortal Nele; então deve encontrar-Se vivo em algum lugar! Mas de que maneira e onde? Esta pergunta não me dá sossego! Esclarece-me, se te for possível!" Diz o anjo: "Querido amigo e irmão, mister se torna que te acalmes, para que eu te possa mostrar a Graça, a Misericórdia e o Amor de nosso Deus! Medita profundamente sobre o olhar amoroso que o Senhor e Mestre te dirigiu e repara em tudo que vais vivenciar! Colocar-te-ei, pela Força e a Bondade de Deus, em um estado espiritual, a fim de que me possas seguir. E, porém, necessário que o queiras. Só a tua livre vontade me permitirá agir assim. Neste caso, instrui teus servos no sentido de não penetrarem aqui, pois teu corpo não deverá ser tocado enquanto tua alma me acompanhar ao mundo espiritual." O capitão age conforme lhe fora pedido e diz então: "Sim, é minha vontade! Guia-me, para que eu adquira clareza, tranquilidade e paz!" O anjo então toca sua testa e coração, caindo ele num sono profundo, enquanto sua alma se desprende numa forma esbelta, seguindo seu guia ao Gólgota.
III. Acontecimentos espirituais no Gólgota
Em lá chegando, assistem à aglomeração de grandes falanges de espíritos! Numa luz radiosa, Se acha Jesus mostrando as Mãos e Pés ainda sangrentos aos espíritos habitantes das trevas. Como que obedecendo a uma ordem silenciosa, abre-se uma passagem por entre esta multidão, para que o anjo e o romano se possam Dele aproximar! Profundo silêncio se faz quando Jesus afirma: "Tudo que vistes e ouvistes de Mim foi a pura manifestação do Amor! E todas as Minhas Obras nasceram deste Espírito do Amor Divino! Desejo, porém, dar-vos uma nova prova deste Amor que redime! — Aproxima-te tu que foste crucificado junto a Mim e a quem prometi estar ainda hoje ao Meu lado no Paraíso! Apresenta-te sem medo! Assististe ao Meu suplício, agora serás testemunha de Minha Vitória! Apenas exijo uma condição: perdoa aos que te abateram!" O ladrão se joga aos Seus Pés, pedindo perdão de sua grande culpa e balbuciando palavras que prometiam exterminar o que de ódio ainda lhe curtia a alma. Jesus o levanta e diz: "Assim sendo, vai à procura de Meu irmão perdido, que numa cegueira de paixões e desespero pôs termo à vida! Ele está no Templo!"
O ladrão Lhe pede: "Divino Mestre! Tua Vontade se faça! Dá-me, porém, força e coragem para este empreendimento no espírito do Teu grande Amor!" Jesus o abençoa e em seguida dirige-se aos outros: "Todos vós que permaneceis ainda nas tumbas, volvei a Mim, à Luz! Crede-Me, sou Aquele esperado por vossos antepassados! Olhai-Me, que vos abri a porta que até então estava fechada! Não quero ser vosso juiz, mas, sim, vosso Salvador! Refleti! Chegou o momento da Grande Graça! Se hoje Me reconheceis e aceitais Meu Verbo, podeis todos, também o mais sombrio, acompanhar-Me ao Templo e testemunhar o final da Minha Missão! Com isto tereis deixado os elementos da morte para penetrardes na Vida livre e eterna! Coisas há, porém, que tereis de abandonar: ódio, desejos e paixões que ainda pululam no vosso íntimo! Vede; assim como Eu agi pelo Amor desinteressado, será apenas possível viverem Comigo aqueles que seguirem Meu Exemplo. Reconciliai-vos com todos — e tereis a prova da nossa União pelo espírito do perdão! Vinde a Mim, que sois cansados e atribulados, esperando por Aquele que unicamente vos poderá socorrer, oferecendo-vos o Pão da Vida, no desejo de vos conduzir desta existência trevosa à Vida do Amor e da Alegria! Amém!"
Profundo silêncio se faz sentir. Eis que um ancião, curvado pelo peso dos pecados, aproxima-se de Jesus, cai de joelhos e diz: "Oh Tu! Com que imensa alegria bendizemos Tua Vinda, pois que nos queres trazer Luz e Vida! Quantas eternidades passamos prisioneiros! Tuas Palavras promissoras nos soam qual música celestial! Oh Tu, que dizes que nos amas, quisera ver em Ti o Salvador e Ungido! Quão contentes ficaríamos de poder seguir-Te! Mas amontoam-se diante de nós barreiras sobre barreiras! E não podemos seguir-Te, pois somente Tu conseguiste cumprir a Lei! Nós somos culpados! Oh Deus! Oh Jehovah! Tua Lei nos aniquila! No entanto assistimos, como espíritos, Tua Vida, Sofrimento e Morte inocente! Ofertaste a um criminoso, crucificado ao Teu lado, socorro, perdão e graça! Mostra, pois, como compartilharmos da Salvação! A serpente de Eva nos prende à matéria! Senhor Jesus! Socorro! Ajuda-nos como o fizeste a outrem!" As lágrimas lhe inundam o rosto, Jesus dele Se aproxima, pousa Sua Destra perfurada na cabeça do velho e diz: "Anima-te e confessa livremente tua culpa com arrependimento, para poderes entrar na Verdadeira Vida do Amor ao próximo! Foi este motivo que Me trouxe, pois fostes testemunhas da Minha imensa Humildade, manifestada pelo novo espírito da Graça! Compreende este espírito e volta a Mim, que sou Deus e Jehovah!"
IV. Judas perante o Senhor
Novamente abre-se uma passagem entre os incontáveis espíritos: é Dimas trazendo Judas pela mão! Trêmulo, este se posta diante do Mestre. Jesus o fita com doçura e diz: "Judas! Reconheces, agora, após teu sofrimento, que a Verdadeira Vida só se baseia no Amor? Vê, consegui socorrer milhares, e estes milhões aqui hão de ser socorridos em breve, se eles desejarem perceber e compenetrar-se da nova Vida de Graça! Tu, porém, não ligaste a Minhas Palavras, Minha Doutrina desejada por inúmeros corações, e que também deviam salvar-te. Vê Minhas Chagas! Serão elas um guia para aqueles que caminham no erro! A estes aqui pude dizer: 'Vinde Comigo, que vos mostro a estrada da Salvação!' Mas a ti digo: Tens de achá-la sozinho, pois conheces Minha Ação e Meu Verbo! Judas, não posso aconselhar-te nem socorrer-te! Perdoo-te, apenas!" Judas se joga aos Pés do Mestre e tenta abraçá-los. Jesus, porém, continua: "Pobre infeliz! Enquanto vivo, podia ajudar-te, pois eras inconsciente. Mas aqui no Reino da Vida Espiritual predomina somente o livre arbítrio! Agora és consciente e acharás o caminho que conduz a Mim somente pelo domínio forte da tua índole! Acolhes ódio, raiva e amor-próprio ofendido em teu íntimo! Por ora, tua vida mental te domina! Perdoei-te por teres agido através desta cega tendência! Compenetra-te ser o Meu Reino um Reino Espiritual! O Reino da Vida Eterna! Toma, pois, a peito as Minhas Palavras!"
Dirigindo-Se aos outros, diz Jesus: "Vamos ao Templo! Quem quiser, que Me siga!" Novamente abrem-se alas para que Jesus caminhe por entre o exército de espíritos em direção ao Templo, cujas paredes à Sua entrada parecem dilatar-se. Havia lugar para todos. Jesus, porém, penetra no Santíssimo. No calvário permanecem apenas Judas e o ladrão da cruz.
V. O Senhor - no Templo
No interior, predomina a maior confusão, pois o reposteiro precioso que deveria ocultar o Santíssimo, rompera-se, não havendo mais possibilidade de conserto, pois após cada tentativa de costurá-lo, ele se rompia de novo. Jesus, chegando com o grande séquito de espíritos que O seguia, penetra no Santíssimo sem que um sacerdote ou homem mortal qualquer, pressinta o grande acontecimento que deveria ocorrer. Tanto o anjo como o capitão romano se acham ao lado de Jesus, acompanhando com o máximo interesse o que se passa. Eis que se aproxima um grupo de anjos com trombetas e, a um sinal de Rafael, fazem soá-las. No mesmo instante, se abrem as catacumbas do subsolo, e os espíritos surgem em vestes sacerdotais e de Sumo-Sacerdote. Um deles se adianta, perguntando com altivez o que representa aquilo tudo. Rafael, o mensageiro de Deus, responde: "São as trombetas do Julgamento Final! Chegou Aquele que receberá as almas entregues a vós! O Senhor retira os talentos que recebestes! Regozijai-vos, se agistes bem; do contrário não tereis que aguardar boa coisa!"
Sério e circunspecto, o Sumo-Sacerdote se encaminha para Jesus, cujas vestes brilham como neve tocada pelo Sol. Mas, vendo-Lhe as chagas, cai como morto aos Pés do Senhor. E os muitos sacerdotes, percebendo que seu chefe não se levanta, ajoelham-se e aguardam amedrontados os acontecimentos. Jesus ergue Suas Mãos magoadas, volta-se para todos os lados e inclina a Cabeça. Entre as falanges de espíritos reino um silêncio mortal, pois não ouvem as vozes dos templários ainda encarnados! Agora vibra uma música suave, que ora aumenta, aumenta ao máximo, ora diminui até se apagar.
O Sumo-Sacerdote volta a si, e Jesus lhe diz: "Levanta-te! Hoje vim Pessoalmente para despertar-vos do sono espiritual! Eu, a Vida, rompi os limites, venci a morte, a fim de mostrar a todos o caminho para a Vida verdadeira e eterna! A notícia de Minha Passagem sobre a Terra penetrou até nos confins do mundo dos espíritos! Muitos já se confortaram na Fonte da Vida, através dos Ensinamentos dados pelos anjos. E vós? Onde estáveis? O que vos impediu de Me conhecerdes, fazendo-se necessário o ressoar das trombetas para que se abrissem vossas celas escuras?"
Animando-se, diz o Sumo-Sacerdote: "És tu o Senhor? Deus? Zebaoth? Ou um enviado por Ele? Teu olhar é cheio de meiguice, mas tuas mãos e pés demonstram o estigma de um crucificado! Quem és? Quando te vi inundado de luz, o sentimento empolgou-me: és Deus! Vendo, porém, tuas chagas, julgo que não o sejas, tampouco Aquele que nos deveria libertar, acompanhado de santos anjos sublimes! Estás rodeado por grande multidão! O simples fato de teres penetrado em nossas tumbas não prova seres o Onipotente! Muitos já vieram em vestes igualmente luminosas, dizendo-se enviados de Deus! Mas não o eram! Sou responsável como servo deste Templo sagrado e me vejo obrigado a te exigir pormenores! As trombetas que soavam como as Trombetas do Julgamento, podiam ter sido falsas, e a magnífica música, mistificação! Fala agora! Pois eu, o Sumo-Sacerdote, tenho o direito de mando no Santíssimo! De há muito o reposteiro se rompeu (impressão fictícia causada aos espíritos); eis porque não te expulso, porquanto Deus vos tolera!"
Diz Jesus: "Eljasib! Pobre infeliz! Cego! Quanto tempo pretendes aqui ficar? Não tens consciência de que esse templo seja apenas aparição? Não reconheces que teu serviço aqui, em vosso templo fictício, é baldado? Não notaste que nos altares se usa sempre o mesmo sacrifício? Nunca te ocorreu que tu e teus sacerdotes fazíeis apenas o que vos agradasse? Dize-Me: Quando tencionas cumprir a Vontade de Jehovah? Ou descobrir Sua Vontade? Tinhas os melhores propósitos quando foste ungido. Como pediste sinceramente que Deus te auxiliasse em teu ofício, Eu te procurei, lembrando-te este fato! Nunca esqueci a Minha Promessa! Tu, porém, em breve olvidaste teu Senhor e Deus, sem que isto te perturbasse em tua posição elevada! Digo-te, porém, e a todos: vosso prazo está-se esgotando! Desprovidos da compreensão do Eterno Divino, pôde acontecer que dormísseis no vosso templo imaginário, jamais ouvindo a Boa Nova dos grandes acontecimentos sobre a Terra! Ouviste ainda a exclamação de Simeão: 'Senhor! Deixa que Teu servo siga em paz; pois meus olhos viram o Salvador!' Se tivesses estado alerta, também poderias ter visto 'a Glória' no Filho de Deus! Olhai acima de vós e vede muitos amigos que já desfrutam das Bênçãos Divinas, pois reconheceram a época da Graça para todos os que, em Mim, confirmam Aquele do Qual fala a Escritura, trazendo liberdade e vida para os que O amam, creem Nele e O seguem! Por isso repito a chamada: 'Abandonai esta falsa concepção!' De há muito vos encontrais no Reino dos Espíritos! Eu Mesmo, Espírito e Vencedor da Morte, venho, a fim de vos conduzir à Vida Verdadeira! Sois mais pobres do que podeis imaginar! Só por Mim, vosso Messias, podeis ter consciência de que: 'Deus ainda hoje vos ama!' Olhai Minhas Mãos e Pés perfurados pelos cravos! Testemunham Minha obediência à Vontade Divina e Meu Amor-Perdão para com todos vós. A prova mais convincente, porém, ser-vos-á dada em vosso coração, pela certeza de ter Eu apagado vossa culpa! Exijo-vos apenas a fé, e que Me acompanheis à Verdadeira Vida que um servo de Deus pratica pelo amor desinteressado! Por isso, pergunto: Eljasib, acreditas em Mim?"
— "Não, não creio em ti", responde o Sumo-Sacerdote com frieza. "Se fosses o Messias, saberias que estamos no Santíssimo, embora o véu não o oculte! Por isso te digo como dignitário eclesiástico: Deixa este recinto sagrado com todos os que te acompanham, para que possamos nos purificar!"
— Alto lá! Nem mais uma palavra, tolo, cego!" retruca Jesus com rigor. O que hoje te deveria ser ofertado pela Luz da Graça, terás dificuldade de achar no futuro! Qual a opinião de vós outros? Tencionais continuar nesta vida fictícia, ou penetrar na Luz da Verdade no Meu Reino? Meu tempo é restrito, tenho de chamar a outros! Quantos estão à espera de que Eu venha abrir as prisões de seus enganos! Dou por terminada Minha Missão aqui! E tu, Meu Rafael, faze com que este Templo fantástico desmorone, depois de o terem deixado todos os de boa vontade!" Os anjos elevam as trombetas e, sob seu clarim, o Senhor segue com os Seus ao Monte das Oliveiras. Os que aqui tinham sido libertos, Ele manda encaminhar pelos anjos ao novo destino, conseguindo desta forma arrancar à morte espiritual tão sublime presa.
Quando mais ninguém se anima a deixar o templo, eis que rui debaixo de fumaça e fogo este edifício de mistificação espiritual, enterrando o Sumo-Sacerdote Eljasib e seus adeptos. Com dificuldade e dilacerados pelas dores, conseguem sair dos escombros, tendo agora vontade de seguir Aquele que tanto lhes pediu; era tarde, porém. Tudo continua nas trevas!
Assim passou também para o capitão esta noite, a noite espiritual em que vivera até então, e tornava-se luz em sua consciência sobre o que é divino e o que é humano. O anjo o reconduz à morada, onde novamente o integra na realidade terrena, dizendo: "Não julgues ter sonhado! Tem fé! Ama verdadeiramente e serve, fiel, Àquele que acabas de conhecer! Terás outras revelações acerca dos desígnios do nosso Magnífico Deus. Deixo-te agora. Não te amedrontes, pois recebeste o dom da visão espiritual! Quando for da Vontade do nosso Santo Deus, serei novamente teu guia. Que a Vontade de Deus nos conduza e viva em nós! Amém!"
VI. No Sábado anterior à Páscoa
De madrugada, estando o capitão sozinho, se lembra de seus deveres. Toma o desjejum e, bem disposto, sem o menor cansaço, se faz acompanhar por alguns soldados, a fim de controlar a guarda na tumba. Pelo lado de fora tudo está em ordem; os soldados, porém, contam que durante a noite ouviram um canto suave entoado por muitas vozes, o que lhes impedira o sono. Mas não havia vivalma perto do local. O capitão acredita em seus soldados e, comovido, levanta o olhar ao Céu! - Eis que vê novamente um grupo de anjos e Jesus em seu meio. Então começa a duvidar: O que seria verdade? Pensativo, fita com a visão interna a tumba selada: está vazia! Mas dois anjos estão presentes que o fitam amavelmente. Só agora está convencido da veracidade de suas vivências espirituais e sabe que Jesus vive, o que inunda de imensa alegria seu coração. Em adoração, contempla Jesus que, em vestes de pura Luz, Se encontra como Senhor entre os Seus. Jesus acena amavelmente ao capitão; este não pode mais conter seu júbilo e vai logo à procura de Nicodemus, a fim de lhe contar a visão e que Jesus vive! Nicodemus escuta admirado, mas acredita em seu novo amigo. Ambos se dirigem ao Templo, em cuja proximidade o capitão novamente contempla com a visão espiritual os escombros do templo fictício e como o ex-Sumo-Sacerdote e outros sacerdotes se chamam reciprocamente sem resultado, em virtude da escuridão. O capitão relata a Nicodemus o que se passara aqui, pronunciando o nome de Eljasib. Diz Nicodemus, admirado: "Foi Sumo-Sacerdote em épocas remotas! Como, porém, não quis reconhecer o Senhor, levará tempo para chegar-se à luz."
Entram então no Templo onde há muito povo e os templários se veem confusos por causa do véu rasgado. Fitam o capitão romano de modo hostil, este, porém, não lhes dá atenção, despedindo-se de Nicodemus para ver Pilatus. Ali logo se refere ao assunto do dia. Quando o capitão afirma: "Sei que o sepulcro está vazio! Jesus encontra-se vivo entre os mortos! Eu O vi na Glória de Seu Poder e Esplendor!" — Pilatus ordena: "Abri o sepulcro, para que nos convençamos de que falaste a verdade!" — O capitão, porém, diz: "Não é preciso, pois o Nazareno saberá quando convém fazê-lo! Sua Vitória será evidente sobre o orgulho dos templários! Alegro-me por eles terem esta lição, pois o prestígio do Templo sofrerá tremenda perda. Deverias ter visto sua consternação quando me viram esta manhã no Templo! O véu rasgado também os preocupa, pois não conseguem remendá-lo!" Em seguida, o capitão se despede de Pilatus, a fim de mandar atrelar o cavalo que o leve à Betânia. Um empregado o acompanha.
Não longe de Emaús, ele vê seu protetor, que lhe diz: "Desce do teu cavalo; tenho a transmitir-te uma Mensagem do nosso Senhor e Mestre! Volta para trás e vai à Betânia somente depois da Festa. Deves primeiro procurar Lázaro em seu albergue, pois José de Arimateia, que solicitara sepultar o Corpo de Jesus em sua propriedade, foi preso pelos sacerdotes. Da parte de Pilatus nada se pode esperar. Vai tu e liberta-o como autoridade competente, já que foste incumbido da crucificação, sepultura e selagem do túmulo. Como o Templo teme o Crucificado, comete mais este crime! Não te amedrontes, pois sentirás a proteção de Jesus que te guiará e te insuflará o que deves falar. Sentirás novamente a Graça de Jesus. Que Ele te acompanhe!"
O anjo desaparece e o capitão volta a Jerusalém, ao acampamento, onde requisita um pelotão. Chegando ao Templo, exige a libertação de José de Arimateia. Tanto o Sumo-Sacerdote como seus conselheiros se admiram, assustados no íntimo, negando tal fato.
O capitão os enfrenta, severo, dizendo: Se não trouxerdes de boa vontade o prisioneiro à minha presença, farei uma busca no Templo desde a mais profunda cripta até a mais alta cúpula. E quando o tiver encontrado, farei atear fogo nessa construção! Por vossa culpa diabólica mandei supliciar um Justo; vós, porém, O seguireis — tão certo como sou romano. Temos boa vontade em perdoar uma falta e usamos de clemência; mas os crimes que vós cometeis sob os olhos dos romanos em Nome de vosso Jehovah serão castigados pelo máximo rigor!"
Assustados, os sacerdotes recuam. Um deles, no entanto, dirigindo-se ao excitado romano, diz: "Nobre Senhor! Manda fazer uma busca no Templo, pois nada me consta sobre a prisão de José de Arimateia, meu amigo. Se ele estiver desaparecido, participaremos da vossa busca!" Nisto se aproxima o anjo em vestes romanas e diz ao capitão: "Libertarei o prisioneiro e trá-lo-ei aqui! Mas o Senhor quer que poupes o Templo!" Em breves instantes, o mensageiro divino traz o extenuado José de Arimateia em vestes rotas, que agradece com lágrimas nos olhos ao capitão. Este responde: "Caro amigo, agradece Àquele que nos criou e nos vigia com cuidado! Só a Ele tens que agradecer! Tem ainda paciência, que dentro em pouco assistiremos ao maior milagre!"
Neste interim, se juntam os outros sacerdotes, pasmos de verem José neste estado! O anjo, então, confirma que nenhum deles, mas somente Caifás sabia do ocorrido. O romano diz a este: "Foste tu o móvel deste ato! Cuidado que a medida da tua infâmia está completa, e sorte tua eu ser adepto de Jesus! Far-te-ia crucificar no Gólgota sem processo! Deves unicamente a Jesus de Nazaré estares hoje ainda livre!"
Apoiando José de Arimateia, ele sai com seus soldados do Templo e segue para o albergue de Lázaro, perto do Monte das Oliveiras.
VII. No albergue de Lázaro
Os soldados do capitão acampam no pátio e no jardim. Lázaro e o locatário cumprimentam o capitão e se admiram por ver o rico José de Arimateia neste estado deplorável, em meio dos romanos. Lázaro pergunta por que levam este homem honrado e diz: "Soltai-o, senhor, eu garanto por ele!" Sorrindo, o capitão agradece a Lázaro por seu amor, estende-lhe mais uma vez as mãos e diz: "Ele está livre só por mim; quer dizer: eu pude ser o instrumento do grande Nazareno; o Sumo-Sacerdote mandou aprisioná-lo às escondidas! Hoje já estava a caminho para te encontrar em Betânia, quando recebi por um mensageiro de Deus a ordem de libertar primeiro este amigo de sua prisão e procurar-te depois no teu albergue. Obedeci, fui com meus soldados para o Templo e exigi a libertação do nosso amigo! Veio-me, então, em ajuda o mensageiro divino, no traje de um dos meus soldados, fazendo-o sair de sua profunda prisão. Evidenciou-se, então, que só o Sumo-Sacerdote perpetrou esta injustiça, sem que outros sacerdotes tivessem sabido algo do fato, e penso que é por isso que devo poupar os templários conforme a Vontade do Senhor! Pois a Vontade de Deus me é agora também sagrada!"
Lázaro, muito admirado, chega a saber então todo o triste acontecimento que José de Arimateia narra: "De manhã cedo, eu me havia dirigido ao túmulo no jardim, para orar. Após profunda meditação, saí de lá por uma portinhola que dá para um córrego abaixo do meu jardim. Eis que se aproximaram cinco homens numa palestra amistosa. Passando por mim, eles jogaram um saco sobre minha cabeça, amordaçando-me em seguida mãos e pés, e me levaram embora! Depois de um longo trajeto, percebi que descíamos por uma escada, pois ainda pude ouvir o ruído de um trinco. Sentaram-me no chão, soltando-me de cordas e saco. Não tinha ainda visto os homens, mas um deles disse com deboche: "Tanto tu quanto o Sumo-Sacerdote podeis refletir agora sobre a maneira de te levar ao silêncio!" Saíram então, fechando o cubículo que tinha no teto uma pequena abertura por onde penetrava alguma luz. Fiquei à espera, porquanto de nada me adiantaria gritar por socorro. Apenas um pensamento me animava: "Deus! O Senhor Zebaoth não haveria de me deixar desamparado!" Isto me acalmou completamente. Por longo tempo fiquei sentado no chão; quando se abriu cautelosamente a porta, dando passagem a um soldado romano que, pegando minha mão, me levou para fora. Vi ainda o ferrolho voltar ao lugar. Em seguida, fui trazido perante o foro dos sacerdotes. Este capitão me libertou então totalmente, e eis-me aqui. Mas ainda me pergunto: Que pensará o Sumo-Sacerdote quando perceber que o cubículo continua fechado?"
Então o romano relata também a estes amigos que durante a noite um anjo, um mensageiro de Deus, veio a ele e o conduziu para o mundo dos espíritos, onde Jesus, o Senhor, continua vivendo e doutrinando. Também o fez olhar, com os olhos do espírito, para dentro do sepulcro fechado — vendo-o vazio! Lázaro, tomado de uma alegria sagrada, diz: "Oh, se Maria estivesse aqui!" No mesmo instante ela chega em companhia de Madalena e Nicodemus. Ambas as mulheres estão calmas e serenas, empolgando-se o romano com sua admirável nobreza de alma. Dirigindo-se a Maria, ele diz com certa timidez: "Respeitável e mui digna Mãe, considero tua dor! Mas permite-me que te diga: teu coração será em breve tomado da máxima alegria, pois Jesus vive, venceu o poder da morte! Ele Mesmo me deixou ver esta verdade! — E sinto uma promessa em meu íntimo: sempre seremos abençoados por Seu Espírito e Força!"
VIII. Como o Salvador é esperado num outro templo
Assim voltou a alegria aos corações dos presentes. Também Maria e Madalena sentem-se confortadas e estão cheias de expectativa. Notam, então, como a fisionomia do capitão se transforma, olhando fixamente um determinado ponto, e todos silenciam enquanto o romano começa a relatar: "Meus amigos! Deixai-me contar o que estou vivenciando agora! Vejo um templo enorme, cuja entrada é vigiada por dois leões repousando em duas colunas. O arco em cima é ornamentado por pedras preciosas e multicores. O interior é majestosamente adornado. No fundo há um altar, em cujo cimo arde uma forte luz. De cada lado vejo um anjo que segura numa das mãos, inclinadamente, uma espada e na outra, erguida, uma coroa cravejada de diamantes. Diante do altar Se acha Jesus, mostrando Suas Chagas. Agora percebo estar o templo repleto de seres desencarnados. Como no de Jerusalém, também aqui se apresenta um sacerdote; sua vestimenta é ornamentada de galões dourados e seu peito, de joia de ouro. Curva-se profundamente diante de Jesus e diz: "Senhor! Finalmente cumpriu-se o tempo! Por fim soou a hora também de nossa libertação; não mais faremos apenas aquilo que no mundo nos deu o poder. Senhor, devolvo-Te todos aqueles que me entregaste, depositando em Tuas Mãos minha missão de pastor. Profundamente gratos nos curvamos diante de Tua Santidade! Grande foi nossa felicidade quando Teus anjos nos anunciaram que preparaste os caminhos que podemos seguir, sendo conduzidos na Luz da Tua Sabedoria, de claridade em claridade! Agradecemos-Te, Grande e Eterno Deus! E Tu, Glorioso Filho Divino! Mártir da Tua Verdade de Amor! Que venha a nós Teu Reino de Amor e Justiça! Revela-nos Tua Vontade! Que devemos fazer para nos tornarmos dignos de seguir-Te?"
Diz Jesus com brandura: "Meus amigos e Meus filhos! Reconhecei-Me como Aquele que deveria resgatar todos os prisioneiros e libertar todos os coagidos! Modificai vossa índole! Como almas desencarnadas, livrai-vos da matéria, não temendo confessar abertamente que sois todos pecadores e necessitais de Mim como Salvador! Todo o resto depende de vós!"
O sacerdote tira suas insígnias e galões e tenta depositá-los aos Pés de Jesus. O Senhor, porém, meneia a Cabeça, e o sacerdote pendura tudo em um anjo que faz guarda; então ajoelha-se e diz: "Senhor e Salvador, aqui estou, e falo em nome de todos! (Todos se ajoelham). Estamos prontos para tal! Acreditamos em Ti, em Tua Missão! Perdoa-nos o que fizemos numa compreensão errônea e, se quiseres castigar, castiga apenas a mim, libertando todos os outros! — Quero penitenciar-me pelos enganos e pecados que incuti aos outros!"
Jesus Se aproxima dele, fá-lo levantar-se e diz: "A Paz esteja convosco! Não vim para pedir contas, e sim para vos ajudar e vos mostrar a Vida em toda sua Glória! Falta-vos, porém, o amor-perdão, pois julgáveis ter feito tudo pelo culto religioso! Vos enganastes! Dar, praticar, harmonizar o amor! Ter como única meta a felicidade dos pobres e oprimidos! Isto vos falta! Aprendei-o Comigo, que sou o Amor e a Meiguice, a Paciência e a Misericórdia! Todo Amor emana do Pai, e o Pai é Minha Vida Intrínseca! E esta Minha Vida de Amor Eu vos dou, se Me entregardes a vossa, de livre vontade! Vede Minhas Mãos e Meus Pés perfurados! São para sempre a prova externa do Meu Amor e Paciência para com os perdidos! A prova íntima do Meu Amor somente sentireis quando agirdes de acordo com Minhas Palavras! Amai-vos! Alimentai este amor pelo servir e pelo zelo santificado de agradar só a Mim e ofertar vosso amor-próprio! Se quiserdes isto, levantai-vos e tende animo! Meus anjos distribuirão pão e água de Vida!" Aparece, então, uma multidão de anjos, trazendo pão e cântaros para refrescar todos.
Um dos sacerdotes se curva diante de Jesus, oferecendo-lhe seu pão e cálice e dizendo: "Senhor, sem parecer ousadia minha, desejo oferecer-Te o que me cabe. Se bebes a minha parte, serei feliz!"
Com simplicidade, Jesus lhe diz: "Meu irmão, vê como todos saboreiam este primeiro alimento de amor. Vem, sacia-te Comigo e esquece teus pecados! Quando tiveres compartilhado dele, teu passado será remido, pois Eu sou Vida e Luz, Pão e Vinho! Desfruta disso sem receio, para que possamos ajudar os irmãos!" Os anjos rodeiam agora o Senhor, que diz a todos: "Meus filhos! Segui Meus servos fiéis às moradas que o Amor vos preparou! Tu, Meu irmão, fica Comigo! Serás testemunha ainda de outras Misericórdias!"
Nisto se apaga a visão espiritual do capitão, e todos estão profundamente comovidos por terem tido notícias de Jesus! O capitão também silencia. Um expressivo olhar de Madalena lhe revela o grande amor que dedica ao seu Mestre, pois não demora em perguntar-lhe: "Será demais indagar pelo aspecto de Jesus? Aparentava vestígios de Seu Sofrimento?" — e esperava com ânsia a resposta do romano.
Este disse: "Nobre filha de Sion! Jesus parecia transfigurado! Seus Olhos brilhavam como gotas de orvalho tocadas pelo sol. Suas feridas estavam sombreadas. Ele devia estar muito feliz! Sua Voz era meiga, lembrando som de harpa! Todo Seu porte, Majestoso! E, portanto, vencedor e os outros vencidos!" — Madalena agradece amavelmente. Maria estende a mão ao romano que a beija. Depois fez-se silêncio, pois nos pensamentos de todos estava Jesus.
Mais tarde, Lázaro convidou seus hóspedes ao jardim para se regozijarem com as árvores e as flores; "pois nosso coração estava cheio de tristeza", disse, "mas agora tudo se transformou em expectativa! Sinto meu peito apertado! Oxalá tivessem conhecimento disso todos os Discípulos e amigos! Mas devemos ainda ficar calados, conforme a Vontade do Senhor; pois para nós, Ele ainda não ressuscitou. Nosso capitão teve só uma vivência espiritual; mas Jesus prometeu que viria a nós! Aguardemo-Lo, pois!" E todos saíram da casa.
Só o capitão ficou, pois precisava estar sozinho. Era demais o que vivenciara nestas poucas horas! Por alguns minutos Lázaro ficou com ele, agradecendo-lhe mais uma vez as provas de amor recebidas.
IX. Jesus em meio de comerciantes judeus
Como Lázaro é chamado a negócios, o capitão tem calma para meditar. Eis que em espírito foi novamente levado a Jesus, que Se encontra num vasto jardim. Grande multidão, mormente comerciantes com suas caravanas haviam ali acampado; todos estes, porém, estão sem consciência da morte, continuando o comércio como seu meio da vida. Entre eles está Jesus com Seu séquito de almas já libertas. Ele os fita dolorosamente, porquanto a maioria havia assistido a Suas ações, Seu sofrimento e morte! Este acontecimento, no entanto, lhes fora apenas um espetáculo sem influência para seu falso amor às coisas mundanas.
"Ouvi-Me todos", clama Jesus, "não Me conheceis? Pois vistes todos Meus sofrimentos e tormentos! Já tudo se apagou em vossas memórias? Considerai que não mais sois homens da Terra; sois espíritos, mas ainda na crença de ali permanecerdes! Já imaginastes o que iria suceder se vossas mercadorias e fortunas desaparecessem? Vim para vos anunciar que soou a hora de vossa libertação, na qual deveis reconhecer que vossa salvação e ser eterno só se encontram no Meu Amor para convosco. Somente Ele Me deu a força de tudo sofrer e preparar-vos o caminho, no qual nos poderemos encontrar! Perguntai a todos os que assistiram aos milagres do Meu Amor sem Me conhecerem; confessarão que não vivi como homem entre homens, e sim como Deus entre homens. E se morri na cruz, provei apenas que para Meus filhos terrestres não haveria sacrifício que Eu não aceitasse! Desse modo, pela Minha morte criei para vós o meio de ascensão para o Coração Amoroso de Deus! Perguntai a Meus anjos! O que cantaram quando nasci não pode ser comparado ao que hoje presenciam. Perguntai a estas testemunhas aqui e compreendereis que a mais sublime vida de Graça quer apoderar-se hoje também de vós! Assim pergunto-vos: Acreditais em Mim?"
Um velho judeu se aproxima e diz: "Sim, és Jesus, filho do carpinteiro José! Mas por que nos procuras? Julgávamos-te no Templo! Não mais temos relações com os de lá! Sua ganância e rispidez nos abriram os olhos. Mas que queres fazer em nosso meio? Deixa-nos em paz, que também não te incomodaremos. Lastimamos teu sofrimento. Tua crucificação, porém, prova que necessitas de socorro! Se aqui permanecemos, é porque algo de misterioso nos prende. Senão, há muito já teríamos continuado o nosso caminho. Por acaso precisas de nossa ajuda? — Dize se podemos ajudar-te?"
Diz Jesus: "Vede Minhas cinco Chagas! Quem as reconhece, bem interpretará Minhas Palavras! São provas de que um especial motivo Me levou à Terra; por isso falei no final: "Consummatum est!" Nada disto vos leva a pensar? Convencei-vos de que esta existência aparente não tem mais razão de ser! Prestai atenção: Toda a vossa caravana com as mercadorias desaparecerão, a fim de que reconheçais em Mim não só o Poder, mas também Aquele que de vós Se aproximou! Sou fisicamente o por vós conhecido Jesus de Nazaré, o que vale só de Meu corpo; Meu Intimo, no entanto, é o Eterno Espírito de Deus! Através da morte na cruz, toda Minha matéria foi penetrada pelo Eterno Espírito de Deus, que a desintegrou! E como, após a Minha Missão, vim a vós para ajudar-vos, seria justo se submetêsseis a exame tanto a vós como a Mim. Eu tenho o Poder e poderia provar-vos isto! Jamais, no entanto, subjugarei o livre arbítrio de alguém. Apenas aquele que vier de boa vontade será aceito. Aproveitai este momento de Graça, para não vos arrependerdes de vossa teimosia! O único tesouro que vos resta é representado pela conquista do Amor! Meu Amor pertence a todos os seres, também a vós! Tudo será esquecido, se esquecerdes vossas posses transitórias e fordes à procura das Minhas Metas! Compartilhai da comunidade de Meus anjos e uni-vos pelo espírito puro do Amor! Então vereis em Mim Aquele que proporcionou a Moisés e Elias as Glórias de Deus!"
Admirados, todos ouvem esta revelação! Mas suas fisionomias demonstram pavor e decepção quando seus bens materiais desaparecem, e ninguém sabe para onde foram. Diz o velho judeu: "Onde ficaram nossas mercadorias? Compreendemos que devemos seguir-Te, sim, mas para onde? Não sabemos para onde queres nos conduzir. Pedimos, pois, que nos respondas!"
Diz Jesus: "Ouvi-Me, todos! Vossas carroças e vossos bens não desapareceram, porquanto só existiram na vossa imaginação! Estas fantasias tinham que se esvanecer, porque a Verdadeira Vida dentro de Mim transforma tudo num ser novo! Assim como a neve se derrete sob os raios do Sol, as verdades aparentes se dissipam em Minha Presença! Reconhecei o que sois! Vossa vida terrestre findou há muitos anos! Mas, como habitantes do vosso próprio mundo, não sabíeis que tínheis morrido — e continuáveis a observar os acontecimentos da Terra. Tu, justamente, tens provas do Meu Amor a ti, e vós, como descendentes de Davi, sabeis que também dele descendo. Se Me seguis, conduzir-vos-ei até onde ele se encontra, assim como Abraão! Lá encontrareis muitos conterrâneos e tomareis consciência de quanto perdestes, ficando gratos a Mim por ter-vos devolvido o perdido. Manifestai-Me, pois, vossa vontade!"
Todos se calam! Eis que o velho judeu se ajoelha e, chorando, pede perdão por não ter reconhecido o Senhor. Mas, reconhecendo agora a sinceridade de Seu Amor e a Verdade de Suas Palavras, O seguiria com prazer e pediria também aos outros de vir com ele, qualquer que seja o destino escolhido pelo Senhor." — Jesus pousa Sua Mão na cabeça do velho e diz: "Já que Me reconheces, não precisas te ajoelhar! Levanta-te e curva tua índole, para fazeres despertá-la ao suave influxo necessário para imitar-Me!"
O velho se levanta e exclama: "Irmãos! Cada Palavra de Jesus me comove profundamente, pois é verdadeira! Somente Ele nos poderá ajudar! Deixemos este jardim onde perdemos nossas posses. Em Jesus encontraremos tudo. Se ajudou a tantos, cumulando-os de dádivas, ajudará também a nós! Sua morte tornou-se Vida para nós, e Sua Paixão, a absolvição de nossos pecados. Ofereceu-Se para nos conduzir aonde estão nossos antepassados. Pergunto-vos: 'Quereis segui-Lo?' "Todos respondem: "Sim!" — Diz Jesus: "Pois, então, vinde e aprendei o Amor e as Forças que o renovam constantemente! Amém!"
O capitão vira tudo e ouvira cada palavra, mas agora a visão se esvai. Quando Lázaro volta para junto do romano, percebe que este tivera uma revelação. Por isto, põe a mão em seu ombro e diz: "Irmão, guarda-o para ti, a fim de que nossos corações consigam permanecer serenos e também possamos viver esta comunidade com Jesus!"
As mulheres se tinham refeito e combinado ir pela manhã ao sepulcro, para mais uma vez honrar e ornamentar o corpo de Jesus. Em seguida, relembram fatos do convívio com o Mestre. Principalmente Maria Madalena afirma não poder deixar de amá-Lo, pois tudo que tem é dádiva Sua. Deseja apenas abraçar mais uma vez Seus Pés! "Só uma vez queria me deitar no Seu Peito, para depois morrer!"
Maria então lhe diz: "Querida, não fales assim! Não rompas o fio, a compreensão de ser Ele o Senhor e que não ficará na tumba! Devemos amá-Lo somente em espírito, como Ele Mesmo nos amava tanto. Só agora percebo Sua Vitória! Seu Amor deve se tornar nossa vida intima; apenas pelo amor Ele permanece invisivelmente em nosso meio, insuflando-nos Sua Força e Sua Luz, trazendo paz e calma ao nosso coração!"
Todos sentem o bálsamo das palavras de Maria como um suave eco. É noite; o capitão tenciona voltar à cidade com Nicodemus. Lázaro, no entanto, lembra-lhes estarem num sábado e que não convinha fazê-lo à noite. "Será mais justo se fordes na madrugada, quando também as mulheres saem!" Desta forma, todos ficam no albergue de Lázaro.
X. Por que era preciso Jesus morrer?
Quando tencionam se recolher, o capitão pede a Lázaro que lhe faça companhia, porquanto não encontra dentro de si a explicação destes acontecimentos. Com prazer Lázaro a isto se prontifica, animando também os outros irmãos para uma palestra. As mulheres já se haviam recolhido. Assim, Lázaro se aproxima do romano, pousa ambas as mãos sobre os seus ombros e diz: "Caro capitão, é justo que nos peças esclarecimento para aquilo que não compreendes. O Senhor quer certamente dar também a ti plena luz e compreensão. Fala, pois, o que te aflige!"
O capitão lança um olhar sobre os irmãos, sérios e atentos, e diz: "Irmãos e amigo Lázaro! O espírito de amor que reina entre vós e tanto bem me faz, anima-me a vos tratar assim! Aceitai, pois, minha franqueza neste espírito! Eis minha pergunta: Por que razão Jesus de Nazaré, judeu, teria de sofrer esta morte pagã? Não haveria outro meio que não fosse o do máximo vexame? Qual o elevado motivo visado por Jesus? Custa-me conceber, sendo pagão, que Seu sofrimento e crucificação fossem um ato de Salvação e da Suma Graça Divina! Estas circunstâncias me são ainda muito enigmáticas."
Lázaro estende a mão ao capitão, dizendo: "Caro amigo e irmão no Senhor, não mais te chames pagão, pois fizeste apenas o que o dever te impunha. Quando, porém, teu olhar procurou o do Mestre, Ele reconheceu teu pedido de perdão! Ele te olhou com os Olhos de Seu Amor e bem sentiste a resposta à tua súplica, e com ela o despertar do teu espírito! Sentiste um sopro familiar e por um momento foste preenchido com as delícias das regiões eternas! No silêncio da noite, aprofundaste estas impressões, e Deus Mesmo, em Seu Eterno Amor e Misericórdia, te enviou um mensageiro, revelando-te no espírito o que milhões desconhecem! Não podias negá-lo, confessando que Jesus, crucificado, vive, mas uma vida imperceptível aos nossos cinco sentidos! Tua razão reage e pergunta com todo direito: se Jesus não é mortal, por que aquele suplício e vexame? Vê, meu irmão, o que assististe no Gólgota foi a revelação de Sua íntima Natureza Divina! Ficou provado, não só à Humanidade, e sim a todo o Infinito, que a base originária de toda a vida interna repousa no Amor Divino para conosco e na Misericórdia quanto à nossa vida afastada de Deus! Compreenderás o que te digo através do Espírito do Senhor, pois é de Sua Vontade revelar-te o porquê e a solução.
Por intermédio da queda de Lúcifer, o primeiro grande anjo de Deus, uma legião de espíritos, posteriormente encarnados, foi levada a uma direção que destituía a todos da integração na Eterna Pátria de Luz! Lúcifer, portanto, tornou-se inimigo da Vida que surgiu pela Divindade! Deus, porém, não só é Criador, mas deseja ser Pai de Seus filhos transviados! Tornou-se necessário, por isto, achar um caminho viável mesmo para os mais renegados! Após longos períodos, Deus Mesmo pôde realizar este empreendimento como Homem. Seria demasiado extenso integrar-te nos meus conhecimentos. Basta que te diga: No Homem Jesus manifestou-Se desde cedo a Vida Intrínseca do Espírito Eterno de Deus! Em criança, já sabia de Sua Grande Missão. Aos doze, ultrapassava os doutores do Templo na interpretação da Escritura Sagrada, pois Nele havia 'Vida de Deus', e Deus Mesmo era a Sua Vida! Lutas externas e internas, que se manifestavam cada vez mais intensas, tornavam-No mais forte. Pois Deus somente podia ganhar terreno vital dentro Dele à medida que Jesus conseguia, de própria vontade, renunciar e dominar tudo o que havia de humano Nele. A consciência nítida de que 'Deus Mesmo vive dentro de Mim', criou Luz e Força em Sua Vida íntima!
A esta consciência juntou-se o Amor à Sua Missão elevada, de sorte que só havia Nele um desejo: servir e agir de acordo com a Vontade de Deus! Cada vez o Amor mais se vivificava pela Onipotência Divina, e este sentimento vibrava pelo cumprimento de Sua Tarefa, no desejo de transmitir este Espírito de Amor, esta Fonte de todas as Alegrias, a chave da Felicidade Eterna, a todos que o desejassem! Mas de que maneira Jesus podia provar — e até doar — aos homens este Espírito Divino em Seu interior? Bem que Jesus fazia milagres e dava provas irrefutáveis! Bem que proferia Palavras santas e maravilhosas, porém conseguia apenas que o mundo com elas se empolgasse! Era preciso fazer um sacrifício que ultrapassasse Sua Ação até aquela data! Um sacrifício que aniquilasse o inimigo, caso tentasse desafiar este Amor e esta Vida Espiritual de Deus! Só poderá avaliar o sofrimento de Jesus quem O conheceu! E quando me reporto àquele drama, vejo-me a Seu lado. Sua morte, porém, traz-me o sossego íntimo, porque só agora posso sentir e compreender realmente Seu Infinito Amor para com os homens.
Vejo no meu espírito o efeito futuro deste Sacrifício do Gólgota, pois a cruz, símbolo de vexame, foi escolhida por Jesus como sinal de vitória sobre o pecado que lhe imprimiu seu selo. No sinal da cruz e no espírito do Gólgota desaparecem (perante Deus!) toda culpa e todo pecado e abrem-se as nossas fontes espirituais, dando-nos a certeza de que fomos socorridos pelo Salvador crucificado! Sinto começar a pulsar uma nova vida dentro de mim, transformando-me em outro (um novo!) homem, no qual não mais existe sofrimento. Existe, sim, uma escola na qual Jesus Pessoalmente suporta tudo comigo e me auxilia. Não precisas tornar-te inteiramente adepto; se assimilares este novo espírito que ajuda a todos a conseguir a salvação e verdadeira felicidade e fizeres o que teu espírito te incute, perceberás que esta nova vida em mim, não vem de mim, mas de Jesus! Podes concebê-lo?"
Responde o capitão: "Irmão e amigo Lázaro, perceber sim, mas não compreender completamente! Considera que fostes todos amigos Dele e iniciados em Sua Doutrina e Seus Planos! Se Seu sofrimento e morte devem desertar em mim esta vida espiritual, pergunto: Não haveria outro meio de atrair de novo a humanidade a Deus? É algo tétrico que um homem que sempre agiu pelo Bem seja designado a pagar os pecados de todos! Já não me refiro a jesus, mas a vós que tanto o amáveis."
Responde Lázaro: "Meu amigo, tenho apenas a dizer-te que o Senhor bem o sabia, pois disse: 'Se Eu não for ao Pai, o Consolador que vos conduzirá à plena Verdade não poderá vir a vós!' Não deixas de ter razão quando dizes ser horrendo pagar inocentemente as culpas alheias! Mas Deus Mesmo assim o quis, a fim de que o sofrimento humano tivesse um término para toda a eternidade! Jesus padeceu e levou ao lenho da cruz, em Sua Carne, toda a maldição e todo o pecado cometido em nossa carne! E este Seu máximo serviço de Amor, este Espírito oriundo da íntima união com Deus, possibilitou nossa reintegração ao Ser Divino! Bem que Sua Morte nos causou um grande abalo, fazendo-se noite em nós! Muito mais importante, porém, será nossa prometida certeza: 'Eu vivo e vós também vivereis!'
Esta Paixão e Morte representam um marco na história da Humanidade! Primeiro, a partir desta hora, ninguém poderá mais dizer: 'Por sermos pecadores, foi-nos obstruída a máxima sublimidade da Semelhança Divina!' Pois Deus renunciou em Jesus a todas as Suas Glórias, oferecendo ao mundo, com este Amor de Salvação, a chave para o Seu Reino! Segundo, através do Padecimento e da Morte de Jesus compenetramo-nos de Sua exemplar submissão à Vontade Divina, pois somente neste espírito servidor por amor os homens voltam a ser irmãos! Um sentirá então pelo outro, ajudando a vencer dores e sofrimentos, atribulações e misérias, transformando tudo isto em fontes de alegria e gratidão! Terceiro, caro irmão, nossa vida tem agora novamente um destino santificado! A Terra, como campo de provações, foi abençoada pelo Senhor! Pois tudo que vive e anda em erro deverá ser reconduzido aos Braços de nosso Pai Celestial! No Gólgota, onde o Céu de todo Amor Divino Se manifestou, foi erigido um farol, do qual se desprendem raios luminosos como condutores de vida. Pois foi lá que Deus fez um novo pacto com o homem. Lá descobriremos a verdadeira vida dentro de nós. Vê, nesses esclarecimentos encontrarás a resposta às tuas perguntas! Aquilo que se te apresenta como triste e aterrador na agonia de Jesus, deve se transformar na certeza absoluta de que agora pertencemos a Ele, pois Ele Se sacrificou por nós! E em toda a eternidade só poderá tornar-se verdadeiramente alegre e feliz quem vê no sofrimento e na morte de Jesus a expiação do que precisa ser expiado!"
O capitão, empolgado pela grandeza do Amor de Jesus que Lázaro pôde mostrar-lhe com palavras singelas, diz: "Irmão, agora se me torna tudo claro; de nada mais vou precisar. Pois o que a fé e o conhecimento dentro de mim levarão ainda à maturação serão os esteios básicos que a borrasca não poderá carregar! Uma coisa, porém, afirmo: Levará um tempo imenso para que este conhecimento se torne posse da Humanidade; muitos ainda irão à cova sem o mínimo consolo e conforto espirituais, porquanto somente a fé no Amor de Jesus nos unirá a Ele! Oh Jesus, Mestre de Amor, quão poucos te compreenderão neste Teu Espírito e Amor de Eternidade! No entanto, ficarás a espera de todos! Deixa que eu, o estrangeiro, Te abrace e penetre em Teu Ser! Preenche minha vida com Teu Espírito, que Te agradecerei com palavras e atos!"
Diz Lázaro: "Assim estará bem, meu irmão, pois pelo pedido mostras que já compreendeste a Vida Nova que faz de ti um filho de Deus. E penetrarás no Coração de Deus, que estará aberto para ti! Só então poderás haurir e agir em benefício de outrem, encontrando em ti a máxima felicidade: Jesus está em ti; escolheu teu coração para Sua Morada e tudo em ti se tornou Vida. Cada membro servirá então somente a 'esta Vida' que arde no altar do puro amor filial! Podes crer que mesmo no auge da dor Jesus foi feliz, pois via em Espírito o resultado promissor de Sua Semeadura, Seu Esforço e Luta! Por isso, queridos irmãos, terminemos por hoje nossa conversa e descansemos! Deixai-nos continuar na fé de que somente o Espírito do Gólgota que nos foi manifestado tão maravilhosamente poderá nos dar a força para vencer. O Senhor venceu; nós também venceremos com Ele! Tu, porém, Querido Mestre, não nos esqueças; pois alcançaste a Vitória para todos nós — no Gólgota! Amém!"
E, radiante, já elevou-se no horizonte o Sol da Páscoa.
CADERNO NÚMERO 9
A CAMINHO DE EMAÚS
I.
Um radioso amanhecer de verão levanta o ânimo de todos, pois os últimos três dias pesavam em suas almas, desde que souberam do passamento de Jesus. Os pobres e doentes haviam perdido seu Salvador. O Mestre fazia falta até àqueles que não O aceitaram integralmente! Enquanto o assunto do dia girava em torno daquele fato, súbito surge a notícia: "Jesus não mais Se acha na tumba, dizem que ressuscitara!" Esse boato se espalha rápido de casa em casa, sem que seja possível colher algo de positivo.
II.
Na estrada para Jerusalém, acampara uma tropa de soldados romanos. Dois homens de Emaús — Simão e Cleófas — se dirigem ao centurião com o pedido: "Senhor, somos cidadãos de Emaús e amigos de Jesus de Nazaré. Recebemos a triste notícia de Sua morte no Gólgota, o que nos levou à procura de uma confirmação. Como, porém, diziam que na Cidade de Deus rebentara uma revolta, de medo não fomos até lá. Hoje, no entanto, as novidades são outras: Jesus não estaria morto e teria aparecido a alguns, o que dilacera nossos corações de dúvidas! Pedimos-te, pois, informações quanto às ocorrências dos dias passados em Jerusalém."
Diz o centurião: "Amigos, infelizmente é verdade! Vosso amigo Jesus morreu na cruz! Não havia possibilidade de ajudá-Lo, porquanto assumiu a culpa, reconhecendo com calma Sua sentença final! Também já ouvimos algo sobre Sua Ressurreição, sem, no entanto, podermos confirmá-la. Não O conhecia pessoalmente; posso, todavia, garantir que considero feliz quem com Ele pôde privar! Ide até Jerusalém, a fim de vos integrardes da verdade!" Com estas palavras, dá ordem de marcha aos soldados.
Após longo silêncio, Cleófas indaga: "Simão, nada me dizes?" — "Querido irmão", responde este, "que adianta falar? Nosso querido Senhor e Mestre morreu! Que suplício não termos agido em favor de Sua libertação! Sofro demais e prefiro voltar para casa. Se ao menos pudesse morrer para que Ele vivesse!"
Responde Cleófas: "Alma fiel! Tua dor é minha também! Quem, no entanto, O rodeou como eu, não se deveria se sentir tão desconsolado! Também a mim magoa Sua morte! Mas as Verdades por Ele recebidas são eternas, pois Sua Vida, Seu Amor, Sua Ação caridosa perdurarão para sempre! Por isso, não nos devemos entregar ao desespero!"
"Amigo", diz Simão, "vejo que sentes como eu! Entretanto queres provar-me não ser minha dor justificada? Como dominar o coração quando chora? Podes sorrir quando ele sangra? Oh irmão, agora só nos poderia socorrer Aquele que não mais existe!"
Responde Cleófas: "Proferes palavras dolorosas, esquecendo as que o Mestre nos disse: Quem se vê assolado pela dor, que Me procure! Consolá-lo-ei e o ajudarei verdadeiramente, transformando seu sofrimento em alegria!"
Comovido, diz Simão: "Oh irmão Cleófas! Teu consôlo é bálsamo para minha alma dilacerada, mas não me pode tirar a dor! Oh Jesus! Por quê? Por que permitiste que tal Te acontecesse? Tu, o Puro, o Divino sobre a Terra! E agora, toda esperança foi vã?"
Cleófas, sentindo a dor amarga de seu amigo, vira-se como à procura de auxílio. Eis que veem um estranho deles se aproximar a passos rápidos. Ambos param, fitando-o admirados. O outro, então, cumprimenta-os, dizendo: "A Paz esteja convosco!" Eles agradecem: "E também contigo para sempre!" Após uma breve pausa, perguntam-lhe: "Para onde vais? Estamos voltando para Emaús!"
Diz o estranho: "Também sigo para lá e mais além. De longe ouvi vossos queixumes e vos procurei, porquanto vossa dor também Me faz sofrer!"
Indaga Simão, admirado: "Como pode nosso sofrimento afligir, uma vez que não demos motivo para tanto? Acaso conheces a causa de nossa tristeza?"
"Por certo!", diz o estranho. "Já a ouvi de vós; penso, porém, que exagerais, dando demasiada expansão aos sentimentos; a não ser que seja algo inédito!"
Diz Simão: "Caro amigo! Por acaso vens de tão longe e de nada suspeitas? Ouve: Lastimamos o passamento de Jesus de Nazaré, Amigo e Protetor dos pobres! Não há na Judeia quem não sinta esta desgraça, com exceção dos templários e romanos! Pois Jesus está morto, nos foi arrancado violentamente! Esperávamos Dele ainda obras de suma importância!"
Fala o desconhecido, com brandura: "Compreendo a dor que vos vem da alma tão esperançosa! Entretanto, pareceis esquecer que Jesus visava algo grandioso, apenas alcançável pela Sua Morte: 'o cumprimento de todas as esperanças que Deus, o Eterno, depositara Nele!' Julgais, porventura, que Seu Sacrifício fosse motivado pelo desejo de proporcionar uma vitória a Seus adversários?"
Responde Simão: "Amigo, talvez tenhas razão quando dizes que, com a morte de Jesus, se cumpriram as Esperanças de Deus! Nossas esperanças, porém, desvaneceram-se, pois continuaremos escravos e oprimidos. Temos a impressão de o Sol se querer afastar de nossos campos abençoados e de todos os amigos se ocultarem, dando razão ao adversário! Nossa fé se baseava na certeza de que apenas Ele nos poderia libertar! Que nos adianta o boato de que Jesus foi visto, feito circular por algumas mulheres? A morte não devolve sua presa!"
Diz o desconhecido, com seriedade: "Simão, a dor te cega, e te faz esquecer de tudo que Jesus vos falou! Não há mérito nisto! Se todos os discípulos abrirem seus corações a tais dúvidas, o inimigo de toda a Vida aumenta seu poder. Respeito teu sofrimento, por saber que as dores humanas passam pelo Coração de Deus! Já pensaste que provocas sentimento igual em teu querido Jesus? Sim, muito mais do que pensas! Até a Deus prejudicas com isto, porquanto o Mestre apenas cumpriu a Vontade Divina, mostrando a todos os homens o caminho da Salvação!"
Replica Simão, admirado: "Irmão no Senhor, que palavras empregas! Acaso és Seu discípulo que eu desconheço, chamado para a divulgação da Doutrina? Fala-me Dele, fim de que possa novamente sentir-me alegre!"
Cleófas o secunda: "Sim, irmão! Tuas palavras emitem o som que tanto apreciamos: o som da esperança! É dolorosa a certeza de Sua Morte! Se ao menos não tivesse padecido tanto na crucificação! E vê que nada Lhe era desconhecido! Até romanos eram Seus amigos, chamando-os de Seus irmãos!' Por que não incentivou Seus discípulos e amigos a lutarem contra esta tremenda injustiça? Por quê? Quem nos dará resposta?"
O desconhecido responde confiante: "Jesus Mesmo, meus amigos! Pois se bem que morresse fisicamente — não vive em nosso íntimo? Suas Palavras, Seu Amor e Atitudes já não se tornam vivos em vós? Não vos transmitem que havia apenas esse meio? Através da morte, deveria Ele, falecido, renascer espiritualmente entre Seus adeptos e seguidores, a fim de despertar em cada um a consciência: 'Também eu quero colaborar em Sua Grande Obra, que sofreu interrupção causada pelo Seu Passamento'. Caros irmãos! Jesus Mesmo mostrou-vos que estava determinado no Plano do Eterno Amor Divino este martírio e a morte corporal. Não pergunteis: Para quê? — Pois estas indagações de Seus amigos são piores que a injustiça que Lhe foi aplicada pelas criaturas cegas! Tu, Meu irmão, já és um iluminado pelo Espírito de Jesus! Tua fé e teu amor para com Ele devem criar 'Sua Vida' em ti e gerar, mas não inibir, 'Vida Nova' em outros! Conheces Moisés e os profetas e suas promessas! Considera que, se Deus procura anular a oposição reinante entre Ele e Seu adversário, é preciso aplicar o meio adequado! Esse meio foi e é Jesus, que o será até toda oposição ser desfeita!"
Diz Simão, admirado: "Irmão, não te compreendo inteiramente e peço que tenhas paciência comigo. Que vem a ser a oposição entre Deus e Seu adversário? Referes-te ao mal? Nesse caso, por que não se lutou abertamente contra Satanás? Teria sido facílimo ao Mestre exterminá-lo com a ajuda dos anjos!"
Diz o desconhecido em tom de advertência: "Simão, desse modo interpretas Jesus que viveu entre vós como o mais simples, servindo-vos com um amor até então desconhecido à humanidade?! Simão, Simão! Não te assustes se te digo que também tu foste escolhido e honrado para lutar em prol de Sua Santa Causa! Enganas-te em teu sentimento com referência à Pessoa de Jesus, porquanto tudo depende de Seu Espírito e de Sua Poderosa Vida Intrínseca! E 'Este Espírito' Nele — enquanto externamente Ele vivia como qualquer outro homem — é o móvel que força o inimigo a volver à Vida e à Ordem divinas!"
Diz Simão: "Teria ensejo de agradecer-te pela advertência, se não fosse tão grande a minha dor! Como pareces estar melhor informado, pergunto: Não teria havido outro meio que a crucificação? Era realmente intenção Divina que Jesus a aceitasse? Imagina que Deus, Senhor da Vida e do Amor, não considera Aquele que enviou, exigindo-Lhe obediência até o suplício! Contudo, ainda não chegamos ao fim, porquanto também nós devemos aguardar tal morte. Estou no fim da minha compreensão! Oh Jesus! Como Te seria fácil tirar-nos das dúvidas, se ainda fosses vivo!"
Diz o desconhecido, com seriedade: "Simão, por que aplicas novas chagas e dores a teu Jesus e Salvador? Lembra-te das palavras de Isaías: 'Ele suportará por nós todos os sofrimentos, todas nossas doenças e dores! Tinha que ser supliciado e morto, a fim de vos livrar dos pecados e erros e de todo mal, encontrando vós a paz em Seu Amor!' Diz ainda Isaías: 'Àqueles que Nele esperam e creem, apresentar-se-á o verdadeiro Salvador que os conduzirá à maravilhosa Jerusalém, nisto consistindo o cumprimento de todos os desejos e a extinção de todas as saudades de Deus e de Seus filhos!' Julgas que a morte na cruz fosse uma ordem de Deus? Oh, não, meu irmão! Foi a livre vontade, o desejo íntimo do Coração de Jesus, este sacrifício! Deus, o Eterno, aceitou-o, elevando-O a Senhor sobre tudo que existe nos Céus e na Terra! Se tivesse Nele predominado o menor constrangimento, o inferno teria motivos para regozijo. A morte de Jesus na cruz é a encruzilhada na qual os habitantes do inferno e os que estão em desacordo com o Salvador se confundirão! Justamente aquilo que te oprime e aumenta teu sofrer — a Cruz do Gólgota — deverá se tornar o caminho e a ancora de salvação. Por esta cruz, todos terão de passar! Ninguém poderá contorná-la, pois impõe a condição básica que leva à Verdadeira Vida com Deus! Podes, agora, entender Minhas Palavras, Meu Simão? E tu, Cleófas?
Este responde com ânimo: "Sim, irmão! Tudo é mais claro em mim, e toda tristeza se dissipou! E penso que também Simão se convenceu de que o Senhor não poderia morrer sem nos deixar algo semelhante a Ele! Vê, lá está minha morada; vem conosco e dá-nos mais do teu amor e sabedoria!
O desconhecido tenta negar-se, dizendo: "Tenho que seguir Meu Caminho, a fim de alegrar os corações de outros. Estais em casa, e a paz voltará ao vosso íntimo!"
Cleófas, porém, insiste: "Caro irmão, o dia já declina, e a noite vai caindo! Fica conosco e acompanha-nos durante a modesta ceia! Já que espiritualmente nos supriste com o alimento do teu coração, tirando-nos a dor, permite que te reconfortemos fisicamente!"
O desconhecido sorri, bondoso: "Bem, que assim seja, pois é o desejo do vosso coração!" Penetrando na casa, diz: "Que a Paz do Senhor seja contigo e os teus!"
III.
A mulher de Cleófas, vendo-os se aproximarem, vai em busca de água, lavando, primeiro, os pés do desconhecido, depois os de Simão e, por fim, os de seu marido. Em seguida, se dirige ao primeiro com as palavras: "Sê bem-vindo em Nome do Senhor, e que Tua Benção nos transmita a paz!"
O estrangeiro lhe responde com ternura: "Mulher de Cleófas! Teu desejo e tua vontade se cumprirão, se permaneceres nesta humildade, e a paz em ti seja tua força para sempre!"
Agradecendo, ela volta à cozinha, onde também vai Cleófas e lhe diz: "Ana! Muito devo a este homem! Prepara um bom jantar e um leito para que ele possa passar a noite conosco!"
Cheia de alegria, ela responde: "Oh Cleófas! Fá-lo-ei com prazer, porquanto nosso Hóspede deu-me tanto como a ti! Mas... como podes tomá-Lo como desconhecido? A mim, pelo menos, não o é! Deves ter memória fraca; do contrário, saberias Quem trouxeste à casa!"
Ele se desculpa, dizendo: "Ana, não indagamos o nome dele; sabemos, porém, ser um dos nossos, pois crê em nosso Mestre! Apressa-te, portanto, para servi-lo!" Ana sorri e diz: "Sim, está bem! Vai, pois tuas palavras perturbam meus pensamentos. — A Ti, Senhor, farei um repasto como se fosse Tua Própria Mãe!"
Enquanto isto, Simão faz as honras, convidando o desconhecido a sentar-se: "Fica à vontade, o lar de Cleófas também é abençoado pelo Senhor. É pena que estão sós. Tanto ele quanto sua mulher têm satisfação de acolher a hóspedes e amigos."
Amavelmente, responde o desconhecido: "Simão, também gosto de ser hóspede onde se prima pela hospitalidade e amor sinceros! De que vos adiantaria vossa hospitalidade se, ao chegardes aqui encontrásseis alguns irmãos e amigos iguais a vós, de corações dilacerados, caso eu não vos tivesse abordado? A mágoa e as dúvidas de vossos corações teriam aumentado em vez de diminuir. Por isto, a verdadeira hospitalidade e amor reinam apenas onde o discípulo testemunha com alegria a Glória do Senhor! Vem cá, Cleófas, e ouve também o que ora digo: jamais a Terra foi tão regiamente agraciada como nestes dias em que a Glória Divina pôde manifestar-Se no Gólgota! Por fim, Deus conseguiu criar uma obra projetada pelo libérrimo amor e dedicação de um homem! (não pela Onipotência Divina). Não foram os milagres de Jesus que provaram em mais alto grau ser Ele Senhor e Mestre, mas sim Sua Morte na cruz, pela qual conseguiu trazer à todos os homens a verdadeira Salvação! E esta Salvação aconteceu! Pois Jesus vive! E onde, futuramente, Ele puder manifestar-se como Espírito de Amor, a porta estará aberta para o Reino da Vida!"
Extremamente admirado, Simão indaga: "Já viste e falaste a Jesus? Dize-me, onde poderemos encontrá-Lo? Hoje, agora mesmo, procurá-Lo-ei; pois todo o meu ser se volta para Ele!"
Diz o desconhecido: "Simão, lembras-te ainda de Suas Palavras de despedida: 'Permanecerei em Espírito convosco e entre vós se continuardes, em espírito, Comigo?' Por que te deixas atrair pela Pessoa de Jesus, que apenas foi o ponto central externo de Sua Divina Natureza cheia de Amor? Meu Simão, já deveríeis ter-vos apropriado tanto do vosso Mestre, que em vossa presença ninguém sentirá Sua falta! Seria para Ele a maior felicidade, se Seus verdadeiros discípulos em espírito se considerassem os mantenedores da Grande Dádiva que legou a todos através Seu Martírio deliberado! Considerai Sua Vida e Morte sob este aspecto; dirigi vossas esperanças a Seu Espírito, que vossa tristeza se dissipará, manifestando-Se Sua Vida, em breve, em vós e depois também em vosso meio!"
Empolgado, diz Cleófas: "Irmão e amigo do Senhor! Nunca te vi perto do Mestre, entretanto, tua fala externa a linguagem de Seu Espírito! Como é possível que não sofras? Teu testemunho maravilhoso pelo Mestre prova que teu íntimo está isento de dor e preocupações! Tudo que dizes é a plena verdade! Vemos, porém, um longo trajeto pela frente, até alcançarmos a meta desejada! Aconselhaste-nos que depuséssemos toda esperança apenas em Seu Espírito! Sim, mas isso nos é ainda possível? Transmitiste-nos palavras cheias de Vida; entretanto, poderás observar os destroços em nossos corações, que necessitam ser removidos. Amigo, quem possui filhos e filhas e os vê perecer antes do tempo, requer muita coragem para não sucumbir! Este, é o estado d'alma que em nós encontraste! Também compreenderás que ainda não conseguimos contemplar a morte de Jesus no teu sentido?"
Com brandura, replica o desconhecido: "Cleófas, não precisas desculpar tua dor, pois o Mestre de tudo sabe! Procurei-vos somente para vos libertar das algemas que fechastes em vossos conceitos humanos em torno do Homem Jesus. Sua Morte desintegrou tudo que Nele era humano, no desejo de revelar o Salvador amoroso! Quanto mais prosseguirdes neste sentido em Sua Obra, tanto maior será a força que surgirá dentro de vós, pondo em ordem todos os destroços e os falsos conceitos pela compreensão Dele recebida: 'Quem Me amar fará a Vontade do Meu Pai Celeste! Mandou-Me Ele ao mundo, para que o tornasse feliz.' Eis Suas Palavras! E todos aqueles que ofertarem a outrem o que lhes é dado por Sua Graça, sorverão a bem-aventurança que Jesus sempre desfrutou, porquanto cumpriu a Vontade de Deus, Seu Pai Celestial! Ter-Lhe-ia sido possível recuar diante da ação de máximo Amor que deveria coroar Sua Obra, pela qual, finalmente, estabeleceu-se o caminho e a união entre Deus e o homem? Se Jesus tivesse mais vidas a ofertar, tê-las-ia rendido sem relutância! Valia salvar a vida interna de todos os filhos humanos de sua escravidão! E vós, como Seus discípulos, sois os primeiros incumbidos deste testemunho!"
Diz Simão, agradecido: "Caro irmão, vejo em mim tal necessidade. Quão pouco te custou que já começamos a sentir em nosso ser a secreta atração deste Espírito de Deus! Jamais permitirei que o inimigo da vida me venha roubar esta dádiva, enquanto permanecer em mim a consciência da união com Deus! Por isso, agradeço-te, como agradecerei ao Mestre! Embora tuas palavras martelassem meu coração, tornaram-se agora Pão e Água da Vida! Oh, se os outros irmãos pudessem estar aqui, como se alegrariam e se mostrariam gratos igual a mim!"
O desconhecido prossegue: "Simão! Só agora que te lembras dos outros, libertar-te-ás inteiramente do peso da amargura! Que representa o próprio sofrimento, se posso curar a outrem? É ele apenas o estímulo para a prática desta livre Vida Divina em mim! Se, porém, te dilaceras nesta tristeza e ainda te queixas, cortarás o fluxo da Vida! E todo o mundo em ti e ao teu redor estará algemado ou até quebrado, e o Salvador em ti também! Vê, o mundo todo não é o que parece, e, sim, como o vês através teu estado d' alma! Se fores um homem livre e alegre, compenetrado da Verdadeira Vida Divina — isto é, um filho de Deus — não pensarás no teu próprio sofrimento! Todos os teus desejos se concretizarão no tornar livres e alegres os que te rodeiam! Nisto serás assistido por Forças Divinas! Se, porém, deixares que a insatisfação e as queixas invadam tua alma, aborrecer-te-ás com todos que manifestam alegria, acumulando potências destruidoras! E o mundo ao teu redor se apresentará negro e desconsolador!
Vê, que contraste! De sorte que achais tudo na Vida e no Exemplo de Jesus! Se Ele tivesse apenas considerado Seus Próprios Desejos, todos os homens teriam ficado sem consolo, arrimo e esperanças por uma vida feliz interna que não só se apresentará no Além, mas desde já! Como Bom Pastor que Se dizia, cuidou de vosso futuro, que nada mais é que Seu Espírito dentro de vós! Pois Ele é o Alfa e o Ômega, é o Início e o Fim de todas as coisas!"
Radiante, Simão se vira para o amigo: "Oh Cleófas, que dizes? Não parece ser o Senhor Mesmo a nos transmitir essas verdades santificadoras? Meu íntimo está repleto de Vida, como se estivesse a Seu lado! Quase não há diferença!"
Diz Cleófas, algo preocupado: "Simão, não estarás recaindo no antigo hábito das preocupações, dificultando a vida dos outros? Tenho a impressão de que te deixas influenciar demais pelo nosso amigo. É verdade, tu, amigo e irmão, libertaste-nos em teu amor, pela simpatia ao nosso sofrer, e sinto como que Jesus não mais Se ache nas garras da morte. Sua morte lembrou-me também a minha morte, dado que pude esquecer Suas Palavras tão facilmente! Agora, porém, me sinto bem e uma vida totalmente diferente entrou em mim. Amanhã cedo te acompanharemos, pois conheces nosso destino e possuis a Vida que nos libertará! Não é isso, Simão?"
Confiante, este afirma: "Sim, irmão Cleófas, isto é evidente! A ti, irmão desconhecido, desejo perguntar: Jesus ressuscitou realmente, como dizem algumas mulheres? Já que nos contaste tanto da Vida do Mestre, estás talvez a par disso também. Empregaste tu mesmo a sentença: 'Jesus vive!', mas no sentido espiritual; desejo, porém, saber se Ele surgiu da tumba e se é possível vê-Lo, falar-Lhe e andar com Ele, como o fazemos contigo!"
Responde Aquele, com seriedade: "Irmão, esta pergunta te vem da alma e não do espírito! Contudo, afirmo: Sim, Jesus vive, tal como o predisse! Não afirmou Ele que poderiam destruir este Templo (o Seu corpo), pois haveria de reconstruí-Lo em três dias? Sim, Jesus vive num corpo indestrutível, soerguendo os corações vencidos pela dor de Sua Morte! Sim, Jesus vive e positivará Seu Amor mediante a promessa: 'Não vos deixarei como órfãos! Ocultar-Me-ei por curto tempo, para depois voltar e nunca mais afastar-Me daqueles que Me amam de verdade!' Compreendei que é preciso uma fé viva, que jamais deixe penetrar a menor dúvida na alma, para contemplar Jesus Ressuscitado e Vivo! Somente onde esta fé estiver viva, o coração estará em sintonia com Aquele que nunca mais pode morrer! Pois em tal fé poderosa o Filho do Homem, Jesus, morre fisicamente na cruz, glorificando até na dor mortal a Vida de Seu Pai Eterno!
Em compensação, a Vida espiritual de Jesus vivifica o coração do homem, fazendo surgir o fruto da Vida Imorredoura do Salvador! É, pois, verdade o que vos anunciei: Ele morreu para que os Seus vivessem! Recebem eles esta nova vida de Seu Espírito, Vencedor sobre toda a morte e todo o julgamento! Simão, crês, agora, que Jesus realmente está vivo?"
Diz este, animado: "Irmão no Senhor, da maneira pela qual o expões, vejo-me obrigado a confessar: Sim, Ele vive! Mas, por que motivo sinto esta inquietação? Com voz alta, ouço em mim: Sim! — Ele vive! Mas gostaria tanto de poder vê-Lo! Assim como Ele viveu como homem! Assim como Ele vive ainda em minha lembrança! E creio que só isso mataria a minha saudade!"
Sério, prossegue o desconhecido: "Irmão Simão, não te deixes iludir por tal ânsia! Conheces, pela Escritura, os subterfúgios do inimigo da Vida! Não lhe seria difícil imitar a figura do Filho do Homem, Jesus, ornamentando-se com vestes angelicais! Mas isso, sem dúvida, não mataria a tua saudade! Acaso ainda não te é possível projetares-te inteiramente na Vida Espiritual de teu Mestre e Salvador? Somente assim estarias livre dos desejos externos e firme internamente! Como poderás agir de acordo com a Vontade Dele, se alimentas o empecilho da saudade? Oh Simão, surgiu uma nova época para vós, uma época de realizações espirituais que exige testemunhas! Testemunhas intimamente seguras e livres, dedicadas com todo fervor Àquele que é e dá a Vida! A saudade tende à satisfação, mas não dá vida! Por isso, procura em ti aquilo que esperas externamente de teu Jesus!
Quando o Mestre travou a luta mais penosa dentro de Si, surgiu-Lhe uma esperança! Esta esperança transformou-se em saudade e, finalmente, em desespero! Concretizava-se ela em vós, Seus discípulos e irmãos! Bastaria um único olhar de estímulo para satisfazer Seu Desejo, diminuindo Sua aflição! Pois esperava de vós a compreensão completa para aquilo que o Amor — pelo Amor — exigia Dele em benefício de todas as criaturas subjugadas! Quando, porém, tal esperança e saudade se extinguiram, surgiu uma outra saudade, espiritual, maior e mais poderosa! Intimamente fortalecido agora, existiam para Ele somente uma Vontade e uma realização — pelo Pai! Oh, Meus irmãos! Se não vos for possível assimilar e sentir o que vos relato, não sereis, jamais, Seus verdadeiros discípulos e seguidores! Somente Nele está a Vida Verdadeira, e esta Vida Divina é a Luz para a humanidade perdida! Quem a possui deixará para trás toda esperança e saudade terrenas. Trata-se de uma só coisa: Fazer morrer dentro de vós tudo que é fútil! Então Ele não só estará convosco, mas em vós mesmos, recompensando Seu Espirito Sua Ausência Física!"
Comovido, diz Simão: "Caro amigo! cada vez me envergonho mais de minha fraqueza e confesso que tens plena razão! Tocaste, porém, num ponto que não entendo: Era preciso que a saudade também morresse em Jesus? Por mim, só posso estar contente e livre quando ela se cumpre! E nosso Senhor e Mestre, para Quem nada era impossível, teve de enterrar em Seu Coração algo não realizado? Contudo, afirmas: Surgiu uma nova e mais poderosa ânsia espiritual em Seu Íntimo, fazendo com que Sua Vontade rompesse os empecilhos, a realização em favor do Pai!"
O desconhecido continua: "Simão! Serão poucos os conhecedores daquilo que acabas de ouvir. Em Sua maior e mais penosa luta, o Senhor e Mestre Se achava só! Não existia expectativa de socorro, porquanto era Sua ordem terminante a todos os anjos e servos do Deus Eterno: 'Deixai-Me a sós, pois Aquele que Me poderá socorrer está dentro de Mim; é o Pai!' Mas Jesus ainda é homem; por ora procura compreensão para realizar a Obra gigantesca! Ainda é homem com um coração que sente necessidade de um aconchego de irmãos! Incompreensíveis, porém, observastes a luta do Mestre em Getsêmani e nenhum dentre vós se animou a postar-se a Seu lado, dizendo: 'Senhor! Venha o que vier, minha vida Te pertence!' Tal teria sido o cumprimento de Sua Esperança e Saudade! Queríeis lutar, sim, mas não ajudá-Lo a suportar o irremediável! Eis que morreu dentro Dele o que havia ainda de humano Nele!
Súbito, surge-Lhe um pensamento grandioso — algo que O fazia forte e humilde! E este pensamento tornou-se consciente, um fato real, pelo que Seu íntimo Se preencheu de uma só vontade: 'Não mais a Minha, e sim Tua Vontade se faça!"
Era como se todos os espíritos de luz que O observavam em Sua luta titânica Lhe quisessem testemunhar sua imensa gratidão, reconfortando-O, o que agora lhes era permitido. Um anjo ajuntou estas poderosas vibrações como numa lente ustória, estimulando Sua Vontade ressurgida! Centenas, sim, milhares de anos passarão, até que seja revelado qual foi o sustentáculo que levou o Senhor e Mestre de toda a Vida a sofrer e morrer em benefício de Sua Grande Obra de Amor! Naquela hora, foi conquistada a maior vitória! O que se seguiu depois já era mais fácil, pois a Vontade espiritual aplicada gerava constantemente novas forças dentro Dele!
Àquela hora, vós e todas as gerações vindouras deveis a possibilidade de se haver encontrado aberto o caminho que conduz à maravilhosa meta final! O que assististes no Gólgota foi a coroação de tudo aquilo que antes se formara no Coração de Jesus, a fim de — visível para toda Eternidade — dar a prova prometida de todos os tempos: DEUS é AMOR! E este Amor é e foi a Vida em Deus!
De agora em diante, cada um que conquiste este Amor viverá através do Espírito Vencedor de Getsêmani e Gólgota! E não há de haver inimigo ousado que toque neste Santuário Vital! Nessa irradiação sublime, Jesus não mais é habitante da Terra, pois voltou para o que é Seu! Essa é a Sabedoria celeste e a consciência máxima que Lhe foram dadas naquela hora penosa! Por isso, queridos irmãos, não choreis! Pois Ele vive lá onde Seus filhos e irmãos despertam! Lá, onde um coração filial melhor se exprime, compenetrado do espírito da gratidão: 'Fizeste isto para Mim, a fim de que possa viver uma vida em Tua Graça, em Alegria e Bem-aventurança!'
Ana havia assistido à dissertação do desconhecido sem que fosse observada, mas eis que Ele Se volta para ela, dizendo: "Aproxima-te e ouve também aquilo que direi ainda aos dois, pois é muito importante para todos! Não somente varões e discípulos do Senhor, mas todos, homens e mulheres, grandes ou pequenos, ricos ou pobres, são destinados, como portadores da poderosa Vida de Deus, a agirem através dela, de acordo com a Vontade do Salvador! Já não mais tereis que lidar com a Lei, mas com o Espírito do Salvador, pelo Qual, unicamente, solvereis vossa missão! Não pergunteis pela mesma, ficai prontos a cada momento para ouvirdes a chamada interior! Aquele que vos convoca informar-vos-á! Será entregue ao vosso amor e sabedoria a maneira pela qual vos desincumbireis da tarefa!
Existem ainda, em vós, escombros produzidos pela morte de Jesus que somente vós mesmos podereis remover! Por isso, relembrai a luta que o Mestre enfrentou para cumprir totalmente a Vontade de Deus, superando os impedimentos internos!
Considerai também ter sido Lúcifer o vencido, e seu ódio é ilimitado! Não há anjo que não se compadeça deste grande irmão, cuja queda foi tão desastrada! Pela morte do Senhor no Gólgota, também para ele se abriu o caminho de retorno à Deus e à Liberdade, mas só passando pelo Gólgota! A Cruz que deveria privar o Filho do Homem, Jesus, de tudo que é Divino, tornou-se o grande ponto de virada para todos. Assim, cada um poderá deixar que o Espírito do Gólgota o influencie, a fim de apurar a consciência de que “Jesus, o Salvador, vive também dentro de mim!” Impossível será conseguir a vitória de outra maneira. A Cruz não só simboliza a provação, mas o sinal dos escolhidos! Quem vence por este sinal encontrará todas as portas abertas para a Vida Eterna!"
Silenciosos, ambos os amigos se fitam. Ana, notando que o hóspede parou de falar, volta à cozinha para trazer a refeição. Todos ficam calados e se sentem profundamente comovidos. Quando a mesa estava posta, eis que Cleófas, voltando-se para o hóspede, lhe diz: "Irmão! A ceia nos espera e Deus nos deu o direito de abençoá-la! Faze-o e agradece por nós!"
Abençoando, o desconhecido ergue as mãos sobre os pratos, pega do pão, parte-o e diz: "Saciai-vos em Nome do Senhor, a fim de que se torne um estímulo para corpo e alma e vos compenetreis da gratidão que também a Mim saciou, tornando-Me possível cumprir integralmente a Vontade do Pai! Amém!"
"Senhor! Tu O és!" exclamam Simão e Cleófas em conjunto, precipitando-se para junto Dele, para Lhe pegar as Mãos, mas...o lugar estava vazio! O Senhor desaparecera! Ambos se olham e Simão diz, comovido: "Foi Ele, o Senhor! Oh, por que não O reconhecemos? Como Seu Coração devia estar magoado! Nós, Seus discípulos, não vimos o Senhor em virtude de nosso sofrer! Ele, que nos libertou de tudo! Abafamos a voz do coração que advertia: 'Ele é o Senhor em Pessoa!"
"Simão", diz Cleófas: "Sim, foi Ele! Mas também foi de Sua Vontade que não O reconhecêssemos! Não bateram nossos corações poderosamente como para protestar contra nossa cegueira! Mas eu te digo: foi a Vontade do Senhor; se não, deveríamos tê-Lo reconhecido!"
Diz o outro, agitado: "Oh irmão, enganas-te! Não concordo que Ele assim o quisesse! Fomos cegos devido à nossa fraqueza humana, que não desejava se livrar da tristeza. Foi em tal momento que o Senhor veio para nos libertar dela! Por isso, irei ainda hoje transmitir a grande notícia aos Irmãos: o Senhor vive!"
Então Ana diz: "Oh homens tolos! Como me foi possível saber Quem era o hóspede? Sabia-o antes de Ele me ter falado! Quando lavei Seus Pés, notei os estigmas e quando meus olhos tocaram Suas Mãos, vi o mesmo! Por isso O saudei como o Senhor, e Seu Agradecimento foi para mim uma Dádiva Celeste!"
Indaga Cleófas, estonteado: "Sabias Quem era e não me disseste?!"
Ela sorri, afirmando: "Disse, sim! Mas tu estavas surdo e cego e coube ao Senhor fazer-te ouvir e ver. Agora ide depressa e dizei aos Irmãos: 'O Senhor não está mais no sepulcro, mas esteve conosco, revelando-nos segredos profundos de Sua Vida!'
Vede, mesmo sem os estigmas, Suas Palavras me teriam despertado! Pois Quem seria conhecedor de coisas que somente nós sabemos? E Quem poderia tomar desta forma Sua Defesa? Mas, está bem assim! Ele conseguiu que não mais lastimeis, mas possais levantar o ânimo de outrem, com o coração cheio de alegria!"
Indaga Simão, admirado: "Ana, desde quando tomas partido do Mestre? Antigamente não eras assim; ao contrário, sempre afirmavas que as coisas não poderiam continuar neste pé..."
Responde Ana: "Simão, falaste certo, pois eu era uma serva e tinha de me satisfazer com as sobras! Hoje, porém, o Senhor me abençoou e sinto ainda o fluxo da força vital que me transmitiu! Tinha ensejo de regozijar-me: 'Teu desejo e tua vontade se cumprirão, se permaneceres nesta humildade! E a Paz em ti seja tua força para sempre!' — Oh homens! Compreendei o que significa ser por Ele abençoada! Sua Paz é nossa força e consumação! Nada mais preciso para minha vida na Terra. Sua Paz me sustenta. Sua Paz é meu esteio e dá-me a certeza de que Ele vive, mesmo que outros não o acreditem! Que felicidade me proporcionou com poucas palavras. E vós Lhe falastes tanto tempo sem perceber esta Graça!"
Afirma Simão: "Não resta dúvida seres a mais feliz entre nós, e eu me regozijo com tua felicidade merecida. O fato de não O termos reconhecido desde o início, privou-nos de alegrias apenas conhecidas pelos anjos mais elevados. Mas já não é uma Graça sabermos que o Senhor nos procurou? A nós, que nos achávamos sucumbidos por tristeza e dúvidas? Entretanto, como nos libertou e alegrou!"
Ana, então, concorda: "Simão, não vamos discutir quem seja mais feliz, pois o Senhor Mesmo nos trouxe a paz da alma. Penso, porém, que Ele visava ainda outro objetivo, por isto digo: Apreciai o alimento que Ele abençoou — e não o fez em vão! E considerai Suas Palavras sobre a gratidão, a fim de agirdes com mais alegria em prol Dele. As dúvidas que nos assaltaram, ainda são partes integrantes de outros!"
Em breve terminam a ceia, pois Ana conseguira despertar-lhes o zelo em demonstrar gratidão em seus atos. Deste modo, ambos se despedem e seguem depressa para Jerusalém, embora seja noite.
IV.
Os dois amigos se absorvem em pensamentos sobre o ocorrido; cada um espera que o outro se manifeste, mas ambos temem romper o silêncio e seguem calados. Durante o trajeto, são abordados por dois outros, que reconhecem ao luar e apenas quando bem próximos. Um deles, então, lhes diz: "A paz esteja convosco!", e dirigindo-se particularmente a Cleófas: "Amigos, para onde ides? É quase meia-noite! Que sucedeu, impossível adiar para amanhã cedo?"
Responde Cleófas: "Irmão José! Assistimos ao maior milagre: O Mestre Jesus ressurgiu dos mortos e falou-nos! Eis o que desejamos transmitir aos outros ainda lacrimosos por Ele."
Indaga José, admirado: "Vistes, realmente, Jesus? Estivemos em Jerusalém onde reinam dúvidas e boatos, e ninguém sabe o que é verdade. Houve quem dissesse a Efraim que Jesus esteve no Templo, em companhia de dois anjos, a fim de ajustar contas com o Sumo-Sacerdote".
Admirado, pergunta Cleófas: "Irmãos, destes crédito a tal comentário? Nosso Mestre Jesus que Se deixou crucificar, teria discutido com Seus inimigos? Para isto teria tempo de sobra quando vivo; preferiu, porém, sofrer inocentemente! Agora que acabamos de Lhe falar, sabemos da razão! Mas não nos detenhais, temos pressa; cada hora perdida poderia fazer perigar Sua Obra!"
Indaga Efraim: "Irmão, que pretendeis conseguir a esta hora? Se Jesus vive, saberá, Pessoalmente, o que fazer. Além disso, não consigo crer que O tenhais visto; aquilo que a morte nos tira, é e continua morto para nós homens. Por isso, voltai e entregai o futuro ao Mestre!"
Diz Simão: "Efraim, sabemos o que passamos e temos motivo para nos regozijar agora! O Senhor Mesmo nos proporcionou esta alegria. Quando, como Salvador, curava os enfermos e punha fim às suas lágrimas e misérias, ficavas satisfeito; como, porém, não obtiveste proveito material, não O consideraste muito teu amigo; assim, não te interessa saber se Ele vive, o que para nós é o mais importante! Se Ele realmente ressuscitou, podemos ter novas esperanças! Vem, Cleófas! Temos de transmitir aos outros esta imensa alegria! Nosso Jesus vive!"
Despedindo-se, ambos se dirigem, rápidos, para Jerusalém. Os outros param, indecisos, até que José diz: "Que será verídico? Sabes, não sossegaremos esta noite; assim, procuraremos alcançá-los, a fim de que, junto com eles, venhamos a descobrir a verdade!"
Responde Efraim: "José, falas como se isto fosse a coisa mais fácil do mundo. Como poderia juntar-me a Seus Discípulos se, quando Ele vivo, demonstrei tão pouco interesse e, mesmo agora, não sinto entusiasmo? Caso tenha realmente ressuscitado, seria de lastimar ter Ele sofrido tanto."
José se irrita e diz: "Incrédulo! Fica, pois, só! Eu me sinto por Ele atraído. Que felicidade se estiver vivo! Por certo, libertará Seu povo, porquanto é indestrutível! Que coisa grandiosa: primeiro o sofrimento, depois a morte e, agora, vida nova! Por isso, Efraim, vou segui-los!"
Resmunga o outro: "Vai, entusiasta! Prefiro meu descanso!" José não ouve as últimas palavras, pois corre para alcançar os outros, mas em vão. "Não tem importância", diz de si para si, "hei de encontrá-los no albergue de Lázaro!" Súbito, sente-se inundado duma imensa alegria, e exclama: "Oh Senhor e Salvador Jesus! Por que não Te segui quando vivo? Só agora que provaste a veracidade de Tuas Palavras sinto esta ânsia. Deixa-me obter a certeza de que, realmente ainda estás em nosso meio!"
Enquanto Simão e Cleófas continuam apressados, o primeiro diz: "Irmão, nosso amor nos dá asas, pois estamos próximos de Jerusalém. Vê, as próprias estrelas manifestam sua gratidão ao Criador por um especial fulgor. Continuo pensando nas Palavras de Jesus! Como interpretar o que disse com referência à gratidão?"
Responde Cleófas: "Irmão, só posso interpretá-lo no sentido de nos tornarmos idênticos ao Próprio Mestre, de aprendermos a pensar a Sua maneira, pois dedicava todos os Seus Pensamentos ao Pai Santíssimo! Nesta constante união, só tinha um alvo: Deus, e fazer a Vontade Divina! Todos os Seus demais Pensamentos só eram a consequência de Sua íntima União com Deus. Agora compreendo diferentemente Suas Palavras! Vê, nós que Nele críamos, esperávamos por vantagens, pela salvação de nosso povo oprimido! Por isso cumprimos o que Ele exigia. Mas teria sido Sua Vontade o que esperávamos Dele? Sempre afirmou: 'Agi de acordo com Minhas Palavras, então sabereis que não Eu e, sim o Pai nos Céus vos falou!' Não deixava de aceitar nosso amor; porém, apontava o sentido do verdadeiro amor! Só agora sei o que é amor, irmão Simão! E meu proceder em relação a Jesus seria hoje diferente, porquanto tenho consciência da gratidão por Ele me ter escolhido para trabalhar por Ele, mas não mais do meu, e sim, do Seu Espírito. E isso nos faltava!
Eis a prova disto: Estamos a caminho de Jerusalém não por Ele assim querer, mas porque o desejamos! Disse-nos — e Seu Amor tinha plano formado — assim: 'Ide e transmiti aos outros a grande felicidade que vos foi dada!' Fomos, e Seu Amor nos proporcionou uma tarefa grandiosa a que não ligamos, como posso ver agora no meu íntimo: os dois vizinhos, José e Efraim, eram para nós uma missão a cumprir. Não nos devíamos ter separado deles tão facilmente, era preciso transmitir-lhes o grande milagre de tal forma, que haveriam de acreditar com certeza íntima: O Senhor vive! Só então, irmão Simão, teríamos aplicado o amor ao próximo satisfatoriamente, demonstrando, destarte, a nossa gratidão pela graça que hoje nos foi conferida! Agora, porém, minha alegria já não mais é tão imensa, pois causamos-lhe uma decepção!"
Simão diz, pensativo: "Meu irmão Cleófas! Tuas palavras são profundas, e elas são pura verdade; penso, todavia, que nos julgas com demasiado rigor. Se tivesses razão, todo ato mal sucedido seria uma acusação! Quem poderia positivar que o Senhor o quisesse de maneira diferente? Não somos levados pelo amor a procurar os outros? Amor e gratidão não são idênticos?"
Responde Cleófas: "Irmão, não me compreendes e, se tentasse explicá-lo, terias outras objeções a fazer, porquanto não posso expressar aquilo que me vai n' alma! Uma coisa, porém, afirmo-te: Aquilo que não foi possível ao Mestre nos revelar em vida, Ele poderá fazê-lo agora! Apenas, porém, àqueles que Lhe sejam tão unidos, que encontrem dentro de si o que Sua Bondade Infinita, Seu Amor e Misericórdia lhes reservam."
Perplexo, pergunta Simão: "Cleófas, és de opinião que o Senhor tenha querido falar-nos ainda mais, mas que algo O tivesse impedido de falar abertamente conosco?"
Responde este com seriedade: "Irmão, tal não é apenas minha opinião, mas é o meu conhecimento consciente, pois o Senhor só podia nos dar aquilo de que necessitávamos! Todavia, despertou meu espírito interior! E, meditando mais profundamente, considero o Mestre muito mais glorioso que dantes! É de estranhar que neste estado se apresentem novos pensamentos e influxos de vida? Simão, quando o Senhor dá, fá-lo de Coração aberto! Eis porque encontro neste Coração aberto uma infinidade de maravilhas, e repito: decepcionamos o Mestre! Aqueles dois nos foram entregues como prova: Ele depositara Sua esperança em nós!"
Indaga Simão, agitado: "Irmão, não seria possível completar amanhã o que hoje ficou por fazer? Ao meu ver, podemos ainda recuperar o que perdemos!"
Responde Cleófas: "O que passou, passou! Assim como não posso chamar de volta a hora passada, não é possível, tampouco, recuperar uma oportunidade perdida! O Senhor, porém, é Bondoso e Lhe será fácil fazer o que nós não podemos. Não se trata de cumprir Sua Vontade por ser Ele o Senhor e Mestre, mas pelo desejo de nos tornarmos Seus eleitos, igualando-nos aos anjos! Devemos considerar agora Sua Vida Intrínseca como posse de nós mesmos, de sorte a não mais haver diferença entre "Sua" e "nossa" Vida! Oh irmão, não sentes nisso algo grandioso? Ele, meu Salvador e Deus, depositou nesta união comigo os mesmos sentimentos por Ele experimentados! Grande é o Senhor e imensamente Poderoso! Entretanto, faltam-me palavras para traduzir Seu Amor!"
Comovido, responde Simão: "Cleófas, pressinto, apenas, o sentido de tuas palavras, porquanto ainda me acho atordoado! A Figura de Jesus quase se desvanece diante do Espírito de Seu Amor! Eis a encruzilhada que me impede de seguir-te. Em Sua Presença sentia a vibração de uma vida que tocava minhas fibras mais íntimas. E todo desejo se concretiza na união total com Ele!"
Diz Cleófas: "Simão, Simão! Que disse o Senhor? 'Não te deixes enganar pela saudade!' De acordo com tua compreensão, a Vida Dele só se poderia de ti achegar na Pessoa e Figura de Jesus? Então como interpretarás a sentença: 'Quando vier o Consolador, Este vos conduzirá à Verdade Plena!'? Irmão, irmão, donde virá este Consolador? Onde Se encontra Ele agora, e Quem é o Consolador? Não será a nova vida dentro de nós, surgida de Seu Espírito de Amor que em nós confirma: 'Somente Tu, Senhor Jesus, poderás ser o Verdadeiro Consolador, pois onde vives, agem Tua Verdade e Tua Vida!' Mas esta deve ser reconhecida e conquistada, porque nunca disse Jesus: 'Sou o Senhor e teu Deus!' e, sim: 'Procura-Me, filho! Deixar-Me-ei encontrar, dando-te aquilo que almejas! Preciso é que Me busques no próprio desejo do coração!' Vê, meu Simão, deste modo reconheço agora o Amor de Jesus, encontrando-O dentro de mim!"
Responde Simão, cético: "Irmão, em vez de nos unirmos, estamos nos distanciando um do outro! Tua compreensão é por demais elevada para mim! Além disto, como irás me provar ser tua noção do amor melhor do que a minha? Em Jesus, eu via tudo que é bom e belo! Deu-me o exemplo que sempre procurei em vida! Estando com Ele durante anos, encontrei o que externa e internamente me fez feliz e contente! — E agora afirmas termos falhado e decepcionado o Senhor? Irmão, desde que me recordo, sempre tivemos, felizes, a mesma convicção. Na alegria e na tristeza estávamos unidos, e nunca houve uma dissonância em nossa amizade; assim não compreendo como podes, no teu entusiasmo, defender uma causa para a qual te faltam provas!
Sereno e amável, responde Cleófas: "Irmão Simão, não me separarei de ti, pois justamente aquilo que encontrei em mim através da Graça é o incentivo que procura além, pela dedicação completa! Insistes em não entender o seguinte: desejas tudo possuir para ti, mormente a Jesus; enquanto eu procuro tudo dar, até mesmo o Senhor! Estás errado afirmando que não possuo provas, pois dentro em pouco José, que está correndo atrás de nós, estará aqui! Esta intuição me foi dada por Ele. Confessa: não é essa manifestação de vida introspectiva mais encantadora que tua saudade? Vê, o Senhor dá e nos reserva muitas dádivas sem que Lhe peçamos, pois sabe das nossas necessidades!
Foi Ele tentado no deserto a transformar pedras em pão; mas deixou de fazê-lo e bem sabia por quê! E durante a multiplicação dos pães para cinco mil pessoas, sabia o que era necessário para saciá-las, sem que alguém Lhe tivesse pedido: 'Senhor, cria pão, pois o povo tem fome!' Não encontras algo grandioso em ti, que ainda não externaste? — Eis, porém, José, que finalmente nos alcançou!"
Antes que Simão pudesse responder algo, José chegou em toda pressa e disse: "Que bom vos ter encontrado! Louvado seja Deus! Acusei a mim próprio, pois, se Jesus ressuscitou deveras e vos procurou, podemos prosseguir na esperança de que venha salvar Seu povo da opressão! Oh irmãos, perdoai minhas dúvidas anteriores, pois novas, grandes esperanças se fazem agora vivas em mim!"
Embora se regozijassem com a vinda do amigo, Cleófas adverte: "Querido, não te enganas? É realmente desejo de teu coração encontrar Jesus, ou serão as vantagens materiais o móvel de tuas esperanças? Afirmo-te: Jesus não morreu para Se tornar Vencedor de Seus inimigos, julgando-os constantemente, mas para que aqueles que Nele creem recebessem uma nova vida! Sua Ressurreição é a garantia e a assinatura que firmam Seu Testamento para toda a eternidade: 'Estou vivo e todos vós deveis despertar por Mim para esta grandiosa Vida Divina!' Por isso, perscruta teu íntimo, pois o Senhor e Mestre quer sê-lo não por Sua Onipotência, mas pelo amor de Seus filhos! Oferta-nos Sua Vida Espiritual, a fim de que recebamos Suas Bênçãos e, como abençoados, possamos cooperar na Grande Obra da Salvação!"
Responde José com seriedade: "Irmão Cleófas, tuas palavras são qual espada e, ao mesmo tempo, como um bálsamo! Visas o meu bem, embora tivesse sido eu que antigamente vos deixasse, negando o auxílio que teríeis merecido por causa de Jesus! Penso, porém, que se o Mestre ora aqui estivesse, não me repudiaria, mas me daria as boas-vindas. Posso ter falhado porquanto meu interesse por Ele era fraco; agora, no entanto, sinto-me tomado de uma força poderosa que me inclina para o Mestre! Será isto imaginação?"
Diz Cleófas, satisfeito: "Oh, irmão José, o Senhor sabe do teu desejo; portanto fará o que Lhe compete, esperando de ti atitude idêntica, pois não é admissível que peçamos sempre pela Vinda do Senhor a fim de nos socorrer! Enquanto vivo, Ele nos serviu como homem, como irmão; agora, após ter despido a matéria, aproximando-Se de nós em Sua Verdadeira Natureza Celestial, convém que nos esforcemos em nos tornarmos doadores e servos de nossos semelhantes. Ele é agora nosso Pai e nós, Seus filhos! Ele nos deu o exemplo de dar e servir; imitemo-Lo, pois, para nos integrarmos do Seu Espírito. E nada podemos chamar de posse nossa! Tudo vem Dele, de sorte que, José, se te vem a ideia de procurá-Lo, podes estar certo que te foi insuflada para te transformares num homem de procura e de aspirações espirituais. É natural ser tua alma sujeita a influências estranhas; o amor ao Pai, no entanto, e o crescente desejo de te unires mais a Ele, iluminar-te-ão! Alegra-te, pois, José, que estás no caminho certo, pois procuraste e encontraste, embora não encontres o Senhor em nosso meio. Ensinar-te-emos como achá-Lo dentro de ti!"
Responde José, admirado: "Irmão Cleófas, empregas hoje uma linguagem bem mais positiva do que antigamente. Seria mais compreensível se Simão, que já é um discípulo do Senhor, me falasse assim; mas não importa quem me mostras os justos caminhos para eu chegará boa meta. Não te aborreças, se te faço uma pergunta: Se consta que o Senhor ressuscitou da morte — bem, vós O vistes e Lhe falastes — pergunto: Teria sido a morte de Jesus o sinal de nos unirmos mais estreitamente, reconhecendo-O só agora como nosso Verdadeiro Salvador? Deve ser desconcertante para Seus inimigos... Primeiro, o triunfo: 'Este inimigo das antigas Leis mosaicas não existe mais! Nós somos os senhores!' E agora, Jesus sai da tumba e proclama: 'Não estou morto, mas vivo!' — Queridos irmãos, peço-vos que não esqueçais esta hora, a fim de que Sua Vitória também se torne nossa!"
Cleófas prossegue: "José, enganas-te muito! O Senhor está vivo e deseja permanecer nos corações de Seus filhos! De minha parte, não necessito de mais provas, porquanto sinto dentro de mim o fluido de Seu Poder e conheço apenas a tarefa de me tornar digno desta Graça! Tua indagação não demonstra nenhuma fé, mas sempre dúvidas! José, reconhece: Novas perguntas trazem novas dúvidas, como deves saber como velho judeu! Por que motivo não dás crédito a nosso testemunho? Nossas relações para com Jesus agora são outras, pois não mais é homem e nosso servo, mas o Senhor e Pai Eterno, segundo profetizado por Isaías. Uma certeza confirma a outra, e assim, irmão José, chego às mais vastas noções sobre Jesus. Isto me proporciona uma maravilhosa calma e certeza! Por isso, não indagues, crê, mesmo que nada vejas! É Ele agora a admirável fonte cheia de Graça que Se manifesta: 'Vê, estou contigo, não te amedrontes!'; assim Se manifesta quando uma alma das mais pequeninas a Ele se dirige, ao Senhor!"
Admirado, José somente diz: "Irmão Cleófas, agora devo calar-me, pois tuas palavras traduzem uma vida que por ora não assimilo! Todavia, repito: Desejo ver Jesus e, deleitando-me ao vê-Lo, pedir-Lhe perdão, para também me confortar com Suas Palavras! Pois tuas palavras são poderosas demais para mim! Que pensas tu, irmão Simão?"
Este sorri, bondoso, e diz: "Sou de opinião que ambos somos tolos! Como tantos outros, procuramos algo que de há muito possuímos, que nos foi dado hoje pelo Próprio Senhor! O coração adverte, clama e quase não suporta o ímpeto de amor; a razão, porém, exige barreiras para impedir a nova vida! Estou curado, pois confesso ter Cleófas compreendido tal vida nova, testemunhando-a de viva voz! Como sei agora interpretar bem as palavras: 'Virá a hora — e já chegou — em que sereis dispersados, cada um para o que é seu, deixando-Me a sós! No entanto, não estou só, pois o Pai está Comigo!' Como Ele estava certo! E o que era a Sua Força? O Pai está com Ele! Irmãos, o mesmo digo eu: 'O Pai está comigo!' Neste espírito também quero servir-Te, Pai, como fez Jesus! Pois Tu és também o meu Pai, o Pai de nós todos!"
No mesmo instante, surge uma grande estrela cadente que ilumina toda a região; depois que se apaga, a escuridão é maior. E voltam a brilhar as estrelas!
Diz Cleófas: "Quereis melhor resposta? Os próprios elementos provam sua sujeição à Vida e às Leis de Deus; por isso, devemo-nos positivar, cumprindo com alegria a Vontade do Mestre Divino Jesus! Só então, o mundo saberá que Jesus vive! Enquanto não morrer em vós o desejo de liberdade externa e vantagens materiais, jamais Ele Se revelará em vosso íntimo, nem poderá mostrar-Se a vós. Disse literalmente: 'Meu Reino não é desse mundo!'; este Reino que Ele habita e para o qual nos abriu as portas pela Ressurreição! Crede-me, queridos irmãos, muita coisa ter-Lhe-ia sido poupada, se tivéssemos concebido melhor o sentido de Suas Palavras e o Espírito de Seu Amor! Sua morte não nos teria dispersado, mas sim unido, fazendo amadurecer em nós Seu Espírito que dá com prazer e a todos procura servir!"
Diz Simão, comovido: "Irmão Cleófas, agora te compreendo melhor e sinto ter antes trilhado meus próprios caminhos! Graças ao Senhor, estou bem orientado, podendo seguir-te agora em teus pensamentos. Qual não será a alegria dos Irmãos ao ouvirem as boas novas!"
Responde Cleófas: "Irmão, será que também andam tão desesperados quanto nós há bem pouco tempo? Onde estaríamos, se o Senhor não nos tivesse libertado? Vamos, porém, depressa, fazendo descansar nossa boca, mas falar tanto mais nossos corações!"
V.
O boato circulante de estar a tumba vazia provocara grande agitação em Jerusalém. Os templários se ocultavam, o que facilitava a ação livre dos amigos do Senhor. Também no albergue de Lázaro há grande movimento e confusão, pois nada se sabe ao certo. Já passa de meia-noite e todos continuam acordados, porquanto Pedro trouxera a notícia de que o Senhor tinha sido visto pelas mulheres. Isto naturalmente contribui para aumentar a saudade dos outros.
Neste interim, entram Simão, Cleófas e José, que recebem uma acolhida hospitaleira, contentes de encontrarem aqui os Irmãos. Pedro logo indaga: "Irmãos, que vos traz a esta hora? Será a saudade do Senhor? Nesse caso, devo dizer-vos que Ele ainda não esteve aqui, embora conste estar vivo, conforme Ele nos fez saber pelas mulheres; mas ainda não O vimos!"
Responde Simão: "Irmão Pedro e vós outros que esperais ansiosos a Graça de ver também o Senhor em Pessoa, dou-vos a boa notícia de termos falado com o Mestre! Sim, Ele entrou conosco na casa do irmão Cleófas! Infelizmente, não Lhe proporcionamos muita alegria, porquanto nossos corações apenas sentiam medo, preocupações e mágoas por Sua causa! Juntou-Se a nós como se fosse um desconhecido, como alguém que nada sabe dos acontecimentos, deixando que Lhe confessássemos o que nos oprimia! Quão benéficas foram Suas Palavras de consolo! Disse, porém, não ser de molde aos discípulos do Senhor permitir que as dúvidas invadissem a alma! No entanto, custamos para reconhecê-Lo! Viemos, pois, para vos dizer: "Nada temais, pois o Senhor de tudo sabe e cuida!"
"Conta, conta!", pedem os Irmãos! "Como Se apresentou Ele? O que falou?"
Responde Simão: "Não é possível relatá-lo, pois éramos outros quando Ele nos procurou! Peço-vos que ajamos como sempre, isto é: silenciemos, a fim de auscultar nosso íntimo! Pois pergunto: Qual o motivo de o Senhor ainda não ter aparecido em vosso meio? Não seríamos nós os próprios culpados? Se o fez a alguns, o amor devia ter possibilitado as condições para tanto! Irmãos, onde estava nosso amor quando Jesus sofreu? Onde nossa união para confortá-Lo? Tudo havia se dispersado como palha ao vento, pois nós O abandonamos! Esperávamos que dizimasse Seus inimigos! Essa esperança era fútil e não se podia se realizar! Assim, Ele ficou sozinho em Sua dor! Só, diante de Sua Missão! Agora sabemos Dele Próprio o que é preciso e, alegres com a Sua Promessa, conhecemos também os meios para trabalharmos na Obra da Grande Salvação!"
Diz Pedro: "Muito me alegra ouvir de vós que o Mestre esteve convosco. Pois agora sei que também virá a nós. Tua repreensão, querido Simão, não é de todo infundada! Mas dado que o Senhor está vivo, dando-nos provas de Seu Amor e perdoando a nossa fraqueza, só queremos agora ouvir o que Ele nos diz! Irmãos, passamos horas de tristeza e sentimos não ser mais possível viver sem Ele! Por isso, pedir-Lhe-emos: 'Ó Senhor e Mestre, vem também a nós e consola e alegra nossos corações!"
Diz Cleófas: " É justo nosso pedido e esperança; Ele virá também a nós, ajudando-nos e apoiando-nos no futuro! Mas não haveria algo diferente do que pedir e esperar? É o que penso, já que o Senhor e Mestre nos deu tão iniludíveis provas de Seu Amor que em nossos corações, deveria manifestar-se algo diferente! Não julgais que seria mais proveitoso se um júbilo nos penetrasse no coração e silenciosamente anunciasse: 'O Senhor vive, pois sinto-O ao meu lado e dentro de mim! Então, nenhuma dúvida nos poderia mais inquietar! Nossa compreensão humana é demasiado restrita para tudo o que o Senhor fez em nosso benefício! É inconcebível para a mente humana! Ser-nos-ia possível avaliar Seu Sofrimento? É justo falarmos ainda Dele? Apenas nos será permitido falar sobre isso, se nos aprofundarmos em Seu Amor!
O Padecimento de Jesus nos ensina a calar! Após ter vencido todo mal, Ele nos deu a possibilidade de também nos tornarmos vencedores! O caminho da vitória não é longo, conduz apenas ao coração! Irmãos, lá poderemos sentir a união com o Senhor! Lá poderemos levar o consolo para todos, através do Amor do Pai, em Jesus! Quanto mais consciente e profunda a união com Ele, tanto mais forte o desejo de servir e dar! O amor que Lhe tributamos é também Seu Amor para conosco! E o nosso profundo amor ao Mestre deve ser a medida para o nosso serviço ao próximo! O mais próximo é e será meu Jesus! O dia de ontem me mostrou toda nossa miséria, pois o Senhor havia morrido! O de hoje modificou-me completamente, porquanto Ele vive, e eu, através Dele! Minha vida futura será guiada apenas pela vontade de restituir-Te Teu Amor para mim, Meu Bom Jesus, com todas as minhas forças disponíveis!"
Admirados, os Irmãos fitam Cleófas que num discurso inflamado se prontifica a lutar apenas pelo serviço do Amor de Jesus, o que torna muitos advertidos quanto a seu medo e preocupações. Silêncio profundo invade o recinto; as palavras de Cleófas enchem todos os corações com a força de um encanto, e nada pode quebrar o silêncio. Mas Cleófas o rompe, prosseguindo: "Irmãos! O Senhor muito Se inquieta conosco. Quanto desejaria tornar-nos todos inteiramente livres! Mas tendo-nos provado ser Ele o Senhor de toda Vida e de toda morte, é-Lhe difícil ajudar-nos como o fazia. Já não mais é Homem, mas, sim, nosso Deus, Pai Eterno que tudo nos deu, nada guardando para Si! Com Suas Dádivas, Seu Testamento, podemos construir um novo mundo! Deixamos de ser apenas criaturas tomadas de pavor ante o menor inimigo da vida! Oh! Não! Somos agora Seus filhos, conquistados pelo Sangue de Seu Coração! Esta ideia que vive em nós qual Vida indestrutível, nos responsabiliza e à gratidão incentiva! Ou pensará alguém de modo diferente? Pergunto por ver algumas dúvidas dentro de vós e por saber o que representa a menor dúvida!"
Irrequietos, os Irmãos confabulam entre si. Finalmente Filipe diz: "Irmão Cleófas, tuas palavras soam qual música; contudo, penso não derivarem de teu coração, mas de teu novo entusiasmo por Jesus! Vê, tudo que fazia o Mestre era natural, portanto não havia contradição em Suas Palavras. Tu e Simão vistes a Jesus e Lhe falastes, entretanto afirmas: 'Ele vive dentro de mim e nada haverá que possa levantar dúvida!' Caro irmão, julgo também conhecermos o Senhor! Não obstante a predição de Sua Morte, ficamos e ainda estamos abatidos! Confesso que tenho vontade de crer em ti, sinto, porém, uma mágoa íntima que não se extinguirá até que consiga também vê-Lo! Por bem intencionadas que sejam tuas palavras, no meu íntimo continuo sendo o mesmo que antes."
Diz Cleófas, calmo: "Irmão Filipe, lastimo não teres compreendido o sentido de minhas palavras! Além disso, esqueces que afirmei: Nossa relação para com o Senhor deverá se transformar, pois Ele é agora apenas Espírito e Vida, dando-nos uma vida do Seu Espírito! Assim como morreu no mundo exterior, deverá morrer como Homem em nossa vida interior, ressuscitando espiritualmente pela Fé, como Senhor, Vencedor e Salvador! Se tua crença não conseguir alcançar este estado, as próprias decepções te levarão a isto. Crê, embora não vejas! Ele nos deu a base para isto. Ele é a base sobre a qual temos que construir! Quem a desprezar, desprezar-se-á a si mesmo; e quem chegar a este ponto, não poderá ser ajudado nem por Deus. Irmãos, acaso o Mestre veio apenas para nos mostrar o Pai? Ou trouxe o Pai, pessoalmente? Precisamos ter certeza sobre isso! Se eu conseguir através de Jesus, nosso Mestre de Amor, um Pai Eterno, não sei o que me poderá deter em considerar-me Seu filho! Irmãos! Já esquecestes Suas Palavras: 'Quem Me ama, ama também Meu Pai e fará as obras que faço através do Seu Espírito'!? — Por isso, tornemo-nos irmãos verdadeiros, unindo-nos no Espírito de Jesus! Só assim revelará Seu Amor Pessoalmente entre nós!"
Cleófas silencia. O milagre (o Senhor ter estado com os dois) era por demais elevado para todos, o que agora os faz assediarem Simão.
Mas Pedro diz: "Irmãos, deixamos para trás uma época onde os maiores milagres não nos perturbaram, e agora desejais ardentemente o milagre de ver o Senhor? Quais foram os conselhos dados por Ele quinta-feira passada? Não esqueçais Suas Palavras: 'Sois Posse Minha, considerai-vos Meus irmãos predestinados de Eternidade! Continuai unidos a Mim, que nada vos sucederá!' Entretanto, o que sucedeu? O Senhor voltou para o que era Dele, deixando-nos o recado: 'Continuai Minha Obra pela Glória do Pai e não Me esqueçais, pois vivo e ajo por vós!' Parece como se Ele nos tivesse sido arrebatado; mas deu-se justamente o contrário: Tornou-Se nossa posse! Pois o inimigo de toda Vida não contou com Sua Ressurreição! Silêncio, porém, para que o Senhor também nos possa procurar!"
Simão e Cleófas tentam igualmente acalmar os outros, o que não conseguem. Qual torrente revolta por uma tempestade, manifesta-se o desejo: "Somente o Senhor Mesmo poderá nos dar a certeza!" E quando Cleófas se anima para responder, o Mestre Se apresenta!
"Paz! A Paz esteja convosco!" diz Ele, "não vos amedronteis! Sou Eu pessoalmente que vos trago Paz e Serenidade! Vede, nem a morte, nem a tumba Me puderam reter nas algemas do sombrio poder da morte! Pois em Mim tudo é Luz, Eu sou a Luz! Crede, embora vos faltem provas! Não existem barreiras que impeçam Minha Vida Espiritual; quem Me recebe, terá aceito Minha Vida! Meus irmãos! Vede Minhas Mãos e Meus Pés! São eles apenas a prova externa do Meu Amor para convosco! A outra, a interna, levai vós à Humanidade! Então recordar-Me-ei com alegria das dores que passei por todos vós! É-vos dado reconhecer e conceber o que anjo algum imaginou! Mas para tal é preciso inabalável Fé! Agora que Me Vedes, acreditais! Felizes, porém, os que creem sem Me ver! Seus corações receberão um fluxo de Forças e Benções! De agora em diante, toda Glória de Minha Vida se revelará onde Fé e Amor criam uma nova vida espiritual! Uma Vida de Deus! Luz da Luz Divina e Amor do Pai Eterno! Eis Minha Promessa! Tudo isto poderá se realizar somente quando Eu não mais estiver visível em vosso meio!"
Todos se precipitam para junto do Senhor, que os abençoa com Suas Mãos magoadas sobre suas cabeças, dizendo: "Vigiai e permanecei neste Meu Espírito! Então poderei ficar, também Eu, em vós! Sede abençoados pela Plenitude de Meu Amor e Força! Prossegui em Minha Obra, para que se torne a Salvação Eterna para vós e para todos! Amém!"
Vazio está o lugar onde o Mestre Se postara! Toda tristeza, porém, também se dissipa, dando lugar à grande alegria em todos os corações: "Ele vive! Ele vive! Morte, onde está teu espinho? Inferno, onde está tua vitória? O Senhor venceu, deveras, inferno e morte!"
Animados, os irmãos se despedem. Cleófas, Simão e José ficam no albergue, e a alegria de terem se unido novamente ao Senhor animava-os, impedindo o cansaço. Passam a noite numa meditação profunda. O dia seguinte mostra-lhes nitidamente sua nova tarefa, inscrita no coração com letras de fogo: Transmitir a todos a Mensagem: "O Senhor ressuscitou, ressuscitou realmente! E Ele quer viver agora em nossos corações"! Amém!
CADERNO NÚMERO 10
O RESSUSCITADO
Manhã de Páscoa em casa de Nicodemus
No albergue de Lázaro todos haviam se levantado cedo a fim de serem úteis aos que queriam ir à cidade. Em silêncio e pensativos, Nicodemus, o capitão, a Mãe Maria e Maria Madalena voltaram à casa de Nicodemus, onde encontraram, além de Pedro e João, igualmente Salomé e Maria, mãe de Jacó. A dor do reencontro despertou um choro entre as mulheres. Enquanto os discípulos tentavam encontrar palavras de consolo, Maria Madalena saiu calmamente para chorar sozinha no túmulo de Jesus.
As mulheres haviam arranjado unguentos e pomadas, necessários ao embalsamento, todavia tinham dificuldades para sua tarefa devido à grande pedra que lacrava o túmulo. Eis que disse o capitão: "Estou convicto que não mais tendes necessidade de vossos unguentos. Um acontecimento espiritual com Jesus me dá a certeza: Seu sepulcro está vazio! Jesus vive! Ele ressuscitou! — Por isto, alegrai-vos e abandonai a tristeza! Jesus venceu a morte!"
Todos o fitam admirados, sem nada perguntar; em seguida também as três mulheres se dirigiram ao túmulo.
No jardim de Nicodemus são abordadas por Maria Madalena, que exclama emocionada: "A sepultura está vazia! Jesus está vivo! Eu O vi de longe e corri para abraçá-Lo, mas Ele me deteve, dizendo: 'Não me toques!' — Mas eu devo comunicar-vos a todos que O vi! Meu coração vibra tanto porque O vi!"
Completamente alteradas, as mulheres voltaram com ela à tumba, encontrando a confirmação de suas palavras: a pedra tinha sido afastada, a tumba estava vazia. Mas dois jovens luminosos cuidavam dela e informaram que o Mestre havia ressuscitado.
Pedro e João haviam seguido as mulheres e também verificaram a presença dos anjos na sepultura. Muito comovidos, todos voltaram à casa de Nicodemus e relataram aos amigos sobre o milagre. Então todos começaram a dar suas opiniões: "O Mestre vive? Talvez possa chegar aqui a qualquer momento! — Ou vamos procurá-Lo junto dos demais Discípulos?"
Somente Maria Madalena estava calada e cheia de tristeza íntima, pois: vê-Lo, falar-Lhe e não poder tocá-Lo —isto era demais doloroso para seu coração vibrante por Jesus!
João percebeu sua tristeza e tentava esclarecer-lhe que o Mestre só podia ser tocado agora num amor espiritualmente celeste! "Por isto, cara Madalena, renuncia ao teu amor, julgando que Jesus fora um homem igual a nós. Terás que aprender que Ele é Deus para toda a eternidade! Tens que compreender que Sua Encarnação ocorreu para nos libertar da antiga maldição de Adão, para preparar-nos o caminho para a vida íntima com Deus, nosso Criador e Pai. Ele preparou para todos os homens o uso dos recursos certos, dando o exemplo para esta meta elevada. 0 Para chegarmos a esta união feliz, mas puramente espiritual com Ele, nosso Deus-Pai, iniciou Sua grande Obra de salvação, há muito tempo prometida, como Homem entre nós. Agora essa época de Sua Obra passou, e à segunda, nós ainda podemos assistir. Mas a terceira é prevista para aqueles que seguirão Seu Exemplo como Homem, no Espírito de Seu Amor e Verdade íntima. Por isto não deves mais amar Jesus como Homem com teus sentidos, mas ama-0 como Espírito Puríssimo, apenas no coração! Só então Ele há de Se revelar segundo Sua Promessa, também a ti, como a nós, em Espírito!"
Essas palavras eram qual bálsamo para seu coração ferido; mas também os outros haviam ouvido com atenção esta revelação profunda a respeito da íntima Natureza de Jesus, e se sentiam mais leves, muito embora seu querido Mestre lhes faltasse muito.
Em seguida, os Discípulos, Pedro em primeiro lugar, se encaminharam rapidamente para Jerusalém a fim de comunicarem aos outros irmãos que o Mestre está Vivo!
O capitão já se havia despedido, com as seguintes palavras: "Meu dever me chama! Tenho de examinar a tumba e em seguida informar Pilatus!" Ao passar pelo jardim, não havia um vigia romano sequer presente; admirado, ele mesmo entrou na tumba. Novamente ele vê os dois jovens, numa claridade fora do comum, que ele já havia visto uma vez em espírito e que agora o orientaram: "Vai rápido e faz teu dever. O Mestre necessita de ti!"
O capitão corre para junto de Pilatus e relata: "A tumba do Crucificado está vazia! Jesus vive! Algumas moças já O viram e Lhe falaram! Qualquer engano é impossível, pois eu mesmo analisei a tumba!"
Pilatus, ao qual já haviam transmitido esta estranha informação, mandou chamar os guardas. Tiveram que juramentar seu relato, confirmando a ausência de fraude. Em seguida, acrescentaram: "Durante a noite um forte raio iluminou toda a região, tornando tudo visível; mas não havia uma só pessoa à vista. O raio rompeu a tumba, e a pedra diante da entrada não existia mais; mas do túmulo se projetaram raios luminosos que nos cegaram e atiraram ao solo. Em seguida a noite escura voltou. De repente, o solo se tornou tão quente que fugimos e informamos os fatos no quartel."
Pilatus se sentia sem ação: por isto, enviou uma carta ao Sumo-Sacerdote, perguntando: "O que dizeis a este acontecimento? A carta terminou com essas palavras: "A morte violenta de um inocente não veio de minha vontade e sim da vossa! Agora assumireis também a responsabilidade por ela!"
Esta informação causou pânico entre os templários. Subitamente acreditavam que havia chegado seu último dia. Jesus está vivo? O que deve ser feito? A maioria fugiu do Templo. Em seus corações se manifestava a consciência! Mas Pilatus não recebeu resposta.
No albergue de Lázaro
Também no albergue de Lázaro perto de Jerusalém, conhecido de todos, os Discípulos transmitiram a boa informação de que a sepultura está vazia e que algumas mulheres já haviam visto Jesus e Lhe tinham falado. Quando à noite todos os Discípulos e muitos amigos já estavam reunidos, João repetiu que Jesus não mais era Homem, mas Espírito puríssimo, que todavia poderia aparecer a todos em Sua antiga Figura humana.
Dizia João: "Por incrível que pareça, não deixa de ser verdade: Ele estará lá onde é adorado e amado em Espírito e Verdade. E se nós nos unirmos no coração, Ele estará conosco e entre nós! Esta Presença puramente espiritual é a consequência de Seu Sofrimento e Sua Morte voluntária e inocente. Todos os impedimentos humanos da morte foram por Ele rompidos. Tudo o que era terreno e humano Nele, se divinizou. Por isto, tenhamos paciência.
Ele já sabe da hora em que poderá Se tornar Visível também a nós. Quanto a nós, esperemos com paciência a hora, nos alegrando por ter Ele vencido a morte também para nós, para que nosso destino — a Vida Eterna com Ele — se torne mais luminoso e visível."
Essas novas revelações sobre as intenções divinas durante a morte voluntária de seu Querido Mestre eram ouvidas com atenção. À meia-noite chegaram os discípulos de Emaús e relataram suas maravilhosas vivências com Jesus ressuscitado.
Em companhia de Nicodemus
De manhã cedo, os Discípulos, Lázaro e os amigos voltaram para a casa de Nicodemus e relataram aos que lã ficaram a respeito do Aparecimento do Ressuscitado. Todos ouviam com atenção as maravilhosas palavras em profundo silêncio, ninguém ousava perguntar algo. Súbito, o Mestre Se encontrava em seu meio. Seu olhar profundo penetrava nos corações, e as mulheres não continham as lágrimas.
Jesus, porém, lhes disse: "Paz! Que a Santa Paz esteja convosco! Que vosso sofrimento se transforme em alegria! Que toda vossa tristeza passe, pois estou outra vez convosco! Todavia, não posso permanecer para sempre convosco visível como agora! E preciso que vos torneis totalmente livres e intimamente firmes como Minhas testemunhas, portadores de Meu Espírito, para agirdes livremente conforme vos ensinei tantas vezes! Meu Espírito em vós vos dirá sempre o que podeis fazer e como agir em Meu Nome. Continuai unidos em Meu Espírito e servi-vos reciprocamente. Então sabereis que sou Eu que ora vos serve, como o fiz quando Homem.
Não pergunteis: "Onde estiveste?" — Meu Espírito informará o vosso! Ele vos guiará a toda a Verdade e Sabedoria. E todos que cumprem Minha Vontade o saberão! Não silencieis mais perante os homens, pois também vós sereis realizadores. Não temais, pois Eu venci tudo por vós. Meu Amor em vós seja sempre vossa força! Sede todos abençoados e saudai os outros irmãos! Que a Paz esteja convosco!"
Seu Olhar pousava abençoado os presentes e, tão rápido como Ele chegou, Ele também desapareceu. Os Discípulos se olhavam em silêncio. Sua Mãe chorava de alegria!
Novamente João tomou a palavra e disse: "Caros irmãos e queridas irmãs! Acabastes todos de ver Pessoalmente Jesus. O Mestre vive! Ele está entre nós e Presente em Seu Amor. Agora depende de nós de causar-Lhe alegria. A felicidade de tê-Lo visto é imensa. E aquilo que nos disse, nós o sentimos. Seu Infinito Amor para nós é o mesmo de antes quando ainda vivia entre nós como Homem. Existe apenas um entre nós que foi testemunha de Sua maior Misericórdia (o capitão). Estou certo que ninguém pode avaliar essa formidável ação. Quão elevado é o Seu Amor comparado ao nosso! Éramos egoístas, esperando sempre um sinal de Seu Amor e Poder, e não nos preocupamos com os outros. Lembro-me de Judas; por que o deixamos sozinho em sua aflição? Mas o Senhor o sabia e despertou um outro irmão (Dismas, ver cadernos 8 e 9) que o aceitou amorosamente. Nós, que sempre sentávamos à mesa e recebíamos Dele Amor por Amor, e Graça por Graça, nos sentíamos abandonados e entristecidos. Oh, me envergonho da grande pobreza de amor de nossas almas que mostramos! Em vez de termos fé, fomos pusilânimes! Mas agora que vimos e ouvimos o Mestre, nos sentimos novamente alegres. Agradeçamos-Lhe por esta nova felicidade! O Senhor Jesus, fica conosco e que não se faça mais noite em nós! Esparge a riqueza de Teu Espírito sobre nossas almas ainda muito fracas para recobrarmos a saúde de corpo e alma, para nos tornarmos um testemunho para o Teu Infinito Amor! Amém!"
Silencio e Paz sagrada envolviam todos os corações. Eis que Lázaro se levantou, agradeceu novamente ao Senhor pela infinita Graça de Sua Vinda, e pediu aos Discípulos e demais presentes para acompanhá-lo a Betânia a fim de que todos chegassem a saber que Jesus está Vivo, e a Paz e a Alegria também penetrassem em seus corações.
Após uma Ceia de Amor, quando a alegria geral havia atingido seu auge, Lázaro recomendou mais uma vez a partida. A despedida foi emocionante, pois muitos só pretendiam seguir posteriormente. Cada um sentia como o sofrimento e a alegria comuns uniam mais estreitamente todos os corações.
Na cidade de Deus
A caminho de Betânia, os homens passam por Jerusalém, onde os ânimos estão visivelmente agitados; os templários haviam feito uma busca na tumba, a ocupação militar reforçara as sentinelas e novas tropas se apresentam e são observadas pelos habitantes de olhos assustados. Por toda parte se formaram agrupamentos em discussão acalorada, razão pela qual os chefes romanos haviam ordenado ocupar todas as praças públicas com dupla guarda. E tudo isto — por causa de Jesus!
Quando o capitão passa com Lázaro pelo palácio de Pontius Pilatus, exige alguns soldados para proteção a caminho de Betânia. Em torno do Templo também reina grande inquietação: do Santíssimo se irradia um calor tão forte que impede o Sumo Sacerdote de se aproximar do altar, e o reposteiro continua partido. Se em outras épocas o átrio era o lugar onde muitos faziam bons negócios — hoje lá tudo está quieto, pois os homens só têm interesse pelo milagre da Ressurreição de Jesus. O pavor da sexta-feira toma vulto e os mais cordatos exclamam: "Crucificastes um inocente! Quem nos ajudará para que o castigo de Deus não nos atinja?!"
O capitão se aproxima desse grupo, em companhia de Lázaro, dá ordem de silêncio e diz: "Cidadãos de Jerusalém, acalmai-vos e recolhei-vos a vossos lares! Jesus, o Crucificado, vive! Não O temais, pois se quando Homem era vosso amigo, muito mais o é hoje, como Ressuscitado! Seus Ensinamentos de Amor e de Humildade perduram. Crede Nele, amai-vos uns aos outros e esquecei a tristeza dos últimos dias, pois Ele padeceu por culpa alheia e redimiu nossos erros! — conforme consta em Isaias — tendo portanto resgatado a Palavra de Deus! Cabe-nos provar que Ele não padeceu em vão! Suas Palavras: 'Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem!' — provam Seu Amor Imenso para com os homens. Já não mais necessitais da casta sacerdotal, porque Jesus assumiu o ofício de Sumo-Sacerdote. Ele vive! Deseja porém habitar em nosso coração, como se fora Seu Templo consagrado por Deus. Ide pois em paz para casa e quedai calmos! Nós, pagãos romanos, protegeremos vossa nova crença!"
Fazendo uma continência, o capitão retrocede. Lázaro porém alegra-se com este novo irmão na fé e diz: "Como foste inspirado pelo Espírito Divino! Realmente, o Evangelho é uma Força Divina que traz a ventura àqueles que creem!"
Em Betânia
A novidade de que Jesus não Se encontrava mais no sepulcro também já tinha chegado até lá. Mas agora, a verdade é confirmada a todos, inclusive a servos e empregadas: Jesus vive! Penetrou pelas trevas da morte e tirou-lhes todo o pavor e tristeza! Agora é que a irmã Marta compreende Suas Palavras: "Eu sou a Ressurreição e a Vida!" Maria porém, comumente calma, está completamente alterada e faz tantas perguntas que ninguém se vê capaz de lhe responder. O capitão então se aproxima e diz: "Acalma-te e sê alegre! Jesus te saúda como a todos aqui!" Imediatamente ela se aquieta e agradece ao romano pela palavra oportuna, pois era este o pão pelo qual seu amor ansiava. Assim, estende as mãos e agradece mais uma vez ao romano, pedindo-lhe considerar esta casa como sua..
Após pequeno repouso no qual os visitantes se refrescam, os pormenores são mais uma vez relatados; a noite vem, passa e ninguém se queixa de cansaço. O inesperado não permite maior sensação de felicidade do que: "O Mestre vive e talvez também nos venha procurar!" Maria, irmã de Lázaro, até dá ordens para deixar tudo preparado para a recepção do Mestre. Assim se passam alguns dias de meditação e expectativa. Amigos e hóspedes chegam e o maior prazer para o capitão é a vinda de Maria, Mãe de Jesus, e Madalena, que pretendem demorar-se por mais tempo em Betânia.
Certa manhã, um mensageiro de Kis traz a notícia da visita de Kisjonah, que ali chega ao meio-dia. A alegria se eleva ao máximo quando ele e Maria vislumbram, juntos, algo da grande Obra de Salvação de seu Querido Jesus, no mundo espiritual! Espíritos celestes transmitem-lhes a imensa felicidade de todos os que, de há muito desencarnados, perambulam nas trevas de seus conceitos quanto à missão e ao destino de suas existências, e podem agora se agarrar à Mão Abençoada de Jesus a fim de serem conduzidos à libertação integral de todos os erros. Um anjo luminoso explica-lhes: "Desde o início da Criação total jamais foi observado que o Bem se impõe e o Amor vence! De fato, estremecemos de dor quando o Senhor, no invólucro do Filho do Homem, Jesus, ofertou-Se em holocausto e com isto concedeu um novo espírito à Sua Criação. Que imensa alegria, porém, sentimos ao ver a felicidade patente de todos os que se consumiam nos túmulos de seus conceitos mundanos! Já não existem portas seladas, não mais são necessárias sentinelas, pois cada qual é seu próprio vigia! Nós, porém, deparamos respeitosos as manifestações desse novo espírito em todos os corações que amam Jesus e desejam colaborar em espírito em Sua grande Obra de Salvação. Muitos se apressam para tal cooperação por gratidão. Pois o Céu bem-aventurado tornou-se posse comum daqueles que nesta Terra reconhecem Jesus como nosso Senhor, pelo que o poder do mal se desvanece de modo potente!"
Após pequena pausa, o anjo prossegue: "Deveríeis ter assistido como Lúcifer, o irmão caído, e seus anjos se reuniram no Gólgota para provar a seus vassalos: 'Um poderoso sempre será poderoso!' (isto é: ele não se curva humilde diante da Vontade Divina!). 'Por isso', prosseguia ele, 'o poder total em breve cairá em minhas mãos!' Mas eis que sofreu sua maior derrota! Pois o Grande não só se tornou Pequeno, mas tornou-se o mais ínfimo! Assim foi dada para sempre a possibilidade do mais Ínfimo, no Espírito de Jesus, poder ser elevado ao Altíssimo. Se até então o Olhar de Deus Se regozijava com a pureza de uma alma e comprazia-Se com todas as que, ordenada e conscientemente, se esforçavam em cumprir a Lei, — Seu Semblante agora Se inclinou especialmente àqueles que muito pecaram. Amorosamente Ele lhes estenderá Sua Mão Paternal, para que também consigam se apossar da Salvação e fazer penetrar suas almas na do Salvador!
Assim, ouvi: tudo que vemos também é visto por Lúcifer! Seu maior aborrecimento consiste em não mais poder ele obstar essa Vida Espiritual de Getsêmani e Gólgota. Regozijai-vos! Alegrai-vos, homens desta Terra, pois o Céu desceu para junto de vós! Os anjos, felizes, descem até aqui e desejam cooperar na construção do novo Céu que erigiu seu fundamento nesta Terra e se revela a todos pelo Espírito Vivificador de Jesus dentro do homem! Amém!"
Lágrimas de alegria enchem os olhos dos presentes, a quem estes acontecimentos espirituais são relatados; entretanto, falta-lhes o mais sublime ao coração: o Próprio Jesus, Amado! E já se desvanece a esperança de revê-Lo aqui.
Onde está Jesus?
Mais tarde ainda chegam amigos de Tiro e Sidon para buscar a confirmação do fato. "Pois", dizem eles, "em Jerusalém não é possível separar a verdade da mentira. Circulam diversas lendas quanto à aparição de Jesus; por isso, dize-nos, amigo fiel, já O viste ou talvez já falaste com Ele?"
Lázaro aponta para Maria e Madalena, e diz: "Foram as primeiras a vê-Lo; também O vimos, mais tarde. E se tivésseis a fé profunda em Sua Missão e meditado em Suas Palavras, também já teríeis podido passar pelo milagre de Sua Ressurreição! Todavia, o mais importante não é de alguém tê-Lo visto; imprescindível é que creiamos estar Ele vivo e que também poderá viver dentro de nós pela nossa fé, que nos levará ao convívio íntimo com Ele, mostrando-nos a necessidade de observarmos a Sua Vontade e procuramos cumpri-La.
Asseguro-vos! Agora será revelado ao mundo que o Homem Jesus encarnou a fim de pagar, pelo sacrifício, a antiga culpa de todos! Cumpre-nos trazê-Lo em nossa carne para pagarmos nosso débito para com o Espírito Divino. Assim, Sua Vida Se torna um exemplo e Sua Morte e Ressurreição são a âncora na qual se pode apegar quem quiser! Onde existe uma vontade séria, a Força do Alto nos assiste. Através de Seu afastamento físico recebemos fluídos e vida espirituais de Seu Poder e Vida.
Enquanto Se achava em nosso meio, Dele recebemos Graça por Graça; se agora, porém, aceitarmos e aplicarmos Sua Vontade Santa, também poderemos transmiti-La a outrem! E assim perdurará em eternidades que a maior bem-aventurança consiste na feliz prática de dar o Seu Amor em nossa vida!"
Compenetrados, todos fitam Lázaro, cujas palavras deixam impressão profunda nos recém-vindos. O desejo oculto, porém, de também poderem ver Jesus era maior que a fé e o intercâmbio íntimo com Ele!
Lendo esses pensamentos, o capitão externa suas ponderações: "Perdoai-me, caros amigos! Estais à procura de Jesus aqui, em Betânia?! Ignorais o que Ele vos suplicou: 'Permanecei em Meu Espírito, que também ficarei convosco!' Acreditais por acaso que Jesus, o Ressuscitado, vos procurasse como fez em vida? Não! Sua Missão planejada de eternidades está concluída! Agora os homens receberam o Espírito de Seu Amor pela Sua Vinda na carne, e Sua morte na cruz foi o selo, a confirmação do ato final de Sua Encarnação. Céu e Terra Lhe são agora igualmente próximos e, através de Seu Espírito de Amor e a Verdade manifestada, achamos o caminho para Ele e a força de percorrê-lo, que muitas vezes se apresenta árduo. A Centelha Divina dentro de cada homem indica a direção e estimula a vontade de agir como Ele exemplificou.
Oh, se O tivesse conhecido antes! Eu, que mandei aplicar-lhe o mais ignóbil, precisamente eu pude assistir ao1 maior milagre de Seu Amor. Pois Ele — o Amor Eterno —perdoou-me, e uma alegria celeste anima o meu coração desde que sei que Jesus vive! Por isso, não procureis o Senhor externamente! Tratai de vos tornardes o que Ele foi — e Ele. estará convosco e dentro de vós. Então também passareis pelas bênçãos que me foram proporcionadas! Agora, porém, calarei; pois meu coração me ordena silêncio!"
Admirados, todos fitam o romano e se calam. Sentindo que a Graça agia poderosamente nos corações de todos, Lázaro diz de si para si: "Acalma-te, coração! Quanto mais me aquieto, tanto mais acessível serei para Esse Espírito Misericordioso!"
Em seguida, prepara-se uma ceia em honra dos amigos, onde se reserva um lugar para o Esperado. Lázaro e Kisjonah relatam vários fatos da Vida de Jesus, o que alegra muitos; até que o anfitrião convida os hóspedes a descansarem para, cedinho, observarem a aurora do monte próximo.
A Aurora Gloriosa
Rapidamente se passam as poucas horas da noite. Lázaro já havia feito preparar tudo no monte, e quando passa a vista sobre as cobertas e tapetes arrumados vê um homem se encaminhar em sua direção. Lázaro vai-lhe ao encontro para cumprimentá-lo e indagar-lhe do seu destino. Eis que para sua respiração e ele cai como morto por terra: reconhece no estranho o Mestre!
Este pousa Suas Mãos sobre sua cabeça e, pegando na mão, o ajuda a levantar-se, dizendo: "Meu irmão, senti-Me atraído poderosamente para junto de ti, pois teu amor é um bálsamo para Meu Coração! Portanto, fortifica-te também no Meu Amor, para que possas cumprir teus deveres com o próximo, tornando-te e permanecendo um receptáculo de Minha Vida de Amor! Agora vai buscar teus amigos; não Me denuncies, pois devem Me reconhecer por si próprios!"
Lázaro beija as Mãos do Mestre, enquanto lágrimas de alegria incontida correm pelas suas faces; em seguida volta rápido à casa e convida todos a virem para o monte; também às irmãs ordena entregarem o trabalho às servas e acompanhá-los.
Perplexas, Maria e Marta fitam o irmão e, ao observarem ter ele chorado, a primeira lhe pergunta: "Mano, por que estás triste a ponto de chorares?" Responde ele sorrindo: "Não foi a tristeza, mas sim a alegria a causadora. Vinde comigo!" Cheias de pressentimento santificado, elas acompanham o irmão!
Os outros não sabem como interpretar essa pressa, e além disso estavam tão absortos num assunto, que não percebem um homem de manto branco acompanhá-los ao monte. Neste interim, também chegam Kisjonah, Nicodemus e os amigos de Tiro, entretidos num tema sério, do qual Lázaro ainda percebe as seguintes palavras: "Não é importante poderdes afirmar: — 'Vi Jesus! Ele ressuscitou em verdade!' — mas sim, será da máxima importância que futuramente revelemos Seu Espírito de Amor em nossa vida e testemunhemos assim Sua Ressurreição! Desta forma, Ele não terá morrido em vão e Sua Ressurreição ter-se-á tornado verdade dentro de nós e a prova insofismável para todos os seguidores: Também posso viver em verdade pelo Seu Espírito dentro de mim!"
Lázaro se alegra com o zelo dos amigos e olha para o Mestre que esboça um sorriso. Então os amigos param, lançam um olhar em redor — e reconhecem o Mestre! O mesmo se dá com os outros e todos choram de alegria. Respeitosos, ouvem Suas Palavras: "Paz, Paz abençoada seja convosco! Meu Amor para convosco Me traz ainda uma vez para o vosso meio a fim de vos mostrar os sinais de Meu Amor e Humildade. Vede Minhas Mãos! Vede Meus Pés! Perfurados pelas mãos de Meus filhos cegos! E pouso estas Minhas Mãos, com Minha Bênção, sobre vossas cabeças!" Assim dizendo, Jesus vai de um em um e passa Suas Mãos sobre suas cabeças. Começa por Maria, Sua Mãe, e diz: "Todos que te conhecem sabem que Me amas. No futuro, teu amor para Comigo será qual Sol que surge no Céu, e por ti muitos dos Meus filhos compreenderão o que o Amor é capaz de suportar e realizar! Permaneceremos unidos!"
A Maria Madalena diz: "Minha filha! Enquanto o desejo de Me ver for maior que a vontade de te apossares de Minha Vida de Amor, não serás satisfeita! Ama! Ama! Ama! E jamais te deixarei! Não deves, porém, querer cingir-Me com teus braços, mas sim com teu coração!" E assim Jesus dirige a cada um Palavras de Promissão e de Amor. Quando junto de Kisjonah, diz: "Irmão, falta apenas Me substituíres com os teus e todos os de teu convívio."
Abençoando Lázaro, Maria e Marta, Ele diz: "Também vós, Meus Amados, deveis revelar Meu Amor aos que vos procuram! Sabeis que Betânia foi consagrada para o Céu; todos, até o mais simples aqui, devem saber que sois Meus e que toda vossa posse a todos pertence no momento em que Meus seguidores caiam em miséria. Fazei parte da comunhão com Meu Espírito, não só vós, presentes, mas todos os que se acham unidos pelo Verbo e pelo Espírito de Meu Amor; pois, se bem que não permaneça Visível aos vossos olhos, ninguém deverá sentir Minha Ausência! Vosso coração a todos revelará: Estou convosco todos os dias e horas! E agora vos coloco em Meu lugar: Tudo que disserdes ou fizerdes neste espírito deve ser como se Eu o tivesse dito ou feito!
Pois no futuro dever-se-á confirmar que nada fareis sem Mim. Portanto, dai ao mundo cego e faminto, desejoso da Luz do Amor, o Meu Verbo e um reflexo de Minha Vida Eterna. Assim como a morte foi banida por Mim, permitindo que Minha Vida penetre todo o Infinito — também se fará convosco! Por isto, permanecei Comigo, que ficarei convosco para sempre!
E agora, libertai-vos! Libertai-vos de todas as fraquezas, de toda ignorância, dos falsos conceitos quanto à Minha Existência como vosso Deus, Que Se tornou vosso Pai Amoroso pelo Filho do Homem Jesus! Tornai-vos testemunhas de Meu Ser, — e conseguireis romper elos, correntes e grilhões do inferno! Tudo que ora se encontra tolhido espera libertação por vós, e o que ainda está oprimido é entregue a vossos cuidados! E assim vos deixo, ficando no entanto convosco! Dias virão em que vos sentireis abandonados; todavia, estou junto de vós! Sofrimento e provação hão de vos querer enfraquecer. — Mesmo assim, serei vossa Força íntima! Por isto, considerai: Meu Verbo, Meu Ensinamento que deixo, exigem independência e um ser livre e satisfeito! Sempre Me achareis dentro de vós, como Eu desejo vos encontrar dentro de Mim, para toda a eternidade! Minha Bênção e Paz sejam convosco! Amém!"
Após estas Palavras, o Senhor desaparece. No monte reina silêncio profundo; todos estão comovidos, alguns choram. Depois de ter perscrutado no coração o eco daquelas Palavras, Lázaro diz: "Caros amigos! Desejo vos agradecer mais uma vez por terdes vindo. Estou certo de que só assim recebi a Graça de rever nosso Amado Senhor e Mestre. Do mesmo modo reconheço com gratidão este Amor de nosso Deus e Pai Fiel que sabe a razão de tudo. Agora, no entanto, aconselho-vos, e também a mim, o seguinte: Não mais viveremos do passado e das recordações, mas sim para o presente e o futuro. Sabemos agora que devemos apenas nos lembrar do Senhor em tudo que empreendermos. Por Sua Ressurreição recebemos a prova irrefutável de Ele estar vivo e assim também vive Seu Amor para conosco e todos os homens. Nesta hora matinal presenciamos o início de uma Alvorada Eterna, e somos destinados a viver e testemunhar para sempre que a vida pertence também a nós, pois neste monte nos foi testemunhada e selada nossa liberdade total."
Tendo, súbito, a visão espiritual, Lázaro prossegue: "Ó Terra, o que te foi dado assistir! Mal te refizeste do susto quando teu Criador faleceu fisicamente, sentes novo estremecimento em teu organismo! Ciente de que teu Criador não permaneceu na morte, teu sofrimento passou rápido. Agora que foste honrada pelos Seus Pés Santificados, — recebeste uma nova semente! Ó Terra, tão regiamente agraciada! Pede ao Criador que ilumine homens e convoque anjos para protegerem esta nova semente! Pois somente pelas dores mais atrozes este fruto espiritual poderá surgir! Vejo povos surgirem e desaparecerem, — mas tal semente de Deus, nosso Senhor, subsistirá! Mais distante vislumbro uma época onde tudo ruirá, o amor esfriará e a maldição das más ações fecundará um outro espírito. Este precipitará o final! O Terra, novamente sangrarás de milhares de feridas e os próprios elementos ameaçarão destruir-te. Eis que então o espírito da Meiguice e do Amor, unidos à mais pura Humildade, apresentar-se-ão esparsamente, e desfarão tua maldição! Uma nova onda de amor inundará teu corpo magoado e receberás após longo tempo o Amor Divino, como orvalho e bálsamo!
Todos os grandes espíritos se dirigem para junto de ti! Cada qual deseja ser socorrista nesta Terra, pois passarás pelo máximo milagre: Lúcifer, teu prisioneiro, abrirá pessoalmente as portas de sua prisão e se curvará diante do espírito ressurgido do Amor Divino! E tu, Terra, resplandecerás no brilho matrimonial; pois teu Criador, Deus e Mantenedor caminhará de Mãos dadas com Lúcifer sobre teu corpo enfeitado com flores e frutos. O Sangue que Jesus verteu e que santificou teu solo tornar-se-á uma fonte de Poder e Glória Eternos. E tu, Gólgota, serás uma fortaleza na vida espiritual, o pouso da Paz Eterna que inimigo algum poderá desafiar! Pois será vencido para todo o sempre! E tu serás o abrigo onde os perdidos encontrarão a salvação eterna! E agora, ó Terra, criação santificada, recebe nossa gratidão por termos tido ciência disto desde já! Amém!"
Virando-se para os irmãos perplexos: "Sim, meus caros, vi isto em espírito! Eis a verdade, porquanto nunca fui logrado por minhas visões! Não vamos porém esquecer do Senhor, cumprindo nossos deveres como homem para com o homem e para toda criatura, assim como para a própria Terra. Assim, Sua Bênção não nos faltará! Entretanto, o acontecimento desta manhã quase nos tira o sentido para a matéria; por isso vos convido a entrar e tomar alguma coisa, e empregarmos o dia para qualquer utilidade!"
A despedida do monte memorável se torna um pesar para todos. Maria e Marta, porém, lembram-se de suas obrigações quanto aos hóspedes e se apressam em voltará casa. Lázaro é o último a entrar. Durante a refeição todos estão alegres, recordando os últimos fatos.
Pilatus
Em meio á refeição, se abre a porta para dar passagem a um soldado em vestes romanas, que faz entrega de uma carta ao capitão. Ao recebê-la, este reconhece seu amigo celeste e diz, sorrindo: "Desde quando te achas a serviço de Roma?" O anjo responde de modo peculiar: "Estou a serviço do Amor Eterno, não de Roma! Lê esta carta e verás quão necessários te são meus préstimos!"
O romano abre o selo, lê e empalidece: Trata-se de uma chamada de retorno para Jerusalém! Caso não obedeça terá de contar com sua prisão! O Sumo-Sacerdote o havia culpado perante Pilatus de apoio no roubo de Jesus da tumba, pois faltam todas as provas de Sua Ressurreição! Além disso, consta na missiva ter Jesus aparecido apenas aos amigos; por que não o fizera no Templo?
O capitão não mais se detém; urge se despedir de Betânia e todos os amigos, tão caros! Mais efusivo que de costume é o aperto de mão em Maria Madalena, que externa votos de felicidade e paz!
Nicodemus também o acompanha e, junto com o anjo, essa cavalgada se torna agradabilíssima. Perto de meio-dia o capitão se apresenta a Pilatus, admirado dessa visita, de sorte que o primeiro diz: "Se não tivesse sido da Vontade do Nazareno, eu teria apenas agora a mensagem em mãos. Assim informado por este mensageiro mandado pelo Nazareno, vim rápido para desfazer a acusação contra mim! Antes de mais nada, está na hora de desmascarar Caifás! Meu irmão, ou as afirmações do Templo são verídicas, e mentira a Ressurreição do Nazareno, — ou vice-versa! Sei positivamente: Jesus, o Crucificado, vive — conforme já te havia declarado! Falamos-Lhe hoje em Betânia e Ele nos assegurou que também nós poderíamos desfrutar desta nova vida espiritual através da Sua Vida. Por isso, manda este mensageiro — é um anjo e servo divino — para Betânia e pede um relato por escrito a respeito dos acontecimentos de hoje! Enquanto isto, contar-te-ei o que assisti e poderás comparar ambos, obtendo assim uma prova concludente da verdade! Pois não se trata aqui de minha honra, e sim da Verdade quanto ao Ressuscitado Jesus!"
Pilatus aceita tal sugestão e manda aprontar uma missiva dirigida a Lázaro em que pede que lhe sejam relatados todos os fatos ocorridos desde a Páscoa! Necessita de provas, porquanto o capitão é acusado de ter afastado o corpo de Jesus com auxílio de amigos e apresentar um substituto ao povo!
De saída, Pilatus não dava crédito ser este soldado um anjo; julga que o capitão o tivesse encontrado já no caminho de volta. Por isto, convoca alguns militares em cuja presença o capitão faz o relato, durante o qual Pilatus ás vezes o fita perplexo, sem contudo interrompê-lo. No fim, ele lhe estende a mão e diz: "Se ambos os relatos tiverem alguma semelhança, acredito em ti e far-te-ei justiça! Esperemos, pois!"
Não se passam nem duas horas — tempo necessário para Lázaro responder — e o mensageiro está de volta para grande espanto de Pilatus a quem o mensageiro entrega um pergaminho. Pilatus olha primeiro as assinaturas que lhe provavam a identidade. Diante dos presentes, faz em seguida a leitura toda em voz alta e constata o mesmo teor. Agitado, ele caminha para cima e para baixo, estende a mão ao capitão e diz: "Perdoa, se por um momento não te dei crédito como romano e aceitei as acusações habilmente engendradas pelo Templo. Enviar-te-ei numa missão secreta para Roma! O Imperador deve ser orientado sobre os acontecimentos: Condenamos um inocente através de um julgamento feito pelas aparências! O que aconteceu não se pode desmanchar! Prepara-te, pois, para a viagem em que uma coorte te acompanhará! Todavia, deve ser segredo, para que o Templo não faça malograr a iniciativa! Podes levar este teu amigo e amanhã cedo receberás os documentos necessários para o Imperador!" Com isto, Pilatus se despede.
O capitão é intimamente tocado por esta reviravolta que o obriga a deixar Jerusalém! A figura de Madalena surge diante de sua alma e ele pensa: "Como me custa deixar-te! Todavia, ordem é ordem!" De pronto vem-lhe o pensamento de passar por Betânia e fazer lá um pequeno repouso. Eis que o anjo lhe estende a mão e diz: "Caro amigo! Alegra-te de tua missão que te permite testemunhar em favor de Jesus! Não existe caminho demasiado longo, nem trabalho penoso e sacrifício por demais pesado! O que fazes por Jesus, o Ressuscitado, farás por ti e por todos os homens. Pilatus teme perder seu posto por ter condenado um inocente e espera amenizar a severidade do Imperador por teu intermédio; pois foste testemunha de Sua Ressurreição. Não irei contigo; irei apenas quando for da Vontade do Senhor. Dentro em breve Jesus será visivelmente elevado — como numa nuvem — desta Terra! Será a prova do término de Sua Missão como Homem e dará início a uma nova época! Deveis então pôr em prática Seu Exemplo e acreditar o que ensinou! Então virá para junto de todos que cumpriram tais condições e os bafejará com Seu Espírito de Amor e Verdade! Por isso, vai sem medo! O Senhor seja contigo e em ti! A Paz seja contigo!" — e o anjo desaparece.
Entrementes, Pilatus volta para convidar o romano a acompanhá-lo durante a refeição. E ainda indaga: "Onde está teu amigo extraordinário?" — e se admira ao ouvir: "Voltou de onde veio, pois não é homem, mas um anjo, um servo de Deus!" Pilatus fita o capitão com ares de suspeita e lhe pede segui-lo aos aposentos privados. Em lá chegando, a mulher de Pilatus os recebe e este lhe diz, rindo: "Eis nosso hóspede que, como tu, é devoto do Nazareno e até testemunha de Sua Ressurreição! Nunca pensei que Jesus de Nazaré ora me desse mais preocupação do que quando vivo! E quem sabe o que está por acontecer!"
Mas o capitão protesta: "Não é bem isto, pois trará apenas preocupações para aqueles que duvidaram de Sua grande Missão e O julgaram sem exame prévio, como fez o Templo! Procura Seus amigos, homens honestos, judeus e romanos respeitáveis! Lá saberás da Verdade de Sua Doutrina! Que amizade sincera reina entre eles e que zelo em fazer o bem! Jamais vi coisa idêntica entre romanos, gregos e judeus! O mais maravilhoso nesses Ensinamentos de Jesus é: Somos todos irmãos e Ele — Jesus — nosso Criador, Deus e Senhor — deseja ser Pai de todos que pretendem aceitar Sua Vida Divina! Esta Vida se manifestará como amor desinteressado e ação abençoada, no coração! Somente assim será possível segui-Lo, a fim de alcançar a meta maravilhosa da Semelhança com Jesus, mais consciente no Amor e na Verdade, para fazer surgir nesta Terra uma nova raça provinda do novo espírito! Pois, ódio e mentira só acabarão quando forem imediatamente reconhecidos através do Espírito Divino dentro do homem e nós não mais nos deixarmos por eles enganar ou dominar. Por isto vou com prazer a Roma! Antes, porém, pretendo me despedir dos novos amigos em Betânia. Talvez desejais me acompanhar para conhecer naquele ambiente tal espírito novo de amor fraternal e respeito recíproco?"
Pilatus recusa; Cláudia, sua esposa, porém, pede-lhe tão insistentemente, que ele termina por aceitar. Em seguida tomam a refeição. Enquanto isto, é feito por um secretário o relato para o Imperador, assinado e selado por Pilatus, que o entrega ao capitão que promete solenemente apresentá-lo ao Imperador se for na Vontade de Deus. Cláudia então pede ao marido para dar ordens de partida até a noite. E assim tudo é aprontado para a viagem: dois tenentes recebem de Pilatus a incumbência de pôr à disposição vinte soldados, equipamento e abastecimento para dois meses, escolhendo para a missão somente homens da mais alta competência, e de estarem prontos dentro de duas horas. Também o capitão deve apresentar-se dentro de duas horas, pronto para a partida. Este ainda escreve umas linhas a Nicodemus, informando-o de sua viagem a Roma, em assunto referente a Jesus.
À hora marcada, soldados e cavalos estão prontos no pátio do governador e o pessoal está cheio de curiosidade em virtude dessa viagem imprevista. Pilatus, acompanhado do capitão e da própria esposa, se aproxima destes homens hercúleos e fortemente armados e diz: "Soldados! Este meu e vosso capitão é por mim enviado em missão especial para o nosso Imperador em Roma, e é uma honra para vós poder acompanhá-lo! Eis porque espero que o defendereis com a própria vida! O destino de Roma, como nosso próprio, depende do bom êxito desta missão. O Imperador decidirá sobre o nosso futuro aqui e conto com vosso feliz retorno. Fiat!" Ao receber o capitão o comando do pequeno destacamento, ele diz: "Sigamos em Nome do Todo-Poderoso para a longa viagem. Seu Auxílio nos levará ao destino!" Pilatus e a esposa tomam assento num carro à parte e a comitiva se põe a caminho.
O dia está prestes a findar. Em Betânia a alegria é sincera com a chegada da visita trazida pelo capitão. Com grande amabilidade, Lázaro cumprimenta Pilatus e sua mulher e os conduz à sua casa, dizendo: "Considera-a tua, nobre senhor, e que possas sentir o espírito que a domina!" Em seguida, apresenta-lhes os outros hóspedes.
Pilatus fica extremamente comovido quando lhe é apresentada a Mãe de Jesus, cujo olhar sereno e o suave aperto de mão lhe dizem: "Aqui não só existe o perdão humano, trata-se da compreensão celeste!" — o que lhe faz sentir a imensa culpa que julgou lavar de suas mãos com água e o leva a balbuciar: "Se naquela ocasião tivesse sabido o que hoje sei, Jesus estaria ainda vivo!"
Maria lhe responde com meiguice: "Ele vive, pois venceu a morte e perdoou a todos pelo Seu profundo Amor! Por isto nada tenho de relevar-te! Dentro da compreensão do Senhor, digo a ti e à tua esposa: Sede bem-vindos em Betânia! Que o espírito da paz e do amor também vos penetrem, a fim de que guardeis esta hora abençoada! Vossa vinda é também para mim apenas motivo de alegria. Se bem que o nosso sofrimento e dor tivessem sido insuportáveis, — a alegria de Sua Ressurreição é mil vezes maior! Pois aqui age a Graça Divina de modo potente!"
Também o capitão cumprimenta os amigos e os informa de sua nova missão. A seguir procura Maria Madalena. Retendo sua mão com carinho e perdido no seu doce olhar, ele diz: "Somente por tua causa voltei mais uma vez a Betai-lia; amanhã terei passado as fronteiras da Judéia."
Lázaro perguntou aos servos se também todos os soldados e cavalos estavam bem acomodados. Diante de resposta positiva, disse o capitão: "Se teus servos dizem que tudo está em ordem, acredito; mas, querido irmão, se estás de acordo, deixa-me nesta noite conversar contigo particularmente! Lázaro aceitou com prazer.
Durante a ceia reina franca alegria em plena harmonia e quase se esquece a presença do Supremo Comandante de Roma. João, meigo e sereno, relata vários fatos da Vida do Senhor. Quando, porém, Lázaro comenta sua própria ressurreição por Jesus, o orgulhoso romano desata a chorar. Depois diz: "Oh, minha culpa, minha máxima culpa assume dimensões que me sufocam! Quem poderia me livrar de tal pecado?!"
Lázaro pousa as mãos no seu ombro e diz: "Irmão, não existe culpa que não possa ser remida pela boa ação! Se realmente desejas isto, aplica toda tua influência no sentido de evitar que os amigos de Jesus venham a sofrer demais a perseguição do Templo malicioso, que não desistirá de combater a Doutrina de Jesus. E nesta caridade senti-- rás ter Jesus te perdoado! Bem que estamos convictos de Sua Verdade; Força e Glória Divinas; — deveria, porém, tal conhecimento ser apenas nossa posse?! Oh, não! A Humanidade toda terá de saber: Em Jesus Se manifesta a Força e Glória de Deus!"
Lázaro se cala. Pilatus não lhe dá resposta e fica meditando. Seu íntimo trabalha poderosamente e ele se recorda mais uma vez das cenas passadas, e a pergunta insistente se faz ouvir: "O que é verdade nisto tudo?" Eis que ele tem a impressão de ver surgir um Sol com luz amena dentro de si. Calado, ele sai.
Cláudia observa seu marido e diz a Maria: "Deixai-o; necessita de solidão, pois as impressões que passamos aqui são fortes demais. Por que não vos conhecemos antes? Muita luta e sofrimento nos teriam sido poupados!"
Maria a consola: "Cláudia, deixa o passado! Quando a noite passou e o dia surge, revelando-nos com sua luz todas as belezas da vida, não mais nos lembramos da noite, e sim, alegramo-nos e agradecemos ao Bondoso Criador, de corações animados, ter Ele nos mostrado uma partícula de Sua Criação. Faze com que isto também se de contigo: os últimos dias se assemelham a uma noite onde fortes trovoadas e terremotos se revezavam. Já fazem parte do passado e diante de nós está um dia que não passará mais! Pois Jesus não está morto! Foi-nos somente tirado por algum tempo a fim de permanecer eternamente conosco, ao redor e dentro de nós, à medida de nossa vontade e dedicação!"
Diz Cláudia: "Mãe abençoada! Não entendo bem as tuas palavras; no entanto me preenchem de uma felicidade estranha, jamais vivida. Vosso amor, vossa união demonstram o que sempre procurei. O que na cidade em nossa sociedade é exigido pela cortesia e o costume, encontro aqui de modo singelo em vosso amor, no espírito pelo qual meu coração de há muito ansiava."
Entrementes, o capitão palestra com Maria Madalena, o que representa uma dádiva especial para ambos. Quando Pilatus sai, Lázaro o acompanha ao jardim, onde tomam assento à sombra de uma árvore frondosa, e o último diz: "Meu amigo, sinto o desejo de não deixar-te a sós com tua luta íntima. Também passamos por isto, pois que a Doutrina de Jesus abalou todos os nossos conceitos errôneos! Não te culpes dum crime, e sim, deposita toda culpa aos Pés Daquele ao Qual julgas ter aplicado a maior injustiça! Consciente de tua luta interna, te segui por saber que Jesus deseja que ajudemos e amparemos todos os que lutam e sofrem! Passarás pela mesma metamorfose que nós: o antigo desmoronará para dar margem ã Verdade! Já se fazem sentir dentro de ti os raios da esperança da paz vindoura. Asseguro-te ser isto uma prova do perdão de nosso Jesus! Procura também colaborar e conservar tal Graça do Eterno Amor Divino, reconhecendo em Jesus o Senhor Onipotente de Céus e Terra! Venceu a morte e idêntica promessa foi feita também para Seus filhos, irmãos e seguidores, fato do qual eu mesmo sou uma prova evidente. Por isto, irmão, não vivas mais no passado, e sim para o futuro!"
Responde Pilatus: "Bom amigo! Realmente, o dia de hoje deu-me nova vida, muito embora não possa defini-la após aquilo que se passou aqui, por não ser possível se apagar inteiramente o passado. Com satisfação teria salvo Jesus, porquanto minha esposa me contara tê-Lo visto em sonho, rodeado por inúmeros anjos, que exclamavam constantemente: "Salve o eterno Vencedor de inferno e morte! E ai de vós, em Jerusalém, que O julgastes e crucificastes! Vosso prêmio será a morte eterna!" Não me foi possível salvá-Lo e as acusações dentro de mim — por não ter feito tudo que era necessário — não se acalmam. De um lado sinto-me atraído para o vosso meio e para Jesus; — do outro, vejo minha culpa!"
Responde-lhe Lázaro: "Irmão! O futuro te trará novas tarefas para servir Aquele pelo Qual teu coração anseia; e com isto cairão as muralhas erigidas por tua culpa! Agir dentro do Espírito de Jesus representa o resgate salvador de nossa culpa; á medida que for resgatando meu débito, estarei reconstruindo! Em breve revelar-se-á dentro de ti que tua ação será abençoada! Se te queres tornar digno desta grande Graça Divina, vigia os templários; pois seu orgulho não conhece limites, apenas se curvam diante do poder de um romano. Receberás em teu íntimo a confirmação que foste por Ele dignificado para trabalhar para Ele e Sua Grande Obra! Vê, todas as maravilhas celestes nada representam diante daquilo que Deus reserva para os que por Ele labutam e afirmam: 'Ele é meu Senhor e Deus, meu Pai e Mantenedor!' — Entremos, pois as horas passam rápidas, enquanto o Espírito do Amor Eterno perdura caso nos mantenhamos Nele!"
Ambos se levantam e Pilatus diz: "Sinto que és meu irmão; continua, pois, amparando-me e dando-me forças! Se acaso recair nas antigas dúvidas, sacode-me relembrando este dia! Todavia, espero que Jesus levará a vitória sobre mim!" Aduz Lázaro: "Regozija-te, a maior felicidade do homem provém Dele!" Ambos entram na casa e Pilatus vê sua esposa, feliz, ao lado de Maria. Aproximando-se, ele diz: "Queridas! O dia de hoje representa o começo de uma nova era em minha vida, pois sei não poder passar sem este amor!
Não é concebível do que até hoje fomos privados. Bem que procurei servir ao Imperador e ao meu povo no cumprimento da verdade, justiça e dever! Agora compreendo que sem este espírito do amor, respeito e dedicação, tudo isto é inócuo! Por isto, agradeço-vos a todos! Primeiro a ti, meu capitão, por teres tido a coragem de projetar tua vida espiritual em minha presença! E a vós, amigos de Betânia, por me terdes mostrado o Espírito de Jesus de Nazaré! Poderia ter dispensado estas palavras, pois aqui tudo é compenetrado do espírito do amor e da compreensão! Espero, porém, poder vos provar que faço parte de vosso meio e desejo cooperar, conforme o Crucificado e Ressuscitado pregou! Por hoje, adeus e mais uma vez minha gratidão!"
Também Cláudia se despede e diz: "As poucas horas que privei convosco me inundaram o coração! Não me é possível expressar o quanto me destes de compreensão e afeto! Minha gratidão sincera, pois, a Ti, Jesus! Quais não serão as maravilhas de que dispões, alegrando-nos, embora não te houvéssemos acompanhado! Por isso, peço a Tua Benevolência e Graça para que possa ser e ficar tua para sempre! Em breve retornaremos, para nos unirmos no serviço e no amor!"
E Lázaro finaliza: "Ide, acompanhados pelo espírito da paz, e firmai-vos na fé e confiança em Jesus, nosso Senhor!"
Maria Madalena
Em seguida, Lázaro se vira para o capitão e diz: "Vem, irmão, vamos ao jardim, porquanto desejas falar-me!" Lá, sentam-se a uma mesa e o romano começa: "Meu caro, teu amor foi para mim uma caridade jamais sentida. Agora as circunstâncias me levam a fazer um pedido a teu nobre sentimento: Sabes que vou a Roma; no entanto, meu coração fica em Betânia. Amo Maria Madalena e desejava desposá-la; entretanto, ainda não me declarei, e assim — meu futuro é incerto. Ela se acha hospedada em tua casa, caro irmão Lázaro, e te peço que a mantenhas aqui até minha volta. Se me fosse possível constituir um lar como o teu — sendo um refúgio para o Espírito do nosso Mestre Jesus — com prazer deixaria minha carreira militar."
Responde Lázaro, satisfeito: "Cumpre primeiro teu dever nesta causa justa e divina, pois a Graça que auferiste e tudo aquilo que pudeste assistir no campo espiritual obrigam-te ao maior zelo pela Causa de Jesus! Madalena seria uma dádiva celeste, pois não houve quem dedicasse tal amor ao Mestre como ela. Não sendo ela pobre, o vosso futuro, portanto, podendo ser repleto dos raios da Graça do Amor Divino, seria fácil manterdes um abrigo fraternal para os nossos irmãos necessitados! Farei uma busca neste sentido, mas não aqui, e sim fora da Judéia, pois o próprio Mestre me revelou: 'Aqui não ficará pedra sobre pedra!' e juntamente com a divulgação de Sua Doutrina deveríamos criar abrigos para irmãos desamparados e para refugiados. Assim, já tens meus votos sinceros para vossa felicidade futura! Agora, deixa-nos entrar!"
De volta à sala, o capitão pede uma entrevista com Madalena; hesitante, ela o acompanha ao jardim. Demonstrando primeiro um ligeiro acanhamento, ele diz afinal com firmeza: "Maria Madalena! Amanhã estarei longe daqui, pois tenho de obedecer ao meu dever. Deixo, porém, meu coração e voltei a Betânia apenas para poder falar-te. Vê, amo-te mais que a uma irmã! As circunstâncias exigem poucas palavras e assim, pergunto-te: Queres tornar-te minha esposa? Necessito de ti como auxiliar e conselheira para minha nova vida! Por gratidão a Jesus desejo construir um lar semelhante ao de Lázaro, para abrigo de muitos amigos da Doutrina de Jesus. Já falei com Lázaro, que me prometeu ajuda; e agora te peço uma resposta sincera. Seja qual for, — sempre serei teu irmão no Espírito de Jesus!"
Pensativa, ela responde: "Caro irmão! Também já refleti de que maneira poderia ser útil ao Querido Mestre! Por ora tencionava auxiliar Lázaro e suas irmãs Maria e Marta. Amo apenas a Jesus! No entanto, ensinou-me Ele que meu afeto deveria se capacitar a receber as forças necessárias para poder amar e aliviar o sofrimento alheio! Assim, teu desejo por um abrigo para os amigos do Senhor poderia também ser o meu! Entretanto, devo confessar que não sou mais virgem; fui uma perdida e agradeço apenas ao Mestre ter-me tornado novamente uma criatura digna! Por isto, reflete sobre tua proposta, irmão! Somente eu sabendo que tal fosse também a Vontade de Jesus, poderei ser tua, porquanto aceitaste Seu Espírito e Misericórdia! Fala, pois, e sê sincero!"
Responde o capitão, contente: "Madalena, que importância tem para mim a vida que levaste? Se foste digna do Senhor de toda Vida, de sorte que anulou o teu passado, dando-te a oportunidade de poderes servi-Lo, — considerar-me-ei o mais feliz dos homens se queres tornar-te minha esposa, que grato aceitarei como gratificação pelo Amor Eterno. Prometo-te — e Jesus é Testemunha — levar uma vida que jamais te fará arrepender me teres aceito, que sou estrangeiro, com teu amor!"
Comovida, Madalena se ajoelha e ora: "Óh Jesus Bondoso! Depositamos nosso futuro em Tuas Mãos! Protege-nos! Insufla-nos pensamentos justos e conhecimentos acertados, a fim de que possamos realizar nossa união em Teu Espírito e com Tua Bênção, testemunhando assim o Teu Amor, Poder e Glória! Amém!"
Súbito, um clarão os envolve — Jesus está diante deles! Diz, cheio de ternura: "Meus filhos, em Espírito já vos estendi as Mãos; como, no entanto, pedistes novamente pela Minha Bênção, apresento-Me e digo: Sede unidos em tudo, e deixai-Me permanecer sempre em vosso meio, a fim de fazerdes frente às tempestades futuras! Até então pude ser vosso Vigia, vos cuidando como Pai e Mãe! Quando, porém, tiver subido aos Céus, apenas poderei agir dentro de vós! Para tal fim é preciso muita força e humildade, e completa dedicação de vossa parte! Não vos deixeis abater pela dor; entretanto, deveis vos compadecer da dor alheia! Não há sofrimento que vos impeça na alegria de servir, — enquanto as atribulações de outros vos devem fortificar no sentido de afastardes o mal que os envolvia! Nenhum pecado poderá vos afastar do próximo, pois Eu fui, sou e serei eternamente Aquele que está acima de todos os pecados! Sempre que o pecado tiver irrompido com sua destruição, apressai-vos e estendei vossas mãos, com amor, para ajuda e redenção! Esta deve ser a pedra fundamental para vossa união! Dize-Me, filha, — a fim de que todos os anjos te ouçam — tens outra meta?" Com os olhos rasos de lágrimas, ela diz: "Meu Jesus, como o ouço mais uma vez pela Tua Boca, sei que a máxima ventura não és simplesmente Tu, mas és Tu dentro de mim! O Senhor, dá-me forças para a realização! Tua Vontade Se faça e seja sempre minha!" Amoroso, Jesus responde: "Achega-te a Mim, filha, pois agora estás purificada! E tu também, Meu filho, vem e senti, ambos, as alegrias que proporciono àqueles que Me dedicam sua vida!"
Um cântico de coros angélicos se faz ouvir, pois muitos espíritos testemunham esta cena cheia de misericórdia. Em seguida, diz o Senhor: "Acabastes de receber de Mim a consagração de vossa união! Poucos são os que podem desfrutar desta Graça visível. Continuai bons e fieis! Afastai-vos de todas as influências do mal e resplandecei qual astro em noite trevosa, para que Minha Obra progrida e se revele a todos o início da Salvação! Mais uma vez: Recebei Minha Bênção de Amor e Força, a fim de que vossas pegadas denunciem por toda parte: Aqui caminhavam filhos de Deus! Amém!"
O Mestre desaparecera! Ambos quedam calados e comovidos; finalmente, o capitão diz: "Madalena! Estamos unidos diante de Deus! Permanece em Betânia, onde encontrarás tempo suficiente para relatar a todos sobre nossa consagração por Ele, nosso Deus. Enquanto isso, irei de bom grado para Roma, pois tenho uma tarefa tão maravilhosa diante de mim! É da Vontade do Senhor que nos despeçamos agora!" E assim, voltam felizes à casa.
Lázaro propôs que todos repousassem, pois que o capitão devia enfrentar uma longa viagem. Assim, os hóspedes se acomodam da melhor maneira possível, enquanto as mulheres se retiram aos aposentos. Mal surge o Sol, todos se levantam. O capitão desperta seus soldados, os cavalos são abastecidos e na grande sala os amigos já estão reunidos para se despedirem. Uma vez mais o romano e Madalena se estendem as mãos, sem que Madalena possa reprimir as lágrimas. Quando o capitão, a cavalo, dá ordem de marcha, o animal empina, sendo porém dominado pelo punho do militar. Mais um adeus, — e a tropa se encaminha ao incerto, rumo ao destino distante.
Roma
De longe o capitão avista a grande cidade e ele não pode deixar de agradecer seus soldados pela fidelidade e atenção, que permitiram à caravana toda não sofrer o menor acidente. Num último esforço, alcançam Roma e procuram de pronto a guarda do Comandante geral. Após ter-se inteirado da missiva para o Imperador, ele diz: "Isto vem a calhar, pois o nobre Cirenius também está aqui. Vou anunciar-te, e teus soldados serão distribuídos nos quarteis. Muito contente, o capitão agradece ao Comandante: no seu íntimo, porém, mais ainda ao seu Magnífico Deus que conduzira tudo de maneira tão maravilhosa. Uma hora após se ter refeito, recebe ordem para se apresentar ao Chefe Supremo e pouco depois é recebido pelo Imperador e Cirenius.
Calados, ambos fitam demoradamente o capitão. O Imperador saúda então seu capitão que lhe entrega o pergaminho selado de Pilatus, que imediatamente é lido pelo Imperador. Nesse ínterim, Cirenius palestra com o capitão, sendo interrompido pela agitação do Imperador, que lhe entrega o papiro. Pensativo, o Imperador anda de um lado para o outro, aguardando a opinião de Cirenius que finalmente diz ao Imperador, seu irmão: "Então, ainda duvidas das artimanhas do Templo de Jerusalém? De há muito eu estava orientado de que ele só trama mentiras e vingança."
Então o capitão é convidado a fazer um relato minucioso sobre tudo o que sabia e presenciara pessoalmente. Cirenius não se cansa de conhecer todos os detalhes, pois a imagem de Jesus torna-se-lhe agora de novo muito viva. O Imperador, porém, não se convence ter Jesus voltado dos mortos. E o capitão é informado de que o Templo já havia enviado mensageiros para Roma, que ontem apresentaram queixa contra Pilatus e ele próprio. Cirenius, no entanto, de pronto descobrira a mentira da denúncia. Só então o capitão consegue se orientar sobre o engenho nefasto do Templo e compreende quão necessária fora sua missão apressada para o Imperador.
Diante de sua alma surge a Figura de Jesus em Seu Infinito Amor para com a Humanidade. Assim, ele pede mais uma vez a palavra, relata e cena triste no Gólgota e finaliza: "Deste modo sucumbiu este Homem Excepcional que desabrochara em Seu Coração um Amor que até perdoava a maior das injustiças. Nem um Olhar Dele transmitiu alguma reação contra tal acontecimento! Mesmo Seus discípulos e seguidores lhe provaram: Ele queria que assim fosse! — Seu Amor sincero e a Caridade para com todos provam o espírito da Verdade e da Renúncia do Mestre. Eu mesmo vi Jesus após a Ressurreição e confesso com alegria: "Ele vive! E nós podemos também viver em Seu Espírito."
Cirenius agradece ao capitão e o convida à sua casa; o Imperador, porém, duvida das palavras do capitão e ao mesmo tempo não dá crédito à denúncia do Templo; por isto, entrega a Cirenius o prosseguimento das negociações. Assim, o capitão passa uns dias calmos como hóspede na residência de Cirenius, testemunhando do Poder e da Glória de Jesus. Os mensageiros do Templo enfrentam uma situação difícil, porquanto Cirenius lhes impõe um interrogatório rigoroso; entretanto, não os pode mandar prender, transmissores que eram do relato do Sumo-Sacerdote Caifás.
Assim termina a missão do capitão em Roma. É-lhe uma grande satisfação poder aí angariar alguns amigos para a Doutrina de Jesus. Como a atração para Betânia se manifesta mais poderosa, pede a Cirenius exoneração do Exército para se poder dedicar inteiramente à Obra de Jesus. Seu pedido lhe é concedido com prazer, de sorte que segue, na qualidade de comissário para Sidon e Ásia, encetando deste modo com seus soldados uma viagem de retorno mais fácil. A viagem por mar prova seguidamente a Glória Divina em Suas Obras, o que seus soldados reconhecem com gratidão!
Uma Festa em Betânia
Meses mais tarde, todos chegam sãos e salvos a Jerusalém. Após ter satisfeito as formalidades com o Governador Pilatus e ser aceito como comissário romano, o capitão se dirige à residência de Nicodemus. Aqui então é inteirado da Ascensão de Jesus e do espargir do Espírito Santo sobre Seus Discípulos. Nicodemus relata: "Os templários estavam confusos em vista da verbosidade poderosa dos apóstolos. E quando alguns sacerdotes tentaram interpretá-lo como se estivessem ébrios, deu-se uma revolta geral entre os ouvintes, e todos, judeus e estrangeiros, se colocaram ao lado dos Discípulos de Jesus, pedindo pelo batismo! O Templo fervilhava! O Sumo-Sacerdote, cheio de ódio e vingança, o que levou-me a separar-me do Templo. Agora as maldades já são praticadas abertamente e não levará tempo que as prisões do Templo estejam repletas, pois com facilidade acharão uma culpa em cada seguidor de Jesus." A estas palavras, o coração de Nicodemus sangra. Embora Pilatus tenha assistido algo da Glória do Ressuscitado, continua o mesmo, deixando o Templo agirá vontade, — pois trata-se de judeus! E estes não têm a coragem de pedir socorro aos romanos como seus inimigos.
Durante a noite o capitão ficou em companhia de Nicodemus, mas de manhã já se encontrava a cavalo indo para Betânia. A caminho, encontrou dois viandantes que também queriam visitar Lázaro e aos quais ele podia descrever o caminho. Foi informado por eles que eram fugitivos que, para se esquivarem do Templo, pretendiam proteção em Betânia, pois para lá os templários não se atreveriam a chegar.
Lázaro, cheio de alegria, já aguardava o capitão, pois o Senhor o tinha avisado intimamente de sua vinda. Perto de meio-dia ele lá chegava, sendo cumprimentado com alegria por todos e se abraçando por longo tempo com Maria Madalena. Eis que formalizavam sua união perante todos e novamente era Jesus seu fiel Deus e Pai, o Doador de paz, felicidade e graça. Seu casamento na casa de Lázaro devia se tornar uma festa para todos os Discípulos e amigos de Jesus; pois Lázaro achava do seu dever preparar um verdadeiro banquete nupcial para Maria Madalena e o capitão. Todos os amigos de Jesus estavam convidados, até o mais simples trabalhador, e à noite se uniram numa união intima em cerimônia espiritual.
Lázaro e suas irmãs estavam muito felizes na consciência de que "O Mestre também participava da festa!" E ele pediu a todos os hóspedes e moradores da casa de fazerem participar da sua alegria, mais conscientes ainda, o Amado Mestre! "Pois a verdadeira alegria", dizia Lázaro, "é a manifestação de uma justa gratidão. E neste sentido que pedimos: Senhor! Abençoa-nos e a esta festa por Tua Presença; pois queremos agradecer pela Graça de Ele querer permanecer entre nós no espírito de harmonias celestes! Sua maravilhosa Obra de Salvação tornou-se visível para nós nas Bodas de Cana! Hoje podemos colaborar, como chamados e escolhidos, na continuação de Sua Obra, participando também num matrimônio. Naquele tempo Seu Amor cuidou que não faltasse vinho; hoje queremos cuidar pelo vinho espiritual, que desperta a verdadeira alegria em nosso coração. Portanto, estou certo de agir no sentido do Senhor, pedindo ao Irmão João de nos presentear algo daquilo que o Amor de Jesus deitou em seu coração!
Após tal convite, João sentiu a mais íntima união com Deus penetrá-lo e pediu a Jesus por palavras certas. Em seguida levantou-se, dirigiu-se para o jovem casal, abençoou-o e disse: "Meus queridos, o Senhor e Salvador Jesus, que dilatou Seu Amor tão maravilhosamente, sente-Se alegre de vos ver felizes. Passou-se toda a tristeza de não vê-Lo entre nós como antigamente. Pois sabemos agora: o Senhor vive! Ele está conosco e entre nós. Ele sabe por que precisa Se ocultar diante de nossos olhos perscrutadores; mas Seu Amor nos acompanha sensivelmente e cuida sempre que nada nos falte, como Seus filhos e protegidos.
Também esta noite e o festejo nupcial abençoado por Jesus são uma prova de Seu Amor protetor, pelo qual Ele deseja demonstrar a importância e a santidade do vosso matrimônio a nós todos, mas sobretudo a vós, meu irmão e irmã. Já por várias vezes nos foi dado — aos Seus Discípulos — participar de umas núpcias, e Ele sempre ensinou aos nubentes sobre a finalidade e natureza do matrimónio dentro da Vontade de Deus. Nem todos que se ligam pelo casamento sabem que, sem a Bênção do Alto, a união não será feliz. Na ligação sexual muitos acham poder amar-se; mas em breve ambas as partes percebem que sua união fora um engano! Um casamento baseado no verdadeiro respeito e puro amor cria um espírito especial que não pertence à Terra, mas é uma parte do Céu. Todas as maravilhas celestes pousam como bem guardadas nos corações dos filhos terrestres, e devem ser despertas somente pelo espírito de união celeste. Pudemos assisti-lo em nosso próprio Mestre, que procurava fazer felizes com Seus bens celestiais aqueles que entravam em contato com Ele. Sua Missão mais abençoada se prendia a salvar a todos, tornando-Se um Salvador e Benfeitor para todos.
Assim como uma mãe amorosa procura unir e solucionar tudo aquilo que o espírito mundano perturba com sua insatisfação e confusão, tu, ó irmão, te encontras agora diante de igual missão! E o Senhor, nosso Santo Pai cheio de Amor, te presenteou com essa companheira ao teu lado, pois ela conhece todas as Suas Palavras e O ama!
Essa missão consiste de três graus; primeiro: Procurai chegar com o vosso corpo — que é o invólucro de vossa alma — à ordem equilibrada, a fim de que o segundo grau — a pureza e sanidade das vibrações psíquicas — possa ser alcançado. Só então o caminho para o terceiro grau estará aberto, onde se encontra o espírito de toda vida, que é o espírito de toda compreensão e do verdadeiro amor, podendo se manifestar dentro de vós e dar fruto. Por isto, caro irmão, eu não afirmo: amai-vos verdadeiramente e sede fiéis! Antes digo: Lutai por este Espírito que Se manifestou em Jesus e por Jesus, nosso Mestre, para receberdes a plenitude da verdadeira Vida Divina. Então, cara irmã, ajudaras o Amor Eterno, protegendo e conservando o bem que Ele te deu, para servir e fazer felizes a outros. Lutai, lutai pela união interna! Só com ela podereis realizar vossa grande obra de amor! Sede sempre conscientes que, permanecendo no justo amor, podereis vencer tudo que se vos apresenta como contraste; pois então tereis ajudantes enviados pelo Coração de Deus! Completai mutuamente aquilo que ainda vos falta e considerai sempre: as uniões verdadeiras são contraídas no Céu! Então todas as vossas ações serão uma prova do espírito feliz de harmonias celestiais em vós, e também os frutos de vosso amor serão uma parte dos Céus luminosos. Mas considerai que a serpente ainda não morreu, mas vive calma e oculta também dentro de vós, Protegei-vos dela e cuidai do bom espírito em vós, para que o veneno da serpente não deturpe vossas sensações.
Que um carregue pacientemente o peso do outro e considere que forças e ações conjuntas felicitam duplamente no caminho final. Foste um pagão, meu irmão, porém abençoavas sempre a fé alheia. Estando agora iniciado em nossa fé — e recebeste para tanto a Bênção do Próprio Senhor — não te será difícil determinar tua própria vida, pois sentiste a intuição de fundar um lar para amigos persegui-dos de Jesus, concluindo assim a Vontade do Senhor. Tua esposa ama o Senhor como nenhum de nós e mantém no seu coração um altar santificado por Ele. Considera por isto sua vida interior, que sereis unos! Pois Sua magnífica Palavra — "homem e mulher devem ser unos!" — se realizará! E Jesus, nosso Santo Mestre, poderá continuar por vossa causa a Obra de Sua Salvação. O amor libertador do sofrimento vos estimule para a realização do Plano divino, que também pousa em vós e vos fará sentir o que o Mestre ainda não determinou em Palavras. Prossegui em vosso caminho, acompanhados pelo amor de todos os que vos conhecem. Não olheis para trás, mas para o Alto! De lá recebereis o necessário para vencerdes vossas dificuldades ainda existentes. Que vos acompanhe também a minha bênção, e o Amor e Graça do Nosso Mestre sejam sempre convosco. Amém!"
Os olhos de todos estavam dirigidos para João, e Madalena agradeceu: "Irmão João! Tuas palavras pareciam regar nossas flores do coração, que o Amor Eterno deixou crescer para alegria de todos. Mas, se considero bem tudo aquilo que pronunciaste, então nossa missão me parece bastante grande! Se o Senhor e Mestre nos procurasse vez por outra, eu viveria na esperança de Lhe poder relatar minhas preocupações e dificuldades, recebendo Dele algum conselho! Pois eu quero e preciso realizar nossa missão; isso eu devo ao meu Amado Jesus!"
Respondeu João: "Ó irmã, não dificultes tua caminhada inutilmente! O Mestre te amou e felicitou com alimento celeste, como gratidão por teu amor! Julgas ser possível que o Senhor deixasse de te amar?! Somente quando Ele for afastado visivelmente para nós, então começará para nós a época do amadurecimento, quando deveremos começar a nos cuidar pessoalmente! Então, Ele será liberado e Lhe ofereceremos nossos corações com gratidão, alegria e fortalecimento. Pois terá chegado a época em que se realizou Seu desejo mais querido: que estaremos ligados a Ele para sempre, pelo Espírito mais livre e filial! Então não haverá mais preocupação, mas força e paz nessa participação. Vive, portanto, para Ele e Sua Obra, com aquele por Ele escolhido para teu companheiro. Por isto Ele está presente, Perceptível e talvez Visível para vós. Que Seu Amor seja vossa vida e ser, e vossa dedicação a gratidão por todo o Seu Amor! Amém."
O dia terminava com alegria. A gratidão por Jesus brilhava no coração de todos. Pois sabiam que, embora invisível para os olhos, o Senhor vivia com alegria entre todos!
Assim terminou este dia, como nos tempos em que Ele caminhava na Terra. Por muito tempo se relatou em Betânia sobre as núpcias do capitão romano, e como um pagão se tornou um instrumento do grande Amor do Salvador.
CADERNO NÚMERO 11
A Vida Nova no Homem
I
No sanatório de Marcus*
* Ver Gr. Ev. João II, 177-184
Na estrada para Cesareia Philippi, uma caravana estranha, vindo do Egito, está avançando; na frente, negros sem armas montam alguns camelos, seguidos por carruagens carregadas, e no fim do grupo soldados romanos montados a cavalo, como força protetora.
Um jovem, valente romano, montando um cavalo de raça árabe, lidera o grupo. Seu semblante mostra-se levemente mal-humorado, pois deveria ter chegado ao destino já há muito tempo, mas o atraso não pôde mais ser recuperado.
Era sua tarefa ir buscar seu senhor, um rico comerciante romano, no sanatório de Marcus.
O Sol ardia, e homens e animais desejavam refrescar-se. Com alegria, avisou aos negros que já estavam perto do destino, mostrando-lhes um grande complexo que agora se tornou visível.
Dois judeus vieram ao seu encontro; observaram, curiosos, os camelos e os negros que os montavam, e perguntaram ao romano se queriam dirigir-se, homens e animais, para o velho Marcus.
Diante de sua resposta afirmativa, um dos templários disse, rindo ironicamente: "Então chegais em boa hora; pois lá, toda fé e esperança frustrou-se!" Admirado, replicou o romano: "Não vos compreendo, e vossas notícias não me interessam, pois conheço o meu alvo; mas teu semblante me diz que não foi com boa intenção que procuraste este amigo da humanidade! Afastai-vos, senão me aborreço convosco!"
Os dois judeus, fazendo gestos maliciosos, continuaram então seu caminho. O romano parou seu cavalo, seguindo-os com seu olhar penetrante, e com uma leve pressão das coxas no cavalo, adiantando-se aos outros, foi a todo galope para o sanatório.
"Está tudo bem?", perguntou logo ao filho de Marcus que lhe dava as boas-vindas. "Algo me faz pensar que vossa paz ou vossa posse correm algum risco!"
"Assim é", disse aquele, "mas vem e vê você mesmo; meu pai está na grande sala".
O jovem guia passou seu cavalo ao servo que chegou correndo, e se dirigiu ao velho Marcus que já tinha reparado nele e o cumprimentou com grande cordialidade.
"Num instante minha gente estará aqui", disse Ursus, o romano. "Mas o que aconteceu? Encontrei dois judeus cuja voz não me parecia indicar nada de bom. Eis a razão da minha pressa!"
"Meu amigo e jovem irmão", respondeu aflito Marcus, "sim, há pouco fui informado que coisas indizíveis teriam acontecido em Jerusalém; mas aguardemos ainda notícias mais concretas! Porém, o comportamento dos dois sacerdotes judeus me faz recear o pior. Mas uma coisa é certa: Sem a Vontade do nosso Senhor e Mestre, nada pôde ter ocorrido!", tranquilizando-se a si mesmo. "Avisarei Demétrius da tua chegada; depois falaremos juntos sobre isso.
Quando Marcus e Ursus saíram, um servo veio ao seu encontro, avisando a breve chegada da caravana.
Marcus deu as necessárias instruções para acomodar cavalos e camelos nos estábulos, ficando o pessoal aos cuidados de seu filho mais velho.
"Vem e refresca-te, toma primeiro um banho fresco", disse a Ursus, "entrementes, avisarei tua chegada ao teu senhor." E Ursus, que já conhecia todos os recantos no grande complexo, se foi com uma breve saudação.
II
O velho Marcus dirigiu-se então para a grande galeria de repouso, onde muitos doentes descansavam.
Saudando-os amigavelmente, passou por eles e chamou o comerciante romano Demétrius para avisá-lo: "Ursus acaba de chegar com sua caravana; por isso, eu mesmo venho buscar-te."
"Meu caro amigo", respondeu Demétrius afavelmente, "quando te vi chegar, senti que estás aflito! Pois, nunca vi tantas sombras no teu semblante. Trata-se de Ursus, uma vez que tu mesmo vens a mim, ou tua alma está com uma dor secreta?"
"Se estivesse somente aflito", replicou Marcus, "saberia para onde ir; mas coisas terríveis me foram ditas nesta hora que me abalaram no íntimo! Mas vem comigo para a grande sala de estar, para onde mandei vir Ursus; lá falaremos de tudo."
O negociante romano perguntou ainda; "Marcus, o que aconteceu? Tu sabes melhor do que eu Quem é a grande ajuda em tudo que ocorre!"
"Querido amigo", disse Marcus com voz mais fraca, "deveremos deliberar juntos, pois não se trata de nós, mas de Jesus!"
Em silêncio, ambos se dirigiram para a casa onde, na grande sala, duas filhas de Marcus estavam ocupadas em preparar pão e vinho para eles. Sem falar, os dois amigos se sentaram. O dono da casa foi avisado que um amigo de Cesareia queria falar com ele; assim, Demétrius ficou por algum tempo sozinho.
E eis que Ursus entrou; forte e robusto estava diante de seu patrão, que lhe dava as cordiais boas-vindas. No início, a conversa era sobre vários negócios, até que chegou Marcus, que com o rosto desfigurado pela dor, disse: "Ó amigos! Meus amigos! Neste instante, fui de novo informado: Nosso Mestre Jesus não vive mais! Já dois sacerdotes me trouxeram, cheios de ironia, a notícia! Teria sido crucificado em Jerusalém! Mas não pude dar-lhes crédito, supondo tratar-se de uma mentira infame do Templo. Mas agora, me foi novamente relatado: Jesus está morto!"
Horrorizado, Ursus levantou-se com ímpeto; só agora compreendeu os olhares irônicos dos templários! Exclamou: "E impossível! Jesus?! — Isso só pode ser uma mentira do Templo! Será que a maldade e perversidade dos templários chegaram ao ponto de atentar até contra o melhor dos homens? Ó meus amigos! Nunca poderia acreditar que um Homem dotado de Forças Divinas se submetesse às forças demoníacas!"
Comovido, disse Marcus: "Queria que tivesses razão! Mas o amargo em tudo isto é dever-se acreditar: Deve ter sido de Sua Santa Vontade! — Mas para eliminar todas estas graves dúvidas, vou mandar um mensageiro para Betânia. Lá, junto com Lázaro, chegaremos a saber a pura verdade!"
"Então que seja eu quem vai", exclamou Ursus, "e isso ainda hoje, a fim de termos certeza sobre o destino de Jesus."
Marcus tranquilizou-o dizendo: "Irmão, quanto ao destino de Jesus, podemos ficar despreocupados. Pois Ele é o Senhor! Seu Braço alcança mais longe do que nossos pensamentos! Mas nossa visão é muito restrita; é que sucumbi à minha fraqueza. Das Suas Palavras deveria ter sabido que sem Seu Sacrifício ficaríamos sem salvação! Somente Seu Sacrifício Redentor poderá garantir-nos as possibilidades nunca imaginadas para a livre Vida Divina".
Aflito, disse Ursus: "Mas não fazes ideia do que se destrói em mim, visto que mais uma vez não me é permitido ver o Mestre e falar-Lhe! Meu bondoso senhor e paternal amigo aqui pode testemunhar do meu grande desejo que me fez correr para conhecer aqui Aquele que fez tão imensos favores a meus amigos. E agora, Ele estaria morto? Isso e Seus conhecimentos, Suas Forças Divinas, para mim não concordam! Peço, pois, licença para ir à Betânia, a fim de obtermos a certeza!"
Pensativo, disse Demétrius: "Amigos, aguardemos até amanhã. Se não tivermos nenhum esclarecimento, então, meu Ursus, eu mesmo te pediria de ir à Betânia, para chegarmos a conhecer a verdade. De resto, hoje é sábado, e provocaria escândalo se tu, com alguns acompanhantes, mostrasses tão pouco respeito pelo sábado dos judeus." "
Meus amigos", replicou Marcus, "deixai isso comigo! Tenho dois filhos, bem familiarizados com os caminhos e com tudo o que diz respeito ao Templo; eles nos informarão sobre tudo o que queremos saber. Se, contra toda a expectativa, a informação for verídica, certamente nós todos iremos à Betânia, para sabermos como tudo isto pôde acontecer!"
"Por que não contar com o amor de Lázaro?", retrucou Demétrius. "Não pensaste que Lázaro não deixaria seus irmãos às escuras, se algo tão extraordinário tivesse acontecido com o Senhor? Por isso, aguardemos até amanhã!"
Então Ursus pediu a Marcus esclarecimentos sobre aqueles templários que pouco antes da sua chegada tinham estado aqui. De boa vontade, respondeu Marcus: "É verdade que tenho alguns amigos entre os templários; mas desde alguns dias, houve uma troca que fez que dois sacerdotes desconhecidos fossem mandados aqui. Apesar do sábado, eles chegaram há duas horas à minha casa, exigindo que todos os judeus aqui presentes voltassem à comunidade do Templo! Pois — disseram — está comprovado que o Nazareno era um servidor de Belzebu. Finalmente, haviam conseguido apoderar-se Dele, dando-Lhe o merecido castigo, com ajuda dos romanos. A posteridade seria agradecida por isso ao Templo e aos seus servidores! — "Para! O que quer dizer isso?", perguntei, "Vós matastes o Nazareno?! Vós, que pretendeis ser servidores de Deus, atentastes contra o Ungido?! Não posso acreditar! Antes que chegásseis a pôr as mãos Nele, seríeis aniquilados!"
Mas, cheios de ironia, me responderam: "De modo nenhum! Pois no Templo, este dia em que Jesus de Nazaré teve seu fim na cruz já é festejado como dia de vitória. Para nós, porém, é uma satisfação levar esta notícia a todos que acreditaram Nele como o Filho de Deus! Acabou-se agora com vosso Jesus; o Templo mostrou-se o mais forte! E assim como o vosso Nazareno está liquidado, também deverá sê-lo Sua Doutrina! Por isso, viemos aqui para exigir dos judeus presentes o respeito ao mandamento do Templo!" — "Nenhuma palavra mais! ", exclamei revoltado; "primeiro, isso não está ainda comprovado; segundo, sou súdito do Imperador, dotado de vários direitos. Se mais uma vez tentardes defender aqui, na minha casa ou com meus doentes e hóspedes, os interesses do Templo, vos meterei na prisão e vos porei a ferros!" Então não disseram mais nada, saindo da casa furiosos. Mas eu fiquei na incerteza se havia algo de verdade nas suas afirmações.
Mas, venha o que vier: o que recebi Dele (1) continuará minha posse! Jesus será sempre minha ajuda, meu Salvador! Ainda que esta dor me oprima profundamente, isto não anula o fato que devo só a Ele tudo o que sou e tenho!
(1) em tesouros materiais e espirituais
Todos os que aqui obtiveram ajuda e salvação de seus sofrimentos devem-no ao fato que foi o Senhor, com Sua Força Milagrosa, quem criou esse sanatório! Enquanto puder falar, o testemunharei em voz alta: Ele é nosso Salvador, nossa ajuda em qualquer necessidade! Quando nossa fraqueza humana não sabia mais o que fazer, o Senhor nos ajudou de maneira admirável. Por isso, se Ele vive ou não, enquanto eu viver aqui, cuidarei que Seu Espírito esteja vivo!"
III
Marcus se levantou e saiu, ficando os dois romanos sozinhos.
Frustrado, disse Ursus: "Senhor e irmão! Com grandes esperanças vim aqui, para finalmente ver Aquele cuja fama já vai pelo mundo! E agora, ele não estaria mais vivo? Que me adiantou minha ânsia e esperança que agora — e nunca mais — se cumprirão? Há enorme diferença entre provas palpáveis ou apenas conjeturas a respeito de Jesus. Por esta Sua Morte, todas as minhas esperanças foram destruídas."
Demétrius tentou consolá-lo: "Estamos aqui diante de um imenso enigma. Tudo o que vês aqui é Obra do grande Mestre Jesus! Quantos doentes já procuraram esse sanatório para curarem suas enfermidades, e não me consta que um só tenha partido daqui insatisfeito, e isto sem a presença do próprio Mestre!
Durante os meses em que estou aqui, cheguei a conhecer várias pessoas que também não encontraram o Senhor; mas a fé Nele, e o conhecimento do fato que estas fontes de água medicinal são Obra Dele, fizeram acontecer estes milagres! Mesmo se, contra as previsões, Sua Morte se confirmasse, minha fé Nele continuará inabalável: Ele é o Senhor e só Ele será sempre minha grande esperança! Mesmo o que hoje ainda não consigo entender Dele, terá, com certeza, um dia sua solução!"
Pensativo, disse Ursus: "Compreendo sem dúvida esta fé de parte daqueles que puderam beneficiar-se aqui das Suas Bênçãos. Mas eu, que só pude ouvir falar Dele, acreditei Nele, uma vez que as portas do meu coração estavam abertas para Seus Ensinamentos que superaram todos os outros conhecimentos sobre a finalidade da vida! Quando pude conduzir-te para cá, fiz amizade com o velho Marcus; suas experiências maduras e sobretudo sua viva compaixão com todos os doentes, criaram em mim esta singular afeição para com ele, e em pouco tempo tornamo-nos como dois irmãos. Mas suas admiráveis narrativas sobre Jesus, que também tu costumavas ouvir, despertaram em mim o grande desejo de também conhecê-Lo! — Mas tive de cumprir o meu dever! Tuas ordens me levaram longe, para o Egito e a Arábia. E agora que cheguei finalmente ao alvo de minha esperança, sou informado que Jesus foi morto?! Por que tudo me impeliu com tanta força para chegar aqui? Sou ainda jovem, é verdade, e muita coisa pode ainda acontecer que me restitua a paz e a tranquilidade, mas esta é a mais amarga decepção pela qual passei na vida."
Tentando acalmá-lo, Demétrius disse: "Ursus, meu filho! Julgas de modo humano, causando-te uma dor desnecessária! Eu tenho outra opinião a respeito de tudo isto, visto que Jesus foi um Mestre que criou obras que duram mais do que vidas humanas, dando-nos assim sempre motivo de falar Dele! Mas não é por isso que Ele é superior a quem quer que seja, mas sim Suas Palavras e Seus Ensinamentos sobre as Verdades Eternas! Elas superam infinitamente todos os filósofos que conhecemos! O milagre são Suas Palavras, pois tornam o coração singularmente feliz! Eu não pude ouvi-lo pessoalmente; mas já as narrativas de outros sobre Ele me encheram de felicidade.
Não havia semana em que não ouvíssemos algo novo de Jesus, e todos se sentiam felizes quando se falava Dele! Acredito que se chegasse mais alguém para relatar-me algo sobre Ele, me sentiria ainda hoje cheio de alegria e felicidade."
Imerso em seus pensamentos, Ursus perguntou: "Como se explica que eu não fiquei mais feliz e contente ao ouvir algo do Salvador, mas que meu desejo de vê-Lo e de falar-Lhe tornou-se sempre mais premente?" — "Deveremos perguntar isso a Marcus", disse Demétrius. "Mas creio que chegou nova visita, pois no pátio há muito movimento."
Ursus olhou pela janela para o pátio e viu descer duma carruagem duas mulheres e dois homens; um filho de Marcus os ajudava, pois eram enfermos.
"Vêm muitos doentes para este sanatório?" perguntou Ursus ao seu patrão, que lhe disse: "Sim, Ursus, muitos mesmo! E só agora sei quanta miséria há no mundo. Nossos negócios não nos deixaram tempo para nos ocuparmos do nosso próximo; mas estes últimos meses me mostraram que nossa vida estava errada! Este sanatório é uma grande bênção para os homens! Proporciona dupla felicidade: felicidade para o corpo e felicidade para a alma; pois todos saíam daqui com a convicção: Tudo isso é Obra de Jesus! Por isso, abre nestes dias teus olhos e ouvidos, e mais ainda teu coração! Então, o que hoje te parece uma desgraça, se tornará para ti uma verdadeira felicidade".
O velho Marcus constatou que a caravana de seu hóspede Demétrius estava bem acomodada; e não demorou a chegarem também os novos hóspedes, e isto num sábado, pois não eram judeus. Cordialmente, ele saudou os forasteiros em Nome de Jesus, o Senhor! Eles agradeceram com lágrimas, e um deles disse: "Marcus, tu — que és amigo fiel do grande Jesus, a Quem ainda não conhecemos, se bem que O aceitamos — sentimos necessidade de vir ao teu sanatório, pois fortes dores nos nossos membros muitas vezes nos impedem de passar horas alegres. Nossos amigos nos informaram que há aqui, pela Força Milagrosa de Jesus, uma fonte que ajuda e cura todos os doentes e frágeis."
Amavelmente, respondeu Marcus: "Se tendes a justa fé e a confiança no verdadeiro Deus, recebereis ajuda! Mas primeiro, cuidemos de vossas acomodações; pois, grande é o número de pessoas na casa. Mas dizei-me quem sois e de onde vindes."
Um deles disse: "Somos dois amigos: eis aqui Gregor com sua mulher, e eu sou Filipe, também com minha mulher. Viemos de Damasco e somos negociantes e comerciantes." — "Cordialmente, vos dou as boas-vindas em minha casa", disse Marcus, "e ficai à vontade."
IV
Marcus voltou, então, para os seus amigos romanos e contou: "Acabam de chegar quatro forasteiros de Damasco, comerciantes como tu, meu irmão Demétrius. Enquanto ainda estás aqui, os recomendo ao teu particular cuidado e amor; pois, como sabes, a notícia sobre o Mestre não me deixou reganhar a tranquilidade interior. Se ao menos tivéssemos certeza! Queria ir à cidade; talvez pudesse saber mais detalhes sobre o acontecido."
Demétrius disse: "Então vou contigo! Pois meu Ursus tem ainda muita coisa a falar com seu pessoal; e antes do pôr-do-sol nós também estaremos de volta."
Ambos foram, então, para ver um sacerdote amigo; mas foram informados que este fora chamado a Jerusalém, porque Jesus de Nazaré seria condenado à morte pelo Templo. Silenciosos, procuraram um outro amigo; mas também este não estava melhor informado do que eles. Encetaram, então, o caminho de volta, e Demétrius perguntou: "Irmão, agimos certo nos cansando para ir até Cesareia? Jesus não nos daria um sinal para evidenciar a verdade? Parecemos dois incrédulos!"
Replicou Marcus, pensativo: "Talvez tenhas razão; mas o que não se faz para obter certeza! É verdade que o Senhor prometeu nunca deixar-nos às escuras, mesmo em Sua ausência! Ao contrário, deveríamos nos tornar até mais conscientes e mais seguros! Pois o Espírito do Seu Amor preencheria nossos pensamentos com clareza do Alto! "
Demétrius concordou vivamente: "Vê, irmão Marcus, agora falaste certo! O Espírito de Seu Amor nos preencherá com clareza, e só com esta clareza podemos vencer tudo o que vier a obstruir o que há de divino em nós! Pareces recear pelo Senhor, ainda que tuas palavras soem de maneira diferente; mas procura vencer tua fraqueza humana com Sua Força de clareza! Então conseguirás a paz sobre tudo o que aconteceu e serás de novo um justo pai de família para teus hóspedes e protegidos. Vê, a Doutrina de Jesus era para mim como uma Mensagem dos Céus! E a esperança de uma existência livre, alegre e eterna não me deixa mais pensar no que é baixo ou egoísta! Devo, pois, confessar: por Jesus, vislumbrei minha vida numa luz totalmente diferente!
Vê, não tenho receio por um homem que é capaz de desenvolver de si mesmo tanta Sabedoria e efetuar tantas Obras milagrosas pela Força de Sua Vontade, ainda que Ele queira passar pela morte. É verdade que toda separação dói! Mas será que Seu Espírito não poderá consolar os Seus? Se cremos Nele, creiamos também em Sua Mensagem da Vida Eterna! E esta Vida é muito mais forte do que a morte! A Vida Dele deve destruir a morte!"
Marcus arregalou os olhos para seu amigo e disse, pensativo e admirado: "Primeiro, faz-se todo esforço para ensinar a vós, forasteiros, uma justa noção de Deus! E agora, sois mais do que um amigo e irmão: vos tornais um verdadeiro sacerdote para nós! Tuas palavras me fizeram bem! Nunca esqueçamos o que o Senhor fez para nós!"
Demétrius lhe respondeu: "Querido Marcus! Sempre falas daquilo que o Senhor fez para nós! Mas não é menos importante a pergunta: O que eu devo fazer agora? Se Jesus deixou esse mundo de livre vontade, não devemos mostrar-nos tão abatidos, perdendo a vontade para qualquer atividade! Seria sinal de ingratidão para com Ele, se Seus seguidores só se entregassem ao luto, deixando o campo aberto aos inimigos de Sua Doutrina! Nós devemos seguir o Seu exemplo, ajudando a todos os que procuram a Verdade, para conhecerem também a Jesus e a Sua Doutrina.
"Meu irmão Demétrius! Falaste certo!", foi a resposta de Marcus. Tuas palavras devolveram à minha alma de novo o equilíbrio e a coragem de testemunhar Dele! Mas, de repente, estou convencido da realidade de Sua morte! Só agora entendo Suas alusões sombrias a este respeito! Mas como o aceitarão nossos moradores e todos os doentes? Será que devo manter-me calado perante eles?"
Respondeu Demétrius: "Irmão! Irmão! Ainda que Jesus tivesse morrido, para mim será sempre o Mesmo! Pois Sua Obra e Seu Espírito continuam vivos! Quantas vezes exaltaste Seu Amor e Sua Misericórdia, evocando em todos nós o grande e vivo desejo: Oxalá chegasse o Senhor também para nós! Se há algum motivo de queixa, é o de não tê-lo visto e falado! Mas consolemo-nos também a este respeito, uma vez que Seu Amor e Sua Misericórdia nos devolveram a saúde por esta fonte medicinal que Ele criou! Nada mais precisamos saber Dele, senão a certeza: Aqui, o Senhor e Mestre Jesus criou um Monumento que nem Seus inimigos nem Sua Morte podem destruir! Por isso, querido Marcus, prova também tu a todos que tua fé em Jesus e teu amor para com Ele continuam os mesmos! Já aprendi o suficiente, e também me conscientizei no meu íntimo de que ser animado pelo Seu Espírito constitui uma rara felicidade! Eis porque sinto uma vida totalmente nova em mim, que antes me era desconhecida!"
"Meu querido amigo e irmão!", respondeu Marcus, "é tão bom estares aqui, podendo fortalecer o que se tornou fraco em mim! Sinto agora o despertar de uma nova alegria, dando à minha alma a força de servir a meus irmãos! Sim, sinto de novo a terra firme sob meus pés, e não tenho mais medo de nada!"
Demétrius respondeu sério: "Então ajudemo-nos mutuamente enquanto ainda estarei aqui! Pois receio que terás ainda que fazer frente a muitas dificuldades. Os templários tentarão tudo para abalar nossa fé em Jesus!" Sem falar, percorreram a curta distância que os separava ainda da casa.
V
Ursus já esperava os dois amigos com impaciência; não notando nem dor nem aflição nos seus semblantes, logo perguntou pelas notícias.
Esquivando-se um pouco, Demétrius disse: "Nada ouvimos, meu filho, que tivesse podido abalar nossa fé ou nossa confiança em Jesus. É verdade que também em Cesareia reina incerteza, assim como conosco; mas sabemos agora que o Mestre está vivo, visto que um Espírito como o Dele não pode morrer!"
Incrédulo, o jovem romano olhou para o seu patrão, pois estas palavras lhe pareciam totalmente incompreensíveis, e Demétrius continuou: "Estás admirado das minhas palavras, mas elas vêm do meu coração que está cheio de esperança e confiança. Mas não nos antecipemos ao dono da casa; ele terá as justas palavras para todos."
Os filhos de Marcus aguardavam também seu pai, pois já estava na hora do jantar comum no grande refeitório. De corações alegres, os hóspedes se saudaram uns aos outros; os quatro recém-chegados foram-lhes apresentados, e Marcus pediu a Demétrius de cuidar particularmente dos dois comerciantes. Após uma breve prece, a refeição começou. Demétrius conversava com Filipe e Gregor sobre negócios, até que, do meio da mesa, ouviu-se a palavra "Jesus". E como se este nome tivesse uma secreta força de atração, todos olharam para o locutor, o venerável ancião Jeremias. Este — notando que todos o olhavam — continuou:
"Sim, falo de Jesus, o Mestre! Em Seu grande Amor para com todos os doentes, Ele criou esta casa de esperança. Também cheguei aqui esperando receber a cura, pois anteriormente não havia tido a coragem de dirigir-me diretamente a Ele. A Ele toda gratidão! Estou curado a ponto de poder recuperar aquilo que perdi até agora. Ao sair daqui, meus primeiros passos serão para o grande Mestre e Salvador, para exprimir-Lhe minha gratidão."
"Meu amigo e irmão Jeremias", replicou Marcus, "se realmente desejas agradecer ao bom Salvador, não é preciso que O procures, pois no íntimo do coração cada um pode entrar em vivo contato com Ele. Eis o tranquilo caminho que Jesus tantas vezes nos recomendou. Eis por que o Mestre nos dirigiu as insistentes Palavras: 'Agradecei em vosso coração e com ele! Mas se quereis demonstrar-Me o vosso amor, sempre tendes irmãos e pobres convosco que precisam muito do vosso amor!' — "Queridos amigos e companheiros de casa", continuou Marcus comovido, "com o coração grave, sou obrigado a vos informar: Nosso bom Salvador Jesus não vive mais entre nós como homem! Consta que foi arrancado da nossa convivência por uma morte violenta." E acrescentou ainda: "Só o Senhor conhece todas as coisas! Ele terá meios e caminhos para esclarecer-nos mais, para que nossa fé Nele não seja abalada por dúvidas, medo e pavor."
Pasmos, todos os presentes olhavam em silêncio para Marcus, até que alguns pediram mais informações como isso pôde acontecer.
E Marcus disse: "Queridos irmãos, ouvi-me! Não temos ainda informações mais detalhadas! Dois templários trouxeram-nos hoje a notícia quase inacreditável, mas obviamente queriam apenas roubar a quietude e a paz de nossos corações. Por isso, no início, não pude julgá-la verdadeira. Mas, procurando no meu coração, acho que pode ser verdade! Pois outrora, o Mestre me disse as graves Palavras: 'Para encher a medida, deverei ainda sofrer o pior, senão a humanidade não poderá ser salva!' Óh amigos, no início este acontecimento nos parece incompreensível, mas, atrás dele pressinto a Vontade de Deus, a Quem o Mestre sempre Se curvou de boa vontade! Por isso, queridos irmãos, curvemo-nos também com humildade diante da Vontade Divina, superior a tudo, e Sua Paz entrará de novo em nossos corações."
Todos estavam abalados no íntimo, e silenciaram. Demétrius sentiu-se então atravessado por uma Força sagrada que lhe transmitiu, qual luz resplandecente, plena clareza! E, radiante de vida, exclamou: "Meus amigos, sinto agora em mim que todo o horror se transformará ainda em alegria! Pois vede: Para a poderosa Obra de Jesus junto a nós, doentes, era indiferente se Ele estava presente ou não. O mesmo vale agora para Ele, quer seja ainda um Homem ou não. Somente para nós era importante que Ele ficasse conosco como homem, para que nossos sentidos pudessem vê-Lo e ouvi-Lo. Nosso amigo Marcus não vos contou que anjos outrora encontravam-se nesta casa, visíveis em forma humana, e isto, porque Jesus o quis? Daí vemos que Ele é também Senhor de todos os anjos no mundo invisível. Já sinto em mim algo de Sua Vida Nova que o Senhor quer dar de presente a todos nós! Por que, então, deveríamos ainda estar de luto? Também eu não O vi nem Lhe falei ainda, mas apesar disso, me sinto inteiramente ligado a Ele! Essa Obra, o sanatório, onde tantos milagres se verificaram, não basta para testemunhar da Grandeza de Sua Força de Vontade e igualmente do Seu Amor que quer ajudar a todos os homens? Aquele que pela própria força pode criar Obras que só a um Deus são possíveis e de Quem consta que despertou até mortos, em verdade deve ser superior também à própria morte!
Meu desejo de vê-Lo não diminuiu, mas se tornou ainda maior! Estou certo que também eu O verei, assim como Marcus e os seus O viam!"
Incrédulo, o ancião Jeremias dirigiu a seguinte pergunta a Demétrius: "Querido amigo, e amigo da casa de Marcus, o que ainda te faz esperar que também tu verás Jesus? Estás convencido que o Senhor atenderá aos teus desejos como imaginas? Para mim, toda a esperança frustrou-se, uma vez que outrora não dei valor ao Amor do Salvador, não querendo crer em Suas Palavras! Só meu sofrimento curou minha incredulidade, e por isso estou duplamente magoado de não mais poder pedir-Lhe perdão."
"Querido irmão", respondeu Marcus, "inquietas-te em vão! Pensas que Jesus, que sabia todas as coisas, não sabia também que te arrependeste de tua incredulidade para com Ele? Pensas de fato que terias obtido a cura, se o Senhor de toda Vida guardasse rancor por tua falta de amor? Não somente aquele que acredita na Força milagrosa desta fonte obterá a cura; mas também aquele que crê em Jesus como o Senhor e na Força do Seu grande Amor pode ser curado em qualquer lugar! Queridos irmãos e todos vós presentes! Como me senti abatido no íntimo quando os dois templários me trouxeram a tristíssima notícia, flagelando-me ainda com seu escárnio, porque sabiam que Ele era nosso mais fiel amigo e fonte de ajuda! Agora vede, devo somente ao Senhor ter colocado ao meu lado este meu amigo Demétrius, que me reanimou e fortificou no íntimo. Foi o Espírito de Jesus e o sopro do Seu Amor que deram ao meu coração a certeza curativa: Ele está vivo, mesmo que tenham matado Seu Corpo. Agora, também eu posso testemunhar Dele no íntimo do meu ser e afirmar a vós todos: Sim, Ele vive!
O que para todos os espíritos e todos os anjos e homens pode parecer inconcebível tornou-se magnífica realidade: O Mestre vive e será eternamente o Senhor de toda vida e de toda morte! Vê, irmão Jeremias, antes o sentido de Suas Palavras te era incompreensível; agora estás preocupado por isso e pensas dever pedir-Lhe perdão! Mas eu te digo: Confia Nele! Crê no Seu Amor que cura todos os que estão no erro, e escolhe este Amor como exemplo para tua vida! Então crescerá, também em ti, uma Nova Vida e compreensão que te impelirá para outras tarefas, a saber: servi-Lo e animar os irmãos que estiverem quebrantados e cheios de dúvidas por causa de Sua Morte!"
Ursus escutou atentamente cada palavra. De repente gritou, todo excitado, para Marcus: "Querido Marcus, não se pode mais compreender como tu falas agora da morte de Jesus! Soa como se tivesse sido natural que Ele tivesse de morrer; Ele, que ajudou a vós e a tantos outros! Devo acreditar-te que Ele vive, apesar de tudo! Mas por que seu fim foi a cruz? É a maneira mais triste e mais amarga de morrer que se possa imaginar, e criminosos tremiam ao ouvir tal condenação. E este vosso Salvador e amigo teve seu fim na cruz?! Não, isso é demais, não posso compreendê-lo! Passei por muitos campos de batalha, dando a moribundos sedentos ainda um gole d'água, fossem amigos ou inimigos. E ainda que profundamente aflito de que os homens se matassem uns aos outros com suas armas, disse para mim, para consolar-me: Morrestes na luta, pelos interesses de vossa pátria! E mantive a esperança de tempos pacíficos. Quando então conheci a magnífica Doutrina de Amor de Jesus e as grandes Obras da Força de Sua Vontade, uma nova esperança de tempos abençoados pela Paz brotou em mim! O amor e o desejo por este maior amigo dos homens cresceu cada vez mais, a ponto que — mesmo estando longe do país dos judeus — confiava poder ver uma vez a Jesus! Com que alegria, após o dever cumprido, viajei de volta para Cesareia! Todos os transtornos foram vencidos com facilidade, pois no final encontraria Jesus! Mas logo que cheguei, fiquei sabendo que Jesus não está mais entre nós! Perdoai a minha agitação, tive que falar assim como estou me sentindo. Com a notícia 'O Salvador está morto', também meu desejo morreu! Pois meu amor e desejo eram por um vivo; por um morto, só há a lembrança! Mesmo se Sua Obra continuar, isso não mata a minha saudade por Ele; pode apenas animar a minha lembrança, os meus pensamentos! Por isso, amigos, perdoai-me por não poder aderir a vossa opinião; primeiro, devo vencer a minha dor e minha amarga decepção! Deixai-me sozinho por algumas horas; só na solidão poderei reencontrar a minha paz!"
Ursus foi para o estábulo, pôs a brida no seu cavalo e disse ao animal: "Meu amigo e companheiro! Também tua mudez é para mim uma língua compassiva; pois nos entendemos na alegria e na dor. Ouve-me: Meu melhor amigo não vive mais! Vem, vençamos a dor e tentemos recuperar o equilíbrio interno na quietude da natureza." Foi como se o inteligente animal compartilhasse da aflição de seu dono; encostou a cabeça no seu peito e rinchou levemente. Ursus o afagou com ambas as mãos e sabia: Meu amigo me compreendeu! — Abriu o portão e se foi.
Na sala, reinava certa admiração sobre a atitude do jovem romano, mas Demétrius disse: "Meus queridos! Deixai-o arranjar-se consigo mesmo! Ele é um dos fortes que não precisam de ninguém, senão de si mesmo. Que o desejo por Jesus era gigantesco, vem do fato que cada Palavra que ouviu aqui do grande Mestre encontrou nele um vivo eco. Não o interessavam tanto as Obras milagrosas de Jesus, e sim a Sua Doutrina. A Mensagem de Jesus do grande Amor entre os homens era para ele um farol que unicamente dava um rico conteúdo à vida. Assim, crescia nele o grande desejo de entrar em contato pessoal com o autor desta Nova Doutrina de Amor e de Vida! Respeitemos sua dor! O Mestre terá, também para ele, a justa solução!" Conversando animadamente, todos ficaram ainda reunidos por muito tempo.
VI
Ursus, porém, cavalgou pela noite, ao longo do lago, com um doloroso dilema no coração. A Lua dava uma luz fraca, e as estrelas manifestavam sua existência pelo brilho de sua luz trêmula. Ele chegou a uma enseada onde um grupo de pescadores se esforçava a puxar sua rede pesada para a orla. Ursus desmontou e, sem dizer palavra, ajudou a pôr a salvo a rica pesca. Os pescadores agradeceram com palavras simples, e Ursus disse: "Boa gente, senti-me impelido a ajudar-vos, pois via que vossas forças eram insuficientes."
"Senhor", disse um deles, "hoje foi sábado, e só comemos um bocado de pão com um gole d'água ao pôr-do-sol. Tivemos uma encomenda de peixes para um banquete, então não pudemos temporizar. No começo da noite, saímos pelo mar e conseguimos boa pesca; Jehovah abençoou o nosso trabalho! — Mas é permitido perguntar, senhor, para onde se dirige nesta escuridão? A noite é perigosa para viajar, pois facilmente a gente se perde."
Ursus replicou: "Meu amigo, não tenho destino certo! A noite me chamou para procurar o que perdi de dia!" (2)
(2) seu equilíbrio interno.
"Senhor", disse o pescador, "tendes uma ideia errada; voltai, porque amanhã será mais fácil achar o perdido. De dia, o ânimo também é mais alegre; pois tu, jovem amigo, estás aflito no coração."
"Meu amigo". perguntou Ursus, "como te vem essa fala? Se soubesses o que me aflige, talvez sentisses a mesma dor que eu! Pois o que perdi, chama-se Jesus de Nazaré!"
"Senhor, senhor!" exclamou o pescador. "Como seria isso possível? Pois não apenas eu, mas todos aqui, como também minha casa inteira, conhecemos Jesus de Nazaré e Lhe somos muito gratos por todos os favores que Ele nos fez. Dizes que perdeste Jesus? Isso não é possível! Pois quem já esteve uma vez, no íntimo, em contato com Jesus, podendo experimentar toda a plenitude de Seu Amor consagrador, não perde mais o Salvador Jesus! Cada pensamento Nele transmite alegria. Um pensamento Nele é como o levantar-se de uma Vida Nova que aquece e faz vencer toda mesquinhez! E esta vida, não é verdade, não pode mais ser perdida! Devo sempre pensar Nele! Perdê-Lo, seria idêntico a não mais poder pensar Nele!"
"Amigo", disse Ursus, "é como disse: perdi, e também vós perdestes Aquele que vos fez tanto bem! Pois Jesus não vive mais!"
"Senhor, não façais uma brincadeira conosco!" exclamou o pescador. "Seria a maior desgraça do mundo, se o Salvador Jesus não estivesse mais vivo! Mas tende paciência por uns momentos; meus irmãos precisam ainda de mim, depois estarei de volta."
Ursus observou como os pescadores fixaram a rede estreitada numa estaca, de maneira que os peixes nela ficavam na água; o barco, porém, foi trazido à terra. Ao voltar, o velho pescador disse: "Senhor, minha casa não se acha longe daqui; vem conosco, pois trata-se também para nós do sagrado Jesus! Um dos nossos pode cuidar do teu cavalo."
"Bem", respondeu Ursus, "por algum tempo posso ficar convosco! Mas se ficasse a noite toda fora de casa, o velho Marcus poderia inquietar-se."
Após alguns minutos, chegaram à casa, ainda fracamente iluminada. Ursus deu um pequeno tapa no pescoço do seu cavalo e disse: "Fica quieto e aguarda aqui!" O pescador mal podia acreditar que é possível dar uma ordem a um cavalo e perguntou: "Senhor, será que o animal compreendeu bem as palavras? E a primeira vez que presencio isso."
"Meu amigo", disse Ursus, "não é raro entre os povos do deserto que os animais são quase mais espertos do que os homens. Recebi este animal de presente de um soberano árabe a quem pude prestar grandes serviços. Ele é inteligente e meu melhor companheiro, pois entende tanto minha alegria como minha dor; tenta demover o animal daqui, pois não o conseguirás."
Com olhar incrédulo, o pescador lhe disse: "Senhor, será como dizes! Há também peixes inteligentes; muita coisa se poderia contar a respeito."
A mulher do pescador abriu a porta e estranhou a presença do forasteiro; mas o pescador disse: "Mulher, deixa-nos sozinhos, este senhor tem pouco tempo. Todo o resto ouvirás amanhã!"
Entraram na grande sala com cheiro de madeira e de peixe, mas num só relance, Ursus viu que tudo estava limpo e que reinava perfeita ordem. O pescador o convidou: “Vinde senhor, sentai-vos e contai o que vos aflige tanto." E Ursus contou o que ouvira de Marcus sobre Jesus. Mas o velho pescador disse: "Tudo isso, por enquanto, pode também não ser verídico. É que Jesus é um Senhor e possui um Braço forte! Quase todos os dias ouvimos Seu louvor por viajantes ou por pessoas que foram curadas no sanatório. Por isso, não me preocupo! Ele é o Senhor e continua sendo a nossa grande ajuda em toda necessidade." —"Querido amigo", disse Ursus, "prendei-vos a algo que não existe mais! Acreditais ainda num homem morto?"
Mas o pescador replicou-lhe sério: "Ele Mesmo nos ensinou ser Ele a Vida, e quem crê Nele pode receber Dele essa Vida! Ainda disse o seguinte: 'Se permaneceis no Meu Espírito, estaremos unidos, e Minha Bênção vos acompanhará em tudo o que fizerdes!' Vê, senhor, a benção desta noite! É a prova de que nosso Jesus está vivo."
"Amigo", respondeu Ursus, "tuas palavras me são tão incompreensíveis como as dos outros! Se o Homem em quem pus toda minha esperança não existe mais, o que posso ainda esperar Dele? Vós afirmais que Ele está vivo! Os templários, porém, confirmam a Sua morte. Assim, uma palavra contradiz a outra! Dize-me: não é verdade que tudo o que Ele foi para vós vos foi tirado pela Sua morte?"
Pensativo, disse o pescador: "Jovem amigo, tua afirmação de ter perdido Jesus não é verdade! Pois ainda não sentiste algo da Vida maravilhosa de Jesus! Nós somos apenas simples pescadores, mas te digo uma coisa: Parece-me que vês em Jesus apenas um simples homem a quem se pode amar de coração, semelhante a uma virgem escolhida como noiva. Não há dúvida, a noiva pode morrer, então a perdeste! E a morte foi a causa disto.
Mas o Mestre e Salvador Jesus de Nazaré não é apenas Homem; Ele é Deus, o Senhor que tem Poder sobre todas as forças e todos os elementos! Nós fomos testemunhas quando ele comandava calma à tempestade e às ondas, por isso que glorificamos Sua Força e grande Glória!
Quando Seus inimigos atentaram contra Sua Vida, sabemos que Ele não teve medo, mas chamou tempestade e ventos que transformaram aquele lago numa caldeira borbulhante, pondo o navio inimigo em supremo perigo e tirando assim Seus perseguidores do engano sobre Sua Pessoa, sobre Quem Ele é. Ele é um Senhor sobre Vida e Morte! Por isso, não podemos acreditar que Ele morreu. Pode ser que Ele não precisasse mais de tudo o que havia de humano Nele, desfazendo-Se assim do Seu Corpo. Mas nesse caso, jovem senhor, Ele virou pura Glória! Mas Seu Amor para conosco continuaria o mesmo; ao contrário, Sua Morte tornaria Seu glorioso Amor ainda mais evidente!"
Pensativo, disse Ursus: "Vós sois um enigma para mim que não sei ainda decifrar; Jesus — um Deus? Nunca O vi desse modo!"
"Senhor", continuou explicando o pescador, "não se pode ter uma justa ideia de Jesus, pois ela não atingiria Seu âmago! Mas Sua Presença pode ser sentida claramente! E, como o sinto agora, todo o meu íntimo está sendo preenchido por Ele com Vida Sagrada, e ouço claramente Sua Voz: "Sê paciente! Teu irmão Me ama sincera e profundamente."
"O que dizes?!", perguntou Ursus admirado. "Ouves Suas Palavras em ti? Em vosso entusiasmo chegais ao ponto de acreditar que uma percepção íntima já deve ser uma manifestação de vosso Jesus?"
Acalmando-o, disse o pescador: "Senhor, sois ainda muito jovem e com julgamento precipitado; em nossa idade, somos mais ponderados; assim, vou ser paciente contigo. Mas pensa: Se Jesus de fato morreu, ficando no túmulo como nossos antepassados, também nós não teríamos mais nenhuma esperança de uma Vida Eterna! Mas se Jesus, morrendo, entrou na Vida Eterna, também nós, que acreditamos Nele, não ficaremos na morte, mas viveremos com Ele em Seu Reino de indizível Glória. Sua Santa Boca nos minou e Suas Obras comprovaram que Suas Palavras não eram ocas, mas que Ele anuncia e representa Eternas Verdades de Vida. Para tal, te faltam ainda provas concludentes que eu, porém, dispenso, porque sei: Ele vive, confirmando-me, em mim, Sua Vida!"
Ursus pediu agora: "Amigo, perdoa o meu rigor! Sinto que tua boca profere a verdade! Mas, o que devo fazer para que também eu chegue à convicção de que Ele vive! Marcus e meu patrão falaram de um Lázaro em Betânia; deveria procurá-lo para ter provas?" O pescador respondeu: "Jovem amigo, para ir a Betânia, precisa-se meia semana; mas pouco te adiantaria! Pois se não podes, em verdade, ter fé em mim, tampouco acreditarias em Lázaro. Mas neste instante, Jesus, o Senhor, manda-me dizer-te: 'Procura em teu coração!' Então O verás e serás repleto com a Nova Vida que vem Dele. Vem, quantas vezes teu coração o pedir, à nossa modesta casa; sempre serás bem-vindo! Mas agora precisamos descansar, e também para ti o repouso fará bem."
Agradecendo com poucas palavras, Ursus deixou os velhos pescadores e, conduzindo seu cavalo pelas rédeas, com passos lentos voltou à casa do velho Marcus; levou mais que uma hora. Mas o forte dilema no seu interior ainda persiste: um morto vive e proclama que não há morte, nem para Si nem para Seus seguidores! Já de longe viu a lâmpada acesa que Marcus mandara colocar no portão para facilitar ao seu hóspede a orientação. O filho mais velho aguardava o romano e cuidou de seu cavalo. Ursus, porém, sentia-se solitário e abandonado; por muito tempo ainda contemplou o céu estrelado, até que, ao amanhecer, as estrelas se desvaneceram.
Nesta noite ele decidiu não descansar, até que tivesse penetrado o mistério que cercava Jesus. Para ele era inconcebível: Jesus como Homem e como Deus? É verdade que Marcus já várias vezes havia aludido às Forças Divinas que com todo Poder e Glória residiam em Jesus. Mas que Jesus fosse Deus, isso era novidade para ele. "Quem uma vez experimentou o Amor de Jesus, nunca mais O perderá!" Estas palavras o ocupavam constantemente. Os pescadores, a casa de Marcus, todos usufruíam deste magnífico Amor de Jesus, razão por que se sentiam tão estreitamente unidos a Ele. Mas qual era a posição dele diante de Jesus, agora, hoje? (3)
(3) Cada um deveria constantemente fazer a si mesmo esta pergunta durante sua vida terrena.
Jesus!", disse Ursus para si mesmo. "Por que tinhas que morrer, deixando Teus amigos entregues à saudade e ao desespero? Por que não fizeste uso de Tuas Forças Divinas? Óh Deus de eternidade em eternidade! Não me deixes recair no paganismo, o que seria deserto e escuridão para o meu coração! Que Tua Bondade e Justiça devolvam-me de novo a alegria de viver!"
VII
Na casa, a vida matinal começou; mãos diligentes já preparavam o desjejum; Ursus desceu para o seu pessoal, já ocupado em alimentar os animais. Os negros não cansavam em exprimir sua alegria por não serem tratados aqui como estranhos, mas respeitados como irmãos. Também Ursus se regozijou com eles por causa disso, perguntando-se porém: "Por que eu não participo da mesma alegria que estes homens?" E a amargura oprimiu sua alma magoada. Saiu para o lago, onde o tranquilo som das ondas e o leve zumbido dos insetos fizeram que seu interior se calasse. Era como se nada mais de fora chegasse agora aos seus ouvidos, mas como se uma voz interna lhe falasse: "Se queres certeza e paz, procura em ti! Todos os homens, e mesmo o amor melhor intencionado não têm valor para ti, se não se abrir a porta para o mundo do teu Eu! Por isso, sê tranquilo até ao teu íntimo!"
Ursus se virou: tinha ouvido palavras, ou eram apenas pensamentos? Mas de onde, de quem vieram? "Sê tranquilo até ao teu íntimo?" — "Sim, é o que quero!", disse aliviado a si mesmo, "mas para tanto, o velho Marcus sem dúvida deve ajudar-me!" Neste momento, viu chegar de longe o velho pescador Hiram; Ursus foi ao seu encontro, e o velho o saudou: "A Paz seja contigo!"
Agradecendo, Ursus disse: "Sim, é o de que necessito! Pois esta noite foi irrequieta, e o sono me fugiu."— Respondeu Hiram: "Não queres ir à casa para falar com Marcus sobre a notícia de Jerusalém? Ainda não falei com ninguém sobre o que me relataste ontem, pois poderia tratar-se também de uma manobra fraudulenta do Templo."
Admirado, Ursus perguntou: "Também começas a ter dúvidas? Esta noite falaste doutra maneira."
"Oh não!", respondeu o pescador. "Mas é dever de cada um averiguar a veracidade dos boatos! Pois muitas vezes, um erro pode destruir uma vida nova guardada cuidadosamente." Ambos voltaram à casa, onde Marcus os saudou amigavelmente: "O que nos trazes, irmão Hiram? Precisas de alguns dos meus homens? Pois sem motivo não vens de manhã cedo?"
"Não, irmão Marcus", disse Hiram. "A razão é este teu hóspede. Esta noite esteve em minha cabana e me contou um acontecimento quase inacreditável em Jerusalém."
"Então já sabes", disse Marcus, "o que os templários me contaram? Mas ainda não temos a plena certeza.”
“É verdade, irmão Marcus", foi a resposta séria de Hiram. "O Senhor mo revelou de madrugada! Mas tive dúvidas, como já tantas vezes; pois vi o Senhor com mãos e pés perfurados, mas com Semblante radioso! Pensei que fosse apenas uma visão! Porém, olhando-te profundamente, tornou-se-me íntima certeza!"
Marcus lhe respondeu: "O meu íntimo também se revoltou contra esta notícia e foi abalado até o âmago. Mas o próprio Jesus veio ajudar-me por um dos meus hóspedes (4), e agora me tranquilizei, pois sei que Ele vive e que ficaremos na sombra de Sua Graça e de Seu Amor também no futuro!" Disse Hiram: "Então, tudo está bem! Eu também sei: Ele vive e viverá eternamente! Mas este jovem amigo está ainda cheio de dúvidas! Por isso, irmão Marcus, não seria bom mandarmos alguém a Betânia?! Sabes que não quero empreender nada sem teu conselho fraterno; mas neste caso acho necessário averiguarmos a fundo este acontecimento."
(4) Demétrius
Respondeu Marcus: "Irmão Hiram! Esta noite o sono me fugiu, e todos os meus pensamentos eram dedicados ao Senhor. Com isso, compreendi que devo esperar tranquilamente qualquer notícia! O irmão Lázaro, juntamente com Seus discípulos, certamente achará meios e caminhos para informar todos os amigos! Aguardemos, pois, e lembremo-nos: O Senhor conhece os Seus! Ele transformará toda nossa tristeza em alegria!"
"Mas amigos!" exclamou Ursus excitado, "tratais da morte de Jesus com uma naturalidade, como se já fosse fato comprovado! Mas poderia ser que o Templo quer apenas tirar proveito desta notícia, para abalar nos amigos de Jesus; ou melhor, a fé Nele!"
"Enganas-te, jovem amigo", respondeu Hiram sério. "A fé em Jesus dá uma força viva e uma certeza que ninguém pode roubar! Onde o inimigo da vida ainda pode provocar dúvidas e separações, aí Jesus ainda não penetrou na Vida. (5) Muitos, muitos viram e ouviram Jesus, mas não acolheram Seu Espírito e Seu Amor, nada podendo experimentar da Sua Plenitude de Vida! Mas os que acreditaram Nele provaram Sua Glória, não querendo mais viver sem esta Vida Nova, cheia de Graça e vinda Dele! Por isso, fica calmo! O Senhor conhece os Seus e os ama!" Chegaram agora os hóspedes, reunindo-se para o desjejum. Alegravam-se em saudar o velho Hiram, pois este irmão já tinha dado a muitos deles "Pão" do Coração de Jesus. Marcus pediu ao irmão Hiram de dizer a bênção matinal; Hiram levantou-se e, estendendo as mãos para cima, disse: "Óh Pai, cheio de Bondade e Amor! Passou a noite, na qual, por Tua Graça, nos guardaste de todo mal. Veio o dia com a mensagem: que a Luz seja a Tua dádiva para que vivamos! Senhor! Luz da Vida de Deus! Vida do Amor Divino! Fique conosco e em nós também neste dia! Pois sem Ti, nada sentimos desta vida! Por Teu Amor e Tua Graça sabemos que Tu Mesmo és esta Nova Vida! Abençoa-nos, para que também nós de novo possamos abençoar! Amém! E abençoa nosso alimento com Tua Força e Glória! E que Tua Santa Vontade Se torne cada vez mais também nossa vontade! Amém!"
(5) e Sua Doutrina ficou restrita só à razão
"Amém", responderam todos; e os filhos de Marcus entoaram então um Salmo: "Senhor, Eterno e Magnífico, teu é todo Poder e toda Vida! E Teus somos nós. Queremos viver como Tua propriedade, conforme a Tua Vontade! Mas fica conosco, pois sem Ti nada podemos! Tua Força nos fortifique, e Tua Glória Se manifeste ao nosso fraco amor!"
Só então todos se serviram da refeição preparada; depois, disse Hiram: "Meus amigos e também meus irmãos! Sinto o forte impulso de proclamar perante vós que nosso Deus e Eterno Pai quis mostrar-nos Seu Infinito Amor e Misericórdia, dando-nos Seu maior e mais precioso dom: Sua Vida Divina! Fortes e cheios de Vida, podemos nos dar as mãos como irmãos, se assimilamos o Espírito do Mestre que O fez sacrificar-Se a Si Mesmo por nós e todos os homens! A morte do Mestre nos faz nascer para uma Nova Vida, levando à ressurreição todas as forças espirituais ainda ocultas no coração dos homens. Mas todo crescer necessita de tempo. Jesus morreu como Homem por todos os homens, privando a morte de seu estigma terrível para toda a eternidade! Mas só o que era humano Nele passou pela morte; Sua Vida-Espírito, porém, age em nós a partir de agora. Sua Morte nos incumbe com a grande tarefa de encetar, com olhos abertos e uma visão larga, os caminhos internos que conduzem a Ele, seguindo Seu exemplo como nosso Irmão humano. Mas o Mestre quer vir agora também a nós, para mostrar-nos de novo: Vede: 'Eu Sou a Vida!' Mas Ele não pode conduzir-nos além deste ponto, pois agora deve começar nossa própria ação! A Grande Tarefa com que o Eterno Amor Divino O incumbiu está cumprida, razão por que Suas últimas Palavras como Homem e Irmão eram dirigidas a tudo o que vive e viverá na Terra: "Está consumado!" Ora, tudo o que Ele nos deu como Amor nós queremos retribuir-Lhe de boa vontade como homens libertos, mas isso só é possível se Seu Amor se tiver tornado vivo em nós! Só por esse caminho, Jesus Se aproximará cada vez mais de nós como o Glorificado, até que também nós possamos exclamar: 'Agora chegamos à consumação pela Sua Vida em nós!' E se o mundo inteiro persistir mudo, não querendo compreender e admitir esta última grandeza de Seu Grande Amor, então cabe a nós provar a todos: Ele vive em nós! Seu Espírito é a Vida Eterna!"
Após um curto silêncio, Hiram continuou: "Neste instante sinto Sua Santa Voz em mim, dizendo: 'Tudo o que era Meu, seja agora teu! E toda Força e todo Poder que glorificaram tão magnificamente o Meu Amor, estejam agora também em ti, na medida do teu amor a teus irmãos! Nada receies! A Nova Vida que vem de Mim não pode mais ser restringida por morte alguma, nem por circunstâncias adversas! Pois Eu sou agora Vencedor e levarei à vitória (sobre as dúvidas interiores) todos os que continuarem, com amor e fé inabaláveis, a Minha Obra de Salvação pelo Amor que socorre e liberta dos sofrimentos. E é só servindo neste espírito que todos vós podereis alcançar a perfeição! Amém!'"
Todos escutaram as palavras de Hiram e foram preenchidos pelo Novo Espírito que o inspirava; apenas o jovem romano e os dois comerciantes recém-chegados não sabiam como deveriam entender estas palavras. Gregor dirigiu-se a Demétrius, perguntando: "Ouve, querido amigo! Não pude compreender bem estas palavras, pois pouco sei de Jesus, e nada sei deste simples pescador. Mas, observando como os outros assimilaram a verdade do que ouviram, devo confessar: Deve haver algo verdadeiro em suas palavras! Nenhum acontecimento em minha vida me interessa tanto como este!" "Meu amigo!" respondeu Demétrius, "não é de estranhar se tu, e talvez também outros, não puderam logo compreender e ter fé nessas palavras; mas ontem, quando com todo meu ser intervim em favor de Jesus, querendo refutar as dúvidas do irmão Marcus, senti entrar em mim uma nova força, e pude proferir palavras cheias de vida convincente! Houve, pois, algo que me vivificou, e esta Força vital só pode ter sido o Espírito de Jesus." "Nesse caso", disse Gregor pensativo, "Jesus era mais do que um Homem! Então deveria Lhe ser também possível manifestar-Se a nós! Pois tu também não O viste em pessoa, mas mesmo assim Sua Força Viva Se manifestou em ti, fazendo-te falar."
Entrementes, Ursus se dirigiu a Marcus: "Querido amigo! Dize-me, foi realmente Jesus que Se manifestou em Hiram, como ele disse? Não posso compreendê-lo! Mas também estou certo que Hiram não nos faltaria com a verdade. E se olho para os outros, eles firmemente acreditam: Era Ele!"
Marcus respondeu: "Também eu acredito que foi o Mestre que Se manifestou a nós por este homem honesto. Não é a primeira vez, mas já várias vezes Hiram foi o mediador entre o Senhor e nós. Dize-me, irmão, por que não podes acreditar nisso? É uma prova de Seu Amor e Graça, se o Espírito de Jesus Se manifesta como uma Vida Nova no homem."
Ursus justificou-se: "Marcus, não penses que eu não quero acreditar; quero apenas receber uma explicação daquilo que não me parece natural. Se Jesus, que dizem estar morto, pode ainda Se manifestar por palavras, não deve Ele então estar aqui? Por que ninguém O vê, dizendo: 'Jesus está aqui, eu O vejo!"
Pacientemente, Marcus replicou: "Ursus, Ursus, carregas cargas que te tiram a liberdade (6). É sobretudo dever de cada homem libertar-se de inibições da alma que impedem a visão para o Alto. Mas toda crença também está sujeita a interferência de forças negativas que não vêm de Jesus! E se o Senhor não pode ainda vir pessoalmente a nós, é porque Ele respeita o estado em que se encontra tua alma. Crê Nele, assim como acreditavas Nele até ontem! Confia Nele como Aquele que ajuda em todas as necessidades, e todo teu interior se aclarará! Ninguém recebe nada de graça, e nós mesmos devemos tudo assimilar em nós! Irmão, teu Salvador espera por ti!"
(6) por teus rigorosos pensamentos intelectuais
Entrementes, terminara a refeição, e o velho Marcus disse: "Queridos irmãos e amigos, demos graças agora e alegremo-nos no coração. Cada dia traz seus deveres que queremos cumprir também hoje com amor renovado!"
Hiram e Demétrius conversaram ainda sobre o que experimentaram naquela hora, até que veio Marcus. Foi decidido mandar um mensageiro a Betânia, para se informar de todos os pormenores. Demétrius pôs Ursus com alguns soldados à disposição; um filho de Marcus e seu amigo deveriam acompanhá-lo no dia seguinte de manhã. Com isso, Hiram se despediu.
Saindo de uma dependência, Ursus pediu ao velho pescador: "Meu amigo! Se tens um momento de paciência, eu pediria ao meu patrão de poder levar-te à casa com uma carruagem. Eu teria prazer em fazê-lo, pois sei que praticamente não dormiste". Antes que Hiram pudesse responder, Ursus se dirigiu a seu patrão nesse sentido. A permissão lhe foi logo dada, e rapidamente despediu-se Ursus, pedindo licença para o dia inteiro.
VIII
Com sérias conversações, chegaram em pouco tempo ao seu destino. Após acomodar cavalo e carruagem, Hiram levou o jovem irmão à distante cabana do irmão Aziona, que na pequena aldeia de pescadores era o ancião e prefeito da comunidade. Este estranhou a chegada de Hiram com um forasteiro no traje de um romano.
"A Paz do Senhor seja contigo!" saudou Hiram — "E convosco para sempre!", respondeu Aziona. "Entrai na casa. Algo importante vos traz aqui!"
"Sim, irmão, não apenas importante, mas também decisivo para o futuro! Eis a razão, com poucas palavras: "O Mestre foi morto de uma maneira cruel, o que causou a muitos tristeza e excitação!"
"Hiram, meu irmão", respondeu Aziona, "poderias ter-te poupado o caminho para trazer-me essa notícia! Pois nesta noite participei, numa visão, deste triste acontecimento! Mas não o disse ainda a ninguém, apesar de saber que minhas visões nunca me mostraram algo errado. Também vi como o Mestre permanecia vivo, reunindo ao Seu redor grandes multidões de seres espirituais que se perderam. Todavia é necessário informar também ao irmão Marcus, uma vez que lá moram muitos forasteiros."
"Já estive lá esta manhã", replicou Hiram; "também este jovem irmão, um hóspede de Marcus, estava muito aflito, pois não conhece ainda o Mestre."
"Não apenas aflito", acrescentou Ursus, "mas privado de toda esperança de ver o Senhor pessoalmente!"
"Jovem irmão", disse Aziona, "fazes mal a ti mesmo! Pois Jesus é a Esperança de todos, e aquele que Nele crê jamais será desiludido por Ele! Não foi Jesus que morreu, mas apenas Sua forma como Homem! No momento de Sua Morte, Ele Se revestiu imediatamente de uma forma nova e muito mais esplêndida, podendo agora ir a toda parte, assim como já o verificamos com anjos! Eis um conselho que posso te dar como irmão ancião e experimentado: 'Apega-te a Jesus com todo teu ser e pensamento e com toda esperança! Não permitas que um só pensamento contrário te escureça a imagem que guardas Dele em teu íntimo! Então Ele chegará também a ti, para te fortalecer e animar! Quando Jesus serviu a nós homens na forma humana, na carne, teve que respeitar a ordem dessa vida (7); mas agora, como Senhor de toda Vida e toda morte, Ele pode Se manifestar visivelmente a Seus fiéis de imediato e por toda a parte! Foi o que já experimentei nesta noite. Não te entretenhas com ideias terrestres e, portanto, passageiras, pois estas são nos dadas apenas como prova para a maturação da alma, quando Ele já pode Se manifestar a nós visivelmente sem prejudicar nossa liberdade interior. Mas, para que este jovem irmão chegue a essa paz, entremos na grande calma e esperemos pela Paz do Alto! Esta Paz do Espírito do Mestre é a condição para que todas Suas Promessas possam se cumprir! Vê, querido jovem amigo, que a morte de Jesus não nos priva Dele em nada; ao contrário, ela nos transmite o mais elevado; a saber, a clara consciência de que quem Nele crê e se esforça de coração a servir só a Ele, assim sentirá: Pela Morte de Jesus, eu me encontro agora no lugar onde Seu Amor quer agir. Aguarda, pois, irmão, o momento em que perceberás: Agora me sinto unido ao Senhor!"
Após um breve silêncio, Ursus perguntou: "Queridos amigos, perdoai mais uma vez se vos incomodo com perguntas; parece-me que vossa união com Jesus é algo íntimo, puramente espiritual. Até hoje, desejava apenas vê-Lo uma vez, poder mirar Seus Olhos e escutar Suas Palavras. Mas vós me levais a uma nova expectativa: de compreendê-Lo no interior, para poder agir como Ele quis e fez! Mas eis uma incerteza: o novo que ressurge e cresce em mim, será de fato o que Jesus me deu? Ou há ainda algo desconhecido em mim que poderia tomar o lugar de Jesus? Uma coisa é certa: O dia de hoje deve dar uma nova direção à minha aspiração, pois diante do meu futuro caminho se acha um montão de destroços da minha saudade. Vós me mostrais o meu alvo, que se chama: Jesus! Mas agora é um Jesus diferente que devo esperar, em quem devo confiar!"
(7) isto é: as leis naturais terrestres
"Meu irmão", respondeu Aziona, "aqui tens minha mão como sinal de amor fraterno; hoje ainda estarás livre de todas as dúvidas e inquietações! Mas afasta de teu coração toda amargura, pois um coração que ama a Jesus deve estar pleno de um Santo Amor. Até agora, só ouviste falar do Homem Jesus, do Salvador e Grande Amigo da humanidade! Não és o único cujo íntimo desejo era de vê-Lo, para sentir algo de Sua intima Glória. Muitos O ouviam e viam, mas para eles Jesus era um Homem. Vê, para esses, Sua Morte trará apenas dúvidas sobre Sua Missão. E outros O ouviram, deleitando-se com Suas Palavras e colocando grandes expectativas Nele; a esses, a morte de Jesus acarretará muita tristeza e decepção, pois suas esperanças não foram satisfeitas. Mas aqueles que, no mais profundo de seu coração, reconheceram o Seu Espírito como uma Vida Nova, para os quais uma Palavra de Sua Boca era como vinda do Coração de Deus, para esses Sua morte é o começo de uma nova e poderosa vivência! Eis que se sentem chamados à sagrada tarefa de restituir aos irmãos tudo aquilo que lhes foi tirado pela morte de Jesus. É essa nossa situação diante de ti, pois sabemos: O Senhor não é mais Homem. Porque há muito nos separamos de Seu Humano, sentindo-nos já unidos à Sua Alma e ao Seu Espírito Divino. Toda Sua Vida foi uma luta incessante para conseguir esta libertação de nossas almas! E como nós Lhe entregamos a nossa alma, Ele nos deu a Sua. Gostaria de clamar: 'Ó Jesus! Tu és meu Eu!' E se a dor que Jesus sofreu me fez enfraquecer, foi a profunda comiseração de Suas dores no patíbulo da morte."
"Irmão", exclamou Ursus, "te agradeço! Tua palavra me traz uma nova Luz! Mas dize-me, falas da morte de Jesus com uma certeza, como se tivesses assistido a ela; mas, e se tudo não passar de um engano?"
Amavelmente, respondeu Aziona: "Irmão, o Senhor conhece todos que O amam, e não esqueceu ninguém! Por mais doloroso que soe em nós a voz: Ele morreu! — tanto maior será nossa alegria ao ouvirmos: Ele vive! Agora, também nós podemos esperar que nossa vida continue com Ele eternamente! Pois a morte de Jesus despertou em nós esta nova vida! Que seja esse o pensamento central da tua alma, considerando que também em ti sempre há ainda sentimentos exteriores que querem fazer-nos considerar de pouco valor a sublime e Santa Vida de Deus!"
Ursus perguntou ainda: "Então não seria mais necessário ir a Betânia para obter a certeza dos amigos?"
"Necessário certamente não é", respondeu Aziona, "porque sei: brevemente o Senhor virá também a nós, anunciando-nos pessoalmente que venceu a Morte, fortificando assim, de novo, nossa fé Nele. Mas, para satisfazer o teu anseio, poderíamos fazer este sacrifício. Perguntemos, porém, ao Senhor em nosso coração, e não tardaremos em receber a justa resposta."
Após um breve silêncio entre os três, disse Hiram: "Irmão Aziona! O Senhor nos anuncia a Sua Vinda; Ele abrirá os olhos a todos que ainda não conseguiram reconhecê-Lo! Mas antes, toda dor, toda tristeza devem desaparecer de seus corações, para que ninguém se assuste."
"Queridos irmãos", disse Ursus agora, "gostaria de voltar ao meu patrão e meditar sobre tudo o que ouvi de vós! Pois só ficando sozinho que chegarei à justa clareza."
"Faze conforme o teu desejo", respondeu Hiram, "ajudar-te-ei a endireitar tua carruagem para o caminho de volta. Mas não te preocupes agora; antes, concentra teus pensamentos na direção de Jesus!"
IX
A carruagem avançava lentamente, pois só rastros mostravam um caminho. Na sombra de uma figueira, Ursus parou, dando ao cavalo alguns frutos, enquanto se deitava sob a árvore para vencer sua inquietação interna. "Sem dúvida, todos querem o meu bem", disse pensativo a si mesmo, "mas onde se encontra para mim a porta para a clareza? O Jesus, por que tiveste de morrer exatamente agora? Eu deveria acalmar-me? Mas como consegui-lo? Desde ontem tudo está agitado em mim; e o resultado?" O cavalo afocinhou sua face, levando seus pensamentos de volta à realidade. "Vê só: como posso relaxar na inquietação por Jesus", continuou falando, "e assim, deveria livrar-me de toda preocupação? Não seria melhor dedicar-me novamente a uma tarefa? É provável que, então, meus pensamentos se tranquilizem mais facilmente." Assim, subiu de novo na carruagem, deixando ao cavalo a procura do caminho de volta.
Após algum tempo, avistou um homem que seguia o mesmo caminho, e alegrou-se por não estar mais só. "Mas eu queria ficar sozinho!", admirou-se; "O que este homem pode significar para mim?"
Acelerou a marcha do cavalo e em breve alcançou o viandante. Ursus parou e após uma breve saudação convidou o forasteiro: "Se também tens o mesmo caminho para o sanatório do conhecido Marcus, com prazer te convido a montar e acompanhar-me!"
"Agradeço, e aceito o teu convite", disse o forasteiro; "Será um prazer para mim andar contigo!"
Ursus ajudou o forasteiro a subir e, quando estavam sentados um ao lado do outro, Ursus perguntou: "Para onde vai teu caminho nessa solidão? É raro encontrar alguém por aqui."
"Quero ver amigos", respondeu o forasteiro, "que me esperam há muito tempo, pois prometi visitá-los oportunamente." Disse Ursus: "Se teus amigos estão na casa de Marcus, eles sem dúvida terão prazer em ver-te! Mas vens, talvez, em tempo inoportuno, pois a casa de Marcus está de luto.
"Luto?" perguntou o forasteiro admirado; "Dificilmente posso acreditá-lo, pois não me consta ter morrido alguém lá."
"É verdade que na casa de Marcus ninguém morreu", disse Ursus, "mas sim o construtor e fundador do sanatório, Jesus de Nazaré!"
Retrucou o forasteiro: "Não me parece que isso seja motivo de luto na casa de Marcus, pois todos lá sabem que Jesus era Senhor da Vida e da Morte! Todos conheceram o nazareno tão bem, que a notícia da Sua morte só pode provocar-lhes uma dor passageira, mas não luto. Conheço bem meu velho amigo Marcus; ele pode ter seu momento de fraqueza, mas sem que a tristeza o torne desanimado e desalentado. Provavelmente não conheces bem esta família, opondo que está de luto porque assim te sentes!"
Ursus se admirou: "Talvez tenhas razão! Estou de fato cheio de tristeza, pois a morte de Jesus me abalou profundamente e achei que todos estariam comovidos da mesma maneira. Alguns amigos tentaram tranquilizar-me, mas sem sucesso! É difícil demais para mim imaginar que uma pessoa, uma vez morta, possa continuar ativa! Minha razão se opõe contra isso!"
Compassivo, perguntou o forasteiro: "Então, também és amigo de Jesus e O amaste muito?", ao que Ursus respondeu sinceramente: "Seria demais se me considerasse Seu amigo; há muito tempo O amava, mas nunca O vi nem Lhe falei. Eis a minha maior tristeza, que O perdi antes de encontrá-Lo!" — Retrucou o outro: "Falas da morte de Jesus com amargura, apesar de já teres recebido tanto Dele! Não ouviste o que Ele disse: 'Bem-aventurados os que acreditam Nele, sem tê-Lo visto! ?' Tamanha fé deve ser algo grandioso! O Mestre também tinha uma fé, a fé em Seus antecessores! E esta fé era mais forte do que todas as dúvidas, a ponto de aceitar até a morte por eles!"
Muito excitado, Ursus perguntou: "Dize-me quem és tu que também não te entristeces ao saber da morte de Jesus, considerando-a até como algo grandioso? Para mim, é incompreensível que vós, que quereis ser Seus sucessores ou mesmo Seus discípulos, continuais vos sentindo unidos a Ele, podendo até ouvir Sua Voz em vosso íntimo! Por que Ele não pediu vosso socorro? E por que Ele vos comunica Sua Morte só alguns dias depois? Devia ter motivos para tal, ou existe ainda uma causa oculta!"
Com certo rigor, respondeu o forasteiro: "Parece-me que tens prazer em discutir com o Mestre. Mas Ele jamais Se manifestará àquele que procura na razão ou em circunstâncias exteriores os motivos por que Ele aceitou a morte! Mas aquele que já está unido ao Seu espírito na vida do coração, encontra a solução clara em seu íntimo! Por que opõe-se tua razão contra algo que sobretudo diz respeito ao coração? E por que tua razão não consegue compreender que o Mestre ofereceu Seu maior sacrifício de Amor certamente por causa de outras finalidades que tu não podes imaginar? Quem ama faz com prazer sacrifícios, e quem é amado também está pronto a sacrificar, já que o espírito do puro amor encerra a força de aceitar, se necessário, qualquer sacrifício! Ora, se Jesus Se sacrificou, dando assim a todos os homens algo que merece eterna gratidão, pensas que Jesus deveria ter pedido antes o consenso de outros para poder Se sacrificar por eles? Tu me perguntas quem sou e por que não me entristeço com essa notícia funesta? Eis que te digo: Não nego estar triste, mas não por causa de Jesus, e sim por causa daqueles que não sabem apreciar a força do verdadeiro Amor, nutrindo conceitos totalmente errados sobre a essência da justa disposição para o sacrifício!"
Suplica Ursus: "Para, querido amigo, não quis te ofender com minhas palavras oriundas do meu desequilíbrio íntimo. Peço-te que me perdoes, antes de me ajudares a conseguir a clareza interna."
"Vê, querido Ursus", disse o forasteiro, "agora tornou-se mais fácil nos entendermos, já que admites teres te adiantado. O que se perdeu, não se recupera pela crítica! Por outro lado, este assunto é demais sério e sagrado para poder ser julgado pela razão humana! Vou ajudar-te o suficiente para poderes alcançar a justa clareza, se te empenhares seriamente! Mas prossigamos a pé, deixando o animal achar seu caminho, pois andando será mais fácil nos entendermos (8)”.
(8) Andando a pé, utilizamos nossas próprias forças para avançar; montados, utilizamos forças estranhas. Por isso, se o Senhor quer progredir conosco, devemos também espiritualmente aprender a ficar sobre os próprios pés e andar com eles.
Descendo da carruagem, Ursus disse: "Querido amigo, não me revelaste ainda teu nome. O meu, já o pronunciaste; como chegaste a conhecê-lo?"
"Ouve a minha resposta", replicou o forasteiro, "Nada me é desconhecido, porque o Espírito de toda Vida e da Plenitude de Deus, que habita em mim, me dotou até o ponto de eu poder dizer: Tudo me é revelado, pois não há mais nada em mim que possa prender-me às coisas terrestres!"
Ursus, admirado: "Tornas-te cada vez mais misterioso. Eu mesmo quase não me compreendo mais. Em Marcus, esta fé inabalável! Nos pescadores, esta entrega total! Em ti, essa quase-identidade com Jesus! Ouve, não há nisso tudo um mistério? Sempre cheguei ao âmago das coisas, mas com este Jesus não consigo chegar à clareza!"
Amavelmente, disse o forasteiro: "Meu Ursus! Teu conceito demais humano sobre Jesus se malogrou, mas deverias alegrar-te com isso! Pois quanto menos estiveres preso à razão, menos terás que lutar! A íntima essência de Jesus só pode ser compreendida com os olhos do amor e da fé, jamais à base de conhecimentos racionais! Se Jesus, o Mestre e Salvador, tivesse encarado todos os homens com olhos críticos, achas que Seu Amor teria saído vitorioso? Para aqueles imbuídos em alto grau do senso de justiça, não deve ser fácil desculpar as fraquezas do seu próximo! Eis o motivo da falta de compreensão do Amor de Jesus e de Sua imolação na morte!"
"Amigo, és duro comigo!" exclamou Ursus, "mas sinto o Amor que emana de tuas palavras, querendo me modificar. E verdade que não quero cometer injustiça, mas tampouco ser vítima dela. E me custa considerar justo que Jesus, que só fazia o bem, tivesse que ser sacrificado, e ainda daquele modo crudelíssimo! Mas até que ponto todos os homens poderão ser beneficiados com isso, me é totalmente incompreensível. Um homem que nos traz Doutrinas tão sublimes da Vida e é dotado de tão excepcionais forças milagrosas, no meu entender deve ser invencível! E é por isso que sofro por Ele, como se fosse meu pai ou irmão."
Como unindo-se à dor que emanava destas palavras, disse o forasteiro: "Ursus, tua dor não é maior do que a do Mestre, e quero dizer-te ainda: Foi para redimir toda dor que o Mestre teve que passar por aquela morte. Dize-me: A mais bela doutrina, acompanhada de feitos maravilhosos, teria ela valor se aquele que a proclama fizesse o contrário? Ou achas que a mais pura Doutrina poderia sobrevier às vidas humanas, se não tivesse alma? A Doutrina de Jesus, de uma nova Vida no homem, estava penetrada do Espírito da Verdade de Deus! Mas em Sua Alma, a ela foi dada Luz! Bem cedo Ele conheceu a dor, provando-a no Seu interior! E bem cedo começou Sua grande Obra, que deveria livrar da dor todas as almas! Foi ensinando a Força Divina do Amor altruísta, que Ele deu Sua Alma à humanidade! Mas no fim, Ele não pôde agir de outra forma do que assumir também o mais pesado, dando a própria Alma em sacrifício para todas as criaturas afastadas de Deus! Morrer na cruz, certamente não é uma façanha, mas morrer de boa vontade para redimir os irmãos de toda dor é algo grandioso! Pela Sua morte na cruz, Jesus cumpriu a total entrega de Sua Alma à Vontade de Deus, manifestando assim a todos a Vitória de Seu Amor sobre todos os ceados do mundo. O Amor de Jesus lutou pelas almas dos homens aprisionados pelo erro; quis libertá-las do apego à ilusória vida efêmera mundana, mostrando-lhes a Vida Eterna pelo despertar do Espírito do puro Amor no coração. Sim, Ele quer dar Sua própria Alma, liberta agora de todos os grilhões terrestres, a todos os que reconhecem Sua comprovada Doutrina da redenção das almas pelos caminhos interiores, dispostos a segui-lo por este caminho!"
Acompanhado da intensa atenção de Ursus, o forasteiro continuou: "Se compreendeste bem esta Verdade e estás penetrado da Sua Santa Obra de querer salvar, então dá a tua alma a Jesus e recebe, em troca, a Dele. O sacrifício da morte de Jesus se torna, então, qual luminoso símbolo do desejo de levar a redenção a todo o mal terrestre! E quanto mais trabalhares por esta redenção, tanto mais tua própria alma será remida (9). Esta Força insuperável do Amor que redime do mal é a Vida de Deus na Alma liberta de Jesus. Aceitando e compreendendo nesse sentido a Jesus e ao Seu Sacrifício, abres também a porta do teu coração ao Espírito de Deus, que Se expressou na Alma de Jesus como Força e Vida. E só então compreenderás o mistério de Jesus, em que a livre entrega de Sua Alma até a morte pôde operar a completa unificação com o Eterno Espírito de Deus!"
(9) de tudo o que há ainda de imperfeito em ti
Escutando estas palavras com crescente atenção, Ursus exclamou agora cheio de admiração: "O amigo, como deves ter conhecido bem a Jesus, se podes representá-Lo tão magnificamente! Deste-me uma nova luz e já posso encarar tudo de maneira bem diferente. Mas uma pergunta ainda: Até agora só se falou do Espírito, da Essência e da Missão do Mestre. Ele morreu; mas Seu Espírito e Sua Doutrina vivem em ti e no coração de quem sabe quantos discípulos e amigos! Mas onde vive Ele Mesmo? Ele — em Sua individualidade? Os pescadores me disseram que Ele possui um Corpo indestrutível; assim Ele deve encontrar-Se em alguma parte. Por isso pergunto: Serei também eu capaz de vê-Lo uma vez e de falar-Lhe?
Respondeu-lhe o forasteiro com amabilidade: "Meu querido Ursus, tua pergunta vem sempre do mesmo desejo. Então, te digo: Sim, tu também serás capaz de vê-Lo e de falar-Lhe, se tiveres entrado na justa ordem contigo mesmo! Só então teus sentidos estarão dirigidos para a Nova Vida que todos já puderam ver no Mestre! Mas Sua morada se acha naqueles cujos corações cheios de Amor dedicam toda sua vontade ao cumprimento do que Seu Amor mandar! Agora, não perguntes mais, mas concentra teu olhar para teu mundo interior. E — querendo servir ao Mestre com todo teu ser — encontrarás o que é preciso para tua salvação! Vê, lá ao longe já se vê a casa do irmão Marcus. Mas eu fico ainda um pouco atrás, pois sei que teus amigos te esperam, ansiosos de saber o resultado de tua visita na aldeia dos pescadores."
Ursus quis absolutamente ficar junto com o homem, mas obedeceu. E com um "Até logo!", subiu na carruagem. Agi bem", pensou, "deixando para trás o discípulo do Senhor? Sem dúvida, deveria ter ficado com ele!" Assim, virou-se para trás, mas não viu mais ninguém! "Mas não é possível que ele tenha desaparecido!" disse a si mesmo. Então voltou a carruagem para trás. Mas não descobriu nenhum rastro dele. Mais um enigma: Como pode alguém desaparecer em poucos minutos? Parou e percorreu toda a vizinhança com olhar penetrante, mas sem qualquer resultado. Pensou então: "Isto se esclarecerá, pois ele prometeu ir ao Sanatório. Mas estranho ainda quanta paz senti perto daquele forasteiro e quão bem ele conhecia o Mestre!"
X
Lentamente, Ursus voltou para casa; Marcus o viu chegar e foi ao seu encontro, perguntando: "Querido Ursus, voltas cedo, não quiseste ficar o dia inteiro com os irmãos?"
"Sim, era esta minha intenção, mas algo me chamou de volta para vós", disse Ursus. "Não posso falar muito gora, pois ainda estou sob fortíssimas impressões; mas Uma coisa posso te dizer: Conheci um outro Salvador, um Senhor que não pode mais morrer!"
Marcus regozijou-se secretamente e o convidou a vir à sala de descanso, onde um mensageiro de Betânia está informando sobre tudo o que aconteceu em Jerusalém.
Ursus respondeu: "Estou contente de não ter estado aqui, pois entrementes cheguei a conhecer coisas muito melhores. Preferiria até não mais ser recordado do que se passou, pois devo pensar agora no meu futuro! Faltam-me as palavras para descrever o que estou sentindo no meu íntimo depois que um amigo e discípulo do Senhor retratou tão vivamente os santos propósitos do Mestre e me mostrou as minhas tarefas! Como o homem pode deixar-se aprisionar pelos seus próprios conceitos! Mas agora espero em breve tornar-me um dos vossos!"
"Meu irmão, quanto me alegras!", disse Marcus, "pois estava realmente inquieto por ti. Mas ouve a boa nova: O Senhor ressuscitou dos mortos e já falou com alguns irmãos e irmãs! Vem e ouve tu mesmo o que o encarregado do irmão Lázaro quer ainda nos comunicar!"
Ambos foram à galeria de descanso. Mas Ursus viu pouca alegria nos rostos dos presentes, cujo íntimo estava ainda sob a impressão do dolorosíssimo sofrimento no Gólgota! Saudou-os, levantando o braço direito, e se sentou ao lado de Marcus. O mensageiro continuou: "No início, muitos não puderam compreender que o Senhor, após estar há apenas três dias no sepulcro, pudesse mostrar-se a Seus discípulos; mas a aparição do próprio Senhor dissipou todas as dúvidas. Um espirito novo animou agora todos os corações, e muitos se esforçavam para transmitir a todos a alegre nova: Em verdade, o Senhor ressuscitou da morte!"
Marcus acrescentou ainda: "Meus queridos amigos e companheiros de casa! Com isto, já aconteceu o que o Senhor mandou nos avisar: 'Toda tristeza será transformada em alegria!' Pois faz parte da nossa alegria sabermos: o Senhor não ficou na morte, mas Ele vive! E dado que o Senhor vive agora, não quero mais pensar em Sua morte, mas na Onipotência de Seu Amor que foi capaz de vencer até as rígidas leis naturais para trazer-nos algo totalmente novo; ou seja, os meios para libertar-nos da morte e do perecimento! Por isso, não esqueçamos nunca de seguir a Sua Doutrina! Mas agora, tomemos a refeição, pois o lado humano também exige a sua ordem."
XI
A noite reuniu de novo todos os amigos e hóspedes; mas Ursus tornara-se muito calado; pensava constantemente naquele forasteiro e em vão esperava sua chegada.
Demétrius ponderou que o forasteiro certamente fora visitar primeiro outros amigos, e que Ursus estaria apenas impaciente, pensando que deveria vir ainda hoje!
"Talvez tenhas razão", opinou Ursus, "mas por que estou com tanta saudade dele? Eu mesmo não sei explicar-me como um forasteiro possa influenciar-me tanto! Seu súbito desaparecimento também me parece enigmático!"
Demétrius, com leve sorriso disse: "Quem sabe se não era um anjo, como muitas vezes eram vistos quando Jesus ainda vivia! Pois o Senhor estando vivo, pode também chamar anjos e mensageiros para nos servir."
Veio um filho de Marcus e contou: "Vários afazeres me prenderam hoje em Cesareia, ficando para o almoço em casa de um conhecido bem intencionado a nós. Veio então o sacerdote Esra, contando-nos quantas coisas incríveis se falam agora do Nazareno e quão fantasiosas são as afirmações de Seus seguidores, afirmando que Jesus teria ressuscitado do sepulcro. — Mas o Templo faria tudo para acabar com este fanatismo! — Eu disse então: Já sabemos de tudo, mesmo sem tua informação. Mas se Jesus ressuscitou de fato, então ninguém poderá suprimir esta verdade! A notícia de Sua Ressurreição se propagará com a rapidez de um raio, de lugar em lugar e de país em país. E o Mestre cumprirá Sua Promessa de mostrar-Se a todos os amigos, para comprovar: Eu Sou e Vivo eternamente! Que quereis, então, fazer? Certamente não podereis matá-Lo uma segunda vez? Se O crucificastes, foi talvez por cegueira, o que Ele vos terá perdoado, pois foi da Sua Vontade, a fim de que chegásseis ao cúmulo da maldade! Mas não sereis perdoados, se agora negardes ao povo a Verdade de Sua Ressurreição. Mas Esra disse com escárnio: "Não te alteres! Temos meios e caminhos para que o prestígio do Templo não sofra! Mas vós, em vossa ilusão, sereis em breve chamados a razão, pois o Templo não poupa ninguém! Jesus está morto! E agora, também Sua Doutrina ilusória deve ser exterminada; para isso, temos o direito de Jehová!" Queridos amigos! Não pude ficar por mais tempo, senão teria esquecido o que o Mestre nos ensinou: 'E melhor sofrer injustiça do que pecar contra o amor!' Assim, disse apenas: 'O futuro nos provará quem é vencedor, se Jesus ou o Templo!' Ainda todo excitado, cheguei para casa, não podendo me tranquilizar. Foi quando se fez sentir em mim uma Voz suave: "Deixa os tolos, pois Minha Vida pertence àqueles que Me amam! Por isso, fica calmo para Eu possa fortificar-te!" Então voltou a alegria, pois sabia: É verdade o que não é ainda do conhecimento geral: Ele vive! Ele vive! Amigos e irmãos, não há dúvida que amamos nosso Jesus, mas não falamos muito do nosso amor! Agora, venha o que vier, só falarei do Seu Amor!"
XII
Abriu-se a porta, e Hiram e Aziona entraram, saudando cordialmente a todos. E como seus semblantes refletiam uma profunda alegria, Marcus perguntou: "O que vivenciastes, pois vossos olhos irradiam uma luminosidade singular?"
"Óh amigos", respondeu Hiram, "trazemos-vos a boa nova: Jesus, nosso admirável Mestre, está vivo e quer Ele Mesmo libertar cada coração que ainda se angustia e se inquieta por Ele! Sim, Ele quer nos revelar que, por Sua morte, receberemos agora uma Nova Vida do Seu Espírito. Por isso, esperamos que venha também a nós!"
Começou a ceia, durante a qual palestras animadas externavam o júbilo de todos. E de repente, o Senhor e Mestre estava no meio da sala. Então todas as vozes calaram em sagrado silêncio, e com uma saudação, Jesus começou a falar:
"A Paz seja convosco! — Pois venci também a morte, cumprindo assim a maior Missão de Minha Vida na Terra! Não vos falarei das Minhas dores, da Minha luta, mas da grande alegria que reina agora em todos os Céus e em todos os mundos! Todos os anjos e espíritos diligentes estão empenhados em informar ao Universo inteiro sobre o admirável Amor que irradia agora da Terra, da colina do Gólgota. Quando nasci, os anjos cantaram: 'Paz na Terra e benevolência a todos os homens.' Mas agora, sua mensagem soa: "O Grande Amor de Deus Se manifestou a todos pelo Filho! E Seu Espírito levará ao Universo inteiro a redenção da matéria! Tudo o que vive, tornou-se apto a receber esse Espírito do Filho de Deus!' Olhai para Mim! — Vede Minhas Mãos, Meu Lado e Meus Pés! — Todos estes estigmas vos dizem quanto vos amava. Mas Meu Amor continua aumentando e quer tornar-vos cada vez mais felizes e bem-aventurados! Eis por que venho a vós, para vos dar a todos a Minha Promessa, válida para sempre, sim, para todos os tempos: 'Não vos deixo! Fico convosco, contanto que não enfraqueçais no serviço ao próximo por Amor desinteressado!' Este serviço que vos parecia antes grande e muito difícil, deve se tornar agora leve e bem-aventurado! E quando receberdes do Meu Amor em vós o encargo de determinadas tarefas, confiai de que Eu serei a Força em vós, assegurando-vos também do bom êxito! E Meu Sangue que pingou na terra, é o sinal: Meu Amor é sempre Minha Dádiva a Meus Filhos, para confirmá-los em seu espírito. Assim, Meus filhos se tornarão justos receptores para o Espírito que Me fortaleceu na maior luta da Minha Vida!
Tu, Meu Marcus, e vós todos, Meus irmãos! Deixo este mundo constituindo-vos Minhas testemunhas intrépidas. É vossa grande tarefa agora de dar ao mundo, no Meu lugar, aquilo que Eu lhe queria dar: A Vida Nova! Não pergunteis: “Por que não queres ficar aqui?”. Sabeis que Meu Reino e todo Meu Ser não são desse mundo. Aproveitai bem todo o tempo e cada hora, para que nunca vos falte a força de vencer o inimigo desta Vida Nova, onde ele se apresentar! Dentro em breve, recebereis a notícia: Retornei visivelmente para o Meu Mundo Eterno (10), na Essência do Meu Eterno Espírito de Pai, a fim de fortificar-vos de lá, preenchendo-vos com Meu Eterno Espírito de Deus! Meu Espírito é a Força em vós que suporta tudo, vence tudo e leva tudo à consumação!"
(10) na Ascensão.
Diz Marcus: "Senhor, enquanto vivias, sabíamos: Tu nos amas! Provas disso temos em abundância. Só agora que nos foste levado, sabemos que também nós Te amávamos muito! Mas a separação nos fez parar e paralisou nossos membros. Óh Senhor! Querias sempre ficar conosco e não deixar-nos nunca! E agora dizes que queres, por nossa causa, voltar para Tua Pátria Eterna? Óh Senhor, venceste todo o mal e a morte dolorosíssima! Assim, pedimos-Te: deixa-nos morrer por amor a Ti e leva-nos Contigo para Teu Pai, pois uma vida aqui sem Ti nos seria insuportável!"
O Senhor abriu-lhe os olhos: "Marcus, Meu irmão, ouve-Me! A partir de agora, tua vida tem duplo valor, pois és responsável por duas vidas, a tua e a Minha! Deves levar a tua até Mim, no Céu mais alto, recebendo por isso a recompensa de bem-aventuranças que nenhuma boca pode pronunciar! Mas a Minha Vida deves levar para baixo, até a mais profunda lama do inferno. Com isso, Me alegrarás e Me compensarás pelas dores que sofri. Assim como Meu Amor por vós todos Me impeliu a tornar-vos felizes, assim também o vosso amor deve incitar-vos a retribuir-Me a felicidade, sendo Minha Morada no íntimo sacrário de vosso coração que o Amor Eterno consagrou para Si! Não tenhais medo, se fordes odiados e perseguidos, e se quiserem até tirar-vos a vida! Pois Eu, sendo a Vida, estou sempre em vós! Nunca esqueçais o valor que cada alma tem para Mim! E da mesma maneira, cada irmão, cada irmã seja para vós de grande valor! Agora Me conheceis, como também muitos dos vossos irmãos Me conhecem! Por isso, fazei com que a cada dia queridos irmãos também cheguem a conhecer-Me através de vós! Mas vós, Meus fiéis, Vosso amor vos mostrará de que maneira essa Vida Nova pode ser despertada em vosso próximo! Não desanimeis, sempre levantando a bandeira do amor que, enfim, é a Minha! Dentro em breve, provareis então a grande Verdade Divina de que Meu Espírito em vós trará a liberdade completa! Pois Eu Sou o Alfa e o Ômega, o Começo e a Consumação!"
E dirigindo-Se aos recém-chegados, o Senhor continuou: "Mas a vós que Me procurastes sem poder Me encontrar, por ser ainda predominante em vossa alma a atração pelas coisas exteriores, a vós digo: Também por vós foi derramado o Meu Sangue! Também por vós foi aberto o caminho que conduz a Mim! Pois em Meu Coração há lugar para todos! Vede, estas chagas vos testemunham o Meu Amor Salvador! E ninguém poderá jamais dizer que foi excluído pelo Redentor. Digo-vos mais: Se credes em Meu Amor, fazendo vosso o Espírito que vive em Mim, sereis também preenchidos por Minha Vida, assim como Meus irmãos que Me amaram desde o começo de Minha Vida terrestre. Então, Minha Vida vos anuncia: Podeis vos libertar de tudo em que estais presos na Terra, se tiverdes a justa confiança em Minha Graça e Meu Auxílio! Através deste Meu Espírito Salvador, também vós sereis chamados e agraciados! E em nenhum momento da vossa vida terrestre devereis sentir-vos solitários ou abandonados!"
E voltando-Se diretamente a Ursus: "Mas a ti, Meu Ursus, que Me amaste e quase sucumbiste por saudade de Mim, te digo: Fica sempre unido a Mim em Espírito! Então, tudo o que ainda é fraco em ti ganhará imensa força! Mas só poderás crescer no amor a Mim, se te esforçares a aliviar teus irmãos! Vê, Eu dou mãos cheias àqueles que nada guardam para si, mas que se esforçam pelo bem de seus irmãos! Se agires assim, estarei sempre contigo e poderás sentir Minha Presença em ti! Então crescerás para dentro do Meu Coração, como também o Meu Ser aumentará no teu. Assim, Meu Amor e Minha Força sejam fortes em vós todos! Permanecei na humildade, ficando unidos uns como os outros no Meu Espírito de Amor que liberta o mal! Então, não viverei apenas por vós, mas pelo mundo inteiro!
Ursus se precipita aos Pés do Senhor e exclama: "Óh Senhor! Perdoa-me que não Te reconheci hoje! Senhor! dize-me uma só Palavra, devolvendo-me a paz do meu coração! Fui cego, mas agora vejo; fui um tolo, mas Tua Graça me curou! Senhor, toma a Minha Vida; é Tua! Mas dá-me, antes, uma só Palavra de perdão!"
Cheio de bondade, disse o Senhor: "Meu filho, estás tão puro como o Sol, perante Mim! Dá-me, portanto, tua mão direita, e a marca de Meus Estigmas ficará nela como prova de Meu Amor. Tu poderás vê-la sempre, mas ficará invisível a teus irmãos. Isso te provará Meu íntimo Amor por ti! Maior, porém, será aquele que se sente Um Comigo no coração, tornando-se assim, através de Mim, mediador entre Mim e os irmãos que ainda se encontram o erro. Mas muito em breve, o Espírito das Alturas virá também sobre vós! Então, ofertai-Me vossos corações, cujas portas devem estar largamente abertas!"
E abrindo Suas Mãos para abençoar, o Senhor continuou: "Como sinal visível do Meu Grande Amor, Benevolência e Graça, digo a todos: Sede sãos todos vós que procurais a cura aqui! — Ora, por vossa causa não posso demorar aqui por mais tempo, pois deveis progredir por vossa livre ação! Mas voltarei, e então ficarei sempre convosco, se vosso amor a Mim e aos irmãos tiver alcançado o necessário grau de maturidade, conforme reina em Minha admirável Casa Paterna! — Minha Paz e Minha Bênção sejam e fiquem para sempre convosco! Amém."
O lugar onde o Mestre tinha estado ficou vazio!
Todos se calaram, até que Ursus confessou: "O meus irmãos! O dia de hoje faz de mim vosso irmão em Jesus. Vossa felicidade consistia em fazer-vos felizes uns aos outros, como o aprendestes do Próprio Senhor! Mas, futuramente, já estará feliz aquele que se sentir chamado, querendo mostrar-se digno, no Espírito do Senhor, de servir a seu próximo! Hoje sei que posso fazer feliz a outros sem qualquer ajuda humana (11), pois Jesus me prometeu toda ajuda! Provar-Lhe-ei minha gratidão, não só pela boca, mas pelo meu coração e minhas ações!"
(11) Oxalá pudéssemos exclamar isso também nós!
Quanta alegria preencheu todos os corações, quando todos os doentes na sala se sentiram repentinamente curados, ninguém tendo mais razão para se queixar. Chegaram também os outros que não estavam na grande sala e informaram jubilantes: "O Senhor nos apareceu, e em sinal de Seu grande Amor, curou-nos a todos!"
Alegria Celeste irradiava de todos os rostos, pois em todos vivia a certeza: "O Senhor está vivo! Ele ressuscitou realmente, despertando em nós uma vida totalmente nova."
Custava-lhes se separarem, até que Marcus pediu finalmente: "Vamos nos deitar, pois cada coração desejará continuar unido a Jesus em silêncio."
Assim se separaram, com o coração cheio de gratidão ao Senhor!
CADERNO NÚMERO 12
BETÂNIA
I. Depois da Crucificação — na casa de um templário
Pelas ruas de Jerusalém, cambaleava um jovem sacerdote; o terror do que se passara no Gólgota o marcava ainda, e o tremor da terra, assim como a estranha escuridão, provocaram nele um medo que o levou quase à agonia.
"Óh Jesus, acabaste de sofrer! Mas hoje mostraste a mim a minha grande culpa. Oxalá pudesse reparar o mal que te causei em minha inexperiência! Óh Jehovah, como nos punirás se o homem a quem condenamos era inocente?!"
Ao chegar à morada dos pais, bateu à porta. Sua irmã lhe abriu e, encarando-o, perguntou assustada: "De onde vens Ruben? A mãe, muito preocupada e cheia de medo por tua causa, quase adoeceu!"
"Ah, deixa-me em paz; estou muito atormentado e devo ficar sozinho!"
"Mas Ruben, a mãe tem grande saudade de ti!", objetou Ruth.
"Amanhã, irmã, hoje não posso! Assisti a acontecimentos comoventes na morte de um inocente! Saúda a mãe; boa noite!"
Agora ele estava sozinho! Sozinho consigo e sua consciência! As Palavras de Jesus: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!" o torturavam em seu íntimo. "E a este homem, nós condenamos? Óh Deus, óh Jehovah! Por que fomos tão cegos? Por que acreditamos em tudo que o Sumo-Sacerdote dizia?" Ele passou muitas horas angustiadas neste estado torturante e desequilibrado. Parecia-lhe sempre como se Jesus o olhasse com a uma pergunta: Que te fiz Eu, para que ficasses satisfeito ao ver-Me sofrer? "Óh Jesus, perdoa-me, que não Te quis conhecer!", rogou em voz alta; "mas agora é tarde demais!"
Também o velho pai não encontrou sossego naquela noite, pois sua mulher estava com sintomas de febre, provocada inconscientemente pelo desequilíbrio íntimo do filho. Finalmente amanheceu, e ela quis logo ver Ruben.
"Fica tranquila, mãe, Ruben dorme ainda", disse Ruth, "teu medo não tinha razão de ser; logo mais ele virá te ver."
Ruth estava cuidando do desjejum, quando Ruben veio à cozinha e lhe disse: "Irmã, devo deixar-vos! Sinto-me como se fosse Caim, e devo, irrequieto, fugir de mim mesmo, pois ontem ajudei a assassinar Jesus! Pois Ele era, sim, o Filho de Deus!"
"Ruben", replicou Ruth, "nós mulheres nunca pudemos nos manifestar a respeito do Nazareno tão odiado por vós; agora que alcançastes o vosso objetivo, tu te acusas? Sabes quanto a mãe sofreu por tua causa? Tua mãe tinha uma profunda veneração pelo Nazareno, e ainda ontem dizia: 'Ele esmagará todos os seus inimigos e os dispersará qual debulho ao vento!' Não sabemos como Ele está, uma vez que ficamos fechadas em casa; mas contigo, a mãe se afligia muito. E agora queres deixar-nos? Seria a morte para a mãe!"
"Querida Ruth", disse Ruben, "Se pudesses colocar-te em minha situação, dirias: Foge sim! Foge de ti mesmo, pois pecaste contra o Santo de Deus! E este pecado requer penitencia “.
"Nisso, não te compreendo!", retrucou Ruth. "Tu terias contribuído para a morte de Jesus? Como podes incriminar-te dessa culpa? Ao meu ver, isso depende da determinação do Sumo-Sacerdote!"
"Irmã, do Nazareno só podes saber aquilo que o pai e eu discutimos aqui em casa; mas havia muita coisa bem diferente! Para que me compreendas, te abrirei o meu coração; então poderás ver o meu íntimo. Ouve, pois: Jesus foi condenado! No Templo, todos gostavam disso! A maneira como o condenado foi tratado não me agradou; mas, poderia eu mudar as coisas? Segui o pelotão, observando friamente o terror provocado naqueles que perderam Nele seu amigo e amparo. Os lamentos das mulheres não tocaram o meu coração, pois em mim, tudo estava morto! Finalmente, chegou-se ao Gólgota e começou a crucificação. Estava ansioso de ver como Jesus se comportaria. Foi então que vivi algo em que custei a acreditar: eu via a cruz deitada no chão, e vi Jesus — e estremeci naquele instante! Eu vi a crucificação e quis protestar, mas estava como que paralisado. Quando finalmente os algozes levantaram a muito custo a cruz, Jesus deve ter perdido os sentidos, pois demorou bastante até que Seu Peito voltou a respirar. Ele gritou em voz alta: 'Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!' Neste instante, irmã, uma venda caiu dos meus olhos e minha culpa tornou-se-me manifesta! Pois um culpado morre de maneira diferente. Somente um que aspira pelo amor e a compreensão dos homens pode morrer assim! Envergonhado, queria esquivar-me, mas os soldados romanos não deixaram ninguém afastar-se. O meu coração sangrou ao ter que presenciar os horríveis sofrimentos de um inocente, pela única razão de acreditarmos que Ele fosse um perigo para o Templo! Não podes imaginar o medo daqueles que foram ao Calvário por curiosidade, quando a terra começou a tremer, a escuridão se fez e as três cruzes se ergueram como sinal de acusação! Pois ao redor das cruzes não havia trevas. Podes agora compreender o meu abalo íntimo e meu medo de como seremos julgados por Jehovah?"
"Irmão, o que me contaste é comovente!" disse Ruth. "Mas não queres falar com o pai? E se o Nazareno perdoou a todos, como disseste, então teria perdoado também a ti; eis minha opinião! Mas se sentes em ti ainda dor e arrependimento, então procura o Sumo-Sacerdote, para que te restitua a tranquilidade e a paz! Mas queria pedir-te que fales primeiro com o pai, calando, porém, para a mãe! E quanto à tua ideia de partires, reflete sobre a obediência que tu, sendo servidor de Jehovah, deves a Deus e aos pais. Agora vem, Ruben; a mãe só se tranquilizará após ter falado contigo."
Ambos entraram no quarto de dormir, e a mãe disse satisfeita: "Ó Jehovah! A Ti meu louvor e agradecimento!
Meu filho vive e está em boa saúde! Agora a alegria me voltou também!"
Ruben perguntou com afeto: "Mãe, por que te preocupas por minha causa? A vida de todos nós não se encontra nas mãos de Jehovah?"
"Sim, meu filho!" respondeu a mãe, "mas se tivesses a fé como Jehovah a exige, terias te abstido ontem, quando o Seu Santo foi preso! Agora te pergunto: Ruben, onde está o Santo de Deus? E tu, foste poupado do Seu Poder e de Sua Força? Meu coração não pode tranquilizar-se, se não conhece toda a verdade!"
"Mãe, acalma-te!", disse Ruben seriamente. "Jesus está morto; Ele foi crucificado pelo Templo. Mas o pai e eu não somos menos culpados que os outros templários! Só hoje sei: Ele era o Filho de Deus! Como inocente, teve que sofrer esta morte! Eis o único juízo que há para mim: sou cúmplice de Sua morte! Não sei como o pai pensa a respeito, pois não o vi desde ontem."
Mas a porta para o quarto contíguo estava aberta, e o pai tinha ouvido cada palavra. Por isso, ele se aproximou dos seus e perguntou: "De que te acusas, Ruben, e também a mim, aqui, no leito de tua mãe doente? Tens consciência de tudo o que falaste na tua excitação? Nenhuma palavra me escapou!"
"Pai", disse Ruben, "então não preciso repetir do que me estou acusando! Se tivesses vivido o que testemunhei ontem no Gólgota, poderias talvez compreender-me melhor. Mas vós estais todos ébrios de alegria por terdes conseguido aniquilar este Santo de Deus! Arrependo-me profundamente por ter estado de acordo com o Grande Conselho, e afirmo abertamente que quero fazer penitência até Jehovah tranquilizar de novo meu coração! Por isso, não posso mais ficar em casa, nem em Jerusalém; pois a Cruz do Gólgota é meu juiz!"
"Ruben", tranquilizou o pai, "devem ter sido o tremor da terra e a escuridão que provocaram em ti este medo e estes pensamentos. Deixa passar o sábado e o dia seguinte, e te alegrarás como nós, que o perigo de envenenamento de nossas sagradas Doutrinas pelo Nazareno finalmente terminou."
"Pai!", replicou Ruben irritado, "blasfemas desonrando o inocente! Quem na mais difícil e dolorosa hora de sua vida tem ainda pensamentos de perdão pelos seus verdugos e assassinos, exprimindo-os por palavras da mais nobre intercessão, não pode ser inimigo da nossa religião! Mas vós não quereis reconhecer o vosso erro; eis porque onerais este divino mártir com toda culpa! Pai, sempre Lhe imputais a mesma coisa! E eu, cego, acreditei em vós, concordando de todo coração com o vosso julgamento, supondo prestar assim um bom serviço a Jehovah e ao povo!"
"Ruben, és meu filho! E eu, como teu pai, te lembro o teu dever filial! Tens de abster-te de toda repreensão! É justo o que o Templo decidiu e o que nós aprovamos! Ninguém poderá dizer que agimos de maneira errada. Onde estavam o poder e a glória de Jesus? Onde estavam todos os seus amigos? Dissiparam-se em nada! E que vive ainda o Deus dos nossos pais que nos dotou — a seus servos — com o cargo de vingança."
"Pai!", exclamou Ruben, "é inútil continuarmos falando, pois tu estás inteiramente do lado do Templo! Mas eu vos deixarei e procurarei encontrar com outros o conforto, o perdão e a paz! Fixei a vista em Jesus moribundo, e ainda me parece como se Seu Olhar me acusasse! Tenho a impressão que do Seu Olhar provém maior felicidade do que do Templo todo com seus servos."
"Ficas aqui", disse Enos com rigor, "e não sairás de casa! Tu também estás influenciado pelo Nazareno e te tornaste escândalo para mim. Por isso, hoje vamos jejuar, para que não acumulemos mais culpa sobre nós. Tu, Ruth, ficas com a mãe, enquanto eu vou ao Templo."
"Sim, vai ao teu Templo!", disse a mãe, "O que te importa tua família?! Para ti, o Templo é tudo, nós, porém, nada significamos. Poderíamos morrer, e tu dirias apenas: É no Templo que se está mais perto de Deus! Agora finalmente posso falar com Ruben de coração aberto!"
"Parece que também tu estás impregnada da Doutrina do Nazareno?", replicou Enos irritado, "mas esperai, dentro em breve sentireis o punho de ferro do Templo! Não contes com uma consideração especial por seres minha esposa e por teres me dado filhos. Só falta que também tu, Ruth, te declares partidária do Nazareno!"
Com a voz branda, disse Ruth: "Pai, das tuas palavras só emana ódio; nos últimos meses não ouvimos outra coisa de ti. Se tivesses visto Ruben ontem à noite, terias falado de outra maneira, pois Ruben deve ter tido uma vivência que nenhum de nós compreende ainda. Não posso declarar-me partidária do Nazareno, pois não O encontrei ainda, graças a tua vigilância. Mas se penso no ódio que há em todos os servidores de Jehovah, então, Pai, tenho horror de vós! Vai, pois, despreocupado ao Templo; juntamente com Ruben, cuidarei da mãe."
Aborrecido, e sem ter comido algo, o velho sacerdote saiu da casa.
Ruben estava exasperado por causa do seu pai e disse com rancor: "É sempre a mesma coisa! Eis porque não posso ficar convosco. Mas hoje o pai não voltará tão cedo; fiquemos, pois, ainda unidos pelo amor!"
A irmã o exortou: "Ora, Ruben, não fiques tão irritado, pois deves tomá-lo como um sinal profícuo que continuas sentindo o olhar do Crucificado. Muitas vezes tenho falado com a mãe sobre Jesus; é verdade que não pude acreditar em tudo o que ouvíamos sobre Ele. Mas consta Ele nunca ter falado de alguém sem carinho. Na minha opinião, não precisas mais te repreender. E se Ele exclamou na cruz, como tu me disseste: 'Pai, perdoa-lhes!' Ele terá perdoado também a ti. Quando a servente nos contou ontem que Jesus tinha sido levado ao Grande Conselho, mandamo-la de volta para novas notícias. E ela nos informou: Ele será crucificado!"
Ruben lamentou-se: "Mãe, jamais senti uma dor como agora. De que me serve vosso amor, se não posso me perdoar! Quantas vezes tive a ocasião de encontrar o Nazareno, mas eu não o quis e O evitei. O ódio que me fora inculcado não me deixou aproveitar da ocasião; mas agora, é tarde demais!"
A mãe lhe pediu: "Ruben, pensa que a Missão de Jesus não pode ainda estar terminada! Mesmo não estando mais vivo, Ele tomou providências e designou discípulos. Certamente, estes discípulos não guardarão silêncio. Aliás, aguardemos primeiro como toda Israel reagirá à morte de Jesus, pois Ele foi amigo e benfeitor de todos!"
Sorrindo, disse Ruben: "Mãe, tuas palavras são como bálsamo para o meu coração ferido. Então, tu também fazias parte daqueles que amavam Jesus, vendo Nele o Messias?"
"Sim, meu filho", disse abertamente a mãe, "amo-O também agora, e a morte Dele não pode extinguir este amor. Sempre tive a esperança de poder vos convencer também da Sua Missão Divina! Acabou, porém, por tornar-se vítima de Seus inimigos."
"Mas a mim, mãe, não creio que quiseste convencer", disse Ruth. "É verdade que às vezes falaste de maneira muito amável e boa sobre Jesus, mas não me deixaste perceber que eras declarada partidária de Jesus e Sua Doutrina.
Suspirando, disse a mãe: "Filha, não foi sem razão, pois tive medo do pai e de Ruben. Esperava por uma ocorrência favorável. Mas agora que Jesus está morto, vamos aguardar os acontecimentos daqui por diante."
Já era tarde da noite, quando o pai voltou do Templo; mas seu frio olhar triunfante magoou a todos; por isso, se recolheram cedo.
Nesta noite, Ruben passou por uma forte transformação. A luta interna de muitas horas só o deixou dormir ao amanhecer. E quando acordou, tudo ao seu redor pareceu muito mais claro. "Meu Deus", perguntou, "o que é que vivenciei esta noite? Por onde passei em meus sonhos?"
No desjejum, faltou o velho pai. Ruben, animado, contou então: "Em vão tentei por muito tempo pegar no sono, mas era obrigado sempre a refletir sobre minha situação. Eis que de repente senti o Olhar do Nazareno dirigido a mim. Seus Olhos traduziam tanta clemência! Mas, apesar disso, senti como se a expressão dolorosa de Sua Boca me dissesse: 'Não sofri ainda o bastante por ti?' Então, todo o meu ser degringolou dolorosamente e eu supliquei: "Jesus, podes realmente me perdoar? Pois há do Teu Sangue também em minhas mãos!' E tive a impressão de ouvir de novo: 'Pai, perdoa-lhe, pois não sabia o que fazia!'. Finalmente, as lágrimas me trouxeram alívio, e eu prorrompi em soluços: "Óh Jesus, se realmente vives ainda e me podes perdoar, então procurarei os Teus discípulos para aprender deles de que modo posso remediar minha culpa!" Eis que uma fragrância penetrou em meu quarto, e toda a dor da minha alma desapareceu por completo! E me deleitei com aquele admirável perfume e adormeci. Ouvi agora o meu sonho:
Dois meninos me levam a um alto monte. O Sol irradia sobre toda a região e vejo se aproximarem de nós inúmeras multidões de seres luminosos. Queria perguntar aos meninos, mas um deles, tapando com uma de suas pequenas mãos a minha boca, aponta com a outra para as multidões que peregrinam ao alto, rumo a nós,. Pergunto a mim mesmo para onde todos eles querem ir, pois aqui no alto dificilmente haverá lugar para eles? Os meninos me levam agora a um outro lado do monte, e também lá multidões incontáveis se aproximam do nosso lugar no alto. Quando os primeiros já estão bem perto de nós, param de repente e, virando-se, olham para baixo. Só agora, também eu percebo a belíssima planície aos nossos pés! — Eis que um relâmpago brilhante faz estremecer o Universo todo, figuras luminosas desprendendo-se das nuvens concentram-se na terra, ao sopé do nosso monte alto e, de repente, Jesus está no meio deles e Se dirige em voz alta à multidão em profundo silencio:
'Hoje se cumpriu vosso ardente desejo! Finalmente, o tempo é chegado em que não há mais obstáculos para o vosso amor. Todos vós vistes o sepulcro vazio, convencendo-vos que a morte e a escuridão do túmulo nada têm a ver Comigo. Cumpriu-se o que parecia inconcebível a todos vós: Venci a morte! E a venci para todos os de coração bom e de boa vontade! Assim como preencherei agora os irmãos na Terra com este espírito vencedor, assim vos preencherei com a Força e Sabedoria do Meu Amor Eterno! Continuai, pois, a Minha Obra! O Universo inteiro está aberto para vós! Não há mais nenhum obstáculo, pois o Meu Espírito é o Espirito Vencedor, é a Vida que cria constantemente uma nova vida! O que dei à Terra como propriedade, vós o podeis levar a todos os mundos, a todos os sóis. Assim como um Sol irradia para vós agora uma maravilhosa luz, assim devereis irradiar luz para muitos sóis! Vós fostes testemunhas do maior milagre de Amor nesta pobre Terra! Por Mim, quem for pobre, pode agora apropriar-se da Vida mais esplêndida! Dai, pois, a todos notícias Minhas, deixai-vos impelir pelo mesmo Espírito que impeliu a Mim e completai o que Eu comecei! Minha Bênção e Meu Amor vos pertencem!'
Todos desapareceram; apenas os dois meninos estavam comigo. O monte não parecia mais ter a mesma altura e, olhando em redor, me encontro no Monte das Oliveiras. Então, um dos meninos me diz: 'Não estranhes nada! O que te foi dado ver foi uma Graça que só poucos receberam! Por teres pedido perdão e quereres te redimir, o Senhor deu-te a prova de Seu Amor e a resposta que aceita o teu amor! Se não podemos mostrar-te estas maravilhas por mais tempo, tu mesmo és a razão disso, pois a tua alma está ainda demais ligada às coisas terrestres e materiais.
Mas tal Graça ainda não terminou. Vem, pois podes ainda lançar um olhar no sepulcro e deves gravar no fundo de tua alma o mais potente de todos os milagres: Ele venceu a morte!'
Rapidamente chegamos; milhares passam e olham no sepulcro. Assim, tenho tempo de observar todos estes vultos; todos os povos e tribos devem ter-se reunido aqui, mas todos são envolvidos em profundo silêncio. Duas figuras esplêndidas e em vestes radiantes garantem com seu olhar a ordem geral. Mas de dentro do sepulcro fulge uma Luz brilhante, aclarando suavemente todos os arredores. Também eu olho respeitoso o sepulcro; uma fragrância vem ao nosso encontro, e vejo dois jovens nos saudarem amavelmente. Nos reunimos todos ao redor do sepulcro; então um anjo diz: 'Ouvi a Palavra que o Amor Eterno vos dirige pelo meu coração: O Amor para convosco e para com todos os homens motivou este imenso sacrifício! O que não quisestes acreditar tornou-se realidade: O Senhor vive e viverá eternamente! E todos nós poderemos viver com Ele! Mas há condições para esta vida, ei-las: Vivei assim como o Senhor viveu e segui a Sua Doutrina no justo espírito de verdadeira humildade e dedicação! Então todos vós percebereis: Ele é o Senhor, e vós sois chamados a tornar-vos Seus filhos e portadores de Seu Espírito! A Paz do Senhor seja convosco!'
Os dois meninos acompanham-me ainda um certo trecho e, na despedida, um deles diz: 'Se queres que a vivência que tiveste se torne tua propriedade, então não penses mais tanto em ti (1), mas vive por Jesus! Ele vive também por ti e te criou os meios para tua salvação! Apropria-te destes meios e vive somente por Jesus! Então Ele surgirá em breve também do teu sepulcro, onde O colocaste em ti! Deus te abençoe!'
(1) e em tua aflição atual.
Fiquei sozinho e ia acorrer para nossa casa. Refletindo ainda sobre tudo o que presenciei, não percebi que dois homens sombrios me seguiram. Quando me alcançaram, um deles perguntou: 'De onde vens com aparência tão feliz?' Respondi: 'Do sepulcro de Jesus que está vazio e está sendo vigiado por anjos!' Então ele me atacou gritando: 'Mentiroso, queres contar-me lendas?' Em minha angústia supliquei: 'O Jesus, ajuda-me!' Neste instante, meu menino estava ao meu lado, e diante de seu firme olhar muito sério os dois fugiram! Acordei, lamentando ainda ter sido apenas um sonho!"
"Meu filho", disse a mãe feliz, "não é este sonho também uma dádiva do Céu? E não está escrito que o Senhor pode se manifestar também por sonhos? A mim deste muito com isto, e agradeço a ti e ao Deus Eterno tudo o que acabo de ouvir."
Mas também o pai ouvira cada palavra; entrou pela porta entreaberta e disse excitado: "Também a mim destes o suficiente e está na hora de vos chamar à razão! Aqui manda só um, que sou eu! Eu determino o que fazeis e pensais. Louvado seja Deus que este Nazareno não vive mais e não pode mais causar danos! Tu, Ruben, e eu, vamos logo ao Templo. O Sumo-Sacerdote ficará admirado de conhecer em ti um apóstata."
"Pai, vou contigo", disse Ruben seriamente, "para dizer a todos vós quão cegos e enganados sois! Que mal o Templo me pode ainda infligir? Não envenenou ele a minha alma com o contínuo ódio, ameaçando-me sempre se não me submetesse em cega obediência, ao passo que o Homem magnífico e sublime nos trouxe uma nova Doutrina com valores indescritíveis. Pensais haver matado Jesus! Mas Ele vive e viverá sempre!"
"Cala-te, desonrado", exclamou Enos, "sei agora que vós todos sois infiéis e traidores do Templo! O único objetivo a que aspiro agora é o seguinte: 'Esmagar com o pé para sempre a semente envenenada do Nazareno!"
"Está bem, pai, age conforme tua vontade", disse o filho, "mas eu te digo agora, nesta hora matinal: Jesus já venceu! Pois Seu sepulcro está vazio!"
"Cala-te!", fulminou mais uma vez o velho, "a minha paciência terminou!"
Amedrontadas, também a mãe e Ruth se calaram, pois nunca tinham visto o pai tão encolerizado. Então disse Ruben: "Não tenhamos medo, mas ponhamos nossa esperança em Deus! Eu me preparo para ir ao Templo."
II. O túmulo está vazio!
Em Jerusalém havia grande agitação. As ruas estavam cheias de gente que afluíra para o Templo; com a rapidez do raio, a notícia se espalhou: O túmulo do Salvador Jesus está vazio!
Sem falar, pai e filho corriam para o Templo; mas o velho Enos sentia-se inteiramente angustiado ao ouvir esta voz pública e ficou aliviado quando se abriram as portas do Templo; mas também aqui reinava grande inquietação. Os templários esperavam pela chegada do Sumo-Sacerdote, que se tinha isolado com alguns anciãos, pois a notícia "O túmulo está vazio!" tinha feito ruir todos os seus prévios cálculos. Ruben não participou das suas conversas, pois no seu íntimo germinou a semente para algo mais nobre. Quando a agitação aumentou, saiu discretamente do Templo e foi para a hospedaria no Monte das Oliveiras, de propriedade de Lázaro. O Sol já estava alto no céu; havia muitos hóspedes na grande sala, mas quando ele entrou, as vozes calaram. Admirou-se de não ter sido recebido com a costumeira homenagem devida ao sacerdote. O hospedeiro perguntou ao novo hóspede pelos seus desejos. Mas Ruben, refletindo, disse: "Hoje não venho como sacerdote, mas procuro alguns amigos de Jesus. Sempre puderam ser vistos aqui, mas hoje não vejo nenhum." Replicou o hospedeiro: "Amigo, então não deves apresentar-te com as vestes de sacerdote! Pois os amigos de Jesus sabem quanto vós os desprezais e perseguis! Mas se posso dar-te uma informação, de bom grado estou ao teu dispor." Desiludido, disse Ruben: "Sim, é melhor me afastar; pois ninguém acreditará que agora não sou mais templário." O hospedeiro, lançando-lhe um olhar compassivo, disse: "Amigo, se estás com aflição e mágoa em teu íntimo, não sabendo para onde dirigir-te, procura Lázaro em Betânia! Ele é a pessoa certa para consolar-te, e certamente não te espera lá nenhuma decepção."
Novos hóspedes chegaram; um deles falou com voz alta para que todos pudessem ouvi-lo: "Amigos, e vós todos: ouvi o que vos comunico: O Salvador e taumaturgo Jesus ressuscitou dos mortos!" O hospedeiro, que junto com Ruben estava bem perto dele, perguntou admirado: "José, o que dizes aqui com tanta firmeza: 'O Mestre vive e não ficou na morte?"
Mas José respondeu radiante: "Querido amigo, esperavas algo diferente de Jesus? Não disse Ele tantas vezes: 'Quem crê em Mim, terá por Mim a Vida Eterna!' Pois Ele Mesmo é a Vida e a Verdade!" O hospedeiro teve de admitir: "Meu amigo e irmão no Senhor! Não há dúvida, estas são Palavras do Mestre. Mas eu as entendi de modo puramente espiritual, aplicando-as para a vida no Além. Pois frequentemente tivemos que ouvir que Ele Mesmo teria ainda que sofrer a morte!"
Disse José: "Tens razão, irmão! Mas não esqueças que Ele é o Senhor que sabia muito bem o que dizia. Se Ele tivesse ficado na morte, Sua Doutrina da Vida Eterna muito em breve teria caído no esquecimento."
Agora, os hóspedes acotovelaram-se para chegar perto dos dois que falavam, prestando a máxima atenção às suas palavras. Disse então um dos ouvintes: "O que o bom amigo quer relatar, é para nós todos! Por isso te peço informar-nos mais detalhes sobre o que ouviste! Pois trata-se de Jesus, que nos foi tirado."
"Tranquilizai-vos, queridos amigos, ouvireis tudo", disse José. "Como quase todos vós sabeis, sou amigo de Maria, a mãe de nosso Senhor e Mestre; estava muito preocupado pelo cruel destino que a atingiu. Assim, também hoje, perto do túmulo, quando duas mulheres vieram ao meu encontro e contaram que o túmulo era vigiado por dois jovens luminosos e que ambos as encarregaram de anunciar a todos que o Senhor havia ressuscitado! Então eu mesmo quis convencer-me da verdade destas informações e fui diretamente ao túmulo; mas tudo estava barrado por soldados. Troquei umas palavras amistosas com o subalterno, e me foi permitido olhar dentro. E efetivamente, o túmulo estava vazio! Só havia lá panos e tiras, mas dos jovens nada vi. Corri para cá, querendo encontrar Seus discípulos; pois devo confessar que dou fé às mulheres quando afirmaram que o Senhor vive!"
Ruben escutou tudo com calma; mas, de repente, sentiu um impulso que o obrigou a falar: "Amigos, não vos escandalizeis da minha veste ou do fato que sou sacerdote! Fui impelido a vir para cá, porque na minha angústia procurei alguém que me compreendesse. Desde a crucificação, passo por uma tremenda luta interna, pois tive que reconhecer: Condenamos um inocente! Meu pai não apenas não me compreendeu, mas tive que suportar seu desprezo! Na luta interior comigo mesmo, invoquei a ajuda do Senhor e Deus Jehovah, pedindo fervorosamente perdão ao Salvador Jesus. Foi Misericordioso comigo, e nesta noite pude, em sonho, ver e ouvir o Mestre vivo em meio a milhares de anjos. Pude olhar também no túmulo vazio, vendo dois jovens que anunciavam com faces radiantes: O Senhor ressuscitou! — Amigos, estou feliz com esta mensagem! Não preciso mais temer a Jesus, Ele vive!"
Admirado, disse agora José: "És Ruben, filho de Enos! Conhecemos vós dois, sois inimigos do Senhor e Mestre. Se falas a verdade, torna-te então nosso amigo! Mas neste caso deverias separar-te do Templo e da casa paterna. Só aquele que tem a sincera vontade de segui-Lo pode se tornar Seu discípulo! A culpa que te oprime te será perdoada por todos os que no Espírito do Mestre lutam por Suas santas causas! Por isso, põe primeiro tudo em ordem e depois volta! Basta que o Senhor tenha sido traído por um que se declarava Seu adepto. Em nosso meio, não quero ver um segundo traidor."
Ruben confessou: "Tens razão de não acreditares em minhas palavras! Por isso, vos deixo e seguirei o teu conselho." Ruben se foi. Já era tarde, e as ruas estavam vazias. E sentiu-se feliz de estar de novo em casa. A irmã, ao recebê-lo, disse: "O pai esteve aqui e te procurou! Ao ouvir de nós que não tinhas ainda voltado, se foi de novo, todo excitado; ameaçou mandar prender-te, pois serias um traidor!"
"Ruth, pareço-me com um traidor?", perguntou Ruben suavemente. "Hoje que estou a ponto de começar uma vida totalmente nova, o pai quer forçar-me a continuar na vida antiga? — Não! Suceda o que suceder, ninguém me verá mais no Templo! Não me pergunteis por coisas fúteis; sou feliz de não sentir mais na minha consciência o peso da grande culpa. Dá-me algo de comer, tenho fome de comida — e de amor!"
Enquanto Ruth preparava a refeição, Ruben pôde contar à mãe suas impressões do Templo e da hospedaria. "Encontraste também conhecidos na hospedaria?", perguntou a mãe inquieta. "Talvez não compreendas que cometeste um grave erro; como podes, vestido de sacerdote, falar abertamente pelo Salvador? Já sabes que os esbirros do Templo espionam tudo? Teria sido melhor, se te tivesses disfarçado."
Ruben pediu: "Mãe, não te preocupes com nada! Amanhã cedo vou procurar o proprietário de Betânia; lá desfruto de proteção, assim que me tiver desvinculado do Templo. Já que tenho este firme propósito, não me preocupo mais, pois Jesus me deu uma prova do Seu Amor!"
O batente tocou. "O pai chegou", disse Ruth, e correu para abrir. "Ruben está aqui?", perguntou o velho Enos; Ruth respondeu que sim. "Está bem", disse Enos. Ela então reparou que o pai não estava só; com ele, dois sacerdotes entraram na casa. Vieram para o aposento onde a mãe estava com Ruben: "Eis o traidor! Examinai-o vós mesmos; pois já não é mais meu filho!"
"Pai", exclamou Ruben, "com estas palavras provas-me de novo vossa cegueira e vosso ódio. Todos os acontecimentos neste dia deveriam ter-te aberto os olhos, a ti e a todo o Templo! Mas parece que vos tornaram ainda mais amargurados e mais hostis."
"Cala-te!, disse duramente Enos, "responde aos dois encarregados, pois para ti não tenho mais palavras amigas, infiel!"
"Ruben", disse agora Joab, um dos dois sacerdotes, "foste acusado de não mais cuidar dos interesses do Templo e de te teres associado aos seguidores do crucificado. Responde-me fiel e sinceramente, como é dever de um servidor de Jehovah. Mas considera também as consequências se não falares a verdade."
"Com que direito te arvoras em juiz entre mim e meu pai?", perguntou Ruben excitado. "Mas se queres saber a verdade, não precisas mais perguntar, pois meu pai sabe de tudo."
Joab continuou: "Ruben, não há diferenças de gravíssima natureza entre ti e teu pai, e sim entre ti e o Templo! Pois quebraste teu juramento e profanaste a Casa de Jehovah. Sabes muito bem quais as consequências que te esperam! Temos conhecimento do que falaste na hospedaria no Monte das Oliveiras e sabemos também que tencionas trair o Templo!"
"Joab, sempre foste um dos mais ajuizados quando alguém te pedia conselho e ajuda", respondeu Ruben, "mas do Nazareno nada querias saber e de propósito ficaste afastado quando se tratava de empreender algo contra Ele! Mas a última resolução foi tomada com unanimidade, quando Jesus foi sentenciado à morte. Não julgastes necessário informar-vos também da opinião dos sacerdotes ausentes, e os que o Sumo- Sacerdote convocara eram adversários declarados do Nazareno. Também eu era um deles, mas quando quis deleitar-me com as dores do odiado, passei por uma reviravolta dos meus sentimentos. Pois tornou-se-me claro que não cometemos apenas um engano, mas que perpetramos um assassínio contra o condenado à morte! E o fato de que eu estava entre os assassinos me encheu de dor e arrependimento e me fez passar uma noite terrível!
Seu olhar que acusou, mas também perdoou, me venceu; tanto que tive que lutar em fervorosas preces — qual outrora Jacob — pedindo libertação e clareza! E nesta luta abriram-se-me os olhos! E muito do que nunca fora objeto das minhas reflexões, tornou-se-me lúcido.
Na noite seguinte, vivenciei que Jesus de Nazaré não se encontrava mais no túmulo, mas que estava vivo e apareceu a inúmeros seres angélicos, falando com eles. Era, talvez, apenas um sonho! Mas quando estava na hospedaria que me atraiu com uma força inexplicável, foi tornado público que Jesus vive! Então, querido Joab, também as últimas cadeias que me prendiam ainda ao Templo caíram! E amanhã, sem dúvida, me terei desligado do Templo."
"Ruben, podes ter razão falando só de ti", respondeu-lhe Joab, "mas não pertences mais a ti, e sim ao Templo! O que o Conselho determinou e executou não pode sofrer crítica alguma. Se te tivesses calado e aguardado por certo tempo, também tu terias encontrado a tranquilidade! Mas te colocaste abertamente ao lado dos nossos inimigos; com isso, te tornaste culpado! Pois ainda estavas preso pelo teu juramento e ainda és sacerdote; terás, assim, que sofrer as consequências!"
"Tuas palavras soam como se fosses bem intencionado para comigo", respondeu Ruben, "mas também sinto teu ódio para com todos aqueles que ficam do lado do Nazareno! Eis que te digo, a ti e a todos: O Templo destruiu em mim tudo o que me ligava a ele! A minha vida não pertence mais a mim, mas ao Ressuscitado, que me deu provas do Seu perdão, animando-me na decisão de servir só a Ele! Vossas ameaças não me amedrontam mais! Pois, dado que Jesus é vivo, não preciso mais temer-vos, nem ao Templo."
O outro sacerdote, Hosea, estava horrorizado e proferiu a advertência: "Ruben, pensa bem no que falas e pondera tuas palavras minuciosamente! Pois a resolução que tomaste será, talvez, uma amarga decepção para ti! Pois não podes contar com a graça e o perdão do Templo; sabes que te esperam medidas rigorosas, e aquele que se torna infiel a seu Deus e à sua fé não pode esperar clemência."
Tranquilamente, replicou Ruben: "Não tenho medo de vós! Pois vosso Deus e vossa fé viraram pretexto de vossa maneira de agir, que vem do ínfimo inferno. Não sois mais homens, mas bestas cheias de ódio e sangue. Mas Jesus vive e tornou-Se vencedor também da morte! E também Sua Doutrina será eternamente vitoriosa, apesar do Templo e de seus servidores!"
"Agora vós mesmos ouvis o que não queríeis entender!", disse o pai; "em vez de arrepender-se, quer converter-nos! Por isso, atendei à vossa obrigação, sem consideração e respeito! Ele não é mais meu filho!"
Agora, a mãe postou-se ao lado dos homens e disse com firmeza: "Mas ele é meu filho! E eu, sua mãe, vos peço: Retirai-vos da nossa casa e não a transformeis numa casa de pranto e luto! Eu também sinto a verdade das palavras de Ruben! Por isso, não seria melhor se examinásseis suas palavras de maneira justa? Tu, Enos, envergonha-te por querer levar teu filho diante do foro do tribunal do Templo! Pois, o que lá está, lá também fica!"
Enos gritou excitado: "Cala-te! E toma cuidado que não chegue também tua vez! Pois agora é preciso agir com todo rigor!"
Ruben pediu: "Mãe, fica tranquila e sem medo! Jesus vive! E nestas duas palavras consiste a nossa salvação e a nossa ajuda, mas também a perdição do Templo! — Eu vou com eles! — Podemos partir imediatamente, pois estou despreocupado e sei com certeza: Aquele que ajudou a milhares, ajudará também a mim!"
III. Em poder do Templo
Ruben estava diante do Alto Conselho e do Sumo-Sacerdote, intimamente tranquilo. Quando o sacerdote interlocutor perguntou: "Confessas-te culpado por teres traído o Santíssimo do Templo e de teres te declarado partidário do Nazareno?" — Ele respondeu: "Culpado? Sim, estive culpado de ter profanado o Santíssimo enquanto me confessei vosso partidário, juntando a minha voz ao vosso ódio fanático contra pessoas de opinião diferente! Até então, estive culpado! Mas agora que pude reconhecer quão errada e pecaminosa era a minha — e vossa —atitude, sinto-me lavado de toda culpa! Era o meu sagrado dever ter glorificado a Bondade e Misericórdia do Ressuscitado! Pois deveria considerar-me traidor se não o tivesse feito, fingindo ser ainda um dos vossos!"
"Falas do Ressuscitado, referindo-te provavelmente ao corpo roubado? Precisaria ainda ser averiguado se não és cúmplice também deste roubo!", disse Joab maliciosamente.
Ruben exclamou excitado: "Mais uma mentira! Tendes que corroborar com mentiras cada palavra que sai da vossa boca! E sempre conseguistes apresentar vossas mentiras a outros como verdades agradáveis. Nunca pensastes que no fim tudo será revelado? Olhai para o véu do Templo! Eis a Palavra de Deus de que tudo deve tornar-se manifesto, mesmo que fosse escondido no Santíssimo! Por que vossos esforços de remendar o dano resultam inúteis? Porque Deus quer mostrar a todos nós que Sua Verdade e Sua Santa Palavra vieram vivamente a nós no Filho de Deus, Jesus!"
Joab disse zangado: "Cada palavra a mais é inútil; tua culpa está comprovada! Só há um meio de salvar-te da punição: se te retratares, esforçando-te fervorosamente de remediar tua culpa."
"Falas da minha culpa", disse Ruben, "mas desde o momento em que venci todas as lutas internas e os pensamentos de dúvida, me sinto feliz como nunca antes em minha vida! E por quê? Porque colhi o olhar que o grande mártir me doou! E neste olhar havia tanto amor e perdão...! Eis a minha confissão, da qual não posso me retratar!"
O Sumo-Sacerdote aproximou-se agora bem perto de Ruben e disse: "Obcecado! Queres realmente morte e perdição? Conheces muito bem as nossas leis! O que dizes saber do "ressuscitado", não passa de lenda. Está provado o que foi o Nazareno: um homem mortal, igual a todos! Para ressurgir dos mortos, não era preciso primeiro morrer. Lá, na cruz, ele poderia ter provado sua força e seu poder! Mas ele mesmo gritou com dores e desespero: 'Meu Deus, por que me desamparaste?' Vê, nós somos os guardiões de Jehovah e devemos sobriamente examinar e vigiar estes assuntos; por isso, ouve a minha advertência: Examina-te séria e severamente, então te ouvirei mais uma vez! Mas até lá, ficas no Templo, em segura custódia!"
"Então, preso e recluso do mundo!" disse Ruben. "Bem, não posso defender-me agora, mas dirigirei preces a Deus, o Eterno e Majestoso, pedindo ser totalmente preenchido pelo que vive e atua em Deus! E um dia, a Verdade de Deus deverá tornar-se manifesta! Até lá, é preciso perseverar!"
Preso, foi levado para uma segura custódia. Lá havia apenas uma mesa e um banco. Depois começou a longa solidão. Fervorosamente, rezou neste silêncio: "Grande e Santo Deus! Recluso de todo mundo e dos meus, me encontro aqui e quero refletir sobre todos os meus erros e enganos! Não me será fácil suportar estes dias de provação, pois até agora sempre vivi em boas condições. Do fundo do meu coração, peço-Te socorro e ajuda. Semelhante a Job, conduze-me pela aflição e mostra-Te como Aquele que pode ajudar e salvar. Assim como preencheste Jesus de Força, preenche também a mim, para que possa sempre louvar-Te e exaltar-Te! Pelo Amor de Jesus, estende Tua forte Mão sobre meus pais e minha irmã! Amém!"
IV. Em dúvida e angústia
Mas na casa de Enos penetraram aflição e tristeza. Há três semanas o filho estava preso no Templo, e a mãe não conseguia vencer esta dor, apesar dos infatigáveis esforços de Ruth para consolá-la quando, na febre, sempre chamava pelo seu filho. Por isso, o velho Enos repetidamente apresentou ao Alto Conselho um pedido de libertar seu filho, mas não era atendido! Na íntima discórdia com o Templo, perdeu sua segurança, e agora as palavras do filho começaram a atuar nele. "No vosso ódio sem limites, não sois mais homens!" Agora, ele mesmo teve de constatar quão duros e sem amor os senhores do Templo podiam ser.
Mais um dia de desespero estava acabando. Era meia-noite; a mãe, em febre, chamou por Ruben, mas à mão de Ruth faltou a força para aliviá-la. Presa de medo, chamou o pai, assustado pelo aspecto da mulher que lhe gritou: "Afasta-te, desnaturado! Tu, unicamente, és culpado de toda desgraça e miséria! Vai ao teu Templo e regozijai-vos por poderdes levar inocentes à morte! Mas ainda há Quem vigia sobre Israel! Que queres ainda aqui conosco? Cuida para que Ruben volte, senão, eu estou a morrer! Então serás responsável não apenas por teu filho, mas também por mim!"
"Miriam, tranquiliza-te! Tentarei remediar tudo; mais uma vez vou esforçar-me para que Ruben seja libertado", disse o velho. Entretanto, foi preso por um tremor, o que fez Ruth perguntar preocupada: "Pai, acreditas realmente que tudo ainda acabará bem?"
"Minha Ruth", disse o pai, "creio agora que fui injusto convosco! Quantas vezes já tentei conseguir sua libertação — fui até ao Alto Conselho — mas em vão! Foi-me dito que Ruben deve retratar-se! Mas isso, ele não faz. Eu não posso mais pedir nem rezar para Jehovah, pois me falta a verdadeira fé! Se soubesses para que duras dúvidas já fui levado nessa angústia! Enquanto servia o Templo e anunciava a Palavra de Deus, tudo vinha da minha cabeça por causa da minha habilitação. Nunca pensei que fosse possível passar por uma tal angústia. Mas, o que é mais triste, é que nunca fiz algo para angariar o vosso amor e a vossa confiança! Somos sacerdotes! Julgamos justos todos os nossos atos, e ninguém tem o direito de condená-los! Assim envelheci, ficando sempre o mesmo. Se este Nazareno não tivesse vindo, tudo poderia estar em paz!"
Ruth falou baixo: "Pai, com o passado não vamos salvar a mãe e Ruben! Se ainda tens uma centelha de amor por ela em teu peito, então corre, corre! Se a mãe morrer, então pai, serás culpado de sua morte!"
"Para, filha! Farei todo o possível!" — E o velho Enos correu para o Templo, um homem alquebrado interna e externamente.
O Sumo-Sacerdote não estava presente, mas muitos outros, e mais uma vez foi tomada a resolução de vigiar severamente os nazarenos, pois cada vez mais se falava que Jesus estava verdadeiramente vivo! Nisto, veio o velho Enos, apresentou-se diante do Conselho e pediu mais uma vez, encarecidamente, a libertação de seu filho. "Que seja só por alguns dias! Minha mulher vai morrer, se não lhe devolvo o filho. Tomai a mim como refém, guardai-me em seu lugar, mas libertai meu filho!"
"Está tão mal assim?", perguntou Hosea, que era um amigo da casa. "Ou trata-se apenas dum capricho doentio de tua mulher?"
"Convencei-vos vós mesmos!", disse Enos, "mas deixai-me ver uma vez meu filho!" Após longas conversas, o pai recebeu a autorização de visitar seu filho e os amigos Joab e Hosea foram ver Miriam.
Entrementes, Ruben foi acometido de certas dúvidas. Suas preces não tinham mais a mesma força, as noites tornaram-se cada vez mais penosas, e já se perguntava: "Agi bem ou não? Se quero ser útil a Jesus, preciso sobretudo estar em liberdade; mas como obtê-la?" O cubículo estreito e escuro quase o sufocava, e a vida lhe era insuportável pelo enfado. Muitas vezes sua prece soava: "Ó Senhor Jesus, se vives, por que não me ajudas? Por que admites que eu fique preso?" Mas tudo nele e ao redor dele estava mudo! Não se alimentava mais; a vida não tinha mais valor para ele! Foi numa tal hora sombria, que seu pai veio vê-lo.
Cansado, perguntou Ruben: "Parece que vens para verificar se não cheguei ainda ao ponto de dizer ‘amém’ a tudo? Em verdade, vossos meios são bons para comover as pedras! Óh, é para se desesperar aqui!"
"Ruben, escuta", pediu o pai, "venho hoje a ti, para dar-te uma triste notícia. A mãe está gravemente doente e pede por ti! Para salvá-la, é preciso que voltes à casa, nem que seja só por alguns dias. Ofereci-me como refém, a fim de que possas sair da prisão por poucos dias. Quanto a mim, nada me importa mais, uma vez que minha confiança no Templo foi quase abalada.
Nunca pensei que a insensibilidade pudesse doer tanto! E onde esperava que o Templo se mostrasse um pouco condescendente comigo, tive que constatar que os templários nem conhecem a condescendência! Com poucas palavras: o Templo chegou a repugnar-me!"
"Pai", exclamou Ruben, "é tarde demais para livrar-te do Templo, pois todo teu ser é radicado nele! Vê, quase cheguei ao ponto onde o Templo quer me ver! Estou no fim de minhas forças! Não posso por mais tempo sustentar a coragem de lutar e sofrer por algo de que não tenho provas! É verdade que não consigo esquecer o olhar de Jesus moribundo. E só para isso tenho a prova! O resto, são vivências que também podem ser falsas. Quanto lutei, examinei e rezei, sangrando de um coração lacerado, mas em mim e ao meu redor tudo ficou mudo. Não aguento mais por muito tempo ficar aqui, pois o desespero poderia me levar a cometer algo bem diferente."
"Meu filho", disse Enos, "se comunicas ao Alto Conselho o que acabaste de me dizer, considerando tuas vivências como um erro, então não há mais obstáculo para tua libertação! E para tua mãe serias o anjo salvador."
"Pai, e que será se minha vivência não era um engano?" refletiu Ruben. "Poderia jamais alçar a minha voz para exaltar o Amor e a Paciência de Jesus moribundo? Ainda não me retrato em nada; pois o Ressuscitado pode ainda dar-me a liberdade."
"E tua mãe?", perguntou tristemente Enos. "Queria pedir-te de fazer esse sacrifício por causa da tua mãe e irmã!"
"Pai, sofro por causa de Jesus", replicou Ruben resoluto, "e ainda espero por Ele. Mesmo retratando-me e podendo voltar então para a liberdade, na minha luta interna não chegaria à paz! Mas também ficaria frustrado, se o Templo pudesse gabar-se de me ter reconduzido ao caminho antigo! Basta pensar no Templo e em todos os seus servidores com coração de pedra, que sinto frio! Prefiro pôr termo à vida!"
De repente, a porta foi aberta; dois servidores entraram e convidaram os dois a virem para o Alto Conselho. "O que aconteceu?" perguntou Enos aos servidores, mas estes não puderam dar nenhuma informação; assim, foram e entraram na sala do Conselho. O Sumo-Sacerdote substituto veio ao encontro dos dois e disse: "Ruben, ainda és sacerdote e servidor do Templo; fomos informados por duas testemunhas do que acabaste de revelar ao teu pai, um comprovado sacerdote e servidor de Jehovah! Somos felizes de ver-te chegado de novo ao ponto em que desejamos ver-te! Mas cuida no futuro de jamais estar entre os nazarenos, pois então sofrerias todo o rigor do Templo. Aguardamos ainda os dois sacerdotes que foram ver tua mãe; se for urgente, não há mais impedimento para tua volta à casa paterna!"
Enos ia ainda replicar algo quando Joab e Hosea voltaram com toda pressa, dizendo: "A máxima urgência é necessária!" Assim, pai e filho foram rapidamente despedidos com os melhores votos!
Ruben estava cansado e sem forças, e assim também o velho Enos. Preocupados apressaram-se para chegar em casa, pois tratava-se de salvar a mãe. Finalmente chegaram.
Ruth levou-os à mãe, e sua presença operou um milagre, pois na mãe despertou uma nova vida! Como em sonho, ela disse: "Eis-te aqui! Mas ao teu redor circulam corvos pretos, e o que eles mais queriam é picar-te os olhos! E tu, Enos, trouxeste algumas corujas!"
Ruben disse excitado: "Pai! Desde quando a mãe está delirando?"
"Não, não estou delirando, digo apenas o que vejo ao vosso redor!", disse a mãe.
"Mãe, olha para nós e não para as aparições que se fizerem ver junto a nós! Pois queria ver-te de novo com saúde e vim, graças a Deus, para cuidar de ti! Cheia de confiança, dirige o teu olhar para o grande Deus! E te sentirás alegre e leve! Mas agora dorme, enquanto eu ficarei ao teu lado!" E o velho pai cuidou para que Ruben recuperasse suas forças.
No dia seguinte, vieram Joab e Hosea e alegraram-se que tudo em casa havia melhorado. O pai lhes perguntou: "Dizei-me, amigos, como se explica que de repente não houve mais impedimentos para a libertação, ao passo que antes todos os meus esforços foram inúteis, até a minha oferta de servir de refém?"
"Enos", disse Hosea, "quando ontem estiveste no Templo, foste observado. Sabíamos, então, da situação em vossa casa, pois todo teu ser falava de preocupação e mágoa. Chegamos entre nós ao acordo que era preciso fazer algo por ti, mas o Sumo-Sacerdote fez-se de surdo. Mas, devido à sua ausência desde alguns dias, resolvemos ajudar-te assim que teu filho mostrasse ao menos a vontade de arrepender-se de sua tolice! Quando foste ver teu filho, dois sacerdotes vos espreitaram. Conhecendo por eles a nova atitude de Ruben, tornou-se-nos evidente que aqui vale mais a clemência do que o rigor!"
Disse Enos: "Mas, amigos, ainda não temos a prova de que meu filho se dedicará de novo inteiramente ao Templo! No momento, não é acessível por nada, pois a prisão abalou-o muito; também eu não estou passando bem. Por isso, hoje não podeis esperar muito de nós!"
"Irmão Enos!", disse Hosea, "tudo passa! Esquecereis também estes últimos dias e sereis os mesmos de antes!"
Ruben excitado, perguntou: "Pensais que poderei jamais esquecer a aflição, a mágoa e as lutas internas pelas quais passei nas últimas semanas? Asseguro-vos uma coisa: A partir de agora, vejo tudo com olhos diferentes! Nunca mais serei dócil como antes. Pois algo diferente, algo mais poderoso tornou-se vivo em mim, impelindo-me a procurar e pesquisar aquilo que até agora me era estranho e desconhecido. Sois duas vezes mais velhos do que eu; desejaria encontrar em vós também a necessária experiência, então poderia pedir-vos explicação e clareza sobre o que em mim exige luz e esclarecimento!"
Hosea queria acalmar: "Meu Ruben! Não te percas em caminhos que não deves seguir. Satisfaze-te com o que te dão o Templo e a Escritura, e serás feliz. O que agora deve ser aclarado em ti entrará com o tempo novamente em equilíbrio. Ninguém ainda veio afirmar: Desde que me desliguei do Templo, sou mais feliz! Por isso, aceita o meu conselho que nasce do meu apego para contigo: Continua fiel ao Templo e à Jehovah!"
Retrucou Ruben: "Deveria agradecer-te a maneira paterna com que me falas, mas não posso, pois sobre mim veio algo novo ao qual não posso resistir! Sei que não posso falar-vos disso, mas já que sois nossos amigos, me permito uma única pergunta, pedindo-vos uma resposta sincera: Acreditais que Jesus de Nazaré era culpado?"
"Se culpado ou não", disse Hosea, "mereceu a morte por ter afastado o povo do Templo, tornando a nossa situação impossível com a sua Doutrina."
"Esta resposta não pode satisfazer-me", replicou Ruben, "pois entende-se assim que Jesus teve que morrer somente por causa de vossos interesses! Não poderia o Templo ter errado, pronunciando uma sentença injusta? Eis a minha dúvida! Aqui falta o que me convenceria do vosso direito! E pela prisão, minhas dúvidas se tornaram ainda maiores! E Jesus culpado? Então, não sei explicar como pôde mostrar amor e perdão àqueles que O privaram da vida de maneira tão cruel! Mas se Jesus não é culpado, não entendo por que ninguém no colégio do Templo falou abertamente em prol de sua inocência. Dai-me luz e clareza; senão, não encontrarei a paz!"
"Ruben", disse Hosea, "perguntas muito e te preocupas com coisas fúteis. Por que não deste um voto contrário, se a inocência do Nazareno te importa tanto? O que aconteceu, aconteceu! E um esclarecimento, se culpado ou não, não pode desfazer esta crucificação! Além disso, este Nazareno nos cria muitas preocupações. Por isso, é nosso dever estarmos juntos, sérios e fiéis como representantes da Casa de Jehovah, não nos deixando intranquilizar pela pergunta: O Nazareno foi culpado ou não?"
"Amigos, então deixai-me ficar calado!", disse Ruben resignado. "Devo ver como me arranjarei sozinho. Unicamente Deus, o Santo e Eterno, em Quem creio agora fervorosamente, pode ajudar-me!" — Os dois sacerdotes estavam aliviados por Ruben ter terminado a conversa, despedindo-se pouco depois.
Após eles terem deixado a casa, o pai perguntou preocupado: "Meu filho, queres absolutamente voltar para a prisão do Templo, uma vez que defendes tão decididamente o Nazareno? Sê feliz que te foi mostrada muita boa vontade e que foste de novo posto em liberdade; não me admiraria se fosses preso de novo."
"Pai", disse Ruben, "agora sou ainda livre e terei cuidado de não aguardar aqueles que só vêm espionar! Pensas que os sacerdotes queriam saber como vai a mãe e como estamos nós? Creio que só me deixaram livre para não perderem a ti. Quanto a mim, de Jesus não sei mais do que eu vivenciei. Mas que se passaram mais coisas, ouvi das palavras de Hosea, que falou de tantas preocupações. Pai, sairei secretamente da casa e me entregarei à proteção de outros, me desligando do Templo; pois entre mim e o Templo está o Crucificado!"
Em silêncio, Enos escutou as palavras do filho. Por longo, longo tempo lutou com sua velha fé, depois disse sério: "Ruben, meu filho! Vai com Deus! E te digo que és tu que estás entre mim e o Templo!"
"Eu?", disse Ruben admirado, "por que eu, meu pai? Não nos trataste sempre como estranhos, — e não era o Templo tudo para ti?"
"Exatamente, porque o Templo me era tudo", replicou Enos amargamente, "e, tolo que era, desprezei a felicidade da vida em família. Por isso, devo ter recebido esta retribuição da parte dos templários quando tantas vezes pedi a tua libertação! Se apenas um deles tivesse dito: "Enos, com sua atitude responsabiliza-se por seu filho!" Vê, com isso me teriam mostrado sua gratidão! Mas o reconhecimento deles só constava de insensibilidade, falta de amor e ódio!"
"Pai, não falemos mais disso", disse Ruben, "Pois só na hora em que devemos separar-nos é que nos encontramos verdadeiramente. Deixa que me despeça da mãe e de Ruth. Creio que a mãe ficará mais tranquila me sabendo em segurança!"
Quando a mãe ouviu da boca de Ruben que sua liberdade e segurança estavam em perigo, disse resignada: "Meu único filho! Vai, sim, antes que seja tarde demais! E faze-te acompanhar por Ruth, para que eu saiba que estás a salvo! Pois não duvido que já tens em vista o lugar onde queres ir; sem isso, não poderias decidir-te de partir com tanta pressa!"
"Sim, mãe, dirigir-me-ei para Betânia e espero que o proprietário me receba e me dê abrigo. Se não encontrar em Betânia o que procuro, voltarei para ficar como sacerdote no Templo! Mas se encontrar o que tanto preciso, não vos deixarei na incerteza; então serei sacerdote — por Jesus!"
V. Em fuga
Uma hora depois, dois jovens deixaram por uma pequena porta a casa paterna, Ruben disfarçado e Ruth não reconhecível por um véu. Com pressa, só seguiram por travessas e chegaram, sem serem vistos, à Porta que não estava vigiada ao meio-dia. Com coração palpitante, passaram a Porta e se apressaram para chegar ao vale Kedron, de lá ao Monte das Oliveiras. Mais uma vez olharam para trás, para a Porta de Estêvão e a Cidade de Deus, e Ruth disse: “Irmão, queria ser um homem! Nunca mais voltaria aos lugares de mentira e de ódio, e só procuraria a felicidade que me satisfizesse plenamente!"
"Ruth", disse Ruben, "não é fácil para mim, pois vou ao encontro duma situação incerta! Não conheço o senhor de Betânia e não sei se ele vai me oferecer lar e proteção. Nós, jovens templários, fomos guardados como presos e nunca pudemos acompanhar os anciões quando visitaram lugares afastados. Se meus desejos forem aceitos, dentro em breve estarei livre do Templo! Mas caminhemos a passos largos, para chegarmos incólumes a Betânia!"
Na estrada, marchavam comerciantes para Jericó, acompanhados por soldados.
Os dois viandantes se juntaram a eles não provocando assim suspeitas por evitarem qualquer encontro indesejado. Uma carruagem veio ao seu encontro e chegaram a saber que nela estava Lázaro, o senhor de Betânia. Assustados, os dois entreolharam-se e Ruben disse lastimando: "Oh, então não encontraremos o dono em casa!"
"Mas outra pessoa estará lá!", consolou Ruth. "Então ficarei a noite lá, como já o disse à mãe."
À distância, para o lado, podia-se ver Betânia; mas eles continuaram, pois não sabiam se haveria espiões do Templo no caminho. Agiram bem assim, pois os templários vigiavam atentamente quem ia ou vinha de Betânia. Do lado norte, ambos caminharam por hortos em floração e por verdes campos para Betânia, e o Sol já estava a declinar quando, cansados, entraram no grande pátio.
VI. Em Betânia
No pátio, um jovem veio-lhes gentilmente ao encontro e, dando-lhes as boas-vindas, convidou-os a entrar. Era muito reconfortante para eles serem tão cordialmente convidados; maior felicidade ainda sentiram quando, algum tempo depois, Maria os cumprimentou: "Sede bem-vindos em Betânia, quem quer que sejais! Considerai-vos como familiares e senti-vos como em casa. Meu irmão, que está ausente, voltará ainda hoje. Mas, unamo-nos no Espírito e no Amor de Jesus!"
Ruben disse: "Se já nas primeiras palavras do nosso encontro vosso amor nos fala de modo tão sincero, toda nossa preocupação terminou. Sou um fugitivo! Não foi só do Templo e da casa paterna que fugi, mas de mim mesmo, esperando encontrar aqui aquilo por que meu coração, todo meu ser enfim, almeja!"
O jovem que conduzia os dois, os convidou: "Reconfortai-vos e descansai. Betânia é dedicada ao Amor, e procuramos satisfazer cada um, se estiver em nossos meios. O que o Amor mais deseja é curar toda mágoa e aflição, a fim de tranquilizar o coração inquieto, tornando-o assim apto a acolher a nova vida cheia de graças que vem do Espírito de Jesus, nosso Senhor e Mestre!"
"Ruth", disse Ruben comovido, "eis um tom diferente do de Jerusalém! Sinto-me como no Céu!"
Também Marta chegou e cumprimentou os irmãos da mesma maneira cordial. Pão e vinho foram trazidos, e todos sentaram-se a uma mesa. As irmãs apresentaram agora o jovem como sendo o Discípulo João, e Ruben contou-lhe tudo o que pesava em seu coração.
Mas João o animou: "Meu querido irmão! Se queres ficar aqui até que o próprio Senhor e Mestre te aplane novos caminhos, quando então terás que cumprir novas tarefas, eu, a partir de agora, quero chamar-te Teófilo; pois importa que a pessoa possua não apenas um nome qualquer, pois um nome justo deve também possuir o homem! Queres lutar e cumprir na vida, por isso, leva este novo nome e estejas certo que no momento em que verdadeiramente quiseres novos e magníficos caminhos, todo o passado será como que apagado em ti! Ansiando pelo bem, reconhecerás também cada vez mais o Senhor e Mestre Jesus que, apesar de ter morrido, está vivo, e já repetidas vezes nos tem de novo instruído para não fraquejarmos em nos dedicarmos ao que é bom e verdadeiro! Nós aqui em Betânia sabemos, e muitos, muitos amigos sabem também: O Senhor está vivo! Verdadeiramente, Ele ressuscitou da morte!"
Feliz, disse Teófilo: "Oh, quanto te agradeço pelas tuas palavras, João, que me proporcionam grande alegria! Mas minha felicidade é ainda maior por ter recebido da tua boca um novo nome! E parece-me que já podes ver em mim um homem diferente do atual! A quem tanto tempo teve de viver, como foi o meu caso, na frieza, na falta de amor e na teimosia, abre-se um Céu ao entrar na vossa esfera! Quão ricamente fui indenizado nesta única hora pelos amargos dias na prisão! Quase não me atrevo a pensar em poder permanecer nesta felicidade! Oh irmã Ruth! Quão oprimido me sinto ao pensar que tu deves voltar à casa, à mãe e ao pai, enquanto eu posso ficar aqui!".
"Irmãzinha", disse Marta, "cuida da tua mãe até que também ela possa vir brevemente a Betânia! Então não haverá mais motivo para preocupações! Aqui em nossa casa há lugar para muitos."
"Vós em Betânia", disse Ruth admirada, "que vida especial possuís que vos leva a querer ajudar e até a tornar feliz cada um que vem aqui? Para mim é um milagre conhecer pessoas assim! E ainda mais em um tempo onde em todos os lugares reinam egoísmo, inveja e ódio! Meu pai e meu irmão são sacerdotes, isto é, servidores de Deus. Mas nunca procuraram dar um pouco de amor e felicidade para outros. Muitas vezes conversei com minha mãe sobre Jesus de Nazaré, e admiramos Sua Força bem como Seu Amor por todos os pobres e doentes. Mas hoje experimento algo novo que porém me parece muito natural! Sinto uma felicidade indizível ao ver que meu irmão pode, em verdade, tornar-se feliz em vosso meio. Oxalá pudessem meus pais ao menos uma vez desfrutar desta felicidade!"
"Querida Ruth", disse Maria, "teu pai já várias vezes foi ver meu irmão, mas nada percebeu deste espírito e da vida aqui! Ao contrário, deixou Betânia cheio de ressentimentos e amaldiçoando; e por quê? Porque só pode achar em tudo beleza, bondade e fonte de felicidade para outros aquele que já possui estas qualidades. Sabemos de Jesus, nosso magnífico Mestre, que apenas aqueles que reconheceram que o amor-próprio e a teimosia são os grandes obstáculos que fazem estagnar o coração humano são capazes de agir, verdadeira e fielmente, pelos impulsos divinos do Amor. Só quando o homem se tiver seriamente libertado destes grilhões, torna-se consciente de quão pouco até então ele viveu de fato! Para teu irmão, esta hora deve ser a primeira prova da Verdade da nossa Doutrina! Pois nada fazemos sem uma certa motivação. A razão principal dos nossos atos é sempre a seguinte: De que maneira poderei conquistar o meu próximo para tornar-me um com ele em espírito? Pois sei que cada coração que se sente unido a mim, também quer apropriar-se deste espírito e desta tendência de amor que quer incluir outros na união de coração e vida".
"Compreendo-vos bem", respondeu Ruth, "mas não acontece também que pessoas indignas recebem o vosso amor, retribuindo-vos com ingratidão? Isso não vos decepciona? E não vos vêm então pensamentos de arrependimento por ter-lhes mostrado só bondade e amor?"
"Irmã", disse Maria, "um verdadeiro ato de amor nunca é motivo de arrependimento! Pois não é por causa de respeito ou de agradecimento, mas em verdade só por causa do amor é que vivemos este espírito que já nos trouxe tanta riqueza e maravilha! Quando alguém — como por exemplo teu pai — não respeita nem dá atenção ao nosso amor e à nossa boa vontade, sempre nos perguntamos: Será que não fizemos todo o nosso possível? E só ficamos tranquilos, se nossos corações nos afirmam: Agistes de maneira certa no espírito do amor! Acredita-me, querida irmã Ruth, o amor, por pequeno que seja, já tem em si o germe de glórias celestes, recompensando e gratificando tanto quem recebe como quem dá! Mas não devo esperar pelo tempo quando o fruto do amor semeado não se torna ainda evidente. Todos nós aqui em Betânia temos o único desejo de agir sempre como o Mestre teria agido! O Amor Dele, que tanto supera todo o amor humano, nos é o exemplo em todas as coisas! Então, venha aqui quem quiser, pois Betânia é e sempre será um lugar onde Seu grande Amor é cultivado!"
Eis que chegou Maria, a Mãe de Jesus, em companhia de Maria Madalena. Com saudações cordiais, João apresentou-lhes os irmãos recém-chegados. Quando Teófilo veio a saber que esta era a Mãe de Jesus, confessou profundamente comovido: "Quão perdido era eu! A essa Mãe causei tanta tristeza e dor!"
Mas a Mãe de Jesus o consolou: "Meu querido irmão! Agora que toda dor está vencida, não há mais motivo de lamentações! E se o Filho do Homem — Jesus — perdoou a todos os Seus inimigos, o Filho de Deus — Cristo Jesus — não agirá de maneira diferente! Mas não podemos nem devemos nos defrontar com falta de amor daqueles que acreditaram ter prestado um justo serviço ao mundo e ao Templo com a Sua morte; é nosso dever convencê-los, com redobrado amor e atenção, que eles se privaram do melhor; a saber, do Salvador e do Príncipe da Paz! Ele vive! Eis a nossa alegria! Ele vive! Que isso seja no futuro a tua felicidade e o teu amparo em todos os dias difíceis! Somente a presença da Vida pode nos significar algo. E o que está vivo não pode ficar escondido! Eis porque Ele Se revelou a vários irmãos cujo coração ardentemente desejava vê-Lo! Apareceu também a nós, provando-nos assim que a morte não deixou vestígios Nele. Ao contrário: Ele possui agora um corpo indestrutível e é Senhor de todo o Tempo e de todo o Espaço."
"Quão reconfortantes soam estas palavras da tua boca", disse Teófilo, "e parece-me que elas já me confirmam que Ele perdoou também a mim! Quanto lutei por essa confirmação! Mas quão mudo ficou meu coração, quando implorei a Jesus de ser meu auxílio e socorro! Mas agora, tudo está bem; óh bom Deus, como devo agradecer-Te por poder ser novamente feliz! Ajuda-me a me tornar igual a estes aqui, para que não haja mais nada do que me arrepender!"
"Querido irmão", disse agora João, "aprende sobretudo a conhecer melhor Jesus, para te familiarizares com Seu caráter e Suas virtudes. Examina seriamente, mas não precipites nada! E sê aberto para conosco, pois com prazer estamos dispostos a te ajudar! Mas tem sempre em mente: Trata-se aqui de uma vida inteiramente nova, a vida verdadeira e eterna de tua alma! Vê, quão depressa passa esta existência terrestre; depois nos defrontamos com uma vida puramente espiritual, que deve porém receber seu fundamento determinante já na vida terrestre! Por graça, foi-nos revelado de maneira tão viva o grande Amor de Deus para com nós, homens, para que aprendêssemos a contemplar esta Nova Vida no Homem Perfeito em todo Seu Poder e Glória! És sacerdote e conheces a Escritura. Mas vos contentais com o sentido externo da Palavra! Porém, o sentido interno da Palavra de Deus, que é Luz e Vida e cria Vida Nova, te é ainda estranho! — Nós, porém, somos compenetrados desta Vida Santa em cada Palavra que nos foi revelada por Jesus, o Verbo Encarnado! Mas isso tudo deves primeiro experimentar em ti mesmo; deves possuí-lo como tua própria convicção, o que te poupará ulteriores lutas desnecessárias! Agora descansa bastante com tua irmã! Será mais justo se o irmão Lázaro tomar a seu cargo os teus assuntos; sem dúvida, encontrará a melhor solução. Se queres, podes vir comigo para o grande jardim, onde podemos ocupar ainda muitos trabalhadores; mas tua irmã preferirá ficar com as mulheres."
"Com todo prazer", disse Ruth, "assim poderei saber ainda muito por nossa Mãe, já que nunca pudemos ouvir o Salvador."
"Com prazer te acompanho", disse Teófilo, "pois não chegarei à verdadeira paz antes que conheça o meu futuro destino." Quanto admirou-se ao ver o grande jardim em cujo meio havia um largo caminho, e à sua direita e esquerda, legumes e árvores frutíferas, cujo bom cultivo deliciou seus olhos! "Oh, que ordem há neste jardim", disse admirado, "pode-se ver que aqui se trabalhou com amor! No jardim de meu pai, ao contrário, não há tanta beleza; é gente alheia que cuida dele."
"Irmão", replicou João, "tudo, e cada coisa, restitui o que primeiro recebeu. Quando executamos algo com amor e alegria, sabemos que gratidão e alegria tornam a vir para nós! Olha essas figueiras e tamareiras, como deliciam o coração por já criarem tantos frutos! De quem achas que será a safra?
"Naturalmente do proprietário Lázaro, pois não creio que haja mais um proprietário do jardim!" "Pois te enganaste, irmão Teófilo", sorriu João. "Tudo que vês é propriedade do Amor que se instalou conosco por Jesus! De antemão, o produto já é destinado aos pobres e necessitados; mais para a esquerda, onde estão as oliveiras, encontra-se o terreno mais valorizado da propriedade. Todas as casas que lá vês são moradas e, atrás delas, os estábulos. Cada família com seus filhos vive separadamente, ainda que todos sejam uma só família! Os solteiros moram lá em frente, à esquerda da grande vivenda; é o dono da casa que os sustenta. As grandes despensas e granjas estão bem no fundo, e as bênçãos que há nelas são a prova expressiva de que poderíamos ainda ocupar mais mil operários sem a mínima preocupação."
"Qual é a extensão total da propriedade deste filantropo? E quantos operários trabalham aqui?"
"Irmão Teófilo, desconheço o tamanho da propriedade. Olha, também a metade do Monte das Oliveiras nos pertence, e ao meu ver já são mais de quinhentos operários que aqui trabalham, e cada um se sente bem e contente. É um sinal particular da nossa fraternidade que não há capatazes, mas apenas distribuidores de trabalho, pois ninguém é superior ou inferior. No sentido verdadeiro, cada um é um coproprietário. Os olhos de todos brilham quando Lázaro ou suas duas irmãs vêm para visita; podes agora compreender o que quer dizer: Betânia — onde se cultiva o grande Amor!"
"Querido João", disse Teófilo, "sempre me chamas de irmão! Mas ainda não dei nenhuma prova de que sou teu irmão! E me sacrificas teu tempo e dispões dele, como se fosses senhor do teu tempo; é indiferente ao dono e proprietário se exerces ou não tua função? Quais são as diretrizes que regulam toda vossa atividade?"
"Irmão Teófilo! Tuas perguntas são justificadas, uma vez que estás diante da escolha de te tornares morador e operário em Betânia. Ouve, pois: Sempre agimos seguindo a Lei do Amor, que reza: Tudo o que queres que te seja feito, faze-o primeiro ao próximo! Além disso, seguimos sempre o magnífico exemplo do nosso Mestre, que nos mostrou, na prática, que a única finalidade de todo nosso empenho deve ser: servir e fazer feliz o próximo! Eis tudo com poucas palavras! Mas uma vida humana não basta para cumprir essas elevadas tarefas! Eis porque nos esforçamos cada dia em executar a Sua Vontade! E em verdade, Sua Bênção está visível entre nós!"
"Irmão João! Agora te chamo também de irmão!", replicou Teófilo. "Nesse caso, de boa vontade deponho minha dignidade de sacerdote e fico convosco como o mais simples operário. Quanta paz e uma vida sem preocupações desfruta cada um aqui, ao passo que lá no Templo...!"
"Não continues, irmão!", interrompeu-o João seriamente, "e evita jogar sombra em vez de luz sobre tudo o que está errado! Tudo o que somos e podemos ser é Graça sobre Graça, dada pelo próprio Eterno Amor Misericordioso, que nos revelou e que viveu o verdadeiro sentido da vida terrestre. Somente nisso consiste nossa grande vantagem em comparação com aqueles que não puderam ainda compreender e reconhecer esta vida e a ação do Amor Eterno e Verdadeiro. Na nossa vida terrestre, não apenas chegamos à conclusão que nos foi dado ver o grande Poder e Glória de Deus em nosso Mestre, mas temos testemunhado e continuamos testemunhando diariamente o inefável milagre de Seu Grande Amor, que quer fazer de nós homens recebedores de Suas mais grandiosas Graças!"
"Irmão João", replicou Teófilo, "parece-me ter sido arrancado de um mundo de ódio e inveja, podendo agora experimentar um mundo de alegria e de paz celestial. Dize-me ainda só uma coisa: todos os que vivem aqui com o filantropo Lázaro, são eles tão felizes como tu, ou há ainda descontentes?"
"Irmão, não penses que esta paz interna e esta felicidade que vêm da nossa atividade aqui em Betânia sejam apenas um acréscimo por reconhecermos o Senhor e Mestre"; respondeu João. "Apenas uma santa luta diária conosco mesmos pode sazonar em nós esta paz. Disse 'santa luta', porque se trata do mais sagrado; a saber, nossa vida e ser na Eternidade!
Se tomaste, após muito pensar, a decisão por estas grandes e magníficas ideias e pensamentos vitais, serás automaticamente levado às consequências. A vida nova te impulsionará então a nunca deixar descansar mãos e pés, mas a trabalhar e agir neste Espírito, pois somente esta atividade pode proporcionar-nos verdadeira felicidade. Por isso, meu irmão, como já te disse: Procura conhecer Jesus! Pois Ele é! Ele vive nesta vida! Ele é todo o nosso amor e felicidade! Mas uma tal vida sem Ele nos seria inconcebível!"
Do Sul ouviram-se sons como de um corno (2), e João disse: "É a chamada para a refeição no refeitório. Deixemos nossa conversa, pois tu também deves primeiro assimilar o que recebeste hoje em abundância. Vê como-os irmãos deixam seus trabalhos e vêm para o jantar. É um belo costume de tomar a refeição em comunidade! Na grande vivenda, a mesa é posta para os numerosos hóspedes, ao passo que para os operários e os muitos ajudantes a cozinha e a mesa encontram-se na cantina."
Então ambos voltaram para a vivenda. Disse Teófilo: "Irmão, pensei que íamos à cantina, mas dirigimo-nos para a casa onde fomos recebidos?"
"Sim, irmão, vós dois sois agora nossos queridos hóspedes! Marta e Maria não admitiriam que te levasse à cantina, mesmo que lá a comida seja a mesma.
Somente o irmão Lázaro deve dar as disposições para tudo, antes que faças parte da casa. Olha lá, parece que no pátio chegaram novos hóspedes, é todo um comboio de carruagens e cavalos."
"Então nossa vinda é inoportuna na presença de tantos hóspedes", disse Teófilo, "pois ainda somos estranhos."
"Irmão, por que duvidas do nosso amor que, servindo, quer dar tudo que tem? Nunca mais faças isso, se queres que tua futura atividade seja bem sucedida"; respondeu João. "Para nós, não há estranhos, mas todos são irmãos, mesmo aqueles que não nos conhecem ainda! Olha lá, também Lázaro veio; vamos cumprimentá-lo."
Lázaro viu de longe que João estava em companhia de alguém que ele não conhecia ainda; por isso, veio ao encontro dos dois, saudando Teófilo com as palavras: "Meu irmão, sejas bem-vindo em Nome do Senhor! — Que Betânia te dê aquilo que no íntimo esperas! Fica à vontade, como em tua casa!"
(2) Desde os tempos bíblicos, o corno de carneiro é usado como instrumento cerimonial, chamado "Chofar".
"Queria agradecer-te como meu coração deseja", respondeu Teófilo, "mas não tenho as palavras certas."
"Então agradece em teu coração ao Mestre! Pois meras palavras não o fazem! Olha, João, eis que chegaram irmãos admiráveis! Vês aí Demétrius e lá em frente Ursus — que já são dois fortes pilares para o Mestre! Mas desculpai-me por enquanto, pois os muitos animais devem ser acomodados."
Na casa havia muita animação; os recém-chegados juntaram-se em torno de Maria e Marta com perguntas e júbilo geral. Chegou João com Teófilo e, dirigindo-se a Demétrius e Ursus, disse: "Meus irmãos, que grande felicidade em poder cumprimentar-vos em Betânia! Já ouvimos a vosso respeito; mas não quereis sentar-vos? Uma grande alegria vos aguarda ainda."
João saiu e perguntou pela Mãe Maria; eis que ela chegou com Maria Madalena e Ruth, e perguntou: "Meu filho, quem veio com Lázaro? Parece que uma caravana inteira entrou no pátio."
"Mãe, vem e vê tu mesma! São corações que anseiam pelo amor que há aqui em Betânia e querem conhecer o sacrossanto mistério do Amor!"
Entraram com João na sala e, com um amável cumprimento, Maria apertou a mão do velho Demétrius: "Em Nome de Jesus, dou as boas-vindas a ti e a teu filho em Betânia, onde o verdadeiro Amor de Jesus é cultivado! Oxalá pudesses conhecer e provar aqui a santíssima vida do Amor, podendo assim receber também o Espírito que anima-a nós todos! Mas no teu coração, meu jovem irmão," voltada para Ursus, "quero colocar o desejo de construir uma Betânia em toda parte para onde teus passos te levem!"
Veio também Lázaro e disse: "Meus queridos! Com a ajuda do Senhor, todas as coisas foram arrumadas; entregai-vos à sagrada paz do coração, pois agora é o Amor que cuida de vós!"
O jantar foi logo servido; mãos diligentes e solícitas puseram na mesa o máximo possível: frutas de toda sorte, mel, pão, carne fria e bastante vinho para matar a fome e a sede. Após uma breve oração, todos participaram alegremente da refeição. Lázaro estava sentado entre Ursus e Demétrius, conversando com eles em voz baixa. Teófilo estava ao lado de João, que comia em silêncio; várias vezes olhou para Ruth querendo chamar sua atenção, mas Maria conversava ainda muito com ela. Todos gostavam da boa mas simples comida, só Teófilo não conseguia comer; havia diante de seus olhos como uma venda, teria preferido sair para esconder sua profunda dor. João, que observava seu protegido, não disse nada, pois sabia que o Espírito do Senhor trabalhava poderosamente nele! Nesta altura, Ursus, o romano, percebeu que no íntimo de Teófilo algo não estava em ordem e perguntou a Lázaro: "Como se explica que este irmão esteja tão acanhado aqui? Ele está com mágoa e aflição?"
Lázaro respondeu: "Irmão, ele é um novo hóspede; só o cumprimentei ligeiramente. Já o fato de ele ter vindo a Betânia prova que está com mágoa e aflição. Há anos Betânia é um refúgio para todos os corações oprimidos e preocupados. E fácil, pois, distinguir entre antigos e novos amigos. Enquanto ficardes aqui, podereis conhecer muitos destinos semelhantes e ganhar experiência com isso! Pois nós todos recebemos a magnífica tarefa de ajudar e de curar! Após a refeição, vamos tentar aliviar sua mente."
"Querido Lázaro, vêm somente vossos amigos a Betânia?", voltou Ursus a perguntar, "ou vêm também estranhos com a intenção de prejudicar-vos?" — "Isso não me preocupa!", respondeu Lázaro, "o Senhor nos deu um presente incorruptível; a saber, dois grandes cachorros. Já e longe eles farejam o fluido de cada um que chega. Amigos ou homens com boa e honesta vontade podem se aproximar sem impedimento; mas quando vêm estranhos, templários ou até inimigos, não devem atrever-se a avançar um só passo; com latidos violentos, eles anunciam a chegada de tais estranhos e nós somos prevenidos, podendo então agir no Espírito do Senhor, para não incorrermos numa repreensão."
"Este presente do Senhor serve então a uma finalidade muito boa", replicou Ursus. "Parece que o Senhor fez tais presentes também na Casa de Marcus e na aldeia dos pescadores, visando mais o futuro do que a época atual!"
"É isso", respondeu Lázaro, "mas no momento em que Espírito e o Amor do Senhor forem vilipendiados, também estas benfeitorias terminarão!"
"Assim atua sempre e por toda parte o Espírito do Senhor!" disse Ursus, "e só agora compreendo que Ele não vos faz falta e que também Sua morte não pôde abalar vossa fé Nele!"
"Não, meu irmão!", replicou Lázaro seriamente. "Ele nos faz falta da manhã à noite. Ainda que saibamos que em Espírito Ele está presente, os dias em que Ele estava aqui sempre foram para nós dias de festa! Primeiro, Ele assumia os cuidados para tudo; e segundo, nós mesmos éramos isentados de todas as coisas terrestres! Que importava se não dormíamos? Ele nos fortalecia com maravilhoso vigor! Que mal fazia se esquecíamos de comer? Ele nos saciava e fortalecia pela emanação de Sua Força! E muitas, muitas vezes vivemos no Céu, enquanto anjos se incumbiam das nossas tarefas terrestres!"
"Irmão Lázaro", perguntou Ursus, "não tens, então, saudade do tempo quando o Senhor e Mestre Se hospedou em tua casa, proporcionando-vos tão grandes alegrias?"
"Meu querido irmão! Escuta o que te digo agora e grava essas palavras no teu íntimo!" respondeu Lázaro. "Não tenho mais saudade daquele tempo, pois a minha relação para com Jesus tornou-se muito, muito mais grandiosa! Enquanto Ele ainda era Homem, tive, em meu sentir humano, muitas vezes a necessidade e o desejo de conviver com Ele, nem que fosse só por algumas horas! ‘Por qual razão?’, perguntarás. Porque o Senhor vinha ao encontro da nossa fraqueza, do nosso desejo, removendo todo o mal em nós que era o motivo da nossa fraqueza e saudade! Mas vê, Ele fez, pela felicidade eterna de todos nós, o mais doloroso sacrifício de Amor e legou-nos para sempre Seu Magnífico Espírito, que deve operar em nós tudo aquilo que Ele fez pessoalmente em Seu Amor por todos nós. Antes, fomos nós que recebemos, mas agora, somos nós que damos! Sei que posso ser Seu instrumento vivo, Seu filho que serve a Seu Amor! Sou então feliz em poder ser digno do Seu Amor."
"Levará ainda muito tempo", disse Ursus pensativo, "até que esta concepção também se torne minha, uma vez que não me fora dada a felicidade de viver, como vós e outros, tão grandes bem-aventuranças com Ele."
"Não digas isso, irmão Ursus!", respondeu Lázaro, "o Senhor sabe de tudo, também do teu amor! Vive tua vida presente inteiramente neste Amor! Nele, o Senhor está presente!"
No fim da refeição, que para Teófilo durou demais, Lázaro lhe disse: "Querido jovem amigo e irmão, vem comigo para fora, no banco para descansar sob a grande árvore; lá tornemo-nos um em espírito, para que te livres do teu peso, e eu encontre a oportunidade de dar-te a mão de ajuda como medianeiro do Senhor."
Teófilo respondeu satisfeito: "Com prazer vou contigo! Peço, porém, que minha irmã Ruth possa também estar conosco, pois ela não pode ficar aqui, mas deve voltar a Jerusalém."
Lázaro concordou e, saudando atenciosamente, os três foram do refeitório. "Falai agora com toda franqueza", disse Lázaro aos dois, "também meu coração está aberto para vós. Que nosso Senhor Jesus nos ajude a encontrar a justa solução!"
No início, Teófilo não conseguia se expressar, mas depois falou fluentemente sobre tudo o que o oprimia, o que viveu e o que teve de sofrer. Nem uma só vez foi interrompido por Lázaro. Quando Teófilo terminou, Ruth contou sobre a vida na casa paterna, com que dureza e falta de amor o pai a tratava e a mãe: "Só o Templo era seu amor, só ao Templo dedicava sua vida! Pereceremos, se esta situação continuar; por isso, ajudai-nos, homens bondosos de Betânia!"
As palavras de Lázaro soaram consoladoras: "Com toda boa vontade vamos ajudar! Mas que será de vosso pai? Vede, minha ajuda não vai até Jerusalém; só se vierdes morar em Betânia; espaço e trabalho não faltam aqui! Mas devereis fazê-lo pela própria vontade, pois eu não posso vos forçar a tanto. Tu, Ruth, voltas amanhã de manhã para casa e providencias para que tua mãe venha quanto antes para cá a fim de recuperar-se, já que nutre, como vejo, um amor exagerado ao teu irmão. Se então quiser ficar, tudo bem! Cada um de vós tem sua livre vontade. Mas tu, Teófilo, se queres ser digno da Graça e do Amor de Jesus, rompe com teu passado, tornando-te renascido no Espírito e na Luz da Verdade de Jesus! Ninguém poderá ajudar-te, se tu mesmo não puseres primeiro mãos à obra! Mas cada um de nós poderá ajudar-te, se tua vontade se tornar ação viva. Vê, até agora estavas sob o chicote da Lei! Mas daqui em diante o amor deve determinar teus passos, cuidando das necessidades de teus irmãos! A partir de agora, o propósito de tua vida não deve mais constar do bem-estar físico, mas do cumprimento da Vontade de Deus! E eis Sua Vontade: Ama o teu próximo! Pois ele é, assim como tu mesmo, um filho do Seu Amor! Entremos agora; facilmente esquecemos que há ainda outros à nossa espera!"
Ao entrarem na grande sala, Ruth e Teófilo se admiraram ao ver quantas pessoas estavam presentes escutando febrilmente o relato de Demétrius sobre tudo que ocorreu na casa do velho Marcus quando Ursus quase adoeceu de saudade de ver o Senhor! Ao entrarem os três, Demétrius se calou, mas Lázaro pediu: "Continua falando, regozija nossos corações, pois todos nós temos grande prazer de ouvir novas provas do Amor do Senhor!"
Mas Demétrius replicou: "Meus amigos, chega por hoje! Também nós gostaríamos de ouvir sobre as ocorrências que preenchem nossos corações com novo amor a Ele. Estamos na situação de um faminto que não consegue saciar-se e sempre pede por mais comida. Vê, irmão Lázaro, o mensageiro que mandaste para o sanatório de Marcus nos contou tantas coisas dos dias milagrosos em Betânia, que não pudemos resistir ao desejo ardente de vir aqui. E agora nos encontramos no lugar tão cheio de lembranças maravilhosas, no solo consagrado por Seus Pés!"
"Meus irmãos", começou Lázaro, "nada fazemos com maior prazer do que testemunhar Daquele a Quem devemos tudo! Mas onde começar e onde parar? Pois tudo foi pura Graça, foi Seu Amor visível! Vede, Jesus nunca veio para testemunhar de Sua Força e Poder, e sim para iniciar-se no magnífico Espírito de Seu Amor — Sua própria Vida perfeita — e introduzir-nos neste Reino de Seu Amor e de grande Glória! Eis o mais grandioso: Onde o Senhor esteve, Céu e Terra fundiram-se em UM! Para o Senhor havia um propósito: mostrar a nós todos, de que modo também nós podemos alcançar esta perfeição! Mas para mostrar-nos o elevado valor da justa perfeição no homem, assistimos a coisas que devem parecer incríveis, para não dizer tolas, a um materialista que só ambiciona valores mundanos! Por isso, querido irmão, não tenhamos muita pressa com os relatos, pois espero ter-vos aqui ainda por muito tempo! Não estamos absolutamente presos aos fatos milagrosos; só Seu Amor e Sua perfeita Vida íntima devem falar aqui em Betânia, e isso pela ação de todos nós! Uma vez, quando o Senhor estava sentado comigo no sótão, eu disse: 'Senhor, eternidades não seriam suficientes para Te manifestar a gratidão que eu e nós todos Te devemos pelo que nos mostraste e deste em bens terrestres e espirituais!' Então disse o Senhor: 'Irmão Lázaro, tens plenamente razão. Mas Eu não vim para transformar-vos em devedores, manifestando-vos Meu Poder, Minha Força e Glória, e sim para incentivar-vos a viver, igual a Mim, uma vida nova e mais perfeita, arraigada e fundada na Eterna Vida Original de Deus! Esta vida será então santa e restabelecerá a Ordem de todas as coisas (que se perdeu pela queda de Adão). Por isso, todas as magníficas virtudes no homem — o Amor, a Sabedoria, o Rigor e a Vontade —devem encontrar-se na Ordem, ou melhor, devem ser pura Ordem! Só assim, elas se completam em ti e faz-se então também em ti, quase que automaticamente, a transformação que é o grande alvo, ardentemente pelejado: Tornar-se UM com o Eterno, quando se tiver efetuada em ti esta íntima união com a Grande Vida Divina; tudo o que fizeres será então somente tua obra! Porque Deus, no Seu magnífico Amor Paterno, tem prazer em considerar tudo como a obra de Seu filho cheio de Amor e Gratidão! Se quiseres falar de gratidão, também Eu deveria fazê-lo! Mas creio que isso não é mais necessário, já que nos conhecemos e que tudo o que é Meu, agora é também tua propriedade.' — Vede, queridos irmãos, é nesse sentido que organizamos aqui a nossa vida, experimentando assim diariamente de novo Seu Amor e Sua Presença."
Ursus não cansava de concentrar-se em Lázaro, a fim de que nenhuma palavra lhe escapasse; mas quando Lázaro ia silenciar, pediu: Óh, não pares de nos mostrar a imagem do Seu Amor! Já a simples audição enche o meu íntimo com alegria e felicidade. Como somos felizes! E teu povo, teus compatriotas não reconheceram esta felicidade? Agora compreendo inteiramente o Senhor quando disse: 'Que Meu Espírito seja em vós a justa Força motriz! Ele vos guiará e conduzirá a toda Verdade!"
Replicou Lázaro: "Sim, meus queridos irmãos! Por este Espírito não devemos cansar-nos de lutar e de provar — ao enfrentarmos dificuldades — que o Espírito do Senhor está em nós, pois o Senhor quer ainda estar vivo entre nós em Espírito! Mas será por pouco tempo, como o próprio Senhor determinou. Depois poderemos contar apenas com o Espírito, que será nosso único guia e consolador!"
Perguntou Demétrius: "O que quer dizer 'por pouco tempo'? Mas o Senhor ressuscitou, vivendo agora Sua própria e magnífica Vida. Não estará Ele onde há seres humanos com saudade, amor e gratidão, podendo vir em sua ajuda quando quiser?"
"Irmão Demétrius", respondeu Lázaro pensativo, "também nós não vemos com toda clareza quais os Desígnios do Senhor conosco, Seus discípulos; pois na Sua última visita em Jerusalém, onde os discípulos e mais alguns amigos encontram-se regularmente, Ele deixou a instrução de que deveriam manter-se unidos em amor e contínua oração, até que Ele ascendesse para a Sua Eterna Pátria original! E é de lá que o magnífico Consolador e guia nos será dado como propriedade!"
"Então, a Missão do Senhor não está ainda totalmente concluída?", perguntou Demétrius, "visto que o Senhor quer que testemunheis ainda certos acontecimentos?" — João levantou-se e disse suavemente: "Amigos, irmãos e irmãs! O Amor do Senhor nos foi dado! E este Amor é suficiente para fazer-nos felizes e bem-aventurados para sempre! Mas também nós não somos ainda homens totalmente renascidos, porquanto há ainda, em nós, partes não remidas. Pois quão facilmente recaímos ainda em nossa própria vida anterior, e quão rapidamente esquecemos, às vezes, que queremos ser discípulos do Senhor! Numa contínua luta santa conosco e com nosso ambiente, já chegamos ao ponto de podermos dizer: Com a Ajuda e Proteção do Senhor já conseguimos muitas vitórias. Mas há ainda uma outra circunstância que não gostamos de considerar, mas que é muito importante para todos nós. Pois enquanto sabemos que o Senhor com toda Sua Personalidade está conosco, apoiando-nos com a Sua influência, é muito fácil agir em Seu Amor e desarmar os adversários em nós e ao redor de nós! Ficando, porém, sozinhos no solo onde nosso amor deve atuar, torna-se muito difícil agir e caminhar dentro do amor como um verdadeiro filho de Deus. Se, porém, a Vontade de Deus tivesse sido colocada como lei categórica em cada alma, só poderíamos devolver-Lhe o que antes recebemos! O Amor Eterno não quer que a vida nova de amor seja algo fixado; ao contrário, deve brotar livremente dos filhos! Eis por que nosso Admirável Pai, em Sua tão providente como previdente Sabedoria, colocou no coração humano, de modo profundamente encoberto, Sua Vida e Sua Centelha Espiritual que penetra tudo. E cada Filho que desperta em espírito e no amor a Jesus deve então descobrir em seu íntimo de que maneira quer por em ação o seu amor e vencer os seus inimigos!
Cada um, pois, que procura a Deus, deverá passar, no importante tempo de sua decisão interna, por certo período sem o conforto da Luz, se sentindo isolado e sem o Amor Eterno, a fim de que tudo, até o mínimo progresso, seja encontrado pela fidelidade dos filhos, devendo a semente da sua aplicação do amor brotar e conquistar o seu livre desenvolvimento!
Temos disso uma nova e magnífica prova em nosso irmão Teófilo. Em profunda aflição e dúvida implorou muito tempo a Deus, mas tudo ficou mudo e escuro; depois veio-lhe a ideia de procurar o lugar onde muitas vezes os seguidores do Mestre se detinham, e lá recebeu a notícia da Ressurreição do Senhor! Descobriu em si, também, que tinha levado até agora uma vida fria e sem amor, então conscientizando-se que toda sua vida foi errada e indigna! É verdade que o Senhor Se deixou reconhecer, dando-lhe provas de Seu Amor e do Seu perdão! Mas irmãos, o contínuo desenvolvimento interno para a perfeição só pode nascer de livres obras de amor. O mesmo vale também para ti, irmã Ruth! Tudo o que fazeis, deveis fazê-lo pelo vosso amor! Então vos tornareis mais seguros e conscientes, e vossas ações se tornarão de muito maior valor, do que se o Senhor estivesse ao vosso lado, sugerindo-vos: Fazei isso ou aquilo! De que outra maneira poderíamos no futuro anunciar a Doutrina e a Verdade do Senhor do que na consciência: Tu, Senhor, és a verdadeira Vida em mim! O Teu Espírito me conduz na certeza e clareza em todas as coisas, de modo que já de longe possa reconhecer as intenções do adversário e de seus partidários. 'Não temais! Sou Eu!', foram as Palavras do Mestre Glorificado! E só pela nossa intrepidez emanará em nós Sua Vida, Sua Influência, Sua Vontade e Sua Força! E só então poderei provar: O Senhor e Mestre vive! E eu vivo Nele e através Dele! Só com esta noção tornamo-nos Seus verdadeiros discípulos, auxiliares e promotores de Seu grande ideal de Salvação. Mas não é menos maravilhoso constatar como cresce em nós essa certeza e essa força, quando se omite tudo o que poderia entristecer o Senhor."
"Falaste bem, querido irmão João", disse Ursus, "tuas palavras me satisfizeram plenamente. Gostaria, porém, que nos contasses algo do Senhor e Mestre. O que mais gostaria de saber é a maneira como Ele Se comportou no último dia que passou convosco, pois certamente sabia o que Lhe ocorreria, e também a vós?"
"Meu irmão!", respondeu João gravemente, "não compreendemos o Senhor quando nos disse: 'Vamos subir a Jerusalém para que se cumpra com o Filho do Homem tudo o que está escrito pelos profetas! Pois Ele será escarnecido, flagelado e até morto — mas no terceiro dia ressuscitará!' Não O compreendemos! — E por quê? — Recusamos ardentemente o simples pensamento de que aquilo Lhe pudesse acontecer! Ninguém jamais pensou que aquilo pudesse ocorrer. O próprio Mestre estava tranquilo e não participava das nossas conversas; esperávamos que acontecesse algo que esclarecesse tudo! Quando mandou a mim e ao irmão Pedro preparar a Páscoa na cidade, sabia que algo se tinha alterado no Senhor! Pois nunca precisávamos providenciar algo, Ele Mesmo Se incumbia de todos os cuidados. Preparamos, pois, a Páscoa como de costume; conforme Sua Vontade, ficamos só entre nós, na pequena sala. Mas não pudemos notar qualquer tristeza no Mestre. Assim, ficamos sozinhos até a noite, quando Ele disse: 'Volto ao Pai em direção à Pátria, a fim de preparar o lugar para todos aqueles que encontraram em Mim a salvação e a nova vida! Deixo-vos sozinhos, para que se comprove em vós a Minha Vida de Deus, que é Força e Vontade!' Sabíamos então: Esta Ceia com as importantes Palavras de despedida é a última! Mas não pudemos acreditá-lo até o momento em que uma grande tristeza se apossou de Sua Alma e Ele proferiu as perturbadoras Palavras: `Um dentre vós me trairá!' Abraçando o Senhor, perguntei, então, angustiado: 'Trair, trair a Ti Senhor, que abriste em nós o Céu inteiro?! — ‘Impossível! Impossível!’, disseram horrorizados também os irmãos. 'Quem é, Senhor? Sou eu?' mais de um exclamou ao mesmo tempo. 'É aquele que mete Comigo a mão no prato!', disse o Senhor a mim, e depois em voz alta: 'Mas tu, Meu Judas, aquilo que pretendes fazer, faze-o depressa!' Ficamos consternados com estas palavras; mas quando Judas realmente saiu, encostei-me ao Senhor, dizendo: 'Estou profundamente triste pelo fato do irmão Judas nos deixar agora! Mas uma coisa não entendo: Por que não o impediste de levar a efeito suas erradas ideias humanas?'
Respondeu o Senhor: 'João, e vós, Meus irmãos, ouvi: exatamente para não julgar o obcecado, deve ele livrar-se daquilo que se acumulou nele contra Mim! Nenhum de vós conhece tão bem como ele a Força e Glória de Deus no Homem! Ele quer que esses tesouros revertam em favor de todos os seus conterrâneos, mas apenas à sua maneira, conforme o seu entender. Por isso, não o desprezeis, não vos ofendendo com seu modo de agir! Sabei: há milhões anos ele Me pediu de poder fazer-Me um serviço especial! Mas hoje que seu desejo está para cumprir-se, ele age de maneira errada! Por isso, também na Escritura se fala dele!'
Diz Jacó: 'Senhor, se quiseres, vou procurá-lo, e tentarei fazer-lhe perceber que sua ação está errada!'
Respondeu o Senhor: 'Mesmo que fôsseis vós todos, não conseguiríeis levá-lo a voltar atrás, pois sua ambição de poder e posse o obcecou totalmente. Agora ele tornou-se um instrumento de forças inimigas! Deve-se assim cumprir a Escritura em tudo o que o Espírito de Deus prognosticou outrora pela boca dos profetas!' Então continuou o Senhor com tristeza: 'É chegada a hora em que devo Me separar de vós, Meus irmãos! Tu — João, tu — Pedro e tu — Jacó, fostes por Mim escolhidos para conhecer os mais profundos mistérios do Reino de Deus. Vós sois os pilares principais da Minha Doutrina, que devem afirmar-se pelo amor, pela fé e pela confiança em todas as situações da vida! Construí vós todos sobre estes fundamentos que estes três irmãos representam simbolicamente, e edificai-Me em espírito uma casa digna de Mim. Pois Eu vos amei e sempre vos amarei. Vou voltar e chamar-vos de novo, quando tiver terminado a Obra que deve ser concluída.'
Mas nós não pudemos compreender as Palavras do Senhor. Ficamos ainda uma hora em profundo silêncio com Ele; ninguém ousava falar. Encontrávamo-nos sob uma desconhecida pressão psíquica e nos assustamos quando o Senhor disse: 'Vamos agora! É chegada a hora em que o Filho do Homem deve glorificar a Vida Divina Nele!'
Então disse o irmão Felipe: 'Senhor e Mestre! Fica conosco! Teu Espírito Paterno sem dúvida mostrará um outro caminho que não exija tão grandes sacrifícios! E pois, Senhor, não Te são possíveis todas as coisas? Um sopro, e Teus inimigos desaparecerão! Quantas vezes mostraste Teu Poder, Tua Força e Glória! — Faze-o também hoje!'
`Meus irmãos!', respondeu o Senhor, 'aperta-se-Me o coração ao ver que justamente vós, que escolhi como testemunhas da Minha grande tarefa que devo e quero resolver, a compreendeis tão pouco. Sabei que o sacrifício que estou decidido a fazer é o último ato de obediência que o Filho do Homem deve a Deus! Só assim será possível abrir um caminho para todos que aspiram à redenção da matéria e à dignidade de um filho de Deus. Por isso, não Me impeçais! O desejo de tornar-Me UM com a Vontade de Deus não pode admitir qualquer hesitação!'
Saindo da cidade, cruzamos o ribeiro Cedron, e no jardim chamado Getsêmane consumou-se a última e mais difícil luta do Mestre, para a qual também não tínhamos uma justa compreensão!"
Ursus então se levantou e disse, à sua maneira tipicamente romana: "Perdoai-me, queridos irmãos e irmãs, se interrompo e te pergunto, irmão João: Será que nenhum de vós teve a coragem de dizer: 'Senhor, já que queres fazer um sacrifício, também eu quero fazê-lo e morrer ao Teu lado! Se em dias felizes presenciamos o Teu Amor, Teu Poder e Tua Glória, se sempre estávamos ao Teu lado como Tuas testemunhas, tornamo-nos inseparáveis, e também a morte não poderá nos separar!' Não penses, querido irmão João, que quero repreender-vos! Mas, como um fiel servidor pode abandonar seu patrão na hora do perigo e da áspera luta? O Senhor me doou poucos minutos, mas esta dádiva de Graça é para mim tão grande e importante que, sem pestanejar, morreria por Ele”.
Tranquilamente, respondeu-lhe João: "Irmão Ursus, compreendo-te perfeitamente, e teu entusiasmo é a expressão do teu Amor! Mas o Senhor não quis que estivéssemos em perigo! Quando o irmão Pedro feriu com a espada um soldado, Ele curou logo a ferida e mandou-nos guardar a espada. O grande sacrifício teve de ser feito por Ele sozinho! Vê, agora que tudo passou, sabemos porque tomou em consideração a nossa segurança! Porque quer ainda dotar-nos da Força do Alto e fazer-nos mensageiros de Sua grande e poderosa Obra de Salvação!"
João se calou, e todos os outros também. Disse então a Mãe Maria: "Irmão Lázaro! Já é muito tarde; será melhor que as mulheres se retirem para seus aposentos e descansem. Também tenho ainda várias coisas para falar com a minha protegida, pois talvez demore semanas até eu poder revê-la".
"Tens razão, Maria", replicou Lázaro, "também nossos hóspedes precisarão descansar! E vós, queridos irmãos, ao ouvirdes o sinal para o desjejum, levantai-vos dos vossos leitos! E Tu, Senhor Jesus, fortalece nosso amor e nossa vontade e dá-nos a Tua Benção.”
“Amém”, responderam os outros. Todos então foram-se embora, e Lázaro conduziu seus hóspedes a seus respectivos quartos, abençoando-os ao despedir-se.
Maria disse a Ruth: "Vem, minha filha, descansarás no meu quarto. Sem dúvida, queres desabafar ainda sobre muitos assuntos; considera-me tua mãe e tua irmã."
Respondeu Ruth: "Quanto ansiará minha mãe pelo nosso relato! É a primeira noite que passo longe da casa paterna, mas quão valioso foi o dia de hoje com todas as suas vivências! Como sou feliz de ter participado de tudo isso, pois é uma vida diferente, um mundo totalmente novo que se me revelou aqui! Querida Mãe Maria, dize-me apenas isto: Se vós tendes tamanho Amor e necessidade de ajudar outras pessoas infelizes, quão grande deve ter sido, então, o Amor de Jesus, que aceitou a morte por outros?"
Cheia de amor, explicou Maria: "Minha filha, para esse Amor, o mundo ainda não tem nome! O Louvor de todas as línguas não seria suficiente! Olha para cima, para a abóbada celeste! Estrelas e mais estrelas! Luz e mais luz! Mas só enxergamos uma fração da Criação, que deve sua existência ao Senhor e Criador! Assim como a boca humana a não é capaz de exprimir todo o esplendor e a grandiosidade da Criação, ninguém pode descrever o Amor do Senhor e Mestre para com a humanidade! Mas, minha filha, se percebes esse Amor no teu coração, poderás também viver o que milhares presenciaram. Amanhã, quando partires, ampara-te na palavra: 'Seu Amor foi vitorioso!', e também tu serás vitoriosa nesse verdadeiro Amor. Agora descansa, pois o Amor vigia também o teu sono! E assim como eu te amo pelo Seu Amor, pratica-o tu também! Então o amor te pertencerá, e a paz e a alegria serão tua recompensa. Dorme agora em paz, minha filha — O Amor de Deus está vigiando!"
"Querida Mãe Maria", disse Ruth, "muito te agradeço por estas palavras cheias de Amor! Muitas vezes terei saudade das horas que vivi aqui. Oxalá pudessem meus pais, sobretudo o pai, compreender o espírito que reina em Betânia. Poderias também perdoar o meu pai, como perdoaste o meu irmão? Será difícil convencê-lo do perdão do vosso amor! Mas se já sei de antemão que não guardais rancor de ninguém, posso apresentar-me mais decidida e segura, dispondo de uma arma sagrada na mão! Pois não duvido que a luta será longa e difícil! Abençoa-me, querida Mãe Maria, já que estou decidida a aceitar essa luta! E não descansarei até que meu pai também se dê conta de que por sua vida inteira o seu matrimônio e a nossa infância foram uma vida arruinada. Agora que conheci Betânia, a casa onde habitam o amor e a paz, sei qual será o objetivo de minha luta! Não sei; estou compenetrada de uma vontade, de uma força jubilosa que não é da minha natureza!"
"Vês, minha filha, como a vida é cheia de mudanças", disse Maria. "Primeiro foi a dor, depois a felicidade que te fizeram chorar; agora já estás repleta com o Espírito do Senhor que quer tornar todos livres e alegres! Eis a resposta do Senhor e Mestre Jesus em teu coração! Regozija-te, pois também tu foste escolhida."
Então chegaram as duas irmãs Maria e Marta, para verem como está a jovem moça. Encontrando-a radiosa de felicidade, Marta disse: "Irmãzinha, volta muito em breve, pois teremos saudade de ti! Tua felicidade é também a nossa, mas também a tua dor será a nossa dor. Sabemos que conseguirás convencer teus pais de que aqui, conosco, cada um pode gozar sua vida com justa alegria! Temos ainda espaço para muitos em Betânia! Agora, querida Ruth, vamos nos despedir; pois amanhã pela manhã muito trabalho nos espera. Eis o nosso desejo final: volta muito em breve, nós vos esperamos! Se precisares de ajuda ou de consôlo, manda um mensageiro; com prazer daremos o que precisares, ou — se puderes — vem tu mesma!"
"Boas irmãs", disse Ruth comovida, "vosso amor é como o perfume de muitas belas rosas. Aqui, fica-se cada vez mais compenetrada da máxima beleza e encanto!" — A se beijarem, as jovens choraram de alegria e felicidade por se terem conhecido pelo Amor do Mestre!
Então a Mãe Maria disse: "Agora, filhinhas, vamos repousar! O dia teve seus pesos e fadigas, e como recompensa nos presenteou com nossa irmã Ruth. O dia de amanhã trará novas fadigas que exigirão força. Sede abençoadas no Espírito de Jesus, e que o Amor vos guarde até o despertar!"
Mais um aperto de mão, e Ruth estava sozinha com a Mãe Maria. "Agora, filha, aceita ainda o meu beijo! E lembra-te muitas vezes desta hora que te deve ser sagrada agora e sempre! Quando passares por dificuldades e não souberes mais por onde andar, lembra-te desta hora! No Seu Amor cheio de Misericórdia, o Senhor e Mestre me deu tesouros infinitos, de maneira que posso sempre e em qualquer momento distribuir à minha vontade do tesouro do Seu Amor! Lembra-te que tu também és agora agraciada para servir como distribuidora das Graças Divinas. Não desiludas teu Senhor e Deus, teu Salvador e Redentor! Permanece filial, sê sempre piedosa e pura! Então, meu Jesus será também teu Deus e Pai! Repousa em paz, e que Sua Paz te pertença! Dorme tranquilamente, pois o Amor vigia! Amém!"
Assim terminou este dia em Betânia!
CADERNO NÚMERO 13
Ascensão
I. Uma manhã em Betânia
"A quem madruga, Deus ajuda" — conforme esse dito, a vida em Betânia prosseguia. Mal o Sol, a mãe do dia que cuida de tudo, difundia sua plena luz sobre Betânia, muitas mãos se moviam na grande empresa. Os hóspedes foram avisados de ir para o desjejum na grande sala de estar somente depois do toque da campainha, pois antes Lázaro dava a sua volta por todos os estábulos, depósitos e armazéns; não para controlar, mas para preparar-se para suas obrigações no novo dia.
Teófilo estava acordado há muito tempo. De joelhos diante do seu leito, rezou fervorosamente: "Oh Deus e Senhor! Amor de Eterna Misericórdia! Com este dia começa para mim uma nova vida, uma vida de amor no Teu serviço! Vês meu coração e sabes quanto ele está vazio dos bens que colocaste em mim desde o meu primeiro sopro. Nada posso dar-Te em sinal de gratidão pela graça recebida aqui dos Teus eleitos; mas, mesmo sendo pobre, estou cheio de boa vontade de me tornar digno da Tua Graça! Por isso, fortalece minha vontade e dá-me forças para um bom êxito!"— A campainha para o desjejum o desviou da sua prece; ao levantar-se, disse ainda: "Ó Deus, certamente não exigirás de mim mais do que me é possível!" — Então foi para a sala de estar, onde João e Ursus conversavam animadamente.
Cordialmente, João recebeu Teófilo, dizendo: "Meu irmão, alegra-te! O Amor Eterno já te contemplou com trabalho junto a nós! Por isso, regozija-te, assim como todos nós!"
"Te agradeço, querido irmão", respondeu Teófilo sério, "tuas palavras me dão força e vida; estou sentindo o vosso amor! Mas quanto mais reconheço vossa solicitude cheia de amor para mim, mais me sinto pobre e indigno!"
João olhou-o com simpatia, mas logo o admoestou: "Não te deixes influenciar por pensamentos que não nascem do amor! Aqui ninguém exigirá mais do que alguém é capaz de dar."
Em seguida, disse Ursus a Teófilo: "Meu querido amigo e irmão no Senhor! Não há dúvida que o mais belo e magnífico estímulo consiste no amor puro que vem ao teu encontro, convidando-te a te alegrares sempre! Se não soubesse que o Espírito de toda vida é mais estimulado na justa alegria, me calaria, saudando-te apenas com um aperto de mão! Sinto-me feliz de conhecer-te como um irmão que em sua noite espiritual agarrou a Mão de Jesus, rica em Misericórdia e Salvação! Sei agora que foste aceito por Jesus assim como eu!"
Chegaram também os outros hóspedes, saudando-se cordialmente. Quando Maria entrou na sala com Ruth, um brilho estava em todos os olhos. Maria disse: "Saúdo-vos, a todos, com alegria! Meu coração está feliz, pois onde quer que meu olhar se dirija, vejo o amor em ação! Onde quer que eu escute, ouço o som da Eterna Pátria que nos une a todos de maneira íntima e sólida, que nos familiariza com as emoções da alma que nascem do amor."
Ruth não conteve o choro diante de toda esta alegria. Maria apertou a jovem ao seu peito e disse cheia de compaixão: "Em ti muita coisa deve ser reparada, pois em tua vida tiveste poucos dias felizes."
Por fim, chegou Lázaro com Demétrius. Após breves e cordiais palavras de saudação, o desjejum foi tomado em silêncio; constava de leite, pão e mel. Todos, sobretudo Ursus e Teófilo, meditaram ainda por longo tempo sobre as palavras de bênção ditas por Lázaro: "Senhor Jesus, que estás presente no Espírito do Teu Amor, abençoa-nos e à nossa refeição, e permite que, em consequência disso, amadureçam em nós a força e a firme vontade!" Ursus estava feliz em vista da vida interior que se manifestava luminosa em Betânia, mas Teófilo tornou-se pusilânime em seu íntimo, perguntando-se se tal alegria de viver poderia também nele revelar-se um dia?
"Vamos agradecer agora!" disse Lázaro, "pois a boca fala do que está cheio o coração!" (Matheus 12, 34) Levantou-se João e disse: "Meus irmãos e vós, irmãs! O Amor Eterno nos abençoou de novo, dando-nos o que necessitamos para fortalecer o nosso corpo. Queremos também agradecer-Te, óh Pai solícito e fiel, de podermos estar novamente ao Teu serviço, fazendo uso das abundantes dádivas do Teu Amor Paternal! Dá-nos a justa Luz para cumprirmos com Teu Amor todas as tarefas que nos aguardam! Tua Santa Paz em nós seja nosso vigor e força! Amém!"
"Amém!", disseram todos. Lázaro então levantou-se e disse: "Meus caros, o Amor manifestou-se para nossa alegria! Alegremo-nos também por este magnífico e eterno Amor pelas nossas atividades! Assim, peço que tu, Ursus, cavalgues com alguns de teus homens a Jerusalém, para levar Ruth à sua mãe que a espera ansiosamente; pois não podemos deixá-la angustiada por mais tempo. Teófilo, tu e João, ficai juntos o dia de hoje, para que teu animo seja ainda purificado de várias raízes e fibras de teus conceitos habituais. Demétrius e eu inspecionaremos o terreno desde o Monte das Oliveiras, tendo assim melhor oportunidade de nos conhecermos um ao outro."
Grato, Ursus estendeu sua mão a Lázaro e disse satisfeito: "Este teu encargo, irmão Lázaro, tirou-me qualquer dúvida sobre a Presença de Jesus aqui! Vê, em meu coração já se tinha formado o desejo de ajudar a irmã de Teófilo na sua volta à casa; um sussurro me disse então: 'Tem fé, pois Eu estou aqui e provocarei o que é justo!' Ir a Jerusalém me causa agora uma alegria especial, pois sei que o Amor Eterno precisa de auxiliares, de servidores fiéis, e eu posso ser útil a este Amor!"
"Perfeitamente, meu Ursus", replicou Lázaro. "Sem dúvida é bom receber da Mão do Eterno Amor um encargo e de executá-lo fielmente! Melhor ainda é — assim como tu o fizeste inconscientemente — procurar em si mesmo uma atividade que seja útil ao próximo! Vê, em termos terrestres, nosso relacionamento para com Deus é semelhante a Pai e filho! O Amor do nosso grande Pai é o mesmo para todos os Seus filhos! Mas o amor dos filhos a seu Pai nem sempre é igual. Em todos vive certamente o pensamento: Devemos servir nosso Pai! Mas o verdadeiro amor filial procura sempre novos meios e caminhos de mostrar-se grato a este Pai por livres ações de amor!"
Ursus respondeu pensativo: "Tuas palavras acenderam em mim uma grande luz da verdade! Esforçar-me-ei, pois, com maior consciência ainda, por mostrar ao Pai minha gratidão e meu amor filial por meio de livres ações de amor ao próximo!" E dirigindo-se a Demétrius, disse: "Agora, meu querido patrão e irmão, deixa-me tomar as minhas disposições para esta viagem a Jerusalém, que certamente é do teu agrado." E rapidamente saiu do quarto.
"Irmão Teófilo, agora é tua vez de mostrar o que o amor consegue!" disse Lázaro amavelmente. "Tenta tornar fácil a despedida da tua querida irmã, pois o coração dela te pertence! Recompensa-a com teu amor pelo sacrifício que ela te fez ontem!" E dirigindo-se aos outros: "Despeçamo-nos também nós da nossa querida irmãzinha que por enquanto deve ser levada de volta à sua casa paterna. Manda saudações de Betânia para tua mãezinha e dize-lhe: “Ela vos espera!" Com um cordial aperto de mão e um profundo olhar em seus olhos cheios de lágrimas, Lázaro se despediu da moça; também os outros se despediram, e Teófilo e Ruth ficaram sozinhos.
"Ruben, por que devo ir-me embora daqui? Por que não posso ficar por mais tempo?" foi a pergunta triste de Ruth. "Nunca mais poderei me sentir à vontade em casa! Parece-me que nossa pátria é aqui, e lá em Jerusalém a casa é estrangeira."
"Minha Ruth", respondeu o irmão suavemente, "quantas vezes já nos separamos e não sentimos nada na ocasião! Mas agora que vimos a alegria daqueles que reconheceram no amor o verdadeiro valor de todo convívio, avaliamos nossa vida até agora de maneira diferente. A vida aqui é, sem dúvida, o contrário daquela em nossa casa. Quando, porém, formos preenchidos de força igual pelo Espírito do Amor, também nossa casa paterna tornar-se-á um lugar de semelhante paz. Eu fico aqui para aprender, para fazer a introspecção e amadurecer para a Obra de Jesus! Tu também podes voltar muitas vezes e talvez possas convencer o pai sobre aquilo que até agora descuidou! Pois reconheço cada vez mais que nossa vida não era vida verdadeira, e tenho o urgente desejo de torná-la mais cheia de luz! Mas para isso, preciso do teu apoio! Enquanto sei que estás desanimada, que te falta a paz que torna felizes os homens em Betânia, sofro contigo, e minha luta torna-se mais difícil. Mas quando tiver vencido, então, querida Ruth, minha vida será dedicada em primeiro lugar a vossa paz!"
Ursus veio ao quarto e disse: "Irmão no Senhor! Tudo está pronto para reconduzir tua irmã à casa paterna. Tens ainda um recado para teu pai, caso o encontre?"
"Sim, meu querido Ursus", respondeu Teófilo sério, "dize-lhe que o Amor misericordioso de Deus me abriu os olhos e fez de mim novamente um homem com esperança. Jamais voltarei ao Templo! É minha firme vontade de servir antes como simples operário, do que ser um cego instrumento do Templo! Lázaro me ofereceu não apenas sua mão, mas também seu amor; assim, espero tornar-me, com a ajuda de Deus, um homem alegre, bom e útil! E dize-lhe ainda que não é tarde demais para ele também mudar de vida!"
"Caro Teófilo, com prazer satisfarei teu desejo", disse Ursus, "juntando ainda uma palavra da minha parte. Pois não posso esquecer tantas coisas que os templários fizeram, e serei feliz se puder agir entre eles no Espírito de Jesus!"
No pátio, cinco cavaleiros e uma carruagem para Ruth já estavam prontos. Com dificuldade, um servo segurou o cavalo impulsivo de Ursus; apareceram também alguns moradores para a despedida. "Ruben", perguntou Ruth baixinho, "por que as pessoas são tão boas aqui? Faço-me constantemente esta pergunta e nunca mais poderei esquece-lo!"
Para a despedida, a Mãe Maria pegou a mão da jovem Ruth e disse: "Sobe tranquilamente a carruagem! O Amor de Jesus te acompanhe até os braços de tua mãe! Não te esqueceremos e aguardaremos ansiosamente a hora em que teus pais serão conduzidos para Betânia pelas mãos do puro amor filial. Lembra-te sempre de tudo o que pude dizer-te ontem, e não esqueças o mais bonito: Que Jesus, o melhor amigo cheio de Amor, também te ama muito! Então, serás forte e invencível! A Bênção do Senhor seja contigo!" Também os outros se despediram e, com um sinal de Ursus, a carruagem deixou o pátio.
Por muito tempo e com seriedade Teófilo seguiu com os olhos o grupo, até que João o animou, dizendo: "Irmão, não sonhes, mas mantém sempre despertos os olhos e a mente! Pois já te inteiraste de que — querendo dar um novo sentido à vida — é preciso desfazer-se do passado! Com a despedida de tua irmã, a última pedra de teus antigos conceitos começa a se soltar! Não a segures, mas dirige teu olhar para o futuro e ao Senhor! Então vencerás com facilidade todos os obstáculos que ainda existem em ti! Lembra-te também que ninguém poderá aspirar a perfeição sem lutar! Também Jesus teve que esforçar-Se, muitas vezes duramente! Mas agora que venceu tudo o que havia de humano Nele, Ele é o Senhor e nós reconhecemos Nele o vencedor! Eis por que sempre que temos que lutar contra o mundo recordamo-nos de Suas Palavras: 'Não temais, pois a nova vida que ganhareis de Mim depois da luta é livre de perigos, mas dá força e proporciona uma consciência claríssima!’ Também tu, querido Teófilo, provarás em ti esta Sua Vida! Vem, pois, como futuro morador da casa de Lázaro, e eu te mostrarei hoje toda a propriedade. É preciso que saibas onde estás em casa; muitas vezes há perigos sutis da parte dos templários, mas eles não têm mais coragem de vir até aqui!"
II. A volta para a casa paterna
Admirada, Ruth olhou para o belíssimo cavalo e o forte romano que cavalgava em silêncio ao lado da sua carruagem; mas quando dois homens em roupas gregas olharam, na passagem, bem no fundo da carruagem, Ursus lhe perguntou: "Conheces estes dois homens? Sua curiosidade me parece muito estranha. Creio tratar-se de templários disfarçados."
"Não os conheço", respondeu Ruth, "éramos rigorosamente guardados em casa e dificilmente travávamos conhecimento com alguém." "Deus queira que tudo agora seja diferente, querida irmã", consolou Ursus, "pois também para teu pai há um Mestre, que é Jesus e que é amigo de todos nós!"
A viagem avançava rapidamente. Ao chegar à Porta de Estêvão, Ruth pediu para descer, preferindo ir a pé até a casa paterna. Ursus mandou a carruagem voltar a Betânia e, andando a passo com seu cavalo, com seus homens seguiu Ruth, que corria adiante. Muitas perguntas o moviam: ‘O pai será ainda hostil a Jesus? — Como estará passando a mãe enferma? — Poderei levar-lhes uma notícia boa?’
Diante de uma grande casa, Ruth parou e disse a Ursus: "Aqui é meu lar! Por favor, vem comigo ao meu pai, pois tenho o pressentimento de que ele precisa de nós!" Ruth tocou o batente e em seguida a empregada a saudou com júbilo. Ursus, entrementes, passou seu cavalo ao seu subalterno com a instrução de procurar um alojamento, informando-o, porém, logo em seguida.
Cheia de alegria, a empregada precipitou-se ao quarto: "Ruth chegou! Ruth chegou!" A mãe queria levantar-se de seu leito, mas estava fraca demais. Eis que Ruth, seguida por Ursus, entrou querendo saudar alegremente a seus pais; mas avistando os dois sacerdotes Hosea e Joab, Ruth, presa de susto, nem conseguiu proferir palavra.
Ursus então lhe disse: "Saúda tranquilamente teus pais e não tenhas medo; pois Jesus me encarregou de proteger-te!"— E com uma inclinação da cabeça saudou os presentes. — Ruth foi para sua mãe, abraçando-a impetuosamente.
Hosea olhou para Ursus com desdém e disse: "Que quer dizer: Jesus me encarregou de proteger-te? Se ainda não sabes, te digo: encontras-te numa casa judia que nada quer saber de Jesus!"
"És tu o dono da casa e pai de Ruth?", perguntou Ursus admirado. "Neste caso, vou executar minha missão. Caso contrário, não te compete dirigir-me a palavra."
Antes de Hosea poder responder, Enos acercou-se de Ursus e disse: "Eu sou o pai de Ruth! E quem és tu?"
"Meu nome é Ursus", respondeu este. "Sou o filho do comerciante romano Demétrius, atualmente hóspede do grande filantropo Lázaro de Betânia. A pedido expresso do nosso amigo Lázaro, vim com vários soldados trazer de volta tua filha, bem protegida e incólume, e espero poder ainda tratar contigo e tua mulher algo importante."
"Nada há para ser tratado", interrompeu Hosea, "pois nós somos sacerdotes e donos da casa."
Ao que Ursus respondeu asperamente: "Não me interessa com que direito tu te fazes dono desta casa! Mas queria saber com que direito queres proibir-me de falar com o pai de Ruth! Pois estou habituado a ver as coisas sem rodeios."
"Com o direito dado por Jehovah!, respondeu Hosea desafiando, "pois somos Seus servidores e sacerdotes."
Ursus respondeu-lhe secamente: "Não tenho nada que ver com Jehovah e Seus servidores, portanto nem com vocês! Mas como hóspede nesta casa, não quero ser motivo de discórdia! Por isso, vou embora, voltando mais tarde."
Ruth então implorou: "Óh Ursus, fica aqui por minha causa e de meus pais! Estes sacerdotes fingem apenas ser amigos, mas em verdade são nossos inimigos." "Cala-te", ordenou Hosea, "até seres convidada a falar e cuida da tua mãe que ontem abandonaste sem motivo importante, infiel que és!"
Aflita, Ruth ia dar uma resposta quando Ursus, fazendo-a vir ao seu lado, a consolou: "Não te importes com estes homens! Confia em Jesus e em mim!" E voltando-se para Hosea, disse imponente: "É esta a maneira de um servo de Deus executar — como hóspede na casa de um colega sacerdote — tão brutalmente o direito de dono da casa? Sempre pensei que sacerdotes deveriam também ser educadores! Mas aqui encontro um sacerdote sem a mínima educação."
Cada vez mais excitado, Hosea gritou: "Que te importa a minha maneira de ser, sendo apenas estrangeiro aqui, referindo-te até ao detestado Nazareno!"
"Basta! Nenhuma palavra a mais neste tom!", disse Ursus com rigor. "Pois Jesus é meu melhor amigo e desfruta da minha maior estima! Se falares mais uma vez Dele de maneira tão ultrajante, eu me considerarei ofendido e te pedirei satisfações! Espero que não duvides de minhas palavras, pois sou romano!"
Então Joab se adiantou, querendo aplacar os ânimos: "Senhor, peço perdão por meu irmão Hosea; ele está excitado, não refletindo no que fala."
Ursus respondeu sumariamente: "Excitação não é desculpa! Um homem deve saber até onde pode ir, e é por isto que é plenamente responsável. O direito que me compete como romano, graças à minha nomeação, não exclui os deveres que estão ligados ao cargo!"
O velho Enos empalideceu quando o romano de modo vigoroso fez calar o velho sacerdote; depois cobrou ânimo e, estendendo a mão a Ursus, disse: "Parece-me que deveria agradecer-te pelos cuidados que tomaste a respeito de minha filha Ruth; mas sei também que um romano não liga importância a palavras de gratidão."
"Não vale a pena falar nisto", respondeu Ursus sério; "Para mim foi um prazer reconduzir tua filha à casa paterna. Quero também desincumbir-me de minha missão de te informar que teu filho Teófilo vai ficar em Betânia e nunca mais voltará ao Templo. Ele prefere ser um simples operário e viver em liberdade, a ser um templário e hipócrita sem vontade própria. Um único dia em Betânia bastou para mostrar-lhe quão errada foi sua vida até agora. Ele quer conseguir um novo conceito da vida, que visa a paz interna e uma existência feliz."
Enos perguntou admirado: "De certo falas de Ruben, meu filho, chamando-o porém Teófilo? Dize-lhe que minha bênção de pai o acompanha. Pois ontem tornou-se-me claro também que nossa vida até agora — apesar de passada na maior parte no Templo — não nos trouxe a justa satisfação. Há pouco quis explicar isto a meus amigos, encontrando, porém, ouvidos surdos e corações duros. Eis que já somos anciãos que não conseguiram seguir o impulso do novo tempo que se tornou bem diferente por Jesus, o Nazareno! Ele agora está morto, e o que Ele pleiteou dentro em breve talvez já pertença ao passado; mas sempre sobrevive um aguilhão, pois o que foi pecado, não pode mais ser remediado!"
"De modo nenhum!", respondeu Ursus animadamente, "esta é uma ideia errada e marcada em fogo em vossa alma! Nada está perdido e cada aguilhão pode ser removido, pois Jesus não está morto; Ele vive e age de maneira mais viva do que nunca! Eu mesmo O conheci como Ressuscitado e pude vislumbrar Seu Coração cheio de grande Amor por todos os homens! Se não fosse assim, qual seria a razão por este meu interesse Nele? Nunca tinha visto Jesus, somente ouvido falar Dele! E quando vim com a maior esperança a Cesareia para conhecer Jesus, fui informado da Sua morte trágica! Fiquei desiludido, inteiramente dilacerado e aflitíssimo. Eis que Ele Mesmo veio me ver, tornando-me livre e alegre! Ele curou muitos doentes que se encontravam no sanatório de Marcus! Mas vós, templários, gostaríeis de apresentar tudo isto como fraude; mas estes fatos têm voz mais potente do que vossas prédicas."
Hosea levantou-se e disse irritado: "Irmão Joab, vamos embora! Não podemos ouvir por mais tempo este ultraje de apresentar o Templo e seus servidores como impostores! Mas a ti, Enos, advertimos: Se tu também te tornas traidor, toda a ira de Jehovah cairá sobre ti!"
"De modo nenhum!", respondeu Ursus tranquilamente e com firmeza. O magnífico e grande Amor de Jesus ser-lhe-á manifesto assim que ele tiver a coragem de virar-vos as costas! Ide a Betânia e perguntai aos felizes! Ide a Cesareia e deixai-vos contar o imenso júbilo, a grande felicidade que se apossou deles quando o sublime Amor de Jesus, presente viva e verdadeiramente entre eles, transformou toda pena em alegria! Indicai-me uma única ação semelhante de amor do Templo, e me calarei! Mas enquanto não sois capazes disto, declaro a todo mundo: Jesus está vivo! Jesus tornou-se Vencedor também da morte!"
Transigindo, disse agora Joab: "Senhor, não podemos exigir de ti, como romano, que te cales! Mas a história de Israel apresenta mil casos onde homens a serviço de Deus comprovaram sua fidelidade a Jehovah por milagres! Nossas Sagradas Escrituras estão cheias de provas de tais mensageiros de Deus, e assim penso ser errado não mais honrar o Templo como a Sagrada Casa de Jehovah!"
"Esta justificação não convence", disse Ursus com arrojo, "pois todos os homens aos quais te referes sempre foram perseguidos pelo Templo! E foram eles que vos deram a promessa de um futuro Messias! Como se explica que não quereis reconhecer este Messias que vos procurava, querendo fazer-vos conhecer o amor? Como sois cegos e obstinados! Vede, lá está a dona da casa e mãe enferma; vós como sacerdotes e médicos sois incapazes, não podendo mitigar suas dores! Mas Jesus, o Vivo, meu Salvador, fala em meu íntimo: 'Ajuda tu com o Meu Auxílio!' Assim, quero dar-vos uma prova do Seu Amor Onipotente, que ajuda em qualquer lugar!" Com poucos passos, Ursus foi ao leito; quando colocou suavemente sua mão na cabeça da mãe, Ruth caiu de joelhos. Após uma breve, íntima prece, Ursus disse com voz forte: "Levanta-te do teu leito, pois Jesus tirou tuas dores e fraquezas! Tem fé! Acredita Nele e não duvides! Pois Ele quer ser também teu Salvador!"
Hosea já ia responder algo com escárnio, quando Miriam se levantou livre de toda fraqueza. De pé estava diante do sacerdote Hosea e disse: "Já ias escarnecer; agradece a Deus que não o fizeste. Agora, deixa-nos em paz, pois teu poder acabou aqui! E tu, Enos pai de nossos dois filhos, anima-te e reconhece a pura Verdade e o Amor de Deus!"
Enos estava sumamente admirado de sua mulher e das suas palavras; por isso, disse com dúvidas: "Calma, Miriam! Quem sabe se tua fraqueza não voltará mais tarde, proporcionando-nos nova preocupação!"
"Óh não, Enos", disse Miriam cheia de alegria, "em mim, tudo se renovou! Uma corrente de fogo percorreu o meu corpo todo, e agora sinto uma milagrosa coragem de testemunhar por Jesus! E tudo isto devo a este jovem romano! Nenhuma dúvida é mais possível: Jesus curou-me, assim como ajudou a milhares! Óh, quão feliz me sinto de poder testemunhar agora em voz alta: Jesus, o grande Salvador, ajudou também a mim!"
Hosea empalideceu sob o olhar duro do romano, mas disse a despeito disto: "Enos, quanto o Sumo Sacerdote nos amaldiçoará por termos liberado teu filho, em nossa bondade! Tolos que fomos, eis agora vossa gratidão. Em vez de reter-te conosco, devemos presenciar como tu eriges um trono ao Nazareno! Hoje ainda o Sinédrio será informado da tua atitude, e terás de arcar com as consequências!"
"Fiquem despreocupados", respondeu Enos com firmeza e seriedade, "também aqui encontrar-se-á uma solução! Mas é bom que sou avisado de antemão, e assim já podeis ser testemunhas que me coloco sob a proteção deste jovem romano que fez tão grandes favores à minha casa sem me conhecer. A ti, Ursus, venho, pois, com o pedido: não me negues teu conselho e tua ajuda!"
Comovido, Ursus estendeu a mão ao velho Enos dizendo: "Jamais alguém me pediu algo em vão; assim te garanto o meu conselho e a minha ajuda, até com risco de minha vida! Mas imponho uma condição: Não refutes mais a Doutrina do Salvador! Pois a promessa que te dei, só posso cumpri-la na confiança recíproca, no Espírito do meu Salvador Jesus."
Enos fixou longamente o jovem romano, no íntimo bastante indeciso diante dessa condição; depois, disse devagar: "Quero tentá-lo! Mas te peço paciência, pois sou uma velha árvore nodosa que dificilmente pode ser dobrada."
"É o suficiente!”, disse Ursus. "Não duvido que também tu receberás ainda a magnífica dádiva de reconhecer Jesus como o Salvador de tua alma que se perdeu! Mas para que possamos tratar do teu futuro, é necessário que afastes estes sacerdotes, ou que consigas que eles permaneçam bem intencionados para contigo."
"Partimos!", disse Hosea, altivo, a Enos, "Mas cuida de não caíres nas mãos do Templo! Pois para traidores não há perdão!"
Ursus então respondeu com rigor: "Isso não acontecerá enquanto esta casa se encontra sob proteção romana! Seria sem dúvida vantajoso para vós, se examinásseis verdadeira e seriamente vossa sombria atitude quanto a Jesus crucificado por vós, mas agora ressuscitado! Pode-se ocultar a verdade sobre Jesus por algum tempo, mas jamais para sempre! Como podeis justificar-vos, como pretensos defensores da Verdade Divina, diante de tantas provas da Vida Nova do Ressuscitado? Não são ainda suficientes todas as maldades e mentiras? Não basta que o povo todo tenha sido lançado em grandes dúvidas? Daqui a pouco a Missão do Nazareno estará concluída, e vereis como a Verdade sobre Jesus, qual Sol nascente, fará dissolverem-se todas as mentiras na Luz da Verdade!"
"Senhor", respondeu Hosea pensativo, "a ti como estrangeiro, baseado no poder do Imperador, é fácil exigir como um juiz: ‘Acredita nisso e faze aquilo!’ Mas se fosses, como nós, um judeu, eu te diria: Esqueceste que é ao Templo que somos comprometidos para a vida e para a morte? Desde minha infância fui interno do Templo, e até hoje minha vontade foi aquela que o Templo exigia! Agora vem este Nazareno e traz uma Doutrina totalmente nova, profana o sábado e pretende ter existido antes de Abraão! E nós, como guardiões da Casa de Jehovah, deveríamos aprovar isso? Óh senhor, respeito tua crença, mas também nossa fé merece ser honrada e respeitada!"
"Bem", disse Ursus mais afável, "se tuas palavras fossem sinceras, poderíamos continuar discutindo. Mas tuas palavras vieram do intelecto, querendo esconder vosso ódio. Em verdade, vossa fé é algo sagrado também para mim e nenhum de nós tentará derrubar vossos ensinamentos divinos! Mas vosso caráter, a maneira como agis com aqueles que, como eu, têm fé na magnífica mensagem de uma nova Vida de Amor, é profundamente desprezível! Pois vossa intenção não visa entendimento, mas destruição! Se nós pagássemos na mesma moeda, em verdade te digo, o Templo já não existiria mais! Não me digais: ‘Desde tempos imemoriais, o Templo é a Casa do nosso Deus’. Cada forasteiro pode confirmar que vosso Templo e toda sua organização são apenas uma fonte de riqueza para vossos interesses. Vós templários só conheceis o Nome de Jehovah; todo o resto é obra humana! Em vez de agradecer a Deus que Ele veio a vós no Messias Jesus, revelando-se como Aquele que ama Seu povo e que queria mostrar-vos os mais grandiosos e sagrados bens de Sua Vida, vós crucificastes vosso Deus no Homem-Jesus! Vede agora como vos arranjais com a vossa consciência! Podeis informar o Sinédrio como nós romanos e pagãos pensamos de vós! Pois o homem que deve ser respeitado e ser digno de fé deve ser sincero! Vós não o sois!"
Neste momento a empregada, diante de um aceno de Ursus, fez entrar um soldado que se manteve quieto. Os dois sacerdotes decidiram retirar-se; altivos, partiram sem saudação.
Então a mãe veio a Ursus, agradecendo-lhe a cura; mas Ursus disse: "Agradeçamos ao Senhor, reconhecendo alegremente que somente Ele pode nos ajudar!" Ruth ia dizer algo, mas sua profunda alegria pela conversão do pai fê-la emudecer. Enos também ficou quieto, já que se sentia muito oprimido. O soldado informou a Ursus a execução de sua ordem, e a mãe mandou trazer para todos um refresco. Enos não quis tomar nada, desculpando-se: "Tudo isso é demais deprimente para mim! Agora, no fim de meus dias, devo reconhecer que todo o meu zelo foi em vão! Não deveria desprezar a mim mesmo por ter tomado — durante uma vida inteira — partido de algo que agora me traz tamanha mágoa? Existem sim, possibilidades de libertar-se do Templo, mas o Conselho templário considera minha demissão como traição nos assuntos divinos, tendo o direito de punir-me assim como tratou meu filho, de maneira tão angustiante!"
"Querido velho Enos", disse Ursus conciliando, "não te preocupes, pois hás de chegar a um acordo com o Único que pode ajudar, com Jesus, o Vivo e Verdadeiro! Deves colocar toda tua vida em Suas Mãos; então, todo o resto ficará em ordem automaticamente! O que hoje te parece tão turvo e escuro, aclarar-se-á! Pois eu te digo: Se Deus, o grande filantropo, não te tivesse estendido Sua Mão, tua mulher estaria ainda com dores em seu leito! A teu filho não teria sido aplanado seu futuro caminho da vida, e tua filha não teria ainda compreendido qual vida será melhor, aqui em vossa casa ou em Betânia! Anima-te, pois, e muda de vida! Diante de ti há uma vida nova, magnífica, mas só com Jesus!"
"Querido jovem amigo", disse Enos comovido, "teu Amor a Jesus te inspira calorosas palavras para mim; infelizmente, não posso te seguir tão rapidamente, pois em mim tudo está ainda desregrado e deserto. Considera: até há pouco, ainda era um violento adversário que incorreu em faltas que eu mesmo não posso me perdoar! Que me adianta a admirável Mensagem, se ela não pode me penetrar? De que me serve a esperança de uma vida nova, quando a antiga persiste imutável?"
"Aprende primeiro a compreender Jesus e Sua Grande Doutrina de Amor" respondeu Ursus, "então experimentarás o quanto é possível a Seu Amor de Salvador! E mesmo que o peso de tuas culpas fosse imenso, Sua Graça e Misericórdia ainda são maiores! Mas no momento urge decidir o que queres fazer e empreender? Pois o Templo não demorará a tomar suas providências! Se posso vos dar um conselho, vinde comigo a Betânia. Pois lá encontra-se o asilo de todos os que têm motivo de recear o poder do Templo."
"Não posso me decidir de ir convosco a Betânia”, objetou Enos. É verdade que costumava ir lá muitas vezes, mas infelizmente não como amigo, e sim com ódio e como adversário."
"Querido Enos", disse Ursus mansamente, "o que passou, passou! Pois é um novo Enos que vem à Betânia procurando ajuda e proteção e um novo campo de trabalho! Apesar de eu ter estado em Betânia um único dia, tenho certeza de dizer no espírito de Lázaro: "Vem conosco!" Como proteção de tua casa, deixaremos dois soldados que tua empregada terá de prover até que tu, em Betânia, ponhas em ordem teu relacionamento com o Templo. Os valores e preciosidades da casa poderás levar contigo; todo o resto resolverás com Lázaro."
Ruth correu então para o pai, implorando: "Não digas que não, querido pai! O que lá nos é oferecido é uma dádiva do Céu que eu já vivenciei vivamente, ontem e esta manhã! Nunca estive tão feliz como em Betânia! Em nenhum lugar encontrei pessoas tão boas como lá! E jamais tinha ouvido falar das harmonias celestes como entre os seus moradores! Faze ao menos uma tentativa! Se não gostares, sempre podes voltar."
"Filha!", respondeu o pai sério, "envelheci em Jerusalém e dificilmente posso separar-me daquilo a que me prendi em todos estes anos! Além disso, seria uma temeridade aceitar amor e amizade daqueles que até agora só tentei arruinar."
"Pai, querido pai", insistiu Ruth, "é melhor te separares daquilo que tornou teu coração tão duro e sem amor! O Amor de Jesus perdoou também a ti quando disse moribundo: 'Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!' Pai, aceita a mão que se estende e quer te ajudar, e pensa também em Ruben, que depois duma longa luta consigo mesmo e por amarga aflição, conseguiu encontrar a justa e verdadeira paz. Pai, amar-te-ei com todo o fervor de minha alma! Implorarei o Salvador de te ajudar, até que saiba que também estás feliz! Pensa na mãe que tem os mesmos pensamentos que eu e que já provou a ajuda do Amor salvador de Jesus! Em Betânia imploram com preces ardentes à Bondade infinita também por ti, e sua última palavra a mim soava: 'Traze quanto antes teus pais para nós; vos aguardamos!"
Enos ficou quieto! — No seu íntimo, travou uma veemente luta, até que disse com firmeza: "Então, assim seja! Não posso mais resistir à vossa súplica!"
Miriam se ajoelhou e rezou em voz alta: "Óh Bom Deus e Pai no Céu! Quão tarde venho a conhecer Tua Bondade e Misericórdia! Quão maravilhosos são todos os Teus caminhos e procedimentos! Fomos cegos e agora podemos ver! Fomos surdos e agora nos é dado ouvir! Transformaste a grande aflição, e eis minha prece de gratidão: Tiraste-nos do caminho errado e mostraste-nos as portas da Tua Cidade Celestial! Vamos pôr-nos a caminho para chegar a Ti, dando graças e cumprindo nosso dever! Pertencemos agora a Ti! Faze de nós o que Teu Amor está projetando e aceita o agradecimento que agora só posso formular em palavras, mas que no futuro quero viver! Dá Força e Bênção ao nosso empreendimento, pois nada se consegue sem a tua Bênção! Amém!" "Amém!", disseram Ruth e Ursus; mas Enos chorou.
Ursus agora determinou que o soldado traga os companheiros e uma grande carruagem, e logo começaram os preparativos para a partida em que Ursus prestou auxílio ao velho Enos. Após uma hora, chegaram os soldados com os cavalos e a carruagem em frente da casa. Eis que chegou um mensageiro do Conselho do Templo com a ordem para Enos vir imediatamente ao Templo! Enos vacilou, pois estava habituado a obedecer, mas Ursus agiu como romano. Pediu pergaminho e lápis e escreveu ao Conselho templário:
"O sacerdote Enos, por vós citado, colocou-se sob a minha — isto é, a romana — proteção! Como receio que o Alto Conselho do Templo não mostre a justa compreensão pela atitude do meu protegido, assumi o compromisso de cuidar da sua vida e seus bens, levando-o a um lugar onde ficará preservado da perseguição do Templo!"— Este documento foi entregue ao mensageiro do Templo como resposta.
Então todos ajudaram a carregar as coisas na carruagem; mas como não sobrou lugar para as três pessoas, foi necessário arranjar outra. Quando tudo estava finalmente em ordem, Ursus determinou que dois soldados ficassem para guardar a casa com a empregada. Finalmente, a feliz Ruth partiu com os pais e com o acompanhamento romano. Sem qualquer incidente, chegaram a Betânia, seu refúgio — o lugar do amor!
III. Na nova pátria
Ursus tinha mandado adiante um cavaleiro para anunciar a chegada da família a Lázaro, que nesta mensagem inesperada viu mais uma vitória visível do Amor Eterno sobre o coração endurecido de um templário! Quando o Sol já estava descendo, as carruagens entraram no grande pátio, onde os moradores se admiraram muito com a vinda a Betânia de um sacerdote judeu em companhia de romanos. O próprio Lázaro estendeu a mão ao velho Enos, ajudando-o a descer, e disse-lhe amavelmente: "Tua chegada, querido Enos, é para mim uma alegria excepcional! Que Jesus, o Senhor, me dê de Sua Força, para que nunca te arrependas de ter vindo aqui; pois quero me tornar teu verdadeiro irmão! Assim, damos a todos vós cordiais boas-vindas em Nome de Jesus!"
Enos nada conseguia responder. Lágrimas de contentamento brilhavam em seus olhos; com gratidão transbordante, apertou, mudo, as mãos de Lázaro.
Entrementes, também as mulheres foram recebidas cordialmente, e as bagagens que tinham trazido foram levadas para o interior.
A Mãe Maria conduziu Miriam e Ruth para a sala de estar e disse na entrada: "Abençoada seja vossa chegada em Betânia! Nada vos faltará aqui, e esta casa deve tornar-se vosso verdadeiro lar! Não vos considereis como forasteiros, mas como sendo da casa, pois alegramo-nos com o Senhor Jesus, que em Seu Amor e Misericórdia criou domicílios para onde todos podem refugiar-se nos futuros tempos de grande tribulação. Por isso, alegrai-vos! Só assim podeis mostrar vossa gratidão ao grande Doador de tudo que é bom e belo!"
Comovida até às lágrimas, disse Miriam: "Oh vós, queridos e bons habitantes de Betânia! A mudança em nossas vidas foi tão repentina, que me é ainda difícil acreditar nela. Nós mulheres sempre fomos condenadas a silenciar, pois os homens agiam conforme seu entendimento e o direito antigo. Mas desde que sobreveio uma mudança de ideias em meu filho, não houve mais paz em nossa casa tranquila; e se hoje o romano Ursus não tivesse tomado pessoalmente nosso destino em suas mãos, teria sido nossa completa perdição! Mas onde está meu filho? Não o vi ainda em parte alguma; meu coração tem saudade dele."
"Tem paciência, irmã, eu também não o vi desde hoje de manhã", respondeu a Mãe Maria; "ele está em companhia do Discípulo João para conhecer a nossa Betânia.
Entrementes, disse Lázaro: "Irmão Enos, tua chegada aqui te torna meu irmão! Que nenhum pensamento do passado possa turvar nossa relação futura! Sinto que teu coração está ainda perturbado, o que bem posso compreender. Com boa vontade e uma justa atividade, conseguirás remover todas as barreiras que erigiste entre nós por amor-próprio, teimosia e presunção. Vê, todos nós em Betânia construímos baseados no amor abnegado que Jesus, o Ressuscitado, colocou em nós! Escolhe também esta base e serás preenchido pela corrente de Sua Graça!"
"Lázaro! Querido homem bom, me chamas de irmão?!", perguntou Enos, profundamente comovido. "Custou-me muito seguir sem mais nem menos o jovem romano; mas não podendo mais resistir aos pedidos e à insistência de minha filha e não querendo carregar-me de maior culpa, consenti em refugiar-me junto a ti. Trouxe comigo quase todos os meus bens; são teus! Administra-os para o teu proveito, e eu me esforçarei em tornar-me também teu irmão conforme o teu conceito! Peço-te, porém, que tenhas paciência comigo, pois tudo é tão novo para mim! Mas onde está meu filho? Não o vi ainda!"
Com bondade, disse Lázaro: "Irmão, não te preocupes! Está no melhor amparo. João o acompanha, e na ceia todos estaremos de novo reunidos."
Ursus, vendo que sua presença no momento era desnecessária, procurou encontrar seu patrão Demétrius, ou João e Teófilo, pois seu coração desejava comunicar-lhes aquela alegria. De longe vieram João e Teófilo; correu ao encontro deles. Mas também Teófilo ansiava por ouvir as notícias dele e perguntou logo: "Irmão Ursus, como foste recebido? E qual foi o resultado?"
"Vinde e vede vós mesmos!", disse Ursus com alegria. "Aconteceu o que não podíamos esperar! Querido Teófilo, teus pais e Ruth já estão na casa de Lázaro!"
"Então aconteceu um milagre!", exclamou Teófilo, surpreso. "Meu pai, que odiava Betânia e já se irritava quando se falava de Lázaro? Mas parece que também ele não pôde resistir; pois Deus em Seu Amor vence qualquer adversário!"
A isso, Ursus disse: "Irmão Teófilo, queria que fosse assim como disseste! Mas vê, em vossa casa estavam presentes dois sacerdotes, inacessíveis à voz do Amor! Só por medo de nós, romanos, deixaram finalmente a casa! Mas logo mais ouvireis todos os pormenores!"
Pensativos, os três olharam atrás para Jerusalém e avistaram um grupo de homens que dirigiam seus passos para Betânia. "São os nossos Irmãos"(*), disse João. "Hoje conhecereis todos eles. Só um não está mais entre nós", acrescentou baixo.
(*) "Irmãos e Discípulos" com "I" ou "D" maiúsculos: refere-se aos 11 discípulos (apóstolos); "irmãos e discípulos" com "i" ou "d" minúsculos: refere-se a todas as pessoas presentes que seguiram a Jesus.
O Sol iluminou o firmamento com esplendor dourado, beijando, como para despedir-se, mais uma vez a Terra; então Ursus, dando expressão aos seus sentimentos profundos, exclamou: "Óh Terra, como és bela; mas apesar de ser nossa pátria, não podes nos dar a verdadeira paz! Um pôr-do-sol destes sempre me enche de saudade, fazendo-me reviver lembranças do passado e suas vivências, das quais, porém, me falta toda certeza. Mas em breve virá a noite, fazendo desaparecer de novo estas imagens duma feliz infância."
"Vamos ao encontro dos Irmãos?", perguntou João. "O sinal para ceia não foi ainda dado, e nossa presença em casa não é indispensável!"
Assim, os três foram ao encontro dos Irmãos. Todos tinham chegado, mas a profunda seriedade em seus rostos desconcertou Ursus; por isso, perguntou a João: "Será que estes Irmãos passaram por decepções, pois não noto neles nenhuma disposição alegre; ou é-lhes vedado ser alegres e felizes? Quanto a mim, queria abraçar, de felicidade toda a Terra; mas estes têm aparência como se tudo lhes tivesse sido tirado!"
"Enganas-te, irmão Ursus!", disse João, "a alegria deles vive no seu interior! E sua atitude muda nos é o testemunho eloquente que estão se ocupando com sua vida íntima, o que todos nós deveríamos praticar continuamente! Além disso, seu espírito desperto os faz logo perceber vossa natureza íntima e acho que te lembrarás com prazer das horas que hoje vamos passar com eles! Mas escuta, o sinal para a refeição comum foi dado!"
Perguntou ainda Teófilo: "Irmão João, os Irmãos nem perguntam quem somos? Mas Ursus e eu somos estranhos para eles!" "Não, irmão, não estranhos," respondeu João; "pois sabemos que todos os homens são nossos amigos e irmãos! Todos são amados por nosso magnífico Mestre, e nós deveríamos, em todas as coisas, fazer o mesmo! O Mestre via tudo com os olhos do Amor, e tu, fazendo o mesmo, não perguntarás mais: `És, sim ou não, um irmão para mim?' Vê, uma das Suas últimas Palavras foi: 'Um Novo Mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei!’ Só nesse sentido também poderás procurar solucionar as tuas tarefas!"
IV. Era necessário que Jesus Se despedisse visivelmente?
Chegando à casa, entraram, juntamente com os Discípulos, na grande sala iluminada. Em silêncio, trocaram um aperto de mão com Lázaro e se sentaram. Teófilo pôde também cumprimentar seu pai apenas com um expressivo aperto de mão, e a mãe e a irmã com um feliz brilho nos olhos, mas agradecendo ardentemente a Deus em seu coração!
Lázaro abençoou os convivas, em seguida a comida, e disse: "Em Nome de Jesus, sede todos cordialmente bem-vindos! É Seu ardente desejo que nestas horas da noite nos sintamos intimamente unidos a Ele! Com coração alegre, demos, pois, graças a Ele, confessando: Senhor, quão sabiamente conduziste tudo! Fizeste chegar a nós novos irmãos e irmãs e sem cessar preparas novas delícias aos nossos corações com Teu Amor. Por isso, toda nossa gratidão e todo amor a Ti! Tua Santa Paz seja conosco! Amém!"
"Amém!", disseram também os outros, servindo-se com pão e mel, carne fria e doces frutos, e bebendo saboroso vinho. Miriam estava sentada ao lado da Mãe Maria, e Ruth junto a Maria Madalena. Lázaro estava sentado entre Demétrius e Enos, alegrando-se que o velho sacerdote já perdera um pouco do seu acanhamento. A sua pergunta quem eram os homens que haviam chegado, Lázaro explicou: "São os Discípulos que acompanhavam o Senhor a cada passo e que têm a missão de levar a Obra e a Doutrina do Senhor para todos os lugares habitados." "Então muito tenho que remediar também com eles! Pois muitas maldições proferi também contra eles!", confessou Enos com sinceridade.
Lázaro respondeu: "Não te preocupes por isso! Vossa maldição espatifou-se no Amor e na Paciência do Mestre, mas ricocheteou sobre vós mesmos! Não deves, pois, remediar naqueles, mas em ti e nos teus, pois todo desejo, toda bênção, assim como todo pensamento de ódio ou maldição, sempre exerce sua força e vigor de maneira retroativa. Alegra-te, pois, que agora é teu amor que pode agir! Somente então perceberás o que Deus preparou para aqueles que são ativos no Seu sentido!"
Demétrius também interessou-se pelos novos Irmãos, igualmente estranhando sua atitude séria; por isso, perguntou a Lázaro: "Por que os Irmãos recém-chegados aparentam tanta seriedade? Quem vem a Betânia deve alegrar-se e superar tudo o que pesa nele!"
Lázaro o informou: "A alegria deles está em seu íntimo! Vê, irmão! Nos três anos de aprendizagem, quando eram Seus Discípulos, a nova vida espiritual desenvolveu-se em seu íntimo pela constante solicitude e o Amor do Mestre! Mas a partir de agora devem viver e agir pela Força de Deus que Se manifestou a todos nós como o Ressuscitado! Por isso, sua extraordinária alegria interior por serem Seus eleitos! Mas também sua santa seriedade de preparar-se para essa alta missão! De suas bocas ouviremos ainda palavras profundas!"
Depois do término da refeição e a limpeza das mesas, Pedro pediu a Lázaro a permissão de falar a todos, o que lhe foi consentido com alegria. Levantou-se e começou: “A Graça de Deus e a Paz de Nosso Senhor Jesus sejam convosco! Queridos irmãos, foi da Vontade do Senhor que juntos fôssemos à Betânia! No espírito de íntima união com Ele, deveríamos ser introduzidos junto a ti, irmão Lázaro, ainda mais profundamente, na Obra do Seu grande e sagrado Amor, para redimir a humanidade de erros e trevas! Todos nós sabemos que estas últimas semanas foram para nós uma grande e violenta provação (a respeito do começo das perseguições contra os cristãos), mas também que pudemos experimentar cada vez mais grandiosamente a Sabedoria e Graça da Sua condução, pelo que algo firme e jamais adivinhado veio sobre nós! Vede, o Senhor nos visitou várias vezes em Jerusalém, comendo até conosco. Mostrou-nos, de modo cada vez mais nítido, os segredos de tudo o que há de escuro e inconsciente em nossa vida interna, mas também a consciência vigorosa da Vida Divina numa alma humana que despertou! Assim, sabemos agora: Não é suficiente, irmãos, que nos amemos uns aos outros; é preciso que Seu Amor se torne vivo em nós! Pois, ao tornar-se cada vez mais vivo em nós Seu Amor para com tudo o que foi criado, já seguimos o caminho do desenvolvimento interno , que Ele como Homem, como Nosso Jesus, nos precedeu, para que O imitássemos neste caminho até as sublimes metas da nossa consumação interna e semelhança com Deus!
Ora, o Senhor nos ordenou ficarmos ainda unidos em segredo, até que fôssemos preenchidos com a Força do Alto! Pois sem esta Sua Força não poderíamos continuar Sua Obra: o despertar da vida interna que Ele, como o Mestre da Vida, começou em nós, mas que devemos agora, independentes, concluir em nós, para podermos, como Seus eleitos, transmitir esta sublime Paz da Sua Doutrina a todos os homens!
Ele procura ainda encontrar em nós o amor despertado à vida para com todos aqueles que outrora saíram da Ordem Divina, preocupando-Se profundamente em Seu Coração por esta Sua Obra em nós! Pois em breve, muito em breve, virá a hora em que deixará de ser o Filho, para depois, como nosso Pai Eterno, poder aproximar-Se ainda mais dos que estão para tornar-se Seus filhos. Mas quando vier esta hora em que nós, como Seus filhos que Ele chamou para ser Seus herdeiros, deveremos assumir perante todo o mundo (e até diante dos olhos dos mundos angélicos e espirituais) a obra de redenção da noite e das trevas espirituais que Ele iniciou, então, irmãos, nossa única preocupação será: como anunciar, clara e intrepidamente, o Seu Amor a todos os homens, para que o mundo reconheça seu Salvador! E igualmente a tarefa de transmitir, pura e autêntica, Sua Doutrina a todos os corações, para que todos possam encetar alegremente o caminho de Sua imitação e também se tornem filhos divinos! Sabemos: Ele, unicamente, é a Força e a Glória, Dele recebemos essa Força para vencer tudo o que há de inferior em nós e ao redor de nós!
Sim, Ele nos prometeu dá-la a cada um que Lhe pede, conforme o grau do seu amor desinteressado! E é somente por este Seu Amor e Sua Força que encontramos a união com o Divino em nós e que podemos, só assim, tornar-nos colaboradores para devolver a Paz com Deus à Terra e seus habitantes outrora perdida, bem como o luminoso esplendor do Reino de Deus. Quão grande e santa tarefa para uma vida! Mas irmãos, o Mestre nos é ainda o mais próximo. Mas quando Se despedir de nós para retornar à Sua Pátria Eterna, então deveremos reconhecer naquele que é mais afastado e que mais profundamente caiu, o nosso próximo que devemos amar e ajudar, para que também encontre em si o caminho que leva à Paz com Deus! Se nossos pensamentos e sentimentos preferem até agora dirigir-se ao nosso Senhor e Mestre, no futuro, nossos pensamentos e todo nosso amor deveriam concentrar-se naqueles que se perderam ou que vivem ainda no erro. A Força milagrosa do Seu Espírito Vencedor, que conhecemos pela Sua morte e Ressurreição, se tornará também nossa propriedade, como íntima força motriz para estas santas tarefas em prol das almas perdidas, assim que Seu Amor vivo encontre uma morada permanente em nossos corações. Só com Ele nos tornaremos aquilo para o qual Sua Graça nos chamou. Mas sem Ele, sem o Seu apoio, nada somos! Assim pedimos-Te, Senhor e Mestre, unidos no coração: Abençoa-nos e faze-nos maduros para o trabalho na Tua Vinha! — Amém!"
"Amém!", disseram também os outros, e tudo ficou quieto na grande sala.
Enos tinha sucumbido; com estas palavras não sentiu mais o solo debaixo dos pés. Olhou para os Discípulos como se quisesse pedir auxílio; seus pensamentos correram para trás, no Templo, depois para o Gólgota, e sua culpa agigantou-se diante dele, tirando-lhe toda esperança e perspectiva! Pensou em seu filho, mas quando viu seus olhos brilhantes, estava no fim de suas forças; a frequência de sua respiração duplicou-se e ele caiu ao chão. João foi para ele e, colocando sua mão direita sobre sua cabeça encanecida, disse suavemente: "Meu querido irmão, a Graça do Senhor e Seu Amor salvador foram dados também a ti. É verdade que estás ainda com tua consciência no teu antigo solo, do qual te apropriaste; mas este solo desvanece-se diante de ti, porque deves reconhecer que tua vida e todas as tuas ações não te tornavam feliz, nem te davam a paz interior! Mas não é tarde demais! O Amor misericordioso do Mestre Divino é eterno e vale para todos, sim, todos os seres, também para ti! O que hoje te parece impossível, amanhã já pode ser verdade luminosa. Inclina não apenas tua cabeça, mas também tua mente, e deixa que teus mais profundos sentimentos sejam tocados pelo raio de Seu grande Amor salvador; então, também tu apertarás com alegria a Mão que o Ressuscitado quer te estender e experimentarás o milagre do Seu Amor salvador! Mas primeiro, examina o assunto e não te precipites! Todos nós queremos ajudar-te e estar contigo com nossas preces!"
Enos queria agradecer estas palavras cheias de amor compreensivo, mas sua boca ficou muda; no seu coração agitou-se em uma luta que jamais conhecera antes. Se tivesse olhado para sua filha, como implorava a ajuda de Jesus no seu coração, poderia ter encontrado a palavra que lhe teria dado alívio.
Atentamente, Ursus havia escutado as palavras dos Discípulos e pediu: "Queridos irmãos! Já ontem, tu, João, e hoje tu, irmão Pedro, dissestes que Jesus, o Ressuscitado, quer deixar-vos para sempre, a fim de voltar à Sua Pátria original, e que vós deveis continuar Sua herança com a Força do Seu Espírito! Isso eu não entendo! Ou não o compreendo da mesma maneira como vós, pois vede: Uma só vez me foi dada a Graça de fitar Seus Olhos cheios de Amor, mas Suas Palavras luminosas e convincentes criaram em mim uma vida totalmente nova, nunca imaginada, e com isso uma força viva que queria mover montanhas! Isso não é apenas uma fé, mas uma claríssima consciência da força que vive em mim! Como se explica agora que vós, queridos Irmãos, esperais ainda uma despedida visível do Mestre para chegardes a viver pela Sua Força, o que me foi dado pela Sua Vinda! Se, em espírito, lanço um olhar retrospectivo para Marcus em Cesareia, para os pescadores na costa marítima ou para Lázaro, nosso querido patrão de Betânia, então vejo como a herança de Jesus se encontra em boas, em ótimas mãos! Mas vós Seus fiéis Discípulos que Ele Mesmo escolheu, aguardais ainda a hora de receber a Sua herança?"
"Meu querido Ursus", respondeu João, "tuas palavras são claras como a água da fonte, e verdadeiras como a Luz que o Sol nos dá. Mas esqueceste de fazer uma diferença entre ti e nós Discípulos. Vê, éramos doze! Nós doze incorporávamos não apenas as Doze Tribos de Israel, mas a humanidade inteira que em todos os tempos vive na Terra. A Doutrina de Jesus, todas as Suas Obras e Sinais tornaram-se assim, por nós, propriedade da humanidade inteira! Tudo, até o fim, foi guardado em nós, e o que faz falta a um, o outro tem em si! Mas tenta viver a nossa condição e nosso amor para com Ele! Sua Humanidade, Sua posição face a todos os erros dos homens, Sua comiseração com todos os doentes, tudo era bem apropriado para vê-Lo como medianeiro, como o Filho de Deus!
Quando Jesus nos perguntou uma vez: 'Quem sou Eu?' — Pedro respondeu imediatamente: 'Tu és Cristo! O Filho de Deus Vivo!' Sempre fomos testemunhas de Sua Força Onipotente, assim como de Sua íntima Glória. Mas exatamente por isso, ficamos muito abalados quando O vimos sofrer e lutar tão amargamente! Isso explica por que toda a grandiosidade do Seu Amor Salvador à humanidade não pôde manifestar-se a nós na Sua morte e por que depois nos foi difícil reconhecer nosso querido Mestre em Sua plena Divindade, como nosso Pai desde Eternidades!
O teu caso, meu Ursus, é totalmente diferente! O que tu viveste com Jesus, não Lhe deves como ao Homem-Jesus, mas como ao Vencedor sobre toda morte! E como tu O reconheceste como o Senhor na Sua indestrutível Glória espiritual, também em toda eternidade não poderás percebê-Lo de maneira diferente! Assim, reconhece a grande diferença entre tu e nós: Nossa vivência, no passado, com Jesus como Homem, para ti nunca poderia tornar-se uma vivência atual com Ele. Mas nós devemos agora aprender a conviver cada vez mais vivamente com Ele como Deus e tê-Lo presente assim em nosso mundo interior; depois, oriundo de nós como propriedade espiritual por nós adquirida, transmitir também a outros, ao mundo interior deles, este caminho de convivência familiar com Jesus como nosso Salvador! Em nossos corações vive o Homem-Jesus, mas em ti e em todas as futuras gerações viverá o Deus-Jesus! Por isso é importante que haja para nós, ainda, uma conclusão visível de Sua Missão terrestre, para que em nossos conceitos e ideias tudo o que foi humano em Jesus seja totalmente removido e que Sua Essência espiritual-divina Se manifeste plenamente em nós e em todos os Seus sucessores como a Força vivificante da vontade. Tu também serás testemunha da Graça de Sua despedida visível desta Terra e então verás, igual a nós, claramente o que agora é ainda incompreensível para ti e para muitos. Eis por que nos esforçamos para que Ele, como o Senhor, Se torne nosso único Amor! E em Seu Amor queremos servir a todos os nossos irmãos! Não apenas hoje, mas por toda eternidade!" Após estas palavras, fez-se profundo silêncio.
V. Jesus ensina sobre a Sua herança
Lázaro então pediu a todos que conversem à vontade uns com os outros, conforme seu amor os inspirar, pois, para os novos irmãos, palestras menos profundas seriam agora indicadas. "A noite está muito bonita, vamos ao terraço; mas que as mulheres e todos os que amanhã de manhã têm serviço a fazer se retirem para o descanso."
Enos pediu a Lázaro de poder se retirar com seu filho para descansar e disse ainda: "Minha alma está revolvida como por uma grande tormenta; sinto-me como se devesse morrer, pois cada vez mais me dou conta que minha vida era totalmente errada. Minha enorme culpa agiganta-se perante mim, pois pequei não apenas contra o puro Enviado de Deus, mas também contra meu povo! Certamente vejo o vosso grande amor e sinto vosso perdão, mas com isso minha grande vergonha não está apagada."
"Irmão Enos", disse Lázaro, pleno de compaixão com esta aflição, "não podes descansar nesse estado, a noite não te traria o sono! Fica, pois, ainda desperto conosco! Unamo-nos no Amor de Jesus ainda mais intimamente, para que também para ti venha a salvação!"
E assim foi; sem muitas palavras, os Irmãos reuniram-se no terraço, onde uma noite de maravilhosa paz os envolveu. A lua não estava no céu, mas uma imensidão de estrelas cintilava com magnífica clareza, e sobre toda a natureza estendia-se a bênção da Paz Divina! Lázaro pediu aos Irmãos que se recolhessem em silêncio até que o novo irmão Teófilo tivesse trocado impressões com seu pai, "pois ambos precisam para isso de nossas bênçãos e forças." Teófilo disse: "Pai, minha culpa é igual à tua, mas mesmo assim meu coração está cheio de esperança! Pois abandonando meu antigo nome, também minha vontade tornou-se nova. Quero servir — e o farei — somente a Jesus!"
"Como farás isso?", perguntou Enos em voz baixa. "Então não sabes que não se pode seguir a um morto e menos ainda a alguém que foi martirizado na cruz? E em Sua Ressurreição não posso bem acreditar!"
"Também tu acreditarás ainda nela, querido pai", respondeu Teófilo com firmeza, "pois Deus quer que também nós não nos percamos, mas recebamos a salvação para nossa alma e que depois a provemos por atos! Prende-te firmemente a Lázaro. É ele o chamado e agraciado pelo Senhor em Betânia! Vê, ele estava morto e foi de novo chamado à vida por Jesus, o grande Salvador de todos os homens. E assim como Jesus salvou Lázaro da morte corporal, assim Ele poderá salvar também a nossa alma do tormento da morte espiritual! É agora a minha firme fé!"
"De todo coração queria que fosse assim", disse Enos suspirando, "pois com esta culpa não quero morrer!"
Lázaro se sentou ao lado de Enos e disse com bondade: "Querido Enos, não somos mais estranhos um para o outro, pois já me foi revelada toda tua vida interior. Oxalá te fosse agora revelado também o meu interior, para que possas perceber com teus próprios olhos o amor que lá vive por ti! Nesta hora, não penses mais no teu passado, mas reflete na tua vida futura e saibas: pela Graça, Força e Amor do Mestre, nós mesmos podemos moldar o nosso futuro! O que foi errado e falso, com conceitos errados, juntos tentaremos corrigir! Mas o que destruímos de modo criminoso, devemos expiar, porque o Senhor e Criador colocou um admoestador no coração de cada homem! Precisamos, porém, da Graça do Senhor para expiar tais culpas; isto é, para remediar e apagar tudo o que faz de nós devedores. Pois, sem Ele, todos nós somos apenas crianças fracas e insensatas! Sem Ele, nosso coração, nossa vida afetiva é como morta! Por isso, procura apenas por Ele; também tu podes ainda fazê-lo! 'Em cada peito humano posso ser encontrado!' Ele te diz! Mas antes, oferece-Lhe pensamentos de amor e pede-Lhe Seu perdão; não o terás feito em vão!"
A isto, Enos ficou calado. As palavras de Lázaro lhe fizeram bem, e pela primeira vez não as pôs em dúvida. Cada vez mais insistente, ouviu em seu interior, como um eco, as palavras: 'Cada um pode Me encontrar! Quem procurar, Me encontrará! Eu sou Salvação, Redenção e Perdão!' — "Quem é que fala estas palavras?", pensou Enos por fim. "Os que estão aqui reunidos não dizem nada! Mas vejo como seus olhos brilham de alegria; o que aconteceu enfim? Aqui está alguém que coloca a mão sobre a minha cabeça, dizendo: 'Eu sou Salvação, Redenção e Perdão!' "Quem és tu?", pensou Enos; "tua mão é tão suave, tão reconfortante, tua presença me torna tão feliz!" — "Eu sou Salvação, Redenção e Perdão! Tem fé e terás parte em Minha Paz", ouviu mais uma vez. Levantou-se agora e, virando-se, viu Jesus em pé diante dele!
"Tu vives?!", gritou. "És tu, Jesus?!" E caindo de joelhos, pediu entre lágrimas e soluços: "Oh, dá-me a tua Graça e Teu Perdão!" Também Teófilo precipitou-se ao lado do pai, implorando: "Senhor, se Te é ainda possível, mostra clemência! Nossa culpa é imensa, nosso delito tão grave que seria temerário pedir-Te: Perdoa-nos! Mas não quero pedir por mim, e sim, por meu pai. Sê clemente com ele e faz levantar-se em seu coração Teu Sol de Amor, para que Te reconheça nesta Luz como o único Salvador e Redentor de todas as trevas da nossa noite!"
E Jesus, fitando-o com Amor, perguntou: "Que farás se aceito teu pai, mas não a ti, dando Meu Perdão só a ele?"
Teófilo respondeu: "Então trabalharei e lutarei duramente, até poder dizer: Senhor, considera minha obra, está cheia do Espírito do Teu Amor! Aceita-a como penitencia pela grande injustiça que Te infligi! Não quero outra recompensa, do que poder trabalhar por Ti!"
De novo, perguntou o Senhor: "E se tuas forças começarem a vacilar, quando, enfraquecido, te encontrares diante de armadilhas e embustes do inimigo da vida, e então tuas esperanças ruírem, que farás? Não é melhor se perdoo também a ti e afirmo que só com o coração e o ânimo libertos poderás cumprir a obra da tua vida e realizar as tuas grandes tarefas!"
"Senhor", disse Teófilo com júbilo, "como Tu Mesmo mo dizes, o acredito. Assim, só desejo poder servir-Te com todas as minhas forças!"
E Jesus de novo: "Mas se Eu não mais voltar a ti e tu quase te desvaneceres pela saudade? Ou se te tornares fraco ou cansado na luta com o mundo, dize-Me se queres, mesmo então, manter a tua promessa? Não exigi que te ligues a Mim!"
Feliz, respondeu então Teófilo: "Ó Senhor! Era noite em mim e em redor de mim! Tua Luz e Tua Graça — um verdadeiro presente — tornaram-me sóbrio no despertar! E agora que provei Teu Amor, agora que sei que nos perdoaste, não há nada mais a refletir! A Ti pertenço para todo o sempre."
Então disse o Senhor: "Aceita, pois, a Minha Bênção, Meu filho, e saiba que jamais abandonarei uma criança que Me ama verdadeiramente e quer dedicar-Me suas forças!" "E tu, Enos”, perguntou o Senhor ao velho sacerdote abatido, "não é melhor que também tu te apropries do Meu Amor e Minha Bênção, do que ficares ainda afastado! A única felicidade neste mundo e o único esforço que pode dar à alma o mais precioso conteúdo eterno consiste em reconhecer-Me e, então, seguir-Me! Se és capaz de fazê-lo com liberdade interna, terás tudo, podendo-te enriquecer da cornucópia do Meu Amor e Graça, na medida que amares teus irmãos mais pobres."
"Jesus, Tu és vivo e não me julgas?!", disse finalmente Enos. "Quem poderá compreender-Te! Só falei mal de Ti, perseguindo Tua Obra e Doutrina, e também sendo culpado da Tua morte e da dor dos que Te são caros! O Senhor! Por que permitiste que tudo isto acontecesse e por que não nos castigaste imediatamente?" Mas o Senhor respondeu com bondade: "Porque perdoar é melhor que julgar! Porque Minha morte será a prova eterna do Meu Amor que perdoa tudo, porque Minha Ressurreição é a coroação de Minha Missão! Vê, todos, todos terão que passar diante de Mim! Ninguém, por mais sábio que seja, poderá passar pela porta que leva à vida interior sem Me encontrar! Mas Eu não vim a vós para julgar, e sim para levantar e salvar. Ninguém poderia Me impedir de agir contra ti da mesma maneira como tu agiste contra Mim, e ninguém poderia então dizer: 'Senhor, agiste injustamente!' Mas Eu vim para salvar-vos e para reconduzir à sua pátria eterna os que se perderam. Vê, teu filho intercedeu por ti; eis porque já descansa em espírito no Meu Peito e seu coração está pleno de bem-aventurança!"
Maria, com Miriam e Ruth, chegaram agora, seguidas pelas duas irmãs de Lázaro e Maria Madalena. Admiradas, correram felizes para junto do Senhor! Também Ruth ajoelhou-se, cingindo com os braços os Pés do Senhor, e disse: "Finalmente! Finalmente posso ver-Te! Finalmente, meu desejo se cumpriu! Óh Jesus, bom Salvador, que felicidade poder abraçar-Te uma vez!", exclamou ternamente. "Afasta-me de Ti, pois não sou digna de abraçar Teus Pés, mas a felicidade se apoderou de mim! Meus olhos Te viram e meus braços Te apertaram."
Abaixando-Se carinhosamente, disse o Senhor: "Óh filha, a quem vem com tamanho amor a Mim, Eu dou tudo o que possuo. E quem já se considera feliz de poder olhar-Me e tocar-Me, dize-Me o que vai sentir se todo o Meu Ser vem morar com ele no Espírito do Meu Amor? Por isso, não te afasto, mas te peço: Fica Comigo, mesmo quando não mais estarei entre vós, e guarda-me no coração pelo mesmo amor com que abraças agora Meus Pés!"
Também Miriam caiu de joelhos; e o Senhor lhe disse: "Vens tarde, filha! Mas no coração já estavas perto de Mim; por isso recebe agora Minha Bênção de Amor! Agora, Meus queridos, recolhei-vos em tranquilidade interna, para que vossos corações possam receber a Palavra do Meu Amor e o Espírito de Meus Céus!"
Depois de uma pausa, o Senhor continuou: "Vós, Meus Irmãos, ficai tranquilamente unidos no Espírito do Meu Amor e da Minha Misericórdia, até que a chamada em vós se torne cada vez mais forte e viva! Não penseis nem faleis tanto de Minha morte, e sim do Espírito Santo que Me deu a Força para vencer e para transformar o lugar do terror — o Gólgota — em um pedaço do Céu. Tudo o que sofri não foi por Minha causa, mas pela vossa, por causa de toda a humanidade! Pois só por este meio concluí a tarefa que Eu Mesmo Me tinha imposto: a de provar-vos, por Minha Vida, a invencível Força do Amor que transforma todo o mal e que só se pode manifestar nas horas dos sofrimentos mais amargos. Fostes testemunhas de como todo o mal que Me foi destinado Me fez subir em vez de Me aniquilar, tornando toda Vida em Mim mais viva ainda, em vez de Me destruir. Este Santo Espírito Vencedor é agora a herança que vos deixo; vo-Lo mandarei como Consolador, quando Eu não mais estiver visivelmente entre vós. Empenhai-vos, então, para que este Espírito Santo Se torne propriedade de toda a humanidade! Eu vou voltar a Minha Essência Original, mas por este Meu Espírito aplanar-vos-ei os caminhos para o vosso próprio interior! Aplanai também vós estes caminhos para o interior dos vossos irmãos, para que eles preparem uma moradia para Mim, onde Eu, quando vier, poderei entrar com júbilo para erigir Meu Reino!"
"Sede como uma árvore que — se bem que receba sua força para crescer do solo — estende seus ramos para a luz, sobrepujando as baixezas terrestres! E preenchei também vossos irmãos com este Meu Espírito que vos eleva acima de tudo o que é baixo! Somente então, Minha Vida Se tornará para vós mais claramente manifesta, Ela tem a força de vencer tudo o que é imperfeito! Todos vós, Meus Irmãos, que Me conheceis, sede agora Meus administradores! Em vossas mãos, em vosso amor, coloco agora Minha Obra de Salvação, iniciada desde eternidades. Não saberia a quem, mais do que a vós, poderia querer entregar esta grande Obra Sagrada, ainda que haja à Minha disposição incontáveis anjos e servos. Por isso, deixai amadurecer em vós Meu Espírito, em íntima humildade e em serviços de Amor! Ele fará resplandecer em vós a Minha Verdade que liberta toda vida, assim que vossa tarefa de continuardes Minha Obra se tiver tornado a sagrada meta de vossa vida!"
De novo calou-Se o Senhor, olhando, pensativo, para Seus Discípulos. E continuou: "Quanto ao vosso íntimo desejo que Eu continue sempre entre vós, eis o que Eu vos digo hoje: Ficai vós todos Comigo! Então podereis dar à Terra e seus habitantes o que serve a todos para a salvação das trevas e do erro!
E em duas semanas, quando o Sol tiver alcançado seu apogeu, chamai todos os irmãos para esse lugar, para que Eu possa mais uma vez abençoar-vos visivelmente. Vós, porém, estejai sempre prontos para servir e abençoar! Minha Paz e Minha Força estejam convosco! — Amém!"
E o Senhor tornou-Se invisível, sem perturbar o santo fervor do Amor que envolvia a todos!
Após um silêncio prolongado, disse Lázaro baixinho: "Vamos nos recolher! A Dádiva de Bondade e Glória que Dele recebemos é quase demais para nós. Amanhã será outro dia para continuarmos com esse santo fervor em nossos corações!"
VI. Sobre o silêncio
Quando na manhã seguinte foi dado o sinal para o desjejum, todos os irmãos se reuniram como sempre no grande refeitório; mas Enos se sentia muito oprimido e acanhado. Ursus perguntou-lhe: "Irmão, estás arrependido de ter vindo a Betânia? Não posso imaginar que um homem de quem o Altíssimo Se aproximou com Amor possa ainda ter um peso na alma, motivado unicamente por pensamentos falsos e errados."
"Meu querido e jovem amigo, — pois assim devo te chamar — é como dizes!", respondeu Enos. "Antes, minha culpa pesava sobre mim, mas agora me oprime o amor que aqui me envolve e de que pude desfrutar! Sinto-me como um pecador que é levado ao julgamento, e no íntimo peço a Deus que seja magnânimo e misericordioso comigo! Teria sido um alívio para mim, se tivesse sido admoestado severamente. Ao invés disto, vem o próprio Amor, acumulando novo amor, novos favores sobre minha consciência carregada de culpas! Quero sair de mim mesmo, quero ser outro. Mas me sinto tão precário, não tenho forças de trilhar este novo caminho para Jesus que nós crucificamos! Eis porque a noite não me proporcionou o desejado descanso."
"Estás te atormentando", disse Ursus animadamente, "porque não conheces ainda suficientemente o magnífico Jesus! Olha os Irmãos! No coração de todos eles há uma sublime tranquilidade como sinal de Sua Paz! Mas em seus olhos há um esplendor que não é deste mundo! E de onde vem ele? Do Amor Divino que Se tornou sua propriedade! Perdão, paz e salvação te foram assegurados pelo Senhor, e apesar disso queres perseverar naquilo que não te liberta?"
"Meu querido Ursus", respondeu Enos suavemente, "a rápida mudança das nossas circunstâncias e o reconhecimento que minha vida passada foi totalmente perdida, me tornaram tão miserável. Deixa-me sozinho por pouco tempo, para poder me encontrar no silêncio! Na paz do coração poderei curar-me, só então sentirei uma nova esperança."
Ursus respondeu com olhos brilhantes: "Sim, irmão Enos! Somente num coração tranquilo Jesus pode ser Salvador para ti! Só Ele é capaz de tornar teu íntimo sadio e livre! Entrega-te a Ele no perfeito silêncio; dirige todos os teus pensamentos para Ele; então despertará também em ti o desejo de agradecê-Lo e amá-Lo! Enquanto nos ocupamos somente com nós mesmos, precioso tempo se perde! Ocupando-nos só com Ele, em profundo silêncio do coração, podemos conscientizar-nos do valor da nossa vida, desejando então empregar de modo mais proveitoso o tempo que nos for ainda dado viver nesta Terra!"
Antes de Enos poder responder algo, Miriam, Ruth e Maria, a Mãe de Jesus, entraram no quarto. Ruth, em cujo rosto brilhava o reflexo de pura felicidade, correu para seu pai e perguntou: "Pai, querido pai! Não sentes a felicidade no teu peito? Que alegria, que delícia de saber finalmente: Estou em segurança e posso descansar no seio do Amor Eterno! Vejo agora claramente diante de mim o meu caminho, e a tarefa se me afigura belíssima, porque sei por experiência: 'Sou amada!' Amada pelo bom e maravilhoso Jesus, que por Amor aos homens perdidos ofereceu Sua Vida como resgate! Mas Deus doou-Lhe de novo não apenas Sua própria Vida, mas uma vida totalmente nova a todos os homens que O amam!"
"Filha", disse Enos, "alegra-te sobre tua felicidade! Eu não o posso ainda, pois culpa e amor restringem meus sentidos e pensamentos, e entre mim e Jesus está a cruz do Gólgota!"
"Pai, duvidas do Ressuscitado? As Palavras que Ele te dirigiu não entraram em teu coração e varreram a antiga imundície?", perguntou Ruth assustada. "Estou convencida de que, se tivesses confiança, o milagre se faria: o coração se dilataria de gratidão pela Dádiva do Seu Amor que recebeste! Pai, já vejo em mim o milagre: a cruz do Gólgota não nos julga, mas nos redime! Na cruz está nossa salvação! Vê, ela está banhada de Luz! Sim, ela doa Luz, muita Luz a todos que dirigem para lá seus olhares! Manifesta-nos o Amor de Jesus que extingue todas as nossas fraquezas e pecados e nos reconcilia com Deus! Parece-me que esta Luz quer anunciar a toda treva: "E só aqui, na cruz, que provamos a separação de tudo o que é mundano! Aqui recebemos uma vida nova, paz e perdão!"
Todos, inclusive os Discípulos, olharam admirados para Ruth que parecia transfigurada ao proferir estas palavras. E acrescentou a Mãe Maria: "Sim filha! Teu espírito te revelou essa verdade que por muitos, muitos, não será reconhecida! Tem firme e íntima fé nessa revelação de Sua cruz, e tua vida se tornará ainda ensolarada! Mas nunca esqueças que foi o grande Amor Salvador de Jesus que te deu essa intuição!"
Antes que Ruth ou Enos pudessem responder, Lázaro convidou os presentes a tomar a refeição. Abençoou seus corações e a comida, e em silêncio terminou o desjejum. Depois, Pedro pediu a bênção ao dono da casa, já que deviam voltar a Jerusalém, e disse: "Nosso caminho e nosso trabalho estão em Jerusalém! Essa é a Vontade do Senhor; que Ela se faça agora e sempre!"
Lázaro abençoou os Irmãos com as palavras: "Executai, pois, a Vontade do Senhor; vós sois a Sua Esperança! E Seu Amor é a vossa parte! Munidos assim, jamais sentireis falta de força e persistência para vencer todas as dificuldades! Diante de nós todos fulgura a cruz; partir de agora, símbolo e sinal de íntima paz em silêncio perante Deus! Ide em Paz! Amém!"
Em silêncio, os Discípulos se despediram; um olhar sério e um mudo aperto de mão era o bastante para dizer tudo o que comovia seus corações. Para Teófilo e Ursus esta despedida fez uma impressão estranha, e Ursus perguntou algo precipitado: "Que linguagem estranha é essa? É da Vontade do Mestre de mostrar-se mudo assim? Este silêncio só pode decepcionar um forasteiro."
"Meu irmão", respondeu Lázaro sério, "este silêncio é a voz do coração, pela qual tudo parece vivo. Nos entendemos pelo olhar, pelo aperto de mão e pela nossa vida interior, plenamente desperta; não precisando mais entre nós da linguagem exterior! Na contínua presença de Jesus, tivemos que treinar essa fala interior do coração, podendo a qualquer hora, sem uma palavra externa, fazer-Lhe uma pergunta, e sempre recebendo Dele uma clara resposta interna. Estes Discípulos encontram-se agora diante da magnífica hora de Graça, em que tudo o que viveram com Jesus, que viram e ouviram, deve tornar-se neles plenamente vivo, qual fogo que nada mais é capaz de reter. Seu vivo testemunho de Jesus será como centelhas de uma corrente de Luz que passa por eles. Pois seu amor desperto quer devolver tudo o que receberam Dele!"
Ursus ficou calado e de repente se sentia muito pequeno; pois nada sabia ainda de uma tal linguagem. "Irmão Lázaro", disse devagar, "adivinho coisas grandes! Eu mesmo poderia, por gratidão, me tornar uma tocha, não para destruir, mas para alastrar por toda parte este fogo da santa revelação da Obra de Amor de Jesus. Agora que reconheço cada vez mais o íntimo destes Discípulos e compreendo melhor sua seriedade e seu silêncio, sinto-me tão pequeno, tão impulsivo que gostaria de desaparecer no segundo plano!"
"Oh meu Ursus!", respondeu Lázaro comovido, "com isso proporcionas uma grande alegria ao meu coração; pois para compreender a direção do Senhor e ficar totalmente absorvido pelo Seu Espírito, é necessário que seu ‘eu’ chegue à quietude, à entrega calada! Enquanto seu próprio ‘eu’ estiver ainda ativo, a verdadeira Vida Divina recua, e o efeito não será plenamente satisfatório! Vê, não há dúvida que já trazes em ti a Sua Vida, o Seu Amor, mas mesmo assim prevalece ainda uma grande parte da vida do teu ‘eu’. Estimulado pelas magníficas revelações dos Irmãos e sobretudo pelo Seu aparecimento Pessoal, te sentes levado a uma altura que em realidade não é ainda teu próprio ponto de vista, mas apenas algo doado. Eis porque terás ainda de lutar tenazmente, para que estes sublimes conhecimentos sejam tua propriedade! Alegro-me, pois, da tua decisão de ficar onde és apenas servo e discípulo. Enquanto viveres aqui em Betânia entre pessoas com o mesmo ideal, esta sublime, magnífica vida de amor que é cheia de graça não te parece tão difícil; uma vez que te encontras como num país onde só há o lado bom da vida e onde quase sempre só recebes. Somente quando estiveres no mundo onde reinam trevas e frio, mentira, fraude e falta de consciência, esta vida aqui cheia de graça deverá tornar-se para ti uma força motriz que quer levantar e iluminar todos na medida do possível! Somente então, tua vida interior poderá cada vez mais unir-se à Santa Vida de Amor do Mestre, porquanto serás aquele que dá, que administra os sublimes bens que conquistarás na luta com o mundo como tua propriedade. Somente então poderás reconhecer e viver a Glória interior que Deus preparou para todos que querem servi-Lo em Seu Espírito, e que neste Espírito ama a todos os homens como irmãos!"
"Te agradeço, irmão!", disse Ursus aliviado. "Nas tuas poucas palavras há verdades tão profundas, que levará bastante tempo até que se terão tornado minha propriedade! Também compreendo agora: Antes de poder defender estas eternas Verdades perante todos, elas deverão se tornar Verdade em mim mesmo! Que o Senhor me ajude em Sua Graça; minha vontade para isso é decerto firme."
"Então, não vamos mais falar a respeito", disse Lázaro, "pois só agindo realizamos o nosso propósito. Peço-te ainda um serviço importante: Será necessário pôr em ordem a situação com Enos e o Templo ainda hoje, e tu serias o homem indicado para isso. O Templo tentará agir rapidamente, à sua maneira! Organiza as coisas de tal modo, que poderás em duas horas ir à cavalo a Jerusalém. Até lá, Enos terá terminado sua carta para o Alto Conselho. Fala primeiro com Pilatus; é nosso amigo. Para tua segurança, faze-te acompanhar por alguns soldados, então nada te poderá acontecer!"
Já anoitecia. Na casa de Lázaro, os moradores estavam novamente reunidos na refeição comum; mas Ursus não voltara ainda. A inquietação em Enos e Teófilo aumentou, mas Miriam e Ruth estavam confiantes. Eis que chegou um mensageiro de Ursus, que mandou dizer ter sido convidado por Pilatus e que ficaria em Jerusalém. O assunto a respeito de Enos teria sido regularizado a pleno contento, com a ajuda visível do Senhor! Essas Palavras foram para Enos uma verdadeira libertação! Fez mais perguntas ao mensageiro, mas este nada mais sabia.
Lázaro agradeceu e disse a Enos: "Irmão, eis o amor de Ursus! Com esta breve informação, ele te libertou, e também a nós, de uma grande preocupação! Eu já o sabia, pois o Senhor falou em meu coração: 'Irmão, o amor venceu mais uma vez! Pois Ursus pôde agir inteiramente em Meu Espírito, preparando o solo de modo que até alguns no Templo vacilaram na sua obstinação!"
"Mas como é possível isto?" perguntou Enos admirado; "os sacerdotes e seus serventes são, como sei, inimigos declarados de Jesus! Aconteceu, pois, mais um milagre!".
Irmão Enos", respondeu Lázaro, "o que tu consideras milagre para mim são efeitos visíveis das Forças de Amor de Deus! Aumenta tua fé e teu amor e provarás a verdade dessas minhas palavras! Mas amanhã saberemos todos os detalhes!"
VII. Ursus no Templo e no Gólgota
No dia seguinte, por volta de meio-dia, os tão aguardados finalmente regressaram; a alegria foi indescritível quando Ursus entregou a Enos a missiva do Sumo-Sacerdote que desligava Enos e Teófilo do seu cargo e juramento! Só então ambos se sentiram felizes e livres. No almoço, Enos pediu a Ursus de relatar diante de todos suas vivências em Jerusalém.
Ursus olhou primeiro para Lázaro se estava de acordo; após receber sua anuência, ele começou: "Quando ontem recebi o encargo de providenciar o necessário para que nossos irmãos Enos e Teófilo recebessem a liberdade e o desligamento do seu juramento no Templo, sentia-me algo oprimido, uma vez que tuas palavras, irmão Lázaro, sobre a vida do próprio Eu e o efeito muitas vezes pouco satisfatório de nossas palavras, continuavam a produzir efeito em mim. Assim, cavalguei com minha escolta para Jerusalém, tendo ainda dúvidas de que maneira deveria enfrentar o Sumo-Sacerdote. Procuramos a administração militar, onde me apresentei ao capitão da Guarda da Cidade, muito contente de encontrar nele um antigo conhecido. Contei-lhe meu objetivo e minha missão junto ao Templo e pedi ajuda em caso de necessidade. Fomos então conduzidos à casa de Pontius Pilatus, onde fui recebido como romano, com grande cordialidade. Quando descrevi o meu objetivo e apresentei as credenciais e procurações, nosso irmão Pilatus se mostrou como valiosa ajuda, querendo tomar a seu cargo o meu assunto como magnífico sinal de amor fraterno! Após uma breve refeição, fomos juntos à Administração militar, onde Pilatus deu algumas ordens, e depois ao Templo. Não vou descrever minhas impressões quando entrei no Templo. Com boa vontade, fomos conduzidos para o aposento do Sumo-Sacerdote. A Guarda da cidade já lhe havia anunciado a chegada do Governador. Foi então que houve em mim uma surpreendente transformação: meu Eu, meus pensamentos se retraíram como por si mesmos; diante de mim estava a grande dor do nosso irmão Enos, vivenciei a sua culpa e seu desejo de tornar-se livre desta aflição indigna! Depois passou mais uma vez diante de meus olhos a cena de anteontem, quando o Próprio Jesus disse a Enos: `Eu sou a Redenção e o Perdão!' Então uma maravilhosa tranquilidade e um fortalecimento interno se apoderaram e mim, pois senti a Presença de Jesus! Apresentei as duas cartas e as procurações ao Sumo-Sacerdote, mas ele nada quis saber do assunto! 'Para isso, devo convocar o Alto Conselho', disse Caifás com rigor, 'pois ambos são sacerdotes e agora perjuros!' Foram dadas as respectivas ordens; entrementes, Caifás convidou seu amigo Pilatus e a mim para uma sala contígua. Mas Pilatus insistiu para que o assunto fosse resolvido com pressa, visto que eu, como seu hospede, já era esperado por sua mulher. Descobri claramente os pensamentos do Sumo-Sacerdote, bem sabendo que diante da sua astúcia, a máxima moderação seria necessária. Pouco depois chegou um mensageiro avisando que o Alto Conselho estava pronto para começar a sessão. Com o ardente pedido: 'Senhor Jesus, agora preciso de Ti!', dirigi-me aos reunidos; a Pilatus foi oferecida uma cadeira, mas eu tive que expor meu assunto de pé. Irmãos, dou graças ao Senhor por não ser um templário! Com que astúcia e desonestidade estes homens manifestaram sua opinião! Meu rosto demonstrava meu sentimento de vergonha. O pedido foi negado e os dois sacerdotes deveriam ser autuados! 'É esta a vossa resposta a estes pedidos?', perguntei ao Sumo-Sacerdote, que respondeu afirmativamente! Então não pude mais reter-me. Avancei alguns passos e disse com destemor: 'Não vou levar esta resposta para Betânia! Os dois não cometeram nenhum delito! Apenas sua consciência não permite mais que eles fiquem entre vós e em vossa comunidade! Eis porque querem desligar esta relação de acordo com a praxe. Mas vós quereis autuar ambos? Pois fazei-o, mas considerai que eles se encontram sob proteção romana! E o que fizerdes a eles, eu farei a vós! Em virtude da minha nomeação como representante do Imperador, eu vos autuaria: primeiro, por deliberado assassínio de um inocente; depois, pela divulgação de falsas e mentirosas descrições da Ressurreição Daquele que foi por vós crucificado! Pois Jesus é meu amigo! Sua honra é a minha! Ninguém pode me impedir de defender o restabelecimento da honra do meu sublime amigo Jesus! Se mantiverdes vossa intenção, querendo coroar vossa insensibilidade com a obra do ódio infernal, convocarei toda Jerusalém para convencer-se amanhã da veracidade e realidade do Ressuscitado! Sabeis perfeitamente que Jesus já apareceu a muitos! Apesar disso, continuais os mesmos! Sois melhor informados do que muitos seguidores de Sua Doutrina, mas vosso ódio e vossa ambição de poder não permitem que reconheçais a verdade sobre Ele!'
Respondeu o Sumo-Sacerdote friamente: 'Não tivemos medo do Nazareno; por isso, tampouco temos medo de ti! E com qual direito queres autuar-nos? Gostaria de conhecer o tribunal que nos julgará!' A isso respondi com perfeita calma: 'Com o direito que meu amor a Jesus me dá! Eu vos colocarei diante do mesmo foro que exigiu a imolação de Jesus e o farei no mesmo estado em que vós colocastes Jesus diante do povo! Eis a minha resposta! Um romano exige o que determinam direito e justiça, mas não o pedirá! O Governador Pilatus aprova minha decisão, visto que vós mesmos dais este pretexto a nós romanos.' O Sumo-Sacerdote desatou a rir, mas neste instante um servente anunciou: 'Senhor, no pátio e ao redor das praças do Templo reuniram-se soldados romanos; o que devemos fazer?' Então o Sumo-Sacerdote enfureceu-se e disse a Pilatus: 'O que significa isso? É uma intervenção em nosso direito!' Mas Pilatus, encorajado pela presença do jovem romano em frente aos perigosos templários, respondeu sorrindo: 'Meu amigo, fica calmo! É o direito da conservação de si próprio para a defesa de justificados interesses romanos. Ou fazeis este pequeno sacrifício, dando aos dois sacerdotes a liberdade e aos seguidores do Salvador Jesus de Nazaré a garantia de poderem se reunir sem prejuízo de sua liberdade, ou nós faremos convosco o mesmo que fizestes a Jesus, e comprovadamente a muitos outros! Não há outra saída, pois também eu me convenci da veracidade do Ressuscitado!'
Um silêncio sombrio envolveu agora a reunião; eis que o sacerdote Joab, um amigo do nosso Enos, veio a mim e disse: 'Senhor! Já conheço teu rigor! Mas não posso abster-me de perguntar-te: Por que este Jesus não disse na ocasião nenhuma palavra para sua defesa? Seu silêncio significava o reconhecimento a sua culpa! Tu nos chamas de seus assassinos? Fomos apenas servos e executores da nossa Lei!'
Eu disse então ao sacerdote: 'Descubro tuas intenções; sua objeção quer apenas enfraquecer nossa vontade! Eis que te digo e a todos vós: foi para poupar-vos e deixar-vos a possibilidade de chegar, apesar de tudo, ao reconhecimento do Deus Ungido; por isso Ele deixou tudo acontecer em Si. Mas eu não tenho nenhuma Ordem de poupar-vos, pois vossa atitude sem escrúpulos me dá o ensejo para tal! Refleti, pois! Seja feito o que vos declaramos!' Então dirigiu-se mais uma vez o Sumo- Sacerdote à Pilatus, querendo fazer objeções. Pilatus se exaltou e disse em voz alta: `Não, nenhuma palavra a mais! Ou fazeis de boa vontade o que exigimos, ou provareis o Poder do Imperador! Carrego há demais tempo em meu coração o peso da culpa de ter contribuído para a morte de Jesus! Sinto a máxima necessidade de remediar e de devolver a honra Àquele que foi privado de Seus direitos! Oxalá pudesse enxugar todas as lágrimas e mitigar toda a dor que vosso infame crime provocou Naquele que em verdade era inocente! Prometi ao Ressuscitado de vos vigiar e de impedir que continueis vossa obra de vingança contra os seguidores de Jesus! Depende de vós: ou nos tornamos amigos, ou permanecemos inimigos! Dai-nos dentro de uma hora vossa resposta por escrito! Ficaremos no pátio junto ao destacamento e não mais voltaremos para cá!'
Com seriedade e rigor, olhamos mais uma vez para todos, saindo em seguida do aposento com passos tranquilos e dirigindo-nos ao capitão que já nos aguardava, comunicando ter providenciado tudo conforme desejamos. Ainda estávamos conversando, quando um servidor do Templo trouxe as cartas com a confirmação da liberdade de Enos e Teófilo. Uma segunda carta continha o pedido de manter a honra e o respeito do Templo e de não perturbar a paz do sagrado ambiente! 'Foi conseguido o suficiente!', disse Pilatus satisfeito, 'o resto conseguiremos mais tarde!' Depois mandou os soldados se recolherem de novo em seu quartel.
Passamos a noite juntos, com animadas conversas sobre Jesus e nossa felicidade temporal e eterna. No fim, exprimi o desejo de ir no dia seguinte cedo ao Gólgota. Imediatamente, Pilatus se ofereceu para acompanhar-me. Com pequena escolta, fomos cedo para o sagrado local. Qual não foi minha admiração: Havia três cruzes erguidas, duas menores e uma maior no meio. Perguntei: 'Quem terá feito isto?' A resposta foi: 'Eu mandei erguê-las para o espanto dos templários! Proibi também que aqui se fizesse outra execução, para que a última Palavra do Salvador: 'Está consumado' não fosse profanada! Desta maneira, honro a Jesus, mandando erguer o signo do Seu Amor e da Sua submissão como símbolo imponente!'
Profundamente comovido, estava diante da grande Cruz! Ainda que não fosse a mesma em que o Senhor e Mestre Jesus morreu, a visão interna me fez perceber o desenrolar daquilo que aqui ocorreu! Então exclamei, impulsionado pelo meu íntimo: 'Ó Senhor e Salvador Jesus! Tu Mesmo me fizeste passar pela vivência do Teu Amor, revelando-me Tua verdadeira e Santa Doutrina! Mas o que estou sentindo aqui, no lugar da Tua Paixão e Morte, é Tua verdadeira Glória que quer cuidar até do mais baixo e vulgar e responsabilizar-Se para que no futuro ninguém — quem quer que seja — jamais Te peça em vão o Teu Perdão! O Senhor Jesus, faze que este Teu Espírito se torne minha propriedade, para que sirva, em Teu sentido, só a Ti e ao Teu Amor! Amém!' Profundamente comovidos, mas ao mesmo tempo muito felizes, voltamos do lugar da Paixão. Mas devo dizer: Senti-me como se tivesse deixado para trás o Céu!"
VIII. No banquete dos Céus
Demétrius tinha ventilado com Lázaro e Ursus que ficariam, juntamente com a comitiva, hóspedes em Betânia até o dia estabelecido por Jesus, o que preencheu Lázaro com alegria. Assim passaram os dias em mútuo serviço de amor, ajudando Enos e Teófilo a conseguir um novo nascimento no Espírito do Ressuscitado. Ursus e Teófilo, assim como Demétrius e Enos, eram inseparáveis; Ursus servia a Teófilo para preenchê-lo com a mesma vida e o mesmo fogo que havia nele, ao passo que Teófilo dava a Ursus muitos esclarecimentos sobre a história do povo de Israel. Da mesma maneira, Demétrius conseguiu tirar os últimos resíduos do templário judeu que havia ainda no velho sacerdote Enos e transformá-lo em filho de Deus cheio de pedidos e desejos. Sua palavra: "Enos, não tenho mais de lidar com pecado e culpa, mas com o Deus Vivo de Amor e Perdão!" — soltou a última barreira; finalmente, todas as dúvidas em Enos foram vencidas! As lembranças do seu passado firmaram nele apenas o desejo: "Só para Ele quero ainda viver, em humildade e gratidão!"
Veio a noite em que Lázaro disse após a refeição comum: "Amanhã todos nós teremos muito trabalho, pois queridos irmãos virão aqui para passar conosco o Dia de Festa que o Mestre determinou! Procuremos, pois, bem repousar esta noite, a fim de cumprir com todas as exigências!"
Com grande alegria, na manhã seguinte tudo foi preparado para a recepção dos hóspedes. Por volta do meio-dia, chegaram os primeiros visitantes. Nos jardins foi suspenso o trabalho, e todos, moradores e trabalhadores, se vestiram festivamente; pois tratava-se mais uma vez de provar a todos os visitantes e aos que faziam parte da comunidade que em Betânia reinava o espírito do amor.
O Templo enviara também hoje seus espiões, que estranharam bastante a crescente movimentação em direção a Betânia. Também Kisjonah veio e foi recebido com muita cordialidade. "É da Vontade do Senhor que eu seja hoje e amanhã teu hóspede", disse a Lázaro, "mas também meu coração me impeliu com grande força."
"Também eu me alegro de ver-te aqui", respondeu Lázaro. "O Mestre convidou todos os irmãos para cá. Parece que quer terminar Sua Missão, para pessoalmente entregar Sua Obra aos Discípulos!"
Também Pilatus veio com sua esposa, esta ficando com as mulheres. A grande sala estava festivamente adornada, e uma rica ceia esperava os hóspedes; tudo em honra de Jesus, para agradecer-Lhe Seu Amor e todo o bem que lhes fizera! À espera dos Discípulos que ainda não tinham chegado de Jerusalém, os hóspedes conversavam animadamente nos jardins e plantações sobre os motivos que levaram o Senhor a convocar todos os Seus fiéis aqui; Lázaro palestrando com Pilatus, e Demétrius com Kisjonah.
Kisjonah afirmou: "Nunca o Senhor nos deixou, a mim e aos meus! Sempre senti Sua Presença, guiando a todos com Seus Olhos. Nenhuma dor provocada por Sua morte nos deprime ainda."
Disse Pilatus: "Felizes vós que dedicais vosso amor Àquele que é todo Amor. Mas eu não me sinto tão bem, pois a morte de Jesus me lembra sempre minha grande culpa! Por maiores que sejam Seu Amor e Seu Perdão, não poderão fazer com que o que aconteceu não tivesse ocorrido!"
Disse-lhe Lázaro: "Irmão, há pouco uma jovem irmã disse ao seu pai para quem esta crucificação constitui também grave peso em seu coração: 'Vejo a Cruz envolta de Luz Celestial! Ela não é sinal de Julgamento, e sim de Amor e Reconciliação do Salvador, para franquear à humanidade pecadora o caminho a Deus. É o milagre do Gólgota!' Assim, também tu provarás ainda o que há de grande e poderoso nisso, pois a Cruz do Gólgota é a advertência para ficarmos em silêncio, para nos subordinarmos voluntariamente à Vontade de Deus! É o convite para a Pátria Eterna, o lugar da Paz Celestial!"
As irmãs Maria e Marta chegaram informando a seu irmão que os Discípulos tinham entrementes chegado e pedindo-lhe que dê o sinal para o início do banquete, pois tudo estava pronto. Quando todos estavam nos seus lugares, foi entoado o hino de louvor e de agradecimento. Com alegria em todos os corações, começou o banquete.
Após a ceia, como impelido por seu espírito, Ursus se levantou e disse com sua voz sonora: "Nós todos aqui reunidos provamos de novo a bem-aventurança do verdadeiro amor ao próximo! Com isso, abrimos nossos corações Àquele que nos ama com tanta ternura! Ele não nos deu apenas Seu Amor, sacrificou-nos também Sua Vida, para que fôssemos salvos da frieza da falta de amor e dos erros do mundo. É justificada, pois, a nossa fé que nos tornamos Sua Propriedade e até Sua Felicidade conquistada pelo sofrimento e pela morte! Óh, meus irmãos! Quem como eu experimentou no mundo guerras e destruição, doenças e epidemias, reconhece o grande valor do Amor que Jesus trouxe a todos os homens! Por isso confesso em voz alta: Não existe felicidade maior do que a certeza: Jesus, o Senhor e Salvador, acolheu em Seu Amor também a mim, abrindo-me assim a porta para sentir a plenitude de Sua Glória!"
E Ursus, animado pelo espírito, mais uma vez se levantou dizendo: "Assim como esta porta se abrirá por si para que o Senhor venha a nós, assim também as portas da casa onde Ele quer nos esperar estão sempre abertas para podermos nos recolher nela; isto é, no santuário do templo que nós mesmos devemos edificar-Lhe em nosso mundo interior!"
Todos estavam comovidos pelas palavras ardentes de Ursus e olharam para a porta que se abriu de mansinho, e o Senhor entrou solenemente! Veio até às mesas e, abrindo largamente Seus Braços, abençoou os presentes: "Paz! — Que a Santa Paz seja com todos vós! Que esta Paz vos penetre inteiramente e que vos sintais elevados como por fortes braços, por cima de tudo o que é mundano e deitados no Meu Peito, para que Meu Espírito e Minha Vida interior se manifestem plenamente a vós! A ti, irmão Lázaro, agradeço que, conforme Meu íntimo desejo, transformaste este dia numa festa particularmente solene!
Hoje quero mais uma vez ficar em vosso meio como em dias passados e então concluir Minha Missão entre vós! Que ninguém se sinta oprimido por Minha Presença pois continuo sendo o Mesmo que vivia entre vós como Homem!"
Quando o Senhor Se calou, todos se levantaram para agradecer-Lhe e tocar Suas santas Mãos. Mas Ele disse com amor: "Filhinhos! Não preciso de outro agradecimento do que de vossa alegria! Vede, tomo lugar entre vós e fico convosco até amanhã! Sede, pois, alegres e livres como no passado!" E sentou-Se entre Ursus e Teófilo.
Da cozinha, veio a notícia para Lázaro: "O Senhor nos mandou dizer que dispensa hoje nossos serviços, pois todo o trabalho será feito por Seus servos!"
Então Lázaro, profundamente comovido, disse ao Senhor: "O Senhor e Pai! Já nos abençoaste tão ricamente com Teu Amor e queres hoje ainda ser o grande anfitrião? Se bem que tudo provém de Ti, hoje meu coração desejaria poder eu fazer-Te feliz," Respondeu o Senhor: "Meu querido irmão Lázaro! Teu desejo e amor Me são conhecidos; mas o Meu é maior e mais forte! Por isso, tem paciência; teu amor será ainda muitas vezes solicitado, quando Eu então só poderei vos dar à medida do vosso desejo! Uma nova era começa para vós, um tempo de trabalhar e de lutar por Minha Obra! Um tempo em que não mais devereis ficar cansados, mas conscientes de que o Amor a Mim vos dá a força interna e a fé em Mim torna inabalável vosso ponto de vista! Já provastes a Glória que procede do Pai! Quis mais uma vez tornar visível essa Glória aos vossos olhos, para que também estes novos irmãos testemunhem em verdade as Glórias inesperadas do Reino de Deus! Para que reconheçam suas altas tarefas e saibam qual a perfeição da alma humana que devem almejar com sua luta!"
Entraram agora serventes vestidos de branco, fizeram silenciosamente a limpeza de todas as mesas e serviram uma nova refeição: cordeiro assado e pão fresco. Em cálices de cristal, foi servido vinho cor de ouro; bandejas de vidro cor de rosa, contendo peras, uvas e figos foram postas nas mesas. O velho Enos e Demétrius estranharam como tudo isto se desenrolou silenciosamente e com incrível rapidez, quando todos já se haviam saciado há menos de uma hora.
Então levantou-Se o Senhor e, abençoando com Suas Mãos a refeição, disse: "Filhinhos! Comei e bebei! Meu Coração está cheio de alegria por mais uma vez poder servir-vos visivelmente com estas dádivas do Céu! Comei e bebei com alegria e recebei Minha Bênção! Que Ela permaneça sempre convosco!" — E voltando-Se para Ursus, disse o Senhor: "Tu, Meu Ursus, Me conheces agora; Minha Vida criou em ti uma Nova Vida! Nessa Vida interior despertada, muito já te foi revelado, mas o mais admirável de tudo poderá te ser dado somente quando — como que afastado da Minha Ajuda — terás de trabalhar e lutar duramente com o que é do mundo, como se dependesses unicamente de ti mesmo. Ainda que nem tudo possa correr sem obstáculos, teu espírito despertado terá que te dar a necessária firmeza, pois Eu só posso agir à medida em que Meu Eu obtiver espaço dentro de vós, conforme vosso livre amor filial e naquilo em que vosso pequeno ‘eu’ já souber se retrair. Mas a ti, Meu Teófilo, digo: Não olhes para trás, olha somente para Mim! Já provaste o zelo do Meu Amor, mas ainda não te libertaste totalmente das antigas ideias acerca de Mim, para poderes realmente servir à Minha Doutrina! Eis porque deverás testemunhar, nesta noite, como Eu cuidei de quantos desejavam levar-Me em seu coração!"
Dirigindo-Se em seguida a todos, disse o Senhor: "Meu grande Amor pertence a vós todos para sempre! Mas somente quem Me compreender com todo seu amor, somente este estará Comigo, e Eu poderei ir à sua casa, habitar nela e Me manifestar por ele! Vede, sou vosso Pai, e vós sois Meus queridos filhos que Me são tão caros! Deixarei todos os Céus e todas as suas glórias se desvanecerão perante Meus Olhos, se um dos Meus filhinhos aqui na Terra Me desejar com o coração cheio de amor. Mais rápido do que um raio, matarei sua saudade, alegrando-Me e gozando do despertar e crescer do amor de tais filhos."
Fitando os olhos dos Seus queridos que se ajuntavam ao Seu redor, continuou: "Oh, Meus irmãos! Mais uma vez encontro-Me entre vós; mas a partir de amanhã estarei somente dentro de vós! Hoje quero alegrar-Me convosco e fortalecer-vos, para que nunca mais nasça tristeza em vossos corações, porque vos deixo agora visivelmente, e para que vos convençais que somente Minha separação exterior garantirá nossa união interna para sempre! Volto agora à Minha Pátria Eterna, à Minha Essência Original! Deixo-vos, porém, ainda nesse mundo exterior, a fim de continuardes a Obra que eu comecei! — Não posso mais dizer a ninguém: Segue-Me para onde Eu vou agora! Devo entregar a vós mesmos o futuro desenvolvimento de vossa vida interna, de vossa felicidade e de vossas bem-aventuranças! — Mas agora, sede alegres! Mais uma vez saboreemos, uns com os outros, o que Meu Amor preparou para todos vós; depois vamos ao Monte das Oliveiras, para que Eu termine Minha Missão!"
Esta ceia encheu todos os corações de admirável alegria, e ninguém pensou na iminente despedida do Senhor! Mas Jesus manteve-Se tranquilo e sério. E entre muitas conversas de todos os lados, chegou a meia-noite. Então o Senhor convidou a todos para segui-Lo. Saíram de casa e dirigiram-se devagar ao Monte das Oliveiras, que deste lado azia parte da propriedade de Lázaro.
IX. Ascensão de Jesus
Por mais animados que todos se tivessem mostrado na casa, mais serenos estavam agora. O Senhor caminhava adiante de todos tendo — a Seu pedido — e Seus Discípulos ao Seu redor. Acamparam num espaço aberto onde já havia quantidade de cobertores e tapetes, como que estendidos por anjos. A noite estava linda. As estrelas rivalizavam umas com as outras pelo maior brilho, e todos saboreavam em silêncio o esplendor do céu visível. Nisso, Ursus e Teófilo foram postos em um sono espiritual, e o anjo Rafael levou suas almas à sua pátria anterior, onde puderam presenciar conscientemente os milagres do grande Amor paternal de Deus. O Senhor permaneceu calado, mas Seus Discípulos mais uma vez revelavam animadamente aos reunidos o Grande Plano de Amor e Redenção que Deus teve com as almas humanas perdidas nas trevas! Assim passou a noite. As estreias empalideceram, e a aurora já anunciava o despontar do novo dia! Ursus e Teófilo foram reconduzidos ao seu estado natural, acreditando terem dormido e sonhado animadamente. Mas não houve ocasião para que pudessem contar suas vivências.
Quando o Sol se levantou no horizonte, o Senhor Se dirigiu de um a um, e — orando e abençoando — colocava por um momento Suas Mãos em suas cabeças, chamando cada um por seu nome, a um fazendo um pedido, dando a outro uma promessa! Quando veio a Ursus, colocou ao mesmo tempo Sua Mão também na cabeça de Teófilo, dizendo: "Filhos! Foi de Minha Vontade que participásseis de grandes mistérios. Como tereis que cumprir ainda importantes tarefas, era necessário que soubésseis que pertenceis um ao outro pelo tempo e a eternidade! Tu, Meu Ursus, viste como Meu Sacrifício está sendo avaliado em um mundo que era outrora o teu, antes de teres encarnado nesta Terra! E tu, Ruben-Teófilo, podes sem medo te sentir UM Comigo, como viste a força do Amor!"
Voltando-Se para Enos e colocando-lhe Sua Mão na cabeça, o Senhor lhe disse: "A ti, Meu filho, digo: Não duvides mais do que estás vivendo agora Comigo! Mas se não te sentires mais preenchido por Meu Espírito, então deixa que a Cruz seja o elo de união entre nós! Pois aquele que quiser se sentir UM Comigo, deve amar a Minha Cruz!" — Assim, todos receberam sua dádiva de Amor. — Os Discípulos se reuniram depois num círculo apertado ao Seu redor, recebendo ainda Palavras especiais que os outros não podiam ouvir.
Então o Senhor Se dirigiu mais uma vez a todos, dizendo: "Filhos! E vós, Meus Irmãos! De todos os mundos há testemunhas agora nesse lugar, e todos os vossos antepassados abençoam essa hora em que seu íntimo desejo está se realizando! Pois ouvi: Essa hora é e estava já prevista no Grande Plano de Minha Encarnação!
A partir de agora, lembrai-vos todos: Deveis vos tonar independentes em tudo que fizerdes ou deixardes de fazer, pois vos deixo apenas Minha Palavra Viva ! Quando Me virdes agora desaparecer perante vossos olhos, que se cumpra então esse Meu último desejo de vos tornardes independentes! Não quero mais que Minha Presença visível impeça vossa evolução interior e o desenvolvimento de vosso amor para agirdes em conformidade! Assim coloco, pleno de confiança, a Minha Obra como herança em vossas mãos, para que seja completada por vós! Preservai-a como vosso supremo santuário, guardando-a com todo vosso amor, para que o inimigo de toda vida não destrua a Obra que agora vos pertence! E bom que Eu volte para casa, pois a Pátria de todas as pátrias está Me esperando! Ainda assim, fico convosco e com todos os que Me amam e que querem Me servir nessa vossa Terra; mas apenas de fora invisível. Por isso digo: Buscai e encontrar-Me-eis! Mas nenhum ser jamais Me achará, se não Me tiver encontrado nessa Terra! Eis porque permanecerei nessa Terra enquanto não for reconduzido à casa tudo o que se perdeu."
Silenciando, o Senhor fitou o Sol da manhã como que penetrando longos espaços de tempo, e continuou: "Deixo-vos agora sozinhos! Mas eis vossa consolação e vossa força: Eu venci o mundo e vos mandarei este Meu Espírito Vencedor! Ide, pois, pelo mundo inteiro, dotados deste Espírito, e levai Minha Palavra e Minha Doutrina para onde o Espírito vos impelir! E plantai, em Meu lugar, Minha Vida de Amor profundamente nos corações de todos os homens! O que vós provastes como Minhas testemunhas, deverão agora provar em vós todos os que vos seguirem! Noto ainda a pergunta em vossos corações, quando voltarei para erigir o Meu Reino junto a todos aqueles que Me esperam com saudade! Quanto a isso, vos digo: Não vos compete conhecerdes o tempo e a hora! Isto fica reservado ao Pai! Mas vós recebereis em breve o Poder e a Força do Meu Espírito em vós, que vos impelirá a anunciar o Meu Verbo a todos os povos!"
E estendendo Suas Mãos, Jesus, já inteiramente transfigurado, exclamou: "Assim recebei a Minha Bênção! Meu Amor e Minha Paz estejam convosco para sempre!"
Perante os olhos de todos, uma nuvem luminosa abaixou-se e como que envolveu o Senhor e Mestre. E subindo ao Céu, desapareceu dos olhares deles! (Lucas 24, 50-51). E estando eles em adoração, com os olhos fitos no Céu, enquanto seu Amado Mestre subia, eis que duas testemunhas celestes se puseram ao lado deles para dar-lhes a promessa: "Assim como O vimos, velado, desaparecer para o Alto, assim, também velado um dia voltará, para que somente então o amor e a fidelidade filiais devam desvendar lentamente o Amor e a Misericórdia do Filho de Deus!" (Ver também: Atos 1, 10-11)
X. Desfecho
Naquele dia, todos ficaram ainda em casa de Lázaro; em todos os olhos brilhava uma santa alegria e gratidão, e de todos os corações subiu o canto de júbilo: "Somos eleitos para colaborar na Santa Obra do Senhor e para anunciar Seu Verbo a todos os que Seu Amor nos indicar!"
Sobretudo dos Discípulos, em geral sérios, irradiava tamanha felicidade, que Ursus chegou a segredar a Lázaro: “Como podemos entender esta íntima alegria nos corações daqueles que tanto amavam o Senhor, apesar deles saberem que agora não é mais possível vê-Lo com nossos olhos e sentir Sua querida Voz com nossos ouvidos! Pois Ele tornou à Sua Pátria Original, deixando-nos apenas Seu Verbo cheio de Vida e a Promessa de voltar um dia. O Senhor deve ter-lhes dito algo muito especial!"
A esta pergunta, Lázaro se sentiu impelido a dirigir um pedido aos Discípulos, que já preparavam seu regresso a Jerusalém, dizendo-lhes: "Queridos irmãos, em muitos de nós vive o desejo de conhecer algo das sublimes palavras que o Senhor dirigiu no fim a vós, Seus Discípulos, mas que nós não pudemos entender."
"Fazes bem em perguntar-nos", disse Pedro, "para que ninguém pense que o Senhor também poderia ter falado um pouco mais alto, de modo que todos O entendessem! Vede, todos nós fomos hoje testemunhas de acontecimentos que ninguém teria esperado! Cada um recebeu Dele ainda Palavras pessoais de Bênção; mas Suas últimas Palavras se destinavam apenas a nós, Seus Discípulos mais próximos. Mas não recebemos Dele nenhum mandamento de esconder-vos tais Palavras. Escutai, pois, o que o Mestre falou aos nossos corações:
“Irmãos! Encontro-Me hoje no término de Minha Missão! Não quero repetir-vos tudo o que deveis fazer ou deixar de fazer, mas apenas comunicar-vos o motivo por que devo separar-Me visivelmente de vós e de todos os que aqui estão reunidos! Sabeis, Irmãos, que nada de humano, nenhum impulso íntimo, pôde jamais frear Minha corrida vitoriosa! Constantemente aspirava apenas a sublime meta interior que a Divindade colocara diante de Mim! E sabeis: Está consumado! Se parto agora visivelmente deste campo de Minha atividade como Filho do Homem, quero deixar à Terra e a todos os seus habitantes este Meu testemunho: Volto para Minha Essência Original como Transfigurado e Vencedor sobre a morte, para mandar de lá Meu Auxílio Divino a todos que lutam seriamente pelos eternos bens espirituais, sem o qual não vos seria possível conseguir e completar algo! Mas, Meus Irmãos, como poderia continuar Minha Santa Obra em vós e por vós, se ainda tendes de Mim ideias e conceitos humanos que poderiam perturbar ou pôr em dúvida o vosso íntimo? Sabeis que devolvi à Terra, por Meus livres sacrifícios, o que lhe devi como homem. E tendo-o conseguido e completado, Me tornei Espírito! Com isso, transformei essa Terra, a fim de tornar possível a cada um — apoiado em Meu eterno Espírito Vencedor — conseguir a vontade e a força de também vencer e se tornar, igual a Mim, independente de tudo o que há de mundano nele. E mais: Assim como tudo o que é terrestre tinha que Me servir e Me ser submisso, da mesma maneira tudo o que a Terra ainda possui de próprio deve sujeitar-se também a estes vencedores!
Meus Irmãos! O que vos dou nesta hora é mais do que o Céu pode dar, mais do que qualquer homem pode compreender. A dádiva que em Minha despedida vos deixo — e através de vós não apenas à Terra mas a todos os mundos no Espaço Infinito — deverá ser manifesta apenas vós e àqueles que, mantendo-se na pureza infantil, terão alcançado a perfeição em si. Permanecei ainda reunidos em profundo silêncio, até sentirdes que essa Palavra que vos dirigi na última hora já manifeste em vós sua própria vida, e que vosso vivo amor a Mim já tenha transformado a última centelha do Filho do Homem em Filho de Deus. Será esta a hora na qual Meu Verbo — qual raio — iluminará por vós a noite, onde todas as trevas receberão a luminosa nova: Eu vivo como a Verdade Eterna! Esta não é mais uma Vida por Mim, senão em vós e por vós! O que esta Minha Vida em vós representa, dentro em breve todo inundo o saberá! Mesmo que todas as forças das trevas se sublevem contra vós a fim de — com suas forças reunidas —conseguirem fazer-vos calar, então sereis inflamados por um sopro santo, um fogo santo, podendo irradiar, qual Sol, uma plenitude luminosa de Verdades Eternas que deverão convencer com facilidade todos os adversários de que sou Eu que vive e age em vós!
Olhai para Jerusalém, o lugar da Minha Paixão e Minha grande Vitória! Aí está colocada para todo o futuro a pedra fundamental, permitindo a cada um tornar-se também um vencedor de sua morte e um ressuscitado para uma Nova Vida! Pois não vos contratei para morrer por Mim, e sim para uma Vida Celeste! Deveis viver por Mim! Viver da Minha abundante Plenitude de Graças, para que a grande e santa Obra de Minha Vida encontre em vós sua continuação! Permanecei ainda em silêncio, unidos ao Meu Espírito, até receberdes o Advogado Prometido — o Espírito Santo — que é a Força de Fogo para tudo que é bom e nobre! Assim vos dou ainda Minha Bênção especial! E que tenhais cada vez mais consciência do Meu Grande Amor para com toda a humanidade, a fim de serdes uma Bênção para todos! Amém!'
"Eis as Palavras que o Mestre dirigiu à nossa vida íntima!", terminou Pedro comovido; de todos apoderou-se um solene silêncio por causa das grandes revelações do Amor Divino naquelas Palavras de despedida.
E Pedro acrescentou ainda: "No meu coração sinto cada vez mais a felicidade e alegria de ser eleito por Ele, para tornar-me também um salvador dos nossos semelhantes, assim como Ele Mesmo foi nosso Salvador e Redentor!" Então Pedro se recolheu inteiramente para seu mundo interior. Após algum tempo, recomeçou a falar, os olhos brilhando em raro esplendor: "Ouvi, meus irmãos, o que percebo e sinto em mim. Compreendo que o Mestre não pôde nos dizer mais de todas as glórias de uma despertada vida interior, pois tinha que considerar nossa falta de fé e nossos conceitos pouco perspicazes do Divino! Mas agora enxergo a Glória Eterna do nosso Pai Divino que me faz passar por um tal estado celeste, a ponto de poder encontrar em mim tudo aquilo que Sua Boca teve que ocultar perante nós!" E exaltando-se cada vez mais em seu interior, Pedro virou seu rosto para o Céu e exclamou: "Óh Tu, Magnífico Jesus! Finalmente também Tu, em mim, estás liberto e salvo do peso que a Lei exercia sobre Ti! Só agora podes viver e agir em nós pelo amor remido de todo o mundo exterior de Teus filhos. E que cada um transforme seu coração em uma Jerusalém e seu amor em um templo onde podes morar, um altar onde queres saborear os sacrifícios de amor de Teus filhos!"
E levemente voltando-se de novo para os Irmãos, exclamou: "Ouvi vós todos: Não foi Ele que subiu ao Céu, mas o Céu que desceu para nós, recebendo novamente no Seu Centro Original o santíssimo e sacratíssimo Ser de Amor! Em todos os Céus crescerá o desejo de poder ver o Eterno Santo Deus, também o Pai! Mas esse desejo só poderá se realizar a partir da nossa Terra! Pois Tu, nosso Jesus, nosso Deus e Pai, não podes voltar inteiramente à Tua Pátria Original, uma vez que o Amor Te prende ainda a todos os perdidos, para os quais tal Pátria se acha ainda fechada! Eis a razão do pedido que dirigiste a nós: ‘Deixai-Me viver em vós e continuai a Minha Obra no Meu Eterno Espírito de Amor!"
Pedro silenciou, profundamente recolhido no íntimo, mas seu rosto brilhava no reflexo de uma paz maravilhosamente transfigurada! Todos olhavam para ele, profundamente comovidos, — jamais ninguém ouviu e viu Pedro daquela maneira! Diante destas revelações da vida íntima de Pedro, Ursus, inflamado em sua energia pelo espírito, foi para Pedro e disse: "Sim, irmão, agora compreendo tua alegria! Tuas palavras penetraram-me profundamente no coração, despertando algo que nunca teria ousado pronunciar, ou seja: Se esta Ascensão de Jesus nos privou da esperança de jamais podermos entrar em contato pessoal com o Senhor, em compensação o Senhor e Mestre nos revela que Seu único anelo é agora de morar nos Céus que Seus filhos aqui, na vida terrestre, criarão; isto é, no próprio peito humano! Ou, com outras palavras: Esta Sua Ascensão significa para mim a geração de Sua Personalidade Espiritual no meu coração!"
Pausando um pouco, Ursus continuou: "Também sinto agora com última clareza: Para que o homem não se perca em saudade pelo Mestre, nutrindo vários desejos que não podem lhe ser úteis para sua perfeição espiritual, Ele Se separa de nós visível e definitivamente! Ele quer ser procurado — e em seguida encontrado por nós — no nosso próprio mundo interior! Óh Tu, magnífico Deus e Pai! Fortalece o meu amor! Alarga meus conceitos ainda terrestres, para que possa bem compreender a grandiosidade e santidade do Teu Amor para conosco, pequenos seres humanos! Deixa que me torne só amor, para que também Tu proves em mim algo das delícias, assim como tu me preparaste as delícias do Teu Amor!" — E respirando profundamente, acrescentou: "Amém!"
Levantou-se agora o Irmão João e disse a todos: "Raramente um homem compreendeu tão bem o Senhor como tu, irmão Ursus; e só a poucos foi dada a Graça de lançar um olhar tão profundo nestes novos Céus que Seu Amor imenso há muito preparou em nossos corações! Maior, porém, do que esta dádiva de Graça será se aprenderes a externar esta tua vida interior no Espírito de Seu Amor Salvador, podendo envolver com ele todos os homens no justo espírito fraterno! É maior, porque um tal amor que se entrega e serve quer substituir para todos os homens algo Daquilo que hoje vimos desaparecer para o Céu! O Mestre que sempre quer nos dar a Sua Confiança e Ajuda nos guiará e conduzirá seguramente em tais tarefas. Que as Palavras sejam agora o nosso ser, a nossa vida, a nossa âncora e o fundamento de nossa vida! Então, Sua Palavra Se unificará com a nossa vida. E é somente nessa união que provamos a Glória do nosso Pai, podendo receber da Plenitude de Sua Luz o quanto nosso amor pode alcançar! Então também nossas palavras terão efeito vibrante de vida e poderão dar apoio e confiança a outros. Ele Mesmo é, então, o Centro do meu Céu e torna-Se Senhor do meu mundo interior!"
Após uma pausa, João continuou: "Vede, dentro em deve deveremos nos separar! Que cada um retorne com alegria para o campo de ação que lhe é confiado! Mas continuaremos unidos para sempre, visto que o Mestre, com Sua despedida, ofereceu a todos os grandiosos meios de Graça, para que possamos viver Nele. Enquanto Seu Amor é para nós apenas um exemplo, procuramos sim alcançar a feliz vida interior a todo custo! Mas quando Seu Amor for despertado em nós, Ele viverá em nós, e nós viveremos por Ele! Óh Humanidade, compreende este milagre! Amém!"
CADERNO NÚMERO 14
Pentecostes
I. Apreciação da Cruz em um outro mundo
"Toda a vossa tristeza se converterá em alegria!" (João 16, 20). Essa promessa cumpriu-se imediatamente! Pois após a despedida de Jesus, na volta aos Seus Céus, todos os corações se sentiram plenos de tranquilidade, força e paz.
Entrementes, Demétrius tinha adquirido por compra a casa do sacerdote Enos e a deu de presente à Mãe de Jesus. Mas Maria a pôs logo à disposição dos Discípulos, que assim obtiveram um permanente domicílio em Jerusalém, onde podiam reunir-se a qualquer hora com facilidade. Satisfeitos, os Discípulos ao cair do Sol voltaram alegres a Jerusalém.
Em Betânia.
Todos os hóspedes ainda presentes se reuniram na tarde da Festa de Ascensão, e Ursus — com coração a transbordar — pediu para poder falar a todos. "Amigos e irmãos", começou, "dentro em breve também nós deixaremos a nossa querida Betânia. Quero, pois, transmitir-vos algo da maravilhosa vivência com que o Senhor nos presenteou na última noite. Inicialmente pensei tratar-se de um animado sonho, mas como o irmão Teófilo passou exatamente pela mesma vivência, deve ter sido plena verdade!"
"Já sabia", confirmou Lázaro, "que vós dois recebestes nesta noite uma extraordinária sagração; é, pois, com prazer que ouviremos sobre a extraordinária Graça com que o Senhor vos contemplou."
Contou Ursus: "Ontem, quando estávamos sentados no Monte das Oliveiras (ver caderno 13), o Senhor nos abençoou em silêncio, e tive a impressão de caminhar numa estrada reta, cheia de luz. Diante de mim, à distância, encontrava-se uma grande cidade; e à direita e à esquerda havia jardins e prados de uma beleza extraordinária. Virando-me, vi o irmão Teófilo seguir-me, acompanhado de um forasteiro; ao nos cumprimentarmos, Teófilo me explicou: "Este é nosso guia, mas ignoro para onde vamos, pois só agora me encontro nessa estrada".
Nosso guia, vestido de um longo manto branco com um cinto dourado e adornado de pedras preciosas, se dirigiu a nós amavelmente: "Fui incumbido, pela Vontade do Senhor, de conduzir-vos para o mundo de vossa vida anterior, e quando passardes pela porta que conduz à casa de vossos pais, a reminiscência vos será dada. Não se trata apenas de bela vivência que tereis, mas são vossos anteriores pais e avós que devem receber de vós o grandioso conhecimento do maior e esplêndido milagre do Amor de Deus! Não sou apenas vosso guia, mas também vosso servo, e terei prazer de responder às vossas perguntas."
Perguntei então: "Dize-nos, onde é que nos encontramos, e para onde conduz essa estrada? Tudo me parece tão compreensível, tão maravilhoso!"
Amavelmente, nosso guia respondeu: "Encontramo-nos aqui em um mundo para o qual a Terra não tem nome, pois não o vê e, portanto, também não o conhece. A estrada ela qual caminhamos, em verdade, fica dentro de vós, e a meta é a vossa pátria anterior. Estando afastados e separados do magnífico alvo da vida, não vos conscientizastes como estáveis alienados desta pátria, até que o Senhor entrou em vossa vida."
"Dizes que estamos entrando no mundo que outrora foi nossa pátria?! Mas quem nos prova isto?", perguntei.
E o guia respondeu: "Vossa própria recordação, vosso repentino reconhecimento: ‘Sim! Esta era minha casa paterna! Conheço todos estes homens’. Também todos os vossos irmãos, pais e avós vos reconhecerão; então a lembrança desta vida terrestre vos parecerá um sonho! — Mas considerando tratar-se da máxima Graça do Senhor, sereis também induzidos a querer cumprir a magnifica missão que vos aguarda aqui."
Chegamos agora à porta de uma grande, magnífica idade. Os telhados torreados e as cúpulas cintilavam numa luz claríssima, mas não vi nenhum sol. Antes mesmo de batermos, a porta se abriu. Atravessando-a, passamos por uma alameda com árvores bem sombrias. A direita e à esquerda vimos muitas pessoas reunidas. Um venerável ancião com longos cabelos e barbas brancas veio a nós e, pegando minhas mãos e as de Teófilo, disse amavelmente:
"Bem-vindos, Tschia e Tschena! Vossa chegada nos foi anunciada por um mensageiro celeste!" E inclinando-se diante do nosso guia, continuou: "Agradeço-te pelo teu esforço de ter trazido estes nossos irmãos em segurança para cá, cumprindo assim tua tarefa." Todos então nos rodearam com júbilo, aclamando-nos: "Bem-vindos! Bem-vindos!"
Mas nosso guia disse: "Vosso agradecimento exterior não é necessário, pois somos servos do Grande Deus; e cumprir Sua Vontade é nossa maior alegria! Presta atenção na ordem do meu Senhor, que é também o teu: Quando vossa festa tiver chegado ao ponto culminante, deverei reconduzir estes vossos irmãos para sua Terra! Por isso, começai agora a festa, que deverá ser para ambos uma vivência profunda, firmando a base de vossa consciência, mas deverá também tornar-vos livres e alegres filhos do Grande Deus!"
A um sinal do pastor supremo, fez-se ouvir um canto, e todos nós fomos para uma elevada praça aberta. Para onde quer olhássemos, havia multidões, e fomos envolvidos por um júbilo interminável. Nesta praça festiva havia um templo aberto onde altas colunas seguravam um largo teto. Em seu meio estava um pequeno altar bem visível de todos os lados pois, em volta, dez degraus levavam para cima. Todo o templo fora erigido com transparentes pedras verdes e amarelas que cintilavam como diamantes.
Novamente fez-se ouvir um canto maravilhoso: "Ave — Grande e Eterno Deus! Tu, que és Luz e Força e Sabedoria! Ave a Ti, e abençoados sejam todos os Teus povos que recebem de Ti Luz e Força, transformando-os em Serviço Divino pela Tua Sabedoria! Ave a Ti! Ave a nós!"
Durante este canto, o pastor supremo se recolheu em ação; depois se postou diante do altar e disse solenemente: "Meus queridos filhos e netos! Foi pela Vontade do Grande Deus que recebi o encargo: 'Faze que tua comunidade se reúna para uma festa digna! Pois todos vós deveis ser informados sobre os prodigiosos acontecimentos na Terra que causaram profunda excitação em toda a infinita nação e conhecer o sagrado milagre do Amor Divino, que quer dotar os habitantes de todos os mundos de suprema felicidade!' E perguntei ao luminoso mensageiro que me trouxe essa mensagem divina: 'De que maneira devemos celebrar esta festa?' E me respondeu: 'Reúne todos em solene silêncio para uma festa onde nada mais devem fazer do que preparar o próprio coração para um altar! Quanto ao resto, o Senhor e Grande Deus vos notificará pelos vossos filhos Tschia e Tschena que Ele vos mandará da Terra para este serviço!' Eles chegaram a nós em companhia deste mensageiro divino. Por isso, meus filhos, abri vossos olhos e ouvidos; sim, abri vossos corações para receber a Mensagem que o Santo Deus vos destinou!"
Um toque de trombetas ressoou, e todos se prostraram orando, permanecendo assim alguns minutos em compenetrado silêncio.
Agora, nosso guia — era o anjo Rafael — se postou diante do altar e, com um aceno, todos se levantaram do chão; e disse em voz alta: "Habitantes deste mundo radioso! A Vontade do Grande Deus que criou todos os mundos me enviou a vós, para trazer-vos uma alegria que vos fará felizes para sempre. Como sabeis, existe o perigo que tudo o que foi criado aqui, com beleza e esplendor, caia em decadência; isso se não tomardes todos, do menor ao maior, os necessários cuidados para manter o vosso mundo neste estado magnífico! Sabeis também, por anteriores mensageiros do Senhor, que o inimigo de tudo o que é belo e grandioso quis outrora enganar-vos, querendo suscitar em vós uma sedução que vos teria tornado descontentes e irrequietos habitantes deste belo mundo.
Agistes bem em confiar nos mensageiros do Senhor, e eis que o Grande Deus vos agradece, querendo agraciar-vos com um presente através destes irmãos. Já fostes informados que o Santo Deus também encarnou como Homem da Terra, planeta que agora serve aos vossos irmãos como morada e lugar de instrução, a fim de proporcionar a todos Seus seres criados a imensa Graça de se tornarem também filhos felizes do Grande Deus, dependendo de sua própria e livre vontade e ação! Vossos dois irmãos são minhas testemunhas; eles vos falarão agora, ensinando-vos conforme o santo impulso em seus corações."
Teófilo dirigiu-se ao altar e, saudando com a mão, disse: "Irmãos! Irmãs! Pais e mães! Pareceu-me primeiro ter tido apenas um pesadelo desde que me ausentei daqui, mas agora sei que sou ainda um habitante da Terra, podendo ficar só por brevíssimo tempo junto de vós que outrora estáveis tão perto do meu coração! Sim, o vosso mundo é um céu, um céu comparado com nossa Terra sombria! Vossa maneira de viver é uma delícia, mas tamanha felicidade pode facilmente cansar e paralisar.
É verdade que também nós, em nossa Terra, conhecemos delícias e felicidade; mas constantes querelas e sofrimentos sempre nos incitam a lutar arduamente por estes bens, pois o inimigo de tudo que é divino, por seu poder e sua astúcia, matou quase toda pura alegria e contentamento nos corações dos homens, pelo que vicejaram discórdia, domínio e falta de amor. Nesta máxima aflição de tribulação e afastamento de Deus, o Onipotente Criador de todos os seres e mundos apiedou-se da pobre Terra e de seus seduzidos habitantes, tornando-Se — sendo Homem em Essência — Homem como nós, para abrir-nos um caminho de salvação de todo erro e ignorância, a fim de vivermos novamente na esplendorosa paz e bem-aventurança da proximidade de Deus! Este Homem-Deus, de nome Jesus, venceu vitoriosamente todas as tentações que queriam fomentar Nele o amor próprio, graças à Força que amadureceu Nele até a total autoabnegação, tornando-Se assim Senhor de todas as forças, tanto Nele Mesmo como na grande natureza! Vivendo com humildade e amor, Ele nos exemplificou como cada um pode conseguir que a Vontade Divina que habita dentro do seu coração se torne sua própria lei. Por Seus Ensinamentos sobre o justo caminho do desenvolvimento da índole divina no homem, como também pelas Suas milagrosas forças curadoras, Ele erigiu um duradouro monumento em muitos corações.
Sua meta foi de ensinar-nos um amor a Deus inteiramente novo, para despertar em nós o amor desinteressado ao próximo, como a todos os que caíram, convidando-nos a imitá-Lo neste intento e a tornar-nos ativos colaboradores da Sua Obra de Salvação. Mas o inimigo de Deus influenciou de tal maneira os fracos homens e até mesmo os sacerdotes, que estes condenaram o Divino Salvador e Redentor de todos os males para a ignominiosa morte na cruz! Ele permitiu, sem reagir, que isso se consumasse!
Minhas palavras vos fazem estremecer e vós perguntais: 'O que tem tudo isso a ver conosco?' O meus caros: muitíssimo! Pois este grande sedutor não se limita a nós e à nossa Terra, não; ele tentará armar ciladas também contra vós, a fim de roubar-vos a santa paz em vosso mundo interior! Nós estamos aqui para mostrar-vos o caminho da salvação, e deverá ser um ato festivo quando o sublime símbolo deste Amor redentor vos for desvendado, indicando, também a vós, o caminho para a divina vida interior.
Só pela morte de Jesus na cruz evidenciou-se para todos nós como Deus ama! Como está sempre cuidando do bem-estar de Suas criaturas, oferecendo às almas perdidas o único meio para encontrar o caminho de volta a Ele, tornando seus corações felizes, em verdade e para sempre. O símbolo de Sua cruz não representa apenas o Amor mais santo e puro de Deus para com Seus filhos, mas também o indicador de como conseguir, muitas vezes dolorosamente, mortificar todos os efêmeros desejos e inclinações terrestres, subordinando-se inteiramente à Santa Vontade de Deus, a fim de assim conseguir a nossa elevada consumação! Manifestai-me, pois, se estais dispostos a tornar-vos vasos receptores e portadores deste Seu Espírito? Mas somente vossa libérrima vontade deve decidir aqui!"
Após um breve silêncio, o pastor supremo deu um sinal e disse: "Tschena! (Teófilo), filho e irmão de todos os que estão presentes, tuas palavras nos deram uma imagem de vosso mundo, o que nos comoveu profundamente, dando-nos também uma doce esperança e promessa. Porém, não necessitamos procurar um salvador e redentor, uma vez que vivemos em um país solar, sendo seres alegres, se bem que nossa vida feliz já levou alguns ao cansaço e à apatia. Sabemos que o Espírito de Deus é um fogo que devora tudo! Eis por que nos contentamos em expor-nos aos raios de Sua majestade de Luz. Que mais precisamos? Sempre foi assim, tanto quanto podemos lembrar, e esperamos que as coisas permaneçam sempre as mesmas! Falei no sentido de todos!"
Eis que agora eu (Ursus) fui ao altar e, abençoando todos com o sinal da cruz, disse: "Meus caros! Em breve, esta hora de Graça estará terminada, e deveremos voltar a nossa Terra. Mas sinto uma dor no coração, porque não podeis ainda compreender o espírito de nossas palavras. Por isso, vou tentar sacudir vossos corações, para que vos conscientizeis da grande Graça que transmitimos aqui!
Meus queridos, ao Senhor e Criador de todos os mundos é certamente muito importante que essa Sua Mensagem cheia de Graça vos seja transmitida. Sei que neste tempo os habitantes de todos os mundos vêm sendo informados destes santos acontecimentos em nossa Terra, visando a definitiva vitória sobre todo o poder do inimigo e a transformação de todos os homens para "filhos" do Grande Deus, mas por iniciativa própria. Pois Ele, o Santo Deus e Grande Espírito, quer ser amado por todos os homens e ser-lhes Pai. Por isso, Ele revelou a nós homens, como Jesus, o grande Amor que vive em Seu Coração por todas as Suas criaturas. Um Amor pelo qual não temos a justa palavra! Um Amor que venceu até a morte, tirando-lhe o horror de seu poder! Quereis que vos fale mais deste Amor?
"Continua, Tschia! (Ursus)", pediu o pastor supremo, "tuas palavras são qual flecha que penetra em todos os corações, sem feri-los. Continua, pois ansiamos por conhecer melhor este Amor!"
Disse então: "Ajudai-me, pois, a preparar duas traves, uma longa e uma curta, para que o próprio sinal deste máximo Amor possa vos falar!" Assim foi feito; em breve, traves, pregos e ferramentas estavam à disposição, e eu ergui uma cruz como a tinha visto no Gólgota (Caderno 13) Levantei-a alto sobre o altar, onde Teófilo a segurou.
Atentos, todos os olhares se concentraram sobre nós, e eu disse em voz alta: "Meus queridos! Eis aqui uma cruz! Até agora, morrer nela era o sinal da máxima vergonha; mas a partir de agora, e em toda eternidade, será o sublime sinal do máximo sacrifício de Amor!
Foi numa cruz assim que o encarnado Amor Divino expirou, cumprindo desta forma a promessa que o Criador tinha dado aos primeiros homens da Terra (quando caíram vítimas da tentação do inimigo da vida), devendo, então, renunciar ao convívio paradisíaco com Deus. Por esta morte, como sacrifício voluntário por Seus filhos perdidos, o Espírito que vivia no Deus-Homem Jesus libertou-se totalmente e foi dado a nós homens como oferta eterna para restabelecer o relacionamento íntimo com Deus. E há uma só condição para isso: 'Tem fé e confia neste santo Amor Divino que te ajudará em toda necessidade; esforça-te a acolher este Amor também em teu íntimo, para te desenvolveres de um fraco homem terrestre para um luminoso filho de Deus! Pois quem se apropria da Vida interior de Jesus e de Seu Amor altruísta, neste, tudo o que é celeste cresce e floresce como por si mesmo!
Vede este símbolo! Em todos os Céus é colocado como glória no altar da adoração de Deus, e em silêncio anuncia a todos a maior Obra de Amor do nosso Santo Deus e Pai. A partir de agora, cada um pode se tornar Seu filho! A qualquer tempo e hora, o acesso ao Coração Paterno está aberto para nós, e podemos nos aquecer e nos saciar no Seu bondoso Amor Paternal.
Se vós também, meus queridos, quereis adquirir esta nova vida, deixai que a partir de agora só fale vosso íntimo amor a Ele!
Assim está terminada nossa missão aqui, que quer fazer-vos filhos de Deus na mais profunda bem-aventurança, dependendo da vossa fé em nossas palavras e de vossa disposição de habituar-vos ao Seu íntimo Amor!"
E acrescentei ainda: "Em nossa Terra, o menor de todos pode agora orar: 'Nosso querido Pai, que habitas nos corações de Teus filhos! Penetra-nos totalmente com Teu Amor, para que o Teu Reino se estenda em toda parte e Tua Santa Vontade Se torne inteiramente nossa, não havendo mais diferença entre Teus Céus e a nossa Terra! Dá-nos nosso pão de cada dia, para que aprendamos sempre a dividir com os outros! Perdoa nossas dívidas como também nós queremos perdoar de boa vontade aos nossos devedores. Não permitas que sejamos enfraquecidos por tentações, mas fortalece-nos contra todos os males! Pois Tu és Amor e Força! — E toda vida Te pertence, do menor ser à mais sublime Glória, no tempo e na eternidade! Amém!'
Da mesma maneira, também vós podeis orar, e as portas de vossos corações não se fecharão mais. Pois onde Deus — o Eterno — habita como Pai, Seus filhos não são mais criaturas, mas herdeiros e representantes do Seu grande e imenso Reino. Depende agora de vós: Quereis vos tornar filhos do Santo Deus-Pai, ou permanecer servidores do Grande Espírito Divino? Que vossa livre vontade decida vosso futuro!"
Inclinei-me profundamente diante da cruz e em seguida diante dos presentes, e desci dos degraus do altar.
Então disse o pastor supremo: "Filhos! Ouvistes da boca de vossos irmãos esta santa mensagem, tão simples e clara! Que quereis que eu lhes responda? Devem queixar-se diante de seu Senhor e Santo Deus: 'Nossa missão fracassou, porque estes habitantes não sabem ainda apreciar a felicidade de tornar-se filhos do Altíssimo!', ou devem eles dizer: 'Eles estão em júbilo, e grande é a alegria em seus corações. Agora já se sentem como filhos de seu Deus!"
Eis que prorrompeu um júbilo como a Terra não o conhece, e o pastor supremo prometeu solenemente: "Queremos tornar-nos Seus filhos! Queremos viver como filhos de Deus! Esta cruz há de permanecer como sinal visível de que queremos tornar-nos dignos de tamanho Amor paterno!" De novo grande júbilo! Chegaram, então, meninas que adornaram a cruz com magníficas flores. "Levemo-la ao nosso grande Templo", disse o pastor supremo, "para que honre o lugar dedicado ao Santo Espírito de Deus. Mas tu, o guia de nossos irmãos que nos trouxeram a magnífica mensagem, consagra-a no Espírito Daquele a Quem serves! E consagra também a nós, para que nos libertemos dos nossos velhos conceitos!"
Todos se ajoelharam rezando. Então mãos fortes pegaram a cruz adornada e a levaram ao grande Templo; os outros seguiram em silêncio.
Rafael foi ao altar, abençoou a comunidade e disse: "Ornado pelo amor de vossos corações, o símbolo da Redenção está diante de vós como sinal de união entre Deus, vosso Amoroso e Santo Pai, e vós, os futuros filhos de Deus! O espírito desta cruz, como expressão do mais alto e perfeito Amor Divino, foi simbolizado pelas Palavras de Jesus: 'Amai-vos até o último suspiro! Amai-Me, e todos vós vivereis!' Todos os vossos pensamentos sejam uma vida de amor e alegria; então o Céu descerá sobre vós, transformando o vosso mundo em um novo Céu! E se vosso coração exclamar: Óh Pai, ansiamos pela Tua Presença!', Ele porá à prova o vosso amor e virá Pessoalmente para vos abençoar. Mas por mim já estais abençoados no espírito do supremo Amor revelado por esta cruz, para que vos torneis uma bênção para outros! — A Paz do Senhor seja convosco! — Amém."
"Chegou a hora da despedida! O Senhor nos chama para outro serviço; Sua Vontade seja feita!" Assim partimos, seguindo a mesma estrada de volta à pátria. Mas tudo me parecia tão diferente, que perguntei ao nosso guia: "É essa uma outra estrada?"
Rafael respondeu: "Ursus e tu, Teófilo, ouvi! Também essa estrada encontra-se em vós, com a única diferença: Antes da vossa missão seguistes por vossos caminhos, e com o coração alegre chegastes à meta! Agora, porém, seguis os caminhos do Senhor, e vosso coração está cheio de amor que não aguarda agradecimento, mas deseja agradecer ao Senhor. Agi, pois, segundo o sagrado impulso em vossos corações — e já chegamos ao destino!"
Acordei, então, como de um sonho, vendo-me no Monte das Oliveiras, onde o Senhor estava sentado entre nós. Quis dizer algo, mas Seus Olhos me disseram: 'Guarda silêncio enquanto Eu estou ainda convosco!' Foi esta a nossa vivência que ainda está viva em nós, como também o irmão Teófilo me está confirmando!"
Então disse Lázaro aos presentes: "Meus irmãos! Vistes e vivenciastes agora uma partícula ínfima de Suas Glórias. Mas o que sentireis quando o Senhor ocupar totalmente vossos sentimentos, pensamentos e ações?! Descansemos por hoje, pois o dia vindouro exigirá novos deveres e forças! Assim, quero abençoar-vos no Espírito de Jesus, para que ninguém sinta falta da torrente de Graças que nos vem da Glória do Seu Amor!"
Todos procuraram seus aposentos e descansaram na Bênção do Seu Amor. Só o impulsivo Ursus não tinha sossego, pois seus pensamentos o prendiam ainda no lugar onde há pouco esteve em espírito. E formou-se nele o desejo: "Oxalá pudesse só mais uma vez falar com o pastor supremo, pois foi muito pouco o que lhe disse e como descrevi a Graça que nos fora dada aqui em nossa Terra!"
Eis que ao redor dele se formou uma belíssima claridade; o anjo Rafael estava diante dele e disse: "Ursus, por que tua mente se encaminha para lugares distantes, privando-te assim do necessário sono? Vê, o Senhor, teu Deus e Pai Eterno, te matará cada saudade, se teus pensamentos e intenções forem plenamente conscientes: 'Pai, aqui estou! Como Teu filho, quero sempre estar pronto a executar qualquer serviço! Mas Pai, sem Ti nada conseguimos!'—Em ti, meu Ursus, arde um fogo que te impulsiona a servir; mas dou-te este conselho: Torna-te, interna e externamente, inteiramente tranquilo, para que toda a força se concentre e possas vivenciar a grande certeza de que teu Deus e Santo Pai vive em ti. No Mestre da Vida, Jesus, a firmeza Vinha da consciência: 'Eu e Deus somos UM.' — Adquire também tu esta segurança, pois só desta maneira seguirás os caminhos de Deus, sendo a Paz de Deus tua partilha."
Sem aguardar uma resposta, o anjo partiu; mas em Ursus, o fogo da saudade de sentir e ver o próprio Ressuscitado se tornou ainda mais ardente. Fez-se, então, ouvir nele uma fraca voz: 'Não te basta o Meu Amor?' Ursus olhou ao seu redor, mas em volta dele só havia escuridão. Então caiu de joelhos e exclamou: "Pai! Agora sou Teu filho! Agora sei que elegeste também a mim, aceitando meu coração como morada! Oh feliz que sou! Sei que estás perto de mim. Assim, também minha vida deve ser Tua, já que Te deste a mim de presente. Agora posso ficar calmo em Ti, descansar em Tua Paz!"
II. A grande mudança após a Ascensão de Jesus
Na manhã seguinte, mãos diligentes se ocupavam bem cedo, pois a presença de tantos hóspedes exigia muito trabalho. Quando Demétrius entrou na sala de estar, Lázaro o saudou cordialmente; mas vendo uma sombra em seu rosto, perguntou: "Irmão! Hoje não mostras cara alegre; o que é que oprime teu coração nesta manhã radiosa?"
"Es excessivamente generoso conosco, querido Lázaro", disse Demétrius pensativo, "pois nossa morada em Betânia, com nossa grande caravana, é certamente um peso para vós, e não te importas com uma indenização! Assim, estou ansioso por dizer-te: tenciono partir."
"Meu Demétrius, essa preocupação não tem motivo", respondeu Lázaro, "pois sabe: tudo o que recebemos aqui é uma dádiva do Senhor! Além disso, teu pessoal colaborou nos jardins e plantações, prestando um serviço muito útil. Fica ainda mais duas semanas como meu hóspede, pois bênçãos especiais do Senhor estão ainda por acontecer."
"Irmão Lázaro", replicou Demétrius, "teu amor tem o dom de me tranquilizar. Sinto que houve hoje uma mudança em mim, provocada ontem pela despedida extraordinária do Senhor, e suponho que o mesmo se dá também com outros. Enquanto Ele viveu como Homem em vossa terra abençoada, vossos pensamentos corriam para Ele, libertando em vós forças que fomentavam a manutenção de vossa existência. Mas agora, Ele Se foi! Onde queres procurar agora o Senhor com teus pensamentos e sentimentos? Não é verdade que a partir de hoje o mundo ao vosso redor se tornou diferente?"
"Irmão Demétrius", respondeu Lázaro pensativo, "teus pensamentos não são infundados, eu também vislumbrei hoje os arredores como com outros olhos! Tive a impressão de que a medida dos deveres se tornou muito maior, como se eu estivesse sozinho e com o peso da responsabilidade para tudo! Mas em mim sinto uma consciência tranquila: pois somos todos do Senhor! Seu Amor providenciou e criou em nós um monumento. Um único pensamento à Sua imolação de Amor na cruz é como uma torrente de bênçãos que vivifica de novo todos os pensamentos e sentidos para uma nova ação! Que o Senhor não ficaria para sempre como Homem na Terra, muitas vezes ouvimos de Sua Boca. Também nos anunciou Sua Paixão e morte. Mas nos deixou também um grande legado promissor, e alguma coisa já se cumpriu entre nós. Apesar de tais acontecimentos se terem precipitado, nunca vacilei nos meus pensamentos e ações!"
Entrou Marta no quarto e disse ao seu irmão: "Lázaro, hoje não se consegue cumprir nada; e quanto ao desjejum, estará pronto mais tarde que de costume. Parece-me que nossas mãos estão desacostumadas de trabalhar."
"Enganas-te, irmã", respondeu Lázaro, "teu coração não está livre de tristeza, porque teu amor ao Senhor teve e sofrer uma dor semelhante à da sexta-feira da Paixão! verdade que Ele nos deixou, porém nos prometendo: ‘Virei outra vez!' Prepara-te a isso no teu íntimo, para que, se Ele viesse já hoje, encontraria um luminoso `Bem-vindo!' na porta do teu coração. Assim conseguirás também desembaraçar-te dos pensamentos que querem entravar as ações! Pensa em Madalena, cujas ações e palavras revelam em que alto grau o Senhor está vivo em seu íntimo! Ela simplesmente não pode habituar-se ao pensamento ‘o Senhor nos deixou', porque Ele não pode deixar seu coração. Fala com ela, e tua tranquilidade retornará."
Por volta do meio-dia, muitos hóspedes já tinham partido de Betânia; Lázaro então sugeriu ir com Ursus e Teófilo para Jerusalém, a fim de visitar os Irmãos no seu novo lar. "Pois amanhã é sábado e portanto impróprio para viajar a Jerusalém." Demétrius e Enos também queriam ir com eles e pediram que Maria participasse da viagem, uma vez que queriam entregar-lhe a nova casa.
No caminho, o locatário da hospedaria veio-lhes ao encontro, querendo informações a respeito de todos os novos boatos sobre a despedida do Mestre desta Terra.
"Tranquiliza-te, meu irmão", respondeu Lázaro, "tudo tem suas razões naturais. Sim, o Senhor voltou à casa, ou seja, regressou à Sua Casa Paterna; pois desde eternidades foi determinado por Ele de trazer os bens celestes aos homens durante o tempo necessário, até que fôssemos capazes de procurar, nós mesmos, a libertação interior. Dessa maneira, não sofremos uma perda, mas um ganho inimaginável, pois agora o desenvolvimento da nossa vida espiritual se efetuará de acordo com nossa ação dentro do amor! Os Irmãos têm agora a tarefa de cultivar os corações no sentido do Mestre e de fazer frente, com calma e firmeza, à influência de conceitos errados."
Na casa de Enos, a visita dos irmãos de Betânia encheu os Discípulos com feliz alegria. Pedro pegou a mão de Demétrius e disse, cheio de gratidão: "Irmão! Consideramos essa casa agora como sendo do Senhor! É natural que a bondosa e feliz Presença do Senhor vai-nos fazer falta muitas vezes, mas sabemos: em Espírito, Ele está conosco e no nosso meio segundo o grau do nosso amor para Ele. As ocorrências dos últimos 40 dias pareciam um sonho! Na hora da maior necessidade e desequilíbrio íntimo, Ele veio a nós e aniquilou todas as dúvidas, criando em nós conceitos novos e mais vivos sobre Ele e Sua Essência, de modo que hoje nosso único desejo é: que Sua Santa Vontade seja também a nossa! Oxalá o legado do Seu Amor se tornasse propriedade universal!" "
Posso compreender os vossos desejos", respondeu Demétrius, "mas meu coração anseia por algo diferente e que ainda não foi mencionado. Para mim e Ursus é da máxima importância saber: para onde foi Jesus? Desvaneceu-Se visivelmente diante dos nossos olhos, mas todos nós recebemos a promessa: 'Voltará da mesma maneira como vistes subir ao Céu!' — Para vós, o Mestre é Espírito; para mim é Personalidade. Irmão Pedro, peço-te um esclarecimento a esse respeito."
Respondeu Pedro: "Irmão Demétrius, gostaria que minhas palavras te satisfizessem e que não te entregasses a ideias erradas. Também para nós, o Mestre é realmente uma Personalidade! Sua Vida, Seu trabalho e Suas ações de maneira nenhuma se tornam sem efeito pela Sua morte e Ressurreição, ao contrário, sempre salientar-se-á Sua Vida como Homem; Sua Vida como Homem ficará para sempre como um exemplo para nós! Pois foi por esta finalidade principal que o eterno Amor Paterno Se encarnou! Quando Ele, nos 40 dias passados, veio a nós espiritualmente indestrutível, Ele era o Mesmo Jesus como em Sua Vida corporal, com a única diferença: Sua carne ocultou-nos o Homem de Luz que agia no Filho do Homem Jesus, executando briosamente tudo o que o Eterno Espírito Original, qual Lei, deitava Nele.
O invólucro do nosso Mestre caiu. Diante dos nossos olhos tinha que acontecer o milagre, para que O víssemos em toda Sua Glória e Esplendor! Foi por nossa causa que Ele ocultou Sua Magnificência, e o fez para dar-nos a ocasião de revelar e externar todas as Glórias que Ele, em Sua Providência paternal, deitara em nós qual semente.
Todos nós sabemos que Sua morte significa para nós vida, mas toda vida deverá, um dia, apagar-se, se não houver constante atividade! Somente nesta atividade desatamos 'o espírito em nós', que é a Sua dádiva de Graça a todos os filhos humanos, ficando assim sempre em comunhão com o Senhor que Se encontra — como Deus — por toda parte!
E ainda! O imensamente grande é agora manifesta a maneira como o Filho do Homem Jesus empregou em Si todos os meios para unir-Se à Eterna Divindade, com o único intuito de agir e trabalhar pelo Espírito de Deus! Assim, a Divindade está ligada agora ao Amor e à Essência de Jesus pelo Seu grande e imenso Sacrifício de Salvação, o que justifica nossa convicção: Não há mais Divindade sem Jesus. O que nós percebemos pelos nossos sentidos foi criado por Deus, mas sua estabilidade eterna vem somente por Jesus, porquanto Seu Amor criou os meios que garantem Sua conservação. Eis por que nosso ser e nossa vida são dedicados a este Amor de Jesus, para que Sua Obra tenha prosseguimento, e as Bênçãos do Seu Amor possam ser experimentadas por todos os homens!"
Disse então Demétrius: "Querido irmão Pedro! É mais ou menos assim que imaginei 'a grande Graça' de Deus! Mas entre ideia e realidade há muitas vezes uma grande diferença! Em nossa longa viagem e nossa permanência no abençoado país dos judeus, vivenciamos muitas coisas, mas não encontramos ainda com ninguém a maneira de ver que tu nos esclareceste agora. Concordo plenamente contigo, mas será que teus compatriotas serão da tua opinião? Não estão eles até agora habituados a receber apenas, ao passo que a característica da magnífica Doutrina de Jesus pleiteia o dar? Milhares e milhares rezarão e pedirão dádivas que o Senhor em Seu Amor universal deve proporcionar-lhes. Tu, porém, queres ser com teus irmãos igual a Jesus, aquele que somente dá!"
"Assim é", respondeu Pedro, "na comunhão com Jesus aprendemos a reconhecer a grande verdade que a menor dádiva, se oferecida no justo espírito, pode derrubar todas barreiras existentes. Se queremos ser Seus sucessores, isso só pode ser no espírito da doação que abriu ao Mestre os corações, removeu todas as separações e fundou a comunidade que existirá para sempre. Atrás de nós, pois, a atuação de Jesus que nos admoesta e que prova a fidelidade e união com o Seu Espírito Paterno!
Mas diante de nós está a grande e santa Missão que Jesus colocou em nossas mãos, não pertencemos mais a nós, mas somente a Ele e à toda humanidade, porque Sua grande comiseração e providência colocou o bem-estar espiritual de todos em nossas mãos!
Não penses que digo demais ou que exagero. Ao contrário, mostro muito pouco daquilo que o Mestre espera ver cumprido por nós. O mundo vai de mal para pior, mas à influência de todas as forças destrutivas foi oposta uma barreira, no que o Mestre não nos ensinou apenas o justo meio, mas o demonstrou pela vida!
Não penses, porém, que nos seria agora possível expulsar tudo o que há de mau e baixo no mundo! Ainda que falássemos a língua dos anjos, não o conseguiríamos. Mas o Mestre, que é agora Senhor de eternidades em eternidades, nos mandará o Seu Paracleto que será nosso guia e também pastor, e assim, um dia Sua Obra terá êxito! Sua Obra gigantesca ficará intocável para sempre!
Os seres de todos os mundos e regiões observam estes grandiosos fatos, pois eles advinham o que nós sabemos agora: A força do mal está quebrada! Apesar de nossa fraqueza e imperfeição, podemos chamar-nos de Seus filhos. Sua morte se torna nossa salvação; Sua Ascensão, a nossa vitória. Para toda parte onde te encontres, podes também levar o Senhor! E nos corações daqueles que têm esta fé, podes, pelo nascente amor filial ao Eterno Deus e Pai, colocar a pedra fundamental para um templo, para um Céu onde o Mestre quer morar para sempre!"
Após um breve silêncio que seguiu estas palavras, disse Ursus: "Irmão Pedro! E bom que compreenda tuas palavras no teu sentido; devo, porém, dizer-te que uma certa imagem é necessária: 'O Senhor está aqui!' A mim, por exemplo, não seria possível falar Dele, se não pudesse imaginar: `Ele está aqui!' Naturalmente, só poderia imaginá-Lo no Seu Corpo indestrutível como O pude ver, ao passo que vós que vivestes com Ele podeis imaginá-Lo como quando Ele vivia ainda na carne."
Respondeu Pedro: "Não te abandones a tais ideias, para que Ele não Se torne para ti uma imagem fantástica! Para cumprirmos nossa tarefa conforme a Vontade do Senhor, não é necessário recorrer a ideias exteriores, já que o Senhor deve ser em nós o mais íntimo! Pois externamente, o mal pode ainda te enganar! Pois tudo pode ser copiado, também a imagem que tu te fazes do Mestre. Sua encantadora imagem vivendo, porém, dentro de ti, iluminada pelo teu amor, ela provoca por si mesma aquilo que é necessário para lutar e trabalhar, dando-te a prova que toda vida, qual fonte saindo com ímpeto, impele de dentro para fora!
Disse outrora o Mestre: 'Não vos preocupeis com o que ides falar, pois vos será dado no justo tempo!' E o Mestre nos ensinou a ouvir 'Sua amável Voz' em nosso peito, e dela recebemos advertências e ensinamentos! Mas o que seguirá agora, em virtude de Sua Ascensão, será ainda mais grandioso e intenso, pois, segundo Sua Promessa, um Paracleto consolador deverá ser dado a todos!
Ora, para não ceder ao ataque do inimigo de toda vida, esta Vida, ou seja, a Força do Espírito Santo, pode manifestar-se somente como íntima efusão, mas apenas naqueles que estão estreitamente unidos ao Senhor pelo amor humilde e abnegado. Também nós esperamos 'aquele dia' — em nós! E esta hora será o grande acontecimento para todos os habitantes da Terra. Assim como o Gólgota e Sua Ascensão em Betânia tornaram-se o milagre de todos os milagres para todos os infinitos, o Derramamento do Seu Amor, como Santo Sopro dos Seus Céus, será o sinal para Seus filhos começarem sua atividade aqui na Terra! A partir daquela hora, não poderá mais haver nenhuma hesitação! Tu também serás então preso por esta Força do Amor Salvador e do Amor de Jesus. Então passará para ti a ideia que tens Dele, pois o sentimento de independência pela Sua Força te dará segurança e uma fé inabalável!"
"Irmão Pedro! Tuas palavras me dão já hoje força e consciência", disse Ursus, "e me alegro de ter ouvido isso e ti! Com testemunhas como tu e teus Irmãos, deverá ser conseguido dar à Terra aquele espírito que há de educar os homens para verdadeiros filhos de Deus. Gostaria de ter sido testemunha de tudo isso desde o início, de Sua Obra de Amor, para também fazer parte, como vós, dos eleitos."
"Irmão Ursus, consola-te com os muitos que, como tu, puderam reconhecer o Senhor tão tarde! E te asseguro que estás tão perto do Coração de Jesus como nós! Não é o tempo e a vivência com Ele que transformam o seguidor em lutador e discípulo, mas somente o amor com que se quer servir ao Mestre! Entregando-te ao Senhor como Sua propriedade, com a força resoluta do mais fervoroso e íntimo amor que quer abraçar tudo, todo o resto virá de modo próprio, pois Ele é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim! Então seremos amparados por Ele, e tudo o que fizermos e pensarmos será como se Ele Mesmo tivesse agido!"
A conversa foi interrompida, pois a Mãe Maria providenciara um refresco, e todos puseram-se à vontade no terraço. Lázaro, porém, sentiu-se tomado por uma inquietação; seus pensamentos foram para a hospedaria. Saiu para lá com Demétrius e Ursus, deixando Teófilo com os Irmãos.
III. Um testemunho dos amigos de Jesus diante dos templários.
As salas da hospedaria de Lázaro estavam superlotadas, pois era aqui que todos esperavam ouvir a verdade sobre os boatos da Ascensão de Jesus. O locatário já informara seus hóspedes da breve visita de Lázaro, e quando este entrou com os dois romanos na grande sala, todos o saudaram, cheios de expectativa.
Gentilmente, pediu Lázaro: "Irmãos, tranquilizai-vos, pois trago uma feliz notícia! Saibais que o próprio Mestre eliminou todas as incertezas sobre Sua morte e Ressurreição, fortalecendo todos os corações na fé em Sua Missão. Será, pois, difícil abalar este amor e esta dedicação a Ele. Mas, queridos amigos e irmãos, o Senhor não poderia para sempre aparecer a um ou outro, como nos últimos dias, pois com isso Sua grande Obra de Salvação correria o sério risco de ser diminuída para o nível puramente humano! Por causa de Sua Obra, Ele devia, pois, voltar à Sua Pátria original, para fortalecer de lá o Espírito de Seu Amor e Força que germina e cresce nos corações de Seus fiéis, levando-os, assim, à maturidade. Ele voltou lá na firme confiança de que cada irmão fiel se esforçará de continuar Sua Obra no próprio interior e levá-la, se possível, à perfeição."
Acercou-se então um velho judeu com uma teimosa expressão no seu rosto duro, que disse: "É isso! Não podes dar-nos outras notícias do teu Mestre que conseguiu enfeitiçar-vos de tal maneira, que não sois mais capazes de distinguir entre o verdadeiro e o falso. Mas ainda está firme o Templo que Ele queria derrubar e reconstruir em três dias! Também nós estamos ainda aqui e teremos um olho vigilante sobre vós. De ti, Lázaro, tenho especial pena; poderias ser rei de Jerusalém, mas nada mais és que o vassalo de um justiçado! Quando o encanto de teu Jesus será finalmente assunto do passado?"
Ursus se excitou, mas Lázaro impediu-o de intervir e disse ao templário: "Jeremias, o poder do Templo só existe ainda em vossos olhos; ele será destruído! Mas o encanto do nosso Salvador Jesus está apenas em seu começo! É verdade que conseguistes a duvidosa fama de ter executa-o melhor e mais nobre de todos os homens! Mas aquilo só foi possível porque Ele o permitiu!
Nem adivinhais que grande serviço prestastes com isso à humanidade inteira, pois foi só pela Sua dolorosíssima morte de imolação que o Espírito, do Qual o Mestre está repleto, Se tornou manifesto a todos nós! Este Espírito passará para Seus sucessores e preencherá todos com força e persistência, até que a Obra seja consumada. Mas este Seu Espírito também exporá à vergonha toda mentira e maldade! Por isso, querido Jeremias, nos alegraremos quando este Espírito do Amor redentor de Jesus preencher todos os corações!
Ou pensas, tu e teus colegas, que a magnífica e sublime Doutrina do Mestre de Nazaré terminou com Sua morte? Assim como o Mestre saiu do sepulcro, levando a todos nós a feliz mensagem: 'Eu vivo! E vós deveis viver por Mim!', assim também Sua Doutrina continuará viva, sendo divulgada para muito além das fronteiras da nossa pátria."
Finalmente, respondeu Jeremias: "Lázaro! Eras, és e continuas sendo um visionário! Como se não bastasse que naquele tempo te deixaste seduzir e iludir o povo com a notícia de teres morrido, de teres sido sepultado e ressuscitado, te tornaste agora o propagador da maior mentira: a de que vosso Mestre ressuscitou! E dizes ainda que Ele subiu ao Céu? Mas fizestes a conta sem nós, que somos os guardiões e os eleitos da Casa de Jehovah! A Mão do Senhor vos punirá rigorosamente!"
Então Ursus se levantou e gritou excitado: "A minha mão pesará gravemente sobre ti para que te conscientizes do que provocas com tuas palavras odiosas. Vós vos chamais de 'servidores de Deus'. Posso te dizer o que és e o que mereces? Deverias ser mantido preso até apresentares a prova da verdade que nosso Lázaro é um impostor, como tu o repreendeste neste instante.
Pensas poder tratar Lázaro levianamente porque ele deve respeitar tua veste e posição! Mas ouve o que eu, como romano, te digo: Tua veste e posição tem para nós valor secundário; para mim está em jogo o teu caráter! Por isso, não contes com nenhuma consideração! Ou apresentas a prova da verdade para tua acusação, ou te retratas, arrependido, de tuas palavras, pedindo perdão para elas! Não o fazendo, te entrego a um tribunal romano, uma vez que Lázaro, como súdito romano, se encontra sob a proteção do Imperador!"
Quando Lázaro ia responder algo, Demétrius pediu: "Irmão, deixa Ursus, ele conduzirá tudo a um bom fim; é a maneira dele de pegar a maldade na sua raiz!"
"Podes ter razão", respondeu Lázaro baixo, "mas o amor só pode levar ao sucesso se associado à paciência."
Jeremias assustou-se diante das imponentes palavras de Ursus, mas após ter-se refeito, disse: "Que tenho que fazer contigo, um pagão? Não tenho medo de ti, jovem, e rio-me de tua ameaça, pois estou sob a proteção de Jehovah! Mas toma nota: é perigoso querer assumir o papel de juiz contra nós, pois o Templo possui sua própria jurisdição!"
"Bem", respondeu Ursus, "veremos até que ponto a mentira prevalece! Providenciarei para que não possas mais causar dano."
Acercaram-se ainda outros templários, querendo persuadir Ursus e Lázaro de se acalmarem, mas Lázaro disse: Vós mesmos criastes essa agitação! Estou sempre pronto a tratar convosco. Sei há muito tempo que não encontrais nada de bom em mim; mas sempre aceitastes o bem de Betânia!"
"Isso é nosso direito", respondeu um deles, "pois a Terra é de Deus e, portanto, nossa. Mas não te consideramos perdido; senão também tu, Lázaro, terias te tornado vítima do Templo, igual a teu Mestre. O Nazareno está morto e tem que ficar morto; é o que nós queremos, e ninguém tem que ter outra vontade além da nossa."
Então Lázaro levantou-se e disse aos outros hóspedes que já começavam a resmungar: "Amigos e irmãos, ficai tranquilos! Não vos deixeis transtornar pelo pequeno grupo que não quer nem pode acreditar no Mestre e Salvador Jesus! Ao contrário, regozijai-vos que muito em breve virá a hora em que todos os corações serão sacudidos por um vento fortíssimo, quando cada um de nós confessará alegremente o nosso Mestre como Seu digno sucessor! Quando todo o mundo deverá saber: Ele vive! — Ele vive! É verdade que muita falta de fé deve ainda ser vencida, uma vez que o Templo não quer reconhecer, como acabastes de ver, de ter agido mal. Mas vários sacerdotes já hoje se arrependem de terem concordado com a condenação do nosso Mestre. Ele, a Quem a morte não pôde fazer mal algum, é e permanece Vencedor! Por isso, o vozerio dos incorrigíveis não deve sobretudo tirar-nos a paz!"
Ursus procurou o locatário e, tendo-o encontrado, lhe dirigiu em voz baixa algumas palavras; então, também nele voltou a calma.
Um dos hóspedes pediu a Lázaro esclarecimento sobre o aspecto e a maneira de agir do Mestre após Sua Ressurreição! "Pois é difícil imaginar de que modo Ele vos apareceu!"
"Irmão", respondeu Lázaro, "se eu te descrevesse Seu aspecto, correria perigo — dada a presença de inimigos de Jesus — de motivar novas hostilidades. É, pois, melhor que nosso irmão Demétrius, que nunca viu o Salvador durante Sua Vida terrestre, vos descreva de que maneira O encontrou. Assim, também os adversários podem ouvir um testemunho de alguém que não é judeu! Pois bem, Demétrius, conta-nos de tua vivência com o Senhor!"
"Queridos amigos", começou Demétrius, "é com prazer que aceito o convite do nosso irmão Lázaro, pois quero testemunhar diante de vós da magnífica Bondade e do Amor do Ressuscitado. Por vários meses estive em Cesareia junto ao irmão Marcus, para poder ver o Salvador Jesus e recuperar por Ele minha saúde. Quantas vezes esperávamos que o Salvador aparecesse por lá; todos os doentes se agarravam em espírito a Jesus. Mas quão dolorosa foi a nossa decepção, quando dois maliciosos sacerdotes nos trouxeram a triste notícia de Sua morte violenta. Irmãos, dispensem-me de descrever a nossa dor! Um mundo desmoronou-se para nós! Nosso irmão Ursus, que sofreu mais que todos, foi o primeiro a receber a Graça de falar com o Ressuscitado. Ele, porém, não Se deixou logo reconhecer, restituindo primeiro consolação, tranquilidade e paz no coração de Ursus. Depois, Ele Mesmo veio para o nosso meio, com olhos luminosos e numa beleza que não se pode esquecer. Suas chagas não provocaram nenhum susto; mas Suas Palavras eram um bálsamo, penetradas de um Amor que tocava diretamente o coração.
E Ele nos mostrou Seu grande Plano de Amor, dando-nos a magnífica promessa de estar e ficar sempre com aqueles que se prendem a Ele e confiam inabalavelmente em Sua Ajuda! No fim, Ele nos abençoou, nos libertando a todos de nossos males corporais, o que provocou em nós imenso júbilo e felicidade.
Quem não quiser acreditá-lo, que faça a viagem para lá, convencendo-se no lugar. Dou a minha vida em penhor da verdade de minhas palavras. Mas a vós, templários, eu digo: não vos excedais; pois é amargo desperdiçar uma Graça, mas declarar uma Graça como coisa infernal, leva também a Misericórdia a um fim inclemente! Por isso, examinai, só depois falai!"
O velho Jeremias não conseguiu ficar quieto; logo que Demétrius se calou, ele disse: "Tu também de tornaste, juntamente com Ursus, vítima deste feiticeiro; não percebes que fostes enganados. Em vez de procurar a verdade na fonte, no Templo, confiais naqueles que venderam sua alma ao feiticeiro e impostor. Está mais do que em tempo de pôr termo a esta atividade."
Ursus ia se irritar, mas o sinal em sua mão ardeu, o que o fez perguntar calmamente: "Amigo, achas que é tão fácil nos enganarmos, de modo a não podermos mais distinguir entre verdade e mentira, entre realidade e aparência?
Comparado à tua idade, sou ainda jovem, mas já vi muito do mundo e conheci os mais variados costumes entre os homens com que entrei em contato. Daquilo que era ruim, não gosto de falar. Mas o bem que encontrei, gostaria de proclamar com mil línguas! A vivência mais bela, mais grandiosa, porém, foi o encontro com Jesus, o Crucificado e Ressuscitado!
Na minha chegada em Cesareia, encontramos primeiro dois sacerdotes que nos mostraram logo, como viajantes, ódio e desprezo. E quereis afirmar que a Verdade Divina só pode ser encontrada junto a vós? Que contraste nos esperava quando depois nos hospedamos junto àqueles que confessavam sua fé em Jesus!"
Mas Jeremias manteve-se inflexível. Cinicamente, disse: "Também a vós romanos, o domínio será tirado dentro em breve! Quem não respeita o Templo é um inimigo de Jehovah, da mesma maneira como o Nazareno era um inimigo do Templo; portanto, de Deus, razão por que tinha que morrer!"
Ursus se excitou novamente e exclamou com ênfase: "Homem! Já que Sua sublime Doutrina está em contradição convosco e com o Templo, como quereis, então, apreciar Suas Obras? Exijo uma resposta sem subterfúgios!"
"Sê contente que me digno ainda responder-te", disse Jeremias, "pois também tu estás cheio do espírito que veio do Nazareno. Se Ele operou milagres, por que nunca o fez no Templo? Porque o poder de Beelzebub não se estende até o Templo!"
Ursus, voltando-se novamente para Lázaro, perguntou, cheio de mágoa: "Irmão, por que permitis que o Mestre seja ofendido impunemente? Vossa paciência é admirável, mas despropositada aqui! Posso compreender que o Mestre tivesse tolerado palavras pecaminosas assim, porque, afinal, todos dependiam de Sua Bondade. Ele era perfeito, e superior a toda maldade deles! Mas nós, como os imperfeitos, corremos o risco de sermos prejudicados, se não repelirmos suas palavras suficientemente."
"Não te irrites", pediu Lázaro, "e fica calmo! O que o Senhor sofreu, também nós devemos sofrer! Um dia reconhecerão que agiram mal." Pão e vinho foram agora servidos, e todos se saciaram. Jeremias pediu a Lázaro: "Como vedes vosso futuro agora? Conforme vossas palavras, o Nazareno voltou à Sua Pátria! O que quereis começar agora? Evitareis também no futuro o Templo e seus servidores?"
"Meu amigo", respondeu Lázaro com calma, "nossa atitude para com o Templo depende unicamente de vós. Recebemos claras instruções do nosso Mestre e seguiremos Sua Magnífica Doutrina de Amor cada vez com zelo maior, porque sabemos que, cumprindo e seguindo Seus Ensinamentos, continuamos a grande Obra que Ele começou entre nós homens com Seu inefável Amor e Comiseração! Sua Palavra: 'Está consumado!' — foi certamente uma satisfação para todos que conheciam a Sua Obra! Mas para nós, esta Palavra será um estímulo de imitá-Lo, para que também nós, no fim de nossa vida, possamos dizer: 'Conseguimos, no Seu Espírito de Amor, repetir, pela nossa vida, o sacrifício do Gólgota para a Terra e seus habitantes!' Nisso, nem o Templo e nenhum de seus servidores pode impedir-nos! Pois em Espírito, o Senhor está sempre em nós e entre nós! Por nós mesmos, nada podemos fazer, mas tudo com Ele e por Ele! Assim como Seu Amor e Graça se renovam em nós todos os dias e Sua Palavra é para nós promessa e esperança, a vida e união com Ele é nossa consumação. Não precisamos apontar para o passado; o presente e a vida subsequente darão testemunho de Sua Vida, que Se torna viva e cada vez mais viva em nós!
Na minha opinião, tu sobretudo deverias me conhecer; meu relacionamento convosco continua o mesmo que antes. Fostes vós que vos separastes de mim, não respeitando a paz de minha casa, levando à Betânia hostilidade em vez de amizade! Mas eu, no espírito de Jesus, Meu Senhor e Mestre, tenho sempre a esperança que reconheçais o vosso erro e volteis à Verdade e à justa Ordem de Deus."
Chegaram, então, novos hóspedes: Enos, com Pedro e Jacó. Lázaro ficou admirado; ele não sabia que o locatário, a pedido de Ursus, tinha solicitado que viessem. Jeremias e os outros Templários reconheceram Enos.
Os Irmãos saudaram: "Louvado seja Jesus Cristo!" Os outros responderam: "Eternamente! Amém!" Os Templários nada disseram.
Após os recém-chegados terem sentado perto de Lázaro, Jeremias se levantou, apontou para Enos e gritou excitado: "Olha lá o traidor! Estou admirado que ainda tens a coragem de vir a Jerusalém! Mas acho mais admirável ainda que Jehovah não te puniu por teres traído o Templo.
Enos, penetrado de comiseração, disse com calma: "Jeremias! E vós, meus antigos amigos! Estais surpreendidos comigo, uma vez que minha atitude provocou vossa revolta. Sobretudo, quero fazer-vos saber que me separei o Templo em plena ordem; aqui está o documento, assinado pelo próprio Sumo-Sacerdote. Além disso, vos digo que me arrependo profundamente de ter servido o Templo por tanto tempo. Enquanto não tinha ainda noção de uma outra existência e vida, servi fielmente o Templo, considerando como inimigo cada um que era contra nós — também Jesus, o grande Salvador!
Pela angústia e as lutas íntimas do meu Ruben cheguei a conhecer pela primeira vez a dureza e falta de amor de todos aqueles que ainda hoje se chamam de 'servidores e ungidos de Deus'! 'Tornei-me vacilante. Mas como o Templo já havia considerado minha indecisão como traição e me ameaçou, aceitei a ajuda do nosso querido Lázaro. Em Betânia conheci um outro modo de viver, que me deu alegria e felicidade como nunca experimentei em minha vida! Apesar disso, não estava ainda convencido da Divindade de Jesus, até que tive a Graça de ver e falar pessoalmente com o Ressuscitado! Suas Mãos perfuradas me mostraram a maior culpa de minha vida, mas Ele Mesmo não me fez nenhuma repreensão, nenhuma acusação! Queridos irmãos, todo esse Amor e Misericórdia me deprimiram tanto, a ponto de não mais sentir a força de levantar-me! Então Sua Boca me falou: 'Eu Sou Redenção e Perdão!', e Suas Mãos Se puseram sobre minha cabeça, me abençoando. Só neste momento, meus irmãos, eu soube de que lado eu deveria me colocar.
Se me lembro dos horrores e das durezas do Templo, pensando ao mesmo tempo no Amor de Jesus, não pode ser difícil compreender minha atitude. Além disso, minha mulher foi curada por Ele, recebendo com meus filhos a plena felicidade! Que Graça! Pude reconhecer a Divindade e a Missão de Jesus, ao passo que aqueles que estão sentados nos assentos de Moisés consideram todas estas Graças feitas diante de seus olhos como coisas diabólicas, nem adivinhando que eles são agora apenas os tolerados.
Quantas vezes teria Jesus, o Senhor, podido destruir o Templo e a nós todos; quantas vezes Ele nos disse ter vindo para cumprir a Lei de Jehovah, mas não para aboli-la! Soerguer e apoiar os fracos eram os traços principais de Suas ações. O que fizemos nós? Esmagamos e destruímos o que não nos convinha e até matamos o maior benfeitor da humanidade! Estou diante de vós como um que foi por Ele aceito, mas que também pode dizer: O meu livro de dívidas foi rasgado, minha culpa foi apagada pelo imenso Amor e Misericórdia do Senhor que é Deus de eternidades em eternidades! Ele partiu de nós, mas os Seus fiéis guardam no íntimo de seu peito Seu santo legado, aguardando a chamada do Seu Senhor e Mestre. Quando esta chamada for feita — pode ser amanhã ou também mais tarde — então todos vós vereis o Poder, a Majestade e a Glória de Jesus!"
Jeremias sorriu com escárnio; Enos então perguntou mais uma vez: "Irmão! Por que não acreditas em minhas palavras e tentas me ofender? Por que não refletiste ainda seriamente sobre isso, fazendo a ti mesmo a severa pergunta: 'E se o Mestre Jesus tivesse razão, e nós fôssemos aqueles que o inimigo da vida seduziu?'
Vê, nós tivemos os mesmos ideais, uma longa vida nos uniu mas, apesar disso, no íntimo algo nos separou muito. Sinto-me impelido a aconselhar-te: volta atrás, ainda é tempo! Ainda podes aceitar a Graça e vivenciar um Céu que preencherá o teu íntimo com a máxima alegria. O que foi dado a mim, está aberto a todos. Sem abandonares o Templo ou te tornares infiel a ele, podes te apropriar do Espírito de Jesus, que é e será para sempre: Amor, Paciência e Misericórdia! Estas três virtudes fazem de ti um discípulo de Jesus e um benfeitor do teu próximo!
Deixa o teu desprezo e escárnio e cuida de não te tornares também uma vítima do inimigo da vida! — E Tu, Senhor Jesus, que estás em Espírito entre nós, abençoa estas minhas palavras, para o Teu Louvor e nossa felicidade! Amém!"
Muitas mãos se estenderam para Enos, mas ele disse: "Irmãos, o Senhor é tudo; por isso, demos graças a Ele! Se quereis saber mais, eis aqui Lázaro, e lá, Pedro e Jacó! Podeis também visitar a qualquer hora os irmãos, pois eles moram agora em minha antiga casa. Não temais os homens, o Senhor seja a vossa parte! Seja só Ele o nosso castelo e nossa firme confiança! De maneira magnífica, Ele me guardou e me deu a felicidade de Sua Graça; e pelo mesmo Amor, Ele ama a todos!"
Jeremias permaneceu calado; também mais vivos eram os outros hóspedes, pois perderam o medo dos templários. No fim, disse um: "Só nos falta agora o Mestre!"
Levantou-se Pedro e disse: "Irmãos no Senhor! Com estas palavras exprimimos a nossa ânsia de viver momentos ou horas alegres unidos a Ele. Mas também manifestamos: ‘Não O temos ainda em nós’. Vede, antes da partida do Senhor, Ele nos deu a magnífica promessa: 'Estou convosco todos os dias!', e eu mesmo já experimentei como o magnífico Mestre cumpriu Sua Palavra!
Se pudésseis todos sentir como me sinto UM e ligado ao Mestre, vos alegraríeis como eu! Pois vos digo: o Senhor Jesus Cristo veio de novo, invisível aos meus olhos, mas no meu íntimo tão belo, e tão cheio de Força e certeza, que poderia realizar em minha dedicação, pelo Seu Espírito, o mesmo que Ele. Assim, tende Fé e não duvideis nunca que Jesus está aqui entre nós. Pois nosso Senhor e Mestre quer estender Sua ajuda a todos os homens, para que recebam a Vida eterna. Pois a Vida eterna consiste em que creiamos na Sua Missão e nos apropriemos de Seu Espírito, que no Gólgota Se manifestou a todo o mundo e ao Universo inteiro."
Um dos hóspedes aproximou-se de Pedro e disse: "Pedro, tuas palavras me enchem de nova esperança, pois também eu creio no grande Salvador Jesus! Há muito tempo meu irmão está enfermo; poderias, também tu, igual ao Salvador Jesus, curar doentes?"
Respondeu Pedro: "Se tens fé e teu pedido vem do mais profundo do teu coração, traze o teu irmão enfermo, para que a Força e a Glória de Jesus Se manifestem de novo comprovem: Ele está em nosso meio!"
Imediatamente, o homem se foi.
Mas Jeremias excitou-se de novo e exclamou: "Quereis sempre tentar a Deus? Não bastou que o Nazareno tirasse consideração do povo diante do Templo e seus servidores?
Mas a resposta de Pedro foi seca: "Se no teu íntimo te sentes bastante forte para ajudar ao irmão que anseia auxílio, com prazer vamos apoiar-te na prece e bênção. Mas cobra-te que ninguém peca por querer levar ajuda e consolação a um irmão. Quem veio com pedido de ajuda ao Senhor e Mestre também foi curado de sua enfermidade. E o grande Salvador quer continuar por nós a Sua Obra, pode isso ser chamado 'tentar a Deus'?"
Então, Jeremias se calou.
Mas Pedro, repleto do Espírito de Jesus, continuou animadamente: "Irmãos, que cada um diga ao outro e se esforce por agir com aquilo que vive nele do Senhor e Mestre! A necessidade do próximo, e sua esperança de ser atendido, seja a nossa necessidade! Então nós familiarizaremos cada vez mais com a grande tarefa que o Mestre nos confiou: Ajudar a todos a servi-los psiquicamente. Nós a cumpriremos, porque a Palavra Dele: 'Estou convosco!' será a raiz de todas as nossas ações!
Não apenas nós, como Seus Discípulos — não; todos devem pensar e agir dessa maneira. Também tu, irmão Jeremias, poderias viver este milagre; porque tu, um antigo inimigo de Jesus, poderias te tornar um adepto e promotor do Seu Espírito de Amor e Verdade. Isso pode parecer-te incrível, porque estás emaranhado no ódio, devendo odiar aquilo que é contra ti e o Templo. Mas exatamente por seres um adversário cheio de ódio, é possível convencer-te que lá onde vivem o ódio e a repulsa, poderiam viver o amor e a união."
Abriu-se, então, a porta e entraram dois homens e uma mulher (aquele que trouxe seu irmão aleijado e a mulher deste). Já de longe podia-se notar que o enfermo sofria de fortes dores; pois seus olhos eram cavados e seu rosto acusava noites em claro; seus passos eram penosos e lentos. A mulher olhava intimidada ao redor e assustou-se ao ver os sacerdotes. Mas o doente fixava apenas Pedro, que cuidava dele com todo carinho.
"Aqui estamos", disse o irmão do doente. "Não foi fácil trazer meu irmão para cá; suas forças diminuíam constantemente. Só a esperança de ajuda o fortaleceu."
Disse Pedro a Jeremias: "Eis aqui um infeliz que suspira por salvamento, sendo a saúde o bem supremo para ele. Queres que ele seja ajudado? E uma boa ocasião para comprovardes a vossa missão divina, dando a todos nós a convicção que vós templários sois os eleitos ungidos de Deus!"
Jeremias ficou calado; este convite lhe era desagradável, assim como aos outros templários.
Mas Pedro continuou: "Se tu calas, como poderá o Templo recuperar seu prestígio? Vosso silêncio não é antes um sinal sombrio e a confissão de vossa impotência? Meras palavras não melhoram nada. Só a vontade e a ação provam que espécie de pessoa se é!"
Fez-se silêncio entre os homens; então perguntou a mulher: "És tu um daqueles que estavam com o Salvador? Dize-me o que devo fazer, pois causa-me dó ver contorcer-se meu marido em constante dor."
"Acredita no Senhor Jesus! Somente Ele pode ajudar e salvar! Nós somos apenas suas testemunhas", respondeu Pedro.
Mas a mulher continuou perguntando: "Para onde devo andar para encontrá-Lo, pois desde Sua Ressurreição ninguém chegou a saber onde está morando."
"Mulher!", disse Pedro, "o Senhor e Salvador Jesus encontra-se por toda parte onde há corações que pedem e anseiam por Ele. E cada pedido será atendido, se vier do mais profundo coração e servir à salvação da alma."
E voltando-se para o enfermo, continuou: "Irmão! Sinto contigo o teu mal e a tua dor. Acreditas? Tão vivamente como tua mulher no Salvador? Vê, sou um homem como tu, mas pleno da vontade de ajudar-te. Mas sem tua fé de que Jesus quer e pode te ajudar, nada me seria possível, uma vez que tua fé é a porta para sua Força curadora. Ainda que teus olhos não O vejam e teus ouvidos não possam perceber Suas Palavras, podes senti-Lo, e pedir-Lhe, e agradecer-lhe!"
"Acredito em ti, Salvador do mundo!", disse baixinho o doente. "Acredito! — Deixai-me rezar a Ele!"
Neste momento, Pedro colocou ambas as mãos na cabeça do doente e disse orando: "Senhor Jesus! Teu Amor é Infinito e faz de nós portadores do Teu Espírito! Aqui está um filho enfermo que anseia pela Tua Ajuda. Revela-te também aqui, como sempre, como o grande Salvador que ajuda! Amém!"
"E tu, irmão, regozija-te! Seus Olhos te contemplam cheio de Amor, e Suas Mãos te abençoam! — E assim te digo: Levanta-te! Teu Salvador Jesus te ajudou!', de novo testemunhando que Ele vive entre nós!"
Então o curado: "Óh Jesus, onde estás? Quero agradecer-Te com todo o fervor do meu coração! E de hoje em diante minha boca só confessará o Teu Poder e a Tua Glória! Óh, quem sou eu que Te lembras de mim, dando-me tamanha graça! Olhai, vós irmãos, para cá! Meus membros aleijados e cheios de dor estão curados! — E isso só pela Graça do Salvador Jesus!"
Então disse Pedro: "Voltai para casa e louvai e agradecei no coração ao Bondoso Deus que Se nos manifestou como Jesus, fazendo-nos medianeiros do Seu Espírito. Dai-Lhe todo vosso amor e toda vossa vida, assim como Ele vos doou uma nova vida pelo Seu Amor!"
Jeremias não podia compreender a rapidez daquela cura; examinou os membros recuperados do curado e disse: "Se não tivesse visto as mãos aleijadas com meus olhos, pensaria tratar-se também aqui de uma fraude. Mas dize-me, como pôde tudo isso acontecer?"
Em vez do curado, Ursus deu a resposta: "Pensas ainda que tudo isso não é natural? Isso não te recomenda, pois tratando-se de coisas que não se apresentam todos os dias, deverias mostrar um verdadeiro zelo para chegar e conhecer a pura verdade. Como queres justificar-te diante de ti e teus semelhantes, aos quais ensinavas a Palavra de Deus, exortando-os a observar os Mandamentos de Moisés! Sentindo-te obrigado a proteger o santuário do vosso Templo e a ser seu verdadeiro servidor, deverias também poder dizer de ti: todos devem reconhecer, pela minha atuação, que sou servidor do Grande Jehovah!
Se isso não te é possível, aceita a Mão de Jesus que Se estende a ti através de nós e deixa-te guiar para o teu próprio mundo interior, para que percebas quão perto estás à beira do abismo. Ainda que nos ameaces, gostaríamos de ver-te feliz, podendo dizer de ti mesmo: 'Tornei-me outro, um novo homem, e isso pelo Amor Salvador do Ressuscitado!'"
Disse Jeremias: "És um jovem romano compenetrado do Espírito do Nazareno e tens boa intenção. Mas toma em consideração que sou velho, não podendo chamar de branco aquilo que até agora vi preto. Confesso que minha opinião sobre Jesus sofreu um violento golpe; mas incorporar-me em vossa comunidade, é exigir demais. Confesso que fui derrotado, mas não convertido! Deixai-me em paz, como também eu não quero mais perturbar a vossa paz!"
Em silêncio, os templários saíram da hospedaria. Os outros hóspedes queriam ainda ouvir algo da despedida de Jesus em Betânia, mas Pedro disse: "Irmãos, separemo-nos por hoje! Em breve, a Promessa do Senhor se cumprirá. Só então nós todos seremos vivamente compenetrados da feliz consciência: Por Jesus, posso seguir agora os novos caminhos que conduzem à meta mais alta: à união entre Deus e o homem!
Cuidai que vosso amor para com Ele e o vosso próximo não se afrouxe mas, ao contrário, se torne cada vez mais vivo, pois o Mestre confiou às nossas mãos a vida interior do nosso irmão. Estar sempre pronto para isso, é o nosso lema! Sabemos que todos nós enfrentaremos grandes tarefas. Para que o Sacrifício de Jesus não tenha sido feito em vão, nosso amor e íntima confiança Nele devem eliminar tudo aquilo que até agora impediu nosso desenvolvimento ao divino!
Nunca permitais que nasçam dúvidas ou até desconfianças, pois com isso dais a mão para a aliança com o inimigo da vida. Sede fortes e sem medo! E com toda razão que podeis sê-lo. Ninguém tem mais direito sobre vós, do que o Senhor e Mestre. Por isso, agradeçamo-Lo com todo nosso amor. E tudo o mais que tivermos que pedir a Ele, coloquemo-lo em espírito aos Seus Pés! Sua Graça e Sua Santa Paz estejam conosco! Amém!"
IV. Exortação ao amor!
As tarefas dos Discípulos não se tinham tornado menores, mas sim maiores, pois o Templo não quis contentar-se com aquilo que acabou por impor-se como verdade. Betânia foi importunada com visitas de todos os que, por influência dos templários, começaram a ter dúvidas sobre a Ascensão de Jesus, perdendo muitos sua certeza que no fundo era só tibieza. As calúnias dos sacerdotes tornaram-se cada vez mais funestas, mas os Discípulos pediam paciência e só paciência.
Entretanto, Ursus crescia em seu íntimo. Uma manhã disse a Lázaro: "Irmão, hoje faz uma semana desde o grande acontecimento no Monte das Oliveiras. Nestes dias, o inimigo festejou grandes triunfos, pois onde o Senhor ergueu e firmou os corações na fé, o inimigo agiu falsamente em contrário. Por isso, devemos defender-nos!"
"Irmão Ursus", replicou Lázaro, "também a mim isso dilacera o coração, ao notar com que rapidez muitos esquecem o Amor e as Bênçãos do Mestre.
Ontem fui ver o hospedeiro em Jerusalém. O Templo sente-se à vontade por toda parte e manda divulgar muitas mentiras sobre o Senhor por servos remunerados. Os Irmãos ficam calados, porém cheios de esperança, aguardando ansiosamente o momento prometido quando, movidos pelo Espírito, poderão dar testemunho da Vida do Mestre e da Verdade de Seus Ensinamentos! É verdade que muitos procuram ainda sua felicidade em Betânia, mas às vezes partem insatisfeitos diante da exigência de mostrarem-se fiéis na fé. Apesar de tudo, muitos reúnem-se em torno dos Discípulos, pois estes operam coisas extraordinárias por Jesus Cristo. Assim, medem-se agora as forças! Tenho a impressão de que dentro de três dias virá a decisão!"
Ursus não se conformava de esperar mais três dias inúteis; assim disse: "Irmão, vou cavalgar a Jerusalém. Sinto-me impelido a ir para o campo daqueles que caluniam propositadamente o Senhor. Não me sentiria mais digno, se me conformasse tranquilamente com estas mentiras, nem que fosse só por uma hora. Não dispomos de suficiente proteção, se queremos lutar e cumprir em Seu Espírito? E não temos suficientes forças, se lutamos pelas Suas magnificas e sagradas metas? Os templários veem em nosso silêncio apenas fraqueza."
"Irmão Ursus! Não te antecipes à Vontade do Senhor", Lázaro tentava tranquilizar, "tudo tem o seu tempo, e também precisa de tempo. Compreendo-te bem, não queres ser inativo. Tua gratidão para com o Senhor quer realizar coisas para as quais o tempo talvez não tivesse ainda chegado. Mas se sentes este impulso, visita os Irmãos, participando do Espírito que os preenche com tanta esperança. Lá vem Demétrius, fala-lhe da tua intenção e segue tranquilamente o impulso do teu coração."
Dito e feito, e em breve Ursus estava a caminho de Jerusalém. Sua meta era a hospedaria. Por volta de meio-dia chegou no pátio e entregou seu bonito cavalo a um servente. Na grande sala encontravam-se alguns templários que conversavam animadamente com alguns forasteiros. O hospedeiros trouxe vinho e pão, e Ursus escutava —como se estivesse desinteressado — a conversa dos presentes. Com mentiras difamatórias, os templários aniquilavam qualquer bom pensamento sobre o Salvador Jesus.
Então disse um dos forasteiros: "Não posso acreditar nas vossas palavras, pois os mensageiros que assistiram e ouviram pessoalmente os Ensinamentos e feitos do Nazareno eram fidedignos. Dar a vista aos cegos e ouvido aos surdos é, afinal, algo que não aconteceu até agora na terra judia! Lamentamos ter chegado tarde demais; teríamos querido falar com o próprio Nazareno."
"O que lamentais, é vossa sorte", respondeu o templário, "pois quem está à mercê do Nazareno não consegue mais livrar-se Dele, uma vez que estava em ligação com o Beelzebub. Se não fosse assim, o Templo não teria conseguido liquidá-Lo. Ainda que se divulguem boatos que Ele tivesse ressuscitado e finalmente até subido ao Céu, isso não muda o fato de que o Nazareno foi o maior impostor, e Seus partidários, os enganados."
Ursus se levantou de seu lugar, foi para o sacerdote e disse com firmeza: "Ouvi as tuas palavras e as pesei; estás disposto de apresentar a prova da verdade? Pois, conforme tuas palavras, também eu seria um enganado! Mas não penses que te será fácil, pois como vês, sou um romano, para quem a verdade é o máximo e a coisa mais sagrada! E ainda te digo que conheço Jesus!"
Respondeu o sacerdote: "Que te interessa a nossa conversa com estes forasteiros? Aliás, tens que respeitar a minha dignidade de sacerdote, não manifestando dúvidas sobre as minhas palavras!"
"Então, por seres sacerdote", respondeu Ursus, "pensas poder mentir e caluniar impunemente, opinando que todos devem acreditar cegamente naquilo que julgais ser justo? Não tens consciência tratar-se de Jesus Cristo, que há séculos foi prometido e que é ardentemente esperado pelo vosso povo? Muitos experimentaram a Divindade de Sua Missão, e também vós sabeis que com a Vinda de Jesus a Escritura foi plenamente cumprida. Se Jesus tivesse nascido em Roma, executando lá as Suas Obras, todos os altares teriam sido destruídos e um Templo teria sido erguido somente em Sua Honra e para Sua Glória. Mas eu sei que vosso amor são apenas os tesouros deste mundo, e vosso ‘vangloriar’ por serdes servidores de Deus faz de vós bárbaros! Como quereis justificar-vos, quando Ele volta em Espírito e na Força que vai destruir toda mentira, tornando-a manifesta a cada espírito?"
"Não te preocupes", replicou o sacerdote com escárnio, "pois far-nos-emos respeitar! Tendo esmagado a cabeça da Nova Doutrina, ser-nos-á fácil tornar inofensivos os membros. Sei bem que Betânia é vosso ponto de apoio, mas virá ainda a ocasião de destruir este vosso refúgio."
Excitado, exclamou Ursus: "Agradece a Deus que sou um discípulo de Jesus, senão deverias expiar com teu sangue essa ofensa ao meu amigo Lázaro e ao meu Criador e Salvador Jesus. Se pensas poder ofender impunemente por seres sacerdote, eu teria o direito de punir-te, pois quem ofende um romano está à mercê da Lei. Lázaro é agora romano, e a Verdade é sua honra. Retrata-te, pois, ou apresenta a prova da verdade!"
Os outros sacerdotes queriam acalmar os ânimos, mas Ursus foi duro. Chamou o locatário e pediu que um mensageiro fosse chamar uma guarda romana. Então os sacerdotes cederam, confessando que agiam a mando do Sumo-Sacerdote e pedindo indulgência.
Dirigindo-se aos forasteiros, disse Ursus: "Aqui vedes como o inimigo de toda vida se esforça em aniquilar a maravilhosa semente do Salvador Jesus! Não basta terem assassinado Aquele que foi o Salvador para os pobres e doentes. Agora comete-se até o pecado maior, querendo eliminar Aquele que é Força e Proteção para as nossas almas e que Se tornou, por Seu imenso Sacrifício, o medianeiro entre Deus e o homem; aquele que por Sua Ressurreição comprovou perante o mundo inteiro que Ele se acha em Deus — que é Um com Deus! Vinde comigo, eu vos levo para aqueles que são os Seus eleitos.
Mas a vós, sacerdotes de Jehovah, dou o bom conselho: Ficai em vosso Templo! Mandarei uma guarda prestar serviço aqui. Ela terá ordem de prender todo aquele que quiser prejudicar esta hospedaria ou a casa de Betânia, ou quem caluniar seu proprietário. Dado que vós atendeis a Moisés, sereis também servidos com Moisés: 'Olho por olho! Dente por dente!' O doce Ensinamento de Jesus: "Amai-vos, assim como Eu vos amei!' é por vós detestado; portanto, não vos admireis de minhas severas providências."
O locatário sentiu grande satisfação com estas palavras pronunciadas com a máxima seriedade e disse: "Finalmente, uma palavra bem a propósito, pois não teria mais aguentado estes templários por muito tempo!"
"Confia em Deus", consolou Ursus, "nosso trabalho não é em vão!"
A despedida foi breve, e dentro de meia hora Ursus chegava com os cinco forasteiros na casa de Maria. Mas quanto se admirou ao ver tantas pessoas na grande sala, como se fosse um oratório. A alegria recíproca era genuína; mas quem mais se regozijou foram os forasteiros, que finalmente tinham chegado à fonte e puderam receber a Luz daqueles que eram testemunhas da Vida de Jesus.
Quando Ursus relatou o que acontecera na hospedaria, João se tornou muito sério. "Irmão", disse, "rigor é bom, mas por que mostrar-se severo, se o amor oferece muito mais possibilidades para vencer? Vê, vivemos dias da mais séria preparação, apesar de nossos corações serem plenos do espírito de iniciativa. Sabemos que o Senhor não está apenas em nosso meio, mas em cada um de nós, fazendo-nos agora reconhecer e ver tudo de maneira diferente e firmando nossa vontade de cumprir nossas tarefas apenas no Seu sentido. Podes ter agido com a melhor boa vontade, mas sempre te deves perguntar: ‘Como teria agido o Mestre neste caso?’ Toma em consideração: Se tu, para servir a grande Obra, precisas ainda da ajuda de outrem, nada mais será senão obra humana. O Mestre não conhecia outra ajuda do que a Força que Lhe era própria. Se ajudava a outros, ou afastava de Si inimigos, Ele fazia tudo por esta Força que era Sua Propriedade. E vê, estes dias de recolhimento nos levam cada vez mais para o íntimo do nosso próprio eu. Não sabíamos quão magnificamente o homem está dotado, mas agora que não temos outro ponto de apoio, experimentamos a cada hora a Ajuda do Alto como Força. Nossa vida com o Senhor era semelhante à vida de crianças na casa dos pais, onde há tudo em abundância. Deixamo-nos guiar despreocupados, até enfrentarmos também a seriedade.
Quando o Mestre partiu, ficamos arrasados, até que Ele Mesmo operou em nós o milagre da Sua Força. O que em três anos e meio não foi possível, completou-se nestes sete dias; e somos felizes de podermos testemunhar do Seu Amor pela Sua Força! Tivemos motivo de admirar o que nossos olhos viram no Mestre; mas o que nos será possível `nesta nossa fé que se tornou viva', deverão reconhecer não apenas nossos contemporâneos, mas também os adversários!
Por isso, irmão Ursus, o Seu Espírito e a Sua Vida Se tornam também tua força e teu vigor! Vê, tu O conheces como a Glória Excelsa. Testemunha Dele, também tu, dessa maneira, para que o mundo reconheça — em ti — Sua Glória!"
Ursus estendeu a mão ao Irmão João e confirmou: "Sempre tens razão! Quando o pensamento antigo será totalmente eliminado em mim?"
"Quando não mais agires pelo teu amor, e sim pelo Amor de Jesus!", foi a resposta de João.
Pensativo, perguntou Ursus: "Mas o que me indicará, se estou agindo pelo meu amor, ou pelo Amor de Jesus?
Respondeu João: "Ursus! Se queres pagar na mesma moeda, estás agindo como homem sem conhecimento justo! Mas se dás o bem pelo mal, estás penetrado pelo Espírito e a Natureza de Jesus!"
Os forasteiros estavam profundamente comovidos por estas palavras de João, e um deles perguntou: "Tendes a convicção absoluta que podeis ser ajudados em qualquer tempo por vosso Jesus? Infelizmente, chegamos a ouvir tarde demais deste magnífico Homem, de Suas Obras, Seus Milagres e Seus Ensinamentos! E difícil imaginarmos que Ele não esteja mais vivo. Parece-nos que Ele em qualquer momento possa entrar pela porta, para dar uma mensagem cheia de Amor e maravilhas!"
"Amigos", respondeu João, "pela bem-aventurança dos homens, o Senhor teve que voltar para Seu Reino Eterno; mas Seu maravilhoso plano de Amor terá que ser revelado à toda a humanidade. Por isso, Ele despertou em muitos lugares testemunhas que continuarão Sua santa Obra de Salvação em Seu Espírito. Foi sem dúvida uma Graça inigualável de poder viver com Ele como Homem e Irmão. Aqueles que O compreendem em seus corações e que vivem totalmente em Seu Espírito, a estes são ainda destinadas coisas maiores e mais deslumbrantes! Mas sabemos que o Senhor estará sempre com aqueles que, pela plenitude de Sua Graça e a riqueza do Seu Amor, querem ser um justo servidor e auxílio para o próximo. Penetrados pelo espírito de toda vida, já deixamos atrás de nós o dia a dia mundano e reconhecemos que a Terra, com todos os seus habitantes, significa apenas uma vida aparente que só adquire um certo valor e conteúdo, se o homem se torna, por Jesus Cristo, 'uma nova criatura'. Esse milagre se produz pouco a pouco e para cada um que tem a firme vontade; assim, Céu e Terra tornam-se iguais para nós!"
Disse um dos forasteiros, de nome Gregor: "Quão amável soa tua palavra, e quão grande é a imagem do Salvador que nos descreveste. A certeza com que mostras o Eterno Deus e Senhor quase não é concebível por nós! Conforme tuas breves palavras tão cheias de conteúdo, Jesus devia ser Um com o Criador Onipotente, pois, se não fosse assim, não seria possível para nós, homens, nos tornarmos um novo homem. E isso seria o milagre de todos os milagres! Conheço muitos que dariam metade de seus bens, se em troca pudessem tornar-se outro, um novo homem."
"Irmão", respondeu João, "todos os que vês aqui, pela Graça do Senhor, já se tornaram mais ou menos homens novos. Mas só a própria vontade consegue isso, quando se sujeita totalmente à Vontade do Senhor. Todos nós aprendemos do Senhor, de que modo Ele subordinou Sua própria Vontade inteiramente à Vontade Divina. Mas esta Vontade Divina precisa primeiro ser reconhecida justamente. Também vós, e todos os homens terão primeiro que conhecer e reconhecer a justa Vontade Divina. E só se nos identificarmos com a Vontade Divina, iremos ao encontro de Jesus. Apesar disso, o homem continua sendo o ser mais livre que podemos imaginar, pois jamais alguém é forçado a fazer ou deixar de fazer algo. E digo mais: Jesus só pode representar algo para os corações que em sua livre decisão são compenetrados do desejo de querer agir e fazer algo por Ele! Os tempos são sérios, pois imensas tarefas nos aguardam. Mas as resolveremos, pois há só uma vontade em nós: a de viver por Ele, nosso Senhor e Mestre que não apenas nos ensinou o Amor, mas que no-lo demonstrou pela Sua Vida. E mais ainda: diante da magnitude de Seu Amor desinteressado e de Sua dolorosíssima imolação, o silêncio se impõe! E nos corações daqueles que procuram Nele a sua consolação, este Amor erigirá um monumento vivo que resistirá a todas as tempestades do mundo!"
Voltou Gregor a falar: "Gostaria de poder compreender tudo isso como tu o descreveste. Seria muito feliz, se pudesse considerar esta magnífica vida minha propriedade. Por isso, vos peço também em nome de meus irmãos: Deixai-nos ficar convosco até compreendermos esta nova vida."
"É com prazer que vos oferecemos isso", disse João, "mas não aqui, e sim em Betânia. Ficai com o irmão Lázaro; lá vive o mesmo espírito que aqui, e lá foram criadas as possibilidades que poderão tornar vossa estada o mais agradável possível. O irmão Ursus vos acompanhará."
Aos forasteiros foram agora oferecidos pão e vinho; é verdade que Ursus não estava muito entusiasmado com este encargo, pois teria preferido ficar com os Irmãos em Jerusalém.
Mas João disse suavemente: "Não permitas que nasça em ti algo que poderia prejudicar a Nova Vida em ti! Vê, a vida em Betânia proporcionará aos novos irmãos coisas muito mais importantes e grandiosas, do que aqui em Jerusalém, onde tudo é dedicado à prédica e às preces! Tu também com o tempo não te sentirias aqui à vontade; pois vê, aqui se fala muito do Senhor e da Nova Vida, mas em Betânia isso é vivido! Aqui existe a palavra; lá, a ação."
Os Irmãos passaram ainda uma hora com Ursus e os cinco; depois, alguns Irmãos se ofereceram a acompanhar os forasteiros para Betânia, porque Ursus tinha que voltar mais uma vez à hospedaria, para ir buscar seu cavalo. Teve ainda a ideia de passar na Administração Militar, a fim de conseguir que alguns soldados fossem delegados para a manutenção da ordem na hospedaria. Mas seu pedido foi negado, pois havia em Jerusalém apenas uma pequena guarnição.
Só agora reconheceu que João estava com muita razão e pediu no íntimo, humildemente, perdão ao Senhor e paciência com ele. Mas em seu coração a Nova Vida se fez viva! Ouviu no íntimo sons como se fossem duma harpa que transformaram em palavras: "Fica sempre calmo, guardando Minha Imagem profundamente no teu coração, para que se conserve sempre viva! Pois não és chamado a testemunhar de Minha Vida como Filho do Homem, mas Daquele que ressuscitou e que vive em ti!"
Esta vivência íntima no meio de pessoas estranhas tornou-o muito feliz! Em que alturas espirituais se sentia em comparação com todo o mundano! "Uma Palavra do meu Salvador, e de um golpe, o mundo tem outro aspecto!", dizia-se agora. "Venha o que vier, eu estou com Ele!"
Chegando na hospedaria, se despediu do locatário com um aperto de mão e não demorou a alcançar com seu cavalo árabe os forasteiros no seu caminho para Betânia. Desmontou, e o belo cavalo o seguiu espontaneamente, o que muito surpreendeu os forasteiros. E Ursus lhes explicou: "Só o amor faz isso! É uma vergonha que o homem reconhece tão pouco todos os benefícios do Criador Eterno, também pelos animais; e O agradeceu por isso!"
Os forasteiros se admiraram muito desta simples verdade, pois as palavras caíram em solo preparado.
Os Irmãos despediram-se e voltaram a Jerusalém; e os outros chegaram em Betânia, com profundas conversas. Como sempre, também estes forasteiros foram cordialmente recebidos e vivenciaram a verdade que estava nas palavras de João: Aqui em Betânia, vive a ação. A noite reuniu de novo todos os hóspedes numa hora de solene devoção, quando Lázaro testemunhou com sinceras palavras o grande e magnífico Amor do Salvador e Redentor. E terminou: "O que Ele foi para nós, não esqueceremos em eternidades; mas o que Ele é para nós agora, nosso semelhante nunca deverá esquecer! Assim colaboramos na grande Obra e contratamos muitos corações, que também serão penetrados pelo Seu Grande Amor Salvador!"
Depois, todos se recolheram.
Lázaro ficou ainda algum tempo reunido com Demétrius e Ursus e perguntou a este: "Que impressão tiveste dos Discípulos em Jerusalém?"
"Diferente!" — respondeu Ursus. "Eles não necessitam mais ser guiados, pois cada um tornou-se agora um guia. Se bem que a maneira de agir fosse a mesma, notei que eles já são plenos da Força e Verdade do Eterno Espírito Divino; todavia, querem ainda ficar em silêncio."
"Então, tive o pressentimento certo", replicou Lázaro, "por isso, vamos na manhã de Pentecostes a Jerusalém. Grandes acontecimentos lançam de antemão suas sombras! Também nós lá seremos testemunhas de como o Senhor cumpre a Sua Promessa!"
Ursus então relatou a Lázaro sua experiência com o sacerdote e o sábio conselho que recebeu de João.
Lázaro disse: "Irmão, sabia que tinhas de passar por esta importante experiência, pois a Obra do Mestre está fundada no Amor, mas ancorada nos alicerces da paciência e humildade! Não queiras mais do que o Mestre quer. Reconhece mais claramente Sua Vontade em ti; então teu espírito penetrará por si mesmo nas profundezas da sabedoria de uma verdadeira Vida Divina. Grande não é aquele que quer converter povos inteiros pelo ensinamento da Sua Palavra, mas quem reconhece no seu íntimo a Vontade Divina e faz Dela sua propriedade, tornando-se, assim, um modelo para povos inteiros."
Ursus respondeu humildemente: "Irmão Lázaro, grande é nossa culpa para contigo! Agora sei também por que não quiseste deixar-me partir. Que teria acontecido se eu, com o meu coração impulsivo, me tivesse encontrado entre pessoas estranhas? A Doutrina de Amor do nosso magnífico Salvador teria sofrido uma desfiguração que se prende a um egoísmo oculto. Mas agora vejo mais profundamente e reconheço cada vez mais o grande Amor Sagrado do Senhor e Mestre, bem como nossas tarefas! Óh, qual seria o espírito capaz de demonstrar amor também àquele que sei ser meu traidor!?"
Eis que Lázaro colocou sua mão na cabeça de Ursus e disse: "Ursus! Agora amanheceu em ti a nova aurora! E agora, nesse caminho, segue ao Mestre! No futuro, haverá muitos apóstolos que não poderão compreender o Senhor em toda Sua grandeza e profundidade. Eis porque Sua sublime Doutrina de Amor sofrerá muitas deturpações. Mas no que depende de mim, e agora também de ti, vamos aplicar o Seu Amor — assim como o percebemos no fundo do nosso coração — para que o nosso próximo possa sentir a mesma força e feliz certeza de Seu Amor como nós. Dessa maneira, agora nós somos os portadores de Seus grandes pensamentos de Amor. Quanto mais nos esforçarmos de viver inteiramente no Seu Espírito, mais poderemos apagar algo da culpa daqueles que foram a causa de Sua Vinda! Se consideras a humanidade mergulhada profundamente em pecados como vítima da sedução do espírito da mentira, então a compaixão e uma grande comiseração te preencherão também, e compreenderás quão grande foi a felicidade que te sucedeu! Assim, teu olhar seja dirigido no futuro não só para Aquele que te deu a felicidade, elevando-te para Ele, mas também para aqueles que vivem ainda na ignorância de Deus. Faze, então, tudo pelo Espírito Daquele a Quem deves eternamente agradecer!
Eis como eu vejo as coisas, tendo cada dia a confirmação de que o Senhor e Mestre é a consumação de todos os desejos! Quanto maior for a tarefa e o dispêndio de energia, maior será o esplendor com que jorrará a fonte de Sua Força! É deste modo que conheci o Mestre e que O sinto cada dia em mim. Por isso, meu Ursus, vive apenas este magnífico Salvador e Mestre de Amor e assume como única tarefa que milhares possam conhecer por ti o Salvador e Mestre, querendo também seguir os caminhos de Seu Amor e de Sua Verdade!"
Ursus, profundamente comovido, pegou da mão de Lázaro e disse: "Irmão! Agradeço-te por teu amor, que me proporcionou neste momento uma grande vivência! Pude ver no meu íntimo como um grande povo, igual ao povo de Israel outrora, dançava com fervor ao redor do bezerro de ouro. Na minha excitação, quis destruir este seu ídolo; então meu olhar foi dirigido para a colina do Gólgota. E a Sua Voz fez-se ouvir de mansinho: 'Quis vos salvar, a vós que sois perturbados, sacrificando o mais alto e associando-Me ao mais baixo, a fim de erguer-vos, como com a força da águia, à máxima altura. Mas vosso amor para o que é material vos cegou, criando-vos apenas um Céu de coisas perecíveis! Apesar disso, Meu Amor não descansará até que vosso espírito possa libertar-se, levando tudo o que é baixo em vós, como sacrifício de agradecimento, para as mais elevadas alturas.'
Enquanto ouvia estas palavras, vi como figuras luminosas corriam para a multidão, roçando com sua destra o rosto de várias pessoas. Estas, então, saíam da multidão e se afastavam, pois não tinham mais prazer na agitação mundana. Dirigi-me a elas, apontando com a mão erguida para o Gólgota! Então exclamaram: 'Não queremos mais uma configuração morta! Temos saudade do que é vivo, de algo que vivifica!'
Fiquei triste, pois sentia minha pobreza. Possuía apenas o Gólgota. Então uma das figuras luminosas dirigiu-se a mim, roçando também o meu rosto, e tudo se tornou claro ao meu redor! Vi como muitas centelhas de luz cintilavam desde o Gólgota pelos espaços do Universo, e quem era tocado por tal centelha corria para o Gólgota. Só poucos ficaram com o bezerro de ouro, mas no Gólgota estava uma multidão, juntinhos uns dos outros, aguardando em adoração. Então pude falar sentindo-me rico, e ouvi-me dizer: 'Escutai todos o que a Vida vos anuncia! A Vida nasce lá onde os corações se encontram, não descansando por amor nem repousando até que a última alma seja salvar"
Também Demétrius se regozijou e disse: "Viste muito bem teu desenvolvimento e tua vontade! Fico muito feliz por teres adquirido esta força do Espírito do Gólgota."
"Adquirido, não," replicou Ursus, "pois esta força já existia, como há calor quando me toca o raio do Sol."
Descansemos agora", pediu Lázaro, "para que, no silêncio do nosso mundo interior, o pensamento amadureça para a ação! Sua Chamada: 'Lázaro! Vem para fora!', ressoa ainda em mim e quer dizer: Tirar tudo o que é velho e estar pronto no novo Espírito de Ressurreição! Então seremos como um quebra-mar no muro de rebentação de toda conduta errada e má dos perdidos! Santas tarefas se aproximam cada dia de nós, e sempre haverá uma boa solução quando não nos desviamos nem um passo do justo espírito!"
V. Quem e 'O Quê' é Jesus para nós?
Com animado trabalho, passou-se a sexta-feira, e tudo já estava preparado para o sábado e a Festa de Pentecostes' (1). Os cinco forasteiros juntaram-se a Demétrius e Ursus e estavam o dia inteiro nas plantações; e aqui presenciaram como o espírito de alegria e dedicação era a força motriz para um trabalho intensivo por Lázaro!
(1) Pentecostes — o 50.° dia após a Páscoa - Era uma especial festa alegre, para agradecer a abençoada colheita dos cereais (2.Moisés 23, vers. 16)
Um dos forasteiros perguntou a Demétrius: "Como pode Lázaro manter tudo isso em função? São centenas de pessoas e muitos ânimos, e é preciso olhar por todos e abastecê-los; e ainda esta grande liberalidade e generosa hospitalidade! Parece que presenciamos aqui um milagre!"
"É isso mesmo", respondeu Demétrius; "o que geralmente é considerado impossível encontra aqui sua realização, pois uma maravilhosa bênção acompanha todas as obras de Lázaro! Além disso, cheguei a saber que esse amor e hospitalidade já foram praticados pelo pai de Lázaro; eis certamente por que o Senhor e Mestre gostava tanto de estar aqui. Esta sincera cordialidade, esta esfera livre e alegre atrai cada coração para o Alto, e pensamentos sobre a eternidade enriquecem também a própria vida interior."
"Óh, que santo conceito de Deus se ganha aqui", respondeu aquele, "mas o principal nos falta ainda: Quem, ou `o Quê' é, em verdade, Jesus? Tivemos sim várias informações sobre Ele por Seus Discípulos; mas com isso nossa saudade por Ele não se satisfaz. Ele não vive mais! Os inimigos de Sua Doutrina de Amor O mataram. Os templários não veem nada de bom no Salvador, que todo o povo queria reconhecer como o Messias prometido!"
Então Ursus lhe respondeu, como que impulsionado pelo espírito interior: "Meus queridos amigos e certamente também irmãos, esta vossa pergunta e saudade só poderão ser justamente respondidas pelo próprio Jesus! Tudo precisa de seu tempo para amadurecer; isso vale aqui também para vós. Eu mesmo passei por admiráveis experiências. Quanto mais eu procurei e me consumi na ânsia por Ele, mais me impeliu o anelo pela personalidade de Jesus, julgando que o cumprimento do ardente desejo dependesse unicamente do encontro com Ele. Também eu estava diante do fato: Ele morreu! O que um morto pode significar ainda para mim? Até que Ele Mesmo veio a mim, deixando-me ver Seu próprio interior, e me revelou: 'Tudo o que Eu possuo existe também em ti! Desperta-o pelo amor a Deus e ao teu próximo, então levarás a Minha Vida em ti, e Meu Espírito te revelará tudo!'
Por experiências semelhantes passaram também outros irmãos. Este caminho para Ele vos será também mostrado no vosso próprio coração, e teu próprio ‘eu’ te dará também a resposta à tua pergunta: 'Quem e o Quê é Jesus?' Assim, posso dizer-vos sem receio: Jesus é para cada um aquilo que se faz Dele! Para um Ele é homem; para um outro, Salvador. Para mim Ele é o único Senhor, o Deus Eterno Que me deixou reconhecer meu íntimo ser e vida! Agora, pelo meu próprio amor a Ele, posso transmitir a outros Sua Vida e Seu Espírito. O impulso do meu coração de servi-lo é-me como uma torrente de Graça da Sua Plenitude de Vida, porque 'ser adepto' comprova-se em máximo grau por servir a outros. Eis então a minha resposta: Jesus é todo o conteúdo de minha vida!"
Gregor, um dos forasteiros que até aqui ficara calado, disse agora a Ursus: "Jovem amigo, em meu coração vive já uma alegria que quase me faz emudecer! Teu zelo, tua sinceridade em querer seguir Aquele que procuramos com fervor, faz de mim teu amigo. Já ouvimos muito falar e pregar sobre a imitação de Jesus, mas a vida dos que aqui em Betânia querem praticar o Seu Amor é para mim ainda uma grande novidade. Ocorre-me agora a pergunta: Agem os Discípulos de Jesus e todos os Seus amigos dessa maneira porque é o expresso desejo de vosso Salvador Jesus, ou é inteiramente deixado ao critério de vossa livre vontade o modo que quereis servir nesse espírito ao vosso próximo?"
"Com prazer," disse Ursus, "vou tentar responder à tua pergunta. Vê, há uma enorme diferença neste servir à Grande Obra de Sua Redenção pela humanidade! Lá onde homens se dispõem a entrar no serviço do Grande Mestre da Vida, serão poucos que terão compreendido o mais profundo sentido de Sua Doutrina salvadora! Vivemos todos ainda sob a impressão de tempos passados, onde o Amor do Mestre queria abrir-nos o caminho de transformar essa Terra para um Céu. Sua morte desconcertou certamente alguns de Seus seguidores, mas Ele Mesmo Se apresentou em toda Sua Glória, vitorioso sobre toda morte, aos Seus irmãos humanos, tornando-nos de novo alegres e felizes! Agora o Senhor voltou para Seu eterno mundo original, visto que — conforme Suas próprias determinações — Sua Missão como 'Filho do Homem' estava integralmente cumprida. E foi revelado à humanidade: Deus Se tornou Homem para cumprir Sua Promessa e abrir um novo caminho a Deus a todos os que o inimigo da vida envolveu no mundo externo.
Mas o homem se esquece facilmente da sublime meta de sua vida, pois só lhe importa o sucesso de seus próprios planos! Eis por que há os que pensam agora: Se este Amor salvador fosse realizado nessa Terra, também meus próprios projetos poderiam se concretizar. Outros ainda, ater-se-ão a Suas Palavras e Promessas, procurando nelas a realização de seus desejos. E haverá os que reconhecerão a grandeza e força de Sua Doutrina, mas dela querem apenas pregar em Seu Nome.
Mesmo que isso seja bom e louvável, o profundo Desejo de Deus fica insatisfeito. Pois o homem não é suficientemente maduro para reconhecer que há — seriamente — duas maneiras de servir a Deus. Todos os que mencionei querem servir pela Verdade absoluta de Deus, motivados por esta mesma Verdade. Mas Deus quer ser amado! E para cumprir este profundo Desejo de Deus, não é preciso ser grande, rico ou douto, mas apenas se tornar tranquilo e cheio de humildade para com a Vontade Divina, para que a Vida Divina que dormita em nós não sofra uma opressão. Para servi-Lo nas Suas santas intenções de Amor, devo deixar-me totalmente preencher pelo Seu Amor, para que possa ser guiado, conduzido e impelido pelo Seu Espírito! É inconcebível querer viver por Ele sem o Seu Espírito e Sua influência! Mas se Sua vida quer deveras operar em nós, irmão Gregor, não é preciso que Ele nos coaja e que tenhamos ainda que ponderar, porque nenhuma sombra ou hesitação deverão subsistir neste livre Amor a Deus! A Vida de Jesus é para nós um eterno exemplo, mas o Espírito que animou Jesus é para tudo o elemento conservador e a força motriz para criações sempre novas. Nada poderá ser oposto a esta Força e esta Vida, por mais que isso fosse tentado, porque Ele, como Senhor e Criador do Céu e da Terra, é essa Força e essa Vida em Pessoa! Considera, porém, que neste Seu Espírito encontram-se unidos o puríssimo Amor e a suprema Sabedoria; por isso, nossa atividade por este Espírito será certamente mais pura e cheia de amor! Não posso falar mais sobre isso; senão, restringiria a vida por este espírito libérrimo!"
Gregor agradece a Ursus, dizendo: "Pareces um arauto do nascer do sol, e meus pressentimentos já estão quase se realizando! Mas Deus deve ter sábias razões de confiar Seus mais profundos segredos somente a poucas almas. Quão feliz me sentiria, se também já estivesse tão perto da meta!"
"Podes alcançá-la em breve", respondeu Demétrius, "pois onde o desejo por ele impulsiona o coração, a realização não está longe! Que cada um cuide, pois, que tudo o que vive em seu coração seja transformado pelo espírito de Amor para uma Nova Criação!
Eis que vem Lázaro; ele nos procura!"
Assim foi; Lázaro se tinha apressado para chegar a seus hóspedes e exclamou alegremente: "Tudo está pronto! Agora podemos festejar a Festa das Colheitas! O trigo está recolhido nos celeiros, e isso só foi possível com a ajuda do teu pessoal, querido Demétrius, que trabalhou infatigavelmente; mas agora temos alguns dias de descanso para todos. Voltemos para casa, pois ainda falta completar os preparativos para a Festa."
No caminho para a vivenda, Gregor agradeceu mais uma vez a Lázaro com sentidas palavras. "Dados os grandes contrastes no mundo, nunca na minha vida teria pensado que fosse possível criar uma vida assim, cheia de harmonia", continuou, "mas os fatos aqui e a alegre boa vontade de todos comprovam quão excelente espírito reina aqui! Se eu mesmo não tivesse uma grande propriedade, preferiria ficar aqui e tornar-me um dos vossos."
"Mas isso podes fazer sem ficar em Betânia! É só levar para tua pátria, este bom espírito que se tornou tua propriedade, criando uma segunda Betânia, e verás a Graça e Benção que dai resultam!", respondeu Lázaro. "O que o homem presencia é tanto a sementeira como a colheita. Mas o que há entre a sementeira e a colheita é Graça sobre Graça. Demos, pois, honra a Deus que nos fez maduros para Sua Graça!"
"Cada palavra tua é tão real", respondeu Gregor, "tão simples, mas também tão profunda! Que felicidade deve ter sido para vós, quando o Salvador Jesus Se achava ainda entre vós!"
"Não nos sentimos melhor do que hoje", disse Lázaro, "porque sabemos: Todos os dias Ele está conosco com Seu Amor, Sua Força e Sua Bênção, e esta consciência faz de nós homens fortes."
Um operário correu ao encontro deles, pedindo a Lázaro de voltar para casa, pois o Templo mandara mensageiros para falar com ele. Lázaro disse tranquilamente: "Não vamos andar mais depressa por isso; de qualquer maneira, chegaremos ainda em tempo!" Os templários se irritaram porque deviam esperar tanto, mas Lázaro disse amavelmente: "Deveríeis ter comunicado vossa vinda! Nossas mãos estavam ocupadíssimas em colher o trigo; mas vós quereis logo recolher, mesmo onde não semeastes. Se viestes para apanhar a vossa parte, ela está pronta para vós! Mas não mandarei mais os cereais a Jerusalém, pois vós mesmos devereis apanhá-los. Sempre me considerais como abjeto, como filho da noite, mas aceitais com prazer os bens que recebeis de Betânia. Vós mesmos, porém, deveis vir buscá-los, pois nenhum servo e nenhuma empregada poderão ajudar-vos nisso! Eis a minha vontade! Se não concordais, o trigo fica aqui para os pobres. Eles vêm de bom grado e até com muito prazer a Betânia."
Os templários reclamaram e insistiram para que Lázaro mudasse de opinião, mas ele ficou firme! Irritados, eles se retiraram; uma nova derrota que eles registraram com encarniçado rancor na conta do Nazareno, provando assim que Jesus é o que o amor dos homens faz Dele!
VI. Ação de graças pelas colheitas em Betânia
Depois do jantar, Lázaro convidou todo seu pessoal e os hóspedes para a colina, a fim de celebrar a solenidade da Festa das colheitas. As tochas foram acesas para aclarar a noite próxima, e os porta-archotes formaram um largo círculo ao redor de todos os reunidos. A multidão então entoou um alegre Salmo de louvor e agradecimento, depois caiu o silêncio, e Lázaro começou a rezar em alta voz: "Grande e Bom Deus! Amor de todo Amor! Tu, Vida de toda Vida! Estamos aqui para agradecer-Te em íntima alegria. Para onde nosso olhar se dirige, vemos as provas do Teu Poder e da tua Glória, vemos como tua Bondade pôs tudo em ordem de maneira tão amável e maravilhosa. No Teu Amor para conosco, Tu Mesmo quiseste que Teu coração Se tornasse comunicativo; portanto sabemos: em Espírito e Verdade estás em nosso meio. Atrás de nós, uma vida cheia de Graças; diante de nós, a tarefa de realizar Tua Vida de Graças agora em outros! Fica, pois, conosco e não nos deixes esquecer que nada conseguimos sem Ti e Tua Bênção! Dá-nos a Força de vencer toda noite em nós e de vivermos um novo dia cheio de Luz e Vida. Abençoa-nos! Somos Teus! E queremos permanecê-lo pelo Teu Espírito Santo! Amém.” — “Amém", disseram todos.
Lázaro continuou: "Irmãos e irmãs! Onde o Senhor governa a casa, todos estão contentes e felizes! Também nós podemos sê-lo. Agradecemos, pois, ao Deus de todo Amor e ao Pai de todos os filhos, a Graça de podermos ser os executores de Sua Vontade. Mas 'ser portador da verdade' quer dizer também: procurar aumentar toda vida cheia de Graça, para que a salvação que nos fora dada de Jesus, o Ressuscitado, se torne bem comum de todos. Nosso magnífico Mestre voltou para Sua Pátria, para auxiliar-nos de lá nessa nossa intenção. Assim, Ele fica em contínua comunhão conosco, que O amamos fervorosamente. Mas amá-Lo quer dizer também: estimular Sua Vida que foi colocada em nosso íntimo e agir sempre no espírito de Seu Amor Misericordioso!
Hoje, às vésperas da Festa das colheitas, percebemos justamente quanto depende o homem das influências que fomentam ou entravam todo crescimento e como o homem deveria estar em condição — devido a seus altos talentos — de manter afastado tudo o que é nocivo, promovendo muito mais ainda tudo o que é bom! O homem perdeu esta admirável posse, e em troca nasceram nele só desejos e cobiças. Mas o Mestre de toda Vida verdadeira nos mostrou como o homem pode recuperar estas forças perdidas e assim testemunhar de sua comunhão com o Senhor e Eterno Deus.
Se a colheita é sempre o produto de uma sementeira, a união com o Deus Eterno é a consequência de nossa viva fé em Seu Amor e da nossa humilde dedicação à Sua Vontade! Que seja, portanto, nossa vida uma alegre gratidão, porque também Deus quer agradecer-nos o serviço que prestamos aos irmãos! E assim como nosso coração está cheio de alegria e gratidão — não devendo nunca mais intranquilizar-nos tristeza ou preocupação — assim todos os homens devem participar da nossa alegria, pois só no espírito da justa alegria somos capazes de agradecer de verdade. Crianças reconhecidas glorificam com ricos louvores o bem maravilhoso de seu pai! Que sejamos, pois, e nos tornemos cada vez mais, verdadeiras crianças por causa do Seu Santo Amor!"
Lázaro se calou. A escuridão externa nem foi percebida, porque o grande número de tochas de óleo nas mãos de homens em pé formavam um grande círculo de luz; e as palavras proferidas do fundo do coração dispuseram todos para um alegre louvor.
Enos olhou interrogativamente para Lázaro, e este confirmou com a cabeça. Enos postou-se então ao lado de Lázaro e, abençoando como sacerdote todos os reunidos, disse: "Meus irmãos — e também vós, irmãs! O Grande e Santo Deus houve por bem derramar Suas Dádivas em plenitude no seio de nossa Terra. Sua Graça nos fez administradores destes bens, mas Seu Amor paternal nos fez filhos! Assim, Ele tirou todas as nossas preocupações para que possamos agradecer-Lhe em justa alegria! Mas, meus irmãos, não há felicidade que não seja turvada. Apesar de nossa alegria e tranquilidade, a tristeza ronda os nossos corações, porque o Amor de todos os amores é tão menosprezado e porque a ambição do poder endureceu como pedras tantos corações. Confesso: Tornei-me velho e grisalho, mas a Doutrina de Jesus e Seu Amor para com todos os homens era para mim um escândalo. Por ambição de poder e ódio, eu mesmo fui levado para a mágoa e a miséria, até que almas bondosas da Doutrina do Salvador me ajudaram e me conduziram em um mundo totalmente diferente, onde só há paz e brilho do Sol! Um sacerdote é um semeador! Assim, meu coração me diz que só nesta nova existência e vida posso ser um semeador e, numa atividade infatigável, pagar a minha dívida que o Salvador Jesus pagou também por mim com Seu Sangue. Tempos virão em que Sua Palavra será pregada em todos os países; também virá um tempo em que a miséria e a mágoa levarão os homens quase ao desespero! Mas sobre todos os tempos estará alta a CRUZ, como lembrança e convite de procurar tranquilidade e paz junto Daquele que na Cruz professou Seu Amor Misericordioso para com todos os homens! Aquele que preferiu morrer pela redenção de Seus filhos da matéria, do que ficar por eternidades sem filhos. Eis porque confesso: Tu, meu Jesus, me deste uma nova vida que está ansiosa por trabalhar. Que se faça sempre Tua Santa Vontade! —Amém."
A multidão estava profundamente comovida, e fez-se silêncio, convidando cada um ao recolhimento interior.
Após algum tempo, Lázaro chamou Tobias, seu mais antigo operário, convidando-o a dizer também algumas palavras. Tobias, uma idosa figura venerável, com longas barbas e cabelos brancos, começou: "É com prazer que atendo ao pedido do nosso patrão, e testemunho a feliz e alegre vida no espírito de sincero contentamento. O que conta aqui não é apenas a vida pacífica ou a consciência de sermos providos, e sim o espírito que nos anima e preenche. Quão perto se tornou para nós o Céu, e quão estranha a Terra! Por quê? Porque o divino Amor Misericordioso guarda largamente abertas as portas para a íntima, sacratíssima Vida Divina.
Poderia alguém dizer: Fui privado da Graça!? Onde estaria aquele que, rezando e procurando, teria deixado passar a verdadeira salvação; ou outro ainda que diria não ter gostado deste amor e desta graça? Ninguém, a não ser aqueles que estão ainda ébrios do falso espírito. Desses tenho pena, junto com meu Salvador, cujo Coração anseia por trazer para todos felicidade e redenção. A colheita do Seu serviço de Amor, que torna toda a humanidade uma devedora eterna, foi apenas escassa! Mas como será a colheita, quando todas as promessas se cumprirem? Quando cada alma viva deverá reconhecer, pelas misérias e mágoas, e por conduções maravilhosas que sem o Deus de Amor, o Pai de todos os filhos, tudo é tão efêmero e fútil?
É verdade que muitos choram a morte de seu benfeitor que por Amor cuidava e Se preocupava com nossa felicidade. Desapareceu dos nossos olhos, mas tanto mais quer aproximar-Se do nosso coração! De hora em hora, Sua Palavra se torna cada vez mais viva, e Sua Graça universal faz de nós uma chama que deseja cada vez mais distribuir Luz e Calor. Sua Verdade Se derramará qual torrente para os corações de Seus fiéis, derrubando o mais firme baluarte do príncipe das trevas. Mesmo que tenhamos nos despedido do nosso Salvador que tanto significava para nós, tanta grandeza em nossa vida, agora clamamos: Bem-vindo Tu, nosso Amor! Tu, nosso Bem! O mundo não tem mais valor para nós, e não pode mais separar-nos de Tua Vida. Teu desejo cumpriu-se! Teu Espírito manifestou-Se agora! Teus mensageiros aguardam tua Chamada, prontos para colocar uma nova semente do Teu Espírito no seio e solo nativo de Teus filhos humanos. Vejo em espírito como ondas de Luz e de Vida afastam as trevas e tudo o que está morto; como a Mensagem de Tua Paz Divina e de coração faz da Terra o ponto de partida do Teu magnífico Amor!
Vinde, pois, vós porta-archotes! Uni-vos, para formar uma única chama! Dai hoje, ás vésperas da consumação da magnifica Obra Divina, a prova à Terra e seus habitantes humanos e espirituais: Jesus é nossa Luz e nossa vida! O que estava oculto desde tempos infinitos, hoje nos é manifesto: O Amor Eterno do Grande Deus quer, juntamente com Seus filhos, transmitir à Terra e a todos os mundos o Seu Espírito Santo, para que cesse toda inimizade!
Que Graça ser julgado digno de colaborar, pelo Seu Espírito, na edificação da grande e santa Obra de Redenção! Brilhai, pois, chamas, com ardente coração e santo fogo de amor, como testemunhas para Aquele que nos fez viver o dia de hoje em que podemos manifestar com coração alegre: a luz brilha nas trevas e nunca mais parará de brilhar, até que toda escuridão se confesse partidária da Luz! Agradecei sem demora em vossos corações e pelos vossos atos, pois o mundo tem fome de vossa gratidão e de provas de tal Luz, que por vós deve manifestar-se como força e sagrado bem da vida! Dá-nos, pois, Tua Bênção, ó Senhor e Mestre Jesus Cristo! Ela é o legado do Teu Amor, para que também nós possamos abençoar, igual a Ti, e servir a todos. Faze que Tua Vontade Se torne nossa vontade! Amém."
Novamente fez-se silêncio, até que Lázaro disse: "Vamos agora descansar, para que nada deste magnífico espírito se trivialize. O que o Amor Eterno nos destinou, recebemos abundantemente. Para amanhã, que é sábado, vos recomendo verdadeiro repouso! Cada um aja segundo o impulso de seu coração, e Deus estará conosco! Amém."
Lázaro estava também muito comovido e disse ainda a seus hóspedes: "Amanhã é sábado, mas o dia seguinte é Pentecostes, quando nos reuniremos com os Irmãos em Jerusalém!"
VII. O que é o Espírito Santo?
Nestes dias, todos os Discípulos estavam intimamente reunidos na casa de Maria; em unânime reunião, em íntima paz e expectativa, seu interior se tornou livre das últimas incertezas. O Espírito de Deus trabalhou poderosamente em cada um, até que também o último obstáculo que a razão e o amor-próprio tinham erguido foi removido. Na noite de sábado (2), os Discípulos estavam sentados no terraço da casa, irmanados em intensa expectativa, mas também na esperança pela Promessa de Jesus! Esta noite tranquila tornou seus corações particularmente calmos e receptivos, e em Pedro evoluiu, devagar, uma clareza e consciência daquilo que antes era apenas esperança. De repente exclamou: "Estou passando por vivências poderosas e maravilhosas. É como se eu entrasse no Senhor, como se eu fosse uma criatura sem carne e sangue e pudesse habitar na figura e pessoa de Jesus; sim, no Seu próprio invólucro humano!"
Nove dias após a Ascensão.
Calou-se um momento — depois continuou com voz mais baixa: "Mas não, a realidade é ainda outra: estou sentindo um santo soprar ao meu redor e vejo agora o Mestre em mim. Torna-Se cada vez maior, e eu já reduzido a nada. Sim, é somente o Mestre que posso ver em minha forma, em meu invólucro humano! Ele é como de ouro transparente, mas no Seu Coração há uma Centelha que produz luz colorida, iluminando as mais íntimas sensações do coração. Agora já resplandece todo o coração, brilhando como um sol, mas sem cegar.
Estes raios saem de mim e eu posso penetrar com essa luz a Criação inteira. Que milagre! Este esplendor aumenta ainda em intensidade e torna-se em mim como brasa ardente. Desaparece agora a minha forma e vejo somente o Mestre na Sua íntima Glória!"
Após alguns momentos de visão em silêncio, Pedro clamou em entusiasmada percepção: "Senhor, Tu não és apenas Filho, és o próprio Criador! És Deus, o Eterno o Santo! — E és nosso Salvador!"
Pedro respirou profundamente, adivinhando agora o que o Nome de "Deus" quer significar para nós. O esplendor na sua face aumentou cada vez mais, e também de suas mãos saíram finos raios de Luz. João pegou a destra de Pedro, dando a esquerda a Jacó, e este deu a mão aos outros, para formarem uma corrente. Uma santificadora corrente de Luz preencheu todos. Com o pedido no coração: "Inflama-me também!", contemplaram do mesmo modo esta Luz em seu íntimo, e viveram em si a Divindade como viva Força de Fogo, como Criador de toda Vida!
Comovido, disse João: "Irmãos, o Senhor cumpriu Sua Promessa. Seu Próprio Espírito Santo nos inundou. Este Espírito Santo, como Luz de Sua Luz original, como Força do Seu Fogo primário e como Clareza de Sua Sabedoria, quer habitar em nós e em todos os homens!
Vejo claramente que — antes de despertar esta Nova Vida em outros — é preciso tornar-se vivo a si mesmo. E sei agora: Tudo o que Jesus como nosso Mestre não podia nos dizer, encontramos agora como Verdade viva em nós mesmos. Ele é nosso Deus! Jesus como Homem, por renúncias voluntárias, deu lugar em Seu Peito à Eterna Centelha Divina! Mas a nós, Suas testemunhas, Ele nos dá de presente Sua Força Divina conquistada, fazendo-nos assim portadores de Seu Espírito Santo, para que, por esta Força de Luz, seja superado tudo o que quer ainda interpor-se como obstáculo entre Deus e o nascente 'filho de Deus'. "
Pedro se levantou e disse com voz firme: "Jamais tinha experimentado e sentido em mim esta santa Centelha Divina como tamanha Força e Luz! Vejo Deus, o Eterno, por toda parte; Ele Se torna visível para nós, porque Ele está em nós e despertou o âmago da nossa vida. Por isso, cada Palavra do Mestre é iluminada como por dentro, no Seu Sentido Eterno! Diante de nós está agora a grande tarefa: Anunciar, nesta Luz, a Sua Santa Palavra a todos! Mas nesta Luz, esta tarefa se torna para nós uma necessidade!"
Pensativo, continuou Pedro: "Como esta Luz incandescente empalidece agora em mim, continua um ardente impulso que proporciona conhecimentos cada vez mais profundos sobre Jesus, o Senhor! Ele é, deveras, Deus — de eternidades em eternidades! Seu grande Amor à humanidade fez de nós Seus Discípulos e testemunhas. Impelidos por este novo Espírito Santo que nos foi dado, falamos e testemunhamos com júbilo do Seu Amor a tudo o que fora por Ele criado, participando, assim, da Sua Santa Obra de Redenção!"
De repente, toda reserva foi superada, pois esta nova vivência tinha diante deles uma determinada meta: a execução de todas as grandes tarefas que Jesus, como Filho de Deus e Filho do Homem, quis ver realizadas. Assim, este Espírito Santo tornou-Se neles o impulso, mas também a felicidade, criando uma auréola ao redor dos Discípulos, que passou como reflexo também para os outros. Agora, eram eles que davam! A fonte de sua força era o Cristo, que vivia e agia no seu peito.
VIII. Pentecostes!
Nesta particular Festa de alegria, muitos foram ao Templo, onde se formaram já no átrio dois partidos: uns descontentes com as medidas dos templários, e outros que apoiavam o Templo. Ameaçava um conflito, quando a parte melhor dirigiu sua atenção aos Discípulos de Jesus que acabavam de chegar, exclamando: "Ei-los, a esses queremos ouvir!"
Começou uma agitação e abriu-se um caminho; os templários, porém, se tinham retirado do Templo. Todos fitaram os Discípulos, que em alegria sobrenatural estenderam suas mãos para abençoar. Quando estes pisaram nos degraus que conduziam ao átrio, Pedro virou-se, abençoando mais uma vez todo o povo.
Dando a bênção, a Centelha de sua Vida Divina inflamou-se fortemente, animando também seus outros Irmãos. Em silêncio, a multidão ouviu suas palavras proferidas com convicção no espírito da Verdade, que criaram uma compreensão pela Nova Vida, bem como pela Força que o obrigava a falar.
A multidão estava ansiosa por ouvir mais, e assim também os outros Discípulos foram impelidos a testemunhar abertamente do grande e redentor Amor do Salvador. E —coisa estranha: foram inteiramente compreendidos, uma vez que todos os Discípulos testemunhavam esta Vida Nova por Jesus; não pela vontade, mas pelo fogo de seu coração. Não houve um só que tivesse podido fechar-se à verdade de ter ouvido ou sentido algo que não tivesse tornado feliz seu ânimo! Quanto mais os Discípulos se deixavam guiar pelo íntimo espírito, mais transfigurados se tornavam seus semblantes. O Amor Eterno tinha aceso um sagrado Fogo em seus corações que agora alastrava-se, chamejante, de coração para coração, de amor para amor, e cujas chamas, atiçando vida, eliminaram todo dado intelectual. Acima deles, notou-se um esplendor como de luminosas alturas, e houve a impressão de fazer-se ouvir um rumor, um ruído como uma ressonância dos pórticos do Templo, como um eco da Casa Alta que deveria ser dedicada à Santidade da Palavra de Deus. Os Discípulos falaram de maneira cada vez mais convincente, até que os próprios corações do povo se acenderam em grande entusiasmo. Eis a Promessa realizada! Todas as barreiras tinham caído! O Espírito Santo tinha fechado as portas de errados conhecimentos intelectuais e aberto uma outra porta: a do entendimento que conduzia diretamente ao coração ou para a alma.
Cada um ouviu a linguagem de seu coração, ouviu como o Deus do Amor falava ao seu próprio interior! E não houve como esquivar-se deste acontecimento. Muitos foram convencidos, e inúmeros tornaram-se famintos. Na sua ânsia pelo verdadeiro 'Pão da vida', também seus corações amadureceram para o Espírito, que é nossa consolação e que leva para toda a Verdade!
* * *
Na hospedaria de Lázaro reinava grande júbilo: O Mestre cumprira a Promessa feita! Foi criado um elo de união desde os Seus Céus até a Terra, e nenhum inimigo, nenhum adversário pôde interrompê-lo mais! Quantas vezes o Mestre tinha afirmado: "Ninguém sentirá falta de Mim, mesmo Eu não mais estando entre vós!" Sim, e mais: "Quem quiser, poderá falar Comigo em qualquer tempo ou hora!"
Agora estava cumprido! O Paracleto, o Guia e Consolador dos Céus, tinha-se tornado propriedade dessa Terra, pois a Força de Fogo deste Espírito Santo não era uma aparência, não nascera de circunstâncias temporais, mas era uma livre Dádiva Daquele que queria ocupar espaço e tomar morada em corações receptivos. Cumprindo a sua Promessa, Jesus deu muito mais do que se esperava, ou seja: Pão de Seus Céus, Luz de Sua Luz e Força do Seu Espírito Original!
Para Ursus e Teófilo, esta vivência era como uma escalada para os mais altos conceitos de Deus! Como numa visão do Alto, enxergavam agora todos os acontecimentos de Graça numa Luz muito mais brilhante. Agora experimentavam mais uma vez e em toda realidade: Deus é Vida! E Deus dá sempre Vida Nova pelo Espírito Santo que está prometido a todos por Jesus Cristo! Espírito de Pentecostes é renovação para a alegria! O Espírito de Pentecostes continua Sua grande Obra de Salvação.
***
Os hóspedes ficaram em Jerusalém; ninguém sentia cansaço; tudo estava otimamente providenciado, e sem dificuldade cumpriram-se todos os desejos terrestres e espirituais.
Demétrius tomou Lázaro à parte e disse: "Irmão, muito daquilo que vivi convosco era de cunho divino, mas hoje foi o mais grandioso. A posteridade não o compreenderá. Esta Força e o Fogo da Vida Nova nos Irmãos acendeu em nós todos uma nova luz! Agradeço-te de nos teres retido aqui; pois, se tivéssemos regressado mais cedo, nunca teríamos tido esta extraordinária experiência! Mas tenho um pedido que não deves me recusar: Deixa-me assumir todas as despesas de hoje, e que todos os forasteiros sejam meus hóspedes! Nada queres saber de gratidão por todas as despesas que afinal eram consideráveis. Por isso, deixa-me ao menos hoje ser anfitrião; parece-me que isso alegrará também o Senhor e Mestre."
Disse Lázaro: "Irmão, sabes que satisfaço com prazer cada pedido; assim, consinto ao teu desejo. Sinto-me o dia todo como hóspede num banquete de bodas. São essas alegrias antecipadas das bem-aventuranças eternas que já nos fazem adivinhar, de maneira natural na Terra, o que aguarda aqueles que, inteiramente em Seu sentido, são administradores de Seus Bens e portadores de Seu Espírito. Voltemos aos nossos hóspedes; ninguém precisa saber quem é o anfitrião; mas cada um deve sentir: hoje desfruto de tudo na mesa de Amor Eterno! Irmão, repara ainda uma coisa: hoje não se vê nenhum templário. Não te parece que os cuidados do Amor Eterno vão além dos nossos? Para muitos, o Amor que experimentamos não se teria tornado tão grandioso, se houvesse entre nós sacerdotes encarniçados e exasperados. Assim, só se vê alegria e gratidão. Por isso, não deixa nunca desvanecer-se a lembrança desse dia, pois deve ficar vivo e presente em ti! Pois é Pentecostes! — E que em nós sempre perdure o Pentecostes de alegria."
IX. Despedida de Betânia
Após esta poderosíssima experiência de Pentecostes, Demétrius estava impaciente por partir; assim, Lázaro planejou um banquete de despedida, convidando os Discípulos e muitos amigos e forasteiros a participarem. Toda a casa foi festivamente enfeitada para quinta-feira; mas a Mãe do Senhor já tinha voltado para as irmãs de Lázaro, pois se sentia desnecessária em Jerusalém.
Ursus e Teófilo eram inseparáveis desde a Ascensão, e Teófilo teria preferido partir com os romanos, mas Ursus recusou. Disse: "Irmão, fica aqui! Os Irmãos têm muito maior necessidade de ti do que eu. Minha vida está rodeada de perigos, e no deserto é preciso poder dispensar muita coisa. O dever tem valor máximo para nós romanos, e a preocupação pelos homens e os bens que nos foram confiados é grande. Temos, sim, a magnífica promessa de que o Senhor está sempre conosco, auxiliando-nos conforme o grau de nossa fé e confiança; mas não teria sossego, se te sucedesse um acidente. Por isso, fica! O Senhor te destinou um outro campo de trabalho!"
Então Teófilo se conformou; e também Demétrius deu razão a Ursus.
Por volta do meio-dia, a casa já estava cheia de hóspedes, e os Discípulos trouxeram ainda amigos ansiosos pela verdade. Entrementes, foram servidos refrescos, pois o banquete só devia começar ao pôr-do-sol. Cada morador de Betânia fez questão de mostrar a todos os visitantes a verdadeira natureza do Amor que deve preencher o coração de cada um. Uma sincera admiração e o máximo contentamento eram o eco pelo seu amor e sua conduta. Também Enos foi procurado por muitos conhecidos que expressaram sua alegria por ele ter encontrado uma nova vida em Betânia. Mas os Discípulos foram os mais requisitados, pois em seus corações viviam radiante alegria e força consciente.
Um grego disse a Pedro: "Tudo aqui me parece tão imponente quando imagino a Vida do vosso Grande Mestre, e assim te pergunto: O espargir do Espírito de Pentecostes teria sido previsto desde a origem do mundo, como o Nascimento e a morte de vosso Mestre? Quantos textos da Escritura Sagrada profetizam o Seu Nascimento e Seu Sacrifício de Imolação, mas não me consta dos sagrados textos que esta Graça sobrenatural do Seu Espírito seria reservada a Seus Discípulos!"
"Querido amigo e irmão no Senhor", respondeu Pedro, "tua pergunta se justifica plenamente. Todas as Promessas Divinas feitas à humanidade caída na miséria se referiam ao futuro Salvador e Redentor, que na Pessoa de Jesus cumpriu integralmente Sua Santa Missão! Mas cada promessa é ao mesmo tempo uma revelação divina que inclui tantos assuntos sublimes e espirituais, que aquele que procura com fé achará ainda muito que até agora não fora pronunciado. Segundo Isaías, o Mestre Se Chama 'Pai Eterno' e ‘Príncipe da Paz'. É, pois, manifesto: se Ele faz de todos que vivem em Seu Espírito Seus eleitos, não lhes negará a Força do Seu Espírito. Nós fomos testemunhas do Seu Poder, Força e Glória, e vós sois testemunhas daquilo que Seu Espírito nos dá! Pode, então, Seu Espírito em nós querer algo diferente do que Nele Mesmo? Na Vida e morte do Mestre cumpriu-se a Escritura! Com Sua Ascensão, Ele tirou de nós a imagem pessoal que nós fazíamos Dele. Mas este Pentecostes, foi o dia de nosso batismo com Seu Fogo, onde, em Espírito, ofereceu Seu legado à humanidade inteira. Pois vê: O que Jesus sacrificou do Seu Humano, era exigência da Lei! Mas o que nós, como herdeiros e portadores de Seu Espírito, queremos sacrificar é amor livre, nascido de libérrima vontade! E o que é feito por amor livre está acima de todas as promessas!"
O grego agradeceu; novas luzes acenderam-se nele. Fez-se então ouvir o sinal da vivenda, chamando todos a se reunirem no grande refeitório; assim terminou toda conversa, para não retardar a festa. O enfeito da sala era muito belo; sobre todas as mesas havia candeeiros prontos a serem acesos. Serventes em trajes brancos se apressavam no serviço. Quando todos os hóspedes tinham tomado seus lugares, Lázaro mandou servir a refeição. Constava de carne de galinhas e cordeiros, com legumes, pão e deliciosos frutos; outros serventes encheram as taças com vinho fresco.
Lázaro se levantou e disse: "Queridos irmãos! O Amor Eterno nos saúda e abençoa a nossa Festa! Também o meu amor deseja envolver-vos com as Forças que vêm de Jesus, para provar-vos a minha felicidade neste espírito. Sede também vós felizes! Rezemos, pois, juntos: 'Senhor, é nosso desejo tomar esta refeição contigo! Sê em espírito conosco e aceita o nosso agradecimento de também podermos abençoar em Teu Nome! Seja, pois, abençoada esta hora que podemos presenciar pela Tua Graça! Sê abençoado tu, irmão e irmã, que queres ser repleto pelo Espírito de Jesus; e sê abençoado o alimento e a bebida, para que nos fortifiquem na execução de nosso amor!"
Então todos se saciaram com o mais belo alimento. Apesar da presença de tantas pessoas, um ar solene envolveu a todos, e as conversas eram feitas em voz baixa. O dia declinou, os castiçais foram acesos e fez-se a limpeza das mesas. Todos ficaram calados, pois sabiam: agora começará o ato solene.
Falou Lázaro: "Queridos hóspedes! Todos nós sentimos que as semanas passadas com suas fortes provações nos uniram firmemente em nosso íntimo. Todas as nossas necessidades foram superadas em comum, e assim está na boa ordem que também nossa alegria seja gozada em comum. Mas esta noite é também uma Festa de despedida, uma vez que muitos de vós voltarão à sua pátria. Também nossos queridos irmãos Demétrius e Ursus querem deixar-nos com toda sua caravana. O dever chama cada um de volta ao seu lugar, mas a lembrança das magníficas vivências que compartilhamos permanecerá, podendo sempre ser revivificada. Assim, vos peço: Vinde quantas vezes puderdes, em espírito, a Betânia, unindo-vos a nós com um único intuito: o de nos tornarmos ‘um’ com o Espírito de Jesus! Meus irmãos! Dedicai-vos, de corações alegres, também aos vossos novos deveres espirituais, pois a Terra está sedenta dos que querem libertar os espiritualmente presos, reunindo os que se encontrarem sob julgamento, para que não haja mais tentações nos atraindo para baixo, mas, ao contrário, somente novas esperanças que nos levam para cima! E Jesus é a Esperança de todos nós — sempre Jesus! Por isso, Irmão Pedro, dá aos irmãos o Pão espiritual que o Mestre preparou em ti para nós; e tu, Irmão João, dá-nos, por fim, a tua benção!"
E começou Pedro: "Queridos irmãos! Pela Graça de Jesus posso falar-vos do Amor que se manifestou tão admiravelmente a todos nós. Testemunhamos nos últimos dias como o Céu desceu à Terra para nossa felicidade, mas também para despertar em nós um desejo que não pode ser saciado por coisas terrestres! Agora podemos atestar aquilo que testemunhamos, o que o Mestre nos deu em Seu Amor, para que se torne nossa propriedade e como tal seja revelado também a outros! Nesta hora, nada espereis que satisfaça vossa curiosidade, mas recebei em vosso íntimo o que se vos dá de todo coração; a saber, que finalmente veio a hora para todos em que cada um deve colocar sua personalidade a serviço do Senhor e Mestre!
Chegou a momento sagrado em que tu, irmã ou irmão, podes tornar-te um ponto central, um lugar de reunião. Toda promessa do passado que visava o Redentor e Salvador passa agora a ti; e tu, mulher ou homem, te tornas um elo de união entre Aquém e Além, entre Céu e Terra. Eis a sagrada herança que nos deixou: de completar a Obra que Ele começou e que nos confronta com novas tarefas, sendo a primeira e maior a de nos anularmos, para podermos reconhecer Sua Vontade cada vez mais perfeitamente! Então poderemos também contar com as Forças que nascerão em nós, fazendo-nos guardiões e portadores da Luz e da Verdade!
O que presenciamos externamente do Amor, do Poder e da Glória do Mestre, desvanece-se diante aquilo que Ele quer ser-nos intimamente como Pai amoroso! Pois o Pentecostes que vivenciamos nunca mais voltará! Só viverá em nossa memória! Era o Pentecostes do Senhor!
Mas agora, também tu, irmão, deves ter o teu Pentecostes, em que podes oferecer à Terra este Espírito de Jesus, como nova criação em ti, como tua livre propriedade, e dar, como salvador, a muitas almas que se encontram no erro, um novo rumo e desenvolvimento!
Para onde quer que vossos olhos se dirigem, vedes seres em luta, criaturas que suspiram. Sua salvação não se pode dar por leis, mas apenas pela sua libérrima vontade! Por isso, Jesus, como o Salvador de todos, estendeu a Mão também àquele que mais baixo caiu, para fazê-lo digno de agarrar, com sua livre vontade, a Graça redentora e o sublime Amor Salvador. A sexta-feira da Paixão nos prova isso! Mas a todos os adversários Ele manifestou Seu Poder e Sua Força Divina pela Sua Ressurreição, mostrando-lhes que Ele é a Vida e que quer distribuir Vida. E Ele plantou Sua Santa Paz, semelhante a fragílimas plantinhas, nos corações de todos os desesperados. Qual mãe apreensiva, Ele cuidou dos que foram chamados, tornando-os eleitos! E Seu Amor conseguiu a Obra mais grandiosa: o Pentecostes!
Óh dia abençoado! Provaste ao Deus Eterno que o Seu Espírito, por Quem tudo em todos os Céus é regido e mantido, está agora implantado na Terra, nos corações daqueles que se confessam Sua propriedade! A partir de agora, não haverá outro Serviço Divino do que aquele prestado aos nossos semelhantes no Espírito de Jesus, o Comiserador Universal!"
Calou-se Pedro! Suas palavras ardentes despertaram entusiasmo, e em todos os corações fez-se silêncio!
Levantou-se, então, João, fitando cheio de amor os olhos de todos, e abençoando-os, disse: "Sede abençoados no Espírito de Jesus! Abri vossos corações e levantai as portas, para que Sua Luz possa vos inundar; ela nasce em vós pelo amor a todos os seres! É verdade que o inconcebível aconteceu: Deus Se tornou Homem, e nós vimos Sua Glória. Mas Ele não veio para mostrar-nos Seus Céus e Suas Glórias, e sim que sejamos testemunhas de Sua Doutrina de Amor e Verdade! Por isso, nós — Suas testemunhas — não devemos nos calar; sabemos, pois, que o caminho para união integral com o Eterno é ainda longo.
Tenho agora a Graça de contemplar, com meus olhos espírito, as esferas dos bem-aventurados. Com que alegria e delícia tomaram eles conhecimento do Espírito que deve trazer à Terra e seus habitantes a libertação das cadeias e vínculos com que o inimigo de toda vida enlaça todo o ser.
Posso ainda ver anjos cujo ardente desejo seria poder vir a nós, homens da Terra, para ajudar-nos; mas eles devem ficar calados, porque cabe ao homem terrestre de rebentar, ele próprio, suas cadeias, libertando em seu interior o espírito vivo que é capaz de tornar-se ‘um’ com Deus, o Pai Eterno, o Senhor do Infinito!
Ainda não podeis compreender com que profundo respeito um anjo contempla o despertar da Vida no peito de um filho de Deus, pois sabe que esta Nova Vida é o Cristo que volta! E a esta Vida foi dada a possibilidade de criar um Novo Céu e uma Nova Terra!
Cristo Jesus não pôde dar-nos esta vida maravilhosa, pôde somente mostrar-nos o caminho com Sua própria Vida! Mas, despertado pelo Espírito de Pentecostes podes agora, irmão e irmã, transmitir como vida própria o que encontraste em ti pela Graça de Jesus!
Assim como Jesus, nosso Mestre, pôde testemunhar somente do Céu que Lhe pertence, tu também deverás testemunhar agora daquilo que se tornou teu por Jesus! O que chamares ainda de teu por ti mesmo pertence à Terra e há de passar! Mas o que se tornou teu por Jesus pertence a ti por toda eternidade, e teu amor pode livremente dispor disto!
Pentecostes deverá continuar para sempre! Pois o Salvador quer ver em ti Sua Imagem e o portador de Sua Essência, para que Seu Espírito Santo abra a fonte de toda Força também em ti!
Pentecostes deverá continuar para sempre! Pois nos dá a certeza: Por Seu Amor e Sua Graça, tornei-me Seu verdadeiro filho e Seu herdeiro!
E Pentecostes deverá continuar para sempre, para que possa me contar entre os eleitos que no Espírito de Jesus participam da edificação do Eterno Reino de Deus!
Até os nossos dias, todas as Bênçãos chegaram sempre do Alto, pois Deus, o Eterno e Misericordioso, não podia fechar Seu Coração aos pedidos dos homens. Mas o Espírito de Pentecostes traz Bênçãos do Alto e de baixo, porque os filhos de Deus, quando abençoam com amor, receberam a Graça, pela força de sua fé e o poder de seu Amor, de reter na Terra Aquele que é o Pai Eterno e o Príncipe da Paz.
Por mais incrível que isso vos pareça, é, todavia, reservado a todos os que têm uma fé viva. Virão e passarão tempos, mas a Vida do Espírito que o Pentecostes trouxe à Terra jamais perecerá. Assim, aguardamos um Novo Céu e uma Nova Terra, onde Jesus viverá como Pai, como Rei e Sumo-Sacerdote; como Jesus, nascido de ti, óh homem, porque Deus gerou em ti a Sua Vida! Reconhecei a Graça e santificai toda Vida! Pois Deus é Vida, e Vida é aperfeiçoamento! Assim, recebei a Bênção do meu coração que prova a todos: Deus vos ama!
Que a Graça de Deus vivifique vossos corações, para alijardes obras vivas. E que o Amor de Jesus seja vossa Eterna Salvação! Amém."
"Ide em Paz! Ficamos unidos na fiel comunhão do espírito!"
Após as palavras de João, houve um profundo silêncio, mas quando Lázaro recomendou encarecidamente aos irmãos: "Ficai à vontade e provai que sois verdadeiros irmãos!", ficaram ainda longamente reunidos até depois de meia-noite. Mas os Discípulos tiveram ainda a incumbência de dar a todos os hóspedes que partiam uma particular bênção de despedida. Também Demétrius despediu-se de todos os moradores e Ursus prometia sempre de novo: "Nos reveremos! O que está diante de mim é como uma manhã de primavera! É a Vida Nova de Deus, dada por Pentecostes — agora, a minha vida!"
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