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A CRIAÇÃO DE DEUS
Volume I
A CRIAÇÃO DE DEUS — 3 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
UNIÃO NEOTEOSÓFICA
Edição 2022
ÍNDICE
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. Ao lado da Bíblia o mundo jamais conheceu Obra Semelhante, sendo na Alemanha considerada “Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
Cenas Admiráveis da Vida de Jesus – 2 volumes
O Sol Natural
Quem escreveu esta Obra procurou algo com seriedade e en- controu o que desejava. Pediu e lhe foi dado. E, como tivesse batido na porta certa, ela lhe foi aberta e, através dela, para todos os de bom coração e boa vontade. Àqueles, porém, que não procuram com o coração, mas com seu pretenso intelecto puro, analisando e criticando em vez de bater em Nome do Eterno Doador de tudo que é bom, apenas o fazendo na casca dura e morta da matéria — não lhes será dado conhecimento, nem aberta a porta. O Espírito do Senhor jamais Se revela através do intelecto, mas apenas pela simplicidade do coração dos que são tomados por tolos. Todavia, o intelecto dos sábios do mundo será aniquilado diante da simplici- dade dos tolos.
Quem ler a presente Obra com o coração humilde, grato e cren- te, receberá várias graças e bem-aventuranças, e não negará o Seu verdadeiro Autor. À casta intelectual não interessa se estiver lendo Daniel, Sir Walter Scott, Rousseau ou Hegel, pois aceita tudo no sentido mundano e considera uma mensagem do Alto simples fan- tasia de pessoas incultas que procuram ser algo por meio de mistifi- cação, porque não conseguem alcançar aquilo de que carecem.
Que ninguém se perturbe por isso! Quanto já se duvidou dos Quatro Evangelhos! Porventura valem eles menos nos corações dos verdadeiros confessores de Deus? Quantas vezes fui Eu — o Senhor e Doador da Vida e de tudo de bom que Dela provém — declarado simples homem, magnetizador, falsificador e personagem inventa- do, como até hoje milhões o fazem! Ainda assim, isto não perturba outros tantos milhões. Como são obreiros e não somente ouvintes de Meu Verbo, perceberam pela simplicidade de seu coração que JESUS DE NAZARETH é algo mais do que o mundo O considera. Convém, portanto, que o leitor desta Obra não dê atenção para o critério do mundo, que enaltece somente o que lhe diz respeito, mas dê apenas ouvido à voz do coração. Assim fazendo, terá um critério justo diante dos Olhos do bom Doador. E feliz será se não soçobrar!
O intelecto mundano, por sua vez, terá motivos de sobra para se escandalizar.
Quem ler esta Obra e considerá-la de origem espiritual, todavia não estiver certo se provém de um espírito de baixa ou alta categoria, ainda estará fortemente atacado de cegueira e a coberta do intelecto mundano encobre bastante a visão de seu coração.
Quem acreditar em Mim, vivamente, não duvidará de Meu Po- der, Bondade e Sabedoria plena, e reconhecerá que Eu possuo Força e Sabedoria de sobra, capazes de expulsar para sempre o inimigo que se infiltrar no campo por Mim preparado. Eu e Satanás jamais con- duzimos o arado no mesmo sulco. Segundo o intelecto do mundo egoísta, infelizmente assim se julga; pois sendo ele próprio ignoran- te, só consegue perceber ignorância em toda parte. Aos olhos dos que são ensinados e educados pelo Pai, tudo tem outro aspecto, pois aos verdadeiros puros e iluminados, tudo é puro e claro.
Aos que afirmam que esta Obra carece de simplicidade, cal- ma e prudência, e certa profundeza na concepção do mundo, digo apenas: analisem rigorosamente seu coração a fim de constatarem aquilo que sentem faltar nesta Obra. Aliás, julgaram como os sá- bios europeus, sem terem penetrado na profundeza da mesma. Para tanto, é evidentemente necessário mais que a simples leitura de um trecho.
Que entendem tais leitores por “simplicidade”? Julgo que uma obra — não obstante sua abundância e profundeza misteriosa neces- sárias para a alma limitada, e de tal modo elaborada que até mesmo crianças alfabetizadas a poderiam ler, caso pudessem pensar além da tabuada — não deveria carecer de simplicidade. Quadros e lin- guagem não condicionam a simplicidade de uma obra, mas, sim, o fácil entendimento de um coração simples e a orientação em tal obra. Uma linguagem antiquada e quadros simbólicos de milhares de anos atrás é tão pouco simplicidade quanto o intelecto munda- no dos sábios. Calma, prudência e profundeza se encontram nesta Obra, apesar de o raciocínio pretender negá-las. Aquilo que acalma o coração deve possuir calma em abundância. Ao intelecto não pode
dar calma, por não ser ele capaz de assimilar calma, não a podendo encontrar nesta Obra, assim como qualquer rio não a encontraria antes de ter atingido a profundeza do mar. Se o intelecto dos sábios fosse capaz de se humilhar e descer da altura em que se julga ao sim- ples recôndito da vida do coração, poderia encontrar a calma nesta Obra. Mas, enquanto o intelecto, qual cata-vento em cima da torre de sua sapiência terrena, for lançado em todas as direções em virtude das dúvidas, não poderá encontrar sua calma, tampouco a prudência habitual que aprecia em suas alturas levianas.
Alguém sentindo falta de certa profundeza no que se refere à concepção do mundo, fique avisado de que tal não fora a intenção do Doador, e, sim, despertar um sentimento de fidelidade e grati- dão, emanando daí uma fé viva e o justo amor para com Deus e o próximo, vivificando-o para sempre.
Além disto, os que lerem a obra com o justo sentimento, atin- girão bastante profundeza na concepção do mundo sem ajuda dos intelectuais, que no caminho de suas análises tolas jamais chegarão ao conhecimento do Universo, que somente neste livro pode ser levado ao leitor — sem considerarmos outras obras nas quais o Sol e todos os sistemas planetários, solares e sóis centrais serão revelados material e espiritualmente.
Se em uma obra é exposta a evolução de todas as coisas desde sua origem, quer dizer, através de uma sequência eterna tanto ma- terial, quanto espiritualmente — e alguém ainda encontra falta de profundeza na pretensa carência do Universo, realmente, nem em todos os Céus poderá existir um unguento oftálmico que ajude tal míope a se livrar de sua falta de visão.
Os justos leitores desta obra poderiam afirmar: Nós, amantes de Deus, simples e fracos de intelecto, que além da Universidade Divina em nosso coração nunca frequentamos outra, não queremos a sapiência mundana; pois nossa constante visão nas profundezas das imensas criações de nosso Santo Pai é preferível que vossa per- manente pesquisa com visão tapada. Podemos estudar nos compên- dios até onde atingem vossos telescópios e cálculos matemáticos,
pois vossos caminhos não nos são estranhos. Mas, seria difícil para o telescópio e a matemática penetrarem onde chega a visão clara de nosso coração repousante em Deus!
Quem quiser ler esta obra com verdadeiro proveito para sua alma, que o faça na simplicidade de seu coração dedicado a Deus, não se fazendo de censor dentro do mundo, mas apenas um bom mordomo de seu coração, para encontrar nela em plenitude o que alguns intelectuais, infelizmente, não encontraram.
Toda Bênção e Graça aos leitores justos, de coração puro e boa vontade! Amém.
Volume I
ADVERTÊNCIADOPAICELESTEPARAOSSEUS FILHOS
Assim falou o Senhor através de mim, para mim e para todos; e isto é verdadeiro, fiel e certo:
Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei a resposta em seu coração. Somente os puros, porém, cujos corações são cheios de humildade, deverão ouvir o som de Minha Voz. E quem Me preferir diante de todo mundo, quem Me amar como uma noiva dedicada ama seu noivo, com este Eu caminharei de bra- ços dados; poderá Me ver como um irmão vê seu outro irmão e como Eu o vi de eternidades, antes que ele existisse!
Aos enfermos, porém, dize: Não devem entristecer-se em vir- tude de sua moléstia, mas dirigir-se diretamente a Mim e confiar em Mim. Eu os consolarei, e uma torrente do melhor bálsamo se projetará em seu coração e a eterna fonte da vida será revelada ne- les; hão de sarar e serão aliviados como a erva após uma chuva de tempestade.
Aos que Me procuram, dize: Estou em toda parte e em par- te alguma. Estou lá onde sou amado e onde se cumprem os Meus Mandamentos, mas, em parte alguma onde se fazem preces e onde sou apenas venerado. Porventura não vale mais o amor que a prece, e o cumprimento dos Mandamentos não tem maior valor que a ado- ração? Em verdade te digo: Quem Me ama, Me adora em espírito
e quem cumpre Meus Mandamentos Me venera em verdade! Meus Mandamentos só podem ser cumpridos por quem Me ama; mas, quem Me ama não terá outro Mandamento senão que Me ame, a Mim e ao Meu Verbo vivo, que é a Vida verdadeira e eterna.
Aos fracos, transmite: Sou um Deus forte. Devem dirigir-se a Mim; Eu os tornarei perfeitos. De um caçador de moscas farei um domador de leões; os temerosos devem destruir o mundo, e os fortes serão espalhados qual palha seca.
Aos dançarinos e dançarinas, dize, sem susto, que todos eles estão nas mãos de Satanás. Ele os pega pelos pés e os faz girar para que fiquem tontos, a fim de não poderem permanecer de pé ou sentados, nem andar, dormir, descansar, ver, ouvir, sentir ou perce- ber; são quais mortos, razão por que não se lhes pode aconselhar, nem ajudar. E, caso quisessem voltar-se para Mim, passariam pelo mesmo que alguém sendo agarrado pelos pés que o fizesse girar em torno de si; ainda que olhasse para o Céu, não veria o Sol, mas ape- nas um risco luminoso que o cegaria, a fim de que fechasse os olhos e nada mais visse.
Quem é fisicamente cego ainda possui a visão do espírito; mas, quem é espiritualmente cego, sê-lo-á para sempre.
Aos jogadores, dize que perderão primeiro sua vida e em se- guida tudo aquilo que lhes fora dado para viver; pois o jogo é um poço de imundície venenosa, enquanto os jogadores acreditam ser uma fonte oculta de dinheiro. Por isto a remexem diariamente, ab- sorvem o bafo pestilento e se envenenam completamente; e, ao invés do suposto ouro, descobrem a morte eterna do espírito.
Aos que possuem o Verbo, mas não o leem, dize que se as- semelham aos sedentos à beira do poço de água limpa, mas que não querem beber, ou por hidrofobia espiritual, quais cães raivosos que, ao invés de meterem o focinho na água para se curarem, pre- ferem morder nas pedras mais duras a fim de saciarem sua sede; ou por preguiça mental, preferindo que servos ociosos lhes ofereçam na próxima poça d’água lodo malcheiroso que deve saciar-lhes a sede, fazendo com que pereçam.
Às inclinadas ao luxo e à moda excessiva dize que estarão nuas diante de seu Juiz. Sua opulência dissipar-se-á qual espuma; sua tendência para o domínio e o luxo será transformada na mais ínfima escravidão, vendo-se obrigadas a se envergonhar de sua tolice. Não seria tolo quem pretendesse dourar um montão de lixo e mandasse incrustar pedras preciosas em detritos, ao invés de fazê-lo no ouro? Quantos loucos existem atualmente no mundo! A luz é para eles treva, e a treva, luz!
Desde já, surge a Leste uma estrela que abrirá caminho para o Orion, e o fogo do grande Cão os dizimará a todos. Atirarei do Céu grande quantidade de estrelas para a Terra, a fim de que pereçam todos os maldosos e Minha Luz venha a iluminar por toda parte.
Eu, Jehovah, Deus de Eternidade, o Verdadeiro e Fiel, faço Minha última advertência. Amém.
Para ti, que acabas de escrever tão mal, serve isto em pri- meiro lugar, e em seguida para os demais. Isto diz o Primeiro e o Último. Amém.
OMANDAMENTODO SENHOR
Assim falou o Senhor através de mim, para mim e para todos; e isto é verdadeiro, fiel e certo:
És o Lot de Sodoma. Cuida, porém, que não sufoques na depravação e que a herança da prostituta não venha a ser parte tua. Nunca houve outro igual a ti, e nunca haverá. Como homem, vives na carne e em seu prazer, enquanto teu espírito é livre e tens olhos e ouvidos abertos. Enquanto maculas teu corpo com imundícies, tor- rentes de luz estão sendo espargidas sobre o teu espírito; enquanto te alimentas em companhia de animais, teu espírito é rodeado por milhares de anjos. Preenches teu coração terreno com toda sorte de impurezas; no entanto, Eu erigi no coração de teu espírito uma mo- rada para Mim. Palestras com prostitutas, enquanto Eu te falo como um irmão fala para outro irmão. Exalas um odor pestilento, e teu espírito aspira os perfumes dos mais elevados Céus. És um monstro,
e tua visão vislumbra os sóis. Por isto, purifica tua carne e une-te a Mim, para que possa tornar-Me Uno contigo!
Dize às mães receosas: Não devem educar suas filhas com pavor dos homens e do mundo, pois ao que se teme se obedece cegamente na tentação, e a vitória será fácil aos temidos. É preferí- vel educá-las no temor e amor a Mim, para que Eu seja vencedor, podendo elas desprezar o mundo, pois convém trazê-las para Mim, e Eu te asseguro que nenhuma passará sem bênção e alegria; pois Eu sou um Deus Rico que dispõe de superabundância infinita, po- dendo dar tudo e querendo tudo dar sem medida.
Os pobres não devem mendigar às portas dos ricos, onde sofreriam a sorte dos cães famintos e seu coração se transformaria em tristeza e amargura. Devem vir a Mim com fé firme, que a todos saciarei. Alimentarei o faminto, darei de beber ao sedento, vestirei o desnudo e curarei o enfermo; o aleijado há de saltar qual veado, o leproso será purificado, o cego se tornará vidente, o surdo há de ouvir e ao fraco farei mais forte que um leão; o medroso será mais corajoso que um corcel e o ancião encontrará paz. O pobre é Meu próximo, pelo qual cuidarei; por isto, não se deve deixar profanar pelos cães, pois os ricos do mundo são irmãos de Satanás e filhos do demônio.
Aos Meus amigos e amigas dize: Não devem amar Meus servos acima de Mim! Não devem depositar sua salvação em suas mãos, mas nas Minhas, confiando plenamente em Mim. O servo tem que agir estritamente dentro do mandamento, caso não queira ser considerado indigno; mas o Legislador está acima da lei, poden- do elevar acima dela a quem quiser. Enquanto estiverem debaixo do jugo, serão julgados; mas, quem vier a Mim poderá ser isento do julgamento.
Minha Igreja na Terra é um banho purificador. Quem se ti- ver lavado, que venha a Mim para que o enxugue com o calor do Meu Amor e o conserve Comigo. Quem apenas sentir prazer no deslizar e no remexer da água, fará o mesmo que as rodas do moinho de água, que nunca saem dela.
Quem tiver praticado as obras da verdadeira penitência, ve- nha a Mim, para que o aceite qual filho perdido e o conserve em Mi- nha Força. O servo poderá aconselhar, mas Eu posso agir; o criado poderá ensinar, no entanto a salvação é unicamente Minha Obra; o servo poderá orar, mas apenas Eu posso abençoar. Meu criado tem que julgar com justiça; o direito da Graça é do Senhor, apenas. Por isto, não devem esquecer-se do Senhor!
Dize-lhes isto, palavra por palavra, sem receio algum; não deves temer o mundo, caso queiras amar-Me, pois Eu sou mais que o mundo inteiro. Dentro do mundo sou um pequeno herói, pelo qual nada se dá. Os sábios mal me olham por cima do ombro e mal Me deixam o nome de um homem honesto. Alguns, entretanto, já Me despediram completamente, pois não mais existo para eles. Outros admitem algum traço divino, mas apenas por pouco tempo; em seguida, preferem algo diferente junto aos sábios do mundo. Imediatamente sou cassado com infâmia e valho, quando muito, como um antigo deus para velhas. Para alguns pretensos servos e criados Eu sirvo apenas como carimbo público e adorno externo de semelhança divina de sua tolice e imensa confusão grosseira. Al- guns Me deixam em Minha Divindade; em compensação, tenho que permitir que façam de Mim o que querem, para suas vantagens terrenas, e o que é pior: sou obrigado a ser um verdadeiro disparate! Amor e Misericórdia só posso aplicar enquanto isto lhes apraz; em seguida, tenho que ser mais inclemente que uma pedra, transfor- mando-Me no pior tirano! Tenho que saltar de um tribunal para ou- tro e pronunciar uma condenação após outra. Meu Amor terá que ser, portanto, temporário, mas Minha tirania e a magistratura rigo- rosa que a ela se prende devem durar eternamente! Minha ilimitada Paciência, Meiguice, Humildade e Amor eterno para com Minhas criaturas não servem para suas conveniências egoísticas; mas, dentro em breve, suas contas serão liquidadas! Elas se encontram diante de Mim e a medida de suas ações completou-se, e o prêmio as aguarda.
Quem não sabe como Sou e Quem Sou, seria preferível que
nada soubesse de Mim, pois Eu ainda poderia vivificá-lo no reino
dos espíritos; mas, deste modo tornam impossível Minha Ajuda, pois matam a vida, porquanto Me destroem dentro de si e se tornam vides separadas da videira.
Agora, afirmo: Sou o Deus Único e Eterno em Minha trí- plice Natureza, como Pai — segundo Minha Divindade; como Fi- lho — dentro de Minha Perfeita Humanização; e como Espírito
— dentro de toda Vida, Ação e Conhecimento. Sou, desde Eterni- dades, o Amor e a Própria Sabedoria. Jamais recebi algo de alguém. Tudo que existe é Meu, e quem algo tiver, tê-lo-á de Mim. Como poderia ser um tirano e condenador? Tolos que sois! Eu vos amo, vós Me desprezais. Sou vosso Pai e fazeis de Mim um verdugo. Onde Eu abençoo, condenais; onde Eu construo, destruís; onde Eu ergo, derrubais; onde Eu semeio, arrancais. Em tudo sois contra Mim. Se Eu fosse o que dizeis, a Terra de há muito não mais existiria; sim, nem teria sido construída. Sendo Eu como Sou, tudo existe como foi e será eternamente; também sereis como quiserdes, sem Meu Veredicto, pois sereis aquilo que fizerdes de vós. Aos que Me aceitam como Sou e Me amam como Eu os amo, farei o que quiserem, para que sua liberdade e alegria sejam completas para sempre.
A Meus servos e criados, dize: Meus empregos não são ban- cos de juros e agiotagem! Quem Me serve pelo dinheiro, não o faz por amor; quem não Me servir por amor torna estranho para Mim o seu ofício, assim como Eu tenho de lhe ser inteiramente desconhe- cido; com este terei saldado Minha Conta. Como poderia ser servo fiel quem vendesse os tesouros do Senhor, sem autorização, qual ladrão, por preço vil? Iscariotes Me vendeu por trinta dinheiros, sem prever o que iria acontecer Comigo, pois estava cego e se perdeu. — Martirizado e morto após derrota infame, ressuscito a cada minu- to. Ladrões infames e assassinos, com quem vos poderia comparar? Filhos do dragão, víboras e serpentes! Deste modo Me servis, assim deveria Eu vos encontrar? Por intermédio de Meu querido Paulo transmiti que quem servisse ao altar deveria viver do altar, mas ape- nas pelas obras do amor, que só faz o bem. Vós não tendes obras de amor — por isto sois salteadores, ladrões e assassinos do Evangelho
e de toda a Verdade. Sabei: o prêmio será segundo o trabalho! Amor não se compra por dinheiro, mas com o próprio amor. Eu sou o Próprio Amor e só posso ser conquistado pelo preço do amor. Eu vos comprei por amor, por isto exijo amor de todos. Quem quiser servir-Me, que o faça no amor, pelo qual Eu morri na cruz; e quem quiser vir a Mim, que venha no amor que sangrou na cruz por ele.
Aos funcionários e senhores do mundo dize, sem susto e com fidelidade, que seus empregos não estão acima dos empregos do Meu Reino. Cada ofício que for contrário ao Meu Ofício será destruído dentro em breve. Ai de seus servos! Sou o Altíssimo! Mi- nha Lei é eterna como Eu sou Eterno, e será para sempre como Eu. As traças que pretendem roer Minha Lei e fazer outras leis de seus detritos, a fim de exterminar Meu Mandamento, serão dizimadas por Ela, como se nunca tivessem existido. Todos que pecarem contra Meus Mandamentos poderão ser perdoados caso se confessem, se arrependam de seus erros e se regenerem, voltando-se em seguida para Mim e Eu para eles. Mas, quem pretender soterrar Minha Lei, será sufocado por Ela, para sempre. Todas as leis terrenas minam Meu Mandamento quando não forem dadas por homens educados pelo Meu Espírito. Ai dos tiranos, ai dos déspotas que dominam em virtude do trono e do poder e conceito; para o seu tempo não falta senão a contagem de Um, para sentirem o poder dos fracos! O solo é Meu e o campo é Meu. Isto diz o Verdadeiro, o Deus Eterno do Amor e da Sabedoria, e o transmite a um tolo dentro do mundo. Amém. Eu, Jehovah, Amém.
OSENHOR,COMOPAIDESEUS FILHOS
Assim falou o Senhor através de mim, para mim e para todos, e isto é verdadeiro, fiel e certo:
Eu sou Bom Hospedeiro, pois nem uma migalha se perde. Quem empregar seu capital Comigo, lucrará juros elevados e será registrado em Meu Coração, e os juros crescerão para toda a eterni- dade. Ergue o teu olhar, tolo, e fita o Céu estelar! Quem teria conta-
do os sóis, cujo número não tem fim, e os planetas que aos milhares giram em torno deles? Afirmo-te que sou Verdadeiro, Fiel em cada palavra. Por um ceitil dou uma terra e por um copo de água fresca, um sol. Em verdade te digo: o menor serviço de amor ao próximo será recompensado indizivelmente!
Perguntas se em toda parte vivem criaturas como aqui na Terra, e Eu te digo: Sim, em toda parte existem criaturas que sur- gem de Minhas entranhas e Me reconhecem dentro da qualidade de entranhas; e as que surgem de Minhas Mãos e Me reconhecem em Minhas Mãos; as que surgem de Meus Pés e Me reconhecem em Meus Pés; e as criaturas que surgem de Minha Cabeça e Me reconhecem em Minha Cabeça; e as que surgem de Meus Cabelos e Me reconhecem em Meus Cabelos; e as que surgem do Meu Seio reconhecer-Me-ão segundo Meu Seio. Enfim, os que emanam de todas as partes isoladas de Minha Natureza Física, Me reconhecerão. Sua vida e felicidade correspondem àquela parte de que surgiram e são Minhas criaturas e Eu as amo. Pois Eu sou todo amor e o Próprio Amor.
Mas, as criaturas desta Terra foram projetadas do centro de Meu Coração e as criei perfeitas, segundo a Minha Imagem, e elas não devem ser apenas Minhas criaturas, mas Meus filhos queridos, que Me devem reconhecer não somente como Deus e Criador, se- não como Bom Pai que as trará junto de Si, após curto espaço de provação, a fim de terem tudo que Ele Mesmo tem, morando com Ele para sempre, reinando e julgando sobre tudo. Acontece que as Minhas criaturas Me amam como Seu Criador, felizes pela sua exis- tência. Meus filhos, porém, não querem aceitar o Seu Pai e despre- zam o Seu Amor!
Fico triste quando vejo milhares e milhares fenecerem e mor- rerem a cada hora! Se ao menos os pudesse ajudar! Porventura não é de entristecer quando o Onipotente não consegue socorrer?
Perguntas como é isto possível? Muito facilmente! Todas as Minhas criaturas dependem de Minha Onipotência, mas Meus fi- lhos dependem de Meu Amor! Meu Poder ordena e tudo acontece.
Meu Amor deseja e ordena com Meiguice aos filhos livres que ta- pam seus ouvidos e tampouco querem ver a Face de seu Pai. Por serem livres como Eu, não os posso ajudar quando não o desejam. Minha Onipotência rege tudo, mas Minha Vontade é submissa aos Meus filhos. Por isto, todos deveriam gravar bem: Sou vosso Pai, mas também sou vosso Deus, e além de Mim não existe outro. Que- reis-Me como Pai — ou como Deus? Vossas ações Me darão a res- posta decisiva.
Prestai atenção: o Amor habita somente no Pai e se chama o Filho. Quem O desprezar cairá no julgamento da Divindade Oni- potente e ficará sem liberdade para sempre e a morte será seu qui- nhão; pois a Divindade habita também no inferno, mas o Pai, so- mente no Céu. Deus julga tudo segundo seu Poder; a Graça e a Vida eterna residem somente no Pai e se chamam o Filho. A Divindade tudo mata, mas o Filho ou o Amor dentro de Mim possui a Vida, dá a vida e vivifica.
Tudo isto transmite o bom Mordomo e o econômico Pai a todos os Seus filhos, a fim de que se regenerem e possam rece- ber a herança que Eu lhes preparei desde eternidades e a conservei fielmente.
A teus amigos e irmãos dize com todo amor: Eu, o Amantís- simo Pai, já estendi os Meus Braços para poder estreitá-los no Meu Coração. Não mais se devem afastar de Mim, mas fitar constante- mente o Meu Semblante, e o Meu Olhar lhes dirá em voz alta o quanto os amo e como Sou sincero com eles.
Transmite-lhes: Apaguei de Meus Olhos os seus pecados e os lavei tão brancos como a neve; não mais existe empecilho. Não quero mais ser um Pai invisível; devem ver-Me a toda hora e brincar e gracejar Comigo e se alegrar; que depositem as suas preocupações em Meus Ombros.
Com que imensa alegria irei cuidar deles no futuro! Que representam todas as felicidades e bem-aventuranças de Meus Céus para Mim, o Pai, comparadas às de ser amado como Pai Único e Verdadeiro pelos Meus queridos filhos!
Darei todas as bem-aventuranças em troca desta única que reservei exclusivamente para Mim. Por isto, devem os Meus filhos chamar somente a Mim, unicamente a Mim, de Pai. Eu o Sou com todos os direitos, e não há quem Me tire os mesmos, pois Sou o Único e Exclusivo, não havendo outro fora de Mim.
Quero nomeá-los (os teus amigos e irmãos) com as seguintes letras (vide apêndice): I, P, R, I, T, E, A, D, S, M. Todos devem receber a Minha Saudação Paternal, e ainda hoje, caso o queiram, as portas dos Céus lhes serão abertas, ou seja, os olhos de seus espíritos, e ainda hoje poderei morar em seus corações. Somente uma coisa devem fazer com constância, isto é, purificar sua carne com a água pura do poço e tomar um bastão preto e branco; devem parti-lo pela metade, atiran- do a parte preta aos pés do mundo e guardando a parte branca como prova de que romperam com o mundo e sua carne, para sempre.
Isto quer dizer que devem meditar com rigor e se reconhe- cer, e em seguida expor-Me, no coração, os defeitos encontrados. Hei de exterminar as impurezas de seu coração e preenchê-lo com o fogo de Meu Amor divino e paternal. Deste modo purificado, de- vem apresentar-se ao sacerdote através da confissão; em seguida, Eu Me apresentarei para tomar com eles a ceia festiva, no altar.
Dize-lhes que não se devem escandalizar com a igreja, pois todo alimento por Mim recomendado é purificado por Mim para quem deseja saboreá-lo dentro da Verdade, podendo fazê-lo sem preocupações. O que por Mim é dado aos filhos, é puro e não será profanado pela forma externa para os que devem recebê-lo. Abenço- arei o templo, e o local onde se encontram será santificado, pois Eu, seu Santo Pai, estarei entre eles onde quer que estiverem, e nenhum cabelo lhes será tirado.
Dize-lhes com segurança e certeza: Meu Amor os aguarda e Meus Braços não se fecharão antes que todos Neles repousem, onde poderão ver o Pai Amoroso e Santo, face a face, e suas alegrias não terão fim! Amém.
A todos que Me procuram, dize que estou sempre em casa, nunca Me afasto, e que não determino certas horas ou épocas em
que possam vir a Mim, como acontece com os reis e os grandes do mundo. Não somente num sábado ou feriado, mas a todo instante, um coração amoroso Me é agradável, e até mesmo durante a noite nunca tranquei a porta para alguém. Basta bater, que direi: Entra!
Deves e podes dizer abertamente se Eu te obriguei a alguma coisa em uma certa hora e se não deixei à tua vontade de te dirigires a Mim para qualquer pergunta e se Eu algum dia te deixei sem res- posta! Quando Me perguntavas algo a respeito do inferno, Eu te res- pondia e quando te encontravas na Terra ou no Céu, Eu te respon- dia. Dia e noite Meu Ouvido está pronto para te ouvir. O que neste momento escreves, o fazes dentro de teu tempo e possibilidade, e Eu Me conformo com o quanto e como queres escrever. Por isto, trans- mite-lhes que basta alguém Me procurar, que será aceito e ouvido!
Dize aos pequeninos que não devem brincar Comigo, mas tomar-Me a sério. Não sou palhaço, tampouco entendo brincadei- ras. Meu rigor é para todos, adultos e crianças, jovens e velhos, ho- mens e mulheres. Não faço exceções!
Vê, Minhas criaturasimprestáveis são imediatamente des- truídas; mas para Meus filhosreservo castigos em quantidade e pu- nirei os desobedientes até a última gota de seu sangue e eles hão de reconhecer que sou Senhor da casa, se não Me quiserem aceitar como Pai Amoroso e Santo.
Ai dos que desprezam Minhas punições e as interpretam mal! Repito: Ai deles! Serão expulsos pelo Pai e terão que se haver com a Divindade inclemente! Isto Eu te digo, pois és um servo mau e preguiçoso. Amém. Eu, Jehovah. Amém.
AVERDADEIRA IGREJA
Assim falou o Senhor através de mim, para mim e para todos, e isto é verdadeiro, certo e fiel:
Minha Graça é um tesouro; quem A receber não sofrerá ne- cessidade temporal ou eterna. Por isto, devem todos tratar de con- quistá-La imediatamente, pois A faculto a quem A quiser.
Se quiserdes o perdão de vossos pecados, eles serão perdoados quando fizerdes verdadeira penitência por Jesus, Meu Verbo Vivo e o Amor em Mim, e as portas dos Céus estarão abertas, podendo entrar quando quiserdes e ver o Semblante de vosso Santo Pai, que sou o Eterno Deus Jehovah.
Isto podeis fazer em virtude do Verbo Vivo, ou seja Jesus Cristo, ou o Amor Eterno e a Sabedoria dentro de Mim, de onde emanam todo o Bem e a Verdade. O Amor vos foi dado desde o início, pois é ele a própria vida dentro de vós, assim como o Poder dentro de Minhas criaturas que, embora surgissem também de Meu Amor, não são propriamente o amor, pois nelas não existe liberdade, mas apenas o efeitodoamor, que em si é sem vida — razão por que tudo que surge do Poder é em si matéria morta, cuja vida é aparente; em verdade, porém, é a morte.
Se, portanto, alguém prender seu amor ao mundo material, será sufocado pelo poder da morte e a consequência será o destino da matéria, ou a morte.
Mas, quem dirigir o seu amor para Mim, unirá o seu amor com o Próprio Amor, ou com a Vida de toda a vida. Assim, será inteiramente vivo.
Mas, vê, o amor em si é cego e ignorante e, por isto, li- vre e independente; mas, também, em grande perigo de se perder e sucumbir.
Por isto, faculto a todo amor para Comigo na medida de sua capacidade, uma parte justa de luz, uma dádiva que se chama Graça; com ela Eu penetro em todos, segundo o grau de seu amor.
Se alguém tiver amor por ter vivificado a Minha Lei, que é o máximo Amor, receberá torrentes de luz e sua visão penetrará a Terra, vislumbrando as profundezas do Céu.
Dize às crianças, dize a todos, seja sua religião qual for: ca- tólica, protestante, judaica, maometana, brâmane ou pagã, enfim a todos seja dito: Na Terra só existe uma verdadeira Igreja que se chama o Amor para Comigo, em Meu Filho, que é o Espírito San- to em vós e se transmite através do Meu Verbo Vivo. Este Verbo é
o Filho, e o Filho é o Meu Amor e está em Mim e Eu O penetro inteiramente, pois somos Unos. Deste modo estou em vós, e vossa alma, cujo coração é Minha Morada, é a única Igreja verdadeira na Terra. Somente nela existe a Vida eterna e somente ela faculta a bem-aventurança.
Eu sou o Senhor de tudo que existe! Eu sou Deus, o Eterno e Poderoso e, como Tal, também sou vosso Pai, o Santo e Amoroso. E tudo isto existe no Verbo; o Verbo está no Filho, e o Filho está no Amor, e o Amor está na Lei que vos foi dada. Se a respeitardes e agirdes conforme manda, tê-la-eis aceito; ela então se tornará viva dentro de vós e vos elevará, tornando-vos livres. Não mais estareis debaixo da lei, mas acima da mesma, na Graça e na Luz que repre- sentam Minha Sabedoria.
Eis a bem-aventurança ou o Reino de Deus em vós, ou seja a Igreja bem-aventurada na Terra, pois em nenhuma outra existe a vida eterna, senão nela.
Porventura julgais que Eu habito entre paredes ou em ceri- mônias, orações e adorações? Jamais, pois nisto tudo Eu não estou, mas apenas onde se encontra o amor; Eu sou o Amor e a Própria Vida. Eu vos dou Amor e Vida e Me uno somente ao Amor e à Vida, mas nunca à matéria ou à morte.
Por isto, venci e submeti a Divindade a Mim, a fim de que tenha todo o Poder sobre tudo que existe e Meu Amor reine eterna- mente, vivificando tudo que Lhe é submisso.
Pensais que Eu vos aguardo na morte, enquanto sou a Pró- pria Vida? Ide primeiro à verdadeira Igreja onde existe Vida — em seguida entra na morta, para que se torne viva por vós!
OSEGREDODA CRIAÇÃO
Quem tiver ouvidos, que ouça; e quem tiver olhos, que veja; pois Eu vos revelarei um grande segredo para que saibais de que ma- neira vosso Santo Pai vos proporciona a Visão, face a face, qual Irmão. Os filhos têm que ser iniciados na grande Criação de seu Pai Eterno.
A Divindade foi desde eternidades a Força penetrante e foi, é e será a Própria Eternidade. No centro de Sua Profundeza Eu fui o Amor, desde sempre, e a própria Vida dentro Dela; todavia, Eu era cego qual embrião no ventre materno! A Divindade agradou-Se no Amor e Se sentiu impulsionada para Ele. E o Amor percebeu o crescente calor em Seu centro, e colossais massas da Divindade para lá se projetaram e todos os poderes e forças se atiraram sobre Ele.
Deu-se, então, um enorme rugir, bramir e clamar e vê, o amor se sentiu amedrontado e pressionado por todos os lados, a ponto de estremecer no seu âmago! O Amor o percebeu, e o rugir tornou-se um som, e o som se transformou no Amor em palavras, dizendo: “Que se faça Luz!” Eis que se incendiou no seu coração a chama do amor inflamado e a Luz se fez em todos os espaços do Infinito!
E Deus viu em Si a imensa Glória de Seu Amor, e o Amor foi fortificado com a Força da Divindade e, assim, uniu-se a Divindade com o Amor para sempre, e a Luz surgiu do calor.
E o Amor viu todas as maravilhas, cujo número não tem fim, dentro da Divindade, e a Divindade viu como tudo isto passava do Amor para Ela, e o Amor percebeu na Divindade os Seus Pensamen- tos e muito Se agradou por isto. Eis que o Amor incendiou-Se de novo e as Forças da Divindade o envolveram e, vede, os Pensamen- tos do Amor eram o Próprio Amor e não tinham número.
Eis que a Divindade viu Sua Glória e o Amor sentiu o Seu Poder. Então, falou o Amor dentro da Divindade: “Concentremos os Pensamentos da Glória e deixemos que surjam, para que se tor- nem livres, podendo nos ver e sentir, assim como Nós os sentimos e vemos, e os vimos antes que a luz iluminasse suas formas!”
E a palavra passou para a Divindade, que se tornou inteira- mente Amor. E pela primeira vez a Divindade falou: “Assim seja!” E eis que se libertou uma falange de espíritos de Deus, cujo número não tem fim, e o Amor se viu multiplicado até o infinito e viu a perfeição de sua beleza.
Mas, todos esses seres ainda não eram vivos, não sentiam, nem viam, pois ainda eram formas fixadas pela Divindade, fora do Amor.
E o Amor compadeceu-Se e o sentimento subiu para a Divin- dade e Ela entregou Seus prisioneiros ao Amor, e o Amor penetrou tudo. E eis que as formas se tornaram vivas e sentindo-se admiradas entre si, aquecendo-se nas torrentes chamejantes do Amor Divino e com isto receberam movimentação independente e ativa. Todavia, não se conheciam a si próprias.
De novo o Amor falou: “Façamos com que se conheçam e, deste modo, também a Mim e, por Mim, também a Ti!”
E a palavra da Divindade Se fez ouvir, e a palavra se tornou Lei, e a Lei era o Amor e Se espargia sobre todos.
E eis que foram criados trêse deles surgiram sete! E os três eram idênticos ao Amor, à Luz e a Divindade. E os sete eram semelhantes aos sete Espíritos de Deus e se chamaram e sempre se chamarão:
13. 1 – Amai o Amor; 2 – Temei a Divindade que mata, a fim de não serdes aniquilados; 3 – O amor dentro de vós é santo, por isto, respeitai-vos mutuamente, assim como vos respeita o Amor na Divindade e se alegra convosco; 4 – Cada um é sua própria proprie- dade e a propriedade do Amor de Deus. Por isto, ninguém se deve tornar vítima de assalto do próximo; 5 – Que ninguém oculte sua face diante do outro para que não venha a saber como é o amor, e sim que sejais como o Amor que vos criou; 6 – Vosso íntimo seja igual ao exterior, para que não surja um sentimento falso em vós, fazendo-vos sucumbir; 7 – Vosso exterior seja o fiel reflexo de vosso espelho interno, no qual o Amor da Divindade Se fita; do contrário, se quebrará o espelho interno e vossa figura será horrenda.
Em seguida, a Divindade trovejou aos infratores um tre- mendo julgamento pelos espaços infinitos, e a adoração da Di- vindade, no máximo temor, foi ordenada e foi-lhes obrigado o Amor do Amor. E assim foram externados na máxima liberdade, podendo fazer o que quisessem, nada havendo que os impedisse, até o momento em que se reconhecessem em sua liberdade e hu- mildade, para que a Lei fosse sua propriedade e os tornasse intei- ramente livres.
Uma vez a sós, eles se reconheceram em seu imenso po- der, glória irradiante e majestade, e o chefe dos três, semelhante à luz da Divindade, inflamou-se em seu desejo, querendo apossar-se inteiramente da Divindade. Com ele inflamou-se grande parte dos espíritos por ele criados; e por eles incendiou-Se também a Divinda- de em Sua Ira junto aos dois espíritos inferiores dos três e atirou os maldosos na profundeza das profundezas de Sua Ira.
E os dois e os que deles surgiram, e os sete, cujo número era justo, eram fiéis em sua humildade e foram aceitos nos Âmbitos do Poder de Deus; e o Amor viu que estavam puros e Se alegrou em sua perfeição. E vê, o Poder da Divindade no Amor Se manifestou, e a Divindade Se movimentou, e os seres criados perceberam o movi- mento da Divindade. Ela Se dirigiu para o Seu Amor, e os olhos dos seres foram abertos, podendo ver pela primeira vez o Amor Eterno.
Eis que os exércitos das numerosas falanges se extasiaram e houve grande júbilo e imensa alegria entre eles, pois viram o Poder de Deus no Amor e viram dentro de si o Amor e também o Poder que os criou, reconheceram a si mesmos, o Amor e a Deus.
Agora, a Divindade Se movimentou e os seres A temeram, e o Amor viu seu temor, percebendo que era justo; o temor se trans- formou em obediência, a obediência era a humildade, a humildade era o seu amor, e o amor era sua lei, e a lei sua eterna liberdade, e a liberdade era sua vida e a vida sua felicidade eterna.
Eis que o Amor lhes dirigiu a palavra e eles a entenderam! E suas línguas se soltaram e pronunciaram a primeira palavra: Amor. E a Divindade sentiu agrado com o seu pronunciamento. E tocada pelo Amor, este sentimento se desenvolveu nos seres criados, e a forma transformou-se num som e o som foi a segunda palavra, ou seja, Deus.
Só então os seres estavam perfeitos. E o Amor lhes falou: “O primeiro entre vós se perdeu, por isto assumirei o seu lugar e estarei entre vós para sempre!”
Neste instante, suas línguas se soltaram de novo, seus joe- lhos se curvaram e eles adoraram o Amor.
Vê, em seguida, tudo que fez o Amor e Deus no Amor, e o Amor em Deus! O Amor compadeceu-Se dos perdidos, mas a Divindade estremeceu em Sua Ira, e um imenso trovão se fez ouvir em todos os espaços do Infinito de Deus. E o trovão penetrou até o âmago do Amor eterno e somente o Amor entendeu o trovão da Divindade, e o trovão se transformou nestas palavras: “Todo Poder será entregue a Ti; age segundo o Teu agrado; pronuncia: — ‘Que assim seja!’ — e assim será!”
O Amor comoveu-Se até o íntimo e a primeira lágrima jor- rou do Amor Eterno, e esta lágrima veio do Coração da Divindade e se chamou e sempre se chamará Misericórdia.
Esta lágrima se transformou em imensas águas que se atira- ram pelos espaços do Infinito e também nas profundezas da Ira de Deus e amainaram o fogo da Ira Divina.
E vê, o Espírito de Deus, em Sua Força, soprava suavemente sobre as águas da Misericórdia, e as águas se dividiram. E Deus falou através de Seu Amor, e Seu Amor transformou-se em palavra, que se dirigiu às profundezas e pairava sobre as águas que foram separadas como gotas de orvalho e divididas em pequenas e grandes, segundo o número dos que se perderam — que não tem fim — em todos os espaços do Infinito.
A última gota que sobrou foi o mais íntimo e o intrínseco da Misericórdia. Esta não foi dividida e ficou onde estava e foi desig- nada para centro e palco das maiores ações do Amor Eterno.
Esta Última gota foi transformada na Terra que tu e teus irmãos habitais! As demais gotas foram transformadas em sóis, pla- netas e luas de toda espécie, cujo número não tem fim. Deste modo surgiram o Céu com suas estrelas, o Sol, a Lua e a Terra com seus mares e continentes.
Agora ergue teus olhos, que verás os milagres do Amor Eter- no! Vês sempre o brilho do Sol, a luz da Lua, o cintilar e resplandecer das estrelas em suas várias constelações; vês também as mais variadas formas nos três reinos da Natureza da Terra. No entanto, até hoje ninguém descobriu e entendeu o que seja e qual a origem do brilho
do Sol e como o recebeu, a luminosidade da lua e o cintilar das es- trelas, suas posições e todas as criaturas da Terra.
Meus filhos devem ser iniciados em tudo aquilo que o seu Pai Santo e Amantíssimo, criou para presenteá-los, quando O co- nhecem e amam acima de tudo e, entre si, por amor a este Pai.
Bem, quando todos os sóis com seus planetas foram criados pelo Poder do Amor Misericórdia do Deus Infinito e Eterno, eles ainda não tinham brilho e luminosidade pois era noite densa em todos os sóis, planetas e luas. O Amor Eterno, porém, deitou uma pequena fagulha de Sua Graça no centro dos sóis e ela iluminou as massas trevosas mais rapidamente que um raio, que começaram a brilhar como até hoje e o farão enquanto esta fagulha da Graça não lhes for tirada.
Então brilharam também as terras e luas, e foram distri- buídas entre os sóis, e o Amor os bafejou pelo Poder e Força da Divindade, e a luz irradiava nos sóis, os mares dos planetas enca- pelaram-se e os ventos flutuavam e sopravam sobre as terras, assim como o Espírito de Deus sobre as águas da Misericórdia. E as luas se ergueram poderosamente sobre seus planetas, aos quais tinham sido dadas qual fruto à árvore, e começaram a girar em torno deles em vastas órbitas como constantes acompanhantes de sua criação. E onde havia muitos eram juntados em círculos compactos para prova do amor dos filhos que devem fitar constantemente o Semblante de seu Pai, como as luas fitam suas terras, para que, devido à sua constituição frágil, não venham a ser atiradas fora de suas órbitas e destruídas. As luas não são muito consistentes, mas fofas, semelhan- tes à espuma do mar quando se torna um pouco mais sólida e são escalvadas e sem água. O ar da Terra é igual à água das luas, e o ar, semelhante ao éter entre sóis e planetas. As luas se destinam a aco- lher os egoístas e captar os espíritos da matéria, analisá-los em sua consistência e treiná-los para poderem receber a Graça.
A Misericórdia amainou parte da Ira Divina, que se trans- formou na porção sólida dos planetas, prendendo com laços fortes os espíritos dos perdidos até o tempo determinado de sua libertação
inconsciente, onde passarão para uma matéria mais delicada, con- quanto fixa para eles e, isto, isoladamente, de onde só poderão ser despertados e surgir através do Amor Eterno. Os mares e as águas estão repletos deles a fim de que sejam humilhados, e o ar está reple- to para sua purificação. E o Amor Eterno é a forma em tudo, mas a Ira da Divindade é abrandada somente nesta Terra, contudo não eliminada.
Guarda bem! No centro do Sol repousa a centelha da Graça que fornece, através do fogo da Ira Divina, a luz ao mundo. No centro da Terra, porém, se encontra uma fagulha da Ira Divinal qual dragão de fogo que contém as más hordas quais pedras que somente podem ser amolecidas pela água da Misericórdia, caso algum espíri- to deva ser libertado para uma segunda prova para a liberdade e vida eterna. Compreende, pois, o segredo de tua natureza e deslumbra-te com o grande Amor do Poder Eterno. Quantas vezes Ele te deixou nascer de novo para te conquistar, pois estavas perdido para a Vida Eterna, para a liberdade, para a Lei, o Amor e a Luz e para a visão de Seu Semblante. Tudo isto Eu te dou a conhecer e, por ti, a muitos outros, para que finalmente possas compreender quão infinitamen- te bom é o Amor que ainda sofre por fazer, incansavelmente, tanta coisa grandiosa e milagrosa para vós, desobedientes!
Assim, foi dado às terras o movimento em redor de seus sóis e em torno de seu eixo pelo sopro da Misericórdia do Amor, para prova de que os filhos devem organizar suas ações como o movi- mento das terras em redor dos sóis, e as luas em torno das terras. Os fracos devem ser quais luas, e os fortes como a Terra, e os renascidos como o Sol. Os fracos devem sentir a força do Amor que nunca os deixou cair enquanto se dirigiram constantemente para o Semblante do Amor, rodeando-O por todos os lados, em pequenas órbitas, mas que devido à força Dele também são atraídos à grande órbita. Os fortes devem ser qual Terra, movimentando-se independentemen- te para se prontificarem a receber da Luz e do calor da Graça do Amor que ilumina e aquece pela força dela, a fim de produzir frutos do Amor de toda espécie nos quais se possam saciar os fracos e se
confortarem os encarnados e renascidos. Os renascidos das águas do Amor Misericordioso, nas quais a Graça é perfeita, devem ser semelhantes ao Sol e sua luz deve iluminar por toda parte e seu calor aquecer os fracos e frutificar os fortes para alimento daqueles, para que haja uma comunidade entre os filhos de um só Pai.
E deves lançar mais profundamente o teu olhar a fim de saberes como e por que Eu tudo fiz e preparei deste modo! Vê, a lua possui manchas e muitos pontos escuros, e a Terra tem polos firmes e frios, montanhas altas e vales, fontes, riachos, rios, lagos e mares, grandes e pequenos. Tudo isto representa os efeitos do Amor e da Graça, ou seja, do correspondente calor e da luz, o eterno Amor e a Onipotência de Deus agindo por Ele. Observa, portanto, os fracos e a lua como se assemelham e compreenderás a natureza dela. Observa os fortes em suas atitudes e diante de teus olhos se desvendará a Terra. E de um polo para outro tem que existir a calma rígida do espírito no Amor para com o Amor, a fim de que tudo que circunda o espírito se possa movimentar numa constante ordem e agir deste modo para a finalidade conjunta da eterna conservação. Da calma tudo depen- de. Sem ela nada pode ser alcançado, e quem não for como os polos da Terra não penetra o seu íntimo, assim como faz a Linha entre os polos, atingindo o centro da mesma. E vosso amor tem que ser frio qual gelo dos polos para que sejais capazes de receber todo o calor do Amor Divino. Aquilo que é quente não se presta para a aceitação do calor. Mas, o que for frio em sua calma, está em condições de aceitar o calor em sua plenitude e fazer com que se irradie para todas as par- tes da vida. Quem recolhe o calor, ou seja, o Amor de Deus e o con- serva com firmeza, sem deixá-lo irradiar, é avarento e será dissolvido como gelo ao lado do fogo. Mas, quem o receber como os polos e o passar para todos que o rodeiam, terá o Amor Divino em sua justa posição e corresponderá à Vontade do Grande e Santo Doador.
Tal amor trará muitos frutos e se elevará para a luz da Graça,
podendo fitar constantemente as imensas profundezas das Criações do Amor de Deus, recebendo de olhos abertos os raios suaves do Infinito de Espaços incontáveis nos quais inúmeros seres da Mise-
ricórdia giram cada qual segundo sua espécie, e poderá incendiar-
-se diante de tamanho êxtase e alegria em seu amor para com o Amor, tornando-se qual sol de luz própria e semelhante à luz dos polos da Terra.
Quem, portanto, persistir no centro do Amor do conheci- mento, que é a Graça, fará com que seu íntimo se ilumine do amor de Deus qual equador terrestre e seus olhos brilhem pelo conheci- mento quais polos, e seus braços se movam como os rios, córregos e fontes, e suas ações fluirão para os Mares das Misericórdias Divinas, salgadas com a Graça e os conhecimentos do Amor e da Vida Eter- nos. Eis a chave para abrirdes e vislumbrardes a Terra que vos acolhe.
INTERPRETAÇÃODOS ASTROS
Agora ergue o teu olhar para o Sol, quadro fiel dos renasci- dos! Se observares atentamente, perceberás em breve se destacarem às vezes certas manchas em seu centro. Segundo vosso entendimen- to, trata-se de erupções internas, quais vulcões da Terra, e correspon- dem a rompantes da Ira da Divindade e pequenos vestígios de Seu Poder destruidor, que se manifesta dentro da Natureza por pequenas e grandes tempestades, de acordo com o tamanho das manchas. No entanto, o Amor estará sempre mais ativo em tais ocasiões, tudo amainando com a água da Misericórdia, e no próprio Sol agirá com grandes torrentes de água do mar ilimitado de Sua Graça Misericor- diosa. Deste modo, tudo é levado à máxima ordem, e, fora desta or- dem, na qual Eu sou o Próprio Amor Eterno desde eternidades, e da qual e pela qual tudo surgiu, nada poderá subsistir e se manifestar. Quem se afastar desta ordem pelo livre arbítrio agirá contra o Amor e a Vida, sucumbindo eternamente.
Viste, portanto, o Sol e compreendeste sua natureza simples, simplicidade essa necessária para que possa exercer sua finalidade dentro da ordem do Amor.
Volta, pois, o teu olhar para o renascimento do espírito, para o povo de Deus, para a lei do Amor, para a vida da liberdade na luz
da Graça surgida das águas da Misericórdia e, deste modo, o Sol flutuará revelado diante de teus olhos, sem ocultar qualquer fenda.
Mas, também o Sol tem seus polos, de onde sua luz e calor se projetam, partindo do centro da calma da Graça por toda sua exten- são. E se não tivesse sua calma polar, também não teria luz. A calma é indispensável à aceitação de luz e calor e tem que ser semelhante à calma do amor em Deus. Somente da calma vem a receptividade para a vida e luz.
Vossos desejos são quais ventos a vos rodearem com toda sorte de preocupações que impedem a infiltração da luz da Graça, quais nuvens impelidas, evitando que os raios do Sol venham a cair sobre a Terra.
Por isto não vos deveis preocupar, mas passar para Mim to- dos os vossos desejos e consequentes preocupações, para que tenhais paz e Eu possa influenciar-vos constantemente.
Assim como a Terra gira em torno de seu eixo polar, dentro de Minha Ordem provocada pelo Poder de Meu Amor, a fim de que todos os lados sejam iluminados, também as vossas ações devem partir de Meu Amor, que está dentro de vós desde vossa origem e segundo vossa capacidade, através do Verbo do Amor Eterno, na lei da Graça e da Misericórdia. Da mesma forma que a noite refresca a Terra, o Amor vos beneficiará e sereis iluminados qual dia terrestre pela luz do Sol da Graça.
Deveis ser semelhantes ao inverno, frio em sua calma, por isto mesmo mais capacitado à aceitação do calor até as mais profun- das regiões da Terra. E aquele que tiver atingido o inverno poderá aguardar a primavera, semelhante à primeira manifestação do amor dentro de vós; e o verão exuberante surgirá da vida do Amor que se tornou forte pela Graça; e em seguida se apresentará o outono se- reno com os frutos do Amor e da Graça, quando ingressareis como recém-nascidos na vida do Sol, a fim de vislumbrardes o Semblante de vosso Santo Pai, para iluminardes com ele todo o mundo pela imensa força da Graça, do Amor e da Misericórdia de um Pai suma- mente Bondoso e Santo.
Quem não for semelhante à Lua e não se tornar idêntico à Terra, não poderá ser um Sol, pois será qual cometa sem solidez e sua natureza será roubada das insuflações da Graça dos sóis, e sua trajetória será desordenada como os caminhos de ladrões e saltea- dores, e impelido pelo temor da luz, de uma profundeza cósmica a outra, sem jamais encontrar um pouso em toda a eternidade; e a luz o perseguirá em todos os seus caminhos iluminando suas torpezas.
Finalmente, suceder-lhe-á o mesmo que às estrelas cadentes expulsas da Graça em virtude de sua nulidade e sendo tragadas atra- vés do roubo da Graça; pois a luz roubada as destruirá eternamente, perdendo sua existência como os frutos que brotam prematuramen- te, antes de a luz os ter amadurecido, e não tendo solidez por causa da fraca união com o amor, enfraquecem paulatinamente, caem da árvore e são pisados e aniquilados.
Deste modo tens diante de ti sóis, planetas, luas, cometas e estrelas cadentes em sua natureza e importância, e cada partícula, do maior ao menor.
O espírito do Amor e da Graça está em vós em toda sabe- doria. Quem o ouvir penetrará em tudo e em todas as profundezas; perscrutará os mortos e eles lhe responderão; analisará os vivos e seu amor os confortará e sua luz os deleitará; encostará seu ouvido à terra e a erva lhe contará os segredos do amor; o solo lhe desvendará suas profundezas, as montanhas ouvirão sua voz e o som de suas palavras penetrará o âmago da Terra; olhando o mar, os raios de seus olhos iluminarão suas gotas e penetrarão em cada grão de areia; os espíri- tos ainda em julgamento afluirão à luz de seus olhos como fazem os peixes e os vermes do mar e das águas, quando à noite rodeiam uma tocha mantida na superfície; e se deixarão prender para salvação dos cárceres da noite eterna e reconhecerão o amor, podendo saciar sua sede nas águas da Misericórdia, surgindo da fraqueza para a força e para o poder do Amor do Pai e do Verbo, ou seja, o Próprio Amor do Pai e do Espírito Santo, a força em ambos.
Tudo isto e muita coisa mais o Meu Espírito vos ensinará se ouvirdes Sua Voz! A Voz Dele não é forte, mas muito suave e,
justamente por isto, tudo penetra, assim como o calor do Amor, a Luz da Graça e a Força do Amor Misericordioso de vosso Santo Pai.
PRIMÓRDIOS DE TERRA E LUA. CRIAÇÃO DE ADÃO E EVA
Quero demonstrar-vos a Criação orgânica, do primeiro ao último, do menor ao maior, como surgiu de Meu Amor e Sabe- doria e da Ordem eterna de ambos, ou seja, o Verbo do eterno Poder e Força na Profundeza da Divindade. Nada existe em todos os espaços do Infinito, seja grande ou pequeno, que não fosse fei- to por Ele.
Assim, apareceram a Terra, a Lua, o Sol e as estrelas, mas a Terra era vazia e sua superfície semelhante à do mar. Sobre as águas se achavam nuvens pesadas que penetravam profundamente nos es- paços mortos dos mundos, e a luz do Sol não podia iluminar a gota da Misericórdia. A Lua estava coberta pelo vapor da gota e neste vapor nasceu inteiramente a Terra, e a Lua foi por ele alimentada. E o Sol pousava por cima de ambas com os raios de sua luz, surgida do calor do Amor em Deus, amadurecendo a Terra e separando a Lua do seio materno.
Eis que as nuvens pesadas foram para o seu repouso nos polos e o equador ficou livre; o Sol se viu dentro das águas e a Terra refletia com gratidão a luz recebida do vasto regaço do Sol e viu, de olhos abertos, a Lua se banhar nos raios da Graça do eterno Amor do Sol.
E a Terra sentiu um indefinido bem-estar, pois foi preenchi- da com o Amor da Misericórdia e viu sua amada — a Lua — giran- do alegremente em torno de si. E o Amor encheu seu vasto seio com o bafejo da Misericórdia, como se quisesse mais uma vez oferecer à criança seu seio repleto de leite misericordioso. Todavia, o leite coa- lhou em virtude do calor do Amor Misericordioso e tornou-se con- tinente firme a erguer-se por cima dos mares. E esses recuaram para as profundezas e se tornaram semelhantes à água que se separa do
leite coalhado a fim de amainar a ira que nele existe, através do sal da Graça e da Misericórdia do Amor de Deus, em todo Poder e Força.
Com isto apresentou-se a calma sobre a Terra e em todos os espaços do Infinito de Deus, e o Amor se inclinou pela primeira vez, totalmente, para a Terra e soprou sobre a superfície. Este sopro continha uma infinidade de pensamentos em formas vivas de toda espécie para a futura salvação dos perdidos.
Eis que brotaram na parte sólida da Terra ervas, arbustos e árvores variadas. E os mares, lagos, torrentes, rios, cascatas e fontes estavam cheios de vermes, peixes e animais de toda espécie. E o ar foi vivificado por diversas aves. E o número de cada espécie, tanto nas águas quanto nos continentes e no ar, correspondia ao número do homem extraído deste número, idêntico ao número da Graça do Amor e semelhante ao número da futura salvação e do renascimento dali surgido.
Vê e assimila o que até hoje ninguém viu e compreendeu: o Amor eterno tomou o número de Si Mesmo, correspondente à Or- dem e à Lei eterna dentro Dele e da qual Ele Mesmo sempre existiu e existirá em todo Poder e Força da Santidade de Deus. E Ele tomou do barro, semelhante à nata do leite coalhado, e modelou com o Poder e Força de Sua Mão, segundo o número de Sua Ordem, o primeiro homem e soprou-lhe o hálito vivo pelas narinas. Este hálito transformou-se nele em alma viva que preencheu todo o homem, feito segundo o número da Ordem pela qual foram criados os espí- ritos, os mundos nos espaços e a Terra com tudo que nela existe, e a Lua e o Sol.
Este primeiro homem na Terra, surgido das Mãos do Poder e da Força do Amor eterno, foi cognominado pela boca da Graça Misericordiosa de “Adão” ou “Filho da Misericórdia e da Graça”.
Este Adão tomou o lugar do primeiro espírito caído; não lhe foi dado saber quem fora e, como nada encontrasse semelhante a ele, começou a enfadar-se.
E vê, o Amor eterno bafejou invisivelmente os olhos ainda cegos da alma e ele adormeceu pela primeira vez no encanto do
Amor Misericordioso. E o encanto deste Amor Misericordioso for- mou no coração de Adão, como num agradável sonho, uma figura semelhante, de grande encanto e igual beleza.
E o Amor eterno percebeu que Adão sentiu grande satis- fação pela percepção interna de seu segundo “eu”. Eis que o Amor Misericórdia o tocou do lado em que lhe fora dado um coração, semelhante ao Coração da Divindade, para a aceitação do amor e da vida do Amor em Deus e, com isto, tirou-lhe o amor-próprio a fim de preparar para Si Mesmo uma morada, pela futura lei da Graça Misericordiosa. Colocou o amor-próprio, no qual ele achou grande agrado, fora de seu corpo, chamando-o “Caiva” ou, conforme estais habituados a dizer, Eva, isto é, a salvação preparatória do egoísmo e o subsequente renascimento.
Neste instante o Amor Misericórdia o tocou para despertá-
-lo a fim de conhecer seu amor-próprio externado, e percebeu sua satisfação na visão de seu amor. E o seu amor externado, que se chamava Eva, regozijou-se com Adão, inclinou-se para ele, seguindo todos os seus movimentos.
E pela primeira vez o Amor eterno falou: “Adão!” E ele fa- lou, também pela primeira vez: “Aqui estou, Senhor da Glória, do Poder e da Força!”
E novamente o Amor eterno disse: “Vê tua serva!” E Eva respondeu: “Vê, Senhor, a serva obediente aos pés de Teu filho, aguardando as suas ordens!”
O Amor Misericordioso achou grande prazer nas obras de Seu Poder e Força, através da Graça da Sua Misericórdia, e ensinou-
-lhes tudo e todas as coisas, sua denominação e uso. Após terem compreendido e empregado tudo, o Amor Misericórdia lhes disse: “Aprendestes tudo, podendo tudo usar, com exceção de uma coisa que vos ensinarei: a capacidade para a procriação. Dela podereis fa- zer uso somente quando Eu voltar. Até lá ficareis com a veste da obe- diência, humildade, fidelidade e justa inocência. Ai de vós, caso vos encontre desnudos! Sereis expulsos, e a morte será a consequência!”
E o Amor eterno ocultou Sua Face e Se afastou, segundo o número da Ordem, por tempo determinado; e Se tornou cego por piedade, não querendo, nem podendo saber o que fariam os recém-criados, no julgamento da Divindade, como prova de sua li- berdade, pelo curto espaço de sua existência na Terra, através do Amor da Misericórdia. E o local que lhes fora dado para moradia no continente era um vale, um jardim que recebeu o nome de Paraíso. Tratava-se do país que posteriormente transbordaria de leite e mel, e o ponto que se chamou nos grandes tempos dos tempos das ações do Amor eterno, “Bethlehem”, e assim se chamará para sempre, lá onde pela primeira vez o Verbo Eterno Encarnado viu a Luz de Sua Graça iluminar a gota de Misericórdia, do Sol, da Lua e de todas as estrelas.
O desejo deles cresceu no julgamento da Divindade tentado- ra em Sua Ira. Havia uma árvore no jardim, carregada de belíssimas maçãs. Sentindo desejo de saboreá-las, Eva disse para Adão: “Tenho vontade de experimentar este fruto! Se quiseres, colherei um para prová-lo e oferecer-te como primeira dádiva de minha mão!”
Adão silenciou, meditando sobre as palavras de Eva. E uma voz interna, que era santa, pois vinha da Divindade dentro dele, disse: “Se comerdes do fruto dessa árvore morrereis!” E Adão tanto se assustou com isto, não podendo dar resposta à querida Eva.
Mas o desejo cresceu em Eva, levando-a junto da árvore para colher uma maçã. Adão percebeu que Eva se tornou infiel ao seu coração; por isto, entristeceu-se e disse: “Eva, Eva, que fazes? Ainda não fomos abençoados pelo Senhor do Poder, da Força e da Vida! Tens o fruto da morte em tuas mãos; atira-o longe para não morrer- mos na nudez, diante do Senhor da Justiça!”
Em virtude do rigor de Adão, Eva se assustou, deixando cair por terra o fruto da morte. O desejo a abandonou e ela ficou livre e Adão se alegrou da libertação das algemas da tendência mortí- fera de Eva.
Mas o desejo expulso do coração de Eva se encontrava no solo e transformou-se em uma grande serpente em virtude do Poder da Ira julgadora da Divindade. Tomando o fruto da morte em sua boca, ela rastejou em direção à árvore, envolvendo galhos e ramos, desde o tronco até a copa, dirigindo olhares fixos para Eva. Ela o percebeu e olhou para a serpente. Adão sentiu algo, sem, todavia, ver a serpente.
Eis que Eva se aproximou da mesma, fitando com grande prazer as curvas tentadoras em redor da árvore e as cores cintilantes de sua couraça escamosa e fria.
A serpente, porém, movimentou-se e deitou a maçã no colo de Eva, que se achava sentada. Em seguida, ergueu a cabeça e diri- giu-lhe as seguintes palavras: “Vê tua filha, expulsa por ti, a envolver a árvore do teu desejo! Não desprezes a simples prenda que coloquei em teu colo, mas saboreia sem susto o fruto de teu amor. Não mor- rerás, mas hás de te saciar para o conhecimento de toda vida, acima de Deus a quem temes, apesar de mais fraco que tu.” Neste instan- te, dividiu-se a língua da serpente e se tornou mais pontuda que uma flecha; e a serpente inclinou a cabeça no peito de Eva, como se quisesse beijá-lo com ingenuidade. Em seguida, arremessou flechas venenosas nos seios de Eva, que viu sua própria figura na serpente.
Nesta altura, Adão percebeu o que se passava debaixo da ár- vore e muito lhe agradou a segunda Eva, sem notar que era apenas uma serpente. Também ele se incendiou no desejo para a segunda Eva; tirou o fruto de seu colo, tornou-se infiel ao seu amor e sabo- reou o fruto proibido com ardente volúpia. Sentiu, porém, ser ele o primeiro anjo a se perder pela grande vaidade de seu egoísmo cego, no Reino da Luz do Amor eterno, caindo no mar da Ira da Divin- dade inclemente.
Quando sentiu a realidade, imenso arrependimento surgiu no fundo de seu coração e Eva envergonhou-se da sua nudez e da dele, e, atônita, cobriu-se com folhas de figueira. Também Adão pegou aquelas folhas para se cobrir e escondeu-se numa caverna, chorando lágrimas de dor. Eva ocultou-se atrás de um espinheiro e afligiu-se de sua culpa tentadora.
Eis que o Amor eterno tirou, pelo Poder e a Força de Sua Misericórdia, a venda de Seus Olhos da Graça, que tudo ilumina, penetrando na caverna onde Adão chorava, e atrás do espinheiro onde Eva se lastimava.
E as lágrimas de Adão foram guardadas no solo da Terra e se chamaram e ainda se chamam “Thumim” ou pedras, nas quais a Luz dos sete espíritos de Deus brilha figuradamente, tornando-se compactas pela Luz da Graça do calor do Amor, semelhante ao seu arrependimento justo, como recordação da Sabedoria luminosa. Fo- ram espalhadas por sobre todo o planeta, como prova confortadora do futuro renascimento, que deve ser idêntico a essas lágrimas de Adão, capazes de acolher a belíssima Luz do mar da Graça, do Amor eterno, devendo resistir a qualquer dureza da tentação do mundo.
E as lágrimas da tristonha Eva foram guardadas dentro da terra, atrás do espinheiro, rubras de vergonha pelo abuso do amor santificado de Adão.
O Amor eterno percebeu que cada lágrima de Eva era justa diante de Adão, filho do Amor Misericórdia, de sorte que o calor do Amor eterno transformou tais lágrimas em pedrinhas, cujo nome era “Urim”, prova simbólica da tristeza justa de Eva. Uma lágrima da inocência perdida caiu sobre o arbusto protetor e tingiu a sua branca flor. Conquanto as criaturas conheçam toda a flora da Terra, desco- nhecem sua verdadeira importância, em espírito e verdade, não o conseguindo até o renascimento espiritual, ou seja, a Misericórdia do Amor eterno através da Graça da salvação.
Ouve mais um segredo, que deve ser compreendido por cau- sa do orgulho ultrajante dos filhos do mundo: Duas flores do arbus- to foram fecundadas por meio da lágrima justa da inocência de Eva e conservaram sua bênção através de todas as tempestades, durante as grandes Guerras de Jehovah com os povos da Terra, e vivificaram a mulher de Abraão na época da libertação da Graça do Alto para exemplo da grande Obra do Amor Misericordioso, e também vivi-
ficaram a mulher de Zacharias para a verdadeira realização da maior de todas as ações do Amor de Deus.
Agora volta teu olhar para Adão e Eva, visitando-os Comi- go e vê como Eu, o Eterno Amor, os encontrei desnudos, abando- nados, chorosos e tristonhos de arrependimento e vergonha justos, chamando-os para junto de Mim.
Mas eles não se atreveram a olhar o Semblante de seu Pai, pois estavam apavorados diante do trovão do julgamento mortal, do fundo da Ira de Deus.
E as chamas da Ira Divina, do Deus Infinito, se atiravam pelos espaços infinitos à Terra, onde o grande Amor Se encontrava junto de Seus filhos caídos e arrependidos, criados por Sua imensa Graça.
Por causa do arrependimento e tristeza dos filhos, travou-se uma luta renhida entre o Amor Misericordioso e a Divindade, que tudo queria destruir para resgate de Sua Santidade incorrupta.
As chamas da Ira da Divindade se precipitaram mais veloz- mente que os raios para a Terra, penetraram em seu centro, incen- diando-a em todos os pontos. E as labaredas destruidoras atingiram a Lua e o Sol; sim, alcançaram todas as estrelas! O Infinito imen- surável tornou-se um mar de fogo e trovões terríveis retumbavam pelos espaços, e a Terra chorou e o mar bramiu, a Lua clamou e o Sol lamentou-se e as estrelas gritaram mais fortemente que os trovões, diante da expectativa de sua eterna destruição. E suas vozes ecoaram das profundezas infindas da Ira Divina, clamando: “Grande e Subli- me Deus, aplaca Tua Ira, apaga as chamas aniquiladoras da Tua justa fúria e poupa os inocentes, em Tua Santidade. Pois o fogo de Tua Ira destruirá os justos e aniquilará o eterno Amor em Ti e algemará a Ti Mesmo, em Teu Poder imenso e na Tua Força de Majestade!”
Vê e ouve, de olhos e ouvidos abertos, o que falou a Divin- dade irada. Suas Palavras eram somente entendidas pelo Amor Eter- no, que durante a explosão da Ira Divina protegia o casal arrepen- dido e repelia a chama destruidora na Terra, para que não atingisse o local de remorso de Adão e o ponto de tristeza de Eva, através do Poder e Força de Sua Misericórdia.
Ouve as palavras de horror saídas da profundeza da Ira Di- vina: “De que Me adiantam o choro e o desespero da Terra, o clamor da Lua, o lamento do Sol e os gritos das estrelas? Fui abandonado por Meu Amor que Se tornou infiel e Se afastou de Mim para a dupla escória da Terra! Que farei sem Ele? Por isto, quero destruir as Suas Obras, desde o fundamento, para que nada possa desviar e afastar o Meu Amor de Mim, por todas as eternidades! Quero ser Deus Único, para todos os tempos, como fui desde eternidades. E tu, edificação corrupta da Criação de Meu Amor enfraquecido, deves ser destruída para que Eu possa reencontrar o Meu Amor e fazê-Lo forte pelo Poder e Força de eterna Santidade. Amém!”
Neste instante, os laços das criações se desataram nos es- paços do Universo Divino, e os destroços despencaram sob imenso fragor para dentro das profundezas, ou seja, a própria Terra, que repousava destroçada no seio do Amor Misericordioso.
Os neocriados tremiam de pavor diante dessa cena terrível, cuja extensão jamais um espírito criado poderá conceber em sua plenitude, pois era infinita.
Presta atenção ao que disse e fez o Amor; fita as grandes ações de Sua Misericórdia e ouve as Suas Palavras: “Grande e Onipo- tente Deus de todo Poder, Força e Santidade! Retira a Tua Ira, apaga o fogo de Tua fúria destruidora e ouve com a calma de Tua Santi- dade as palavras de Teu eterno Amor, que é Tua Única Vida em Ti, eterno como Tu, Poderoso e Forte como Tu, por Ele e Ele por Ti, e não queiras destruir a vida Nele e, através Dele, a Ti Mesmo, e aplica a Graça em vez da Justiça e aceita a satisfação dada pelo Amor. Exige penitência pela ofensa e ultraje à Santidade ofendida e ultrajada, e não haverá sacrifício grande demais que possas exigir para tal fim!”
Ouve o que sucedeu em seguida e o que retrucou a Divin- dade, pois o fogo abrandou e dos espaços começou a soprar uma brisa suave, mesclada de trovões ainda fortes, produzidos pelos destroços do mundo que estremeciam pela combustão quais raios enormes. E o Amor entendeu o trovão de Deus, que dizia com impetuosidade:
“Porei a culpa em Ti, assim como depositei os destroços sobre a Terra e hás de apagar o ultraje de Minha Santidade, a eterna união entre Mim e Ti! Amaldiçoo a Terra a fim de que não haja uma mácula a vilipendiar a Minha Santidade e Eu não Me torne como Tu, um Deus sem Santidade. Esta maldição será debitada à Tua cul- pa, que terás de aceitar para pagar por Minha Santidade e lavar da Terra, com Teu Sangue, a vergonha e o pecado de Adão!”
E eis a resposta do Meu Amor: “Grande e Santo Deus de todo Poder e Força! Que se faça segundo Tuas Palavras!” Naquele momento apagou-se subitamente o fogo sobre a Terra e nos espa- ços da Criação. E os destroços dos sóis, mundos e luas foram de novo reunidos pelo Poder e Força do Amor atendido por Deus e se reorganizaram como eram desde o início. Todavia, conservaram para todos os tempos os vestígios de sua destruição, semelhantes aos estigmas do Amor Eterno que, posteriormente, sangrou para todos, na grande era das eras.
E também caíram destroços de outros mundos nas planí- cies e nos mares da Terra, como prova do Poder e Força de Deus e igualmente como testemunhas expressivas das ações do Amor Mi- sericordioso.
Ouve o que sucedeu em seguida: Quando o Amor Eterno aceitou as exigências e, com isto, deu satisfação antecipada à Santi- dade de Deus, a Divindade externou, em sussurros apenas audíveis ao Amor, Sua Santa Vontade, dizendo:
“Tua imensa Misericórdia chegou aos Meus Olhos, que tudo veem, e percebi, na calma de Minha Santidade, Tua Sinceri- dade e Fidelidade eternas e contei as lágrimas de remorso de Adão e as lágrimas de tristeza de Eva, e Me compadeci por Tua grande Misericórdia.
Por isto, retirarei agora os Meus julgamentos, espargindo Graça em plenitude em vez de Justiça e hei de reparar o dano que eles provocaram. Além de Mim, não há quem possa reparar algo, porque não há quem seja bom, senão Eu, o Santo Pai. Pois este será o Meu Nome para o futuro, eternamente. E Tu, Meu Amor, és o
Meu Filho. E a Santidade — como união ativa da Força entre Nós e tudo que surgiu de Nós — é o Espírito Santo que deve preencher os espaços e universos, para todas as eternidades. Amém. Isto diz o Bom e Santo Pai. Amém.
E agora, Meu amado Filho, dize ao casal arrependido e en- tristecido — grava-lhe isto profundamente nos corações — que de- vem manter os mandamentos do Amor e da Misericórdia até o fim da vida. Eu lhe darei um Mediador para determinada época, a fim de eliminar a culpa e diminuir o enorme peso de sua desobediência.
Até lá devem esperar com paciência e humildade, e o pão, que atualmente proporciono apenas parcamente, devem saborear, gratos, no suor de seu rosto, não podendo saciar-se até a época do Mediador, que despertarei de seu meio, perfeito e bom, assim como Nós somos Perfeitos, Bons e Santos eternamente.
Acrescenta que sustei os Meus Julgamentos apenas para aqueles que cumprirem rigorosamente Meus severos Mandamentos. Os infratores serão ameaçados para sempre com o rigor da Santa e Eterna Verdade, cujo cumprimento se dará na menor infração!
Isto diz o Santo e Bom Pai, através de Seu Filho — o eterno Amor dentro Dele — e por meio do Espírito Santo, como Graça eficaz de Nós Ambos, para o futuro perdão do pecado que agora há de castigar o seu físico e futuramente provocará a morte temporária para a conquista da Vida, após o desprendimento do corpo, quando tiver aparecido o Mediador. Isto diz o Pai, Santo e Bom. Amém, Amém, Amém.”
CONCILIAÇÃODO SENHOR
Presta atenção e compreende o que disse e fez o Amor eter- no. Quando o Bom e Santo Pai terminou Seu Pronunciamento, anunciando Graça por Justiça e determinando o julgamento para infratores da lei, e morte para o pecador, o eterno Amor Se comoveu até o âmago de Seu Coração Misericordioso e, pela segunda vez, derramou lágrimas de piedade, de imensa alegria e êxtase sublime,
diante da Graça do Santo Pai, dizendo em Sua grande emoção para Adão e Eva:
“Adão, acabaste de presenciar os terríveis julgamentos de Deus, e Eva os sentiu por teu intermédio. Mas, agora, abrirei os olhos e ouvidos dela, que — como todos que dela surgirem, segun- do o número das estrelas no Céu, das ervas na Terra e dos grãos de areia no mar, que é infinito — há de ver e ouvir, de olhos e ouvidos abertos o que fez a Divindade em Sua Ira julgadora e a ação do Amor eterno em Sua Misericórdia Infinita.
Gravei a Lei em teu coração, assim como a deves gravar no coração de Eva. E, como prova de advertência para vós e todos que vos seguirem, dos julgamentos de Deus em virtude de vosso pecado, farei aparecer, cá e acolá, montanhas que hão de queimar alterna- damente até o Fim dos Tempos, e deixarei o raio que vos fará lem- brar a antiga destruição e o subsequente trovão a vos transmitir com violência o Nome do Grande e Poderoso Deus, se puderdes um dia esquecê-Lo.
E as lágrimas da piedade e da alegria do Santo Pai, Eu colo- quei, como prova eterna, ao redor do imenso Espaço do Céu, que deverão iluminar todas as noites da Terra, confortando-vos no alvo- recer e transmitindo a chegada do dia vindouro.
Ergue o olhar para o Céu: elas brilham em ordem e esplendor variados — as de luz vermelha como sinal de Minha Piedade, e as de luz branca como prova de alegria pela Graça do Santo e Bom Pai. E a tira larga, esbranquiçada, sobre as estrelas da Piedade e da Alegria, compostas de estrelas primitivas e surgidas da lágrima do Amor Mi- sericordioso que Se apiedou, já naquele tempo, dos espíritos caídos, tira esta que passa pelo Universo, vos sirva como prova da União eterna e santa entre o Amor Eterno que vos criou e a tudo que existe, e a Divindade que tudo julga, segundo Sua Santidade.
Dirige o teu olhar, Adão, e também tu, Eva, para o Meu Olho esquerdo sobre o Meu Coração que, radiante, se projeta suavemente para o vosso olho direito, e vede mais uma lágrima presa à pálpebra. Esta lágrima é maior que todas que deste Olho foram vertidas.
Lá, onde a grande tira na abóbada celeste parece dividida, de- veis olhar com frequência, gratos e profundamente comovidos, pois aquele ponto vos servirá, bem como a toda a Criação, como prova eterna de vossa traição Comigo e de Minha violação com a Santida- de Divina, por Misericórdia convosco. A tira deve, no ponto em que parece de novo atada, recordar-vos da mediação do Amor Eterno, que Sou de eternidades, entre a inviolável Santidade de Deus e vós, que pecastes diante de Seu Semblante. De lá se origina esta lágrima.
Esta lágrima surgirá para vós e vossos descendentes como bela estrela matutina que iluminará todos os povos da Terra a vos se- guirem nas pegadas arrependidas e entristecidas. Antes disso, lavará a Terra do lodo pestilento do pecado e purificará vossas lágrimas do remorso e tristeza, da imundície da serpente.
Deixarei esta lágrima cair numa flor branca desse arbusto, entre as duas flores já fecundadas de Eva, e dela deverá nascer, no futuro, uma mulher pura que terá de pisar a cabeça da serpente. Esta a morderá no calcanhar, mas o veneno não há de prejudicá-la. Dela surgirá o que ora está diante de vós, isto é, uma bela estrela matutina para todos os povos de boa vontade, e o julgamento eterno para todos os filhos renitentes da serpente.
E os espíritos do Seio da Santidade do Pai descerão fisica- mente para a Terra e transmitirão para os vossos filhos a época gran- diosa e a maneira pela qual se dará a Chegada Daquele que ora está diante de vós. Por ora ainda O ouvis e vedes; mas, no futuro, assim não será até a Chegada prometida do Santo Pai, promessa feita por Mim, Seu Eterno Amor.
Acabastes de ouvir o que necessitáveis para receberdes a Minha Bênção! Sede abençoados pela Mão do Poder e da Força do Eterno Amor do Santo Pai e da Força do Espírito, que é Santo por Nós Dois. Multiplicai-vos e preenchei a Terra com o fruto vivo desta Bênção!
Sempre que vos unirdes em virtude desta Bênção, ofertai-
-Me antes vossos corações! Se assim não fizerdes, a serpente que ain- da vive e viverá eternamente na Ira de Deus corromperá o fruto em
vós, e tu, Eva, e todas as de teu gênero, tereis um fruto corrupto ao invés de abençoado. Haverá de aniquilar os filhos da Bênção e da Luz, em grande número, não havendo fim para sua fúria e devas- tação. Deste modo, passareis o pecado como herança para todos e vossa culpa se tornará evidente até a grande Era das eras, e também depois dela.
O sacrifício de vossos corações para receber a Bênção deve ser um ofício santificado, e sois obrigados a fazer por Mim sempre que vos aproximardes para recebê-lo. Este novo e fácil Mandamento que acabais de ouvir de Minha Boca será a primeira Igreja fundada por Mim, em Minha memória, recordando-vos das ações do Amor Eterno, para reconduzir-vos ao santo temor de Deus.
Hei de enviar-vos um espírito sem pecado, do Alto, com uma espada flamejante na mão, que vos guiará e mostrará a Terra toda, de um ponto a outro. Orientar-vos-á acerca dos desvios do mundo, mas também vos castigará se vos desviardes de Meus Cami- nhos. Isto tudo diz o Eterno Amor, em Nome do Santo Pai. Amém.”
NASCIMENTODECAIME ABEL
E eis que desapareceu o Amor diante dos olhos das criaturas, voltando para o Santo Seio do Pai. — Ouve, servo preguiçoso e ain- da surdo: sou obrigado a ditar-te cada palavra separadamente sem que Me compreendas, perguntando-Me uma, duas, cinco e até dez vezes, levando-Me a repetir o que fora dito. Sê mais atento, para que o progresso seja mais rápido, pois em breve o mundo necessitará da conclusão desta Obra de Minha Graça!
Prossegue, pois. Quando o casal se achava sozinho na Terra vasta, apareceu o anjo prometido com a espada flamejante na destra. Ao defrontá-lo, ambos se assustaram de tal modo que fugiram de seus olhos, tremendo profundamente.
O temor precipitou o tempo de Eva que, com dores, deu à luz o fruto proibido que a serpente nela havia depositado pela ce- gueira de Adão. Vendo o rebento desnudo, parecido com ele, sentiu
grande alegria. E Eva, notando a satisfação de Adão, apertou contra o seio o fruto de seu amor.
No mesmo instante ela sentiu uma pontada no peito, seme- lhante à da serpente, e depositou-o na terra, apavorada, crente de ter novamente pecado. Eis que surgiu o grande anjo, de feição suave, que disse com voz firme:
“Não temais o servo de Jehovah que veio do Alto para mos- trar-vos a Terra e esclarecer-vos os desvios do mundo — mas tam- bém castigar-vos e a vossos descendentes se vos arredardes dos Ca- minhos do Amor Eterno e da Infinita Santidade de Deus.
Este fruto não mais representa pecado para vós. Todavia, é a consequência da tríplice desobediência a Deus, e é a morte de vosso corpo, criado em vossa carne, pelo desejo egoístico. Não podeis ati- rar para longe este fruto, mas deveis conservá-lo para testemunho e humilhação de vós mesmos a fim de que saibais que por vós veio o pecado, e pelo pecado a morte ao mundo. O fruto deve ser chamado ‘Caim’, ou ‘portador da morte’.”
Acalmada pelas palavras do anjo, Eva apanhou o filho em suas mãos ainda trêmulas e ofereceu, a mando de Adão e através do anjo, o seio, para ele absorver, por ela, a vida da Terra.
E o anjo postou-se à esquerda de Adão, e Eva, com o filho no braço direito, postou-se ao lado direito de Adão, a fim de que seu coração ficasse livre de qualquer peso e voltado para ele em qualquer circunstância.
Assim, eles caminharam exemplarmente por toda a Terra, para ver os lugares e construir habitações para os futuros descenden- tes e semear-lhes o pão, através do Poder e da Força dada pelo Amor, e a Graça da Misericórdia.
A terra e tudo que comportava era submissa à vontade de Adão, e o mar e todas as águas obedeciam ao seu mais leve aceno, desde a superfície até as profundezas, oferecendo sua superfície aos pés de seu senhor, podendo ele caminhar à vontade sobre ela. Os ventos lhe eram submissos e os animais das águas, da terra e do ar lhe obedeciam.
Adão estranhava o poder dentro de si, reconhecendo o quanto o Amor Eterno lhe havia facultado, de sorte que se alegrou sobremaneira, dizendo para Eva: “O Senhor do Poder e da Força nos abençoou. Vamos ofertar-lhe nossos corações para que Sua Bênção prospere sobre a Terra, segundo Sua Promessa, e por ti possa vir a Luz da Graça, como novo habitante desta paragem!”
Cheia de humildade e alegria, Eva respondeu: “Adão, vê tua serva a teus pés, aguardando o aceno de seu senhor da Terra. Estou pronta a obedecer à tua vontade. Aceita o meu coração culpado e oferece-o ao Senhor!” E Adão agiu, segundo a Ordem do Senhor, com toda devoção Nele. Não demorou a tornar-se visível a Bênção em Eva, e ambos muito se alegraram. Ouve o que o anjo de Jehovah disse ao feliz casal, porquanto suas palavras formais provinham do próprio Amor que falava pela boca do anjo, dizendo:
“Adão, acabaste de conhecer muita coisa na longa viagem sobre a Terra. Viste os continentes e mares, tudo que comportam; o mamute e todos os animais, até o menor verme; o tubarão e todos os seres aquáticos até os pequenos habitantes da gota d’água; as aves, da águia ao rouxinol, e deste ao menor inseto; experimentaste suas forças e utilidades, deduzindo daí quão regiamente o Eterno Amor cuidou de ti e de Eva.
Dirigias-te às montanhas, e elas te respondiam; perguntavas ao mar, e ele te respondia; voltavas tua voz para a profundeza da Terra, e não ficavas sem resposta. Dirigias o som de tua voz à flora, e as ervas e arbustos te diziam o nome e sua utilidade para vosso livre uso. Do mesmo modo respondiam os animais, cada qual segundo sua espécie, demonstrando até que ponto se destinavam a teu servi- ço, obedecendo cegamente tua vontade. E os ventos te ensinavam como usá-los, e tudo isto Eva também aprendeu.
Vê, Adão, e também tu, Eva; isto tudo não vos foi dado como a vida por parte do Amor Eterno, pois foi Sua imensa Graça que vos presenteou; tu, Adão, terás tal dádiva enquanto dela fizeres bom uso, segundo a Vontade do Santo Pai. Todavia, se afastará do âmbito de teu poder se não mantiveres tua alma pura diante da Face
de Jehovah. Sê, portanto, sábio, assim como o é o Santo Pai acima de todas as criações e nas profundezas das mesmas!
Deste modo, mantendo-te dentro da Vontade de Deus com tua própria vontade, deverão ser teus descendentes e os de Eva, con- forme ora é sob os teus olhos.
Se alguém for como és e deves ser futuramente, conservará a dádiva por certo tempo. Caso contrário, o prêmio da Graça lhe será tirado. E os próprios descendentes de Eva se elevarão, tornando-se infiéis até a medula, seguindo os cães e se alimentando dos detritos das serpentes e seus filhos se nutrirão nos seios das cobras. Teus des- cendentes serão envenenados, morrendo amargamente, e espiritual- mente sucumbirão em eterna vergonha e opróbrio torturante.
Por enquanto ainda estais no Paraíso, onde o Amor Eterno vos colocou antes de vosso pecado e antes da destruição. Se, porven- tura, não acatardes fielmente as Leis do Amor e os Mandamentos da Sabedoria do Santo Pai, sereis expulsos deste maravilhoso jardim por esta espada flamejante, não podendo reingressar durante vos- sa existência, tampouco um de vossos descendentes, até a época da Promessa, mas somente após serão admitidos os filhos da salvação e das consequentes novas criações do Amor Eterno.
Gravai bem! O fruto que surgir de ti, Eva, será chamado por Adão, de Abel, e deve ser sacrificado ao Senhor, para sempre, pois seu nome representa ‘filho da bênção’ e primeiro exemplo Daquele que, no grande Tempo dos tempos, virá de cima, do Seio do Poder e Força da Santidade de Deus.
Após vos ter guiado, mostrado e dito tudo segundo a Von- tade do Amor Eterno, cumpri minha missão e sou obrigado a vos deixar visivelmente. Invisivelmente vos acompanharei, passo por passo, contando-os conforme a Vontade imutável de Jehovah.
Serei visto por vós sempre que sacrificardes vossos cora- ções ao Senhor da Glória. Colherei vosso sacrifício em uma taça e a levarei para junto de Deus e despejá-la-ei diante do Semblan- te do Filho, havendo grande regozijo por parte do Santo Pai em vossas obras.
Mas também havereis de me ver se vos afastardes da Lei do Amor e do Santo Pai, conforme me vedes com a espada flamejante na mão direita, para vos expulsar do jardim. Tirarei de ti, Adão, grande parte das dádivas do Amor Eterno a fim de te deixar fraco e temeroso diante do menor ruído de uma erva.”
Vê, cego escritor desta Minha Palavra nova e viva, que se acha em ti como em vós todos, e observa como Adão era perfeito no Paraíso, com exceção de uma coisa, e como era perfeito senhor da Terra. Todas as suas perfeições eram apenas uma dádiva Minha que ele conservou até que uma só vez se esqueceu de Mim, depois que o anjo se tornou invisível.
Tudo aquilo que pertencia a Adão Eu vos darei como dádi- va constante, e muita coisa mais e infinitamente maior, ou seja Eu Mesmo, e tudo que é Meu será vosso, caso vós Me ameis e nada mais do que a Mim.
Mas, onde está o vosso amor, adquirido por Mim com tan- to sacrifício e que desejo considerar eternamente Meu? Esse amor não existe mais sobre a Terra. Ele é tão suave e meigo, e não o que- reis, nem o procurais, preferindo desprezar o seu grande valor!
PROMESSADO SENHOR
Ó filhos de Adão, por que não preferis vos tornar Meus fi- lhos? Quanto esforço e trabalho vos custa conseguir o pão de Adão, coberto do suor de vossas mãos e manchado da baba das serpentes e saturado do veneno dos ofídios, para que a morte temporal e eterna vos alcance pela intemperança!
O MeuPão é untado com o mel do Meu Amor e saturado com o leite da Minha Vida eternamente livre, que podereis sabore- ar em plenitude, jamais vos podendo prejudicar, pois somente vos fortificaria e dotaria de todo Poder e Força provindos de Mim, caso o quisésseis aceitar. Logo após Minha maior Ação, ou seja, a grande Obra de Salvação para vós, este Meu Pão ainda tinha preço muito elevado e as criaturas só podiam adquiri-lo através de seu sangue sa-
crificado para Mim, e sua vida e seu sabor naquele tempo era amar- go na boca dos compradores e não estava untado com o mel do Amor e saturado com o leite da vida liberta, pois isto era dado por acréscimo aos compradores entristecidos somente no mundo dos espíritos. Ainda assim, havia grande número de interessados!
Agora, porém, que quero dá-lo a todos que o desejarem, com leite e mel, apenas pelo pequeno preço do vosso amor, é ele despre- zado e seu Doador desdenhado!
Gravai bem: Mandei abrir agora as portas dos Meus Céus. Que venha imediatamente quem quiser, pois chegou o grande mo- mento da Graça e a Nova Jerusalém desceu para junto de vós à Terra. Todos os que Me amam poderão tomar morada e se saciarem com pão e mel, e beber em grandes haustos a água pura da Vida, que pode ser colhida no eterno poço de Jacó.
Embora a descida dessa Minha grande Cidade seja uma Gra- ça imensurável para todos os Meus filhos, ela há de soterrar com seus fortes muros todos os cegos e esmagar todos os surdos, pois sua extensão ocupará toda a superfície da Terra! Quem não a vir descer e não ouvir o seu rugir através dos ares puros do planeta, jamais en- contrará um lugar para se ocultar e se desviar de seu peso.
O peso de seus palácios dizimará as montanhas, igualando-as às planícies e porei as moradias em cima das poças e brejos. Todos os animais que rastejam no interior serão esmagados no solo pelos alicerces das moradias da grande Cidade de Deus, vosso Santo Pai no Céu e na Terra.
O verdadeiro Pastor chamará Suas ovelhas, que ouvirão e re- conhecerão Sua Voz em todos os pontos da Terra e se deleitarão nos extensos pastos do Pai, ou seja, nos jardins da nova e santa Cidade do Grande Rei de todos os povos que existiram, existem e ainda existirão.
Tais jardins representarão o Paraíso perdido por Adão, por Mim encontrado e fielmente guardado para morada eterna. Por este motivo vos mostrei minuciosamente a Minha Criação, desde eterni- dades, explicando-a desde o início até o fim, mostrando o primeiro
homem em sua origem e o mostrarei até a morte. Apontar-vos-ei a grande prostituta e a Babilônia destruída e em seguida vos levarei à Minha grande Cidade, para dar-vos uma morada eterna, se Me amardes como vos amo.
Vede o Céu e a Terra! Hão de desaparecer fisicamente para existirem apenas em espírito. Mas, toda palavra dirigida a vós, atra- vés de Minha Boca, subsistirá material e espiritualmente com todo Poder e Força da Santidade. Amém.
EXPULSÃODO PARAÍSO
Voltemos a Adão e Eva para vermos sua vida e a dos seus descendentes diante dos Olhos de Jehovah. Durante mais ou menos trinta anos o casal viveu em meio de seus descendentes abençoados, cujo número era idêntico ao dos anos, com exceção de Caim, que não fora abençoado.
Quando, num dia do Senhor — ordenado em seu coração pelo próprio Amor Eterno, e repetidas vezes recordado pelo anjo para memória dos grandes feitos do Amor Misericordioso e venera- ção da imensurável Santidade Divina — Adão passeava sozinho num certo trecho da Terra a fim de apreciar a beleza da zona, tal foi seu prazer com o mundo, que seus pensamentos se afastaram de Deus.
Deste modo distraído, ele chegou às margens de um grande rio chamado “Eheura”, ou seja, “lembra-te do tempo de Jehovah”, pois assim falava o rio rumorejante; mas, Adão, absorvido pelos pen- samentos do mundo, não entendia a fala do rio.
Prosseguindo pela margem, seu pé esquerdo subitamente emaranhou-se numa planta que rastejava sobre o solo e se enroscava em uma grande árvore, e ele sofreu uma queda, sentindo dor pene- trante, sensação inteiramente nova para ele. Revoltado com a planta, ele a fitou com raiva, perguntando-lhe se desconhecia o seu senhor.
A planta respondeu: “Não, não te conheço!” Analisando-a de perto, ele também constatou que não a conhecia, por isto indagou: “Como te chamas e qual é tua utilidade?”
Um vento agitou as folhas e o rumor lhe disse: “Colhe os bagos de meus galhos, espreme o sumo e sorve-o, que meu nome e utilidade te serão revelados!”
Cego pelos pensamentos mundanos, Adão fez o que lhe aconselhara a planta e, em seu esquecimento do Dia do Senhor, tomou alguns bagos e achou-os muito doces. Satisfeito com o novo conhecimento, intimamente reclamava do anjo por não lhe ter apontado planta tão saborosa.
Colheu muitos frutos e levou-os para casa, onde chegou ao pôr do Sol. Eva e Caim vieram ao encontro dele, os únicos preocu- pados com sua ausência, pois os outros sabiam onde se encontrava e não se preocupavam com ele no Dia do Senhor. Como filhos aben- çoados, seus pensamentos eram absorvidos por Deus e Seu Amor Eterno, e assim aliviaram o transporte dos frutos. Contou como fez a nova descoberta e Eva muito se alegrou, ajudando-o a extrair o suco dos bagos.
Em seguida, Adão tomou o suco e disse: “Vamos experimen- tar seu efeito!” Bebeu em grandes goles o suco e o passou para Eva, Caim e a todos os outros, com exceção de Abel, ausente, porquanto o fogo ainda ardia no altar por ele construído.
Assim se embriagaram Adão, Eva e todos os que sorveram o suco e, nesta embriaguez, foram possuídos pela volúpia, caindo na pior luxúria e impudicícia, enquanto Abel orava no Altar de Jehovah.
Quando terminou tal ato ignominioso, apareceu o anjo com a espada flamejante e disse, amável, para Abel: “Jehovah sentiu grande agrado com o teu sacrifício, de sorte que te designou para salvador de teus pais e irmãos, pois, sem isto, teriam perecido no Dia do Senhor, em que O esqueceram e inclinaram suas almas para o solo, não podendo participar da Bênção que neste dia é sempre espargida do Alto para todos os espaços do Universo!
Por isto, vim visivelmente, primeiro, para colher o teu sa- crifício nesta taça da Graça Misericordiosa, que é o Filho Eterno no Pai, e levá-lo diante de Seu Semblante Santo. Antes, porém, tenho de castigar os infratores da Lei do Amor e do Mandamento da Graça
e tirar-lhes grande parte das dádivas, castigá-los com a cegueira e expulsá-los do Paraíso.
Abandona o teu altar de sacrifício e posta-te à minha es- querda a fim de que fique livre a direita para punir os infratores, e segue-me para a morada do pecado. Após eu ter despertado os pecadores adormecidos no delírio da impudicícia e eles, tomados de pavor, fugirem diante da espada da justiça, deves segui-los como fu- gitivo levando para teus pais uma pequena parte da dádiva perdida, entregando-a para fortalecê-los no local em que tombarem exaustos, num país não distante, chamado Ehuehil, ou País do Abrigo. Lá erigirás um altar que há de arder também debaixo das águas que virão sobre todo o planeta. Tornar-se-á uma montanha invencível para qualquer ser humano, até a grande época das épocas, em que ela curvará seu cume para a planície que se chamará Bethlehem, ou a pequena cidade do grande Rei, que um dia será a maior da Ter- ra, pois sua luz brilhará mais que todos os sóis. Naquele novo altar ofertarás um sacrifício ao Senhor de todos os países da Terra, para que se torne saboroso para os pecadores, fortifique os arrependidos e console os tristes!”
Após ter dirigido estas palavras a Abel, o anjo e ele se diri- giram à morada de Adão, perto da caverna do arrependimento e do arbusto da tristeza, com duas entradas, uma para o Norte e a outra para o Sul e que consistia de cedros muito altos, cuja forma se asse- melhava ao templo de Salomão.
Precisamente à meia-noite, pois não podia ser antes por cau- sa do Dia do Senhor, o anjo chegou ao limiar Sul e Abel começou a chorar em virtude da grande desgraça que havia de atingir os seus.
Com meiguice, o anjo lhe disse: “Não chores, filho pleno da Graça, e faze o que te mandei por Ordem do Amor Eterno e não te assustes com as palavras que, quais trovões, atingirão os pecadores adormecidos.”
Ambos se aproximaram e o anjo pronunciou palavras de terror, dizendo: “Adão, levanta-te, considera tua culpa e foge, pois não podes permanecer aqui! Perdeste o Paraíso para ti e os teus des-
cendentes até a grande época de todas as épocas, e também perdeste grande parte das dádivas por esqueceres o Dia do Senhor, embria- gando-te com o suco de uma planta, verdadeira obra de arte da ser- pente para tolher tua liberdade, enroscar os teus pés e perturbar os teus sentidos, levando-te a esquecer Deus e fazendo-te adormecer no vil pecado.
Foge para onde quiseres do Semblante do Amor! E para onde quer que fugires haverás de encontrar a Ira justa de Deus, en- quanto a parte do Amor te será dada com parcimônia.”
Eis que Adão se levanta com Eva e todos os que dormiam em virtude do aturdimento produzido pela planta da serpente, per- dendo tudo, com exceção de Abel, que considerara o Dia do Senhor. Assim também vós deveis, como filhos verdadeiros do Santo Pai, considerar constantemente a abençoada paz do Sábado como Dia do Senhor, cumprindo o Seu Mandamento.
Quando Adão notou a presença do anjo, assustou-se sobre- maneira e todos sentiram o mesmo pavor, de sorte que não conse- guia proferir uma palavra para desculpar-se, pois começava a perce- ber o que ele e os seus haviam praticado diante da Face de Jehovah.
Atirando-se ao solo diante do anjo do Senhor, ele chorou e clamou por Misericórdia, pois a espada flamejante lhe abrira os olhos e ele via, nesta luz da justiça punidora, o peso e a exten- são da desgraça na qual ele havia caído e atirado os seus, pela sua leviandade.
Mas, o anjo estava de olhos e ouvidos tapados, conforme ordenara o Amor Eterno, e falava mais alto que todos os trovões: “Na justiça não há Graça e no julgamento não existe liberdade. Foge, portanto, impelido pela Justiça punidora a fim de que não te atinjam os Julgamentos de Jehovah! O castigo é o prêmio da Justi- ça. Quem aceitá-lo conforme o merece, pode contar com a Mise- ricórdia. Mas, quem reagir contra a Justiça e suas consequências, é traidor da intangível Santidade de Deus e cairá no Julgamento da Ira Divina. Foge, chora e clama até onde teus pés te hão de levar à exaustão, para que não sucumbas com Eva e todos os teus!”
Eis que Adão se ergueu querendo fugir conforme a Ordem de Deus, mas os seus pés estavam paralisados. Trêmulo de pavor, ele se recordou do Julgamento de Deus, e se atirou ao solo, chorando e clamando: “Senhor, Deus Poderoso de Toda Glória, não feches o Coração de Teu Infinito Amor e Misericórdia diante de mim, que sou fraco, e dá-me força para fugir de Teus Julgamentos, segundo Tua Vontade à qual estão submissas todas as criaturas. Senhor, aten- de minha súplica!”
Então, o Amor Eterno falou a Abel pela boca do anjo: “Vê o pai de teu físico. Ajuda-o a se levantar! E vê sua companheira Eva, tua genitora, gemendo no solo. Ergue ambos para que eles e todos os demais sejam fortalecidos para a fuga, e o Pai possa alegrar-Se contigo por demonstrares amor para com todos, sejam ou não aben- çoados. Tua força os confortará e a plenitude da bênção em ti os animará! Com a mão do amor e da fidelidade fraternal os conduzirás até o local em que tombarem exaustos.
Deixa-os repousar e concentra-te em Mim para poder dar-te as forças necessárias, na medida de sua receptividade, para pais e ir- mãos. Faze o que te disse, por amor a eles e obediência para Comigo!”
Compenetrado de imensa piedade e profundamente como- vido, Abel ajoelhou-se, agradeceu a Deus e tomou as mãos dos pais. Sensibilizado, Adão disse: “Meu filho, que vieste em nosso socorro, aceita minha bênção pelo que fizeste por nós. Agradece ao Senhor por seres digno do Amor Dele, pois não somos merecedores de pro- nunciar o Seu Santo Nome! Vamos fugir em Nome do Senhor!”
Eis que o anjo vibrou a espada da Justiça e todos fugiram, velozes, dia e noite, sem descanso. Ao chegarem ao referido país, o Sol se encontrava no zênite, ardendo com intensidade. E não havia erva, arbusto ou árvore até longa distância. Exaustos, todos caíram no pó escaldante e fecharam os olhos, dormindo, quase inconscien- tes, nos braços da fraqueza e da desgraça.
O anjo, então, dirigiu-se a Abel, dizendo: “De todos os sa- crifícios que ofereceste ao Senhor da Santidade, na pureza de tua alma, não houve um maior e mais agradável para Ele. Aceita, pela
Vontade do Alto, esta espada da Justiça da mão de teu irmão — por- quanto somos filhos de um só Pai — e age pelo Poder da Sabedoria e a Força do Amor em benefício dos teus. Incendeia o amor para com o Amor do Pai e estimula a chama do justo temor de Deus em seus corações. Não te abandonarei, mas me tornarei invisível e, se quise- res, postar-me-ei visivelmente ao teu lado, pronto para ajudar-te em Nome do Senhor.
29. A entrega da espada significa tua plena liberdade, igual à minha, de sorte que a Vontade do Senhor se tornou a tua, sobrepon- do-te à lei, e os Mandamentos são tua posse. És igual a mim, um filho imortal do Amor do Pai, no Reino puro da Luz dos espíritos livres! Age, portanto, segundo o teu amor e sabedoria, com teus pais e irmãos.”
CONSCIÊNCIAEARREPENDIMENTODE ADÃO
Com imensa alegria, Abel ajoelhou-se, dizendo: “Ó Santo e Bondoso Pai, vê teu pequeno servo no pó, certo de sua indignidade, dirigindo-se a Ti, Onipotente, e ouve minha súplica de condescen- dência para com os meus e permite que minha força se irradie sobre eles, para remissão do pecado e reconquista da Vida em Ti!
Transforma esta zona segundo o Teu Agrado, para que se torne fértil, oferecendo alimento fortificador para o físico e uma fonte fresca para saciarem sua sede, e apareçam animais úteis para servi-los.”
Mal Abel terminara sua súplica, uma brisa suave começou a soprar sobre o deserto e claras nuvens cobriram a abóbada celeste. Não tardou a chover e, junto com a chuva, caíam sementes várias nos sulcos feitos por Jehovah. Instantaneamente todo o deserto se cobriu de verde, de uma flora abundante e vicejante. No ponto em que Abel se ajoelhara, surgiu uma árvore enorme, cujos galhos esta- vam carregados de fruta-pão, recebendo o nome de “Bahahania”, ou seja, “fortalecimento e conforto para os fracos”.
E das nuvens abençoadas uma voz suave dizia: “Abel, vibra a espada com a mão esquerda por sobre os adormecidos para des-
pertá-los ao arrependimento e regeneração futura, e sê um exemplo Daquele que virá na grande época das épocas e dize-lhes que até lá ninguém será livre da lei. Os Mandamentos hão de aprisionar a to- dos e, mais além, os que não participarem do Renascimento através do Filho, que será o Caminho, a Luz, a Verdade e a Vida eterna, como único Vencedor da morte.
Tu, porém, és livre qual anjo de luz e serás acolhido após ter sido realizada dentro em breve a Imagem Dele, que há de vir. Terás que te capacitar para tanto através da humildade, amor e devoção crescentes, não obstante as perseguições e maus tratos que passarás por parte dos irmãos, para glorificação de Meu Nome.”
No mesmo instante, Abel ergueu-se do solo e flutuou no ar como prova de verdadeira liberdade sobre a Terra, e fez conforme o anjo lhe havia dito. E novas forças eram transmitidas aos adorme- cidos que se erguiam, atônitos diante da transformação do deserto, querendo entoar cânticos de louvor.
Adão, porém, disse: “Filhos, não vos regozijeis antecipada- mente, mas chorai comigo e Eva por causa de nosso grande pecado, considerando o que perdemos. Não tem o menor valor o Paraíso terrestre e todos os seus bens. Conforme observamos, o Senhor, em Sua Infinita Misericórdia, nos devolveu tantas Graças que podería- mos esquecer aquilo que era nosso. Observai os animais e a flora e perguntai-lhes se são capazes de nos responder.
Eu assim fiz ao despertar e me convenci de que tudo emu- deceu, não entendendo o sentido de minhas palavras. Se bem que o chilrear dos pássaros, o rugir dos animais e o sussurro desta fonte e todas as manifestações da flora chegassem aos meus ouvidos, não conseguia entender o seu sentido. Não foi o susto da perda desse entendimento, mas a imensa perda da Graça do Pai, em todas as criaturas e seres.
Tudo aquilo que perdi também perdestes por minha causa, pois pecastes por mim, com exceção de um, que não sou digno de chamar de filho, que permanece na Graça e Bênção, puro e justo diante dos Olhos do Pai, de Seu Amor e de Seu Espírito.
Ele também nos foi tirado, pois meus olhos não mais con- seguem vê-lo, a fim de sentirmos o que representa termos caído da Graça do Amor na Justiça rigorosa do Senhor, em virtude de nossa desobediência.
Considerai se falei a verdade, se devemos chorar de remor- so ou se podemos encontrar algo que nos alegre. Há apenas uma alegria como Dádiva do Pai, e esta é a grande Graça do arrependi- mento e da tristeza. Vamos, por isto, agradecer-Lhe do fundo de nosso coração.
Prosternemo-nos na convicção de nossa iniquidade e cho- remos até secarem nossas lágrimas e teremos devolvido ao Senhor o que é Dele e que não merecemos. Assim, Ele poderá agir conosco segundo Sua Santa Justiça!”
Em seguida, Adão e todos os seus se prosternaram, chora- ram e se lastimaram, com exceção de Caim. Apesar de se atirar ao solo, seus olhos continuavam secos e aborreceu-se por não poder chorar como os outros; por isto, levantou-se e se pôs a caminho. An- dando distraidamente, percebeu uma cobra rastejar-se sobre a terra. Irado, ele a apanhou, a despedaçou e a ingeriu.
CONFISSÃODE CAIM
Nisto, surgiu Abel e lhe disse: “Irmão, por que comeste a car- ne da serpente quando existe grande quantidade de frutos capazes de saciar tua fome? Adão, nosso pai, bebeu o suco daquela planta, astuciosamente preparado por ela, caindo em pecado, e todos vós por intermédio dele. Arquei com o peso da culpa diante de Deus e tive de abandonar o Paraíso convosco, aceitando vosso encargo físico e espiritual. Agora acabas de comer a carne e beber o sangue da serpente! Por que fizeste isto?”
Refeito de sua ira, Caim respondeu: “Fiz isto por vingança, a fim de aniquilar a serpente e a mim mesmo, que fui considerado indigno da Bênção do Senhor. Não tenho culpa de ser como sou, mas a culpa é de meus pais, que me criaram em pecado.
Por que deveria eu pagar a culpa, pela qual nada fiz, por- quanto sou apenas o fruto e não a causa do pecado, sendo privado da Bênção que todos vós recebestes em plenitude, ao passo que eu me arrasto, carregando a imerecida maldição de Jehovah?
Esta é a causa de minha ação, pois a serpente me disse: Sa- cia-te com a minha carne e com o meu sangue, que te tornarás um senhor da Terra e todos os teus descendentes regerão sobre ela, sendo seu poder e força mais fortes que dos abençoados. Não é um manda- mento, mas te dou o poder de dominar e a força para tudo subjugar!
E acrescentou: Minha carne te livrará da culpa injusta diante de Deus e meu sangue te dará uma nova natureza sem culpa e do- tada de poder e força. — Terminou deste modo e eu a estraçalhei e comi, conforme acabaste de ver.”
Neste instante, Abel vibrou a espada da Justiça com a mão direita sobre a cabeça de Caim, ao qual se abriram os olhos, e ele percebeu sua imensa injustiça contra Deus e os genitores. Compre- endeu a sua culpa e viu os caminhos insondáveis do Amor Eterno, e como ele mesmo era a própria serpente tentadora. Através da in- finita Misericórdia Divina, ela se tornou um ser humano, a fim de, por uma provação maior em sua temporária fraqueza sem bênção, se compenetrar de sua situação, voltar-se finalmente para o Senhor, de onde lhe viriam a Bênção e aceitação na imensa Graça de Deus.
Ele percebeu claramente ser a própria serpente e que, através de sua raiva, a havia feito retornar à sua natureza, e que as palavras da serpente eram as suas, baseadas em sua índole original, antes da Criação do mundo material. Com isto, havia reabsorvido a serpente, ou seja, havia se positivado no mal e subsequente erro, caindo na própria morte.
Profundamente arrependido, atirou-se ao solo, clamando: “Senhor Todo Poderoso e Onipotente, somente agora reconheço minha imensa culpa e fraqueza diante de Ti, Tua Justiça e Infinito Amor! Não mereço essa existência, por isto aniquila minha natureza original, para que seja extinta minha grande culpa para os futuros descendentes abençoados de Adão e Eva.”
Eis que Abel vibrou novamente a espada com a mão esquer- da por sobre o peito de Caim, fazendo com que o abandonasse a ânsia da morte e surgisse a fome pela vida. Como nada encontrasse que satisfizesse sua ânsia, virou-se para Abel, dizendo: “Irmão, sinto fome de alimento de vida e não mortal como a carne e o sangue da serpente. Agora que percebo a causa do meu ser, como fui e como sou neste instante, sinto grande remorso, fome e sede ardente de Amor Divino e de Sua grande Misericórdia. Choro e o arrependi- mento não provoca lágrimas em mim. Sacia-me com a voz do Amor e lágrimas de remorso.
Eu, que fui o maior, tornei-me menor que o pó; eu, o mais forte, fiquei mais fraco que um inseto; eu, o mais luminoso, tornei-
-me mais negro que o ponto central da Terra!
Assim me encontro diante de ti, que surgiu de mim qual espírito pequeno, e agora é maior do que eu naquele tempo, quando ainda não existia o mundo, e acabo de perder minha força, tornan- do-me o mais fraco entre todos. Os que tinham muito, perderam muito, e os que tinham pouco, perderam pouco; e eu, que tive tudo, perdi tudo por minha culpa e os outros por minha causa. Meu ir- mão, não hesites em oferecer-me alimento de vida para poder dar vazão ao meu choro, e dá-me de beber a fim de que não pereça no remorso sem lágrimas!”
Voltando a pisar o solo, Abel aproximou-se de Caim, di- zendo: “Vou reconduzir-te aos teus pais e irmãos, onde encontrarás aquilo de que careces. Mas, quando fores saciado, lembra-te do Se- nhor, em Seu Amor e Misericórdia, e considera que o primeiro é o último, e o último o primeiro. Segue-me com paciência e meiguice, pois devem ser teu poder e força no futuro, que hás de encontrar Graça diante Daquele cujo Amor é Infinito para sempre.”
Quando ambos se aproximaram da grande árvore, entre o Sul e o Este, onde todos ainda se achavam prostrados, em virtude de sua tristeza, Abel disse a Caim: “Eis os frutos do arrependimento e da tristeza. Curva-te junto deles e sacia tua fome e sede.”
Mal Caim obedecera à vontade do irmão, começou a chorar e lágrimas de remorso brotaram de seus olhos. E a tristeza e o remor- so agradaram ao Amor Eterno, que falou através do anjo para Abel, que também se desfazia em lágrimas de piedade: “Filho abençoado do Amor, ergue Adão e Eva, teus pais carnais, e mostra-lhes a árvore da vida, que foi abençoada por Mim, para vosso sustento e fortale- cimento físico.
Dize a Adão que, uma vez fortalecido, deve dar o pão da ár- vore da vida aos seus filhos, para sustento e fortalecimento de corpo e alma. Eva deve erguer Caim e levá-lo a Adão. Este deve, com a mão esquerda, tomar a direita dele, apondo sua direita na cabeça de Caim, soprá-lo três vezes e suspendê-lo sete. Assim, Caim ficará capacitado, segundo sua fé, para a aceitação de Minha Bênção.
Tu, Abel, toma a espada em tua mão direita e segue-me para longe daqui, na direção Sul, a uma grande montanha, num vasto deserto. Lá encontrarás uma fenda, na qual enfiarás a espada com o cabo para dentro, de sorte que a ponta fique virada para o Céu, com uma face da lâmina virada para o Sul e a outra para o Norte.
Em seguida, ajoelha-te, agradece a Deus até que a chama da espada se tiver apagado, pois ela se transformará numa sarça com ba- gos vermelhos e brancos. Colhe três brancos e sete vermelhos, e volta para junto de teus familiares. Após quarenta dias, erigirás um altar de sacrifício conforme fizeste no Paraíso, espontaneamente. Nele de- positarás espigas e frutos, e atearás fogo com a chama do Amor que enviarei do Alto, através de um forte raio.
Isto feito, apanha um pouco de barro, amassa-o e forma um recipiente de boca larga e fundo estreito, semelhante ao teu cora- ção. Enche esse recipiente com água limpa e deposita-o no Altar de
Jehovah, à chama de sacrifício do Amor. Quando a água começar a ferver, atira primeiro os bagos brancos; passado um tempo, junta os sete vermelhos. Ao perceberes que estão macios, tira o recipiente do fogo e apanha os bagos na mesma ordem em que foram de- positados lá dentro, passa-os com a mão direita para a esquerda, deixa-os esfriarem e mastiga-os segundo sua ordem. A água deve ser despejada no Altar de Jehovah, e o recipiente vazio entregarás ao teu pai carnal.
Os bagos aumentarão tua sabedoria e teu amor, e a água amainará o fogo do Amor. O recipiente será um exemplo justo para Adão e todos os seus descendentes de como devem ser os seus co- rações: Cozidos com a água da Misericórdia, na qual amoleceram os frutos da justiça, através do fogo do Amor, para alimento dos filhos do amor abençoado, libertando-se para a aceitação do Espí- rito Santo.
Vai e cumpre fielmente o que Eu, o Amor Eterno, ordenei. Isto feito, tornarei a falar-te e aos teus, pela boca do Meu anjo, um querubim, ou seja, a Boca da Sabedoria e do Amor do Santo Pai. Vai e age!”
Assim, Abel executou as ordens dadas pelo Alto e afastou-se dos seus, após ter dado ao seu pai carnal a Bênção, atitude esta que lhe fora transmitida por Minha Vontade em seu coração.
Adão abraçou-o chorando, Eva apertou-o com tristeza ao coração, e os irmãos se despediram, inclusive Caim, que lhe esten- deu a direita e se curvou até o solo. Assim, Abel partiu, rico em bênçãos e acompanhado do anjo do Senhor.
NOVAORDEMDOCULTOADEUSEDA VIDA
Depois de executar a Palavra de Deus e voltar para os seus, onde ofertara o sacrifício, segundo a ordem do Amor Eterno, e en- tregar a Adão o recipiente, o Amor Eterno falou a Abel pela boca do anjo: “Filho fiel de Meu Amor Misericordioso, acabo de nomear-te sacerdote e professor de teus irmãos e consolador de teus pais. Em
cada sábado, antes de surgir o Sol, farás a oferenda dos melhores e mais puros frutos que ainda hei de designar mais tarde; e à noite, ao pôr do sol, deverás acendê-los com o fogo do Amor que mostrarei oculto dentro da pedra, de onde sempre poderá ser extraído. Não cobrirás tua cabeça de uma meia-noite até a próxima, para que pos- sas aceitar a Minha grande Graça. Teus irmãos devem descobrir a ca- beça somente de manhã e cobri-la à noite. Tuas irmãs devem cobrir rosto e cabeça durante todo o sábado; somente Eva poderá olhar três vezes para o Altar de Deus, por volta de meio-dia.
Adão, por sua vez, jamais deverá cobrir sua cabeça, para pro- var que é vosso pai, ao qual devereis demonstrar respeito e amor. Ai daquele que se opuser a seu pai no que quer que seja! Hei de fitá-lo com ira; pois a cabeça do genitor é igual à Santidade de Deus. Qual- quer um poderá ser atendido, caso sinta remorso no coração. Mas, quem tocar o menor vestígio de Minha Santidade será atingido e consumido pelo fogo que jamais se apaga, devorando toda lágrima de remorso!
E quem tocar sua genitora, de coração maldoso, reagindo contra o seu amor, jamais será olhado por Mim, em toda sua misé- ria. Pois ela é igual ao Amor em Mim e quem o desprezar tropeçará com dificuldades nos caminhos duros de Jehovah.
Do mesmo modo perderá Minha Graça e Misericórdia quem for contra seu irmão; e quem desprezar sua irmã encontrará o Meu Coração trancado. Vossos irmãos são também irmãos de Meu Amor, e vossas irmãs, o deleite do Meu Amor.
Por isso, honrai vosso pai e amai vossa mãe, e sede mutu- amente submissos com todo o amor a fim de que possais temer o meu Nome Jehovah e amar o Meu Amor. Assim, vos deixareis guiar três vezes pela grande Santidade de Meu Espírito, no dia de Minha Santificação, para aquisição da sabedoria, e sete vezes para os seis dias do Amor, agindo com justiça perante Meus Olhos.
Além disso, deves tu, Abel, ensinar teus irmãos vários ofícios, um diferente do outro, para que possam servir-se mutuamente com amor e conselhos em vários conhecimentos.
Às tuas irmãs ensinarás o preparo de fibras, que devem ser trançadas em tiras largas para confecção de vestes para os irmãos e, em seguida, para si mesmas, a fim de que a ordem seja mantida.
Adão, Eva e também tu, recebereis vestes do Alto, dadas por Mim; para ele, branca, para Eva, vermelha, e tu, azul com remates amarelos. Tais cores não devem ser aproveitadas por outrem, por- quanto as roupas restantes devem ser multicores, sem mancha nem rasgo; a não ser que alguém tenha pecado. Em tal caso, deve-se ras- gar a veste com remorso, cobri-la com carvão e sua cabeça deve ser polvilhada com cinza, para prova de seu estado pecaminoso diante de Mim e ter rasgado a veste da Graça porque se maculou com a cor da desobediência, advindo a morte sobre ele.
Caim deve escolher a irmã mais bonita, de nome Ahar, ou seja, a beleza de Eva, e seguir com ela para os campos, onde terá que fazer sulcos no solo com ferramentas que há de encontrar no local. Em seguida, deve deitar sementes nos sulcos que lá existem em quantidade e chamar o produto alcançado de trigo. Quando estiver maduro e as hastes escuras, deve colher os grãos e triturá-los entre pedras, e a farinha convém molhar com bastante água, para formar uma massa. Esta deve ser posta em cima de uma pedra lisa e quente pelo Sol, onde deverá ficar a terça parte do dia, e o resultado se cha- mará ‘pão’. Ele partirá o pão, agradecerá a Deus, saboreando-o com sua mulher Ahar. E cada vez que fizer uma colheita em seus campos deve oferecer-Me as dez primeiras espigas.
Caso continuar fiel a Mim, aceitarei de bom grado seu sa- crifício na terra; mas, se esquecer-se de Mim, seu sacrifício não será aceito, nem subirá para o Céu, mas ficará junto de seus pés.
Assim viverá, aumentando sua família; todavia, deve sem- pre oferecer-Me três vezes seu coração, e o de Ahar sete vezes. Se assim não agir, evidenciar-se-á sua infidelidade, tornando-se mau. A serpente viverá por ele e posteriormente em suas filhas, que se tornarão belas exteriormente, porém, feias no íntimo, aniquilando os filhos dele e contagiando com seu veneno os filhos de Meu Amor, afastando-os de Mim. Assim sendo, extinguirei toda sua raça de so-
bre a Terra! Transmite-lhe isto e lembra-lhe o Meu Santo Nome de Jehovah e o Meu Dia Santificado!
12. A ti, Meu bom Abel, mostrarei uma manada de animais mansos que deves apascentar, e o nome que lhes deres será justo, pois ao chamá-los reconhecer-te-ão como pastor e te seguirão.
Futuramente não Me ofertarás frutos, como fizeste pela vol- ta do Monte de Jehovah, e sim os primeiros animais de teu rebanho, que serão os frutos mais belos e puros dos quais já te fiz menção. Antes do sacrifício, deitarás lenha seca sobre o altar e em seguida o animal, para depois Me agradecer e atar fogo, que encontrarás den- tro da pedra, como te aconselhei.
Como prova que teu sacrifício é do Meu Agrado, a fumaça subirá ligeira para o Céu, como se tivesse grande pressa. Deixarás a cinza coberta com uma pedra três dias no altar, e quando fores reti- rar a pedra, um belo pássaro de plumagem luminosa se erguerá da cinza e voará em direção ao Céu. Em seguida, virá um vento forte que levará a cinza a todas as direções da Terra para a futura ressur- reição da carne, ou seja, as obras do verdadeiro amor, através da Sa- bedoria do Espírito Santo que será dado aos filhos, na grande época das épocas, e a todos os estranhos que tiverem vontade para tanto.
Deveis alimentar-vos de manhã, ao meio-dia e à noite, mas sempre moderadamente e com grande temor a Deus, depois de Lhe terdes agradecido antes e após, a fim de que o alimento seja abenço- ado, tirando-lhe o efeito mortífero.
Quem isto não fizer, sofrerá as consequências nocivas. Quem esquecê-lo por três vezes, será por Mim punido com sono prolongado. Quem o omitir por preguiça, há de engordar qual suíno e se tornará tolo qual burro, sendo motivo de gargalhadas por parte das crianças. Caso pretenda voltar a ser igual aos obedientes, terá que jejuar muito e comer pão seco.
Mas, quem o omitir por desobediência e menosprezo ao Meu leve Mandamento, por amor a vós, será acometido da ten- dência da impudicícia e lascívia, caindo facilmente em pecado. En- frentará grande luta para vencer a forte serpente da tentação de
Eva, e Eu não o fitarei antes que tenha vencido sua carne, com grande remorso.
De manhã deveis alimentar-vos de frutos; ao meio-dia, da árvore da vida, e à noite, deveis tomar leite e mel de abelhas, estas chamadas de ‘Celie’, que significa ‘o cuidado do Céu’. No terceiro dia antes do sábado deveis matar um carneiro, limpá-lo do sangue, assá-lo durante o dia e comê-lo à noite.
Caim e sua mulher deverão participar dessa refeição. Fora disto, convém ficarem no campo para se alimentarem de pão e fru- tos. Sabeis, portanto, o que necessitais. No inverno, mandarei do Alto vestes de pele para Adão, para Eva e para ti. As peles dos car- neiros abatidos devem ser recolhidas por teus irmãos e servirão para suas roupas.
Quando estiverem secas devem ser lavadas por sete vezes, o que as tornará macias e limpas para o uso.”
OSSACRIFÍCIOSDEABELE CAIM
Em seguida, o anjo beijou a fronte de Abel e recomendou a todos, principalmente a Caim, o rigoroso cumprimento da obediên- cia para a futura conquista da liberdade plena e subsequente força e poder derivados da Graça da Misericórdia, a fim de transformarem a serpente dentro de si em amor, produzindo frutos da bênção ao invés de frutos da Ira Divina.
Todos se entregaram à tarefa, vivendo em boa ordem duran- te dez circunvoluções da Terra em redor do Sol. Certo dia muito quente, o Sol queimava com maior intensidade e Caim se irritou, amaldiçoando o Sol. Os seus filhos eram pacientes e se lavaram na fonte fresca, cuja água também bebiam. Assim saciados, louvaram a Deus por lhes ter deixado tal manancial nos tempos de prova do Seu Amor Eterno.
Não distante da cabana de Caim, erigida por ele com galhos e coberta com palha, corria um vasto rio que fiz surgir das profunde- zas das montanhas, idênticas às da Lua, que se localizam no centro
do grande continente Ahalas, ou seja, o berço dos filhos dos fracos descendentes de Adão, que chamais de África.
Mas, Caim não quis fazer uso da água, tornando-se preguiço- so devido ao grande calor, não sabendo o que fazer, não se dirigindo para Mim e muito menos para seu irmão Abel.
Eis que veio o dia do Senhor e, com ele, a época do sacrifício. Caim então tomou dez espigas sem grãos, por preguiça de carregar as cheias e, além disto, penalizou-se de os grãos serem queimados em vão, porquanto lhe proporcionariam farinha para três pães. Assim, pegou a palha seca, deitou-a no altar e ateou fogo; mas, a fumaça não subiu, e sim, caiu por terra, o que provocou nele maior irritação.
Ao mesmo tempo, Abel acendia seu sacrifício diante dos Olhos do Senhor, dizendo, profundamente comovido: “Santo e Bom Pai, que me olhas, que sou fraco, pelo grande olho de Teu Sol, com todo o Poder de Teu Amor! Ainda que Teu Amor me queime a pele, meu coração palpita com grande calor por Ti. Houve tempo em que Tua Ira queimava a Terra, Jehovah; agora, arde o Teu Amor, Santo Pai!
É uma escola preparatória que me capacitará à aceitação fu- tura da Vida pura em Ti! Quão imensamente Bom és Tu, por nos deixares nesta Terra sentir a inconcebível Graça de Teu Amor. Aceita este meu pequeno sacrifício, para todos, como pequena prenda de nosso amor e conserva-nos o Teu Amor Eterno. Teus são todo Poder e Força sobre tudo que existe na Terra; somente Tu mereces Honra e Louvor de Teus filhos abençoados.”
CAIMMATASEU IRMÃO
Os dois altares estavam a uns setenta passos distantes um do outro, sendo que o de Abel, em direção ao Sul, e o de Caim, ao Norte. Quando Caim percebeu que a fumaça de Abel subia ao Céu enquanto a sua caía no solo, o ódio invadiu seu coração. Mas, sua fisionomia não traduziu seu sentimento, ao passo que Abel orava por ele, pois percebera sua maldade.
O Senhor ouviu a súplica de Abel e, segundo o desejo deste, fez com que Caim ouvisse Sua Voz tonitruante, dizendo: “Caim, por que te tornaste infiel a Mim, permitindo que teu coração se enchesse de rancor, e por que disfarças teu sentimento e mentes com os olhos? Alimentas algo de tenebroso contra Abel! Nega-o, se fores capaz!
Ouvi quando amaldiçoavas Meu Sol e vi as espigas vazias com as quais procuravas contentar-Me em tua preguiça e cobiça, e além disto vi praticares impudicícia e quase sempre omitiste cum- prir aquilo que te ordenei antes de te aproximares de tua mulher. Não é assim?
Observei-te com paciência e não deixei que Minha Destra punidora caísse sobre tua cabeça e não Me irei em Minha Santidade! Pesa Minhas Palavras, amolda o teu coração e Me serás agradável e teu sacrifício será aceito. Caso insistas na maldade oculta de teu coração, o pecado ter-se-á estabelecido diante de tua porta, domi- nando-te, e tu e teus descendentes serão escravos e servos do mesmo, e a morte virá sobre vós. Não permitas, pois, que te domine, mas rompe com ela violentamente, sujeitando-a à tua vontade, que serás livre, senhor de tua vontade, cuja origem é maldosa, pois veio de ti e não de Mim!”
Eis que Caim se inclinou para o solo, como querendo arrepender-se. No mesmo instante viu a seus pés uma serpen- te. Sumamente assustado, levantou-se e quis fugir para junto de Abel; mas, a serpente enroscou-se nos pés dele, de sorte que não pôde mover-se.
Erguendo sua cabeça, a serpente abriu a boca, movimentou sua língua bifurcada e disse: “Por que queres fugir de mim? Que te- ria feito eu a ti? Sou um ser igual a ti e tenho que rastejar nesta figura miserável. Liberta-me, que serei como tu e mais bela que tua mulher Ahar, e serás forte como Deus, sobre tudo que existe na Terra!”
Retrucou Caim: “Estás mentindo, pois quando te encontrei na grama, te estraçalhei e te comi, pois acabavas de me trair. Como poderia crer em tuas palavras? Muito sofri por tua causa, portan- to conheço tua mentira e não posso confiar em tuas palavras. Não
acabaste também de ouvir o que disse Jehovah? Se tiveres algum conhecimento da Verdade, explica-me tudo isto e me convence do contrário, que acreditarei em ti e farei tua vontade.”
8. A serpente falou de novo: “Nisto tudo cabe culpa ao teu ir- mão Abel. Quer apoderar-se do domínio a fim de roubar-te os di- reitos de primogênito. Ele age com tanta astúcia a ponto de cegar o Amor da Divindade, manifestando beatitude, para que deixe agir sobre tudo que existe na Terra, enquanto te pisará com escárnio. Quando me encontraste na grama e fizeste o que te aconselhei, terias sido soberano de tudo, caso a astúcia de teu irmão não descobrisse o plano, pois veio junto de ti com falsidade. Sim, ajudou-te, não para galgares o trono que te compete, mas para a miséria e completa nulidade de teu ser altivo, o que há muito deverias ter sentido.
Até mesmo ficou invejoso por ter o Senhor aceito teu sacrifí- cio, igual ao dele, e soube levar a Vontade enfraquecida de Jehovah no sentido de Ele rejeitar o teu sacrifício e, além disto, te passou uma séria reprimenda.
Já não foi do agrado dele que o Senhor não te tivesse ani- quilado de vez. Portanto, observa como ele, ainda aparentemente orando, pretende convencer o Senhor a efetuar aquilo que até então deixou de executar. A astúcia de Abel chega ao ponto de querer con- vencer o Senhor a lhe passar todo o Seu Poder, quando então o tirará do trono. Isto feito, Deus passará a sofrer na Terra, enquanto ele será um deus dominador no Trono de Jehovah.
Levanta-te, pois é a última vez que ainda te posso suprir com a força necessária para salvar-te e a Deus. Vai incontinenti e convence-o com palavras doces para que venha aqui. Então hei de algemá-lo de mãos e pés. Apanharás uma pedra, ferindo-o mortal- mente, coisa que tinha projetado para ti. Deste modo, libertar-te-ás da morte certa e abrirás os Olhos do Amor cego de Deus traído, que te fará soberano na Terra, sujeitando a ti a morte do pecado.”
Deste modo persuadido em seu coração, Caim se dirigiu a Abel, dizendo com voz maviosa: “Irmão, vem aqui e liberta-me da serpente que de novo quer aniquilar-me!”
Retrucou Abel: “Já acaba de acontecer o que pensavas e aquilo que exiges de mim em tua perversão, hei de fazer com amor; a morte que pretendes aplicar-me, virá sobre ti; e meu sangue, com o qual impregnarás a Terra, clamará a Deus e virá sobre ti e teus filhos. A pedra com a qual matarás teu irmão tornar-se-á pedra de escândalo em que todos os teus descendentes se despedaçarão. A serpente, porém, há de corromper todo sangue da Terra, e os filhos abençoados clamarão por justiça. Em seguida virá sobre vós uma grande treva, e ninguém entenderá a voz de seu irmão, assim como desde já não entendes a minha, porquanto te deixaste ofuscar por tua própria maldade, através da figura da serpente, dentro e fora de ti e será para sempre a verdadeira maldição do Julgamento Divino!
Vê como o Senhor me mostrou o plano de tua maldade oculta e tua ira tremenda, de sorte a saber o que pretendes fazer a mim. Leva-me qual vítima inocente e faze o que manda tua perver- sidade, cuja cegueira durará até o fim de todos os tempos, a fim de que a serpente venha provar sua mentira e tu venhas a saber qual de nós será o traído.
O ultraje aplicado ao Senhor te algemará e após executada a ação maldosa, teus olhos e ouvidos se abrirão para veres como Ele me aceitará, o último sacrifício agradável de tua mão. No futuro não te será dado vítima alguma, mas apenas a morte, com a qual sacrificaste teu irmão.
Tenho todo o poder sobre ti e seria facílimo destruir-te como àquela montanha, além do rio, em direção ao Norte. Irei fa- lar-lhe com as seguintes palavras: ‘Aqui estou, Abel, filho abençoa- do do Senhor, cheio de poder e força do Espírito Santo; desapare- ce para sempre, a fim de que Caim venha a saber quão enorme é sua mentira!’
E agora vês, Caim, como desapareceu a possante montanha pelo poder do Espírito do Amor. Da mesma forma me seria possível destruir-te. Mas, a fim de que vejas não existir fraqueza em Deus, nem tendência dominadora em teu irmão, seguir-te-ei qual cordeiro para o matadouro.”
Amavelmente, Caim tomou o braço de Abel e disse: “Que pensas tu de mim? Procuro tua ajuda e tu queres culpar-me de um crime, antecipadamente? Acompanha-me ao lugar onde a serpente te espera e destrói-a como fizeste à montanha, libertando-me e a ti da sua repreensão.”
Retrucou Abel: “Qual seria a diferença entre ti e a serpente? Julgas que também eu seja um fratricida? Por isso seguir-te-ei, mor- rendo para a vida, enquanto viverás para a morte!”
Tais foram as últimas palavras de Abel para Caim; quando chegaram ao ponto em que a serpente aguardava Caim, evidenciou-
-se a astúcia do mesmo, pois ela enroscou-se em pés e mãos de Abel, atirando-o ao solo, tomou uma grande pedra com a qual esmagou a cabeça de Abel de sorte que o sangue e os miolos se esparramaram sobre a terra. Em seguida, a serpente tomou a pedra na boca e a carregou à frente da porta de Caim, escondendo-se na areia, atrás do espinheiro.
MALDIÇÃOEFUGADE CAIM
Neste instante, nuvens negras se aglomeravam de todos os lados sobre a cabeça de Caim, e enormes raios fulminavam em to- das as direções, acompanhados de fortes trovões; ventanias fortíssi- mas começaram a rugir e atiravam grandes massas de saraiva sobre os campos férteis, destruindo-os inteiramente. Foi essa a primeira saraiva atirada dos Céus, como prova de Amor sem Misericórdia, porquanto a Divindade fora ultrajada de novo pelo crime de Caim aplicado em Abel.
Caim correu para dentro de sua cabana, encontrando sua mulher no solo e alguns filhos não abençoados ao lado, como mor- tos. Apavorado, ele amaldiçoou a serpente, saiu da cabana e encon- trou a pedra sobre a qual tropeçou, levando forte queda. De novo amaldiçoou a serpente maldosa e a pedra mortífera.
Tendo-se erguido com o corpo macerado, dirigiu-se à beira do rio para procurar a serpente e destruí-la. Quando lá chegou, de-
parou com um monstro horroroso, do comprimento de seiscentos e sessenta e seis varas, sete de largura, com dez cabeças e cada uma munida de dez cornos, qual coroa.
Após se ter aproximado dele, o monstro usou as dez bocas, di- zendo: “Então, forte Caim, assassino de teu irmão Abel, porventura estás disposto a lutar comigo? Podes começar tua obra de destruição!
Quando me encontrava na grama e ainda estava fraca, foi possível me estraçalhares e assimilares minha carne e sangue; agora, tal não surtiria efeito, pois o bom alimento que me preparaste com o sangue de teu irmão, fez-me forte e poderoso. Se estiveres disposto a me destruir, podes começar a alimentar tua vingança com o meu sangue. Dispondo de apenas dez dedos, pois não tens dez mãos, não poderás pegar cada cabeça de per si, as oito restantes te aniquilarão com seus cornos e hão de te engolir com suas oito bocas!”
Profundamente assustado, Caim fugiu da serpente, amal- diçoando-a, pois fora traído. Em seguida, refletiu: “Quem poderá reconciliar-me com Deus, eternamente Justo, uma vez que meu ir- mão Abel não mais existe? Três vezes amaldiçoada serpente, és tu a assassina de meu irmão e querias fazer o mesmo comigo! Se soubesse que com o meu aniquilamento também tu serias aniquilada, por sete vezes haveria de vingar sua morte em mim mesmo!”
Neste instante, a serpente se apresentou atrás dele na figura de uma moça atraente e disse: “Caim, faze isto, e eu comerei a tua carne e beberei o teu sangue e nos tornaremos perfeitamente unos, dominando o mundo inteiro.”
Virando-se para ela, Caim retrucou: “Esta é tua verdadeira figura pela qual te tornas mais horrenda. Quem te vir com as dez cabeças, há de fugir de ti qual Julgamento de Deus; mas, a quem procurares com esta figura, seguir-te-á, amando-te acima de Deus e julgando-se o homem mais feliz do mundo. As criaturas te erigirão templos e altares, alimentando-se de teus excrementos. Se eu não te tivesse visto com as dez cabeças, também me teria tornado teu es- cravo; mas agora te conheço perfeitamente e te desprezo nesta figura muito mais do que na anterior.”
Perguntou a moça: “Mas, Caim, como podes temer este meu corpo tão delicado e sedutor?” “Cala-te”, retrucou ele, “teus mem- bros delicados são serpentes cheias de veneno e debaixo de teu peito repousa uma couraça impenetrável com a qual teus braços de ser- pente sufocarão meu gênero pobre e fraco, pois nesta figura farás do próprio leviatã um servo obediente.”
Nesta altura, a mulher anguiforme incendiou-se em sua ira interna a ponto que toda sua natureza iluminava qual sol, e toman- do a figura de Abel, disse amavelmente: “Caim, tolo cego, meu ir- mão maldoso, aquele a quem mataste com uma pedra encontra-se transfigurado diante de ti e te oferece a mão para a conciliação. Não temas a figura da serpente, que és tu mesmo! Quem se tornou infiel a Deus, tu ou a serpente? Foste tu ou a serpente quem se aproximava de tua mulher sem antes prestar o sacrifício a Deus? Foste tu ou a serpente quem amaldiçoou o calor e em sua preguiça enorme ofere- ceu apenas palha ao Senhor? Foi a serpente ou tu a se enraivecer con- tra teu irmão, no ciúme tenebroso? Não foi ela uma exteriorização de tua própria maldade, na qual resolveste matar teu irmão?
Como podes amaldiçoar a serpente — que és tu mesmo — tomando o teu irmão como serpente personificada? Não foi ele mes- mo que te perguntou se poderia ser um fratricida? Responde se não foi assim. Se não for, podes amaldiçoar a serpente. Não me tomes a mim por serpente, mas a ti mesmo, pois vim do Alto, como irmão transfigurado, para ajudar-te. Estende-me a tua mão ainda macula- da pelo sangue de teu irmão, para que seja purificada pelo meu amor fraternal e possas encontrar Graça diante dos Olhos do Senhor!”
Eis que Caim, em sua cegueira, se deixou tentar por Sa- tanás, fazendo menção de estender a mão ao tentador. No mesmo instante, um raio caiu entre os dois, e o suposto Abel tombou ao solo como serpente. Caim, todo trêmulo, aguardava o julgamento do Alto. — E a voz de Jehovah falou das nuvens: “Caim, onde está teu irmão Abel — onde o deixaste?”
Encorajado pela presença da serpente, Caim respondeu: “Como podes inquirir-me? Por acaso sou protetor dele?” Com maior
ímpeto, a Voz de Jehovah prosseguiu: “O sangue de teu irmão, com o qual impregnaste a terra, clama por Mim! Vi tua ação! Onde está Abel, teu irmão?”
Retrucou Caim: “Senhor, meu pecado é tão grande que ja- mais poderá ser perdoado!” “Sim”, disse Jehovah, “por isso sê amal- diçoado na Terra que absorveu o sangue de Abel. Se no futuro pre- parares um campo, ele não te proporcionará o pão, pois terás de te alimentar de cardos e abrolhos, e hás de perambular sem pouso nem teto, qual animal feroz!”
Assustando-se sobremaneira, Caim disse com voz trêmula: “Senhor, acabas de me expulsar deste país e terei de fugir diante de Tua Face, não encontrando pouso, nem teto. Sê Misericordioso para comigo, pois as criaturas hão de me matar onde quer que me encontrem.”
E Jehovah respondeu: “Não, ninguém há de te matar, pois quem isto fizer será morto sete vezes! Para que ninguém venha aten- tar contra ti, marcar-te-ei na testa com um sinal negro.”
Assim, Caim fugiu com seus familiares para um país lon- gínquo, além do Éden, chamado Nhod. Éden era um território de pequenos montes, carregado dos melhores frutos, muito do agrado de Caim. Mas, ao olhar para cima, ele via em todos os montes um homem de cenho cerrado, como se estivesse aguardando a chegada de Caim para vingar-se. Tal aparição era obra de seu temor, con- cluindo não poder ficar ali.
Avançando para o Sul, chegaram a uma grande planície. Tão exaustos estavam, que caíram ao solo e dormiram três dias e três noites. Um vento forte, vindo das montanhas, despertou-os, sopran- do e rugindo sobre as vastas planícies, e finalmente se acalmando nas profundezas do país que se chamava Nhod, ou seja, superfície seca do mar.
Quando Caim dirigiu o olhar para cima divisou os homens nos cumes, não sabendo o que fazer. Algum tempo depois, levan- tou os braços e clamou: “Senhor de Justiça, se os meus gritos ainda chegam aos Teus Ouvidos, dirige Teu Olhar Misericordioso a este
fugitivo marcado, por causa de minha companheira e dos filhos, pois Tua Santidade marcou minha fronte com a treva do pecado para que não fosse reconhecido meu crime, e também as mãos e o peito do grande pecador, cujo pecado é demasiado grande para que pudesse ser perdoado.”
Eis que surgiu sobre a cordilheira uma nuvem com a altura de setenta e sete homens, e uma voz, que era a de Abel, dizia: “Caim, conheces esta voz?” Ele respondeu: “Irmão Abel, porventura vens para te vingar de mim, teu assassino? Então age com justiça, mas poupa tua irmã abençoada e seus filhos!”
De novo a voz falou: “Caim, é pecado quem pratica o mal. Mas, quem paga o mal com o mal, é servo do pecado. Quem faz o bem pelo bem, paga sua dívida e nada sobrará em seu benefí- cio. Quem retribui o bem várias vezes, merece os seus irmãos. Mas, diante de Deus, só vale o bem feito pelo mal, e a bênção para os que amaldiçoam os benfeitores, dando a vida pela morte!
É nesta condição que me aproximo de ti; portanto, não temas a minha presença, pois fui enviado do Alto para mostrar-te como o Senhor é Verdadeiro e Fiel nas Suas Promessas e informar-te que deves ficar neste país e te alimentares, com os teus, dos frutos aqui existentes, certificando-te que teu irmão te perdoou através do grande amor de Deus dentro de si.
Deves apagar o meu sangue com as lágrimas de remorso até que o sinal desapareça de tua fronte. Deves conduzir tua com- panheira e teus filhos no temor do Senhor. Se o fizeres por temor a Deus, continuarás vivo, mas proscrito. Se o fizeres por amor, hás de tocar o Coração endurecido da Justiça.”
CONTRATODOSENHORCOM CAIM
Com essas palavras, Caim se acalmou. A nuvem desapareceu e ele chorou de remorso e começou a procurar alimento para sua numerosa família. Meditou sobre o seu afastamento do Paraíso e a perda do Amor de Deus, tendo sido expulso para dentro da justiça
rígida, encontrando-se no limiar do Julgamento Divino. À medida que meditava, aumentava seu pranto, duvidando de poder algum dia conquistar uma partícula do Amor.
Acompanhado dos seus, ele chegou ao pé de uma amoreira cheia de frutos. Como estivessem famintos, fizeram menção de co- mer esse alimento saboroso. Caim, tomado de bons pensamentos, disse: “Minha mulher e meus filhos, abstende-vos de colher esses frutos, pois ignoramos se contêm vida ou morte. Prosternamo-nos, antes, diante de Deus pedindo-Lhe que os abençoe para nós. Se assim o fizer, pela Sua Imensa Misericórdia, convém, primeiro, agra- decer-Lhe, para em seguida nos saciarmos com parcimônia.”
Após ter Caim feito a prece de contrição em voz alta e pedi- do a Deus que tirasse o possível veneno do arbusto, abençoando-o, subitamente surgiu uma nuvem das montanhas e um raio se proje- tou dentro do arbusto, do qual fugiu uma grande serpente, de boca aberta, em direção a Caim, que muito se assustou. Mas, os raios não a deixavam em paz, impelindo-a para a areia do deserto. Depois de ter desaparecido, Caim dirigiu o olhar para o Alto, agradecendo em silêncio por se terem livrado do perigo.
Em seguida, percebeu como da nuvem avermelhada caíam grandes pingos sobre o arbusto, a ponto de encharcarem a terra numa vasta extensão. Caim e os seus perceberam a Magnitude do Senhor e de novo caíram ao solo, e ele orou: “Senhor, Tua Justiça é grande e incompreensível; mas quão imenso é o Teu Amor por seres capaz de Te lembrar do maior pecador, e imensa deve ter sido a mi- nha maldade que não quis aceitá-Lo!”
Eis que da nuvem plena de bênção se ouviu o seguinte: “Caim, Minha Justiça se transformou em Amor, mas este Amor es- tará somente com aqueles que não o procurarem na miséria e no sofrimento, e sim na sua alegria e liberdade.
Dar-te-ei um prazo de dois mil anos, durante os quais nin- guém será atingido pela Minha Justiça, que transformarei num re- ceptáculo que colocarei acima das estrelas. E de Meu Amor farei um outro que porei debaixo da Terra. Podeis fazer o que quiserdes:
Praticando o mal, vossas ações hão de encher o receptáculo da Justi- ça, que estourará quando estiver repleto, deixando cair todo o peso sobre os praticantes do mal, matando-os. O recipiente do Amor, por sua vez, se ficar vazio debaixo da Terra, receberá os mortos para um prolongado sofrimento purificador. Os que se deixarem purificar serão levados para os astros a fim de enfrentarem longas lutas. Os que endurecerem em virtude de maldade interior serão futuramente atirados sob o solo deste receptáculo, onde haverá eterno clamor e ranger de dentes, na Ira de Deus.
Aproximai-vos do arbusto umedecido pela bênção e comei de seus frutos para satisfazerdes a fome, considerando sempre Quem vos acumulou de tamanha Graça! Espalhai-vos pelo país da planí- cie, mas que ninguém se atreva a pôr os pés nas montanhas, cujos cimos são abençoados e destinados para moradia de Meus Filhos. Quem desrespeitar tal Mandamento será vítima de animais vigilan- tes, como: ursos, lobos, hienas, leões, tigres e serpentes enormes que se encontram na base das montanhas, inclusive dos animais mansos que posteriormente vos serão submissos.
Se alguém se tornar muito devoto e passar pela prova de fogo do Meu Amor, poderá penetrar no centro das montanhas e tirar ferro e cobre para o preparo de ferramentas. Alimentai-vos e multi- plicai-vos, mas repeli a semente da serpente através do justo temor de Mim, que Sou Deus, o Eterno, Justo e Santo. Amém.”
HANOCH,FILHODECAIM, LEGISLADOR
Por certo tempo eles seguiram os Mandamentos de Deus, e Caim gerou Hanoch, isto é, a “honra de Caim”. Chamando todos os filhos, ele disse: “Aqui está vosso irmão, dado por Deus para vosso senhor, a fim de que haja ordem e terminem vossas contendas. Ele vos dará as leis, premiará os fiéis e castigará os infratores, para que nos tornemos um povo grande e glorioso, igual aos filhos de Deus. Eles dispensam as leis porque possuem o amor, que os liberta, mas que para nós foi posto debaixo de seus pés, em virtude de meu pe-
cado. Seus pés nos dizimarão, caso não tenhamos alguém que nos represente e nos justifique diante de seu grande poderio.
O Deus deles é também nosso Deus. Ele é Pai para eles; para nós Ele é Juiz. O Pai conhece o amor deles, e Seu Olho e Ouvido estão com eles. Tal não se dá conosco. Somos livres para agir, mas se quiser- mos resistir, necessitamos de leis e de ordem. Pois um poderia matar o outro numa contenda, pela sua vontade, e o receptáculo da Justiça se encheria antes do tempo, provocando nosso aniquilamento sob o peso de nossas iniquidades. Vamo-nos unir e juntar pedras, grandes e pequenas, para construirmos uma morada alta e sólida para ele. E, para cada um de nós, uma pequena ao redor da grande, para que ele possa fiscalizar nossas atitudes. Ele estará isento de qualquer trabalho, um soberano em vosso meio, alimentando-se por vossas mãos.
Por ora, sou eu, como pai, vosso legislador, em Nome da Justiça Divina, e ai daquele que desobedecer às minhas leis. Minha maldição há de atingi-lo duramente, e não haverá piedade, porque em meu coração não existe amor, mas unicamente justiça.
Onde há amor, há misericórdia, e o amor vale por justiça. Mas, onde impera a justiça, vale o direito pelo direito, justiça por justiça, preço por preço, fidelidade por fidelidade, obediência por lei, julgamento para desobediência, punição para delito, maldição para traição e morte por morte.
Para santificar este meu pronunciamento, juro pelos Céus e Sua Justiça implacável, e pela Terra, morada inclemente da maldi- ção de Deus, que todo infrator será atingido por aquilo que ora vos transmiti como pai e regente.
Vosso irmão virá como verdadeiro soberano e legislador, se- gundo justa compreensão e arbítrio, de sorte que estará isento da lei, porque todas as suas ações serão lei até que ache por bem sustá-la. Acabo de vos comunicar minha vontade. Portanto, agi como man- da, se quiserdes subsistir no rigor da Justiça pela lei da ordem, para evitarmos o julgamento que haverá de atingir a todos.”
Todos se puseram a trabalhar na construção de uma cidade, levando sessenta anos para tanto. Como as construções desmorona-
vam seguidamente, somente concluíram o palácio do novo regente após Eu ter mostrado a Hanoch, em sonho, como deveriam traba- lhar. Sensibilizou-Me a atitude dos filhos que eram expostos a maus tratos por parte de Caim, rigorosamente justo, a dirigir os seus qual tirano, debaixo do terror das punições, sem dó nem piedade, pois nele não havia amor, justo que era na obediência às leis, sem conside- rar que a obediência, pura consequência do temor, não é obediência, mas simples amor-próprio. Quem ama a si mesmo cumpre a lei de medo do castigo, pois sente autopiedade com a dor do castigo em sua fraqueza desprotegida. Encontrando oportunidade de se ver intima- mente à vontade, amaldiçoará a lei e seu autor, pisando-a com os pés.
Se tal homem ficar forte será duplamente cruel sobre as leis, boas ou más, destruindo-as junto com o legislador. Isto deveria ser observado por todos os chefes e legisladores de nossa época. Aguar- da-os o mesmo destino caso julguem que o temor seja o único meio para conservar a ordem e suas vantagens, pela cega obediência dos escravos. Do contrário, todos hão de sentir quais os frutos das leis que não tenham sua origem no amor puro e desinteressado, aqui ou no Além.
Caim agia cruelmente porque nem sempre encontrava plena Graça e Solicitude junto de Mim quando, após uma ação má, derra- mava lágrimas de arrependimento. Isto Eu fazia porque seu arrepen- dimento se dirigia somente à perda da Graça e não do Meu Amor.
Quem assim se entristece, não o faz pela perda da vida, se- não pela do bem-estar. Seu remorso é falso porque não se importa com a perfeita reunião Comigo. Se Eu lhe desse aquilo que ele não pediu nem quis, receberia a morte, porque a livre vontade é a pró- pria vida do homem.
Eis o caso de Caim que expulsara o amor, agarrando-se à justiça, sem considerar não haver justiça sem amor, e que a justiça é o próprio amor sublime, sem o qual tudo sucumbiria.
Quando a cidade ficou pronta, Caim conduziu Hanoch à sua residência e deu-lhe pleno poder sobre tudo, na presença de filhos e netos, dizendo: “Hanoch, neste palácio, construído para teu uso exclusivo, transmito-te os meus direitos paternais, para nos conduzi- res, segundo tua vontade, que deve ser considerada santa. A lei em si é sem importância, mas tudo depende de seu cumprimento, e toda infração terá seu castigo.
Deste modo seremos livres pelo cumprimento, e não pela lei. Tu, como legislador, estás isento de qualquer imposição, pois tua liberdade tem que ser santa em virtude da lei. Se também estivesses preso à lei, ela te impediria de agir na esfera da liberdade. Tens que estar fora da mesma como se não conhecesses lei alguma. Mas cada ação tua tem que ser considerada como rigorosa lei e, se quiseres, todos terão que agir como mandares e seus movimentos nada mais serão que manifestação de tua vontade.”
Eis que o novo soberano se expressou da seguinte maneira: “Ouvi-me, súditos meus de ambos os sexos. Ninguém deve conside- rar algo posse sua, pois tudo é meu, para que terminem as conten- das. Ireis trabalhar somente para mim e para os meus celeiros. Em compensação, tereis alimentos na medida de vosso zelo, e os fiéis poderão aproximar-se de mim. Usufruirão melhor alimentação os fiscais e executores dos direitos e das punições. Ai dos desobedientes! Serão expulsos para as montanhas e as feras hão de estraçalhá-los. Os infratores de minhas leis por preguiça, desatenção, desleixo, se- rão açoitados até sangrarem. Aqueles que ousarem contradizer-me serão punidos até os ossos, e sua língua lhes será arrancada e atirada às serpentes. Quem me olhar com desprezo terá furados os olhos, para não mais poder fitar o seu soberano. O preguiçoso será tratado como animal de carga, com paus e porretes, a fim de que seus pés se tornem mais velozes que suas mãos. Além disto, não vos dou outra lei senão o fiel cumprimento de meus desejos e determinações, que vos serão transmitidos dia e noite. Amém.”
A estas palavras, todos, inclusive Caim, se assustaram sobre- maneira, abandonaram a residência de Hanoch, amaldiçoando seu pai cruel que lhes havia proporcionado destino tão inclemente. À noite sentiram fome e não se atreveram a procurar alimento, de sor- te que se aproximaram de Hanoch, dizendo: “Senhor, trabalhamos o dia todo, dá-nos de comer, conforme prometeste.”
Orgulhoso, ele se ergueu e retrucou: “Onde estão os frutos do vosso trabalho? Trazei-os aqui, aos meus celeiros, que mandarei distribuí-los a cada um segundo seu direito.” Assim, todos trans- portaram o que tinham: alguns, muito; outros, pouco. Caim e sua mulher nada levaram supondo que estivessem livres dessa obrigação. Hanoch distribuiu os frutos, dizendo: “Quem trabalhou, há de co- mer; quem não tiver trabalhado, jejuará.”
Assim sendo, Caim e sua mulher tiveram que jejuar. Por isso abandonaram a residência de Hanoch, sem encontrarem coração bondoso entre os seus filhos. Diante disto, dirigiram-se aos campos e se alimentaram dos frutos que sobraram. E não havendo habitação para eles, dormiram ao relento.
Quando, pela manhã, os seus filhos para lá se dirigiram a fim de trabalhar, encontraram Caim colhendo frutos. “Vede”, disseram, “pela primeira vez ele trabalha neste país. Bem feito, pois preferiu a justiça ao amor!”
Uns colhendo frutos, outros construindo moradias e celeiros, e outros, ainda, servindo ao soberano para o seu conforto, de sua mulher e filhos; ao meio-dia terminou o trabalho e todos voltaram à sua residência, transportando as provas de seu zelo e pediram ali- mento, inclusive Caim e sua mulher.
Enraivecido, Hanoch ergueu-se e disse: “Quantas vezes pre- tendeis comer durante o dia? Julgais que eu vos mando colher para vos saturardes? De que deveríamos, eu e os meus serviçais, viver, pois eles não devem trabalhar, mas carregar o seu soberano na palma de suas mãos! Afastai-vos e que ninguém se atreva a pisar o limiar de meu palácio! De hoje em diante os meus empregados hão de receber os produtos para mim. Podeis vos alimentar somente dos
frutos caídos ao solo. É nova lei, que deverá ser respeitada, pois ai dos infratores!”
Profundamente triste e emocionado, Caim disse: “Ó Hano- ch, grande soberano, meu ex-filho, porventura teus pais não estão isentos daquilo que determinaste para teus súditos? Se devo ser igual a meus filhos, ordena-lhes que sustentem pai e mãe idosos, cansados e fracos. Ou permite que me afaste até o fim do mundo, para que não veja a grande tribulação de meus filhos a sofrerem sob o jugo pesado da justiça.”
Retrucou Hanoch: “Como podes perguntar? Porventura não ajo certo se aplico o ensinamento e o poder que me deste? Tu mesmo determinaste que somente eu estaria livre da lei e não fizeste exceção contigo. Como podes exigi-lo de mim, forçando-me a dar exemplo condenável pela desobediência a ti, o primeiro legislador? Se entre nós não existe amor, mas apenas justiça, como podes pedir uma exceção como graça que jamais se coadunaria com os direitos das leis de teu soberano? Que me importa seres meu pai? Tu me ge- raste sem que eu o tivesse desejado. Se o fizeste sem minha vontade, da mesma forma também me fizeste soberano. Dize-me, então, qual a minha obrigação para contigo diante daquilo que fizeste de mim. Foge para onde quiseres, a fim de não te atingirem as consequências severas da justiça. É a única graça que te concedo livremente, por- quanto faço o que quero!”
PARTIDADECAIMPARAO MAR
Chorando de tristeza, Caim partiu com sua mulher e quatro filhos, dois rapazes e duas moças, e após quarenta dias de marcha chegou às margens do mar, assustando-se sobremaneira, pois julga- va ter atingido o fim do mundo. Então, conjecturou: “Se por acaso Hanoch me perseguir, para onde irei? Diante de mim está o fim do mundo. De cada lado se encontram montanhas altíssimas que não devo pisar, e os Olhos e Ouvidos do Senhor se fecharam para mim. Além disso, vejo somente frutos desconhecidos e não abenço-
ados. Quem teria coragem de saboreá-los? Nossos provimentos se esgotaram.
Tentarei pedir ao Senhor. Ele nos atenderá ou nos deixará su- cumbir, dando-nos um fim merecido, porque durante todo esse tem- po, em nossa imensa cegueira, não reconhecemos a Sua Vontade.”
Eis que Caim, após setenta e sete anos, começou a orar para Mim, três dias e três noites, dizendo milhares de vezes: “Senhor, Justiceiro e Amoroso, dirige Teu Olhar para Teu grande devedor e aplica a Tua Santa Vontade em mim!”
Como essa atitude Me condoesse, enviei-lhe Abel, numa língua de fogo, que dizia as palavras por Mim inspiradas: “Caim, ergue-te e olha-me para dizeres se ainda te lembras de mim.” Ele se levantou e com temor observou a chama, sem reconhecer-me. E disse: “Quem és tu, ser estranho nesta chama?”
E Abel disse: “Sou teu irmão, dentro da chama do Amor Di- vino. Que desejas?” “Meu irmão”, disse Caim, “meu filho Hanoch tudo me tirou, inclusive minha vontade. Só posso dizer: Que se faça em todos nós a Santa Vontade do Senhor!”
Disse Abel: “Segundo a Vontade Dele deveis vos alimentar de todos os frutos aqui existentes, pois a serpente te enxotou para aqui e ficou com os teus filhos na cidade de Hanoch, com todo o seu veneno, e nada mais vos poderá fazer. Quando a criatura abdicar de sua vontade, nada mais se pode fazer por ela, e quem submeter sua vontade à serpente, será seu prisioneiro, finalizando suas ações.
Mas, quem tiver fugido de seus fortes laços e salvar a sua vontade, depondo-a diante da Face de Jehovah, receberá Dele uma nova vontade a fim de que possa, futuramente, agir como Seu ins- trumento. Deste modo, é da Sua Vontade que ajas daqui por diante segundo a Vontade Dele. Ainda que tu e os teus descendentes se- jais encontrados pelos de Hanoch, não vos reconhecerão, porque o Amor do Senhor há de vos queimar.
Ser-te-á tirado o nome de Caim para receberes o de ‘Etíope’ que significa ‘o sem vontade’, segundo a Vontade de Deus. Terás que
trançar um grande cesto de vime, com a ajuda de tua família, com sete comprimentos de um homem, três de largura e um de altura, que será vedado com resina e piche. Uma vez pronto, deve ser levado à beira do mar, onde colherás frutos durante quarenta dias. Depois de guardados no cesto, subireis no mesmo.
Então o Senhor mandará uma grande enchente que sus- penderá o cesto, que vos levará a um país longínquo, no meio dos mares, onde estareis seguros das perseguições de Hanoch. Haverá por toda parte pequenos países neste grande mar, e quando tiverdes aumentado em demasia, podereis povoar todas as ilhas, segundo a Vontade do Senhor.
Se não O esquecerdes, Ele vos entregará um grande conti- nente — onde ficareis até o fim do mundo — que será antes puri- ficado da maldição pelas enxurradas, que matarão os descendentes de Hanoch e muitos filhos de Deus que se deixarão prender pelas suas belas filhas.
Sereis poupados das enxurradas, por ter a Vontade do Se- nhor vos colocado sobre as águas de Sua grande Misericórdia. Se necessitardes de algo, já sabeis onde encontrar o grande Doador, que não vos abandonará se não O abandonardes no coração. Agora, aproxima-te, Caim!”
No momento em que Abel abraçou Caim, este se tornou negro qual carvão e seus cabelos ficaram crespos, o mesmo aconte- cendo aos demais. E Abel falou: “Irmão Etíope, agora estás livre de qualquer culpa, que continua com Hanoch, e convém agires segun- do a Vontade do Senhor. Amém.”
ARAÇADE CAIM
Em seguida, Abel desapareceu e Etíope saciou-se pela pri- meira vez dos frutos e cumpriu as ordens recebidas. Assim sendo, o seu tronco povoou até os nossos dias todas as ilhas nos mares e, mais tarde, após o extermínio da grande serpente pelas chuvas, também os continentes hoje chamados de África, América e Austrália. Sua
raça não foi exterminada e continua a mesma até o momento, como prova das crueldades de Meus filhos e Hanoch.
Vive, portanto, Etíope, natural e espiritualmente até este momento, numa ilha, no centro das grandes águas, que jamais será encontrado por mortal, como constante observador de vossas ações. Ele se alimentou de frutos variados e gerou mais setecentos filhos durante mil anos. Após isto, ele foi renovado por Mim e não mais se alimentou, por ter sido saciado com Meu Amor para toda a Eterni- dade. Eis o melhor alimento, pois quem dele se suprir não verá, não sentirá, nem saboreará a morte. Seu pensamento será uma livre saída da vida para a Vida, do vivo para o Vivo, que sou Eu Mesmo. Desta forma saciado, Etíope vive ainda hoje em físico como primeiro filho do homem e pode observar todas as atitudes e ações dos homens, portanto é testemunha remota de todas as Minhas Ações até hoje.
Ele conheceu Noé, Abraão, Moisés, todos os profetas e Mel- chisedek, o Sumo Sacerdote. Ele foi testemunha de Meu Nascimen- to e da Minha nova Criação, através da maior de todas as Minhas Obras, isto é, a Obra da Salvação. Desta forma ele se conservou até a completa Descida de Minha Cidade Santa, o que começa a se dar agora quando será recolhido com fiel guarda. Além de Mim, nin- guém conheceu a serpente tão a fundo quanto ele, a quem ela deu muito o que fazer.
Eis a história de Caim, que vos foi dada para reflexão sobre vós mesmos a fim de que possais descobrir vosso mal pela raiz e des- truí-lo pelo fundamento, para reencontrar em Meu Amor o Paraíso há tanto tempo perdido e vos tornardes verdadeiros e fiéis cidadãos de Minha grande e Santa Cidade, onde sou vosso Pai desde eterni- dades. Amém.
GOVERNOÍMPIODE HANOCH
Voltemos a Hanoch e mostrarei sua situação em apenas trin- ta anos de existência. Hanoch havia escolhido a mulher mais bonita e mais duas concubinas, excedendo-se em impudicícias. Com isto,
seu raciocínio obscureceu-se de tal forma que esqueceu completa- mente seu Governo. Os poucos pensamentos que conseguia regis- trar voltavam-se inteiramente para o conforto, o luxo e a luxúria.
Satisfazia-se com a apresentação de bons frutos trazidos pelos súditos, vestes macias feitas de ervas mais flexíveis, entregando o Governo aos ajudantes. Seus súditos se aperceberam disto e se apro- veitaram de sua cegueira. Os serviçais também notaram tal estado de coisas e se tornaram tão astutos como a serpente e procuraram entor- pecer o seu senhor de todas as maneiras. Permitiam aos súditos toda sorte de distrações, desde que entregassem suas oferendas em dobro.
Como os serviçais percebessem que podiam agir a seu bel prazer, começaram a reger, dando ordens aos súditos: primeiro, de- dicar ao soberano um culto divino por meio de vários sacrifícios; segundo, entregar-lhe a filha mais bonita de cada um, e a esse feliz doador seriam dispensadas as oferendas, tornando-se livre proprietá- rio de sua moradia, com direito de ingresso no palácio do soberano, com cujos serviçais poderia palestrar e anualmente ver a face do rei para agradecer-lhe por tamanha graça.
Com isto, a serpente conseguira um golpe genial. Os genito- res começaram a cuidar das filhas com o intuito de fazê-las mais bo- nitas, de sorte que elas não ligavam para os homens simples, pois se julgavam destinadas ao rei. Com esta trama os serviçais arrebataram o Governo para si e convenceram Hanoch de que ele não mais era rei e sim um deus para o povo, sendo desonroso para sua majestade dar leis aos vermes da terra e estando eles dispostos a assumir em- preendimento tão desprezível para sua pessoa. Bastaria ele externar sua aprovação ou descontentamento, que todos os bens colhidos em grandes quantidades seriam guardados como sempre.
Além disso, conviria que se mostrasse somente uma vez por ano, quando todos haveriam de se prosternar diante dele. Caso um dos vermes poeirentos merecesse graça especial, bastaria dar-lhe um pontapé na cabeça. Se isto se desse com um homem, pelo sacrifício de uma filha bonita e tentadora, poderia ser erguido do solo para ver a face do soberano, tornando-se cidadão do deus Hanoch. Essas
sugestões agradaram de tal modo à sua vaidade, que aceitou imedia- tamente tudo que lhe fora sugerido.
Deste modo, os serviçais conseguiram aquilo que há muito procuravam, isto é, a legislação, punição e todo o aparelho governa- mental. Surgiram, em vez de um, dez soberanos, que pouca diferença faziam entre homens, seus irmãos, e os próprios animais, classifican- do-os de bestas racionais e irracionais. Somente quando tal animal praticasse um golpe astucioso era-lhe permitido chamar-se homem.
Quando os dez dirigentes perceberam como eram cegamente obedecidos, cada um ia escolhendo dez serviçais entre os cidadãos livres, elevando-os a um certo estado de nobreza, com sua família. Em compensação, suas filhas bonitas deveriam tornar-se concubi- nas com as quais geravam cem ou mil filhos, que eram entregues aos cuidados dos homens desclassificados. Quando cresciam, os de sexo masculino também eram desclassificados, as moças se torna- vam concubinas, já aos doze anos, tornando-se estéreis. Se perdiam seus encantos, eram expulsas e tinham que trabalhar para os homens irracionais.
Tal estado de coisas durou mais de trinta anos. Mas, como as criaturas se tinham multiplicado em várias centenas de milhares, não mais podendo ser supervisionadas, construíram-se, com o con- sentimento de Hanoch, mais dez cidades que receberam o nome dos dez reis: Kad (o ladrão); Kahrak (o chefe das prostitutas); Nohad (o traidor); Huid (o mau); Hlad (o frio); Uvrak (a semente da serpen- te); Farak (o cruel); Molakim (o mentiroso); Uvrahim (o lisonjea- dor) e Thahirak (o grande blasfemador).
Essas cidades foram construídas nos moldes de Hanoch. No centro havia um elevado burgo, rodeado de muralha e fosso. Como não houvesse naquele tempo instrumentos apropriados com exceção de pá, picareta e escavadeira, tinham que aproveitar as mãos para cavar o solo, quais toupeiras.
Não pretendo considerar as crueldades ocorridas durante tais construções, mas levar-vos ao ponto principal. Quando as dez ci- dades foram concluídas, os dez soberanos se dirigiram a Hanoch, dizendo: “Grande e poderoso deus, cheio de força e sabedoria, teu povo cresceu sob a direção sábia de tua justiça insondável, esten- dendo-se a todo o país. Não pode mais ser supervisionado daqui do palácio e, caso não fosse fiscalizado, faria o que bem entendesse. Po- deria até mesmo chegar ao ponto de voltar ao antigo deus de Caim, que talvez o atendesse, e seríamos atacados e aniquilados.
Também não teríamos os serviçais indispensáveis para reco- lherem os produtos, e talvez tivessem o desplante de aproveitar aqui- lo que fora produzido apenas para ti, ó grande deus!”
A esta explicação, Hanoch se viu muito embaraçado, pois ignorava a que ponto o seu povo se havia multiplicado. Finalmente, esbravejou: “Por acaso não seria oportuno matá-los, reduzindo-os ao número inicial? Que me dizeis a respeito?”
Os conselheiros retrucaram: “Isto é inteiramente impossí- vel. Haveriam de nos estraçalhar tão logo matássemos apenas um e convém relembrares o receptáculo acima das estrelas, do qual Caim tanto nos falou. Qual seria o resultado, caso cometêssemos qualquer crueldade?”
Opinou Hanoch: “Neste caso, cada um de vós ocupará uma das dez cidades e regerá em meu nome, estabelecendo leis segundo compreensão e conhecimento de causa. Se um de vós afrouxar no justo zelo, será substituído pelo mais fiel. O primeiro a apresentar os frutos receberá o louvor da justiça e aceitarei o pouco como se fosse muito. Os demais terão que trazer grande quantidade, que conside- rarei como pouco, recebendo louvor ou repreensão justos. O último será entregue ao primeiro a fim de que se corrija no zelo e no rigor, pois a justiça é o único fundamento de um reino.
Eis minha vontade justa e severa, pois sou deus e sobera- no, e não tendes, nem podeis ter outro. Houve há tempos um deus
igualmente poderoso enquanto fora justo. Mas, desistiu da justiça e teria feito o bem tanto aos malfeitores quanto aos bons, em virtude de um amor semelhante ao nosso sentimento para com as mulheres bonitas, com o que se aniquilou, não mais existindo.
Estou em seu lugar, portanto de nada adiantará clamardes pelo antigo deus. Em todas as circunstâncias tereis que vos dirigir a mim, que disponho de todo poder e força! Amém.”
Tal medida era precisamente a água que os dez soberanos desejavam para os seus moinhos, pois ficavam autorizados a cometer os maiores desatinos e a trair o povo e seu tolo deus.
Estavam satisfeitos com a grande tolice de Hanoch que, mo- vido de temor e tribulações, transformara a vontade deles em lei e fi- nalmente começava a se convencer de sua própria divinização. Neste ponto enganaram-se redondamente, pois ele sabia não ser deus al- gum, sabedor que era de suas fraquezas e do seu esgotamento físico.
Querendo manter os outros em sua cegueira, continuando a ser deus em seu próprio benefício, conjecturava: Fácil é pregar-se aos cegos, pois não diferenciam o preto do branco e consideram a noite dia, e vice-versa! Todavia, também se enganava neste ponto, de sorte que entre eles havia uma verdadeira relação de tolices, pois um julgava o outro mais tolo.
Voltando aos seus aposentos, Kad disse: “Meus irmãos, so- mos filhos de Caim, que conheceram Adão e Eva, ambos nunca vistos por Hanoch. Caim foi um malfeitor como nenhum de nós foi nem será, e como ele se tivesse voltado para o Deus de Adão, recebeu o que Lhe pedira.
Que mais necessitamos? Fomos testemunhas de Suas gran- des Ações, portanto sabemos onde habita o Grande Poderoso. Faça- mos o que fez Caim e vos garanto que dentro em breve se demons- trará quem é propriamente o Senhor nas planícies. Convém que cada um de nós construa um altar de sacrifício para Lhe ofertar os frutos do país, e o poder há de se apresentar. Entrementes, poderá Hanoch, o tolo, esperar pelo tributo de sua majestade e imaginada santidade!”
Ergueu-se em seguida Kahrak, dizendo: “Irmãos, se assim é, ganhamos a causa. De minha parte concordo com Kad. Seríamos mais tolos que o próprio Hanoch se fôssemos alimentá-lo na sua tolice e contribuir para sua impudicícia, pois sabemos que nos dá, como graça especial, uma mulher que não mais lhe agrada. Será mais interessante escolhermos as belas para nós. As menos favore- cidas entregaremos aos nossos serviçais e as restantes serão posse de nossos súditos. Hanoch poderá, então, se tornar incestuoso com as próprias filhas. Por que não deveríamos fazer o mesmo que ele fez com nosso pai? Não reservou para si certos atos que Caim esqueceu de praticar sendo obrigado à fuga? Que nos impediria em pagar-lhe na mesma moeda a fuga de Caim? Segundo minha opinião, aliás mais vantajosa para todos, pergunto se não pretendem seguir-me junto do antigo Deus, tão sabiamente aceito por Kad.”
Todos concordaram com o disposto de Kahrak e Nohad prosseguiu: “Todos vós conheceis minha profissão, a qual exerci com fidelidade e zelo. Mas, se vos perguntar qual foi o meu lu- cro, haveis de responder: nada vezes nada. Cooperei na traição do grande traidor e me tornei um traído. Em virtude de suas fraudes fui obrigado a viver mal e a privar-me de distrações para, em vez de louvor e recompensa, receber as mais rudes reprimendas e ame- aças. Creio ter-vos dado razões de sobejo que justifiquem minha insatisfação e cabe a vós julgar se tive razão de atirar sobre a cabeça de Hanoch a minha revolta diante de tamanha injustiça. Sou, por- tanto, da mesma opinião de Kad e Kahrak. Assim, tomarei conta da minha cidade.”
Huid, por sua vez, disse com maior ímpeto: “Quem seria capaz de contar as gotas de sangue do povo fraco que passaram pe- las minhas mãos, segundo os veredictos de Nohad, o traidor, que é tanto quanto nós descendente de Caim. Não que o povo tivesse infringido uma lei, mas, apenas para distração de Hanoch. E quanto às construções, é-me inteiramente incompreensível como esses po- bres ainda estavam vivos após tanto tempo de martírio. Em todas as ocasiões ele nos lançava em rosto a fragilidade do dito receptáculo
acima das estrelas, esquecendo-se completamente do outro, debai- xo da terra.
Pergunto-vos se o povo não passaria melhor debaixo dos cacos do receptáculo do que sob constantes flagelações. Que teria ele feito para o receptáculo do amor debaixo da terra? Acredito que muito pouco, com exceção das inúmeras gotas de sangue de nos- sos irmãos.
Nós mesmos, como seus funcionários, tivemos que ser cru- éis a fim de evitar qualquer suspeita. Agora, as cidades estão cons- truídas, o povo está distribuído, o poder é nosso tanto quanto a nova compreensão do Deus antigo e o abençoado sacrifício. Que mais necessitamos? Se o povo obedecia quando era maltratado, cer- tamente não se tornará infiel se quisermos curar as feridas por meio de leis mais sábias e brandas. Sou tido como mau; mas desejava saber quem é pior: eu, Hanoch ou a serpente de Caim. Creio ser Hano- ch mestre de maldade, e a serpente terá deitado no coração dele sua ninhada infernal, do contrário seria impossível engendrar tantas crueldades para seus irmãos. Por isso julgo aconselhável submetê-lo ao nosso regime e o povo, pouco a pouco, lhe retribuirá tudo. Deste modo, poderá ele tomar nos ombros o tributo justo e levá-lo para onde quiser.”
Terminado esse discurso, levantou-se Hlad, dizendo: “To- dos vós sabeis como eu era obrigado à insensibilidade para personi- ficar a justiça severa, concordando de bom grado com toda a mal- dade. Conquanto não fosse o executor, era o fiscal incumbido de contar os golpes aplicados por Huid e seus carrascos. Naquele tempo eu tinha de parecer insensível. Agora serei o inverso. Serei contra Hanoch naquilo que parecia ser contra o povo; e aos irmãos darei a recompensa pelos sofrimentos aplicados por Hanoch.
Como concordo com todos vós, creio não ser injusto meu julgamento se ajo segundo meus sentimentos que, de há muito, fo- ram endurecidos. Quem tem sensibilidade para a dor e o martí- rio, tê-lo-á também para o bem. Vamos, portanto, reger pelo bem. Quem fizer o mal será tratado com indulgência, por ser nosso irmão;
ao obediente e benfeitor retribuiremos dez vezes sua ação. Feito isto, ofereceremos um sacrifício digno ao antigo Deus que certamente ficará satisfeito se Lhe devolvermos aquilo que Caim e Hanoch irri- soriamente perderam.”
Eis que se levantou Uvrak e disse: “Vossas opiniões são jus- tas, mas a de Hlad é a mais acertada. Concordo com ele, exceto numa coisa: devemos ser precavidos em tudo que empreendermos. Justiça, benefícios, julgamentos razoáveis, ordem, são coisas de gran- de valia para o povo como para nós. Acontece que os cidadãos livres estão cientes que somos soberanos e que Hanoch é um deus para eles e o próprio povo se fixou nessa utopia.
Se pusermos as mãos em Hanoch, teremos desafiado a to- dos. Se ele se puser em seu meio, explicando que lhe amarramos as mãos a fim de não poder impedir os maus tratos, o povo cairá sobre nós até nosso aniquilamento.
Por isso é preciso cautela e astúcia para que nosso empreen- dimento surta efeito. Opino, pois, o seguinte: Pagaremos o tributo a Hanoch durante três anos, trataremos bem o povo, esclareceremos os mais inteligentes acerca das traficâncias de Hanoch, enquanto mostraremos as características de Deus. Que tudo fora feito para salvá-los do pesado jugo e este era o momento de agir. Acredito que Deus não nos negará o poder se Lhe oferecermos um sacrifício. Considerai o meu discurso, irmãos e filhos de Caim.”
Todos se curvaram e disseram: “Assim será, para que as pa- lavras de todos sejam aplicadas contra Hanoch, maldito ultrajante de nosso pai e de nosso Deus poderoso.” Em seguida sentaram-se, com exceção de Farak que, de olhar atento, procurava descobrir se não havia algo de oculto em suas propostas. Seu intelecto positi- vou sua desconfiança. Por isto, disse: “Irmãos — se ainda mereceis esta classificação honrosa — acabo de ouvir vossos discursos, nos quais apresentastes vossos pensamentos, mas ocultastes vossa con- cupiscência. Cada um de vós pretendia mostrar a Hanoch que, por fidelidade a ele, organizara uma reunião dos soberanos, levando-os a um julgamento infame contra ele, para que soubesse em que mãos
havia colocado os dez governos. A esta explicação Hanoch haveria de conferir-lhe poder sobre os demais que, na sua crença, poderiam participar do destino de Caim.
Patifes! Perguntai-vos se foi a honestidade que vos fez pro- gredir, pois tudo que somos devemos à astúcia, fraude, lisonja e si- mulação. Não teria o povo sofrido bastante? E o que lhe teríamos feito de bom por nos ter alimentado? Não teriam aqueles homens o mesmo direito aos produtos da Terra? É-lhes vedado se alimentarem dos frutos maduros, mas somente dos estragados. Não satisfeitos com isso, pretendeis multiplicar sua infelicidade?
Querendo reger o povo, que não mereceis tratar de irmão, deixai toda maldade e astúcia, e conduzi-o diante da Face de Deus e sede verdadeiros irmãos de Hanoch por fidelidade, do contrário Deus não considerará vosso sacrifício. Auxiliará os fracos, fazendo-
-vos escravos das feras. Meditai sobre o discurso de Farak, o cruel.”
Terminado este discurso, os chefes quedaram silenciosos, sem poderem apresentar uma palavra de justificativa, e quase todos pensavam: Ele se antecipou junto ao antigo Deus, pois como pode- ria descobrir nossos intentos? Quem poderá persistir ao lado dele? Se fosse possível exterminá-lo! Mas, antes que erguêssemos nossa mão, a dele nos teria aniquilado. Aguardemos o decorrer das negociações.
Como ninguém se manifestasse, Farak adiantou-se, dizen- do: “Ninguém tem coragem de me responder? Onde ficaram vossa astúcia, fraude, precaução, lisonja, mistificação, mentiras, poder e vosso deus traído, Hanoch? Vosso pensamento não passou desperce- bido ao meu ouvido, mas, seja como for o decorrer de nosso gover- no, fareis o que for justo. E quem não seguir esta linha de conduta será desterrado como Caim, de quem dizeis ser vosso pai, que toda- via agia com justiça, razão por que foi obrigado a fugir, só Deus sabe para onde. Foi justo, com medo do julgamento, errando nas suas ações, pois nada fazia por amor, como determinou o antigo Deus.
No lugar da justiça colocastes astúcia, mentiras e inúme- ras patifarias e acreditais que o antigo Deus vos auxiliará em todas as vilezas se Lhe oferecerdes um sacrifício qualquer; enganai-vos
completamente. Ele tem Olhos muito penetrantes e conhece vossa natureza desde o início. Por isso, Ele não vos atenderá, mesmo se lhe oferecerdes o mundo inteiro como sacrifício e não purificardes, primeiro, vosso coração com o fogo de um amor ilimitado para com vossos irmãos, abstendo-vos da impudicícia, que não se coaduna com homens de duzentos anos.
Respondei-me abertamente, como também vos falei sem rodeios. Não anseio por domínio ou principado, como vós, mas unicamente pela fiel execução das obrigações e segundo o agrado de Deus, razão por que nunca cometi injustiça, nem violei moças e meninas como vós, tidos como cruéis. Eis minhas últimas palavras a fim de que saibais quem sou, o cruel, mas que nunca havereis de sentir-me como tal, a não ser neste momento, para impedir que tudo se perca para sempre no despertar da ira do Deus Eterno e Santo! Amém.”
RESOLUÇÃODOSDEZ SOBERANOS
Como ninguém se atrevesse a contestar a palavra de Farak, ergueu-se Molakim, dizendo: “Teu discurso nos atingiu em cheio; no entanto, foi bom o sentido de nossas palavras, com exceção da condenação de Hanoch. Foram apenas deturpadas por desejos ín- timos, que se evidenciaram em vista dos poderes conferidos. Se abolíssemos as exigências maldosas e quiséssemos nos tornar irmãos verdadeiros do povo, bem como do próprio Hanoch, porventura continuaríamos a ser patifes?”
Respondeu Farak: “O desejo representa a vida da vontade; se fôsseis exterminar todo e qualquer desejo, como haveríeis de agir como soberanos? Ninguém deve abolir os desejos, que são a fagulha do amor em Deus; apenas não devem tomar a direção errada.
Sua direção justa trata de conquistar Deus com o seu amor, e todas as suas ações, segundo o conhecimento da vontade suprema dentro de nós, que conservará o amor-próprio na humildade, em virtude do sentimento da nulidade e fraqueza incompreensível.
A falsa direção do desejo se transforma em egoísmo ou com- pleta cegueira e inibição da vontade, e as ações se dirigem às necessi- dades próprias, desconsiderando os seus irmãos. Os desejos errôneos aumentam, abafam a humildade e criam o orgulho, situação em que o homem procura aliviar o seu grande peso. Sendo cego e surdo, portanto não vê nem ouve o que o pudesse ajudar, ele se apossa de todos os recursos possíveis, acumulando novos pesos que sufocam a vida provinda de Deus, tornando-o irracional e alimento da morte. Este alimento se encontra na matéria telúrica, no fogo, na água, no ar e na terra, mãe da carne ou da morte. Onde existir carne, existirá a morte, razão por que todos nós haveremos de morrer.
Quem, pois, se mantiver no amor-próprio, estará no amor de seu físico, alimentando a morte que o prenderá em todas as suas fibras. Deste modo, tornar-se-á excremento da morte, adubando o campo onde fora lançado o fruto da perdição eterna.”
Eis que Molakim tomou da palavra, dizendo: “Todos vós co- nheceis o meu ofício, que não me fora conferido por Hanoch nem pelo povo, mas por vós, com exceção de Farak, isto é, fui obrigado a mentir para Hanoch e o povo; apenas para vós tive de mostrar a causa de meu conhecimento. A partir de agora atiro para longe as minhas mistificações e declaro: Se Deus descesse dos Céus, Suas Palavras não seriam mais sábias que as de Farak. De onde lhe vem tamanha sabedoria? Sou cego e surdo como vós, mas uma voz inte- rior me diz: Deus fala pela boca de Farak! Devemos atender esta Voz, caso queiramos viver; do contrário, as lágrimas de nossos irmãos se transformarão numa torrente, sufocando-nos em nossa depravação.”
Encorajado, Uvrahim se adiantou e disse: “Agradeçamos ao antigo Deus que, abrindo a boca de nosso irmão, evitou caíssemos em desgraça devido ao nosso desenfreado desejo de traição ao próxi- mo, merecendo por isto um julgamento das alturas.
Fui lisonjeador contumaz e fiz muita coisa pior que vós e o próprio Hanoch, com todo o seu poder. Não fosse eu, de há muito ele teria desistido de sua divinização, pois muitas vezes me disse se- cretamente que esta divindade lhe provocava terror, não o deixando
em paz dia e noite. Seguidamente havia amaldiçoado a ideia infeliz de Uvrak; todavia, dela não podia se libertar por causa do povo.
Abjuro a lisonja, convicto de que a sabedoria de Farak há de sarar a ferida de nosso irmão, assim como nos abriu os olhos para avistarmos o abismo no qual perderíamos a vida. Que Farak nos seja um guia fiel para a luz do Alto, do verdadeiro Deus, que Se nos tornou estranho como fora a Adão.
Com isto deponho meu reinado aos pés do amigo de Deus e serei feliz em considerar-me servo fiel do único homem neste país que recebeu a Graça de Deus.
Opino, pois: A cidade Farak deve ser uma cidade santa, onde buscaremos conselho seguro para nossa conduta. Seja ele nos- so soberano e guia, segundo a sua sabedoria provinda de Deus, e intermediário entre Hanoch, nós e o povo, pois queremos ser apenas servos que se alegram por servir a todos. Tenho dito, em nome de todos. Amém.”
O discurso de Uvrahim animou Thahirak e os demais que haviam pronunciado palavras de cobiça diante de Farak, de sorte que ele também se dirigiu à assembleia, dizendo: “Vossas palavras tocaram-me o fundo da alma e dispenso relatar as minhas cruelda- des e blasfêmias contra Deus, que considerava fraco porque não re- agia às nossas infâmias. Não mereço estar em vosso meio para pedir desculpas, tampouco externo qualquer pedido pessoal, seja de servo ou de soberano, mas que se cumpra a vossa vontade. Deste modo será extirpada a pedra fundamental de toda maldade, da fraca cons- trução de todo ultraje. Assim, talvez possa ser erigida uma constru- ção mais meritosa dentro da sabedoria de Farak, do Deus verdadeiro e poderoso. Espero apenas vossa piedade para poder levar mulher e filhos e seguir o caminho trilhado por Caim.”
Farak ergueu-se novamente e disse: “Thahirak, Deus e os es- píritos livres não podem desfazer o que foi feito; muito menos nós, humanos. Se existisse uma fagulha de sabedoria divina na criatura, ela certamente se pronunciaria da seguinte forma:
Este homem errou tremendamente em sua consciência mal- dosa, pois não dispunha da Graça do Alto e estava cego em seu amor-próprio, em prejuízo seu e de todos os atingidos. Um jato de luz da Misericórdia Divina fê-lo ver sua perversidade e crueldade. Apavorado e com remorso, renunciando a tudo que até então lhe trazia satisfação, que dirias a ele? Perdoá-lo-ias como se nunca tivesse pecado, satisfeito com sua transformação. Muito embora humano, julgaste certo. Quanto mais Deus, como Origem de toda a Verdade, haveria de concordar contigo, ciente do porquê de nossos erros.
Condenamos nossos irmãos segundo o número de seus pe- cados, haja ou não remorso. Deus não condena nem julga erros co- metidos e arrependidos, mas somente os não arrependidos. O que foi feito nunca desaparecerá, permanecendo na recordação de Deus, como mácula na linha de nossa vida. Esta linha não será julgada no início, nem no meio, mas no fim, pois ela cresce reta pelo amor e sua justiça, ou torta e envergada pela maldade e sua injustiça.
Assim sendo, a força da Sabedoria de Deus endireitou tua linha sinuosa. Não deves condenar-te, mas prolongar tua linha de vida, com retidão, para o verdadeiro Deus, com toda fidelidade e justiça, e vez por outra deves olhar para trás, para a linha retifica- da por Deus. Assim, ao descobrires um desvio, de pronto poderás evitá-lo com a Graça do Alto, que iluminará o destino de tua vida no Reino do Amor Eterno. Aceita o que te é oferecido por Hanoch e guarda essas minhas palavras. Vós outros, sede irmãos entre vós e conduzireis o povo segundo a Vontade de Deus todo Poderoso.”
Todos aceitaram de bom grado o conselho de Farak e diri- giram-se para suas cidades, executando as ordens dadas por ele. E o povo rejubilou-se com tal orientação.
Depois de convertido por Farak, Hanoch lhe disse: “Irmão, falaste e agiste bem, pois onde há uma criatura, pode-se aguardar amor e misericórdia do Alto. A morte finaliza tudo. Quero curar as feridas, ao teu lado, pois com tua compreensão foste capaz de evitar uma grande desgraça.”
Assim, este governo melhorado prosseguiu durante mais de quinhentos anos sob a direção dos filhos e netos de Hanoch, como: Jrad, o mais moço (o violento discípulo de Farak); governou cem anos; seu filho mais moço, Mahujel (o fatalista e profeta ou adivi- nho) também governou cem anos. Em seguida, seu filho mais moço, Methusael (entusiasta ou cultor da Natureza e suas forças) governou cento e dez anos; e, finalmente, Lamech, o filho deste, que quase Me esqueceu totalmente (inventor de castigos mortais, praticados sob seu regime) regeu durante duzentos anos.
Este merece maior estudo porque com ele terminou a sobera- nia, dando lugar à idolatria e cobiça e à maldita filosofia naturalista como maior obra da ilimitada maldade da serpente.
Aliás, Lamech não tinha direito de regência, porque somente o filho mais moço poderia assumir o governo e apenas em caso de morte ou acidente caberia tal direito ao primogênito e, por morte deste, o do meio teria tal privilégio.
Naquele tempo ainda era vivo Johred, filho mais velho de Methusael, e seu irmão mais moço Hail. Lamech, homem carrancu- do, orgulhoso e traiçoeiro que, em sua vaidade desmedida, defendia o ponto de vista de lhe assistir também direito de regência, revoltou-
-se com a antiga praxe. Rodeado de maus companheiros de ideias semelhantes, organizou um conselho por ocasião da posse de Hail, após a morte de Methusael, a fim de conseguir os meios para atingir o seu intento.
Um deles, que se chamava Tatahar, o sanguinário, deu-lhe o seguinte conselho: “Somos setenta e sete homens, fortes como car- valhos, destemidos como tigres, corajosos como leões e cruéis como hienas, e tu és nosso mestre. Cremos não te ser difícil pôr um ponto final à soberania de Johred, com uma clava na mão, naquele local
onde há dias caçamos tigres. Se uma hiena esfaimada tiver triturado os ossos dele, poderás acrescentar o jovem Hail como sobremesa. Sendo tu descendente direto de Caim, Hanoch, Jrad, Mahujel e fi- lho de Methusael, quem poderia discutir contigo acerca da regência? Age com rapidez, que estaremos a teu lado.”
Tal conselho muito agradou a Lamech que, no dia seguinte, encontrou oportunidade para sua execução, com ajuda da serpente. Sabedor de que Johred e Hail se achavam na mata, ele e seus capan- gas se ocultaram atrás das árvores. Quando os dois irmãos se apro- ximaram, Lamech atirou-se sobre eles, matando-os sem dificuldade.
Sofreram isto porque se orgulhavam de sua sabedoria, pois como filhos de soberanos esqueceram que a verdadeira sabedoria reside somente na maior humildade, e quando esta é posta de lado, a sabedoria também vilipendia.
Isto te sirva de advertência, Meu servo, caso pretendas so- brepujar teus irmãos por te ter dado o dom da sabedoria. Se te tor- nasses impudico, ladrão ou dissipador, tal dom, raro entre as criatu- ras, se tornaria fraco em ti. Se te orgulhasses com ele, Eu o tiraria, abandonando-te na floresta do engano e serias estraçalhado pelas dúvidas, restando-te apenas um nome sem valor. Recebeste-o na hu- mildade, e assim terás de conservá-lo e passá-lo a todos os irmãos.
LAMECHSETORNA REI
Após tamanho crime, Tatahar voltou satisfeito para Hanoch e ordenou que fosse levado ao conhecimento dos habitantes das dez cidades o que havia sucedido a Johred e Hail, provocando o terror entre todos. Os mais inteligentes, cerca de três mil, sem contar mu- lheres e crianças, se reuniram e se dirigiram à cidade de Hanoch, e o principal orador disse a Lamech: “Em que floresta se deu tamanha desgraça, pois queremos descobrir o local onde talvez ainda se en- contram vestígios que nos convençam da veracidade desta informa- ção. Também queremos procurar a fera sanguinária e exterminar sua espécie, vingando Johred e Hail.”
Retrucou Lamech: “Tomastes uma boa resolução. Eu, como vosso soberano legal, vos acompanharei e meu servo Tatahar, com seus camaradas bem armados, será nosso guia.”
Todos se levantaram e, acompanhados de Lamech, foram à floresta, onde encontraram o local ensanguentado e os restos dos trajes que piedosamente foram recolhidos. Isto feito, seguiram mato adentro, em grupos de cem e próximos uns dos outros, a fim de pro- curarem a hiena maldita. Enraivecidos, conjecturaram: “A fera cer- tamente se refugiou nas montanhas. Conquanto ninguém se atreva a pisá-las, nós violaremos esta lei. Vamos, pois!”
E Lamech respondeu: “Concordo convosco, mas ficarei aqui, à espreita de qualquer animal feroz que tenha fugido ao vosso ata- que.” Os três mil homens iniciaram a marcha montanha acima e mal se atreviam a olhar para trás devido à imensa altura. Durante três dias efetuaram a busca, sem êxito. Desanimados, arremessaram suas clavas contra uma rocha que lhes impedia o avanço e amaldi- çoaram as florestas como moradia de feras, pedindo explicações às árvores e praguejando contra o Sol, as estrelas e a Lua, que assistiram a tamanho ultraje.
O mais forte entre eles, chamado Meduhed, pronunciou então o seguinte discurso: “Que tolice é esta? Vossas clavas estão sendo partidas contra as rochas; se na volta encontrarmos uma fera, não teremos com que nos defender. Sabeis que não se pode lutar contra Deus, que facilmente pode transformar árvores em pedras, caso tivesse poucas feras para nos castigar pela desobediência de pi- sarmos as montanhas, não obstante a proibição de Caim, Hanoch e Farak. Talvez seres superiores habitem nessas alturas, contra os quais nossa ação seria inútil. Voltemos enquanto é dia, menos perigoso que a noite.”
Quando se aprontavam para voltar, Meduhed avistou um homem alto numa saliência da rocha. Este homem era Seth, filho de Adão e representante de Abel, de quem recebera a Minha Ordem de seguir para a Terra prometida, com Adão e Eva. Lá deveriam habitar as montanhas, longe do antigo Paraíso.
Como Seth não tivesse perdido a faculdade de falar o idioma de todas as criaturas, dirigiu-se a eles com as seguintes palavras:
“Filhos rudes, que esquecestes Deus! Qual teria sido o castigo justo de Deus que vos trouxe aqui para vossa perdição? Que procu- rais neste local proibido? Afastai-vos para o abismo predito, do qual não haveis de fugir antes que essa rocha vos dizime!”
Apavorado, Meduhed se atirou de joelhos, pedindo miseri- córdia. Inspirado por Mim, Seth se comoveu e disse: “Somente tu, Meduhed, poderás erguer o olhar para mim, porquanto impediste que teus irmãos cometessem grande maldade diante de Deus. Deve- rás saber quem é a dita hiena esfaimada: chama-se Lamech e perma- neceu na planície dirigindo o bando de Tatahar.
Ai de quem se atrever a pôr a mão naquele homem, pois terá se antecipado a Deus, destruindo o laço do Amor Divino e desatando o imensurável firmamento dos julgamentos da Divin- dade, que atirará grandes colunas de fogo sobre a Terra toda, para destruí-la. Ergue-te e volta com os teus. Não ligues para Hanoch, mas observa sempre a ti mesmo e a Deus, justo Salvador, dos que O consideram.”
Neste instante, Seth ficou iluminado. Os outros se assusta- ram de tal maneira que debandaram, saltando sobre pedras e rochas e atingindo a planície antes do pôr do Sol, e à meia-noite se encon- travam em suas casas.
EMIGRAÇÃO,COMORIENTAÇÃODE MEDUHED
Antes de se separarem, Meduhed se dirigiu a todos, dizendo: “Tenho algo de importante a vos dizer. Vistes e ouvistes aquele que nos advertiu sobre a conhecida hiena, prometendo vingança por se- tenta e sete vezes. Se o deixarmos viver, sofreremos o mesmo destino que os irmãos dele. Se nos vingarmos, receberemos castigo do Alto. De qualquer maneira, aguarda-nos a morte certa.
Esqueçamos tudo e deixemos este país, em direção ao Sul, onde encontraremos pequena cordilheira, fácil de transpor. Se che-
garmos ao fim do mundo, será melhor vivermos lá do que nesta intranquilidade!
Lembremo-nos das palavras daquele gigante e confiemos apenas em Deus, e talvez amanhã vejamos o Sol naquela cordilheira. Aprontai vossas famílias, animais e provimentos e dentro do menor prazo estaremos aqui reunidos para a partida.”
Dentro de duas horas todos estavam prontos e, após Me- duhed constatar a presença de todos, agradeceu a Deus e fugiu com dez mil homens, vinte mil mulheres e igual número de came- los e mulas.
Antes de surgir o Sol, já haviam alcançado a cordilheira dis- tante, o que não teria sido possível sem Minha Ajuda, pois distava trinta horas de marcha.
Enquanto a multidão descansava e se alimentava dos frutos transportados, Meduhed, acompanhado de dez companheiros, se distanciou, para se prosternar com amor diante de Deus. Em êxtase, descobriu muita coisa maldosa em seu coração, levando-o a chorar.
Percebendo sua sinceridade para Comigo, gravei as seguin- tes palavras em seu coração: “Meduhed, levanta-te diante de Minha grande Misericórdia. Foste salvo com todos que te seguiram, movi- dos pelo teu amor ao próximo. Todavia, não podes permanecer aqui, mas segue o curso desse pequeno rio durante setenta dias. Quando chegares às grandes águas farás um estágio de outros setenta dias. Em seguida, concentra-te como hoje, que te mostrarei os meios para caminhardes sobre as águas, para um grande país, onde estareis li- vres das perseguições de Lamech, o fratricida. Tereis que vos lembrar sempre de vosso Deus e que sois um povo do qual sou Pai, Santo e Amoroso.
Também fostes Meus filhos quando esta Terra surgiu como gota de orvalho de Meu Coração, e o Sol, como lágrima de Mise- ricórdia de Meu Olho Onipresente! Tratai de vos tornardes, pelo amor, aquilo que fostes em outros tempos, quando a Terra alimen- tava uma raça pervertida e aquele grande Sol ardia na Minha Graça. Segui em Meu Nome. Amém.”
Meduhed transmitiu Minhas Palavras aos companheiros e todos se sentiram profundamente comovidos. Incontinenti, se pu- seram em marcha e, após setenta dias, atingiram o grande mar — que chamais de Oceano Pacífico — que se apresenta amarelado nas margens e azul nas profundidades em virtude da mistura das cores do fundo, do sal amoníaco e dos raios solares que lá se quebram.
Convencidos de ser Eu bom Guia, todos se prosternaram e agradeceram, pois Meduhed lhes servia de exemplo nesta devoção. Sumamente felizes por sua salvação, ergueram-se e Meduhed subiu numa pequena elevação de sete toesas, pronunciando um longo e inspirado discurso, tornando-se justo pregador em Meu Nome.
Seu conteúdo foi o seguinte: “Irmãos, ouvi as palavras que vos transmito por Ordem de Deus e que são de suma importância. Deus, o Altíssimo, nos salvou milagrosamente das mãos assassinas de Lamech e nos conduziu até o fim do mundo, onde vedes o come- ço das águas. Certamente estaríeis felizes de viver neste país tão belo e hospitaleiro. Mas, Deus nos permitiu uma estada de apenas setenta dias, pois durante esse tempo um exército de Lamech, chefiado por Tatahar, há de nos descobrir. Aquele que caísse em suas mãos seria estraçalhado qual ovelha pelo tigre.
O Senhor mostrou-me um lugar onde encontraremos ins- trumentos semelhantes aos dos filhos que habitam nas montanhas, para reconhecermos que Ele é Pai de todos nós, se aceitarmos Seu Infinito Amor.
Devemos usar os instrumentos para o corte das árvores e preparar dez mil troncos da melhor espécie. Eles devem ser liga- dos por pregos, que também encontraremos entre as ferramentas. Quando esta base estiver pronta, três troncos devem ser coloca- dos nos lados, um por cima do outro. O interior deve ser vedado com piche e resina que as mulheres e as crianças poderão colher das árvores.
Temos que construir essas arcas à margem do mar e no úl- timo dia fixar em cada ponta um ramo verde, como prova da vitória obtida pela Graça do Alto. No dia da promessa saberemos o que nos
competirá fazer, pois o terror de Hanoch ainda prende nossa aten- ção. Não temos soberano, mas apenas Deus, Senhor de todo Poder e Força, Justo sobre todos, desde sempre. Devotamos submissão e obediência a Ele, e quem se rebelar não será punido pelos irmãos, pois Deus Mesmo o castigará com a retirada de Sua Graça.”
OCÂNTICODE MEDUHED
Quando Meduhed terminou seu discurso, todos se proster- naram diante de Deus, louvando-O sobremaneira. Em seguida ca- minharam, guiados pelo Espírito da Graça, para o interior daquele país, onde acharam dentro de uma gruta numerosos instrumentos: machados, picaretas, plainas, facas, serrotes, martelos, verrumas, formões e milhares de pregos.
Incontinenti tomaram os instrumentos e começaram a tra- balhar, cheios de gratidão, razão por que sua tarefa foi executada tão rapidamente que poderia ser considerada um milagre. Assim, conse- guiram construir duzentas e cinquenta arcas, em apenas quinze dias que foram atadas por cordas para evitar fossem carregadas pela maré crescente.
Sobrando-lhes ainda quinze dias de repouso, permiti que, por Meduhed, recebessem melhores conhecimentos de Mim, do sábado — no qual deveriam se abster de qualquer trabalho para se entregarem inteiramente a Mim — e todos deveriam atingir a sabedoria de Farak e Meduhed. Se Me amassem com humildade, Eu Me tornaria Pai bondoso e lhes tiraria a morte, pois seriam aceitos como filhos no Seio do Amor Divino até a época de todas as épocas, quando viriam para junto do Pai, saciando-se dos eflúvios imensu- ráveis do Seu Amor.
Sumamente felizes com esta promessa, rodeavam Meduhed, ansiosos por ouvir diariamente algo mais a Meu respeito, o que Me alegrava no Céu e a todos os anjos no Universo.
Por intermédio de Meduhed Eu lhes ensinava a gravar as palavras por meio de sinais ou quadros correspondentes ao senti-
do espiritual. Deste modo, dentro em pouco aprenderam a ler e a escrever.
Assim, criei um povo que até hoje permanece em suas ori- gens, do que falarei posteriormente. Em seguida, inspirei Meduhed a entoar um cântico de louvor, que foi gravado e lido para o povo, que exultou de alegria, somente abrandada por um milagre — uma chuva de Meu Amor, porquanto sua alegria era justa. Estavam felizes com o conhecimento de Meu Nome, do Meu Amor e mais ainda por ser Deus Magnânimo como Pai de Seus filhos. Esta bênção sur- preendente os impeliu para dentro de suas cabanas de barro, galhos e junco e não teriam terminado seu louvor, caso não lhes transmi- tisse um sono suave.
PARTIDADOS MEDUÍTAS
Decorridos os restantes cinquenta dias, todos foram convo- cados por Meduhed, inspirado por Mim, que lhes disse: “Organi- zai-vos em redor daquela colina para ouvirdes a Vontade revelada do Altíssimo. Deveis juntar as ferramentas e colocá-las em cima de palha, em cada arca, dividindo-as pelas embarcações. Em seguida, levai para lá os frutos colhidos durante trinta dias e colocai-os nos cantos, debaixo dos galhos de figueiras. Os camelos e mulas ficarão para provarem a Lamech que aqui estivemos, deixando para trás o irracional, salvando apenas o humano, portanto, divino. As ferra- mentas devem ser cobertas com galhos e peles de animais. Isto feito, voltai aqui para vos transmitir as demais instruções do Alto.”
Todos se curvaram perante Meduhed e, ligeiros, cumpriram as suas ordens e dentro de sete dias tudo estava organizado. Quando voltaram à colina, felizes e alegres com a tarefa concluída, ele lhes disse: “É da Vontade do Senhor que cada arca seja ocupada por cen- to e vinte pessoas — quarenta homens e oitenta mulheres. As crian- ças serão acomodadas em peles de animais. As mulheres sentarão nas cobertas e capas. Os homens devem ficar de pé, com o rosto voltado para a direção tomada pelas arcas em virtude do vento e convém ali-
mentar-se somente ao meio-dia. Nenhum deles deve dormir, sentar nem deitar, pois o Senhor os fortificará, mantendo-os alerta durante a permanência nas grandes águas. Mulheres e crianças não deverão se servir dos frutos, mas pedi-los humildemente aos pais e maridos, pois assim serão um povo segundo a Vontade de Deus, merecedor de Sua Graça e Amor.
E quando todos estivermos dentro das arcas, o mais velho de cada arca, a um sinal vindo do Céu, deve se preparar para cortar a corda que as mantém presas à margem, pois um forte vento as impelirá para alto-mar, à vista de Tatahar, que chegará precisamente quando estivermos longe da praia.
Veremos como atirarão pedras dentro d’água que não nos atingirão. A Mão Protetora de Deus nos conduzirá velozmente para um país enorme e longínquo, no meio de um grande mar, que se chama Ihipon(Japão)distante daqui trinta dias e trinta noites. Tal país será nosso enquanto durar o mundo. Descobri-lo-emos através de uma grande montanha ardendo em chamas de Amor Divino(Fujiyama).
Haverá apenas uma entrada por entre duas montanhas ele- vadas e ardentes. O lado marítimo está sempre cercado de imensas vagas. No interior haverá muitas montanhas, nas quais não existem tigres, hienas, lobos, ursos, leões e serpentes, pois se assemelham a uma muralha que atinge os Céus, dificilmente galgadas.
Há no interior grandes planícies cobertas de frutos deliciosos e povoadas de animais mansos e úteis que fornecerão leite para nosso alimento. A terra terá o sabor do mel, pois não contém areia nem pedras, podendo ser comida qual pão. Não existe em todo o planeta o que se lhe assemelhe, pois não é demasiado quente, nem frio.
As criaturas que lá viverem segundo a Vontade do Senhor não envelhecerão, e sua morte será um sono suave. Em seguida, virão seres invisíveis que despertarão tais criaturas para levá-las junto de Deus. Não haverá vestígio de pó que se agarrasse nos pés de um ressuscitado.
Mas, quem não fizer a Vontade de Deus, também morrerá, sem todavia ressuscitar. Os vermes comerão sua carne, cabelos, ossos
e pelo. Sua alma e seu espírito voltarão a ser base das cordilheiras por milênios, na consciência trevosa de sua miséria e completa nuli- dade, até que sejam assimilados por um animal qualquer, segundo a Vontade do Alto, passando de degrau a degrau pelo mundo animal, completamente mudo, para finalmente alcançar a dignidade homi- nal. Guardai-o bem, pois em tal caso tereis que morrer milhares de vezes para atingirdes a vida do Amor e da Graça de Deus.
Antes de atingirdes quarenta anos de idade não deveis to- car em vossas mulheres, assim mesmo somente para a procriação abençoada por Deus. Ninguém deve possuir mais de duas ou três mulheres. O que passar daí será considerado pecado, encurtando vossa vida e tornando-a penosa, enfraquecendo vosso amor a Deus, que vos tirará todo saber, que é acréscimo para os que cumprem Sua Vontade.
Também não deveis considerar algo posse vossa, mas posse de Deus, e quem afirmar: Essa haste é minha — será castigado com cegueira para que jamais possa colher frutos, e terá que aprender a viver do Amor de Deus e do próximo.
Os pecadores comerão erva e folhas secas, pois, pelo peca- do, se igualaram a animais. Enquanto não se remirem de seus erros, não se atreverão a comer outra coisa, se pretenderem conservar a vida. Isto diz respeito mormente aos impudicos e às jovens que se entregaram à volúpia. Seu físico será acometido de peste e serão des- terrados para as fronteiras do país, onde só nascem ervas e folhas. Além disto, o Senhor recomenda o amor ao próximo e que ninguém venha a ser juiz de seu irmão, pois o fraco deve procurar o mais forte para receber ajuda. O mais sábio deve servir a todos como devoto conselheiro.
Ouvistes a Vontade de Deus. Agradecei-Lhe de coração, dizendo: Senhor, todo Poderoso, fortalece nosso coração para que possamos nos tornar merecedores e louvar-Te pela imensa Graça de sermos igualmente Teus filhos. Tua Vontade Se faça. Amém.”
Terminada a pequena oração, todos subiram nas em- barcações e tudo ocorreu conforme Meduhed havia anunciado.
Os pobres meduítas eram perseguidos pelas hordas de Lamech, guiadas pela serpente, mas Eu impeli as embarcações, em grande velocidade, para as margens de um grande continente rodeado pelos mares.
Os lamechitas, porém, foram perseguidos pela crescente maré até as montanhas, onde foram estraçalhados pelas feras. Era de sete mil homens e sete mil mulheres o número dos perseguidores. Deles sobraram sete rapazes e sete moças, que voltaram a Hanoch. Relataram os acontecimentos e trouxeram os animais deixados pe- los meduítas, entregando-os a Lamech, a quem narraram a situação estranha, pois lhes parecia que um grande rei morava acima das es- trelas. As criaturas não deviam desafiá-Lo, mas adorá-Lo, pois até o mar, os ventos, os raios e todos os animais ferozes Lhe obedeciam. Além disso, teriam ouvido uma Voz, qual trovão, que teria se dirigi- do aos elementos.
Ao ouvir isto, Lamech se enraiveceu e resolveu vingar-se em Mim, pois a serpente havia dominado o seu coração. Voltando-se para os jovens, disse: “Exijo satisfação e reparação daquele Rei es- telar. Como sabeis onde Se encontra, transmiti-Lhe o que mando. Caso Se negue a obedecer, dizei-Lhe que O amaldiçoei e, ainda que seja poderoso, será por mim estraçalhado como foi o meu povo pe- los animais Dele. Com o Seu irrisório poder é apenas cordeiro fraco perto de mim, rei dos leões. Incendiai as matas, para que Suas feras sejam assadas e Ele ainda possa Se alimentar de sua carne e ossos. Caso não queira deixá-las queimar, poderá levar as águas para lá e afogar todo o Seu Poder.
Tudo que faz é por medo de mim, pois conhece o meu po- der e força, que muito trabalho Lhe dão e ainda O exterminarão, se não executar minha vontade.”
Os jovens se afastaram para pensar. “Se ele”, diziam, “é tão poderoso, por que não vai pessoalmente concretizar sua vontade? Todos nós sabemos até onde chega o poder de nossas mãos. Quem teria visto apenas um Dedo do Rei dos astros? Lamech é uma mosca perto de Tatahar e seus asseclas. Mas, onde estão? Somente nós nos
salvamos e vimos o imenso Poder e ouvimos o discurso do grande Rei, diante do qual a Terra toda estremeceu. É preferível louvá-Lo, ao invés de ameaçá-Lo. Talvez nos aceite, como fez a Meduhed, e Lamech poderá medir suas forças com Ele.”
Dito e feito. Executaram seu plano, tomaram camelos e mulas carregados de frutos e se dirigiram para as grandes águas — o Oceano Pacífico. O primeiro orador, então, disse: “Que faremos agora? Não sabemos para onde ir. Peçamos ao grande Rei que nos oriente sobre nosso destino, pois certamente foi por Seu intermédio que nos desvencilhamos das garras de Lamech. Por isto chamo por Ti, grande Rei, cujo Nome desconhecemos, para que nos transmitas a Tua Vontade ou nos aniquiles, pois é preferível sermos extermina- dos por Ti do que servir a Lamech.”
Mal terminou a prece, um vento começou a soprar das montanhas e uma imensa hiena, de aspecto furioso, em carreira desabalada, postou-se diante do pequeno grupo, como se quisesse escolher o melhor bocado. Apavorados, fizeram menção de se atirar ao mar, mas o orador protestava com voz forte: “Fiquemos onde estamos, protegidos pelo Poder do grande Rei, e não temamos esta pequena hiena, porquanto fugimos de uma muito mais perigosa.
Crede-me, Ele há de nos salvar. Confiante em Sua Proteção, irei meter minha cabeça dentro da boca do animal; se sofrer um aci- dente, fugi para dentro da água. Percebendo que nada me sucedeu, agradecei ao grande Rei por Se ter aproximado de nós.”
Cheio de fé, o orador executou o seu intento, saindo incó- lume da boca da hiena, e o pequeno grupo imediatamente se atirou ao solo para agradecer por este milagre. Depois de quase se extenua- rem em seus louvores, a própria hiena começou a falar: “Olhai para mim, descendentes de Caim e Hanoch, e vede minha figura cheia de fúria e ódio, destinada a zelar pelas montanhas e os filhos de Deus, a quem chamais de grande Rei. Dize-me se, como animal, jamais teria infringido a Vontade de Deus. Minha existência é pó e terra; meu tempo é curto, apenas alguns anos, dias e horas. Nada espero. Do Criador tenho a lucrar apenas aquilo que minha voracidade me
proporciona, e quem me tiver visto ultrapassar os limites prescritos por Deus, que me atire uma pedra.
Grande é vossa admiração pela minha obediência às Leis de Deus, pois uma fera vos demonstra o vosso completo esquecimento de Deus, ensinando-vos a Vontade Dele. Não existe animal tão feroz capaz de atacar outro de sua espécie para saciar sua fome. Vós, cria- turas destinadas à vida eterna, vos unis para matar o semelhante por mera tendência de domínio.
Onde está vossa glória? Sois quatorze criaturas e eu uma só; no entanto, vos assustastes com um animal infeliz que, inicialmente, se destinava a vos servir. Certificai-vos se na floresta uma fera procura dominar outra; caso se torne invejosa é imediatamente expulsa do grupo, e nunca um animal obrigou outro a fazer-se ladrão para ali- mentar o preguiçoso. Caso se tenha tornado fraco, um carrega alimen- to para o outro. Isto nos ensina a Vontade Divina em nosso íntimo, e não há um irracional que levante a cabeça sem a Vontade de Deus.
Onde, na Terra, existe algo mais cruel do que vós, criaturas? Serpentes, leões, tigres, são verdadeiros anjos perto de vós. Se tivés- semos capacidade de amar, como haveríamos de amar a Deus! Mes- mo assim, demonstramos nosso amor pela obediência a Ele, muito mais do que vós que esquecestes não somente o Seu Amor, mas Dele Mesmo que vos criou.
Inquiri pedras, ervas, águas de fontes, tudo enfim que vos rodeia, e tudo relatará das maravilhas de Seu Amor; somente vós, criaturas destinadas à eterna felicidade, pudestes esquecer inteira- mente o vosso Deus e Criador. Demônios O conhecem e fogem Dele; Satanás O conhece e O odeia, pois é Deus e Soberano de sua existência. Quem sois vós que, de demônios, vos tornastes criaturas livres, julgando-vos deuses só porque podeis vos matar uns aos ou- tros e erigir montões de pedras que chamais de cidades?
Em suma, antes de vos inteirardes de outra finalidade, de- veis privar do nosso convívio durante setenta dias para aprenderdes conosco humanidade e amor ao próximo, e por ele, a Deus. Só en- tão o Senhor vos mostrará um local de paz. Segui-me sem susto.
Quem tiver boa vontade nada sofrerá. O desobediente não merece ser estraçalhado pelos dentes de uma hiena, pois o espera o destino dos demônios, através do príncipe satânico, Lamech.”
Deste modo, o grupo de quatorze pessoas acompanhou a hiena à sua cova, onde aprendeu, pela natureza das feras, os mes- mos direitos da humanidade, obediência e conhecimento de Mim, esclarecendo-os acerca da diferença entre humanos e irracionais, e quão desprezíveis eram. Tudo isto por Minha especial Graça, que lhes demonstrou a Minha Vontade nos animais.
CHEGADADOSMEDUÍTASAO JAPÃO
Deixemos este pequeno grupo na escola dos irracionais, ali- mentando-se de bagos silvestres, ervas e raízes e nos dirigiremos ao Japão, onde aguardaremos os meduítas que, após trinta dias e trinta noites, com o auxílio de Meus ventos favoráveis lá chegavam, feli- zes, dando loas ao Meu Nome, precisamente na embocadura de um grande rio que os conduziu ao interior do país.
Emocionado com a beleza do mesmo, Meduhed se atirou ao solo rendendo-Me graças durante uma hora, e todos o observavam com respeito. Terminada sua prece, pela qual percebeu nitidamente a Minha Vontade, ele fez uma vistoria em todas as arcas e recomen- dou que não desembarcassem antes de agradecerem a Deus durante três horas. Caso o Senhor, por um sinal, abençoasse este país tão belo, ele saltaria primeiro por terra. Isto feito, os companheiros e seus familiares deveriam seguir seu exemplo. Mas, não deveriam deixar de adorar a Santidade divina e louvar Sua imensa Misericór- dia e Graça.
Cumprida essa ordem, olharam para o alto, por insinuação de Meduhed, e viram uma nuvem luminosa cobrir toda a região e uma chuva abundante dela se desprendeu durante uma hora. Em seguida, a nuvem abençoada se dividiu, surgindo um arco-íris e uma brisa suave transmitia a Meduhed ter Eu abençoado a terra e pode- riam desembarcar, como fora prometido.
Uma vez reunidos, Meduhed lhes disse: “É da Vontade do Senhor, nosso Deus e Pai, que nos amemos como irmãos, e cada um seja severo consigo mesmo e meigo e amoroso para com o próxi- mo. Jamais alguém deve querer sobrepujar o irmão, pois para Deus só vale um coração puro e humilde. E caso alguém receba a Graça que Ele me conferiu, deve estar pronto para servir a todos e a dar o melhor exemplo. Somente os menores são obrigados à obediência incondicional, em virtude de sua fraqueza inata e indispensável edu- cação. Mas, quando conhecerem a Vontade de Deus dentro de si, a obediência deve ceder ao amor e respeito aos pais. Deveis prestar ouvidos aos mais sábios a fim de vos informardes dos Desígnios de Deus. Precavei-vos, todavia, de render-lhe maior respeito, amor e veneração do que a um irmão menos sábio, porém de boa vontade.
Vosso respeito para com o sábio deve consistir apenas de amor a Deus e ao próximo e obediência aos desígnios divinos, atra- vés do coração humilde do semelhante. Que jamais uma inverdade ultrapasse vossos lábios, pois a mentira é a origem de todo mal. Lon- ge de vós esteja a alegria maldosa ante a penitência do pecador, pois o vosso amor deve ajudar o irmão em erro.
O país pertence a todos e o produto do solo deve ser ali- mento dos necessitados, e o forte deve colher para os fracos. Sede bondosos para com os animais que vos fornecem o leite saboroso.
Que cada um se submeta ao seu irmão, procurando ajudá-lo; nunca deve ser dada uma ordem, pois convém tratar-vos com amor a fim de vos tornardes filhos de Um Só Pai. Como o Senhor nos dá mais do que necessitamos, devemos ser moderados, alimentando-
-nos com sobriedade, para que sejamos saudáveis. Assim fala o Se- nhor: Abençoadas sejam moderação e medidas justas; amaldiçoado seja o excesso e condenados os caminhos tortuosos nos quais cam- peiam a impudicícia e a prostituição, que hão de encontrar a noite da perdição e da morte eterna! Por isto, colhei o supérfluo da bênção e construí celeiros de madeira e não de pedra, como fez Hanoch.
Guardai as ferramentas sob os celeiros. Ninguém é dono dos depósitos, pois todos trabalham em conjunto a fim de que não haja
miséria para vós e vossos descendentes. Perto das montanhas encon- trareis pedras lisas e duras para triturar os grãos. Juntando água à farinha, conseguireis fazer massa para o pão. Além disso, tais pedras devem ser usadas para anotardes o que acabo de vos transmitir pela Vontade do Senhor.
Ele Mesmo vos diz neste momento: ‘Enquanto vós e vossos descendentes viverdes dentro desta ordem, não haverá outro povo que se aproxime para perturbar vossa paz, e Eu Mesmo vos ensinarei muitas coisas boas e úteis. Se transgredirdes a Minha Ordem, esque- cendo vosso Deus, enviarei um povo que vos subjugará, fazendo-vos escravos. Um imperador destruirá vosso santuário, ordenando a ma- tança de muitos, enquanto outros serão atrelados ao arado, como animais. Apossar-se-ão de tudo, deixando-vos à míngua, enxotan- do-vos para a margem do rio.
Não mais recebereis frutos e pão para pagamento de vosso trabalho, mas distintivos, segundo o grau do serviço prestado, que vos garantirão um pouco de alimento. Se ainda assim não voltardes à Ordem, tereis que devolver ao imperador um quinto de vosso lucro, como imposto, o que provará que sereis obrigados a pedir trabalho e, por meio dele, pagar o tributo.
Em tal situação não haverá no país um pontinho que não seja anexado pelo imperador, que o dividirá entre os seus favoritos como arrendatário. Sereis escravos dos favoritos e palacianos, que decidirão sobre vida e morte, dando-vos ervas e raízes para alimento. Quem se apossar de um fruto apenas será castigado com a morte.
Além disto, o imperador tomará vossas mulheres e filhas bonitas para si e seus favoritos, e sereis obrigados a atirar vossos filhos no rio. Em compensação, tereis de alimentar os filhos dele, para que vos maltratem. Eu, porém, taparei os Meus Ouvidos até os fins dos tempos para não escutar vossas queixas, e vosso destino será pior que na época de Hanoch. Gravai isto nas pedras para vossa futura recordação.’
Esta é a Vontade de Deus, meus irmãos. Segui os conse- lhos recebidos, que podereis continuar como povo independente,
sem perda de vossos direitos. Finalmente, Ele também ordenou que prendêsseis as arcas umas às outras, fazendo uma ponte sobre o rio, para podermos penetrar o país e usá-lo com justiça. Ajoelhai-vos para agradecermos ao Senhor por esta imensa Graça e acompanhai-
-me, dizendo: Santo, Bondoso e Poderoso Deus, nós Te agradece- mos! Que a nossa voz atinja Teus Santos Ouvidos e que Teu Olhar penetre nossos corações humildes. Desconhecemos o quanto é vazia nossa alma, por isto queira nos agraciar com o Calor de Teu Amor. Se esquecermos a Tua Santa Vontade, não permitas sejamos punidos pelos homens, mas Tu Mesmo nos castigues segundo Tua Justiça e Meiguice, e transforma o nosso coração para nos tornarmos iguais aos Teus filhos. Amém.
Ide e cumpri tudo no devido tempo e convencei-vos como o Senhor é Verdadeiro e Fiel. E se tudo tiverdes feito sem O esque- cerdes antes e depois do trabalho, antes e depois de cada refeição, antes e depois de dormirdes, antes e depois do pôr do sol e, princi- palmente, antes e depois de vos unirdes à esposa, pedindo a bênção do Senhor, havereis de gerar filhos da vida e da luz; caso contrário, somente filhos da morte e da treva.
Viverei perto deste rio, naquela gruta acima da montanha, morando com os meus. Tanto a montanha quanto a gruta me foram dadas pelo Senhor, por amor a vós, a fim de me encontrardes, sem- pre que necessário.
Atingirei idade avançada e serei testemunha de vossas ações boas e más. De todos que aqui se encontram serei o último a vos seguir diante da Face do Senhor.
Vós, meus companheiros, que vos tornastes sábios e instru- ídos, distribuí o povo pelo país e ensinai-o no que precisar e na lua cheia voltai para receberdes conselhos e orientação. Amém.”
Terminado o sermão, Meduhed foi alvo de grande respei- to por parte do povo, que se ajoelhou para render honras e preces durante três dias. Com os seus instrumentos construíram a ponte e mais tarde espalharam-se em todas as direções louvando-Me sem- pre. Deste modo muitos se tornaram inspirados como Meduhed,
vivendo felizes durante mil e novecentos anos, quase até a época de Abraão e não foram aniquilados pelo dilúvio.
Posteriormente, começaram a esquecer-se de Mim, pois Eu os havia feito o povo mais instruído e rico da Terra, resultando daí a inclinação para a escultura e queda na mais densa idolatria e desenfreada impudicícia. Como Eu tivesse fechado os olhos duran- te seiscentos anos e não percebesse a menor tendência para o arre- pendimento, instiguei, conforme havia anunciado por Meduhed, o povo da atual Mongólia . Um anjo invisível o guiou para o Japão, construiu uma ponte de ilhas, partindo da atual China , da qual ainda hoje algumas dão testemunho, de sorte que os invasores lá chegaram a pé, como os israelitas ao atravessarem o Mar Vermelho. Nesta ocasião fiz surgir, através do fogo interno da Terra, várias ilhas para eventuais refúgios de alguns sábios, que lá passavam a viver, servindo-Me em silêncio, até que os chamei para o Meu lado.
Em tais grutas ainda se encontram pedras com inscrições, como prova de Meu Amor, mas que ninguém seria capaz de ler, por serem mais difíceis que os hieróglifos egípcios, que somente poderão ser lidos por um renascido ou por uma sonâmbula em ligação com o seu espírito despertado.
Deste modo, ainda se encontram na gruta — que naquela época se chamava de Gruta de Meduhed — o Cântico dos cânticos e alguns instrumentos. Todavia, é hoje inalcançável por encontrar-
-se numa montanha muito elevada, o que se deu devido ao fogo e posteriores terremotos.
Assim, esse país ainda se acha sob constituição imperial, se- mimongol, e semijaponesa. Quem tiver dúvidas, que viaje para lá e procure convencer-se. Mas, não lhe adiantará muito se não tiver alcançado o completo renascimento. E quem o tiver atingido, não somente vislumbrará a superfície da Terra como suas profundezas.
Tudo o que ora vos transmito é verdadeiro para os Meus filhos, pois não o faço para o mundo. Por isto, não devem medir o Meu Amor, Sabedoria, Palavras e Graça pelo conceito munda- no. Não quero brilhar diante dele, mas desejo ser amado por vós.
Possuo inúmeros sóis para brilhar perante o mundo. Se criticardes Minha Escritura com vossa sapiência mundana, qual será Minha atitude com vossa tolice? Aprendei Comigo, e somente depois de orientados por Mim, compreendereis onde estão as melhores regras, Comigo ou com o mundo. O mundo tem a palavra no sentido; Eu tenho o sentido na palavra, razão porque muito dissipa quem não recolhe Comigo.
Antes de prosseguir na Minha Criação, desejo transmi- tir-vos algo a respeito do Meu anjo, precisamente àqueles que em cada linha se escandalizam por conceitos gramaticais. Se não forem maldosos de coração, poderão corrigir as falhas de Meu escrivão. Quem se atrever a melhorar uma frase será por Mim olhado com desagrado. Não procureis a palavra no sentido, mas o sentido na palavra, se quiserdes chegar à Verdade. Ela se encontra no espírito e não o espírito na Verdade, pois ele é livre e precedeu qualquer regra, deixando fluir a Verdade de seu íntimo. Se alguém julgar que Eu não Me adapto ao mundo com estaveste, guarde-Me em casa. Melhor será acrescentar à Minha Escritura uma regra dedu- zida do que uma crítica mundana, pois é mais sublime dar do que receber. Amém.
UMAPRÉDICA ANIMAL
Voltemos agora à escola da hiena, onde procuraremos os qua- torze estudantes, para registrarmos o adiantamento nesse curto es- paço com relação à melhoria de sua alma. Prestai bem atenção para ouvirdes uma forte admoestação partindo da hiena, de um tigre, um leão, um lobo e um urso. Os homens são cheios de mentira e não há quem diga algo verdadeiro ao semelhante, pois a experiência vos demonstrou o quanto os intelectuais se acham no erro; pois todos os seus conceitos são substituídos por outros, às vezes, piores. Por- tanto, não é supérfluo ouvirdes palavras do âmbito da natureza sem dolo, gravando em vosso coração o quanto é verdadeiro, justo e fiel o vosso Santo Pai.
Quando chegou o tempo prescrito, a hiena se apresentou pe- rante o grupo assustado, a fim de despertar sua atenção através do medo, e disse, de boca escancarada e com Minha Permissão: “Levan- tai-vos da morte, pois assim o quer o Senhor e Deus Onipotente de todos os seres. O tempo passou veloz, dia e noite se revezaram sobre vossa fraca existência. Naquele tempo em que fostes guiados por mim até aqui, vistes a Lua brilhar em sua fase plena, iluminando as trilhas íngremes dos picos até chegarmos à grota habitada por mim e meus filhotes. Foi posta à vossa disposição para vosso conforto na frescura do solo. De novo a Lua se apresenta grande e cheia, e aquilo que ela vos ensinou neste curto espaço deveis futuramente copiar com fidelidade. Vossa luz mundana terá que diminuir como a luz lunar a fim de vos capacitar à aceitação de uma nova luz celeste, um verdadeiro amor sem egoísmo, sendo ele a Graça do grande Deus benevolente.
Assim como eu agora vos falo, qualquer objeto poderá se tornar capaz de falar pela Graça do Alto. Mas, se continuardes de corações endurecidos e dominadores, prosternai-vos perante nós re- lembrando-vos desse discurso e o quanto vos encontrais abaixo de nós, e a posição dos filhos de Deus acima de nós.
Qual seria o animal que procurasse dominar sua espécie? Porventura já vistes um irracional se apossar de algo, ou tirar algo de outro animal? Já nos vistes assassinar, mentir ou praticar impudi- cícias para satisfação de nossa volúpia? Quando teríeis visto come- termos uma ação que não se enquadrasse em nossa natureza? Não seria justo que os animais aprendessem de vós o uso de suas forças? No entanto, somos nós, feras, a vos ensinar meiguice e o sábio rigor da vida. Envergonhai-vos senhores do mundo, por ter um inseto que zune nos meus ouvidos maior sabedoria que vós e a cidade de Hanoch com as dez circunjacentes. Muito embora sua existência não dure mais que alguns dias e quase nenhum vestígio exista de sua ação, ele realizou muito mais do que vós desde os tempos de Caim com vossas fabulosas construções e os martírios aplicados aos seme- lhantes, pois o inseto cumpriu a Vontade de Deus e se alegrou com
sua existência. Vós conseguistes esquecer o vosso valor e sobretudo o valor infinito do Amor Santificado de Deus, Eterno e Santo.
Ó Santo e Poderoso Deus, por que não criaste apenas hienas, tigres, leões e lobos e ursos, que sempre cumprem a Tua Santa Von- tade? Nunca deverias ter cogitado de criar o ser humano, que não somente esqueceu Tua Vontade, mas até a Ti Mesmo.
Olhai, seres humanos de pele lisa e bela, a minha figura hir- suta e miserável; não parece ser ela envolta na noite da maldição di- vina, enquanto a vossa se encontra na mais elevada bênção do Amor Eterno? Como é possível que sob a coberta da morte se encontre gratidão ao Criador, enquanto que sob vossa pele abençoada só se vê escárnio, desprezo e esquecimento total do Criador?
Por isto vos tornastes excremento do inferno pela desobedi- ência, enquanto minha espécie, com toda submissão à Onipotência Divina, há muitos milênios antes de vós palmilhando os campos do planeta, jamais se afastou da Ordem Divina, embora sentisse o peso de sua selvageria.
Considerai bem as palavras de uma fera e elevai-vos à dig- nidade do nome de criaturas; tratai de alcançar o estado humano, considerando o quanto se acham acima de vós os filhos de Deus e que deveis vos tornar ao menos parecidos com eles. Terminei o meu discurso e podeis aguardar outro. Amém.”
Após ter a hiena terminado seu discurso, um enorme tigre saltou à frente do grupo amedrontado, fitou-o com rigor açoitando o solo com sua cauda, e de olhar fixo dirigiu-se ao orador e che- fe, dizendo: “Sihin, este será o teu nome, que significa seres filho do céu terrestre, um céu dos animais que possuem uma alma do fogo solar. Ela tornou-se oradora falando à vossa alma que vem de Deus e vos foi dada para grande vexame diante de mim e de todos os animais sanguinários das florestas, pois esqueceu-se do grande Doador, enquanto nossa alma nunca se atreveu a discordar de Sua Ordem. Também somos dotados dos cinco sentidos, temos memó- ria, desejo e sabemos diferenciar terra e água, fogo e ar, dia e noite, seco e molhado, alto e baixo, íngreme e plano, frio e quente; temos
visão muito aguçada diante da qual nenhum espírito maldoso se pode ocultar, pois depara com um juiz implacável, pronto a iniciar a primeira revelação, para beber seu sangue impuro a fim de que não venha poluir as montanhas santificadas.
Todos vós presenciastes o que sucedeu ao exército de Ta- tahar. Julgais que foram os jumentos e camelos que vos protegeram de nossa ira justa? Nada disso! Deus nos ordenou de vos poupar e não houve um entre nós que não obedecesse à Santa Vontade do Criador.
E vós, seres humanos, que não somente possuís os cinco sentidos, mas usufruís igualmente de uma alma imortal e, dentro dela, de um espírito divino, fostes capazes de esquecer Deus e des- considerar Sua Vontade e Seu Santíssimo Nome? Ó gênero miserá- vel deste planeta, o que pretendes ser, se Deus — o Santo, teu Cria- dor amoroso, pelo Qual surgiste — foi exterminado por ti? Ele, que, além disto, te supriu de liberdade perfeita a fim de atrair-te cada vez mais ao Seu Coração Paternal!
Vede a erva. Ela louva a Deus, pois O conhece em sua mu- dez, enquanto vós nada sabeis Dele em vossa plena liberdade. Olhai as montanhas, as pedras, a água, tudo que se apresenta aos vossos sentidos louva e honra a Deus, e todos os Céus estão cheios de Sua Imensa Graça, Glória e Honra! De que estais vós repletos, se fostes capazes de perdê-Lo das vistas e do coração?
Termino de falar, pois não é possível fitar-vos por mais tempo e controlar a minha ira justa. Apenas acrescento que deveis lembrar do que vos disse um tigre feroz, na mansidão de uma ove- lha, segundo a Vontade Divina, caso o Amor Eterno vos salve de nossas garras, macias em comparação com vossas mãos sanguinárias, a fim de vos destinar para importante povo desta Terra. Aprendei da Natureza, caso vosso coração tenha emudecido diante da Voz de Deus. Amém.”
Havendo o tigre terminado seu discurso, foi a vez do leão, que, subitamente, saltou por detrás do arvoredo, postou-se diante de Sihin e começou a falar: “Ouvi-me, cegos e surdos, pretensos di-
rigentes do orbe, reis e soberanos do mundo! Qual seria o primeiro dever de uma criatura livre, detentora das forças dadas por Deus, considerando o Amor do Onipotente? Não deveria descobrir a Von- tade do Criador para cumpri-La e assim conquistar a Graça perdida, tragada por vossa incrível desobediência?
Porventura assim agistes? Jamais conhecestes a Deus, e, se- gundo vossa opinião, não existe dever com relação àquilo que se des- conhece. Pergunto-vos como foi possível esquecerdes Aquele que Se faz lembrar dia e noite, e de cuja Majestade manifestam o Sol, a Lua e as estrelas? Sou um habitante forte e cruel desta zona inóspita e sou obrigado, por minha natureza miserável, a procurar alimento dos julgamentos de Deus sofrendo a pior fome. Confesso que se alguém me socorresse com apenas algumas gotas de água para saciar minha sede abrasadora, segui-lo-ia qual anjo da guarda e partilharia com ele o meu último bocado para morrer de amor por meu benfeitor.
Vós não somente martirizais e matais vossos irmãos que para vós trabalham, como sois ingratos para com Deus, amaldiço- ando as Suas Bênçãos, Sua Graça, transformando Seu imenso Amor em veneno de víboras.
Ó Lamech, quiseste incendiar as florestas para nos destruir porque éramos obedientes à Vontade Divina. Que faremos contigo, pois esqueceste a Deus e mataste teus irmãos, querendo atirar sobre nós a culpa deste crime! Não pensamos em vingança, conquanto conheçamos teus planos. Vós, ingratos, pretendeis vingar-vos nos inocentes. Aprendei de mim a serdes gratos e obedientes, e agi se- gundo os planos do Amor Divino. Amém.”
Neste instante, se aproxima de passos mansos um lobo vo- raz e se dirige ao grupo, dizendo: “Encontra-se diante de vossos co- rações amedrontados, um lobo temido, mas chamado pelo grande Amor Misericordioso do Santo Deus a fim de mostrar-vos Sua Von- tade, por vós esquecida em vosso amor-próprio, domínio e desprezo de tudo que vos pudesse recordar a Existência do Criador.
Por este motivo, o Amor Eterno designou justamente a nós, as feras mais desprezíveis, para vos ensinar a obediência, meiguice e
humildade, e mostrar-vos que através de nossas atitudes Ele permi- tiu que nossas línguas se dirigissem aos mortais.
20. A Vontade de Deus Se expressa da seguinte maneira: Sois todos iguais perante Deus, por isto ninguém deve supor alguma vantagem sobre o próximo. Não haverá força, beleza, juventude, idade, virtude, sabedoria a vos conferir quaisquer direitos, pois essas dádivas devem ser aplicadas no auxílio mútuo, para dar-vos opor- tunidade de praticar as virtudes divinas. Foi somente o puríssimo Amor que levou a Divindade a vos criar e, por vossa causa, uma infinidade de seres são destinados a vos servir.
Todavia, vossa cegueira e surdez impedem que percebais algo daquilo que vos beneficiaria, pois a sensualidade e o amor car- nal vos atiraram às trevas, às garras da morte. Mudai de índole, equi- librai vossos desejos, purificai-vos com amor e tornai-vos semelhan- tes na humildade, obediência e ordem na criação da prole. Desisti da impudicícia, procriai com a Bênção de Deus, tornando-vos pais verdadeiros no Amor e na Graça de Deus. Devem os filhos primeiro obedecer ao vosso sábio amor, onde encontrarão a Vontade Divi- na e Sua Graça. Só então descobrireis que não fomos nós, feras, e sim a Vontade de Deus a vos dirigir Suas Santas Palavras por nosso intermédio.
E se alcançardes o que vos foi ensinado pelo Amor do Cria- dor Eterno, descobrireis que não somente irracionais, mas toda cria- tura será capaz de vos falar, e a morte se apartará de vosso coração, e de olhos e ouvidos abertos percebereis os milagres divinos em toda sua clareza. Considerai o que um lobo acaba de vos dizer milagrosa- mente, percebendo, que para o Amor Eterno e a Santidade de Deus todas as coisas são possíveis, e assim descobrireis fenômenos ainda mais singulares pela Graça de Deus. Amém.”
Após ter finalizado seu discurso pleno de Minha Sabedoria, apresentou-se um grande urso diante do grupo contrito, fitando-o com inquietação, como a demonstrar que o ânimo dos presentes era igualmente tolhido e inquieto. Finalmente abriu a boca e, segundo Minha Vontade, começou a dizer com rigor e dignidade: “Quem é Deus, quem sois vós, e quem sou eu? Após ter Deus, o Eterno, Santo e Onipotente, criado este mundo visível com todos os sóis, planetas, luas, mares, montanhas, vales e planícies, através de Seu Verbo poderoso, cobrindo tudo com flora e fauna, e percebendo que tudo estava perfeito segundo Sua Santidade, o Seu Amor disse a Deus, no centro de Sua Santidade Infinita e Onipotente: Tudo está condignamente preparado. Façamos também o ser humano como semelhança perfeita do Meu Amor e Minha Graça a fim de que pos- samos ser louvados por seres individuais e deste modo, no futuro, todas as criaturas possam ser salvas, para atingirem de novo o estado livre de consciência de sua existência útil para Mim.
Assim aconteceu. Dentro em pouco se apresentou o homem livre e eterno em toda sua majestade, dotado de todas as infinitas perfeições, privilégios e capacidades. Deveria alcançar as perfeições infinitas da semelhança de sua origem santa, isto é, de Deus em Sua Esfera santificada.
Ele tinha o poder de falar com toda a criação e não havia sol, por mais afastado que fosse, que não ouvisse sua voz forte e inquiridora. Além disto, nenhum anjo se atreveria a negar resposta ao grande orador.
E Deus Mesmo, Visível ao filho amado, falava-lhe qual irmão, dizendo: ‘Olha-Me, Meu querido Adão, dou-te um mandamento leve e curto, não para experimentar-te, mas para fazer-te perfeita- mente livre e poderoso igual a Mim. Cumpre-o até Eu voltar junto de ti. Se fores fiel, permanecerei junto de ti e tudo será teu, Comigo.
Tudo terá que se submeter ao teu poder. Mas, lá adiante vês uma árvore com belos frutos, ainda não abençoada por Mim, por
motivo muito sábio. Não deves saborear o sumo doce da maçã, pois no dia que assim fizeres, antes de Minha Volta abençoada, pecarás, tornando-te fraco, cego, surdo e mortal. Meu amado Adão, con- sidera as Palavras de teu Criador Amoroso e não deturpes a maior Obra de Meu Amor e de Minha Sabedoria, que já alcançou tama- nho progresso.
Agora não mais depende de Mim e de Meu Poder, mas uni- camente de ti, em virtude do livre arbítrio tão dificilmente concedi- do. Podes manter tua vida ou aniquilá-la. Respeita este leve manda- mento e torna-te um segundo deus, por Mim e em Mim.’
Passaram-se apenas sete dias e o primeiro homem, tão livre e elevadamente criado, esqueceu Deus em virtude da apresentação de seu segundo eu tornando-se fraco, surdo e cego, pois desrespeitou o Mandamento cheio de Amor de um Criador Bondoso e Santo.
Com isto, o Eterno irou-Se e destruiu toda a Criação visível diante dos olhos do arrependido vilipendiador. Nada ficou poupa- do, nem uma pedra do tamanho de uma maçã, nem um animal que há milênios caminhava sobre as campinas ainda magras da Terra. Tudo encontrou sua destruição no infinito mar de fogo da ira da Divindade.
Para Deus nada mais era santo. Culpado ou inocente, não fazia diferença à grande Ira. Em todas as esferas infinitas ouvia-se Sua Voz terrível anunciando a eterna perdição a todos os seres. Os mun- dos estremeceram e se desintegraram nos seus alicerces e seus destro- ços despencaram com uivos e clamores diante da Face irada de Deus.
Todavia, ocorreu algo que jamais um anjo poderia compre- ender. Enquanto Ele, o Santo, tudo destruía com a Destra, em virtu- de do ultraje pelo pecado do grande réu, a Mão Esquerda protegeu o queixoso pecador. Bastou que uma pequena lágrima caísse no Olho cruelmente irado de Deus e toda Sua ira desapareceu, e uma nova Criação lhe sorria e todos os mundos se encheram de novo de inú- meros seres a serviço do homem desobediente.
Continuou agraciado após o pecado por quase trinta anos com todo o poder e força que tivera antes. No entanto, caiu em erro
de novo por ter se esquecido do amoroso Criador, no atordoamento de sua volúpia. O Criador então o expulsou do Paraíso, enquanto num outro ponto o deserto tinha que florir sob os pés do gran- de pecador.
O fratricida Caim foi contemplado com um país frutífero porque se arrependera do crime cometido, e foi salvo das garras de seu filho Hanoch, recebendo ainda o mar e todo o território daquele país. Assim também ocorreu com Meduhed e seu povo. E agora Seu infinito Amor Se evidencia convosco e Seu Coração não Se fecha diante de Lamech, o maior réu. Vede, criaturas indignas, o Amor infinito de Deus ainda vos envolve, não obstante vossos pecados. Ouvi Sua Voz transmitindo Sua Graça. Em direção ao meio-dia há um país a vós destinado. Enquanto termino meu discurso e vos prosternais diante de Seu Amor, Ele vos enviará um anjo que vos conduzirá até lá.
Considerai o Que seja Deus, o que sois vós e o que podeis ser através de Seu infinito Amor. Em vossa Graça recebida por Ele, refleti quem somos, irracionais desprezíveis, e envolvei todos os se- res com o Seu Amor, como Ele o faz, pois também nós, seres mu- dos, nos alegramos da vida. Permiti, portanto, pelo Amor Divino, que também nós consigamos obter uma nova luz da vida liberta de Deus, na qual todos devem viver.
Prosternai-vos diante de Deus, vosso Santo Pai, vertei lá- grimas de arrependimento do verdadeiro amor e deixai-vos guiar pela Mão do Onipotente ao dito país, onde sereis um povo confor- me orientação trazida pela Sua Santa Boca, por um irmão angeli- cal. Amém.”
Nem bem o urso terminara seu discurso, sumiu da vista de todos e em seu lugar se apresentou um anjo, Abel, de veste lumino- sa, que tinha se pronunciado através dos animais. É este o mesmo fe- nômeno quando qualquer ser físico se pronuncia, pois um anjo fala na alma do vidente ou profeta. Tais coisas são apenas compreendidas por eles mesmos, que também escrevem, o que é mais difícil, razão porque até mesmo os apóstolos preferiam a fala à escrita.
Quando os presentes, em número de quatorze, avistaram o anjo, ele começou a falar com meiguice: “Filhos de Caim, que ainda vive e viverá até o fim de todos os tempos, inatingível por todos os mortais até o final de toda maldade, quando o Onipotente fará anunciar grandes feitos por um pequeno vidente, mencionando vosso pai original: Acabastes de ouvir as maravilhosas palavras das bocas das feras que Deus amansou por mim, fazendo com que se pronunciassem para vós, mais pervertidos que todos os irracionais, através da imensa maldade da serpente de Hanoch, e agora por La- mech, terrível criador de abominação, diante do qual todo o Univer- so sente verdadeiro horror e em cujos ombros pousam julgamentos de peso universal preenchendo quase totalmente o receptáculo aci- ma das estrelas.
Como sois os mais jovens que se viram obrigados à unifi- cação ao exército de Tatahar, o Amor misericordioso de Deus apie- dou-Se de vós, fazendo com que percebêsseis o ultraje de Lamech em sua ira dominadora.
Em seguida, conduziu-vos milagrosamente por um trecho longo, velozmente, pois um homem comum levaria cento e vin- te dias para percorrê-lo. Salvou-vos das garras mortíferas das feras quando Tatahar encontrou seu julgamento final e demonstrou-vos a morte pela morte, e agora enviou-me, que já sou compenetrado da vida, para despertar-vos da morte e ensinar-vos a vida na humildade e na constante obediência à Santa Vontade de Deus e levar-vos a um país preparado pelo Amor eterno. Só depois de vos terdes manifes- tado pela humildade podereis reconhecer, através da Graça, o valor verdadeiro e santo da vida e, por ele, o Amor do Santo Criador e Pai de todos os anjos e homens, não só deste mundo, mas de inúmeros outros que jamais imaginastes. Este conhecimento é dado apenas aos filhos e anjos de Deus.
Ainda assim, virá uma época em que todos os mundos se curvarão diante deste, pois sua luz será maior que a de todos os Céus. A Santidade de Deus iluminará todos os povos de boa vontade. Se continuardes fiéis na humildade e obediência à Vontade Divina, essa
Luz também chegará até vós, vivificando-vos inteiramente. Mas, se porventura um se sobrepuser acima do outro, tal Luz claríssima sur- gida do Âmago de Deus chegará junto de vós como a luz do sol mais longínquo, na noite mais trevosa da Terra.
Os descendentes de Lamech atingirão com suas cabeças o firmamento por causa de seu orgulho, perfurando-o em sua obsti- nação cega e muda como vilipendiadores trevosos, precisamente na- quele ponto onde se encontra o grande receptáculo, bastante frágil devido ao acúmulo de crimes vários. O grande receptáculo cairá por terra, cheio de pecados e de terríveis julgamentos de Deus. Então se afogarão no lodo do ultraje todos os praticantes do mal, arrastan- do consigo inúmeros filhos de Deus que se deixaram prender pelas filhas da serpente. Procriarão filhos de ira e da maldição de Deus, chamados filhos do inferno e rebentos de dragões, e só se pouparão oito pessoas.
Antes que isto aconteça, o Senhor enviará, durante trezen- tos anos, doutrinadores e profetas que os advertirão de Seus Jul- gamentos, recomendando a penitência para o perdão dos pecados e total modificação de sua vida infernal e mostrando os traços da verdadeira Vida de Deus, de Seu infinito Amor e Graça e como até mesmo nas pequenas coisas se notam os Julgamentos divinos.
Então sucederá que a corja maldita se apossará dos dou- trinadores e dos profetas, matando alguns, enquanto outros serão envolvidos por serpentes que os atrairão ao charco da impudicícia onde se perderão e morrerão espiritualmente, tornando-se assassinos de sua própria prole.
Nesta altura Deus enviará o último doutrinador, um irmão que se chamará Noé — o único filho justo — de nome Mahal, permitindo que viaje pelas cidades pervertidas para externar suas profecias. Este filho passará por horrores, perverter-se-á e finalmente abandonará Deus, sucumbindo no lamaçal.
Só então se encherá o receptáculo do pecado e do julgamen- to, estourando com todas as maldições. Será atirado à Terra, que se incendiará em todos os pontos, partindo de seu centro, e somente
pelo pequeno número de justos o Amor misericordioso de Deus abrirá as comportas celestes. Ondas colossais se atirarão sobre os picos mais altos para amainarem o fogo do inferno e conservarem e purificarem os filhos e a própria Terra, para que produza um gênero melhor, segundo a Vontade de Deus.
Não sereis atingidos nem pelo fogo, nem pela água, se hu- mildemente respeitardes a Vontade de Deus que soa: Vosso primeiro pensamento seja dirigido a Deus, à Sua Vontade, Seu Amor e Sua Graça. E quando o dia se findar nos braços da noite estelar e o últi- mo raio do Sol se apagar docemente, deveis vos recolher com pensa- mentos luminosos de vosso espírito.
Não vos preocupeis com o alimento material. Todo país abençoado por Deus produzirá o necessário para os habitantes enquanto cumprirem a Vontade do Pai. As criaturas foram cria- das exclusivamente para conhecerem Deus e Sua Vontade Santa, cumprindo-a por palavras e ações, e louvando o Nome Santíssimo do Criador.
Se isto for por vós esquecido apenas por um dia, numa aná- lise aparente, o coração de quem se esqueceu de Deus será tocado por uma tristeza exortadora, emudecendo por sete dias. O solo produzi- rá frutos abundantes quando pisado pelo obediente, mas o produto de quem desobedeceu será nulo, porque a terra se tornará estéril, dando apenas poeira, pedras, cardos, abrolhos e bagos venenosos.
O Amor e a Sabedoria infinitos de Deus dão a cada um o que merece. Aos filhos obedientes dão pão, mel, leite e frutos do- ces, materiais e espirituais; aos desobedientes e orgulhosos filhos da serpente Deus dá pedras, cardos e abrolhos a fim de que pereçam e se salve ao menos o espírito atingido, podendo ser vivificado pelo infinito Amor Misericordioso do Santo Pai.
As mulheres devem cobrir seu físico, principalmente a ca- beça, para não despertarem a tentação nos homens, assim como a serpente seduz com seus olhos tentadores as aves inocentes. As mu- lheres são geralmente filhas da serpente e cheias de seu veneno. De- vem ser obedientes aos maridos na medida da Vontade de Deus. Se,
porém, eles algo vos exigirem contrário aos Mandamentos divinos, podeis descobrir vossa cabeça e lembrá-los dos deveres de Deus.
Os homens que desconsiderarem a Vontade de Deus per- derão a Voz de Deus e da natureza, recebendo uma lei externa que os transformará em escravos do pecado e do inferno, se não dobra- rem seu coração, purificando-o pela obediência humilde, pedindo a Deus, com temor e amor, que o abençoe de novo.
Agora cobri-vos com as vestes preparadas pelos filhos de Deus a fim de vos diferençardes como homens e mulheres. Longe de vós estejam o luxo e o orgulho. As vestes devem somente prote- ger-vos contra o frio. Ponde uma venda nos olhos para não terdes vertigens sobre os abismos que iremos atravessar guiados por Mim. Somente no local pré-fixado podereis usar a luz dos olhos para vos maravilhardes com a visão da pátria que o Imenso Amor do Pai vos reservou. Lá recebereis alimentos das mãos de dois filhos de Deus — um homem e uma mulher — para fortalecimento de vosso espírito. Que assim seja.”
Deste modo, Abel os conduziu durante sete dias e noites num trajeto que duraria trinta dias, sem repouso e alimento, pois como eram Meus hóspedes, Eu os alimentava espiritualmente, e o espírito nutria alma e corpo. Quando chegaram ao ponto determi- nado, os filhos de Deus, ou seja os filhos do Meu Amor, Ahujel e sua mulher Aza (Filho do Céu e Justo Desejo Silencioso), netos de Adão, os receberam, tirando-lhes a venda dos olhos. Os sete casais muito se admiraram diante dos filhos do Meu Amor, que mediam a justa medida do homem, quer dizer, o homem com seiscentas e ses- senta e seis polegadas e a mulher medindo sessenta e seis polegadas menos, enquanto os outros mal atingiam sessenta polegadas.
Uma vez refeitos de sua estupefação, o anjo lhes disse: “Eis o local do vosso destino, e esses filhos grandes devem por vós ser consi- derados como genitores dados por Deus. Eles sempre vos confirma- rão aquilo que Deus vos falar no coração, despertando-vos tão logo vosso espírito for acometido de sono e vos ensinarão coisas úteis, material e espiritualmente. O contato físico será apenas permitido
após a bênção de vossos genitores e, ainda assim, precavei-vos de qualquer abuso, sendo a castidade vosso lema. Jamais devem a dis- córdia, raiva, inveja, avareza e impudicícia vilipendiar vossa geração, mas a moderação em tudo e o amor a Deus sejam vossa ordem. Se assim agirdes, vossa vida será longa e a despedida da Terra será na Luz da Graça infinita do Pai Eterno, onde vos espera o prêmio me- recido no Seio do Criador, acima das estrelas e, finalmente, em Seu Amoroso Coração. O Amor de Deus vos abençoe, Sua Graça vos ilumine, santifique e conduza à vida. Amém.”
Deste modo fundou-se a China, que fora poupada do dilú- vio e até hoje se encontra em situação melhor que outros países, com exceção de algumas deturpações levadas para lá por outras criaturas. Que jamais um não renascido se atreva a pregar-lhes o Meu Evan- gelho. Amém.
ORIGEMDOPOVO CHINÊS
Antes de voltarmos para Hanoch, preciso esclarecer-vos acer- ca dos habitantes da China. Com relação ao tamanho dos filhos de Meu Amor, surgidos de Adão, estais enganados na suposição de ta- manho físico, pois seiscentas e sessenta e seis polegadas representam o número exato de Meu Amor na criatura, ou seja, seiscentas para Mim, sessenta para o próximo e seis para si mesmo. A medida da mulher corresponde à medida divina no homem. O amor ao pró- ximo e o amor-próprio da mulher se diferenciam por sessenta pole- gadas e compete a ela obedecer em tudo ao homem. Como extrato do amor-próprio do homem, ela só pode amar-se nele, caso o amor dele seja justo. Sendo ela a mais próxima dele, seu amor ao próximo se dirige a ele. Aliás, eram esses dois filhos de Adão, como todos eles, mais altos e fortes que os filhos enfraquecidos de Caim.
Como Sihin fosse o primeiro a dirigir sua alma para Mim, foi ele o mais obediente, guiando os demais neste sentido. Por este mo- tivo disse-lhes na presença de Aza: “Sihin, abençoo-te em Nome de nosso Deus, e o país deve receber o teu nome. Escolhe a irmã mais
bonita para esposa e gera filhos abençoados, iguais aos de Deus, chamando-os de ‘filhos do céu’ e ‘filhas da terra’. Quando os meus numerosos descendentes forem levados por Deus, os teus devem se tornar guias amorosos e sábios de teus irmãos.
Procura o amor, e a sabedoria te será dada; teu tronco não há de morrer até o fim dos tempos; pois o Senhor dará ao teu tronco grande linhagem a fim de que teu nome persista até o fim dos tempos.
Receberás umamulher. Mas, no futuro, devem os homens tomar várias para garantir a conservação de sua geração. Todavia, precavei-vos de qualquer impudicícia e procriação não abençoada. Se isto tudo for por vós respeitado, em mil anos vosso povo se terá multiplicado como erva na terra e estrelas no Céu.
Eu e meus poucos descendentes vos abençoaremos e guiare- mos durante quinhentos anos. Em seguida virá a tua vez até o fim. O tempo deve ser calculado pelo amadurecimento de um fruto que amadurece cinco vezes numa circunvolução da Terra em redor do Sol. E sempre que tiverdes descoberto algo novo, deveis olhar para dentro de vós, onde encontrareis uma visão pela qual deveis deno- miná-lo. Vossas ações devem ser expressas por linhas corresponden- tes e a execução por meio de pontos. Deste modo, assinalareis o que ireis no futuro aprender, ver e assistir por nosso intermédio, trans- mitindo o necessário à vossa prole até o fim dos tempos, para futuro testemunho da perversa geração. Amém.”
Mas, em virtude do livre arbítrio, também esse povo não continuou sempre o mesmo. Aproximadamente cento e vinte anos após o dilúvio, os descendentes de Sihin se haviam desenvolvido para importante povo que, devido a várias discórdias, se dividiu em partidos, com hábitos e cerimônias diversos. Uns diziam que somente os primogênitos seriam capacitados para guias. Outros contestavam, pois aconteciam primogenituras femininas; portanto, deveria a orientação ser entregue ao coração mais compreensivo. To- davia, também este ponto encontrou oposição entre o povo, pois houve quem dissesse: Tratando-se apenas do coração, por que não
deveria o de um irmão inferior ser hábil para tanto? Ainda outros rejeitaram tudo com a afirmação: Que continue tudo como fora no início até o fim dos tempos. Ao que outros retrucaram: Devemos sempre perguntar a Deus e jamais agir de modo próprio. — Se as- sim é, diziam alguns, cada um poderá agir sem necessitar de um ou vários guias. Opinavam outros: Deus não Se manifesta a todos para que as criaturas com isto não se tornem desnecessárias. A isto, outros responderam: Neste caso, deve cada vidente ensinar o que percebeu e deixar a orientação a Deus. Mas, diziam outros, quem nos garante que o vidente e doutrinador pronuncia sempre a Palavra de Deus?
Por este motivo foram criadas inúmeras seitas que dividiram o reino em vários ramos doutrinários até três mil e setecentos anos após a criação de Adão, quando surgiu o construtor da muralha, Tschi-Hoang-Ti, da linha Hehu-Tsin. Este começou a pregar com ênfase, profetizando que um grande povo, não muito distante de suas fronteiras, os havia descoberto. Caso todos não se unissem a fim de construir uma muralha ao redor do país, tal povo irromperia com violência sobre eles.
Ele mesmo havia recebido de Mim o poder de evitar tal inva- são até que a muralha fosse completada, poder que duraria somente dez anos, razão por que deveriam se apressar em realizar esta obra enorme e santificada, segundo Minha Vontade.
Todos começaram a trabalhar e após oito anos a muralha estava terminada e munida de torres nas quais sempre se achavam cem homens que deveriam manter a ronda. Isto não durou muito porque este falso profeta se havia traído por ter recolhido as escri- turas religiosas, mandando queimar aquilo que não se prestava para seu espírito de déspota.
Assim conseguiu ele, por meio da violência, unificar o grande império dominando-o durante sessenta anos. Seu filho, com o mesmo nome, tornou-se complacente e desleixado. Em compensação, o filho deste, o terceiro sucessor, pagou com a pró- pria vida o crime de ainda mais cruelmente perseguir os crentes durante uma rebelião.
-Hu-Pang juntou um exército de simpatizantes, dominando todos como chefe e no final se apresentou como imperador e filho do céu. Recolheu antigos escritos e fábulas, organizou a religião e os sacerdotes foram obrigados a velar sobre o santuário. Dividiu o povo em classes ou castas, com leis que ninguém podia desobedecer sob pena de morte.
Fundou ele o conhecido império celeste ou a grande di- nastia de Han, que se estendia além da muralha para Oeste. Assim existiu esse reino até o quarto século antes da Encarnação do Meu Verbo, quando de novo sofreu uma grande separação, perdendo grande parte da Tartária e da Mongólia. Dividiu-se em três reinos beligerantes, chamados Tschenkue e no quarto século após a Encar- nação do Meu Verbo este tronco se extinguiu. Sob o mesmo feitio popular e sacerdotal, este reino caiu sob o domínio de soberanos mongóis e tártaros, que se localizaram na região do Lago Baikal, onde se encontram até hoje.
Eis a breve história da China. Quem possuir fé fraca, pode- rá fazer uma viagem para se convencer da veracidade. Mas o resulta- do seria o mesmo caso viajasse para o Japão. A um cego não adianta o uso de uma lamparina em dia claro. Ao vidente basta a luz do sol.
Como os quatorze filhos foram bem orientados, voltaremos por algum tempo a Hanoch, para observarmos as loucuras de Lame- ch. Uma vez chegados à época de Noé, faremos uma pequena visita a Adão, e em seguida abriremos as comportas dos céus.
AFAMÍLIADE LAMECH
É fácil de se imaginar que por tais emigrações a cidade de Hanoch, bem como as demais cidades, perderam muito de sua po- pulação e, além disto, Lamech havia perdido seus fiéis e seu poder. Em virtude disto, foi ele obrigado a usar meios mais suaves de go- verno, ao menos por trinta anos, para que o povo se tornasse nova- mente submisso e disposto a trabalhar para o conforto de Lamech.
Músico e inventor de instrumentos musicais, possuía ele duas mulheres, Ada e Zillá, tendo a primeira dois filhos, Jabal e Jubal. Zillá tinha um filho, Tubalkain, e uma filha, Noêmia. Com a Minha Permissão, este se tornou mestre no preparo de metais, e No- êmia domadora de feras, contribuindo desta forma para penetração nas minas. Ela era sumamente bela e possuía uma alma humilde, mas corajosa, e seus olhos eram dotados de grande força, a ponto de poderem derreter pedras e dentes de animais ferozes.
Eis a família de Lamech que contava ainda alguns servos, ca- mareiras e concubinas sem importância, ao todo umas trinta pessoas obrigadas a trabalharem com afinco para seu sustento e vestuário. Passados os trinta anos, o povo começou a imigrar para Hanoch para adquirir apetrechos de metal por meio de troca. Também apa- reciam pessoas das dez cidades circunjacentes para se deleitarem com a música de Jubal e a rara beleza de Noêmia, que atraía muitos, pois era considerado infeliz quem não a conhecesse.
Noêmia tornou-se esposa de seu irmão, com o qual teve sete filhos, desajeitados, rudes e imbecis. O motivo disto foi o excesso sexual que ela fora obrigada a tolerar pela vontade de seu pai, que visava novamente o domínio, pois por este meio muitos homens se tornaram submissos a Lamech. Noêmia ficou sendo objeto de admiração até seus oitenta anos e durante esse tempo o povo havia crescido e se tornado obediente a Lamech. Percebendo o seu poder, ele voltou a ser severo e duro, instituindo inclusive a pena de morte para os reincidentes.
Nesta altura, os filhos de Adão enviaram um bom mensageiro com a Minha Ordem, para as planícies de Hanoch, a fim de difun- dir o Meu Nome na corte de Lamech, que o recebeu com atenção. Tal mensageiro era neto de Adão e se chamava Hored (o temível), sábio e solteiro. Após ter aceito a orientação, Lamech cumulou Ho- red de grandes honras, reuniu todas as moças da corte e lhe propôs a escolha da mais bonita. Eis que Hored se inclinou para a mulher de Tubalkain, contra a Minha Vontade, e ela teve que obedecer ce- gamente às ordens de Lamech.
Tubalkain, acostumado à infidelidade, não se alterou com a situação, tanto mais quanto Hored lhe garantira que as feras nada lhe fariam devido às armas e armaduras que ele aprenderia a usar com o auxílio dos ajudantes que Hored lhe daria. Tubalkain se deu por satisfeito e Hored voltou para as montanhas com sua esposa.
Quanto à chegada dos ajudantes, tratava-se de mera promes- sa, pois Hored não voltou para junto dos seus, escolhendo um lugar isolado para não ser invejado por quem quer que fosse.
Em virtude de tais trapaças, Tubalkain se viu obrigado a per- suadir seu irmão Jabal a construir cabanas nas raízes das monta- nhas e habitá-las como vigia. Deste modo surgiu uma verdadeira fábrica de metais, cujos produtos variados eram muito procurados. Os filhos de outros habitantes eram entregues a Tubalkain como aprendizes, e assim cresceu em breve tempo um povo que inspirava temor a Lamech.
Atemorizado, ele pensou: Que devo fazer? O crime prati- cado em meus irmãos pesa em minha alma. Meu segundo genro ordenou-me a confessá-lo perante o povo. Se assim agir, não estarei seguro de minha vida. Não o fazendo, terei Deus e Seus filhos nas montanhas contra mim, que poderão destruir-me.
Eis que uma forte voz ecoou em seu peito, dizendo: Relata a tuas mulheres o crime praticado em Johred e Hail. Quem se vingar em Caim será castigado sete vezes; em Lamech, porém, setenta e sete vezes!
Satisfeito com tal orientação, Lamech obedeceu. Mas, quando as mulheres souberam o que ele havia feito, se apavoraram e se tornaram mudas. Passado algum tempo, elas o abandonaram secretamente, dirigindo-se para as cabanas de seus filhos. Antes de lá chegarem, foram abordadas por dois habitantes das montanhas, conseguiram falar de novo e foram aceitas nos cumes dos montes.
Lá se informaram a respeito de Noêmia. Os guias lhes con- taram que Hored havia sumido por infidelidade e inveja, e eles não podiam revelar o seu esconderijo. Caso elas quisessem aceitá-los, eles as esposariam, pois Ada contava cento e dez anos e Zillá apenas cem.
Eram belas e podiam ser comparadas a jovens de vinte e quatro anos da época atual.
Ambas se deixaram abençoar e seguiram com seus maridos para junto de Adão, que contava novecentos e vinte anos. Quando ele os viu, disse: “Meus netos, conheço todos os meus descendentes que se encontram em minha bênção, após a de Abel, pelo Amor eterno. Mas desconheço essas duas moças. De onde vêm?” Eles res- ponderam: “São mulheres difamadas por Lamech.” Retrucou Adão: “Que é isto? Conheço o filho Matusalém, com cento e vinte e seis anos, que jamais conheceu mulher. Amaldiçoada seja a mentira e a boca que a proferiu. Falai, quem são elas?”
“Não te enraiveças, Pai Adão, pois também de Caim surgiu um Lamech na planície amaldiçoada. Ele assassinou dois irmãos. Essas moças continuaram devotas na própria maldição; por isto, o Senhor nos enviou a salvar o que estava perdido. Se assim agimos, abençoa o que foi salvo por Ele.”
Disse Adão: “Já é abençoado quem foi salvo pelo Senhor; ide em paz e conservai os tesouros do Amor eterno e a Misericór- dia. Amém.”
MOTIVODAQUEDADOSFILHOSDO ALTO
Deste modo, os dois seguiram com as esposas e conservaram tão fortemente esse tesouro no coração que para Mim sobrou ape- nas um pequenino espaço, o que não podia estar dentro de Minha Ordem. Seus corações obscureceram-se aos poucos, pois a sensuali- dade aumentava constantemente. Seus filhos também nutriam essa fraqueza e assim pouca diferença havia entre eles e os hanochitas.
Quando os filhos de Adão notaram a beleza das duas mo- ças, indagaram de sua procedência e os guias responderam: “São das planícies de Hanoch, onde se encontram ainda milhares originárias do sangue de Caim. Ide divulgar o Nome do Senhor, que recebe- reis o mesmo prêmio que Hored e nós, e este prêmio se prende ao nosso coração.” Perguntaram: “Onde se encontra Hored?” — e eles
responderam: “Irmãos, nosso amor nos cegou com sua doçura, por isto ignoramos o paradeiro dele. Todavia, presumimos que tenha encetado o caminho de Ahujel e Aza, e sabeis que lá não se che- ga antes que o Sol tenha aparecido e sumido oitenta vezes. Pouca importância tem invejarmos sua felicidade, pois tudo depende de fazermos a Vontade de Jehovah, cujo Santo Nome deveis propalar em Hanoch.”
Eram sete os que ouviram esse conselho e que prontamente se dirigiram para aquela cidade. Antes que lá cheguem, voltaremos o olhar para as planícies a fim de recebê-los, pois agiriam como não chamados em Meu Nome, por interesses materiais.
Lamech não tinha quem o confortasse. A música fazia estre- mecer a sua consciência, pois ouvia nas suaves vibrações os últimos suspiros de seus irmãos assassinados e o som da flauta lhe cortava o coração. Assim, chegou a amaldiçoar Jubal, que lhe impunha a mor- te constante da alma. Por este motivo, Jubal teve que deixar a corte.
Até mesmo suas concubinas mais formosas não conseguiam proporcionar-lhe prazer e elas choravam e rasgavam suas vestes. Quando Lamech viu tal desespero, disse-lhes: “Ada e Zillá não exis- tem mais; que devo fazer convosco? Ide para o campo e trabalhai para não perecerdes em Hanoch, pois não preciso de ninguém além de mim mesmo. Se ainda fosse dono de meu poder, Sol, Lua e es- trelas teriam que se curvar diante de mim. Tornei-me fraco desde Tatahar e não consigo restabelecer meu poderio, mesmo por várias execuções justificadas pelas minhas leis. Quero ficar sozinho com meus poucos servos e conselheiros, limitando meu governo à minha cidade. Fora isto, todos estarão livres e quem se aproximar de minha corte será punido com a morte.”
As trinta moças, entre vinte e quarenta anos e de rara beleza, se afastaram para discutir seu destino. Então, foram subitamente rodeadas por sete homens, altos e fortes, que lhes diziam: “Nada temais. Viemos das montanhas e desejamos vos salvar, caso vos prontificardes a receber nossa bênção em Nome de Jehovah e des- tarte passareis a ser nossas esposas. Depois, deveis seguir-nos para as
montanhas, para onde Noêmia seguiu Hored, e nas mãos protetoras de Aholin e Joliel, dois irmãos que receberam Ada e Zillá, ex-esposas de Lamech.”
As moças retrucaram: “Somos trinta, e vós, sete. Que farão as restantes vinte e três, se cada um de vós só pode receber uma esposa?” Disseram eles: “Ainda que no início só foram criados uma mulher e um homem, os filhos de Deus têm permissão de tomar várias companheiras em virtude da procriação.”
Satisfeitas, as moças seguiram aqueles jovens. Mas, quando chegaram aos cumes das montanhas, não sabiam como dividir os tesouros do amor, razão porque Me pediram conselho. Eis que sur- giu Seth e lhes disse: “Não convém tentardes Deus, de coração falso, perguntando-Lhe como deveis dividir uma presa indevida. Procurai Adão, confessai vosso delito e em seguida dividi as moças entre vos- sos irmãos, após Adão as ter abençoado a fim de vos apresentardes justificados perante Deus. Sabeis ser Ele Santo, e Seu país não deve ser ultrajado pela desobediência e a volúpia de vosso fútil coração.”
Com esta admoestação, o grupo acompanhou Seth até a mo- rada de Adão, encontrando-o em oração ao lado de Eva, Enos, filho de Seth, e Henoch, o devoto filho de Jared. Imediatamente Seth re- latou a Adão o ocorrido e pediu-lhe piedade para o sangue de Caim, restabelecendo a ordem, perturbada pelos sete jovens.
Disse Adão: “Meu caro filho Abel-Seth, és realmente uma cópia fiel do devoto Abel, pleno de amor. Ele abençoou o assassino, por amor, e tu procuras a bênção para o sangue de meu inimigo. Sê mil vezes abençoado e abençoa o sangue ultrajado, distribuindo o sangue entre os filhos. Sendo do Agrado do Senhor, deve cada um tomar uma moça para si, abandonando o país de Jehovah. Seguirá após o pôr do sol, durante trinta dias, tomando morada nos vales e não deve voltar aqui antes que o Sol tenha concluído sua trajetó- ria por cem vezes. Sabes, pela Graça de Jehovah, o quanto é santo este local. Age em Nome de Jehovah e em meu nome, que é santo, pois que o recebi de Sua Própria Boca, como filho incriado, pelas Mãos Dele.”
Eva chorou quando viu a satisfação de Adão e disse: “Como sou feliz com tua felicidade! Mas, quando olho para mim, me en- tristeço em virtude de minha grande culpa e do mal que dela sur- giu. Como não será a situação dos descendentes de Caim!” Adão a consolou, dizendo: “Querida, que és o meu segundo eu, tua tristeza é sempre justa e agradável a Deus. Acalma-te e considera que nada podemos realizar sem Ele, mas com Ele faremos tudo. Ele é Pode- roso, Sábio e cheio de Amor e há de encontrar os justos meios para endireitar o que entortamos.”
Eva agradeceu a Adão e ele a abençoou pela última vez em Meu Nome e viveu ainda dez anos; ela, durante trinta anos. Seth agiu conforme Adão havia mandado. Mas os sete jovens começa- ram a se lastimar porque deveriam se afastar dali. Penalizado, Seth pediu-Me orientação, pois as lágrimas daqueles filhos faziam arder o seu coração. Henoch, então, ergueu os olhos para o Céu e Eu fiz com que dissesse: “Dirigi o Meu Ouvido para a Terra e ouvi as palavras de amor de Seth. Por isto, devem os sete jovens entregar as trinta moças a seus irmãos solteiros, que, todavia, devem manter a castidade durante dez anos. Nestas condições, poderão permanecer ali. Caso contrário, devem fugir de Mim, conforme Adão havia pre- dito. Amém.”
Os sete jovens se alegraram e louvaram a Deus por tama- nha Graça, entregando as moças, acompanhadas de Seth, Henoch e Enos, aos irmãos. Estupefatos, estes se recusaram a aceitá-las. Como Eu percebesse a boa vontade dos outros, disse através de Henoch: “Percebi nos jovens um coração desinteressado que se alegrava em dar alegria aos irmãos. Ficais, pois, com as moças abençoadas. Os dois mais velhos receberão cinco cada um, e quatro moças serão entregues a cada um dos demais. Mas a castidade deve ser mantida. Amém.”
Seth, Enos e Henoch os abençoaram e em seguida relataram o fato a Adão.
Adão muito se alegrou por ter Meu Amor se dirigido até mesmo para as profundezas da maldição, onde se encontrava a cova das serpentes, de sorte que proferiu o seguinte célebre discurso, que se conservou até o dilúvio, passando de boca em boca: “Ó meus fi- lhos, fitai as extensas plagas até onde vossos olhos possam atingir, to- das elas semeadas com meus filhos abençoados. Vede as profundezas e para além do meio-dia a grande montanha sempre ardente. Vede a Terra toda e vede a mim, o primeiro homem, quer dizer, o primeiro que precedeu todas as criaturas em espírito e era mais luminoso que o Sol e pretendia ser maior que Deus! Deus demonstrou o Poder de Sua Santidade e eu fui condenado e atirado nas profundezas in- finitas do mar da Ira divina. Eternidades e eternidades se passaram; no entanto, não houve no Universo um pontinho onde eu pudesse encontrar qualquer pouso.
Enquanto ia de queda em queda, eternamente, comecei a perceber a Imensidade e o Infinito Poder de Deus evidenciando mi- nha fútil intenção. No entanto, pensei: ‘De que me adianta essa compreensão? Estou por demais afastado de Deus, que jamais po- derá saber algo de mim, pois neste vácuo infindo só reina o eterno esquecimento do Senhor. Caí de ira em ira, onde chamas de fogo batiam na minha fronte, constantemente, queimando igualmente as minhas entranhas. Agora me encontro debaixo de torrentes de ira e pergunto: Onde está o Deus irado, e onde estou eu? Defronto apenas com treva muda e infinita!’
Neste momento percebi que uma entidade semelhante a mim se aproximava das alturas na velocidade de um raio, e, agarran- do com violência a minha mão, disse com meiguice: ‘Lúcifer, pobre espírito caído, tu me conheces?’
Respondi: ‘Como poderia conhecer-te neste vácuo trevoso e sem seres? Se puderes destruir-me, igualando-me àquilo que nunca existiu, nem nunca existirá, agradecer-te-ei antecipadamente, a fim de que não voltes a tuas alturas sem gratidão de minha parte.’
A entidade disse: ‘Não te quero destruir, mas conservar-te e reconduzir-te por caminhos desconhecidos, de onde partiste cheio de orgulho.’ Retruquei: ‘Faze o que puderes, mas considera a gran- diosidade da Ira divina. Fui grande e me tornei nulo, e se foste cria- do maior que eu, considera ser Deus eterno e infinito e cheio de Ira flamejante.’
Retrucou a entidade: ‘Nunca calculaste o Amor em Deus? Ainda que sejam imensas as vagas da Ira, Seu Amor chega até onde elas se extinguiram sob os infinitos limites do Universo e onde co- meça um outro Universo.’
Objetei: ‘Quando ainda era um príncipe de toda luz, foi-me mostrada uma chama pequenina a qual eu deveria adorar, pois tra- tava-se do eterno Amor de Deus. Era impossível acreditá-lo no meu brilho luminoso e me via muito além daquela chamazinha opaca. Com isto incendiou-se a ira de minha luminosidade e queria des- truir com a minha luz aquela chama pequenina. Neste momento, a Ira divina apossou-Se de mim e me atirou neste vácuo eterno e trevoso, que atingi somente após eternidades.’
Subitamente, percebi aquela chama pequenina sobre a cabe- ça daquela entidade, que disse: ‘Lúcifer, conheces-Me agora?’ Res- pondi: ‘Sim, Senhor; és o Amor divino e ultrapassas além de Tua torrente infinita de Ira. Considera a Graça de me dar um pouso certo neste vácuo sem fim.’
Eis que uma lágrima do Olho luminoso do Amor eterno rolou nos espaços trevosos da eternidade, tornando-se um imenso mar. E o Amor soprou sobre as imensas águas no abismo, e elas se dividiram em inúmeras gotas. Neste instante estendeu-se a chama sobre a fronte do Amor eterno iluminando as gotinhas para inúme- ros sóis enormes que espargiam o calor do amor eterno nos planetas, e estes, nas luas.
Do centro da Lágrima de Deus flutuou esta Terra para per- to de mim. O Amor a abençoou e bafejou, de sorte que começou a florir qual jardim, liso, plano e belo. Mas não havia qualquer ser na mesma. O Amor a fitou por um momento e imediatamente co-
meçou a aparecer toda sorte de seres no solo, nos mares e no ar. Tudo isto eu vi e agora estou ciente pela Graça especial do Senhor. Quando a Terra estava destarte organizada segundo a Ordem eterna, o Amor ergueu o olhar para as alturas e disse:
‘Poderes santificados do Pai, façamos o homem, dando-lhe uma alma viva para que aquele que caiu encontre um pouso e se humilhe perante Ti e Mim e perante o Poder de Nossa Santidade!’
Um tremendo trovão reboou nos espaços repletos de fogo, e tal trovão era a Voz de Deus, compreendida somente pelo Amor que modelou de barro fino estes pés que já me carregam além de novecen- tos anos, as mãos, em suma, conforme me apresento diante de vós.
Assim surgi. Mas ainda estava sem vida, movimento e rea- ção. Eis que o Amor eterno se inclinou sobre essa forma morta e lhe soprou pelas narinas uma alma viva. No mesmo instante me tornei cheio de vida, o primeiro homem da Terra. Vi a imensa Criação sem alegrar-me com ela e cansei-me de minha existência maravilhosa, não compreendendo como, quando e por que eu ali estava. Minha forma anímica não podia ver o Amor eternamente criador.
Eis que o Amor eterno deitou a forma para se entregar ao primeiro sono e disse: ‘Aqui está teu pouso certo. Deves ingressar no coração desta morada viva, pois foi por Mim criada para ti. Nela encontrarás um quadro onde estará grifada a Vontade de Deus com traços de fogo. Deves respeitá-La, desistindo de tua vontade em tro- ca da Vontade Divina.
É por este caminho estranho que te quero reconduzir. Ja- mais olhes para ti mesmo, mas sempre tenhas em mira o quadro de Deus. Então viverás Comigo eternamente e regerás de um trono todo o Universo. Mas, ai de ti se caíres novamente. O Amor se trans- formará em maldição e Eu darei às criaturas um outro espírito, que partirá diretamente de Mim, enquanto terás que deixar novamente este pouso por eternidades e jamais te será conferido um tempo se- não o do eterno fogo na Ira de Deus e na maldição do Amor.
Considera bem as Minhas Palavras. A Ira de Deus pode ser amainada quando o Amor interferir. Mas, se o Amor te amaldiçoar,
quem poderá proteger-te contra a Ira divina, e qual será o meio de ligação entre a Ira divina e ti? Somente o julgamento e a condena- ção, pois és uma obra de Deus, de Mim. Onde estaria a entidade que pudesse tocar a Glória de Deus? Deve surgir uma obra segundo a Onipotência da eterna Glória de Deus, razão porque te foi dado o livre arbítrio mas, caso não o queiras, não terás valor algum e conhe- cerás a infinita Onipotência de Deus quando Ela te banir à eterna nulidade martirizante.
Com relação a Deus, não existe ser de qualquer valor, e para Ele não importa a existência de milhares de espíritos como tu, pois poderia a cada momento criar inúmeros, maiores que tu, e destruí-
-los para sempre, caso não correspondam à Sua Glória.
Considera, pois, o Ser Divino e Sua Vontade, e qual tua entidade e a ação esperada dentro de teu livre arbítrio, a fim de que Se evidencie a Glória imensa de Deus e em todos que surgiram de ti e caíram contigo.
Vê a imensa sepultura da Terra, como também de todos os mundos cósmicos. Tirar-te-ei o grande peso dos que caíram contigo e os depositarei na Terra e em todas as estrelas, e não haverá um átomo sem utilidade e cabe-lhe abrigar um ser vivo semelhante a ti.’
Nesta altura, o Amor tomou o espírito e deitou-o na forma adormecida. Ele muito se alegrou com isto, vendo-se livre do peso tão grande que teve de suportar por tanto tempo, mas agora estava sendo abrigado na morada viva que o Amor eterno havia preparado. Depois dessa união com o espírito, o Amor eterno me despertou e eu me vi como homem isolado frente à imensa Criação. Além da ve- getação e o Sol no firmamento, nada havia que pudesse contemplar. Comecei a sentir medo, abandonei aquele lugar à procura de alguém e não encontrei um único ser semelhante a mim.
Cansado da procura, deitei-me no solo e adormeci. Sonhei, então, o seguinte: No centro de meu coração descobri um ser mui- to atraente que me dizia: ‘Vê como sou bela e possuo uma forma igual à tua, podendo avistá-la. Se bem que minha forma, em outros tempos, fosse apenas uma grande luz que irradiava seus raios pelos
espaços infinitos, chegando a se aniquilar por tamanha imensidade, nunca pude ver minha forma, vendo apenas luz, na qual se revela- vam inúmeras formas. Elas me foram tiradas, mas em compensação recebi a minha própria forma, mais bela que a luz anterior. Ela tanto me agrada a ponto de me amar a mim próprio e sou por ela amado e posso atraí-la quando quero.’
Adormecendo cada vez mais profundamente neste prazer, vi uma mão luminosa penetrar até o âmago do meu coração e conter o meu segundo eu. No início houve reação por parte dele. Mas, não demorou a se submeter aos poderosos Dedos do Amor de Jehovah. Eles partiram uma costela do meu duplo, atingiram o meu âmago, tirando um verme de suas entranhas. Em seguida fechou o ponto em que o Dedo do Senhor havia penetrado para subtrair o desejo egoístico. Com isto, meu segundo eu não teve a mesma beleza an- terior; sua forma era idêntica à minha e não havia mais atração para ela, pois ambos éramos atraídos pelo Amor eterno. Então percebi que o espírito caiu em sonolência e neste estado se dissolveu, passan- do em todo o meu ser, dando-se a nossa unificação.
Enquanto assim sonhava, a Voz suave do Senhor disse: ‘Adão, filho da Terra, desperta e vê tua companheira.’ Então vi Eva diante de mim e alegrei-me sobremaneira, pois meu segundo eu se havia apartado de mim, sentindo grande alegria que era o primeiro amor que eu, o primeiro homem incriado, senti. Pela primeira vez vi minha esposa amada e a amei com pureza no Seio do Amor eterno de Deus, em toda a plenitude da vida primitiva.
Nesta doce sensação passei três dias e três noites. Subita- mente, senti certo vazio dentro de mim, sem saber de sua origem, nem qual sua finalidade. Meu coração se tornou deserto e minha boca seca, quando, de repente, o Amor Eterno apareceu diante de mim, meigo e cheio de carinho, soprou Seu hálito sobre mim e dis- se: ‘Adão, tens fome e sede, e Eva, teu amor, também. Observa as ár- vores que irei abençoar, cujos frutos podereis saborear para fortalecer corpo e alma. Todavia, não comereis da árvore no centro do jardim antes que Eu volte para abençoá-la. No dia em que dela comeres,
serás penetrado pela morte. Serás tentado, mas sê firme até a terceira tentação. Então vencerás o verme da morte que rói aquela árvore, purificarás Eva, preparando para ambos e para todos os que de ti surgirem, uma vida feliz, livre e eterna em Deus. Criei o tempo para que tua provação fosse curta, mas a vida conquistada, longa.
Não precisarás lutar contra poder estranho, mas somente contra ti mesmo. Fiz com que tudo se submetesse a ti, no entanto, não pude submeter-te a Mim, a fim de que conquistasses a vida. Não desconsideres este fácil mandamento, eleva-te acima de ti mes- mo para poderes viver eternamente. O verme do mal é tua proprie- dade em sua origem e contém o aguilhão da morte. Não mordas o aguilhão do verme que tirei de teu coração, durante o sono, e dele formei Eva. Tu a amas por ter surgido de teu amor e a carne dela veio de teu desejo. Assim, nela perdura a raiz da morte que terás de vivificar pela obediência.
Adão querido, Eu, o eterno Amor de Deus do Qual surgiu toda a vida, te imploro: Não ponhas a perder obra tão grande! Sabes quantos eões se passaram desde que te amparei na queda eterna da morte. Não recusei todos os meios para salvar-te. Se Eu tanto fiz, faze o pouco e devolve-Me o querido irmão em ti, para que nos tor- nemos um só amor em Deus, nosso Santo Pai. Amém.’
Com isto, o Amor me deixou. Eu, porém, alimentei-me e fortaleci-me para cair em desobediência. Ouvi, meus filhos, deso- bedeci ao Amor eterno. A Terra poderá vos relatar a imensidade do meu desatino, pois não ficou uma pedra sobre outra e o Universo transbordava do imenso Poder da Ira divina.
Ocultei-me e chorei lágrimas amargas de remorso, e o Amor eterno não as desprezou, e as de Eva Lhe eram agradáveis. O Amor reparou tudo. — Novamente errei no sábado e chorei minha infâmia. Mas o Amor enviou um anjo que me levou do jardim da tentação para um país conhecido de Seth, um país de correção, de tristeza, mas também para um país de alegria. Quando retirei a mal- dição de Caim, que se perverteu em consequência do meu aguilhão da morte, pois surgira do sumo da maçã envenenada pelo verme
mortal, o Amor de Deus me entregou meu querido Abel-Seth. Há cem anos, o novo anjo do Amor eterno nos trouxe para este país, do Conhecimento e da Verdade eterna de Deus, onde Abel havia enter- rado a espada e colhera os bagos vermelhos e brancos.
Vede, meus filhos, o quanto fez e ainda há de fazer a mim e a vós todos o imensurável Amor de Deus. Portanto, sede alegres se o Amor eterno também procura os filhos de Caim. Todavia, jamais um de nós deverá se dirigir para lá sem ordem expressa do Senhor, pois o próprio solo é feito de excrementos de vermes. Todo o mal deriva das mulheres do abismo; portanto, não vos vilipendieis com elas. Amém.”
CONVOCAÇÃODEHENOCHPARA PREGADOR
Tendo Adão terminado esse discurso com Minha especial aquiescência, sua visão interna se fechou, em seu benefício. Seth, Enos e Henoch se admiraram sobremaneira e não compreenderam o sentido das palavras, perguntando a Adão a respeito.
Estupefato, ele mal sabia ter dito algo e perguntou a que se referiam. Seth, então, disse: “Revelaste-nos o teu surgimento no iní- cio de todos os seres e mostraste os caminhos insondáveis do Amor eterno. Como não o entendêssemos, queríamos pedir-te maior elu- cidação. Perdoa, pois, nossa curiosidade.”
Levantando-se, Adão respondeu, irritado: “Se ouvistes coisas tão maravilhosas, considerai que vieram do Senhor e não de mim; portanto, sabeis a Quem compete vossa gratidão. Se vos dei algo de bom, foi o Senhor a vos agraciar, e não eu. Ponderai bem isto, pois Adão, pai de todos vós, repete aquilo que vos disse anteriormente, isto é, a encarnação de Lúcifer em Adão, através da imensa Graça do Pai Eterno e Santo. Se Ele assim fez, fazei o que vos compete e obedecei-Lhe em tudo. Amém.”
Curvando-se diante de Adão, os três seguiram caminho e comentaram o fato extraordinário. Henoch, o mais moço e, em virtude de sua devoção, um doutrinador em Meu Nome, disse aos
patriarcas: “Adão pronunciou palavras cheias de sabedoria e profun- deza. Não as entendemos, por ter dito coisas que ele próprio ignora- va. Se tivesse falado como homem, facilmente o compreenderíamos. Proferindo coisas em Nome de Deus, por intermédio do espírito, testemunha do Amor divino, nosso entendimento foi nulo.
Existe, porém, Alguém que o entende, e este Alguém é o Amor eterno, do Qual tudo surgiu, inclusive nosso amor para com Ele. Sinto que se alguém permitisse que o Amor penetrasse todo o seu ser, e dali para o Amor em Deus, haveria de entender tais reve- lações. O amor é a raiz de toda a sabedoria e não existe sabedoria senão no amor para com o Amor em Deus.
Possuímos a raiz de Deus. Façamos que ela brote em todas as fibras de nossa vida, e muita coisa grandiosa nos será dada do Mar da Graça do Amor eterno, muito mais profunda que aquilo que Adão nos relatou. Nascemos de Adão e Eva, portanto temos muita carne, mas pouco entendimento de coração. Mas, se, futuramente, nascerem criaturas do puro Amor divino, nosso entendimento será um brinquedo para elas.”
Virando-se para Seth, Enos disse: “Pai, o sentido profundo das palavras de Henoch fizeram vibrar meu coração devido à sabe- doria oculta do Amor divino. Sua sensibilidade é verdadeira, todo o seu ser se manifesta em puro amor e humildade, por isto deverá ser doutrinador de nossos irmãos e filhos. Henoch tem grande amor, poder e força no coração e não haverá quem se lhe iguale, pois não se pode ter amor como se quer, mas à medida que o Senhor nos cumulou. Assim, também o entendimento tem que ser diferente, para que um se torne necessário ao outro, nivelando-se deste modo tudo aquilo que o Senhor permitiu surgir tão sabiamente, em con- dições desiguais.
Acabaste de ouvir meu discurso, Henoch; teu coração é for- te e tua compreensão anula a minha. Fala, portanto, e nos ensina os justos Caminhos do Senhor e demonstra as Pegadas insondáveis para podermos louvar o Nome do Santíssimo, como filhos de Seu Amor eterno. Amém.”
Humildemente, Henoch perguntou: “Seria viável a um filho fraco ensinar aos que ainda muito lhe podem ensinar?” Retrucaram ambos: “Esqueces o que Adão nos ensinou? Os pais apenas geraram em seus filhos moradas para os filhos destes. Se somos geradores do físico e não do amor, Espírito vivo provindo do Espírito de Deus, continuamos sendo somente irmãos e filhos de um Pai Celeste. Por isto, podes pregar com teu amor e esteja certo que saberemos di- ferenciar a voz do irmão da voz do filho de Deus, com a Graça do Senhor. Possuis um grande manancial de amor e podes deixar que irradie seus raios para os teus irmãos.”
Respondeu Henoch: “Falaste certo, pois meu sentir me diz que assim é para Deus. Mas esqueceste algo de grande importância, isto é, qualquer um pode falar e agir à vontade, em Honra de Deus. Pregar em Nome Dele só pode quem recebeu tal missão do Alto. Por ora, tal incumbência me foi dada apenas por vós e não do Alto; por isto, pregarei somente diante de vós. Quando me for dado do Alto, poderei pregar a todos os irmãos o grande poder do Nome do Amor eterno. Quanto ao louvor deste Nome, sabeis o que seja do Agrado do Senhor, pois nem palavras, nem gestos, pensamentos ou cerimônias algo representam para Ele, mas somente o amor e a obediência em tudo.”
Disse Seth, comovido: “Ao te ouvir, tenho a impressão de perceber as melodias de um mundo que surgirá qual raio de Luz da Eterna Aurora do Senhor, para nossos futuros descenden- tes. Não silencies, mas fala sempre, e mostra-nos o que comporta teu coração.”
Erguendo seu olhar para o céu, Henoch falou silenciosa- mente em seu coração: “Santo Pai, tem piedade para com teu filho fraco. Devo dar e só tenho o amor para Contigo. Nada de bom exis- te em nós, senão o amor que Te devotamos e recebemos de Ti. Que poderei proferir se meu amor sempre embaraça a língua e nunca posso louvar-Te por este motivo?
Solta a minha língua, Pai, se isto for de Tua Vontade, para que possa pregar a Glória de Teu Nome diante de todos os Teus fi-
lhos. Enos, Kenan, Mahalalel e Jared sempre pregaram a Tua Glória; não permitas que seja eu filho indigno dos patriarcas devotos.”
Como essa oração silenciosa fosse do Meu Agrado, fiz des- cer um anjo que fortificasse e soltasse a língua de Henoch, que disse: “Amados filhos de Deus, o Amor de Deus me cegou, ensurdeceu e emudeceu por algum tempo. Mas agora o Senhor me fitou e Seu Amor infinito me fortaleceu e soltou a língua. Ele quer que o ho- mem O ame com todas as forças de seu coração, e esta força é o próprio Amor.
Se possuímos amor, devemos ofertá-lo a Quem o depositou tão milagrosamente em nosso coração. Nada possuímos para ofertar ao Senhor que não tivéssemos recebido Dele, pois se Lhe oferecêsse- mos o mundo inteiro, Ele responderia: Se tivesse prazer num mun- do, poderia criá-los aos milhões, inclusive o espaço necessário. Não Me alegro com vossos sacrifícios materiais, mas com um coração ar- rependido e amoroso. Se quiserdes, podereis devolvê-lo a Mim e Eu nele passarei a morar com Minha Graça, e todas as coisas vos serão claras como a água. Mas, se vós próprios tomais morada em vosso coração e trancais a porta diante de Mim, não podendo entrar quan- do quero, em breve tereis gasto o pão da Vida em vós. Eu, o Único Doador do Pão da Vida, não podendo ingressar, a morte eterna será inevitavelmente a consequência do amor-próprio.
Não sinto satisfação em tomar para Mim, pois Minha má- xima Alegria consiste no constante dar. Quem quiser receber a Gra- ça, que deixe preencher seu coração, para que posteriormente Meu Amor consiga nele morar. Quem não preencher seu coração com Meu Amor, não há de saborear a vida em si e a morte o prenderá totalmente.
Agora estamos na época em que dou a todos, primeiro, a Graça; em seguida o Amor, até a grande Época das épocas. Em tal tempo, o Amor será o principal e quem não O possuir, não partici- pará da Luz da Graça e a luz do mundo o aniquilará.
Filhos de Minha Misericórdia, Minha Graça é um imenso tesouro e não há na Terra o que se lhe compare. É Ela uma Luz
das Alturas de Minha Santidade, assim como o Meu Amor é um alimento da Vida. Quem não tiver recebido a Minha Graça, não poderá crer que seja Eu de Quem emana toda a Vida eternamente. Quem não tem fé, semelha-se aos irracionais e será julgado onde estiver. Se alguém Me descobrir em seu amor, receberá torrentes de Graça, desfrutando antecipadamente daquilo que na grande Época das épocas será dado aos homens da Terra, de boa vontade.
Portanto, crede, para poderdes atingir o Amor e, por ele, a Vida. Amai-Me em espírito e que todas as vossas ações sejam teste- munhas da vossa vida e vossa boca testifique serdes filhos de Deus. Hei de julgar as criaturas segundo sua fé. Os Meus filhos serão guia- dos por Meu Amor, e a Luz de Minha Sabedoria lhes será um fanal eterno da bem-aventurança em Mim, seu Santo e Amoroso Pai, hoje e sempre. Amém.” Concluindo, Henoch disse: “Ouviste o que acaba de falar o Senhor?” E Seth respondeu: “Sim, mas deu-se o mesmo como no retrato de Adão, pois temos a Graça, mas falta-nos o amor.”
CÂNTICODEKENANARESPEITODASDEZ COLUNAS
Neste instante se aproximam Kenan, Mahalalel e Jared, e Seth os abençoa em Meu Nome. O primeiro a falar foi Kenan, di- zendo: “Ouvi o meu relato de uma visão que representava dez co- lunas dentro de um grande lago cujas águas batiam violentamente contra as mesmas. Na primeira coluna se achava Adão e dizia para as ondas: ‘Ouvi, filhos, Deus, o Senhor, Santo Pai de todos os filhos gerados por mim, é Deus único e não há outro além Dele. O Uni- verso é pleno de Sua Honra, Santidade e Amor. Acalmai-vos, ondas tenebrosas, para que a Luz de Deus Único vos possa iluminar até o âmago de vossa vida. Amém.’
No mesmo instante, as ondas serenaram em torno da coluna de Adão e uma luz poderosa caiu sobre a superfície das águas, que iluminou qual Sol. Do fundo das águas se fez ouvir um cântico de louvor, que subiu como nuvem clara e radiante até as Alturas eternas e santas do Pai, Deus Único e Verdadeiro.
Perto da coluna de Adão se encontrava uma outra, quase igual. As ondas vivas nem se atreviam a erguer as cabecinhas e cir- cundavam a coluna majestosa como se quisessem dizer: Vê o Nome do Altíssimo, que Se chama Jehovah. Que jamais este Nome seja pronunciado em vão, pois Ele é Santo! Ó criaturas mortais, consi- derai a Quem pertence este Nome, pois Ele é de Deus! — Quando ergui os olhos, vi Seth no cimo da coluna, de expressão muito séria, e repetia justamente aquilo que eu ouvira, julgando que fossem as ondas a se pronunciar.
Não longe dali, via a terceira coluna banhada por ondas lu- minosas. Era ela mais majestosa, rodeada por luz avermelhada, en- quanto as ondas se mantinham quietas e emanavam suave vapor em Honra do Pai. Acompanhei sua direção e vi Enos, o terceiro pa- triarca, que dizia para as ondas caladas: Ouvi, águas da Terra, as pa- lavras do Alto. Podeis mover-vos em ondas suaves durante seis dias e noites. Mas, quando vier o sétimo dia, abençoado pelo Senhor, também vós deveis descansar para louvar o Santo Pai. É da Ordem eterna que tudo que recebe o hálito vivo de Deus e sente no coração dedicado e pensante o Amor do Santo Pai, deve considerar a calma e a comemoração do sétimo dia. Durante seis dias as águas podem trabalhar e se precipitar em grandes vagas. No sábado, porém, deve reinar calmaria, convidando para a cerimônia comemorativa.
Em seguida, vi a mim mesmo como quarto representante, envolto de luz avermelhada e em cima de uma coluna, um pouco menos elevada e rodeada por ondas vivas e alegres. Admirado de mi- nha posição de destaque, percebi com tristeza que mais ao longe as ondas se tornavam escuras e agitadas. Erguiam em inúmeros lugares as cabecinhas espumosas por cima da coluna onde eu me encon- trava, aflito e cheio de tristeza, pois se semelhavam a criancinhas que, desobedientes, procuram com maldade fazer ruir a coluna de pai e mãe.
Petrificado com tal visão, subitamente ergueu-se um tempo- ral formidável rugindo por cima das vagas. Este temporal projetado pela coluna não demorou a conseguir amainar a agitação das ondas
a ponto de apenas um ligeiro rumor se manifestar. Depois que o poderoso Amor do Pai provocou a abençoada calmaria com recur- sos tão extraordinários, minha boca começou a proferir as seguintes palavras surgidas do Coração Paternal nas alturas: Ondas tremen- das, dispostas a desencadear, deveis obediência e amor à coluna de Kenan, se quiserdes umedecer as rochas mortas e rígidas da Terra entristecida.
Ai das ondas espumosas que pretendam erguer-se acima da coluna luminosa de Kenan. Farei com que endureçam pelo eterno Poder de Minha Ira, para sofrimento temporal e eterno! Ao passo que as ondas obedientes terão a Graça, no tempo e na eternidade, de receberem a Luz do Amor eterno que se projeta aos mares da Vida eterna, partindo de Minha Misericórdia. Erguei-vos sempre acima da coluna santa e luminosa de Kenan, pois assim é da Vontade do Pai e Juiz das ondas iradas do mar da vida, e torrentes de Deus em fileiras intermináveis.
Quando terminou esta cena, olhei em direção da quinta co- luna. Era inteiramente escura e os choques das ondas pareciam des- truí-la qual aço incandescente. A morte rugia pelos abismos irados das águas, e onda por onda era atingida por ela. A língua humana não seria capaz de transmitir as crueldades praticadas pelas vagas tremendas.
Saturado com tal quadro que se me deparava aos olhos do espírito no coração da alma dentro da carne, ergui os olhos para o cimo e vi Jared, filho de meu filho Mahalalel, implorando amor ao Pai eterno, para as vagas enfurecidas que se arremessavam umas contra as outras com intenções mortíferas.
Enquanto Jared orava, uma torrente de amor misericordio- so se projetava pelos Céus abertos sobre aquelas ondas em fúria. E vede, de novo rugia a planície do mar da morte e as ondas come- çaram a se desfazer, penetrando novamente nos braços e corações amainados dos irmãos abençoados.
Uma espada flamejante ia sendo arremessada às mãos trê- mulas de Jared, que a brandia ligeiro, com toda força possível e se-
gundo os Desígnios de Deus. Isto feito, ouvi nitidamente as seguin- tes palavras: Balbúrdia terrestre e infiel, não deves atrever-te a matar os filhos do Amor eterno, pois Eu sou o Senhor da Vida e da mor- te. Quem matar seus irmãos, deverá ser punido com os castigos da morte eterna, em espírito e na alma. Por isto, ninguém deve bater, agredir, amaldiçoar ou matar o próximo.
Dirigindo o olhar para a sexta coluna, vi que estava envol- ta em sangue e lama, e no lugar das vagas anteriores rastejavam os vermes mais repelentes. A própria coluna estava completamente en- lameada do sangue do opróbrio e os vermes subiam até o cume, de sorte que não era possível ver-se nela os marcos sublimes da Von- tade divina.
Só se avistavam inúmeros vermes que se esmagavam re- ciprocamente, para em nova união se reproduzirem em vermes cada vez maiores na tentativa de deturparem a forma divina pela qual a Santa Vontade do Pai eterno queria se transmitir às vagas pacificadas.
De repente os Céus incandescentes reboaram, o Sol apagou e a Lua não pôde mais emitir seu brilho de fé, tampouco as estrelas, que caíam em enormes quantidades. Em seguida, começaram a cla- mar inúmeros mortos de todas as profundezas da lama: Cobri-nos, estrelas partidas, para que não vejamos a face de Mahalalel que veio em Nome do Deus eterno e irado como açoite de fogo querendo golpear-nos porque envolvemos a coluna elevada e maravilhosa.
Então os Céus se partiram e de suas fendas se projetavam torrentes poderosas do fogo divino sobre a coluna de Mahalalel. Este, inspirado pelo Espírito do Senhor, disse: Hediondas vagas ver- miformes, o Amor do Senhor é eterno, santo e puro, por isto não deveis praticar impudicícias. Chegou o tempo, um santo fogo do Céu, para vos lavar no fogo da ira, se não vos lavardes antes para vos transformardes em ondas pacíficas, amorosas e penetradas da Graça.
Enquanto estas palavras eram proferidas pela boca de Maha- lalel, sob constantes raios e trovões, as massas dos vermes começaram a serenar e quando atingiram um estado plano, derreteram-se quais
formas incandescentes, no início ainda turvadas, mas aos poucos se clareando em ondas pacíficas.
Deste modo a Ordem fora restabelecida e quando olhei so- bre as planícies alvas das águas purificadas, nada mais vi daquelas massas, porém algumas vagas mais escuras se aproximavam das pri- meiras tornando-se pouco a pouco igualmente mais claras. Então vi Mahalalel ajoelhar-se e agradecer ao Senhor e cada palavra proferida se elevava às alturas eternas do Santo Pai, qual sol radiante.
Subitamente meus olhos depararam com a sétima coluna, inteiramente avermelhada, e Henoch pairava quase em cima dela. Minha estupefação não se prolongou, pois percebi vagas malignas rodeando a coluna, e por baixo delas se encontravam outras, em parte cobertas de lodo, águas roubadas e terrivelmente acorrentadas.
Havia águas do Amor, da Graça, da Vida e da Luz, e muitas outras. Todavia, eram presas por pedras transparentes que represen- tavam os laços do amor egoísta. Grandes massas impelidas por zelo voraz se elevavam quais nuvens delicadas que ultrapassavam as zonas daquela coluna. Quando deparavam planícies aquáticas, em outras zonas precipitavam-se mais velozes que um raio e dizimavam as on- das pacíficas em neblinas que impeliam para as profundezas lodosas. Lá eram imprensadas com seu poder tenebroso para pedras duríssi- mas e cobertas com lodo e detritos da mentira egoística.
Felizmente este quadro não demorou, pois vi Henoch de cuja cabeça se projetavam raios ardentes que revolviam em torren- tes todas as profundezas do assalto. Eis que as vagas começaram a esguichar e rugir. Movidas pelo intenso calor, elas devolveram as águas presas ao amor-próprio e egoísmo com tamanha cobiça, que subiam quais nuvens fogosas aos ares puros e luminosos. Da coluna de Henoch se desprenderam ventos apressados e levaram em alegria desmedida os filhos libertos às mãos amorosas das águas purifica- das através da Graça divina, que havia elaborado os Mandamentos. Após este milagre do Amor santificado, Henoch ergueu os braços e disse com voz enérgica e tonitruante:
‘Ouvi, ondas assaltantes, a Santa Vontade de Deus eterno: cada gota d’água é contada no coração do Amor eterno, e pertence a si mesma e ao próprio Amor. Por isto, ninguém deve se tornar víti- ma de assalto. Ai do ladrão e assassino da posse de águas e seres pu- ros, e ai das águas egoístas. A astúcia de ladrões e assaltantes jamais se manterá em círculos agradáveis, mas há de ser endurecida para pedras incandescentes da maldição eterna e atiradas nas profundezas da Terra. Não deveis roubar, nem furtar; eis a Vontade poderosa do Deus Eterno.’
Eis que ouvi nitidamente as seguintes palavras das profun- dezas: ‘Purifica-nos, luminoso mensageiro da Vontade poderosa de Deus eterno, para que possamos nos tornar agradáveis aos Olhos do Amor divino.’ No mesmo instante começaram a soprar ventos vio- lentos e fogosos, mesclando o fogo do Amor eterno com a planície infinita das vagas atentas. Tornaram-se tão claras como a superfície do Sol e louvaram a Graça de Deus, e soaram harmoniosamente os ecos santificados dos espaços infinitos através das vagas luminosas.
Como ouvistes tão pacientemente meu discurso, prestai atenção ao que se segue. Não muito distante dali percebi uma colu- na inteiramente lisa como aço polido, rodeada por um mar de areia. Tive a impressão de ver à distância algumas ondas do mar. À medida que se aproximavam notei que na verdade se tratava de areia levan- tada pelos ventos, querendo enganar a Kenan.
Algo irritado, levantei os olhos para o Céu pedindo socorro ao Pai. Mas, o Céu continuou esbranquiçado, com esparsos toques avermelhados, e não havia um eco sequer das sublimes alturas. E as ondas de areia cresciam e cresciam sempre, tornando-se tão compac- tas que nem um raio de luz as poderia ter penetrado.
Subitamente vi a figura de Matusalém em cima da coluna, armado de uma espada flamejante, de dois gumes. Os olhos eram vendados com uma venda de linho enlameada, e seus ouvidos esta- vam tapados com resina pegajosa. Neste instante surgiu, ofuscando com brilho celeste, um poderoso condor.
Voando em torno de Matusalém, soltou a venda dos olhos e com seu bico aguçado, limpou seus ouvidos. Isto feito, o condor alçou voo e sumiu nas alturas qual estrela luminosa. Tomando da espada, Matusalém, o fiel e verdadeiro, a fez vibrar em todas as di- reções, e línguas luminosas se desprendiam da mesma, derretendo a resina num tronco à beira da montanha.
As línguas de fogo também se precipitaram sobre a infinita planície e revolveram com a força do fogo a areia para elementos ca- óticos. Eu nada entendia da finalidade daquela ocorrência, todavia, Matusalém se levantou de olhar penetrante e começou a transmitir a Santa Vontade do Pai eterno. E suas palavras se precipitaram quais torrentes levando de roldão as massas arenosas.
O rugir e bramir traduziram as seguintes palavras vindas da Magnitude divina: Poeira insignificante, ouve a Vontade da Santi- dade divina! Jamais apresentes uma manifestação falsa e traiçoeira. Converte-te em água pura e como tal deves flutuar em ondas lumi- nosas e eternas, pois através da mentira aniquilar-te-ás.
Grão por grão começou a se dissolver em gotas límpidas que se uniam às camadas infinitas das águas puríssimas e lavavam a areia ainda agarrada à coluna de Matusalém que procurava im- pedir seu testemunho ao Deus eterno. Assim louvaram a mesma em círculos luminosos, pois a luz da coluna ornava suas cabeças luminosas.
A Verdade unicamente é a manifestação amorosa do amor, por isto a mentira será aniquilada como nenhum outro vício, oposto à Verdade do Amor do Pai. Passada esta cena, pareceu-me ser im- pelido para além das esferas, para poder contemplar a nona coluna.
Que pavor! De abismos infinitos das noites eternas, enla- meada de cores cintilantes, surgia uma coluna terrível a uma altura inatingível. Não havia água, nem areia, nem qualquer movimenta- ção de seres. Treva constante circundava tal coluna interminável e colorida. Procurei descobrir a sua finalidade e origem, mas nem o menor vislumbre se destacava naquela noite infinda. Apavorei-me. A luminosidade de minha própria coluna ia diminuindo aos poucos
a ponto de mal perceber que meus pés ainda se encontravam no seu vértice. Caí de joelhos e pedi de coração ao Pai Eterno e Santo que não me deixasse perecer ali.
Subitamente, uma voz se fez ouvir: Kenan, aprofunda o teu pensamento em Mim, teu Pai e Deus, que hás de ver as coisas de modo diferente. Assim fiz, sem me demorar na origem daquela voz, e a coluna aparentemente interminável começou a se afundar nas trevas da noite eterna. Esse afundamento não se prolongou muito, quando percebi ao longe um rugir semelhante ao trovão das esferas. Antes que me desse conta, vi massas colossais de torrentes se precipi- tarem nos abismos obscuros ao redor da coluna e tudo se encheu de águas em movimento infinito. Aos poucos, vi aparecer o vértice da coluna no qual se encontrava em glória luminosa, Lamech, filho de Matusalém, que se dirigia às vagas com as seguintes palavras:
Ouvi, águas imensas! Não vos aniquileis em vossos desejos. Tudo que tendes em Amor e Graça é Dádiva para sempre e para vossa satisfação infinita. Um objeto não pode ocupar mais que um lugar, por isto, não procureis vossa destruição por desejos desmedi- dos e procurai flutuar em vossa própria esfera para Honra e Louvor do Santo Pai. — Imediatamente as vagas se clareavam, transparentes pela Luz eterna da Vontade divina.
Filhos queridos e patriarcas amados, ouvi com paciência o final de meu discurso e dirigi vosso olhar para as profundezas da Ira divina e através das chamas da ira, a Graça suave que se irradia os povos infiéis da Terra. Até então, todas as colunas possuíam mais ou menos luz própria, pois a nona era até mesmo rodeada de fraco ful- gor colorido. Mas a décima era tão negra que eu apenas a pressentia, sem poder vê-la, pois sua posição e qualidade eram muito ocultas. Esperei e esperei, e aumentando a força da minha visão psíquica por três vezes, percebi que todo o meu esforço era em vão. Até mesmo a minha audição não conseguia perceber o menor sopro de vento.
Enchi-me de pavor, não pude orar nem pedir ao Pai do Amor rápida libertação desta treva pavorosa, pois percebi que tam- bém a minha língua estava paralisada.
De repente, um raio violento surgiu do fundo das trevas até as alturas dos Céus aparentemente cerrados. Se bem que um raio sempre é acompanhado de trovão, desta vez nada disto sucedeu. Noite densa se estendia de uma eternidade para outra e durou mui- to, muito tempo até que finalmente apareceu uma estrela diminuta como consequência do raio veloz. Fixei o olhar para aquela estrela e então meus ouvidos perceberam, não palavras, nem rugir ou bramir, mas aquele som semelhava-se às flautas dos pastores pretendendo reunir as ovelhas de Abel.
Ouvi somente os sons, quando subitamente uma palavra cortou a minha alma, dizendo: ‘Tua língua acaba de ser solta, Ke- nan. Ora e pede ao Pai da Luz, do Amor, da Vida por tudo isto e para a coluna partida na morte.’ Assim fiz por muito tempo, e en- tão uma voz forte chamou-me e disse: ‘Levanta-te e olha os imensos abismos da morte tenebrosa. Nesta coluna, a décima, está marcado o adultério, e a parte inferior — do amor — jaz dispersa no abismo da morte, enquanto a superior — da Graça — ainda se encontra presa no firmamento e não se deixará atrair pelos destroços antes que a base desta coluna não seja lavada do excremento da serpente. A base é a Terra, morada pecaminosa, e o excremento da serpen- te representa a carne tentadora de todas as mulheres das planícies de Hanoch.
Ai da Terra estrumada com o sangue dos irmãos que em virtude do físico feminino se mataram! Em breve hei de fazer jorrar grandes torrentes dos Céus, para matar os corpos tentadores pelos quais toda a água em redor da décima coluna fora consumada. Car- ne tentadora dos vermes, costumas lavar-te diariamente com ervas aromáticas e tratar tua pele com óleos e unguentos finos a fim de tornar-te ainda mais tentadora para os filhos do Santo e Eterno Pai. Uma eterna maldição pousa em tua nuca, isto te diz Jehovah, Deus Todo Poderoso e Eterno. Dentro em breve te prepararei um banho que há de satisfazer tua volúpia.
A maneira pela qual isto sucederá, Kenan, ser-te-á mostrado neste instante, pela Graça do Pai. Ergue-te no vértice de tua própria
coluna apagada e olha para os abismos, onde verás o que acontecerá em breve.’
Imediatamente me ergui e olhei para os abismos da morte, onde vi quantidades enormes de nossos filhos deixando as monta- nhas abençoadas para se dirigirem àquelas filhas. Juntavam-se a elas e criaram homens fortes e moças belas. Eles se tornaram soberanos que matavam e assassinavam os filhos pobres e desprotegidos. Tor- rentes de sangue inocente começaram a jorrar, e este sangue clamava ao firmamento por vingança.
O Céu, então, se partiu em dois e de sua fenda luminosa, flutuou um anjo para perto do amor de Lamech, dizendo: ‘Cons- trói, Noé, a arca da Graça, conforme o Senhor te ordenou, e te abas- tece com tudo que te foi indicado. Acontece que a Terra já arde em diversos pontos, incendiada pela Ira Julgadora do Deus Eterno.
O sangue inocente abalou fortemente a Graça do Céu. Por isto, o Santo Pai determinou de lavar a Terra da maldição e prepará-
-la para uma geração melhor, que surgirá de ti, pois foste fiel a Ele.’
Quando o anjo terminou de falar, o firmamento partiu-se e de suas fendas enormes e cheias de fogo, se precipitaram torrentes violentas de água, como Graça Paternal, para apagarem o fogo e o pecado da Terra. Nem bem as enchentes começaram a cobri-la, vi inúmeras gerações surgirem das planícies procurando desespera- damente os cumes das montanhas. Vi mulheres alvas se agarrarem temerosas às rochas escarpadas, de mãos sangrentas, clamando por socorro. Tudo em vão, pois ventos de fogo impeliam as crianças mais tenras, queimando-as e atirando-as, como alimento da morte, para dentro das torrentes enfurecidas.
Estes ventos em fúria, depois de limparem os picos proteto- res daquelas criaturas, rugiam com escárnio: Agora podes te lavar e preparar, alimento diabólico, nos braços aromáticos da morte eterna e receber o prêmio de tua constante preocupação pela qual todas as gerações, desde Adão, caíram.
Felizmente, esta matança da carne pecaminosa e dos filhos caídos não durou muito, pois vi grandes massas d’água subirem os
mais altos cumes e não havia outra criatura além de mim. Já estava habituado a ver uma nova coluna tão logo as águas haviam preenchi- do os abismos da morte. Mas, desta vez, nada mais apareceu.
Admirei-me sobremaneira quando vi a arca da Graça na- vegar em ondas pacíficas e quando ela tinha atingido o ponto onde vira a última, as vagas se retraíram e a arca da Graça parou em cima de uma coluna grande e maravilhosamente luminosa. No telhado da arca abriu-se uma janela pela qual uma pomba mansa esvoaçava alegremente por cima das ondas. Mas, como nada encontrasse além delas, retornou e entrou ligeira pela mesma janela.
Uma vez fechada, ventos fortes começaram a soprar em to- das as direções, produzindo grandes massas de nuvens. Este furor não demorou e cá e lá começaram a aparecer picos montanhosos, dos quais alguns principiaram a verdejar, formando graciosos jardins.
De novo abriu-se a janela à vista de Kenan e o voo das pom- bas tomou rumo para aqueles picos verdejantes. Em seguida, volta- ram munidas de ramos verdes, para a arca da Graça.
As águas começaram a descer rapidamente e as montanhas e vales surgiram da Terra fértil aquecida pelos raios acolhedores do Sol, transformando-se em campos e matas. No lugar da coluna, a terra cresceu ao seu redor até que a arca mesma se encontrava em solo verdejante. Novamente abriu-se a janela da arca, dando passa- gem a inúmeros pombos, que não mais retornaram.
Percebendo o recuo das águas, Noé abriu as portas para dar passagem aos animais de todas as espécies, e finalmente desceram seus familiares, que se atiraram ao solo para agradecer ao Senhor pela salvação de tão merecida ira divina. Em seguida surgiu de cima do arco-íris um anjo luminoso trazendo a seguinte mensagem:
Noé, único laço de Meu Amor, hei de despertar de ti a se- mente da vida que arrancará da morte a enorme presa. Sinto piedade dos que pereceram nas torrentes do pecado; por isto, enviarei poste- riormente um poderoso Salvador e jamais visitarei a Terra com tais julgamentos. O arco-íris transmitirá aos povos essa mensagem de que jamais o farei até o fim dos Tempos. Só Eu sei o que sucederá depois.”
Todos se curvaram diante de Kenan, sem saberem como in- terpretar o que ele havia relatado. Após longo silêncio, Seth começou a proferir as seguintes palavras: “O que vem a ser isto? O discurso misterioso de Adão ainda não foi assimilado por todos e as palavras entusiásticas de Henoch também continuam a fazer certa confusão em meu intelecto, e agora vem Kenan comentando uma visão sobre- natural que somente Deus poderia entender. Que nenhum de nós se atreva a compreender tais coisas, pois convém deixar tal critério entregue a Deus.”
Neste instante, Henoch se adiantou e pediu permissão para dizer algumas palavras que lhe eram induzidas na alma: “Kenan foi destinado a vislumbrar um átomo daquilo que jaz nas profundezas e nas alturas de Deus Poderoso. Como é possível que passe à nossa frente todo o Universo e no entanto continuamos vivos? Quem te- ria assistido ao milagre de uma erva que se curva diante de nossos passos? Que grandiosidade divina nela se oculta, entretanto nós a pisamos com nossos pés indignos e continuamos vivos.
Não ocorre conosco o mesmo que às crianças ao fitarem um pedaço de pão mais duro, enquanto esperam um mingau? Não deveríamos dar-lhes o pedaço de pão só porque estão habi- tuadas a alimento mais macio? Quando então alcançariam sua força total?
Assim, também o Pai deseja que nos tornemos adultos em Sua Graça, para não somente vermos as coisas, mas também as en- tendermos. Quando Adão nos relatou os caminhos primordiais de seu espírito perdido, pelo qual também o nosso se perdeu e se per- turbou, não havia tanta coisa incompreendida. É lógico que o espíri- to existia antes do corpo, assim como Deus existiu antes de qualquer criatura, pois é a Origem de tudo.
Nunca uma ave botou um ovo vazio e sabemos que o con- teúdo deveria existir antes da casca protetora. Porventura alguém poderia supor que o espírito surgisse e se desenvolvesse no corpo?
Seria o mesmo que construir-se uma cabana na suposição que fosse produzir um morador.
Por que se dá a fecundação antes do nascimento? Por que surgiu o homem antes da mulher? Como podemos ouvir o sussurro do vento de longe, enquanto as nossas árvores ainda estão calmas? Ele existiu antes de chegar perto de nós, e as árvores por certo não produziram o vento que as animou.
Poderia alguém afirmar que o fruto fora produzido por cau- sa da árvore, ou que esta existia antes a fim de produzir um fruto? Como então podeis querer afirmar que Deus deitou as sementes na Terra, de onde nasceram as plantas, produzindo frutos cheios de sementes onde se encontra o fruto renascido?
Se Deus nos ensina a Ordem eterna através de Suas Obras milagrosas, e que a vida ou a força devem preceder àquilo que deve surgir, por que nos admirarmos que Adão nos tivesse relatado a lon- ga história de seu espírito, demonstrando que também nós estamos envolvidos nela, assim como nossos descendentes até o Fim dos Tempos! Isto prova a Imensidade da Graça e Misericórdia de Deus, nosso Pai.
Devemos temer a Deus, não porque nos dá o pão, mas por- que não O amamos, pois nossa falta de amor para com Ele é idêntica à nossa morte. Nosso dever mais sublime deve ser nosso constante amor para com Deus que nos amou muito antes que tivéssemos surgido na matéria.
Vede os inúmeros animais ao nosso redor. Também exis- tem através desse amor, mas não o podem retribuir por não estarem amadurecidos. Um esposo pode dizer à sua companheira que o ame em todas as suas ações. Mas, isto não pode ser proferido por um jovem para uma mocinha ainda sem noções do verdadeiro amor. Preciso é haver primeiro o amadurecimento, depois a bênção e em seguida o amor.
Através de Kenan, Deus nos demonstrou nosso pleno ama- durecimento para o amor. Por que então nos admirarmos como se fôssemos crianças, quando nos deveríamos admirar de nossa incons-
tância no amor, motivo pelo qual a Graça se desfaz em nós, igual ao Sol sobre a superfície trêmula da água!
A visão de Kenan nos diz apenas que devemos amar a Deus acima de tudo e nos arrepender de cada momento de desamor que nos provoca a morte. Amar e viver é a mesma coisa. Quem pos- sui vida vive na felicidade de sua existência consciente, tornando-se amigo de sua vida. Mas quem se afastasse desta alegria, afastar-se-ia da própria vida, chegando até mesmo a se matar duplamente: pri- meiro, em virtude da falta de amor para com Deus, e segundo, pelo amor-próprio, como Caim se tornou um fratricida.
Nossa vida ou nosso amor estão em Deus, e Deus unica- mente é nossa vida e amor. Se nos tornarmos fracos em nosso amor a Deus, nossa existência também se enfraquece a ponto de fitarmos ao nosso redor como se fôssemos cegos e surdos. Quando o Santo Pai resolve nos despertar com Sua Graça, achamos isto absurdo. Mas, Deus é Santo e Severo, e não Se alegra com admoestações e tenta- ções. Por que deveria tentar-nos Aquele que contou nossos cabelos antes que tivessem nascido em nossa cabeça? Porventura ignorará o que faremos?
Necessitamos muito de Sua Graça, dádiva abençoada do Pai, a fim de fortalecer nossa vida enfraquecida. Considerai com o amor a Deus, nosso Santo Pai, a visão de Kenan e facilmente percebereis ter Ele apenas apontado nossa grande fraqueza de amor para com Ele. Somente pelo amor fortalecido tudo nos será claro. Amém.”
ADÃOFALADESUA FRAQUEZA
Todos Me louvaram por ter dado a Henoch tamanha sabe- doria que lhe permitisse revelar o sentido oculto da visão de Kenan.
Nota: Todos vós recebestes coisas muito mais grandiosas sem que alguém tivesse tido uma manifestação de louvor e amor por essas Graças. Ninguém deseja se tornar um servo, obrigado a ser ins- trumento de Minha Graça pelo simples prêmio de Me servir no ver- dadeiro amor. Inspirei somente um para tolo do mundo, para que
fôsseis elevados a grandes honras perante os anjos, e este homem é Meu servo fraco e pobre, Jacob Lorber, que viveu muito tempo entre vós sem que alguém notasse ser ele tolo perante o mundo. Mas, ele Me procurou e Eu permiti que ele Me achasse, inspirando-o diante de vós para animal de carga. Ele vos trouxe um novo Pão do Amor celeste, que dá e exige amor. Se este animal de carga se encontra em caminho lodoso e vós vos saciais do pão de seu cesto, por que des- considerais que seus pés se encontram até os tornozelos dentro do lodo? Quem preza o Pão e a Água da Vida, não deixe atolado o ani- mal de carga. Quem puder libertá-lo, que o faça, do contrário seus pés poderão enfraquecer de temor, não podendo carregar o alimento para vós, a menos que Eu Mesmo o liberte, levando-o para onde Eu o quiser. Em tal caso, não continuará convosco. Tenho muitos filhos, porém poucos dispostos a se deixarem tratar como tolos. É fá- cil comer-se o pão quando preparado; porém, difícil deixar-se atrelar no arado por amor e pouca recompensa. Considerai-o bem e louvai-
-Me pela obediência. Quem algo fizer neste sentido, nada perderá, mas receberá de volta tudo a seu tempo. O servo poderá dizer onde lhe aperta o sapato.
Depois de os patriarcas Me terem louvado, Seth mandou que se levantassem e disse: “Irmãos, diante das palavras de Henoch, jul- go acertado que impeçamos seu trabalho material, pois se Deus o destinou para trabalhador de nossos corações fracos de amor, nossos filhos poderão resolver a parte material. Henoch há de receber de livre vontade o que os patriarcas lhe desejam proporcionar a fim de que tenha tempo para trabalhar nossos corações, segundo a Vontade de Deus. Ele se tornou um predileto de Deus; portanto, também o deveria ser para nós.”
Em seguida, todos visitaram a cabana de Adão, onde rece- biam sua bênção diária. De voz embargada, este falou: “Acabastes de receber a minha bênção e agora pretendeis vosso fortalecimento com alimento e bebida. Eu e Eva já estamos idosos e não podemos mais trabalhar para nosso sustento. Sabeis que sempre fiz questão que ninguém trabalhasse para mim, a fim de dar bom exemplo. Hoje
isto foi impossível. Sinto fome e sede, e, quando estiverdes saciados, lembrai-vos de vossos pais, e tudo que fizerdes seja feito por amor, a fim de que o bocado não se torne duro e amargo. Esta pequena preocupação não durará muito, pois não hei de habitar essa cabana por muito tempo; espera-me outra, onde habita Abel. Tende alegria em fazer isto para vossos pais enquanto estivermos entre vós. Dentro de alguns anos, que passarão rápidos, haveis de procurar com tris- teza aquele que ora vos pede alimento em sua fraqueza, todavia não encontrareis sua cabana.”
Sumamente comovidos com as palavras de Adão, todos co- meçaram a chorar. Finalmente, Seth se controlou, dizendo: “Pai e filhos, nunca uma palavra mais santa do que esta que irei transmitir foi pronunciada, desde que existem Céu e Terra: Que caiam todas as estrelas, que Sol e Lua percam para sempre a sua luz, que todos os mares, lagos e rios venham a secar, antes que Adão e Eva não sejam suficientemente nutridos. Que ambos aceitem o que acabo de ofertar e continuem entre nós até o Fim dos Tempos. Vós, Enos e Kenan, ide apanhar alimento fresco e dizei à minha companheira, Jéa, vossa progenitora, como Adão e Eva necessitam de alimento. Jéa também precisa confirmar aquilo que eu acabo de jurar perante a Face de Deus.”
ADÃOABENÇOASEUS FILHOS
Não demorou e os dois mensageiros chegaram à cabana de Adão oferecendo o alimento a Seth, que por sua vez o passou a Adão. Este, antes de levar um bocado à boca, ergueu os olhos para o Alto para agradecer ao Pai por essa dádiva. Quando saciado, ele disse para os filhos: “Que a Bênção de Deus e a minha pairem sobre vós e vossos descendentes. Enquanto a Terra existir, vosso tronco deverá subsistir para sempre e os efeitos hão de se manifestar em todos, para que se possam fortalecer do nosso arrependimento constante diante da desobediência contra Ti, o mais Santo e Amoroso Pai. Esta Bênção se evidenciará como novo Sol do Amor e da Graça divina.
Nunca vos esqueçais de vosso pai e considerai a fraqueza de Eva. E tu, Henoch, que foste designado para pregador do Amor, sê igualmente abençoado por mim em todos os teus descendentes e que deles possa surgir um grande pregador que, com a Palavra da Vida eterna, revelará aos homens o Reino de Deus.”
Humildemente, Henoch pediu que Adão pusesse as mãos em sua cabeça, para se tornar capaz de falar diante de quem ouvira a Voz de Deus diretamente. Adão, porém, redarguiu: “Não deverias ter mencionado tal fato, Henoch. Se bem que podemos confessar nossos erros perante todos, ninguém deve diminuir o nome de seu irmão e tirar-lhe a honra dada por Deus Mesmo. A humilhação é permitida, exceto na presença de menores ou inferiores, para que não fiquem orgulhosos ou aborrecidos.
Que isto vos sirva de lição e para mim de conforto, pois as- sim serei capaz de ouvir as Palavras de Deus, da boca de Henoch. É algo diferente se um irmão fala para o próximo acerca do Universo, criado por nossa causa, ou se pronuncia Palavras de Deus. Estas só deve ouvir quem se tiver humilhado diante da Santidade julgadora do Criador.
Quem presumir que o irmão fale coisas suas e não de Deus, caso a sua língua tenha sido abençoada, pronunciará o seu próprio julgamento no amor-próprio, admitindo que também ele seria ca- paz e que qualquer um poderia ser porta-voz de Deus. Como vosso pai físico e gerador de vossa alma, digo: Vede as flores no campo, cada qual diferente em forma, cor, perfume e utilidade; no entanto, só a rosa é a mais nobre e destinada a fortalecer a visão fraca com seu orvalho, se antes disto o coração se regozijou com seu perfume maravilhoso. Observando as inúmeras estrelas no Firmamento, per- cebereis que não existem duas com a mesma luz. Todavia, há apenas uma entre todas que chamais de ‘estrela de Abel’, que brilha qual gota de orvalho na luz do Sol. Para Deus tanto faz cuidar de um átomo ou de um sol, de um inseto ou de um mamute. É o mesmo que alguém que tivesse muitos dons, podendo dar grandes ou pe- quenos com a mesma vontade e amor. Henoch foi doado com amor
e recebeu uma língua abençoada e um coração iluminado, por isto terá que dar o que tem. Fala, Henoch, e fortalece os teus pais com o supérfluo da Graça Divina.”
AVINDADO SENHOR
Pedindo silenciosamente pela inspiração do Senhor, Henoch se pronunciou da seguinte maneira: “A imensa Graça de Deus, nosso Santo Pai, chegou até nós como bálsamo suave surgido da aurora distante; sim, o Santo Pai está entre nós! Tu, Adão, talvez digas: Mas, como, se o Senhor disse que eu jamais haveria de vê-Lo, pois man- daria um anjo que me conduzisse durante o tempo que Lhe aprou- ver! — Acontece que Deus não cumpriu Sua Palavra por imenso Amor, sendo Sua Ira igual à ira de uma pomba para os arrependidos, enquanto Seu Amor é qual fonte vivificadora que alimenta constan- temente o mar do mundo.
Todos vós patriarcas e também tu, Eva, olhai para o Alto e vede o grande Santo entre nós, o Pai que faltou com a Palavra a Seus filhos. Acabei de falar, e que Se pronuncie Quem me inspirou, pois, diante Dele, minha língua emudece. Santo Pai, pronuncia Tu Mesmo o grande Amém.”
Conforme Henoch havia falado, assim aconteceu, pois Eu pronunciei o grande Amém, visível para todos. Imediatamente se atiraram ao solo e Me adoraram em sua contrição sincera, sem que alguém tivesse ânimo de erguer o olhar. Chamando cada um pelo nome, ordenei que erguessem a cabeça para conhecerem o Santo Pai. Adão Me reconheceu e fez menção de falar, mas sua língua não obedeceu ao seu grande amor. Cheio de piedade, permaneci por algum tempo entre eles a fim de inspirar-lhes força e coragem para suportarem o trovão de Minha Voz e entenderem o sentido das Pa- lavras do Amor eterno que transbordava qual torrente da Fonte Ori- ginal e eterna de todo Ser e Vida.
Depois que todos se sentiram vivificados, Adão se ergueu amparado pelos filhos e disse, cheio de amor, confiança e humil-
dade: “Santo Pai, embora estivéssemos cheios de pecados, Tu nos olhaste pleno de Misericórdia e Amor. Por isto, ouso perguntar-Te, qual seria a fibra vital em nós que justificasse a Tua Presença? Reve- la-nos o que motivou Teu Amor a Te aproximar de nós? Perdoa-nos esta pergunta; todavia, se faça sempre a Tua Vontade!”
Quando Adão terminou de falar diante de Meu Semblante, todos se prosternaram e adoraram o Meu incompreensível Amor; aproximei-Me deles e fi-los levantar para ouvir Minha Palavra: “Meus filhos, ouvi-Me; ouvi Aquele que vos deu uma alma imortal e um espírito vivo a fim de que reconhecêsseis o Meu Amor para con- vosco. Dar-vos-ei futuramente a Vida eterna, resultado de nosso re- cíproco Amor, caso a grande culpa do Amor tiver apagado a mesma, em época futuramente projetada por Mim. Assim como vos criei por Misericórdia, hei de criar tal momento através de Meu Amor.
Se agora sou um Espírito da Graça entre vós, serei posterior- mente um Homem de máximo amor entre os homens. Conquanto reconheçais que Eu, o Pai, Me aproximei de vós como o Espírito mais elevado e eterno de todo Poder e Força e sentis ser Eu a vos falar, vossos descendentes não Me reconhecerão, como Irmão fraco e pobre, mas Me perseguirão e finalmente farão aquilo que Caim fez a Abel. Mas, será difícil matar-se o Senhor da Vida, pois Minha aparente morte servirá de vida eterna para os que crerem ser Eu o Salvador, revestido do Poder do Amor, a fim de expiar a culpa de vossa desobediência entre vós e no mundo inteiro, em todas as es- trelas, onde também existem criaturas que se originam de ti, Adão. Essa culpa se transformará em eterno julgamento para os incrédulos e renitentes, em sua maldade egoísta.
Voltarei sete vezes. Na última, virei no fogo de Minha Santi- dade, e ai dos impuros! Viverão no eterno fogo de Minha Ira!
A Minha primeira Vinda se deu no início do mundo para criar todas as coisas, por vossa e por Minha causa. Dentro em breve voltarei nas grandes águas, para lavar a Terra da peste. As profun- dezas da Terra se tornaram um horror cheio de lodo e peste, sur- gidos de vossa desobediência. Virei por vossa causa, para que não
sucumba a Terra toda e continue um tronco, cujo final descenden- te serei Eu.
Voltarei pela terceira vez de várias maneiras, assim como ora aqui estou entre vós, visível e invisivelmente na Palavra do Espírito, para preparar os Meus Caminhos.
Pela quarta vez, voltarei em imenso sofrimento físico, na grande Época das épocas. Logo após, voltarei pela quinta vez no Espírito do Amor e toda Santidade. Na sexta vez, voltarei interna- mente para junto de cada um que sentir sinceramente a Minha Pre- sença no coração e serei Guia de quem se deixar conduzir cheio de fé para a Vida eterna. Mas também estarei longe do mundo. Quem for aceito terá a Vida verdadeira e Meu Reino será seu para sempre.
Finalmente, voltarei mais uma vez, como já disse, e essa volta será definitiva, dependendo da vontade de cada um. Continuai no Amor, que vos salvará. Amai-Me acima de tudo, pois será vossa vida eterna, e amai-vos reciprocamente para serdes poupados do jul- gamento. Minha Graça e Meu Amor Original sejam convosco até o fim de todos os tempos. Amém.”
Neste instante, a visão se fechou para todos.
OSENTIDOPROFUNDODAPALAVRADE DEUS
Depois de todos se terem refeito, Adão dirigiu-se ao pequeno grupo: “Acabastes de ver e ouvir o Senhor da Eternidade, Deus do Universo, nosso Querido e Santo Pai! Ele é o Mesmo como eu O vi, antes que um mortal O visse. A Voz é a Mesma, cheia de Poder e Força, a cujo Doce Som obedecem mundos e sóis, após terem abandonado sua nulidade, tornando-se aquilo que são, inclusive o maior e mais poderoso espírito que ora se transformou em verme rastejante no pó. Eu mesmo fui colocado em seu lugar como criatura miserável, má, ingrata e cheia de revolta.
O meu espírito se destinava a ser um irmão do Amor eterno da Santidade do Pai. Mas o egoísmo impeliu-o para esta nulidade sem nome. Não sendo possível nos aproximarmos da Divindade,
Ela Mesma Se rebaixará a fim de nos suprir daquilo que jamais um espírito criado poderia imaginar, isto é, Ela quer Se tornar Pai e até mesmo Irmão, unindo-nos assim a Ela para a Vida eterna. Meus fi- lhos, a língua emudece diante de tamanha Grandiosidade de Amor; por isto, prossegue tu, Henoch, pois para tanto foste designado.”
Com humildade, Henoch, inspirado por Minha Graça e Misericórdia, disse: “O que poderia uma criatura fraca dizer quan- do o Amor eterno e a Sabedoria do Pai pronunciaram palavras tão profundas? Considerai que foi Deusque aqui pronunciou palavras grandiosas e nós não as entendemos, pois estamos cientes do que fez para que nós e todo o Universo surgíssemos.
Todavia, temos que confessar que tudo, inclusive a minús- cula poeira do Sol a girar em nossa cabana, nada representa perante Deus, muito embora a completa revelação da consistência do átomo nos ocupasse por uma eternidade. Onde estaria a criatura que com- preendesse a eterna Sabedoria do Pai?
Tudo que vemos é apenas uma Palavra pronunciada por Deus. E quantas Ele acaba de pronunciar, o Mesmo Pai que através do onipotente ‘Que assim seja’ preencheu o Universo com inúme- ros universos. A própria poeira terá que se transformar num corpo celeste e o Universo necessitará de uma dilatação infinita antes que compreendamos o que pretende realizar o Pai para Se transformar em Irmão. Só podemos amá-Lo, e que este amor cresça, pois Ele é o Próprio Amor, e nós somos o que somos, por Ele.”
ABÊNÇÃODIVINANA TERRA
Depois de Henoch ter concluído seu discurso, ele Me agra- deceu pela inspiração recebida. Em seguida, curvou-se diante de Adão e dos patriarcas, que o abraçaram, gratos por Eu o ter dotado de tamanha humildade. Mais tarde, todos se dirigiram, a conselho de Adão, às suas cabanas, enquanto Henoch apanhou seu leito e o levou para a cabana de Adão, onde Eva, já idosa, o ajudou a torná-lo bem macio. Entrementes, chegava Seth com sua companheira, tra-
zendo a refeição para Adão, Eva e Henoch. Antes de se deitar, este pediu a Adão que abençoasse o leito a fim de que sua alma também conseguisse descansar. “Pois, se o corpo repousa”, dizia ele, “a alma deve ter paz. O corpo repousando mal, o espírito não se pode exer- citar na autoanálise e na semelhança de sua forma original em Deus. Sendo o sono, como descanso físico, um benefício de Deus através da natureza, a paz da alma representa o calor interno e silencioso do Amor eterno, do qual é formada a substância para o perfeito desen- volvimento do espírito e assim se tornar um verdadeiro receptáculo do amor, quer dizer, da Vida de Deus.
Não se trata de algo sem importância que me leva a te pedir, pai dos pais, a bênção para o meu leito. Nada existe no mundo que não surgisse da Vida e através dela nos demonstrasse os caminhos da salvação pela infinita Misericórdia do Amor eterno.
As criaturas não deveriam deixar de abençoar tudo, pelo Amor de Deus, isto é, os fenômenos, a noite, o leito, o descanso e tudo o mais. Isto feito, as visões durante o sono demonstrarão à criatura pura as obras do Amor, tornando-se fácil analisar a si mes- ma. Quem desconsiderar as visões e a bênção do leito e do descanso, semelha-se a um cego e surdo, pois o Amor e a Vida desfilarão à sua frente inteiramente mudos.
Se eu não for capaz de perceber a grandiosidade nas coisas ínfimas, como poderia perceber o Infinito e, Nele, o Amor eterno, a Sabedoria, o Poder e a Força de Deus? Por isto, Adão, meu pai, não me negues a bênção de meu leito e dá paz à minha alma para que possa repousar alegremente no Amor de Deus e testemunhar da imensa Graça no Espírito da Verdade da Infinita Misericórdia.”
Deixando-se conduzir para o leito de Henoch, Adão o aben- çoou por três vezes. Em seguida, lhe disse: “Se tu precisas desta bên- ção, todos a necessitarão, inclusive eu; mas, quem o faria para mim?”
Retrucou Henoch: “As montanhas estão carregadas de tua bênção e teu leito certamente foi olhado por Aquele que te aben- çoou antes que um ser humano tivesse erguido o olhar para as mo- radas luminosas do Santo Pai. Se assim é, como poderias me pedir
uma bênção se eu mesmo sou apenas uma partícula de tua bênção provinda de Deus?
Fica na paz de Deus! A própria Terra te foi dada como esca- belo da imensidade de tua bênção; e teu leito já foi abençoado muito antes e assim proporcionou-te um repouso livre e uma paz sublime para tua alma, enquanto a minha é apenas uma alma surgida de ti, portanto uma partícula da enorme bênção que recebeste da Mão do Amor eterno do Santo Pai. Não te preocupes com aquilo que o Senhor te facultou antes que um Sol iluminasse a Terra.
Quanto a mim, posso apenas agradecer-te pela bênção de meu leito; abençoar o teu leito seria um ultraje de minha parte. Como poderia dar quem nada tem, pois recebeu tudo de Deus? Eu recebi apenas amor e só posso transmiti-lo conforme o recebi. A própria bênção só foi dada a ti, e nós mesmos somos tua bênção. Repousa, portanto, na paz de tua alma provinda de Deus.”
Sumamente comovido, Adão disse: “Deste modo falou meu filho Abel quando na fuga do paraíso levava em seus ombros a mim e a minha bênção e ma devolveu no país de Euchipe.
Quanto mais te ouço, tanto mais reconheço a doce voz de meu Abel. Embora teu corpo não seja o dele, tens a mesma constituição, e teu modo de falar tem o mesmo amor e o mes- mo espírito.
Santo e Grande Deus, a Terra por certo não será habitada por dez vezes mais do que eu a habitei e ainda o farei. Mas, ainda que vivesse até o fim, que mais poderia imaginar caso Tu, ó Jeho- vah, me restituísses o meu Abel? Este desejo aparentemente irre- alizável cumpriu-se maravilhosamente. Só Te posso agradecer pela devolução de Abel em Henoch, portanto me devolveste a bênção de que me achaste digno, pois de sua estirpe deverá surgir um rebento como irmão de todos os meus filhos. Queira aceitar, ó Jehovah, mi- nha profunda gratidão.
E tu, Eva, não preparaste em vão o leito de Henoch, tão macio e agradável, pois aquele a quem choraste durante seiscentos anos, nos foi devolvido em Henoch. Alegra-te comigo, pois ele ja-
mais morrerá, mas viverá depois de nós para voltar após de onde veio. Não é assim, Henoch?”
Respondeu Henoch: “Sim, Adão, minha carne é de Eva, minha alma veio de ti e o meu espírito, de Deus. Como deixaria de ser aquele a quem abençoaste, Abel, teu descendente querido, pois o meu espírito e o de Abel são um só, provindo de Deus. Repousai, tu e Eva, na paz de vossa alma.”
ORAÇÃOMATINALDEADÃOE HENOCH
Assim, os três se recolheram, dormindo até que uma brisa fresca e matinal os despertou. Cada um fez uma oração silenciosa, enquanto Adão pronunciava: “Santo e Amantíssimo Pai, em Teu Nome cheio de Poder e Força despertei para um novo dia. Permite que durante o mesmo possa pensar e agir de modo que o pôr do Sol me transmita suavemente: Adão, regozija-te, pois não desviaste teu olhar da Face de Jehovah e teus pés, das trilhas do Amor Eterno, e assim como o Sol caminhou silenciosamente, aquecendo o firma- mento, teu coração seguiu o doce sussurro do Espírito Eterno.
Pai, que nunca desviaste Teu Semblante de mim, não o faças hoje, nem por todo o sempre. Que Teu Amor afaste as pedras do meu trajeto, para que os meus pés não me levem à queda, impedin- do seguir os Teus Caminhos com retidão.
Conta os meus cabelos e que nenhum se perca; fortalece-
-me, pois sou fraco, a fim de poder abençoar os meus filhos dados por Ti. Atende o meu pedido, em nome de todas as criaturas e se- res. Amém.”
Em seguida, Henoch, a pedido de Adão, pronunciou seu pe- dido a Mim, da seguinte maneira: “Grande Deus e Santo Pai, muito embora saiba que não consideras as palavras pronunciadas, quero atender ao desejo de Teu filho Adão. Quem poderia aprofundar-se na Grandiosidade de Tuas Infinitas Ações de Amor? O que é o ho- mem para que Tu Te lembrasses dele, Tu diante de Quem eternida- des se desvanecem quais flocos de neve?
Quão imenso deve ser Teu Amor, pois que a criatura fra- ca ainda consegue existir diante de Ti em sua ingratidão, suposto amor e humildade. Jamais poderá avaliar sua imensa culpa e nuli- dade frente à Tua Santidade. Ainda que possuísse o pleno amor de todos os irmãos, o que seria o meu amor comparado ao Teu? Todos os universos são apenas gotas de orvalho diante de Ti. Que seja o meu amor fraco e imperfeito tudo o que possa oferecer-Te, e queira fortificar-me cada vez mais, segundo a Tua Misericórdia. Amém.”
CONSIDERAÇÕESMATUTINASDE HENOCH
Disse, em seguida, Adão: “Henoch, transmissor do Amor eterno de Deus, chamei-te de Abel, mas com isto fui injusto e in- grato para com o Pai. Abel foi meu primeiro filho abençoado, dado por Deus, portanto predileto de meu coração e instrumento fiel da Mão Divina para minha salvação. Tu foste enviado posteriormente como bálsamo fortificador, para que a ferida provocada por Caim sarasse em meu coração no fim de minha vida. Se fosses apenas alma e espírito de Abel no corpo de Henoch serias o mesmo que Abel, igual a Seth, que Deus colocou em lugar daquele. Tu foste pelo Se- nhor, através de Seu Amor, depositado na semente de Jared para que te tornasses um fruto puro do Amor e demonstrasses a todos o Caminho suave do mesmo. O Amor é superior à nossa sabedoria, sujeita a falhas, enquanto o Amor cria do próprio lodo marítimo, montanhas e rochas.
Henoch querido, deixa-te abraçar e abençoar, para que tua bênção perdure até o fim dos tempos. Deitaste um bálsamo em meu coração endurecido, que começa a se tornar meigo como fora quando pela primeira vez o Senhor me entregou minha compa- nheira querida. Começa a desabrochar uma roseira com muitos galhos em meus pensamentos, e em cima vejo um botão que, ainda fechado, brilha mais que o Sol ao meio-dia. Tudo isto foi reali- zado por ti.
És, portanto, nem Abel, nem Seth, mas uma existência pura do Amor de Deus, pela semente de Jared, com vida própria, jamais sujeita à morte. Divide o teu supérfluo entre todos para poderem re- conhecer que somente o Amor é a Vida verdadeira e eterna de Deus, e não a sabedoria. Somente agora reconheço que serei indestrutível apenas no Amor, pois toda nossa sabedoria terá que ser destruída perante Deus. Mas o Amor, o pequeno Amor, será futuramente de- senvolvido por Deus, por ser Ele Mesmo puro Amor.”
Terminando de falar, Adão apertou Henoch contra o peito e pediu-lhe para verificar a situação das estrelas, do Sol, dos ventos etc. Quando chegou ao ar livre, Henoch orou: “Ó Santo Pai de Amor e Misericórdia! Quão pequeninas e isoladas brilham as estre- las enormes em Tua Imensa Casa! Entretanto, seu número não tem fim, a Casa não tem paredes, pois tudo flutua em Tua Misericórdia e se agarra a Teu Amor, não havendo força senão a Tua a conduzi-las pelos infinitos trâmites da vida.
Jamais terminarei de louvar-Te e cada átomo me incentivará a prosseguir em meu louvor, pois me deste um coração cheio de amor e devoção. Sempre hei de ser alegre por Tua imensa Bondade que manifestas a cada um que se regozija em Teu Nome. Alegria, alegria, bela companheira do Amor, quão doce és para o coração que palpita segundo a Vontade do Santo Pai. Aceita, Amantíssimo Pai, com Paciência, o meu fraco balbuciar. Amém.”
ALEGRIADEJAREDCOMSEUFILHO HENOCH
Enquanto Henoch se prontificava a observar tudo conforme Adão lhe havia recomendado, aproxima-se Jared, dizendo: “Meu fi- lho, não consegui conciliar o sono por teres encontrado tamanha Graça perante Deus. Quem jamais se teria atrevido a procurar a ca- bana abençoada de Adão, após o pôr do sol, e agora te foi concedido habitá-la! Dize-me, o que te traz a esta hora, deixando habitação tão santificada!”
Retrucou Henoch: “Caro pai, aquele que me incumbiu de determinada tarefa está acima de ti e de mim, é o primeiro entre nós todos na Terra e cabe-lhe ser o primeiro a saber do motivo que me trouxe aqui. Tão logo ele aparecer, sabê-lo-ás ao surgir do sol.”
Enquanto Henoch assim se externava, surgia Seth de sua ca- bana, sendo respeitosamente cumprimentado por ambos. De pron- to, Seth repetiu a mesma pergunta de Jared, sem conseguir informa- ção. Como se admirasse da atitude de Henoch, este respondeu: “Pai Seth, és um filho abençoado e tomaste o lugar de Abel; sabes, pois, que Deus e Adão estão mais perto de ti que eu e meu pai, Jared.
Se Adão me incumbiu de estudar certos fatos pertencentes a seu coração, não podes exigir de mim que te forneça o resultado, que ele deverá dar, como pai de todos.
Tudo que possuo te pode ser dado sem restrições, pois te pertencia antes que fosse meu. Mas, Adão tem certos privilégios e terá que receber primeiro para poder retransmitir a todos nós. O Sol se aproxima do horizonte, a Lua está desaparecendo e as estrelas abandonam seu palco noturno, enquanto Adão já se acha esperando por mim diante de sua porta. Mais um pouco de paciência e logo sabereis o motivo de minha atitude.”
Dirigindo-se para a cabana de Adão, Henoch se curvou dian- te do mesmo, entrou em companhia deste e lhe relatou fielmente o que havia observado. Uma vez cientificado de tudo, Adão dirigiu-se primeiro para Eva e disse: “Fiel companheira, repousa na Graça de Deus até eu voltar, pois os filhos já aguardam a minha bênção, nas montanhas. Tu, caro Henoch, leva-me à montanha ao Sul, a fim de que minha bênção acompanhe os raios solares.”
CANÇÃOMATUTINADE HENOCH
Chegando à montanha, sete minutos antes da aurora, Adão se ajoelhou e agradeceu pelo novo dia, pedindo a Minha Bênção a fim de que pudesse abençoar em Meu Nome todos os seus filhos. Imediatamente sentiu o Meu Sussurro delicado, passando-o para
os demais. Mas também se lembrou dos filhos das planícies e no mesmo instante rompiam os primeiros raios do Sol no Horizonte, despertando grande emoção no primeiro homem da Terra. Assim, transmitiu sua alegria para Henoch e pediu que se expressasse con- forme havia feito após a prece matinal.
Henoch, porém, respondeu: “Exiges algo que sou incapaz de realizar. Não sou inspirado qual Seth, mas transmitirei aquilo que se manifesta dentro do meu coração. Meu pai, o que vem a ser esta manhã passageira diante da aurora eterna do espírito surgido do Infinito Amor do Santo Pai! Este Sol com seu fraco fulgor, o que representa sua luz perante a eterna Glória do Amor divino? Ele é o último ponto de partida de uma fagulha de Graça do Amor de Deus; no entanto, nos deslumbramos com sua majestade. Que farí- amos se conseguíssemos ver a Fonte Original de toda a Luz do Pai em Sua Santidade?
Longe de mim querer criticar o Sol, mas ele deveria ser o pri- meiro professor a nos ensinar: Fracas criaturas, por que vos admirais de mim, que sou simples iluminador da Terra? Quão fraco é aquilo que ofusca o vosso olhar na minha superfície comparado com o que abrigais no peito! Se tivesse eu recebido vosso menor dom, minha luz penetraria nos polos do próprio Infinito. Assim não sendo, e meus raios se retraindo, o olhar de vosso espírito projeta com todo poder sua força e recebe em troca outros mais fortes e renovadores, da Aurora eterna do Amor em Deus.
O Sol tem toda razão em nos transmitir tal conhecimento através de seu primeiro raiar, pois nosso coração se alegra com sua presença e todos os animais se regozijam, assim como as flores a abrirem suas corolas; mas, considerando que, para sentirmos o belo, preciso é haver uma criatura capaz de projetar tais pensamentos caso sua alma tenha atingido a serenidade do Amor de Deus, todo e qualquer pensamento subsequente se encontrará dentro da verda- deira ordem.
Se sabemos disto, como nos alegramos diariamente quando o Sol, segundo a Vontade de Deus, é impelido em determinada hora?
Ao passo que, considerando nosso espírito livre, não nos extasia- mos com a luz da nossa centelha divina, que jamais se apaga, porém brilha com a mesma capacidade de amor e força, nos âmbitos da Graça e de todo Amor de nosso Santo Pai. Facilmente nos admira- mos com o ninho de uma ave, louvando a Deus por esse milagre, enquanto uma obra inestimável do espírito imortal é simplesmente desconsiderada.
Como eleva a nossa alma o rumor dos cedros quando um vento implacável os sacode com violência. Mas, o sussurro do espí- rito do eterno Amor é desapercebido pelo nosso ouvido habituado a ouvir a fala na tempestade, sem perceber a chamada forte da Voz de Deus no próprio peito.
Praticamos nossas oferendas e acreditamos prestar um agrado a Deus caso deitemos a face no pó. A verdadeira oferenda ao Senhor, do puro amor em espírito e verdade, não é por nós considerada.
Acredito que, se fazemos a oferenda para prova visível de nos- sa cegueira espiritual, não devemos desconsiderar a coisa principal pela qual unicamente se condiciona a Vida verdadeira e eterna do Amor em Deus. Isto também nos diz a casca da árvore, pois nin- guém poderia afirmar que a árvore existe por causa de casca, pois esta protege o vegetal para ocultar as forças criadoras de Deus aos nossos olhos, enquanto Ele falaria: Ocultei a vida dentro da carne para que a morte não a perceba, e também ocultei Minha Posse den- tro de ti a fim de que a abrigasses até a época da revelação. Debaixo da casca age um poderoso impulso, organizando tudo segundo o amor santificado de Deus.
Assim, tudo que vemos com os nossos olhos físicos é apenas uma veste morta na qual age uma vida serena que nos deve atrair, isto é: a nossa própria. Se isto tivermos feito, os milagres que nos rodeiam se tornam vivos, quando anteriormente nos deixávamos enlear pela simples observação.
Quem poderia admirar-se de uma gota d’água por ser água? Pois, o que faríamos na contemplação do mar ou de uma forte chuva a fortificar o solo? Mas, quando o espírito vislumbrar sua própria
figura dentro de uma gota d’água, então começará a colher para o receptáculo da vida e não se cansará de estupefação ao descobrir dentro de si e de seus irmãos o maior milagre, ou seja, o eterno e infinito Amor de Deus, cheio de humildade dentro de nós.”
ASABEDORIADE HENOCH
Sumamente admirado com o discurso de Henoch, Adão lhe disse: “Ó amor, quem és tu que não consigo aborrecer-me conti- go? És um formidável orador, Henoch, e me demonstraste nitida- mente a minha culpa tocando precisamente os pontos que até hoje foram respeitados por todos, desde Abel. Mas, quem poderia ficar sentido contigo quando pronuncias coisas puramente provindas do Amor eterno?
Nenhuma criatura poderia pronunciar-se como tu, a menos que tivesse recebido inspiração do Alto; além disto, ninguém teria forças para falar algo diante de mim, caso não tivesse recebido senti- do tão poderoso por parte da Onipotência do Amor do Pai.
Falas sem receio e distribuis amor do grande receptáculo, não te cabendo responsabilidade, pois teu amor assume toda a culpa, portanto também a minha.
Teu pronunciamento se assemelha a um sol que surge no horizonte, que no início pode ser fitado com alegria. Mas, à medida que se eleva, qualquer observador se vê obrigado a cobrir os olhos. Jamais poderei assimilar inteiramente o quanto me disseste, fazen- do-me alegre e triste. Alegre porque nunca teu espírito angelical che- gou a brilhar como agora; triste, em consequência da visão clara de meus inúmeros erros diante de Deus e de Sua Santa Ordem.
Considerando, porém, que ontem nos anunciaste a inespera- da vinda do Amor eterno, fico de novo alegre. Agora deixa-nos vol- tar à cabana, onde Seth nos aguarda com o desjejum. Em seguida, visitaremos os filhos para alegrá-los com nossa presença. Eva, Seth, seu primeiro filho Enos, o primeiro filho deste, Kenan o primeiro filho deste, Mahalalel e o primeiro filho deste, Jared, teu pai, estarão
presentes. Que nunca venhas a calar-te pois tuas palavras nos fazem um grande bem. Eis que Seth vem ao nosso encontro; vamos!”
GRATIDÃOELOUVOR VERDADEIROS
Ao chegarem à cabana de Adão onde Eva os aguardava, Seth e os demais fizeram menção de pronunciar a oração matinal, quan- do Adão os advertiu a ouvirem a de Henoch, que dizia: “Santo e Amantíssimo Pai, ouve o fraco balbuciar de um mísero verme da Terra no dia de Tua Eterna Misericórdia e Teu Infinito Amor. Foi da Tua Vontade extrair do pó da Terra nosso pai Adão, e dele, Eva, nossa mãe, neles depositando a força procriadora, de onde surgiram e ainda surgirão inúmeras gerações até o fim dos tempos. Louvor e gratidão por essa Graça, cuja magnitude conseguimos apenas sentir, pois determinaste aos seres que nunca existiram, que surgissem e se firmassem no conhecimento de si mesmos e de Ti, para conhecer-Te em toda liberdade e ver Tua Majestade, admirando-se das Obras de Teu Poder e Glória.
Que tenhamos sempre em mente que fora o Teu Amor a fa- zer surgir do pó da Terra nosso pai Adão, e que a Mão de Teu Amor o modelou segundo Tua Imagem, e a nós todos também. Aceita nosso brado insignificante, conquanto indigno de se aproximar de Teu Coração, e abençoa nosso alimento. Amém.”
Após todos se terem saciado, Henoch, que agradecera pelo desjejum a pedido de Adão, prosseguiu: “Seria muito justo que agradecêssemos constantemente por todas as dádivas conferidas por Deus, e com voz tão forte a fazer estremecer até o Universo. Mas, de que serviria ao Senhor caso quiséssemos demonstrar-Lhe o efeito de Seu Amor em nosso peito?
Ele nada disto necessita, pois sabe perfeitamente o que de- positou em Suas Obras. Representamos algo somente em nossa hu- milde fraqueza, mas nossa força é tolice diante dos olhos de Sua Santidade. Sendo Ele nossa força, como nos vangloriarmos daquilo que não nos pertence, pois é Posse Daquele Que nos supriu em
Sua Imensa Misericórdia a fim de que nos tornássemos Sua verda- deira posse?
Se pretendemos louvar e agradecer condignamente ao Se- nhor, que o façamos com humildade e em nossa fraqueza, e assim Ele nos considerará, fortalecendo-nos com Seu Infinito Amor.”
Algo surpreendido, Adão redarguiu: “Mas, que acabaste de falar? Se eu não o entendi, como o entenderão os meus filhos, por cuja razão pedi que falasses? Segundo minha compreensão, não de- vemos louvar nem agradecer ao Senhor, pois todos nós somos Obras Dele, e a recordação de Suas Obras nos levaria a que Ele Mesmo Se louvasse e agradecesse.
Neste caso, nossa ação seria simples ultraje diante de Deus, se julgássemos ser os obreiros, enquanto é Deus o Criador de tudo. É preciso que nos esclareças melhor, do contrário sucumbiremos em nossas dúvidas.”
Estupefato, Henoch respondeu: “Mas, como é isto possível? Quem poderia comer a madeira da árvore, quando ela produz o doce fruto? Ao saboreá-lo, agradecemos pelo fruto e não pela árvore que o produziu. Se fôssemos nós a madeira de uma árvore e conse- guíssemos produzir um fruto, quem deveria agradecer ao Senhor, a árvore ou o fruto?
Por acaso não representa o fruto uma Dádiva de Amor do Senhor? No entanto, ele não pode nem deve Lhe agradecer, mas sim à arvore como lei libertada conquanto surgida do mesmo fruto; e isto porque lhe fora dada do Alto a força ininterrupta de produzir um fruto vivo e neste inúmeros outros.
Qual é a diferença se se planta um galho no solo do qual em algum tempo surgiria outro vegetal, ou se se deita na terra um fruto com o mesmo resultado?
Nós representamos os galhos, e a semente é a Bênção de Deus. Se reconhecemos que não somos fruto nem semente, mas ape- nas galhos e vegetais para que fôssemos abençoados com fruto e se- mente, a voz dentro de nós representa o fruto e a semente que, por si, não devem louvar e agradecer, porquanto merecem louvor e gratidão.
Somos comparáveis à árvore e aos galhos, e convém lou- varmos e agradecermos pelo que somos e não pelo que recebemos, a fim de nos tornarmos inteiramente livres diante de Deus, corres- pondendo aos Seus Santos Desígnios.”
CONFISSÃODE KENAN
Todos se admiram da profunda sabedoria de Henoch, jovem tão despretensioso, e o próprio Adão se viu obrigado a calar. Kenan, porém, disse: “Pai Adão, até agora fui visionário obrigado a interpre- tar nos antessábados as minhas e as tuas visões no firmamento a fim de que as passasses para os filhos.
O Senhor houve por bem abençoar e soltar Pessoalmente a língua de Henoch; por isto não ouso expressar-me diante de todos. Que esta incumbência seja igualmente dada a Henoch! Se em outros tempos lavamos o corpo dele com orvalho matinal, tanto mais ne- cessitamos ser lavados com o orvalho de seu espírito.
Confesso abertamente: Quem não for lavado com essa água sucumbirá e sua vida murchará qual erva sem alimento umedece- dor. O Senhor agraciou apenas um, para que os demais se fartas- sem quando necessário. A vida foi dada a todos, mas a imortalidade acolhe em si apenas um, para todos. Quem quiser recebê-la será imortal como ele. Quem a desconsiderar, morrerá na época em que o Senhor deitar Sua Foice na erva seca.
Se deitamos a mão no coração, percebemos seu pulsar ritma- do. Mas, se perguntarmos: Onde bate teu pulsar, coração inquieto? — ouviremos a resposta tétrica: Bato constantemente na porta ênea da morte eterna e aguardo com grande pavor o momento de ser tragado.
Se perguntarmos ao coração de Henoch: Onde bates? — ele responderá: Bato constantemente nas portas luminosas da vida e estou certo de que elas dentro em breve se abrirão para receber-me na plenitude da Vida de Deus, da qual agora apenas uma gota de orvalho me anima e vivifica. Isto percebi por várias vezes em mi- nhas visões. Mas, que isto não continuará assim todos aprendem
pelo amor à vida. Não podemos dar o que não possuímos, todavia podemos receber de quem tem. Henoch o recebeu do Alto, poden- do e querendo transmiti-lo; depende de nós querer aceitá-lo. Por isto, Henoch, usa tua língua cheia de vida para sermos lavados dos pés à cabeça, com o orvalho provindo da Aurora do Senhor. Pai Adão, deixa que Henoch nos esclareça os sinais celestes e terrestres. Amém.” Prossegue, em seguida, Henoch: “As estrelas seguem seus trâmites e brilham ora mais, ora menos; os ventos sopram de vários pontos carregando nuvens sutis ou massas imensas em suas asas; os vegetais tremem com seus galhos — e nós desconhecemos a ra- zão de tudo isto. Mas, quando se aproxima a colheita, constatamos que o Senhor soube dirigir sabiamente os Seus elementos, não nos preocupando a trajetória final dos ventos. Este quadro representa a melhor explicação, pois tudo que é feito pelo Senhor é bem feito. A nós compete entregarmos tudo a Ele sem querer interpretar os Seus Caminhos, pois é preferível procurarmos a nós mesmos e a vida dentro de nós. Nisto reside todo o segredo de nossa vida. Amém.”
AGRUTADE ADÃO
Após ter Henoch terminado sua interpretação, Seth o abra- çou, dizendo: “Quão breve é a palavra do Amor nos caminhos lu- minosos de sua sabedoria, cheios de vida, força e ação! Se o intelec- to humano contar todas as estrelas com dificuldade, investigar os trâmites dos ventos, mirar o rumo das nuvens, quiser dispersar as neblinas adormecidas nos vales e pretender sondar da flora como descansara durante a noite, a fim de deduzir o resultado da colheita futura — a interpretação de Henoch caiu do Céu e nos livra de to- das as fúteis observações que se igualam ao conhecimento da época que passou há séculos. Continua, Henoch, a nos esclarecer a teu modo, para talvez produzirmos igualmente os frutos abençoados da Vida eterna.”
Nisto, Adão se levanta e diz: “Minha bênção se estende a to- dos os de coração bom e devoto. Agora procuraremos nossos filhos
em missão para transmitir-lhes o que os espera no dia de amanhã, por parte de Henoch. Que o Senhor proteja todos os nossos pas- sos. Amém.”
Todos se põem a caminho e depois de certo tempo alcançam uma gruta da qual corria uma fonte puríssima. A gruta era chama- da de “Repouso de Adão” e a fonte “O Ribeirinho das Lágrimas de Eva”, onde Adão costumava descansar. A gruta era enorme e fa- cilmente comportaria vinte mil pessoas; sua altura media mais de cem metros. De certo modo tratava-se de um túnel que, em direção ao Sul, dava passagem a um cone verde-amarelo em cujo centro se achava uma fonte que jorrava alto, pela qual a luz do Sol se quebrava em vários prismas coloridos.
Esta é a razão por que Adão apreciava este local, cuja pas- sagem era permitida somente aos primeiros filhos, pois os demais poderiam cair em idolatria por esta maravilha. Chegando ao centro, onde havia grande quantidade de blocos de cristal colorido, entre os quais havia um chamado “A Cadeira Dourada do Pai”, Adão e os acompanhantes tomaram assento. Somente Henoch ficou em pé ao lado de Adão. Prontamente é ele convidado a falar e não se fez de rogado, dizendo: “Sempre que alguém era convidado a falar eram-lhe feitas perguntas. Agora devo falar sem que tivesse sido in- quirido. Assim sendo, posso expressar o que meu olhar percebe em traços indeléveis no coração. Esses traços são vivas demonstrações do Amor eterno e da Misericórdia do Pai, portanto usarei as palavras imortais de nosso Deus, nosso Santo Pai, cheio de Amor, Graça e Misericórdia.
Essa gruta é um quadro fiel do coração humano em relação a Deus. Não conseguimos descobrir um ponto opaco sequer, com ex- ceção do solo. Olhemos para o alto, a cúpula iluminada por milha- res de prismas coloridos, como vivificam a fonte viva. Quem poderia descrever o deslumbramento que surpreende o olhar por mutações constantes, em que cada gota se parece a uma estrela cadente que, pelo seu atrevimento de querer subir ao Céu, é imediatamente ati- rada ao solo.
Se dirigirmos nosso olhar para o Sul, o caminho reflete uma luz esverdeada. Se voltarmos o olhar de onde viemos, ele irradia uma luz amarela e finalmente vermelha. Assim, nossa visão é constante- mente surpreendida por uma luz diferente. É justo agradecermos a Deus por tamanhas maravilhas, mas outra é a questão caso pergun- tarmos ao nosso coração se o Criador teria feito tudo isto apenas para nossa distração, ou se teria ocultado outros fatores que devemos procurar para a verdadeira glorificação de Seu Santíssimo Nome.
Nós mesmos representamos essa gruta na vida eterna, com um início ao Norte e um final ao Sul. Encontramo-nos no centro em nossa vida física, pelo qual entramos como filhos da Graça e Misericórdia que apenas veem o ponto central da vida, desconsi- derando que essa gruta da vida não está fechada, pois mantém para todos uma saída para o Sul.
Meus queridos, a chamazinha sublime do Amor eterno é uma simples luz, e a visão da alma representa a cúpula majestosa. A fonte é comparada ao nosso espírito que tende constantemente a subir para a luz; no entanto, é sempre retido com a seguinte admo- estação: ‘Por que almejas subir? Lá em cima não há caminho para ti; fica, ou volta à bacia dourada de teu amor humilde e obediente. Lá deves fitar-te na luz enganosa de tua alma para estares pronto a seguir a direção do ribeirinho. Somente então os raios possantes do Sol da Graça te levarão como nuvenzinhas de fogo, em perfeita liberdade de tua vida, de onde vieste.’ Peço que essa interpretação seja acrescida às anteriores.”
CONFISSÃODE ADÃO
Entusiasmado, Seth se levanta e diz: “É realmente assim como tu, caro Henoch, acabas de falar, pois percebi como minha inteligência dava verdadeiros saltos. Mas, quando essa força fútil me entregava à minha própria fraqueza em alturas limitadas, pronta- mente caía, como essas gotas, na bacia de minha nulidade inata, onde sou tragado, humilhado e finalmente arrastado pelo hábito e
a rotina reconhecendo a grande Lei que o Senhor depositou em mi- nha natureza. Como não recebi Dele asas para voar, convém perma- necer em casa e aguardar com gratidão até que a eterna Misericórdia se digne que eu, a gotinha modesta, seja recebida pelo ribeirinho que a levará para onde ilumina a Graça do Senhor, não havendo perigo de perecer. Dize-me, Henoch, se compreendi tuas palavras.”
Muito contente, este respondeu: “Entendeste perfeitamente a voz do Amor que se projetou à minha língua. Nada do que digo é meu, mas expressão do Amor eterno do Pai, pelo que devo agradecer com todas as forças do meu ser. Futuramente nada existirá em mim que não seja dedicado ao amor, louvor e gratidão ao Pai Santíssimo.
A criatura nada pode e nada faz, ainda que se veja lisonjeada pela consciência benéfica de uma vida superior dentro de si, pois convém entregar-se qual gotinha ao Senhor, que a conduzirá segun- do Seu Amor e Sua Ordem, o que será um benefício para ela.”
Concluiu em seguida Adão: “Meus filhos, o Senhor preparou nosso orador, abrindo-lhe os olhos e libertando nossos ouvidos a fim de compreendermos as grandes finalidades do Pai. Já que ouvimos a interpretação desse meu local predileto, sigamos em frente, pois a Terra comporta ainda muitos segredos para nós.”
Após boa caminhada do grupo, chegaram a um grande vale onde habitavam muitas famílias que, felizes, se deixavam abençoar por Adão e agradeciam em Meu Nome. Deste modo, também se fez o convite para o dia seguinte, sábado, quando deveriam cuidar de um sacrifício condigno. Os patriarcas, entrementes, seguiam cami- nho até que uma rochabrancalhes cortou os passos. Todos se aco- modaram na relva, rodeados pelos filhos menores que se apressavam em trazer água fresca ou frutos.
Pensativo, Adão olhava para o cimo da rocha, caindo em profunda meditação, que ninguém interrompeu, pois perceberam lágrimas em seus olhos. Finalmente, voltou o olhar para os filhos e disse: “Eis minha própria culpa! Ó Grande, Santo e Justo Deus, por que permitiste que minha culpa crescesse para tamanha montanha? Embora esteja eu ainda vivo, ela já atinge quase o Céu. Qual não
será o seu tamanho no Fim dos Tempos? Rodeado de milhares de filhos, num antessábado, aqui estou diante da rocha de minha cul- pa. Do mesmo modo, o último homem há de olhar para o cimo, abandonado de todos os seres e filhos, pagando pelos meus pecados, aguardando com ânsia que a montanha se precipite sobre ele, para exterminá-lo e enterrá-lo sob os escombros de minha grande culpa! Vede, meus filhos, lá em cima, onde ainda há fogo e fumaça, eu surgi e pequei diante da Face de Deus e da Terra.
Era perfeito e todas as criaturas me eram submissas e com- preensivas, desde o centro da Terra até aquele mundo, o mais alto e último, que jamais será atingido pelo pensamento de qualquer espírito. O que resultou de minha culpa? O que foi feito de mim na treva de meu pecado? Um miserável verme no pó, incapaz de supor- tar o mínimo de uma vida miserável.
Quem caísse da última estrela no alto até a mais longínqua da profundeza, teria feito o salto de um grilo comparado à queda de minha situação elevada até este abismo sem nome.
Desde minha existência terrena fui colocado nas alturas para a minha maior humilhação e autoconhecimento. Reconheci-me e por isto caí ainda mais; sim, até aqui, e meus pés caíram ainda mais através de Caim. Ó terrível queda! Eu, que não encontrava seme- lhante além de Deus, sou obrigado a pedir ensino e pão aos meus filhos. Assim é e assim deve ser em Nome Daquele que aprouve fazer de mim o que sou diante de todos.”
Terminando sua confissão, Adão começou a chorar, como- vendo a todos, com exceção de Henoch. Eva sentia duplamente o peso da tristeza, mas procurava ocultá-la para não o impressionar ainda mais. Eis que Seth se aproximou dele, dizendo: “Não chores pelo que te fez o Senhor. Se fosses mau genitor, como poderíamos te amar? Nunca descobrimos algo de maldoso em ti, e tudo que recebemos de ti foi e será sempre bom. Por isto, não te lastimes pela sábia conduta do Santo Pai.
Se em tempos idos te fora dado poder sobre o Universo, este poder era facultado pelo Senhor de todo Poder e Força. A Posse
do Senhor pode ser retirada segundo Sua Ordem. Assim, Ele faz somente o melhor para o nosso bem e, por Sua Misericórdia, po- demos nos chamar de Seus filhos. Desanuvia tua fronte e alegra teu coração, e permite que Henoch nos transmita algo para o proveito de nosso espírito.”
Satisfeito com as palavras de Seth, Adão pediu que Henoch aceitasse o convite de Seth, mas somente depois do afastamento dos demais, com exceção de um que tinha cabelos pretos. Não pertencia ao tronco deles, pois tinha fugido de Lamech para juntar-se como mortal aos imortais. Como de costume, Enos, Kenan e Mahalalel informaram os filhos de se apresentarem antes da aurora diante da cabana de Adão, trazendo as suas oferendas. Por ora deviam se afas- tar, pois o pai necessitava de breve repouso. A determinado sinal, poderiam se reunir de novo para acompanhar Adão até os filhos do meio-dia, de onde então poderiam voltar aos seus lares.
Isto feito, Adão se dirigiu ao forasteiro e disse: “O que te trouxe até aqui? Responde ou foge das vistas do pai dos pais da Terra. Em tuas veias corre sangue mortal e em tua fronte vê-se niti- damente o sinal de Caim. Fala!”
O estranho atirou-se diante de Adão e balbuciou alguns sons inarticulados, que ninguém entendia, com exceção de Henoch. Seth virou-se para Adão dizendo: “Teu zelo mata o filho da Terra. Retira tua justiça e pede que Henoch o vivifique para poder cumprir tuas ordens.”
Adão consentiu ao desejo de Seth e disse para Henoch: “Eis um morto das profundezas. Vivifica-o e solta sua língua para que possa expressar o desejo de seu coração.” Levantando-se, Henoch protestou: “Como é possível classificá-lo de filho morto da Terra porquanto vive, sendo apenas um pobre homem das planícies! Se um animal enfermo se apresenta diante de nossa habitação, não o enxotamos, mas damos-lhe tratamento até que se cure. Mas, quando se apresenta um pobre e perdido homem da profundeza, deixamos que se atire no pó qual verme.
Todavia, vimos que aqui chegou vivo e sabemos que toda vida e existência provêm de Deus. É preciso que lhe façamos ver
o Grande Deus das Alturas, pois Seu Amor ultrapassa os limites de nossos pensamentos mais arrojados. Como então não deveria o Amor eterno tocar os filhos das profundezas? E se o Amor aqui o atraiu, cabe-nos não o afastar, mas aceitá-lo como se tivesse nascido aqui, onde ainda existem fogo e fumaça, julgando tolamente que a pedra represente nossa culpa!
Pouca importância tem a altura de tal rocha, que é apenas rocha, assim como nós somos filhos imortais de Deus, ela perecível, nós eternamente imperecíveis. Tudo depende de nosso amor que não deve excluir qualquer ser, muito menos um pobre irmão da pro- fundeza. Somos apenas filhos do Amor e, por isto, filhos de Deus. Façamos por merecer aquilo que somos.”
ASMAEL,O FORASTEIRO
1. A pedido de Adão, Enos ergueu o forasteiro e disse: “Neste instante me veio a recordação de um sonho em que nos encontráva- mos nesta zona maravilhosa, alegrando-nos com os inúmeros filhos convidados para o sábado. Súbito, surgiu uma figura luminosa em nosso meio, a ponto de nos apavorarmos com o seu forte brilho. Não demorou a revelar-se como Abel, trazendo um homem igual a esse e dizendo para Adão: Além de mim, ninguém sofreu por parte de Caim, não contando a perda de meu corpo. Pude perdoar-lhe de coração, porque nunca tive rancor contra ele. Quando mais tarde ele fugia da perseguição de seu filho Hanoch até chegar à beira de um grande mar, onde quase pereceu de calor, fome e sede, eu me acer- quei dele com a Permissão do Pai. Suas lágrimas de arrependimento muito me tocaram e ensinei-lhe a tecer um cesto que o levou, com os seus, para um país longínquo. O mesmo fiz com vários outros descendentes dele, de melhor índole.
Nunca, porém, tive ânimo de conduzir um deles para junto de ti, Adão, pois conhecia teu rancor contra Caim. No entanto, sabia que o Pai havia dito a ele quando fugia cheio de arrependi- mento: Quem matar Caim, será punido sete vezes. Agora te entrego
um fugitivo, segundo a Vontade de Jehovah; dá-lhe o que procura e aceita-o com amor paternal. Em suas veias corre também o teu san- gue. Anima-o com tua bênção, que o Senhor há de despertar os teus filhos para poderem pregar o Nome Dele aos filhos das planícies, para salvação da Terra.
Este foi o meu sonho e agora vejo o mesmo homem entre nós e vi também o luminoso Abel deixar este local. Henoch certamente também o viu, pois ficou silencioso. Expressei o meu pedido; fazei o que vos apraz.”
Henoch confirmou a assertiva de Enos, enquanto Adão, curioso, indagava: “Onde se encontrava Abel?” — Ambos aponta- ram o mesmo lugar, onde Abel confessara sua fidelidade e seu amor perante Adão. Sumamente feliz, ele exclamou: “Aceitarei a todos, ainda que fosse o próprio Caim trazido por Abel. Trazei-me o fraco protegido de Abel para abençoá-lo e mostrar-lhe, em mim, o pri- meiro homem da Terra, não gerado, mas diretamente surgido da Mão poderosa do Amor eterno, e a mãe de todos os homens, que surgiu de mim, e, finalmente, Aquele do Qual testemunham todas as Eternidades como nós mesmos que recebemos um espírito eter- no de Deus.”
Assim, Adão abençoou por três vezes o fugitivo e perguntou-
-lhe seu nome. Ele respondeu: “Perdoa-me, pai de todos os pais da Terra, mas não tenho nome. Fui apenas escravo que nas planícies não têm nome, sendo chamados por berros e gritos. Podem enten- der a linguagem, mas não lhes é permitido falar, pois a desobediên- cia lhes acarretaria a morte mais cruel. A morte ainda é o meio mais suave de sofrimento e não ousarei relatar as crueldades praticadas pelos esbirros de Lamech.”
Apavorado com o que ouvira, Adão já se prontificava a pronunciar uma maldição sobre as planícies. Mas o homem inter- rompeu seu intento, dizendo: “Não faças isto! Eles não carecem de maldições e Lamech é suficiente para a Terra toda. É preferível que abençoes os sofredores, pois, ai deles caso aumentasses o solo trevoso daqueles pobres animais. Seu sangue clama às estrelas, pedindo vin-
gança, e se fores pronunciar alguma imprecação, as ondas sangrentas haveriam de banhar os cumes das montanhas sagradas. Pai de todos os pais, abençoa onde pretendes amaldiçoar.”
Comovido, Adão retrucou: “Pobre filho provindo do sangue de Caim, como conseguiste falar qual Kenan? Tuas palavras tradu- zem o verdadeiro sentido, como se estivesses entre nós qual cantor sagrado por Deus.” Respondeu o outro: “Muito me alegra ser lou- vado pelo pai de tão sábio professor. Foi Abel, teu filho luminoso, que me soltou a língua para que pudesse pronunciar a verdade em formas agradáveis a ti e aos teus. Deixa, pois, que o pobre fugitivo procure em vosso meio o poderoso Soberano de justiça e bondade, do Qual testemunham todas as estrelas, a Lua e o Sol. Pronuncia o teu amém, ó pai dos pais da Terra!”
Tocado de profunda emoção, Adão não conseguia proferir palavra. Finalmente disse: “Não havendo qualquer dúvida a respeito da veracidade de tua assertiva, que se faça segundo almeja o teu co- ração. À minha direita vês o jovem Henoch, abençoado orador do Senhor, que será teu futuro professor. Como ainda não tens nome, chamar-te-ei de Asmael, que quer dizer Forasteiro à procura de Deus. Aqui tudo tem que ter uma denominação, de acordo com sua con- dição e propriedade, razão porque ninguém pode ficar sem nome.
Cada nome tem que corresponder ao dono, que terá de viver fielmente dentro do seu valor, do contrário será mentiroso. Assim, terás que fazer o mesmo para não te tornares um mentiro- so perante Deus e todos os Seus filhos. Deste modo, te abençoo, chamando-te de Asmael, e te elevando para meu filho, aceito pelos demais, e Henoch será teu irmão e professor. Tu, Jared, o guiarás. Que o Senhor abra o teu coração e todos os sentidos de tua alma para Vida eterna de teu espírito em Deus. Amém.”
Asmael atirou-se aos pés de Adão, beijou-os e agradeceu de viva voz pela grande Graça recebida. Percebendo os efeitos da bên- ção, disse: “Não mereço o nome maravilhoso de Asmael; no entan- to, creio que um nome obriga a seguir a lei à medida que o conhe- cimento lhe abre o caminho. Se alguém fosse obrigado a seguir os
trâmites distantes do Sol e das estrelas como portador de um nome unificador, teria que cumprir sua obrigação, ainda que ultrapassasse o compromisso. Para quem várias vezes teve que lutar contra a mor- te, não se torna difícil seguir o caminho da Vida eterna. E quando se foi obrigado a batalhar no lodo trevoso, pelo caminho que leva à luz mais escassa, muitas vezes abafada no início por dúvidas terríveis, facilmente seguirá a trilha luminosa para a Vida. Maravilhoso nome é o de ‘Asmael’, estrela guia para as alturas eternas da Luz e da Vida. Não será em vão que o forasteiro usará tal Graça. Amém.”
A HUMILDADE
Em seguida, ergueu-se Adão, dizendo: “Henoch, chegou a tua vez de falar. Fiz o que me competia, segundo minha vontade amorosa. Mas, nosso amor nem sempre é puro, portanto o êxito de sua ação não pode ser santificado. Mostra-nos os justos caminhos de teu tutelado.”
Dirigindo-se a Mim no íntimo, Henoch disse: “É justo eu ser por vós convidado a me expressar; todavia não se justifica que venha a revelar em minha fraqueza o que todas as eternidades não conseguirão compreender. Porventura julgais que Deus considera um menos que outro, caso ambos pretendam seguir Sua Vontade?
Quem de nós afirmaria não poder enxergar os raios de luz e todas as coisas banhadas por ela? Quem não ouviria o mais leve sussurro que passasse por uma folha seca? Por acaso existiria alguém que não recebesse todos os sentidos, inclusive um coração vibrante? Qual a criança que vos procuraria para um conselho sem que fosse atendida em suas necessidades?
Se vós, criaturas caídas, sois misericordiosas com os estra- nhos, quanto mais o Pai vos suprirá com tudo que necessitais. Assim sendo, não julgueis que eu seja um órgão escolhido para receber a Voz de Deus, pois também sois capazes disto. Dirigi-vos a Ele, que recebereis aquilo que for de Sua Vontade.”
Perplexo, o grupo se calou. Passado algum tempo, todos co- meçaram a se perguntar pelo sentido das poucas palavras de He-
noch. Eis que Seth tomou a palavra, dizendo: “De que nos adianta nossa responsabilidade, porquanto sabemos perfeitamente da nossa capacidade e a medida do Amor do Pai para conosco e o que até hoje ouvimos de Sua Voz. Esta faz parte do Amor, assim como a Sabedo- ria pertence à Graça. Como poderia alguém amar o Senhor e falar por Sua Inspiração, antes de ter recebido o Amor e a Sua Palavra? Quem poderia se vangloriar disto, além de Henoch? Temos a Graça de sermos filhos de Deus e entre todas as criaturas possuímos o dom de sermos humanos, dotados dos mesmos sentidos; que cada um de nós se pergunte se, com tudo isto, temos os mesmos sentimentos.
Daí se conclui que nem todos recebem a mesma Graça, muito menos o mesmo Amor. Sabendo, de própria experiência, da inconstância do Amor, os sacrifícios exigidos para o seu fortaleci- mento, muito embora não afirme que não sejamos capazes de nos tornarmos sempre mais fortes no amor para com o Senhor, certo é que recebemos somente a Graça e, por ela, a capacidade de con- quistar definitivamente o Amor. Nunca o Amor nos será dado a um simples pedido, ainda que muito desejado. Em suma, se aprouve ao Senhor doar o amor a alguém, como fez com Henoch, isto é simples misericórdia, e Ele não necessita pedir conselho para tanto. Pode- mos querer tanto quanto quisermos; o Senhor continua o Mesmo e age segundo Sua Sabedoria insondável, pois somos apenas testemu- nhas de Suas Ações.
Tua modéstia e humildade me são conhecidas, Henoch, sen- do a razão de meu afeto. Não necessitas exagerar, demonstrando tua humildade quando se trata de um serviço que deves a Deus e a nós. Já que começaste a ser orador de Deus, não é suficiente indicar-nos o Senhor, ao Qual todas as coisas são possíveis, pois cabe a quem foi especialmente doado socorrer os menos agraciados, demonstrando que realmente somos Seus filhos.
A verdadeira humildade não deve se afastar do âmbito do amor, caso deva ser do agrado de Deus, e somos obrigados a nos so- correr reciprocamente, quando necessário. Não hesites e supre-nos com o Amor de Deus.”
Nisto se levanta Adão e diz: “O pronunciamento de Henoch foi duro, e o de Seth, suave. Se ambos falaram com justiça, nenhum deles será por mim criticado. Uma coisa é certa: Não se deve dar às crianças alimento para o qual ainda não nasceram dentes. Cabe a ti, Henoch, amolecer o alimento proporcionado, para que tenhamos o devido proveito.”
A este convite, Henoch proferiu o seguinte discurso: “As palavras de Seth foram muito justas, pois é a Vontade do Alto, e todos têm o direito do amor para socorrer o próximo em caso de necessidade.
Mas, julgai o que deveria ser feito se o pai Adão, a fim de não ser obrigado a falar numa questão dos filhos, lhes desse uma resposta curta e dura. Eles não entenderam a resposta e eu tampouco, quer dizer, somente aquilo que ele explicou sob sigilo, para que eles não caíssem em preguiça mental. Se então me obrigassem a falar mais explicitamente, qual das duas exigências seria mais importante?
Impossível não concordardes comigo se, pelo meu silêncio, mantive a ordem de Adão até sua contraordem, pois a palavra dele está acima de qualquer desejo infantil. Sabendo que quando falo não o faço por mim, mas é o Senhor Quem Se pronuncia, como é possível me fazerdes reprimendas se ontem tivestes a prova flagrante como o Senhor visivelmente conduziu minha língua fraca? Se assim é, quem merece reprimenda? Porventura poderia eu externar além da Vontade do Senhor, ou dar mais do que recebi?
Ainda que tivesse recebido em plenitude, mas a Vontade Dele me determinasse certas restrições às quais eu obedeço com te- mor e amor, julgai se não agi acertadamente considerando a Vontade do Pai acima dos desejos dos filhos, que em conjunto nada podem contra Ele e tampouco algo conseguem sem Ele.
A reprimenda contra mim é tão fútil como contra uma ár- vore que não produz outros frutos além dos que o Senhor lhe deu, sejam doces ou amargos. Quanto ao Senhor, onde estaria a criatura
que não aceitasse cada Palavra Dele, para cuja compreensão teria de estudar eternidades?
Se alguém duvidar que eu fale por inspiração do Senhor, qualquer pergunta se torna inútil pela falta de fé e a desconfiança do próprio coração. Como poderia alguém fortalecer seu amor para com o irmão, se seu coração vacila com relação ao Senhor? Confiai na Palavra do Senhor, para vos tornardes fortes no amor.
O filho não está acima do pai. Mas, se o Senhor Se dirige ao filho, este pertence a Ele, e o pai não se deveria aborrecer com a Voz do Senhor no filho. Eu, Asmael e Abel vos transmitimos a Vontade do Senhor, o que é realmente milagre para todos. Por que então per- guntais? O justo é agir pelo amor e com fé no Senhor. O que passa disto é problema Dele.”
APALAVRADEDEUSNOCORAÇÃODO HOMEM
Seth se levanta novamente, dizendo: “Que somos nós e o que podemos? Nada. Julgamos sábias nossas palestras. Mas, agora se me tornou claro que toda nossa sapiência é mera tolice perante Deus, não podendo dar-Lhe prazer. Meu discurso não nasceu de coração nobre? E agora? É simples tolice e me pareço a um homem distraído que, dentro de casa, pergunta pela sua residência.
Por que não percebemos nossa futilidade e assim nos ex- pomos perante o Senhor? Agora estamos verdadeiramente enver- gonhados. No entanto, penso que o Pai, em Sua Imensa Meigui- ce, perdoará nossa preocupação e nos aconselhará com Seu Amor. Em Sua Sabedoria nada somos e Ele nos olhará como se fôssemos crianças adormecidas, julgando que outras também nada vejam de olhos abertos.
No futuro, o Senhor inspirará os filhos para professores de seus genitores, dando a estes um coração infantil. Haverá crianças que em sua impotência farão coisas mais grandiosas do que nós com toda nossa força mental. Dize-me, Henoch, se falei certo e conforta nosso coração.”
Sorrindo, este respondeu: “Perdoai a minha aparente dureza, pois não sou eu a manobrar a língua para vosso entendimento, e sim o Senhor a manipulá-la segundo Seu Agrado. Se pronuncio coisas cujo sentido está oculto qual germe no grão, a própria Natureza nos ensina que o fruto maduro não surge ao ser deitado o grão no solo. Este tem que apodrecer para libertar a vida, podendo crescer sob tempestades, raios do sol e chuva.
O mesmo acontece com as Palavras do Senhor. Elas não fru- tificam à medida que são dadas, mas somente quando forem deita- das no solo de nosso coração e guardadas na casca conservadora e resistente. Quando esta casca for dissolvida pelo nosso amor e absor- vida no coração, romperá o germe vivo, ou seja, a compreensão viva e ativa para a luz do sol do espírito, amadurecendo sob provações, chuvas de amor do Alto e luzes da Graça do Pai Celestial, para um fruto de inestimável valor de toda Vida e Amor na Sabedoria de Deus, nosso Pai. Assim Se externa a Vontade do Senhor; portanto, assimilaremos todas as Suas Palavras segundo a Sua Vontade, pro- vando que realmente somos Seus filhos.”
COMPREENSÃODOS PATRIARCAS
Eis que Adão se dirige aos filhos perguntando se entenderam o discurso de Henoch. Retruca Seth: “Como poderíamos entendê-
-lo, se apenas a semente foi deitada no solo? Recebemos o grão com a casca, dotado de vida. Mas a deterioração da matéria ainda não se deu para libertar a vida. Confio na ajuda do Senhor, transformando nosso coração em novo paraíso.”
Adão dirige-se então a Enos, que responde: “Meu pai, vi cer- ta vez um montão de pedras brutas, de cor uniforme. Não demorou a cair uma chuva benéfica do Céu sobre as pedras que anteriormente tinham sido fortemente aquecidas pelo Sol, de sorte que cada gota era imediatamente absorvida. Começaram a exalar um forte vapor, a ponto que não mais conseguia vê-las. Neste instante, um vento mais impetuoso afastou os vapores das pedras, que se apresentaram
inteiramente diferentes. A cor, antes uniforme, se transformou em multicor, a água as fez transparentes e algumas se desmancharam numa massa branca. Assim consegui ver suas formas variadas.
Deste modo, penso ver diante de mim e dentro de mim tal montão de pedras que, pelos raios da Graça do Alto, foram bas- tante aquecidas, havendo pouca diferença entre elas. Tenho certeza de que quando aparecer a chuva, acompanhada de tempestades, o efeito será idêntico àquelas que vi, semelhando-se as transparentes à compreensão total, e as deterioradas à decomposição da qual surgirá nova vida do solo de meu coração, assim como da massa informe brotou uma erva vicejante.”
Quando Kenan é inquirido, ele responde: “Há pouco tempo percebi, num dia muito quente, que zonas distantes começavam a se desvanecer, não surtindo efeito o maior esforço visual. Finalmente desapareceram e a luz do Sol não conseguia impedir a aproximação daquela ocorrência. As montanhas vizinhas eram pouco a pouco tra- gadas por aquele fenômeno apavorante e comecei a sentir receio por nossa Terra, levando-me a correr para dentro de minha cabana.
Durante a noite caiu um temporal. Raios e trovões se reve- zavam em sua fúria, e uma tremenda chuva caía do Céu, espatifan- do-se nos picos para em seguida cair com estrondo furioso nos vales e dirigindo-se para o mar. Todos nós tremíamos e nosso temor de Deus foi profundo.
Orei. A tempestade passou e a manhã surgiu. Saí da cabana e olhei admirado e grato em redor. Foi a manhã mais linda de minha vida e eu vislumbrava as coisas mais distantes. Por isto, creio con- victamente que após essa noite tempestiva de meu coração venha a surgir uma aurora serena pelo amor a Deus, nosso Santo Pai.”
Quando a pergunta foi feita a Mahalalel a respeito de seu entendimento com relação ao discurso de Henoch, este respondeu: “Há tempos tentei olhar para o sol, o mais que pudesse, para talvez descobrir algo como na Lua. Não levou tempo para perceber o meu desatino, pois quando não mais consegui fitá-lo e desviei o olhar para outro lado, notei que meus olhos nada viam. Perdi-me de tal
modo que só podia sentir o solo e a mim, sem ver algo. Assim pas- sou-se o dia e mal notei que a noite começava a deitar suas sombras sobre a Terra.
Meus filhos me conduziram para casa, onde orei para que o Pai me devolvesse a luz dos olhos que perdera pela minha grande tolice. Adormeci e a noite proporcionou-me bastante orvalho em minhas pálpebras e uma brisa suave refrescava o fogo nos olhos. No dia seguinte apareceu, graças a Deus, uma manhã suave e fresca; minha visão fora fortalecida, não para satisfazer qualquer tolice, mas para apreciar os campos floridos e considerar as inúmeras formas surgidas da própria decomposição. Por isto, acredito que se minha visão espiritual está ofuscada pela grande Luz da Graça divina, uma serenidade noturna e o orvalho do amor, secundados por uma brisa fortificante do Santo Pai, farão brotar, na grande Aurora do espíri- to, uma vida maravilhosa da decomposição de meus pensamentos e sentimentos endurecidos.”
Em seguida, Jared se pronunciou da seguinte forma: “Que devo dizer? Henoch surgiu de mim, como o Sol parece nascer por detrás das montanhas. Mas, não demora a subir acima da Terra que se banha nos seus raios possantes, e toda a vida é despertada para uma alegre atividade e desenvolvimento maravilhoso, da decompo- sição da noite. Deste modo, creio firmemente: Henoch foi elevado como Sol, a uma altura incalculável e toda a minha natureza é por ele ofuscada. Mas, esta luz deve agir como a luz solar e minha ig- norância terá que se transformar em bênção. Se a Luz da Vida age e atrai o germe vivo que se encontra dentro da decomposição, for- mando-o e dirigindo-o maravilhosamente, eu, em minha serenidade humilde, serei recompensado pelo Senhor. Que Ele dê a cada um o que Lhe apraz. Amém.”
Disse em seguida Adão: “Como todos já se pronunciaram, vejamos como Asmael assimilou as palavras de Henoch. Peço que te manifestes.” Então Asmael, inspirado por Mim, disse: “As Palavras do Pai Amantíssimo foram muito difíceis de compreender na pro- fundeza das raízes da Vida. Eu, verme sem valor, deveria demons- trar-vos de que forma o Infinito se junta ao finito, a morte à vida, a noite à Luz, a Terra ao Sol, o tempo à Eternidade, e a criatura a Deus.
Se eu fosse capaz disso, a Terra não seria iluminada tão par- camente com um sol apenas, pois de cada palavra, de cada som, haveriam de nascer exércitos de sóis a rodear o planeta. Creio que o poder de tais palavras e sua compreensão final estejam acima da função de um escravo recentemente arrancado da morte que preten- desse desvendar o maior milagre.
Por muitas vezes notei ações inteligentes praticadas por irra- cionais, a ponto que os homens não seriam capazes de reproduzi-las mesmo com o maior esforço. Mas as palavras que definissem seus produtos, este milagre meus ouvidos jamais perceberam. Então pen- sei: a ação mais sábia não seria capaz de revelar a Vida à existência. Vi aranhas morrerem em meio de suas teias arrojadas, e até mesmo nos grandes palácios das cidades das profundezas a morte celebra- va sua tenebrosa colheita. As próprias criaturas demonstravam, sem palavras de Vida, tanto quanto uma pedra o faria com outra pedra.
Mas, as palavras surgidas da Vida nos demonstram a própria Vida. Porventura a Vida Original poderia se encontrar em algum lugar senão na Palavra? Na Palavra existe Vida. A Palavra é Vida, e Deus é a Palavra e a Vida. A Vida só se encontra na Palavra, e a Pa- lavra se deve ter criado em Deus e encontrado a Vida da qual tudo surgiu e se formou.
Se agora ouço de Henoch a poderosa Ação da Palavra e per- cebo que tudo se transforma dentro de mim, deixo de perguntar pela vida. Já a encontrei na Palavra, e quem não se satisfizer com este testemunho da Vida, dificilmente encontrará outro.”
Todos, com exceção de Henoch, muito se admiraram com as palavras de Asmael. Percebendo sua perplexidade, Henoch pronun- ciou o seguinte discurso: “Perdoai-me de eu tomar a palavra sem ser convidado, mas torna-se necessário maior esclarecimento. O que eu agora pronunciar serão Palavras da Vida, do Alto cheio de Luz e da profundeza cheia de Vida. Nas Alturas, Deus é a Luz de toda Luz, e em Sua Profundeza ela é Vida de toda Vida.
Se dirigirmos o olhar para o Alto e para a Terra, em sentido natural, notaremos em cima tudo cheio de Luz e na Terra tudo em intensa movimentação. Múltiplas existências jazem nos grãos ocul- tos no solo e inúmeras sementes do mundo animal se encontram em seus ninhos aquecidos, nas vísceras dos irracionais, aguardan- do o calor e seu nascimento para a luz. Antes que os sulcos, os ni- nhos e as vísceras sejam totalmente aquecidos, não surgirá vida nos germens que se libertasse de sua prisão para se erguer nos espaços cheios de luz.
Porventura não vemos no verão e no inverno a mesma luz a iluminar a Terra? No entanto, não é o mesmo calor a aquecer os sul- cos terrestres. Se fosse a luz a trazer o calor, este deveria ser constante sob os mesmos raios do Sol. O inverno nos ensina que assim não é.
Pergunto: O que vem a ser o calor, se ele não depende da luz e esta, portanto, não é portadora do calor? O calor é a própria Vida oculta, mesmo na profundeza e não se pode libertar. Mas, se a luz tiver iluminado bastante nas profundezas da Terra, ela desperta o calor que rompe seus invólucros congelados. Em seguida se une à luz formando um ser que estende suas raízes no seio original da Vida. Lá procura sua nutrição, enquanto liberta sobre o solo a parte homogênea à luz a fim de conservar desperta sua luz. Tanto na flora quanto na fauna dá-se o mesmo; tudo é atraído pela luz e impelido pelo calor. Isto, porém, é apenas um fenômeno natural, e a mani- festação em formas variadas vale somente para o ser, como portador de vida superior.
Se seres homogêneos se atraem, enquanto heterogêneos se re- pelem, deduzimos não serem impelidos e atraídos pelo mesmo calor e a mesma luz, pois existem luz e calor roubados, pelos quais todo joio e todos os vermes e insetos são impelidos e atraídos. Todavia, isto é percebido por um ser mais elevado e livre. Mas, como?
Ouvi-me. Se a forma de todas as coisas em sua multiplicida- de é a expressão do calor natural em ligação com a luz, e se diferencia somente pela capacidade de aceitação de mais ou menos luz ou ca- lor, também a linguagem humana é uma forma do calor espiritual, ou seja o amor divino no coração e a luz do espírito, ou seja a Graça divina no homem.
Como poderíamos pronunciar palavras conexas, caso não nos fossem dadas como formas eternas do espírito? Quem nos en- sinou a classificar todas as coisas? Somente Deus, por ser Ele o re- sumo eterno de todas as formas, a Vida e a Luz, o Amor e a Própria Sabedoria, a eterna e indissolúvel união de Ambos, sendo a Forma Original de todas as formas e o Ser Primário de todos os seres, ou o Próprio Verbo!
Se alguém tiver encontrado, aceito e assimilado a palavra ex- terna, não o fez com um objeto, mas encontrou uma vida espiritual, porquanto cada palavra é uma forma, surgida de calor e luz espirituais. Se assim é, por que nos admirarmos do pronunciamento de Asmael?
Não somos, em tais questões, semelhantes aos peixes que, dentro da água não a veem, e nós, rodeados de ar, não o vemos? Tudo tem sua razão de ser. Possuímos a Vida indissolúvel na própria palavra. Mas, esta vida se assemelha à oculta dentro do grão. Se diri- girmos nosso coração para o mundo, encontramo-nos no inverno, e a curta luz da Graça não consegue libertar dentro de nós o calor es- piritual. Se voltarmos nosso coração constantemente para o Senhor, a incessante Luz da Graça nos libertará em breve e conseguiremos nos elevar como formas vivas ou palavras vivificadoras para o eterno despertar na Luz do Senhor.
Quem isto não fizer, é assaltante e ladrão e se transformará em joio, uma espécie qualquer de verme e para a terrível forma pri-
mitiva da vida idêntica à dos que habitam nas profundezas. Quem possui a Palavra tem a Vida eterna, e a Vida será segundo sua pala- vra. Eis a interpretação das palavras de Asmael.”
ADÃOFAZUMRETROSPECTODESUA VIDA
Após ter tomado um pouco de leite e mel, Adão se dirigiu a seus filhos, dizendo: “Foi aqui que eu tudo perdi por minha própria culpa, e mil vezes mais o Senhor permitiu que encontrasse neste ponto. Ó Paraíso, belíssimo jardim no qual eu brilhava qual Sol nascente amparado pela Mão do Senhor, e era mais poderoso do que o impulso de todos os mundos e me tornei um habitante pre- sunçoso e fraco.
Deu-se a minha queda e tu, Paraíso, doce ilusão, não conse- guiste amparar-me. Minha ruína te pressionou e teu solo macio foi imprensado qual folha de algodão arrancada do tronco para ser pisa- da pelos nossos pés. Em virtude de minha fuga, cresceste para uma altura fútil de tua fraqueza e não sentes mais o passo do poderoso. Mas, também nada há de louvável em ti, senão a simples recordação de ter sido o meu débil apoio.
O Senhor, percebendo em Sua Misericórdia que teu solo era por demais frágil para o meu peso colocou pedras sob meus pés para evitarem uma futura queda. Solo abençoado, no qual agora repou- sam os pés que me ampararam e carregaram há quase novecentos anos, o que não te fora possível fazer durante trinta anos. Foi ele a causa humilhante de eu ter sido um habitante mais firme, pois consegui erigir-te dentro de mim através da grande Graça do Alto e estou certo que jamais hás de tombar. Ainda que assim fosse, não ha- verias de me curvar, mas eu mesmo poderei erguer-te para que con- tinues um constante habitante daquele cujos cabelos têm mais valor para o Senhor que toda a Terra, que fora tua portadora vacilante.
Meus filhos, cheguei aqui com profunda tristeza, pois tinha que lastimar a minha perda anteriormente lastimada mil vezes. Fora, porém, o último suspiro e a última lágrima a umedecer a rocha. A
partir de agora não te pisarei mais, pois meus pés hão de palmi- lhar em seu próprio solo, onde o fruto da Vida eterna chegou a amadurecer.
Se algum de vós ainda alimentar qualquer dúvida, volte a falar a respeito, à tardinha. Desejo abençoar os filhos e dizer-lhes que amanhã devem-se encontrar no local habitual do sacrifício.” Isto feito, Adão disse para Henoch: “Que o Senhor esteja contigo e com todos os presentes, inclusive com Asmael. Que Ele guie e prepare os nossos corações para receberem Sua Misericórdia e Graça e po- dermos glorificar o Seu Nome e vivificar nossa alma, despertando o nosso espírito ainda adormecido. A caminho para o Sul, todos devem se manter silenciosos e cuidar de seus passos.”
ASMAELEO TIGRE
Caminhando calmamente, os patriarcas Me louvavam em seus corações, pois havia muita coisa a lhes causar admiração, visto que a Natureza se tornara transparente em virtude de Minhas Pa- lavras. Depois de percorrida metade do trajeto, Asmael parou su- bitamente tremendo em todo o corpo. Convidado por Henoch a explicar o motivo daquilo, pois estavam palmilhando os Caminhos do Senhor, Asmael disse: “Olha naquela direção, onde um tigre pos- sante se dirige para nós e certamente tentará me estraçalhar. Este vi- gia das alturas santificadas não pode ser contido em sua fúria sangui- nária. Sua fidelidade cruel não pode ser comparada com qualquer outra manifestação. Afastai-vos todos e deixai que eu seja sacrificado para que vossa vida se salve. Correi depressa!”
Virando-se para Henoch, Adão disse: “Conduze para cá o vi- gia tenebroso para que Asmael se ponha em contato com o Poder de Deus no homem, razão porque fora destinado soberano da natureza, obedecendo-lhe todas as criaturas.” Incontinenti, Henoch se dirigiu para o tigre que se atirou a seus pés, tremendo. Com voz firme, Henoch lhe disse: “Levanta-te, vai para junto de Asmael e curva tua cerviz diante de teu soberano. Deves carregá-lo com cuidado para
perto de mim e de Adão, em direção ao Sul, onde descansarás. Em seguida para Oeste, com outro descanso. E assim farás para o Norte e finalmente até a moradia de Adão, onde descansarás definitiva- mente, recebendo teu prêmio e final destino.”
O tigre levantou-se e se dirigiu com Henoch para Asmael, fa- zendo o que lhe tinha sido ordenado. Perplexo, Asmael recordou-se de um sonho que sua mãe lhe havia contado. Fora ela muito devota e teve que pagar sua devoção, junto com o marido, com a morte, por se ter negado a adorar Lamech como Deus. Antes de morrer, um esbirro daquele rei dela abusou criminosamente. Como o marido também se recusasse àquela ação indigna, suas vísceras lhe foram arrancadas a ferro. Oportunamente será revelado onde Lamech con- seguia tais instrumentos criminosos.
Entrementes, Asmael criou ânimo e disse: “Não foram vossa força e poder físicos que dominaram essa fera. Somente um Deus Onipotente o consegue através de vosso coração santificado. Grati- dão e louvor ao Pai Poderoso e Santo de filhos tão devotos.”
Henoch então ergueu Asmael no lombo do tigre, que o car- regou com cuidado, ao seu lado. Assim, a marcha prosseguiu através de caminhos sombreados, sem que fossem impedidos, e os pássaros entoavam um cântico ao Homem dos homens.
VISITADOSPATRIARCASAOSFILHOSDO SUL
Muito embora felicíssimos com a chegada dos patriarcas, os numerosos filhos do Sul se apavoraram com a presença do tigre, de cuja crueldade já tiveram provas quando alguns jovens empreende- ram uma viagem a Hanoch. A fera nada lhes fizera, apenas os reteve em sua tolice. Entretanto, provara sua força muscular ao atirar-se sobre um touro descomunal, devorando-o totalmente.
Esta cena tirou ao grupo a vontade de prosseguir viagem, tanto mais quanto o guia fora atingido por uma forte lambada por parte do tigre. Este foi, portanto, o motivo de sua admiração ao ver Asmael comodamente sentado no lombo da fera. Percebendo isto,
Adão pediu a Henoch para confortá-los e capacitá-los à aceitação de sua bênção.
Eis que Henoch lhes disse: “Como é possível temerdes aquilo que vos deve obedecer? Isto acontece porque vós mesmos vos afas- tastes do âmbito da obediência, base de toda sabedoria, e em seguida fostes rejeitados pela força da obediência cega da fera.”
Os filhos do Sul responderam: “É como dizes. Cinco jovens desobedeceram às escondidas, pois Hanoch lhes despertara a cobiça. Seus pés, porém, foram retidos e obrigados a voltar à base da sabe- doria. Eis o motivo de também nós temermos essa fera.”
Retrucou Henoch: “Como se eu ignorasse aquilo que há muito perturba vosso coração! Felizes vós, do Alto, que somente vossa prole recebeu uma semente nociva, do contrário, o tigre se teria tornado traidor e aquele que está sendo carregado por ele teria transformado vossa sabedoria em tolice. Dirigi-vos a Adão para re- ceberdes o que mais necessitais.”
Após terem recebido a bênção de Adão, apanharam vários frutos, pão, leite e mel, servindo a Adão e seus filhos mais velhos. Em seguida, estes convidaram os filhos a se afastarem uns trinta passos para que Henoch pronunciasse algumas palavras provindas de Deus, na zona Sul. Mas, neste instante o tigre começou a rugir de tal forma a fazer estremecer o solo, enquanto os filhos caíam por terra. Ninguém entendia aquela atitude, com exceção de Henoch, e Asmael que o entendia por intermédio daquele.
Respeitosamente, Henoch disse para Adão: “Toca a língua da fera que te dirá o motivo de sua reação.” Retrucou este: “Por acaso o meu dedo é mais poderoso que o teu?” Disse Henoch: “Teu dedo veio de Deus, o meu veio de ti. Por isto, o poder do teu servirá para a glorificação do Nome de Jehovah!”
Quando Adão tocou a língua do tigre, este pronunciou ni- tidamente as seguintes palavras: “Adão, início e término de toda a Criação surgida da Mão de Deus! Os que mandaste recuar obede- cem cegamente, mas sua vontade transgride nesta cegueira. Desper- ta primeiro sua fidelidade no coração e faze com que sua vontade se
torne modesta. Então verás os frutos que o meio-dia te trará. Se qui- seres te alimentar em espírito, não afastes os teus filhos, pois quando eu me alimento, não enxoto os filhotes, no entanto sou um tigre.”
DISCURSODE ADÃO
Sumamente feliz, Adão disse: “Meus filhos, alegrai-vos comi- go, pois acabo de encontrar o verdadeiro paraíso. Novecentos anos se passaram em que eu não mais entendia a linguagem dos animais. Agora acabo de entendê-la, o que muito me alegra.
Henoch, o que seríamos nós sem ti? Nada mais que máqui- nas dotadas de algum raciocínio e movimento que no final seriam tragadas pela própria ilusão, e eu, soberano da natureza, me teria transformado em escravo de moscas, pronto a fugir de uma rã. Igno- raria o que se encontra dentro de uma ovelha ou lobo, muito menos saberia que minha própria alma é imortal, na qual se encontram todas as almas de outras criaturas. Como poderia, como semimorto, entender o seu estado psíquico, muito menos sua vida interior, seu amor, seu espírito e sua procedência puramente divina? Meus filhos, as palavras do tigre certamente vos abalaram; a mim, elas alegraram. Houve um tempo em que eu não somente guiava esta geração, mas sim, a Criação total, do maior ao mais ínfimo, e todos os elementos me obedeciam e o Universo não era mudo diante de meus desejos.
Pouca importância tem isto; não me entristeço, nem pedirei ao Senhor que me devolva tal capacidade. Tudo depende que consi- gamos amar ao Senhor acima de tudo. Nisto reside toda a Vida; na anterior força e capacidade milagrosa estavam a tentação e a queda.
Ser soberano quer dizer ser grande, sábio e poderoso. A quem compete ser soberano e ao mesmo tempo ser humilde, terá muita dificuldade para tanto. Mas, se o homem deposita sua soberania diante do Senhor, fazendo-se pequenino, facilmente atingirá a hu- mildade. O que poderia ofertar ao Senhor se a criatura a Ele se en- tregou pela humildade e o amor? E uma vez sendo posse Dele, para que fim necessitaria de uma soberania?
O Poder do Senhor não está acima de tudo? Se participamos do amor Dele, ipsofactopossuímos Seu Poder e Força. Assim sendo, o mais fraco no Senhor será mais forte que o mais poderoso, ainda que todos os elementos lhe fossem submissos.
De que me serviu o Poder de Deus em época remota? A fra- queza individual de Abel sobrepujou a minha força integralmente. Senhor, não Te peço força nem poder, e sim, peço-Te fraqueza para poder amar-Te acima de tudo no humilde extermínio do meu eu. Apossando-me de Ti no coração, o mundo inteiro e seu poderio são comparáveis a uma gota de orvalho.
Eis porque me sinto feliz com as palavras da fera. O Senhor não me devolveu meu antigo poder e força; não, eu me tornei uma posse nova do Amor Dele em minha humilde fraqueza. Em virtude de minha fraqueza, tive receio de tocar a língua do tigre. Mas o Verbo poderoso do Senhor soltou a língua da fera, pronunciando palavras cheias de sabedoria. Isto vale muito mais do que entender a natureza de toda a Criação. Uma coisa é humana; outra, divina, incomparável.
A fim de cumprirmos a advertência do tigre, chamai todos os filhos para ouvirem primeiro algumas palavras minhas, e depois de Seth e de Henoch. Em seguida, devem Enos e Kenan anunciar-lhes o dia de amanhã e, quando o Sol desaparecer, convém descansarem de sua tarefa. Antes de abandonarmos esta zona, peço que Asmael pronuncie algo como testemunho da tolice dos filhos. No final, ha- verá um pequeno conforto material, uma bênção e a partida.”
Uma vez que todos se tinham aproximado cheios de receio e respeito, Adão proferiu o seguinte discurso: “Vós, que habitais a zona sobre a qual o Sol se encontra a pino, visto de minha cabana, transmiti-me se entendestes o pronunciamento da boca do animal de natureza incorrupta.”
Os filhos o confirmaram, confessando sua culpa com lágri- mas de remorso. Aduziu Adão: “Felizes vós em vosso arrependimen- to, pois o Senhor é rigoroso com Seu povo. Teríeis sido julgados e vossos ombros carregados com desgraça, caso não vos tivesse causa- do remorso aquilo que o tigre impediu que fizésseis.
Julgais que vossa desobediência deixaria de ser desobediên- cia só porque voltastes aqui? De modo algum. Não foi o temor do Senhor, muito menos o amor para com Ele que vos reteve, e sim, o pavor do animal feroz que testemunhou contra vós.
O Senhor vos julgou através deste animal para vossa ver- gonha. Deus vos tirou vossa dignidade e encheu vosso coração com medo e pavor de quem vos deveria obedecer. Tornastes-vos escravos devido à vossa desobediência. Vosso arrependimento não é suficien- te em virtude de vossa desonra, ou por ter o Senhor retirado grande parte de Sua Misericórdia; agradecei-Lhe porque Ele vos conservou no julgamento e chorai por terdes esquecido o infinito Amor Pater- nal, pois todo o Universo, a Terra com tudo que comporta, transmi- tem que Deus, Jehovah e Senhor, é um Pai extremamente bondoso. Colocou-nos Ele em meio de milagres benéficos para nos capacitar- mos a receber a Própria Vida em Seu Seio.
Todos nós surgimos do Amor eterno, de Um Só Pai, que habita em Sua Glória eterna na Santidade e no Amor Imensurável. Temos que nos esforçar na conquista deste amor pelo qual podemos louvá-Lo como Deus e Senhor, e nos aproximarmos Dele, encon- trando a Vida eterna.
Deus é impenetrável em Sua Santidade, insondável em Sua Sabedoria, imenso em Sua Graça, terrível em Seu Poder e invencível em Sua Força; Sua Luz é Luz de toda luz, Seu Fogo é Fogo de todo fogo. Nisto tudo é Ele um Deus inatingível e estranho que nos repe- le constantemente. No entanto, é Ele o Máximo Amor que amaina Sua Divindade a ponto de nos querer. Se nós O amarmos, Ele Se projeta para nós pelo Amor, tornando-nos Seus filhos, sendo Ele o Pai mais Amoroso e Santo que nos capacita a amar, gozar e reconhe- cer tudo numa existência livre e eterna. Considerai, portanto Quem é Deus, Quem é o Pai, e agi fielmente dentro deste conhecimento.”
Compenetrados das palavras de Adão, os filhos verteram lá- grimas de profundo arrependimento a ponto de não poderem se consolar, pois perceberam o quanto tinham perdido e também não viam possibilidade de reaver a grande perda. Notando seu desespero, Adão convidou Seth para reerguê-los no Amor de Jehovah.
Sem delongas, Seth disse: “Ó filhos, que diante de nós verteis lágrimas de justo remorso! Se bem que Deus, o Santo Pai, é Senhor de Justiça, Ele também é Amoroso e cheio de Misericórdia. Consi- derai que não somos capazes de cometer qualquer ação que pudesse preocupar ou repugnar a Divindade como Tal. Que diferença have- ria na destruição de um átomo ou de um mundo? Com relação a Deus, tanto um quanto outro de nada valem, assim como nós todos nada somos perto Dele.
Como poderia o nada praticar algo contra Deus, assim como também não nos preocupa o que fazem os vermes quase invisíveis debaixo de uma folha murcha que um leve sopro carregasse do mus- go e levasse junto com uma gota de orvalho, deixando-a cair no mar? Esta comparação é fraca se compararmos quão ínfimos são um mundo inteiro com seus habitantes em relação a Deus. Deste modo, nós e todas as nossas ações nada valemos perante a Divindade.
No entanto, existe algo que muito A preocupa, isto é, Seu Próprio Amor eterno, do qual nós e tudo que existe surgimos. Por Este Amor, Deus é nosso Pai e nós somos Seus filhos. Neste Amor Ele Se preocupa com o mais ínfimo e com o mais importante, na mesma proporção. Neste cuidado amoroso Se evidencia Sua Divin- dade patente e Seu Amor paternal.
Ao Amor de Deus não deixa de ter importância a maneira pela qual agimos. Se observamos o amor como sendo independen- te, notamos ser ele cego contra todas as atitudes de seus filhos qual mãe amorosa com seu bebê. Deus, sem Amor, não seria Deus; e o Amor sem Deus não seria Amor. Assim, Deus e Seu Amor são UmaEntidade, e Deus é poderoso em Seu Amor e o Amor é Santo
através de Deus. Este Deus Uno é no Todo nosso Pai Amoroso e Santo. Nós, como Sua Imagem, somos perfeitamente Seus filhos, porque possuímos um coração e nele, um espírito de amor, e dentro de nós, uma alma viva cheia de inteligência, idêntica à Natureza de Deus e o amor espiritual no coração, dotado de livre arbítrio como o Amor em Deus. Se surgir um ser através da alma e do espírito, pela livre vontade, também nós somos semelhantes a Deus, portanto, Seus filhos.
Se Deus só pode ser Deus e Pai pelo Amor, também nós só podemos ser Seus filhos através do amor. A União de Deus com Seu Amor é idêntica à obediência. Se obedecermos intelectualmente às exigências do espírito, unindo a Luz ao Amor, tornamo-nos filhos do Amor cheios de Sabedoria e da Vida eterna, do Agrado de Deus.
Se no disparate intelectual vos tornastes infiéis ao Amor de Deus, desobedecestes psiquicamente ao espírito, portanto ao Amor em Deus. Vosso amor retraiu-se. Passastes a viver somente na alma com a tendência à externação até o infinito, se possível. Julgai vós mesmos o que seja mais sólido: Uma neblina que se estende em to- das as direções envolvendo zonas inteiras, ou uma pedrinha transpa- rente qual gota de orvalho. Eis o motivo de vosso medo e cegueira.
Porventura não é a pedrinha tão sólida a não ser possível de- sintegrá-la e resistindo a qualquer tempestade, pressão e pancada? Vistes o tigre estraçalhar um enorme touro. Se ele tivesse mordido uma pedra do tamanho de um ovo, sua arma destruidora seria nula; e caso ele a tivesse engolido, sua morte seria evidente e em sua de- composição a pedra estaria incólume.
Assemelha-se o homem, em sua obediência, a tal pedrinha, e em seu intelecto exterior à neblina. Quando as neblinas são acumula- das pelos ventos, formam-se gotas de água que finalmente criam um lago inteiro. Se o grande peso da massa aquática comprime seus ele- mentos, desenvolve-se uma pedra transparente semelhante ao Thu- mim, símbolo e sinal da obediência que retorna pelo justo remorso.
Transformastes-vos em neblina pela desobediência e toda sorte de ventos vos comprimiram e vos amedrontaram. Sentindo
a pressão, chorastes de dor. Eis a chuva. Mas, não foi suficiente de vos terdes transformado em água em gotas isoladas; preciso foi vos tornardes um lago. Isto se deu. Se bem que sintais a pressão mais forte na profundeza de vossa vida, vossa vida dúplice, alma e espí- rito, se uniram e criaram uma nova pedra de vida e da verdadeira sabedoria. Sede alegres e felizes, pois não viemos para vos aniquilar, mas trazer-vos uma vida nova no verdadeiro Amor para com Deus, nosso Santo Pai.”
Nota: Eis a dita pedra da sabedoria, que o mundo jamais há de encontrar.
HENOCHFALASOBREO AMOR
Sumamente gratos com as palavras de Seth, os filhos de Adão levantaram os olhos para o Céu e expressaram sua imensa gratidão a Deus por tê-lo inspirado de modo tão confortador. Adão, tam- bém comovido, disse-lhes: “Como acabastes de ouvir de mim uma orientação e de Seth um verdadeiro conforto espiritual, abri vossos corações para receberdes palavras de Vida por parte de Henoch, es- colhido para semeador da semente da Vida.”
De pronto Henoch voltou seu coração para Mim e pediu em seu amor para Comigo, Misericórdia e Graça a fim de inspirar-lhe palavras de vida, vivificando os que haviam chorado em virtude de sua infidelidade para Comigo.
Imediatamente despertei o coração de Henoch que viu bro- tar uma luz em seu coração e pela primeira vez viu uma escrita lu- minosa em sua alma, percebendo ser aquilo uma Palavra Minha. Agradecendo-me no íntimo, ele disse: “Ó patriarcas e filhos do Sul, ouvi o que o Senhor, nosso Deus e Pai, pronunciará.” Admirados, os patriarcas notaram que também eles deviam ser contados entre os habitantes daquela zona. Henoch então disse: “Porventura pre- tendeis ser excluídos da Vida, quando eles a receberam? Não sou eu quem fala, mas Aquele Que tem e dá Vida em cada Palavra provinda de Seu Infinito Amor.
De fato, o campo foi arado e estrumado, todavia ainda falta a semente nos sulcos. Onde a buscaremos para semeá-la e para que dê frutos vivos? Patriarcas e filhos do Sul, a semente é o amor; o amor é a vida, e a vida é a Palavra. A Palavra habitou em Deus desde eterni- dades. Deus Mesmo estava na Palavra, assim como a Palavra estava Nele. Todas as coisas e nós mesmos surgimos daquela Palavra que só pode ser pronunciada por Deus. Esta Palavra é o Próprio Nome de Deus e ninguém pode externá-Lo. Este Nome é o Amor Infinito do Santo Pai e nós devemos descobrir este amor dentro de nós e em seguida amar com todas as nossas forças Aquele a cujo Amor nós e os demais devemos a existência.
Na expressão Vida eternase entende que a devemos desco- brir no amor para com Deus, isto é, reconhecermos o Amor através de nosso amor para com Deus, nosso Santo Pai, por ser Ele a Própria Vida Eterna.
Se consideramos nossa visão física e notamos as grandes dis- tâncias atingidas por ela, é claro que tal luz não nos foi dada para ficarmos parados, e sim, para a ação. Quem poderia duvidar de atin- gir uma meta fixada, pois dispõe de dois pés para tanto?
Se a visão interna também nos é facultada e por ela vislum- bramos o amor dentro de nós, possuímos, semelhante aos pés, o livre arbítrio, com o qual podemos seguir essa meta de toda vida e levar toda nossa natureza para junto do amor, para ser envolvida e vivificada totalmente.
Se isto fizermos, como não deveria ser posse nossa a Vida Eterna, assim como os olhos são a luz do físico? Porventura julgais ser a mesma uma ilusão? E nós e tudo que vemos, também somos ilusão? Se concluímos que a casca do vegetal não é ilusão, como julgarmos que a madeira e o cerne sejam ilusão?
Por acaso pensais que o Senhor tenha criado máquinas vivas para com elas Se alegrar? Sua Sabedoria Suprema certamente seria capaz de uma distração mais elevada. Se conseguis produzir uma obra simples, por acaso Deus, o Eterno, seria também limitado em Seus Pensamentos?
Mostrai-me algo que pudésseis destruir totalmente ou que não contivesse em si o infinito. Dividi uma poeirinha e mostrai-me as últimas partículas nas quais não fosse possível efetuar outras divi- sões, ou uma semente incapaz de reprodução infinita.
Se tais coisas fúteis mostram o Infinito das Ideias Divinas, quão tolo seria pensar que Deus tivesse ligado uma ideia temporal aos seres dotados da sensação viva da Vida Eterna, Ele, o Eterno, Su- premo, Santo, cheio de Amor e de Vida! Ouvi essas Palavras, vindas do Próprio Pai!
Não temos outro mandamento além daquele dado pela Vida Eterna, o Amor: ‘Deves amar a Deus, teu Santo Pai, com todo o amor que te facultei desde eternidades, para a Vida Eterna e como Vida Eterna. Se tu Me amares, ter-te-ás unido de novo a Mim, e tua vida jamais terá fim. Se deixares de fazê-lo, ter-te-ás separado da Vida. Com isto, tua existência não terminará, tampouco deixarei de ser teu Deus de Justiça. E se separado de Mim caíres nos espa- ços eternos de Minha Ira, realmente, tua queda não se dará fora de Mim. Jamais hás de Me perder, teu Deus. No entanto, perderás teu Pai, Amoroso e Santo, e com Ele, uma Vida eterna, livre e bem-a- venturada.’
Eis o único mandamento, escrito profundamente até mes- mo no coração de cada criança. Tal mandamento é a semente viva que todos vós deveis deitar no vosso coração se quiserdes viver como filhos de Um Santo Pai, que é Deus, Santo, Santo, Santo, desde eternidades.
Vós, patriarcas, muito falastes a respeito da obediência, con- seguindo estimular o coração desses filhos. Todavia, afirmo: Quem ama, dispensa a obediência. Não é a obediência o caminho espiritual para o amor, meta de toda a Vida? Se alguém tiver alcançado a meta por este caminho, onde deveria chegar na continuação?
Quem estiver longe da meta fará bem em caminhar até atingi-la. Uma vez alcançada, deve agarrar-se à mesma com todas as suas forças, isto é, deve amar a Deus acima de tudo, pois terá recebido tudo. Terá encontrado o Pai da Vida para todo o sempre
e sua liberdade jamais terá fim. Aceitai esta semente da Vida, pa- triarcas e filhos. Foi Deus Mesmo a vos agraciar com a mesma. Ó Amor! És a única Semente viva! Vivifica os corações dos fracos e mortos! Amém.”
SETHLAHEMDESEJAAVERDADEIRA SABEDORIA
Todos se calam após o discurso de Henoch, pois meditavam sobre os enganos de que tinham sido vítimas. E os filhos começa- vam a descobrir-se e a Mim através de seu amor despertado, e os patriarcas, inclusive Adão até Jared, todos entenderam as palavras do profeta, em suma, todos Me louvaram por esta grande dádiva.
Um dos habitantes do Sul do tronco de Seth e Enos, curvou-
-se diante de Henoch, dizendo: “Aqui estou em nome de todos; cha- mo-me Sethlahem (isto é: um filho de Seth dotado de sabedoria). Como recebi do Senhor a sabedoria, fiz o que ela me ensinava e me satisfazia com minhas ações. Mas o que acabas de ensinar vale mais que toda a sabedoria dos homens. É a raiz de toda a Vida e a base eterna de toda a Sabedoria; sim, nos anunciaste Deus. Minha sabe- doria não é suficiente para transmitir-lhe minha justa gratidão, por isto, faze tu o que de direito. Além disto, peço me aceitares em tua escola para ensinares o caminho pelo qual alcançaste tamanhas pro- fundezas da Vida de Deus. Mostra-me como e quando isto sucedeu.”
Henoch retrucou: “Para que fim desejas a glória? Porventura recebeste a sabedoria para dela te vangloriares, e não sabes vangloriar Aquele a Quem compete exclusivamente toda a Glória? Achas que a Vida possa ser aprendida como a sabedoria, que estudaste de co- ração frio a fim de te tornares um mestre na matéria? Tem cuidado para não te sufocares em tua fútil curiosidade.
Eis aqui uma figueira e ali uma ameixeira. Que me dizes se a segunda procurasse aprender da outra a arte de produzir igual- mente ameixas ao lado dos figos? Tua sabedoria deve te advertir ser isto inteiramente impossível. Mas, se alguém apanhar galhos com sementes da figueira, cortar a ameixeira, inoculando-os com terra
e resina, a seiva da ameixeira transformará a vida da figueira, e em algum tempo surgirão figos bons na ameixeira.
Se tua inteligência te ensinou isto, por que não te ensinou também a amares o Senhor acima de todas as coisas, para que possas produzir não só ameixas, mas também os figos da vida?
Adão te circuncidou, como também a todos os teus irmãos e filhos, Seth vos talhou e o Senhor depositou em vós os ramos da Vida eterna através de mim. É necessário que procures, pelo amor ao próximo, terra nova e resina, unindo a vida à fé, que hás de encontrar aquilo que desejas aprender comigo. Age deste modo que viverás.”
Batendo no peito, Sethlahem exclamou: “Henoch, reconhe- ço a sublime verdade de tuas palavras; mas, fácil é pronunciá-las porque já as possuis. O Senhor te agraciou sem que precisasses fazer o que acabas de me aconselhar. De há muito trabalho e luto por aquilo que conseguiste sem esforço. Tudo em vão. Para mim, o Céu está barrado com pedras e não consigo uma só gota da Vida do Amor do Alto.
A prova disto se destaca nos patriarcas. Devido à sua posição, estão acima de ti, portanto mais próximos do Senhor. Mas, por que o Senhor não os procura, enquanto anda contigo de mãos dadas? Re- almente, se tudo isto não fosse dádiva gratuitamente fornecida sem mérito, tu falarias como eu, queixando-te de fome e sede da alma.
Julgavas poder despachar-me com facilidade indicando o amor a Deus e ao próximo. Mas, não te será tão fácil livrares-te de mim. Antes de aceitá-lo, quero descobri-lo em ti. Em tua breve explicação não se oculta o máximo grau de amor ao próximo, e se este representa um ramo do amor de Deus, não sei o que pensar de teu amor a Deus. Tem cuidado para que não venhas a te tornar o único próximo!
Seria justo que por um discurso de alguém um outro ficasse aborrecido? Se o primeiro me alegrou, o segundo me aborreceu, pois sei que és um vidente de Deus e detentor do Verbo, e se o ignorasse não te procuraria para louvar tamanha dádiva. Tu me criticando por isto, pergunto: Quem mandou-te agir desta forma? Não é louvável repudiar um irmão faminto, sedento e triste.
11. A paciência é a primeira virtude e a humildade é a alma do amor. Sei que és mestre em ambas, mas por que me enfrentas e pare- ces ter trancado o coração diante de mim? Nunca te fiz mal algum. Volta e sê um irmão em Deus, em vez de um guia frio e seco.”
Ouvindo as palavras com calma, Henoch lhe respondeu: “Se a situação fosse como afirmas, já estaria a teus pés, arrependido. Tal, porém, não se dá. A fim de que não entres aborrecido em tua cabana em virtude de minhas palavras não entendidas, digo: Obser- va ao longe a flora e classifica as espécies variadas, as qualidades de minerais, do solo, das fontes, aqui ou acolá. Quem habita os países longínquos? Qual será sua ocupação?
Teu silêncio indica tua ignorância a respeito. De que modo poderias chegar a tal conhecimento? Suponhamos ter eu estado lá, onde teria estudado tudo, e caso os patriarcas me inqui- rissem, eu lhes revelaria a minha descoberta. Como assististe meu relato, dirias: Também gostaria de poder falar sobre aquela zona distante e desejava aprendê-lo de ti. Eu todavia, responderia: Isto não pode ser ensinado por aquele que tem uma convicção íntima e, além isto, seria um caminho penoso e infrutífero para o puro conhecimento.
O caminho mais próximo segue por cima das montanhas. Deves esforçar-te em palmilhá-lo e dentro de três dias estarás de volta, podendo fazer relatos cheios de verdade, fato que não alcança- rias pelo esforço interno, em anos. No entanto, me procurarias para me acusares de falta de amor por um conselho tão sábio, pelo qual alcançarias dentro de três dias o que levaria séculos?
O caminho te foi mostrado. Se não tiveres coragem de pal- milhá-lo sozinho, podes testar-me se como irmão poderei guiar-te com todo o amor. Creio que neste ponto não encontrarás motivo de queixa. Se eu atendesse tua tola exigência, seria teu inimigo para trair o meu irmão querido através de minha corrupção. O saber de nada te adiantará para a vida; mas, se agires dentro da verdade, encontrarás o testemunho da mesma, isto é, o amor e a Vida Eterna em Deus. Amém.”
Sumamente comovido, Sethlahem se atirou aos pés de He- noch agradecendo pelo ensino e a paciência, pois não se aborrecera diante da petulância dele. Finalmente, exclama: “Henoch, cegaste os meus olhos e não consigo perceber o que seja justo. No entan- to, vislumbro outra luz dentro de mim que me mostra uma trilha fracamente iluminada, mas que me levará mais rapidamente que a anterior luz inútil de meus olhos. Ó Henoch, se nesta trilha os meus pés vierem a bater num ponto frágil, permite que te procure para me ensinares se estou caminhando direito e chama a minha atenção se me vires dar um passo errado.”
Retrucou Henoch: “Sethlahem, tens boa vontade e muito zelo, de sorte a mereceres um elogio. No entanto, há algo em ti que deve ser criticado, quer dizer, procuras comigo aquilo que somente Deus, nosso Santo Pai, pode dar a Seus filhos, elogiando o instru- mento em vez do Mestre.
Julgas ser eu mais misericordioso que o infinito Amor e a Misericórdia do Pai? Não te deixes perturbar pela tolice de teu cora- ção e nunca te dirijas às criaturas antes de te teres dirigido, cheio de amor e remorso, a Deus. Se não fores logo atendido, pensa que as criaturas mais bondosas, comparadas a Deus, são maldosas e cheias de desamor e Deus te dará tudo antes que o olhar mais piedoso de teu próximo se digne te fitar.
Quanto a nós, aqui viemos a Mando de Deus e em virtude de Seu Amor em nós, e jamais desviaremos a atenção de vós. Ele- va o teu coração para o Alto e ama o Santo Pai com todas as tuas forças, que viverás. Tal sentimento te ensinará num instante muito mais que todos os homens mais inteligentes em séculos. Agora tens tudo de que necessitas. Caminha e age no amor para com Deus.” Sethlahem curvou-se com gratidão e começou a sentir muita alegria no coração, louvando-Me por isto.
Em seguida, Adão se dirigiu para Henoch, dizendo: “Deixe- mos que Asmael nos transmita sua opinião acerca desta zona e sua
compreensão de tudo. Depois seguiremos caminho para convidar os filhos do Oeste e os do Norte.” No mesmo instante o tigre se aproxi- mou com Asmael. Mas, os filhos do Sul discutiam algo em voz alta, ao que a fera rugiu por três vezes, fazendo com que todos se calassem.
Então, Asmael se pronunciou: “Que poderia eu, há pouco tempo salvo do abismo da morte, falar nestas alturas abençoadas, onde tudo é milagre, Graça e Vida, fazendo congelar a palavra mais forte? Até então não me atrevi a examinar mais detidamente os mi- lagres aqui operados, e agora deveria analisar o que vós, patriarcas, já descobristes a fundo?
Que vêm a ser essas campinas verdejantes, rodeadas de rochas escarpadas, se sua finalidade imensa deve ficar oculta à vida? Para mim e para todos que o entendam a fundo, uma simples pedrinha não se encontraria em situação infinitamente mais elevada, na santa hierarquia, do que todas as cordilheiras e a própria Terra?
É fácil dizer-se: Vemos que ao Sul se destaca uma montanha tão majestosa como se estivesse destinada a reger o mundo. Se me pergunto a razão disto, meu coração em trevas responde: Como po- deria o morto entender o morto? Tua vida é apenas aparência e ilu- são de teus sentidos. A língua transmissora é tudo que te diferencia dos irracionais.
Se entre Sul e Norte vejo uma montanha mais radiante que o Sol no céu, que nos proporciona simplesmente os raios, e a monta- nha aproveita a luz de todas as estrelas e flores, eu me pergunto: por que? A erva e todas as pedras me transmitem por sinais indeléveis: Tolo, por que meditas a respeito dos milagres da luz? Porventura consegues ver a Luz emanada de Deus?
A Onipotência Divina criou o Sol apenas para iluminar e nunca para ser olhado, e se tiveres recebido a capacidade de pensar, deixa de pensar sobre o pensamento, o que se assemelha à tolice de olhar para o Sol.
Pensamentos são luzes da alma a iluminarem o emaranhado da vida física e nunca devem ser aproveitados para tal fim exclusiva- mente. Como poderias compreender os milagres externos, enquanto
tens que fugir de ti mesmo, o milagre mais próximo? Se isto nos ensina a Natureza, o descanso nestas alturas se torna difícil.
Não fui escolhido para iluminar, mas para ser iluminado por Abel. Deixai-me, pois, ouvir vossos relatos cheios de luz e vida. Quem poderia encontrar palavras mais santas do que as que foram proferidas por Henoch? Quando a palavra proferida não apenas se presta a ser ouvida como som harmonioso, mas liberta a vida nas profundezas mortas do homem, tal palavra é mais potente e maior do que tudo que nossa vista e os sentidos possam perceber. Dei- xai-me silenciar, ó patriarcas; o tempo foi feito para algo melhor. Se a zona é linda como reflexo da vida, muito mais lindo se torna procurar a própria vida. Sinto que uma gota da Vida reclusa no me- nor recinto é mais bela do que aquilo que descobriria com olhares aguçados pelos espaços infinitos, cheios de sóis e planetas. Henoch, perdoa minha fútil tagarelice e não leves em conta a cegueira do morto. Sou eu o morto e cego.”
OTIGRE ESFAIMADO
Adão elogiou Asmael por sua grande humildade, na qual existia mais sabedoria do que nas palavras de Sethlahem e de todos os filhos. Em seguida, dirigiu-se a Enos e Kenan para convidarem os habitantes do Sul a comparecerem antes do pôr do sol, quando se daria a oferenda destinada a Jehovah.
Isto feito, os filhos ofereceram um repasto aos patriarcas, que o aceitaram, convidando igualmente Asmael. Quando o tigre viu que todos se saciavam, começou a abrir a boca e bater com a cauda. Adão então disse a Henoch: “Acalma-o, do contrário não será con- veniente prosseguir viagem com a fera.”
Disse Henoch: “Julgais que tais feras vivam de brisa ou ca- pim? Ela quer se alimentar e é preciso trazerdes três animais impu- ros a fim de que se sacie.” Incontinenti, trouxeram três bodes, mas Henoch virou-se para Asmael dizendo: “Desce e leva o tigre para se alimentar, como prova de que ofereces tua impureza da profundeza”.
Mas o tigre não tocou nos bodes, açoitou furiosamente a terra com sua cauda, rugindo fortemente. Todos se assustaram, com exceção de Henoch, que ainda não se havia alimentado, mas se fortificou em seu coração com Meu Amor.
Entrementes, Adão insistia com Henoch: “Vê se não te en- ganas, pois a fera repele o alimento por ti exigido. Dá impressão de querer devorar-nos a todos. Talvez consigas dar solução a esta cala- midade.” Henoch se dirigiu ao tigre e disse: “Acalma-te, pois enten- do tua atitude. A fim de que os outros também o façam, seja soltada tua língua para explicares o motivo que te leva a agir deste modo.”
Imediatamente a fera se postou no meio do grupo e pro- nunciou as seguintes palavras: “De fato estou faminto, pois há três dias não consigo caça alguma para mim, de sorte que aproveitarei o alimento impuro que me foi trazido. Antes disto, porém, terei que demonstrar-vos, com exceção de um, ser injusto de vossa parte alimentar-vos sem que tivésseis pedido a Bênção do Santo Doador e agradecido com humildade e amor por esta dádiva.
Porventura ignorais que na Terra não mais existe uma erva pura que sirva de alimento para que os imortais não pereçam? Portanto, de- veria ser vosso desejo que o Santo Doador o purificasse e abençoasse para vosso bem físico! Envergonhai-vos, testemunhas da Onipresença do Altíssimo! Fostes designados para dar testemunho Dele, no entan- to O esqueceis no momento em que vos deveríeis lembrar Dele!
Quão ingrata é vossa liberdade cheia de vida e quão vazio vosso amor apenas pronunciado, a ponto que eu, uma fera, me sinta revoltada por tamanho ultraje. Desejais amaldiçoar a profundeza, mas em vossa própria profundeza reside tamanha ingratidão que levareis a maior desgraça à profundeza, caso não vos lembrardes da gratidão e do verdadeiro amor no coração. Com exceção de Henoch, ninguém se atreve a erguer os olhos do solo. A ingratidão vos levará às profundezas da maldição. Dela vos livrareis pela gratidão do ver- dadeiro amor no coração.
Deveria eu devorar a impureza de Asmael. Aconselho-vos, deitai a vossa, de vosso coração ingrato, nos bodes, a fim de que
não seja somente portador de Asmael, muito mais porém de vossa imensa ingratidão. Agora, Asmael, traze-os e segue o conselho dos patriarcas, sobrecarregando-os com a maldição, para que eles e nós possamos deixar o local inteiramente purificados.”
SÍNTESEDAVERDADEEDO AMOR
Em virtude de tamanha admoestação, os patriarcas se apa- voraram e prometeram-Me não tomar alimento durante todo o dia. Levaram uma hora pedindo-Me perdão por sua falta e, com exceção de Henoch, ninguém se atrevia a erguer os olhos do solo. Entremen- tes, a fera aproveitou a oportunidade para saciar sua voracidade e em seguida procurou uma fonte limpa para refrescar e amainar sua ira sanguinária. Depois aproximou-se de Asmael, oferecendo-lhe seus serviços, enquanto Henoch perguntava a Adão se desejava algo mais ou se poderiam partir.
Com voz trêmula, este retrucou: “O medo me paralisou, as- sim como a Eva, no entanto temos que partir. Os outros sentem a mesma coisa, por isto aconselha-nos, pois sinto profundamente o ultraje de nossa displicência tanto quanto a fraqueza física.
Ó Verdade, quão poderosa és tu! Esta fera é uma cópia fiel de tua inclemência. Não poupas ninguém, seja o primeiro ou o último habitante da Terra. A idade não te impressiona. Atinges os pais com sua prole e não poupas as mães enfraquecidas. Rebaixas nossas cabe- ças ao solo e condenas os membros à inação. Onde, além de Deus, existiria um ser capaz de suportar o efeito do teu peso?
Ó Amor suave, delicado e santo! Se não caminhares de mãos dadas com a Verdade, como suprema bênção vital de Jehovah, o conhecimento da Verdade isolada representará a morte para os ho- mens. Meus filhos, não mais procureis a Verdade por si só mas ex- clusivamente o Amor. À medida que este estiver acompanhado da Verdade, tal medida se justificará para a vida humana.
A quem o Senhor proporcionar mais Verdade que Amor, este será soterrado no final, ou então o Próprio Senhor terá que transpor-
tar o peso da Verdade no lugar do homem. Por isto, ensinai a vossos filhos o amor na verdade, e aos irmãos, a verdade no amor. Agora Henoch, vê o que a verdade por si só nos fez e junta teu pedido ao meu para que a noite não nos alcance aqui.”
Dirigindo-se intimamente a Mim Henoch deixou que o se- guinte desejo se manifestasse em seu coração: “Santo e Amantíssimo Pai, Criador e Deus de todo o Infinito! Dirige Teu Olhar a nós, vermes fracos, vencidos pelo grande Poder de Tua Verdade. Permite que nos levantemos fortalecidos e com nova coragem, guiando-nos segundo Tua Santa Vontade e não permitas que algo suceda aos pa- triarcas, dando-lhes o necessário para caminharmos amparados pelo Teu Amor e Graça.”
Depois de ter feito este pedido em silêncio, Henoch ouviu em seu coração as seguintes doces palavras: “Ouvi tua súplica e aten- derei o teu pedido. Consola os patriarcas com Minha grande Mise- ricórdia e assegura-lhes Minha Promessa de Ajuda, pois todos hão de concluir com ânimo a trajetória final. O tigre não deve entrar na cabana de Adão, nem pisar o terreno, mas deixa que siga, após a viagem, para o local de seu destino. Faze o que te ordenei e educa o forasteiro Asmael em Minha Honra e Amor.”
ACAUSADO TEMOR
Alegre com tamanha dádiva do Pai Celestial, Henoch dirigiu as seguintes palavras aos patriarcas: “Nosso Pai e Senhor permitiu que um milagre excepcional ocorresse para nos despertar de nossa inércia, soltando a língua do irracional. Ouvimos a centelha con- trolada e nos apavoramos como se estivéssemos frente à destruição eterna. Dizei-me, qual seria a causa que pudesse despertar o amor de quem ama verdadeiramente? Porventura não é o amor desinte- ressado para com Deus a Mão protetora do Pai, de cujo Poder todo o Infinito estremece em seus fundamentos? Não é o mesmo Dedo de Deus a nos amparar, enquanto estarrecemos por uma ninharia, embora tivéssemos maior direito de fraquejar caso meditássemos so-
bre nós mesmos? O milagre da palavra é nossa posse, a ponto de não haver algo visível ao qual não pudéssemos dar vários nomes. Isto não nos admira, nem nos tornamos fracos ao trocarmos palavras.
Se os milagres infinitamente maiores não nos enfraquecem, em virtude de nossa capacidade assimiladora, quão tolo seria perder os sentidos diante do cricrilar do grilo. Poderia o inteiramente vivo estremecer ou recuar diante da morte? Se isto fizer, ele traz ainda fortes vestígios da morte em si.
Sei perfeitamente qual a razão disto. A responsável não é, como pensais, a queda original de pai e mãe, mas porque o homem se julga grande e poderoso a ponto de crer que em cada fio de cabelo estejam presos sóis e mundos. Se o bom Pai desperta o filho ador- mecido e sonhador por meio de algumas gotas refrescantes de Amor, Misericórdia e Graça, ele abre os olhos, reconhece sua fraqueza e nulidade, começando a chorar.
Vendo a Presença do poderoso Pai, ele se alegra, acaricia-O e pede-Lhe um pedaço de pão. Onde estaria o pai que repudiasse seu predileto? Mas, se o filho for teimoso, o Pai saberá puni-lo para despertar sua meiguice. E se o filho jamais aceitar a chamada do despertar, por acaso o Pai não empregará todos os meios para tal?
O filho abrindo os olhos e sorrindo para o Pai, Este não Se alegrará muito mais do que com os outros, já despertados? Vede quão tolo é vosso receio e fraqueza. Despertai no amor e vede quão ansiosamente aguarda o Pai Santíssimo o momento de abrirdes os olhos do amor para Ele. Ele está bem próximo de vós, cheio de Amor, Meiguice e Paciência.”
OSPATRIARCASSEALEGRAMCOMO SENHOR
Agradecendo-Me silenciosamente por esta inspiração, Heno- ch ajudou os patriarcas a se levantarem e tão felizes ficaram por esta ajuda, que todos inclusive Adão e Eva, começaram a saltar. Seth, procurando ultrapassar os demais, magoou-se no joelho direito, o que o entristeceu, pois julgou ter merecido um castigo.
Por isto, Me disse no coração: “Senhor e Pai, minha alegria excessiva me fez tombar. Ajuda-me, pois daqui por diante hei de me alegrar no coração, usando pés e mãos apenas segundo Tua Vonta- de.” No mesmo instante, ele ouviu uma resposta no íntimo: “Seth, alegra-te sempre em Meu Nome e de tudo que te possa elevar junto a Mim. Deixa, porém, os esforços físicos, que de nada adiantam. Regozija-te em vida sobre a vida encontrada e não procures atrair às alegrias da vida àquilo que pertence à morte. Assim não hás de sofrer dano físico e muito menos espiritual, do teu e Meu Amor. Não o esqueças e emprega-o sempre que possível, e tua alegria não terá fim. Levanta-te e caminha alegremente em Meu Nome.”
Profundamente comovido, Seth começou a chorar, agrade- cendo-Me por esta Graça. Os demais patriarcas perceberam que algo especial havia sucedido a ele e se admiraram, com exceção de Heno- ch, de sua atitude estranha. Seth, então, pediu que não perturbas- sem sua felicidade, pois à noite receberiam orientação do Alto. Adão dirigiu-se aos filhos, abençoou a região e mandou que se aprontas- sem para a viagem.
PARTIDADOS PATRIARCAS
Todos se organizaram segundo a vontade de Adão, enquanto os que ficavam, sendo os primeiros na Terra que se despediam dos genitores, Me louvavam pela grande Misericórdia recebida. A via- gem se tornou verdadeiramente agradável devido à zona sumamente pitoresca que apresentava uma cordilheira de sete montanhas. No fundo, estas eram circundadas por outras dez, sendo que cada uma se apresentava em tamanho menor à anterior, unindo-se em sua base, e cada montanha tinha sua fonte particular. Do lado Sul, nada se via além das quedas d’água que jorravam de cada montanha e de escassos arbustos e musgo a cobrirem o solo.
Também este trajeto era um passeio predileto de Adão que costumava fazê-lo em dias de verão, quando brisas frescas sopravam com intensidade. Sempre que voltava desse passeio, pronunciava-se
em palavras elevadas a respeito de meu Amor, Graça, Sabedoria, Mi- sericórdia, Santidade, Força e Poder, e costumava chamar o caminho de “Introspecção a respeito dos Sete Poderes Eternos de Jehovah”.
Ao atingirem a montanha central, Adão mandou fazer uma parada a fim de que todos pudessem se regozijar com o espetáculo formidável à sua frente. Depois se dirigiu a Asmael, pedindo que expressasse sua opinião diante da cena da Natureza.
Com respeito, este disse: “Perguntas ao fraco a respeito de fenômenos que são grandiosos até para o mais forte. Se observo essas colunas íngremes, de pedras azuladas, formadas pelo Dedo Poderoso de Deus, penso que para os grandes a grandiosidade nada representa e para os pequeninos ela é inútil. Que faria a mosca com as monta- nhas? De que servem ao mosquito os nossos dedos? Dedução: coisas grandes se prestam somente para os grandes, mas a mosca se deve conformar com suas asas leves. Essas maravilhas foram criadas para vós pelo Dedo de Deus, podendo aproveitá-las, compreendê-las e louvá-las. Para mim, as montanhas são comparáveis aos dedos para a mosca. Eis tudo que sei dizer. Se possível, ensinai-me a compreender tais coisas em sentido espiritual.”
Dirigindo-se aos demais, Adão disse, satisfeito: “Asmael se assemelha a um campo por muito tempo não cultivado e, por isso, não podendo dar frutos. Mas, logo que for semeado com boa se- mente, produzirá frutos centuplicados. Ele ainda não se encontra dois dias entre nós; todavia poderia envergonhar todos os filhos do Alto, com exceção de nós. Se os pobres coitados das planícies dele se aproximarem, que se encontra em sua produtividade tão fabulo- sa, seria de lastimar se nós não os socorrêssemos. Na minha cabana resolveremos, com a Ajuda de Deus, o que pode ser feito neste sen- tido. Que o Senhor nos preserve de qualquer prepotência pessoal.”
Sumamente comovido, Asmael respondeu: “Se fosse possí- vel salvar os pobres irmãos assassinados, eu, mosca insignificante gostaria de me transformar em poderoso condor para, numa velo- cidade enorme, precipitar-me às planícies. Lá apanharia todos os irmãos para receberem Luz e Vida, trazendo-os aqui às montanhas abençoadas, onde os filhos do Senhor revelam coisas maravilhosas mostrando-lhes a moradia vital dentro do homem e, mais ainda, o Próprio Criador do Universo como Pai das criaturas.
Ainda que a visão do homem não se aperceba da ínfima poei- ra ao se dirigir aos espaços infinitos da Criação, se essa poeirinha cair na vista dele, ele começa a esfregá-la procurando desfazer-se daquilo que lhe impedia a visão. E não raro um irmão diz ao outro: Aju- da-me a procurar essa coisinha perturbadora! — E, ao encontrá-la enterrada no olho lacrimejante do próximo, ele exclama: O elemen- to nocivo de tua visão está sem efeito, encontrando-se soterrado na enxurrada vitoriosa de tuas lágrimas. Lágrimas piedosas hão de te libertar de teu inimigo temido. Tão logo a poeirinha se tiver trans- formado em lágrima, não mais importunará tua visão querendo im- pedir vejas os horizontes luminosos da Criação eterna.
Ó patriarcas da Terra, de olhos abençoados penetrais as pro- fundezas infinitas das luzes eternas. Mas lá, no abismo da miséria humana, não raro um tufão raivoso impele a poeira inimiga para impedir vossa visão. Se ela vos provocar dores, permiti que seja en- volvida por uma lágrima de dor e esperai até que se torne uma lá- grima agradecida. Perdoai-me, que sou fraco e pobre. Ainda que a mosca não possa rugir como tigre e leão, seu suave zunir mostra o seguinte: Também eu surgi da Mão Poderosa do Santo Pai. Conce- dei-me também um olhar de piedade.”
Sumamente satisfeito com as palavras de Asmael, Adão disse: “Ouvi tuas palavras justas e conheço bem a poeira nociva do abis- mo, inimiga da visão interna. Mas, antes de iniciarmos qualquer ação caridosa, temos que sondar a Vontade do Senhor.”
Levanta-se Seth e diz: “Não seria do teu agrado que Henoch nos desse uma explicação a respeito desta região maravilhosa? Mui- tas vezes pensei nela sem conseguir nada além daquilo que meus sentidos percebiam.”
Concordando, Adão disse: “Tu me antecipaste, pois tal era também o meu desejo. Portanto, pode Henoch saciar-nos com seu amor.” Respondeu este: “No Seio do Infinito de Deus devem se en- contrar cenas mais retumbantes e sublimes do que esses picos a jor- rarem água. Sua altitude deve ser de uns mil pés, o que não está em concordância com a relação de um piolho vegetal comparado a nós. No entanto, é tal piolho, a seu modo, muito mais importante que toda essa cordilheira.
A não ser que tal cenário aparentemente grandioso represen- te uma palavra muda da Sabedoria do Santo Pai, assim como não existe boca mais importante que outra qualquer, ainda que pronun- cie coisas excepcionais, pois o excepcional se encontra na palavra e não na boca a proferi-la.
O mesmo ocorre com esta cena. Ela representa espiritual- mente os sete espíritos ou os sete poderes de Deus, cada qual pleno de água viva da Graça que constantemente flui sobre o solo estéril de nossa alma; todavia, não chega a produzir maiores frutos do que o solo sempre irrigado ao redor dessas montanhas. E os dez montes na retaguarda traduzem os deveres santificados do Amor, irrevogá- veis, porque os espíritos perfazem também Um Só Espírito, como provam a mesma altitude, a mesma cor, a mesma forma, a mesma massa, a mesma direção, a mesma água e o mesmo murmúrio har- monioso — isto tudo é sublime somente através do conhecimento dentro de nós, pois a cena em si pouco valor contém. Diz o Senhor: Descobri primeiro os milagres no coração e só então estareis em concordância Comigo, dizendo: Ó Senhor, quem tiver saboreado apenas uma gota do Teu Amor sentirá repugnância da Terra, no jú- bilo sobre Deus dentro do próprio coração.”
Terminando assim seu discurso, Henoch Me agradeceu no coração por ter sido capaz de transmitir verdades tão profundas. Adão então disse: “Henoch querido, vejo nitidamente que as pa- lavras pronunciadas não nasceram em tua mente, mas o Próprio Criador as deitou em teu coração. Somente uma coisa não consigo compreender. Como podes ouvir e pronunciar prontamente o Ver- bo santificado, dando impressão de ser de tua autoria, enquanto o sentido elevado do mesmo prova o contrário. Oportunamente, quando for da Vontade do Senhor, revela-nos isto para que possa- mos ter uma medida certa para julgarmos como e quando um de nós recebe uma mensagem pessoalmente ou para todos. Por ora, agradeçamos a Ele por nos ter achado dignos de ensinamento tão elevado; em seguida, nos aprontaremos para a partida.”
E virando-se para Seth, Adão prosseguiu: “Meu querido, sinto fome, pois o cansaço é prova disto; no entanto, deves estar lembrado da promessa hoje feita quando a fera nos fez estremecer a todos. Tinha vontade de inquirir a Henoch. Sinto, porém, constran- gimento de perguntar a um filho de um filho. Vai tu e fala com ele.”
Imediatamente Seth se encaminhou para Henoch e disse: “Adão acaba de sentir grande fraqueza devido à fome; mas, o jura- mento o impede de tomar alimento. De que maneira poderia ele se livrar do cansaço? Muito embora também eu tivesse atingido a razão da vida, sinto somente fraqueza ao invés de força, portanto eu seria um apoio muito débil para Adão. Tu a possuis em abundância e po- des aconselhar ou ajudar.” Chegando perto de Adão, Henoch disse: “Pai, não te deixes vencer pela tentação. O Próprio Senhor permitiu que fosse experimentada a tua união dentro de ti. Foi fácil para Ele te criar como espírito e criatura livre, segundo Sua Semelhança.
Acontece que és, de há muito, livre observador e recebedor de imensuráveis eflúvios de Seu Infinito Amor, Misericórdia e Gra- ça. Como podes te deixar prender pelo receio, tremendo diante do perecível pó de tua carne, se a morte te diz: não é a carne, receptá-
culo cada vez mais sujeito à velhice, e sim o espírito do Amor, a vida intrínseca em si, destinada a viver?
Deixa que a carne se enfraqueça e quando isto fizer até pene- trar a morada da vida, esta vida se projetará tanto mais fácil na alma toda e através dela alimentará cada fibra da carne, para a futura vida eterna. O espírito absorverá a carne do corpo, e a morte nada terá para estraçalhar senão a si própria, ou seja, a própria carne extinta.
Pai Adão, confia na força de Jehovah e assim te regozijarás em tua força readquirida, dizendo: Senhor, Pai Amoroso e Santo, eu não existia e Tu me chamaste para a vida, surgindo em toda plenitude de Tua Vida alegre e feliz. Aprouve-Te experimentar-me com várias fraquezas e eu reconheci, com Tua Graça a nova provação e Te trou- xe uma oferenda de amor filial em minha fadiga. Tu a consideraste e posso experimentar uma nova vida feliz Contigo. A Ti rendo todo louvor, honra e gratidão!
Acredita-me, pai Adão, não se passará uma hora e teus mem- bros estarão mais fortes que os do tigre. Mas, deves manter a união, pois o Senhor despreza sempre a inconstância do coração. Por ora, permite que eu te guie e ajude, assim sentirás dentro em breve a milagrosa Proteção do Senhor.”
REGRAPRIMORDIALDAESCOLADE PROFETAS
Deste modo, a caravana seguia sua trajetória com bastante li- geireza, conquanto com alguma dificuldade. Ninguém pronunciava palavra, mas no íntimo todos Me pediam ajuda e força para Adão. Principalmente Henoch estava cheio de confiança, na certeza plena de que Eu não trairia sua fé em Minha Misericórdia e Graça.
Ainda que os demais soubessem que nada Me seria impossí- vel, duvidavam da Minha Vontade, pois ainda não tinham aprendi- do a contar firmemente, pelo amor com a Minha Fidelidade. Esta capacidade tinha sido conquistada por Henoch a ponto de estar sempre certo do êxito infalível daquilo que ele esperava de Mim, dentro do seu justo amor.
Por este motivo nunca andava triste e não lastimava ninguém caso algo de desagradável lhe acontecia. Sua atenção estava sempre voltada para o Meu Coração, percebendo bem a secreta direção do Meu Amor. Qualquer meio, por mais estranho que fosse, sempre Lhe servia para conduzir os filhos de tal modo que desfrutariam a conquista da Vida eterna. Seu amor para Comigo chegava ao ponto de poder afirmar com segurança quando, onde e o que sucederia e qual sua finalidade. Deste modo foi ele o primeiro profeta da Ter- ra e fundador da escola dos profetas até Minha Encarnação, que consistia exclusivamente na educação dos discípulos dentro do Meu Amor. O mundo lhes era explicado como base fixada do Meu Amor, uma grande escola na qual todos os homens deveriam sentir uma forte saudade de Mim, através de curto isolamento e por intermé- dio da própria iniciativa de sua alma. As tentações externas existiam somente para levar as criaturas a se entregarem à direção do Meu Amor. Tão logo o homem não mais encontre prazer no mundo, mas sim uma constante saudade de Mim, a visão e audição internas serão despertadas ainda em vida, podendo ouvir a Voz do Pai e vê-Lo de quando em quando.
O Espírito do Amor o preencherá. Verá passado, presente e futuro, e a morte lhe causará felicidade indescritível, pois perceberá nitidamente que a morte física não é morte, mas apenas um desper- tar para a Vida eterna. Isto e outras coisas mais eram os fenômenos de quem se unia intimamente a Mim, perfazendo a finalidade da escola dos profetas, da qual Henoch foi fundador.
A regra principal de todas as escolas de profetas era: Não po- derás crer na existência de um Deus, caso não O tenhas amado com todas as forças do teu coração filial. Quem afirmar: Creio em Deus!
— sem poder amá-Lo — é mentiroso e não possui vida. Deus é a Própria Vida eterna, e Seu Amor evidencia esta Vida. Como poderia alguém compreender a vida senão pela vida? Se somente o amor é vida, assim como no homem a vida se manifesta pela Misericórdia de Deus, como pode a criatura afirmar que acredita em Deus se O renega mil vezes em seu estado de desamor que não é vida, mas ape-
nas uma certa expressão da natureza criada por Deus que se presta para a aceitação da vida do Amor Divino?
O físico do homem não é o próprio homem, pois foi feito para portador da alma viva. Se esta alma não aceitar a vida do Amor de Deus, ela é morta, não obstante toda atividade e utilidade de seus sentidos. Esta é a regra principal. É muito natural que com o tempo ainda surgissem outras, pois do primeiro Amor também surgiram os dez Mandamentos e todos os profetas, e por estes finalmente o puro amor por Mim, para Comigo e para com o próximo. Mas aquele amor perdeu-se entre os povos, tornando-se apenas fé.
A rigorosa renúncia dentro do mundo, até que se manifeste o espírito vital do amor, também é uma das regras pela qual a futura vida terrena se modificou segundo o livre arbítrio, e era respeitada por todos os profetas. Eis a situação daquela escola. Entrementes, Henoch tinha chegado junto dos filhos do Norte.
Todos se admiram ao verem Adão, há pouco cansado, forte e disposto, ao lado de Henoch e ele mesmo estava feliz e grato, di- zendo para todos: “Quão Maravilhoso e Bom é nosso Deus! Ele que desconhece qualquer sofrimento ou imperfeição, pôde criar seres imperfeitos para lhes proporcionar Seu Amor Paternal, demonstran- do que somente Ele é Pai de todos os homens e espíritos. Só agora percebo isto. Se eu não tivesse estado tão exausto, como poderia ter percebido o indescritível benefício deste conforto?
Regozijai-vos, ó pobres, pois o sois para receberdes muito. Regozijai-vos, ó fracos, pois haveis de receber maior força. Regozijai-
-vos, ó tristonhos, pois recebereis maiores alegrias. Alegrai-vos, espí- ritos cegos, famintos e sedentos, sereis dentro em breve saciados em plenitude, pois o Senhor fez a noite para sentirdes necessidade do dia. Ó morte, se não fosses a morte, também tu terias de te alegrar, pois não surgiste por culpa própria alterando a Ordem eterna. Qui- çá o Senhor te fez para que talvez de ti nasça a vida mais sublime.
O Senhor dá como Pai segundo Seu Infinito Amor. Muito feliz deve se considerar aquele a quem o Senhor tirar algo, pois lhe será restituído infinitamente mais pela Mão do Pai eterno. Ó He-
noch, ó meus filhos, estou sumamente feliz por ter o Senhor me proporcionado graça tão grande, maior que a minha vida.
Tu, Henoch, sê abençoado. Tua semente não morrerá até o Fim dos Tempos, e teu nome será levado junto de todos os povos como se estivesses em meio deles. Futuros oradores do Senhor hão de louvar o teu amor para com o Pai, para os filhos, e eles mesmos seguirão os teus passos. Até então não demonstraste quão fortemen- te estás ligado ao Pai.
Meu Deus, Senhor e Pai, todo louvor, honra, glória e gra- tidão Te sejam tributados, pois somente Tu és digno disto. Filhos, louvai o Senhor. Ele é Bondoso, Amoroso e sumamente Misericor- dioso. Henoch, o sentimento de gratidão quase paralisa minha lín- gua. Já que chegamos junto dos filhos do Ocidente, vai com Asmael avisá-los para receberem aqui a bênção e a informação do sábado. O resto saberão pessoalmente.”
OSPATRIARCASVISITAMOSFILHOSDO OCIDENTE
Terminado o discurso, Henoch e Asmael se dirigiram aos fi- lhos do Ocidente, transmitindo o recado de Adão. Rapidamente eles juntaram frutos e outros alimentos, levaram-nos à presença de Adão, prosternando-se com temor. Somente depois de Kenan, por ordem de Adão, os estimular a se levantarem eles obedecem, mas tão amedrontados como se sua consciência os acusasse de algo grave.
Diante disso Adão chamou Henoch e Asmael, dizendo: “Procurai descobrir o motivo da atitude estranha desses habitantes do Ocidente. Estranho também que o tigre lhes vire constantemente as costas sem dirigir-lhes um olhar sequer, enquanto os filhos do Le- vante eram sempre fitados.” Disse Henoch: “Perderam inteiramente a coragem devido a uma grande humilhação de nossa parte. Esta humilhação lhes tirou o amor para conosco e encheu-lhes o coração de pavor servil.
Deixamos de ser objeto de amor e respeito filial, e somos mo- tivo de pavor e desprezo oculto. Não fosse o grande medo diante de
nossa força espiritual, vinda do amor do Senhor, e seriam levados a repetir a ação de Caim junto de Abel. Cabe a nós corrigir este enga- no. A atitude do tigre demonstra que a culpa é nossa, pois o traseiro voltado para eles significa que foram por nós maculados.
Intimamente perguntais quando e como isto aconteceu, e caso se deu sem nossa própria vontade, como reparar este mal. A pri- meira pergunta é facilmente respondida; tanto mais difícil a segunda. O motivo, Adão, reside em tua antiga justiça exagerada, inspirada no temor e não no amor para com Jehovah, que te levou a fazer tais diferenciações entre os filhos. Uns foram por ti mandados para o Le- vante, onde estão muito felizes. Outros, para o Sul a fim de se consi- derarem inferiores aos prediletos do Levante. Os daqui, enviaste para o Ocidente, porque te pareciam de mente preguiçosa, deixando-se vencer de manhã pelo sono, e com dureza mandaste os últimos para o Norte, pois não concordavam contigo em certos hábitos externos.
Se naquele tempo estivesses compenetrado do Amor do San- to Pai, tuas opiniões seriam outras. A justiça pura, apesar de irradia- da pela Sabedoria, é dura e comprime, caso um raio sutil de amor não venha a penetrar todos os sete picos multiplicados pelos dez, da sabedoria infrutífera.
Assim como a água que cai pesadamente do alto não pode vivificar a grama, mas a destrói e mata, deixando apenas pedras du- ras, também assim a pura justiça age quando se projeta das alturas da sabedoria. Ela destrói e mata toda a vida interior, e quando a vida se tiver tornado semelhante a uma pedra dura, difícil será produzir uma plantinha viva.
Enquanto a pedra não for transformada em terra fofa através de um forte fogo de amor, toda e qualquer semente lançada há de secar e morrer. Não é confortável caminhar-se sobre pedras, e pular sobre elas é bastante perigoso. Quem tropeçar por cima de uma pe- dra, leva queda e se fere. Quem for atingido por ela, será dizimado.
Se estes filhos endurecidos não forem amainados pelo cami- nho do amor, até mesmo uma massa enorme de água da mais alta justiça pouco conseguirá. Aprendamos de nosso Pai Celeste a ma-
neira pela qual guia todos os seres: As aves celestes, grandes e peque- nas, não são manietadas na manhã, no meio-dia, à tarde e à noite. Os animais selvagens percorrem as matas em todas as direções. Os peixes e vermes não têm barreiras para impedir sua livre movimen- tação e habitação.
O Senhor não nos deu nenhum mandamento para amaldi- çoar os filhos de Caim; por que, então, o fazemos a nossos filhos e irmãos desterrando-os para regiões longínquas onde se tornam con- denados e petrificados?
Adão, liberta as inúteis algemas da justiça e severidade, e une-as com o poderoso laço do amor, e assim a sabedoria surgida do mesmo se tornará para eles guia livre. Assim iluminados desses raios, brevemente se reconhecerão como filhos do mesmo Santo Pai, regozijando-se de teu próprio coração paternal para abraçar-te com todo o amor.
Em uma gota de amor reside maior força e poder que num mundo inteiro da mais sábia justiça. Deixemos que os ventos fortes do amor soprem para derreter essas pedras de gelo e as próprias pe- dras devem dissolver-se pelo poderoso fogo do amor para que nossa semente não seja lançada em vão.”
SETHRECRIMINAASPALAVRASDE HENOCH
Ouvindo as palavras de Henoch, Adão estremeceu, pois a re- ferência ao fratricídio de Caim fez sangrar de novo a antiga ferida, a ponto de não conseguir pronunciar palavra. Eis que Seth se dirige a Henoch, dizendo: “Não deverias provocar tamanha aflição e tristeza no velho Adão, relembrando o crime de Caim. Poderias ter usado de outro meio. É a primeira vez que me vejo obrigado a te repreender. No futuro, convém pesares as tuas palavras. Tu mesmo nos ensinas amor e meiguice. Mas, deves seguir o que ensinas, pois só então o ensinamento trará bênção, força e poder.”
Henoch, que intimamente Me havia agradecido pelo que dissera a Adão, ficou muitíssimo admirado pela admoestação. Nada
disse contra, mas dirigiu-se a Mim pedindo que Eu lhe apontasse o que fazer devido à crítica de Seth. “Santo e Amoroso Pai, que sem- pre vês as trevas do mundo,” assim orou ele silenciosamente, “sabes que transmiti Tua Palavra sem omissão ou aditamento. Como foi possível que Seth a aceitasse dessa forma? Não pude falar senão aquilo que Teu infinito Amor me insuflou. Além disso, Seth foi testemunha de teres Tu, Jehovah, libertado Adão de sua fraqueza, fortalecendo-o em todas as suas fibras. Mostra-me a causa da rea- ção dele e como será possível reparar a questão de Seth. Quanto a mim, juro que nem um fio de cabelo meu há de se mexer sem Tua Vontade.”
No mesmo instante, Henoch viu as seguintes palavras em seu coração: “Henoch, por que te preocupas? Quando o coração não é completamente penetrado do Amor eterno, não se encontra no en- tendimento total. Quando este vier, também Seth ouvirá as pedras e a flora trocarem palavras perceptíveis. Por ora silencia e deixa que teu aluno tome a palavra.”
Quando Seth percebeu que Henoch não fazia menção de res- ponder, começou a se perguntar qual o motivo desse silêncio. Mas seu coração também ficou mudo, levando-o a se dirigir de novo a Henoch para saber por que nada retrucara.
Cheio de amor e respeito, este disse: “Mui digno pai Seth. Porventura o filho tem direito de se opor à advertência paterna? Fui repreendido por ti devido à Palavra do Senhor que fui obrigado a pronunciar; se perguntares em Nome Dele, posso me expressar livremente. Mas, se o fizeres como professor, é de meu dever filial calar-me e procurar imediato contato com o Amor de Jehovah. Olha sem temor o orador em cima do lombo do tigre, pois o Senhor quer que ele por ora tome o meu lugar. Inquire-o, que te dará resposta condigna em Nome Daquele que o escolheu para tanto.”
Esta expressão modesta de Henoch fez com que Seth emu- decesse, enquanto soltou a língua de Adão, que disse: “Seth, tu que me foste dado por Jehovah para consolo pela morte de Abel — que foi que ofuscou o teu coração? Conseguiste recriminar o orador de
Deus, no entanto, pouco antes viras quão milagrosamente a Palavra divina me fortificou.
Confesso que me senti magoado pela referência de Henoch a respeito do amor-próprio de Caim e o endurecimento desses filhos. Mas, assim fora necessário, do contrário jamais teria sarado comple- tamente a ferida antiga. Onde o Senhor fere, Ele também cura. Mas, quando os homens se ferem mutuamente, nem em eternidades con- seguiriam reparar o mal, caso o Senhor não Se compadecesse deles.
Pequei com minha companheira no Paraíso, e o primogênito se me tornou em grande ferida que até então não conseguira sarar. Há trezentos anos atrás separei os filhos com dureza, e agora, so- mente agora, vejo ter deitado veneno em minha antiga ferida. Mas, o Senhor tirou-me o veneno e curou-a através das palavras milagro- sas de Henoch. Por que vilipendiaste o amor antes de reconhecer no coração o seu sentido maravilhoso?
Seth, tem cuidado para que o Senhor não venha tirar do teu coração aquilo que te deu tão excepcionalmente. Para o futuro, con- vém que todos ouçam primeiro a minha voz e só procure auxiliar-
-me quem for designado para tanto. Em ocasiões como esta, em que o Senhor nos acompanha tão evidentemente, torna-se desnecessário nosso auxílio mútuo, pois o melhor auxílio humano nada é diante da verdadeira Ajuda do Senhor, através de Sua Palavra poderosa, que sempre é ação realizada para toda a Eternidade. Reconhece o teu engano e pede ao Senhor Graça e Misericórdia para que volte a te olhar.”
OENGANODE SETH
Finalmente, Seth compreendeu o motivo das palavras de Adão e disse: “Agora tudo me é claro e penso que vós, pai Adão e meu filho Henoch, me perdoareis o meu engano. Mas, como con- seguirei o perdão do Senhor? Já se tinha feito luz em minha alma e pude perceber uma vida nova e verdadeira. Agora, só consigo vis- lumbrar treva e morte dentro de mim.
Os filhos do Norte e do Levante começarão a falar como se tivessem surgido do sol a pino. Eu, porém, serei mais mudo que uma pedra no fundo do mar, pois usei a minha língua para pro- testar, quando deveria ser usada para gratidão eterna. Nem mesmo Henoch deveria me dirigir palavras de vida, mas somente Asmael. Meu Deus, quão imenso deve ser o meu pecado, pois proibiste, em virtude de minha teimosia, que Henoch falasse algo diante de mim, mas sim unicamente Asmael, que deveria esclarecer-me todos os meus enganos.
Ai de mim, se o Senhor não me fitar em Sua Misericórdia! Quem me salvaria da noite da morte? Ó Senhor, permite que As- mael nos dirija palavras cheias de força juvenil, pois somos obtusos, principalmente eu. Mas, não faças emudecer a língua abençoada de Henoch, para que ninguém venha a perder algo. Sê misericordioso e benigno para comigo, Senhor.”
Eis que Henoch se levanta com Minha Ordem e diz: “Vê, Seth, onde estaria o homem que se socorresse em seu engano? Quando fala, parece estar falando em sonho. Quando age, o faz como cego. Quando anda, parece não ter ossos em seus pés. Que- rendo ficar de pé, cai como num turbilhão. Pretendendo levantar-se, não consegue equilibrar seus pés. Querendo ver e ouvir, ele só vê a sombra e ouve apenas o eco da palavra viva.
Assim ocorreu contigo. Percebeste apenas sombras da vida e do verdadeiro amor. Satisfeito com isto, podias enfrentar o Amor eterno porque pensavas intimamente que cada palavra tua deveria vir do Alto. O Senhor permitiu que caísses para que compreendesses ser mais difícil apossar-se do máximo bem do Amor eterno de Jeho- vah do que recolher todos os frutos da Terra em três vezes sete dias.
Por que erraste quando criticaste a Palavra de Deus? Porque julgavas que também a exigência do teucoração viesse do Alto, dan- do-te o direito de criticar a Sabedoria de Deus, porquanto não que- rias iluminar teu coração obscurecido.
Novamente erraste quando atribuíste a Adão e a mim maior capacidade de perdão do que ao Amor eterno de Jehovah, de Quem
todos nós somos filhos sem exceção, bons ou maus. Além disto, pareces dar apenas valor à minhapalavra, sem considerar que a Pa- lavra do Senhor, ainda que pronunciada por uma pedra, é a Mesma Palavra, Santa e Viva.
Por isto não peças que a minha língua se mova, mas pede pela Palavra viva. Não consideres o instrumento, mas a Graça projetada por qualquer instrumento do Senhor, se por Henoch ou Asmael. Só então caminharás justificado perante o Amor Eterno de Jehovah, que sabe melhor qual o instrumento útil para este ou aquele trabalho. Se for do Agrado do Senhor que também Asmael receba a inspiração, porventura as Palavras do Senhor serão de menor importância?
É da Vontade do Pai que cada um procure constantemente a Vida eterna da alma e do espírito no coração. No entanto, ninguém deve supor que isto seja possível de um dia para o outro. Se alguém tiver alcançado algo do Senhor, imite as crianças quando encontram um tesouro escondido e o ocultam diante dos olhos dos pais, com medo que lhes seja tirado.
Ninguém deve desejar ardentemente se tornar instrumento do Senhor, pois convém que cada um permaneça no silêncio aben- çoado, na grande humildade e no amor secreto. Não existe gratidão nem mérito se alguém for chamado para servir de instrumento. Não devemos procurar o Senhor para molestá-Lo com nossas futilida- des, como se algo fôssemos ou pudéssemos, mas procurar o Mesmo Santo Pai para que nos aceite como filhos da Vida eterna, através do misericordioso despertar do nosso espírito adormecido e a ilumina- ção de nossa alma mundana.
Quem for chamado para testemunhar do eterno Amor do Senhor, que o faça na máxima humildade do seu coração, conside- rando sempre ser apenas o mais inútil servo do qual o Pai facilmente poderá prescindir.
Ai de quem julgar ser maior que seus irmãos ou que o Se- nhor precisa dele! Tal vilipendiador não escapará do seu próprio julgamento. Se servirmos, façamo-lo com amor para com todos os filhos de Um Só Pai, e a nossa mais elevada sabedoria seja o amor
acima de tudo para com Ele. Que ninguém procure molestar o pró- ximo com um ensinamento como se fosse designado para tanto. Mas, quem for chamado pelo Pai, que o faça com o máximo amor e humildade; só assim provará que seu ensinamento tem origem em Deus, a eterna Fonte de todo Amor e Vida.
Quem for pregador, seja mais simples que seus irmãos, tes- tificando ser realmente servo do amor. Quem ouvir a Palavra do Se- nhor pela boca de um irmão, agradeça por esta inexprimível Graça. O pregador deve se considerar o menos digno, julgando seus irmãos melhores que ele próprio, preservando deste modo o seu coração do orgulho, servindo de morada serena e agradável para o Senhor. Eis o que Ele exige de todos nós. Tratemos de fazer Sua Vontade com todo amor e humildade, para vivermos sem nos enganarmos com a sombra da vida.”
PALAVRASDEADÃOPARA SETH
Eis que Seth se ergue e diz: “Pai Adão e todos vós, meus ir- mãos, agradecei por mim ao Senhor. Sou demasiado indigno e mau para oferecer um louvor a Ele, se há pouco vilipendiei Sua Palavra Santa. Deixai que Asmael se pronuncie, pois não mereço ouvir as palavras de Henoch. Até mesmo o pronunciamento de Asmael é muito santo para um morto. Permiti que a fera se faça de pregador para que sua voz rouquenha possa despertar-me da morte para a vida. Adão, não me chames de filho. Vieste de Deus, e eu, do espíri- to da contradição. Quero ser teu servo, servo de todos, como escra- vo das profundezas e mudo qual pedra, provando minha queda no abismo, enquanto o Senhor espargia tanta Luz pela Palavra e Ação.”
Tomando da palavra, Adão retrucou: “Seth, pretendes fazer além daquilo que o Senhor te permitiu. Quem te socorrerá se o Senhor te deixar cair em tentação e tu te tornares ainda mais fraco, levando queda pior? Deus, por acaso — a Quem tolamente pre- tendias desagravar — o infinitamente Santo, sendo tu apenas uma poeira da Terra?!
Quem poderia satisfazer a Deus? Quem poderia orar com pureza de alma e sem dolo, agradecer-Lhe, louvá-Lo sem pecado e levantar a voz sem mácula na alma? Que teríamos nós, que não tivéssemos recebido Dele? E o que fazer-Lhe que não tivesse sido feito por Ele?
Não cries um mandamento inútil; considera apenas uma coi- sa: trata de amá-Lo cada vez mais, com toda humildade do teu es- pírito, e os teus irmãos dez vezes mais que a ti mesmo. Todo o resto entrega ao Senhor. Ele sabe melhor qual o peso que podes suportar. Se já se torna difícil considerar um mandamento, como pretendes te equilibrar com tantos? Ignoras que em cada lei se prendem a maldi- ção, o pecado, o julgamento e a morte?
Caso pretendas viver, receia todos os mandamentos. É mais fácil criar-se as leis do que cumpri-las. O que vale mais: Estar-se livre no amor pelo amor, ou padecer sob a obediência do jugo, almejando o amor dificilmente conquistado quando o coração terá que sangrar debaixo dos golpes da tentação?
Quão duramente sofreram os filhos do Ocidente por uma simples lei, e quão difícil será ajudá-los caso seu coração esteja endu- recido pela pressão duramente aplicada!
Agradeçamos ao Senhor e louvemos o Seu Nome por nos ter dado um coração livre para o amor independente, e peçamos que nos preserve de qualquer mandamento a fim de que vivamos com Seu Amor, como filhos livres. Tempos virão em que nossos filhos viverão debaixo de montanhas de leis, consumindo-se pela ânsia de liberdade, e seus irmãos hão de privar os desobedientes de toda liberdade. Então haverá pecados como grãos de areia no mar e erva na terra.
Desiste de tua tolice, faze o que podes e o que agrada ao Senhor. Todo o resto entrega a Ele, e assim viverás. Aceita minha bênção e caminha com liberdade e justiça diante de Deus, de mim e de todos os meus filhos.”
Reconhecendo sua tolice, Seth ficou aliviado e louvou-Me sobremaneira. Eis que Asmael proferiu o seguinte discurso: “Meus olhos em lágrimas veem os filhos da Terra padecendo, mudos e mor- tos quais pedras no fundo dos mares e rios.
Ó leis pesadas! Ó criaturas sem amor, onde levareis os ir- mãos, aplicando toda sorte de leis inúteis, cada qual tendo em seu bojo uma infinidade de novas leis! Perguntai-vos, meus irmãos, quantas foram as leis dadas pelo Senhor. E eu afirmo: nenhuma, senão reconhecer a liberdade eterna no infinito Amor do Pai. Por- ventura nascemos para carregar pesos insuportáveis de todas as leis? Deus é, porventura fraco porque tem que dar leis aos homens a fim de mantê-los na ordem?
Quão tolo seria pensar-se tal coisa de Deus Onipotente, cujo Sopro mais suave poderia destruir inúmeros mundos e exércitos de espíritos poderosos! Este Deus Poderoso deveria pressionar as cria- turas com pesos insuportáveis, com estatutos duros que Ele Mesmo não poderia suavizar. Se soltasse um desses constrangedores espiritu- ais da vida, teria que recear ser finalmente preso por Suas criaturas, sentindo em Si Mesmo o que seja um escravo de Seus filhos. O Pai, cheio de Amor e Ternura, deveria criar seres para matá-los cruel- mente na opressão duríssima das leis?
Seria mais fácil imaginar que eu e o tigre fôssemos uma enti- dade cheia de treva e luz, no centro da Terra, do que Deus fosse ca- paz de criar um ser a fim de oprimi-lo e ao mesmo tempo obrigá-lo a se movimentar, tão impossível quanto a ideia de Ele, o Pai e Criador, se entregar manietado qual escravo de Lamech.
Como é possível que vós, os únicos filhos do Santo Pai, ig- noreis Sua Ordem sábia e livre? Falais do amor para com o Pai e não conheceis esse elemento básico, a não ser falado em vão.
O Amor poderoso e santo do Pai Eterno é justamente a Or- dem libérrima em Deus. Segundo essa Ordem perfeita, surgiram os incontáveis exércitos de espíritos de mundos e vós mesmos, Seus
filhos tão livremente como Ele Mesmo Se criou. A fim de vos ensi- nar que vos deveis sentir tão livres quanto Ele deu-vos do fundo do Seu Amor como Pai um conselho — pois não posso chamá-lo de mandamento — de não vos apoiardes em algo e em nada tocardes que pudesse tornar-se um empecilho de vossa liberdade. Cientes da liberdade divina e da plenitude da força, não quereis respeitar esse conselho, apegando-vos a tudo que deveria se tornar empecilho à vossa liberdade e vida, ainda não equilibrada. O efeito foi contrário à Ordem do Amor. Por isto, o Santo Pai teve que reformar a infinita Criação a fim de recolocar-vos na liberdade da vida.
Agora vos encontrais nesta posição como filhos do Pai, sois livres e cheios de Vida e Graça do Alto. Como foi possível banirdes os filhos do Mesmo Pai para regiões diferentes, pela coação de um mandamento ignorante que não os vivifica nem alegra, mas mata física e espiritualmente? Desatai de seus pés as algemas enferrujadas da lei morta e deixai que cultivem a terra a seu gosto — com exce- ção das planícies pecaminosas — e assim viverão reconhecendo-vos como pais justos e filhos poderosos do Senhor.”
REFLEXÕESDOS PATRIARCAS
Ao discurso de Asmael segue profundo silêncio. Até mesmo Henoch se perdera numa conta prolongada do Amor, meditando se realmente seria possível enganar-se a respeito dele. E dizia de si para si: “Asmael tem plena razão em tudo que disse. Mas o amor posses- sivo e poderoso, que atrai o coração com força invencível para junto do Pai sem que a criatura conseguisse libertar-se, este amor poderoso porventura não seria uma eterna Lei no Próprio Senhor, pela qual Ele tudo cria, ordena e mantém? No entanto, afirmou Asmael que justamente o amor é a máxima liberdade, em Deus e em todos os Seus filhos.
É bem verdade que a vida é condicionada a um grau correspon- dente de liberdade e que esta liberdade acompanha o amor, passo por passo. Onde reina o máximo amor, regem também a vida e a liberdade.
Mas, como se apresenta a fixação da ordem dentro da qual cada ser tem que conservar sua forma sem poder modificá-la à von- tade? O Criador, nosso Pai, assim o organizou. Mas, aquilo que con- diciona a forma imutável nos seres e filhos talvez seja uma Lei para o Senhor, criada por Ele Mesmo, que tem que ser considerada até o mínimo pontinho, enquanto os seres tiverem que permanecer aqui- lo que Ele determinou? Eis uma lei. Quem poderia afirmar que não fosse lei? Mas, e a liberdade libérrima? Ó Asmael, quem entenderia o sentido de tuas palavras?
Pobres patriarcas, designastes-me para professor. Enquanto podia amar, fora fácil falar através da Graça incompreendida. Mas, o discurso de Asmael me demonstrou que as palavras por mim pro- feridas e inspiradas pelo Amor Eterno nunca foram entendidas por mim. O amor se tornou algo dúbio. É ele a máxima liberdade e ao mesmo tempo a lei mais ferrenha de todas as leis que condicionam a vida. Na liberdade possoamar e viver; na lei tenhoque amar, ou morrer na morte eterna. Como se pode conciliar a máxima liberda- de e a lei inevitável?
Quem poderia me convencer se meu amor é liberdade ou lei? Se amo e vivo, é ele liberdade. O amor me atraindo e agra- dando indizivelmente, é ele uma lei condenadora pela qual sou obrigado a amar pela atração no coração para Deus, portanto es- tarei morto.
Meu Pai, vejo-me aniquilado pelas palavras de Asmael e não consigo me salvar. Se Tu não me ajudares e aos patriarcas, estaremos eternamente perdidos. Agora reconheço que o homem nada pode por si mesmo. Se Tu não o guiares constantemente, ele passa a um estado de eterna perdição. Salva-nos dessa desgraça na qual as pala- vras de Asmael nos atiraram.”
Como a estupefação de Seth se havia acalmado, ele se virou para Adão, dizendo: “O preâmbulo de Henoch iluminou-me nos caminhos do engano, onde adormecera em espírito. Tu me desper- taste de um sonho fictício e me senti bem com sua bênção. Mas, que será de mim? Asmael pronunciou palavras que a inteligência
comum não entende e assim se tornaram como pedras cheias de morte e ignorância.
Nem me atrevo a inquirir Henoch. Se tiveres alguma inspira- ção, esclarece-me, para que céu e terra não venham a perecer devido à minha imensa ignorância.”
Sumamente admirado, Adão nada soube responder para salvar sua honra. Finalmente, conseguiu recomendar-lhe aguardar momento melhor, pois tinha outros assuntos para pensar. Enquanto isso, Enos sussurrou no ouvido de Jared: “És sábio professor de teu filho e lhe mostraste como amar a Deus no coração, e que este amor seria mais forte do que o sentimento do homem para com sua mu- lher e filhos. Embora perceba nossa atual dificuldade, ele nada faz para nos ajudar. Por que?
Tenho a impressão de que Asmael lhe tirou toda a coragem. Mas, não pode nos deixar à míngua e deve mais do que nunca nos tirar desse dilema. Vai lhe dizer isto.” Coçando-se atrás da orelha, Jared retrucou: “Meu querido Enos, se um raio de sol me incomo- da, fujo para a sombra confortadora. E se ele derreter um pedaço do solo, não me preocupo, pois encontrei bom conforto. Deixemos que os outros resolvam o problema, pois um professor terá que se entender com seu aluno.
Se este pronuncia coisa que o mestre não entende, é desa- conselhável querer-se fazer de aluno aquele que ultrapassa o mestre e todos os patriarcas. Prefiro continuar sob minha sombra, satisfa- zendo-me com os reflexos que passam por entre as folhas, deixando fitar o sol quem tiver vontade de ficar cego. Por isto, não concordo contigo. Prefiro os meus olhos ao entendimento de coisas jamais compreensíveis e digo apenas o meu amém.”
Entre Kenan e Mahalalel travou-se a seguinte conversa: “Que achas, Kenan, voltaremos para casa ainda hoje? Os filhos do Ocidente quedam silenciosos quais pedras e nós desfrutamos da mesma situação. O próprio Henoch me parece estar em apuros.” Disse Kenan: “Se nada sabes, age como eu, que também nada sei. Certo é que Asmael sabe mais que nós. Conheces o meu sonho, que
foi deveras profundo. Seth e outros finalmente disseram tanto quan- to eu, isto é, nada. Também me satisfaço com minha ignorância.”
Disse Mahalalel: “Se isto dizes de ti, como orador igual a Asmael, que direi eu, de difícil oratória? Começo a perder a indife- rença. Se não vier logo orientação do Alto passaremos a noite aqui.” Diz Kenan: “O Senhor saberá melhor por que proporcionou um descanso às nossas línguas. Silenciemos, pois.”
EVAREPREENDE SETH
Seth, porém, percebeu que os filhos cochichavam e pensou: “De fato, todos são assaltados por dúvidas e não encontram saída. É lastimável que Henoch continue tão silencioso, e Eva deve so- frer muito, chorando certamente no íntimo devido à nossa grande tolice. Não se ocultaria uma pequena fagulha no seu coração que nos prestaria grande serviço?” Dirigindo-se para Eva, Seth prosse- gue: “Mãe querida, pareces estar sofrendo; dize-me se não existe um desgosto oculto em tua alma. Se assim for, acalma o teu coração no amor para com o Senhor. Mas, se tiveres alguma inspiração, trans- mite-a para podermos desfrutá-la, ou consolar-te.”
Com severidade, Eva retrucou: “Caro filho que me foste dado em substituição a Abel. No meu silêncio podias perceber que não tenho motivos para fazer saltar o meu coração de alegria, mormente quando noto que o meu predileto se aproximou de mim com certa esperteza. Por que perguntaste pelo meu estado físico, se tens apenas interesse na centelha do coração? Julgas que uma astúcia bondosa seja uma virtude da sabedoria?
Enganas-te muito. Justamente a maior franqueza, o coração na boca e a boca no coração — eis a base da sabedoria. Pede o que desejas, foge do que te repugna, para poderes amar a Deus de cora- ção sincero e nele nunca se fará noite.
Recebeste a sabedoria como dom. Por que não caminhaste sempre retamente? Locuções artificiais, palavras retumbantes sem- pre foram delatoras da própria fraqueza, querendo demonstrar sua
força, enquanto os outros percebem as trilhas erradas. Desiste dessas trilhas e caminha reto diante de Deus e dos filhos, que nunca hás de sentir qualquer carência de conhecimento.
Considera que, ao fazeres um círculo, o ponto mais afastado também é o mais próximo do início. Não queiras tomar o caramujo para professor do círculo, pois nunca haverias de chegar ao ponto de partida. Compreende-me bem e sê calmo no coração e em Deus.”
Tomado de forte receio, Seth pensou: “Coisa estranha ocorre nesta região. Cada palavra se torna engano, qualquer piedade é ina- propriada. Todo pensamento melhor que se pronuncie no coração nada mais é que o voo desordenado de uma mariposa a girar em torno da chama até que esta a consuma.
Minha vontade é sem vida e semelha-se à do sonho, onde precisamente é conseguido aquilo que um poder estranho me obriga a fazer. Meu amor para Deus é semelhante ao amor, ao ar e à água. Ouço o sussurro do vento, sem que o menor sopro toque os meus cabelos. Sinto fome e sede, mas não posso saciá-las. Estou com sono, mas não posso dormir. Oro a Deus, mas o meu coração repousa qual pedra sobre a terra. Olho para as alturas cobertas de nuvens pesadas. Tudo me parece tão estranho! Sou como se não fosse, e tudo que vejo parece ter uma meia existência, ou como se dentro em breve não mais existisse.
Meu Pai e Senhor, não nos abandones, desperta-nos de novo e não permitas que adormeçamos no caminho da vida sob a épo- ca luminosa do dia. Afasta-nos daqui e susta as tolas diferenciações das regiões imaginadas por nós. É bem verdade que tanto no Norte como no Sul devem habitar as melhores criaturas. Fomos nós mes- mos a enlamear esta região e o lodo nos cai sobre o peito. Ajuda-nos nesta grande penúria e não deixes que sucumbamos em nossa to- lice. Amém.”
Inspirado por Mim, Henoch diz: “O Senhor, nosso Deus Jehovah, percebeu nossa grande tolice na qual permanecemos cerca de trezentos anos e deseja nos socorrer em nossa penúria. Mas é preciso que cada um afaste de seu coração a tola diferenciação das regiões. Aprouve ao Senhor inspirar Asmael para nos demonstrar a incoerência da lei quando não está em íntima ligação com a Ordem divina. Todos nós estávamos fora da lei e nada podíamos entender. De um lado nos prendemos à necessidade férrea da lei tornando-nos mortos por palavras, pensamentos, vontade e ação. Do outro lado sentíamos a maior necessidade pela verdadeira liberdade da vida, sem a qual a vida jamais seria vida.
Éramos criaturas dúbias, vivas e mortas. De um lado estáva- mos muito perto da verdade; do outro lado, incrivelmente afastados. Lei e liberdade criaram um abismo intransponível para o entendi- mento do nosso coração, sobre o qual não podíamos saltar da lei para a liberdade, nem vice-versa, obrigados por isto a vermos Deus Mesmo algemado pela própria lei ou desvanecendo-Se em absoluta liberdade.
Eu mesmo senti tal aflição dentro de mim e não conseguia, com toda a vontade do coração, juntar água e fogo num recipiente. Pensei o seguinte: Deus terá que respeitar a lei da ordem enquanto desejar ver e criar seres constantes dentro de Si. Como pode estar livre quem é obrigado a respeitar leis?
Mas quem poderia coagir a Divindade? Se Ela cria, fá-lo se- gundo Sua Vontade livre e santa, podendo destruir imediatamente toda e qualquer obra. De onde se origina a imutável conservação?
— Enquanto assim conjecturava, o Amor se manifestou, dizendo: Eu sou a base de toda conservação.
Então, pensei: Se és a base de toda conservação, Tu Mesmo és uma eterna lei. Como podes ser livre? — Assim como eu, tam- bém o pai Adão pensava. Seth sentia o abismo intransponível em seu peito, e por falta de meios apropriados não conseguia construir
uma ponte sobre o grande abismo com os conceitos descobertos. Os outros patriarcas também meditaram a respeito, alcançando apenas a paciência indispensável para se inteirarem do assunto.
Eva apresentou um grande conhecimento a Seth, mas o forte reflexo da noite ofusca muito mais a visão que a anterior noite em si. Deste modo, o empreendimento de todos foi criticado pela tríplice cegueira posterior.
Não existe professor mais sábio que a própria necessidade. Em nossa aflição pedimos socorro ao Pai, que em Sua Misericórdia Se dirigiu para os Seus filhos. Somos nós os filhos, e Ele convive em nosso meio e nos ensina Pessoalmente, dizendo: Filhos do Meu Amor, compreendei em vosso coração: Sou Deus Uno e Eterno, Criador de todas as coisas e Pai de Meu Amor e de todos que surgi- rem Dele. Sou eternamente livre e independente, e Meu Amor é a bem-aventurança de Minha Própria Liberdade.
Todas as criaturas não representam uma necessidade, mas apenas provas visíveis de Minha Onipotência e da bem-aventurança suprema. O que poderia obrigar-Me a agir desta forma ou de modo diferente?
Aquilo que chamais de lei é para Mim a máxima liberdade de Meu Amor. O que denominais de liberdade é apenas Meu Livre Poder. Vivei, portanto, para o Amor eterno em Mim, tornando-vos verdadeiramente livres. A liberdade da vida vos ensinará de fato que a lei do Amor é a própria liberdade máxima. Lei e liberdade são como um círculo perfeito que converge em todos os pontos e que se liberta pela ordem na qual ele se positiva e cria, em infinita per- feição. Aplicai o amor, e a lei vos será submissa, tornando-vos tão perfeitamente livres como Eu, vosso Pai.”
OBRASDASABEDORIAEOBRASDO AMOR
Juntando as mãos e erguendo os olhos para o Alto, Adão disse contrito: “Pai Santíssimo, ó Amor eterno! Como poderei agra- decer-Te? Tudo que somos e praticamos de bom é Tua Obra. Nossa
língua depende de Tua Bênção para pronunciar algo de proveitoso. Nada possuímos que não nos fosse dado por Ti; se eu não tivesse amor, teria o pecado e a morte dentro de mim. Mas, poderia eu Te amar e louvar no pecado e na morte?
Deste-Me o amor para que o pecado e a morte não fossem minhas únicas ações mas, também o amor e suas obras podem ser meus, através de Tua Graça e Misericórdia. Enquanto eu possuía apenas a sabedoria, só pude realizar obras do pecado e fui obrigado a Te louvar com meus pecados. Aceitaste meu louvor impuro como se fosse pura consequência de Teu Amor dentro de mim.
Separei os filhos pelo conceito aparentemente justo insuflado pela sabedoria dada por Ti. Julgando que a sabedoria fosse minha, minha ação foi pecaminosa. Agora me deste o amor e não maior sa- bedoria, mas só aquela que o amor pode acolher, para que eu venha juntar e não dispersar. No recolher reside a vida e no dispersar, a morte. Quero então recolher de novo, através do amor, todos aque- les que eu espalhei pela sabedoria mal empregada.
Agradeço-Te, Pai, por nos teres encaminhado Henoch e o forasteiro, dando-nos primeiro a cegueira pela sabedoria, para que fôssemos capazes de assimilar, nas trevas, o fogo do amor de Ti, onde unicamente reside a Vida em todo recolhimento. Permite que esse fogo se transforme em possante incêndio dentro de nós, destruindo nossa tolice e nossas obras maldosas.
Permite que todos nós nos encontremos no Teu Amor e Mi- sericórdia, e que possamos amanhã, no Teu sábado santificado, co- memorar o Teu Amor e nesta cerimônia prestar um sacrifício de gratidão e louvor. Que seja esse nosso convite o primeiro passo a nos levar junto de Ti. Henoch, Asmael, Seth e Kenan, ide junto dos filhos e despertai-os no verdadeiro amor, convidando-os para o dia de amanhã, em Nome de Jehovah.”
Depois de os quatro patriarcas seguirem as ordens de Adão, e os filhos se terem erguido e agradecido a Mim, Henoch ouviu e transmitiu as seguintes palavras vindas de Mim: “A lei que vos separava em grilhões na noite fracamente iluminada e sem amor, foi derretida pelo grande calor do Amor do Pai, dando-vos outro mandamento que vos liberta inteiramente, como eu e os patriarcas somos livres no amor vivo para com Deus, que é o próprio Amor.
Se O amardes maisque a vós mesmos, e o próximo comoa vós mesmos, sabereis o que seja ser livre no amor para com Deus. Ele vos inspirará. Se até então vivíeis sob o peso do mandamento da sabedoria, e agora sentis grande felicidade através da liberdade, muito mais vos regozijareis quando Deus vos despertar por causa de vosso amor para com Ele, levando-vos à percepção da máxima Verdade, para a vida eterna da alma e do espírito.
Quem hoje mesmo começar a agir assim, poderá alegrar-se amanhã com um coração abençoado. Mas, quem hesitar no amor, preocupando-se com seu intelecto, receberá de Deus pedras duras em vez da bênção, e os dentes espirituais dessas pessoas hão de se partir com tal alimento indigesto.
Que cada um se pergunte o que seja mais fácil: Amar a Deus como Pai, Santo e Amoroso, ou reconhecer Deus dentro de Sua Onipotência, Força, Glória, Sabedoria, Santidade, Ordem e Amor.
Se alguém forçar o irmão a lhe revelar o segredo de seu co- ração, ele o ocultará, admoestando-o e dizendo-lhe que não se deve preocupar com os segredos do próximo e sim apenas com o seu amor, e se ele te ama na mesma proporção com que é amado. Se, porém, não se preocupar com o que pertence ao irmão, amando-o dez vezes mais que a si mesmo, ele abrirá a porta do coração para ensinar o que seja útil ou possa alegrar e de qualquer forma despertar a confiança.
O mesmo acontece com Deus. Quem poderia forçá-Lo a Se mostrar e a Se revelar? E se assim fizesse, quem poderia entendê-Lo e
continuar vivo? Mas, se O amardes acima de tudo, Ele vos conduzirá ao conhecimento total, segundo a capacidade e a força do amor que alimentais no coração para Ele.
Meus irmãos, não pesquiseis para o vosso raciocínio, mas amai a Deus, nosso Santo Pai, que recebereis, num instante, muito mais do que vossa razão poderia desvendar em milênios. O amor é a raiz de toda a sabedoria. Amai, caso quiserdes ser verdadeira- mente sábios. E, se amardes, fazei-o por causa do amor e não pela sabedoria. De agora em diante sois livres, mas o amor vos libertará completamente no coração. Vinde amanhã para a comemoração do sábado, no verdadeiro amor de Deus.”
SETHRECONHECEOFORASTEIRO ASMAEL
Eis que Seth dirige as seguintes palavras aos habitantes do Ocidente: “Estais lembrados que fora eu a vos transmitir, há trezen- tos anos, a lei de Adão. Entristecidos com isto, e sem encontrardes qualquer consolo, fizestes do sono vosso amigo, e suportastes aquele peso dormindo uma noite trevosa em vosso coração. Agora me en- contro de novo em vosso meio, na companhia dos que Deus inspi- rou, para que pudessem receber Sua máxima Graça e pronunciarem Seu Verbo vivo. Foi a Palavra de Deus, pela boca de Henoch e Asma- el, que vos libertou. Sou de opinião que Asmael é do Alto, pois não existe sabedoria no abismo, muito menos amor. Ele nos esclareceu o mandamento e mostrou nossa grande tolice diante de Deus, como se fosse ele mesmo o criador do mandamento. Veio para aprender conosco a Sabedoria, e em uma hora nos envergonhou, a ponto do próprio Henoch ficar estupefato.
Falo, não para matar o tempo, mas a fim de apontar para onde um sentimento forte conduz minha língua. Este forasteiro que se mostra modesto, mas pronuncia fortemente a Verdade, um dia se deixará transportar por outro animal, e um povo exclamará: Hosa- nas a Deus nas alturas. Louvado seja Aquele que vem em Nome do Senhor, montado no lombo de um jumento!
Se vos for possível me contradizer, fazei-o. Se estiverdes toca- dos pelo mesmo sentimento que eu, valeria a pena dirigir vossa aten- ção e o coração humilde para esse forasteiro tão inspirado. Quem falar de Deus como ele, deve-se originar das alturas, ou é... Bem, não quero e não posso prosseguir.
A Salvação aproximou-se de nós em toda plenitude. Quem não se libertar por Asmael, assim como Sua Palavra poderosa nos libertou após curta reação de nossa ignorância habitual, jamais atin- girá a liberdade.
Ó Asmael, que em toda meiguice e humildade nos ouves, vermes no pó, como se quisesses aprender, enquanto cada palavra meritosa em nossa boca nascera dentro de Ti em toda pureza, liber- ta-nos e nos vivifica em Ti. Amém.”
Então Asmael se postou no meio deles e disse: “Ouvi-me, Seth, Kenan e Henoch, não deveis transmitir a Adão e aos demais patriarcas aquilo que Seth sentiu e pronunciou diante de todos os habitantes do Ocidente que ainda não o entenderam. Não devem saber Quem Se encontra em Asmael.
Tereis que silenciar se Me quiserdes como futuro acompa- nhante. Além disto, deveis Me chamar somente de Asmael, o foras- teiro das profundezas, assim classificado por Adão, não suspeitando que o Próprio Jehovah de vós Se aproximou, no Levante, para vos guiar pelos caminhos do Amor e da Vida eterna.
De há muito Henoch Me teria reconhecido, caso Eu o qui- sesse, e Seth não se teria adiantado. Mas, como ele teve que enfrentar uma prova mais dura julgando Eu lhe ser estranho e distante, tive que Me apresentar bem próximo, como também àqueles que Me amam como Henoch.
Agora silenciai sobre Minha Pessoa. Secretamente podereis vir a Mim e receber a máxima Bênção, enquanto dominareis o dese- jo de Eu estar visivelmente em vosso meio. Se Me trairdes com uma só palavra, serei obrigado a vos deixar.”
Recebendo tão grande revelação de Asmael, os três patriar- cas não sabem o que fazer. Por acaso deveriam se prosternar diante de Asmael e adorá-Lo? Mas, com isto haveriam de traí-Lo perante os patriarcas. Conjecturam: “Se dermos crédito ao Seu Testemunho estaremos manietados perante Adão e os demais, pois nosso respeito e grande amor para com Asmael provarão que algo de excepcional Nele se oculta. Se não dermos crédito ao Seu Testemunho, que posi- ção tomaremos diante Dele? Seremos mentirosos e traidores perante os outros, ou incapazes de pronunciar uma só palavra. Se dissermos que Deus Se encontra entre nós, mas ao mesmo tempo o negarmos no coração, faremos papel de falsos.
Se nos portarmos como se Asmael fosse simples aluno de He- noch que poderia Ele aprender de nós, vermes do pó, se cada palavra inspirada deve primeiro nascer Dele? No entanto, se agirmos sob o manto o silêncio, os outros serão logrados por três vezes. Primeiro, por cada palavra, porquanto agimos contrariamente ao que pensa- mos no coração. Segundo, pregamos e adoramos um outro Deus, e incentivamos a negarem o Verdadeiro que Se acha entre nós. Tercei- ro, jamais poderão receber algo Dele em virtude de seu falso amor, pois a receptividade depende sempre do amor em espírito e verdade.”
Enquanto conjecturam, Asmael Se aproxima e diz: “Por que duvidais no coração? Seria injusto aplicardes a Minha Vontade? Como é possível crerdes que Eu tivesse ordenado tal coisa? Por que inquiris vosso coração, em vez de vos dirigirdes a Mim, que Me en- contro em vosso meio? Julgais, porventura, que apenas o caminho da vossa razão seja certo?
Vós mesmos afirmais que Meus Caminhos e Meu Conselho são insondáveis, e ainda assim duvidais e formulais pensamentos absurdos? Porventura é vosso amor para com os genitores e filhos maior que o Meu, que tudo projetou, inclusive a vós mesmos?
Se acreditais que Eu sou vosso Criador e Santo Pai, oculto em Asmael, como podeis indagar se aquilo que vos aconselho é bom e
justo? Por acaso não sou Superior a Adão, criado por Mim, e todos os seus filhos, que Eu despertei dentro dele? Não vos preocupeis e segui os Meus Desígnios insondáveis, que tereis agido certo. Vossas palavras serão Minhas, e os ensinos dirigidos a Mim serão úteis para vós e vossos filhos, e vossos pais se alegrarão com eles. — Agora te- nho que cumprir a vontade de Adão.”
CURIOSIDADEDE ADÃO
Terminando de falar para os três patriarcas, Asmael reco- menda a Seth chamar os anciãos e os filhos do Oriente para que recebessem algumas palavras Dele, segundo o desejo de Adão. Ime- diatamente Seth os informa a respeito, pois nunca teriam ouvido palavras idênticas às de Quem Se encontrava no lombo do tigre. “Ele é..., bem, Ele ultrapassa a nós todos, no amor e na sabedoria, e cada palavra Dele é maior que todo o..., quer dizer que todas as por nós proferidas.”
Quando Adão percebe que na retaguarda os filhos também tencionam participar da assistência, ele diz: “Que tal se nós também nos dirigíssemos para lá a fim de ouvir Asmael! Se bem que seu último discurso não fosse compreendido em sua base, não deixou de ser pleno de sabedoria. É de se admirar que este jovem chegas- se a tamanha profundeza em apenas três dias. Qual não será o seu progresso quando for testemunha da comemoração do Sábado de Jehovah! Vamos até lá.”
Chegando junto dos patriarcas, Adão pergunta se Asmael já havia dito qualquer coisa, ao que Seth responde: “Ele Se dirigiu so- mente a nós, mas agora o fará também para os filhos.”
Curioso, Adão pergunta o que Asmael havia dito aos três patriarcas. Sumamente embaraçado, Seth não sabe o que dizer pois, pensa o seguinte: Se eu o disser, tornar-me-ei traidor. Dizendo algo diferente, serei mentiroso. Se nada disser, serei filho desobediente. Pedirei que Adão aguarde ocasião mais propícia, pois o tempo é por demais precioso e não devemos reter Asmael em seu discurso.
Adão, porém não se conforma, dizendo: “Percebo que me ocultas algo. Por que ficaste embaraçado e mudo? Eu, teu pai, deter- mino que Asmael nada diga até que me tenhas dado resposta. Deves fidelidade a Deus e a mim; por isto fala sem rodeios.”
Fora de si de medo, Seth não consegue dizer palavra. Nisto, Henoch se aproxima e diz: “Querido pai, não foste tu mesmo a nos ensinar que o caminho reto é o mais curto? Não Se encontra Asmael entre nós? Porque deveria Seth responder por Ele, pois facilmente poderia esquecer algo daquilo que o San..., o orador falou? Dirige-te a Ele, pessoalmente, na certeza de que aceitaremos todas as palavras por Ele pronunciadas.”
Diz Adão: “Também tu não me agradas, pois não falas como sempre, livremente. Conta-me o que Asmael vos disse, pois tua me- mória é melhor que a de Seth.”
Retruca Henoch: “Pai, todo direito nesta Terra tem seus li- mites, como ela mesma, portanto também o direito de pai sobre o filho. Se exiges uma resposta de Seth e de mim, porventura meditas- te se o mandamento que nos algema a língua não está acima de tua exigência importuna?
Deus nos deu uma ordem de silêncio até que Ele a sustasse; portanto, não hás de nos obrigar a transgredi-la. Tua curiosidade pode ser satisfeita no sentido de que Jehovah Se encontra mais pró- ximo de nós do que imaginas. Se quiseres saber o que Asmael nos transmitiu, dirige-te a Ele, que não recebeu ordem de silêncio por parte de Deus. Ele é livre, o que não se dá conosco. Poupa-nos com tua pergunta.”
Essa advertência deixou Adão bastante perturbado e lhe pa- recia semelhante àquela da época em que, após o pecado no paraíso, ele se ocultara na gruta, ouvindo Minha Voz que lhe dizia: Adão, onde estás?
Não compreendendo esta sensação, entristeceu-se e, cho- rando no íntimo dizia: “Meu Deus e Senhor, Criador de todas as coisas e Santo Pai de todos os espíritos e homens! Porventura me criaste para me martirizares desde o início até agora? Como me teria
enganado no Teu Amor! Por que deveria receber consciência, a fim de me tornar um refrigério para Tua grande Ira? As pedras não se- riam apropriadas para tanto?
Vivificaste-me com todos os sentidos e me insuflaste toda sorte de desejos, e ao mesmo tempo estabeleceste vários mandamen- tos para que eu me perdesse e Tu me pudesses amaldiçoar.
Senhor, se tiveres Amor e Misericórdia, faze o que preten- dias fazer após o meu pecado, e destrói-me para sempre. Faze com que eu nunca tivesse existido. É preferível isto do que ser uma en- tidade consciente, debaixo do peso eterno de Tua Onipotência in- vencível, servindo para brinquedo de Tua maldade imensurável. És Deus e Senhor poderoso. Mas, nunca foste Pai.
Por acaso teria eu agido com tamanha maldade em relação aos meus filhos? Teria eu lhes ensinado a emudecerem diante de Ti? Por que atas suas línguas e seus corações diante de mim? Que ou quem sou, para que me martirizes? Aniquila-me e distrai-Te com pedras e outras coisas mais. Se és um Deus Santo — como podes insuflar-me um desejo ultrajante contra Tua Santidade? Se sou Tua obra, destrói-me. Se não sou Tua obra, deixa-me como sou!”
PEDIDODE ADÃO
Após Adão ter concluído seus pensamentos aborrecidos e sua curiosidade tendo-se acalmado, ergueu-se do solo e disse para Henoch: “Dize a teu pai profundamente magoado se as palavras de Asmael foram de grande importância. Provinham da Luz e do Amor, ou do abismo e de todo o mal? Se o Senhor vos proibiu de falar, quero saber a razão por que o transmitiu a vós e o ocultou de mim. Não me prives desta informação, pois sempre fui sincero, bom e justo convosco. Como pai teria tido direito de ocultar certas coisas de vós, e não vice-versa.
É bem possível que o Senhor tivesse dado tal ordem e que esteja mais próximo de nós do que imagino, e aceito que Asmael não tenha recebido proibição para falar. Mas, seria justo que os filhos
recomendem ao pai a procurar um forasteiro para receber orientação do segredo deles? Por que vossa língua foi atada, e a de Asmael é livre?
Convém examinares se tal proibição vem de espírito bom ou mau. Se veio de Deus, nada mais somos que simples distração de um Poder insondável, que cria seres para martirizá-los desde o nas- cimento até a morte. Pior será se a proibição partiu de um espírito mau, pois estaríamos muito longe de Deus por uma culpa incons- ciente, ou um poder maléfico teria paralisado o braço do Amor do Pai, não mais podendo nos ajudar.
Reflete sobre minhas palavras e dá-me a resposta exigida, dá-
-me a paz, pois estou profundamente triste e minha alma se acha envolta em trevas, não podendo vislumbrar uma estrelinha sequer.”
ADMOESTAÇÃODE ADÃO
Inspirado por Mim, Henoch responde: “Em Nome de Deus e Pai, afirmo que te desviaste muito do Caminho do Senhor. Em tua sabedoria patriarcal cometeste grave erro, acusando Deus como se nos criasse apenas para simples distração.
Se fosses capaz de imaginar quão enorme é teu engano, pe- dirias tua destruição, não motivado pelo aborrecimento, mas, pelo imenso remorso. Suplicarias que todas as montanhas caíssem por cima de ti para te ocultarem da Face do Altíssimo.
Fosse o Senhor conforme O acusas, de há muito teria dado um fim a todos nós, por tua culpa. Sendo pleno de Amor, Paciência, Meiguice, Graça e Misericórdia, ainda viveremos por muito tempo e receberemos a Vida eterna por Ele.
Meu pai, foste muito inteligente querendo colher de mim o fruto proibido. A mais sutil sabedoria, porém, é, em comparação ao modesto amor, uma corda grossa que, embora torcida de fios finos do amor, não se acham livres, maleáveis e capazes de se movimenta- rem no menor âmbito sequer.
A corda da sabedoria se presta apenas para atar por certo tempo grumos pesados, de modo desordenado. Mas, os fios tênues
do amor entrelaçam a vida mais sutil e percebem as mais leves vi- brações da alma.
Eis que está sentado no lombo da fera Quem falou a mim, a Kenan e a Seth, e saberá afirmar se algo de importante proferiu e porque a minha língua foi atada por Deus. Acalma-te e tem paciên- cia e conformação, que hás de assistir ao maior Milagre do Senhor.”
Diante dessas palavras de Henoch, Adão exclamou: “Meu Deus, por que me criaste e agora me abandonas completamente? Quando, naquele tempo, eu, por Ti expulso, caía de eternidades em eternidades, Tu — o eterno Amor — me alcançaste e erigiste a Terra, onde me colocaste conforme ainda sou. Agora clamo do fun- do do coração para que me destruas; no entanto, não queres ouvir a minha voz, deixando-me sentir fome e sede, e até mesmo proíbes meus filhos de satisfazerem os meus desejos. Por que Te tornaste tão duro para mim, meu Deus?
Meus filhos, digo-vos: Fazei o que vos agrade, e Asmael po- derá pronunciar seu discurso à vontade, mas não quero que venha saciar minha fome e sede. De agora em diante o estômago de meu espírito terá que sentir fome e sede durante toda a minha vida. Não mais hei de aceitar qualquer migalha ou gota, pois quero alimen- tar-me de minha própria fonte, sem deixar que alguém participe. Minha curiosidade deverá ser sufocada no lodo de minha culpa pe- rante Deus, e lágrimas de remorso tardio deverão alimentar a vida ressequida no fogo do meu zelo cego. E quando eu não mais existir, Deus poderá vestir a minha veste na noite do mundo, para me sal- var e curar a ferida transbordante de veneno aplicada pela serpente do meu coração para a morte de todos os que palmilharem esta Terra. Lembrai-vos disto, pois de agora em diante pouco tereis que aguardar de mim. A Vontade do Senhor seja comigo e convosco, para sempre.”
Os filhos de Adão agradecem-lhe a última recomendação, julgando ele nada mais querer falar. Como aguardassem o pronun- ciamento de Asmael, Seth não se contém e diz: “Ó Senhor, faze com que possa assimilar tudo aquilo que Tua... que a boca de Asmael nos transmitir e lança um olhar de complacência sobre o emaranhado do meu coração.”
A esta exclamação, Adão volta a se pronunciar: “Seth, perce- bo que dás muito mais valor às palavras de Asmael do que às de He- noch, provindas de Deus, e até às minhas, pelas quais reconheceste a Natureza de Deus, Criador de todas as coisas e Pai cheio de amor para os que O amam acima de tudo. Não indagarei pelo motivo e Asmael poderá começar a falar.”
Eis que Asmael Se pronuncia da seguinte maneira: “Ouvi-
-Me todos, inclusive tu, Adão. Quando a semente do trigo é deitada na terra, ela apodrece e de sua decomposição surge um novo vegetal reproduzindo por mil vezes a semente.
O mesmo acontece com cada Palavra provinda de Deus. O coração representa a terra, o amor humano é o estrume, e o Amor de Deus é a chuva fecundante. A Luz da Graça que segue é trazida pelos raios do Sol. Esses quatro fatores fazem com que a semente caia em decomposição, estado semelhante à noite ou ao inverno estéril. Neste Estado o homem nada sabe, nada entende e nada vê, sendo a sensação de aniquilamento sua constante companheira. Quando chega a primavera ou a aurora, surgem as raízes e tão logo se unam num feixe, pelo amor ergue-se um tronco novo, cheio de vida, construindo uma nova morada para amadurecimento de vida centuplicada.
Observai a haste de onde pende a espiga cheia de vida; ela consiste de milhares de tubinhos pelos quais a espiga suga o alimen- to do solo. Vede as folhas como são belas e dotadas de inúmeros vasos pontiagudos a sorverem o alimento do Céu para que, deste modo o da Terra se vivifique. Vede os anéis marrons na haste para
que, à medida que a vida do novo fruto se liberta do lodo da morte ela se possa preservar contra as investidas do abismo e ao mesmo tempo o alimento telúrico se purifique para poder se mesclar com o celeste. Vede a flor que segue, em movimentos ondulantes, rica- mente dotada do maná celeste, semelhante ao orvalho finíssimo que fornece ao fruto a vida procriadora. Tudo isto ocorrido, começa a fenecer na haste o elemento terreno, portanto, morre. Quanto mais pronunciadamente isto sucede, tanto mais se solidifica a vida na espiga e nos pequeninos folhelhos em extinção.
Basta o fruto estar maduro, que enviais as crianças para que o recolham ao celeiro. Assim também age o Senhor. Sois o trigo. Vosso corpo é a haste, a alma é o alimento purificado da Terra, o espírito é o alimento do Céu, e Minha Palavra viva é o maná dos Céus mais elevados, a vos trazer a Vida verdadeira e eterna, se a aceitardes como fizeram a haste e a flor no tronco fenecido do mundo.
A Palavra é por duas vezes semeada em vós. Primeiro, viva- mente no solo de vosso coração para decomposição experimental e purificadora. Tal Palavra cada um encontra em parte dentro de si, e em parte através de professores e oradores inspirados. Quando esta semente se tiver deteriorado e deitado novas raízes para o alimento de uma nova vida, então chega a outra, a Palavra viva, como acon- tece agora, sobre a haste de vossa existência, fazendo com que ama- dureça e se torne livre para a Vida eterna. Imitai o grão de trigo que, dentro em breve, reconhecereis que somente Aquele Que convive convosco possui e dá a Vida.”
CONFISSÃODE ADÃO
Nisto, Adão se levantou, desrespeitando sua promessa de si- lêncio para a vida inteira, fazendo a seguinte confissão: “Até hoje depositei na terra novecentas e vinte pedras, uma por ano, sempre que as primeiras flores começavam a enfeitar o solo.
Até este momento houve mais ou menos treva dentro de mim, pois toda minha suposta luz não provinha do dia, mas era sim-
plesmente um débil vislumbre lunar que mal servia para a percepção das coisas externas. Quanto às cores como reflexo confortador das Verdades divinas e os mais profundos segredos da vida interna — só existe uma, a cor amarela da morte, pois todas as outras foram ani- quiladas e transformadas como se nunca tivessem existido.
Quem poderia contar aquilo que me surpreendeu com pou- co resultado durante minha longa noite, o quanto meditei e chorei, orei e suspirei para Deus? Eu vos forneci a luz, no entanto continuei enterrado na luz enganadora da noite do meu coração. Não havia o que me conservasse na luz. As palestras de Henoch e de todos os outros eram quais raios noturnos, cuja luz penetrante ilumina por momentos os campos do orbe, mas prontamente castiga o olhar do pesquisador com a treva mais densa. Entendia precisamente aquilo que era dito. Mas, se começava a pensar a respeito, o fraco vislumbre não era suficiente para tanto. O mesmo ocorria com a luz do raio noturno. Muitas vezes julguei ter assimilado o assunto e poder tocar o objeto. Todavia, fui forçado a reconhecer que não somente o ob- jeto, mas também minha mão haviam desaparecido na noite densa.
Até mesmo a aparição inesperada do Senhor, ontem, embora acompanhada da Luz da Graça e do Amor, foi nada mais que um forte raio no escuro. Enquanto o Senhor Se encontrava entre nós, tive a impressão de entender tudo. Tão logo nos deixou, fui obrigado a pedir a Henoch uma elucidação do discurso profundo de Jehovah.
Henoch me atendeu, por intermédio do Próprio Senhor. Mas, para minha ignorância: sua elucidação foi por demais fraca e em verdade eu entendi tanto quanto antes as palavras daquele mag- nífico discurso. Meus filhos, alegrai-vos comigo, pois essa minha longa noite terminou.
Não se trata do vislumbre lunar, nem da luz de um raio que ora me ilumina para sempre; mas o próprio Sol de Jehovah, da Vida eterna que surgiu dentro de mim. Ó Asmael, quem fala como tu Palavras vivas como Deus Mesmo, não é forasteiro, mas habitante do coração de cada um. Perdoa eu me atrever a falar diante de Ti. Aquilo que falas é tua propriedade, por isto meus filhos tiveram
que silenciar. Meu Deus e meu Senhor, silenciarei para que não nos abandones. Tua Vontade Se faça.”
OSILÊNCIODO AMOR
A essa confissão de Adão, Seth se dispõe a falar, no que As- mael o impede, dizendo: “Por acaso ignoras que o verdadeiro amor é mudo, e a sabedoria se manifesta somente quando é convidada, em benefício de outrem?
Se tens amor, silencia com a boca e fala apenas no coração. E se tiveres sabedoria, espera que te convidem a falar, usando de pou- cas palavras, vindas do coração e não do intelecto.
É mil vezes melhor silenciar e fechar ouvidos e olhos, do que falar constantemente e dar ouvidos aos mexericos e lançar o olhar para todas as esquinas.
À boca são concedidas três coisas; ao ouvido, sete; e à visão, dez. Eis uma regra de sabedoria pura. Para que então as palestras supérfluas, e em vez de dar sete ao ouvido, dá-se-lhe mil e à visão inúmeras coisas.
Sei o que pretendias falar. Guarda-o, e verás que amanhã o Sol subirá na hora certa de sempre. Todos vós, fazei o mesmo. Que ninguém obrigue o outro a falar, e quem quiser uma explicação, di- rija-se a quem tem coração compreensivo, ouvindo sempre a voz do Amor eterno e entendendo a Palavra da Vida divina, no momento preciso. Se tal palavra for transmitida com parcimônia, é chegado o momento de abrirdes ouvido e visão do coração.
Vós, que habitais no Poente, erguei-vos e sede de coração livre, fiel e sincero para com Deus, para com os patriarcas e todos os vossos irmãos. Ide receber a bênção de Adão, obedecei às ordens como dadas por Deus e tornai-vos filhos do Levante e do Amor. A região que habitais será, daqui por diante, igual à aurora, meio-dia e meia-noite. No futuro serão consideradas apenas as regiões do co- ração. Amém.”
Cheio de respeito, Adão diz: “Ó Asmael, porventura será ul- traje de minha parte se, após Tuas Palavras sumamente abençoadas eu ainda deseje transmitir a minha bênção aos filhos visitados por Ti? Tenho a impressão de ser minha atitude semelhante ao querer eu levar água ao mar a fim de aumentá-lo. Sê misericordioso para comigo, Asmael.”
Responde Asmael: “Faze em Meu Nome o que te apraz e este- ja certo que, com isto, não sucederá prejuízo ao mar. Não esqueças, porém, que toda oferenda é mais útil ao doador que ao recebedor.
Se tiveres aumentado o mar com uma gota, terás aliviado o teu coração, e o mar te será grato por uma gota apenas. Tu não co- nheces a gota, nem o mar. Mas, se o bom uso o exige, faze o que é de tua obrigação, e não te preocupes com o mar. Aquele que contou as gotas do mar não desconsiderará a tua gota. Abençoa os teus filhos, que Eu não retirarei a Minha Bênção.”
LEISDIVINASELEIS HUMANAS
Nisto, os filhos dos patriarcas trazem frutos e pão para con- forto de todos. Adão, preso pela promessa feita, apenas abençoa tudo, sendo acompanhado pelos outros. Percebendo o grande ape- tite dos presentes e a luta íntima de não romper o mandamento, Asmael diz: “Adão, por que tu e teus filhos não vos servis, embora es- tejais com fome? Teria Jehovah dado ordem para tanto? Que serviço pretendes prestar a Deus, castigando-te pelo jejum e lutando contra tua própria natureza? Poderia ser do agrado de Deus se uma criatura, que jamais conseguiu pela renúncia respeitar um Mandamento de Deus, se impõe um outro, muito mais pesado que, finalmente, lhe será mais difícil que cem divinos? Estes, no entanto, estão sempre em íntima relação com a natureza do indivíduo porque Deus nunca daria ao homem algo mais a carregar do que sua natureza fosse capaz de suportar, pois sabe do motivo pelo qual projetou livremente um ser de Si Mesmo.
Certamente não o fez para que, através do desleixo volúvel da Ordem divina, o homem prescreva a si mesmo outras leis, para repa- ração do erro do qual, por amor próprio, se arrepende muito antes de ter surgido a tentação. Deus assim fez para que a criatura viva segundo a Ordem divina, alimentando-se dentro das necessidades, devendo reconhecer a Deus e amá-Lo acima de tudo e ao próximo como a si mesma, enquanto as crianças estranhas devem ser amadas dez vezes mais que as próprias.
Se tu te algemas, enquanto Deus te solta para a liberdade eterna, és um tolo quando te esforças em dificultar ao Amor Sua obra de libertação, em vez de te libertares verdadeiramente no Meu Amor, Misericórdia e Graça. Livra-te do laço da tua tolice, come e bebe, para que Deus te ajude naquilo que em ti está errado.
Digo mais: Ai dos futuros fazedores de promessas. Hão de sentir um julgamento duplo: um, vindo de Mim, e outro, de si mesmos, em virtude do Meu Mandamento desconsiderado e que- rendo reparar a antiga tolice por uma maior, porquanto reagiam à Minha Ordem.
Assim fala o Senhor e Eu por Ele: Se quiseres fazer uma pro- messa agradável a Mim, que o faças no sentido de não mais pecares. Quem dentre vós poderia afirmar: Senhor, meu Deus, jamais peca- rei diante de Ti!?
Isto não te sendo possível enquanto és livre, que farás após lançares, contra a Minha Vontade, um peso insuportável nos teus ombros, que te oprime, sufoca e emudece contra a Lei divina do Amor e da liberdade vinda por ela? Come e bebe, considerando que Deus não Se apraz com teu servilismo tolo, mas apenas com o amor e a liberdade. Isto te diz o Senhor Pessoalmente, e deves respeitá-lo e ser livre.”
Com isto, todos se alimentam e Me agradecem, felizes. Adão, no entanto, diz: “Meu Senhor e Deus, se me fosse possível chamar-
-Te de Pai! O Paraíso enorme e belo era pleno de todas as alegrias da vida, que não me serviram. Quando fui rico, afastei-me de Ti, Tu me tiraste a riqueza conferindo-me toda sorte de pobreza Só agora
Te agradeço e digo: Se Tu me tivesses dado mil paraísos, seria mais infeliz que um verme no pó, pois cada palavra Tua me vale mais que tudo. Tua Palavra e Tua Vontade representam o verdadeiro Paraíso da vida. Permite-me ficar para sempre neste Éden.”
Entrementes, Enos, Mahalalel, Jared e Eva começam a con- jecturar: “Como foi possível a Adão quebrar sua promessa, podendo se alimentar? E, segundo suas palavras, dá a impressão que Deus Pessoalmente estivesse à sua frente.”
Inspirado, Adão retrucou: “Se isto vos admira, por que não o faz a própria vida? Porque Deus ora Se acha mais próximo de nós e sempre deve ser nossa própria vida, pois agora vivemos Nele.”
PENSAMENTOSDEJAREDARESPEITODE ASMAEL
Em seguida, Seth pergunta a Adão se deviam se aprontar para a partida e este responde: “Sabes Quem está entre nós. Quando for da Vontade Dele, partiremos; até lá, aguardaremos com paciência.”
Ao mesmo tempo, Jared se aproxima de Henoch, dizendo: “Meu filho, este Asmael, que será teu aluno e deverá morar em mi- nha cabana, possui tanta sabedoria em todas as coisas que ultrapassa a tua. Não quero fazer-te uma reprimenda, pois também dizias ver- dades do Alto, no entanto existe grande diferença entre vós.
Em teu discurso descubro sempre justo conhecimento, e quem agir assim terá que alcançar a vida. No pronunciamento de Asmael recebemos a própria vida, ou seja, uma realização total. Pro- fere assuntos de máxima sabedoria. Quem poderia entendê-los pelo simples raciocínio? Todavia, tenho a impressão de tê-los assistido desde eternidades, e nem se chega a pedir qualquer explicação. O incrível é que deva ele ser teu aluno, embora nunca tivesse recebido qualquer ensino de ti.
Segundo sua informação, é filho de escravos, não podendo falar sob pena de morte. Seus pais foram assassinados da maneira mais cruel. Refugiou-se junto de nós e hoje de manhã pisou as altu- ras abençoadas, sem possuir um nome e sob sérias suspeitas. Nem
bem abriu a boca, deixou-nos admirados. É realmente estranho quão ligeiro solucionou a questão da promessa. Além disto, destruiu todas as leis de Adão, sem a menor reação deste. Se souberes esclarecer-me tudo isto, faze-o sem que Asmael e outros o percebam.”
RÉPLICADE HENOCH
Eis que Henoch retrucou: “Meu pai, tens razão em tudo. Quando hoje cedo, Asmael estava estirado no pó, diante de nós, teria sido mais fácil eu acreditar que o Sol a pino derretesse to- das as pedras do que ele realizar tais milagres. Mas o Senhor Se compraz em exaltar o que seja inferior e deixar perecer o que se supõe superior.
Ele faz com que o Sol desapareça e em seu lugar comecem a brilhar milhares de estrelas, e o Céu estelar é mil vezes mais estupen- do que o astro-rei. Observa um dia radioso; não é ele o mais monó- tono? Quem poderia fitar o Sol? Se nuvens efêmeras não vivificas- sem o Céu de dia e habitantes alados não cruzassem alegremente o ar, poucas vezes ergueríamos o olhar.
Assim age o Senhor. Não toma conhecimento do que seja grandioso e eleva o simples para Seu Amor. O grande mamute tem vida excessivamente longa e caminha tão preguiçoso como se fosse uma massa morta. Em compensação, um formigueiro representa a maior atividade.
Existem milhares de exemplos que traduzem onde o Senhor aplica a maior atividade e vida. O mesmo acontece com as criaturas humanas. Ele ergue as mais simples e despretensiosas, mostrando às grandes e fortes Sua Onipotência e Força.
Não se deu isto comigo, que durante dois dias tive que pre- gar para os patriarcas, segundo o Amor de Jehovah, enquanto sou o mais simples e fraco de todos? Muito mais simples e fraco veio Asmael das planícies para junto de nós.
Seu Zelo foi imenso, Seu Amor ilimitado. Aquilo que procu- rava entre nós, Ele já trazia Consigo, de sorte que convém receber-
mos algo Dele. Não te preocupes e sê calmo. O futuro demonstrará vários enigmas, assim que Asmael Se encontre em nosso lar. Serão dias de Vida e da máxima bem-aventurança.”
Responde Jared: “Muito me alegro com isto. Sou obrigado a confessar, seja ou não do teu agrado, que meu sentimento envolve muito mais a Asmael que a ti, e não posso prever o resultado desta preferência. Ainda assim, não serás prejudicado por teu pai. Eis que ele dirige o tigre para cá. Silenciemos.”
CONTRASTESENTREDEUSEAS CRIATURAS
Nem bem Jared termina de falar, Asmael Se encontra entre os dois, algo surpreendidos, mas imediatamente se controlam e He- noch diz: “Querido Asmael, devemo-nos aprontar para a partida?”
Responde Asmael: “Não vim para resolver este problema, mas porque descobri entre ambos um grande amor para Comigo. Alegra-te, Jared, pois irei morar contigo, e também tu, Henoch, por considerares tanto o Meu Amor. Onde Eu moro, a morte nunca fará colheita, e ai dos lares onde Eu não tomar alojamento, pois lá haverá choro sem fim e a morte habitará em todos os recintos.
Em verdade te digo, Jared, quem Me acolher como hóspe- de, terá tudo. Mas, quem Me rejeitar, terá perdido tudo. Se o ho- mem, que de manhã humildemente vos visitou, é algo estranho e de temperamento não definido, considera que também Deus não pode e não quer compreender que as criaturas se julguem superio- res entre si.
Elas têm por hábito criticar tudo, enquanto Deus faz surgir o Sol e a chuva sobre todo o orbe. Fazem os homens diferenciações e não consideram todos merecedores de sua inteligência. Deus, o grande Professor de sóis, espíritos, planetas e criaturas, não Se nega nem acha abaixo de Sua Dignidade ensinar tanto o verme no pó quanto outro qualquer irracional.
Os homens amaldiçoam e castigam os que agem contra sua vontade. Deus abençoa até mesmo as pedras e tem a máxima
misericórdia para com todos os perdidos. Não amaldiçoa a quem quer que seja e aplica a maior paciência e meiguice, retendo os Seus julgamentos.
Quando os homens se dirigem a Deus, o fazem como se eles próprios fossem deuses; ai de quem pretendesse retê-los neste inten- to, ou não manifestasse o máximo respeito quando praticam supos- tas cerimônias religiosas!
Quando Deus Se aproxima dos homens, Ele vem como ser- vo, em máxima humildade, e demonstra que não aprecia tais servi- ços prestados a Ele. Ninguém se lembra de se prosternar diante dos milagres diários, vindos de Deus, que nada mais são que verdadeiras cerimônias divinas. Por aí vês, Jared, que não somente tu não com- preendes certos fatos divinos, mas também Deus não compreende certos fatos por parte dos homens. Não te preocupes Comigo e sê alegre e feliz, pois acolheste a Vida dentro de ti.”
CONVITEDEASMAELPARAA VIAGEM
Em seguida, Asmael Se dirige a Adão, dizendo: “Adão, se a teu ver nada mais há que fazer aqui, manda os filhos seguirem para casa, enquanto prosseguiremos para o Norte.” Profundamente assustado com a chamada pelo nome, que lhe parecia semelhante àquela em que procurava se ocultar diante de Mim, Adão só conse- gue balbuciar: “Senhor, Tua Vontade Se faça.”
Retruca Asmael: “Por que estás tão receoso? Por que temes Aquele a Quem deverias amar acima de tudo? Terias perdido algo impossível de encontrar? Porventura julgas poder perder algo mais? Que poderias perder que já não tivesses perdido?
Se alguém tiver perdido tudo, terá acabado com tudo que re- cebeu e nada mais poderá perder. Mas, se em tal caso ainda continua vivendo na perda, o faz evidentemente para reconquistá-la. Digo mais: Em futuro distante, teus descendentes terão que perder não somente o que pertence ao mundo, mas a própria vida, caso desejem alcançar a Vida eterna.
Tua existência conta mais de novecentos anos. Aos teus des- cendentes não será permitido viver nem a vigésima parte. Vê o que eles terão que perder por tua causa, a fim de que se salve sua vida eterna, não podendo se assustar ao ouvirem seu nome pronunciado por Mim. Tu te assustaste, enquanto ainda te encontras no lucro e nada mais hás de perder, e além do mais, o maior lucro Se acha diante de ti. Reconhece-o, que não terás pavor nem aqui, nem na paz do Amor eterno.”
Compreendendo o sentido destas palavras, Adão diz: “Aman- tíssimo Asmael, vês o meu coração e conheces o motivo do meu pavor, que é o receio de amar. Teu Amor me enfraqueceu e não pude responder. Sabes que o feliz muitas vezes não consegue pro- nunciar palavra. Tua Vontade Se faça e se quiseres poderemos pros- seguir viagem.”
Diz Asmael: “Não Me denuncies e manda os que não Me conhecem prosseguir sua caminhada. Seguirei Sozinho, em seguida irás com Eva, Henoch e Jared. A caravana passará pela floresta densa até as zonas do Norte.”
ASMAEL CHAMA ABEDAM PARA COMPANHEIRO DE VIAGEM
Tudo ocorre segundo determinação de Adão, e os filhos e patriarcas se aprontam para a viagem. Um deles se dirige a Heno- ch, dizendo: “Jovem filho de Jared, neto de meu sobrinho, dize-me quem é aquele que se acha no lombo do tigre e qual sua procedência.
Sua atitude é estranha e sua palavra e o som traduzem ta- manha segurança que facilmente se poderia supor ser ele capaz de dizimar montanhas e seu sopro agitar o mar como se fosse açoitado por mil tufões. Se puderes, dá-me explicação a respeito dele.”
Responde Henoch: “Bem que o quisera, pai Abedam, se fos- se permitido. Aguarda mais um pouco e à medida de teu crescente amor para com Deus, saberás o mistério daquele jovem. Conheces o Nome Dele, é quanto basta.”
Muito feliz, Abedam retruca: “Agradeço-te de coração, pois me disseste o suficiente. Seria um peso saber-se mais do que o local de um tesouro. A procura é questão da própria vida.”
Depois de Adão ter abençoado todos os filhos daquela re- gião, Asmael lhe disse: “Se for do teu agrado, Adão, permite que Eu escolha um deles para Meu companheiro.” Comovido, este retruca: “Ó Asmael, como podes perguntar-me? Não somos eu e tudo que existe submissos à Tua Vontade? Que Ela Se cumpra para nossa ale- gria total.”
Eis que Asmael exclama: “Abedam, Abedam, Abedam, se quiseres, poderás acompanhar-nos e servir-Me como companheiro. Examinei o teu coração, vendo não haver dolo em ti. Segue-nos sem preocupação e Eu te ajudarei a encontrar o tesouro, muito em breve. Pois hoje hei de te matar, para amanhã ressuscitar-te para a Vida eterna.”
De passos lépidos, Abedam se apresenta, dizendo: “Seguir-
-Te-ei para onde quiseres. Podes matar-me mil vezes, pois quanto mais vezes me matares, tanto mais vida receberei de Ti. Perdoa se falo como sinto. Ao Teu lado não será difícil encontrar-se o tesouro. Tenho a impressão que quem Te possuir poderá facilmente privar-
-se de outro tesouro qualquer, e quem Te tiver encontrado terá o próprio tesouro, a morte e a ressurreição da vida. Permite eu estar sempre Contigo, não como Teu companheiro, mas que Tu o sejas para toda a eternidade.” E assim foi. Abedam se postou ao lado de Asmael, seguindo a caravana.
INDAGAÇÕESDEJAREDARESPEITODE ASMAEL
A caravana prosseguia floresta adentro, todos em silêncio. Somente Jared não consegue calar-se, dirigindo-se a Henoch: “Meu filho, teríamos recebido ordem para silenciarmos no caminho?”
Responde Henoch: “Propriamente não, apenas me recordo de um conselho segundo o qual devíamos caminhar em silêncio. Eu tomo o caminhar como vida, e não o andar com os pés.”
Disse Jared: “Se assim é, nem nossa língua nem nossos pés estão algemados e podemos falar à vontade. Dize-me, portanto, o que há com Asmael. É ele um anjo incorporado e dotado de todo o poder ou, bem, dá-me o teu parecer.”
Responde Henoch: “Meu pai, Ele é, bem, por enquanto é uma criatura igual a nós, mas cheia de Poder e Força divinos. Com- preende bem.”
Insiste Jared: “Seria ótimo se eu o entendesse. Depois de teu primeiro discurso, fiquei satisfeito com tudo. Mas, quando Asmael, no final do seu pronunciamento, afirmou que quem o tiver acolhido em seu lar terá motivos para se sentir sumamente feliz, pois lá estará também a Vida eterna...
Qual seria a criatura capaz de afirmar tal coisa de si como se fosse Deus Mesmo? Asmael assim faz, referindo-se a si mesmo. Poderia alguém fazê-lo sem temer que o orbe o tragasse para sem- pre? Tu és tão iluminado como nenhum de nós. Terias coragem de declarar tal coisa de ti mesmo?
Quem, pois, pode dizer: Eu sou a Vida, e onde Eu habito estará a Vida eterna? Henoch, Quem o afirma e a Terra não reage e o tigre se transforma em cordeiro, terá que ser, segundo seu poder e força, Deus Mesmo. Contesta minhas palavras, se puderes. Duvido que o faças, mas te peço uma curta explicação.”
Retruca Henoch: “Se é como crês e tua explicação tendo base sólida, qualquer acréscimo de minha parte se torna supérfluo. Quem ama a Deus, em espírito e verdade, não deve preocupar-se se Asmael é Deus ou se Deus está com Ele. Que cada um se preocupe estar Deus com ele mesmo, através do amor verdadeiro e puro para com Ele. Se amas a Deus, podes estar certo que Asmael não Se abor- recerá contigo. E se amares Asmael como amas a Deus, Deus não te esquecerá em Seu Amor. Entendes?”
Como Kenan e Mahalalel tivessem prestado atenção à pales- tra de Jared e Henoch, o pai de Jared disse: “Qual será o motivo de eu me sentir tão estranho? Não pode ser este caminho monótono da floresta, tampouco a ordem inversa que mantemos, pois não tem importância se tu e eu andamos juntos, se Asmael se encontra na frente ou atrás. Compreendo que Adão e Eva caminhem na van- guarda. Mas não consigo perceber porque Asmael e Abedam se en- contram atrás de todos.
Jared e Kenan abordaram assuntos maravilhosos a respeito de Asmael, no entanto, não compreendi bem o sentido. Se for de tua vontade, te peço esclarecimento especial.”
Respondeu Kenan: “Meu filho, quando começaste a falar, julguei que pronunciarias coisas fantásticas. Vejo, porém, seres sem- pre o mesmo velho Mahalalel que abre a boca como se quisesse cus- pir quantidade de sóis como se fossem ervilhas. No final, nem isto ocorre, pois surge apenas saliva. Por que te referes à ordem invertida, se ela não te diz respeito? Se Asmael estivesse na vanguarda, por acaso seria diferente? Afirmas sentir algo excepcional depois de ter ouvido a palestra dos dois. O que realmente sentiste? Pretendendo algo, deves antes consultar-te o que seja, e só depois convém pergun- tares. Terias emprestado os teus ouvidos a alguém, quando Asma- el falou coisas tão grandiosas, a ponto de nada saberes? Meu filho, encontras-te longe da meta e convém te orientares com o assunto principal; depois, abre o teu coração.”
Mahalalel, percebendo que à admoestação de Kenan falta- va qualquer base, pois era apenas desculpa, diz: “Meu pai, tenho a impressão que nenhum de nós conseguiu convencer o outro. Não perdi uma palavra sequer do discurso de Asmael e não o comentei na suposição de ser tal atitude simples perda de tempo.
Deduzi de tuas palavras que por ora não podes informar-me daquilo que desejava saber e bem poderias me ter dito isto, sem desperdício de tempo. Guarda o que és obrigado a guardar, mas não
me tomes por mentiroso e cego pesquisador em assuntos divinos. Criaste somente o meu corpo. Meu espírito é, tanto quanto o teu, de Deus. Creio que um pai não devia se apossar da parte divina de seus filhos. Basta que o espírito seja castigado com o peso do cor- po, de cujos males tem que participar. Se o pai castiga o físico dos filhos, o espírito, por sua vez, já recebeu seu quinhão por parte de Jehovah. Mas, se o espírito do filho se dirige ao espírito do genitor, esses irmãos divinos não se devem punir, mas se reconhecer como irmãos em Deus, ajudando-se reciprocamente, caminhando até a porta pela qual flui eternamente a Vida eterna, cheia de Graça, Mi- sericórdia e Amor.
Não penses que eu te queira transmitir um conhecimento ainda desconhecido de ti. Tive que me justificar, para que ambos pudéssemos palmilhar com justiça perante Deus; portanto o fiz an- tes movido por tua causa.
Conheço o teu coração, puro como o Sol. Todavia, vi tua boca e tua língua empoeiradas e não me contive em prestar-te um serviço, como verdadeiro filho, a fim de purificá-las. Agora não estás aborrecido com teu filho e reconhecerás que eu não pretendia tirar uma algema com a qual Deus ornamentara tua língua.”
Muito comovido, Kenan disse finalmente: “Mahalalel, fui injusto contigo quando pretendia desfazer tuas primeiras palavras, pois estava intimamente convicto de sua verdadeira profundeza. Possuis inspiração verdadeira, maior que a minha. Encontrarás por ti mesmo aquilo que eu devia ocultar de ti. Sê, portanto, meu filho e irmão amado.”
A ASTÚCIA
1. Entrementes, também Seth e Enos começam a sentir vontade de conversar. Mormente o primeiro gostaria de saber qual o parecer de Enos com relação a Asmael, mas ao mesmo tempo receava ser inquirido pelo próprio filho. Conjecturava o seguinte: “Se permito que ele me pergunte a respeito, não saberei o que responder. Eu
lhe perguntando, terá que me responder, não tendo motivo para fazer indagações. Deste modo, serei salvo de qualquer oportunida- de traiçoeira.” E, assim, formulava ele a questão para o filho Enos: “Meu filho, se os nossos guias trocam palavras a respeito de Asmael, por que devemos nós nos privar de algo para o qual, a meu ver, não existe nenhum mandamento? Por isto, gostaria que me dissesses algo a respeito de Asmael, pois mesmo no primeiro contato ele não me parecia simples e muito menos agora podemos afirmar isto so- bre o efeito de suas palavras. Podemos, portanto, falar. Desejo saber tua opinião.”
A astúcia de Seth era justa, pois fora motivada pelo grande amor para Comigo. No entanto, é a astúcia algo dúbio e contrário à ordem do amor, conquanto não fosse contra ele mesmo. O astu- cioso ama seus semelhantes e é por eles amado. Ainda assim, não se encontra na ordem do amor, unicamente frutificador. Mesmo sendo inocente e não prejudicial, não deixa de ser uma fraude que aborrece o iludido. Com justiça se pergunta se ele mesmo fora mau a ponto de ter de ser conquistado através da astúcia.
Esta foi a atitude de Seth com Enos, julgando agir correta- mente; no entanto, algemou-se a si mesmo, e se Asmael não tivesse entrado na conversa, Seth estaria em situação estranha perante seu filho. Isto se deduz da resposta inocente do mesmo: “Meu pai, como podes perguntar-me aquilo que eu deveria perguntar-te? Estava an- sioso por fazê-lo, mas tu me antecipaste.
Sendo eu ignorante, poderias iluminar-me. Tu mesmo afir- mas que toda Luz vem de cima. Como poderia eu te iluminar de baixo para cima? Valendo a pena palestrarmos a respeito de Asmael, tomo a liberdade de inverter a questão. Queira ter a bondade de me transmitir aquilo que esperas de mim.
Foi sempre um bom costume que os filhos recebessem en- sinamentos dos genitores, e não pretendo romper a antiga ordem nem por uma pequena tentação paternal e aguardo com alegria uma explicação sucinta.”
Quando Seth ouve esta pergunta ao invés da almejada res- posta, torna-se sumamente embaraçado, sem saber o que dizer. Per- cebendo isto, Enos pergunta: “Meu pai, que és cópia de Adão, assim como este é cópia de Deus, dize-me ao menos por que silencias. Uma resposta só pode ser explicação de uma pergunta.
Se tu me perguntaste algo que eu não soube responder, não te impus uma obrigação para não me responderes, mas devias de- monstrar-me se agi mal em seguir o teu exemplo. Sempre foi hábito entre nós que os direitos do pai passassem para os filhos e os da mãe para as filhas, pois assim o Criador ordenou a natureza das coisas. Se eu me servi deste direito, por acaso podes estar aborrecido comigo? Porventura sou culpado de não poder responder-te à altura? Não tendo errado diante de ti, de Adão e de Deus, podes admoestar-me, sem me esclarecer.”
Disse Seth: “Espera um pouco, não sou igual a Henoch ou Kenan para responder-te tão rapidamente. Não necessitas apontar os teus direitos, nem os antigos hábitos, que sempre hão de ser usa- dos pelas criaturas perfeitas. Quanto à tua questão, é preciso alguma meditação para concatenar-se as ideias, claras ou turvas.”
De si para consigo, Seth conjecturava: “Que imensa tolice pratiquei! Por que inquiri meu próprio filho, despertando nele uma curiosidade justificada? De que me adianta tudo isto se não a posso satisfazer? Que direi quando tiver passado o prazo? Silenciar não posso, pois seria contra todo direito a uma promessa. A verdade não devo proferir, muito menos uma inverdade. Ó Asmael, agora perce- bo quão prejudicial se torna até mesmo uma lei suave, quanto mais uma lei pesada, ou várias. Se tu não me ajudares, hei de sucumbir na noite da perdição.”
Entrementes, os patriarcas haviam percorrido metade do ca- minho e Adão desejava repousar um pouco. Segundo a contagem de nosso tempo, eram onze horas e o sol começava a projetar muito calor sobre a Terra. Assim, um descanso debaixo de uma bahania (fruta-pão) foi do agrado de todos; somente Seth não participava da alegria geral devido à promessa feita a Enos. Notando sua preocupa- ção, Adão lhe disse: “Que se passa contigo? Respiras como alguém a calcular onde não existem números. Abre tua boca perante mim e teu coração diante de Quem caminha entre nós.”
Ainda mais embaraçado por encontrar-se Enos ao seu lado, Seth não conseguia proferir palavra. Eis que Asmael Se apresentou, dizendo: “Se alguém for algemado por palavras ou ações por não ser tão ligeiro quanto um outro, a culpa não está com ele, mas com quem o algemou.
Se um lobo veloz apanha um burro preguiçoso cujas per- nas são mais vagarosas, quem poderia culpá-lo se ele for preso e se deixar ferir, porquanto o lobo é responsável por ter empregado sua astúcia, pois deveria medir-se somente com veados, corças e cabras monteses.
Se o lobo se deixa apanhar por um burro que lhe espatifa a cabeça com o casco, a culpa cabe apenas ao lobo. Percebes? Se és detentor de sabedoria, que força algemou os teus pés a ponto de não poderes calcular a atitude do burro quando este tiver alcançado o lobo? Não é a lei, conforme julgaste, mas sim a tolice que castiga desta forma. Quem te obrigou a inquirir Enos sobre aquilo que, por ora, te fora proibido por Deus?
Na astúcia não há vislumbre de sabedoria, pois existe diferen- ça entre a modesta prudência e a astúcia em si. A prudência segue seu caminho com segurança, enquanto a astúcia não raro se deve entregar à tolice.
Por esta vez serás perdoado porque o fizeste por amor. Para o futuro cuida que o burro não dê com o casco na tua cabeça. Quanto
a ti, Enos, aguarda a resposta até amanhã e serás o último a recebê-la pela tua justificativa diante de teu pai, afligindo o coração dele.”
PODERMILAGROSODE ASMAEL
Terminando este discurso, Asmael saltou do tigre e lhe disse: “Hahara, afasta-te; pois teu serviço acabou e tu com ele.” No mesmo instante, o animal desaparece. Os patriarcas se apavoram e até mes- mo Henoch não ficou indiferente e Abedam não sabia se sonhava ou se estava acordado, porquanto o animal não se afastou, mas desapa- receu. Entrementes, Asmael deixou os patriarcas às suas conjecturas, mormente os que ainda ignoravam Quem Se ocultava em Asmael.
Nesta altura, Jared se virou para Henoch, dizendo em sur- dina: “Que me dizes a isto? Onde ficou o tigre? Em menos de um instante desapareceu diante de nossos olhos a um simples pronun- ciamento de Asmael. Se isto assistissem teu filho Matusalém e seu filho Lamech de quarenta anos, o primeiro teria sido acordado de sua inércia e o filho amansado em seu temperamento.
Foi minha intenção trazê-los aqui, mas desconhecia a opi- nião de Adão a respeito e tua esposa teria sentido falta de ti. Sou de opinião que seria oportuno se ambos estivessem presentes. Concor- das de eu tê-los convidado à meia-noite? Talvez tivesse sido melhor eu encomendar algum refrigerante para Adão. É tudo tão estranho para mim! Vê se me acalmas um pouco, Henoch.”
Com carinho, este retrucou: “Meu pai, como é bom o teu co- ração! A tais corações nosso Santo Pai nunca deixa passar à míngua e, ao que me parece, está nos proporcionando uma alegria. Olha em direção ao Norte, onde vejo nossos filhos correrem em nossa direção e Asmael lhes vai ao encontro. Meu pai, agora tudo se cumpriu. Meu amor para com Deus e a ti projetou-se, levando-me a adorá-Lo em silêncio.”
Quando Adão percebe a aproximação dos dois descendentes de Henoch, pergunta: “Quem mandou que eles viessem, pois não quis que nos acompanhassem por um ser demasiadamente morno e o outro demonstra pouca seriedade?”
Responde Henoch: “Isto é efeito do amor paternal de Ja- red, mas o principal é Aquele Que marcha em meio deles. Se O conheces, como podes perguntar pela Ação do Senhor? Alegra-te que Deus, o Grande Deus, sinta tamanha alegria com aquilo que é simples perante o mundo e socorra quem é fraco diante de nossos olhos. Louvado seja nosso Deus e Pai. Amém.”
Adão se comove e Me louva de coração bastante serenado. Entrementes, Asmael conduz Seus tutelados para junto dos patriar- cas, dizendo: “Ouvi-Me todos que aqui estais em corpo e espírito, no amor e na fé, mormente vós, habituados a fazer diferença entre as criaturas, afirmando: Este é meu predileto, pois sempre obede- ce ao meu coração. Sua existência se origina de mim, porquanto se mantém segundo a minha vontade. Em outra ocasião afirmais: Não consigo amar esta pessoa porque desconsidera a minha vontade e aquilo que me agrada. Se quero repouso, ela salta. Se pretendo caminhar, atravessa os meus passos. Quando deve falar, silencia; e quando convém silenciar, fala. Sendo obrigado a marchar, deita-se, e quando deve vigiar, dorme.
Dentro de tal conceito julgais os que não vos são simpáticos, afastando-os de vosso coração porque não correspondem ao vosso amor-próprio. Como sois injustos! Se Deus criou um ser, teria sido para a maldição ou a bênção? Teria Ele manifestado qualquer dife- rença entre as criaturas, com exceção do sexo?
Talvez tivesse divulgado o seguinte mandamento: As pessoas ou filhos que não se desenvolvem de acordo com vosso amor-pró- prio devem ser desprezadas e convém amar somente as que respei- tam exclusivamente vossa vontade? Se assim agis sem terdes recebido
mandamento para tanto, como praguejais contra a escravidão das planícies, uma desordem surgida de vossa treva, fazendo-vos escra- vos de vossos próprios filhos? Porventura não sou Pai também de vossos filhos? Não teria Eu direito próprio de facultar também aos filhos o livre arbítrio? Se assim fiz, causando-vos aborrecimento, por acaso ainda deveria prestar contas?
Se vós, adultos, não prestais conta de vossa vontade, como pretendeis exigi-lo de Mim, que vos envolvo a todos com o mesmo afeto? Mostrai-Me na Terra uma área onde nunca tivesse caído uma gota de chuva ou um raio de sol, e onde uma gota tivesse sido menos úmida que outra.
Em verdade vos digo: Não existe escravidão mais ferrenha que a da obstinação obtusa, onde só se considera o amor-próprio. Se o Santo e Amoroso Pai deu a cada um uma vontade livre e um coração individual, o genitor torna-se injusto se não quer considerar a livre ação do filho maior.
Se bem que seja melhor para o filho obedecer ao pai durante toda sua vida, jamais o contrariando, é mais conveniente para o pai orientá-lo desde o nascimento de modo tal a poder ele agir livremente, podendo abordá-lo, dizendo: Pai, teu filho aqui está para carregar-te na palma da mão. — Vale mais isto do que serdes obrigados a dizer ao filho: Vem amparar-me! — e o filho assim faz por não se atrever a fazê-lo por conta própria. Por aí vedes quão enorme é a diferença entre vós, não vos assemelhando Àquele Que vos deseja para filhos eternos.
Reparai as folhas desta grande árvore, que vos protegem con- tra os raios penetrantes do sol. Qual dentre elas é a mais valiosa? Res- pondeis: Não existe diferença, mas se fossem um alimento saboroso, as maiores seriam preferíveis.
Tal é o vosso conceito. Mas, quem dentro de vós foi o apre- ciador? Deveis convir que fora vosso amor-próprio, sem considera- ção ao Criador, que talvez tivesse dado maior finalidade às folhas pequenas ao invés das grandes, para satisfação de vosso apetite.
Por que fazeis os primeiros degraus de uma escada mais for- tes que os últimos? Afirmo o que já sabeis: Os primeiros não são por
isto mais úteis que os últimos, conquanto fossem mais fracos e mais distantes. Ao encostardes a escada na árvore, não são precisamente os degraus mais fracos a tocarem os frutos?
Assim, também Eu construirei uma escada feita de criatu- ras, uma escada que encostarei na árvore da vida que chega até os Céus de toda Vida, partindo da base terráquea. Felizes os degraus de cima, pois somente eles alcançarão a Vida, enquanto os fortes aguardarão debaixo de todo o peso aquilo que a Vida atirará no abismo. Compreendei-o bem e não julgueis vossos filhos segundo o amor-próprio, mas dentro da liberdade e amor divinos. Amém.”
LAMECH E MATUSALÉM PALESTRAM SOBRE O FORASTEIRO
Adão e os patriarcas se apavoram com o teor deste discur- so, que todavia não foi compreendido pelos recém-vindos. Julgam que sua presença importuna os aborreça, como também a defesa tomada por Asmael. Por isto, Lamech se vira para Matusalém e diz: “Pai, que faremos? Seria conveniente nos afastarmos ou ficarmos para ouvir com paciência as reprimendas? Quem seria o jovem que nos abordou tão gentilmente? Seu discurso deve ser importante por- que os patriarcas lhe prestaram grande atenção e agora nada sabem responder.”
Laconicamente, Matusalém responde: “Filho, considera se podemos melhorar a situação. Sigo sempre o seguinte princípio, aliás, lema de Henoch, meu pai: Ama a quem te despreza, que em breve será teu amigo. — Quanto ao jovem, sumamente amável, também estranho sua procedência e como foi aceito na assembleia dos patriarcas.
Demonstrou ser mais sábio que nós e a atitude dos velhos mostra que em suas palavras reside força especial. É só o que preci- samos saber; portanto, aguardemos os acontecimentos.”
Nisto, Asmael Se aproxima e diz: “Minha Presença garante tudo de bom e ninguém deve se preocupar e temer algo. Ficai, en-
quanto Eu aqui ficar. Quem ficar onde estou, estará bem, tendo en- contrado um pouso certo com Aquele que aceita a todos de coração justo. Quando Me tiverdes reconhecido, compreendereis o sentido de Minhas Palavras. Por ora, alegrai-vos por estardes junto de Mim.”
DISCURSODE HENOCH
Matusalém e Lamech muito se admiram com as palavras de Asmael e depois de Ele Se ter afastado, o último diz: “Pai, que de- duzes de tudo isto? Segundo me parece, este jovem se tem em alta conta quando afirma: Minha Presença garante tudo de bom. Por que não relaciona isto a Adão e aos filhos de Deus? Que me dizes?”
Henoch, que passava por perto, os orienta: “Se guardo uma pedra na mão e alguém me pergunta o que ela contém, o outro não se satisfazendo com a orientação, não tenho direito de perguntar: Se guardo a pedra, como pode ela se tornar pedra de escândalo para ti? Por que te preocupa aquilo que não te diz respeito? Se meu peso me agrada, não há motivo de te preocupares.
Não é preferível carregar-se a pedra na mão do que cair sobre ela na rua e magoar-se? Quem poderia querer fugir da própria vida? Se possui a vida, por que se porta como se não a tivesse recebido e age com ignorância em todas as coisas?
Que sabe o homem? Seu conhecimento não lhe vem de Deus? Como pode querer pensar ao ladode Deus, desprezando um Conselho divino? Quando começa a adivinhar, o faz até seu ani- quilamento.
Também vós agis desta forma. Que diríeis eu afirmando ser Henoch vosso pai? Seria possível acusardes vosso genitor de orgu- lhoso por causa disto? Qual será o resultado se os cegos começarem a opinar? Quem nada vê durante o dia, como poderá supor que a noite o ilumine?
Se não sois capazes de assimilar as palavrasde Asmael, como pretendeis julgar a pessoa dele? Considerai cada palavra sua e aguar- dai até amanhã, quando tudo será esclarecido.”
Em seguida, Henoch volta para junto de seu pai Jared, aguar- dando o momento da partida para o Norte que, todavia, não esta- va marcado em virtude do calor, levando os patriarcas a gozarem a sombra dos galhos da bahania (fruta-pão).
Lamech, constante perturbador do silêncio, volta a se dirigir ao pai: “Qual seria o sentido das palavras de Henoch, que não fora convidado a nos dar explicação? O pai fala com o filho como se este não merecesse sua atenção, pois parece não entender o sentido das palavras. Aquilo que disse a respeito da pedra, da vida, do conselho e do julgamento, para mim não faz sentido. Se tu, meu pai, entendes- te algo, dá-me orientação. Mas, se tua situação é idêntica à minha, nada nos resta senão esperarmos até amanhã.”
Responde Matusalém: “Meu filho, quem quisesse responder a todas as tuas perguntas precisaria de dez línguas, pois tua vida nada mais é do que uma pergunta extensa, e na Terra não existe árvore bastante grande e forte que produza um fruto para satisfazer tuas questões.
Não acabas de ouvir os discursos de Asmael e de Henoch? Medita a respeito e, se for da Vontade do Senhor, serás esclarecido. Que vêm a ser nosso socorro e conhecimento caso não nos forem dados pelo Alto? O socorro humano de nada vale e o conhecimento dos homens é simples treva. Quando um pretende ajudar o outro, apenas prejudica. Por isto, purifica a chamazinha do amor em teu coração, podendo dispensar qualquer esclarecimento alheio. Uma inspiração divina vale mais que um céu cheio de sóis, luas e estrelas.”
ASERPENTEEMCIMADA ÁRVORE
Todos silenciam e meditam sobre os acontecimentos, e os que já tinham reconhecido Asmael dirigem constantemente sua atenção para Ele. Este, porém, palestra com Abedam, sem que al- guém consiga perceber o assunto.
Após certo tempo, Eva solta um grito lancinante, fazendo menção de fugir, pois havia descoberto uma gigantesca serpente en- roscada num galho acima de sua cabeça. Os patriarcas também dão um salto para fugirem. Asmael lhes barra o caminho, ordenando que todos ali ficassem até que Ele permitisse sua movimentação.
Aproximando-Se da serpente que se movia de um lado para outro, Asmael disse: “Amaldiçoado animal da ira e da treva, que procuras aqui?” Com um chiado sibilante, ela responde: “Aquele que me persegue eternamente, pois quero aniquilá-Lo.”
Prossegue Asmael: “A quem te referes?” Diz ela: “Deus de Eternidade e Criador de todas as coisas que Ele me deu. Como visse minha glória, maior que a Dele, tornou-Se fraco, amaldiçoou-me no fogo de Sua ira e tirou-me a glória para adornar os desprezíveis vermes da Terra que se tornaram cópias Dele. Eu fui cumulada com a eterna maldição e recebi esta figura abjeta.”
Visivelmente alterado, Asmael reagiu: “Ó Satanás, quão imensa é tua mentira e ilimitada tua maldade! Quando teria Eu te amaldiçoado e perseguido? Quando, de modo próprio, fugiste de Mim, durante eternidades, atingindo a esfera sagrada da eterna San- tidade de Deus, onde serias aniquilado para sempre, Quem estendeu o Seu Braço, e com todo o amor te colocou aqui, querendo igualar-
-te com Ele?
Teu orgulho conseguiu desprezar o Amor Infinito e Santo de Deus Onipotente. Abandonaste o pouso por Mim criado e querias destruir a Minha Obra e ultrajar o teu Deus e Criador!
Adão, um pouso para ti, ainda vive sem ti e assim viverá e todos os seus descendentes. A partir de agora, sê amaldiçoada tua se- mente! Hei de colocar uma inimizade eterna entre ti e a semente da mulher que há de te aniquilar no abismo. Será uma mulher a pisar a tua cabeça, e tua picada no calcanhar não a prejudicará. Desapare- ce!” Imediatamente a serpente some.
Este acontecimento provocou grande alvoroço entre os pa- triarcas. Os que sabiam Quem Se ocultava em Asmael estavam cheios de louvor e gratidão. Os outros, levando forte choque, não sabiam o que fazer. Porventura conviria se dirigirem aos patriarcas ou ao próprio Asmael e perguntar: Quem és, cuja ordem se cumpre incontinenti? Sentem-se tomados de pavor, a ponto que Asmael lhes diz: “Que ideias absurdas são essas? Não demonstraram Adão, Seth e Henoch o que pode o homem, em Nome de Deus? De espírito surdo e cego, não percebestes o poder dado a cada um, em Nome de Jehovah, quando a ação é firme, no amor e na confiança.
Em vez de agirdes dentro deste conceito, confabulais: Quem é Asmael, o que se passa com ele? — Cegos e surdos! Para que finali- dade recebestes ouvidos e olhos físicos e espirituais? Talvez para ob- servardes a erva e outras coisas terráqueas? O ouvido para sentirdes o canto das aves, murmúrios, gritos e estrondos? Não vos foram dados estes dons para serem dirigidos para dentro, isto é, para perceberdes primeiro o que se passa dentro de vós? E aquilo que ocorre externa- mente não deveria ser conduzido até a raiz de todo ser?
Não reside a causa de todas as coisas dentro de vós? Se al- guém tiver atingido a base ou a raiz de qualquer fato, dele se apos- sando com a força em Deus, através do amor e da fé, qual seria o fa- tor que impedisse uma ocorrência projetada por uma criatura justa, positivando seu pensamento em Deus? Quem o conseguir, fá-lo-á somente com Deus, pois sem Deus nada se faz. Agi deste modo, sem perguntar quem é Asmael, que haveis de encontrá-Lo dentro de vós, descobrindo Sua Personalidade.”
ADÃOINQUIRE ASMAEL
Nesta altura, Adão pergunta a Asmael: “Tu, cujo Nome não me atrevo a pronunciar, certamente não te aborrecerás se faço uma pergunta cuja resposta há de tirar um peso enorme do meu coração?”
Responde Asmael: “Se conheces Asmael, por que desejas per- guntar-Lhe algo que te oprime? Porventura ignoras que Quem criou o centro da Terra e estendeu a abóbada celeste, também é Criador do teu coração e sabe perfeitamente o que nele se passa?
Não faças perguntas, se Me conheces. Se ainda não Me co- nheces, como podes imaginar que serei capaz de remover uma pedra ou uma montanha, quiçá a Terra toda de cima do teu coração?
Toda e qualquer dúvida deves apresentar a Asmael dentro do teu coração, e o Asmael que ora Se encontra diante de ti te dará, através do outro, a resposta mais viva que te vivificará, enquanto qualquer resposta externa te mataria. Tudo que externamente pe- netra o homem tem efeito mortal. A própria vida nasce sempre no íntimo, assim como Deus Mesmo age partindo do Seu Centro de Amor. Segue o Meu Conselho, que receberás o que almejas.”
Adão assim faz e sua fisionomia irradia a máxima satisfação, pois toda dúvida a respeito de Asmael se dissipara. Começou a lou- var a Deus no coração, a ponto que tudo em seu redor se iluminou. Naturalmente, é ele inquirido pelos filhos sobre o motivo daquilo.
Apontando para Asmael, Adão respondeu: “Não pergunteis a mim. Aí está o grande Mestre em todas as coisas. Não procureis fora, mas dentro de vós. Assim ensina Aquele que é a Vida Eterna.
Realidade, verdade e vida se encontram somente dentro do homem, onde devem ser procuradas e achadas. Tudo aquilo que penetra o homem externamente é fictício, não tem base e é de na- tureza mortal.
Se alguém recebe um ensinamento de fora e pretende tirar algum proveito para a vida, terá que aniquilar primeiro sua vontade, para aguardar o fruto que surgir da semente do ensinamento.
Mas, quem se dirige à própria Vida, ou seja, Àquele que é Santo, eternamente Verdadeiro e Fiel, cheio de Amor, Misericórdia e Graça, o receberá como eu acabo de receber, não mais estando su- jeito a dúvidas, cuja incerteza anteriormente lhe pesava no coração. Não pergunteis, mas fazei como eu fiz, que haveis de encontrar o que necessitais dentro de vós.”
Depois deste discurso, todos se voltam para Asmael, fitan- do-O com intensidade, sem falar, todavia alimentando suas dúvidas. Seth, Enos, Kenan, Mahalalel e Jared se aprofundam cada vez mais sobre Asmael. Não encontrando solução, um após outro se dirige a Adão, dizendo: “Nada conseguimos seguindo teu conselho. Seria ele imperfeito, ou o teríamos compreendido apenas em parte? An- teriormente tínhamos um vislumbre; agora, completa ignorância. Que faremos?”
Responde Adão: “Não vos disse claramente como agir? Onde se encontrava vosso espírito durante minha explicação? Eis Asmael. Por acaso seria bastante o simples pensar? Que vem a ser o pensamento sem amor, confiança e fé? Apenas aparência, tão isenta de vida como num floco de neve de cem anos atrás que se dilui numa pedra incandescente. Tudo que fazeis deve ser feito integralmente, se desejais chegar a algum resultado. Eis Asmael em vosso meio.”
O grupo se volta para Asmael, que lhe diz: “Deveria Eu ensinar de modo diferente de Adão, orientado por Mim? Segui o exemplo dele, que atingireis o ponto em que ele se encontra. Cada um de vós se destina para a Vida. Mas, se não agis de acordo, qual- quer indagação é fútil para a Vida. O Vivo não responde aos mortos, mas somente aos que têm coração vivo. Amém.”
FINALIDADEDAVIDA TERRENA
Eis que Seth se levanta e diz “Eis a razão da vida e sua prova é justamente sua posse dentro de nós; portanto, já não mais somos mortos, segundo afirmação de Asmael. Desfrutamos de uma exis- tência física que nos fora dada para com ela despertarmos o amor vivo para com Deus. Muito embora nos tenha sido facultado tal amor, é comparável a uma noiva adormecida que nos compete des- pertar da Graça, provinda da vida externa, para que aprenda a viver em liberdade, força e poder, dando-se a união na vida eterna.
Dentro da existência cotidiana podemos pensar inspirados pelas formas existentes, ações e atitudes. Mas, este pensar não é nos-
sa obra. Deus constituiu nossa morada com vários objetos, que sen- timos através de nossos pensamentos. Nós os recebemos para nossa casa, ou para a vida do espírito?
Eis uma questão bem diversa. Considero os pensamentos quais pesquisadores em constante procura, mas que nada encontram caso se tenham afastado do local onde se acha a própria vida.
Os pensamentos de valor não devem levantar voo como um gavião, mas procurar qual grilo o vaga-lume debaixo das folhas. E lá onde a sombra verde for mais compacta ou a confiança mais sólida, encontrar-se-á o vaga-lume. Asmael, se esta é minha fé, por acaso encontrarei a vida e meus filhos, comigo?”
Retruca Asmael: “Seth, se falaste com justiça, de onde te veio a mesma? Se te julgas em erro, para que fim cansaste tua língua?”
Responde Seth: “Ó Asmael, quem poderia pronunciar ape- nas uma palavra sem Tua Ajuda? Consegues pronunciar palavras de vida através de pedras e feras, portanto também podes realizá-lo por mim. Creio não ser o mesmo falar-se e entender-se o sentido, pois Tu Mesmo nos explicaste quão pouco entendíamos daquilo que há tempos vínhamos pregando. Acredito ter pronunciado a plena Ver- dade, mas se a entendi, Tu Mesmo saberás melhor.”
Diz Asmael: “Seth, teu pronunciamento foi justo, pois ori- ginou-se de Mim. Todo aquele que, de coração humilde, falar em Meu Nome e sem interesse próprio, movido exclusivamente pelo amor a Mim e ao próximo, não externará uma sílaba que não se originasse de Mim. Mas, quem falar em Meu Nome, todavia se eleva acima do irmão e seu coração se inclina às coisas terrenas, é seme- lhante a um arbusto venenoso que transforma a luz do amor e seu calor vivificador em veneno mortal. Se já conseguiste despertar tua noiva adormecida, razão pela qual pudeste falar de tal modo, nada mais te falta senão a ação. Age de acordo, que estarás Comigo e Eu contigo, assim como todos que te imitarem.”
JAREDSEPREOCUPACOM ASMAEL
Imediatamente Seth começa a fazer a introspecção, chegan- do a conhecer-se cada vez mais intimamente. Sua gratidão é silen- ciosa, sabendo que Eu perscruto o coração e não havendo fibra de sentimento que Eu desconheça. Eis que outros também pretendem fazer perguntas, mas Adão se levanta, dizendo: “Quem ainda ali- mentar qualquer dúvida, deve guardá-la no coração, pois em tempo oportuno cada um receberá uma luzinha para o recôndito escuro de sua alma.
Considerai que ainda não chegamos ao Norte, muito menos em casa; portanto, é necessário nos pormos a caminho a fim de lem- brarmos aos filhos do Norte a comemoração do sábado. Vamos, em Nome Daquele Que Se encontra em nosso meio.”
Durante a marcha, Jared não se contém em fazer várias per- guntas a seu filho Henoch, quer dizer, quais seriam os frutos prefe- ridos de Asmael, qual o pão e se prefere apenas leite, ou misturado com mel. Como gostaria de dormir e qual a hora de Se levantar.
Laconicamente, Henoch retruca: “Preocupas-te em vão, meu pai. Asmael não ocultará de nós o que deseja. Podes estar certo que todos nós, até hoje, Dele já recebemos tanto que nem em eternida- des poderemos restituir-Lhe um átomo sequer. Precisamos apenas de uma coisa: o verdadeiro amor para com Ele, nosso Santo e Amo- roso Pai. Este alimento há de satisfazer plenamente a Asmael, pois já nos dissera, antes que Adão Lhe tivesse dado um nome, o que O moveu a nos visitar. O fiel forasteiro, à procura de Deus! Se este é o sentido de Seu Nome, tua preocupação de alimento e dormida é realmente fútil. Louvemos a Deus em nosso coração, deixando que lá Se estabeleça, pois nosso coração necessita mais de Asmael que de nossa morada.”
Retruca Jared: “Tens razão em tudo; no entanto, falas de As- mael como falarias de Deus, de sorte que não sei de quem estás falando. Que faria Asmael em nosso coração, não sendo ele Deus, porquanto é homem igual a nós? Peço que me orientes a respeito.”
Henoch, porém, repete somente a ordem de Adão, com que Jared se cala, satisfeito.
CONJECTURAS DOS PATRIARCAS A RESPEITO DE ASMAEL
Mas, também Enos não se acalma e pergunta a Seth: “Pai, ouvi certas observações suas feitas com aquele jovem Asmael; ainda que as palavras dele sejam extraordinariamente elevadas, confesso que às vezes se tem em grande conta, precisamente como consequência de uma ação. Haja vista a destruição da grande serpente da mentira, quando ele não fala como homem, mas como se fosse a Própria Divindade. No entanto, agora fala humanamente e raras vezes se refere a Deus, e quando isto acontece, seu pronunciamento e o de Deus se tornam tão unos que, no final, não se percebe do que ou de quem ele falou.
Se uma criatura fala em Nome de Deus, pleno do Espírito Divino, de toda Onipotência e Força, ou a Própria Divindade Se expressando, chega-se à conclusão que Deus e Asmael são um só.
Sinto-me profundamente emocionado e obrigado a fazer-te esta pergunta que me faz sofrer. Peço, portanto, que me respondas dentro do teu conhecimento e segundo tua autoridade, dentro da Vontade Divina.”
Responde Seth: “Caro Enos, tua questão é justa e não existe na Terra outra mais necessária do que uma criatura indagando se- riamente a respeito de Deus e diante de cujos olhos as ações divinas não passaram despercebido. Porém, muito mais importante é respei- tarmos, por amor, todas as leis emitidas pela Ordem Divina.
Tal lei prende minha língua com relação a Asmael. Satisfaze-te, portanto, com esta desculpa, mas tem a plena certeza de que, antes que o sol volte a surgir, hás de conhecer Asmael face a face. Alegra-te, pois Asmael é grande.” E assim, Enos se satisfez e calou-se, pensativo.
Mas, também Mahalalel não tinha sossego, dirigindo-se a Kenan, dizendo: “Pai, sabes perfeitamente que já assistimos a muitos
fenômenos durante nossa longa vida; porventura podes lembrar-te de que, à palavra de um homem, algo acontecia sem qualquer aju- da externa?
Responderás, talvez: Filho, estás delirando. Justamente hoje Henoch dominou o tigre para Asmael e Adão conseguiu fazer com que a fera se pronunciasse pelo toque de sua língua.
Desde quando os animais não foram suscetíveis à nossa von- tade, incluindo a flora e, em caso de necessidade, todos os elemen- tos? Tudo isto é verdade e não há quem possa contestá-lo, mas nunca algum de nós conseguiu realizar algo sem ajuda de nossas mãos ou pés. E ainda que tal acontecesse, sempre levava algum tempo até que se realizasse nossa vontade dentro da natureza muda, com ajuda de pés e mãos.
Que relação existe neste caso com Asmael? O que não foi feito do tigre poderoso, instantaneamente, através de sua palavra e para onde seu pronunciamento atirou a serpente, na velocidade de um pensamento, destruindo-a totalmente?
Quem teria feito um sermão a Adão ao qual ele seguiria estritamente? Quem não chegasse pedindo, podia voltar sem êxito. Até mesmo a palavra de Henoch lhe parecia mais agradável pela sua- vidade e profundeza, porém menos importante que uma orientação sábia da Vida Verdadeira. Se Asmael algo pronuncia e ordena, Adão lhe obedece de pronto, incluindo todos os filhos e Eva. Peço-te, por- tanto, que me digas o que pensas pessoalmente de Asmael.
De minha parte, o tenho em maior conta do que um sim- ples homem, porquanto suas ações sobrepujam as humanas. Resta saber por quem tu o tomas.”
Responde Kenan: “Meu filho, tens razão em tudo. Todos viram o mesmo. Permanece, porém, em tua opinião segundo a von- tade de Adão até amanhã, porquanto certamente não hás de querer desobedecer a ele.
Anima teu coração com Asmael, que em breve ele será re- velado, pois se aproximou muito mais de ti do que imaginas. Crê, confia e ama.”
Eis que Lamech pergunta a seu pai Matusalém: “Se nossos pais trocam palavras secretas, muito embora Adão tivesse proibido tal fato, competiria somente a nós respeitar tal mandamento? Se entendi alguma coisa, tenho a impressão de que Adão não fez dife- renças entre nós. Se, entretanto, os patriarcas prosseguem na pales- tra, entendendo muito melhor todos os mandamentos do que nós, sou de opinião que nós também podemos trocar algumas palavras a respeito de Asmael.
Este jovem começa a me impressionar. O seu rosto nada de extraordinário demonstra mas, quando começa a falar, suas palavras agem mais velozmente que um raio e cada um de nós se sente estra- nhamente tocado. Devo confessar que já o amo e sinto como se meu coração estivesse ligado ao dele, levando-me a falar constantemente a respeito de sua pessoa. Observa quão despretensioso e humilde ele caminha com o idoso Abedam à nossa retaguarda. Às vezes tenho a impressão que seus pés nem tocam o solo. Oh, Asmael estranho sublime! Como meu amor cresceu para contigo! Seria imensamente feliz se caminhasses também ao meu lado! Tu mesmo afirmas sem- pre: quando o coração arde, a boca transborda. E isto ocorre comi- go. Por isso te peço, fala-me constantemente de Asmael.” Eis que Matusalém responde: “Caro filho Lamech: Embora esteja dentro da ordem que um pai ensine ao seu filho, o que pode acontecer se o filho procura o pai pedindo-lhe orientação do seu tesouro de conhe- cimentos, de sorte que o pai é obrigado a responder: Neste ponto nosso cabedal de conhecimentos tem a mesma idade e nenhum de nós desfruta de uma vantagem, porquanto nossos olhos viram pela primeira vez o mesmo Asmael no mesmo dia e hora.
Aquilo que sabes a respeito dele eu também sei. Apenas mi- nha língua não é tão maleável quanto a tua a fim de expressar pa- lavras bem formuladas a respeito desse personagem. Para que o teu convite de eu me expressar a respeito dele não seja em vão, veio-me o
seguinte pensamento: Deus facultou ao homem dois olhos para ver as coisas externas; no entanto, ele não vê mais com dois do que com um. Ambos, porém, se facilitam o serviço. Do mesmo modo, Ele também lhe deu dois ouvidos para ouvir as vozes do mundo. Ainda assim, ninguém terá maior audição com ambos do que com um só, mas ambos se auxiliam. O mesmo ocorre com o homem. A visão é idêntica à audição e à impressão daquilo a que somos sujeitos. Quanto ao julgamento de alguma coisa e a sensação da mesma, cada um dispõe do seu próprio campo para tal.
O mesmo se dá conosco. Ambos vimos o mesmo, ouvimos as mesmas palavras de Asmael e neste ponto somos comparáveis à flora que suga a mesma luz, o mesmo calor e a mesma chuva. Qual seria o aproveitamento interno dos produtos?
Neste ponto existe uma grande diferença, o que também se dá com nossa assimilação, critério e sentimentos; podem ser cer- tos ou errados, proveitosos ou inaproveitáveis. Por que devemos nos prejudicar antes do tempo, abarrotando-nos com critérios fora do tempo e sentimentos inadequados?
Preferível é que deixemos amadurecer estas novas plantações e só então verificaremos se os frutos se tornaram aproveitáveis e sa- borosos também para os outros.
Quem fala de algo que ainda não amadureceu em seu ínti- mo é um tolo. Tudo que falamos é um conhecimento sobre vários assuntos. Qual seria o aproveitamento de um professor imaturo não podendo alimentar seus alunos com os frutos não amadurecidos? Qual seria a bênção espargida com suas plantações fora de época, das quais ele mesmo ignora se são puras ou talvez venenosas?
Eis a nossa situação. A semente de Asmael deitou em nós apenas algumas pequenas raízes fracas. Por enquanto desconhece- mos a folhagem, a flor e muito menos o fruto; ainda assim queremos nos ensinar reciprocamente. Meu filho, considera o resultado deste empreendimento! Que cada um ensine o próximo sobre aquilo que ele vê, ouve e percebe, deixando todo o resto para a época do ama- durecimento quando então Deus o escolherá caso em seu coração
um fruto nobre tenha chegado à maturação, podendo ser distribu- ído entre os irmãos. O fruto não sendo de qualidade, Deus saberá melhor para que serve, pois para Ele todas as coisas são boas. Aguar- demos, portanto, a maturação e depois falaremos.”
ASMAELRELATAUMA PARÁBOLA
Eis que Asmael Se apresenta e diz: “Caros amigos, ouvi bem o que tenho para vos dizer. Suponhamos um homem dotado de vários conhecimentos e seus efeitos. É rodeado por pessoas cons- tantemente à procura do saber e suas consequências. Todavia, nada conseguem, porque lhes é estranha a raiz de toda sabedoria, pois deixam perturbar a visão pelas coisas mundanas e os ouvidos são entupidos de pedras, de sorte a não poderem ver, nem ouvir.
Se o mencionado homem produzir coisas extraordinárias, os outros hão de conjecturar: De onde vem ele? De onde se origina seu poder? Cada palavra é uma realização perfeita. Fala como se tivesse poder próprio e se tem em alta conta. Que há com ele, pois não obstante igual a nós, age como se todo o Poder e Força de Deus lhe fossem submissos?
Após tais conjecturas, ninguém sabe o que fazer com o sábio, se deve amá-lo ou temê-lo, segui-lo ou fugir-lhe. Alguns são toma- dos de medo, outros de curiosidade, dúvidas e até mesmo ansiosos para imitá-lo — mas nunca desejosos de assemelhar-se a ele no amor e na verdadeira humildade, raízes de toda sabedoria.
Caso o sábio pretendesse escolher alguns daquele grupo ig- norante, quem estaria ansioso para seguir sua escola? Por certo não os que carecem de coragem, tampouco os amigos do sensacionalis- mo, nem os que indagam: Quem é ele a realizar tais coisas? Nem os que duvidam, inseguros na mente e no coração, tampouco os cegos e surdos em espírito. Somente os que são cheios de amor e humilda- de para com Deus e seus irmãos.
Tudo isto está diante de vós, sem que o percebais. Eu, diante de vós, afirmo: Felizes vós, por Eu Me encontrar em vosso meio,
como único Sábio perante o mundo. Tu, Matusalém, atrai o amor do teu filho, e tu, Lamech, atrai a paciência de teu pai, que dentro em breve haveis de olhar o forasteiro com outros olhos.”
AMÃOATROFIADADA TERRA
Durante a parábola de Asmael, os patriarcas alcançaram uma enorme parede de granito que, através de várias rachaduras e fendas, apresentava forma peculiar, de sorte que há muito tempo recebera o nome de “Mão atrofiada da Terra”. Esta parede separava os filhos do Norte, dos patriarcas, e era impossível chegar lá por via natural. Para tanto seria preciso fazer-se um grande desvio através do Norte e de lá passar por uma cordilheira circular ligada com aquela região.
Tal trajeto era demasiado longo para os patriarcas e, neste momento, inteiramente impraticável. Por isto, Adão começou a per- guntar a cada um qual a medida a tomar a fim de informar os filhos do Norte do próximo sábado e também devolver-lhes a liberdade pela anulação do jugo pesado da lei anterior.
A situação era deveras difícil. Gritar ou atirar pedras de nada adiantaria, pois neste instante um forte vento começava a soprar, coisa comum nas montanhas por volta do meio-dia em virtude da mudança dos raios solares que provocava um excesso de respiração do planeta.
Eis a situação dos patriarcas, em nada melhor que a própria “Mão atrofiada da Terra”; ninguém sabia dar conselho ou ajuda, tampouco se lembrava onde estava Aquele a Quem todas as coisas são possíveis; até mesmo Henoch ignorava qual medida a tomar.
Passado algum tempo, Abedam se dirigiu em surdina a As- mael, dizendo: “Senhor, que és infinitamente Santo, concede-me a Graça de fazer algo, pois estou pronto a saltar esta parede a fim de transmitir aos filhos o recado que os espera. Amor eterno e indes- critível, Tua Palavra suporta a Criação toda em sua grandiosidade e peso. Como poderia deixar-me sucumbir, que sou apenas uma poeirinha? Basta uma Palavra Tua, que estou pronto a cumpri-la,
ainda que me custasse a vida, estou certo que é melhor morrer com Tua Palavra, do que viver mil vezes sem Ela. Tua Vontade Se faça, hoje e sempre.”
Com o olhar cheio de amor, Asmael respondeu: “Abedam, não existe na Terra igual a ti na fé e no amor. Henoch é grande no amor e na humildade e já encontrou aqui a imortalidade. Maior, porém, é quem conquista a vida pela morte, do que pela própria vida. Maior é quem dá sua vida em benefício de seus irmãos, do que quem procura vivificá-los pela Palavra Viva. Mais fácil é ensinar do que deixar sua vida para outrem.
Em verdade te digo: Quem morrer em Meu Nome e em vir- tude de Minha Palavra, ter-se-á apossado da Vida eterna com grande poder de heroísmo, tornando-se uno Comigo. Meu querido e forte Abedam, a época de deixar a vida em Meu Nome ou Palavra ainda não chegou, portanto tua vontade inabalável te será levada em con- ta, pois foi realizada em teu coração, como sendo tua pela fé, con- fiança e amor para Comigo. Com isto jamais te apartarás de Mim.
Disponho de outros meios para libertar os patriarcas de sua aflição e posso privar-Me de teu sacrifício. Feliz és tu por este sa- crifício, pelo que ultrapassaste Abel, morto uma só vez, enquanto pretendias sofrer mil vezes a morte em Meu Nome. Recebe uma vida sem fim.
A fim de que recebas uma ordem Minha para fazer algo em Meu Nome, chama Henoch, a quem tenho que dizer algo necessário perante os patriarcas. Ele Me amando, terá que procurar-Me para poder aceitá-lo inteiramente pelo amor para Comigo e a vida que dele surge. Só assim poderá se tornar um herói igual a ti para execu- tar a Minha Vontade.”
Imediatamente Henoch se dirigiu a Asmael, dizendo: “Ó Senhor, tem piedade deste filho fraco que submete à Tua Vontade cada fibra de seu ser.” Tomando a mão direita de Henoch, Asmael falou em voz alta: “Henoch, Aquele Que criou esta tua mão, do nada, a fortalece diante de todos. Vai e vivifica a ‘Mão atrofiada da Terra’ para que se torne uma ponte suave e um caminho plano para
os que mais necessitam de nosso socorro. Estou em vosso meio por causa dos enfermos e não pelos sadios.”
Incontinenti Henoch se dirigiu para a parede, ordenando-
-lhe que se transformasse num caminho plano para os que padeciam nas profundezas. No mesmo instante a parede ruiu, apresentando um caminho suave. Diante disto, os patriarcas se encheram de pavor com o infinito poder de Asmael. Ele os animou novamente, dando-
-lhes oportunidade de louvá-Lo para prosseguirem viagem.
PERGUNTAPELOSFILHOSDO NORTE
Dentro em breve todos chegavam à região extensa do Norte. Segundo o hábito, Adão abençoou-a e aos filhos primitivos, convi- dando-os para ligeiro descanso. Após meia hora, começaram a estra- nhar que nenhum habitante se apresentasse.
Chamando Henoch para junto de si, Adão disse: “Tu, que foste por Asmael fortificado de modo a obrigar a curvar-se diante de tuas palavras a ‘Mão atrofiada da Terra’, dize-me onde estão os ha- bitantes desta região. Talvez foram soterrados pela parede que ruiu. Teria vontade de perguntar a Asmael, todavia falta-me a coragem, considerando Quem Se oculta Nele. Além disto, meu íntimo me diz: Por que pretendes perguntar a Deus Onipotente como se algo Lhe fosse estranho dentro de ti? Não foi Ele a equilibrar os teus pensamentos muito antes que te tivesse criado para um ser de ca- pacidade pensadora? — Eis porque não posso fazer o que desejava. Acalma-me e aos demais, caso tenhas orientação de Asmael. Se teu coração está nas mesmas condições que o meu, dirige-te a Ele, que nos libertará deste conflito.”
Nem bem Henoch se encaminha para Asmael, eis que Este Se encontra diante de ambos, dizendo: “Adão, julgas em teu coração
— onde habita teu espírito muito enfraquecido — que o Senhor seja qual rei das planícies ou igual a ti, sendo preciso muita insinua- ção para chegar a Ele? Dispenso guardas, porteiros e filhos hierarqui- camente organizados, através dos quais alguém possa ser conduzido
para Mim. Tampouco exijo que alguém se prosterne diante de Mim durante uma hora para se tornar digno de ser erguido por Mim, seu Deus e Criador. Espero apenas um coração fiel, amoroso e humilde, purificado pelo remorso, e assim ninguém necessita fazer rodeios, pois sou o mais Próximo de todos. Se assim não fosse, quem po- deria manter sua existência por um minuto sequer, se toda vida se origina de Mim?
Se temes perguntar algo a Deus Onisciente, como se explica que Ele não se vexa de perguntar-vos sobre vários assuntos a fim de despertar a vossa consciência? Julgo ter o ignorante maiores motivos de perguntar ao Onisciente, que vice-versa. Conheço muito bem o teu problema, Adão. Desejas saber onde se encontram os filhos do Norte. Não to digo, porque tu mesmo terás que procurá-los. Se não os encontrares, vem à Minha procura que te levarei junto deles. É preciso procurar o que se perdeu.”
ADÃOMANDAPROCURAROSFILHOSDO NORTE
Após meditar sobre estas palavras, Adão reúne todos, com exceção de Seth, Henoch e Asmael, e lhes diz: “Meus filhos, dados por Deus, física e psiquicamente, mas cada um dotado de um livre espírito do Criador! Aqui chegamos a fim de trazer uma vida nova e livre a estes habitantes que, todavia, se encontram separados de nós por uma rocha intransponível. Se, vez por outra, lançamos um olhar para as planícies, podemos vislumbrar grande número de pessoas. E quando o vento serenava, Kenan conseguia com sua voz potente transmitir-lhes a minha vontade, de sorte que os mais idosos não temiam a caminhada, trazendo os frutos ainda antes do sábado.
Agora, porém, eu e mais Alguém aqui descemos milagrosa- mente e não descobrimos uma alma sequer. Por isto vos concito a procurardes em todas as direções, durante uma hora. Decorrido este tempo, voltai, seja qual for o resultado.”
Incontinenti, todos começam a busca, encontrando quanti- dade de moradias vazias com vários apetrechos caseiros, animais e
frutos, mas nem sombra de vivalma. Após meia hora, chamam os nomes de alguns; em vão, ouvia-se apenas o eco lúgubre.
Alguns subiram os montes mais próximos, sem contudo vis- lumbrar alguém. Entristecidos, tornaram a juntar-se a Adão que, diante do resultado infrutífero, começou a lastimar-se.
ASMAEL ENVIA HENOCH À PROCURA DOS FILHOS DO NORTE
Cada vez mais desesperado, Adão exclama: “Deus de Justiça e Misericórdia! Para onde levaste estes meus filhos? Se os aniquilaste, mata também o meu coração para não ser obrigado a suportar esta dor, pois foi grande tolice minha expulsá-los para este território, onde certamente sucumbiram.
Ó Asmael, onde Te encontras? Nunca o meu espírito sentiu tamanha saudade de Ti! Ajuda-me em minha horrível aflição!”
No mesmo instante, Asmael Se apresenta e pergunta com seriedade: “Como és cego, Adão! Que desejas de Mim?” Responde Adão: “Senhor, que me seja dado ver os que se perderam de modo tão estranho!”
Retruca Asmael: “Enviaste os teus filhos à procura de seus ir- mãos, sem que os tivessem encontrado. Enviarei Henoch e veremos se terá outro resultado. Se assim não for, Eu Mesmo, como último Mensageiro, chamarei todas as ovelhas e podes estar certo que ou- virão a Voz do Seu Pastor. Tu, Henoch, levanta tua voz e dize-lhes: Irmãos, vosso pai Adão aqui chegou para vos libertar de qualquer jugo e vos mostrar uma ponte nova e poderosa, pela qual podereis chegar pelo caminho mais curto diretamente à pátria paterna a fim de participardes amanhã da cerimônia do sábado do Senhor.
Este apelo deve ser feito três vezes. Quem se apresentar deve ser trazido aqui. Os que não vierem serão convidados por Mim e en- tão contaremos todos. Isto simbolizará Quem nos últimos tempos, na futura grande tribulação, convidará os atrasados à Casa Paterna.”
Sem demora, Henoch executa a ordem de Asmael. À primei- ra chamada aparece, de uma cova qualquer, um filho idoso de Adão, dizendo: “Henoch, filho de Jared, se te entendi bem, te seguirei.”
Diz Henoch: “Essa é a Vontade Daquele que te espera e a teus filhos. Tenho que repetir a chamada e obterás clareza de meu intento.” Quando Henoch faz a segunda chamada, surge também apenas um filho idoso de Adão, fazendo a mesma pergunta que o primeiro. Com a terceira e última chamada, repete-se o mesmo, um filho de Adão aparece fazendo a pergunta dos outros.
Henoch, então, diz: “Segui minha chamada e dentro em bre- ve sabereis de onde veio tal voz. Se bem que seja a de Henoch, ela é do alto. Nada mais indagueis e segui-me sem dizer-me onde se en- contram vossos familiares. Não demorará a se fazer ouvir um outro Clamador, cuja Voz será reconhecida por todos.
Se bem que minha chamada fosse autorizada, não deixou de ser estranha, por isto poucos lhe prestaram atenção. Mas, quando se apre- sentar a Voz do grande Clamador, penetrará nas profundezas da Terra. Então não mais haverá mortos ou vivos que desconheçam a verdadeira Voz e ninguém fará perguntas, pois todos O acompanharão. Vinde.”
ALEGRIA DE ADÃO COM SEUS FILHOS JURA, BUSIN E ORION
Quando Adão vê Henoch se aproximando com seus filhos idosos, seu rosto se ilumina e ele Me agradece por tê-lo achado dig- no de rever seus filhos mais velhos, depois de Caim e Abel, que se chamavam Jura, Busin e Orion. Como fizessem menção de se pros- ternar, Adão chama Seth e diz: “Vê, meu filho, teus irmãos mais ve- lhos. Traze-os para junto de mim e transmite-lhes que seu velho pai Adão não é mais um tirano, pois tornou-se um pai capaz de abraçar
até mesmo a Caim. Além disto, não só reencontraram o paraíso perdido, mas algo indescritivelmente superior.”
Seth imediatamente os orienta de tudo e os velhos começam a chorar, e Jura diz: “Como somos felizes em podermos rever mais uma vez nosso querido pai! Envelhecemos muito desde nosso bani- mento culposo. Ó Grande Jehovah, eterna gratidão Te rendemos, pois foste Tu a encaminhar tudo e a amolecer o coração de nosso pai, para que fôssemos aceitos de novo.”
Seth os conduz para junto de Adão que os abençoa, dizen- do comovido: “Quão feliz me sinto, meus filhos! Ó Asmael, quem poderia louvar-Te, pois Tua Bondade é infinita e Teu grande Amor é eterno!”
Eis que Asmael lhe diz: “Adão, percebes agora o que vale mais, o Amor ou a Lei?” De voz embargada, este responde: “Ó Tu, cujo Nome a minha língua não se atreve a pronunciar! Tu és muito mais sublime do que todas as eternidades poderiam compreender. Toda gratidão, louvor e meu amor infinito Te sejam tributados.”
ANATUREZADE JEHOVAH
Em seguida, Asmael se vira para os recém-vindos e diz: “Quem é tão medroso qual pomba e temeroso qual camundongo, a ponto de fugir ao mais simples ruído na floresta e procura se ocultar nos buracos da terra, caso alguns estilhaços se precipitem nas pla- nícies? Julgais que Jehovah Se apressa em provocar a morte de Seus filhos quando algumas pedras rolam no precipício?
Se Ele sentisse prazer em matar, esta sensação Ele teria sen- tido desde sempre, e se fosse amigo da morte, jamais teria criado o Universo. Sendo Ele o contrário de tudo isto, quer dizer, o maior Amigo da Vida, por ser Ele Mesmo a Própria Vida, e tudo aquilo que vive através de Seu Hálito se alimenta Dele — é Ele o Próprio Amor Eterno e atrai todas as Suas Obras, razão por que todas as criaturas se acham numa Ordem sabiamente organizada. Os filhos, porém, são livres no querer e agir, de modo algum presos, quando
muito ao imperativo da vida, por ser Jehovah Amigo da Vida, de sorte que eles não necessitam preocupar-se com a morte prematura, principalmente os que amam a Jehovah, depositando todas as suas esperanças Nele.
Deixai de lado o ridículo temor, pois se Jehovah vos quisesse matar, como poderíeis alcançar idade tão avançada? Virá uma épo- ca na Terra em que vossos descendentes não atingirão tantos anos como vós, no entanto haverá os que amarão Jehovah com muito mais fervor que vós. Acontecerá que até mesmo criancinhas peque- ninas serão arrancadas dos braços maternos por parte de Jehovah; no entanto, os genitores louvá-Lo-ão em sua tristeza, tudo Lhe ofertan- do, sem pensar que Ele sentisse prazer em matar.
Este foi um grave erro de vossa parte. Futuramente, sede mais confiantes e fazei crescer vosso amor para com Ele, que facilmente caminhareis por cima dos destroços do mundo. O Braço de Jehovah é Forte, e os que por Ele são conduzidos nada sofrerão de qualquer poder por Ele liberto até época determinada para sua liberdade, sen- do tal poder o da serpente.
Ficai aqui em paz, até Eu voltar. Irei como último Mensagei- ro em busca de vossos filhos, para que também reconheçam quão Bondoso e cheio de Amor é vosso tão temido Jehovah. Se bem que é terrível a Ira de Deus, um fogo que jamais se extinguirá, Deus de- positou todo Seu Poder no Amor, Sua Vida libérrima.”
CONVITEDEASMAELAOSFILHOSDO NORTE
No mesmo instante, Asmael desaparece qual raio de fogo. Eis que todos começam a louvar a Deus, enquanto os três anciãos dizem para Adão: “O discurso deste jovem nos fez grande bem; no entanto, sua incrível sublimidade pode ser comparada a um incêndio capaz de incendiar o orbe todo. Dize-nos quem é, pois não é possível que seja desta Terra.”
Responde Adão: “Meus filhos, convém refletirdes um pouco. Ele Mesmo vos informou e vos cabe aguardá-Lo.”
Eles agradecem e procuram descobrir a origem de Asmael, sem contudo encontrar algo que satisfizesse o coração. Um deles pressupõe que seja aquele anjo que no país de Euip entregara a Abel a espada flamejante. O segundo calcula que fosse o próprio espírito de Abel, e o terceiro está inteiramente indeciso. Faz-se então um grande silêncio, pois todos aguardam a chamada de Asmael. Tal ex- pectativa é fútil, pois Asmael sabe muito bem como fazer a convoca- ção apenas por Sua Palavra poderosa no coração dos que, temerosos, se escondiam. Não demora que sentissem tal chamada dentro de si, e todos, velhos e moços, acorrem para junto do grande Clamador, reconhecendo Aquele que os chamara.
Dentro de poucos instantes, Asmael está rodeado por se- tecentas mil criaturas, imediatamente abençoadas e levadas para Adão. Em vista da imensa multidão guiada por Asmael, Adão não consegue proferir palavra; até mesmo Henoch acha a expedição tão fabulosa que conjectura no íntimo: “Como pode haver tantos ha- bitantes no Norte? Se três quartas partes não foram recém-criadas, não saberei o que pensar. Talvez esteja sonhando ou então vejo cem no lugar de um.
Ó Asmael, quem poderia compreender-Te? Cada Palavra Tua contém o Infinito, Teu Hálito movimenta os mundos, assim como o meu consegue somente soprar uma quantidade ínfima de poeira so- lar de cima de minha mão. Quando fitas o Sol e todas as luminosas estrelas, elas estremecem de veneração, emitindo para a Terra, com gratidão, o reflexo suave de Tua Magnitude. Teus Ouvidos percebem os desejos mais ocultos daqueles seres que talvez surgirão sob Tuas futuras Criações. O sopro do mais invisível molusco luminoso num espaço mais distante é por Ti percebido como eu talvez percebesse o rugir de uma tempestade. Mas, que diferença existe na própria percepção! Para Teus Ouvidos tudo é harmonia puríssima — para mim, uma confusão caótica.
O suave rumor de uma fonte qualquer é para Ti uma pa- lavra profundamente compreendida. Tu entendes a brisa a vergar a erva no campo, e o lamento de uma folha em queda não passa
despercebido ao Teu Ouvido. A ode grandiosa do fragor do vento e do mar não Te é estranha; no entanto, não desconsideras o verme- zinho no pó como se fosse o único a se queixar de sua existência. Não haverá espírito que Te compreenda e aquele que pretendesse penetrar-Te se perderia na noite eterna de Tua Onipotência. Até uma gota de orvalho haveria de tragá-lo em seus abismos infindos, sem jamais encontrar o seu equilíbrio no oceano infinito de seus milagres sem par.
Por isto não hei de pesquisar mais nada, mas amar-Te, meu Deus, e em cada progresso hei de saber confessar apenas minha nu- lidade, pois todo o meu palpitar é submisso à Tua Vontade. Vivo apenas à medida que vivo em Teu Amor, por isto, somente Tu és Vivo para mim. Porventura não são todas as coisas como que mortas para mim? A pedra mais dura não é mais viva para Ti, que para mim o pássaro mais veloz? Para o Teu Entendimento a pedra não é muda, mas que representa para mim o cricrilar do grilo? Por isto, tudo é vivo para o Vivo, e morto para o morto.”
ACURIOSIDADEDE JURA
Entrementes, Asmael já Se encontra a trinta passos de Adão e convida a multidão a aguardar ali, enquanto Ele diz para Adão: “Acorda e vê o que consegue a Voz do verdadeiro Clamador. Em se- guida, conta a todos e verifica se falta algum filho teu. Antes, porém, abençoa-os.”
De coração contrito, Adão responde: “Ó Asmael, permite que faça somente a última recomendação. Certamente já os contaste e seu número deve ser exato. Eu e meus filhos só podemos louvar-
-Te, Senhor. Aceita, portanto, nossos corações como preito de amor e gratidão.”
Eis que Asmael chama Jura, Busin e Orion e lhes diz: “Há cer- ca de duas horas vosso pai se encontra nesta região sem que alguém lhe tivesse trazido conforto. Mandai buscar frutos, pão, leite e mel em quantidade.” Jura imediatamente envia os dois irmãos para casa,
enquanto se vira para Asmael, dizendo: “Jovem poderoso! De onde vens? É Adão teu pai? Talvez haja nesta Terra um outro pai original, mais poderoso que Adão, a cuja voz Sol e Lua obedeciam outrora?
Quando certa vez desobedeceu a Jehovah, ele perdeu seu po- der a ponto de sermos servos da fraqueza sem conseguirmos nos reerguer. Tu és tão poderoso qual Adão antes de sua queda e poderias orientar-me.”
Responde Asmael: “Jura, és justo, assim como também se justifica tua pergunta. Mas, considera qual teu benefício, caso o soubesses. Não posso proferir uma inverdade, e tu ainda não estás preparado para a Verdade, que te mataria antes do tempo. Tem pa- ciência, ama e teme a Deus, que teu coração receberá uma resposta a respeito Daquele que te aconselha.
Em nenhuma de tuas perguntas Eu Me enquadro, portanto toda e qualquer suposição seria falha. Deves amadurecer para veres uma Luz, ou seja a Luz de toda Luz. Vai e acompanha teus irmãos.”
Quando os filhos do Norte chegam com grande fartura e depositam os alimentos diante de Adão, Asmael abençoa tudo e os convida a se alimentarem, participando Ele Mesmo, pela primeira vez, do último cesto. Adão, então, observa: “Ó Asmael, como podes sentar-Te no final, quando Te compete o primeiro lugar?”
Responde Asmael: “Onde está em cima, e onde é embaixo? O primeiro lugar é da humildade. Ignoras que onde Se senta o Pri- meiro, Seu lugar também o é? Não te preocupes com o Meu lugar, e alimenta-te sem receio.”
OAMORDEHENOCHPARACOM ASMAEL
Adão e seus filhos começam a se saciar, após manifestarem seu agradecimento. Acontece que Abedam, Jura, Busin e Orion não se atrevem a imitá-los, inclusive Matusalém e seu filho Lamech, tampouco eram convidados para tanto. Inquiridos por Asmael do motivo daquilo, eles respondem: “Como poderíamos ter tamanho atrevimento? Onde o pai original se alimenta seria ultraje segui-lo.
Já consiste em imenso prazer e alegria podermos assistir os patriar- cas. Não te preocupes conosco, pois temos o que nos alimenta.”
Abedam ainda acrescenta: “Quem poderia sentir fome e sede em Tua Presença, grande Asmael, sendo Tu o Alimento de todas as coisas? Tu já me alimentaste para toda a Eternidade, e quem futura- mente o fizer será saciado para todo o sempre.”
Retruca Asmael: “Vossas palavras agradaram ao Meu Cora- ção, no entanto, viveis na Terra e tendes um corpo que lhe pertence e necessita ser alimentado. Ainda que Adão também se alimente, deve haver diferença entre ele e Mim, e Eu vos convidando, quem poderia excluir-vos? Vinde sem demora, pois dentro em pouco os primeiros serão os últimos e os últimos, os primeiros.” Todos se ale- gram com a aceitação do convite dos irmãos; somente Jared, Maha- lalel e Enos estão de tal maneira comovidos que não tomam conhe- cimento daquilo que os rodeia. Henoch começa a chorar de alegria e imenso amor para com Asmael e não se contém em expressar-Lhe a sua gratidão.
Eis que Asmael lhe diz: “Meu amado Henoch, quem Me procurar como tu, perceberá que Eu irei ao seu encontro em meio do caminho. Em verdade te digo: Agora acabas de encontrar a vida, a morte se afastou de ti. Teus olhos nunca hão de ver o dia da morte e teu amor venceu até mesmo tua carne e a preencheu com a imorta- lidade. Da maneira como ora és e vives, serás e viverás eternamente. Os que surgirem de ti serão conservados por Mim até o Fim de todos os Tempos e do teu tronco se cumprirá a grande promessa de modo total. Amém.”
Sumamente comovido, Henoch não consegue proferir uma palavra sequer. Asmael o conforta e diz: “Querido Henoch, sê calmo e que toda paz esteja com o teu espírito. Sei perfeitamente o que desejas dizer-Me. Quem ora e agradece como tu, em completa con- trição do coração, ora em espírito e verdade.
Quem ainda ora e agradece com a boca, tem um coração cujas fibras ainda se prendem aos galhos das árvores do mundo, e quando o vento começa a movimentá-los com força, o coração tam-
bém é excitado. Teu coração está inteiramente equilibrado e calmo diante dos ventos mundanos. Por isto, também é livre para amar ao Senhor acima de tudo, e todo o resto por meio Dele. Quem ama des- te modo, ama com justiça e o Senhor estará com ele eternamente.”
ASMAELFAZUMAPROMESSAA HENOCH
Após estas palavras, a língua de Henoch se solta a ponto de poder proferir as seguintes palavras: “Meus queridos patriarcas e fi- lhos. Olhai-me e admirai-vos, pois fui agraciado por Deus, meu úni- co amor, que abençoou o meu tronco até o final de todos os tempos. Meu próprio corpo recebeu a Graça da eternidade e minha carne jamais se deteriorará. Costumamos marcar os dias e as luas cheias com pedras e quando termina um ano, juntamos as pedras erigin- do um monumento anual. Aqui acaba de ocorrer mais que isto. Permiti-me levantar um grande monumento no local em que me encontro, para simbolizar a visita maravilhosa do Senhor, através de Asmael. Caminha entre nós há algum tempo, no entanto, ninguém se lembrou de oferecer-Lhe um louvor. Convocamos os habitantes do Norte para assistirem a comemoração do sábado e o Senhor Se encontra conosco.
O que vale mais, o Senhor ou o sábado? Onde Ele está, tam- bém está o sábado. Por isto, quero erigir um altar em honra Dele, a Quem cabe todo amor e gratidão. Trazei-me pedras lisas e limpas, ajudai-me na construção e depois buscai uma ovelha de sete meses para holocausto.
Tu, meu amado Asmael, queira aceitar esta manifestação de meu infinito amor. Que representam Céus e Terra em comparação à Tua Pessoa? Onde habitas e Te apresentas, se apresentam o próprio Infinito, a Glória eterna, a santidade de todos os Céus e mundos.
Proibiste-nos revelar-Te antes de Tua Ordem. Meu grande amor para Contigo, porém, obrigou-me a assim agir dizendo-me: Henoch, o Senhor apenas experimentou a força do teu amor. En- quanto o amor gira em círculos moderados é fácil cumprir tal man-
damento. Mas, quando se inflama, atira por terra todas as barreiras precipitando-se nos braços do ente querido. Diante disto, Tu Mes- mo hás de me perdoar eu ter manifestado diante do povo o meu grande amor. Aceita o que pretendemos oferecer-Te e abençoa o altar para todos os tempos.”
Eis que Asmael Se levanta e diz: “Quem caminha como He- noch, procura a estrada mais curta para chegar ao destino amado. Quem não fizer assim, não Me alcançará e Eu não irei ao seu en- contro. Quem sentir um forte amor no coração, porventura contará os dias para um possível encontro, ou não tomará todo momento como santificado para tal fim?
Onde se acha o sábado dos rios e córregos? Não é no próprio mar? Antes que o córrego atinja o mar ou este se tiver estendido para junto dele, o córrego não terá sossego. Seria admissível ele esperar até o dia de amanhã, se o mar lhe vier ao encontro?
Assim também Eu vim para junto de vós e ninguém veio ao Meu Encontro, com exceção de Henoch, Eu vos dei um manda- mento que cumpriste de medo de perder-Me, sem considerar que o verdadeiro e puro amor jamais há de perder algo, principalmente em se tratando do Meu Amor.
Percebestes apenas fracamente a diferença entre Mim e vós. Mas Henoch Me descobriu. Por isto, Meu filho, abençoo o sacrifício do teu coração e consagro o altar por ti erigido. Neste local tua estir- pe há de ser salva das enchentes do pecado e um neto teu reedificará este altar para um holocausto. Sê abençoado para todos os tempos.”
ASMAELDÁEXPLICAÇÃOACERCADO AMOR
Após estas palavras, também assistidas por Enos, Mahalalel e Jared, também Adão se levanta com os demais na intenção de se dirigirem a Asmael para manifestarem seu respeito e amor. Este, porém, os detém dizendo: “Ouvi a seguinte parábola: Quando o sol se projeta para a terra fértil ela se fende para assimilar mais profun- damente os raios solares e aquecer-se completamente. A areia nunca
se fende e se aquece somente na superfície, e quando o raio solar desaparece da mesma, o calor parcamente assimilado também se vai. O mesmo sucede com a pedra que se aquece fortemente, mas basta surgirem ventos frios, e ela esfria mais que os próprios ventos.
Coisa semelhante se dá com a chuva que tudo umedece en- quanto cai por terra. Quando cessa de chover e os ventos purifica- dores e secadores se apresentam, areia e pedras secam e apenas o solo fértil conserva a umidade vivificadora da chuva, alimentando a flora.
Analisai se não ocorre o mesmo em vosso coração. Tendo-
-Me reconhecido através de Minhas Ações e Palavras e pelo testemu- nho de Henoch, fostes aquecidos, tornando-vos cheios de respeito e amor para Comigo. Mas, se Eu Me tornar invisível, não sucederá convosco o mesmo que houve com o bom solo?
Há muitas horas Me encontro em vosso meio. Quem de vós teria feito o que fez Henoch? Dedicais-Me grande veneração. Os picos das montanhas também sugam o primeiro e o último raio de sol, por serem sedentos de luz. Juntando-se o calor, eles se envolvem em neblina e nuvens a fim de que não se derretam sua neve e seu gelo eternos.
Percebestes como Henoch foi aceito por Mim e desejais o mesmo para vós. Pergunto: Por acaso fui aceito assim como ele Me aceitou? Ele o fez, desde o início, por puro amor. Fizestes o mesmo? Só depois de terdes visto as Minhas Ações, fui aceito por vós. Por amor? O verdadeiro amor não age deste modo, e sim, o egoísmo oculto. Percebestes a grande vantagem da Minha Presença e, além disto, Meu infinito Poder vos inspira elevado respeito, e a vantagem subsequente — o Amor para Comigo.
Quando aqui cheguei como homem, vindo da planície em suprema modéstia, deixastes-Me deitado no pó. Quem Me ofertou todo amor e sem qualquer vantagem? Empreendestes o convite dos habitantes do Norte para a comemoração, em Nome de Jehovah. Teria sido o amor o motivo para tanto? De modo algum. Agistes por medo servil e respeito da Onipotência de Jehovah, com a devida gratidão diante da Majestade Divina.
Onde estava o puro amor, livre e somente movido pelo seu ímpeto, amando a Deus acima de tudo, dentro de si e em todas as Suas Obras? Desejais afirmar: Senhor, cremos seres Tu, Deus unica- mente Verdadeiro, Santo, Eterno e Poderoso, cheio de Amor, Mise- ricórdia e Graça.
Digo-vos: Quem não crê no puro amor de seu coração, não pode considerar sua fé, que nada vale para Mim. Podeis exclamar inúmeras vezes: Ó Jehovah, Deus Poderoso, Santo, Misericordioso, Senhor, Criador de todas as coisas, querido Pai etc. — no entanto, seria melhor poupar vosso esforço neste sentido, pois tais fúteis ex- clamações de fé nunca atingirão os Meus Ouvidos. Tudo isto é inútil e tal criatura não será considerada por Mim eternamente. Suas pre- ces hão de bater em ouvidos de aço e todos os Céus estarão fechados com trincos de metal até que desapareça a última gota egoísta, seja qual for o motivo.
É preciso amar-Me como uma noiva ama com pureza o seu noivo, onde se atraem apenas os corações. Tudo que fica acima ou abaixo disto se torna um peso para o amor liberto, razão por que não consegue elevar-se até o Meu Coração. Aquilo que se encontra debaixo do amor, atrai-o para o abismo lamacento. O que se acha acima dele, oprime-o até o solo e tanto o sobrecarrega que o enfra- quece, não podendo erguer-se jamais. Assim também o amor deve ser puro, para não ser forçado a nada, elevando-se livremente, e com sua própria força consiga eleger e abraçar o seu preferido, de quem jamais há de soltar.
O conhecimento de Deus é o despertar do amor, sem amá-
-Lo. Amar a Deus quer dizer viver inteiramente Nele. O conheci- mento jamais há de vivificar alguém e abrir-lhe as portas santificadas do Amor eterno, portanto da Vida eterna, e sim, unicamente o puro amor para Deus e em Deus, sem o menor egoísmo. Analisai, pois, vossos corações e só então vinde a Mim.”
Este discurso de Asmael, feito com grande ênfase, atira a to- dos em grande pavor e não havia quem socorresse o próximo com palavras de conforto. Dá-se um grande silêncio no qual cada um procura uma justificativa, mas o coração empobrecido nada conse- gue realizar.
Depois de algum tempo, Adão se dirige a Asmael, num tom suave, porém sério: “Asmael, sejas homem ou a Divindade Suprema, isto não me afeta de modo algum. Caí no caminho difícil da Von- tade Divina e não mais posso me erguer. Sempre quis palmilhar o caminho justo e procurei evitar toda e qualquer pedra de escândalo. No entanto, não fui eu o autor da Terra sinuosa e acidentada, pois é Obra de Deus. Mas, se vez por outra cometi enganos como primeiro homem da Terra, seria possível que tais deslizes me fossem credita- dos como peso mortal? Se meu coração se transformou em areia ou pedra, não haverá um meio de transformá-lo em solo fértil?
Se sou criminoso declarado, porventura o Coração de Deus não alimenta Misericórdia para tais faltosos? Segundo Tua Admoes- tação, não há quem se salve diante de Deus, com exceção de Heno- ch. Como se pode amar a Deus sem prefixar uma ideia Dele, de Sua Onipotência e quão enorme é a diferença entre Ele e Suas criaturas mais perfeitas! Exiges algo impossível de nós. Se em Tua Perfeição não admites esta impossibilidade, não podes impedir que eu o per- ceba nitidamente.
Se agora fazes tamanha exigência em Nome de Deus ou como a Própria Divindade, porventura não se justifica se Te pedi- mos os meios que nos possibilitem cumprir Tua Vontade? Por certo deduziste de minhas palavras e de meu coração que não nos falta boa vontade. Não tomes a mal esta minha expansão. O Onipotente sempre há de encontrar recursos, enquanto o verme no pó só con- segue se dobrar quando for pisoteado pela pata do ginete fogoso. Considera minhas palavras e reflete sobre nossa situação de criaturas impotentes, ao lado do Criador Infinito e Eterno. A relação entre a
impotência destinada à liberdade e o Poder Eterno e Absoluto é in- descritível. Ajuda-nos, se ainda houver possibilidade para tanto, em vez de pisar os que já são pisoteados. Melhor seria exterminar-nos inteiramente do que martirizar-nos cada vez mais.”
ADÃOÉCORRIGIDOPOR ASMAEL
Algo irritado com as palavras de Adão, Asmael retruca. “Adão, Adão, tua tolice cresceu e se tornou forte. Sendo tu pai destes e de outros filhos a habitarem a Terra, pergunto: Que farias com um filho que, após um grande e importantíssimo ensinamento acerca de graves erros livremente cometidos contra tuas ordens sábias, te respondesse da seguinte maneira: Como exiges algo que não posso realizar? Teria culpa de fazer o que faço? Não surgi de ti, e de ti não recebi uma existência tão miserável e cheia de enganos?
Se faço algo errado, trata-se do teu erro porque não nasci mais perfeito. Considera-te satisfeito conforme sou e não exijas de mim o que não é possível. Se todavia me queres diferente, poderás exterminar-me e reproduzir-me melhor, ou desistir de uma segunda criação, caso te fosse impossível. Jamais te serei grato por uma exis- tência tão miserável.
Que não exista o que nada foi, pois é melhor não ser do que desfrutar a teu lado uma vida infeliz e limitada. Por que pretendes melhorar-me, se sou como sou? Se me tivesses produzido melhor, também seria melhor. Sendo como sou, és tu o culpado. Melhora a ti mesmo e depois trata de minha melhoria.
Adão, dize-Me, que sentiria teu coração paternal diante de tal objeção de um filho teu, aliás um dos primeiros? Amaldiçoaste o arrependimento de Caim. Que farias com um filho que não so- mente matasse teu irmão, mas te amaldiçoasse pretendendo matar o teu espírito?
Silencias como um camundongo que pressente o gato, to- davia pretendias, como filho original, fazer-Me a mesma objeção. Segundo teu conceito, Deus e o homem te são iguais. Aliás não te
deve preocupar quem ora fala contigo, se Deus, teu Pai, ou um ho- mem semelhante a ti. Não foste tu a te criar, mas um Deus invisível e inteiramente desconhecido. Se Ele te fez tão miserável e capaz de pecar, que Se conforme contigo, não exigindo desta obra corrupta que se apresente mais perfeita.
Observa se teu coração não reage desta maneira. Apresentas a trilha da Vontade Divina dificilmente observada no planeta tão sinuoso e tua boa vontade de respeitá-la à medida do possível. A culpa de tua queda atiraste sobre Meus Ombros, e Eu errei, não tu, por te ter criado assim. Deveria existir um meio que te capacitasse a agir dentro da Vontade Divina. Esta afirmação de modo algum pode ser do Agrado do Pai Amoroso e Santo.
Clamas por Misericórdia. Que mais poderia Eu fazer além de vos procurar como Homem e Pai, ensinando-vos o verdadeiro amor e a sabedoria e vos guiando pela Própria Mão sobre o planeta pedre- goso, para o futuro aperfeiçoamento? Não sou Eu Mesmo a máxima Misericórdia, o máximo Amor e o Meio mais seguro?
Deveria Eu transformar-vos em máquinas? Tolo ignorante, se ao menos quisesses ver a realidade, perceberias a grande perfeição em ti, a ponto de te encontrares tão elevadamente acima de todos os outros seres, podendo errar livremente, no entanto, também cami- nhar sem enganos, como Henoch. E ainda assim Me acusas de teres surgido de Mim como obra corrupta? Vê a que ponto te excedeste.
Afirmas Eu exigir algo impossível de vós. Pergunta a Heno- ch, pergunta a toda esta multidão se realmente assim é. Tu mesmo procuras um Deus Infinito, queres realizar o impossível, depositar o Infinito nos próprios ombros. Mas, o Pai Que ora fala contigo cheio do mais elevado Amor, a Este queres menosprezar, negar e fugir.
Realmente, a existência ao lado de um Deus conforme tu O imaginas e veneras, seria não somente miserável, porém pior que a de um verme pisado, digo mais, seria até mesmo impossível por parte do teu Deus imaginado. Pois tal divindade não só seria incapaz de produzir uma criatura incorrupta, mas sua situação seria mais precária que a tua, que não podes nem ao menos criar um átomo.
Se Eu vos admoestei na fútil pesquisa de um Deus inexis- tente, indicando-vos o Único Amor do Pai, ou seja, Eu Mesmo des- de Eternidades, e sempre o serei, porventura formulei uma exigência impraticável? As próprias criancinhas cumprem rigorosamente esta exigência facílima porque amam o seu pai acima de tudo, sem pedir contas, e fazem-no por ser o pai. Dize-Me, Adão, Meu filho, terias tu exigido mais de teus filhos?
Se nada mais peço como Pai e vos detenho de tudo que possa dificultar a vida e trazer-vos a morte inevitável, por acaso sou como tu Me descobriste dentro de ti? Aprende a conhecer melhor o Pai e quão pouco Ele exige de ti. Em seguida vem para Me dizer se sou Deus ou Pai. Põe teu coração em ordem e resolve algo melhor. Não sou um Pai que amaldiçoa a Caim.”
TRANSFORMAÇÃODE ADÃO
Com esta advertência, que para Adão teve o mesmo efeito de um submergir da Terra no imenso mar de fogo solar, ele se trans- forma não só em cera, mas num óleo purificado, bálsamo para toda sorte de feridas, de sorte que pede permissão para fazer uma nova confissão perante todos os filhos.
Eis que, então, principia: “Poderoso, Santo e Amoroso Se- nhor, Pai, Deus Jehovah, Que Te apresentas através de Asmael! Fui eu quem Te deu o nome de Asmael e Tu ficaste alegre por teres recebido um Nome dos filhos de Deus, que julgávamos sermos os únicos. Naquele tempo eras mais ou menos um estranho, pois Te destacavas apenas pela incrível retórica que alegavas ter aprendido pelo espírito de Abel, meu filho.
Agora percebo o seguinte: Da noite surge o dia, e a noite sente saudade do dia e vice-versa. Quem seria capaz de caminhar du- rante a noite? Todavia, pode qualquer um cerrar seus olhos durante o dia, e esta noite será mais trevosa que ela própria.
Tal era a situação comigo e com quase todos, razão por que nada víamos, nem percebíamos. Nesta cegueira Te demos um nome
que teria servido a nós todos se não estivéssemos tão cegos e surdos. Como poderias Tu procurar Aquele Que és desde Eternidades, e sempre O serás?
Nenhum de nós entendeu quando dizias que vieste das pro- fundezas. Suponho que eu, e espero os demais também, compreen- demos a noite pavorosa e o abismo lodoso dentro de nós. Dizias que Abel Te havia conduzido aqui e soltado a Tua Língua; — como po- díamos entender tal pronunciamento? Agora que acabas de abrir o ouvido de nosso coração, sentimos quão cegos e surdos éramos, por isto a Palavra do Teu Amor Paternal soava como a de um estranho, enquanto falavas com toda clareza.
Mas, que representa ao cego a mais luminosa aurora e ao surdo o trovão mais forte? Agora reconheço que ambos estão in- teiramente mortos. Se não existisse a sensação dos sentidos, seriam idênticos às pedras em cuja fronte ênea os ventos se cansam.
Também nós éramos quais pedras mortas, caídas em qual- quer abismo. Tu nos colheste e nos depositaste no grande fogo do Amor Paternal. Nós, pedras, fomos transformadas neste terreno santificado, tornando-nos cheios de vida. Reconhecemos, portan- to, que Abel, isto é, o amor e o temor divinos, Te conduziram até aqui, libertando nossa língua para chamar-Te de Pai, em espírito e verdade.
Meus filhos, Aquele a Quem ignorantemente chamávamos Asmael, é Jehovah, Deus o Eterno desde sempre. A partir de agora, porém, será Emanuel, e para os que têm o coração cheio de amor, Abba, querido e santo Pai. Ó Emanuel, não mereço que me ocorra o mesmo que a Henoch, preenchido de Amor de Ti. Concede apenas isto: Que todos nós consigamos amar-Te cada vez mais até o fim de nossos dias, podendo assim chamar-Te Abba, Abba, Abba.”
Eis que Emanuel se dirige a Adão e a todos: “Agora, Adão, acabas de falar com justiça e verdade. Lembrai-vos todos, que aqui vim como escravo fugido das planícies de Lamech, com ajuda de Abel. Não seria Eu simples mentiroso se assim não fosse realmente? Tu mesmo te confessaste cego, mudo e isento de sentimentos, razão por que nada percebias das coisas da Ordem divina. Se Eu tivesse vindo como Emanuel, onde estaria vossa existência?
Vim aqui na figura que correspondia a vós mesmos para que, como criaturas frias, vos pudésseis aquecer em Mim, Abba Emanuel. Se bem que ontem te fizesse uma grande promessa, Me reconheceste como em um sonho, pois teu coração estava envolto de areia e pe- dra, e de manhã só ficou uma simples recordação.
Preparei Henoch para intérprete, mas suas palavras foram apenas admiradas, porque vosso coração não as entendia. Todos vós procurastes a Verdade, todavia cada um pretendia ser sábio guia do outro, para demonstrar seu profundo saber.
Quando de manhã julgáveis terminar tudo, vim como estrela luminosa a fim de provar que vosso coração também se achava so- terrado na areia, assim como Eu Me arrastava no pó diante de vós. A estrela luminosa caminhou do Sul para Leste e de lá para o Norte, e vosso coração Me classificou intimamente de mentiroso.
Fora preciso que um tigre aqui Me transportasse e assim vos arrancasse de vosso tigre interior. Na região das sete pedras, cujos picos jorram torrentes de água, o meigo, vos ensinou a humilda- de. À noite, a estrela projetou fulgores mais fortes, havia raios e trovões, e poucos mortos ressuscitaram, libertando-se da podridão. Houve debate intelectual impedindo que a claridade da estrela fosse percebida.
A estrela enxotou o tigre, fazendo silenciar vosso orgulho — a velha serpente. Esfregastes os olhos porque a luz da estrela era muito forte e o calor de seu fogo foi demais poderoso, razão por que Matusalém e Lamech eram malvistos.
Finalmente chegamos à parede de pedra do vosso coração. Raio e trovão da estrela a fizeram ruir e reconhecestes o grande abandono de vossa existência psíquica. Chamastes pela vida e havia pouca possibilidade de reencontrá-la. Então percebi vossa grande aflição, fiz Minha Chamada e trouxe de volta vossos irmãos.
Ainda assim a estrela te era estranha, Adão. Continuavas a Me chamar de Asmael, embora tivesses tantas provas. Agora que acabas de Me dar outro nome, ouve: Esta última prova será a pri- meira, e a primeira será a última e no futuro os teus descendentes não passarão como tu. Hão de morrer de raiva os habituados a raios e trovões, quando Eu chegar de manhã. Entendei-o bem.”
EXCESSIVOAMORDELAMECHPARA EMANUEL
Depois desta explicação todos agradecem a Emanuel, ou seja, Abba, não tirando os olhos de cima Dele, não obstante não tivesse modificado em nada sua figura. Intimamente cada um con- jectura, inclusive Henoch: “Eis Aquele de Quem tanto se tem fa- lado, Deus, o Eterno, Onipotente Criador de todos os mundos e coisas, verdadeiro e único Pai de todos os homens, cheio de amor e misericórdia.
Bastaria Ele querer, e todos nós desapareceríamos como se nunca tivéssemos existido. E este Deus, Todo Poderoso, Se encontra entre nós, como Emanuel.”
O jovem Lamech diz então para Matusalém: “Tinha vontade de me desfazer de amor, e se tivesse coragem O abraçaria para jamais soltá-Lo. Achas que isto seria pecado ou desatino? Vê só como Se dirige a um e a outro, com tanta amabilidade. Até mesmo as pedras por nós trazidas Ele ajuda a organizar com Henoch.
Ele é por demais Santo e Bom, mas meu amor é mais pode- roso e não consegue deter-me. Talvez não perdure em nosso meio.” Com estas palavras, Lamech faz menção de se dirigir para Emanuel. Matusalém o detém, dizendo em surdina: “Considera o que pre- tendes fazer e Quem é Emanuel. Meu coração vibra de amor, mas
Deus deve ser amado de modo diferente, quer dizer, com a máxima veneração e respeito, e no silêncio.
Não ouviste falar que Ele só considera o coração e nada mais? Faze o que seja da Vontade Dele e não esqueças do alto respeito que Lhe devemos, ao lado do mais poderoso amor.”
Retruca Lamech: “Pai, podes alegar o que quiseres que não conseguirás saciar o meu amor para com Asmael. Nunca o teu fi- lho te desobedeceu, mas desta vez quebrarei a obediência e agirei conforme manda o coração. Não me detenhas.” Arrancando-se de Matusalém, Lamech corre para junto de Asmael que, todavia, dá a impressão de não o perceber. Tomado de receio e de amor profundo, ele não se atreve a tocá-Lo, conjecturando que talvez tivesse cometi- do um erro pela desobediência.
Ao mesmo tempo conjectura: “O amor puro, incorrupto e altruísta para com Deus não seria mais livre, elevado e santo do que as exigências humanas poderiam imaginar? Deve ser muito mais, infinitamente mais, por ser seu objetivo superior a todas as criaturas no mundo!”
Neste instante, Emanuel Se vira e Lamech silencia, chorando de amor. Diz, então, Emanuel: “Querido Lamech, que se passa con- tigo, por que choras?” Surpreso, Lamech responde: “Ó Emanuel, Abba, como podes perguntar-me, Tu a Quem o pensamento mais oculto já é conhecido eternidades antes de ser pensado por alguém? Conheces as necessidades de cada erva e certamente não Te ficou despercebida a doce aflição de meu coração. Perdoa se o meu amor desmedido Te desagrada.”
Responde Emanuel: “Caro Lamech, teu pai está triste devido à tua desobediência. Porventura é justo ofender-se o genitor?” Re- truca Lamech: “Ó Emanuel, poderia afirmar que todo e qualquer filho que magoasse o pai deveria ser amaldiçoado. Mas sabes que nunca mereci tal maldição. Agora, porém, que Tu, nosso verdadeiro, eterno e santo Pai Te encontras em nosso meio, meu coração não se deixou dominar, tornando-me desobediente na esperança que ve- nhas reparar a minha falta junto ao meu pai.”
Diz Emanuel: “Que farias tu, se considerasse o teu erro a ponto de te afastar de Mim, do Meu Amor e Graça?” Algo entris- tecido, Lamech responde: “Somente Tu podes ver e julgar o nosso coração. Posso ter errado. Mas sou cego e não percebo meu engano, pois por amor a Ti abandonaria não apenas meu pai, mas também todos os patriarcas e o mundo inteiro. Podes punir-me, no entanto meu amor não diminuirá até que eu mesmo seja extinto perante Ti, meu Santo Pai. Nada exijo de Ti, além de que permitas eu Te amar. Henoch foi por Ti imortalizado por seu amor. Não exijo esta Graça de Tua parte e nem o mereço. Deixa-me morrer enquanto puder amar-Te. Perdoa minhas palavras, pois não sou responsável que o meu coração me obrigue a pronunciá-las. Amém.”
Eis que a Face de Emanuel Se ilumina qual sol, levando todos a se prosternarem no solo. De olhos voltados para o Céu, Ele diz: “Ó Amor, puro, santo e eterno Amor, venceste e serás eter- namente vencedor. Céus, sol e terra, todos vós passareis, inclusi- ve toda majestade, brilho e glória. Mas tu, santo Amor, subsistirás eternamente.
Levanta-te, Lamech, acabas de vencer. Conseguiste vencer teu Deus e Pai. Somente agora podes Me amar com todas as tuas for- ças, pois lutaste com teu pai e Comigo, por Mim, e desejavas morrer por causa do Meu Amor. Vem, pois sou tua prenda de vitória.”
Abraçando-se aos pés de Emanuel, Lamech diz: “Ó Emanuel Abba!
Deixa-me morrer agora, pois meu amor foi recompensado, meu coração só pede isto. Amém.”
Erguendo Lamech do solo, Emanuel o aperta contra o pei- to e diz: “Lamech, julgas poder morrer em tal amor para Comigo? Céus e Terra desaparecerão, mas tal amor, jamais. Amor como tu o sentes é justamente a Vida eterna e imutável. Abençoo-te para que Henoch e os demais vejam que cumpro Minhas Promessas. Terás um filho, salvador do povo, e os animais por ele considerados serão poupados. Há de ser ele quem reedificará este altar, ora construído por Henoch. Como pretendes morrer por Mim, por amor, Eu farei
o mesmo por teus descendentes, para que sejam todos salvos para a Vida eterna. Ficarás Comigo e Eu contigo eternamente. Amém.”
EMANUEL CRITICA A APARENTE GRATIDÃO DE MATUSALÉM
Percebendo a maneira pela qual seu filho fora aceito por Emanuel, Matusalém se aproxima e agradece pela graça conferida a Lamech. Mas Emanuel retruca: “Por que agradeces por algo de que não participaste? Aguarda a tua vez e só então agradece. Não retiveste o teu filho quando ele pretendia se achegar de Mim? Te- rias ficado satisfeito se Eu o tivesse recusado. Como não o fiz, vens agradecer contra o teu sentir. Tal agradecimento não é livre, mas obrigatório. Quem quiser apresentar um sacrifício de gratidão, deve ter o coração livre como o amor, pois a gratidão é fruto do amor. Quem agradece de modo diferente ao seu sentimento, apresenta um fruto sem semente. Põe o teu coração em ordem e depois oferece teu sacrifício, e se estiver sem mácula, Eu o aceitarei.”
Entristecido com as palavras de Emanuel, Matusalém pensa
o seguinte: “Ó Emanuel, é duro e difícil viver-se Contigo. Exiges uma pureza de coração que supera tudo que a sabedoria humana pudesse imaginar.” Diz Emanuel: “Agora teu coração falou em ver- dade, e isto vale mais que teu fruto imaturo de gratidão. De fato, os sábios e inteligentes do mundo hão de se escandalizar Comigo. Mas, as criancinhas brincarão com seu Pai, o que será de muito maior agrado Dele. Faze o que te aconselhei.” Eis que Matusalém começa a pesquisar seu coração, encontrando-o tão cheio de detritos que se apavora, querendo fugir e se esconder em qualquer cantinho da Terra. Novamente Emanuel o impede, dizendo: “Queres fugir e te esconder diante de Minha Face, mas não hás de encontrar um pontinho em todo o Infinito que fosse estranho ao Meu Olhar. Se fores até o fim do mundo, lá estarei. Se quisesses submergir nas pro- fundezas do mar, julgas Eu não estar lá? Enganas-te muito, pois os seres marítimos também se nutrem de Minha Mão. Tudo isto é em
vão. Fica onde estás e purifica teu coração, para que te possa ajudar.” Então, Matusalém ficou e chorou sua tolice.
Durante esta palestra, que provocara grande transformação em todos os corações, o altar ficara pronto, a madeira tinha sido pos- ta em forma de cruz, e uma ovelha estava preparada para o sacrifício. Cheio de amor, Henoch se dirige a Emanuel e diz: “Senhor, está tudo pronto. Como desejas que este sacrifício seja oferecido como prova visível para a carne pecaminosa?”
Responde Emanuel: “Está tudo preparado, no entanto falta algo que significa tudo para Mim e sem o que o sacrifício não teria valor. Vai providenciá-lo.”
HENOCHESTIMULAOAMORDOS PATRIARCAS
Sabendo perfeitamente o que ainda faltava, Henoch diz aos patriarcas: “O altar está preparado, puro e santo, pois Deus Mesmo ajudou minhas fracas mãos. A madeira e a ovelha esperam seu subli- me destino, quer dizer, tudo está pronto, com exceção de vós.
Tu, Adão e Eva estais preparados, pois sois uma só carne. Mas, onde estão Seth, Enos, Kenan, Mahalalel, Jared e Matusalém? Estão presentes, mas seus corações estão ausentes; no entanto, de- viam estar presentes no verdadeiro e puro amor, por estar o Amor do Pai visivelmente conosco.
Seth, quando eu me manifestava, eras tu o primeiro a aceitar as minhas palavras, procurando aplicá-las. Agora que o Próprio Se- nhor caminha entre nós e fala com tanto amor a ponto que as pedras poderiam se transformar em bálsamo e a fauna estremece de excessi- vo êxtase diante Daquele Que nos ensina tais coisas sublimes, agora silencias como se o assunto não te dissesse respeito e procuras entre- ter-te com novos milagres. Mas, ofertar no coração um verdadeiro sacrifício de amor para o Senhor, para tanto te tornaste por demais preguiçoso. Levanta-te, prepara o teu coração e depois procura Ema- nuel para que te aceite como aceitou Adão, Lamech, Abedam, Jura, Busin e Orion e muitos outros — e finalmente também a mim.”
Muito assustado, Seth corre junto de Emanuel e Lhe pede Graça e Misericórdia. Este lhe diz: “Como mandei-te chamar, vieste e podes ficar. No futuro só permanecerão os que vierem sem serem chamados, dizendo em espírito e verdade: Abba, Abba, Abba! Tua Santa Vontade Se faça! — Entende-o bem e sê puro.”
Quando Henoch faz menção de repetir a chamada para os outros, estes respondem em uníssono: “Não nos chames, pois tua chamada é pior que a morte. Percebemos a imensidade de nossa cul- pa e não merecemos tua chamada. Intercede por nós junto ao Santo, cujo Nome não somos dignos de pronunciar, e pede-Lhe Graça e Misericórdia para nós.”
Henoch lhes responde: “Que tolice é esta? Eu, a imperfeição em pessoa, que há pouco ressurgi pela imensa Graça e o Amor do Se- nhor, seria mais misericordioso que Emanuel, o máximo Amor, Mei- guice e Paciência para com todas as fraquezas? Meu maior benefício para convosco seria apenas maldição comparado a um Olhar Dele.
Abri vosso coração, pois não sou eu, mas Ele, o Santo Pai, a vos chamar através de minha boca. Dirigi-vos para onde se en- contram Amor, Vida e Misericórdia, e não queirais minha inter- cessão.” Todos se aproximam de Emanuel, confessando sua culpa e pedindo perdão.
Ele os fita e diz: “Por que temeis o Pai mais bondoso e, no en- tanto, não tendes medo diante dos homens cuja bondade lhes vem de Mim, enquanto todo o mal e o erro que praticam é propriedade deles? Julgais Eu Me deixar influenciar pelos homens para demons- trar serem eles mais bondosos que Eu?
Teria Henoch mais amor que Eu, que Me obrigaria a vos perdoar vossa culpa? Tolos, também sois pais e amais vossos filhos, muito embora sejais cheios de maldade. Quando teria um estranho amado vossos filhos mais do que vós? De quem havíeis de atender o pedido, do próprio filho ou de um intermediário? Como podeis pensar tal coisa de Mim? Modificai vosso modo de sentir e consi- derai que somente Eu sou Pai de todos, e vós, filhos de Um Só Pai, tendo um direito sobre Ele.”
Tomado de profundo amor, Seth se levanta e diz: “Ó Ema- nuel, perdoa nossa terrível frieza. Os Teus extraordinários milagres amorteceram nosso sentimento, e os discursos de Adão e Henoch e suas vantagens sobrecarregaram nosso espírito de natureza pregui- çosa, não podendo assimilar Tuas Maravilhas Divinas. Por isto, su- cumbimos psiquicamente e entregamo-nos a Henoch, para que nos explicasse com mais facilidade o que escapava ao nosso entendimen- to. Todavia, uma orientação de Tua parte nos demonstrou que esses motivos não eram responsáveis, e sim nossa vontade fraca. Desperta nossa vontade ainda morta e fortifica nossos corações ainda fracos, para podermos assimilar Tuas Palavras e amoldar nossa vida sob tal orientação.”
Diz Emanuel: “Seth, Eu vos purifico em virtude da verdade de tua confissão, pois vossa verdade é desnuda como vós perante Mim. Vesti vosso coração com amor desinibido para Mim a fim de vos tornardes vivos. Posso vos dar tudo, mas não posso transmitir a ninguém o amor liberto para Comigo; e se assim fizesse, que amor seria esse? Nada mais que uma atração estranha que vos obrigaria a amar-Me contra a vontade. Eu vos criei para homens livres, cada qual com sua parte de amor, que faculta a vida em vós. É preciso abraçar-Me com este sentimento, que tereis realizado a Vida verda- deira. Cada um recebeu de Mim uma parte justa, assim como cada semente recebeu um gérmen do amor. Quando a semente é deitada no solo, é ela envolta pelo orvalho do amor que destrói e liberta a carne a envolver o gérmen. Uma vez livre, ele começa a sugar com avidez o elemento vital, cresce e finalmente rompe o solo para a luz solar. Em tal liberdade se fortalece e do gérmen inicialmente quase invisível surge uma árvore possante, cheia de vida e de frutos. Perguntai-vos se o mesmo não ocorre com vosso amor, verdadeiro gérmen da vida em vossa carne, ou seja, a matéria da semente. Meu Verbo e Meu Amor são o orvalho e agem convosco como fez a se- mente no solo. Aceitai-os para que destruam vosso mundanismo,
libertando vosso amor, a vida verdadeira. Somente em tal vida vos tornareis árvores frutíferas, fazendo o que seja útil para a vida. Por ora não tendes outra tarefa senão vos libertardes no verdadeiro amor para Comigo, vivificando-vos em Mim e por Mim, vosso Pai eterno e santo. Dirigi-vos para o lado direito do altar para observardes em vós o sacrifício de Henoch e deixai aquecer na chama santificada vossos corações ainda fracos para o amor.” Depois de tudo devi- damente organizado, Adão se aproxima de Emanuel e diz: “Certa- mente ainda continuarás conosco também no dia de amanhã para santificar o sacrifício, pois os filhos do Sul, Leste e Oeste ainda não Te conhecem. Como ficarão felizes ao poderem ouvir uma palavra de vida de Tua Boca Santificada! Tua Santa Vontade seja feita.” Diz Emanuel: “Tua preocupação não é fútil por seres pai de todos. No entanto, existe algo que toca a vaidade externa e se prende à Minha Pessoa Visível, oculta em um semelhante vosso. Julgas Eu ser menos Presente e menos disposto a vos ajudar porque sou Invisível?
Digo-te ser melhor para cada um não poder Me ver, mas apenas sentir no próprio coração. Minha Presença visível é uma co- ação, enquanto que invisível recebereis a liberdade de vossa vida. Ninguém pode chegar à vida eterna através de uma obrigação, mas apenas pela liberdade, o puro amor para Comigo.
Seria tragado por Mim aquele que ficasse em Minha Presen- ça, pois o fogo de Meu Amar é tão infinito a ponto de ser insupor- tável para um ser mortal, embora criado para a imortalidade. Quem Me procurasse livremente após Me desejar no coração, automati- camente se firmaria de tal maneira que Eu não o tragasse, mas o aceitasse para a eterna contemplação de Minha Glória e livre posse dos eflúvios de Amor e Graça infinitos. Todavia, estarei amanhã vi- sivelmente Presente, por um momento, para todos os teus filhos.”
Profundamente grato, Adão volta para o seu posto. Em se- guida, Henoch se dirige para Emanuel, dizendo: “Agora está tudo em ordem, e caso fosse de Teu Agrado atearia fogo no altar para oferecer-Te e a nós todos a ovelha e os frutos.”
Retruca Emanuel: “Não sinto fome nem sede e não conse- guirás proporcionar-Me uma satisfação com o sacrifício, pois o sa- crifício mais agradável é um coração arrependido, que Me procure com todo amor. Todavia, podes dar início à cerimônia, uma vez tudo preparado.”
Incontinenti, Henoch deita o animal vivo sobre a lenha e mata-o. Adão protesta, alegando não ser conveniente derramar-se o sangue em cima do altar, ao que Emanuel responde: “Adão, não te preocupes com a atitude de Henoch, pois ele faz o sacrifício a Mim e não a ti. Por que te aborreces com aquilo que Me agrada? Como prova do Meu Agrado afirmo que futuramente o Supremo prestará o maior sacrifício para o Altíssimo. Entende-o bem.”
Algo surpreendido, Adão diz: “Ó Emanuel! Porventura existe mais um Altíssimo além de Ti?”
Responde Emanuel: “Disse e repito: além da carne existe muita coisa oculta, todavia não o verás enquanto encarnado. O tem- po é mestre da carne. Mas o espírito o compreenderá tão logo voltar de onde surgiu.”
Entrementes, Henoch submete algumas pedras a um forte atrito em cima de palha pulverizada com resina seca. Conquanto fosse perito no assunto, não consegue atear fogo, por isto diz para Emanuel: “Senhor, desta vez não posso fazer fogo, permite que o consiga.”
Responde Emanuel: “Podes estar satisfeito que o fogo não te obedece, pois é melhor ser senhor de seu coração do que perito incendiador. Do mesmo modo, prefiro uma pessoa que eleva seu co- ração para Mim a alguém que através de discursos temperamentais consegue levar milhares para junto de Mim, enquanto perdura qual
oferenda fria, não havendo fogo de amor e sim apenas inteligência fria. — Se, entretanto, não obténs resultado com o fogo, dirige-te a Lamech. Às suas mãos, as pedras darão aquilo que te negaram. Podes ficar Comigo.”
Com força e destreza, Lamech esfrega as pedras, provocando tamanho fogo que se comunica à lenha e à ovelha. Percebendo a admiração e os elogios dos presentes, ele diz: “Que se passa convos- co? Quem é Emanuel e Quem tem e dá o fogo? Dai louvor e honra a Quem merece. Não estando certos a Quem oferecê-los, digo que somente Deus é digno de tanto e sempre o foi e será.”
Virando-Se para Lamech, Emanuel diz: “Quase te excedes com o fogo e não seria aconselhável entregar-te raio e trovão. Sob teu regime a Terra dentro em breve estaria vitrificada e onde o raio solar mais luminoso derrete a areia, cobrindo as margens dos córre- gos, nada mais seria produzido.
Por isto é melhor aplicar meiguice, calma e paciência a cada palavra e ação, pois são o melhor alimento terrestre. A semente lan- çada em tal solo produzirá em breve a mais rica colheita para Mim. Quem usa espada e cacetes, emite raios e trovões, quase sempre fere e mata, e seu campo não apresentará abundância de frutos. Quem costuma empregar meiguice, calma e paciência, umedece as plan- tas de seu campo tão logo os raios solares secam a terra. Tu mes- mo poderás julgar em que campo dentro em breve se apresentará a plenitude da bênção divina. Sê também tu sempre meigo, calmo e paciente para com todos, que hás de te rodear de corações que serão abençoados pela vida.”
PALAVRASDEDESPEDIDADE EMANUEL
Reconhecendo o seu engano, Lamech pede perdão a Ema- nuel e aos patriarcas, que também consideram a advertência feita por Este. Emanuel então abençoa o sacrifício de Henoch e diz: “Se bem que não sinta agrado neste sacrifício e sim somente naquele cujo coração o preparou, Eu o abençoo para memória de um sacri-
fício que um dia será feito para salvação de todos os mortos e vivos. Por isto deverá ser considerado até o fim de todos os tempos, com o preparo da ovelha e o pão.
Ai dos que resolverem efetuar uma modificação, pois presta- rão um sacrifício não a Mim, mas ao detrito do mundo, assemelhan- do-se ao mesmo. Teu sacrifício, Henoch, foi por Mim abençoado, de sorte a se tornar vivo, e desta ovelha surgirá uma outra, grande, viva e forte que tomará nos seus ombros todas as fraquezas do mun- do, abrindo as portas da vida eterna para toda a matéria.
Daqui por diante não vos darei qualquer mandamento, pois eles servem apenas para servos preguiçosos. Quem vive segundo os mandamentos é escravo que deseja ser julgado em todas as suas ações, estando sem liberdade no coração. Trabalha porque o traba- lho lhe fora imposto, pois sem imposição jamais teria considerado necessário qualquer trabalho. Quando ama, o faz porque o amor lhe fora obrigado. Seu coração não sente a necessidade e a santidade do amor e sua vida eterna, mas apenas a pressão do mesmo. Por que? Por ser escravo do abismo lodoso em todas as coisas.
O coração da criatura livre bate livremente, seus pulmões respiram sem impedimento e não existe lei que impeça a circula- ção sanguínea. O livre amor para com Deus a transforma em fi- lho do Altíssimo. Em tal caso, ainda poderia ser filho dos homens? Como filho de Deus certamente terá dentro de si aquilo que sempre é santo e idêntico Àquele que é seu Pai, portanto é divino e inteira- mente livre.
Por isto afirmo, que tendes um coração livre amando-Me com liberdade, que também sois deuses assim como vosso Santo Pai o é desde eternidades, através de Seu Próprio Poder.
Este é o motivo pelo qual não vos dou qualquer mandamen- to e vos demonstro somente o amor verdadeiro, livre e vivo para Comigo, como fonte original de toda vida, para que a useis em espí- rito e verdade, vivificação perfeita e único elo entre Mim e vós. Não digo que deveisfazê-lo livremente, caso vos agrade. Nem mesmo por amor à vida, mas exclusivamente por causa do amor, isto é, por
Mim, vosso Pai Amantíssimo. Este mesmo sentimento deveis apli- car aos semelhantes, como irmãos. Não vos deixeis corromper por recurso qualquer, pois irmãos e pais vos sirvam para despertar o livre amor em vós.
Nada preciso de vós, no entanto vos amo. Por isto deveis amar vosso semelhante sem qualquer interesse pessoal. Então sereis iguais a Mim, livres pelo justo emprego do amor, vivendo eterna- mente como Eu. O poder da serpente será afastado e não haverá mácula que pudesse manchar vosso coração.
Quem quiser ser escravo do mundo, que o seja, pois não tenho mandamento para ele. Mas, deve saber que não alterarei Mi- nha Ordem eterna por causa dele. Só existe vida no livre amor para Mim. Afora isto, só existe a morte eterna.
Tu, querido Henoch, sê Meu primeiro sacerdote e teu amor, a fundação da primeira e mais pura igreja deste mundo. Se amanhã pretenderes prestar sacrifício, Eu virei para inspirar-te naquilo que de- ves dizer diante de todos.” Com estas palavras, Emanuel desaparece.
DETERMINAÇÕESPARAOPRÓXIMO SÁBADO
Todos se entristecem com o desaparecimento de Emanuel a ponto de quase silenciarem totalmente. Somente quando o sol está prestes a desaparecer, Adão diz: “Uma vez que Jehovah, Emanuel, não mais Se encontra em nosso meio, que faremos aqui? Convidai os filhos do Norte para a comemoração do Sábado, para podermos seguir para nossa pátria.
Jura, Busin e Orion ficai conosco, caso isto vos agrade, pois somente vossa vontade deve prevalecer e a Palavra do Senhor é de fato guia de nossas vidas.”
Responde o primeiro: “É realmente uma grande alegria sermos convidados a permanecer nas alturas. Mas, qual é a nossa utilidade aqui e que será de nossos filhos? Em vosso grupo se en- contra Henoch, sacerdote do Senhor. Nós, todavia, não dispomos de uma pessoa inspirada para orientação dos filhos e desejamos ser,
se bem que não num sentido perfeito, o que Henoch é para todos. Será motivo de virmos seguidamente em busca de novo calor e co- nhecimento.”
Adão concorda e em seguida se vira para Abedam a fim de saber de seus planos. Como este fosse da mesma opinião, Henoch se adianta e diz: “Abedam, conheces o caminho. A Vontade do Senhor é tua e o Amor Dele Se submete a ti. Não foi em vão que Ele te inspirou, pois teus filhos ainda se acham cegos. Transmite-lhes a boa nova e tudo aquilo que o Senhor nos deu.”
ENCONTROENTREADÃOEO FORASTEIRO
Sumamente feliz, Abedam se põe a caminho, com pensa- mentos elevados e cheio de amor para com o Senhor, pelo trecho que todos haviam feito, e no mesmo local em que tivera o encontro com Asmael. Súbito, ele depara com um homem forte e jovem, que diz: “Para onde vais a esta hora? O sol já toca os picos das monta- nhas e a lua ainda está longe com sua luz. Além disto, o caminho é acidentado e cheio de pedras. Abedam, ouvi dizer que muita coisa maravilhosa sucedeu no Norte, diante de todos os patriarcas. Não estarias disposto a voltar e conduzir-me para junto deles a fim de participar de sua alegria?”
Sem refletir muito, Abedam responde: “Com muita satisfa- ção. Mas, gostaria de saber o teu nome para apresentar-te a eles.” Responde o forasteiro: “Se Me disseres o teu nome, também te direi o Meu, e algo mais.”
Perplexo, Abedam retruca: “Como perguntas pelo meu nome se ainda há pouco o sabias?” Responde o forasteiro: “Abedam, aca- bas de vir de um local santificado, onde certamente foste inspirado. Como então não entendes esta pergunta tão simples?”
Ainda mais perplexo, Abedam não sabe o que responder e o forasteiro continua a lhe perguntar pelo nome, embora o chamasse como tal. Finalmente, ele diz: “Só possuo o nome que me deste e que me fora dado por Adão e Emanuel.”
Fitando-o com rigor, o forasteiro diz: “Agora estou satisfeito, pois foi o nome que te dei desde o começo. Mas, justamente por Eu tê-lo dado a ti, ele não era teu e sim Meu em ti, mesmo que não o quisesses. Agora o nome é teu e Meu e podes levar-Me confor- me te pedi.”
A caminho, e bastante surpreso que o forasteiro usasse o nome dele, Abedam diz: “De onde vens e por quem soubeste dos acontecimentos aqui?” Diz o forasteiro: “Venho diretamente do Sul e, quanto à segunda pergunta, contarei uma pequena história. Cer- to homem, o mais rico em filhos e amor para com eles, por muito tempo observara como eles se ocupavam com coisas úteis e na maior parte inúteis. Em sua sabedoria ele se colocou de tal maneira que nenhum deles o visse. Após longo tempo de distração, os filhos co- meçaram a se degenerar a ponto que nenhum podia conservar puro
o seu coração por amor ao genitor. Este advertia os mais velhos, que
o ouviam com atenção; no entanto, não se modificavam.
Então o pai resolveu ocultar sua figura, aproximando-se deles como estranho vindo das planícies. Eles o aceitaram como tal através de um outro, e não por amor, pois como seu coração se desviasse por tolices e mundanismo, tornaram-se cegos e surdos, não o perceben- do de pronto.
Quando ele começou a se apresentar por ações e palavras, eles se encheram de pavor e poucos suportaram sua presença. No- tando a imaturidade deles, o pai os aqueceu com seu amor, de sorte que se voltaram para ele, que os abençoou, mas abandonou-os por certo tempo para sua experiência. Este pai Me procurou e Me con- tou tudo, razão por que estou aqui para verificar a situação e atitude deles na ausência do genitor.”
PALESTRADEABEDAMCOMABEDAM,O FORASTEIRO
Sumamente admirado, Abedam diz: “Mas esta história se re- fere justamente aos filhos do Alto, nossos patriarcas. O Pai Se chama Emanuel Abba e Jehovah, Deus, o Supremo e Santo! Onde encon-
traste o Pai, como era Sua Figura e para onde Se dirigiu? Peço-te que mo digas. Fui testemunha de tudo que sucedeu e ainda tive a inexprimível Graça de caminhar constantemente a Seu lado. Nem o anjo mais sublime poderia descrever o que senti como pobre pe- cador. Só sei que neste curto período senti mais que o mais elevado anjo celeste em toda a eternidade.”
Diz o forasteiro: “O que te deixou de fato tão feliz?” Respon- de Abedam: “Estou mais feliz ao lado de quem me faz sentir cada vez mais insignificante, razão porque prefiro não ver ninguém abaixo de mim. Meu lema é: Bem-aventurada é a simplicidade do coração, pois a fraqueza é o maior tesouro do verme.
Se o verme fosse cheio de vida, qual não seria sua dor ao ser pisado! Aquilo que para nós seria dor, para ele talvez represente a maior felicidade de sua vida, em virtude de sua constante fraqueza e impotência. Se bem que desconheça a natureza do verme, tenho a impressão que assim seja, por me sentir feliz quando imprensa- do por todos os lados. Caro homônimo, peço resposta para minhas perguntas.”
Diz o forasteiro Abedam: “De que te adiantariam as respos- tas? Parto do seguinte princípio: Se não conseguires ser útil ao teu ir- mão com uma palavra, descansa tua língua até surgir tal necessidade. Diante disto, prefiro ficar te devendo a resposta. Estás de acordo?”
Responde Abedam: “Sim, em parte, pois vejo que tua vonta- de subjuga a minha, o que me faz um grande bem. De outro lado, amando acima de tudo o Santo Pai, meu coração anseia por estar constantemente ao lado Dele ou ao menos falar Dele e adorá-Lo, como também ouvir a Seu respeito, o que ora acontece. Em virtude disto, não estou satisfeito por não quereres responder-me. Todavia, podes fazê-lo, pois seria impossível prejudicar o meu coração. Por- ventura não são de grande utilidade as ações e palavras dirigidas aos nossos irmãos somente quando tivermos trabalhado e falado para seus corações? Portanto, se quiseres poderás responder sem susto.”
Diz Abedam, o forasteiro: “O sentido de tuas palavras tanto Me agrada que não posso Me negar ao teu pedido e acrescentarei
algo mais. Encontrei o Pai, tão conhecido por ti, justamente onde nós nos encontramos. Quanto à Sua Aparência, Ele Se parece tanto Comigo como nossos nomes são idênticos. Este é o motivo pelo qual tanto Se parece contigo.
No momento não posso precisar para onde Ele Se dirigiu. Uma coisa é certa, não Se afastou de Seus filhos, mas dirigiu-Se novamente para junto deles, por um pequeno desvio. Eis a resposta. Falta o ‘algo mais’ que consiste numa outra questão. Como inspira- do e tendo visto há tempos o Pai, admira-Me não teres percebido esta semelhança entre Eu, tu e Ele. Teu lema é também o Meu, e a comparação com o verme é de Minha Autoria. Dize-Me se ambos combinamos bem.
Todavia, considera o seguinte: Alguém querendo ser o mais simples por causa de sua própria felicidade, não seria o mesmo se a pessoa, pelo mesmo motivo, quisesse ser a mais importante en- tre todas? Isto Me preocupa e, se quiseres, poderás resolver este problema.”
Sem saber responder, Abedam pede: “Caro amigo Abedam, tua elevada sabedoria traduz tua origem do Sul e não consigo enten- der tua estranha resposta. Quanto à tua pergunta, terás que desistir, pois só agora percebo minha grande tolice. Se tivesse voltado para junto dos meus, tolo como sou, facilmente teria transmitido minha ignorância.
Por isto, não me chames de inspirado, pois quanto mais reflito, mais tolo me sinto. Só porque me sentia feliz em companhia do Pai, julgava-me inspirado, e percebo quão pouco o meu coração entendia e conservava das Palavras Maravilhosas do Senhor. Perdoa-
-me, amigo Abedam, pois não consigo responder.”
Retruca o outro Abedam: “Estou plenamente satisfeito com tua resposta, pois ventilaste todos os itens da questão, de sorte que combinamos bem. Percebeste o que te falta e te humilhaste no co- ração. Considera o teu lema com justiça, e Eu ajudo a todos com palavra e ação. Não achas que fomos feitos sob medida, como se desde eternidades Eu existo para ti e te criei somente para Mim?”
Sumamente feliz, Abedam exclama: “É isto mesmo: como um pai para o filho e o filho para o pai. Também tenho a impres- são de que jamais poderíamos nos separar e eu jamais poder abrir mão de teu socorro. Por isto, desejo ficar, não temporariamente, mas eternamente contigo.”
Diz o forasteiro Abedam: “Conseguiste anteceder-Me. Desde que te conheço, é este o Meu único desejo e vontade. Esta- mos chegando ao nosso destino e peço que Me apresentes a Adão e aos outros.”
O ENCONTRO DE ABEDAM, O FORASTEIRO, COM OS PATRIARCAS
“Realmente”, diz Abedam o conhecido, “já chegamos e eis a parede demolida; lá estão os patriarcas e, segundo me parece, He- noch está dirigindo algumas palavras de despedida a Jura, Orion e Busin. Vamos depressa, talvez consigamos ouvir algo que sirva para nós.”
Responde o forasteiro Abedam: “Para que esta pressa se já estamos aqui? Quanto às últimas palavras de Henoch, pouco nos servirão, pois perdemos as primeiras. Que utilidade teriam as pedras superiores para um altar caso não tenham sido usadas as inferiores? Por acaso já viste que o dia começa à noite, ou que a árvore surja com a copa, nos ares, e de lá projeta o tronco e as raízes na terra? Ou então, de que adiantaria alguém cobrir a cabeça com um pano se não possuir algo para cobrir todo o corpo? Aguardemos que He- noch termine seu discurso para não desviarmos a atenção de todos os corações.”
Satisfeito, Abedam, o conhecido, retruca: “Acredito que com a força persuasiva de tuas palavras e um timbre de voz tão suave, poderias levar-me até a fogueira ou às profundezas dos mares. De fato, não somente tua figura, mas também tua maneira de expres- são se assemelham extraordinariamente com as do Pai, se bem que és um pouco mais corpulento. A Dele era algo mais fraca e baixa,
fisicamente, pois não se pode falar da figura espiritual do Pai, infini- tamente poderosa e forte.”
Concorda o forasteiro Abedam: “Tens razão, quanto à figura menor e mais fraca, julgo o seguinte: Se o Pai apareceu desta forma diante de Seus filhos, queria demonstrar-lhes a situação do coração deles, que naturalmente afetava também Sua Figura.
Se Ele voltasse inesperadamente e encontrasse os seus cora- ções mais livres e fortes no amor, não seria de esperar estar Ele tam- bém mais forte e, com isto, Se assemelhasse inteiramente Comigo? Julgo que a Figura do Pai se adapta sempre aos corações dos filhos, isto é, ao amor deles, mais ou menos livre. Que achas?”
Responde o antigo Abedam: “Tenho que confessar que, se anteriormente tuas palavras soavam misteriosamente, agora estão claras na mesma proporção. Tua sabedoria ultrapassa a minha, pois este senão tão importante teria passado despercebido para mim. Creio que Adão, Henoch e os demais patriarcas muito se admirarão quando te ouvirem falar, pois devem chegar à conclusão que és ins- pirado pelo Pai, ou és Ele Mesmo. De minha parte estou sumamente feliz e se perguntar ao meu sentimento: A quem mais amas, ao Pai ou a este amigo? — ele responderá: Tudo que tenho, recebi do Pai, mas o que dou ao Pai e a este amigo é inteiramente igual, não haven- do diferença alguma. Se quiseres, levar-te-ei para junto dos outros.”
Retruca Abedam, o forasteiro: “Prefiro que Me anuncies primeiro, e depois poderás apresentar-Me.” Abedam, o conhecido, obedece e relata tudo aos companheiros, que muito se admiram, inclusive Henoch, que diz: “Caro irmão Abedam, dize-me qual o efeito das palavras dele em teu coração?”
Responde Abedam: “Como já disse, não há a menor diferen- ça entre ele e Emanuel. Por isto, digo: Alegra-te, pois certamente fará feliz também a ti. Agora irei buscá-lo.” Como Henoch pergunta se também pode acompanhá-lo, Abedam consente.
Quando chegam perto do forasteiro, este pergunta a Heno- ch: “Não seria possível Eu acompanhar-vos às alturas, pernoitar e amanhã assistir à cerimônia do sábado do Senhor? Os acontecimen-
tos que se deram aqui despertaram grande saudade nos filhos do Pai Amantíssimo e o grande desejo de ouvir palavras inspiradas em seus corações.”
Retruca Henoch: “Para hóspedes como tu, temos alojamen- tos em quantidade e poderás ficar conosco para toda a eternidade. Os amigos do Pai também são nossos amigos e os que Ele nos envia devem morar em nosso meio para sempre. Se for do teu agrado, podemos seguir em frente.”
Ao alcançarem o grupo dos patriarcas, todos os cercam e Adão se vira para Abedam, o forasteiro, que vinha atrás dele, dizen- do: “Caro hóspede de nosso amor, como vens do Sul, queira infor- mar-nos como estão passando os habitantes de lá, quem é teu pai e de que linha descendes.”
Diz Abedam, o forasteiro: “Quanto à tua primeira pergun- ta, tu mesmo a respondeste, pois, fazendo parte dos inspirados, deve ser claro ao teu entendimento quais os filhos chamados de filhos do Sul (manhã). Assim sendo, isto perdoa tua pergunta su- pérflua que merece resposta idêntica, isto é, teus filhos do Sul se acham bem dispostos e muitos se alegram com a expectativa do dia de amanhã.
Quanto à segunda pergunta, semelha-se ela a uma armadi- lha. Todavia, não Me pegarás tão facilmente e te seria mais simples apanhar um condor em pleno voo. Ainda assim te podes considerar feliz porque fora o amor a inspirar-te tal pergunta. Sem ele recebe- rias uma resposta bastante dura. Se Eu te fizesse tal indagação, qual seria tua resposta? Como inspirado, deves saber se tenho um Pai ou não. Porventura ainda dormes?”
Sumamente admirado, Adão não se atreve a prosseguir na indagação. Henoch, no entanto, diz ao conhecido Abedam: “Será possível que ainda não descobriste teu homônimo?” — ao que aque- le responde que não. Diz Henoch: “De fato, não há no homem algo mais incompreensível que o próprio coração. Ó Senhor, tem paciência conosco, fracos. Abedam, eu creio que os inspirados ainda estão adormecidos.”
Diz Abedam, o conhecido: “Caro Henoch, a coisa mais certa dentro de mim é que não faço parte dos inspirados e talvez Adão esteja em situação idêntica.”
Responde Henoch: “Percebendo tua ignorância, já és inspi- rado, pois se estivesses psiquicamente adormecido, nem tomarias conhecimento de teu estado. Penso o seguinte: Antes da aparição de nosso Amantíssimo Pai em Emanuel Abba, todos nós dormíamos e sonhávamos. Ele nos despertou, mas não durante o dia, e sim na noite de nosso coração. Se Ele não tivesse procedido desta forma, ainda estaríamos dormindo no dia morto de nosso sonho.
Costumamos despertar as crianças uma hora antes de clarear a manhã para se habituarem e não serem prejudicadas com a luz do dia. Julgas agirmos mais sabiamente que Emanuel? Não teria maior mérito a visão do espírito que a da matéria?
Somos despertados pela Misericórdia do Pai e seria tremenda ingratidão de nossa parte se não reconhecêssemos o que Ele nos proporcionou. Fomos despertados na meia-noite de nossa alma e não devemos adormecer de novo. O dia do espírito é mais claro que o da matéria, razão por que é necessário, a bem da visão espiritual, a criatura ser despertada à meia-noite. Os que dormirem até o dia claro serão aniquilados pela forte luz.”
Entrementes, Abedam, o forasteiro, Se aproxima e diz: “Não perdi uma palavra sequer de vossa palestra e tu, Abedam, estás acor- dado porque percebes a noite dentro de ti. E tu, Henoch, estás viva- mente acordado porque sentes a época e a razão pela qual o Pai vos despertou e pressentes o grande dia a surgir.
Cada palavra tua foi gravada no Livro da Vida eterna. Ago- ra farei uma pergunta que deveis responder na íntegra, pois sem esta solução toda criatura, por mais sacudida em sua ignorância, continua sonolenta e esta situação é pior que o próprio sono. Que diferença existe entre a pré-noite, a meia-noite e a pós-noite? Tal di- ferença se baseia na Ordem divina, mas o adormecido não a percebe
enquanto dorme. Quando chega o grande despertador, ele abre os olhos, mas se vira para a parede e continua a dormir e sonhar até o raiar do sol. Depois de se levantar, ele teme a claridade e procura ocultar-se debaixo da sombra compacta.
Um outro de fato se levanta, esfrega os olhos e estica o corpo. No entanto, continua sonolento até o raiar do dia, começa a camba- lear e se aborrece sem saber da hora, pensando apenas no bom sono; todavia, não se preocupa com o dia que nasce. Convidado para se vestir, continua preguiçoso, preferindo a pré-noite ao próximo dia de vida. Para tal pessoa o dia nada de agradável oferecerá.
O completamente acordado já se alegra com o primeiro des- pertar da vida verdadeira e louva na meia-noite o grande e santo Despertador, pois percebe de pronto a que horas anda, reconhe- cendo a diferença entre a pré-noite, a meia-noite e a pós-noite. A cada respiração aguarda o próximo dia, cujo despontar preenche o seu espírito com uma alegria maior do que todos os Céus visíveis. Percebeis quão importante é a resposta de Minha pergunta e vos dei esta explicação a fim de vos facilitá-la.”
Responde imediatamente Abedam, o conhecido: “Tuas pala- vras abriram os meus olhos e sei que estou verdadeiramente desperto e o porquê. Mas, quanto à tua questão, sinto que não serei eu o solucionador. Embora esteja desperto, não consigo perceber se neste estado talvez me encontre numa sonolência incômoda. Por isto, te- rás que resolver o problema.”
Interrompe Henoch: “Meu caro, segundo me parece, nosso irmão já respondeu a pergunta e cabe-nos pô-la em prática. Penso o seguinte: A boca de Quem a proferiu deixou fluir uma grande be- nevolência de Seu coração. Esteja certo de que esteinquiridor, em Sua infinita Sabedoria, não necessita de nos examinar ou pesquisar nosso átomo solar, pois Sua Alegria consiste em proporcionar dádi- vas imensas que se acham ocultas.”
Neste instante, Abedam, o forasteiro, suspende ambos do solo e depois os coloca cuidadosamente no chão, dizendo: “Meus amados, em vossos corações reina uma grande fidelidade. Em ti, He-
noch, luz provinda do amor, e em ti, Abedam, amor provindo da luz. Ambas as virtudes são positivas e assimilam o sentido da Ordem divi- na, e a fonte da vida flui constantemente para o grande e eterno dia.
Mas a pré-noite, a meia-noite e a madrugada não passam ao dia, ficando para trás e se desvanecendo uma após outra. No entanto, são elas necessárias pela mesma ordem, assim como o solo é útil para a semente, portanto, para a vida. A pré-noite é a época da semeadura; a meia-noite, o tempo do rompimento do gérmen; e a madrugada, a época da queda da matéria e o crescimento através da absorção do orvalho. Acontece que o orvalho costuma cair muito antes da aurora, o que se dá também conosco.
O Dia do Senhor não é um dia da Terra, pois quando che- ga, o faz sozinho e jamais o acompanhará uma noite qualquer. Por isto, a anterior época noturna é justa dentro da Ordem divina, por ser predecessora do grande dia. Mas onde estaria a criatura desperta que quisesse permanecer dentro da noite? Não sucumbiria quando visse o dia, caso não se deixasse despertar? Eis as grandes diferencia- ções, e vos suspendi do solo para que as assimilásseis na vida. Com- preendei-o bem, mas silenciai até amanhã.”
UMEVANGELHODE AMOR
Acrescenta Henoch: “Assim o sentiu o meu espírito, apenas não pude expressar-me, pois ele me dizia: Descansa tua língua fraca. Para pronunciar tais coisas com ação benéfica é preciso o pronuncia- mento de Um mais Poderoso.
Grande Abedam, ouve-me no silêncio de meu coração: Jeho- vah, quão grande e santo deve ser Teu Amor, pois se proporcionas uma Graça para o dia de amanhã, o fazes sem que o ignorante rece- bedor a perceba, juntamente com a orientação. À medida que anali- so Tua infinita Graça, meu coração não encontra palavras adequadas para adorar-Te e torna-se por demais pequenino, sendo obrigado a transferir o meu amor em todo o meu organismo, para amar-Te acima de tudo.
Mas, se pergunto ao meu espírito: Por acaso não posso amar mais fortemente o santo e bondoso Pai? — ele responde: Quempode amar como quer, quando o coração está pleno de amor? O amor é insaciável e jamais encontrará satisfação, senão no infini- to Amor do Santo Pai. Assim eu Te amo com crescente ansieda- de e preferiria amar-Te até morrer. Aceita o orvalho de meu amor como se fosse algo perante Ti. — Quanto a ti, irmão Abedam, o que sente o teu coração depois de teres percebido a quantas horas estás da noite?”
Diz o outro: “És mais feliz do que eu em poderes falar no entusiasmo de teu coração. Quando o amor me subjuga, consigo apenas falar o que ora ouves de mim, no entanto não posso nem balbuciar o nome do meu amor. Minha ignorância reconhece fi- nalmente a que horas andava na minha noite psíquica. Mas, como sabes, devemos silenciar até amanhã.”
Abedam, o Outro, dá Sua aprovação, dizendo: “A situação é a seguinte: O verdadeiro amor tem que amar até morrer, na alma ou na carne, e esta morte é a verdadeira ressurreição para a vida eterna, em que tal amor viverá inteiramente só, no constante êxtase e crescente deleite da própria vida. Todo e qualquer amor aguarda o mesmo destino de libertação. Quem amar o mundo morrerá no constante amor mundano. Mas, como o mundo não contém vida e sim a morte exclusivamente, quem morrer no amor mundano ja- mais ressuscitará para a vida, senão para uma nova morte.
Quem amar a carne morrerá na carne e ela não contendo vida, jamais haverá ressurreição e sim, igual ao materialista, desper- tará para outra morte carnal.
Quem amar a si próprio morrerá no amor-próprio, e como toda criatura é em si morta, tal pessoa ressurgirá para nova mor- te. Mas, quem for inteiramente sem amor e alimenta somente ódio de todas as coisas, terá erigido uma morada para a segunda morte. Quem tiver um coração raivoso ouvirá as batidas da segunda morte no seu coração, e quem for cheio de inveja e avareza estará enlaçado por ambos os braços da segunda morte. Quem finalmente juntar te-
souros e riquezas do mundo terá construído uma constante morada para a segunda morte. E quem amar esta vida terrena, que em si é apenas morte passageira ou uma extinção paulatina, jamais acabará de morrer.
Todo amor mata, inclusive o amor para com Deus. Mas, em nenhum amor extinto a vida se manifestará senão no amor com Deus, por ser Ele unicamente a Própria Vida Eterna. Todo amor despertará em sua consciência, no entanto, haverá uma diferença inimaginável nesta consciência, isto é, se na vida ou na morte. As- sim, Henoch, teu amor já morreu em tudo e se reencontrou em Deus; por isto, já vives para todas as eternidades. Serão poucos a encontrarem a segunda vida como tu, porquanto só o fogo poderoso do amor para com Deus pode efetuar tal Graça. Compreende-o bem e silencia até amanhã.”
Entrementes, todos chegam à cabana de Adão, onde rece- bem sua bênção e o alimento que Seth havia mandado preparar por sua companheira. Já está escuro e um temporal ameaça desa- bar, razão por que Adão manda Seth buscar uma tocha para ilumi- nar a cabana.
Mas o forasteiro Abedam intervém: “Para que tanto traba- lho para o amigo Seth, que já não conta entre os moços? Deixai a iluminação por Minha conta, pois nela sou perito. Basta dizer: Que se faça luz! — e, como vedes, já está tudo iluminado.”
Conquanto Henoch e Abedam soubessem de onde vinha a luz e conhecessem o Criador da mesma, não descobrem a maneira pela qual ela se fez. Depois de muitas exclamações de admiração, todos agradecem e se entregam à refeição. Até o outro Abedam Se alimenta e não deixa transparecer Sua Identidade.
SETHPROCURAALUZNA LUZ
Seth, todavia, não consegue desligar o pensamento sobre a estranha maneira de se fazer luz, sem naturalmente inquirir alguém. Seus olhos percorrem todos os recantos da cabana e nesta pesquisa
Adão lhe diz: “Meu filho Abel-Seth, o que procuras? Por acaso des- cobres algo que te causa estranheza?”
Responde ele: “Meu pai, por estranho que pareça, estou pro- curando a luz na luz. Se bem que o temporal se dirige para cá, os raios ainda estão muito longe e não poderiam criar tamanha clarida- de. E se assim fosse, certamente se notaria uma sombra dos objetos iluminados.”
Diz Adão: “É assaz surpreendente que procuras em vão o artista entre nós. Procura-O e terás achado a Luz na luz. Quando descobres uma pedra luminosa, conjecturas no íntimo: De onde vem sua luz? Mas não podes perguntar a respeito de sua origem. O grande e poderoso Artista é Santo e não responde a quem é impuro.
Vês dia e noite as luzes mais variadas; mas a quem pode- rias perguntar a respeito de sua natureza? Aqui Se encontram Luz e Artista e tu procuras o que se acha tão perto de nós? Porventura pretendes também procurar o dia durante o dia?”
As palavras de Adão estão cheias de verdades luminosas. Mas, como Seth procurasse o que seu coração não entendia, não conse- gue perceber o sentido das mesmas. Resolve indagar diretamente de Abedam como conseguira produzir tal luz maravilhosa.
Antes que Seth pudesse formular sua pergunta, Abedam diz: “Sei que tens vontade de produzir luz e te digo que tal não é tão difícil como pensas e o recurso é muito simples. Como deves ter percebido, foi preciso apenas o pronunciamento cheio de fé: Que se faça luz! — e ela se fez onde reinava a escuridão.
Eis todo o segredo e o futuro te ensinará que encontraste realmente a verdadeira luz na Luz. No entanto, tua expressão ainda traduz dúvidas. Não basta Eu te transmitir toda a Minha Arte? Vai à tua cabana escura, repete o que Me viste fazer e terás a prova da veracidade de Minhas Palavras.”
Incontinenti Seth se dirige à sua cabana, onde seus familiares estavam reunidos, apavorados com o temporal em vista. Quando entra, pronuncia: “Que se faça luz!” — e a luz se fez! Diante disto, Seth fica estarrecido com todos os seus filhos. Só aos poucos conse-
gue acalmá-los para voltar à cabana de Adão. Lá agradece a Abedam pela concessão de arte tão maravilhosa e em seguida começa a exter- nar as reações que o prendem ao fenômeno.
Com meiguice, Abedam esclarece: “Vês como ainda és ma- terialista, muito embora estiveste presente entre os que primeiro reconheceram Asmael e depois foste testemunha de todos os Seus Milagres. Naquela ocasião não surgiram tantas dúvidas como agora. Não ouviste as Suas Palavras dirigidas a Adão quando este pedia que não Se ausentasse imediatamente após o sacrifício de Henoch? Julgas que o Poder de Emanuel é mais forte em Sua Presença do que na Sua ausência?
Eis o problema que ainda te algema. Por acaso já conseguiste ver uma força em ação, ou já viste o que faz movimentar teus mem- bros, impulsiona o sangue pelas veias, faz crescer teus cabelos, unhas e pele, distribui os alimentos no estômago e outras coisas mais?
Já conseguiste ver a forma do vento, a força impulsiona- dora do gérmen, aquela que conduz o sol do levante ao poente, as estrelas e a lua? Onde terias visto a força que leva córregos, rios e cascatas ao mar?
Como continuas tolo! Guarda bem o seguinte: Toda força em ação vem de Deus, Fonte Original de todas as forças e potências. Deus, como Divindade, jamais poderá ser visto, nem compreendi- do, em Sua Natureza Original, por um ser criado. Quem quisesse ver Deus, não poderia viver, por ser Ele Infinito, e todo ser é finito. Como poderia o finito ver e compreender o Infinito?
Julgas possível estender-te até o Infinito e ao mesmo tempo conservar tua vida física? Se Me disseres: Mas, quem era Emanuel visto por nós? — esclareço: Em toda parte Deus pode criar um físico aparente e agir por meio dele, como Pai amoroso. Mas, aquilo que vês não é o Pai, e sim o que age através do fenômeno.
Deves entender isto para evitar que teu amor se prenda a algo que não seja verdadeiro em si. Se tua visão não fosse clara e resplandecente, como poderias perceber o sol e sua luz? Se dentro de ti não existisse a força de Deus, como entenderias algo divino? Se
assim é, pode tal força entender somente a si mesma, ou algo mais? Vê como ainda há escuridão dentro de ti, e convém que pronuncies: que se faça luz em minha alma!”
ASIMPLICIDADEEOMILAGREDOAMOR DIVINO
Seth arregala os olhos diante do discurso de Abedam, mas não se atreve a fazer perguntas. Somente o conhecido Abedam, que não perdera a calma, pede permissão para dizer algumas palavras: “Que- ridos irmãos e patriarcas, costuma-se dizer que tolos e crianças geral- mente proferem a verdade, e como faço parte dos primeiros, faço o papel de orador. Por este motivo, confesso abertamente que me con- sidero o homem mais feliz, isto é, com exceção de meu homônimo.
Estais admirados por causa do fenômeno luminoso, o que não acontece comigo, pois se fôssemos nos admirar com tudo que o Senhor produz através de Sua Onipotência, Força e Sabedoria, só nos restaria uma eterna admiração. Não é o palpitar do coração igualmente milagre, sem que nos admirássemos constantemente? E tudo aquilo que se prende aos nossos sentidos não é igualmente milagre? Se alguém me ultrapassa no arremesso de uma pedra, não desperta admiração de quem quer que seja. No entanto, é um mila- gre tão grande quanto o seria Abedam criando um segundo sol em vez desta simples luz.
Considerando bem, deve o homem admirar-se sempre ou nunca, pois se o faz com determinado milagre do Senhor e se esque- ce de outro, torna-se classificador das Obras de Deus, das quais não pode haver uma inferior a outra. Reconhecendo que Deus é incom- preensível e infinito em todas as Suas Obras, como pode admirar-se de Ele produzir obras que correspondam à Sua Perfeição?
Se uma criatura conseguisse criar um Céu estelar pelo pro- nunciamento de uma só palavra, eu poderia admirar-me profunda- mente. Em nada me admira este fato como prova da força de Deus. O que realmente me admira é que Deus Poderoso é igualmente nos- so Pai, cheio de Amor e Glória. Portanto, reconheço ummilagre
apenas, que é o Amor Infinito de Deus para com Seus filhos, e tam- bém o nosso amor para com Ele, o que representa a compreensão finita do Infinito.
Eu não me podendo admirar, conquanto não pudesse me queixar de um excesso de sabedoria, como continuais mudos diante da iluminação da cabana, pois vos é possível palrar durante todo o dia debaixo do milagre deslumbrante do sol? Porventura é a luz do sol mais fraca que esta, ou teria surgido por uma força menor da Palavra de Deus?
Alegremo-nos com gratidão de todas as Obras de Deus por tê-las criado por simples Amor. Mas, emudecer diante de uma em virtude de sua grandiosidade e passar ao largo perante outra, nada mais é que classificar as Ações de Deus. Queiram perdoar-me, mas não pude deixar de vos molestar com esta reprimenda. Por isto, con- sideremos somente o milagre do amor, isto é, que Deus Onipotente é nosso Pai, nos ama e faz com que possamos retribuir-Lhe o Seu Amor. Quanto ao resto, agradeçamos-Lhe de corações alegres, po- dendo assim intitular-nos Seus filhos; todavia, deixemos de classifi- car as Suas Obras.”
FRATERNIDADE ENTRE HENOCH E ABEDAM, O CONHECIDO
Ainda mais estupefatos, todos se calam. Após algum tempo, Henoch se levanta, estende a mão para Abedam e diz: “De fato, não seria contra a Ordem divina se vez por outra as crianças se erguessem quais pregadoras diante dos sábios, demonstrando-lhes suas grandes tolices. Acabas de me tirar um grande peso do coração e quão alegre poderia ter ficado se tuas palavras chegassem a mim há mais tempo. O que o Senhor, nosso Amantíssimo Pai, negou aos sábios, Ele ofe- rece aos fracos e às crianças, em mais elevado grau. O pesquisador de Deus é simples infrator e grande tolo que se preocupa até morrer, enquanto as criancinhas recebem com gratidão e alegria o Pão da Vida verdadeira e eterna. Quão enorme é a tolice dos homens!”
Diz Abedam, o conhecido: “Não deves desconsiderar a minha própria tolice, sabes bem qual foi minha situação até bem pouco. O que acabo de dizer é tão evidente, que até mesmo um cego não poderia negá-lo. Ainda assim, não sou teu professor, e sim tu o meu.”
Protesta Henoch: “O que poderias aprender de mim, senão um pouco de tolice acrescentada à tua liberdade? Sou como tu e não trocaria um mundo de sabedoria pela menor pedra de amor, razão por que nunca pronunciei uma palavra de própria iniciativa, pois sempre fui obrigado a tanto através do espírito, e geralmente ignora- va o que tinha ventilado. Neste ponto estamos em pé de igualdade. Mas, existe algo que me faz de tolo perante tua pessoa, pois muitas vezes meditei acerca das Obras de Deus e as classifiquei. Agora julga tu mesmo quem de nós dois leva vantagem, tendo portanto privi- légio de se tornar professor e verdadeiro exemplo ao outro. Se bem que te tivesse dado um ensinamento a caminho para cá, naquele tempo não te conhecia tão bem quanto agora e meu procedimento foi um pequeno avanço no direito do Amor divino. Todavia, não o fiz para demonstrar minha supremacia, mas apenas por amor a ti.
Agora me arrependo de ter ensinado aquele que é mestre da humildade.” Retruca o antigo Abedam: “Não me entristeças, pois sou feliz somente no primeiro de grau de consideração. Se começa- res a elevar-me, minha felicidade desaparecerá. Para minha natureza só serve a maior simplicidade. Por que deveria um irmão elevar o outro por tão pouco? Irmãos devem ser apenas irmãos, ajudando-se reciprocamente para que não haja privilégios. Qual seria a vantagem se um, pela permissão do Senhor e considerando o bem do próxi- mo, pronunciasse palavras mais inspiradas e, por tal motivo, o outro quase o divinizasse?
Continua sendo meu irmão e dá-me do teu supérfluo ao perceberes minha necessidade, sem remorso, e eu farei o mesmo. Se todos agirem deste modo, dificilmente surgirá divergência entre irmãos e creio que tal princípio de vida se baseia profundamente na Ordem de Deus.” Sumamente comovido, Henoch abraça Abedam
e lhe dá um beijo de irmão, dizendo: “Conseguiste deitar por terra a árvore da divergência, pois tuas palavras são e serão eternamente verdadeiras.”
OVERDADEIROAMORAO PRÓXIMO
Abedam, o forasteiro, que havia ouvido a palestra com sa- tisfação, levanta-Se e abraça os dois, dizendo: “Eis o que é justo e verdadeiro dentro da Ordem divina e se os irmãos viverem nesta compreensão, o Pai não estará longe dos Seus filhos. Quem disser: Amo a Deus e meus irmãos! — mas goza de vantagens que não divide entre eles, ainda está cheio de amor-próprio e não merece o Pai. Se alguém tivesse dez irmãos e possuísse doze maçãs, deveria dar onze e guardar para si somente a metade da última, deixando a outra metade para eles; este seria verdadeiro filho do Santo Pai no Céu, merecendo Sua Presença.
O genitor que ama seus filhos mais que os do irmão, também alimenta o amor-próprio e não merece o Pai. Verdadeiramente feliz será aquele que esquece sua aflição diante do sofrimento do irmão e também oferece a Deus, o Verdadeiro Pai, as necessidades dos pró- prios filhos para cuidar dos filhos do outro.
É preferível seres o mais pobre por amor aos irmãos, pois se tiveres dividido tuas posses e ainda te sobrar uma parte, terás cuida- do de ti, desconsiderando o cuidado do Pai Celeste. Mas, se por ver- dadeiro amor do próximo tiveres dado tudo sem guardares algo para teu benefício, te libertaste de tudo, entregando toda preocupação ao Pai no Céu. Porventura deixaria Ele sofrer tal filho?
Em verdade vos digo: Tal filho receberá cem por um, e mil por dez e o Infinito por tudo! Julga tu mesmo: Como poderia existir privação e miséria se todos os irmãos vibrassem de amor recíproco, sendo um igual a todos, e vice-versa? Cada um terá a bênção do cui- dado do Santo Pai. Se quiserdes viver como filhos dignos e abenço- ados do Pai Celeste, tratai de viver entre irmãos como vos expliquei, e Ele habitará convosco, cuidando de todos. A não ser assim, em
breve cairão na antiga maldição, sendo obrigados a procurar o pão bastante duro entre cardos e abrolhos, no suor de seu rosto.
Considerai a seguinte norma: Se alguém te prestou serviço, não o deixes partir sem boa remuneração. Mas, se tu prestaste um favor a teu irmão, não deves nem sonhar seja ele teu devedor, pois teu amor fraternal representa a maior recompensa, do agrado do Pai no Céu. Se o amor do próximo o obriga a indenizar-te, não aceites o pagamento como tal, mas como prova de amor pela qual deves agradecer-lhe. Se considerares toda recompensa como simples presente, serás verdadeiro irmão do próximo e o Pai Se alegrará com tais filhos.”
LAMECHPERGUNTAPELONOMEDO FORASTEIRO
Após este discurso de Abedam, o forasteiro, Lamech se apro- xima Dele fitando-o dos pés à cabeça. Como nada ouvira do assun- to anterior, pois se entregara inteiramente à tristeza pela ausência de Emanuel, as últimas palavras o certificaram de que o Autor era justamente o Emanuel, oculto sob outra forma. Não conseguindo, porém, perceber algo de especial na figura Dele, Lamech se expressa: “Ouve, Abedam, ainda és para mim um homem estranho que profe- re palavras puramente divinas como se fora o próprio Emanuel; tem a bondade de me dizer algo a teu respeito, pois meu coração anseia por isto.”
Retruca Abedam: “Meu caro, poderás dizer-Me a quantas andamos e onde nos encontramos?” Responde ele: “Segundo me parece, encontramo-nos na cabana de Adão, mas esta noção é mais um sonho que realidade. Quanto à hora, não posso precisá-la. Ha- vendo forte iluminação aqui dentro, creio não ser muito tarde.”
Prossegue Abedam: “É muito importante que saibas a hora exata. Vai à frente da cabana e calcula a hora pelo crepúsculo.” La- mech obedece incontinenti. Mas, grande foi seu susto ao perceber a mais profunda noite, apenas cortada pelos constantes raios da tem- pestade bem próxima. Sem demora, ele corre para dentro e diz, rece-
oso, para Abedam: “Se já sabias a hora, por que me mandaste olhar esta noite pavorosa, na qual sumiu toda e qualquer manifestação do crepúsculo?
Tremo de medo! Ó Emanuel, se estivesses aqui! A Teu lado teria coragem de olhar esta treva, pois também esta tempestade havia de obedecer-Te. Pareces não te impressionar, o que é perdoável por seres forasteiro e nunca assististe uma tempestade nas alturas. Basta presenciares uma apenas para também te apavorares de uma futura. Ó Emanuel Abba, se tivesses ficado conosco ao menos esta noite!”
Abedam toma a mão de Lamech e diz amavelmente: “Se lá fora percebeste noite densa, de onde vem a luz nesta cabana?” Só en- tão Lamech nota a iluminação. Dirige-se para Abedam e diz: “Estra- nho, há luz sem luz. Como é possível? Foste tu a efetuá-la? Creio que será mais fácil tume responderes do que eu dar uma explicação.”
Diz Abedam: “Procura Seth, que te dirá como surgiu a luz e dentro em pouco encontrarás uma Luz na luz.” Seth então lhe diz: “Por que dormias no coração? Se andasses acordado, tal pergunta teria sido supérflua. Teu grande amor para com Emanuel Abba te cegou e ensurdeceu para tudo, razão pela qual encontrarás dentro de ti o poderoso Causador desta iluminação, pois ela surgiu apenas pelo pronunciamento ‘Que se faça luz’. Volta junto Dele, pois agora sabes de tudo que eu sei. O resto, aguarda Dele.”
Abedam, então, diz para Lamech: “Caro amigo, pesquisa o amor de teu coração que hás de descobrir o Causador da luz, pois Aquele a Quem tanto amas não está tão longe de ti como julgas. Após encontrá-Lo, não deves denunciá-Lo até amanhã. Nesta noite verás grandes acontecimentos.”
O AMOR
Sem demora, Lamech se põe a meditar e dentro em pouco começa a perceber Quem Se oculta em Abedam, que lhe diz: “Como te sentes agora? Ainda alimentas receio da tempestade e deveria Eu realmente temê-la também?”
Diante destas palavras, Lamech não consegue reter as lágri- mas e só depois de longo intervalo e seu coração se ter desanuvia- do, diz em êxtase: “Ó Abedam! Ó Emanuel Abba! Encontrei-Te de novo! Como poderia eu temer algo que nada representa para Deus? Se quiseres, deixa que a Terra seja reduzida a pó por incontáveis raios, e o mar se transforme em aço incandescente — e jamais hás de perceber o menor temor em mim. Pois onde estás, só existe bem-
-estar. A morte deixa de existir e as próprias pedras amolecem em Tua Presença. Ainda que as labaredas atingissem a minha cabeça, tal ardor seria apenas refrigério, pois és apenas amor em tudo. Somente peço que não desapareças como fizeste.”
Diz Abedam: “Está bem, nunca mais deverás perder-Me. Por ora, silencia perante Adão, Seth, Eva, a companheira de Seth e os demais filhos. Quero que todos Me descubram no coração, como tu o fizeste. Esta noite conduzirá todos à nossa presença; todavia, nenhum de vós três Me revelará. Quando o pavor os impelir para o âmago e o coração ficar a descoberto, denunciando que espécie de amor ele oculta, demonstrar-se-á o grau de amor para Comigo, e assim também a aceitação de Minha Pessoa.
Ajo como um noivo a pesquisar o coração da eleita. Aproxi- ma-se da casa dela em noite trevosa e procura qualquer manifestação amorosa da parte dela. Será feliz, caso seu coração estiver pleno de amor por ele, pois a boca transborda quando o coração está cheio. Ela chamará pelo nome dele e seus suspiros tocarão o coração do noivo, que entrará para levá-la como esposa.
Julgas que ele agirá deste modo se encontrá-la dormindo ou suspirando o nome de outro? Ele a desprezará. Assim, Eu agora Me encontro em noite trevosa diante da porta de todos os Meus es- colhidos. Onde se suspirar por Mim, Eu entrarei e agirei como o referido noivo. Se os encontrar dormindo ou pronunciando nomes estranhos, terei a mesma atitude dele.
No entanto, existe diferença entre Mim e ele. Eu venho com amor, trago amor, dou amor, procuro e exijo amor, e quem esti- ver adormecido será chamado milhões de vezes. Se ainda assim não
acordar, retirar-Me-ei. Mas ai de quem Eu abandonar! Suspirará e clamará pelo Meu Nome em vão, pois Eu não o atenderei.”
O TEMPORAL
Nem bem Abedam termina de falar quando Enos, Kenan, Mahalalel, Jared e Matusalém acorrem amedrontados, e em redor da cabana se encontram centenas gritando por socorro a Jehovah para impedir as terríveis ocorrências. Kenan toma da palavra e diz para Adão: “Se o desaparecido Emanuel e tua bênção paternal mo- vida pelo poder do Amor Dele não nos socorrerem, estaremos to- dos perdidos.
Vê o que acontece lá fora. Os raios não só se precipitam das nuvens, mas também o solo os expele. Tua maravilhosa gruta já foi inteiramente dizimada. Nunca Jehovah visitou Seus filhos mais ter- rivelmente. Além disto, o mar está subindo com tremendo fragor. Todos os animais acorrem para aqui, tigres, leões, hienas, lobos, ur- sos e serpentes penetram às centenas nas nossas cabanas.
Seria impossível descrever-se o resultado deste temporal que começou a desabar há poucos minutos. Nós cinco somos os úni- cos que ainda não se deixaram tomar de desespero. Os outros es- tão deitados como mortos, clamando e chorando, enquanto alguns quedam estarrecidos. Estas cenas aumentam de minuto a minuto e certamente se assemelham ao que ocorreu no paraíso, onde viste a Ira divina destruir a Terra sob teus pés. Vede, à nossa porta surge uma serpente pavorosa, fazendo menção de penetrar!”
Diz Adão: “Diante disso, minha bênção não surtiria efeito; se Deus não nos salvar, estaremos perdidos. Meu Deus e Senhor, por que tenho que passar por esta experiência, precisamente hoje, na noite de sábado! Talvez Te desagrade a cerimônia de amanhã, de sorte que desejas impedi-la. Afasta de nós o pavor e dá-nos o conhe- cimento de Tua Vontade. Não nos aniquiles, Pai.”
Quando Lamech percebe a penetração de animais ferozes, os raios e trovões, o fragor do mar e dos ventos, a ponto que as próprias
feras começam a uivar, ele se agarra mais fortemente a Abedam. Este então diz: “Pelo visto, também vós sois tomados de pavor.”
Responde o conhecido Abedam: “Senhor e Pai, diante deste inferno até mesmo um anjo seria perdoado de seu medo. De minha parte, prefiro ver obras de Teu Amor e estou apavorado porque sou obrigado a assistir às de Teu Poder. Queira transformá-las em amor.”
AMORETEMORDE DEUS
E o poderoso Abedam responde ao outro: “Falaste bem, no entanto, tenho que fazer pequena objeção. Se este ligeiro tempo- ral fosse obra de Minha Onipotência, onde estaria a Terra, onde a Criação total? Se quiseres ver uma obra de Meu Poder, observa o Universo onde tudo se acha organizado como totalidade, todavia é esta apenas parte do Infinito. Nada se pode desprender da Terra, do Sol, da Lua e de todas as estrelas, a não ser o mais ínfimo, isto é, uma luz mui tênue. Eis as obras de Meu Poder.
Julgas que ele seja um Poder de destruição? Se assim fosse, nunca teria surgido algo. Meu Poder sendo constante realizador e conservador, é Ele também um Poder da Ordem eterna. Onde, pois, oculta Ele aquilo que temes? Porventura é este temporal menos obra de Meu Amor que um dia radioso e sereno?
Um dia calmo e radioso é semelhante a um amante sentado à frente de sua cabana junto à sua companheira. Ele a ama fielmen- te, mas que diferença existe entre o amor dele e o de um jovem pretendente! Se ela pede ao companheiro apanhar-lhe alguns frutos maduros, que muito lhe apetecem, ele, algo irritado, aconselha que vá buscá-los, pois deseja descansar. Mas, se uma jovem disser ao pre- tendente: Serei tua, caso fores buscar uma joia mui rara a cem dias de distância, teria ele o mesmo procedimento que o marido com relação à esposa? O jovem pretendente se prontificará a colher todos os tesouros do mundo para satisfazer os desejos da amada.
Fazei uma comparação entre a calmaria na cabana e a noite tempestiva no peito do jovem pretendente. Se esta noite fosse seme-
lhante ao amor do jovem, porventura ainda afirmarias ser ela obra terrível de Meu Poder?”
Abedam, o conhecido, responde: “Acabas de dissipar grande parte de minha tolice que, todavia, ainda se oculta no meu íntimo, pois não consigo me esquivar inteiramente do medo. Como já acei- taste tanta incoerência de minha parte, queira aceitar esta tolice e dar-lhe qualquer direção.”
Diz o grande Abedam: “Falaste certo, muita coisa tenho que guardar no receptáculo onde se acham vossas inúmeras tolices, isto é, aceitá-las com indulgência e paciência. No entanto, convém não confiardes em demasia, pois pode acontecer que um dia venha a romper. Se isto acontecer, ai da Terra e de seus habitantes. Ainda alimentais pavor, Henoch e Lamech?”
Responde Henoch: “Tenho que confirmá-lo, pois sou igual às crianças cheias de medo e pavor. Isto se justifica, porque, se Tua Bondade Paternal não tivesse adicionado à fraqueza infantil uma justa parte de medo e pavor, qual seria o futuro da criança que se julga forte? Quem poderia orientá-la e educá-la? O medo é o grande mestre das crianças. Isto se deu comigo e deverá ser para sempre, pois sei que no medo dos fracos age Teu Amor mais elevado. Sinto, através de Tua Misericórdia, que nada me acontece em virtude de Teu Cuidado e Tua Graça. Ainda assim, temo fenômenos excepcio- nais porque Te amo acima de tudo. Onde existe amor, também há temor, e vice-versa.”
E Abedam, o grande, responde: “Henoch, falaste com jus- tiça. Mas, quem te ensinou a falar deste modo? Realmente estou Presente no medo dos fracos. Quem ama o Pai, teme a Deus, e sem temor de Deus não há quem ame o Pai. Temor e Amor a Deus são semelhantes; um não pode existir sem o outro; no entanto, o Amor está acima do Temor; ele contém vida, no temor há a morte. Todos devem, portanto, fazer com que o temor seja aprisionado pelo amor, vivendo assim no Pai, Senhor de toda a Vida.”
Diz Lamech: “Não poderias dizer-me se de fato sinto temor? Tudo se apresenta tão terrivelmente e sinto-me num pavor constan-
te; todavia, não consigo definir se é de fato um medo tolo ou algum outro estado psíquico.” Com amabilidade, Abedam diz: “Como po- des perguntar se o medo se apoderou de teu coração, se tremes qual vara ao vento? Ainda há pouco pronunciaste palavras cheias de con- fiança. Onde ficaram tua coragem e confiança inabalável? Até agora não ocorreu nenhuma desgraça por ti anunciada. A Terra continua firme, o mar ainda não se evaporou, nenhuma montanha foi carre- gada pelo tufão, no entanto, tremes ao Meu lado como se a febre se tivesse apoderado de ti. Que farias se Eu, para te experimentar, permitisse tudo aquilo que anteriormente apontaste?
É preferível continuares no temor do que prometer demais no fogo do amor. Não vem ao caso o que alguém promete no amor ou no temor. Tais promessas não são cumpridas por ser tal êxtase passageiro. Podes observar a mudança do amor conjugal, um fogo amainado que jamais põe a ferver o sangue no coração, mas apenas aquece e vivifica suavemente. Com respeito ao temor e sua promes- sa, podes observar nas fracas criancinhas que a cumprem somente enquanto o pai esbraveja. Basta ele mudar de feição, temor e pro- messa se foram.
Se quiseres ser perfeito, deves alimentar três partes de te- mor e sete de amor. Além disto, acrescentarás a todos os pedidos: Pai, não permitas venham tentações sobre minha fraqueza e liber- ta-me de todo mal, espiritual e físico! Assim deves pedir, pois a ten- tação é prejudicial ao homem porque aniquila o físico e enfraquece o espírito.
Feliz és tu porque venceste o temor com amor — se bem que somente até a época da tentação — e não desististe do amor quando se apresentou a tentação, permitindo que o amor fosse mais poderoso para Mim. Futuramente só serão felizes os que forem des- pertados no amor para o Pai com justo temor de Deus. Deste modo, o primeiro dever do homem para com Deus é a livre obediência, ou seja, um fruto do justo temor de Deus. Somente nesta obediência os homens serão renascidos para filhos de Deus, Nele descobrindo e vendo o Santo e Amoroso Pai.
O temor é a semente do amor. Não podendo surgir fruto sem semente, tampouco nascerá um verdadeiro amor sem justo te- mor de Deus. Assim como a semente apodrece na terra surgindo o gérmen vivo do amor, crescendo e produzindo frutos vivos, também o amor, o santo gérmen da Vida eterna, surgirá do temor. O antigo temor desaparecerá. Precisamente deste aniquilamento no bom solo do Meu Amor para convosco, apresentar-se-á um fruto maravilho- so, uma árvore da Vida, em cujos galhos até mesmo os habitantes celestes construirão suas moradas. — Agora basta deste assunto. Adão se encaminha para nós, pois também começa a pressentir que o socorro está em Mim. Todavia, silenciai.”
ADÃOESETHEM PROVA
Acompanhado de Seth, Adão se encaminha para junto de Abedam e faz menção de falar, sem todavia conseguir pronunciar palavra em virtude do grande pavor. Abedam Se adianta e diz: “Adão, procuras socorro conosco, mas deves pesquisar teu coração, onde encontrarás ajuda certa.
Não foste abençoado por Emanuel, que demonstrou o lo- cal certo onde seria sempre encontrado? Se O tivesses procurado lá, de há muito Ele te teria ajudado e, por teu intermédio, também aos demais. Faze com todo amor e confiança agora o que negligen- ciaste, e te certificarás dentro em breve da Presença e do socorro de Emanuel.”
Adão obedece e não demora a descobrir o que de há muito podia ter encontrado. Com lágrimas de arrependimento e alegria ele fita Abedam e se prepara para falar. Mas Este o interrompe, dizendo: “Silencia até amanhã. Sê alegre e sem temor, pois estou aqui para que ninguém sofra qualquer dano.”
Inteiramente calmo, Adão agradece e volta, acompanhado de Seth, para seu antigo lugar. Isto, porém, não é tão fácil, pois sua constância, coragem e confiança são postas à prova pelo seguinte: Quando se acha a três passos de Abedam, irrompem poderosas cha-
mas do solo obstruindo-lhe a passagem. Levando forte susto, con- segue lembrar-se das últimas palavras de Abedam que dissera: Estou entre vós.
Por isto se dirige ao fogo e diz: “Em Nome Daquele que Se encontra em nosso meio, ordeno que desapareças e não interrompas o meu caminho.” A chama não lhe obedece, mas crepita com maior força. Apavorado e ao mesmo tempo enraivecido com a desobedi- ência do fogo em Nome do Senhor, Adão diz com energia: “Ouvi, águas da terra e dos céus! Atirai-vos sobre este monstro, mudo, mas cheio de oposição contra o Nome do Senhor.”
Mas as águas não aparecem para cumprir as ordens de Adão, que diz a Seth: “Tentemos outro caminho para que a chama arda enquanto for da Vontade do Senhor.” Virando-se para a direita eles são todavia barrados por trinta enormes serpentes que também não atendem às palavras de Adão. Quando ele se altera diante da deso- bediência, uma serpente começa a abrir a boca atacando Adão, que dá um salto para trás.
Então ele diz para Seth: “Como vês, também este caminho está impedido de maneira pavorosa. Mas, não desisto da coragem, confiança, fé e amor no Senhor e de Sua Palavra poderosa. Talvez haja possibilidade do lado esquerdo, onde ainda não percebo em- pecilho. Sigamos em Nome do Senhor antes que algo nos impeça.”
Após darem alguns passos, a passagem está barrada por toda sorte de monstros, levando Adão a exclamar: “Que faremos? Nada conseguimos pela palavra, e usarmos de violência é inteiramente im- possível. Ainda assim, Abedam ordenou que eu voltasse para o meu lugar. Que achas, Seth, se voltarmos para junto do grande Abedam, cuja luz milagrosa ainda ilumina esta minha cabana? Não acredito que nos venha recusar.”
Responde Seth: “Devíamos ter ficado ao lado Dele, pou- pando-nos todo este trabalho. Portanto, está mais do que na hora de voltarmos, pois pode acontecer que também este caminho seja cortado.” Eles assim agem, mas a suposição de Seth já é fato consu- mado, pois não conseguem dar um passo para frente ou para trás.
Gritar também é impossível devido ao crepitar das labaredas, o rugir das feras, do temporal e dos trovões, que impedem que se ouça a própria palavra. Rodeados por toda sorte de angústias, eles se julgam perdidos. Adão, porém, se lembra das palavras de Abedam e pensa: “Emanuel, Abba, Abedam, vê nossa grande aflição. Não nos tentes mais e liberta-nos destes e de outros males que porventura ainda nos venham perturbar, em virtude de Teus insondáveis desígnios! Atende-me, ó Jehovah, e deixa-me seguir em paz, viver ou morrer segundo Tua Vontade.”
OSOCORRODIVINOEAPREOCUPAÇÃODO HOMEM
No mesmo instante se apagam as labaredas e as feras retro- cedem. Adão e Seth se acham livres da grande tentação, podendo atravessar a cabana. Finalmente, Adão aduz: “Eva dispensa meu so- corro, pois não consigo ajudar a mim mesmo. Uma vez livres, pro- curemos o local de onde nos veio a ajuda.” Abedam Se adianta e diz: “Se tiverdes procurado o Senhor na aflição e Ele vos ajudando, não deveis virar-Lhe as costas, mas permanecer com Ele, com a face e o coração. Se ele te pôde proteger, certamente também poderá fazê-lo com os que te preocupam.
Eva e os demais vivem incólumes devido ao Meu Socorro. Porventura poderíeis protegê-los contra a fúria das feras e do fogo? Deve a criatura alimentar uma só preocupação, que consiste na pro- cura de Deus, o Santo Pai, não somente na aflição, mas também em todos os caminhos justos do amor. Quem O tiver encontrado como o maior tesouro, não deve virar-Lhe as costas, mas ficar com Ele, do contrário perceberá, a meio caminho de volta, sua inépcia, reco- nhecendo pelas experiências amargas que nada consegue sem Mim.
Quem clamar pelo Meu Nome de costas voltadas para Mim, não será atendido até que modifique sua atitude. Todavia, não es- queçais que esta segunda volta será sempre acompanhada por forte prova e se demonstrará o verdadeiro rigor no coração, pois o mundo vos envolverá e só será atendido o desejo do coração.”
Após estas palavras de Abedam, Adão e Seth agradecem e o último reconhece o Senhor e diz: “Acabo de despertar de um sonho que ultrapassa quase oitocentos anos e percebo nitidamente Tuas Obras de Amor Paternal, a fim de vivificar e libertar Tuas criaturas para educá-las para verdadeiros filhos. Por amor destruíste mundos diante de seus olhos para que vissem sua nulidade e Teu grande Amor. Em seguida, Te ocultaste a fim de que Te procurassem, es- quecendo-se do mundo e suas tentações.
Quem Te procurava sem maturidade era suavemente re- pelido e posto em bom solo para apressar seu amadurecimento e voltar carregado de bons frutos. Além disto o presenteavas por se ter deixado amar e cumular com inúmeras obras de amor. De há muito observaste nossa grande tibieza de coração e, ao invés de nos punir, vieste em Pessoa para nos ensinar o conhecimento da Vida eterna.
Movimentavas céus e terra e os trovões anunciavam Teu grande Amor e Misericórdia; e pelo fragor dos raios nos despertaste de sono mortal para observarmos as Obras de Teu infinito Amor e a Ti Mesmo, Santo Pai. Quem seria capaz de Te amar e agradecer pela menor partícula como reconhecimento filial?
É preciso que te dilates, meu coração, e tu, verdadeira cha- ma de amor, preenche o meu coração para poder amar o Santo Pai com todas as minhas forças. Só agora, Henoch, tuas palavras surgem como estrelas luminosas dentro de mim, pois sinto que em cada brisa a levantar os meus cabelos, cada gota de orvalho a umedecer os meus pés, em tudo que me tocava, até mesmo todos os sonhos eram obras de Amor do Pai. Aceita, Abedam, minha gratidão sincera que só poderei oferecer com o amor do coração. Ah, se me fosse possível revelar-Te, minha voz haveria de superar os elementos em fúria. Per- doa se falo sem parar, mas qual seria o coração capaz de comportar a imensidade de Tua Misericórdia, Paciência e Amor? Queira aceitar o que de melhor posso oferecer.”
Com expressão amorosa, Abedam responde: “Seth, Meu fi- lho, recebe o Meu abraço, pois te amo desde a época em que não ha- via sol a iluminar qualquer planeta. Ama-Me, o Pai, que por Amor eterno criou o Firmamento para demonstrar-te Sua Bondade sem fim. Também tu, Adão, e vós três, vinde saborear a doçura de Meu Amor e o bem que faz ao coração cansado dos filhos.”
Todos se prosternam, exclamando apenas: “Ó Santo e Bon- doso Pai!” Abedam os ergue do solo, dizendo: “Vós vos cansastes na Minha Procura que se estendia acima das estrelas, enquanto cami- nhava entre vós. Não fora possível descobrir-Me porque olhar e co- ração estavam dirigidos para longe, no entanto estava mais perto que vós mesmos. Vamos agora sair da cabana e ver quem necessita de so- corro. A ti, Seth, dou o poder de apaziguar o forte temporal e então veremos quem estará em condições de reconhecer o Pai junto de si.”
Ao passar perto de Eva rodeada dos cinco filhos que a con- solavam, Abedam diz: “Ficai aqui até voltarmos. Quem der amor ao próximo há de recebê-lo de volta. Mas, quem cuidar da genitora enfraquecida, será recompensado com amor. E quem oferece amor para recompensa tem um grande prêmio nas mãos, com o qual fa- cilmente conseguirá o que há de mais precioso.
Afirmo com segurança: Se a criatura soubesse quantas ve- zes se encontra junto da máxima felicidade, abandonaria tudo para conquistá-la. Ainda assim, é bom que o ignore, pois se o soubesse se entregaria ao ócio, desconsiderando o trabalho de arar o próprio campo espiritual.
Por isto ficai aqui e preparai vosso solo. Às vezes não é um tempo prolongado que dará resultado, pois pode depender também de um minuto. Se neste momento a semente cai no solo, rapida- mente começa a brotar e não demoram os galhinhos a estenderem as folhas na luz do dia.
Sou experimentado Semeador e conheço o tempo certo para a semeadura. Deixai, portanto, que a semente brote, alimentada com
o amor de vosso coração. Em seus galhos rapidamente desenvolvidos não hão de surgir frutos comuns. Considerai as Minhas Palavras.”
Terminado o discurso de Abedam, Ele e Seu pequeno grupo seguem caminho. Os outros, porém, conjecturam: “Quem é este fo- rasteiro? Não é companheiro de Abedam, que se uniu a nós? Sua dis- sertação foi a mais estranha que já ouvimos. Diz-se experimentado semeador que deitou uma semente dentro de nós, que deverá brotar com rapidez, produzindo frutos excepcionais. Entenda quem puder. Nós que vimos e ouvimos, como testemunhas de Emanuel Abba, tudo que pronunciou, não entendemos o sentido destas palavras.”
Enos descobre a luz dentro da cabana, mostrando-a aos de- mais, levando Kenan a dizer: “Estranho, só agora a percebo. Como é possível?” Responde Eva: “Por que pesquisas o que não entendes? A tempestade passou e a calma reina sobre os campos castigados da Terra. As últimas gotas de chuva caem das folhas e um orvalho suave cura as feridas provocadas pelos raios. E sobre os olhos das criancinhas talvez já tenha vindo um sono reparador. Todos aqueles que esta noite levou ao desespero agradecerão a Deus, arrependidos, por esta salvação.
O temporal terminou não somente para os que estão lá fora, mas também para vós. Em vez de quebrardes a cabeça com aquilo que não entendeis, convém agradecer a Quem nos salvou através de Sua Misericórdia e assim se fará luz dentro de vós. Não indagueis quem é o forasteiro ainda desconhecido de todos, mas considerai Sua Palavra no coração para que brote dentro em breve. E quando perceberdes o fruto durante o dia, será mais fácil reconhecê-Lo do que pretendendo vislumbrar a luz do dia em vossa ignorância. Ainda que a mulher não deva ensinar, a genitora bem pode orientar seus filhos tolos. Meditai e procurai a luz em vosso coração.”
As palavras de Eva penetram a fundo na alma dos filhos, de sorte a seguirem sua orientação.
Entrementes, os raios ainda rasgavam as nuvens, as mon- tanhas estavam em plena função vulcânica, o mar havia recuado por milhas e milhas e os trovões roncavam, acompanhados do rugir
dos habitantes das florestas. Milhares de filhos de Adão rodeavam a cabana e agradeciam pela salvação, enquanto os seis companheiros confortavam os seus pais.
SETH APLACA A TEMPESTADE DE FOGO. KAEAM E SEU AMOR PARA COM ABEDAM
Em seguida, Abedam, o sublime, diz para Seth: “O tempo da tentação passou. Fora preciso desencadear-se o temporal para a fixa- ção ordenada do planeta, e agora podes aplacar o mesmo através do poder conferido. Deixa apenas as montanhas longínquas exercerem sua atividade inofensiva.”
Sumamente comovido e grato, Seth estende as mãos e ex- clama: “Ó Santo Pai, Senhor e Criador, que Se faça a Tua Vontade como sempre foi e será. Amém.” No mesmo instante, não mais se descobre uma nuvem no céu, que parece recém-criado e enfeitado dos mais belos agrupamentos de estrelas, e tudo respira vida nova.
Uma vez tudo serenado, diz Abedam: “Voltaram a calma e a paz sobre a Terra. Que todos retornem às suas cabanas para o ne- cessário repouso, e nós também voltaremos para as moradas para socorrermos os aflitos.” Isto feito, alguns patriarcas se juntam ao grupo dos amigos e um deles, o décimo filho de Seth, Kaeam, lhe pergunta: “Como foi possível que todos os elementos te obedeces- sem tão rapidamente? Nunca percebi tal poder em ti. Conta-nos este fenômeno.”
Responde Seth: “Kaeam, por hoje ainda não compreenderás que para o homem muitas coisas são possíveis pelo Poder de Deus; mas amanhã haverá uma grande revelação para todos, que iluminará todos os recantos de vosso coração. Voltai às cabanas limpas e ilumi- nadas para o devido descanso.”
E o grande Abedam acrescenta: “É preciso que considereis a diferença entre o Poder de Deus e do homem. Isto feito, comparai vosso coração com a cabana em seu estado anterior e como se en- contra agora iluminada e limpa de todo desconforto, e assim cairá
uma grande venda de vossos olhos, percebendo Quem cooperou no aplacamento do temporal.” Kaeam agradece pelo ensinamento e diz: “Tuas Palavras preenchem todo o meu ser de hálito vital, de sorte que peço para voltar, ainda que deva permanecer fora da caba- na de Adão.”
Responde o grande Abedam: “Faze o que manda o teu co- ração. Se tens plena confiança e percebes que aqui ocorre algo mais do que comporta tua cabana, afasta todas as tuas preocupações e segue-nos à cabana de Adão. Há espaço de sobra.”
Sumamente feliz, Kaeam exclama: “Quem poderia resistir às tuas palavras tão doces? Ainda que tivesse cem cabanas e mil filhos e mulheres, facilmente os abandonaria por amor a ti, sublime pro- fessor. Aquele a Quem obedecem os elementos e que cuida do orbe, não esquecerá de minha pobre cabana.”
CONSOLODE KAEAM
Como os quatro companheiros não entendam a intenção de Kaeam, aproximam-se e se dirigem a ele neste sentido. Ele respon- de: “Ficarei com Aquele Que nos salvou e Lhe entreguei também mulher e filhos. Quem impediu que a Terra caísse em frangalhos certamente cuidará de minha casinha. É preferível segui-Lo passo a passo do que repousar no ócio habitual.”
Os outros, ainda não entendendo a intenção dele, insistem numa explicação maior. Retruca ele: “Quem não incendeia o seu co- ração depois de ter encontrado o Pai, dificilmente reconhece Quem lhe deu a vida. Podeis seguir para casa a fim de gozar de um bom repouso, e por ora não vos preocupeis com nosso grupo.”
E Abedam, o Grande, acrescenta: “Quem compreende o que não vê e entende o que não ouve? Se o cego nada vê durante o dia, qual será sua situação à noite? Quem não ouve o trovão, como ouvi- rá o sussurro suave do amor?
Quem não vê o Sol à primeira vista sofre de um grande de- feito visual. E quem não for despertado pelo trovão tem sono pro-
fundo. Voltai para vossas casas e tratai de dormir bastante, mas não esqueçais de despertar à hora certa.”
Assustados com as Palavras de Abedam, um deles indaga: “Quem és tu, pois nosso coração estremeceu com tua voz? Que te- mos a ver contigo?” Diz Ele: “Sou Quem sou. Mas ainda tivestes pouco a ver Comigo. Se Eu desde sempre tivesse tão pouco a ver convosco como vós Comigo, de fato, pouco teria sido o pão a vos alimentar. Ide repousar.”
Diante da atitude lacônica de Abedam, os patriarcas se viram para Seth pedindo orientação a respeito do forasteiro. Este explica: “Não O ouvistes dizer: Se o cego nada vê durante o dia, qual será sua situação à noite? A visão interna de vosso coração é ainda muito obscura, razão por que não percebeis o Sol mais brilhante no hori- zonte de toda Vida. Ide para casa e desfazei-vos da tolice dormindo bastante, para voltardes amanhã de espírito sóbrio.”
Percebendo que nada alcançariam com todas as perguntas, eles voltam para casa e a caminho um pergunta ao outro qual sua opinião a respeito do forasteiro. Um deles, chamado Kurameque, diz: “Somos como não devíamos ser, pensamos sem inspiração, ve- mos sem consciência e indagamos sem base.
Certa vez encontrei uma árvore oca e me escondi em seu interior, onde nada vi senão podridão malcheirosa. Ainda assim não descobri a vida da árvore, conquanto fosse externamente coberta de folhas. Ignoro se tinha frutos, pois isto não era possível ver em sua altura.
Em outra ocasião vi um condor cortar os ares e imitar as vo- zes das avezinhas que julgavam encontrar sua semelhante. Como se assustaram ao depararem com a ave poderosa, cujo canto era igual ao delas, no entanto ressoava nas alturas horrendas! — O tempo se incumbirá daquilo que ignoro; deixemos de quebrar as cabeças, com indagações fúteis. Amanhã saberemos o que a noite nos oculta.”
Com estas palavras, ele se dirige para sua cabana, enquan- to os amigos se deitam ao solo para afugentar o sono por meio de indagações. Quando Kurameque depara com sua mulher e filhos
na cabana iluminada, lembra-se das palavras do forasteiro e final- mente descobre não ser Ele forasteiro algum, e sim Alguém Que está em casa de todos. Sumamente feliz, ele O louva até que o sono o arrebata.
NÃOÉAPESQUISA,MASOAMORQUELEVAÀ VIDA
Entrementes, o primeiro grupo chega à cabana de Adão, onde encontra os cinco filhos junto de Eva. Eis que Abedam diz: “Dizei-me o que encontrastes durante nossa ausência e qual foi a transformação ocasionada por Minhas Palavras; elas vos renovaram ou envelheceram?”
Responde Enos: “Descobri dentro de mim uma luz forte e poderosa. Procurei saber sua origem, mas ela se apagou e nada mais
vi. Perguntei ao meu coração onde se ocultara aquela luz e, embora repetisse várias vezes a mesma pergunta, ele continuou mudo. Eis tudo. Existe apenas uma formação muda de meu coração, inclusive sua luz apagada.”
Diz Abedam: “Se em vez de pesquisar tivesses amado Aquele Que te ama desde eternidades, teu coração não teria ficado mudo, mas descobririas luz e palavras nele. O conhecimento é para a vida aquilo que a fumaça representa para a luz. Apagaste com esta fumaça a própria vida e, com ela, a luz no coração, razão por que se estabe- leceram escuridão e silêncio dentro de ti.
Assim sucederá com muitos na Terra e quem for como tu, dificilmente conquistará a vida e sua luz. Se quiseres viver, abandona tua tendência pesquisadora e preenche teu coração com amor, que hás de receber a vida e a luz, na medida certa.
Se todas as criaturas juntassem seu saber, por acaso estariam mais perto de Deus? Qual é a diferença entre quem estuda as leis e quem as cumpre? O estudante não será aniquilado pelo peso das leis, enquanto o cumpridor se torna vivo com este proceder?
Talvez afirmes ser preciso primeiro aceitar as leis pelo co- nhecimento, antes de respeitá-las. Em parte tens razão, mas a fim
de levar-te ao verdadeiro conhecimento dar-te-ei um exemplo. Tens dois empregados, um dos quais fica o dia todo quebrando a cabeça para descobrir o sentido de tuas ordens.
O outro pouco pensa a respeito e, por amor a ti, passa a cumprir tua vontade. Qual dos dois ficará em tua companhia e será orientado de todos os teus segredos e desejos do coração? Certamen- te aquele que sempre cumprir a tua vontade. O mesmo sucede com Deus, que não considera um espírito pesquisador, mas um constan- temente ativo pelo amor. Faze o mesmo que viverás, aprendendo num minuto mais que em milênios, com toda tua sede de saber.”
Em seguida, Abedam Se dirige para Kenan: “Qual foi tua descoberta em teu coração?” Diz ele: “Não foi diferente de Enos. Diante de meus olhos as coisas passavam velozmente como raios luminosos. Mas eu não podia segui-las, pois rapidamente sumiam atrás do horizonte e em breve a treva cobria o orbe. Com gran- de temor percebi quão insuficientes são as forças humanas e quão terrivelmente vagarosas para alcançar uma luz que passa. Perguntar ao meu coração seria o mesmo que dirigir-me a uma pedra. Quem saberia o que oculta? Eu não recebo resposta. Embora estivesse pre- sente à Bênção de Emanuel Abba, ela deve ter passado como minha luz anterior, sem ter tocado mais que os meus olhos.”
Diz Abedam: “O que sucedeu contigo se dará com muitos, e isto por muito tempo, pois morrerão na sapiência mundana. Seus corações se transformarão em pedras. A consequência será a cobi- ça, acompanhada de inveja, avareza, homicídio, e o mesquinho será considerado herói de virtudes. Então, miséria e morte serão o desti- no de muitos. Mas, se quiseres viver, faze o que aconselhei a Enos.”
Em seguida, Abedam Se dirige para Mahalalel: “Dize-Me o que descobriste dentro de ti.” Diz ele: “Minha situação foi pior que a de meus pais. Eles ainda perceberam uma luz; eu, somente treva fria. Sinto-me inteiramente oco e vazio. Ao erguer os olhos para o céu vi que era de aço, não deixando passar a menor esperança para uma vida mais clara. Chorei minha imensa miséria no coração, mas as lágrimas também foram tragadas pelas areias quentes de meu de-
serto, e agora nem mais chorar posso. Eis tudo que senti até agora, mas percebo pequeno alívio em tua presença.” Abedam explica: “No fim dos últimos tempos haverá muitos iguais a ti. Ainda és feliz por sentires tua grande miséria, pois tal percepção é também uma gran- de luz. Futuramente as criaturas não perceberão sua morte psíquica. Estarão qual tronco morto na floresta e o verme os roerá sem que o percebam.
Extrairão tantos metais das montanhas que farão estradas de aço, sobre as quais poucos caminharão de índole igual à tua. Ain- da que algum vivo ressuscite entre milhões sem consciência própria, terá que enfrentar uma época dura entre os mortos.
Os que forem como tu, descobrirão os espiritualmente vi- vos, assim como tu agora Me reconheces. Incontáveis palavras de vida não surtirão efeito, como agora apenas uma o faz contigo. Dos três és tu o mais feliz em tua pobreza de luz, pois receberás dentro em breve uma boa nova. Age como aconselhei a Enos que viverás recebendo luz em plenitude.”
OVERDADEIROAMORA DEUS
Prosseguindo, Abedam Se dirige a Jared: “Dize-Me também tu o que descobriste em ti durante a nossa ausência.” Diz ele: “Sa- bia que havia de encontrar pouco ou nada, por isto não procurei e me entreguei, antes e após o temporal, a fantasias, sonhando com a situação agradável caso Asmael tivesse morado comigo. E se, como Emanuel Abba, ao menos tivesse ficado conosco durante a tempes- tade. Em seguida, sonhei que ele permitiu a mesma para experi- mentar nosso amor e confiança, e talvez Ele esteja Presente. Assim construí sonhos sobre sonhos, sem alcançar qualquer iluminação; todavia, meu coração se sentia mais aliviado. Já é uma grande graça eu poder sonhar com Aquele que meu coração envolveu qual pre- tendente o faria com sua noiva. Que mais poderia encontrar, e creio que Ele não Se aborrecerá comigo caso for preciso deixar esta Terra após descoberta tão abençoada.”
Durante a confissão de Jared, Abedam cobriu os olhos para ocultar Suas lágrimas. Só depois de algum tempo, Ele diz: “Vem, Jared, de agora em diante não necessitarás sonhar com Emanuel a Quem sempre amaste, razão por que o próprio Asmael determinara morar em tua cabana. Tê-lo-ás sempre em teu lar, pois teu Emanuel, teu Abba te estende Seus Braços! Hei de construir um céu, o mais elevado de todos, no qual só ingressarão os que, como tu, Me aco- lherem dentro de si.
Tu, Henoch, Matusalém e Lamech habitais em uma cabana, unidos pelo amor, portanto unidos a Mim. Por isto também ficarei com todos os vossos descendentes, que sentirão especialmente Mi- nha Presença. O verdadeiro amor é tolerante e nada mais procura senão o objeto de seu afeto. E quando o coração tiver encontrado o seu amor ele é sumamente feliz, ainda que não O tenha diante de si, tanto mais, porém, no coração. E quando o Amado percebe a saudade silenciosa, cheia de humildade e sem coragem de fitá-Lo, encontrou um amor semelhante Àquele a quem amou antes de ser. Quem agir conforme aconselhei a Enos, viverá. Morar, só irei na casa de Jared.”
Finalmente, Abedam Se vira para Matusalém dizendo: “Ago- ra sabes Quem fala contigo. Por isto não deves recear apontar-Me a tua descoberta.” Profundamente comovido, ele responde com voz abafada: “Ó Senhor e Pai, que penetras em todos os corações, como ainda perguntas a mim? Eu me desconheço, mas Tu me conheces de ponta a ponta. Se me arriscasse a falar, facilmente poderia pronun- ciar uma inverdade. Qual seria minha situação perante Ti? Julga-me, mas com clemência e misericórdia.”
Diz Abedam: “Encontraste o que falaste e tua descoberta está diante de ti. Como também moras na cabana de Jared, vives Comigo debaixo do mesmo teto. Quem procurar como tu, há de encontrar o que espera. Em virtude de Me classificares também de Juiz, teu tempo na Terra será o mais longo. Se bem que seja um juiz para todas as criaturas, os filhos não devem chamar o Pai de Juiz. De agora em diante todos que chamarem o Pai de Juiz serão julgados,
e a vida longa na Terra será uma pequena dádiva Dele, para que tenhas tempo suficiente para reconhecer o Juiz como Pai. Agora va- mos descansar e tu, Meu amado Jared, podes escolher se queres ficar Comigo ou se desejas que Eu te siga para tua cabana.”
Exclama Jared: “Pai Amantíssimo, que se faça sempre a Tua Vontade. Minha cabana está em toda parte onde Te encontras.” Aduz Abedam: “Está bem, fica Comigo.”
A DIVINDADE JULGADORA E O PAI AMOROSO NO CORAÇÃO
Todos se entregam ao repouso, com exceção de Um que não necessita de repouso, pois é o máximo repouso e a mais elevada ati- vidade. Assim, Abedam é o Primeiro a estar de pé e desperta todos os filhos que imediatamente fazem sua higiene matinal, hábito comum entre todos. Isto feito, enquanto as mulheres se lavavam depois dos companheiros, em outra fonte, os homens passam óleo nas cabeças para em seguida dirigirem a seguinte ovação a Abedam: “Nós Te agradecemos e Te amamos, Santo Pai! Não nos prives de Tua Mise- ricórdia, Amor e Graça, que somos pecadores.
Dá-nos Tua Bênção para sermos capazes de celebrar o santo sábado. E caso descobrires ainda máculas em nossa alma, castiga-nos com amor e graça para sermos dignos de chamar-Te Pai e amar-Te com coração mais limpo. Sê e continua para sempre o Mesmo Pai de eternidades, também para nossos filhos. Amém.”
Acrescenta Abedam: “Assim seja. Mas não deveis orar a Deus, que é Santo, Santo, Santo, senão no amor do Pai. Para Deus todas as criaturas são um horror — mas para o Pai elas são filhos. A Santi- dade de Deus é intocável, mas o Amor do Pai desce junto dos filhos. A Ira divina condena todas as coisas para a eterna destruição. Mas a Misericórdia do Pai não permite a extinção de qualquer sonho.
Partindo de Deus, tudo tem que morrer. Mas, em seguida surge a Vida do Pai sobre os mortos. Quem procurar a Deus, per- dê-Lo-á, a si mesmo e sua vida, pois Deus não Se deixa tocar. A sa-
piência humana que O procura é para Ele uma tolice horripilante e para o pesquisador é irremediavelmente mortal. Com sua sapiência ele toca a Deus, e não há quem o possa fazer em qualquer sentido e continuar vivo.
Deus é um fogo eterno, puro, mas infinitamente poderoso que jamais se apaga, e se o Pai não o abrandasse, havia de destruir tudo para sempre. Por isto, deve o homem temer a Deus acima de tudo e amar o Pai acima de tudo, pois o Pai é o polo mais oposto de Deus. No entanto, Deus não seria Deus sem o Pai, o eterno Amor em Deus. E o Pai não seria Pai, sem Deus.
O Pai sendo a Vida total em Deus, Deus também é todo Po- der e Força no Pai. Sem o Pai, Deus seria inexprimível a Si Mesmo, pois a Palavra Nele é o Pai. O Pai jamais seria Pai sem Deus, de sorte que Deus e o Pai são Um Só.
Quem toca o Pai com amor, toca também a Deus. Mas quem se esquece do Pai querendo atingir a Divindade com sua sapiência, não será considerado pelo Pai. O fogo da Divindade dele se apossará e o aniquilará eternamente sem poder tomar conhecimento de si mesmo. Será até mesmo difícil que o Pai o recolha para um novo ser.
Onde está o Pai também está Deus. Mas somente o Pai Se revela aos filhos. Deus não Se pode revelar, senão pelo Pai, como agora o Pai revela a Divindade. Quem portanto Me ouvir, ver e amar, ouve, vê e ama também a Deus. E quem for aceito pelo Pai, sê-lo-á também por Deus.
Um indigno não sendo aceito pelo Pai, cairá nas Mãos da Di- vindade julgadora e aniquiladora, não havendo Misericórdia, nem Amor e Graça. Temei, pois, a Divindade, pois é terrível cair-se em Suas Mãos.
Amai o Pai e agarrai-vos ao Seu Amor, deixando-vos guiar por Ele, que jamais haveis de sentir a morte, mas apenas a separação do corpo que em si é uma maldição da Divindade, no qual a Vida do Pai é protegida diante da Ira divina pelo Amor Paternal.
Da Mão de Deus recebes a maldição — mas da Mão do Pai recebes a bênção do amor e da vida que projeta. Ampara-te no amor,
que sobreviverás por ele. Procurando equilibrar-te na sabedoria, se- rás apagado para sempre pelo Espírito da Divindade. Esta revelação representa uma grande dádiva matinal do sábado, trazida pelo Pai que vos ama mais que tudo no Universo. Não o esqueçais e jamais haveis de cair nas Mãos da Divindade.
Agora, Seth, manda preparar um desjejum, pois se o espíri- to foi alimentado, convém também lembrarmo-nos do físico. Cha- ma os três amigos do Norte, Jura, Busin e Orion, que de há muito aguardam lá fora.”
CONSIDERAÇÕESSOBREO TEMPORAL
Seth agradece pela incumbência e diz aos três amigos: “Na cabana está Alguém que deseja vossa presença, pois ouviu também vosso cântico de louvor. Ide sem demora, porque vos aguarda uma bênção incalculavelmente elevada.”
Retruca Jura: “Por acaso apresentou-Se o poderoso Emanuel? Julgamos assim, pela súbita paralisação do temporal. Todos nós pe- dimos e clamamos por Sua Presença e quando a salvação se deu, também agradecemos de pronto. Não foi assim?”
Diz Seth: “Sabê-lo-eis na cabana, enquanto tratarei de um bom desjejum.” Os três se dirigem para lá e imediatamente se atiram ao solo por respeito a Adão e aos demais patriarcas. Este, então, diz: “Alegro-me muito em ver-vos salvos. Se minha preocupação por vós foi grande, maior foi a confiança no Senhor, pois todos tivemos que passar por verdadeira prova de fogo. Minha cabana se tornou habita- ção de feras e serpentes, e as labaredas irromperam do próprio solo. No entanto, nossa confiança no Senhor não podia vacilar e tivemos a prova da bênção protetora de Emanuel. Dirigi-vos ao forasteiro, que também se chama Abedam, e vos orientará de tudo.”
Jura, o mais velho, toma da palavra e diz: “O pai Adão man- dou que aqui viéssemos para recebermos maior elucidação sobre esta noite tão agitada. Há mais de oitocentos anos caminhamos sobre o orbe, estivemos presentes durante a fuga do Paraíso e posteriormen-
te assistimos muitos fatos tristes e terríveis, mas jamais ocorreu coisa semelhante a esta noite. Em contrapartida, ficamos estatelados que tais cenas apavorantes, ao atingirem seu ápice, subitamente desapa- receram como se nunca tivessem existido e o próprio mar também recuou de tal maneira, que só deixou como marca um imenso solo de lodo. Se puderes, dá-nos explicação a respeito.”
Responde Abedam: “Em tais ocasiões passam mal os que estão espiritualmente adormecidos. Dizei-Me, qual seria o espírito unido ao Amor do Pai capaz de se atemorizar mesmo que o orbe todo caísse em frangalhos e um mar de fogo tragasse os mesmos?
O Pai, cheio de Poder e Força, talvez não fosse capaz de pro- teger um filho mui querido no momento de explodir um átomo
— que chamais de mundo ou terra — se Ele organiza e alimen- ta bilhões de corpos cósmicos incomparavelmente maiores que o vosso? Certamente não alimentais a menor dúvida a respeito. Resta saber de que resultou vosso temor e pavor, ou por que as crianças temem a noite.
Tal manifestação negativa se baseia na fraqueza do amor para com o Pai. Amor e confiança são idênticos, e a confiança vacilante é causa de todo medo. Não existe importância naquilo que relatastes, mas tudo depende do equilíbrio de vosso coração.
Se Eu vos revelasse tudo, somente vossos ouvidos ficariam satisfeitos, sem alcançardes a noção real de vosso coração. Será pre- ferível olhardes o vosso coração e de lá dirigir-vos ao Amor do Pai, onde descobrireis em um minuto muito mais que o relato de milê- nios. Sede controlados na curiosidade, porém ativos no amor, que a noite tempestuosa se modificará para um sábado luminoso e sereno. Ficai, para participardes de nosso desjejum.”
ODESJEJUMDOSPATRIARCASNO SÁBADO
Em seguida, Abedam convida-os para seguirem para junto de Adão, onde todos se postam em redor do Senhor, formando um círculo de dezesseis pessoas. O desjejum é composto de pão, mel e
leite. Este desjejum é especialmente mencionado porque o Próprio Pai dele participa entre os primeiros habitantes da Terra, deitando a base para a primeira Igreja. O judaísmo está estreitamente ligado à mesma e ainda hoje respeita vários pontos de sua iniciação. No cen- tro da Ásia, numa região montanhosa perto do Himalaia, ainda vive um pequeno povo isolado, respeitando rigorosamente uma escrita que posteriormente foi organizada pelos filhos de Noé, em pedras. Mais tarde, os hieróglifos egípcios foram apenas uma degeneração daqueles símbolos primordiais.
O dito sânscrito dos persas e hindus não deve ser considera- do idêntico à escrita daqueles tempos, pois é mais recente e também uma degeneração cheia de grandes erros, razão por que seu culto divino é simples paganismo pavoroso.
Este desjejum é mencionado porque foi naquele tempo a fundação da Igreja original de Jehovah, assim como quatro mil anos mais tarde a última Ceia será a base de um novo Testamento, uma Igreja de Graça e Misericórdia, cheia da Vida eterna, por Deus e com Deus.
Mas, deixemos estas considerações históricas e vejamos o que ocorreu após o desjejum. Depois de todos terem agradecido pelo mesmo, Abedam-Emanuel-Abba diz: “Este dia deve ser por vós considerado para vos lembrardes sempre Quem foi, é e sempre será, Que vos procurou para ensinar-vos o justo caminho do amor e sua derivante sabedoria, do espírito do amor e de toda verdade, ou seja a vida verdadeira, livre e eterna.
Daqui por diante, este desjejum deve ser mantido antes de oferecerdes ao Pai um sacrifício, pois ele não será considerado an- tes que vos tiverdes reconhecido como verdadeiros irmãos em Meu Amor e filhos no coração do Mesmo Pai.
Sempre que isto for feito com verdadeiro amor, Eu estarei entre vós, Visível para os que Me amam em verdade, e invisível para os mornos. Sereis capazes de tudo com Meu Amor; sem ele — nada fareis. Meu Amor é um campo fértil no qual fostes deitados como semente. Quem não se deixar arrancar pelo adversário, brotará e
produzirá frutos maravilhosos. Mas, quem não tiver deitado as raí- zes de sua vida de amor bem profundamente no dito solo, enfrentará sérias dificuldades na época da tentação, quando o inimigo do amor tentar arrancar as plantinhas. Todas serão tentadas e certamente não poupará as fraquinhas, que serão extirpadas com suas raízes para deixá-las morrer. As raízes sem umidade vital provocarão a morte do vegetal, pois quem teria visto uma planta surgir e progredir no ar?
Afirmais que todas elas necessitam de ar para viver. Sim, mas o solo é o principal e, sem ele, o ar de nada adianta. O ar é seme- lhante à Palavra divina, e o amor de vosso coração é o solo onde foi semeado um espírito vivo, envolto de uma alma viva.
Esta semente da Vida eterna em vós só pode aproveitar o ar santificado do Ensinamento divino caso tiver brotado e deitado raízes fortes e firmes no solo do amor do coração para Comigo. Se isto não ocorrer primeiro, por acaso o ar que deveria desenvolvê-lo não provocaria sua morte?
Do mesmo modo, Minha Palavra de nada vos servirá caso vosso coração não estiver cheio de amor para Comigo e vossos ir- mãos, pois a sabedoria sem fundamento e superficial será a morte de vosso amor.
Se o amor, que deve servir de alimento para o espírito, es- tiver morto como a plantinha extirpada do solo de Meu Amor para convosco, de onde poderá ela receber o alimento vital?
Que este desjejum vos sirva de advertência visível de que é preciso considerardes sempre o amor. Enquanto assim agirdes, sereis detentores da vida, de Mim, Fonte de todo Amor, Vida e Sabedoria. Gravai estas palavras em vosso coração, agi de acordo que vivereis profundamente sem perguntardes: Onde está o Pai? — tampouco haveis de chamá-Lo, pois Ele estará convosco e dentro de vós, agora e sempre. Henoch, agora podes preparar o sacrifício.”
De coração cheio de amor e gratidão, Henoch se levanta e diz: “Senhor e Amantíssimo Pai, seria de Tua Vontade que aqui, nas alturas, fôssemos oferecer-Te um sacrifício igual ao de ontem, rea- lizado nas planícies? Talvez devíamos manter a cerimônia feita por Abel, Seth e Enos?” Retruca Abedam: “Como podes perguntar-Me tal coisa, sabendo qual o sacrifício de Meu Agrado? Onde se Me oferece primeiro o sacrifício interno de um coração arrependido e amoroso, todo e qualquer outro será santificado. Vejo no coração de todos um ponto vazio que oferecestes a Deus, mas em virtude de sua vacuidade não percebeis a Quem e porque o fazeis. O Pai só espera o sacrifício do coração. Mas o Pai é também Deus, Único, Eterno, Santo e Onipotente e a Ele exclusivamente cabe um sacrifício, assim como ao Pai, o amor.
O sacrifício consome, destrói e mata qualquer oferenda no fogo do altar. Isto é um testemunho do homem perante Deus pro- vando que aceita a Divindade, evidentemente ou apenas sentindo no coração. Quem se prendesse somente ao sacrifício e não fosse preso ao amor do Pai seria consumido, destruído e morto pelo pró- prio sacrifício, semelhante a Deus, porque não se umedeceu primei- ro com a água da vida, ou seja, o puro amor para com o Pai.
Afirmo, quem sacrifica ao Pai, no coração, terá prestado um sacrifício agradável a Deus. Quem tiver ofertado um sacrifício no altar, apenas a Deus, julgando ter igualmente agradado ao Pai, en- gana-se muito. O Pai não sente agrado na cerimônia, mas exclusi- vamente no sacrifício vivo do coração. Porventura o Pai devia sentir prazer num sacrifício de fogo que tudo consome, destrói e final- mente mata? Se antes disto for ofertado um sacrifício vivo do amor, a oferenda material também será aceita, pois a criatura prova o que encontrou no coração, quer dizer, que o Pai é Santo, Santo, Santo e Deus Onipotente desde eternidades. Sem este preparo inicial, segui- dor e final, todo e qualquer sacrifício é um horror para Mim.
Lembrai-vos de Caim e Abel. Caim fez sua oferenda sem amor; Abel com amor. Qual das duas subiu ao céu? Como a oferen- da de Caim fosse um horror a Deus, qual o resultado da mesma? O sacrifício apossou-se de Caim e fê-lo fratricida.
Por isto, futuramente muitos serão dominados pelo sacrifício ignorante, o que os levará a agir como Caim, física e espiritualmente. Pretendendo prestar-Me um sacrifício, fazei-o conforme demonstrei de há muito. Deve ser praticado hoje do mesmo modo que ontem. Todavia, não deve ser feito à noite, mas pela manhã, permitindo que os habitantes distantes possam voltar até o anoitecer.
As crianças não devem ser levadas, pois basta que de cada cabana sigam dois homens e uma mulher. Ninguém deve sentir-se obrigado a tanto, porquanto ninguém será santificado por meio do sacrifício, mas sim pelo amor ao Pai. Quem for trazido pelo amor ao Pai santificará o sacrifício, o que lhe proporcionará elevação es- piritual. Quem for tocado a vir em virtude de qualquer lei, o que revoltará o seu coração, maculará o sacrifício que o destruirá e secará no coração. Tudo aquilo que Me oferecer será idêntico ao coração ressequido, uma obra sem amor e vida. Isto vos sirva de norma.
Agora, Henoch, podes pôr mãos à obra. Os outros devem comunicar aos demais a função do sacrifício, mas silenciai de Minha Pessoa. Somente tu, Jared e Adão, segui-Me para a cabana de Jared. Os filhos de Seth devem acompanhar Eva.”
HENOCHPREPARAO SACRIFÍCIO
Enquanto Henoch prepara a lenha de cedro no altar, sob constantes preces, alguns moradores do Sul se aproximam per- guntando por que isto está sendo feito agora, quando era hábi- to noturno. Retruca Henoch: “Por que vos preocupais? Por acaso faço isto por vontade própria? Seria minha atitude mentira porque não a entendeis? Para os cegos muita coisa é mentira, só porque não enxergam.
Que utilidade teria para o cego o brilho do Sol? Para ele o sol é negro, e nisto ele se firma, razão pela qual o Sol brilhante é uma mentira para ele. Vossas perguntas são inúteis, pois não estou disposto a mentir. Quem está compenetrado da verdade considera a mentira como soterrada no eterno nada. Mas, para quem está de coração cheio de mentiras, que valor teria a própria verdade san- ta? Considerá-la-ia apenas mentira. Que sentido teria a luz interna do espírito para quem procura o fulgor do mundo? Como poderia aceitar a luz que atinge além daquilo que vê? Deixai-me em paz, pois não podeis compreender os Caminhos do Senhor. Esta noite castigou vossos corações com trevas, razão por que não sabeis que o verdadeiro amor para Deus não se prende a qualquer regra, mas deve ser perfeitamente livre, assim como o sacrifício feito pelo amor. Se vosso afeto às mulheres é livre e não se prende a tempo e a hora, por que devia o amor a Deus estar preso a tais conceitos? Refleti a respeito e modificai vossa maneira de pensar.”
Os moradores do Sul se aborrecem com a resposta lacônica de Henoch e um deles comenta: “Percebi ontem que os patriarcas entregaram a cerimônia de sacrifício a Henoch, que sempre foi algo estranho, portanto o será também nesta ocasião. Opino que a ceri- mônia não devia ser entregue ao despotismo de uma só pessoa, e se alguma modificação se tornasse necessária, todos os filhos deviam participar. Por isto, acredito que Sethlahem, o mais velho e experi- mentado, devia inquirir com rigor a Henoch a respeito da modifi- cação do horário.”
Reage Sethlahem: “Não tenho a menor vontade para tanto, pois ontem conheci Henoch dotado de tamanho poder que até hoje me sinto todo arrepiado. Embora a noite tenha sido terrível, ainda assim não conseguiu apagar o que descobri nele ontem. Estais lem- brados que alguns dentre nós se deixaram tentar a seguir caminho para as planícies quando um tigre colossal nos barrou o caminho e, através de sua manifestação de força empregada num touro desco- munal, nos obrigou à volta?
O mesmo tigre se submeteu ontem a Henoch como um cordeiro, obedecendo-lhe ao menor sinal. Não somente isto, ele também pronunciou palavras profundas. Não o percebestes porque ficastes em vossas cabanas. É fácil imaginar que Henoch muito me atraiu, razão por que sempre procurei conversar com ele. Quando quis me tornar adepto dele, fez uma comparação entre um relato e o próprio conhecimento de tal forma que me senti completamente ignorante.
Se ainda estais dispostos a enfrentá-lo com perguntas inapro- priadas, deixai-me em paz; apenas acrescento não convir gracejar com os que estão em união segura com Deus. É preferível observar suas atitudes em vez de perguntar a razão do porquê. Os Caminhos de Deus são insondáveis e Seus Desígnios incompreensíveis.”
Com esta orientação, os inquiridores desistem de seu intento e aceitam o conselho de Sethlahem. Entrementes, Henoch chama este para o lado e diz: “Agiste com sabedoria porque ajudaste os fracos que, sem tua ajuda, teriam caído num abismo profundo em sua ignorância. De agora em diante não te afastarás de mim até per- ceberes o que teus olhos físicos ainda desconhecem e teus ouvidos ignoram. O dia alegre e sereno que seguiu a noite de pavor não te despertou a atenção?”
Responde Sethlahem: “Quem não o teria percebido? Mas, de que adianta isto, pois nada entendi e penso o seguinte: o Senhor sabe porque acontecem as coisas. Quem estiver mais próximo Dele há de descobrir mais do que eu, e agradeço-Lhe por me ter destina- do apenas à paz. Não é isto?”
Diz Henoch: “Possuis um bom solo e quando a semente nele for lançada, há de produzir milhares de frutos. Hoje perceberás um forasteiro em nosso meio que te dirá com uma só palavra mais do que eu em milênios. Ele te vivificará completamente. Agora basta, pois já O vejo chegando.”
Ambos silenciam e não tarda estar Ele Presente, com Jared e Abedam, enquanto Adão, Eva e os filhos de Seth se dirigem à colina onde os aguardam os demais filhos. Chegando junto do altar, Abe- dam diz: “Caro Henoch, ouvi algumas queixas no coração de certos filhos do Sul. Se bem que Sethlahem lhes tivesse tapado a boca, o coração deles clama cheio de raiva. Que faremos?”
Diz Henoch: “Ó Abba, Tu dizes em meu coração que se faça segundo a Tua Vontade e tudo correrá bem para eles.” Diz Abedam: “A tempestade noturna foi permitida por causa deles, exclusivamen- te, para que se humilhassem seus corações altivos. Todavia, viste que foi em vão. Não seria preferível a inexistência de tais impenitentes? Talvez fosse melhor fazê-los tragar pela Terra para que o seu hálito deixasse de empestar este local sagrado? Será aconselhável propor- cionar-lhes o que merece o seu coração?”
Responde Henoch: “Senhor, Tua Vontade é Santa e Tua Mi- sericórdia infinita, e não necessitas que alguém Te implore Miseri- córdia; no entanto, nos dás oportunidades em que devemos analisar nosso coração para ver quanto de amor ao próximo nele habita e a que ponto nos tornamos semelhantes a Ti aplicando Misericórdia.
Como reconheço através de Ti que minha compaixão e amor para com o próximo nada mais são que Tua Misericórdia e Amor, uma centelha de Teu fogo de Amor Infinito e Santo, confesso em minha misericórdia apenas aparente que nada é meu, pois tudo é Teu. Por isto, Te rendo eternamente louvor e gratidão.
Se sinto compaixão para alguém, percebo no mesmo instante como cheguei tarde com meu sentimento. Onde estaria um pobre cego ao qual pretendesse socorrer, se Tu não o tivesses feito com infi- nita antecedência? No entanto, posso pedir que Te compadeças dos fracos e cegos. Mas, assim fazendo, não Te peço para Te incentivar, e sim, que observes o meu coração ao praticar um pequeno sacrifício aos irmãos. Por isto, repito: Ó Abba, Tua Vontade Se faça! Aceita o que meu coração oferece aos irmãos, em amor e misericórdia, como
se fosse algo perante Ti, para que também eu me possa alegrar quan- do Te compadeces de alguém. Aceita minha confissão e tem paciên- cia com minha ignorância.”
Fitando-o com grande amabilidade, Abedam diz a Henoch: “Tuas palavras são verdadeiras porque demonstram a formação de teu coração e quanta sabedoria nele brotou através do amor. Para que possas sentir na íntegra como deve ser formulada a prece dentro da Ordem eterna, ouve:
Se deparas com um irmão, pobre em virtude de sua fraqueza física ou incapacitado do uso de algum sentido, pobre no coração, na força de vontade, na compreensão, na inteligência e em tudo que seja espiritual, e tu te compadeces por amor a Mim, tua misericórdia é perfeita pela aceitação de Minha grande Misericórdia; do mesmo modo, quando as folhas das árvores são movimentadas pelo ven- to, cada folhinha também produz uma pequena brisa assimilada do próprio vento, de forma que dá a impressão de ser algo perante ele.
Já deves ter percebido que o vento também toca as folhas secas que, em virtude de sua inércia, não o suportam, quebram e caem por terra. Ainda que o vento as leve por algum tempo, aos poucos tombam ao chão, onde as espera a destruição. Eis a finalida- de da folha.
Isto não se dá com o homem e ai dele se tornou-se seco na árvore da vida, pois não escapará do aniquilamento. Desta compa- ração se conclui, que somente o vivo pode ser tocado pela verdadeira misericórdia por meio de Minha imensa Misericórdia. Sua compai- xão é assimilada pela Minha como se fosse algo. Assim como o vento recebe a brisa da folha e ao carregá-la permite que as outras sejam tocadas, a misericórdia do homem toca o seu semelhante, razão por que deve fazer o que pode em seu auxílio, através de Meu Amor vivo, e Eu considerarei sua ação caridosa e sua prece como se fossem algo diante de Mim.
Quando o vento sopra, ele se apossa de teu hálito como se fosse algo real. Porventura achas que teu hálito aumente ou mo- difique sua direção? Isto nem o hálito de todas as criaturas conse-
guiria. Pois o vento poderoso vem sem elas saberem de sua origem, tampouco sua direção. Se soprares acompanhando sua direção, teu hálito será aceito e arrebatado. Mas, se o fizeres contra sua direção, ele será repelido, se quebrará à tua boca e sufocará tua própria vida.
Se chorares por piedade à beira de um rio, tuas lágrimas se- rão levadas ao mar da Misericórdia. Mas, se alguém chorasse à beira do rio sem considerar a água, deixando cair as lágrimas na areia, por acaso elas atingiriam o mar?
Quem julgar que, através de sua prece conseguisse mover-
-Me à compaixão, é mais tolo que aquele que presume que o mar tenha que chegar junto de sua lágrima, sem considerar o que vem a ser o mar e para onde se dirigem todos os córregos.
Mas, quem se deixar condoer por Meu intermédio, já se encontra na Minha Ordem e suas lágrimas imediatamente cairão no mar. Quem Me teria persuadido a vos criar quando nada existia fora de Mim? Por acaso fiquei mais insensível desde aquela época, razão por que Eu Me deixaria influenciar pelas criaturas?
Nada disto é preciso. Preciso é que todos os Meus filhos se deixem influenciar por Mim e Me aceitem no puro amor, obser- vando a direção de Minha grande Misericórdia para em seguida se tornarem vivamente misericordiosos. Eis Minha Vontade.
Quando te perguntei o que devia ocorrer com os impeni- tentes, tua resposta foi justa porque te deixaste tocar por Mim. As- sim deve ser futuramente, isto é, deve haver compaixão justa com todos os pobres, irmãos entre si. Mas, se Eu quiser ressuscitar mor- tos, quem poderia pedir-Me que assim não fizesse? Como vês, não compreendeste inteiramente a Minha pergunta, pois também eles devem ser primeiro tragados pela terra da verdadeira humildade. Por isto te dei este ensinamento. Agora manda-os se aproximarem.”
Como fosse testemunha das palavras, Sethlahem pressen- te algo de grandioso na figura de Abedam e Lhe diz com máxima humildade: “Sublime forasteiro, cheio de força e sabedoria divinas, permite que eu atraia os que reclamam das Organizações de Jehovah sem considerarem que tudo que aconteceu, acontece e ainda aconte- cerá já foi previsto desde Eternidades, mesmo atingindo a criatura li- vre. Pelo que deduzi da palestra, uma palavra tua será de maior valia que milhares partindo de mim. Estes sete homens são os mais reni- tentes da zona do Sul e, se quiseres, irei imediatamente chamá-los.”
Abedam, o Sublime, responde: “Se entendesses a Minha Pa- lavra, saberias que dispenso teus serviços. Mas, como ainda sou um estranho para ti, podes fazer o que te agrada. Se eles não aceitarem teu convite, deves voltar imediatamente.”
Tão logo Sethlahem alcança o pequeno grupo, um deles per- gunta com ironia: “Então, em quanto tua sabedoria aumentou de peso? Teria Henoch desvendado a parábola dos montes distantes? Ou talvez te apresentou outro tigre falador? Para criaturas como tu, é preciso que um animal se torne pregador, pois palavras humanas não são consideradas.
Quanto não terias aprendido se as feras desta noite tempes- tuosa tivessem recebido o dom da fala por Henoch. Um tigre fala- dor...! Se isto continuar assim, no próximo ano até mesmo as árvores falarão, as ervas, as pedras, os córregos e o próprio mar serão prega- dores. No terceiro ano, cada gota de chuva a cair do céu dirá: Bom dia, sábio Sethlahem, dormiste bem? Por acaso não percebes a tolice de teus sonhos incontroláveis?
Se desde sempre, segundo afirmação de Adão — que ainda vive e merece toda a nossa confiança como pai de todos — havia o uso de cerimônias beatas, por que deveriam ser modificadas, se para os verdadeiros sábios elas nada representam, senão como fato histórico? Se isto for omitido, que valor tem esta brincadeira para homens inteligentes?
Por acaso pretendes afirmar que Deus, o Onipotente, sentiria satisfação se ateássemos fogo em alguns pedaços de lenha e fitásse- mos a chama a tragar uma ovelha? Tais conceitos sobre a Divindade, da Qual testemunham inúmeras estrelas e sóis, não honram o espí- rito humano. Se ainda possuis uma fagulha de inteligência, deves convir que assim é, mas fala depressa. Nossos ouvidos não necessi- tam ser despertados pelo rugir de um tigre a fim de ouvirmos tua sabedoria heroica. Fala, pois.”
Não é difícil concluir-se a situação de Sethlahem consideran- do que no fundo estava imbuído de sua tarefa. De outro lado, tão compenetrado está do discurso do forasteiro e de Henoch que não tira os olhos do solo que deveria tragar os blasfemadores. Profunda- mente humilhado, ele volta para junto de ambos.
UMEVANGELHOPARA OFENDIDOS
Quando Sethlahem se encontra no meio de Abedam, He- noch e Jared, ele enche os seus pulmões na intenção de desabafar por causa da ofensa feita pelos sete patriarcas. Abedam, o Subli- me, Se antecede e pergunta: “Sethlahem, onde estão os outros? Vejo apenas a ti e, além disto, de coração amuado e cheio de queixas. Asseguro-te, se pretendes vingar-te nos teus irmãos podes escrever a culpa deles na areia. Se alguém tiver qualquer intenção maldosa no coração, deves abençoá-lo como se fosse teu primogênito, e deste modo te tornarás um filho imortal do Amor eterno, cheio de graça e sabedoria.
De que te adianta um espírito pensante, se careces de amor? Andarás sempre nas trevas. Ainda que fixasses aquela cordilheira dis- tante a ponto de conseguires perfurá-la através de teus pensamentos, porventura descobrirás o seu conteúdo? Por certo que não. Mas, se em vez de conjecturas frias incendiares o teu coração, te porás em caminho, convidando alguns entusiastas semelhantes a ti para encetardes a viagem para lá. E, chegando ao teu destino, pensas que a encontrarás como os teus pensamentos e ideias a pintaram? Um
simples olhar à distância te desvendará mais que as conjecturas mais aguçadas. Vês, portanto, o privilégio enorme que o amor tem ao lado da sapiência.
Quem possui amor, quer dizer, o puro amor para Deus, o Pai de todas as criaturas e Criador de todas as coisas e, partindo deste amor, ama também os seus irmãos na medida justa e pura, possui a Vida eterna e toda a Sabedoria. Se quiseres chegar a esta sabedoria, através do amor, toda queixa contra teus irmãos terá que ser banida de teu coração e com isto também todas as conjecturas intelectuais. Se isto não acontecer, caminharás nas trevas, de sorte a não pode- res perceber quem se encontra à tua frente, um simples homem ou Deus Eterno e Poderoso, o que ora acontece.
Reflete no teu coração e perdoa os teus irmãos, ainda que te- nham agido maldosamente contra ti, que também Eu perdoarei tua tolice e te curarei para a Vida eterna. Se te aborrece que teus irmãos pensem e falem de modo diferente que tu, por que não consideras que teus pensamentos diferentes amarguram sete corações, enquan- to os sete só têm divergências apenas contigo?
Volta junto deles e pede perdão, conquista-os no coração, que facilmente chegarão aqui para serem conquistados para a Vida verdadeira e eterna. Nunca conquistarás os teimosos com teimosia, nem teu próprio filho. Tua inteligência te revelou que duas forças semelhantes jamais se unirão, pois cada qual reage contra a outra procurando destruí-la, e duas pedras não podem tomar o lugar de uma só. Não é esta tua convicção? Acrescento ser ela inteiramente acertada. Nunca observaste o que sucede quando a pedra mais fraca cede à mais forte? Ela não acompanha a outra, seu guia e motivação? Faze o que te aconselhei e torna-te guia e mestre de teus amigos, seguindo uma disposição benevolente de teu coração.”
Como Sethlahem fizesse menção de falar, Abedam o inter- rompe: “Ainda não és puro, pois uma grande dúvida oprime teu coração impedindo que entendas o sentido de Minhas Palavras. Que importância tem se aquilo que teus irmãos conjecturam é verdadeiro ou falso? Tu mesmo nada possuis para positivar a genuinidade de tua sabedoria.
O que tem mais valor: querer combater um erro com outro erro, ou reconhecer a pouca importância de seu próprio erro e, em seguida, não se opor ao engano do outro, por amor e amizade, com o que ele te seguirá com prazer, caso tiveres recebido um conheci- mento verdadeiro?
Se, porém, reagires com teimosia com teu erro contra o ou- tro, ele não te acompanhará se progredires no conhecimento real. O amor é o início de toda sabedoria, enquanto a humildade é uma ajuda poderosa do amor e da sabedoria. Se fores humilde, não há quem te desafie, pois quando o provocador não percebe defesa, de- siste de sua intenção, e aquilo que tens dentro de ti ninguém poderá disputar. A humildade é a maior protetora e melhor escola para a sabedoria, cuja semente é o amor.
O orgulho é precisamente o polo oposto de tudo, o que tua longa experiência te ensinou. Faze as pazes com teus irmãos e vere- mos quem alimentava erro maior.”
Profundamente tocado com este ensinamento, Sethlahem procura os irmãos e tenta iniciar seu discurso. Sua emoção o impe- de, pois a Presença Daquele que lhe dera orientação o comove por demais. Como ficasse calado diante deles, começam a temer por ele. Era considerado por todos devido à sua sabedoria, mas não devia apresentar algo novo. Esta foi sempre a divisa deles.
Desta vez, porém, estão dispostos a ouvir coisa diferente, já que ele não mais pretende interessar-se pelos conceitos anteriores. O próprio orador confessa seu arrependimento por ter manifestado aquela aspereza.
Com isto, o coração de Sethlahem se sente aliviado, a fala lhe volta e ele diz: “Irmãos, deixai-me falar só por esta vez. Não quero importunar-vos e podeis manter vossa própria opinião. Apenas vos peço paciência para ouvir-me até o fim. Todos nós estamos presos a conceitos antigos sem considerarmos que não existe algo antigo, pois podemos afirmar: o assunto é velho porque envelheceu conosco.
Ainda que pensássemos deste modo, alimentamos tremen- do engano. Se fôssemos realmente velhos, forçosamente teríamos o aspecto de quinhentos anos atrás. Mas, como se modificou nossa figura! Como chamar-se de velho aquilo que nada mais apresenta do aspecto antigo?
Transformamo-nos em tudo. Onde estão nossos cabelos? Onde está a maioria de nossos dentes? Podia até perguntar onde ficou nosso físico tão forte e disposto? Onde se encontram as árvores das quais comemos os frutos quando crianças? Onde está o gado que nos supriu de leite?
Quem poderia negar, ao beber de uma fonte, que cada gota é nova? No entanto, o sabor desta inovação é deveras precioso. Al- guém já teria descoberto um pingo de chuva antigo? E quando vem a chuva nova alegramo-nos por causa dos campos.
Preferimos o trigo novo porque o antigo perdeu seu sabor. Ansiamos por frutos novos, e a juventude é mais agradável que a de- crepitude. Esta análise pode ser aplicada em tudo que vemos; o novo nos agrada mais e é-nos mais útil que o velho. Sendo evidente nosso desejo por tudo que é novo — e o Próprio Senhor e Criador tudo renova diante de nossos olhos — como podemos reclamar quando se dá uma pequena modificação no sacrifício do sábado, segundo a Vontade de Jehovah?
De maneira alguma quero ofender-vos, mas apenas vos acalmar. Também podeis sustentar opiniões louváveis, o que não pretendo discutir, pois já me provastes vosso intelecto aguçado.
Acrescento apenas o pedido que me acompanheis ao altar para me ajudar a identificar o forasteiro que vos espera. Sua palavra é tão forte e penetrante que estou disposto a considerá-Lo o Próprio
Jehovah. Pelo que vejo, minha afirmação vos leva a gargalhadas, mas não o façais antes de analisar o motivo de vossa ironia.
Qual seria vosso critério de um homem que vos denuncias- se os mais ocultos pensamentos e falasse de coisas divinas como se fosse detentor das mesmas? Por muitas vezes provastes aos vossos filhos que somente Deus pode conhecer nossos pensamentos e eu nunca vos contradisse porque compreendia a veracidade daquilo. Vinde comigo e, caso não O descobrirdes de pronto, podeis ridicu- larizar-me diante de todos.”
O grupo se cala sem saber o que fazer. Finalmente, o orador diz: “Ora, que há? Sethlahem já nos pregou várias peças, entre elas havia coisas tolas e inteligentes. Vamos contentá-lo. Terás sorte se não inventaste outra tolice.” Diz Sethlahem: “Irmão Kisehel, isto não tem importância, pois creio que tua fé será mais forte que a minha.”
HUMILHAÇÃODE KISEHEL
Em seguida, todos se encaminham para o altar e Kisehel, bastante encorajado, se posta diante de Abedam, fita-O dos pés à cabeça e diz: “Bem, todos nós estimamos nosso irmão Sethlahem, inteligente e de grande benefício como orientador. Desta vez parece ter dado um passo em falso, pois em sua crendice chega a conside- rar-te Jehovah, porque percebeu elevada sabedoria em tuas palavras.
Se ao lado de tua incontestável sabedoria também possuíres um pouco de amor, deves convencê-lo de seu engano, pois Jeho- vah e tu sois tão diferentes como um ponto terreno se distingue da eternidade. Faze-nos este favor e equilibra cabeça e coração de nosso amigo.”
Responde Abedam: “Kisehel, perscrutei o teu coração e des- cobri que apenas a metade se dedica ao amor ao próximo, enquanto a outra está repleta de malícia. Ao lado de teu pretenso bom concei- to de Sethlahem, planejaste criticá-lo e ridicularizá-lo caso a afirma- ção dele não se confirmasse. Pleiteando o Meu Amor ao próximo, desejava saber de que prejuízo Eu devo primeiro precavê-lo, se da
inteligência ou do sentimento. De Minha parte, sinto-Me atraído pelo coração, enquanto te interessas mais pelo intelecto. Cabendo-
-Me salvá-lo, prefiro fazê-lo totalmente e não pela metade. Dize-Me como devo proceder.”
Kisehel não reflete muito e responde: “Amigo, tua sabedoria é realmente grande e ultrapassa todos os meus conceitos. Só não compreendo que ainda me venhas perguntar, pois sábios de tua es- pécie, diante dos quais nem os corações alheios estão seguros, não costumam perguntar, mas apenas ensinar. Compreenderás, portan- to, eu ficar devendo resposta.
Que importância tem se equilibrares a cabeça dele? O mun- do não soçobrará se eu renunciar à ameaça bem intencionada, que aliás era simples brincadeira. Deixei bem claro que todos nós esti- mamos nosso irmão Sethlahem. Como podes perguntar por algo que não traduz grande honra para tua sabedoria pesquisadora? Não deve o sábio manter-se dentro da lógica? Uma sabedoria crivada de falhas está longe da verdadeira sabedoria. Repara esta falha, que te responderei. Irmão Sethlahem, como vês, não se trata de Jehovah e espero em breve clareza neste ponto.”
Fitando Kisehel com rigor, Abedam diz: “De fato, se pros- seguires deste modo, Jehovah terá que frequentar tua escola para aprender tua sabedoria. Para que vejas — e não morras em espírito por longo tempo — que a Sabedoria de Jehovah não contém falhas, olha em direção ao Sul. Vês o grande amontoado de pedras que nes- ta noite provaram a Sabedoria do Senhor pela destruição da gruta de Adão? Poderias reedificá-la por meio de tua sapiência e lógica?
Intimamente o negas e perguntas se Eu seria capaz disto. Não te respondo e digo apenas à gruta: Levanta-te! — e vê como está de pé. Por acaso queres ir até lá para te convenceres da realidade? Em silêncio dizes que tal não será preciso. Então, pergunto, quais foram as falhas que descobriste em Minha Sabedoria?”
Kisehel e os demais, com exceção de Henoch que conhecia e louvava o Poder do Senhor, estão como que petrificados e ninguém se atreve a pronunciar palavra. Abedam prossegue: “Kisehel, por que
ficas devendo resposta a Mim? Talvez acabas de descobrir uma nova falha de Minha Sabedoria? Se Eu pretendo ser teu aluno, por que não Me corriges?”
Caindo de joelhos, Kisehel diz, chorando: “Ó Senhor de Céus e Terra, não castigues o verme no pó com muita dureza, pois reconheço minha culpa. Tem Piedade deste verme e não Te aborre- ças com minha cegueira que desconsiderou o Sol.”
Dirigindo-Se a todos, Abedam diz: “Voltai para vossos lu- gares e procurai descobrir-Me no coração, pois esta descoberta por meio da Minha prova vos servirá apenas para o julgamento da mor- te. Quando vosso amor Me aceitar, Minha Presença vos será útil para a vida. Tão logo vosso coração pronunciar o Meu Nome, deveis voltar para junto de Mim, para que vos faça ressuscitar da Terra que vos tragou, com exceção de Sethlahem.”
CONFISSÃODE KISEHEL
Os sete patriarcas retornam aos lugares, onde são recebidos pelos familiares, entre os quais estavam os filhos já idosos, que logo indagam do motivo da tristeza dos anciãos. Kisehel responde: “Não pergunteis a respeito disto, mas alegrai-vos com o ressurgimento da gruta de Adão. Que vos parece isto, pois de manhã todos viram apenas um montão de pedras? Refleti a respeito e sabei que junto do altar Se encontra Alguém muito importante. Pesquisai vosso co- ração e, no verdadeiro amor, haveis de descobrir o Pai. Segui o meu conselho que sereis muitíssimo felizes.” Virando-se para os irmãos, ele prossegue: “Porventura sentis o mesmo que eu? Meu coração não consegue controlar o imenso amor para com Ele. Se meu pecado não fosse tão ultrajante, não haveria fogo que me retivesse. Minha alma estremece e o solo que piso vacila, impedindo que me dirija para junto Dele.
Temo Aquele a Quem amo acima de tudo. Não temo o Seu Poder infinito, nem Sua Ira que poderiam destruir-me para sempre, mas temo não amá-Lo como merece. Por que o meu físico não se
transforma em amor apenas? Que o fogo de meu coração penetre todo o meu organismo, pois só então poderei aproximar-me Dele!
O Justo é Puro, pois desconhece o pecado. Nós nos deleita- mos no pecado por longo tempo, de sorte que julgávamos ter um direito dado por Deus. Então o pecado nos endureceu a ponto de não sermos capazes de nos transformar em amor. No entanto, temos que chegar até lá.
A chama do amor tem que se tornar tão poderosa a consumir o nosso corpo pecaminoso e, das cinzas, surgirá um novo físico, in- teiramente capacitado para o amor e com o qual podemo-nos apro- ximar Dele. O pior de todos os pecados é nosso fraco amor para com o Pai e não haverá eternidades que possam apagar esta impressão terrível: sou um pecador diante de Deus.
Ó Terra, considera a Quem carregas, pois Ele é Deus e san- tifica tua matéria. Ajudai-me a louvá-Lo, criaturas e anjos, pois so- mente Ele é Bom, Santo e pleno do máximo Amor, Poder e Força!” Não conseguindo prosseguir, Kisehel desata de novo a chorar, acom- panhado dos irmãos.
Abedam Se dirige para Henoch e diz: “Ninguém até hoje Me aceitou como ele. Embora tivesse pecado em sua ignorância, tornou-se maior que todos aqui. Kisehel acaba de incendiar o mais belo sacrifício, pois deixou-se consumir pelo fogo de seu amor, que- rendo tornar-se apenas amor. E assim foi. Vamos erguê-lo e ouvir o que ninguém até hoje imaginou.”
PRECEDEARREPENDIMENTODE KISEHEL
Ao se aproximarem dos sete patriarcas, param por algum tem- po por ordem de Abedam a fim de ouvirem a prece de Kisehel, pros- trado ao solo, dizendo: “Pobre de mim, ínfimo pecador, que diante de Deus me vangloriava de minha imensa tolice que julgava sabedo- ria. Sua Misericórdia demonstrou-me apenas uma fagulhade Sua infinita Sabedoria, e já me encontro deitado no pó. Que teria acon- tecido se Ele tivesse concedido mais que uma fagulha de Sua Luz?
Sua imensa Bondade, Amor e Misericórdia pouparam mi- nha indescritível petulância. Em vez de me castigar com a eterna destruição, perdoou-me e mandou que aqui viesse para procurá-Lo de novo. Eu, o mais indigno dos pecadores, devo voltar para junto Dele! Prefiro que a Terra me trague, pois ainda que me tornasse todo amor, as eternidades não poderão apagar meu ultraje. Meu Pai, isto não pode acontecer, basta que eu pecasse uma vez em minha ceguei- ra! Como classificar o pecado, caso eu me aproximasse de Ti ciente de meu erro? Prefiro ficar e chorar minha imensa tolice e, se até hoje nunca fui útil à Terra, minhas lágrimas devem agora umedecer o seu solo. Talvez uma pequena raiz ainda pudesse satisfazer sua sede, ou então morrer com a lágrima de um grande pecador.
Hei de me sentir melhor no banimento eterno do castigo, em qualquer canto da Terra, ao invés deste local abençoado. Ó solidão serena, onde te encontrarei para morrer para sempre sem testemu- nhas de minha grande miséria! Agora acertei: não existe o que pos- sa apagar o meu pecado senão a morte eterna; somente ela destrói o erro. Mas, se não existir destruição diante de Deus, poderá Ele esquecer algo? Por acaso não somos expressões livres da constante recordação de Deus diante Dele Mesmo? Agora percebo o nada que somos, todas as criaturas e seres, diante Dele. Também percebo que todos nós, pecadores e justos, nada podemos diante de Ti, Senhor, que és Tudo em tudo.
Qual seria o mérito do justo? Nenhum, pois tudo é apenas Tua grande Misericórdia. E o que vem a ser o pecador diante de Ti? Nada, porquanto quis ser algo sem considerar sua nulidade perante Ti. Onde está a diferença entre um pecador e um justo? O pecador é grande tolo, porque presume ser algo perante Deus. Enquanto o justo reconhece sua nulidade e sabe que se existe algo de bom nele é apenas Misericórdia divina. Esta é a luz do justo, enquanto a treva do pecador representa sua grande presunção.
Ó Santo e Bom Pai, percebo vivamente que jamais me po- derei ocultar diante de Ti, pois Tu és Tudo no Todo. Mas Tua Mise- ricórdia é infinita e Te peço que me deixes ser o mais simples entre
os que Tua Misericórdia se apiedou.” Assim, Kisehel termina, cho- rando com o rosto encostado ao solo e os irmãos também choram.
Abedam explica aos demais que se dera mais que o incêndio de dez mil altares, enquanto Sethlahem diz intimamente: “Meu po- bre irmão, sou o único culpado de tua grande aflição. Ó Abedam, tem piedade para com ele.” E Abedam retruca: “Não te preocupes com ele, mas que também te tornes como ele. Afirmo que quem não se tornar igual a Kisehel, continuará pequeno diante dele no Reino da Vida Eterna.”
COMOVENCERO PECADO
Passado algum tempo, Abedam Se dirige para Kisehel que ainda se encontra prosternado no solo, toca-o no ombro e diz: “Er- gue-te para a vida eterna, pois a encontraste em verdade. Eu, Abe- dam Jehovah, o Eterno, teu Bom e Santíssimo Pai, vim Pessoalmen- te para te erguer. Levanta-te sem receio. Apaguei o teu pecado para sempre porque Me envolveste com teu amor do coração como até hoje não houve quem o fizesse. Serás cumulado de grande sabedoria e poder, nascidos de teu amor, de sorte que todas as coisas vivas e mortas te serão submissas e, finalmente, também serás provido da Vida eterna. Jamais hás de sentir a morte, porque extinguiste em tudo tua carne pecaminosa através do amor para Comigo.
Quem, como tu, morrer por amor a Mim, será por Mim despertado, não para este tempo e sim para a eternidade. E quem não conquistar a Vida eterna como tu, terá que aguardar por muito tempo até que se dê o grande dia da salvação dos mortos. Levanta-te com os teus irmãos e segue-Me.”
Suspirando profundamente, Kisehel se levanta aturdido de imensa alegria, mas tremendo, sem poder pronunciar palavra. De novo Abedam o toca e diz: “Sê firme e que todo receio seja banido e, com ele, até mesmo a possibilidade de uma recaída no erro. Tudo que farás daqui por diante em Meu Nome, impede qualquer possi- bilidade de pensar num pecado.
Explicarei o que é o pecado e como pode ser evitado. O pe- cado dá-se pelo seguinte: Se alguém percebe uma tendência dentro de si e a vantagem da mesma, dela se apossando em seu próprio benefício terá caído em pecado. Pela posse de tal tendência que o amor-próprio havia enterrado dentro de si, nasce um elemento mau que penetra e obscurece a criatura, a ponto de não poder mais dife- renciar entre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso.
Se, ao sentir qualquer fraqueza, a criatura disser intimamen- te: — Senhor, reconheço que fui tocada por Ti, pois a tendência vem de Ti. Tua infinita Bondade apiedou-Se de mim querendo po- sitivar-me na verdadeira humildade, portanto, no amor para Conti- go. Não sou digno de fazer o que me revelaste através da tendência tentadora. Pois todo Poder e Força são Teus, és Senhor Único de Céu e Terra. Permite que eu faça somente o que me cabe diante de Ti, quer dizer, amar-Te filialmente, mas tira de mim esta vontade de ação superior, pois é uma Força divina. Se eu, criatura ainda fraca, a empregasse, seria um ser idêntico a Ti, querendo agir com Teu Po- der. Tira de mim Tua Santidade e deixa-me continuar no amor filial.
Julgais que Eu venha tirar da criatura a tendência de Meu Poder caso encontre nela tamanha humildade? De maneira alguma, mas abençoarei a mesma e a despertarei para a Vida eterna. Deste modo, estará unida a Mim com o mesmo recurso com o qual se po- deria ter tornado grande pecadora e poderá fazer o mesmo que Eu, sem jamais poder errar. Tudo que fizer, fá-lo-á por Mim.
Julgais que o pecador faça algo diferente que não a Minha Vontade? Nenhum cabelo em sua cabeça poderá ser tocado sem a Minha Vontade. Conjecturais: Como pode pecar quem age segundo Tua Vontade? Já vos expliquei o que vem a ser o pecado e acrescento mais um exemplo: Suponhamos que alguém se irrite com a ação do irmão a ponto de querer matá-lo como fez Caim; no entanto, reflete e reconhece a origem desta tentação. Isto não é suficiente, pois a descoberta humilde desta tendência estranha e poderosa lhe revelará imediatamente que somente Eu sou Senhor sobre vida e morte. Com este conhecimento o homem tocado por Minha Força
se prosternará diante de Minha Santidade que lhe chegou tão de perto e Me devolverá a Minha Posse, de coração honesto e grato.
Eu, porém, não tomarei de volta a Minha Força que o tocou, mas o abençoarei e despertarei para a Vida eterna. Ele converterá o seu irmão, quer dizer, matá-lo-á para o mundo, vivificando-o para a Vida eterna com a Plenitude de Meu Poder. Quem poderia afirmar ter ele pecado com relação ao irmão?
Mas, quem, ao descobrir a estranha tendência, agir de modo próprio, conquanto usando a Minha Força, será grande pecador igual a Caim que se apossou de Meu Poder, tornou-se mau e matou o irmão.
Assim, todo pecador se tornará um justo de nascimento quando descobrir, a tempo, sua tolice e se voltar para Mim cheio de remorso e amor, e tiver depositado aos Meus Pés o condenável roubo de Meu Poder. Todos os seus pecados serão remidos ainda que o nú- mero fosse idêntico aos grãos de areia do mar. Nada lhe será tirado e ele será grande segundo a grandeza de seu remorso, humildade e amor. Mas ai dos renitentes! Agora sabes, Kisehel, que todos os teus erros se desfizeram e estás tão puro como se nunca tivesses pecado, pois reconheceste a Minha Força dentro de ti. Sê firme e segue-Me com teus irmãos para junto de teus filhos.”
ASCINCOFILHASDE ZURIEL
Quando chegam perto dos filhos de Kisehel, também pros- ternados no solo, Abedam diz: “Levantai-vos, filhos, irmãos e pro- genitores dos mesmos. Vim Pessoalmente e quero que ressurjais para a Vida de Meu Amor. Os que se erguerem com a Minha Chamada não sentirão, nem saborearão a morte. Os que assim não agirem, ficarão deitados ao solo para sempre!”
Todos se levantam, chorando de imensa alegria, pois reco- nhecem e louvam o Senhor. Entre eles havia cinco moças, bisnetas de Kisehel, de beleza incomum e ainda solteiras, entre trinta e qua- renta anos, embora não faltassem pretendentes. Seu pai, mui simples e devoto, ensinara-lhes a dedicação a Mim e, caso assim agissem,
Jehovah havia de lhes encaminhar maridos escolhidos que talvez ga- rantissem filhos do tronco principal de Adão. Assim orientadas, as cinco moças amavam cada vez mais fervorosamente a Jehovah, não obstante sua mocidade.
De tempos em tempos Eu lhes fazia saborear o Meu Amor, de sorte que andavam realmente apaixonadas por Mim e sua sauda- de crescia dia a dia, de hora em hora. Também se amavam reciproca- mente e tudo que viam as deleitava como recordação de Seu Amado. Principalmente quando encontravam uma florzinha especial, devia ter sido Eu Quem a tinha proporcionado para alegria delas. Apa- nhavam a flor com grande respeito a fim de mostrá-la ao pai. Este, muito satisfeito, agradecia intimamente a Mim por tê-las protegido diante das perseguições masculinas e pedindo que prosseguisse na proteção de suas filhas.
Deste modo, estas moças cresceram debaixo de Meu Amor e se tornaram cada vez mais belas e atraentes, física e espiritualmente. Sua beleza era tão grande que todas as atuais beldades em conjun- to não podem ser comparadas a uma simples gota de orvalho. É fácil compreender-se sua sensação quando vêm Jehovah na figura de Abedam. Se o pai não as detivesse, elas se teriam atirado nos Braços Dele.
Como Abedam visse claramente tão grande afeto, Ele diz para o pai delas: “Zuriel, não deves retê-las, pois não foste tu a en- siná-las a amarem a Mim exclusivamente?” E ele conduz as moças para junto de Abedam, se ajoelha e diz: “Ó Jehovah, Pai Santíssimo e Criador de todas as criaturas e seres, aqui Te devolvo estas dádivas que desde sua infância diariamente Te ofereci, agradecendo por me teres achado digno de tão maravilhosa oferenda. Que ela seja de Teu agrado e eu possa contar sempre com Tua Graça e Misericórdia.”
Responde Abedam: “Cega e muda era a dádiva quando por Minha Mão foi deitada no ventre de tua companheira, e impura ao vislumbrar a luz do mundo. Tu a purificaste com todo o zelo de teu coração e criaste cinco belas árvores da vida que em breve produzi- rão os frutos mais maravilhosos no Meu Jardim.
7. A mais jovem será por Mim abençoada em benefício da Ter- ra toda e seus descendentes verão o grande final de todas as coi- sas. Através das outras será abençoada a ação artística do espírito. Tempos virão em que necessitareis das artes, benéficas para os que souberem aproveitá-las sabiamente — mas também um julgamento para os que delas se servirem para o amor-próprio.
Tu, Zuriel, não hás de saborear a morte; acabo de libertar a tua alma da carne, para que dela se possa tornar senhor, aprovei- tando-a quando quiser. No entanto, não abandonarás tua morada antes que Eu te chame. No Reino da Luz do Amor terás a mais bela moradia com todos os teus, mais bela e maior que todos os Céus. Por ora, fica Comigo.”
Virando-Se para as cinco moças, Abedam diz: “Aluraeli (be- las filhas do Amor), por acaso vos agrado? Correspondo à imagem que vos levava a procurar Minhas Recordações nos campos?”
Com vozes trêmulas, elas respondem: “Único Objeto de nosso amor, bem podes ver nosso coração, pois és, ó Jehovah, nossa única Esperança, o único Amor de nosso espírito. Consideramos a mais elevada Graça em poder amar-Te e pedimos tocar-Te, apenas.”
Abedam, concedendo-lhes esta Graça, diz: “Depois de Eva, sois as primeiras a quem permito tocar-Me e vos tomo com a Mão que criou Céus e Terra e vos beijarei para a Vida eterna, com a Boca que projetou todas as coisas. Acompanhai-Me à colina.”
PREOCUPAÇÃODE ZURIEL
As moças abraçam Abedam com tamanha efusão que Ele não consegue caminhar, levando Zuriel a objetar: “Minhas filhas parecem importunar-Te, Senhor, pois desejas subir a colina e elas impedem os Teus Passos.”
Responde Abedam: “Tua opinião de Minha Pessoa é algo material, pois quem poderia impedir os Meus Passos? Julgas Eu não poder livrar-Me de tuas filhas se a atitude delas Me for desagradável? A fim de que cada grãozinho de areia preso aos teus pés se conserve
como tal, tenho que fixá-lo com maior força do Meu Amor do que essas moças no momento prendem os Meus Pés. E tu podes carre- gá-lo livremente, embora sejas uma criação Minha, razão por que preciso segurar-te mais estreitamente a fim de que vivas, penses, sin- tas e tenhas consciência própria, sem impedir os teus movimentos.
Terra, Sol, Lua e estrelas que, em si, são apenas mundos e sóis, se movimentam livremente e Eu tenho que mantê-los constan- temente em todas as suas partículas, desde o átomo até o maior sol central, para cuja grandeza esta Terra com o Sol pode ser comparada a um átomo em relação a este planeta, do contrário se desintegra- riam de momento.
Compreendes tua ignorância? Como podias imaginar que tuas filhas fossem um empecilho para os Meus Pés? O fato de Me agradar o proceder delas percebes porque não as afasto de Mim. Por- ventura não deveria tolerar os que Me amam? Quem então poderia aproximar-se de Mim? Afirmo para todos: Se uma criatura não me abraçar como estas Minhas queridas filhas, jamais verá o Meu Sem- blante, compreendeste?”
Responde Zuriel: “Ó Jehovah, perdoa este tolo e tem paci- ência e indulgência comigo. Meu erro foi imperdoável; quanto mais reflito, mais claramente percebo minha grande tolice.”
Diz Abedam: “Zuriel, acalma o teu coração; teu erro origi- nou-se no teu cego amor para Comigo. Acabo de orientar-te para amares de olhos abertos e não fechados. Todavia te digo, quem não começar a Me amar em sua cegueira e não se preocupar Comigo como tu, dificilmente receberá uma luz maior do Meu Amor.
Como te tornaste de visão perfeita, hás de ver quão pouco es- tes Meus Pés podem ser tolhidos pelos abraços de tuas filhas. Olha em redor e compreenderás ainda mais a futilidade de tua preocupação. Porventura ainda nos encontramos no lugar onde Me juntei a vós?”
Só agora Zuriel percebe que estão na colina de Adão, meia hora distante do ponto anterior. Prosseguindo, Abedam pergunta: “Por que não falas? Por acaso se justifica nossa presença no lugar para onde teríamos que andar penosamente?” Diz Zuriel: “Ó Jeho-
vah, tudo que fazes é bem feito. Mas, não sei, não se trata de sonho, e como isto aconteceu tão rapidamente? Encontrava-me ajoelhado e ainda o estou. Ó Jehovah, quão maravilhoso é Teu Poder e Força in- finita. Quem não Te amaria após descobrir que és o máximo Amor? E Tu nos tornaste merecedores do mesmo, por isto Te agradecemos por toda eternidade.”
Diz Abedam: “Admiras-te que todos vós aqui estais, no en- tanto, é cada respiração, cada pulsação de teu coração, enfim tudo em ti, milagre maior que esta ocorrência que provoquei a fim de perceberes a inutilidade de tua preocupação com a livre movimenta- ção de Meus Pés. És, todavia, justo e vivo, por teres um coração mui sincero; fica, pois, livre morador de tua habitação.”
Nisto se aproxima Adão e louva Abedam por se ter demons- trado tão Magnânimo com o sexo feminino, e Abedam retruca: “Adão, por acaso Eva não surgiu de Minha Mão? Por que deveria a mulher ser desprezada pelo Meu Amor? Digo-te o seguinte: se futuramente construir um novo Céu, isto será feito numa mulher e jamais num homem. Que ninguém Me pergunte a respeito, pois antes disto grandes coisas acontecerão.”
OENCONTRODOSENHORE GEMELA
As cinco moças tão absortas estão pelo amor a Abedam a ponto de nada perceberem daquilo que se passa ao seu redor. Como esta devoção sincera e pura agradasse muito ao coração Dele, de novo as toca e diz com voz suave: “Aluraeli, amadas filhas e noivas de Meu Amor, despertai de vosso amor puro para a Luz da Graça pura e dizei-me vossa opinião a respeito deste local.”
Elas se levantam e começam a olhar em volta e só depois de algum tempo percebem encontrarem-se na colina de Adão. Embora quisessem fazer uma série de perguntas, nenhuma sabe como come- çar. Sentindo seu embaraço, Ele diz à mais jovem: “Tu e tuas irmãs vos admirais de estar aqui, sem saber como. É preciso considerardes a tempestade da noite passada que parou subitamente, fazendo com
que tudo voltasse à ordem, com exceção do mar que foi obrigado a recuar a fim de deixar um solo fértil. Necessitareis dele quando aumentardes em número. As montanhas ainda em erupção provi- denciam uma dilatação interna do orbe para a aceitação das águas marítimas e daqueles seres que Me odeiam e fogem de Mim. Pode- rão bradar com o mar e com seu mais forte monstro, que afundou no abismo da ira e se chama Leviatão.
De resto, tudo está inalterado como sempre foi desde tem- pos remotos. Como Seth conseguiu aplacar tal tempestade, uma vez fortificado por Minha Vontade, quanto mais não farei Eu, Pessoal- mente. Isto não se deu por vossa causa, mas apenas por vosso mui devoto pai que temia que vosso amor para Comigo se tornasse um empecilho para os Meus pés. Eu apenas estendi a Minha Mão e vos trouxe para aqui. Assim, ele entendeu que nada poderia ser um im- pedimento nos Meus Caminhos. Transmito-vos a causa deste fato para poderdes assimilar um conhecimento maior e, uma vez desper- tadas, pudésseis reconhecer que a mulher também foi criada para o Amor e a Luz espirituais. Entendes, Minha filha?”
A mais jovem retruca: “Agora tudo me é claro, ó Jehovah; entendo Tua Santa Palavra e vejo a mim mesma até o âmago e tam- bém me sinto tão leve. Como me sinto bem, ó Jehovah! Por acaso as minhas irmãs também passam pela mesma sensação de iluminação interna através de Tua Graça?”
Diz Abedam: “Basta olhares para elas e saberás que nada lhes falta, pois quem está Comigo como vós, de nada carece. Querida Gemela, amo-te tanto como se além de ti nada existisse para amar em todo o Universo. Todavia, assim não é. O Infinito contém inú- meros seres que Me amam como tu e também são amados por Mim como tu, e todos são supridos por toda Eternidade com o que re- cebem de Mim. Como agora te sentes feliz no teu amor puro para Comigo, todos também o serão quando Me amarem e, por Mim, também os seus irmãos na mesma proporção. Para que tenhas uma pequena prova do amor de todos os seres, apanha esta florzinha que te espera a teus pés.”
Gemela tira a flor do galho e a entrega para Abedam que a toca e sopra nos olhos da moça. Em seguida, diz: “Transmite a todos o que vês na tua florzinha. Não tenhas receio, pois pertences a Mim desde sempre e jamais hás de perder o Meu grande Amor.”
Com doce embaraço, Gemela começa a dizer: “Meu Santo Jehovah, que é isto? Isto não é uma flor, são mundos enormes! Quem poderia enumerar sua infinita multiplicidade, uma ultrapassando a outra em maravilha jamais pressentida! E que brilho estupendo os envolve! Agora vejo também incontáveis seres, mares imensos, cheios de vidas. Inúmeros se libertam destes mundos e outros retornam para eles. Meu Jehovah, não consigo prosseguir, os milagres se sucedem, maiores e mais belos. Como és Santo e Bom, meu Jehovah!”
Ela tem um desfalecimento e é socorrida pelos Braços Dele, que diz: “Gemela, por certo não esperavas estes milagres nesta pe- quenina flor; no entanto, assim é numa variedade infinita. Quando estiveres no Meu Reino, poderás ver e apreciá-lo melhor. Se numa florzinha já tenho tanto para cuidar, imagina o mundo físico e espi- ritual. Ainda assim, te amo tanto como se nada mais existisse além de ti. Já Me entendes algo melhor?”
PESQUISANDOASPROFUNDEZASDA CRIAÇÃO
Percebendo a imensa Bondade e Amor de Jehovah, as moças se tornam mais confiantes, principalmente Gemela que começa a fa- zer várias perguntas, como sejam: “Meu Amantíssimo Senhor, como Tua inexprimível Bondade permitiu que eu visse o milagre infinito desta florzinha, lembro-me que muitas vezes observei com imensa saudade as estrelinhas no Céu, imaginando que seriam certamente muito mais belas vistas de perto.
Certa vez nos encaminhamos com nosso pai em direção ao ponto em que víamos surgir as estrelas, na esperança de poder vê-las melhor. Elas, porém, se afastaram de nós, aparecendo num outro lu- gar mais distante. Nosso pai nos acalmou dizendo que isto não nos devia preocupar por serem as estrelas mui santas por Tua Causa, ra-
zão porque se afastavam do olhar humano e só podíamos louvar-Te pela visão ao longe. Mas agora, meu Jehovah, não tenho coragem de pedir! Não ficarás aborrecido comigo?”
Diz Abedam: “Pelo que vejo, sou obrigado a te tirar deste embaraço. Desejas ver mais de perto estas florezinhas luminosas do Céu. Pois bem, dá-Me tua mão direita e a esquerda ao teu pai e às irmãs, a fim de participarem de tua alegria.” Depois destas pala- vras, Ele emite o Seu Sopro sobre eles, que vêm as profundezas da Criação. De repente, todos pedem socorro diante da grandiosidade imensa que ameaça tragá-los.
Abedam os chama de volta e com isto a visão desaparece. Ao acordarem se atiram aos Seus Pés e começam a adorá-Lo, tremendo de medo. Tocando-os de novo, Ele diz para Gemela: “Segundo Me parece, as estrelas não te agradaram tanto quanto a flor e precisas con- tar-Me o motivo de teu pavor e o que aconteceu nestes três momen- tos. Encosta tua cabecinha no Meu Peito, que a coragem te voltará.”
Depois de mais calma, Gemela diz com voz acanhada: “Se- nhor Poderoso, quem seria digno de dizer algo de Tua infinita Gran- diosidade, Força e Poder? Vi apenas inúmeros mundos, enormes e indescritivelmente luminosos que se moviam no Espaço como raios. Um superava o outro em tamanho, luz e glória.
Quando fixei mais o meu olhar apavorado, vi somente um imenso mundo de fogo e no centro das chamas, de um brilho so- lar insuportável, percebi figuras humanas de tamanho descomunal num movimento veloz. Imaginei sua dor e tive a impressão que um abismo sem fim se houvesse aberto e certamente havia de tragar esse mundo de fogo e seus habitantes. Aquele abismo parecia querer tragar também a mim, razão por que gritei por socorro e Tu me cha- maste. Teriam sido as estrelas que tanto me encantavam? Não fiques triste se confessar que prefiro as flores às estrelas e, se permitires, farei outra pergunta.”
Abedam responde: “Gemela, já to prometi; pergunta o que quiseres, que não ficarei devendo resposta. Só não deves perguntar pelas estrelas, demasiadamente grandes para ti.”
De coração mais calmo, Gemela formula a segunda pergun- ta: “Milhares de vezes ouvi e também pronunciei a palavra eterni- dade, sem jamais entendê-la e gostaria de receber uma explicação.”
Diz Abedam: “Querida, jamais poderias entender e conti- nuar com vida após a explicação da eternidade do Meu ponto de vista, pois é impossível torná-la visível. Para o teu e o entendimento de todos, digo que a eternidade representa para o espírito aquilo que o tempo significa para o corpo, com a única diferença que o tempo tudo destrói, enquanto a eternidade não deixa perecer um átomo sequer.
O tempo surge e consiste da constante movimentação de to- das as criações materiais. Se elas não se movimentassem, cairiam umas por cima das outras; sóis, planetas e luas formariam um con- glomerado caótico que, pela forte pressão, se incendiaria e finalmen- te haveria de se consumir.
Como tudo, do maior ao mais ínfimo, precisa movimen- tar-se em distâncias estritamente calculadas e até mesmo as partes anexas a um corpo também necessitam de um constante ímpeto de movimentação tão logo desapareça um empecilho, tais movimentos de vai e vem constituem as épocas que podem ser contadas. O efeito desta constante movimentação, quer dizer, o desgaste das partes que se tocam durante a movimentação, representa o tempo pelo desapa- recimento lento ou rápido das coisas. Por isto, tudo que é temporal é perecível, as coisas desaparecem dando lugar a outras, e a contagem do tempo é determinada pelo desaparecimento e a volta das coisas.
Dentro do tempo as coisas parecem estacionar, no entanto, até mesmo a pedra mais dura se movimenta em todas as suas inúme- ras partes e não existe o que estivesse estacionário.
Na eternidade ocorre o inverso. Lá, tudo parece estar em constante movimentação, no entanto, está tudo na mais serena cal- ma. Para que o entendas melhor, dar-te-ei um exemplo. Se quisesses chegar até aquela montanha, levarias talvez dois ou três dias a pé. Na
eternidade, qualquer um poderia se poupar este trabalho, permane- cendo no mesmo ponto fazendo as mais longínquas viagens através do pensamento e vislumbrando tudo de plena consciência, isto é, considerando do Meu ponto de vista.
Imagina que durante o sono sonhasses estar correndo, pulan- do de alegria e fazendo até uma viagem aérea, longa e rápida. Em todas estas movimentações durante o sonho não se daria o menor movimento em tua pessoa.
Deste modo é constituída a eternidade, num estado muito mais perfeito, porém incompreensível para ti. Como através do mo- vimento se produz o tempo, a destruição, o perecível e finalmente a morte de tudo, a imobilidade efetua a eterna conservação, o impe- recível e a Vida constante, perfeita, de todos os seres semelhantes a Mim no Amor e em seu espírito vivo.
Eu não necessitando fazer uma viagem para chegar de uma Eternidade a outra, Meus amados também não precisam fazê-lo a fim de vislumbrar todos os incontáveis milagres. Desfrutarão, como Eu, na eterna paz da Vida verdadeira e eterna, muito embora não estejam conscientes desta paz, mas sim de uma eterna mobilidade, indestrutível por esta paz espiritual e pessoal. Eis, querida Gemela, a eternidade e a diferença entre ela e o tempo que tudo destrói.
Quanto à duração, ela corresponde ao tempo, razão por que podem existir eternidades e épocas. Apenas não é sentida a dura- ção da eternidade como do tempo, porque o tempo não devolve o passado, enquanto a eternidade conserva o mais remoto passado como sendo o mais claro presente, dando-se o mesmo com o futuro. Compreendes?”
Responde Gemela: “Ó Jehovah, entendo-o à medida que o queres, através de Tua Graça. Uma coisa não concebo claramente, como a pessoa se pode movimentar na constante imobilidade, e gos- taria de entendê-lo completamente.”
Diz Abedam. “Enquanto estiveres encarnada não poderás assimilá-lo ao todo. Tanto mais, porém, no Além. É preferível per- guntares a respeito de outro assunto, que responderei por Amor a ti.”
Deste modo encorajada, Gemela diz: “Meu Doce Jehovah, em virtude da Graça recebida por Ti, atrevo-me a importunar-Te com a seguinte questão: O que vem a ser a vida e como sucede que tenhamos consciência e liberdade para fazer o que desejamos? A jul- gar pela Tua Expressão, vejo que fiz uma pergunta tola. Não exijo a Luz de Ti, mas queira aceitar esta pergunta como pedido humilde e faze segundo Tua Santa Vontade, que aceitarei tudo com imensa gratidão. Perdoa-me em Nome Daquele que não ouso pronunciar.”
Comovido, Abedam diz diante de todos: “Jamais encontrei tamanha humildade em quem quer que fosse. Gemela, amas-Me realmente acima de tudo e somente a Mim?” Soluçando, ela respon- de: “Minha Vida, como podes perguntar isto, se foste Tu Quem me criou, dando-me um coração que só pode amar a Ti? Prefiro morrer mil vezes se não fosse possível demonstrar-Te o meu amor de outra forma. Não necessito prosseguir, porquanto vês o meu coração.”
Abedam toma a moça em Seus braços e diz: “Pérola de Meu Amor e Misericórdia, teu jovem coração acolhe mais amor e vida que a Terra toda. O que ora ocorre nem o anjo mais puro e sábio recebeu. Abençoar-te-ei para todos os tempos. Assim como agora Eu, teu Criador e Santo Pai, te carrego no Meu Coração, funda- mento eterno de toda Vida e Ser em todo o Infinito, uma filha tua, perfeitamente igual a ti, carregará a Mim Mesmo, a Vida eterna, o Poderoso Criador de todas as criaturas, desde o átomo ao mais su- blime espírito angelical, debaixo de seu coração.
Tu mesma receberás um filho por meio de Lamech. Hás de chamá-lo de Noé e ele será salvador de teu povo. Teu futuro filho saberá como e quando isto acontecerá, assim como tu acabas de receber esta Promessa de Minha Misericórdia. Considera-o bem e em breve compreenderás o que é a vida e como cada criatura dela se torna consciente, podendo agir à vontade.
Para que não voltes a pisar o solo sem resposta à tua pergun- ta, ouve: Não será possível compreenderes o que é a Minha Vida,
pois nem o mais elevado e sábio querubim está apto para compreen- der e vislumbrar que Eu sou a Própria Vida em Si. Quanto à vida em ti, nada mais é que Meu Hálito ou Minha Semelhança Perfeita em todo ser humano. Eu estando eternamente na consciência mais clara da Vida perfeita, toda criatura possui uma ínfima partícula desta Minha Vida, da qual recebe a vitalidade necessária.
Acontece que a vida é de tal forma constituída a poder au- mentar e crescer constantemente através de Minha Insuflação inin- terrupta. Quanto mais desenvolvida esta vida, mais perfeita ela se apresenta. A vida se torna consciente somente quando recebe, ao lado da centelha do amor, também uma da Luz Divina, da Luz da Graça. Com esta Luz, a vida reconhece a si mesma e se torna consciente.
Tão logo esta vida consciente sente em si sua Origem eterna e santa, rendendo-Lhe gratidão, honra, amor e devoção, reconhecen- do a Vontade do Criador, então se torna perfeitamente livre. Através desta descoberta a criatura é um filho do Amor eterno, através do amor e da Vida eterna que lhe faculta a noção clara de si mesma e Daquele que ora te sustenta em Suas Mãos. Compreendes?”
Totalmente arrebatada, Gemela diz: “Meu Santo Pai, Minha Vida sublime, quem não entenderia Tuas Palavras possuindo a inex- primível Graça de ser sustentada por Tuas Mãos? Não te posso agra- decer por palavras, no entanto o meu coração se incendeia cada vez mais por Ti. Mas agora, meu Jehovah, me ocorre uma pergunta mui triste. Deduzi de Tuas Palavras que nos abandonarás em breve. Que será de mim quando não puder usufruir da Tua Santa Presença?”
Diz Abedam: “Tua preocupação não é infundada, pois não posso permanecer sempre em vosso meio e também não seria bené- fico para ninguém, porquanto ninguém chegaria à Vida verdadei- ra, independente e livre. O pecado aprisionou o mundo, existindo grande quantidade de obrigações e coações. Se Eu continuasse entre vós, como a máxima Força e Poder originais, ninguém poderia se movimentar com liberdade.
Se fico ausente aos vossos olhos, porém mais conhecido e familiar no coração, todos estarão livres, não obstante a coação do
pecado. Esta prisão pode ser pisada com desprezo e a criatura tem oportunidade de se dirigir a Mim pelo amor de seu coração e será recebida e conservada à medida de sua vontade para a renúncia, conquistando a Vida eterna.
Quem teria coragem de agir, caso Me visse Pessoalmente e soubesse Eu estar ao seu lado durante toda sua vida? Observa as cria- turas orientadas de Minha Presença. Ninguém se atreve a respirar, muito menos a fazer algo, certo ou não. Em contrapartida, podes ver como as multidões a nos rodearem, sem suspeitarem de Minha Pre- sença, se movimentam despreocupadas. Muitos Me julgam acima das estrelas; outros consideram Minha Presença numa brisa que passa etc.
Nenhum deles sofre coação de Minha parte, são livres, o que não se dá convosco, muito embora estejais livres do jugo do pecado enquanto vos encontrais ao Meu lado. Todavia, sois atraídos por Meu Amor, razão por que não podeis agir de modo diferente senão amar-Me, o que não deixa de ser uma coação.
Enquanto Eu estiver visivelmente em vosso meio, vosso amor não será creditado para a vida, e sim, somente quando Eu nãocami- nhar convosco; e mais, como fui amado antesde Minha Presença.
Também o teu sentimento, doce Gemela, não teria valor, se não Me tivesses amado anteriormente, tanto ou talvez ainda mais intensamente que agora, pois propriamente não amas, mas és satu- rada por Mim para a Vida eterna. Contudo, podes desconsiderar a tristeza de tua pergunta. Teu amor já fez desde sempre o que lhe cabia, quando tiveste de lutar muito contra o mundo por Minha Causa, razão por que és tão bela como nunca fora uma mulher.
Em virtude de tua luta tenaz, tornaste inofensiva a Minha Presença e até mesmo o contato Comigo, de sorte que pude de- monstrar-te muita coisa que teria matado a muitos que não tinham conquistado a vitória do amor. Assim, Minha repetida Presença ja- mais há de prejudicar-te, pois já és presa a Mim. Assim como ora te carrego visivelmente nas Minhas Mãos, Eu também o farei in- visivelmente sempre que aparecer diante de ti. Sê alegre e feliz no coração, pois a partir de agora não hás de sentir Minha ausência. És
tão necessária ao Meu Coração como Eu o sou para o teu, e podes consolar-te com uma possível ausência de Minha parte.”
INOCÊNCIAE PUDOR
Com esta revelação, Gemela fica tão feliz a ponto de saltar na Mão de Abedam, esquecendo-se do habitual recato. Zuriel, seu pai, chama-lhe a atenção para considerar Quem a carrega nos braços. Abedam o adverte e diz: “Se tu Me conheces, para que esta preocu- pação? Se ainda não Me conheces, é preferível que te deixes admo- estar por tuas filhas, para que venhas a saber Quem sou. Porventura pretendes demonstrar-lhes a serpente da impudicícia e trocar sua inocência maravilhosa por uma miserável consciência do mundo? Como és tolo! Quem poderia portar-se inconvenientemente em Minhas Mãos? Sê mais discreto para o futuro, e tu, Gemela, não te deixes perturbar em tua alegria que é a plenitude da Vida eterna em ti e não houve anjo qualquer que a sentisse como tu.
Para não despertarmos a inveja dos que se aproximam de todos os lados, pois ainda não Me conhecem como tu e todos aqui presentes, Eu te coloco visivelmente no chão, mas espiritualmente continuarás nas Mãos de Meu Amor eterno.”
Com estas palavras, Abedam aperta-a mais uma vez contra o Peito e em seguida a faz descer ao solo, aos Pés Dele. Pouco mais tar- de chegam os arautos que foram enviados para cientificar os filhos do sacrifício, que se postam diante de Abedam e O adoram, sendo imitados por imensas multidões.
Após certo tempo, Ele os faz se erguerem e diz: “Trabalhastes bem, pois os frutos de vossas ações vos seguem, o que muito Me alegra e vos permito externardes vosso prêmio. Seja qual for vosso desejo, ele será cumprido.”
Todos começam a exclamar: “Senhor, Deus e nosso Pai, Emanuel Abedam! O que poderíamos pedir, se temos a Ti, o Amor eterno, nosso Pai e Criador? O que poderia o mais intenso amor-
-próprio imaginar além de Ti? Tu Mesmo és o mais elevado prêmio
para os nossos corações, o que consiste na máxima ventura, poden- do trabalhar como fizemos esta manhã. Ainda assim, todo o nosso esforço seria um nada comparado à Graça imensa de teres vindo, Santo Pai, junto de nós, vermes, que jamais poderemos agradecer condignamente pela concessão de um pedido. O único pedido que poderíamos externar seria que nunca nos abandones e, se ele nos for concedido, teremos lucrado infinitamente mais do que nossos corações poderiam desejar. Este é o nosso pedido, não como prêmio de nosso mérito, mas unicamente como prova de Tua Misericórdia e Amor Paternal. Perdoa-nos também este pedido, pois somos todos cegos e não sabemos o que fazemos. Que Tua Vontade Se faça hoje e para toda a eternidade. Amém.”
APÊNDICE
I — Inferno, como parte integrante da carne da alma. Repre- senta também o Orgulho e o Domínio que se encontram em cada pessoa, em todos vós. Porém, o Inferno é o amigo mais íntimo de cada criatura, porque ele produz tudo que agrada à sua natureza e a preenche com todas as sensações que satisfazem a carne.
Se quero aceitar uma criatura no Meu Reino e educá-la para a Vida Eterna, tenho que aceitar também suas amizades, das quais a pessoa não consegue se separar definitivamente.
Por isto, deve o pecado — como amigo do homem — se apre- sentar diante de Meus Olhos totalmente dizimado; pois, sem isto, não é possível se pensar num prosseguimento educacional de vossa alma. Com outras palavras: Se pretendo conservar-vos, preciso tam- bém estender Meus Braços em torno de vosso inferno doméstico e erguer-vos em Meu Seio. Eis a explicação da primeira letra, cuja revelação Eu ocultei até agora por motivos mui sábios.
P — Designa todas as possíveis Paixões que surgem do Infer- no. Subentende-se, portanto, que as paixões também são amigas do homem, de sua natureza carnal, e devem ser por Mim elevadas e su- blimadas, caso o espírito do homem deva surgir para a Vida Eterna.
R — A Razão, ligada ao intelecto, representa o mundo, ou o inferno na pessoa. Dispensa ser mencionado que este casal que do- mina o mundo seja recebido por cada um com a maior considera- ção. Pois, é mais fácil o homem se desfazer de tudo, menos desses amigos íntimos. Ainda que a pessoa não esteja muito satisfeita com as outras amizades, raras vezes tem que opor alguma objeção contra esses dois elementos.
Se quero, portanto, trazer alguém junto a Mim, nada Me resta senão dar plena anistia a esses seus amigos mais íntimos. Acredi- to que isto seja bem elucidativo, porquanto também tendes grande parte desses amigos caseiros, muito embora compreendais que, com eles, dificilmente se chega ao país do Espírito.
T — A letra T designa o talento, que nasce junto com o inte- lecto, pelo qual o homem pode atingir os degraus mais brilhantes, onde habita a letra E (Egoísmo) e inclusive a letra A (Alegria maldo- sa). Todos esses são amigos pessoais do homem do mundo que Eu preciso também aceitar se pretendo salvar a sua alma.
Daí surge a prisão a todo brilho mundano e à tendência de crescer no seu conceito para Dominar sobre tudo, no que o amigo Talento lhe aplainou o caminho. Subentende-se, de novo, que não posso deixar para trás esses dois amigos da pessoa, pois têm que ser aceitos com o seu proprietário.
Restam-nos ainda duas letras, S da Sensualidade e a tola M da Moralidade do mundo, ou seja, a moda, gentilezas, etiqueta etc. Tudo isto está em vós e também no Meu servo, Jacob Lorber.
Deves explicar a todos, que também estendo Minhas Mãos para lavar a sua maldade, afastar o seu pecado, a fim de colocá-los em uníssono com os verdadeiros interesses do Espírito, podendo assim palmilhar o caminho demonstrado, da Luz e da Vida. Se, porém, quereis ter maior fidelidade a esses amigos do que a Mim, que sem- pre vos provei a Minha Graça Paternal, estais livres de agir ao vosso gosto. A luz do Sol e da Lua não hão de depender disto e as estrelas não hão de errar os seus trâmites. Sabeis perfeitamente que não im- ponho um imperativo ao Espírito. Creio, porém, ter feito tanto que
seja fácil fazerdes um pouco, isto é, dedicar-vos mais intensamente, com vosso amor, a Mim, não abandonando vossos irmãos.
Poderia ter explicado a natureza desses dez amigos de vossa vida carnal, se tal tivesse sido útil. Percebendo, porém, que tais amigos teriam produzido uma grande reação pela antecipação desta expli- cação, e isto não apenas na pessoa deste Meu servo (J. L.), motivou-
-Me a Me deter nesta orientação. Uma vez de posse dela, depende de vós meditar com rigor e incluir este apêndice à Obra principal no que diz respeito às dez letras acima mencionadas. Enquanto ignorá- veis esta explicação pormenorizada, Eu fiz por vós o que espero do servo e de todos vós individualmente.
Uma vez revelado este segredo, tendes a obrigação de realizar esta advertência, do contrário não estareis preparados para o Meu Reino. Trata-se, portanto, de colocar a mão no arado, sem olhar para trás. Sempre vos demonstrei o que existe dentro da criatura humana e o que lhe cabe fazer a fim de espiritualizá-la. Assim sendo, era fácil privar-vos desta revelação e, de agora em diante, cabe a vós a fideli- dade e o empenho em realizá-la.
Antes de tudo, agarrai-vos ao Amor, que nunca vos abando- nará. Tudo passará, mas o Amor ficará para sempre. Onde existe amor, existe tudo, pois ele conserva — como base de todo ser — tudo que existe. Não sede temerosos, nem tristes, nem aborrecidos; mas valentes, alegres, animados e de espírito e coração dedicados, e assim palmilhareis um caminho suave, tendo as portas do Céu abertas de par em par, facilitando conduzir vossos amigos revelados, porém sublimados, até o Meu Reino, no que consiste o desejo mais ardente Daquele que, através deste servo, vos prodigaliza tamanha Graça. Amém.
FinaldoPrimeiroVolume Amém
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