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A CRIAÇÃO DE DEUS
Volume III
A CRIAÇÃO DE DEUS — 3 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
UNIÃO NEOTEOSÓFICA
Edição 2023
ÍNDICE
A CRUCIFICAÇÃO DO SENHOR E O PRAZO PARA SATÃ 48
IDEIAS ABSURDAS DE KISEHEL E EXPLICAÇÃO LUMINOSA DO SENHOR 63
CONHECIMENTO LIMITADO DO HOMEM. TENDÊNCIA MASCULINA E FEMININA EM DEUS E NO HOMEM. CRIAÇÃO DE LÚCIFER 65
PERIGO DAS METRÓPOLES E DAS MULHERES DAS PLANÍCIES 67
LAMECH VAI AO ENCONTRO DE SEUS FILHOS, ENQUANTO HENOCH O SEGUE. TRÍPLICE SENTIDO PROFÉTICO DA ATITUDE DE HENOCH 79
DA ALMA, E A AVIDEZ DO SABER COMO FOME DO ESPÍRITO 90
A ORDEM INTERNA DA TERRA E DE TODOS OS CORPOS ORGÂNICOS, SÍMBOLO DA ORDEM ESTABELECIDA PELO SENHOR 117
LAMECH CONFESSA SUA TOLICE. A HUMILDADE COMO VERDADEIRA SABEDORIA 127
VISÃO ESPIRITUAL DE LAMECH E SUA INTERPRETAÇÃO REFERENTE À ORIGEM DO HOMEM 128
TRILOGIA EM TODAS AS RELAÇÕES DA VIDA: HUMANO-NATURAL, HUMANO-ESPIRITUAL E HUMANO-DIVINO. A INSONDABILIDADE DOS
O REI LAMECH É CONSAGRADO PARA SUMO SACERDOTE. O SENHOR PROMETE SUA CONSTANTE PRESENÇA NO TEMPLO 136
HENOCH ORDENA A SATANÁS DE MANIFESTAR SUA VERDADEIRA INTENÇÃO 145
A MANEIRA PELA QUAL UM ESPÍRITO PODE FICAR PRESO DENTRO DA MATÉRIA 148
A FORÇA DO HÁBITO E O BENEFÍCIO DAS SACUDIDELAS ESPIRITUAIS 171
PREDIÇÃO DE HENOCH E TENTATIVA DE DEFESA FRUSTRADA DE ADÃO 172
LOCALIZADA NO FÍSICO FEMININO 187
MORTE DE LAMECH E SEU SUCESSOR TUBALKAIN 193
O SURGIR DO MILITARISMO. A MORTE DE TUBALKAIN TERMINA COM O TRONCO DE LAMECH. URANIEL, FILHO DE MUTAEL E PURISTA TORNA-
TUBALKAIN. URANIEL SE UNE A ELAS 195
PORMENORES A RESPEITO DO INSTITUTO DE BELEZA. INÍCIO DO TRÁFICO 198
SANEAMENTO DAS MONTANHAS. LAMECH ACONSELHA AS DEZ MIL MULHERES QUE PARTEM PARA AS PLANÍCIES. PALAVRAS DE CONSOLO
EFEITO DO MELHORAMENTO FÍSICO DAS MULHERES DE HANOCH. INVENÇÃO DO VIDRO E DA MOEDA 201
REGIME DA ARISTOCRACIA SOBRE A ÁSIA. A INFALIBILIDADE DO PAPA CRUEL SOBRE O POVO. MORTE DE URANIEL 206
OPRESSÃO DE HANOCH E DE SEUS POVOS 208
ENCONTRO DE OLAD COM OS NOVENTA E NOVE CONSELHEIROS DE HANOCH 245
NASCE O CONHECIMENTO PRÓPRIO DENTRO DOS NOVENTA E NOVE CONSELHEIROS 253
EFEITO PREJUDICIAL DAS VISITAS SOCIAIS SOBRE ALMA E ESPÍRITO 262
INÍCIO DO PAGANISMO. CISÃO DE OPINIÕES POR INTERESSE PRÓPRIO 267
GOVERNO EM HANOCH ATÉ A MORTE DE OLAD E SEUS DEZ MINISTROS 268
KINKAR, FILHO DE DRONEL, ASSUME O GOVERNO. PERIGO DO NATURALISMO 270
NOSSA SALVAÇÃO” E “A HISTÓRIA SAGRADA DE DEUS” 271
KINKAR, SE TORNA SEU SEGUIDOR 275
NOÉ E SUA FAMÍLIA CONTINUAM FIÉIS AO SENHOR 278
SEGUNDO FILHO DE JAPELL PARA REI 281
CONFERÊNCIA COM OS SACERDOTES. ASTÚCIA CONTRA PERSPICÁCIA 291
OPOSIÇÃO DOS EMISSÁRIOS NA CONQUISTA DAS MONTANHAS DOURADAS 292
EXÉRCITO MONSTRO COM 200.000 CAMELOS E 800.000 BURROS 303
MENSAGEIROS PENITENTES DE NOÉ EM VISITA AOS MORADORES DAS CORDILHEIRAS E AOS HANOCHITAS 307
PLANO ASTUCIOSO DE UM CLÉRIGO CONTRA OS MORADORES DAS CORDILHEIRAS 310
PRIMEIRA INICIATIVA DIPLOMÁTICA COM OS HABITANTES DAS CORDILHEIRAS 311
ASSINATURA DA ATA SANTA. CONDIÇÕES POLÍTICAS E MORAIS. O REI GURAT PARTE PARA HANOCH 322
FRAUDE APLICADA PELO SACERDOTE INCUMBIDO PELO REI DE PARLAMENTAR COM OS REBELDES 326
LIBERDADE DE IMPOSTOS EM HANOCH. VESTÍGIOS DO DESEMPENHO DE GURAT NO TIBETE. OUTRO MENSAGEIRO DE NOÉ PROCURA OS DEZ
CONSTRUIR A ARCA. PRAZO DE VINTE ANOS 347
TODAS AS DEUSAS DO TEMPLO DE VÊNUS 358
DISCURSO MAGISTRAL DE AGLA PARA JUSTIFICAR SUAS AÇÕES CRUÉIS 366
SUSPEITA DE FUNGAR-HELLAN CONTRA AGLA, CUJA BELEZA SAI VENCEDORA 368
MAHAL SE ORIENTA A RESPEITO DAS SITUAÇÕES INFERNAIS EM HANOCH 377
DISCURSO VEEMENTE DE MAHAL E CONJECTURAS INTELECTUAIS DE FUNGAR-HELLAN 379
TERRÍVEL JULGAMENTO DOS MIL CLÉRIGOS NO SALÃO DE BANQUETES 392
PALAVRAS PROVOCADORAS DE FUNGAR-HELLAN DIRIGIDAS A AGLA DENTRO DA GAIOLA 395
OS METALÚRGICOS REJEITAM A DOUTRINAÇÃO DE FUNGAR-HELLAN E MAHAL 410
DESAPARECIMENTO DOS LIBERTOS NA MISTERIOSA ABERTURA DA ROCHA 413
DIÁLOGO ENTRE O SENHOR E MAHAL. CAUSAS NATURAIS DO DILÚVIO 445
CONTINUAÇÃO DA PALESTRA ENTRE O SENHOR E MAHAL. ORIGEM DE SATANÁS E DE SUA MALDADE 447
ANJOS A FUNGAR-HELLAN E AO POVO 454
ÚLTIMA ADVERTÊNCIA FEITA AOS HANOCHITAS E A VOLTA DOS ANJOS PARA AS MONTANHAS 457
PONTO FINAL PARA A ACOLHIDA DAS CRIATURAS À PROCURA DE SALVAÇÃO 458
SENHOR. SURGE A CATÁSTROFE 465
O DILÚVIO, CRIAÇÃO DOS HOMENS TOLOS. O SENHOR EVOCA SATANÁS .467
O ANJO MAHAL É ESPÍRITO PROTETOR DA ARCA. ÁSIA CENTRAL, PONTO PRINCIPAL DO DILÚVIO. O LAGO ARAL E O MAR CÁSPIO,
REMANESCENTES E TUMBA DA METRÓPOLE DE HANOCH 470
A ARCA NO MONTE ARARATE. A POMBA COM A FOLHA DE OLIVEIRA 474
PROVA VISÍVEL DA NOVA UNIÃO. O PAÍS ERIWAN. O SENHOR COMO MELCHISEDEK 477
EXPULSÃO DA FAMÍLIA DE HAM 478
ANEXO – A FORMAÇÃO DA TERRA ANTES DE NOÉ 484
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. AoladodaBíblia omundojamaisconheceuObraSemelhante,sendona Alemanha considerada “Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
Cenas Admiráveis da Vida de Jesus – 2 volumes
Sol Natural
Volume III
PURISTA,CONSELHEIRADO SENHOR
Como todos começam a temer este Homem tão sábio, com exceção de Henoch e das quatro moças que se sentem muito à von- tade ao lado do Pai, Ele se vira para Purista dizendo: “Querida, que faremos para libertar os tolos de seu temor, fazendo com que Me aceitem como Deus e Pai sem prejuízo de sua livre vontade? Se Me der a conhecer repentinamente, isto lhes custará a própria vida, tal- vez mesmo sua existência total!”
Essa pergunta atira Purista num grande embaraço e ela co- meça a chorar, julgando que o Pai a queira punir com isto. Ele o per- cebe e diz: “Minha filha, vê se dou impressão de querer castigar-te, pois assim como apresento agora Minha Face, sempre o fiz e farei para com os que Me amam. Que me dizes?”
Encorajada, Purista responde: “Sei perfeitamente que não podes Te zangar, mas de minha parte seria mera presunção eu querer Te dar um conselho. Por isso peço que me desobrigues desta tarefa.”
O Pai então diz: “Presta atenção ao que direi. Temes merecer castigo caso Me dês um conselho a um pedido Meu, pois sabes per- feitamente que Minha Sabedoria Eterna e Divina — segundo a qual tudo dirijo a bom termo — jamais necessita de conselho humano.
Se assim é, como se explica que muitas vezes Me pediste algo e Eu sempre te atendi? Que vem a ser um pedido se não um conselho
piedoso pelo qual o pedinte Me mostra o que devo fazer? Porventura ele ignora que o Ser Supremo é sumamente Sábio e Bondoso? Como então se atreve a pedir-Me algo? Não será isto o maior dos pecados?”
Então, as três moças dizem em uníssono: “Oh Senhor, sê Misericordioso para conosco, que somos as piores pecadoras diante de Ti! Diz Ele: se continuardes assim, aumentareis vosso pecado, pois tu, Purista, acabaste de formular um conselho por teu pedido.”
As moças estão de tal modo desesperadas, a soluçarem de dor. Mas o Senhor as abraça, dizendo: “Filhinhas, por acaso estais perdidas se Eu — vosso Criador e Pai — vos carrego na palma da Mão, acariciando-vos como faz a mãe com seu bebê? Se fôsseis peca- doras não haveria possibilidade de permanecerdes Comigo, e como Pai desejo receber conselho de Minhas filhas, admitindo sua ação como se Eu a necessitasse. Isto faço por puro amor, guiando porém seus conselhos e ações de modo tal a atingirem sempre Minha meta. Por isto, Purista, deves aconselhar-Me o que fazer, que executarei imediatamente teu conselho.”
Cobrindo a face do Senhor de beijos, Purista diz: “Permite então que as outras moças venham à minha cozinha e Tu mesmo vem conosco a fim de seres adorado e louvado por todas.” Diz o Pai: “Vamos para lá, pois sou em toda parte o Mesmo Bom Pai!”
HENOCHESCLARECEOS CRÍTICOS
Quando o Senhor, em companhia das quatro moças, passa por Henoch, Ele diz: “Prepara a todos e depois leva-os à cabana. As mulheres devem chegar até a porta enquanto Eu estiver na cabana, com exceção de Eva e destas moças.”
Assim, o Senhor entra com Suas filhinhas amadas e as entre- tém com várias revelações divinas, demonstrando-lhes os caminhos que levam a Vida para Seus filhos e os demais seres. Também lhes re- vela o grande destino do homem e as possíveis investidas de Satanás.
Entrementes, Henoch é abordado por Hored e Lamech que perguntam: “Podes nos dizer quem é o personagem que neste mo-
mento se encontra com as moças da cabana, palestrando contigo como se fosse um velho conhecido? Deves saber de quem se trata. Se a transfiguração de Sehel não foi engano de nossa visão, deve ele pertencer a um mundo superior e gostaríamos de estar informados a respeito.
Desconfiamos tratar-se do Senhor, mas a afirmação de Pu- rista não coincide, pois Ele havia revelado que, caso estivéssemos lá reunidos em completo silêncio, Ele se apresentaria para relatar os acontecimentos nas planícies.
Este homem, porém, veio livremente e, enquanto nos prepa- rávamos para receber o Senhor, ele se entreteve com as moças mais belas. Não nos podemos aborrecer com elas por estarem apaixona- das por ele, mas conclui-se daí não se tratar do Senhor, Fiel em tudo, portanto não Se pode apresentar de modo diferente àquele que se fez anunciar.”
Nesta altura, outros também aderem ao grupo, mas Adão aparteia: “Henoch, este homem me parece estranho e seu compor- tamento com as moças é deveras chocante. O desaparecimento do filho de Seth pode muito bem ter sido um teste do Senhor, deixando que o inimigo da luz nos tentasse.
Pareces conhecê-lo, mas isto não é o bastante para mim, que tenho um grande receio do fogo, qual criança que queimou as mãos. Quanto às quatro moças, provam que a mulher é de fato volúvel; ainda que tenha orado durante dez anos basta que no décimo pri- meiro seja tentada, que ela se atira nos braços do sedutor. Fala com poucas palavras para podermos entrar na cabana onde nos espera o Senhor e assim cortaremos as asas àquele personagem.”
Finalmente Henoch consegue tomar da palavra e diz: “Mo- vestes vossa língua e os pensamentos da alma, mas os corações fica- ram inativos. Segundo me parece esquecestes meu discurso no Sába- do, pois não entendeis a promessa feita a Purista.
O que vem a ser a cabana de Purista, onde o Senhor sem- pre estará à nossa espera? É o nosso coração; e o fogo na cabana é o amor ativo para com Deus. Quem de vós se teria dirigido a
esta cabana e lá teria recebido os irmãos, querendo ser o último e mais simples?
Com exceção de Eva e Purista, nenhuma mulher deve pisar a cabana; isto é: Quando nos encontramos no amor a Deus e repou- samos em nosso coração não devemos pensar nas mulheres e turvar o amor de Deus, com exceção do amor maternal e filial, que fornece apenas a medida de nosso amor a Deus.
Se bem que estivéssemos na cabana de Purista, nosso cora- ção se encontrava com as mulheres e perguntávamos: ‘Por que não é permitido a todas as mulheres entrar na cabana?’ Não é de admirar a reação delas, que finalmente nos expulsaram de lá.
Mas, como o Senhor é infinitamente Misericordioso e mui- to mais Fiel que nós, Ele nos visitou segundo Sua Promessa; todavia, Ele veio segundo a situação de nosso coração. Havia mulheres em nosso coração, por isto Ele procurou as moças e as aceitou, porquan- to não estávamos presentes em nossa cabana de Purista.
As quatro amantes puras do Senhor O esperaram na verda- deira cabana de Purista, e enquanto discutíamos, elas já saborearam felicíssimas as vivas Emanações de Sua Graça, Misericórdia e Amor. Não estais orientados a respeito das planícies; mas o Senhor deixou que elas vissem Seus Caminhos e Desígnios maravilhosos.
Ainda perguntais: Quem é Aquele Homem? — mas quatro moças estão nos Braços Dele e se alegram com o Pai, Santo e Amo- roso. Não afirmo que aquele personagem seja o Pai; ide para junto Dele em vosso coração e sabereis Quem Ele é. Acabei de falar e con- vém reconhecerdes vossa grande cegueira.” Só então todos arregalam os olhos, reconhecendo a quantas andavam.
BOMCONCEITODAIRMÃDE AORA
Só depois de passado algum tempo os presentes voltam a si, sem contudo saberem o que fazer; um olhava para o outro numa pergunta silenciosa que não tinha resposta. As mulheres percebem isto e tomadas pelo ponto fraco — a curiosidade — aproximam-se
para ouvir algo. Enquanto isto, as conjecturas são as mais variadas até que uma irmã de Aora, de setenta anos — naquele tempo ainda considerada bastante moça — se posta no meio delas e diz: “Se- gundo minha opinião, afirmo que manifestais o mais forte ciúme e todas nós teríamos aceito o feitiço daquele homem, caso ele tivesse essa intenção.
É natural que o julgueis um personagem perigoso, porque nos afastou do monte. Ele também acenou para mim e eu teria ido junto dele se não tivesse tanto medo de vós. Agora me sinto livre de todo temor e sei o que digo. É preciso vos lembrardes de que se o Senhor, Jehovah, vier — e talvez já o tenha feito — haveis de passar mal e quiçá as quatro pérolas passem melhor do que nós, pois vi atrás daquele homem um forte brilho; talvez seja o Próprio Senhor. E se for, o que acontecerá convosco?” As mulheres se calam apavoradas.
PALESTRAENTREMIRAE HENOCH
A jovem oradora, chamada Mira, percebe o choque que suas palavras provocaram e resolve procurar Henoch a fim de confortá-
-las. Ele então retruca: “Por que falaste de modo a provocar tama- nho pavor entre tuas irmãs? Devias ter tomado a iniciativa de me procurar há mais tempo e transmitir-me os enganos delas, e pelo caminho do amor tudo teria sido fácil de organizar. Agora, depois de teres pronunciado um julgamento para elas, a coisa não é tão fácil como pensas.”
Responde ela: “Pai Henoch, és um sábio e sumo sacerdote nomeado pelo Próprio Senhor; todavia acho que não errei. Devem-
-se considerar os Direitos de Deus acima do direito dos homens quando não coincidem com aqueles.
As mulheres erraram em seu zelo cego e levantaram conceitos errôneos, contrários aos de Deus, e como não suportei ouvir tais absurdos, apenas lhes disse minha opinião e não me cabe culpa se se entristeceram com isto.
O fato de eu ter bons sentimentos para com elas podes de- duzir que não aceitei o aceno daquele homem maravilhoso, muito embora me sentisse fortemente atraída por ele. Se ele repetisse o aceno, eu não deixaria só as mulheres, mas o mundo todo, pois ele oculta algo mais que um simples homem.”
Diz Henoch: “És de fato muito inteligente e certamente se- rias capaz de ajudá-las com tua inteligência.” Diz Mira: “A julgar por tua esquiva, só me resta fazer isto. A caminho para cá pensei que não encontraria convosco o máximo grau de misericórdia. Se ao menos me fosse possível procurar aquele personagem, pois sei que haveria de me atender diretamente...”
Diz Henoch: “Olha, o Homem está na cabana e a porta está aberta. Não te impedirei de procurar ajuda junto Dele.” A este con- vite, Mira se dirige para a cabana.
MIRA É EXAMINADA, PURIFICADA E ACEITA PELO SENHOR
Quando Mira entra sem cerimônia na cabana, o Senhor Se levanta e diz: “Como chegas aqui sem Eu te ter chamado, quando há pouco não querias aceitar o Meu aceno? Além disto, dei uma ordem a Henoch segundo a qual nenhuma mulher pode ultrapassar o limiar da porta; no entanto, aqui estás. Como foi isso?”
O tom algo severo deixa-a um tanto embaraçada. Mas não demora e chega à seguinte conclusão: “Se for o Senhor, não será tão rigoroso e atenderá minha súplica. Se for apenas um sábio, voltarei como cheguei.” Em seguida ela diz: “De fato confesso que errei. Mas se considero que foi uma obrigação do coração a me levar a tanto, e que Henoch nada me disse da proibição, meu erro não foi tão grande.
Quem haveria de condenar uma fraca mulher que pede ajuda como eu? Por acaso não se justifica que ela ame e respeite Deus mais que a todos, que nada são comparados a Ele? Não podia supor que minhas irmãs levariam tamanho choque com esta afirmação. Estou
disposta a reparar meu engano e também disse isto a Henoch. Mas ele não possui sentimento para com o meu conflito e isto me levou a procurar-te, julgando seres mais misericordioso que ele.
Aliás, tenho que confessar que, desde que o Senhor ensinou apenas o amor durante vários dias, os humanos me parecem menos bons e isto não é bom sinal. Confesso que gostaria de ajudar a todo mundo, muito mais porém a uma mulher que por Deus e a nature- za é muito mais prejudicada que qualquer homem. Falei o que me vinha no coração. Se te ofendi, podes enxotar-me ou fazer comigo o mesmo que fizeste com Sehel. É preferível não existir do que viver num mundo em que os homens têm corações de pedra.”
Diz o Senhor: “Deste-Me uma resposta muito comprida à Minha pergunta curta. Uma metade podias ter guardado, e a ou- tra silenciado, pois sei melhor que tu onde te aperta o sapato. Para que vejas que tenho razão, explicarei teu conflito. Tuas irmãs são ciumentas — e tu também. Elas Me criticaram por ciúme e tu as admoestaste pelo mesmo motivo, porque julgavas ter direito maior sobre Mim em virtude de Meu aceno.
Por causa deste Meu aceno teu amor se incendiou, mas se ofendeu diante das críticas delas, levando-te à vingança. Como esta vingança teve efeito mais forte do que esperavas, tua consciência te acusa e desejas socorrê-las. Como não o consegues, procuras ajuda, que virá antes do que esperas. Enquanto isto, vai lá fora e medita sobre teu erro, e volta somente quando estiveres purificada, que te aceitarei e abençoarei como às quatro!”
Mira enrubesce de vergonha e diz: “Meu coração não estaria tão aberto se não fosses o Senhor. Por isto me afastarei, pois não mereço ficar depois de Te ter visto e ouvido. Perdoa-me a culpa, como também perdoarei tudo que alguém tenha feito.” Diz o Se- nhor: “Haveria de te perdoar muita coisa caso fosses uma pecadora. És pura e podes ficar Comigo, e Henoch cuidará de todo o resto.”
Tais palavras teriam custado a vida de Mira se ela não se encontrasse diante do Senhor da Vida, pois seu amor oculto por muito tempo irrompe com tamanha violência que ela cai desfale- cida. O Senhor a toca de leve e uma nova vida começa a pulsar em sua natureza.
Isto está de acordo com Minha Ordem, pois todos têm que morrer totalmente para o mundo antes de poder assimilar e suportar a plenitude da Força e do Poder de Meu Amor. Quando Mira volta a si, começa a chorar de tanto amor, não podendo falar, pois toda sua natureza se transformara para uma só palavra, que se chama “amor”, isto é, o verdadeiro e puro amor para Deus. Por isto chora e suas lá- grimas, cintilantes como diamantes, com as quais umedece os Meus Pés, têm maior valor que a maior biblioteca do mundo.
Em verdade vos digo, a lágrima de um pecador arrependido que se apossa de Mim com todo o seu amor é uma dádiva muito maior para ele do que se tivesse recebido milhares de mundos para o seu gozo eterno. Mira nunca tinha sido pecadora, por isto seu amor era semelhante à chama de um Sol central e suas lágrimas eram quais sóis a iluminarem os planetas.
Com este sentimento puro ela fita a Mim, seu Pai Amoroso e Santo, com tamanha dedicação que só Eu posso suportar, pois Meu Coração Se viu obrigado a retrair um pouco por razões muito sábias. Se Eu Mesmo tivesse dado livre expansão ao Meu Coração, Ele Se teria apossado de Mira, consumindo-a instantaneamente.
Assim sendo, Eu Me oculto por certo tempo e Me dirijo para Henoch (somente Visível para ele), orientando-o sobre o que dizer às mulheres para que Me reconheçam, sem contudo inflamá-las de- mais. Faço isto também por causa dos patriarcas, cujo amor ainda impuro, porém inflamado, não permite Minha Presença total.
Como as quatro moças apaixonadas por Mim dão por Mi- nha falta, sua exaltação se acalma um pouco, admirando-se do Meu
desaparecimento justamente quando seus corações começavam a se entusiasmar.
Mira então explica: “Eu também não O vejo, mas meu cora- ção está pleno Dele e isto é muito mais do que eu, pobre pecadora, mereço. Satisfaço-me em poder amá-Lo, pois sei que Sua Presença Visível é apenas uma Graça rara.
Se Ele estivesse sempre entre nós, não saberíamos o que fazer de tanto amor ou finalmente nos habituaríamos com Ele a ponto de Se tornar igual a um outro qualquer. Ele sabe o que é bom e justo, vem e vai na hora certa!”
Neste instante, o Senhor Se apresenta na cabana e diz: “Mira, acertaste plenamente: Venho e vou quando está na hora, por isto Me encontro aqui agora.” Todas soltam um grito de alegria e se atiram aos Seus Pés, que depois as acompanha à mesa e diz para Purista: “Vai olhar tuas panelas e espalha o fogo, pois quando vierem os patriarcas, a refeição terá que estar pronta!” Purista verifica que os frutos já estão cozidos e informa o Senhor, que diz: “Então podes servi-los e Mira deve avisar os outros.”
CONVITEÁSPERODE MIRA
Satisfeita, Mira transmite aos patriarcas que a refeição está pronta. Como Henoch ainda está ocupado junto às mulheres, La- mech sugere não ser conveniente entrarem na cabana por ser ele de certo modo seu chefe espiritual. Mira reage dizendo: “Acho que todos devem obedecer ao Senhor e Henoch saberá o que lhe compe- te. Transmiti meu recado, mas não vos posso puxar para dentro da cabana, tampouco isto foi Ordem do Senhor. Fazei o que quiserdes, eu volto para lá.”
Lamech a chama de volta e diz: “És um pouco petulante. Já que tens pernas tão ágeis, podias repetir tuas palavras a Henoch em vez de voltar à cabana.” Diz ela: “Nada disso! Não se pode servir a dois senhores! Se preferes Henoch ao Senhor, e tuas pernas sendo bem mais longas que as minhas, podes estar lá mais depressa do que
eu. Mas, para que esse bate-boca? Vou-me embora e podeis resolver vossa situação.”
De novo Lamech lhe corta o caminho, dizendo: “Pérola ma- ravilhosa da aurora, que dirá o Senhor se voltares sozinha? Certa- mente indagará como executaste tua tarefa, a ponto que ninguém quer comparecer. Que desculpas darás?”
Diz ela: “O Senhor não me mandou levar-vos para a cabana, mas somente vos convidou. O resultado deste convite não me diz respeito, por isto vou indo.”
Nisto se aproxima Adão, dizendo: “Minha filhinha, se ao menos não nos tivesses convidado com tamanha autoridade...” Isto a aborrece, e ela exclama: “Eis um grande pecado de vós todos, pois em vez de obedecerdes à Vontade do Senhor por mim transmitida, ainda me criticais! Vou contar a Ele!”
Terminando de falar, salta para dentro da cabana e quer ini- ciar suas queixas a respeito dos patriarcas. Mas o Pai a antecede, dizendo: “Mira, por que voltas sozinha? Onde estão os patriarcas?”
Um tanto embaraçada, Mira diz depois de algum tempo: “Meu Bom Pai, os patriarcas são deveras desobedientes. Transmiti-
-lhes Tua Ordem, mas eles... prefiro não falar.” Diz o Senhor: “Que foi que houve?” Responde ela: “Bem, deves sabê-lo, sem que isto tenha de ser dito por mim.”
Diz o Senhor: “Há pouco recomendaste obediência por parte dos patriarcas, e agora pretendes ser desobediente frente a Mim?” Diz ela: “Senhor, vês que no meu coração não existe desobediência.” Responde o Pai: “Sei perfeitamente que és um ser puríssimo; no en- tanto, falaste um pouco secamente com eles, por isto deram a enten- der que uma moça nunca deve falar deste modo, mas sempre com a maior humildade. Volta e convida-os, pois todos hão de te seguir.”
Mira repete o convite aos patriarcas, que a seguem, e Heno- ch, tendo terminado a conversa com as moças, está na vanguarda e os conduz à cabana. Adão se atira aos Pés do Senhor e agradece por tamanha Misericórdia, pois nem bem haviam entrado todos se tornam videntes a respeito da situação das planícies.
Depois de todos terem agradecido por esta Graça, o Senhor declara que devem se sentar à mesa e participar pela primeira vez da refeição em conjunto. Todos tomam seus lugares na mesa do Senhor, pois a cabana de Purista não é tão pequena como a de um camponês, comportando até setenta mil pessoas. Ainda assim é denominada de pequena, em virtude de sua simplicidade.
Eis que o Senhor começa a falar: “Vim para estabelecer a boa ordem na Terra e abençoo-a por meio de Minha Presença visível. Com isto deu-se uma nova união entre Mim, Meus anjos e a Terra, e Me levou a preparar este banquete de frutos cozidos, proporcionan- do ao orbe um marco: Tornei-Me um Deus, Senhor e Pai Verdadeiro e firmei uma união com os habitantes que devem se tornar Meus filhos verdadeiros.
Se permanecerdes nesta união, no Meu Amor, a união será visível para sempre entre o Céu e a Terra. Abandonando e rom- pendo esta união, a Terra se afundará em seu abismo original e será envolta por nuvens densas, não podendo jamais ver a Mim e Meus Céus.
Se tal queda perdurar, a Terra se atirará em seu próprio julga- mento, e Eu não poderei mais falar com seus filhos como Pai cheio de Amor e Meiguice, mas como um Deus Eterno trovejarei Meu Julgamento no fogo de Minha Ira.
Quem sobrar há de esperar por longo tempo até que uma nova união de amor seja erigida sem sangue, e não terei pressa para tal realização, deixando que todos os povos definhem.
Se esta sagrada união não for rompida por vós totalmente por meio de outra transgressão material, continuarei convosco e vós Comigo, e a situação da Terra será idêntica à dos Céus, não havendo morte entre vós. Haveis de subir para junto de Mim como vistes acontecer com Sehel e anteriormente com Zuriel, pai de Gemela, e vos transformarei em poderosos criadores do amor de todos os seres em Meus Espaços Infinitos.
Onde vossa visão vê apenas ummundo no Firmamento, flu- tuam inúmeros portadores de Minha Onipotência, comportando seres iguais a vós. Além desses mundos se encontram as moradas dos espíritos, cada qual tão imensa que facilmente comportaria mais do que o Espaço visível.
Eis vossa eterna missão e o fácil caminho para atingi-la, mas ninguém a alcançará antes que se tenha tornado apto através de Meu Amor.
Quando Eu chamar alguém, Minha Voz o revelará. Será li- berto do peso da matéria e ingressará imediatamente na imensa Gló- ria da Vida do Espírito do Amor, eterno e imutável. A fim de que tenhais uma visão deste estado espiritual, faculto-vos a visão interna total. Vede aí os três seres que já subiram ao Céu e podeis palestrar com eles, para perceberdes que vossa existência em Mim jamais ter- minará, e também sabereis que o dragão é um grande mentiroso.”
APARIÇÃODEABEL,SEHELE ZURIEL
Todos se alegram sobremaneira. Adão e Eva correm para perto de Abel, Seth procura Sehel, Gemela procura Zuriel, e ence- tam uma palestra sobre coisas espirituais e sua vida mais perfeita, livre e feliz.
Seth então pergunta a Sehel: “Filho, o que sentiste quando o Senhor dissolveu tua natureza física?” Responde ele: “A Vida está em ti e em tua pergunta. Encontrava-me no éter que vibrava, a faixa solar se rompeu e eu me encontrava livre, um ser na Vida Infinita.
Atravessei o todo como luz que libertava os seres que se tor- navam um novo ser. Estes seres viam em toda parte a Causa desta Luz total e a Vida da Luz, o Próprio Pai. Agora sou um ser perfeito e vivo uma vida eterna, plena de Luz, da Vida de toda Vida em Deus.
Assim foi, meu pai, assim é e será eternamente, pois cada segundo respira uma vida mais perfeita que o anterior. O que ora ouves e vês não é ilusão de ótica ou perturbação de audição, mas a verdade pura e a realidade total. Aquilo que vês no mundo exterior
é apenas a casca das árvores, o invólucro da Verdade e, em relação à realidade, um país cujo solo é coberto de neblinas e nuvens negras.
Lá com o Pai está a Vida da Vida e a Luz da Luz perfeita. Presta atenção à Sua Palavra; é a Base de todo Ser, e Dela surgimos, eu e tu, e todos os mundos e seres.
Quando Ele Se pronuncia, nascem de cada Palavra realiza- ções substanciais em distâncias infinitas e novos exércitos de sóis e mundos iniciam seu primeiro transcurso na eternidade. Guardai o que o Pai vos fala e haveis de perceber que quem possui a Palavra do Pai em si também é detentor da Vida eterna. Sua Palavra é criadora, e o Som de Sua Voz é a base de todas as coisas. Por isso merece toda honra, louvor e amor para sempre. Amém.” Todos sentem o impac- to de tal explicação e louvam o Pai da Vida por ter dado sabedoria tão elevada aos anjos.
Adão em seguida pergunta a Abel: “Querido e pranteado fi- lho, porventura também és capaz de pronunciar palavras idênticas às de Sehel?” Responde Abel: “Pai da Terra dos homens, não somente Sehel e eu, mas tudo no todo é Deus, o Pai Eterno e Santo. Nossa palavra é Sua Palavra, assim como Sua Santa Vontade é sempre a nossa. Para o espírito não existe outra palavra senão a do Pai, como também não existe outra Vida senão a Dele.
Quem vive por intermédio de Deus também fala por Ele, quer dizer, pronuncia Palavras de Vida. Mas alguém se levantando para dizer: ‘Colhi este conhecimento em minha fonte pessoal’, é um mentiroso como o dragão que se apossou da grande Misericórdia do Pai e diz: ‘Sou um homem do Senhor e posso feri-lo quando quero!’
— enquanto ele é a criatura mais castigada por si mesma.
Por isto, meu pai, é fácil ao puro espírito falar e agir através do Poder e da Força do Pai, porquanto tal criatura ama, vive e respi- ra livremente. Seja-lhe tributado todo nosso amor.”
Essas palavras comovem todos e Adão exclama: “Meu Deus e meu Pai, sinto prazer de viver entre Teus filhos da Terra; mas prefi- ro estar onde vive meu e Teu Abel.” Diz o Senhor: “Dentro em breve hás de encontrar a paz. Amém.” Retruca Adão: “O que vem a ser a
paz?” Diz o Senhor: “A paz é a ressurreição do espírito para a Vida eterna em Mim. De fato ficarás na Terra até que Eu nasça dentro de ti. Isto acontecendo, também ressuscitarás para a Luz da Vida, na carne do Amor e da Palavra surgida de Mim. Sê calmo e te alimenta até que Minha Carne e Meu Sangue te despertem.”
OESPÍRITOZURIELFALASOBREAVIDADO ALÉM
Entrementes, Gemela pergunta a seu pai Zuriel se há grande diferença entre a vida terrena e a espiritual, e se o espírito pode ver o mundo natural e as criaturas encarnadas.
Ele responde: “Filha do Senhor, tua pergunta é um tanto tola. A vida é em toda parte uma só, pois tudo vem do Senhor. Se a vida não for do Senhor, já não é mais vida, mas a morte total que, não obstante sua consciência, é apenas engano próprio. Tudo aquilo que o morto sente é qual sonho mau e sem nexo, porquanto seu mundo não tem base e toda sua posse é mais fútil que espuma.
De modo algum deves considerar a matéria como morta pelo fato de não manifestar qualquer consciência. A matéria não é morta, porquanto nela agem forças poderosas e ela própria nada mais é que a expressão da Vontade e do Poder Divinos que se manifestam em toda parte. Deves considerar morto somente aquilo que em virtude do livre arbítrio se separou do Senhor e quer se manter sem Deus, com suas próprias forças.
Mesmo que mantenha sua existência em consequência do Amor e da Misericórdia Divinos, sua vida é horrível. Daí concluirás que a própria vida se expressa em toda parte e sob todos os aspectos de uma só forma.
Se ainda não compreendes, basta olhar para o Senhor. Ele é em Si a Vida mais perfeita de toda vida e Dela surge nossa existência. Por acaso percebes uma diferença entre Ele e mim? — Respondes: Não, a julgar pelas aparências. — Bem, eis a resposta total de tua pergunta. Guarda bem: Aquilo que somos por Deus, o Senhor, e tudo que é nosso é Sua Semelhança perfeita.
Assim sendo, nossa vida é Sua Vida, e podemos viver quan- do e como quisermos — tão logo percebamos a base da Vida e a compreendamos. Uma vez que o nosso coração se dirigiu para Ele já vivemos uma existência perfeita, seja no corpo ou em espírito, não há diferença.
É supérflua tua pergunta se o espírito puro e livre pode ver o mundo da matéria e tudo que comporta, pois se a própria vida é em tudo inteiramente igual, por certo não haverá diferença visual. Per- gunta a ti mesma se vês o mundo com os olhos da carne, em si uma matéria totalmente insensível, ou através dos olhos de teu espírito. Agora começa a se fazer luz em ti. Se teu espírito envolto de matéria consegue ver as coisas do mundo, muito mais livremente o fará o espírito puro e livre, quando for da Vontade do Senhor.
Quando isto não estiver na Vontade Dele, nem o espírito livre tampouco o algemado poderá ver algo, pois assim como o Se- nhor da Vida pode tirar a visão do homem, também poderá fazê-lo com o espírito. Assim como agora vês o mundo espiritual e o na- tural, segundo a Vontade do Senhor, eu também os vejo quando é necessário. Quando nós, espíritos, somos destinados a servir como grande força de Amor do Pai, como se poderia dar tal fato se não estivéssemos diante Dele?
Neste momento penetras visualmente a matéria total e tam- bém podes ver a mim, um espírito, como eu a ti; portanto, não pode haver diferença entre a verdadeira Vida e a vida material. Na- turalmente existe diferença entre nós que consiste em tua carne ser incapaz de qualquer movimentação espiritual e não podendo efetuar uma movimentação veloz. No entanto, é parte inerente ao teu espí- rito pensar em sentir tal fenômeno.
Eis tudo que necessitas saber por ora. Se tu mesma penetra- res mais profundamente em teu espírito ainda terás esta experiência em vida. Isto te desejo de todo coração, em Nome do Senhor.”
Muito feliz com a revelação de Zuriel, Gemela fica louvando com alegria a Graça recebida, dirigindo-se para o Senhor de Céus e Terra por ter permitido esta Dádiva excepcional. E o Pai lhe diz: “As- sim são as criaturas: As que recebem muito são menos gratas do que as outras. A Graça que recebestes foi dada a todos em medida excepcio- nal. Alimentaram-se à Minha Mesa enquanto te ocupavas no fogão, e até agora ainda não recebeste qualquer coisa para comer da Minha Mesa. Mas nenhum deles Me procurou como tu, impelido pelo amor.
Afirmo-te: Meu Coração é a Mesa mais farta. Se ainda não te alimentaste à Minha Mesa, fá-lo-ás no Meu Coração e tal alimento é incomparavelmente melhor e sacia mais que qualquer outro, ainda que bem preparado.
Minha querida filha, o amor no coração de um filho vale mais que toda sabedoria e ciência elevadas. Quem possui este amor, possui tudo. Mas quem possui o amor, somente por causa da sabe- doria, da ciência e da força, terá o que quer; mas nunca terá, como tu, o Meu Coração.
Ó geração desta Terra, é preciso que acredites: Se a experiên- cia das coisas te vale mais que o Meu Amor Paternal, hás de subjugar a pobreza com tua importante sabedoria. Então serás também sub- jugada por Mim e Eu não te pouparei, nem te acariciarei.
A ti, Minha Gemela, hei de poupar e conservar para sempre; teu fruto será um novo pai dos homens da Terra e teu sangue há de preencher o orbe todo.”
Nesta altura, as outras moças se atiram aos Pés do Senhor e pedem perdão por terem omitido o que fizera Gemela; princi- palmente Pura chora copiosamente, de medo e tristeza. O Senhor ergue a todas e toma Pura nos Braços, dizendo: “Não chores, Minha filhinha, tens o menor motivo para tanto. Sei o quanto Me amas, por isto sê alegre, pois tu e Gemela estais de tal modo perto de Mim como Meu Próprio Coração eternamente Poderoso.
7. A ti Gemela, concedo uma nova geração, e a ti, Pura, dou Meu Verbo Vivo. Continuarás em espírito uma carne viva e na Épo- ca das épocas não serás gerada materialmente e também conceberás espiritualmente uma base futura de toda a Vida. Sê, portanto, calma e feliz, pois te amo finita e infinitamente; além de Mim, não existe ninguém, nem no Céu nem na Terra, mais maravilhosa e bela que tu!
8. Lá no portal da cabana alguém espera por ti, teu pai terre- no; acompanha-o. Seu nome é Gabriel e te levará à Minha Morada Celeste, onde ficarás sempre Comigo até a Época das épocas. O que sucederá então saberás em Minha Imensa Casa Paternal. Amém.” Pura abraça o Senhor e não quer soltá-Lo.
Eis que Ele diz: “Minha filhinha, não hás de esperar por Mim onde Gabriel te levar, pois antes de lá chegardes Eu lá estarei para te receber Pessoalmente e te levar à Minha Casa. Podes ir, porque cumprirei Minha Palavra. Amém.”
Mais uma vez Pura encosta a cabeça do Senhor no seu pei- to... e desaparece, pois o anjo do Senhor a conduziu à Casa do Pai com o físico transfigurado. A Casa do Senhor é o Amor do Pai.
Mira, Purista e Noêmia ainda choram ao lado; mas o Se- nhor as abençoa com Seu Amor. Esta revelação e o sublime aconte- cimento produziram uma grande sensação entre os patriarcas que, estáticos, nada sabem dizer, com exceção de Henoch. Todos se sen- tem tocados porque, com a visão das planícies, começam a surgir em suas mentes toda sorte de pensamentos ocultos.
PEDIDO TOLO DE ADÃO E A IMPORTANTE RESPOSTA DO SENHOR
Depois de algum tempo, Adão se aproxima do Senhor e diz com profundo respeito: “Amantíssimo Pai, segundo posso afirmar de mim e dos demais, sempre Te amamos e louvamos, o que não se pode negar. De fato, não corremos para perto de Ti, como fez a querida Gemela, e isto por excessivo respeito e veneração. Sentimos perfeitamente Quem és, o que não ocorre com as moças em virtude
de sua constituição. Por isto são obrigadas a aproximar-se de Ti ex- ternamente, porque não são capazes de uma aproximação espiritual.
Considerando isto e Tua admoestação muito forte, excluindo apenas Henoch, chego à conclusão de que realmente foste muito rigoroso. És Deus, o Onipotente, desde eternidades, enquanto sou somente uma criatura temporal surgida de Tua Vontade Poderosa. Se falas comigo, como meu Criador, também posso fazê-lo segundo meu livre arbítrio dado por Ti. Por isto repito: ultrapassaste o senti- do de Tuas Palavras, pois a metade bastaria para nos matar.
Por isto Te peço que retires a admoestação para podermos amar-Te como Amoroso Pai, pois em Teu Rigor não há quem Te ame, conforme disseste nas montanhas. Não faças ameaças nem promessas, pois como Pai és o necessário para nossa vida. Natural- mente podes fazer o que queres, pois és o Senhor, Zebaoth, e não necessitas pedir conselhos.
És Dono da Vida, em Ti não existe morte e ninguém pode ti- rar-Te a existência mais livre e poderosa. Não sentes a menor opres- são, o que não ocorre conosco, Tuas criaturas. Dependemos de Ti para cada respiração e somos tão fracos que um Olhar mais severo já nos pode aniquilar. És incapaz de sentir qualquer dor, mas nossa constituição é tal que podemos sucumbir de dores terríveis, da des- truição e da morte. No entanto, desejamos amar-Te acima de tudo, mesmo padecendo os maiores sofrimentos. Mas se pretendes nos matar, não podemos amar-Te.”
Então o Senhor Se vira para Adão, dizendo: “Falas como criatura Comigo, teu Criador, e assim está certo, provando a Minha Obra de Mestre, que te conferiu o livre arbítrio. Mas os filhos verda- deiros, que conhecem inteiramente o seu Pai e sabem o quanto Ele é Bom, falam de modo diferente. Como O amam, não sentem medo diante Dele e agem como fizeram estas moças.
Se o Pai ameaçasse os filhos com um amor coagido, confor- me demonstraste por um exemplo, Eu seria tudo menos um Pai. Se como Único Pai Verdadeiro percebo que dentro de vós ainda habita um medo tolo diante de Mim, certamente saberei como devo agir
para arrancá-lo de vós, isto é, exterminando aquilo que em vós existe materialmente, para vos transformar em verdadeiros filhos.
Se consideras isto, hás de convir que Eu, como Criador e Pai, devo saber onde vos aperta o sapato, mesmo que Eu não sinta o aperto como vós, a fim de vos ajudar onde isto se faz necessário, e também saberei escolher os meios adequados. Procura amar-Me, que hás de sentir se peço o amor com morte ou sem morte. Tua exi- gência feita a Mim é justamente a que peço de vós. Medita a respeito e depois fala, pois Eu sei o que devo falar e fazer.”
O HOMEM, CEGO AUTOR DE SEU JULGAMENTO E CONCLUSÃO DA CRIAÇÃO
As Palavras do Pai fazem com que Adão volte à razão, e com humildade se aproxima Dele, dizendo: “Teu Ensinamento me escla- rece a ponto de reconhecer que pequei tremendamente diante de Ti. Por isto Te peço que não registres meu último erro e perdoes a este velho fraco minha última tolice.”
Diz o Senhor, virando-Se também para todos: “Direi algo para Minha Própria Justificativa para saberdes futuramente, se por- ventura esquecerdes o Meu Conselho, não ser Eu, mas vós mesmos os autores ignorantes e cegos de vosso julgamento, perdição e morte quando não palmilhais as trilhas delineadas por Mim.
Vós e todo o Universo Infinito sois destinados desde sempre como motivos finais, ou seja, a conclusão total do mundo visível e invisível. Por esse fato tudo tem que estar, tanto na totalidade como isoladamente, numa estreita ligação convosco.
Então, o homem sendo a finalidade intrínseca de toda a Criação e esta se encontrando em íntima correspondência com ele, é ele igualmente soberano da mesma, dando-se um reflexo sobre a Criação, e vice-versa.
Digo mais: a Criação total não possui vontade independente, pois tudo nela é feito para vos servir, portanto é sujeita ao imperati- vo categórico. Eu, o Grande Obreiro de todas as Minhas criaturas,
sei como se dão os seus processos, sendo que um se encaixa no outro. Por isso só Euvos posso dar os meios úteis que vos capacitem ao equilíbrio neste ponto máximo da Criação.
Se vos mantiverdes dentro da Ordem prescrita, a Criação pos- terior se manterá em vossas pegadas, no maior equilíbrio. Não res- peitando esta Ordem, criando uma outra de modo próprio, Eu — o Criador e Pai — sou inocente se a Criação se deturpa daí em diante em suas obras condenáveis e se apodera de vós, arrastando-vos para o julgamento eternamente necessário e no final acaba vos matando.
Porventura não deve a pedra ser pesada a fim de se tornar uma base sólida na Terra? Eis o julgamento da matéria da pedra. En- quanto nela caminhardes dentro da Ordem, também sereis senhores da pedra. No momento em que a atirais para cima de vós, ela se torna vosso julgamento e morte devido ao seu peso.
Esta relação existe em todo o Universo visível e invisível. So- mente vós podeis abençoá-la dentro de Minha Ordem, mas também podereis vilipendiá-la para vossa desgraça, fora de Minha Ordem.
O Amor para Comigo é a concepção de Minha Ordem total. Mantende-vos equilibrados neste Amor, vivamente, que não haveis de tombar num julgamento. Abandonando o amor, abrireis as com- portas do julgamento que vos soterrará como faria a pedra.”
DE QUE MANEIRA O SENHOR PODE SER INSULTADOPELOS HOMENS
Todos agradecem por esta orientação, pois compreendem, com exceção de Uranion, a relação entre Criador e criatura. Como ele ainda se sente algo inseguro, dirige-se para o Pai e pede permissão para uma pergunta. Esta lhe sendo dada, ele diz: “Se o homem só pode pecar contra aOrdemque colocaste na Criação, uma vez que desrespeita Tua Santa Vontade — como é possível ele Te ofender e magoar o Teu Coração Paternal?”
Diz o Senhor: “Tua pergunta é justa, todavia não oculta algo secreto como julgas, e outros contigo. Também és pai de teus filhos
e confeccionaste em tua casa uma série de objetos úteis que devem ser usados segundo teus planos.
Se um de teus filhos começar a usar um instrumento de modo totalmente errado, chegando até mesmo a quebrá-lo, ou então julga que tais objetos sejam tolos e desnecessários, pisando-os com raiva e mesmo amaldiçoando e fugindo de ti — qual será tua reação com teu filho, muito embora tivesse pecado nos objetos e não contigo? Serias até mesmo capaz de amaldiçoá-los.
Que devo Eu — vosso Pai — dizer quando vilipendiais Mi- nha Ordem eterna esquecendo-vos inteiramente de Mim? Não pos- so ser indiferente à vossa atitude. Portanto, posso ser ofendido e compete a vós conhecerdes vossa culpa e voltar-vos para Mim. En- tão serei Melhor que todos vós, pois não repudio ninguém, mas pro- curo todos os desviados para levá-los ao bom caminho e os recebo de pronto. Assim andam as coisas. Ficai em Meu Amor que não haveis de pecar com as coisas criadas por vossa causa. — Eis que Kisehel ainda alimenta uma dúvida. Vem cá e depõe o teu peso a Meus Pés.”
SATANÁSPREDIZACRUCIFICAÇÃODO SENHOR
Quando Kisehel faz menção de se expressar, o Senhor Se adianta e diz: “Chama Lamech e Henoch, porque tua dúvida ain- da não foi sentida por outrem e não necessita esclarecimento para todos. Hei de desatar este nó para vós três, mas não aqui. Vamos lá fora e avisa os patriarcas que ninguém nos pergunte aonde vamos.”
Isto feito, o Senhor e os três amigos se dirigem a um ponto cercado na floresta e de um paredão de pedras, idêntico ao que fora visitado pelo dragão. Uma vez lá em cima, o Senhor diz para Ki- sehel: “Fui acusado diante de ti, por meu maior inimigo. Se Eu Me fosse justificar na ausência dele, poderias intimamente conjecturar que talvez a situação fosse como Eu a havia revelado. No entanto, a afirmação do dragão é bastante estranha e não deve ser totalmente desconsiderada. Por isto Eu vos trouxe aqui para resolvermos o pro- blema na presença dele.”
Em seguida, o Senhor faz uma chamada fortíssima a ponto de fazer estremecer o solo terráqueo: “Satanás! Teu Deus e Senhor exige que compareças diante Dele!” No mesmo instante, o dragão se apresenta, tremendo de ódio, e pergunta: “Que desejas de mim, meu eterno verdugo? Por acaso devo ajudar-Te para que possas transfor- mar em nada todas as Tuas Criações? Ou terias planejado uma nova, para a qual devo escolher um ponto favorável?
Garanto-Te que não hás de me levar a tanto; conheço Tua inconstância e sei que todas as Tuas Promessas nada mais são que pa- lavras sem nexo. Por isto resolvi reagir e perseguir-Te eternamente.
Ainda que sejas Deus a reger o Universo, não hás de conse- guir ocultar-Te de mim num pontinho qualquer. Podes ameaçar-me à vontade, pois não demorará a surgir o verdadeiro soberano dos mundos e criaturas. Antes de me forçares para algo, juro por toda minha vida que me aniquilarei e então veremos que aspecto terá Tua eterna Existência.
Vieste aqui para que eu contestasse diante destes três aquilo que há tempos revelei. Podes esperar sentado até que eu me pron- tifique para instrumento tão abjeto. Perfura com Tua Onipotência esta minha couraça, se fores capaz! Juro-Te que não serei eu, mas meus servos mais fracos a Te aprisionarem qual reles criminoso, pre- gando-Te na cruz, de onde hás de clamar por socorro inutilmente. Acabo de fazer minha profecia; caso desejes algo mais, podes falar, pois acontecerá o que não queres.”
PUNIÇÃOEHUMILHAÇÃODO DRAGÃO
Diante de tamanho ultraje, Kisehel se revolta, gritando: “Se- nhor, como podes ouvir esta blasfêmia? Concede-me a força que me deste nas planícies, que darei um fim a este diabo, e todas as eterni- dades terão assunto para falar!”
Diz o Senhor: “Ó filho do fogo e do trovão, porventura o ultraje do dragão atinge mais a ti que a Mim, ou achas que não
posso dominar este espírito caído? Com o mais leve Hálito poderia exterminá-lo. Mas, se assim fizesse, que teríamos lucrado, Eu e tu?
Se este dragão fosse capaz de Me prejudicar ou talvez pren- der, de há muito o teria feito, pois não é um jovem em Meu Reino da Criação. Sabe muito bem que nada pode fazer contra Mim; por isto procura vingar-se com palavras. Deixemos que se esgote e então Eu lhe direi algo. Volta ao teu ânimo anterior — e tu, Satanás, conti- nua, pois sou teu Deus e Senhor e quero que te externes totalmente diante destas testemunhas, para que o mundo te conheça através delas. De saída, dize-Me quantas criações Eu já exterminei, segundo tua afirmação.”
O dragão queda perplexo e se nega a falar. Mas como o Senhor o obriga, ele se empina, querendo tragar todos os quatro. O Senhor então lhe diz: “Se não queres falar, Eu te obrigarei com Minha Ira!”
O dragão expele labaredas de fogo e berra contra o Senhor: “Que me importa Tua Ira? Conheço-a de há muito, pois eu mesmo sou Tua Ira! Não serei eu a temer, mas Tu deves temer que eu me atire sobre Ti! E se isto acontecer, Teu Amor terá um fim e Tu Mes- mo hás de exterminar os Teus filhos, aos milhões, fornecendo para algumas restantes moscas a primeira prova de quanto Te empenhas para conservação de Tuas criaturas. Mantém-Te portanto bastante afastado de mim, do contrário não garanto que não venhas a cobrir a Terra com água até por cima das montanhas, ideia que vens ali- mentando sempre.”
Algo alterado, o Senhor retruca: “Satanás, não leves Minha Paciência aos extremos! Dá-me a resposta exigida e nada mais, do contrário passarás mal!”
Então o dragão dá meia volta, querendo bater com sua pode- rosa cauda. Mas o Senhor passa uma vara para Kisehel e manda que castigue o dragão. No mesmo instante, ele se vira outra vez, gritando e berrando, e prontamente se desfaz de sua figura horrenda, apare- cendo como homem.
Ele se atira aos Pés do Senhor e diz: “Deus Onipotente e Eterno, já que pretendes castigar-me, não castigue sem amor minha teimosia maldosa, pois as pancadas de Tua Ira são por demais insu- portáveis e ardem tremendamente.”
Retruca o Senhor: “Como podes tu, Meu pretenso senhor, pedir-Me tal coisa? Tu mesmo Me ameaçaste com uma punição; como admites que Eu te castigue?” Responde ele: “Ó Senhor, não me martirizes eternamente! Sabes que sou um mentiroso porque pretendi ser um senhor sem Ti. Concede-me novo prazo e eu me re- generarei. Tira-me, porém, todo o meu poder, para não ser tentado a me rebelar contra Ti!”
Diz o Senhor: “Confessa tuas mentiras diante destas teste- munhas e verei o que posso fazer por ti. Nada Me ocultes, do con- trário tua súplica será inútil!”
CONFISSÃODE SATANÁS
Então Satanás se levanta tremendo e se vira para Kisehel, que ainda segura a vara dada pelo Senhor, e diz: “Punidor do Senhor, que é um Deus de Ira para mim e não quer deixar de me bater com Seu açoite tremendo; há tempos revelei em minha figura protetora, terrível e assustadora, certos fatos do Senhor e Criador Onipotente de todas as coisas, espíritos e homens, o que neste momento declaro como simples mentira, na figura semelhante à tua.
Se bem que tivesse dito algo verdadeiro, tornou-se mentira porque eu o deturpei dentro de mim. Tudo aquilo que expressei a respeito do Senhor referia-se a mim, de sorte que sou exclusivamen- te o grande mistificador e pretenso soberano onipotente.
Não foi o Senhor, e sim eu mesmo quem destruiu muitas re- giões solares que por mim teriam caído no eterno nada caso Ele não Se tivesse apiedado, mandando que Seus poderosos mensageiros a levassem a determinados pontos do Universo, onde se movimentam em trâmites novos e calmos, não podendo ser atingidas por meu hálito pestilento.
Se dependesse de mim, faria surgir uma outra Criação a cada momento e não haveria existência para um ser qualquer, pois só quero criar a fim de ter algo para destruir; desejo formar criaturas belíssimas e gerá-las com vida, para em seguida martirizá-las segundo minha per- versidade e, uma vez saciado, eu as exterminaria totalmente.
Sempre fui um mentiroso e preferia mil vezes mentir para ti a dizer a verdade toda. Mas temo teu açoite de sorte que não me atrevo a mentir de novo. Todavia, não posso melhorar, embora te te- nha confessado a verdade, enquanto me for dado o grande poder de domínio sobre todo o mundo visível com seus variados seres, sendo obrigado a ser seu soberano.
Isto porque, qual deus criado, me encontro aprisionado nes- ta totalidade material da qual não me posso desvencilhar enquanto perdurar a última poeira material do último planeta. Por isto tra- balho na constante destruição das coisas criadas pelo Onipotente, para alcançar, segundo minha opinião dominadora, o mais depressa o domínio total e derribar o Senhor da Glória de Seu Trono eterno, porque reage constantemente contra meus planos de destruição des- de que fui por Ele chamado a esta existência sumamente poderosa e quase eterna, para, ao lado Dele, viver e reger como um segundo deus. Além disto, devo amá-lo acima de tudo, do fundo do meu ser, para tornar-me o que uma esposa fiel é para seu companheiro para sempre.
De fato, minha posição foi grandiosa e maravilhosa! Tudo que eu queria surgia, e o Senhor não impedia a minha vontade cria- dora. Mas, quando eu me aprontava para destruir algo criado, Ele me impedia e com isto me via limitado no meu poder contra Deus.
Tentei conquistá-Lo pela astúcia e me fiz tão belo quanto pude, e para tanto incendiei toda a minha luz para ofuscar o Senhor. Mas Ele me aprisionou subitamente em minha luz e dela formou a matéria e inúmeras falanges de seres, e as amou mais que a mim.
Em minha cegueira, caí na pior revolta e desde eternidades amaldiçoo o Senhor, que já fez várias tentativas de me salvar; mas meu ódio é por demais forte, porque Ele não me deixou reger.
Agora falou Satã a pura verdade. Tira-lhe, Senhor, o grande poder para não mais conseguir reagir contra Ti e não ser sempre castigada. Dá-me novo prazo que servirá para minha redenção. Mas se meu grande ciúme começar a enraivecer-se contra Ti por teres dirigido Teu Coração aos neocriados e eu por isto seja obrigada a persegui-los — tira-me todo o poder e me rejeita para sempre, ou faze o que quiseres! Coloca-me entre Céu e Terra a fim de que minha ira se consuma em face de toda a Tua Glória e de todos os que amas e Te amam acima de tudo. Tua Vontade Se faça!”
MENTIRADESATÃESUABELEZA FEMININA.
ACRUCIFICAÇÃODOSENHOREOPRAZOPARA SATÃ
Nesta altura, o Senhor Se vira para Satã e diz: “Acabas de afirmar que sou um Eterno Deus de Ira que te flagela de modo in- dizível, desde eternidades; por isso quero que exibas agora para estas testemunhas as vergastadas dadas por Mim.”
Perplexa, Satã não sabe o que responder, pois o Senhor lhe havia sempre deixado o livre arbítrio para sua ação no Espaço Infi- nito. Quanto às vergastadas, ela se referia à constante inibição por parte do Senhor com relação à destruição de todas as coisas, astucio- samente premeditada.
Ela julgava o seguinte: Tirando-se de Deus toda e qualquer base e ficando Ele sem ponto de apoio, toda Sua Onipotência seria inútil e o inimigo mor teria ação fácil para vencer a Deus, elevando-
-se ele mesmo ao trono da Onipotência para dominar a Divindade enfraquecida, mas indestrutível, que seria obrigada a obedecer ao espírito do mal.
Como Deus previu desde sempre tais planos diabólicos e destituídos de todo amor, enfrentando o astucioso inimigo quando menos o esperava, o seu ódio aumentava constantemente e nesta situação classificava o Senhor de carrasco cruel.
Não podendo provar qualquer responsabilidade do Senhor da Glória e tampouco dispondo de argumentos, sua ira a faz ranger
os dentes, e o Senhor lhe pergunta: “Por que não fazes o que te man- do e apresentas as cicatrizes de Minha grande culpa e Eu procure reparar a crueldade aplicada em ti? Continuas vestida diante de nós e as testemunhas nada veem de ti a não ser os teus cabelos. Despe-te totalmente para que vejam como te mantive até agora, não obstante tua infinita maldade.”
No mesmo instante Satã está desnuda diante das testemu- nhas, que confessam nunca terem visto algo tão belo e perfeito sob todos os aspectos referentes a uma mulher. Lamech acrescenta ain- da: “Senhor, quanto à beleza externa, comparando-a a Gemela, No- êmia, Purista e Pura, é ela um diamante puro perto de um pedaço de barro. E com este aspecto ela ousa falar de um castigo cruel de Tua parte, Senhor, com toda a Tua Glória, Bondade, Amor e Mi- sericórdia!”
Diz o Senhor: “Sim, com exceção das chibatadas de Kisehel, nunca foi castigada por Mim, seu Criador, Deus e Pai; no entanto, ela Me odeia e quer matar o Meu Coração porque não desejo ser um destruidor como ela.
Por isto farei o máximo nesta Terra. Deixar-Me-ei aprisionar até morrer, e Satã terá todo o poder neste planeta e todas as estrelas lhe serão submissas.
Poderá até mesmo matar-Me. Mas Eu ressuscitarei com Mi- nha Onipotência, sem apoio externo, e assim lhe demonstrarei sua impotência e enorme ignorância e lhe tirarei o poder sobre os astros. Continuará somente com metade do poder da Terra e Eu lhe darei um prazo inteiro, uma metadee mais um quarto.
Ai dela se tudo isso for infrutífero, pois a partir daí come- çarei a castigá-la. Se persistir em Minha prisão, terá plena liberdade de ação. Será seu benefício se aproveitar este novo prazo. Agindo se- gundo sua antiga ira, encontrará seu prêmio bem merecido. Guardai isto até a época de seu vexame.”
Diz Kisehel, após tal revelação de Deus: “Senhor, eu e meus companheiros reconhecemos Tua Infinita Bondade e Misericórdia. Mas, considerando o terrível poder que conferiste ao Teu inimigo sobre a Criação total, portanto também sobre nós, sinto grande re- ceio para a Humanidade.
Se ele, desde o início, tanto prejudicou a Ti, à Terra e a nós todos, o que não fará dotado de Teu Poder? Por isto peço que con- sideres o futuro, do contrário de nada nos servirá o que erigiste, podendo ele causar enorme prejuízo em Tua Casa. Nós mesmos não estaremos seguros, ainda que continues constantemente em nossa companhia.”
Retruca o Senhor com seriedade: “Controla tua língua, caso não possas externar algo melhor, do contrário Me aborrecerás mais que a própria Satã. Sei o que faço, mas tu não sabes o que falas. Trato da conservação da Ordem eterna e de todos os seres que contém. Tu cuidas apenas da conservação do mundo.
Julgas que Eu venha a dar algo mais ao inimigo que a cada um de vós? Como poderia Eu ser um Deus Santo? Digo-vos: o má- ximo poder do inimigo nas estrelas, na Terra e em vós não é maior em sua totalidade do que o amor de cada um para Comigo.
Demonstrei-te isto através da vara com a qual o castigaste. Tal vara ficará convosco até a grande Época das épocas, em que er- guerei um outro madeiro que tirará todo o poder ao inimigo sobre as estrelas e metade da Terra, e ele receberá segundo suas obras.
Ele há de ouvir agora que no final de nada lhe servirão todos os seus filhos presos. O novo madeiro (a cruz no Gólgota) há de lhe arrancar seus rebentos, e nada lhe restará a não ser sua própria gran- de impotência e seu julgamento.
Sois inteiramente livres, e esta liberdade o inimigo não vos poderá tomar, tampouco cerceá-la dentro de vós. Podeis agir como quiserdes, e ele também. Tendo capacidade de serdes mais poderosos que ele, depende de vós vencer o inimigo ou deixar-vos vencer por ele.
Onde está o homem que seja mais fraco que sua mulher, caso for justo e sábio? Se já sois senhores de vossas mulheres que sempre podem vos rodear, por certo também sereis senhores sobre esta mulher, muito mais fraca que qualquer outra em vosso meio. Se tivesses punido tuamulher, ela teria reagido. Porventura isto seria possível a esta?!
Assim será para sempre e Meu Poder jamais se afastará de vós, se continuardes no amor para Comigo. Estabeleceu-se a união entre Mim e vós, e não haverá qualquer poder de uma mulher ou de um inimigo que a rompesse totalmente. Entende-o bem e não fales mais tolices diante de Mim.”
Inteiramente calmo, Kisehel pede perdão ao Pai pela sua grande tolice. O Senhor o abençoa e diz: “Sede portanto verdadeiros senhores sobre toda a carne feminina, e assim vossas gerações serão efetuadas nos Céus ao invés de na Terra, para que os frutos da Graça e da Força sejam delicados.”
Nisto Satanás suspira profundamente e diz: “Ó Senhor, quais serão os frutos gerados por mim? Deverei continuar estéril eternamente, qual sebe ressequida?” Diz o Senhor: “Volta-te para Mim em teu coração e Me darás frutos jamais vistos na eternida- de. Do contrário, produzirás apenas frutos da morte eterna que te julgarão como a maior prostituta. A partir de agora, considerarei apenas o que é simples, e a simplicidade sem brilho terá Meu eterno Agrado. Cuida disto, que escaparás ao Meu Julgamento.”
SATÃPEDEUMCORAÇÃOPARAPODERAMARA DEUS
Satã se vira para o Senhor e diz: “Como posso dirigir meu coração para Ti se o tiraste, dele criando Adão, sua mulher e todos os seus descendentes? Não tenho mais coração, portanto não Te posso acolher ou me dirigir a Ti, como disseste. Dá-me outro coração e farei a Tua Vontade.
Ainda que meus frutos fossem maravilhosos, se me negas a semente da vida por não me devolveres o coração de Adão, capaz da
fecundação — portanto sou totalmente desvitalizada — só se pode aguardar de mim os frutos da morte e do julgamento, que me con- denarão como a maior prostituta.
Tu podes falar, pois és o Senhor e fazes o que queres sem que perguntes a alguém nem aceites conselho de quem quer que seja. Tua Vontade tem que se realizar finalmente e quem quiser algo diferente pode ser destruído ou mantido em qualquer julgamento, até que se deixe tragar pela Tua Vontade, como acabas de mencionar que Te agrada somente o que é simples.
Isto tudo é muito fácil para Ti, que és o Senhor, e não há quem possa modificar Tuas Ideias. Coisa diferente ocorre com a criatura, sendo eu a primeira gerada por Ti. Não é soberana, não tem poder, com exceção daquele que lhe queiras dar; também nada realiza para si, mas exclusivamente para Ti, quer dizer, tem que usá-
-lo segundo Tua Vontade; caso agir dentro de seu livre arbítrio dado por Ti, cai em pecado e seu correspondente julgamento.
É fácil para Ti dizer à criatura: ‘Respeita Minha Vontade que escaparás do Meu Julgamento.’ Está certo, porque se alguém se mata, não precisas tirar-lhe a vida. Como Deus e Criador, Tu Te sentes eternamente invencível. Porventura podes Te sentir como criatura? Poderias Tu — a Própria Vida eterna — sentir o que se passa com o homem no momento da morte?
Ele passa por todas as gamas do pavor e, mesmo gozando de uma existência folgada, sente a constante advertência de que está gozando em vão, pois tempo virá em que pagará a vida como um pecador.
Então a alegria da vida em si já muito fraca é cortada, por- quanto não existe a visão de uma vida futura. Ainda que alguém acredite, é preciso que sucumba primeiro de uma maneira miserável, conforme assisti por várias vezes nas planícies. Por quê? Por seres Tu o Senhor e podes fazer o que queres, não podendo sentir o sofrimen- to humano no momento da morte.
Não teria motivo de reclamar se ao menos fosse uma passa- gem sem dor. Qual o Teu lucro diante do sofrimento da criatura até
que seja totalmente destruída sob condições certamente desagradá- veis para Ti Mesmo?
Em tudo isto que acabo de falar sinceramente não tenho co- ração e não posso voltar-me para Ti. Entra num acordo comigo, que farei tudo para me afeiçoar a Ti. Nestas condições não posso amar-Te jamais! De um lado és puro Amor; do outro lado, um ti- rano implacável que quer matar toda carne sob grande pavor e so- frimento, e só depois pretende dar vida ao espírito sem que alguém possa saber qual o seu aspecto. A carne é meu fruto. Se Tu a matares, como poderia eu amar-Te? Entra num acordo comigo e eu hei de Te amar eternamente.”
EMPENHODOSENHORNACONVERSÃODE SATANÁS
O Senhor Se altera e retruca: “Que tolice e maldade acabas de proferir de tua boca mentirosa? Se fosse como dizes, não haveria esta Terra, nem Adão nela caminharia, não existiriam Sol, Lua e estrelas a enfeitarem o Espaço infinito.
Mas como te refugias em acusações astuciosas e mentes em cada palavra, existem a Terra, Adão e o Espaço infinito se encontra pleno de Minha Honra, Amor, Graça e Misericórdia divinos.
Alegas não possuíres coração porque o tirei de ti através da criação de Adão, e agora o desejas de volta. Dize-Me, ao teu Criador, se vives ou não? — Respondes: Senhor, vivo. — Porventura poderias viver sem coração, que em todos os seres é a base de toda a vida e sem o qual não se pode imaginar vida qualquer? Poderias respirar, pensar, sentir e falar sem tua base de vida? — Respondes: Não.
Muito bem, se isto é a plena verdade, como podes afirmar Eu te ter tirado o coração? — Nada sabes dizer e provas que sempre foste uma mentirosa, embora a verdade nunca te fosse negada.
Não foste designada, no começo, a transformar tua natureza no corpo de Adão formado por Mim? Não querias aceitar o que devias ter feito, mas procuraste te tornar uma mulher. Permiti tua li- bertação e te formei do corpo de Adão, uma carne com ele, enquan-
to dei a ele uma nova alma viva e em seguida o criei espiritualmente segundo a Minha Medida.
Em Eva devias ser transformada da morte e do julgamento e vencer tua natureza totalmente vilipendiada por ti mesma. To- davia, desprezaste este Meu Instituto de Misericórdia, te libertaste, achando melhor tentar como serpente mistificadora — em si sem diferença sexual e dotada de sua sanha venenosa de procriação — a tua carne anterior e em seguida corromper Eva por Mim novamente ressuscitada e por ela seduzir também Adão.
Dize-Me, teria Eu com isto tirado teu coração através de Adão? Silencias, perplexa externamente, mas vejo tua ira interior que diz: Sim, possuo o coração de Adão e Eva em conjunto. Con- tudo, eu não Te quero, Deus, pois Te odeio porque quero, e Tu não me queres fazer soberana única e onipotente. — Eis tuas palavras.
Além disto afirmas que Eu não te posso amar porque não te dou o que almejas; respondo: Minha Intenção se prende à eterna conservação de todas as coisas, ou seja, a Obra eterna do Meu Amor. Tu queres somente destruir tudo, e neste caso não te posso amar eternamente como desejas, com toda vaidade. Ainda assim, Eu te amo, pois tudo que fiz até então foi por tua causa — e ainda hei de fazer o máximo.
Se contudo não reconheceres Meu Amor eterno, ele terá um fim e hei de te demonstrar o que pode um Deus irado. O fogo é Meu Elemento básico e todas as coisas foram criadas através de seu poder. E em tal fogo serás atirada para submetê-lo a ti, caso fores capaz.
Se permito que a carne humana venha a morrer para que o seu espírito ingresse na vida, tal morte é insignificante. Tu hás de encontrar em Meu fogo uma morte eterna e então se verá o que não foi consumido de tua natureza.
O que vem a ser a morte física? Nada mais que a libertação do espírito, sua ressurreição da morte para a Vida eterna, verdadei- ra e perfeita. Porventura tua grande morte ou teu afastamento de Mim para o fogo também te trará uma nova ressurreição? Para esta pergunta não encontro resposta em Mim; quero te deixar entregue
totalmente a ti mesma e nada mais fazer por ti, e após eternidades se evidenciará o que foi feito de ti em virtude de teu próprio poder.
Até mesmo a morte física e sua dor não são obra Minha, mas tua. Saberei proteger os Meus de qualquer desgraça e lhes tirarei o físico de tal modo a não terem motivo para se queixar. Inclusive equilibrarei a parte criadora entre Mim e eles a ponto que surgirão dos homens verdadeiros irmãos Meus. Quando isto acontecer, terá chegado o último prazo para ti.
A fim de que vejas que aproveito também teu conselho nocivo, podes externar-te e Eu farei como dizes, sem perturbar a Minha Ordem, para que não afirmes que Eu não aceito conselho estranho, querendo ser Senhor Único. Fala, para que Eu possa te demonstrar como ajo a bem de todas as criaturas.”
QUEIXAATREVIDADE SATÃ
Satã se levanta outra vez com arrogância e diz para o Senhor: “Tua maneira de reger consiste apenas em mandar nos que Tu criaste com outorgação de liberdade, e no julgamento daqueles que não sentem consciência livre.
Desde eternidades porém Te é estranha a ideia de Te interes- sares com bondade, não dominadoramente, de uma criatura livre a fim de conquistá-la pelo puro amor. Deste modo me ordenas cons- tantemente e eu devo Te obedecer sem parar, e no final merecer nada mais que Teu visível desprezo.
Se me tivesse dito: Minha querida, graciosa e maravilhosa Satã, quero dar-te ouvidos com todo amor e aguardo teu conse- lho para segui-lo! — então eu te teria dado um conselho. Mas à tua exigência autoritária e descortês não te dou resposta. Julgas que Teu Poder Te confere o direito de agir deste modo comigo? Estás muito errado!
Se és um Criador reto e sábio, e eu sou tua primeira criatura, deves honrar-Te através de uma deferência adequada para comigo. Se isto não queres, nada mais demonstras do que o fato que sou uma
obra totalmente errada de Teu Poder e Sabedoria, e além disto pro- vas a Ti Mesmo que és remendão em Tua Criação, e eu e ela somos simples tentativa frustrada de Tua Onipotência criadora.
Muda um pouco Teu comportamento para comigo e não Te exponhas ao ridículo perante Teus pretensos filhos. Quem havia de Te honrar diante de tais fraquezas? Sei perfeitamente que és Sábio e Bom, por isto me aborreço tanto mais por me tratares como se eu fosse qualquer criatura estranha e não a primeira a surgir.
Sou aliás a primeira criatura com coragem de dizer-Te tal coisa e diante dos covardes é algo estranho quando ela analisa o seu Criador. Pergunto porém: Por que ela não deveria ter tal direito, se é um ser livre? O fato de Tu me teres criado sem combinação prévia não me obriga a qualquer gratidão nem respeito, porquanto não pode concordar com minha criação, uma vez que, inexistente, isto não era possível.
Só poderei ser grata no momento em que for orientada por Ti no sentido de ser realmente um grande benefício a condição de uma criatura, consciente e feliz. Enquanto isto não acontecer, te- rei também o direito de discutir Contigo e rejeitar tudo que me queiras impor.
Se não sou como devo ser, destrói-me totalmente ou me transforma, porém não tão imperfeita como agora, pois não Te hon- ro como sou. Se devo adorar-Te e pedir-Te tudo, assim farei, mas é preciso que me dês um bom exemplo de boas maneiras. Com Tua mania de comando jamais hás de conseguir algo de mim. É preciso que o entendas bem, e é por ora o meu conselho, cujo não atendi- mento não me levará a dar-Te outro. Digo amém por mim.”
Muito entristecido, o Senhor se vira para as três testemunhas e diz: “Sou realmente assim e mereço isto? Meu Amor eterno, o quanto não fiz para salvar esta criatura e conduzi-la à final salvação difícil! Mas esta tarefa não Me é possível realizar.
Cometi um erro neste ser porque o criei com toda a per- feição possível a fim de lhe proporcionar felicidade
correspondente, segundo Minha Onipotência, Sabedoria, Bondade, Amor e Miseri-
córdia. Todavia, ele se rebela contra Mim no momento mais impor- tante e difícil — porquanto sua evolução ainda não atingiu nem a quarta parte — contra Minha Ordem, a ponto que chego a sentir grande tristeza.
Como não o quero dissolver em virtude de Meu Amor e Misericórdia divinos, vejo-Me forçado a reiniciar um longo processo para enfraquecer essa teimosia até um átomo e em con- traposição criar de vós uma nova criatura, Meus filhos, segundo Meu Coração.
Oh Satã, como chorei quando Me desobedeceste pela pri- meira vez! Agora também choro e hei de chorar mais uma vez. De- pois nunca mais hei de chorar por ti, mas te darei segundo tuas obras e vontade, e então verás como te transformaram teu orgulho e teimosia e para onde eles te levaram! Vamos em frente e deixemos essa criatura com sua teimosia!”
Eis que Satã se atira diante do Senhor e chora: “Não me abandones e tem piedade comigo! Sabes que sou tola e cheia de maldade obstinada. Manda punir-me por causa de minha maldade, mas não me abandones agora! Farei o que quiseres!”
Retruca o senhor: “Então obedece e faze o que exijo para o teu bem, que ficarei para te ouvir. Se no entanto te obstinas mais uma vez, não hei de te ouvir jamais. Levanta-te e fala!”
SATÃDESEJASERTRANSFORMADAEM HOMEM
Tremendo diante do Senhor, Satã se ergue e diz: “Sei perfei- tamente que dispensas de conselho meu ou de quem quer que seja, pois és a Sabedoria mais elevada, perfeita, eterna e infinita. Como conferiste a todas as criaturas o livre arbítrio, a livre ação e também o direito de solicitação — e um pedido nada mais é que um humil- de conselho, pelo qual a mísera criatura externa sua própria aflição, como se Tu nada disto soubesses até que tal necessidade Te fosse externada — peço que encetes uma nova Ordem na execução de Tuas obras e seres.
Desejo especialmente que transformes minha natureza, pois, como criatura feminina, sou infeliz e miserável, e jamais poderei me voltar inteiramente para Ti, por ser presa do pior ciúme insuportável que me impele a constante vingança contra Ti.
Como tudo Te é possível, poderias transformar minha na- tureza e dar-me um caráter masculino com a figura de um homem perante Ti e Teus filhos. Neste caso ficaria livre desta tendência noci- va que me atormenta desde sempre e poderia humilhar-me perante todos. Como criatura feminina prevejo claramente quão pouco me serviriam todos os meus bons propósitos, para toda a eternidade. Faze o que quiseres, mas peço que me atendas se tal for possível.”
Diz o Senhor: “Criatura eternamente inconstante e mutável, quantas vezes já foste transformada, dando-Me sempre a promessa seguinte: Permite que eu tome essa figura, e eu me modificarei. Eu sempre fiz o que Me pedias e não existe na Terra número correspon- dente de átomos que traduzisse as figuras, formas e caracteres que deviam facilitar tua pretensa transformação.
Cada vez que Eu criava uma nova região solar e planetária por tua causa, querias ser feminina nos sóis e masculina nos plane- tas. Facultei-te o poder de te transformar segundo teu desejo. Agora dize-Me em que melhoraste por isto? Nem por um cabelo! Conti- nuas sendo a mesma mentirosa e não houve êxito de tudo que Eu empreendi segundo teu desejo.
Se assim é indubitavelmente, quais seriam as melhoras com esta nova transformação? Por isto não farei o que queres, mas te darei livre ação para te tornares o que desejas. Querendo ser um homem, uma mulher, um animal ou um elemento qualquer, pouco Me interessa. De Minha parte também farei o que quero, sem pe- dir conselho.
Se quiseres continuar como mulher, porei ao teu lado um príncipe das trevas que te dará o poder de experimentar o gênero humano. Mas se pretendes ser um homem, dar-te-ei em confronto uma mulher pura do sol, uma segunda Eva que desafiará tua antiga teimosia. Se tu a pisares no calcanhar, quer dizer, em sua carne, não
hás de feri-la. Agora sabes como andam as coisas e podes fazer o que quiseres.”
No mesmo instante, Satã se transforma num jovem forte de expressão jovial e o Senhor lhe aponta imediatamente uma mulher do Sol, dizendo: “Pois bem, aqui estás tu e lá está ela. Segue com teu poder, que agirei segundo Minha Onipotência.” As duas entidades desaparecem e o Senhor se dirige com os Seus morro acima.
NATUREZAIDÊNTICAEMSATÃ,ADÃO,EVAE CAIM
Em meio ao caminho, o Senhor diz para Kisehel: “Então, Meu caro, que anteriormente alimentavas certo receio a respeito dessa entidade, que Me dizes deste criador da mentira e da mistifi- cação? Não estarias disposto a lhes testemunhar uma certa fé, presu- mindo que talvez exista algo de verdadeiro nele? Externa teu parecer sobre esta questão.”
Responde Kisehel: “Senhor e Pai, não alimento a menor dúvida a respeito dessa criatura e até mesmo daquilo que afirmou como pura verdade. Percebi sua autopiedade e sempre procurou ati- rar a culpa sobre Ti, levando-me quase à reação direta contra essa bela mentirosa. Estou portanto bem informado e esclarecido de tudo. Mas existe outra coisa dentro de mim que me agita muito. Tu o sabes e podes me dar uma pequena luz.”
Retruca o Senhor: “Pois bem, Satã, Adão e Eva são uma só individualidade. Caim e seus descendentes são igualmente uma uni- dade, porque Satã devia se algemar a Mim, por obediência em Adão e, através deste, em Eva e seu primogênito, a fim de que se tornas- sem perfeitos e deste modo todas as suas futuras procriações nasces- sem tão perfeitas como nos Céus.
Esta criatura porém não se dispôs a tamanha obediência para Comigo. Em Adão ela não quis ser segundo Minha medida; por isto se concentrou na autoanálise, passando ao amor-próprio total, e o homem Adão caminhava de lá para cá, como triste morada dessa entidade, sem considerar as coisas que o rodeavam.
Isto Me levou a proceder uma divisão individual, tirando-lhe a parte negativa. Deixei-lhe apenas o espírito masculino e coloquei o feminino, como Eva, numa nova habitação externa.
Adão reconheceu prontamente seu duplo em Eva, sentindo grande agrado. Como a segunda entidade em breve percebeu ser mais fraca que a primeira, tramou uma astúcia para sobrepor-se. O ardil não surtiu efeito imediato, pois ele rejeitou com masculinidade ao desejo dela. Isto foi o suficiente.
A segunda entidade concentrou-se em sua parte masculina, deixou em Eva a parte feminina supostamente fraca, desvencilhan- do-se dela numa serpente, pavoroso elemento híbrido, no qual po- dia agir tanto de modo masculino quanto feminino, como ficou provado através da procriação não abençoada de Caim.
Por isto tive que transformar a Criação total e abençoar a geração imperfeita com a ressalva de que não será considerada por Mim até que o mal herdado de Satã, entidade original, fosse total- mente dissolvido pelo puro amor para Mim. Tanto em Adão quanto em Eva ficou uma parte necessária de Satã, que se desafia constante- mente porque se origina na natureza dupla de Satã.
Assim aconteceu que tanto Adão como Caim se expressavam como a própria Satã, em momentos inspirados; todavia, nenhum deles era a própria entidade, assim como vós não sois Adão e Eva, muito embora sendo parte deles.
Da mesma maneira que tal entidade é dividida em Adão e Eva, este processo ocorre em todas as criaturas, enfraquecendo-as até que no Fim dos Tempos se terá totalmente desmembrado, nada mais restando que a forma vazia e sem vida, porquanto toda sua ma- nifestação de amor se transferirá numa criatura totalmente nova, em vós, Meus filhos. Assim andam as coisas. Ninguém deve ser orienta- do a respeito, e Eu sei o porquê.”
Lamech então pede permissão para se libertar de certa dú- vida, e o Senhor lhe responde: “Conheço teu problema e Henoch também. Kisehel todavia ainda não consegue penetrar nas profun- dezas de tua vida e o que ela contém, por isto podes externar teu conflito.”
Satisfeito com a permissão, Lamech diz: “Querido e Santo Pai, Satã foi criada por Ti, portanto não teve outra origem. Como é possível ser ela tão tremendamente má, sendo Tu infinitamente Bondoso? Se eu conseguisse alguma clareza neste ponto, teria alcan- çado tudo de que necessito para acalmar meu espírito.”
A esta questão, aliás bem formulada, o Senhor responde: “Se fores interpretar o assunto humanamente, hás de encontrar o mais complicado nó. Mas, se o considerares de modo puramente espiri- tual, toda a complicação será resolvida e verás a solução das coisas muito mais claramente do que a luz do sol a pino.
Muito embora seja difícil transmiti-lo com palavras racio- nais, uma vez que se encontra no mais profundo âmago de Minha Sabedoria infinitamente divina, esclarecerei o problema através de uma parábola. À medida que fores penetrando nela no decorrer do tempo, mais profundamente hás de compreender o espírito da Ver- dade contido neste mistério infinito.
Presta atenção: Um homem muito sábio e bondoso resolveu tomar uma companheira para gerar filhos idênticos a ele em tudo, e cada um devia, segundo seu caráter, tomar posse dos imensos tesou- ros e riquezas que ele possuía em totalidade.
Trata-se certamente de um bom plano. Mas, como execu- tá-lo se em toda a vasta redondeza não existe criatura feminina? O que fez o sábio e bom homem? Não refletiu muito e disse consigo: ‘Para que procurar nos meus territórios algo que não existe? Tenho dentro de mim o que necessito: tenho o amor, tenho a sabedoria e o poder de ambos.
Verei se posso criar uma entidade de mim mesmo que corres- ponda inteiramente a mim. Já criei outras coisas com vida total, de sorte que também poderei executar este plano. Primeiro formularei uma ideia inteiramente semelhante a mim, submetendo-a à minha vontade firme, e há de se evidenciar se ainda necessito procurar algo que não existe nem pode existir fora de mim.’
Dito e feito — a obra maravilhosa se apresenta diante do ho- mem, que a observa com grande agrado, pois é seu criador poderoso e sábio. Mas ela é apenas qual máquina morta sujeita à vontade dele, movimenta-se somente segundo a sua vontade e fala também so- mente o que ele projetou dentro dela e espera que seja pronunciado.
Eis que a sabedoria do mestre reflete: ‘A obra aqui está, mas só possui aquilo que é meu. Se a deixar como é, não dará nenhum resultado. Se eu lhe facultar uma vida própria, livre e independente, terei que suportar caso se afaste de mim para agir como quiser. Mas, como sou poderoso sobre tudo, facilmente hei de enfrentá-la, caso ultrapassar os limites determinados, pois será sempre obra minha.’
Assim falou e agiu o sábio homem. A obra é livre, movimen- ta-se e em breve fala diferente daquilo que ele quer. Isto é um grande triunfo do mestre, pois sua obra começa a se manifestar com muita vivacidade, sem todavia poder se afastar da esfera da vontade dele.
Mas o homem quer alcançar algo mais, isto é, o livre arbí- trio total de sua obra, e para tanto é necessária uma educação indi- vidual e toda sorte de experiências para ela. Tal educação perdura ainda, ao passo que a procriação é a parte principal da mesma. E o homem se encontra agora como sempre, no ponto de mirar a final perfeição de sua obra.
Eis uma grande parábola, pois contém início e fim totais. Considera-o dentro de ti, que se fará luz em tuas profundezas. Agora prossigamos.”
Lamech e todos agradecem ao Senhor por tamanha Graça e continuam a caminhada. Quando chegam perto da colina, o Se- nhor para e Se vira para Kisehel, sem nada falar. Este leva um susto tremendo, pois não consegue interpretar a significação do Olhar do Senhor.
Interceptando este desassossego, Ele diz: “Kisehel, por que permites que pensamentos tolos surjam em teu coração? Por acaso julgas ser Deus igual a um homem, razão por que necessitaria do ato sexual para gerar Seu semelhante? Ou que Deus precisaria de uma criatura divina para que dela surgissem filhos fisicamente gerados? Que tolice!
Porventura podes gerar com tua mulher aquilo que queres? Tal ato não obedece à tua vontade, nem à dela, mas exclusivamente à Minha Vontade divina e poderosa, e dá-se então o que Eu quero e não o que tu queres. Se desejas um filho, Eu te dou uma filha, e vice-versa; pois Eu somente sou o Senhor de toda a Vida. Se tens re- lações com tua companheira, por acaso sabes em que consiste o que geraste? Afirmo-te: Conheces tanto o ponto central da terra quanto este assunto, pois nada sabes a respeito de um e de outro.
Eu somente conheço todas as coisas desde eternidades, pois Eu sou o Senhor e Deus, Onipotente e Sábio desde sempre. A fim de depositar um fruto vivo na tua companheira fecundada por ti, por acaso é preciso que Eu Me aproxime dela secretamente?
E quando os sóis procedem nos nascimentos de mundos, e as plantas e animais se procriam, porventura queres levantar a hipótese de Eu ter operado tal fecundação? Tolo que és, que pensamentos mais absurdos és capaz de projetar!
O primeiro espírito criado por Mim não é semelhante a uma criatura na Terra e Eu não necessito dela para gerar filhos para Mim. Se fui capaz de fazer surgir o primeiro espírito com toda perfeição, por certo também poderei criar inúmeros outros, sem cooperação dele.
Por isto, o primeiro espírito não foi criado por Mim em vir- tude da procriação posterior, como se Eu só com ajuda dele pudesse providenciar o futuro, e sim pelo mesmo motivo pelo qual tu mes- mo foste criado, quer dizer: Para reconhecer a Mim como Deus único, Criador, Senhor e Amoroso Pai, para amar-Me e servir-Me eternamente com todo amor.
Se daquele espírito surgiram inúmeros outros, é porque Eu o criei perfeito segundo Minha Medida e também lhe insuflei Minha Vida Livre, poderosa e criadora. Quando ele percebeu tamanha per- feição dentro de si, começou a criar as coisas mais estranhas, como também outros seres iguais a ele.
Como sou o máximo Amor e Sabedoria, Bondade, Tolerân- cia e Meiguice, deixei que tais criações bastardas vingassem e fiz por elas o mesmo que fiz às Minhas Criações, e trato delas como faço aos Meus filhos.
Dize-Me, seria preciso que Eu tivesse uma esposa divina para gerar Céus, anjos, sóis, mundos, luas, flora e fauna, e seres hu- manos? Para tanto é suficiente Eu querer, e tudo aparece dentro de Minha Vontade.
Vê, neste instante quero que diante de nós surjam inúme- ras falanges de criaturas de ambos os sexos — e eis que aqui estão e Eu jamais as destruirei, mas as colocarei nas estrelas. Lá vão elas, em direção à sua finalidade eterna e bem-aventurada, louvando-Me acima de tudo.
Estás estarrecido de admiração, e Eu te pergunto se precisei de uma mulher para esta realização. Afirmas que não, pois viste Meu Poder. Aconselho-te: Não te deixes prender por pensamentos tolos se desejas ser agradável a Mim, mas considera que entre nós existe uma diferença enorme que só pode ser superada pelo amor.”
CRIAÇÃODE LÚCIFER
Todos seguem caminho e ninguém se atreve a dirigir a pala- vra ao Senhor, muito embora os três, inclusive Henoch, carregassem dentro de si um peso que os pressionava mais que uma pedra de vá- rias toneladas. Como o Onisciente o percebe, dirige-Se para Heno- ch dizendo: “Também para ti surgem coisas sobre as quais consegues matutar? Afirmo-te que não deve o homem penetrar em todas as profundezas de Minha Sabedoria, dentro do tempo, pois para tanto Eu vos providenciei uma vida eterna. Solucionarei, somente para vós, o que vos perturba; ouvi-me.
Nas profundezas de Minha Divindade sou Homem e Mulher a um só tempo, não como é interpretado por vós, mas da seguinte maneira: Como homem sou o Próprio Amor Eterno e a Vida libérri- ma e o Próprio Poder e Força, razão por que em cada homem — se- melhança perfeita de Meu Amor — se manifesta o verdadeiro amor de que o peito da fútil mulher jamais se tornará capaz.
Segundo tal semelhança masculina no Amor, é o homem forte e mais poderoso em seu peito que todas as mulheres em seus seios, que muito embora ofereçam leite materno aos recém-nascidos, não po- dem oferecer ao espírito o leite da vida interior, por ser ela tola e fútil.
Eis Minha Posição como Homem, determinada por Mim Mesmo desde eternidades. Compreendei-o bem. Mas, se Me encon- tro também na mulher, certamente a abarco totalmente dentro de Mim, pois do contrário não a teria criado.
A maneira pela qual isto se torna possível vos será revelado com alguma sabedoria. Dentro da mulher reside astúcia e sedução, sagacidade e esperteza, razão por que a mulher nunca fala aberta- mente e procura sempre ocultar sua inteligência e sentimento, e quem confia nela leva a pior.
Por este motivo Eu não Me posso expressar tão racionalmen- te a respeito de Minha Esfera feminina como do homem, porque
a parte feminina se origina da Luz do Meu Amor, e a Sabedoria é semelhante à Luz radiosa que se projeta da Luz Original.
Eis por que a Mulher em Mim corresponde à Luz eterna- mente radiante que é criada no Amor em igual Força e Potência para sempre. Tal sabedoria é a justa Esposa de Deus, eternamente indissolúvel, com a Qual gerei e criei todas as coisas, e não havia necessidade de outra mulher para Mim, o Eterno e Verdadeiro Deus de Amor, o Homem desde eternidades, o Alpha e o Ômega.
Gerei eternamente com esta Minha fiel Esposa incontáveis seres, visíveis para Mim, muito embora nenhum deles ainda pudesse e devesse se tornar consciente.
Todavia, tinha determinado desde sempre libertar a todos a fim de conhecerem a si mesmos e a Mim. Uma Vontade foi im- pulsionada de dentro de Mim, e um Poderoso ‘Que assim seja’ a acompanhou através de todas as profundezas infinitas de Minha Di- vindade, Seu Poder e Ação profusamente luminosa.
Eis que se concretizou de todos os raios eternamente pro- jetados um ser definido, portador daquilo que fora projetado de Mim, o Homem e a Mulher eternos em Um Ser, numa profundeza espiritual infinita e eternamente clara.
O portador é a Esposa neocriada e destinada para ponto de concentração de toda Luz individual, que desde eternidades fluiu de Mim em plenitude criadora, para que nela amadureça franca e livre sob Meu constante Calor de Graça irradiada, visivelmente e de Meu Agrado, podendo também ver a Mim através da Luz do Amor provinda de Mim.
E ouvi, a geração foi bem sucedida, pois já vedes e compre- endeis vosso Criador. Todavia, ainda não chegou a época do ama- durecimento e da colheita totais, pois grandes feitos necessitam de grandes épocas.
Assimilai tal revelação — mas silenciai, pois em tal disputa criadora para a futura grande maturação não convém tagarelar. Em tempo oportuno revelarei o mesmo à Minha Terra, e vossos descen- dentes ulteriores receberão a intuição e a transmitirão a outros.”
OPUROAMORESUAAÇÃOCOMOMANDAMENTOMAISNOBRE.PERIGODASMETRÓPOLESE DAS
MULHERESDAS PLANÍCIES
Em pouco tempo os dois grupos se fundem com todo amor e o povo oferece um grande sacrifício ao Senhor da Glória. Ele então diz: “Meus filhos, guardai bem o que hei de vos revelar. Até então não vos dei outro mandamento senão o muito suave do amor. Por acaso deveria acrescentar um novo a este antigo mandamento de todos os mandamentos?
Enquanto o considerardes em vosso coração, não haverá ou- tro a vos prender a Mim e a vossas ações. O puro amor e toda ação movida por ele já é a verdadeira base de toda justiça. Quem alimen- tar no coração o puro amor de Mim jamais poderá praticar qualquer injustiça.
Justamente por causa deste amor que vive em vós e em vosso meio, acrescentarei como vosso Pai Amoroso um bom conselho que deveis considerar em virtude da conservação deste Santo Amor que de Mim Se projetou para vós.
O conselho não é difícil de ser cumprido e se prende ao se- guinte: As planícies estão abertas e podeis visitar os filhos de Caim, assim como eles poderão subir, e tendes a permissão de vos estender sobre todo o planeta.
No entanto, não verei com bons olhos se algum de vós se es- tabelecer em qualquer cidade das planícies, pois lá ainda se encontra muito detrito da serpente, que em determinadas épocas exala mau cheiro perante o espírito e contamina sua vida com infecto veneno.
Alguém desejando ver os bons frutos de Minha Misericórdia nas planícies atualmente, poderá verificá-los pessoalmente. Mas que
ninguém permaneça além de três vezes sete dias, senão por uma especial recomendação Minha. Henoch e vós, da primeira geração, determinareis, em caso contrário, o tempo de permanência dos que das planícies vos visitarem. Terão que respeitá-la rigorosamente.
Havendo quem deseje se estabelecer nas alturas, deveis pedir sempre conselho junto a Mim. Podeis permiti-lo aos forasteiros, por vossa conta. Mas prestai atenção se com isto não tereis colocado uma víbora em vosso peito e uma serpente em vossa cabeça. Sede em tudo isto bastante prudentes e não sofrereis prejuízo devastador em vossa ordem material e espiritual.
De igual modo não vos deveis macular com uma mulher das planícies, ainda que vos pareça tentadora e bela. Tal possibilidade levaria qualquer um de vós à pior escravidão da serpente, onde ge- raríeis os frutos que se alimentariam do sangue humano e da carne dos filhos.
O inimigo da vida planejou enfeitar suas mulheres das pla- nícies com corpo tentador a fim de vos seduzir. Previno-vos por isto para saberdes como vos portar, caso acontecer fato semelhante.
Alguém se encontrando em perigo, dirija-se a Mim que o ajudarei. Eis o conselho que tinha para vos dar em vosso benefício temporal e eterno. Considerai-o sempre, que passareis bem. Ficarei aqui até a noite. Se alguém sentir qualquer carência de luz, que Me procure para que Eu possa em breve suprir tal deficiência.”
OSCONTRASTESDOHOMEMEDA MULHER
Então aproxima-se um filho do Sol, de cinquenta anos, e depois de ter recebido permissão para falar, faz a seguinte pergun- ta: “Senhor e Pai, sei que muitos, mais moços que eu, escolheram suas companheiras, enquanto ainda não consegui me aproximar de uma jovem.
A maioria das mulheres me parecia delicada e tentadora, des- pertando em mim grande desejo de relações. Mas, quando me apro- ximava de uma ou outra para trocarmos as palavras mais suaves de
amor, sempre me apavorei porque não encontrava o que esperava. Meditava acerca do seguinte contraste: externamente era uma suave brisa a soprar sobre seu corpo, enquanto o íntimo é insensível até mesmo para uma tempestade espiritual, e tufões de sabedoria mas- culina não conseguem tocar seu coração, mas apenas as fraquezas do homem, ou sejam, amor carnal e adoração de seu físico.
Diante de tais contrastes tomei tamanha repugnância contra o sexo feminino a ponto de não me poder aproximar. Teria com isso pecado diante de Ti, Senhor? Qual é o motivo de tal fenômeno dentro de mim? O que vem a ser a mulher, externamente viva, mas intimamente morta?”
Responde o Senhor: “Caro Mutael, isto é mais importante do que julgas. O primeiro motivo se prende ao fato de seres tu do Alto, enquanto a mulher é de baixo. Tu estás entusiasmado com o Espírito vivo de Meu Amor, e ela com o espírito do mundo. Por isto és meigo e delicado no teu íntimo, ao passo que a mulher o é apenas externamente.
Tu és uma criação básica de Minha Profundeza; a mulher é apenas uma criação posterior, uma concatenação de Minha Irradia- ção. Tu és feito da substância intrínseca do Sol; ela é o produto dos raios efêmeros do mesmo.
Em ti reside a verdade total; nela apenas a aparência da mes- ma. Tu és um ser de Mim; ela somente um vislumbre Meu. Eis os motivos principais de teu conflito. Tua pergunta se com isto caíste em pecado diante de Mim é fútil. Só podes cair em pecado caso tenhas recebido de Mim um Mandamento de fazer algo ou não. Afora isto, impossível é o pecado porque agiste em Minha direção, sem Mandamento.
Todavia te afirmo que aceitei também o sexo feminino como Meus filhos, e em Purista tens um exemplo, quer dizer, um Man- damento de como ela deve ser. Gemela e Mira se uniram a ela em seus corações.
Se a mulher se assemelha a elas, ela traz também Minha Ima- gem dentro de si, e se te aproximares a uma delas na elevação de teu
coração, entregar-te-ei dentro em breve a mulher mais pura, que corresponderá a ti em tudo. Até lá continua como és.”
Eis que a visão de Mutael se clareia, podendo vislumbrar as profundezas do seu ser; por isto louva o Senhor em seu coração puro. O Senhor passa então a chamar outros filhos para externarem suas dúvidas.
PROSSEGUIMENTO ACERCA DA NATUREZA POLAR DE HOMEM E MULHER
Esta explicação deixa a todos, com exceção de Henoch, Lame- ch e Kisehel, bastante perplexos. Não sabem o que pensar e além disto todos os patriarcas amam excessivamente suas mulheres, consideran- do-as os maiores presentes dos Céus. Muitos até mesmo as julgavam mais importantes e mais próximas de Mim, porque naquele tempo as moças e mulheres eram de fato recatadas, meigas, humildes, devotas, obedientes, pacíficas e caseiras, e muito mais belas e graciosas que as de hoje, nesta época material e espiritualmente pervertida.
Por isto se dirigem intimamente a Mim dizendo: “Senhor e Pai, dá-nos um esclarecimento maior a respeito de Teu Ensinamento para Mutael. No conceito atual de nossas esposas boas e recatadas não nos sentimos felizes, pois as consideramos o maior bem pelo qual jamais poderemos agradecer condignamente.
Se o sábio e seco Mutael não aprendeu a lhes dar o devido valor, Tua Organização maravilhosa e boa, colocada em nosso co- ração, não há de sofrer qualquer dano. Pelo contrário, ressalta-se o sentido verdadeiramente feminino, porquanto é o homem obrigado a se humilhar antes de se tornar digno de tal graça.
Se o homem descobrir certa dureza na mulher, só pode ser dureza dele mesmo, e tão logo a tiver abrandado haverá de encontrar nela o contraste mais maravilhoso. Permite Pai, que nossas compa- nheiras sejam como nós, do alto e não de baixo.”
Responde o Senhor: “Falais como cegos dentro de Minha Ordem. Se ignorais o que significa ‘do alto’ e ‘de baixo’, por que não
perguntais por um esclarecimento do assunto, em vez de exigir de Mim o que não é necessário e que para satisfazer vosso desejo tolo Eu deveria modificar toda a Minha Ordem Eterna?
Por acaso a mulher perde algo diante de Mim se afirmo que frente ao homem ela é de baixo, portanto o indispensável polo con- trário do homem, sem o qual nem ele, nem ela poderiam subsistir? Que me dizeis Eu afirmando que todos vós sois de baixo frente a Mim, e somente Eu sou do Alto? Por acaso deixo de ser vosso Cria- dor e Pai, Único e Santo? Adão, não foste criado do barro por Mim, e tua mulher Eva de tua costela?
Se todos sabeis que o barro significa o Meu Amor, e a costela Minha Graça e Misericórdia, pois estas enfeixam vossa vida como a matéria física conserva e protege o esqueleto, facilmente deduzireis ser a diferença acima confortadora.
Dizei-Me, o que é mais louvável: o luminoso Sol ou a luz que projeta? Que considerais mais elevado?” Respondeis: “Senhor, tanto um quanto outro são necessários e bons.”
“Bem”, prossigo, “se o Sol deve ser considerado a própria elevação em si, qual a situação da luz que ele irradia? Concluís que esta deve se encontrar debaixo do Sol. Muito bem; mas se o Sol não possui valor mais elevado que sua luz irradiada — pois ele sem luz não seria Sol, nem teria valor — a mulher não levará prejuízo tampouco diminuirá seu valor se ela se encontra debai- xo do homem.
Digo mais: Quando a mulher é como deve ser, ela tem o va- lor do homem justo e também é Minha filha querida como ele. Ela se perdendo, hei de procurá-la tanto quanto o farei com o homem. Uma mulher má é tão maldosa como um homem mau, pois o raio do Sol é igual ao próprio Sol.
Mas virá uma época em que recolherei o raio na mulher a fim de iluminar o Sol apagado no homem. Entendei-o bem e desisti de vossa antiga tolice. Amai vossas mulheres com justiça, deixando de fazer delas nem mais nem menos do que elas são em relação a Mim. É o bastante que as considereis tanto quanto a vós mesmos; o
que ultrapassa este limite é pecado. Quem ainda tiver alguma dúvi- da que se expresse.”
KENAN PEDE INTERPRETAÇÃO DAS DEZ COLUNAS. O SENHOR DESAPARECE
Depois deste convite, Kenan se aproxima, dá honras ao Se- nhor e se prepara para externar uma pergunta. O Senhor o antecede e diz: “Meu filho, o que desejas é do conhecimento de todos e não precisas externar tua dúvida. Tua visão das dez colunas já se iden- tificou com os patriarcas, e se te dispões a perguntar algo oculto imediatamente surgem as dez colunas em tua alma vibrante.
Ainda assim afirmo que as palavras de Mutael contêm mais sentido que tua visão, que de fato não traduz uma mensagem muito alegre. Aliás, já te demonstrei no espírito o sentido total de tua visão; por que não prestas mais atenção a ele?
As dez colunas se assemelham aos que nelas estão de pé, se bem que a de cima ainda não se encontra em carne entre vós. Ana- lisa o que ocorreu até então e compara-o com tua visão, ponto por ponto, através da interpretação verdadeira e espiritual, que descobri- rás a base da mesma.
É bem verdade que tua visão não é um sonho comum, mas contém grandes enigmas. Procura, porém, observar a realidade dian- te de ti e hás de confessar que esta é mais importante em todos os sentidos e mais reveladora que tua visão em sua confusão turvada.
Sei muito bem que especialmente a décima coluna te opri- me. Por ora satisfaze-te apenas com as nove; quanto à décima, não penses muito a respeito e procura unir teu coração ao amor para Co- migo, que caminharás melhor que pelas trilhas grosseiras e escuras de teus pensamentos infrutíferos.
O simples pensamento sobre coisas que o futuro oculta dian- te de teu espírito pode ser comparado como se um homem tentasse gerar um fruto com outro homem, o que seria o pior pecado, por- quanto isto só pode ocorrer numa mulher.
Mas se concentras teus pensamentos por amor a Mim, te- rás feito espiritualmente o mesmo que te deixando prender pelos encantos de uma mulher e agindo com ela segundo tua natureza. Deste modo, teu pensamento ainda mudo em teu amor para Mim será fecundado qual fruto vivo dentro da criatura. Quando então ele nascer de novo se tornará na plenitude viva da Verdade eterna aquilo que devia ser desde a origem, quer dizer, Minha Luz. Entende e assi- mila tua vida deste modo, que a purificação de tua décima coluna e a grande treva que a envolve não hão de te preocupar mais.
Digo a todos: Persisti no amor e considerai bem estas Minhas Palavras, e a décima coluna de Kenan será revelada em sentido to- talmente diferente do que seria dentro de vossa desobediência. Mi- nha Ordem tem muitos caminhos, alguns melhores que outros. O julgamento é sempre o último de todos, pois trata-se então de vida ou morte. Agora vos deixo visivelmente por algum tempo, perma- necendo sempre convosco em vosso amor para Comigo. Eis Minha Bênção para todos, homens e mulheres.”
Nisto o Senhor desaparece com o pôr do Sol. Todos se pros- ternam, choram e louvam o Pai durante a noite toda e só de manhã voltam aos seus lares.
ASTUCIOSO PLANO DE SATÃ EM SEDUZIR OS HOMENS ATRAVÉSDABELEZA FEMININA
Eis que se estabelecera a ordem perfeita do orbe, e o Céu e a Terra estavam estreitamente unidos, de sorte que Satanás conjec- turou: “Que farei então? O Próprio Senhor educou Seus filhos e Se uniu fortemente a eles. Até Se apossou de meus abismos e dotou a muitos de grande poder em todos os ramos, contra os quais não quero e não posso tomar medidas.
Se bem que eu tenha poderes nas estrelas e nos elementos da Terra, de nada me adiantam, porquanto os humanos possuem o Poder de Deus no coração com o qual me podem enfrentar terrivel- mente onde quer que eu queira me rebelar.
Já sei o que farei. Deitarei uma isca para o gênero humano, pois tenho o direito de seduzir, e veremos se os filhos do Senhor são de fato firmes como ficou evidenciado sob a Sua Direção Pessoal.
Quero estar presente durante a geração das filhas das planí- cies e as farei tão belas e tentadoras que qualquer um se veja preso pelo seu fascínio. Isto está no meu alcance porque o físico ainda se encontra sob meu poder.
Mas que farei neste caso, o bem ou o mal? Se fizer o mal, o Senhor me admoestará; se fizer o bem, Ele dirá: O bem só existe em Deus! — Já sei como agir; colocarei a situação da seguinte maneira: nem bem, nem mal. E isto se dará junto às filhas belas, pois ao lado delas há de se encontrar sempre alguém forte e virtuoso caminhando segundo o Agrado de Deus.
Se assim não for, encontrará ao menos uma forte prova e importante oportunidade de consolidar sua virtude ou talvez enfra- quecê-la a fim de se colocar diante de Deus ou de mim, e não como gostaria de ser, sem esforço e autodomínio. Será inclusive um senhor acima de mim e um príncipe poderoso nos Céus.
É claro que deste modo muitos fracos se perderão; em con- traposição, haverá outros tantos a se tornarem grandes heróis virtu- osos. Considerando a questão de ambos os ângulos, não pode ser taxada nem de boa, nem de má; trata-se do meio-termo entre o bem e o mal. Por isto minha decisão é firme e será executada em seguida.
Mas, pensando bem, é possível que o resultado seja de efeito pior do que ora julgo e neste caso entrarei em conflito com o Se- nhor. Já tive uma ideia. Henoch é o braço direito do Senhor nesta terra e vou lhe expor meu plano. Poderá então dialogar com Ele e depois transmitir-me se é do Agrado do Senhor. Assim será ótimo. Se porém Henoch me recusar com seu grande poder, que acontecerá diante de minha ira novamente desperta? Talvez fosse melhor eu me arriscar a procurar diretamente o Senhor. Seria de fato o caminho mais curto.”
Eis que uma Voz do Alto disse aos ouvidos de Satanás: “O que conjecturas em tua maldade?” E Satanás respondeu: “Senhor,
não quero nada de mal, mas apenas erguer uma situação aleatória para Teus filhos, sem contudo influenciar de maneira alguma em sua liberdade total. Concede-me isto.”
E a Voz respondeu: “Satanás, como quiseste ser homem, és livre, faze o que queres em teus elementos, e o Senhor também fará segundo a Sua Vontade. Mas deixa Henoch em paz!”
Satisfeito com esta orientação, Satanás pôs mãos à obra, que todavia não surtiu efeito por muito tempo, pois enquanto a geração nas alturas bem como nas planícies perdurava, ele nada conseguiu com sua astúcia, muito mais porém com os descendentes, conforme se verá, infelizmente.
Pouco mais tarde apareceram embaixadores de Horadal para nomear Adão como dirigente supremo, em Nome do Senhor, sobre o povo entre Norte e Sul. Tal comissão consistia de dez ho- mens, dirigida pelos dois filhos de Lamech. Adão encaminhou-os a Henoch que consentiu, em Nome do Senhor, que praticassem o ofício de sumos sacerdotes mediante o dízimo constituído dos me- lhores frutos e em seguida os despediu, levando à sua casa os filhos de Lamech.
PARTIDA PARA HANOCH SOB ORIENTAÇÃO DE HENOCH
Passados trinta dias, o Senhor informou a Henoch de que Lamech nas planícies havia terminado a construção do segundo templo; por isto Henoch chamou as duas mulheres de Lamech, Ada e Zilla, assim como Hored com sua companheira Noêmia. Apresentando-lhe os dois filhos de Lamech Jabal e Jubal, Henoch diz: “Ouvi a Ordem de nosso Senhor, nosso Deus Poderoso e Pai Amantíssimo!
O sumo sacerdote Lamech, destinado pelo Senhor a dirigir o povo na Terra, necessita de vós porque se tornou um servo perfeito, igual a mim através da infinita Graça e Misericórdia de Deus. Viu ele o Senhor pela primeira vez no monte das serpentes e lá devia
erigir um monumento importante. Como a obra está pronta, volta- remos às planícies para nos submetermos à Vontade Dele.
Não é preciso alimentardes qualquer receio de Lamech, pois ele se encontra como eu com o Senhor e há de vos receber cheio de amor, vos conservando na grande Graça recebida Dele. Segui em paz!
Tu, Hored, embora gerado nas alturas, deves seguir com tua companheira às planícies e te tornar um esteio na casa de Lamech em todos os seus afazeres, no que diz respeito ao bem espiritual dos pobres filhos de Caim.
Se quiseres visitar as montanhas poderás fazê-lo dia e noite; aqui não podes ficar, por teres tomado uma mulher das planícies e pertenceres às terras dela. Mas a força dos filhos de Deus há de ficar contigo até o fim de tua vida. Não perguntes se o Senhor ficará con- tigo nas planícies assim como está aqui nas montanhas, pois quem O amar acima de tudo tê-Lo-á em seu coração. Não O tendo con- sigo através do amor estará longe Dele, ainda que se encontre numa altura muito mais elevada que nós atualmente. Este é o motivo pelo qual o Senhor Se dedica a ti; todo o resto Ele te inspirará dia a dia.
Quanto a vós, Jubal e Jabal, recebereis ordem de vosso pai sobre o que fazer futuramente na casa dele. Vós, esposas de Lamech, voltareis a ser o que fostes — não presas de grande temor, mas pelo amor do coração.
Tu, Noêmia, permanecerás fiel a este homem determinado pelo Próprio Senhor e deverás considerar Tubalkain apenas como irmão. Agora sabeis o que deve ser feito e podeis seguir caminho. Desta vez meu neto Lamech, também irás contigo, mas tua mulher ficará aqui em companhia de Jared e Matusalém. Vamos, mas que ninguém leve algo consigo. Esta é a Vontade do Senhor.”
Afastando-se da casa paternal, Henoch abençoa as monta- nhas, as planícies e o caminho que leva para lá, e em seguida se põe em marcha com seus seguidores.
Quando o grupo se aproxima da cidade de Hanoch, Lamech das alturas se admira da grande pompa dos edifícios, dizendo: “Meu pai, considerando esta grande quantidade de construções, há de se convir que os filhos das planícies são tudo menos ignorantes e suas obras despertam grande agrado.” Mas, ao ver o novo templo, isto é, o que foi erigido na antiga montanha de víboras, Lamech queda perplexo e só depois de algum tempo consegue perguntar a Henoch se também tinha sido construído por mãos humanas.
Responde Henoch: “Claro filho Lamech, não te deixes en- tusiasmar em demasia com tais coisas, do contrário serás forçado a fazer outras tantas perguntas. Nestas obras ainda se agrega muito mundanismo. À medida que fores encontrando agrado nisto, obs- curecerás teu espírito a ponto de ele poder fornecer pouca luz em teu coração e tu te verás forçado a fazer perguntas externas, pois ele não te responderá. É preferível desviares teu olhar daquilo que tanto te ofusca e assim receberás uma explicação exata através da luz espiritual.”
Virando-se para os outros, Henoch prossegue: “A vós compe- te vos alegrardes em Nome do Senhor, que a bem de vosso progresso temporal e eterno tantas coisas maravilhosas criou, pois jamais po- dereis expressar vossa gratidão condignamente.”
Nesta altura, Noêmia, Ada e Zilla e os dois filhos de Lame- ch começam a louvar o Bom Deus e Pai de todas as criaturas por ter sido tão Misericordioso para com os habitantes das planícies. Noêmia, por sua vez, se admira muito mais porque está vendo com os olhos físicos o que o Senhor lhe havia mostrado em espírito nas alturas, e por isto O louva com todo amor e fervor.
Percebendo-o, Henoch lhe diz: “Levanta-te pois lá vem uma multidão para nos receber com grande júbilo. Transmite aos outros que o Senhor avisou Lamech de que aqui estamos à sua espera.” Todos se levantam, mas Noêmia lhes fala com carinho, porquanto estavam amedrontados diante da multidão que vinha
em sua direção. Henoch a elogia por ter obedecido tão fielmente o espírito dele. Ela então responde: “Henoch, todo o meu amor é do Senhor, pois foi Ele Quem fez com que eu entendesse tuas palavras no íntimo.”
Neste instante, ela sente um sussurro delicado e diz: “Heno- ch, Quem me teria soprado tão suavemente o hálito em todo o meu ser?” Diz ele: “Querida, o Senhor Se encontra entre nós, se bem que não visivelmente, mas pelos nossos sentidos. Continua a amá-Lo deste modo que hás de sentir tal sussurro delicado por muitas vezes. Se o Senhor te abençoa, Ele Mesmo bafeja Seu Amor em teu cora- ção. Eis que Lamech se aproxima. Vamos!”
OPERIGODASHONRARIAS MUNDANAS
Quando Lamech das planícies chega perto de Henoch, ele descobre cabeça e peito e se curva até o solo. Henoch então diz: “Meu irmão, deixa de fazer o que nem o Próprio Senhor espera de nós; não vim à tua procura para me honrares qual segundo deus, mas sim movido pelo Amor puro de Deus, nosso Amantíssimo Pai; sou portanto teu irmão.
Evitemos tais demonstrações honrosas, do contrário seremos autores de futuras épocas más. Se tu me honras de tal forma, que não sou melhor que qualquer um outro, elevas-me acima de todos que se sentem humilhados diante de seu irmão.
Por um certo tempo suportarão tal humilhação, mas aos poucos meditarão por que motivo Deus permite tal elevação pes- soal, enquanto deixa que eles próprios tenham que se submeter ao mais infame aviltamento. Por isto resolverão elevar-se também aci- ma do outro para tirar-lhe seu tolo privilégio e castigá-lo pelas mui- tas honrarias que despenderam com ele. Assim o outro saberá que é também um simples homem.
Meu caro Lamech, eis a voz verdadeira da natureza humana que, uma vez revoltada, se torna pior que a ira cega de todas as feras. Por isto evitemos tudo aquilo que contém uma serpente maldosa, e
deste modo a terra florescerá sob nossos pés, tornando-se um Éden maravilhoso.
Caso contrário, cada passo nosso há de projetar do solo es- padas e lanças, com as quais nossos descendentes se aniquilarão aos milhões, numa vingança feroz. Todos nós só temos UmSenhor,UmPai,ao passo que somos apenas irmãos.
Se o Próprio Senhor proporciona incumbências maiores a um filho, Ele não o eleva acima dos outros, mas dá-lhe apenas opor- tunidade de praticar amor maior junto deles. A fim de se praticar amor ao próximo certamente não haverá necessidade de honrarias, porque o amor é uma força que procura unir o que é homogêneo, afastando o que seja heterogêneo, como se seleciona o trigo do joio! Considera isto com atenção que viverás na perfeita Ordem de Deus, tornando-te agradável a Ele.”
Tais palavras causam forte impressão em Lamech que muda os planos já tomados, pois pretendia instituir uma organização de castas, o que para Mim é um verdadeiro horror. Por isto diz para Henoch: “Acabas de iluminar meu coração e Graças sejam dadas ao Senhor de Céus e Terra por ter unificado as criaturas para ir- mãos iguais.”
Neste instante, Lamech nota o pequeno grupo a pouca dis- tância, que havia ficado para trás enquanto Henoch se havia adianta- do para falar com Lamech. Virando-se para Henoch, ele diz: “Quem são aqueles que te seguem com passos algo receosos?” Responde He- noch: “Deixa estes irmãos aqui e me acompanha para receberes os teus familiares, em Nome do Senhor.”
LAMECHVAIAOENCONTRODESEUS FILHOS,
ENQUANTO HENOCH O SEGUE. TRÍPLICE SENTIDOPROFÉTICODAATITUDEDE HENOCH
1. A tal convite, Lamech solta um grito de alegria e corre de braços abertos para receber seus filhos, obrigando o idoso Henoch a apressar seus passos, mas felizmente a distância é curta.
Soa algo estranho que Henoch tenha corrido com Lamech, mas esta ocorrência tem um tríplice sentido profético. Primeiro, para demonstrar aos guias que eles não devem impedir os progressos de seus adeptos por um pedantismo hesitante que mata até mesmo o espírito, por melhor que seja, mas devem seguir a força do espírito deles. Assim, eles caminham rápidos com o ligeiro, livres com o livre, fortes com o forte, atraindo para si o negligente e encorajando o medroso.
O segundo sentido é: o mundo atrai o espírito para sua ruína rápida à medida que o progresso industrial avança. O espírito está sendo levado pela matéria e existe propriamente para libertá-la de seu julgamento. Do mesmo modo o elemento espiritual de Henoch se encontrava nas planícies a fim de salvar o materialista Lamech e reuni-lo com seus familiares, ou seja, com seus desejos elevados e purificados.
O terceiro sentido profético: os filhos das alturas foram atraí- dos com passos rápidos pelas planícies, dando expansão a seus apeti- tes, pois desceram como sábios e filósofos e como tais se entregaram a toda espécie de excessos.
Alguém poderia afirmar: “Se os profetas sempre determinam através de suas atitudes e palestras aquilo que deve de um modo ge- ral acontecer, as criaturas não estão livres em sentido espiritual e têm que agir conforme fora predito. Assim sendo, os filhos das alturas tiveram que cair durante a passagem nas planícies, pois Henoch o havia anunciado porque acompanhou a corrida de Lamech. Como podem neste caso as criaturas serem punidas se foram obrigadas a fazer aquilo que os profetas predisseram?”
Então retruco: Se a situação fosse constituída nestes moldes seria deveras triste ser-se uma criatura viva. A situação sendo bem diferente e os profetas apenas anunciando as consequências indis- pensáveis que surgiriam através de uma ou outra atitude dos ho- mens em determinada época — assim como brota de certa semente o fruto correspondente — creio não ser tão penoso quando Eu faço
anunciar através dos profetas os frutos ou as consequências negativas das atitudes humanas.
Porventura é doloroso para o lavrador se ele sabe antecipada- mente que só pode colher trigo da semente do trigo, mas da semente do joio também só lucrará o mesmo joio?
Se isto é útil ao homem, como então não seria proveitoso se ele ouvir da boca dos profetas que frutos têm que surgir de suas ações, em virtude de Minha Ordem Eterna e Imutável, se ele as re- pete constantemente?
Tão logo modificar as atitudes e ações, os frutos também se- rão outros, o que sempre é acrescentado pelos profetas, pois um autêntico fala e age sempre condicionadamente. Em tal caso, a li- berdade do homem não é de modo algum prejudicada, mas extra- ordinariamente favorecida porque ele conhece suas ações e as pode executar livremente pelo conhecimento dos frutos, bons ou maus. Assim sendo, existe na corrida de Henoch apenasumacondiçãoque oportunamente ele mesmo explicará. Entrementes, os dois já se en- contram junto à família e vamos observar sua atitude.
GRATIDÃO EFUSIVA DE LAMECH E ADVERTÊNCIADIANTEDEPROMESSAS PRECIPITADAS
Quando Lamech consegue finalmente abraçar suas duas mulheres, os dois filhos, sua filha predileta e o marido desta, ele emudece de alegria. Somente decorrido algum tempo ele balbucia: “Senhor, Pai Amantíssimo, como posso eu, verme do pó, agradecer-
-Te e louvar-Te por tamanha graça que não mereço de modo algum?
Minhas companheiras e filhos, quantas noites passei choran- do e suspirando! Mas no íntimo alimentava o pior rancor contra Deus e procurava vingar-me tolamente no Senhor Supremo, por vossa causa. Por isto não merecia outra coisa por parte Dele senão o pior castigo; no entanto, Ele me favorece com Graças tão imensas, cuja grandiosidade faria estremecer os espíritos mais perfeitos! Por
este motivo, sou obrigado a exclamar: Senhor, Pai de Infinito Amor, o que desejas que Te faça para cair no Teu Agrado?”
Henoch então o interrompe dizendo: “Irmão, falaste bem diante de Deus e de nós; no entanto havia algo fora da Sua Ordem. Em teu imenso fogo de amor convidaste o Supremo a exigir de ti um sacrifício que executarias de pronto para demonstrar tua grande gratidão. Este ímpeto se justifica, mas considera se o Senhor exigisse que sacrificasses precisamente os que te levaram a tão efusiva grati- dão a fim de demonstrares teu reconhecimento. Que farias então?”
Diante da perplexidade de Lamech, Henoch prossegue: “Es- tás profundamente impressionado e não encontras resposta em teu coração. No entanto, afirmo: Se o Senhor te exigisse ainda mais do que aquilo que estipulei como condição, terias que fazê-lo com a maior disposição de tua alma, pois quem não conseguir perder tudo por amor ao Senhor não O merece.
Quem no mundo amar sua companheira, filhos, irmãos e pais, mais que ao Senhor, não O merece. Por isto deve cada um analisar muito bem o seu sentimento antes de fazer qualquer pro- messa ao Senhor. Quem fizer uma promessa livremente a Ele e mais tarde se arrepende quando for executá-la, de modo algum merece o Senhor, que lhe pagará na mesma medida recebida por Ele. É claro que Ele não fará tal experiência contigo; mas deves sabê-lo, para no futuro meditares o que dirás diante Dele, Que não admite gracejos. Vamos agora à tua casa e em seguida subamos ao monte.”
HENOCHPALESTRACOMLAMECHDAS MONTANHAS
Lamech agradece a Henoch pelo ensinamento e depois se dirige aos familiares dizendo: “Achegai-vos de mim e não alimen- teis qualquer receio, pois a Misericórdia Infinita do Senhor trans- formou-me, que fui verdadeiro déspota e criminoso e duplamente fratricida, em um cordeiro e meigo guia dos homens. Aqui estou para reparar meus erros com Ajuda Dele por meio de orientação segura dos Caminhos de Deus.” A este sincero convite e confissão,
todos se abraçam com Lamech e louvam a enorme Graça de Deus demonstrada ao rei, e por ele a todas as planícies.
Diante da cena comovedora, Henoch diz para Lamech das alturas: “Meu filho, eis uma maneira justa de se prestar um sacrifício agradável ao Santo Pai. Terias assistido fato idêntico no meio dos habitantes das alturas? Lá existia uma santa cerimônia para a cor- rupção dos sentidos e a mortificação do espírito. Mas a cerimônia viva e silenciosa do coração que ocorreu aqui poucas vezes tem sido empregada nas alturas. Ainda assim nos chamamos de filhosdeDeuse estes de filhosdo mundo.
Enquanto o Pai caminhava entre nós Visivelmente, dando-
-nos provas imensas do Seu Amor, Graça e Misericórdia, havia mui- tos corações contritos que O louvavam sinceramente. Assim que Ele Se afastava, muitos debandaram como se nada tivesse sucedido entre nós. Que me dizes desta diferença?”
Responde Lamech das alturas: “Meu pai, há uma diferença enorme e confesso abertamente que o Santo Pai nunca Se apresen- tou tão Sublime como neste momento. Quão distantes nos encon- tramos destes irmãos e quão superior é este Lamech das planícies comparado a mim, que sou das alturas!
A este aqui o Senhor deu apenas pouca coisa, de fato apenas coisas materiais, e ele Lhe agradece como se já tivesse ganho todos os Céus. A mim o Senhor deu o mais sublime segundo Seu Testemu- nho e Sua Palavra, e quão pequena foi minha gratidão.”
Retruca Henoch: “Agora disseste a plena verdade. Esta é a situação entre nós, habitantes das alturas; somos menos gratos ao Pai, como Seus filhos, por dádivas infinitas, que estes por causas finitas. Sigamos para a cidade. Lá hás de assistir milagres do amor e gratidão que ultrapassarão a tudo visto até hoje. Por simples poeiri- nhas de Sol encontrarás corações mais gratos que por sóis imensos nas alturas.”
Quando o grupo chega à cidade, Henoch chama a atenção de Lamech das alturas aos filhos das planícies, que em trajes modestos umedeceram com suas lágrimas os caminhos pelos quais os mensa- geiros e o Próprio Senhor haviam palmilhado. Lamech se bate no peito exclamando: “Isto prova que eles já veneram muito mais os simples pontos de recordação do Senhor do que nós a Ele Próprio. Quão imenso deve ser então o amor deles para com o Pai.”
Diz Henoch: “Sim, assim é. Aliás, devia ser proibida a vene- ração dos locais e dos caminhos usados por Ele, porque o coração facilmente se prende a uma doce recordação, mas como suas almas e sentimentos estão exclusivamente dirigidos ao Pai, não posso deixar que continuem nesta atitude.
A rua pela qual o Nome de Jehovah fora transportado ao Templo continuará fortemente venerada e não conseguiremos ex- traí-la da vida intrínseca do povo sem a indispensável limitação de seu livre arbítrio, o que não nos compete, porquanto o Senhor tam- bém não o faz. Não nos preocupemos em demasia com o que é do Seu âmbito, que agirá segundo Seu agrado. Temos oportunidade de constatar a diferença de sentimentos entre nós e estes. Eis a residên- cia de Lamech das planícies e deixemos que nos conduza até lá.”
Quando Lamech das alturas se extasia diante da extraordiná- ria pompa do palácio, Henoch diz: “Considerando quais foram os meios empregados nesta construção, a criatura prefere estremecer do que externar qualquer prazer.”
Com profundo suspiro o outro aparteia: “Tens razão. Se o Senhor cria sóis e mundos e coloca cordilheiras possantes nas bases telúricas, temos motivo de nos alegrarmos; mas construir para estas criaturas fracas tais edificações de pedras como se fossem pequenas montanhas, isto nos entristece profundamente.”
“Tens razão”, diz Henoch, “Mas deixemos aquilo que foi per- mitido pelo Senhor. Nós participamos da construção e assim está certo perante Ele.” Neste instante se aproxima o guia Lamech e He-
noch o orienta para entrar rapidamente no palácio a fim de evitar qualquer adoração por parte do povo.
POR ORDEM DE LAMECH, AS ARMAS DEVERÃO SERTRANSFORMADASEM UTENSÍLIOS
Quando chegam à sala do trono onde se encontra toda a corte de Lamech, ele exclama: “Meus amigos e irmãos, alegrai-vos comigo, pois o Senhor nos tratou com grande Misericórdia. Eis mi- nhas duas esposas, meus filhos e Noêmia com seu marido dado pelo Senhor. Brudal, manda preparar um banquete festivo e uma mesa farta para todos os cidadãos amigos de Deus, e uma outra para todos os pobres que foram nossos escravos e prisioneiros. Tu, Terhad, zela- dor do Templo do Senhor, manda mensageiros para a cidade a fim de convidarem os designados por mim a participarem neste ban- quete de alegria no Nome Santíssimo do Senhor, Jehovah, Zebaoth, Criador e Pai desde eternidades.”
Em seguida, Lamech chama seu filho Tubalkain e diz: “Man- da recolher no meu vasto reino todas as armas bélicas para serem transformadas em arados, ceifas, enxadas, pás, etc., objetos úteis que o Espírito do Senhor te ensinará a usar. A partir de hoje será Ele nossa única arma contra todo o mal. Nem mesmo contra as feras usaremos qualquer arma, pois conheci por várias vezes a do Senhor.
Esta arma se chama amor — santo, poderoso e eterno escudo do Senhor. Com ele lutaremos durante toda a nossa vida, podendo por certo apresentar-Lhe no fim um agradável sacrifício. Amanhã mesmo começarás a pôr em execução esta tarefa.”
Henoch então se aproxima e diz: “Lamech, acabas de dar uma ordem que me agrada mais que o mais puro ouro, por isto, se- rás abençoado como ninguém o foi até hoje. Teu país será inundado de mel e leite; tuas cidades brilharão como a Lua, as casas como as estrelas e tua residência como o Sol nascente.
Em verdade te digo, teu amor se tornou mais poderoso que o orbe e quando teu banquete terminar hás de sentir na sagração do
novo templo que te tornaste muito agradável ao Senhor. Era minha intenção seguir caminho ainda hoje; porém demonstrarei durante três dias o poder de tua arma nova.”
AMALDOSAAMBIÇÃODE PRESTÍGIO
Dentro de pouco tempo a refeição estava pronta, as mesas postas e separadas segundo ordem de Lamech. Diante disto, He- noch lhe diz: “Não resta dúvida que tudo deve responder a certa ordem, pois ela é o Poder do Senhor, pela qual Ele tudo Criou. No entanto existe umaordem totalmente insuportável para Ele, que se chama a ordem do prestígio.
Se tivesses colocado em linha reta coisas inteiramente iguais e alguém trocasse sua posição, havias de te irritar. Se o Senhor criou todos os homens totalmente semelhantes e os colocou diante de Si em linha reta, como então nos atrevemos a quebrá-la?
Naturalmente podemos fazê-lo afirmando por uma certa consideração ativa: Este é trabalhador e aquele poeta e assim segui- mos o conselho de um irmão classificado pelo Senhor, embora não fosse obrigado a fazê-lo. Eis a justa ordemdeprestígiorecebida do Próprio Senhor. Mas quando pretendemos oferecer um banquete para os irmãos, não deve haver três mesas, mas apenas uma, a fim de que todos nela nos saciemos.”
Imediatamente Lamech manda juntar as mesas e Heno- ch o elogia pela obediência aos Ditames do Senhor. Entrementes, Lamech das alturas se aproxima de Henoch dizendo: “Não entendi bem o que pretendias dizer a respeito da ordem do prestígio entre os homens. Os filhos, por exemplo, são inferiores aos pais e certamente não agradaria ao Senhor que eles quisessem se igualar àqueles.
Além disto, lembro-me de que o Próprio Senhor fazia certas diferenças entre os habitantes das alturas e não os tratou de modo igual. Os três cestos de mantimentos no cume da montanha são uma evidência forte de que Ele te nomeou para sumo sacerdote e também elevou o prestígio de Purista e Gemela. Deduz-se daí que
o Senhor determinou certa classificação entre os homens e por isto não consigo entender tuas palavras.”
Aparteia Henoch: “Estás muito enganado, meu filho. É bem diferente aquilo queoSenhorfaze o que é feito e deve ser feito pelo homem. A ordem de classificação determinada por Ele se baseia ape- nas em nosso amor para com Ele e soa: Quanto mais amor tiveres para Mim, Teu Santo Pai, tanto mais próximo estarás de Mim, e vice-versa.
Neste princípio se baseiam Henoch, o sumo sacerdote, os três cestos no cume da montanha, Purista e Gemela, bem como o dever dos filhos para com os genitores, de certo modo os primeiros sumos sacerdotes instituídos por Deus para seus filhos.
Trata-se portanto apenas da condição do amor para com Deus. Mas entre os homens ela não deve existir no que diz respeito ao amor a ponto de se isolarem como se um fosse superior ao outro. Somente diante de Deus existe diferenciação entre nós em virtude de nosso amor para com Ele. Mas, quem pretender ser grande, será pequeno frente ao Pai, pois se formos irmãos pelo amor também o seremos diante de Deus. Agora vamos tomar lugar na mesa única.”
DISCURSODOFORASTEIRONASEGUNDA MESA
O número dos convivas porém é grande e por isto não pode ser acomodado na mesa destinada para todos. Em virtude disto La- mech se dirige a Henoch dizendo: “Mais da metade dos convidados não consegue sentar-se à mesa. Se arrumarmos uma outra talvez se sintam diminuídos diante desta necessidade.”
Responde Henoch: “Necessidade não é diminuição. Mas, a fim de evitarmos uma diferença, manda organizar uma segunda mesa nesta sala que facilmente comporta no mínimo dez mil pesso- as, e não virá ao caso em que mesa tomaremos lugar.”
Lamech segue o conselho de Henoch e o excesso de hóspedes se alegra pelo fato de estar em companhia de amigos tão excelentes no salão do trono. A situação é de grande júbilo por parte de todos,
os pratos são servidos e Henoch abençoa as mesas em Nome do Se- nhor, convidando-os a se servirem.
Depois de estarem todos satisfeitos, um dos convivas da se- gunda mesa se levanta e diz: “Amigos e irmãos, quem de coração flamejante poderia agradecer a Deus, Senhor e Onipotente dos Céus e Terra, pela imensa Graça de ter transformado o rei Lamech, ante- riormente tão cruel, num irmão e grande amigo dos homens? Não consigo imaginar coisa mais grandiosa!
Deve ser facílimo para Deus criar milhares de mundos; mas, transformar um espírito livre como sucedeu com Lamech, e através dele seu séquito, é muito mais importante do que criar sóis, terras e luas. Na criação das coisas tudo depende da Vontade de Deus, que fará surgir o que quiser. Basta o pronunciamento ‘Que assim seja’, e inúmeros sóis e mundos giram diante dos Olhos do Grande Mestre Criador.
Em se tratando de um espírito livre, o poderoso ‘Que as- sim seja’ seria um julgamento ou a morte do espírito. No lugar da Onipotência tem que surgir apenas o grande Amor, Misericórdia, Paciência, Meiguice e a Direção mais sábia de Deus, guiando o espí- rito do homem qual segundo deus, ensinando-o para que, por meio do conhecimento próprio, se torne aquilo que deve ser segundo a Ordem Divina. E isto vale muito mais que criar sóis e mundos. Por- tanto, deve o Senhor ser amado e louvado por todos nós como até hoje nunca o fora, pois só agora reconhecemos a Grandiosidade de Deus.” A este discurso todos quedam perplexos e comovidos.
ODUPLOALIMENTODO HOMEM
Lamech não sabe como agir e se vira para Henoch dizen- do: “Este homem fala como se tivesse sido escolhido para guia pelo Senhor. Não me admiraria se tu te pronunciasses deste modo e eu mesmo me consideraria feliz com tal capacidade. Não conviria con- vidarmos o orador à nossa mesa?”
Response Henoch: “Se fizeres isto, certamente conferirás a esta mesa maior honra que àquela; seria, pois, melhor prestarmos ouvidos às Suas Palavras e as conservarmos no coração. Dize-me se concordas comigo, pois estás em tua casa e deves agir segundo teu raciocínio livre.”
Lamech reflete um pouco e responde: “Para que finalidade devia eu agir dentro de minha opinião se percebo que tuas palavras transmitem pura sabedoria? Vou gravar sua pessoa e após o banquete procurarei conhecê-lo melhor. Está certo?”
Retruca Henoch: “Segue tua intenção que se justificará dian- te de Deus e de todo mundo.” Neste instante, aquele hóspede se levanta outra vez dizendo: “Amigos e irmãos, estamos com novas energias depois deste bom repasto e nossa alma terá pouco trabalho em proporcionar ao corpo uma atividade benéfica.
Acontece que o físico não é o fator principal ao homem, mas apenas um meio apropriado para a conquista da finalidade eterna e santa que se baseia na Ordem Divina.
Se a condição física se mantém conforme sabemos, é eviden- te que dentro do homem deva existir um elemento diferente e mais elevado por cuja causa existe o corpo, necessitando também de um alimento especial, que nos deve preocupar bastante.
Em vosso íntimo conjecturais: Isto seria realmente bom e útil caso se soubesse como alimentar o homem interno, pois existem vários frutos para o corpo, mas nunca descobrimos uma árvore na qual crescessem para o alimento do homem interno.
De fato assim é. Todavia vos explicarei algo diferente: o Se- nhor organizou tudo de tal forma que a matéria se alimenta da ma- téria, a alma da alma, o amor do amor, e o espírito do espirito. O amor é a base do espírito e o ser vital do homem interior, portanto não lhe podemos fornecer alimento melhor que a saturação com o amor para Deus. Com este amor ele se torna forte e poderoso, sendo um senhor dentro desta sua morada que é a alma imortal e o físico perecível.
Se os alimentos para o corpo já são preparados pela natu- reza ou pelo cuidado das criaturas a fim de se tornarem saborosos, também o alimento para o espírito tem que ser acondicionado da melhor maneira possível. A palavra dentro de nós é tal preparo do alimento para o espírito; por isto prepararemos através dela o ali- mento, para depois fortificar nosso espírito.”
Lamech então toca no braço de Henoch e diz: “Este ho- mem fala qual profeta. Que me dizes?” Diz Henoch: “Ele ainda não terminou; vamos ouvi-Lo e só depois faremos nossas con- siderações.”
SATURAÇÃONATURAL,PSÍQUICAEESPIRITUAL. O
TÉDIO COMO FOME DA ALMA, E A AVIDEZ DO SABERCOMOFOMEDO ESPÍRITO
E o orador prossegue: “Classifico a palavra viva, surgida de nosso coração, como preparo do amor para com Deus, tornando-se o verdadeiro alimento para o espírito. Digo mais: A palavra, viva e verdadeira, nascida no âmago de nosso coração é tudo em tudo. Ela penetra a matéria, dissolve-a em elemento espiritual e assim alimen- ta o espírito.
Eis o que pretendia explicar quando disse que o espírito só alimenta o espírito, a alma alimenta a alma e a matéria alimenta a matéria. A palavra dentro de nós, pensamento claramente expresso no coração, se apossa da matéria, a subdivide e analisa em sua cons- trução maravilhosa. Em tal análise já se dá a saturação da alma, pois a sensação encantadora da alma na contemplação de belas formas constitui sua saturação.
O Criador organizou o homem de tal forma que a saturação de uma parte provoca a fome da outra. A fim de se entender isto a fundo, usaremos de um exemplo. Quando se manifesta a fome material todos vós estais ávidos por uma boa refeição, e tão logo vos encontrais a uma mesa posta vosso prazer é grande diante da expec- tativa de poderdes satisfazer a fome torturante.
Se houvesse uma ordem determinando que deveis permane- cer à mesa durante oito dias, um mês ou talvez um ano, o tédio mais terrível haveria de vos consumir. Não resta dúvida que cairíeis no pior desespero. Então vos pergunto: Como pôde surgir o tédio e o desespero com a saturação física? Porque a saturação do corpo pro- voca a fome da alma, que se manifesta sempre num tédio amargo. O que então será preciso fazer para se saturar a alma após a satura- ção do corpo?
É necessário levantar-se da mesa, sair ao ar livre, por exem- plo, subir a um pequeno monte ou passear num belo jardim, onde a alma se satura nas belas formas, com o canto dos pássaros e com perfumes etéreos, isto é, psíquicos, das flores e outros benefícios para a alma.
Se alguém tiver contemplado tais fatores agradáveis por bas- tante tempo, alimentando assim sua alma esfaimada, tais alimentos maravilhosos começarão a entediar a psique e a criatura começará a sentir saudades de casa a fim de proporcionar ao corpo necessitado de alimento, através da saturação da alma, um novo fortalecimento por meio de um bom bocado, ou então o espírito começará a se manifestar, dizendo-lhe através da alma: Sinto uma fome enorme!
Esta fome se pronunciará por uma sede de saber crescente. Desejará entender a matéria e suas formas, pois não as pode ab- sorver, necessitando de serem dissolvidas pelo fogo, pela luze pela verdadeindispensável.
O fogo é o amor; a luz é o pensamento claramente expresso no coração; a verdade é a palavra surgida e pronunciada através do fogo e da luz. Por meio desta palavra nos apossamos da matéria sólida e suas formas graciosas, dissolvemo-la e encontramos nela o sentido e a finalidade espiritual da forma.
Com isto o espírito se torna radiante e tal êxtase de satis- fação e felicidade é a saturação fortalecedora para ele, pois lá ele encontra seu ambiente, sua paz, seu elemento, sua origem e nesta seu verdadeiro amor para com Deus e o Amor Onipotente de Deus para com ele.
Eis que o espírito se prosterna com amor e humildade dian- te do Infinito Amor de Deus, agradece-Lhe e O adora, e Deus Se torna sua saturação principal para a Vida eterna. Vamos portanto considerar as Obras de Deus sob este aspecto e encontrar nelas seu Grande Amor e Misericórdia. E se alguém tiver feito uma descober- ta espiritual, deve transmiti-la em palavras boas e verdadeiras a seus irmãos e todos se edificarão em espírito e verdade, alimento para o espírito com o qual se tornará forte no amor para Deus, e tal atuação é a Vida verdadeira e eterna.”
O orador silencia então e todos se admiram profundamente de sua sabedoria e Lamech quase se descontrola. Henoch o acalma, dizendo: “Tem um pouco de paciência, pois Ele ainda não termi- nou. Mais tarde trocaremos algumas palavras, como já te disse.”
APALAVRAVIVANO CORAÇÃO
Havia alguns na mesa ao lado, dotados de pouca inteligên- cia que por isto se dirigem ao orador, dizendo: “De modo algum podemos contestar tua sabedoria. Existe porém um ponto que não nos satisfaz para a saturação do espírito, ao menos da maneira como apresentaste.
Afirmaste literalmente que a palavra dissolve a matéria sólida em suas formas básicas, nas quais a alma se satura. Quando então as formas forem dissolvidas até o âmago, poderíamos vislumbrar o sentido espiritual, alimentando com isto o próprio espírito.
Até aí concordamos. Mas que o homem com sua palavra impotente possa dissolver a matéria sólida, assim como o aço in- candescente faria com a gota d’água — basta refletires um pouco para veres teu engano. Fala com uma pedra durante mil anos — na hipótese que venhas a viver tanto tempo — e ela continuará como fora criada por uma palavra mais poderosa que a nossa. Como nos empenhamos em tua honra, embora ignoremos de onde vieste, de- sejamos que tires tal desforra ao menos agora, pois os hóspedes da
outra mesa, inclusive os dois homens das montanhas, já começam a prestar atenção à nossa discussão.”
O orador se levanta e diz: “Porventura a verdadeira sabedo- ria se orienta na Verdade eterna ou segundo a fraqueza do mundo? Qual será vossa resposta? Quem tiver inteligência que fale! Con- tinuais mudos, e eu afirmo que desta vez não haveis de encontrar uma resposta que Me satisfaça. Teria Eu falado de uma dissolução material ou mecânica?
Estais embaraçados para salvar Minha Honra diante dos hós- pedes na outra mesa. Que farei Eu para salvar vossa honra, porquan- to apresentaste uma tolice incrível através da pergunta e a crítica de Minhas Palavras?
Porventura não falei de uma palavra viva do amor no coração que se expressa primeiro em pensamentos claros ou formas psíquicas e depois passa à forma visual, e só em seguida — caso for necessário em virtude da fraqueza da criatura de sentidos grosseiros — se trans- fere à linguagem? Deste modo, os sentidos grosseiros de tal homem se afinam, podendo vislumbrar as coisas em sua realidade e assim saturar seu espírito para que possa surgir como a verdadeira vida em si e soberano em sua casa — enquanto pelo vosso conceito é apenas servo da matéria, do julgamento e portanto da morte.
Se Eu Me referia a esta palavra, dizei-Me como se constitui vosso entendimento perante Deus e o mundo a ponto de não en- tenderdes, preferindo destacar-vos com uma tolice brutal, ou seja, com a pergunta aparentemente amável e modesta sobre um ponto qualquer de Meu discurso?”
Ambos os críticos se entreolham admirados sem se atreverem a apresentar outra dúvida e o próprio Lamech conjectura com He- noch: “Se houver mais sábios deste jaez em minha cidade, farei um papel bastante triste ao lado deles, pois este parece ter caído direta- mente do Céu.” Henoch então aparteia: “Ele ainda não terminou, mas logo que tiver chegado ao fim de sua explicação eu te direi o que fazer. A questão terá um fim bastante interessante.”
Passado algum tempo, um dos críticos se levanta e diz: “Meu amigo, deduzimos seres tu mais sábio que qualquer um de nós, por- quanto estou antecipadamente certo de que resolverás a seguinte questão importante.”
Interrompendo o outro, o forasteiro diz: “A verdadeira Sabe- doria provinda de Deus não deveria indagar nem ser indagada, pois ao verdadeiro sábio é transmitida a base de toda a verdade através de sua palavra interna e viva. O sábio inquirido também não necessita ser perguntado, porquanto o espírito dele lhe transmite a necessida- de de seu irmão.
Já que pretendes perguntar-Me... em que situação se encon- tra tua sabedoria anteriormente tão elogiada por ti mesmo? Se fores um sábio, deverias reconhecer na luz de tua inteligência que sem tua pergunta Eu, como verdadeiro Sábio, deveria saber qual o teu problema. Todavia, queres inquirir-Me. És realmente um sábio e também Me qualificas como um deles? Julgas que os hóspedes da- quela mesa ignoram isto? Pergunta-lhes e eles te dirão o que acabo de dizer.”
Diante destas palavras, o crítico fica embaraçado, pois per- cebeu que o oponente descobriu sua intenção de trapaceiro. Vendo que não seria tão fácil desvencilhar-se do outro, ele começa a elabo- rar outros pensamentos em seu íntimo.
Como o outro orador percebe isto, ele diz: “Vou te responder a pergunta com a qual pretendias Me pagar, razão por que permitis- te que nascesse outro elemento em teu coração. Julgas que o homem não se possa fazer entender sem palavras, que a teu ver é o aperfei- çoamento da ideia muda no coração, pois através dela o homem se manifestou diante de todos os seres na Terra; por isto se devia adorar e louvar Deus somente por palavras perfeitas e não com as internas que saturam apenas o intelecto.
Estás totalmente errado. Precisamente pelo fato de o homem se ter tornado um servo dos sentidos e do mundo, voltando-se para
as coisas externas, ele adotou a linguagem externa e não pode enten- der seu irmão senão pela palavrapronunciada, que é em si apenas a casca de uma árvore.
Com isto ele perdeu muito, pois se tivesse ficado com sua lin- guagem interna e espiritual toda a Criação seria capaz de falar e ele entenderia as coisas em sua origem. Assim não sendo, ele se tornou um mudo espectador e destruiu todos os seus sentidos pela exterio- rização, a ponto de ficar mudo, cego e insensível, nada entendendo da razão das coisas. Desconhece a si mesmo, bem como o coração sofredor do irmão.
Porventura não pretendes exteriorizar totalmente também o reconhecimento e a adoração de Deus — que é a Vida intrínseca do próprio homem — e assim perderias também o Senhor, tornando-te pagão ou talvez um completo ateu?”
Todos se sentem estranhamente tocados na mesa do Orador e Lamech das planícies teria feito uma observação, mas o forasteiro ainda não havia terminado.
FÉCOAGIDAEFÉNASCIDADOAMORA DEUS
Após algum tempo, o orador principal prossegue: “Diante de Minha explicação tu Me olhas admirado e te perguntas: Como poderia eu me tornar um pagão, um ateu, se oro para Deus atra- vés de palavras pronunciadas? Porventura poderei professá-Lo se não O tiver reconhecido antes em meu coração, portanto em pala- vras internas?
Sim, Meu amigo, tu O professas através da expressão labial daquilo que pensas no coração. E sabes por quê? Porque viste Deus, teu Senhor, e és portanto forçado a acreditar em Sua Existência e Ele te informou qual a Sua intenção para com os homens.
Esta fé não é uma liberdade para o espírito, mas uma servidão que mata pela coação de tua crença por O teres visto e te certificado de Sua Onipotência e Poder. Esta crença há de sustentar apenas tua pessoa, não podendo ser passada para teus descendentes. Aquilo que
confessas convictamente dentro de ti não será quase aceito como verdade por teus descendentes, pois em virtude da tradição verbal sua crença é mais fraca que tua constatação pessoal.
Decorridas dez gerações, tua convicção tradicional não me- recerá a menor consideração e o paganismo será o fruto de tua fé oral. Tal fruto será acompanhado pela total negação de Deus que terá como consequência o julgamento, porque o homem sem Deus já está condenado em sua própria noite mortal.
Se porém confessares Deus intimamente pelo amor vivo no coração e oras em espírito e verdade, te desvencilharás de tua fé atu- almente coagida da qual jamais surgirá a salvação, mas passarás em compensação à fé viva, isto é, à visão viva de teu espírito, na qual finalmente se deve concentrar toda a tua força vital, caso devas viver eternamente.
Nesta visão vital reconhecerás de fato Deus e O confessarás em espírito e verdade. Também cuidarás de passar tal convicção para teus descendentes, que te imitarão, impedindo o surgir do paganis- mo, do julgamento e da morte. É indubitável que o espírito da cria- tura é o mais intrínseco, assim como o germe o é dentro do fruto.
Se orares em tua concepção externa e material atrairás teu espírito para a matéria que nada mais é que teu julgamento e mor- te. Se isto fizeres, será em sentido espiritual o mesmo que enfiares uma tocha ardente dentro de um lamaçal. Porventura ela continuará queimando e iluminando tua estrada obscura?
Teu espírito é tua luz e tua vida. Se o apagares —o que te sobrará para te fornecer uma vida real? De fato vives agora porque viste Deus e és obrigado a acreditar Nele. No entanto, afirmo que tal vida não te acompanhará além-túmulo se não esqueceres mental-menteo que viste e não procurares vivificar o que esqueceste através do poderoso amor a Deus, em teu espírito.
Guarda o que te disse tanto quanto aquilo que viste, e re- ceberás a vida eterna — do contrário ela te acompanhará somente até o túmulo. Se ainda não o tiveres compreendido fala que Eu te iluminarei.”
O ex-crítico, contrito pelo discurso do orador principal, re- flete um pouco qual seria o problema que poderia apresentar qual- quer dúvida e veio-lhe a ideia de que Lamech devia ainda inaugurar o templo. Por isto ele diz: “Prezado amigo e irmão, estou totalmente compenetrado da Verdade profunda de tuas palavras e gostaria de te fazer milhares de perguntas. Acontece que Lamech tem à sua frente a inauguração do templo e já fez menção de providenciar seu pro- grama, portanto não há tempo para falarmos. Após a cerimônia, hei de te requisitar sem restrições.”
Diz o Orador principal: “Porventura nossa palestra impede a intenção dele?” Responde o crítico: “Bem, segundo meu parecer, devemos participar da cerimônia ou então impediremos sua ação, porquanto também Lamech, Henoch e seus companheiros parecem prestar muita atenção às tuas palavras. Naturalmente não tenciono fazer uma afirmação, pois deves saber melhor o que deve ser feito.”
Retruca o Orador: “Opino o seguinte: Recebemos convi- te para o banquete, mas ninguém nos convidou para a subida da montanha, tampouco sabemos o que deve ocorrer após termina- da nossa refeição. Assim, nada temos a ver com a inauguração do novo templo.
Quanto a Lamech e Henoch, saberão o que fazer. Se quise- rem nossa companhia, eles o dirão e o seguiremos conversando. Caso contrário, por certo poderemos fazer o que quisermos. Que achas?”
Percebendo a insegurança do crítico, aliás com grande vonta- de de assistir à inauguração, o Orador prossegue: “Meu amigo, por acaso é tão difícil a criatura ser sincera em todas as coisas e alterações condicionadas à vida?
Tens aí a prova clara para que serve a palavra pronunciada, cuja utilidade nunca se apresenta tão eficiente quanto na expres- são da mentira. Enunciaste circunstâncias que nos impediriam em nossas palestras, mas que de tua parte eram totalmente inventadas, pois de maneira alguma te interessas pela inauguração do templo,
tampouco o momento determinado por Lamech e muito menos a sua atenção dirigida às Minhas Palavras — mas se prende exclusiva- mente à sua extrema curiosidade.
Queres assistir à cerimônia e, como não desejas perder algo da mesma, esperas que Eu Me cale. Que honra vem a ser para um homem de coração dúbio e cheio de pretextos ocultos, diante dos quais Eu e qualquer homem sério nos enojamos? Vê se melhoras e purificas teu coração para que não Me enoje de falar de coisas muito mais importantes do que a inauguração do templo.”
Estas palavras provocam forte choque no crítico, que começa a se envergonhar a ponto de fazer menção de fugir. Mas o Outro o retém em sua tentativa.
INTERPRETAÇÃOINTERNADO TEMPLO
Como Lamech tivesse ouvido a palestra entre os dois, vira-se para Henoch dizendo: “Tenho certeza de que aquele homem foi enviado pelo Senhor como orientador para mim e meu povo. Ele já tendo feito menção da inauguração do templo, acho de bom alvitre eu convidá-lo. Que te parece?”
Responde Henoch: “Faze o que manda teu coração, pois é chegado o momento. Aquele Sábio tem de estar Presente. O Templo no monte representa a Sabedoria do Senhor que Ele nos deu por Amor e Misericórdia; portanto também estetemplo deve ser inaugu- rado com a Sabedoria Divina em nosso meio e dentro de nós.
O templo em sua profundeza purificada serve ao Amor e à Misericórdia do Senhor e pode ser comparado ao coração da cria- tura, anteriormente um charco de toda sorte de imundícies. Neste charco era preciso ser exterminado o amor carnal (v. a história com as mulheres da corte e de Kisehel). Em seguida fora preciso que a projeção do charco fosse dessecada, o solo nivelado e transformado em ouro puro por meio de um forte fogo. Houve necessidade de pedras bem talhadas, um material novo, sólido e duradouro.
Deste modo, o Templo interno de Deus no coração do ho- mem é representado simbolicamente pelo templo nas planícies que por Deus Mesmo fora consagrado. Por isto Ele te ordenou a edifica- ção de um templo no monte saneado; ele representa vossa sabedoria e tudo que ela condiciona.
Por isso também devem estar presentes aqueles que o Se- nhor dotou com grande sabedoria. Aquele Homem é um verdadeiro Sábio por Deus, razão por que deves convidá-Lo para a sagração do templo. Todavia, não deves solicitar mais ninguém. Ele Mesmo desejando levar alguém Consigo, deves considerá-lo também con- vidado. A Sabedoria é a Luz do Amor e a irradiação desta Luz é a Verdade Eterna e Personificada.”
Ditas essas palavras, Lamech corre para junto do sábio ho- mem e o convida à comemoração do templo. E o Outro diz: “Podes estar certo que aceitarei o teu convite; em compensação deve ser de teu agrado aquele que for levado por Mim. Sigo os caminhos insondáveis da Sabedoria eterna em Deus, por isto todo aquele que for tomado por esta Sabedoria é um servo da Sabedoria Divina e tu deves ser seu irmão para sempre. Explica isto a Henoch que te en- tenderá imediatamente. Não deveis demorar para que o templo seja sagrado à luz do dia.”
FINALIDADEDACONSAGRAÇÃODO TEMPLO
Recebendo a informação acima, Henoch diz para Lamech: “Providencia que nos levantemos para cumprirmos a sagração do templo antes do anoitecer.” Subindo ao trono, Lamech faz a co- municação e todo o povo se levanta. Os serviçais também fazem menção de acompanhar os dirigentes, o que causa certo embaraço a Lamech. Mas o Sábio lhe aconselha: “Preocupas-te porque os filhos também desejam palmilhar o caminho da Sabedoria? Não devemos impedir a quem quer que seja que pretenda nos seguir nos Cami- nhos da Justiça de Deus.
Aquilo que a sagração do templo representa apenas em sen- tido figurado deve primeiro ocorrer vivamente por nós e o povo. É preciso primeiro consagrar os inúmeros templos do Espírito de Deus, quer dizer, os corações de nossos irmãos, pois sem isto a sa- gração material de nada valeria.
Se pretendes deixar o povo para trás e sagrar o templo sem ele, para quem seria então organizada a consagração? Porventura queres tu, ultrajante diante de Deus, consagrar o Templo para Ele? Isto é impossível, porquanto somente o santo e não o blasfemo pode sagrar algo.
Deus só cuida do povo e não do templo e permitiu sua cons- trução em benefício dele, mas não criou o povo em virtude deste templo ainda não consagrado. Neste caso, é o povo a causa principal da cerimônia e precisa estar presente. Se assim não for, o Senhor não deixará de consagrar os templos vivos para si, no entanto, negará a cerimônia ao templo sem vida, fazendo com que o monte volte a ser outra vez a morada de cobras e serpentes.
Convida portanto o povo e envia mensageiros para toda a cidade, pois já te disse antes que devias permitir a presença dos que Eu levarei Comigo. É justamente o povo que quero levar em Minha Companhia, portanto não te preocupes, pois a Sabedoria do Senhor no homem percebe Seus justos Caminhos.”
Tais palavras impressionam Lamech fortemente, não se con- tendo de admirar a alta sabedoria daquele homem. Imediatamen- te manda arautos à cidade a fim de convidar todos os moradores. Quando volta à grande sala, Henoch o interpela: “Meu irmão, por que não me perguntaste se deves cumprir as ordens do sábio orador, se estou aqui para este fim?”
Não percebendo que Henoch o estava testando, Lamech diz: “Estava por demais surpreso diante da sabedoria daquele homem e também convicto da Verdade imensa e profunda em suas palavras; por isso não pude deixar de obedecê-lo.” Henoch o abraça e diz: “Tens toda razão. Agora vamos em frente para cumprir nossa tarefa.”
Imediatamente Lamech inquire Henoch qual seria a ordem a ser respeitada pela caravana na subida do monte. Henoch lhe res- ponde: “Não resta dúvida que poderia orientar-te. No entanto, eu e o Senhor preferimos que descubras dentro de ti ou procures orien- tação junto ao sábio que se encontra muito mais perto de ti que eu.”
Retruca Lamech: “A Verdade será sempre a Verdade, não ha- vendo diferença por quem é pronunciada. Se és capaz de me orientar, não vejo por que a Verdade proferida pelo sábio deve ser melhor.”
Diz Henoch: “Não é dada à criatura a compreensão de tudo de um só lance e não te deves admirar de tua incompreensão. Segue meu conselho e perceberás por que se entende melhor um orador que se encontra perto do que um outro que está mais distante.”
Contesta Lamech: “Tuas palavras soam misteriosas e no fun- do me fazem suspeitar algo grandioso. Ainda assim persisto em meu princípio que a Verdade é imutável, seja por quem for proferida. Se tu, eu e Noêmia, o homem sábio e a própria serpente somos obri- gados a dizer: Deus é Senhor de Céus e Terra! — não será a mesma verdade dita por todos?”
Responde Henoch: “Não te entregues a tais confabulações das quais não nascerão bons frutos. Obediência em coisas justas vale mais do que conjecturas profundas; portanto é melhor fazeres o que te aconselhei. Se todavia insistires neste afã, previno-te que sairás perdendo.
Enquanto ignorares por que a pedra é dura e pesada, e desco- nheces a origem dos ventos e de onde o mar recebe seu alimento e a terra sua forragem; se não sabes perscrutar os caminhos, as fontes no solo, o nascimento do fogo e não entendes a linguagem dos animais e das plantas, e muitas coisas que te são mais estranhas do que o abismo do grande mar — podes desistir de tuas lucubrações. Nada descobrirás, por se tratar de assunto concernente ao Senhor que po- derá dar o conhecimento a quem Ele quiser.
Faze portanto o que te disse, pois somente pelo caminho da obediência, fruto verdadeiro da humildade, poderás alcançar a Sa- bedoria real e interna de Deus dentro de ti. Se procurares tua justifi- cativa perante os homens, desejas apenas seu elogio; mas isto é fútil como também o elogio mundano é fútil.
Se quiseres ser agradável a Deus, terás que te humilhar pro- fundamente diante Dele e com isto Lhe oferecerás o máximo elogio e Ele te amará com Sua Plenitude Divina. A justa Sabedoria se encontra em nosso amor incondicional a Deus. Agora vai e faze o que te disse.”
Profundamente contrito, Lamech reconhece o poder de He- noch e se dirige para o Sábio, perguntando qual seria a ordem da caravana na subida do monte. O Homem lhe responde: “A melhor ordem para Deus é a ordem do coração, segundo a qual deves subir com todos. Toda e qualquer outra ordem é apenas uma ordem de prestígio e representa um horror para Ele. Observa como Deus orga- niza as ervas nos campos e deduzirás qual é a ordem mais agradável para Ele. Não faças distinção no grupo, que o Senhor estará conti- go. Eis o Meu Conselho; se tiveres outro melhor, segue-o.” Lamech nada diz e anuncia a livre partida para o monte e todos se levantam e sobem à vontade.
AVERDADEIRACONSAGRAÇÃODO TEMPLO
Quando todos chegam à montanha, sem embaraço ou coa- ção, esta montanha que comportava facilmente milhares de pessoas, entre as quais muitos curiosos, não dá possibilidade de Lamech che- gar junto à edificação. Bastante aflito, também em virtude do próxi- mo pôr do sol, ele se dirige neste sentido para Henoch, que o acalma dizendo: “Irmão, o empecilho a nos cortar o caminho para o templo é muito mais importante que ele mesmo, pois aqui se encontram milhares de templos vivos do Amor e da Misericórdia de Deus; — lá só se encontra um de pedra. Que te parece se consagrássemos estestemplos para a Vida de Deus, considerando que o outro será por este meio consagrado verdadeiramente diante Dele?”
Algo perplexo, Lamech retruca: “Tens razão e aceito tua gran- de sabedoria. Mas olha o Sol! Se sua presença for uma condição nesta consagração, seremos obrigados a adiar a cerimônia para amanhã.”
Opina Henoch: “Atrás de ti está o sábio Homem; pergunta-
-lhe o que fazer que eu mesmo me submeterei à Sua Determinação.” E o Sábio responde à pergunta de Lamech: “A cerimônia recomen- dada por Henoch é a única de valor verdadeiro. Quanto ao Sol em declínio que projeta sua luz somente sobre a matéria morta, não representa o que imaginas com relação à cerimônia.
Existe outro Sol, muito mais ativo, mencionado por Mim e Henoch, que Se encontra justamente agora no zênite e por ora totalmente longe do declínio total. Quando este Sol iluminar no Céu Central de teu espírito, como já o fez desde eternidades, pode- rás inaugurar o templo diante de Deus e do povo, ainda que fosse meia-noite.
Deus não conta os dias e anos do mundo —pois mil anos são para Ele como se fossem um dia — mas Ele conta os pensamentos de teu coração, dando valor superior a um pensamento carregado de amor ao tempo que duraria milhões de anos e dias.
Por isto não deves te prender ao tempo externo, imutavel- mente condenado para a necessidade justa dos vivos da Terra, mas considera o coração vivo da criatura, verdadeiro templo da Vida de Deus. Deixa que teu Sol ilumine diante de teus irmãos, que cami- nharás e agirás de pleno Agrado de Deus até mesmo na mais densa escuridão da Terra.
O Sol que acaba de se pôr também é um grande mundo e os que nele vivem desfrutam de um dia eterno. Mas se caminhares na luz do teu Sol espiritual, jamais hás de perceber uma treva em ti, pois estarás caminhando no eterno dia de tua vida em Deus.
Consagra pois também este templo nos corações deste povo, que a cerimônia será justa perante Deus. Agindo assim, Deus Mes- mo abençoará o templo erigido pelas mãos dos homens.”
Totalmente contrito diante da grande sabedoria daquele ho- mem, Lamech lhe diz: “Percebo que tu e Henoch tendes plena ra- zão no que diz respeito à plenitude da Verdade Divina. Mas de que maneira devo efetuar a cerimônia, como consagrarei deste modo o coração do povo?”
Retruca o Personagem: “O que diz teu coração ao veres esta multidão enorme a nos contemplar totalmente extasiada?” Retru- ca Lamech: “Agora compreendo! Fez-se uma luz dentro de mim, pois meu coração se inflama por amor a ela a ponto que gostaria de abraçá-la para sempre e fazer tantos benefícios erguendo a cada um para grandes honras, de sorte que jamais um mortal fosse capaz de perceber tamanha bênção.
Se eu soubesse que minha morte lhes proporcionaria a vida eterna, com prazer morreria por todos os presentes e ausentes. Ó meu amigo, não seria este meu amor poderoso um princípio da ce- rimônia merecedora da Presença de Deus? Que mais deve acontecer para agradar-Lhe?”
Retruca o sábio: “Dize-me o que vês perto do templo.” No mesmo instante, Lamech e toda a multidão percebem o templo en- volto numa nuvem branca e por cima um coração mais luminoso que o Sol ao meio-dia. E o Sábio acrescenta: “Através de teu amor vivo acabas de abençoar os corações de teus irmãos, pois o Senhor, teu Deus, incendiou o templo de pedra com Seu Amor e Misericór- dia. Eis a Sua Bênção, para ti e o templo. Mandaste transformar to- das as armas em utensílios caseiros e te fora dito que havias de sentir o Agrado do Senhor durante a cerimônia. Vê, a entrada do templo está desimpedida e podes entrar Comigo e com Henoch, para que se cumpra o que fora predito.”
A caminho para o templo, ainda envolto na nuvem branca, Lamech não se atreve a entrar, muito embora esteja aberto por todos os lados; por isto diz aos dois amigos: “Agora vejo de olhos abertos aquilo que anteriormente só percebia em sonho. Fui convidado a entrar no templo, mas isto é impossível por ser demais santo e eu um blasfemo total. Através da Infinita Misericórdia do Senhor, meu coração se tornou devoto e humilde e me diz que ainda não estou em condições de penetrar a edificação na qual se demonstra a Gló- ria do Senhor. Por isto peço não insistirdes nesta intenção porque facilmente poderia deixar-me coagir por intermédio de vossa sabe- doria celeste.”
Retruca o Sábio: “Meu amigo, porventura não são os cora- ções de teus irmãos mais importantes que o templo? Ainda assim, passaste por entre muitos, acompanhado por nós. Como podes sen- tir receio de entrar no templo que apenas fora tocado pelo Hálito de Deus, enquanto vivificou os corações dos irmãos por meio de Seu Amor, Graça e Misericórdia?
O que teria mais valor: o Hálito surgido da Vontade do Senhor, ou Sua Palavra Viva que transborda de Seu Coração e Se esparge nos corações dos filhos? Mundos, sóis e todas as coisas se originam da Vontade do Senhor, mas tal não sucede com o espírito do homem em seu coração — pois é uma parte essencial do Espírito de Deus, Eterno e Verdadeiro, que habita no Seu Coração e Dele Se projeta.
Agora julga tu mesmo se é prudente omitir-se o mais insigni- ficante, quando nem de longe fora cogitado efetuar o essencialmente maior. Além disto, não receias Me estender tua mão, assim como Eu também estendi a Minha — no entanto podes crer que Sou muito mais que este templo com a nuvem branca e o coração fortemente iluminado. Se isto tudo é um fato real, podes entrar de consciência tranquila, para ouvires o que te fora prometido.”
A este convite os três se dirigem ao templo, em cujo centro se encontra um altar de sacrifícios. Nesta altura, o sábio se dirige para Lamech dizendo: “Meu amigo e irmão, presta atenção àquilo que o Senhor falar contigo. Eis que Ele já Se manifesta e convém aguçares tua audição.”
Lamech procura ouvir a Palavra do Senhor, mas só consegue registrar as palavras do sábio. Por isto pergunta se deve aguardar o pronunciamento da boca dele, ou de Henoch, ou talvez será agra- ciado ao ouvir realmente a Voz de Deus neste santuário. E o sábio responde: “O templo se encontra envolto em nuvens claras, razão por que não reconheces Quem ora fala contigo. Não viste no alto um coração luminoso totalmente livre das nuvens? Aquele coração representa não o Coração de Deus, mas o teu próprio.
E isto porque procuras constantemente Deus nas alturas e as- sim projetas teu amor e conhecimento de Deus acima de teu próprio templo, que fica nublado, sem poderes perceber Quem fala contigo. Erigiste um altar de sacrifício dentro e não acima do templo; portanto gostaria que me dissesses como procuras Deus acima do templo com um coração ardente de amor, cuja chama sobrepuja o fogo do Sol.”
Sumamente perplexo, Lamech pergunta novamente ao sábio: “Essas tuas palavras ultrapassam a sabedoria de um sábio. Quem és e de onde vens para falares como se a Língua de Deus se encontras- se em sua boca e cada palavra penetra em meu coração como um jato de luz quentíssima? Realmente, não foste gerado num corpo de mulher, mas surgiste diretamente da Mão de Deus, qual espírito encarnado, ou então és um anjo de luz do Senhor em cujo cora- ção repousa a plenitude da Sabedoria Divina. Dize-me, como devo olhar-te para poder te conhecer?”
Responde o Sábio: “Retira das alturas teu coração que procu- ra e ama a Deus, e coloca-o sobre o altar, que verás com clareza o que desejas conhecer. Por acaso julgas que Ele sente agrado nas alturas?
De modo algum, pois Ele dirige Seu coração somente ao simples e despretensioso.
Deus não deseja ser uma Divindade Elevada, Grande e Rica em face de Seus filhos, mas um Deus com toda Simplicidade, Pe- quenez e Pobreza perante eles. Deu-lhes tudo, pois tudo que Ele tem eles também devem possuir. Se isto é uma Verdade eterna, como podes procurá-Lo acima das estrelas, a Ele que Se compraz de erigir no pequeno coração da criatura uma morada para Si?
Lembra-te de que maneira o Senhor te procurou há pouco. Era um mendigo e tu O reconheceste pela Sua Sabedoria. Como então consegue uma nuvem luminosa obscurecer tua visão há tanto tempo? A pobreza é a verdadeira Sabedoria e quem quiser tornar-se semelhante a Deus, para que seja olhado por Ele, terá que ser po- bre. E só em sua máxima pobreza o homem reconhecerá que Deus, como Pobre, sente o máximo agrado nela, porque na pobrezadavidase manifesta a maior liberdade. Retira teu coração das alturas e hás de reconhecer o que desconheces, isto é, o Louvor de Deus à tua auto-humilhação expresso por Ele.” Nesta altura, Lamech começa a pressentir algo grandioso e pretende ajoelhar-se perante o Sábio que lhe diz: “Primeiro põe ordem em teu coração, depois podes agir segundo teu conhecimento desanuviado.”
COMOEONDESEDEVEPROCURAR DEUS
Após estas palavras, Lamech começa a meditar de que modo poderia trazer para o altar o coração que se encontrava nas alturas. Como não entende o Sábio, julga de fato ser necessário subir no te- lhado e, caso não o alcance com a mão, pegar uma vara com gancho e apanhar o coração como se fosse um fruto.
Percebendo tal absurdo, o Sábio lhe diz: “Como podes inter- pretar Minhas Palavras de modo tão errôneo, depois de teres ficado saciado com Minha Sabedoria e até mesmo achavas que Deus falasse por Mim? Realmente é impossível interpretar-se algo espiritual de modo tão tolo e material.
Porventura julgas ser o coração radioso acima do templo teu coração material? Deves saber que este não pode ser usado, pois é indispensável ao teu organismo. Trata-se do coração de teu espírito, ou seja, o Amor de Deus dentro de ti e que será útil neste altar.
Tal coração não pode ser apanhado com a mão ou por meio de uma vara, mas exclusivamente com a própria força do amor. Além disto, é o coração radioso acima do templo apenas um sím- bolo que só pode ser visto pela visão espiritual e nada mais significa senão que amas um Deus infinitamente distante e O procuras atrás de todas as estrelas. Mas o Deus sempre perto de ti não te animas a amar e a reconhecer.
Se bem que teu coração brilhe em virtude do amor puro e fortemente inflamado, tal sentimento não te proporciona benefício vivo a não ser que venhas a enxergar algo melhor em seus raios refra- tários. Eis tudo que poderás alcançar.
No entanto é apenas a vida a causa principal que deve durar eternamente, e não a luz da vida temporal que passa com a própria vida. Por isto deve o coração do espírito, ou seja teu amor para com Deus, estar mais perto de ti ou dentro de ti, que conquistarás a vida eterna. Só Deus é a Vida, portanto Ele a possui e fornece.
Se isto é uma Verdade eterna, de que te adiantaria um Deus infinitamente distante ou uma Vida nas mesmas condições? Tens que ter dentro de ti a Vida eterna, ou seja, o Amor Eterno de Deus, se pretendes viver.
Além do mais, deves considerar que a Divindade Infinita de nada te serviria, porque sendo tu uma criatura finita, não poderás con- ceber a Natureza Intrínseca de Deus. Por isto Deus instituiu o coração humano para Sua Morada, para que ninguém possa viver sem Deus.
O Sol é tão distante que jamais um homem terráqueo o po- derá alcançar, e tão imenso que esta Terra é qual bola do tamanho de um punho cerrado, comparativamente. De que te adiantaria tal Sol imenso ainda que o pudesses alcançar, no entanto tua visão e teu físico não são de tal modo constituídos a poderes assimilá-lo total- mente? Em tal caso, não receberias nem calor, nem luz.
Mas como Deus organizou teu olho de tal modo a poderes observá-lo em sua totalidade, e portanto assimilar todo o seu qua- dro vivo, facilmente podes absorver seu calor e sua luz; isto também não é efeito do grande Sol distante, mas apenas daquele que trazes dentro de ti. O mesmo ocorre, porém mais ainda, com Deus, Que jamais poderás conceber em toda Sua Projeção Infinita; de certo modo, Ele nem existe para ti sob tal aspecto.
Acontece que Tal Deus Infinito depositou em teu coração espiritual a Sua Perfeita Imagem; e isto constitui tua vida e se en- contra dentro de ti. Teu grande amor a Deus é justamente tal Ima- gem de Deus que te vivifica. Por tal motivo deves continuar dentro de ti mesmo e não arrancar tal Santuário, mas solidificá-Lo em ti que terás constantemente Deus em Sua Máxima Proximidade e não necessitas perguntar: Onde, no Universo, habita Deus? — pois O reconhecerás em ti, tua própria Estrela Santa, na qual Deus habita e te fornece constantemente tua vida, embora não o saibas ainda. Desperta teu amor a Deus perto de ti, que teu coração se encontrará no altar e reconhecerás a Divindade e aceitarás o louvor da humil- dade justa.”
LAMECHRECONHECEO SENHOR
Só agora Lamech compreende as palavras do Sábio, bate no peito e diz para si: “Meu Deus, quão tremendamente tolo é o ho- mem em sua personalidade e quanta paciência deve possuir a Sa- bedoria Divina até que surja algo de proveitoso, capacitando-o ao entendimento da Ordem Divina! Nada de melhor pode o homem fazer senão viver de acordo com seu entendimento baseado na Or- dem de Deus. Tu, meu Deus, saberás melhor o quanto ele pode suportar; por isso permites conhecimentos maiores, pouco a pouco, para que ele se torne mais semelhante a Ti. Hei de amar-Te e louvar-
-Te durante toda minha vida!”
Enquanto Lamech confabula consigo mesmo, a nuvem em redor do templo desaparece e o coração vem descendo sobre o altar.
O povo se prosterna com grande veneração, pedindo Clemência e Misericórdia de Deus. Lamech segue este exemplo e diz para o Sá- bio: “Segundo Teu Ensinamento, o Espírito de Deus Se acha dentro de mim, o que de fato percebo vivamente. Mas em Ti deve Ele Se manifestar incomparavelmente mais Forte e Poderoso, levando-me a louvar-Te como Criador e Pai Que Se dignou nos proporcionar sinais tão grandes que nos facilitam reconhecê-Lo e conquistarmos a Vida eterna.”
O Sábio se inclina para erguer Lamech e diz: “Ergue-te em tua alma e reconhece Quem ora te aconselha isto. Os homens ja- mais devem se ajoelhar perante seus semelhantes, nem os anjos diante de seus iguais, mas os deuses sabem de sua união com o Deus Único.
Se olhares nos olhos de teus irmãos, verás em cada um o mes- mo Sol; isto não quer dizer que cada um tivesse vários para muitas pessoas e outros seres, pois se irradia apenas a luz de umSol como emanação espiritual do grande Portador de Luz.
De modo idêntico há apenas Um Espírito de Deus no co- ração de todas as criaturas e por isto o Espírito ativo dentro do ho- mem não é um segundo Deus, mas Uno com a Divindade. Eu Sou o Senhor e tu O reconheceste e te prosternaste diante de Mim. No entanto te digo: Se o Sol se incandescesse só para si, haveria de se destruir. Por esta razão ele impele seu calor e sua luz para seus plane- tas, proporcionando condições de vida física em seu solo.
Assim também Eu transfiro toda Minha Dignidade Divina para Meus filhos para poderem viver Comigo sumamente felizes. Deste modo não quero que eles se atirem aos Meus Pés, mas que Me amem como Bom Pai, com todas as suas forças.
Entretanto não Me retenho diante do humilde, mas hei de viver em sua companhia para erguê-lo sempre que se prosterne dian- te de Mim. Por isto te elogio por seres humilde. Continua em tua humildade e em teu amor, que jamais necessitarás retirar teu coração de cima do telhado.”
Lamech sente vontade de transmitir ao povo, em altos bra- dos, a Santa Presença do Senhor de Céus e Terra. Mas Este lhe diz: “Não convém dares vazão ao teu ímpeto e considera que se tal fosse bom e necessário, Eu Mesmo não o omitiria.
Tal revelação custaria a vida do povo já bastante agitado, o que não seria possível evitar-se dentro da atual ordem das coisas. Deixemos tal trabalho inútil para épocas mais favoráveis. Quando mais tarde Eu Me afastar de novo, poderás revelar-Me e te referir à Minha atual Presença. Por ora continuarei por pouco tempo apenas como Sábio entre vós para que ninguém venha a sofrer um julga- mento mortal em sua alma livre.
Podes no entanto convidar o povo para se levantar e deixar de adorar em sua ignorância este coração luminoso e simbólico, como se fosse a representação figurativa do Ser Divino. Elucida-lhe este quadro segundo a verdade revelada, para que se volte em estado de sobriedade para Mim, Deus, o Senhor, louvando-Me em seu cora- ção. Executa esta tarefa e volta para um descanso.”
Imediatamente Lamech convida o povo a se erguer, mas ninguém segue seu conselho. Algo amedrontado, Lamech resolve levantar a cada um diante do Senhor para poder falar a todos. To- davia, não obtém resultado, pois à medida que ergue as pessoas, elas caem de novo ao solo. Diante deste segundo resultado seu embaraço aumenta, mas resolve procurar os seus seguidores que certamente aceitarão as suas palavras.
Dito e feito — porém sem êxito. Então nada mais lhe resta fazer senão voltar ao templo para falar com o Senhor e com Henoch. Qual não é sua surpresa a não encontrar nenhum dos dois! Isto é demais para Lamech que se sente cair em desespero. Mas, passado algum tempo conclui que tal é a Vontade do Senhor, pois ele havia feito tudo que pôde e o Senhor devia saber que ele não podia efetuar
milagres. Ainda assim resolve procurá-los entre o povo adormecido e, caso não os encontre, ele também repousará.
Vendo sua última tentativa também frustrada, Lamech co- meça a chorar, e se decide a deitar ao lado do altar para dormir. Sua tristeza e o grande pavor o impedem de conciliar o sono, e assim se passam sete longas horas sem que alguém acorde e tampouco o Senhor e Henoch aparecem.
TRISTEZAEDESVARIODE LAMECH
Decorridas sete horas, Lamech se levanta e confabula: “Agi segundo a Vontade do Senhor, mas sem êxito, no que não me cabe culpa. Que repouso foi esse durante as sete horas calculadas pela marcha das estrelas? De fato, a manhã desponta e não há mani- festação de movimento no acampamento, nem uma brisa ou qual- quer ruído.
Que farei? Ficar aqui até o surgir do Sol ou voltar à cidade e relatar aos serviçais o que ocorreu aqui? Porventura devo buscar um curandeiro que pelo seu conhecimento me diria se estas criaturas dormem de fato ou talvez estão mortas? Talvez eu mesmo poderia fazer uma tentativa de acordá-las? Mas, se isto não surtir efeito, serei acometido de um imenso pavor que até mesmo me impedirá de correr à cidade a fim de providenciar o sepultamento.
Já sei o que fazer! Vou pedir a Deus, o Senhor que me ajude e isto farei sem parar e sem me alimentar até que Ele me socorra ou então também me tire a vida. Aos poucos está clareando e posso no- tar a cidade e suas construções. Quão maravilhoso seria tal despertar dentro de um novo dia se o povo estivesse acordado, para ofertar ao Senhor um louvor de gratidão!
Que teria feito eu para ser abandonado pelo Senhor e He- noch, se cumpri estritamente a Sua Vontade? E agora o Santíssimo e mais Misericordioso me abandona sem orientação. Tenho certeza de ter falado com Ele e Henoch, e meus companheiros trazidos das alturas também lá estão dormindo, talvez o sono mortal. Talvez não
se encontrem mais no mesmo lugar? Vou verificar isto de perto, pois não se pode tratar de um sonho que começou ontem.”
Então Lamech volta ao local onde havia deixado os outros e não encontra vivalma. Desesperado, ele grita: “Que vem a ser isto? Então sou realmente vítima de um sonho irrisório? Que estado vem a ser este? Gostaria de orar, mas não consigo agora. Estou sem Deus, sem amigos, irmãos e família, e nada mais tenho que esta vida miserável e este castigo terrível de Deus ou a vingança tenebrosa da serpente. Para quem devo orar? Para Aquele Que me abando- nou? Jamais!
Ainda sou Lamech; o país, a cidade e o povo me pertencem. Quis ser um verdadeiro servo do Senhor e Lhe sacrifiquei tudo; mas Ele me pregou uma peça. Por isto não quero mais viver e hei de morrer neste templo, de fome, como último sacrifício ofertado a este Deus enigmático. Ainda que Ele Mesmo agora chegasse, não haveria de conseguir me modificar. Pobre povo, podes dormir e te tornar alimento para formigas e vermes. Dentro em breve estarei na mesma situação. É mil vezes melhor não existir a ser tomado por palhaço por parte de Deus.
Agora me sinto mais aliviado. É preferível um sentimento de vingança a uma tola beatitude frente a um Deus que me ludibriou sem motivo. Assim será!”
VISÃOAPAVORANTEDE LAMECH
Terminando seu monólogo tolo e insensato, Lamech se senta de costas para o altar, o rosto voltado para o dia que desponta. Nesta posição ele pretende ficar até o seu fim. Todavia, o surgir de um outro sol faz com que volte a si. Aparece diante dele o seguinte: no lugar do Sol, uma enorme serpente ergue sua cabeça no horizonte, e à medida que a cabeça sobe, aparece um corpo tenebroso e este ofídio brilha como o sol.
Quando o monstro já se encontra a certa altura acima do horizonte, aparecem inúmeras serpentes menores e, iguais à grande
serpente, todas apresentam uma coroa fortemente luminosa nas ca- beças. Dentro em pouco, todo o Céu está coberto de serpentes, que se movem em torno da grande.
Os movimentos se tornam cada vez mais agitados, dando-se uma verdadeira luta. A serpente principal morde as menores, caindo por terra, que com isto fica incendiada. O solo então começa a cla- mar por tamanha desgraça, e as montanhas se curvam iradas para os vales, desviando o curso dos rios e expelem de suas fendas e recifes massas colossais de nuvens. Com elas obscurecem o Céu total cada vez mais densamente e não demora a se precipitarem avalanches poderosas de água que inundam todos os territórios.
E as águas sobem e sobem, tragam a cidade de Hanoch, e suas vagas atingem quase o cume da montanha onde Lamech se encontra com seu povo adormecido. Quando a montanha começa a balançar e o templo ameaça ruir e o tremendo raio faz estremecer o solo, Lamech se apavora, não obstante estivesse disposto a morrer.
Imediatamente se levanta e esfrega os olhos para olhar em seu redor. Logo descobre o templo diante de si e dentro dele se encon- tram o Senhor e Henoch, enquanto o povo se acomoda à vontade ao redor do templo, louvando a Glória de Deus. Ele mesmo se acha entre seus amigos.
Diante disto, ele se vira para Tubalkain que se encontra ao seu lado e diz: “Meu filho, o que aconteceu comigo? Onde nos en- contrávamos eu e vós, e o Sábio com Henoch, que certamente me aguardam no templo?”
Responde Tubalkain: “Ora, meu pai, como me perguntas? Então ignoras que vieste até aqui por ordem do Sábio para transmi- tires ao povo o convite de se erguer? Naquela hora abraçaste minha mãe e a de Noêmia, e naquele abraço dormiste não sei quanto tem- po. Eis tudo. Se não me acreditas, podes indagar os outros que te dirão o mesmo, pois é a pura verdade.”
Muito feliz, Lamech exclama: “Meu Deus, todo louvor, gra- tidão e amor são Teus, pois estive apenas sonhando. Mas como foi possível eu dormir em vez de executar a Tua Ordem?”
Lamech das alturas responde: “Irmão, não o fizeste porque alimentaste intimamente o desejo de repousar neste monte em com- panhia de tuas mulheres. Por isto o Senhor permitiu que chegasses inconscientemente junto delas no momento em que julgavas em tua fantasia acordar o povo; mas ninguém te deu atenção, pois tua mente já se encontrava ao lado delas.
Deste modo, a matéria te seduziu perante Deus e Ele per- mitiu que saboreasse os frutos do amor carnal. Agora te conduzirei para o templo e o Senhor te revelará outras tolices que alimentas no teu íntimo. Vem!”
EXPLICAÇÃODOSONHODE LAMECH
A estas palavras os dois Lameches sobem ao templo, onde são recebidos pelo Senhor e Henoch. Tamanha condescendência surpre- ende o Lamech das planícies, porquanto aguardava uma reprimenda em virtude de seu erro cometido.
O Senhor porém lhe diz: “Por que te admiras de Minha Bon- dade, Amor e Graça? Eras maior do que agora quando pecador? Como então Eu Me aproximei de ti naquele tempo? Se me acerquei de meu grande inimigo e pude erguer-te como grande pecador, por que te admiras se te aguardo no limiar do templo quando não co- meteste pecado?
O que acaba de ocorrer foi apenas permissão de Minha parte para te demonstrar quais os frutos a serem esperados por ti, ou ao menos por teus descendentes, em virtude do excessivo amor carnal. O que te demonstrei deste modo é apenas uma boa orientação para ti e teus descendentes, mas nunca um pecado. Se a considerares com atenção, viverás no espírito do verdadeiro Amor e de toda tua sabedoria. Agora entra com teu amável guia e vamos confabular e nos orientar na luz clara do coração flamejante e ra- dioso sobre o altar.”
Ambos os Lameches entram no templo, onde o Senhor lhes diz, diante do altar: “Pode o homem chegar a uma situação em que
fará de uma necessidade uma virtude, e às vezes é até mesmo obriga- do a tanto. O mesmo faremos nós.
Vê, os degraus arredondados em volta do altar não se desti- nam para assentos. Não havendo outro recurso em bancos, nós os usaremos e voltaremos o rosto para o Sul.
Quem poderia protestar contra isto, se o templo, o altar e seus degraus foram construídos para nós, portanto podemos usá-los segundo nosso agrado? Qual é a tua opinião, Lamech?”
Responde ele: “Ó Senhor, Pai Querido e Bom, somente Tua Vontade é Santa e me proporciona a máxima alegria; por isto, que se faça tudo segundo o Teu Agrado. Queira determinar qual deve ser a ordem a ser respeitada.”
Diz o Senhor: “És ainda um homem da corte e não sabes agir diante de tantos conceitos cerimoniosos. Observa com atenção os filhinhos de um pai amoroso, a quem amam sobre tudo. Qual será a atitude deles quando ele chegar à casa? Todos correm ao seu encontro e o mais ligeiro se atira nos braços dele; o menor, porém, fica para trás. O bom pai, vendo seus passinhos desajeitados, vai ao seu encontro com o coração palpitante, toma-o nos braços e o beija e acaricia seguidamente.
Meu filho, de modo idêntico é constituída MinhaOrganiza- ção doméstica e cerimônia na Minha Corte celestial. Quem chega primeiro é recebido primeiro. Mas o último e mais fraco tomarei nos Meus Braços, acariciando-o sobremaneira, porque reconheceu o Pai em sua fraqueza, indo ao encontro Dele com pés fracos. O mesmo deve ser feito por vós, sem perguntardes pela ordem pessoal, e Eu, Verdadeiro Pai de todos, Me alegrarei convosco. Acabo de Me sentar e podes fazer o mesmo.” Tomados de imenso amor, os três amigos abraçam o Pai que diz: “Assim está bem, pois esta é a verdadeira Ordem dos Céus e deve ser respeitada para sempre.”
PELO SENHOR
Assim, eles tomam lugar ao lado do Senhor, quer dizer He- noch e o Lamech das alturas ao lado direito, e o Lamech das planí- cies ao lado esquerdo, e o Senhor explica: “Meus filhos escolhidos, agora estamos bem acomodados e dentro da melhor ordem. Por ora ainda não entendeis bem o sentido disto, mas, como dispomos de tempo até o completo surgir do Sol, vamos ventilar mais de perto este assunto.
Vede, a Terra que habitais é uma esfera insensível em sua su- perfície. Mas seu interior é uma construção orgânica e de capacidade vital, vivendo qual animal. (Vide ‘A Terra e a Lua’). Se para a vida há necessidade de um ponto central ou, melhor dizendo, um ponto de atração ou centro de gravidade, no qual tudo converge em virtude de sua atração que estimula o mesmo, aquece-o e o inflama — tam- bém a Terra possui, bem como inúmeros outros corpos cósmicos com os sóis e luas, tal ponto central correspondente ao coração das criaturas e animais, em sua esfera natural.
Mas este, por assim dizer, ponto central não se pode encon- trar estritamente no centro da massa total de todos aqueles corpos mencionados, mas sim 3/4 partes distante do centro, para não ser totalmente esmagado, tornando-o estático.
Achando-se portanto sempre fora do peso da matéria do ponto central, o peso principal não pode influenciar de todos os lados e proporciona um espaço livre no qual se pode movimentar sem empecilhos. Se for pressionado por parte da massa enorme, fa- cilmente foge para o lado menor da matéria.
Se a massa principal, devido à sua inércia necessária e seu peso natural, não consegue elevar-se acima de seu ponto de gravida- de, mas se vê obrigada a desistir de seu intento e forçada a voltar ao centro de gravidade, este recebe um novo retrocesso. Deste modo, estimula o ponto de gravidade inerte através da força de atração que
converge outra vez para o ponto central que, se for forte demais tal atração, se dirige imediatamente para o lado menor e mais leve.
Através deste vaivém mecanicamente uniforme se produz a vida orgânica das criaturas e animais. Uma vez que a força motora é efetuada num organismo, ela automaticamente se transmite à massa total, estimula-a mais ou menos, proporcionando-lhe uma vida e utilidade.
Naturalmente tudo depende de Mim, que preciso construir primeiro todo o organismo, paulatinamente, e prepará-lo conforme disse. Isto feito, tal organismo continua existindo enquanto Eu lhe quiser dar o alimento necessário. Eu lhe retirando tal alimento, ele enfraquece e se torna inerte, se desconjunta e se consome paulati- namente, da mesma maneira que fora construído e finalmente volta a Mim, espiritualmente, como substância de vontade totalmente dissolvida.
Eis uma linha básica de Meu Plano de construção orgânica. Tornar-se-á mais clara na luz de vosso próprio espírito e não é preci- so concluirdes além daquilo que na atual ordem de posição de luga- res corresponde totalmente à Ordem de Minha Criação Orgânica. Explicarei melhor.
Eu sou o Ponto de Atração Principal da Vida de todo o In- finito. Vós sois Meus órgãos aptos a receber a Minha Vida. Agora, dize-Me, Lamech, encontro-me estritamente em vosso centro?”
Perplexo, ele responde: “Não, Senhor e Pai, pois entre qua- tro pessoas isto é impossível. O centro seria entre Ti e Henoch.”
E o Senhor prossegue: “Eis a Ordem justa e boa, pois Eu — Base de toda Vida e Vibração — Me encontro entre vós no ponto em que se completam 3/4 partes, e tu portanto representas o polo norte menor e mais leve, e Henoch e Lamech representam o polo sul, pesado e muito maior.
Assim sendo, vamos nos estimular reciprocamente atra- vés de várias considerações importantes na esfera infinita da Vida. Quem souber algo especial, deve manifestar-se para nosso entendi- mento. Podes começar, Lamech.”
Sem delongas, Lamech externa a seguinte questão: “Senhor, como me convidaste a falar, arrisco-me a ventilar a poligamia e se Tu a justificas. Se bem que a natureza isto favoreça ao homem, a mulher só pode conceber uma vez por ano.
Considerando esta relação dentro da lógica, parece que a poligamia se adapta à natureza humana, porquanto a procriação só representa um lucro. Observando-se no entanto a relação cons- tantemente idêntica no que diz respeito ao número de indivíduos, chega-se à conclusão de que tal não fora Tua Determinação, pois o número das mulheres não raro é menor que o dos homens. Vez por outra é igual e muito raramente maior.
Esta relação contradiz evidentemente as necessidades da na- tureza e da lógica, pois se admito a poligamia, milhares de homens continuam solteiros, embora tivessem condições de gerar prole. Não admitindo a poligamia, o homem só pode gerar uma vez por ano, o que constitui um contrassenso para a natureza humana. Senhor, gostaria muito de receber uma orientação segura neste problema.”
Responde o Senhor: “Tua pergunta é boa e inteligente e não pode faltar uma resposta concisa ao verdadeiro guia de um povo tão numeroso. Vê, se a poligamia estivesse dentro de Minha Ordem, Eu teria criado 365 mulheres para Adão, primeiro homem da Terra, que vive no planalto e ainda viverá por alguns anos, a fim de que possa empregar sua capacidade geradora.
Todavia, Eu criei para ele apenas umamulher e isto é deter- minado até agora para todas as criaturas, não obstante a capacidade abundante. Esta não foi dada para uma geração múltipla, mas ape- nas para uma geração sadia e forte. Deste modo, pode um homem gerar poucos filhos, porém muito mais sadios, enquanto numa gera- ção múltipla só conseguem ser procriados os piores e fracos.
Cada semente gerará um fruto ruim ou nenhum se não tiver atingido a total maturação. O mesmo ocorre com o homem, tanto
mais em se tratando do fruto mais nobre. Ficará assim estabelecida a união com uma só mulher, que fará o bastante se conseguir gerar apenas um fruto de três em três anos. Entendeste?”
ODESEJODOHOMEMPORMUITAS MULHERES
Satisfeito com esta explicação, Lamech diz para o Senhor: “Durante Teu Ensinamento importante surgiu outro problema dentro de mim que, considerado de um ponto de vista espiritual e moral, para muitos justificaria a poligamia. Como guia escolhido por Ti, não encontro na esfera de meus conhecimentos uma palavra contrária. Por isto desejaria expor-Te minha dúvida.”
Interrompe o Senhor: “Pois não, mas não percas tantas pa- lavras com desculpas. O tempo urge e Eu não sou qual tolo que necessita de grande preâmbulo para compreender um assunto. Além do mais, sei perfeitamente qual a tua dúvida e não necessitas desper- dício de tempo.”
Algo humilhado, Lamech diz: “Acontece que existe dentro do homem um sentimento que o atrai para várias mulheres e tal tendência é insaciável. Mesmo que ele tivesse duas, três ou mais mulheres muito bonitas, e ele chegasse num local onde existissem outras cem, sua natureza o impeliria a possuir essas outras. Se Tu és nosso Criador, por que então possui ele tal instinto que, segundo Tua Ordem, não pode ser satisfeito?”
Diz o Senhor: “Neste caso, a abundância de sentimentos se relaciona igualmente à capacidade criadora, mas apenas em espíri- to. Se o homem é lascivo e espalha sua semente em ruelas e ruas, poderá ele, tão enfraquecido, gerar um fruto normal mesmo com uma criatura sadia? Por certo que não, pois do bagaço não se extrai qualquer sumo.
O mesmo acontece com o excesso sentimental: Deve o ho- mem acumular seu sentimento no coração e depois voltá-lo para Mim. Uma vez que tenha alcançado a justa maturação de sua força, ele há de encontrar em Mim — Causa de tudo e portanto também
de todas as mulheres belas — a compensação mais satisfatória, sem que a mulher do vizinho o venha tentar.
Além do mais, deves saber que tudo neste mundo se destina apenas para uma finalidade externa, segundo a predisposição do ho- mem. Por isto não deve ele fazer uso das forças registradas dentro de si, antes que tenham chegado à maturidade total.
Assim como os frutos da Terra amadurecem somente à luz do Sol, também as forças espirituais do homem só conseguem sua ma- turidade em Minha Luz. Eis por que cada um deve dirigir suas for- ças para Mim, a fim de se tornar uma criatura perfeitamente madura e forte dentro de Minha Ordem. Quem não fizer isto será culpado de sua morte. Entendes?”
DESENVOLVIMENTODA ALMA
Responde Lamech: “Como não devia entendê-lo se Tu, Luz de toda luz, Sol de todos os sóis, me iluminas como o Sol matinal o faz numa gota trêmula de orvalho que se deixa suavemente balançar por uma brisa suave na ponta da folhinha?
Esta gotinha é, como eu, algo efêmero nas fileiras enormes de Tuas Criações. Uma vez que existe, ela recebe o Sol tanto quanto meu olho, irradiando em seu pequeno âmbito como um diminuto Sol e alegrando com sua luz o pequeno mundo, como faz um sábio junto a seus irmãos menos afortunados.
Creio ter entendido ser eu também qual gotinha de orvalho que por Tua Imensa Graça poderá alegrar os que me cercam. Se afir- masse ter assimilado totalmente Tuas radiosas Palavras, seria muito mais tolo do que declarando que a gotinha de orvalho teria absor- vido o astro rei somente porque irradia sua luz para outros pontos. Tu somente, Senhor, saberás o quanto me falta para uma assimilação plena de Tuas Palavras Santas e Te peço me elucidares segundo mi- nhas necessidades.”
O Senhor elogia Lamech, pois suas palavras continham mui- ta sabedoria; todavia ainda acrescenta: “A gotinha de orvalho com a
qual te comparaste não é tão insignificante e passageira como pensas. A gotinha vive, transmite vida a seu pequeno mundo e nesta doação vital será assimilada por um elemento em grau superior, onde se torna psique de efeito mais positivo. Tal psique jamais morrerá, mas crescerá constantemente em silêncio por entre as fileiras de seres, até chegar ao destino final, para assimilação de raios mais potentes do Sol, que agora te inunda com tanto amor.
Deves estar lembrado da sabedoria de Farak que dizia: Quan- do Deus manipulou o primeiro homem do barro da Terra, Ele lhe soprou uma alma viva em suas narinas e assim o homem se tornou uma alma viva diante de Deus, seu Criador.
Este Sopro continua bafejando constantemente por toda a Terra, que representa em sua totalidade Adão, e desperta inúmeras almas vivas para futuras criaturas. Tais criaturas são o ponto final da gotinha de orvalho. Nelas ela se capacita à assimilação de raios mais sublimes, conforme ocorre contigo, do Sol da Vida Eterna que jamais será absorvido por outras fileiras de seres.
Assim sendo, a Terra toda é qual homem, e sua consistência são as almas que já existiam unidas ao Meu Espírito. No entanto, não conseguiram passar pela experiência, razão por que são de novo amadurecidas no grande corpo materno da Terra e depois desper- tas para nova vida através de Meu Sopro. Naturalmente não estás conseguindo compreender isto e também não é necessário para tua vida. Mas, se quiseres, poderás prosseguir com tuas perguntas, que te iluminarei em todos os recantos de tua alma.”
A HUMILHAÇÃO DO INTELECTO HUMANO. OS DENTES COMO SÍMBOLO DA SABEDORIA
Diante desta explanação sublime, Lamech se bate no peito e diz: “Senhor, estremeço perante Tua Sabedoria Infinita e não tenho coragem de perguntar algo, pois facilmente poderias me dar uma resposta mais profunda que me aniquilaria diante de Ti e do povo.
Não deixa de ser a coisa mais sublime a criatura ser orientada por Ti Mesmo; mas se Tu a submetes aos mais fortes raios de Tua Luz, ela sente dolorosamente sua própria ignorância. Saber que não é nada perante Ti ainda é suportável; mas senti-lo em Tua Santa Pre- sença é insuportável. Por isto não me atrevo a abordar mais dúvidas.”
Aduz o Senhor: “Justamente por este motivo te revelo coisas ocultas a fim de que sejas humilhado de todo coração e deposites aos Meus Pés toda tua sapiência e compreensão. Enquanto pretendes brilhar com a menor fagulha de tua própria inteligência, não pode- rás ingressar no âmbito de Minha Sabedoria. E se Eu te obrigasse a tanto, ela haveria de aniquilar-te totalmente.
Por isto terás que ser purificado pela humilhação antes de seres capaz de suportar Minha Luz dentro de ti. Este templo foi edi- ficado por intermédio de Minha Sabedoria. Mas isto só foi possível depois que esta montanha foi sanada de toda sorte de ofídios.
Assim também Meu Templo vivo de Minha Sabedoria não poderá ser erigido em ti antes de teres purificado tua própria mon- tanha intelectual. Regozija-te se Minha Luz começa a te pressionar, pois neste caso estarás perto de entregar a Mim o que te pertence e aceitar Minha Dádiva.
Nesta questão espiritual ocorre quase o mesmo que com os dentes, que são propriamente símbolo da inteligência. Os dentes de leite que a criança recebeu com dores terão que ser extermina- dos também com sofrimento quando nascerem os fortes dentes da maturidade, pois os primeiros foram apenas preparadores para os últimos.
Tua sapiência anterior terá que ser expulsa de ti para poderes aceitar Minha Sabedoria eternamente poderosa. Podes portanto fa- zer perguntas cheio de coragem e te humilhar para te capacitares à assimilação de Minha Luz puríssima.”
Diz Lamech: “Senhor e Pai, se assim é, farei perguntas a vida toda e não hei de temer a minha humilhação. Bem, desde eternida- des foste em Tua Natureza Perfeito e Infinitamente Bom, e além de Ti nada existia em todo o Infinito.
Quando resolveste criar anjos, céus, mundos e criaturas, não necessitaste de qualquer matéria, pois Tua Vontade Poderosa unida aos Teus Pensamentos e Ideias mais sábios e profundos foram o mo- tivo de Tua Criação Infinita.
Como não consigo imaginar que surgisse uma Ideia maldosa ou um Pensamento mau, gostaria de saber de onde nasceu o mal de Satanás e portanto o mal dentro de nós, criaturas. De onde surgiram o pecado, a ira, a inveja, a vingança, o domínio e a impudicícia?”
Diz o Senhor: “Tua pergunta soa bastante inteligente, no entanto é muito humana. Muito embora julgues ter formulado um problema que talvez fosse difícil de resolver, te darei uma res- posta justa.
Do Meu Ponto de Vista não existe nenhum mal, mas apenas diferenciações do efeito de Minha Vontade, e esta é Boa no inferno como no Céu, no criar como no destruir.
Do ponto de vista das criaturas só umacoisa deve ser con- siderada boa, isto é, a parte relacionada ao positivo merece unica- mente ser levada em conta, podendo a criatura se manter ao Meu lado e em Mim, e é nisto que se baseia a Minha parte conservadora e constantemente criadora. Mas a parte poderosa de dissolução é má em relação à criatura porque não pode existir tal situação Comi- go e em Mim.
Em Mim tanto o positivo quanto o negativo são bons, pois o positivo Eu crio e no negativo organizo e conduzo tudo.
Mas para a criatura só é bom o sim, e mau o não,até que se tenha unido a Mim pelo sim, não podendo mais existir dentro do conceito negativo.
Deste modo não existe Satanás e inferno para Mim, mas sim para ele próprio e as criaturas desta Terra, porque aqui se trata da formação de Meus filhos. Existem ainda inúmeros mundos onde se desconhece Satanás, portanto também se ignora o negativo, e só se conhece a parte positiva em suas relações. Assim andam as coisas. A Terra é um Jardim de Infância onde há sempre gritos e barulho. Eu considero isto com outros olhos que tu, homem da Terra. Dize-Me o quanto assimilaste disto tudo.”
LIMITESDAONIPOTÊNCIA DIVINA
Diz Lamech: “Senhor, no que diz respeito ao meu enten- dimento, teria muita coisa para perguntar. Mas aqui estão Heno- ch e meu homônimo das alturas, que certamente compreenderam melhor do que eu o Teu Ensinamento e se eu necessitar poderão prestar outros esclarecimentos. Compreendi e aceitei minha nu- lidade perante Tua Santidade, que não percebi no início de nossa palestra. Mas como me humilhei diante de Tua Sabedoria, Tua San- tidade Infinita Se destaca muito mais potente e me sinto aniquilado até o âmago.”
Percebendo o conflito de Lamech, o Senhor diz: “Meu filho, porventura sou culpado de ser Deus de Eternidade, Vivo por Mim Mesmo, e tu uma criação Minha? Seria possível modificar essa rela- ção? Poderias tu ser um Deus eterno e Eu uma criatura?
Nem Eu nem tu seremos capazes de modificar esta Ordem. Se fosse possível Eu Me reduzir a uma simples criatura e Me despir de Minha Eterna Divindade para passá-la a ti, toda a criação seria aniquilada.
Se tal acontecesse, que benefício terias alcançado e o que so- braria para Mim? Tu não existirias mais; Eu teria que Me revestir da Divindade e, se quisesse ter outros seres ao Meu redor, teria que recriá-los e também a tua pessoa, pois certamente faria questão que estivesses Comigo.
Acredito que compreendes o que é possível e o que é impos- sível segundo as condições de Minha Ordem Eterna. Além disto, convirás que Eu, Deus Eternamente Imutável, farei tudo para Me aproximar de Minhas criaturas e seus descendentes, preenchendo todos os abismos entre nós de tal forma que possam conviver Comi- go como um irmão. Poderão aprender de Mim Mesmo sua eterna e viva finalidade, quando então rege entre nós apenas uma diferença moral, segundo a qual poderão se tornar senhores perfeitos de si mesmos em Mim e junto de Mim.
Se assim é indubitavelmente, não vejo por que estremeces diante de Minha Divindade imprescindível a ponto de não poderes falar. Deixa de lado o que não serve para Pai e filho, e expande as tuas ideias a fim de perceberes o quanto Eu, teu Pai, sou paciente. Dá-Me tua mão e sente como sou Bom e Paciente, e depois fala como quiseres.”
OHOMEM,PENSAMENTOFIXADODE DEUS
Deste modo encorajado, Lamech conclui: “De fato, a criatura jamais poderá ser um Deus Incriado, tampouco a Divindade será um ser criado. Deus existe por Si Mesmo eternamente Livre, mas a cria- tura é apenas condicionada por Ele. No entanto, é a vida do homem uma existência divina porquanto não há outra Vida senão a de Deus.
Minha existência só pode ser uma partícula da Infinita Exis- tência de Deus, do contrário não seria vida. Esta partícula é idêntica à Sua Origem no que diz respeito à eternidade, pois não consigo imaginar que em Tua Plenitude de Vida se possam encontrar partí- culas remotas e recentes.
Minha conclusão é a seguinte: Desde eternidades fui mani- festação dentro de Ti, porém algemada em Tua Plenitude de Vida. Num período qualquer resolveste libertar esta minha partícula que agora é livre, ao passo que antes era algo algemada, todavia unida totalmente à Tua Existência Eterna. Estou errado, Senhor?”
Diz o Senhor: “Não, desta vez tua opinião é perfeitamen- te certa e justa. A situação é tal qual a explicaste: Existimos desde eternidades, com a diferença de que Eu Sou a Unidade Eterna, e tu apenas uma partícula Minha. É claro que os pensamentos de cada criatura possuem a mesma idade que ela. Mas depende quando ela os pensou ou de certo modo libertou de seu âmago.
Quando isso ocorre, o homem os projeta de certa forma e não raro os executa e tais pensamentos existem como seres vivos, conquanto presos ao criador, isto é, à criatura que os elaborou.
O mesmo ocorre entre nós. Eu Sou o Homem de todos os homens, e as criaturas são todas Meus Pensamentos, portanto Minha Vida, pois os Pensamentos livres são propriamente a Minha Vida.
Sendo Meus Pensamentos Eternos, não podeis ser mais jo- vens que Eu Mesmo, portanto teu conceito está certo. Todavia, existe um grande segredo: De que maneira pode o Criador projetar Seus Pensamentos como Suas eternas partículas perfeitas, livres e conscientes, de sorte que se apresentam como tu, podendo falar-Me qual segundo Deus Eterno ao Meu lado?
Até então fui inquirido por ti, agora Eu te pergunto. Procura uma resposta que deve se encontrar no teu íntimo, pois tens dentro de ti a faculdade criadora. Medita e Me responde.”
LAMECH CONFESSA SUA TOLICE. A HUMILDADE COMO VERDADEIRA SABEDORIA
Lamech está totalmente perplexo, pois não sabe como agir. Por acaso devia realmente procurar uma resposta apenas possível para o Criador, ou talvez convinha considerar tal pergunta como boa humilhação por ter ele se manifestado um tanto arrojadamente perante o Senhor? Neste dilema, Lamech se cala por algum tempo. Como o Senhor perceba o motivo, Ele lhe diz:
“Meu filho, quanto tempo devo aguardar resposta? Ante- riormente falaste com tanta profundeza que não teria desonrado o
maior querubim. Entretanto, Eu não o havia exigido de ti, mas te dei o direito de perguntar.
Agora que te dei uma oportunidade de expandir tua sabe- doria profunda, silencias, não querendo aproveitar o que te serviria de uma grande honra. Porventura tua sagacidade te abandonou, ou não te atreves a pronunciar a resposta cuja autenticidade não podes garantir? Fala, para que vejamos qual o teu problema!”
Embaraçado, Lamech diz: “Senhor, percebo nitidamente que de certo modo não formulaste uma pergunta, mas quiseste projetar apenas uma pedra de escândalo para me despertar a noção de minha tolice, aparentemente inteligente.
Só posso agradecer-Te, Senhor, pois pretendia brilhar um pouco diante de Ti e de Henoch como se também eu fosse um sá- bio, ao menos pelo conceito dele. Tua Pergunta me demonstrou a imensa tolice e Te peço perdão e Te imploro que respondas se isto estiver dentro de Tua Vontade. Se tal não for o caso, também serei grato do fundo do meu coração.”
Diz o Senhor: “Esta explicação de tua fraqueza Me agrada muito mais que a anterior relação homogênea entre Criador e cria- tura, conquanto estivesse certa; pois Eu te dei a intuição de falar daquela maneira para demonstrar-te que a verdadeira sabedoria se baseia na humildade, pela qual o homem conclui que nada fará sem Mim, mas Comigo poderá fazer tudo. A fim de te convencer, passarei a resposta ao teu coração e perceberás claramente que o homem pode se pronunciar por Meu intermédio, diante de Mim e de todo mundo como se falasse por si mesmo. Podes começar a te expressar.”
VISÃO ESPIRITUAL DE LAMECH E SUA INTERPRETAÇÃO REFERENTEÀORIGEMDO HOMEM
Com calma Lamech começa a falar: “A questão é a seguinte: Comoe de que maneira Deus consegue projetar Seus Pensamen- tos, Suas eternas partículas de vida, de sorte que possuam consci-
ência própria igual a mim que ora posso palestrar Contigo qual se- gundo Deus eterno? A resposta difícil ainda não surgiu dentro de minha mente.
Neste momento percebo pensamentos profundos. Apare- cem de um caos como estrelas isoladas, que às vezes abrem caminho numa noite fortemente nublada para dirigir sua luz amena ao solo trevoso da Terra.
Ó pensamentos maravilhosos, diminutas criações de meu espírito! Que formas estranhas apresentais, enchendo o meu peito! Estrelas se juntam a outras, formas claras se unem a semelhantes, e dentro do meu peito se dá uma libertação sucessiva.
Agora as nuvens noturnas se afastam de meu peito e em sua trajetória encontram potentes raios de luz que absorvem as nuvens, que também se transformam. Percebo uma quantidade de formas luminosas que circulam como efemérides num dia de verão. Percebo a grande resposta dentro de mim, mas como expressá-la?
Agora noto que as formas aceitam minha vontade. Quero que se tornem criaturas semelhantes a mim, e assim acontece. São átomos luminosos de meus pensamentos, e minha vontade as man- tém e quer que vivam e se movam livremente como eu.
Vejo-me, segundo minha vontade, numa forma idêntica à minha e ela fala o que penso em tal forma original. Todas as demais formas humanas são atraídas à minha, ouvem e falam de acordo com a capacidade que minha vontade lhes incutiu. Sinto uma imen- sa alegria com elas, e quero mantê-las com minha vontade. Tal ale- gria é apenas amor imenso que sinto por estas formas.
Neste instante se desprendem de minha forma chamas, quais raios, que se localizam no peito delas. Com isto começam a se mo- vimentar, a se olhar e se reconhecer. Agora, porém, vejo que fazem coisas que não quero. Senhor, que milagre é este dentro de mim? Se ao menos encontrasse a resposta!”
Diz o Senhor: “Tu mesmo a formulaste, é tal qual como viste dentro de ti — mas naturalmente realizado Comigo, o que para ti era apenas um quadro passageiro. Não adianta falarmos mais a
respeito, pois a criatura só consegue conceber a Força Criadora de Deus, mas nunca assimilá-la realmente. Alimentas outra pergunta no teu íntimo e podes externá-la.”
A DOR FÍSICA COMO BENFEITORA E PROTETORA DA VIDA.COMOSEPODEVIVERSEM DOR
A tal convite do Senhor, Lamech apresenta o seguinte pro- blema: “Senhor, a vida seria de fato aceitável considerando-se a ex- periência para a alma. Mas existe um senão relacionado à dor. Por que deve o corpo ser sensível à dor, às vezes até mesmo desenvolvida dentro dele? Por que o fogo produz queimaduras? Por que a mulher tem que sofrer tanto para dar à luz? Não concordo com isto e gosta- ria de receber uma explicação de Tua parte. Presumo que a vida da alma é totalmente insensível; por isto a do físico também poderia sê-lo. Tenho razão?”
Olhando Lamech com piedade, o Senhor responde: “Lame- ch, desta vez não te assiste nem sombra de verdade e justiça. Serias capaz de imaginar uma existência insensível a toda sorte de impres- sões? Se não tivesses sensibilidade, por acaso viverias?
Vamos admitir que o homem só tivesse a sensibilidade das sensações agradáveis, como por exemplo, o ato procriador. Não ha- veria ele de se destruir devido às constantes quedas, pancadas, cortes e queimaduras? Certamente não passaria um ano para que ficasse isento de seus membros.
Somente a morte total é isenta de qualquer sensibilidade, boa ou má. Deste modo é a dor o maior benfeitor da vida e seu mais fiel protetor, sem a qual não há condição de se imaginar a vida.
Além disto, foi-te dado um corpo indolor. Se o consideras dentro de Minha Ordem, prestando atenção no deitar, sentar, andar e correr, passarás tua existência completamente sem dor. Se fores comedido no comer e beber serás poupado de dores internas, e se não te entregares em excesso às obras da carne, jamais sentirás uma dor em teus membros.
6. A dor é um atributo especial da vida, sem a qual não terias nenhum sentido. É a sensação em si e a percepção do amor, e quan- do este cai em desordem, o amor sente uma dor, mas a ordemregistra sempre uma sensação agradável.
Não queiras desejar a insensibilidade, pois a dor é o guia mais fiel de tua vida e também será um dia a concentradora, acumuladora e salvadora total da vida de tua alma. Quanto à capacidade de dor dos espíritos puríssimos, ser-te-á demonstrada por um deles.”
ZURIEL PROVA A SENSIBILIDADE DA ALMA PARA A DOR
No mesmo instante se apresenta Zuriel, luminoso, para o pequeno grupo e se curva até o solo diante do Senhor, dizendo: “Senhor, chamaste-me devido à Tua infinita Benevolência Pater- nal. Que Teu Santo Amor me revele que doce tarefa me compete realizar.”
Diz o Senhor: “Zuriel, conheço tua grande fidelidade. Cha- mei-te para que Lamech se torne um justo irmão teu. Para tanto re- solve a parte espiritual da sua pergunta, segundo a qual deseja saber se a vida perfeita de um espírito puro é sensível à dor. Eis o motivo de Minha Chamada; podes demonstrar o problema na qualidade de espírito.”
A este convite, Zuriel coloca sua mão no peito de Lamech e diz: “Irmão, deixa por algum tempo tua morada material para sen- tires vivamente o que julgas difícil de entender”. Lamech acaba de ouvir isto e seu corpo cai inerte qual moribundo, enquanto sua alma se encontra luminosa diante de Zuriel.
Este toma de sua mão e a aperta com toda força. Lamech solta um grito diante da dor esmagadora e terrível. Zuriel solta-lhe a mão e diz: “Meu irmão, encontras-te em espírito, pois teu físico jaz inerte nos degraus do altar. Como pudeste soltar um grito de dor, quando anteriormente afirmaste que a alma seria inteiramente incapaz da sensibilidade dolorosa?”
Responde Lamech: “És um professor severo. Se a experiên- cia já é a melhor professora, eu facilmente teria compreendido por um meio mais suave que uma alma é indizivelmente mais sensível que o corpo. Agradeço por este ensinamento, pois a mão ainda está ardendo e peço ao Senhor que me tire essa dor, do contrário me desesperaria.”
Zuriel apenas emite seu sopro sobre a mão de Lamech cuja dor desaparece, encontrando-se ele de novo em seu corpo. O Se- nhor então pergunta qual sua opinião a respeito da sensibilidade da alma, ao que ele responde: “Oh, justamente o contrário da ante- rior!” Acrescenta o Senhor: “Isto basta. Se a sensibilidade pertence apenas à vida, obviamente terá que se manifestar mais forte onde a vida está unida em sua plenitude. Além do mais, seria a expressão de uma alma insensívelo maior contrassenso. Deixemos a explicação mais extensa entregue a Zuriel, motivo por que está aqui.”
MOTIVODADOREDABEM- AVENTURANÇA
Prossegue Zuriel: “Lamech, acabei de te demonstrar que a alma possui uma forte sensibilidade para impressões espirituais que são aparentemente idênticas às naturais, enquanto não o são segun- do a finalidade.
Ainda desconheces em que se baseia tua sensibilidade espiri- tual, mas a fim de que tenhas uma noção clara te explicarei tal fenô- meno. Dentro do mundo as impressões se apresentam dolorosas ou agradáveis: dolorosas quando se tornam mais fortes sobre as forças em teu íntimo, e benéficas quando não sobrepujam tua resistência, mas se acham em sintonia harmoniosa.
Se elas forem mais fracas a ponto que tua resistência se apre- senta vitoriosa, serão registradas por ti com indiferença, pois não aplicaste tua resistência num estado antagônico. Somente numa rea- ção que corresponda às tuas forças em harmonia com as impressões externas se baseia o bem-estar que representa a própria natureza de toda bem-aventurança.
Ao sentires qualquer dor física, ela não é registrada pelo cor- po, mas exclusivamente por tua alma, na qual somente habita a ca- pacidade sensível. O fato de teres impressão da dor física prova que tua alma habita em todas as partes do teu corpo numa correspon- dência perfeita.
Se tua alma, ou seja, teu próprio eu, pode ser estimulada atra- vés do corpo material por impressões externas, pois se acha coberta e protegida por todos os lados, certamente será mais facilmente alte- rada num estado absoluto.
Isto porque a alma liberta penetra na permuta de efeitos cor- respondentes com as forças básicas, sendo obrigada a registrar seu potencial a longa distância — tanto no tempo quanto no espaço — pois sem esta percepção facilmente cairia num aprisionamento in- solúvel no qual sofreria muito mais que tu sob meu aperto de mão.
Se a alma for imperfeita, portanto não totalmente formada e exercitada em seus sentidos, cega e muda com relação à forma e à voz da Verdade, seu estado de consciência de modo algum é invejá- vel, pois não seria capaz de se desviar a tempo das impressões que a assaltam, nem a enfrentá-las com energia.
Coisa diferente ocorre com uma alma perfeita, sempre unida Àquele Que ora Se encontra a teu lado. Ele prepara sempre as forças espirituais de tal modo a se encontrarem em equilíbrio contra to- das as impressões e estímulos, provocando apenas uma sensação de bem-estar, nunca porém uma sensação dolorosa. Guarda bem estas palavras que te guiarão aos segredos mais profundos da Vida, com Ajuda do Amor Eterno e a Graça do Senhor.” E virando-se para o Senhor, Zuriel pede permissão para se afastar. O Senhor o permite, mas pede a Henoch para se manifestar mais profundamente sobre o assunto.
Imediatamente Henoch se dirige para Lamech dizendo: “Muito importantes e significativas foram as palavras que o espírito de Zuriel pronunciou como ser humano, e eu não seria capaz de acrescentar algo melhor. Sei o que quer dizer quando o espírito fala humanamente. Tu o ignoras, porquanto ainda te prendes à língua e não ao espírito.
Por isto te levarei da língua ao espírito, segundo a Vontade de nosso Pai Celeste, ao entendimento suave onde tu mesmo verás e sentirás a maneira pela qual se forma a vida no espírito. Vê, se duas correntes de ar se desafiam, ambas de potencial idêntico, estabelece-
-se o equilíbrio na atmosfera, reinando uma calma benéfica sobre a face terrestre. O ar se torna sutil e limpo, deixando passagem ao raio solar para iluminar e aquecer o solo.
Se após tal equilíbrio uma corrente de ar se torna mais forte e seu oponente mais fraco, a primeira começa a se projetar com violência levando de roldão o vento mais fraco. Enquanto este, mais fraco, vez por outra tenta dominar o forte, terá que se submeter ao ataque, pressão e final domínio. Caso se entregar imediatamente, termina qualquer manifestação reacionária, mas também acaba a existência do vento fraco.
Perguntas em teu íntimo: Mas por que o Senhor permite tal coisa? Para Ele seria facílimo impedir tal luta! — Sim, pois para Deus todas as coisas são possíveis. Mas se Ele não permitisse que as forças se desafiassem, elas enfraqueceriam e finalmente cairiam inertes como pedras das montanhas, que nada mais são que tais for- ças, porém condenadas e algemadas ao máximo, portanto inertes, mortas e insensíveis.
Assim também é a vida da criatura. O vento sopra em seus órgãos. A alma sopra dentro da matéria, querendo arrancá-la consi- go. A matéria ou o mundo sopra na matéria como o sangue e os ou- tros humores mais sutis, e estes procuram arrancar a alma consigo.
Se a alma for mais forte que a matéria, ela a pressiona e a domina. A matéria sendo vencedora sobre a alma, esta sucumbe e sendo a própria vida, sente e sofre dolorosamente o peso mais vio- lento da morte da matéria, o que em si é a morte espiritual.
Se em tal aniquilamento a alma fosse insensível, ela estaria ir- remediavelmente perdida para sempre. A crescente sensação dolorosa da pressão a obriga a se defender constantemente e a lutar contra a matéria. Deste modo, sua força está sendo exercida e mais fortalecida.
Assim sendo, a alma poderá, através do tempo, se tornar ver- dadeira vencedora sobre a matéria e alcançar a liberdade da vida eterna, do mesmo modo que a matéria da pedra, no decorrer do tempo, é pressionada pelo peso latente e sensível, e finalmente for- çada a fugir em estado dissolvido. Então tal força se tornará livre e unida com a força universal — o que também ocorre com o vento, onde o vencido finalmente se torna vencedor.”
TRILOGIAEMTODASASRELAÇÕESDAVIDA:HUMANO-NATURAL, HUMANO-ESPIRITUAL EHUMANO-DIVINO.AINSONDABILIDADEDOSÚLTIMOS SEGREDOS
Nesta altura, Henoch pergunta a Lamech se ele havia en- tendido as suas palavras e ele responde: “Sim, graças ao Senhor não surgiu nenhum ponto que eu não compreendesse. Mas se com rela- ção à capacidade de sofrimento da alma e o que vem a ser a própria dor ainda houver algo a abordar, gostaria que prosseguísseis em tua dissertação.”
Como tal convite fosse do Agrado do Senhor, Ele pediu que Henoch continuasse, dizendo: “Lamech, todas as relações de nos- sa existência têm três aspectos: natural, espiritual e divino. As duas primeiras podem ser registradas por nós, mas a terceira não, por- que é infinita e puramente divina. Como somos criaturas finitas, impossível é vislumbrarmos e tocarmos as infinitas profundezas e alturas de Deus.
Por este motivo pode o homem, se for inteligente, responder duas perguntas acerca de sua própria natureza e suas condições; mas a terceira ele jamais poderá responder, pois sua resposta se oculta na profundeza indizível e eternamente incompreensível de Deus e jamais conseguiremos decifrá-la.
Eis a razão pela qual nada mais poderá ser ventilado de nossa parte com relação à capacidade da alma sentir dor. Creio sabermos o que necessitamos e convém entregarmos a terceira parte ao Senhor. Através da experiência, sabemos que somente a alma, princípio bá- sico da vida no homem, pode e deve possuir a consciência de si própria, e assim sendo, também é detentora da sensação vital que inclui a sensibilidade da dor.
Se isto é de nosso conhecimento total e perfeito, estamos supridos e podemos facilmente organizar nossa vida de forma a não termos de nos defrontar com a desagradável capacidade de sofri- mento físico. O que concerne a capacidade viva do espírito, ou seja, a dor ou a sensação, o que corresponde à força vital em sua base eterna, deixemos por conta do Senhor, Cuja Presença nos torna feli- zes e vivos. Convém agradecer-Lhe por tudo que recebemos e ainda receberemos.”
OREILAMECHÉCONSAGRADOPARA SUMO
SACERDOTE. O SENHOR PROMETE SUA CONSTANTEPRESENÇANO TEMPLO
Após Henoch ter terminado sua explicação, Lamech se ajoe- lha perante o Senhor e agradece com efusão por todas as graças rece- bidas, pedindo também que continue sempre junto dele. O Senhor faz com que se levante e diz: “Meu filho, olho somente teu coração e não os teus joelhos. Se ele estiver em ordem, todo o corpo tam- bém estará. Sinto grande alegria contigo e te consagro para sumo sacerdote.
Durante esta noite te demonstrei os vários graus de Minha Sabedoria verdadeira e interna. Com isto este templo construído por
tuas mãos e entendimento tornou-se um templo da sabedoria, onde o homem da Terra se deve recordar sempre que Eu, Criador de Céus e Terra, ensinei-te Pessoalmente neste local e repousei contigo nos degraus do altar, consagrando-os para degraus evolutivos nos quais o homem deve vislumbrar sua nulidade diante de Mim na contempla- ção serena de seu espírito. Se isto tiver feito, terá ipsofactooferecido a Mim um sacrifício justo e agradável, conforme acabas de fazer do fundo de teu coração.
Como isto ocorreu diante de todos, que todavia desconhe- cem Quem Sou, deves te dirigir ao portal do templo no momento em que o primeiro raio do Sol começar a corar os picos das monta- nhas e transmitir-lhes abertamente que Eu Me encontro aqui. De- vem se unir ao redor do templo, mas não entrar nele.
Em seguida passarei um Ensinamento muito importante ao povo que Me seguiu com amor e desejo de conhecimento, muito embora não Me conhecia; tanto mais o fará em espírito quando Me reconhecer. Já está começando a clarear no Oeste e deves te preparar para a primeira tarefa a Meu serviço. Como Me pediste permanecer contigo, afirmo: Onde estiver o servo fiel do Senhor, Ele Mesmo estará por perto; e onde estiverem os filhos, também estará o Pai.
Hás de Me encontrar sempre nestes degraus; ainda que não Me vejas com olhos físicos, Me ouvirás todavia na Palavra viva. Eis uma grande Promessa dirigida a ti; vai realizar tua tarefa.”
ASVISITAÇÕESVISÍVEISDE DEUS
Dirigindo-se à entrada do templo, Lamech faz o seguinte pronunciamento ao povo: “Uma Graça e Misericórdia infinitas dos Céus de Deus nos foram conferidas e jamais poderemos agradecer ao Senhor por tudo que nos deu. Ontem ouvistes o sábio que des- pertou grande admiração em virtude de Suas Palavras profundas. Mas ninguém sabia de Sua Origem e até agora perdura essa dúvida.
Com exaltação íntima perguntais qual seria a finalidade desse acontecimento, e eu vos digo que se prende a algo maravilhoso sobre
a Pessoa Dele e é preciso muita calma para vos integrardes desse fato. Estivestes presentes à inauguração do templo a fim de ser abençoado vivamente com o Nome Supremo de Jehovah e com isso encobrir meu grande pecado referente a Esse Nome.
Ainda estais lembrados Quem, ao lado de Henoch, surgiu qual Mensageiro dos Céus? Dizeis ter sido um Enviado poderoso das Alturas de Deus. Mas Quem foi o Pobre que chegou à noi- te e a Quem meus empregados impediram de entrar, obrigando-
-me a evitar maus tratos e finalmente conseguindo conduzi-Lo à minha mesa?
Muitos alegam ter sido Deus, o Onipotente; outros não con- seguiram acreditar inteiramente que aquele Pobre fosse Jehovah em Pessoa. Destemodo se manifesta vosso coração e se torna difícil fa- lar-vos de coisas elevadas, pois ainda não tendes a devida maturidade para compreender Quem é Deus e de que maneira Ele Se dirige a Suas criaturas e filhos.
É preciso saberdes que Deus voltou junto de nós na figura daquele sábio a fim de nos procurar, atrair e conduzir para Ele e junto Dele. Preparai-vos, pois Ele se manifestará dentro do Templo. Ninguém se atreva a colocar os pés no limiar, pois o Templo é sagra- do em virtude da Presença do Senhor. Felizes os que ouvirem Sua Voz e Lhe derem ouvidos.”
HENOCHEOSDOISLAMECHESCONVOCADOSPARA GUIAS DO POVO
A esse pronunciamento, Lamech volta ao Templo e diz: “Se- nhor, acabo de externar Tua Santa Vontade a todos os irmãos. Quei- ra aceitar esse meu povo como se representasse algo para Ti, e que Teu Amor e Sabedoria possam corrigir meus grandes erros pratica- dos contra Ti e meus irmãos.”
O Senhor o interrompe e diz: “Quem como tu reconhece seus pecados, já foi perdoado, apresentando-se qual estrela matutina diante de Mim como mensageiro luminoso do Sol prestes a surgir.
Falaste segundo Minha Vontade e Eu Me revelarei a teus irmãos como Senhor e Criador de Céus e Terra, e Pai de todos os Meus filhos verdadeiros.
Vós, Meus três queridos, acompanhai-Me ao limiar do Tem- plo testemunhando como Eu vos escolhi entre milhares para guias originais de todos os povos, tanto no planalto quanto nas planícies.
Eu encaminhei apenas três tribos: Caim, Meduhed e Sihin, pelas quais não necessitais cuidar. Todos os demais povos são en- tregues em vossas mãos para que sejam conduzidos ao caminho que leva eternamente à Vida de Meu Amor imutável liberto e bem-
-aventurado.
Não vos preocupeis com as três tribos afastadas, para as quais também determinei guias sábios e justos que as conduzirão até o umbral da Casa Eterna e Santa onde costumo permanecer com todo Poder e Força de Meu Amor.
Meus três filhos queridos, assim como Eu vos amo acima de tudo, dando preferência e valor maiores a vós que a todos os Céus e mundos, também deveis amar sempre vossos irmãos, pois são iguais a vós, Meus filhos. Tanto vos amo que deixaria Minha Vida para projetá-la para vós, se tal fosse possível e necessário. Não julgueis vossos irmãos, pois também Eu não quero julgar a ninguém, senão dar a cada um vida de Amor libérrimo. Eis Minha Vontade que de- veis respeitar. Agora segui-Me ao umbral do Templo.”
TRANSFIGURAÇÃOEDESAPARECIMENTODO SENHOR
O Senhor, Henoch e os dois Lameches se dirigem ao limiar, mas quando Ele Se apresenta de vestes alvas qual neve, e Seu Rosto, Mãos e Pés brilham mais fortemente que a luz de milhares de sóis
— o povo cai ao solo bradando: “Jehovah Zebaoth, tem piedade conosco e não nos castigues por causa de nossos pensamentos, de- sejos e ações.”
Fazendo com que a Luz volte a Seu âmago, o Senhor diz para a multidão: “Eu, vosso Deus, Criador e Pai, não vim para julgar e
punir, mas despertar os guias certos, que vos levarão com vossas fraquezas aos caminhos do verdadeiro Reino da Vida eterna. Levan- tai-vos e não temais vosso Bom Pai.”
Todos se põem de pé e fitam admirados o Senhor, Cuja Face Se apresenta sem brilho e com a maior amabilidade, e Cujas Vestes Se transformam do branco ao azul celeste. Em silêncio perguntam: “Porventura és Aquele Cuja Luz poderosa nos atirou ao solo — ou colocaste um arcanjo em Teu lugar?”
O Senhor então responde: “Por que não preferis reconhecer-
-Me, vosso Pai, segundo Meu Grande Amor, em vez de fazê-lo em virtude de Minha Luz? Não seria o Amor mais importante que a Luz? Quando Me apresentei em Minha Luz, caístes fulminados por terra. Tão logo ocultei a mesma e vos falei com Meu Amor, come- çaste a duvidar de Mim.
Eu, o Próprio Senhor, Deus e vosso Pai, declaro que não sou um Representante Dele, mas Ele Próprio, e faço essa assertiva para vos certificardes do que fiz para vossa bem-aventurança em espírito. Inspirei entre vós professores muito sábios. Prestai-lhes atenção e segui seus conselhos no rigor, na alegria e na dor da vida, e assim se- guir-Me-eis e Eu estarei perfeitamente Vivo convosco e em espírito com os que designei em vosso benefício.
Henoch, Lamech das planícies e Lamech do planalto, sois nesse instante unidos a Mim para testemunhardes de Minha Presen- ça. Sois munidos de todo o poder e força de Meu Amor, podendo agir com tal força até o vosso desprendimento desta casa e o ingresso naquela em que habito Pessoalmente.” Com essas Palavras o Senhor desaparece e todo o povo chora e ora para Deus.
ORIGEMDAPEDRA FILOSOFAL
Passada uma hora de grande silêncio, Lamech se vira para Henoch dizendo: “Como aqui tudo está dentro da Ordem e da Von- tade de nosso Criador e Pai, podemos voltar à cidade para tratar dos preparativos referentes a essa orientação.”
Concorda Henoch: “Assim será, pois a salvação e a luz nunca chegam cedo demais para junto dos povos. Resta apenas fazer uma prova visível da Presença do Senhor a fim de que nossos descen- dentes se recordem que Ele Próprio abençoou este Templo para a sabedoria do espírito humano. Vamos buscar sete pedras brancas do tamanho de uma cabeça humana e colocá-las no degrau do altar onde o Senhor repousou e nos ensinou durante toda a noite a verda- deira sabedoria do espírito para a Vida eterna, livre e perfeita.”
Sem demora, Lamech transmite esse desejo para Mura e Cural, que se dirigem a um ponto da montanha onde se encontra quantidade de pedras brancas que não foram aproveitadas na cons- trução do templo. Escolhem as mais bonitas e limpas e levam-nas ao Templo. Henoch então diz para Lamech: “Somos apenas cinco. Manda se aproximarem mais dois homens e cada pedra deve ser gra- vada com os nossos nomes e depois colocadas no degrau do Templo. Em seguida as tocarei em Nome do Senhor e deste modo hão de irradiar uma constante força aos que as tocarem, manifestando-se com sabedoria.”
Isso é feito imediatamente e é de fato a origem da “pedra fi- losofal”, e a força deste local conservou-se segundo Minha Vontade até a época dos profetas de Israel. Neste mesmo monte Saul recebeu o dom da profecia por certo tempo, levando o povo a perguntar: Porventura também Saul faz parte dos profetas?
Uma vez colocadas as pedras no devido lugar, Lamech diz ao povo ter chegado a hora de partir para a cidade.
AORGANIZAÇÃODIVINADOESTADOEDACIDADEDE HANOCH
Chegando à cidade, Lamech tomou as providências neces- sárias para transmitir a notícia dos milagres de Deus às dez cidades adjacentes e facilmente alcançadas por caminhos retos. Uma vez os mensageiros tendo partido, Lamech ordenou com ajuda de Henoch a manutenção de guardas para o Templo e uma moradia constante
e espaçosa, por intermédio de Mura e Cural, e isto é feito dentro de três dias.
Deste modo a cidade de Hanoch se encontrava numa per- feita ordem e o povo só devia respeitar o Mandamento do amor a Deus e ao próximo. A impudicícia era declarada um grande mal que destruía a alma do indivíduo e todas as suas forças. Outros males não eram extirpados por leis, mas professores mostravam claramente as consequências nefastas que resultariam de sua inobservância.
Com o tempo, tanto os homens mais fortalecidos espiritual- mente quanto as mulheres mais compreensivas descobriram que os ensinamentos recebidos começavam a se confirmar neles mesmos. O benefício espiritual e popular baseava-se portanto na educação sábia dos homens. Mas, o futuro demonstrará claramente o que afastou os homens de Mim, provocando o dilúvio, pois através do aprisionamento do livre arbítrio passaram ao poder do grande ini- migo da vida.
Durante a regência de Lamech, tanto os planaltos quanto as planícies se encontravam tão perfeitos como a Ordem dos Céus. Se naquele tempo a serpente se tivesse submetido à ordem, a Terra teria voltado ao antigo Éden. Mas ela dentro em breve se arrependeu de ter aceito parcialmente as Minhas Condições, de sorte que começou aos poucos a aplicar suas maquinações antigas e maldosas.
Se ela durante setecentos anos tinha testado as criaturas para o bem, passada essa época suas provações mudaram totalmente de caráter: tornaram-se maldosas e cada vez mais astuciosas, e a huma- nidade deixou-se aprisionar de livre vontade. O futuro o demonstra- rá mais nitidamente; por isso, passados os três dias, Henoch voltou ao monte, acompanhado de Lamech e de outros homens de respei- to, para conhecerem Adão e Eva.
Henoch segue o mesmo caminho que passa pela grota fatí- dica. Quando a caravana lá chega, ele para e transmite a Lamech em poucas palavras o fenômeno estranho que ocorrera na presença dele e seus companheiros durante a primeira volta à casa. Lamech se admira muito, mas não demora a se apavorar diante das chamas que irrompem com furor do centro da grota.
Henoch o anima dizendo: “Vê os teus companheiros que também assistiram a essa aparição sem se descontrolarem, pois con- sideram tal fantasmagoria com a maior calma e convém que faças o mesmo.” Lamech se acalma, fitando as labaredas que se alastram e sobem a considerável altura. Passado algum tempo, ele diz para Henoch: “Presumo sermos obrigados a encetar outro caminho para chegarmos ao cume, pois por esse fogo crescente dificilmente haverá uma passagem.”
Henoch protesta dizendo: “Desconheces a natureza desse in- cêndio, mas eu conheço muito bem sua origem, pois se quiséssemos, as labaredas teriam que se apagar pela Vontade do Senhor. Mas o incêndio tem que continuar por algum tempo para que essa grota seja destruída, e além disso o autor original da mesma receba o justo castigo. Sabes que o espírito é sensível à dor. Quando as chamas tive- rem prestado seu serviço, o espírito reacionário contra Deus terá que se apresentar para receber uma severa admoestação e uma proibição eficaz de jamais atacar um viandante em seu caminho.”
Mais calmo com essa explicação, Lamech diz: “Se assim é, eu não me impressiono com o fenômeno, mesmo que dure um dia inteiro, muito embora fosse preciso permanecer nesse horrível local. Se tal abuso não fosse impedido, ninguém escalaria o caminho para o pico.” Aduz Henoch: “Sê confiante, pois neste instante será levado a bom termo esse velho abuso e hás de ver a memorável solução.”
Em seguida Henoch se vira para a grota em chamas, ergue a mão direita e diz com voz possante: “Habitação tenebrosa da morte, do antigo inimigo de toda vida e miserável desprezador de Deus, entrada infernal que leva ao abismo dos abismos, natural e espiri- tual! Como servo e filho de Deus te ordeno tua queda total, cuja destruição preencherá todas as galerias, precipícios e recifes, levando teu antigo habitante a fugir qual covarde ladrão da casa que açam- barcou para si! Meu Deus e Santo Pai, que tal aconteça em Teu Santo Nome, em benefício futuro de Teus filhos neste solo de ensi- namentos de provação!”
Nem bem Henoch termina de falar, tudo desmorona com estrondo pavoroso e do abismo ainda se ouve por algum tempo um eco surdo provando a dupla destruição. Em todo o planeta não ha- via um ponto em que tal desmoronamento não tivesse sido regis- trado, levando as criaturas daquele tempo a um enorme pavor, mas benéfico à sua alma e vida espiritual, pois eram poucos os sábios que conheciam seu significado e motivo.
Tal ocorrência extraordinária provoca o total descontrole de Lamech. Medo e susto se apossam de sua alma, levando-o a tremer em todas as fibras e nervos, acompanhando o tremor da terra. Os seus demais acompanhantes — com exceção de Henoch — se sen- tem apavorados não obstante sua coragem e não houve quem se atrevesse a encetar uma palestra com Henoch.
Este consola a todos e demonstra, especialmente a Lamech, que qualquer pessoa estaria em condições de realizar tal fato em época e local certos, segundo a Ordem do Senhor. Aos poucos, todos voltam ao estado normal, e como um forte vento rapidamente leva os vapores que sobem daquele lugar e Lamech descobre um planalto extenso e sólido, ele se alegra e louva a Deus por ter dado ao homem tal poder.
Nem bem os vestígios principais desse pavor se apagaram, algo diferente se apresenta diante dos olhos de todos, apossando-se totalmente de suas almas: a aparição tenebrosa de Satanás.
Quando Lamech e seus amigos se defrontam com o grande inimigo da vida, sua figura horrível e incandescente, sua cabeça que exala vapores e as serpentes que a envolvem no lugar de cabelos, que procuram atingir as pessoas com suas setas lançadas em todas as di- reções — ninguém sabe o que fazer de tamanho pavor.
Com toda a calma, Henoch os deixa neste fútil pavor e só depois de algum tempo diz a Satanás, com grande rigor: “Inimigo do Senhor, de Deus e de Seus filhos, em que situação se encon- tra tua vontade, tua memória e obediência a Deus? Qual foi tua promessa em minha presença, feita a Deus quando te fez castigar pela mão de Kisehel? Julgas que a memória de Deus e a minha são tão fracas quanto a tua? Em Nome do Altíssimo afirmo que te enganas muito.
Muita coisa o Senhor falou Contigo e tu prometeste condu- zir Seus filhos apenas para o bem, através de provações e experiências ordenadas. Como se apresentou tua promessa em apenas poucos dias? Esqueceste completamente teu Deus, tua promessa e as duras punições, e querias aqui provocar nosso extermínio pela grande ira de teu fogo destruidor, muito embora soubesses quem sou e quem são esses meus irmãos. Não somente querias nosso extermínio, mas vendo que destruí tua habitação fantasmagórica que te puniu sensi- velmente, tens a ousadia de te apresentar num estado como se qui- sesses tragar a nós todos.
Servo miserável de tua própria destruição e morte! Pretendes desafiar a Deus e a mim, seu servo — a Ele, Que te poderia destruir com um simples Hálito! Em virtude da Força Infinita de Deus que ora habita em mim para teu castigo, exijo saber tua intenção verda- deira e o que pretendes realizar finalmente.
Se quiseres reagir, hei de te punir em Nome Dele a ponto que a Criação total estremecerá em suas bases, não continuando intacta uma pedrinha sequer como prova de minha ação para contigo.”
Satanás então começa a tremer e diz: “Henoch, reconheço teu poder e minha total impotência diante de ti, que és servo fiel do Senhor. Poupa-me a confissão e o castigo merecidos, e determina um local onde poderei ficar para não prejudicar as criaturas desta Terra, e eu me submeterei ao teu pronunciamento.”
Henoch porém persiste em sua exigência, ordenando a Sata- nás mais enfaticamente a declarar qual sua intenção básica. Satanás então começa a empinar e reagir, não querendo expressar o que He- noch lhe exigia com tanta insistência.
SATANÁSDETURPAAPROMESSADO SENHOR
Henoch continua a exigir pela terceira vez de Satanás que desvende suas intenções cheias de maldade e astúcia. Eis que ele então diz: “Ouve-me, servo orgulhoso de Deus na Terra, simples po- eira da matéria! Tenho o poder de ficar devendo resposta a qualquer pergunta do Criador de todas as coisas, Ele, Que me deu um corpo indestrutível dotado da maior sensibilidade, podendo me atirar à mais terrível chama central de Sua Ira como punição; e tu, que nem mereces ser chamado de um átomo de poeira, queres me obrigar — a quem está submissa toda a Criação — a revelar-te meus planos fixados desde eternidades?! Infeliz verme do pó!
A um aceno meu todos os elementos estarão ao meu serviço e a Terra será tragada pelo fogo ou pelas águas. Com um simples sopro posso apagar o Sol e te mergulhar numa noite eterna; e pretendes obrigar-me a uma resposta por meio de ameaças vãs? És demais mi- serável perante mim para entregar-me a tais ameaças tolas.
Deus Mesmo vale tão pouco para mim que nem me digno a atacá-Lo com meu poder, pois percebo claramente Seu imediato extermínio. O que faria eu então contigo, criatura miserável? Com toda condescendência esclareci que devias desistir de uma resposta e designar-me um local onde deva me dirigir, poupando de minha provação os filhos belos de Deus. No entanto, me enfrentas com uma arrogância ‘onipotente’.
Servo orgulhoso do Senhor! Hei de encontrar um mestre para ti que ficará gravado em tua memória para toda a eternidade! Juro que te espera o extermínio total, e o teu Deus será pregado ao madeiro do qual Ele em vão clamará por socorro. E essa humanida- de será dizimada com fogo e água, desaparecendo qualquer vestígio dela. Tu mesmo não serás morto, para seres testemunha daquilo que acabo de pronunciar com justo ódio. Que desapareça toda a Criação visível, mas eu não deixarei de cumprir uma sílaba de meu pronun- ciamento. Eis minha resposta. Afasta-te com tua corja e nada mais exijas de mim, do contrário farei imediatamente o que pretendo pôr em ação dentro do tempo!”
SATANÁSÉBANIDOAOCENTRODA TERRA
Henoch se levanta, louva a Deus no coração e dirige as se- guintes palavras ao ultrajante da Santidade Divina: “Maldoso blas- femo com pretensão à onipotência! Miríades de anos solares, cada qual contando 28.000 anos terráqueos, foste um apóstata teimoso e rebelde do Senhor. O que não foi feito por parte Dele a fim de con- duzir-te ao caminho justo, não obstante teu livre arbítrio!
Ele criou todos os incontáveis sóis e mundos por tua causa, para que voltasses em qualquer um deles. Em Sua Infinita Miseri- córdia Ele te proporcionou inúmeros meios para que voltasses com facilidade. O Senhor nunca te impôs qualquer limitação.
Sempre que querias um novo sol com muitos planetas, luas e estrelas eruptivas, Deus as criava para ti; podias até mesmo brin- car com Sua Onipotência. Qual foi teu aproveitamento com estas Graças e Imensas Misericórdias? Serviram apenas para a execução daquilo que acabas de expor e o que durante o primeiro encontro ousaste atirar em desafio ao Senhor. Agora, Satanás, ouvirás o que Ele te diz por meu intermédio:
Infeliz blasfemo de Meu Amor, Graça, Indulgência, Miseri- córdia, Paciência, Meiguice e intocável Santidade! Eu, teu Senhor e Deus, juro com todo Poder e Força que acontecerá aquilo que
falaste para tua ruína. Até então Eu não havia fixado uma meta fi- nal, pois dispunhas de términos sem fim e além disto Me mentias desaforadamente, para em seguida escarnecer-Me qual Deus tolo e cheio de fraquezas, como se Eu fosse cego e surdo e não percebesse teus planos. Agora cansei-me de teus delitos e por isto fixo um fim.
Conheces a idade de Adão? (930 anos). Quando esse período passar pela sexta vez, tu e teus asseclas haveis de encontrar no eterno fogo de Minha Ira o prêmio que mereceis. A fim de que venhas a ex- perimentar esse fogo até o fim, deitei nesse momento uma pequena faísca no centro da Terra, criando ainda um forno e uma nova mora- da para essa faísca. Lá serás obrigado a permanecer temporariamente para experimentá-la, e isso se repetirá cada vez que cometeres um delito contra Mim. Agora te ordeno que sigas para lá, pelo tempo que Eu determinar. Que assim seja!”
No mesmo instante o solo se abre até o abismo do qual sur- gem labaredas e Satanás é atirado a ele com gritos horríveis. Em seguida, a fenda se fecha outra vez. Os viandantes louvam a Deus e continuam sua caminhada.
A MANEIRA PELA QUAL UM ESPÍRITO PODE FICARPRESODENTRODA MATÉRIA
Durante a travessia todos comentam aquela cena pavorosa e uma pergunta por parte de Lamech é de grande valia e muito mais a resposta, que não deve faltar neste Novo Livro daVida. A pergunta é a seguinte: “O grande inimigo de Deus e de toda a vida é apenas um espírito. De que maneira pode ele ficar preso na matéria que não existe para ele? Se assim é, de que adianta o aprisionamento de Satanás no centro da Terra?
Sei muito bem que a Onipotência pode algemar e fixar esse velho malfeitor. Todavia, não compreendo que seja necessária uma prisão material no centro da Terra. Peço-te, Henoch, que me escla- reças essa dúvida.”
Responde Henoch sorrindo: “Isso provém do fato que a cria- tura não tem a menor noção daquilo que se encontra diante de seu nariz. Tu mesmo és matéria em virtude de teu físico. Por acaso ele nada representa para teu espírito? Poderia ele se afastar dela quando quiser, de modo natural?
Ele consegue, por amor a Deus, tornar-se aos poucos mestre da matéria, penetrá-la e ser totalmente ativo em todas as partes. Mas abandoná-la, só lhe será possível quando o Senhor assim o quiser.
E se o espírito consegue abandonar a matéria segundo a Von- tade de Deus, ele não o fará qual espírito perfeitamente puro e livre, mas num novo corpo etéreo que jamais poderá deixar. Tal corpo etéreo necessitando de um certo espaço, pode — se for a Vontade de Deus — ser contido pela matéria mais grosseira, mas não deixá-la antes que Ele o queira. E isto porque a matéria em si nada mais é que a Vontade fixada de Deus, portanto se presta a aprisionar qualquer espírito, e não pode ser vencida por coisa alguma senão pela máxima humildade, renúncia de si próprio e o amor a Deus.”
CHEGADAAOCUMEERECEPÇÃOPOR ADÃO
Quando os viandantes chegam à moradia de Adão e dos de- mais filhos, Lamech se extasia sobremaneira porquanto tudo era fei- to por meio das árvores, enquanto as construções em Hanoch eram feitas de barro e pedra. E ao deparar com o primeiro casal da Terra, ele sente uma grande veneração diante da figura gigantesca e de sua idade avançada.
Neste momento Adão descobre a presença de Henoch e o recebe de braços abertos e, não obstante sua fraqueza, é o primeiro a chegar ao cume. Então diz: “Henoch, meu caro filho, quantas ve- zes vim até aqui à tua espera! Sê bem-vindo mil vezes! Tu também, Lamech, filho de Matusalém, aceita minha bênção! Com frequên- cia tua esposa Gemela olhava as planícies pedindo que o Senhor te abençoasse. Lá vem ela saindo da cabana de Jared ao teu encontro.
Corre tu também, pois não houve mulher que amasse tanto seu marido como ela.”
Só então Adão percebe os outros hóspedes e pergunta sobre sua procedência. Aqueles estão por demais emocionados, de sorte que Henoch lhe dá as informações desejadas. Adão os abençoa a todos e os convida à sua morada.
DISCURSOHUMILDEDOREI LAMECH
Uma vez dentro da espaçosa cabana de Adão, onde os empre- gados de Seth já haviam providenciado os melhores frutos, todos se acomodam junto aos cestos e começam a se saciar. Como Lamech não consiga participar devido ao grande respeito a Adão, este per- gunta qual o motivo.
Lamech então diz: “O pensamento de que és o pai de Caim, cujos filhos e netos de há muito faleceram, e diante da genitora dos que viveram e ainda vivem, me impede ser alegre como os demais, que de fato nunca foram pecadores contra Deus e tu. Eu, até algu- mas semanas atrás, fui um monstro que nada fez para sua regenera- ção, pois foi a Misericórdia Divina que agiu por mim.”
Adão o interrompe e diz: “Pobre filho de meu primeiro fi- lho Caim. Confesso que nunca ouvi tais palavras por um de meus descendentes. Ainda assim sou obrigado a te dizer que tua enorme veneração diante de mim, pai da humanidade, é bem fútil. Sou um homem como qualquer outro; não faz diferença se fui gerado ou criado diretamente por Deus, pois o ser criado no ventre materno também o é por Deus.
Todos nós sabemos que foste pecador, mas não ignoramos que te regeneraste pela Graça de Deus e que tudo te foi perdoado. Assim sendo, nós também te perdoamos e não há motivo para não seres ale- gre. Serve-te à vontade, pois tenho muita coisa para te mostrar.”
Dispensa repetição dos fatos históricos referentes a Mim — Jehovah — o sonho de Kenan, etc.; todavia é importante que Adão relate a Henoch o matrimônio de Purista com Mutael, explicando: “Durante tua ausência de cinco dias fui procurado por Mutael, que havia feito uma pergunta ao Senhor a respeito do amor entre casais. Após ter recebido resposta importantíssima, ele me procurou para externar seu forte amor para Purista e pedindo meu consentimento para a união de ambos. Não lhe dei resposta e aconselhei que entre- gasse seu pedido ao Senhor e a ti logo que voltasses. Que te parece? Convém satisfazermos o pedido ou deve ser considerado em outra oportunidade?”
Retruca Henoch: “Até agora o Senhor não me deu ordem alguma neste sentido. Penso que se Mutael aceita o espírito de meu filho Lamech, esposo de Gemela, e nos promete não se aproximar de sua esposa até que o Senhor o permita, podemos conceder-lhe esse desejo. Ele se achando por demais fraco para cumprir tal exigência, é claro que não podemos entregar o Parecer do Senhor nas mãos da fraqueza humana.
De qualquer modo acho mais aconselhável Mutael não se adiantar ao Senhor em assunto qualquer, pois Ele submete a for- te teste aquele a quem pretende dar muito. Por isto deve Mutael entregar seu grande amor a Deus, nada mais querendo senão Ele, e deste modo proporcionará ao próprio espírito a maior liberdade pela renúncia, e o Senhor há de lhe dar o que deseja quando for um benefício para sua alma.”
Diz Adão: “Tens plena razão; tão logo ele voltar externarei tal condição e por enquanto não se fala mais no assunto com Purista. Vamos subir ao cume e observar a grande Bondade e Onipotên- cia de Deus.”
Chegando àquela imensa altura, Lamech e seus companhei- ros veem pela primeira vez o oceano e não conseguem desviar o olhar daquelas águas imensas que parecem unir-se com o céu. Te- riam continuado nesse êxtase se Adão não chamasse a atenção para os cones a cuspirem água. Lamech é incapaz de externar qualquer palavra e só depois de passada uma hora ele se vira para Henoch dizendo: “Para expandir meus sentimentos diante dessas maravilhas seria preciso a capacidade de um serafim ou querubim. De minha parte não desejaria outra coisa senão viver eternamente nesta Terra.
Por onde dirijo o olhar descubro constantemente novas ma- ravilhas. Em direção ao Norte brilha o mar fulgurante que começa aqui, mas se perde no céu infinito. Bem perto de nós estão os sete colossos formados por montanhas abruptas a lançarem verdadeiras colunas d’água ao firmamento, onde são destroçadas e caem quais estrelas ao solo, fornecendo-lhe a bênção celeste. Não posso pros- seguir a falar das demais incontáveis maravilhas e prefiro gozar a Criação de nosso Santo Pai.
Tu, Senhor, Que ainda ontem nos ensinaste tão elevadamen- te a Tua Sabedoria e Infinito Amor, quão Sublime, Santo, Bom e Poderoso deves ser quando Tuas Obras transmitem tamanha Honra de Ti. Henoch, se Ele, o Criador dessas maravilhas, Se encontrasse em nosso meio, qual seria a situação de nosso coração? Santo, su- mamente Santo é nosso Deus Zebaoth Jehovah, pois Céus e Terra estão plenos de Sua grande Honra. Ó Pai, quem poderia amar-Te condignamente e louvar-Te com justiça?”
Lamech se cala diante de seu êxtase, e Adão e os demais estão comovidos com sua atitude. O próprio Henoch dá honras ao Se- nhor por Se ter apiedado tão intensamente dos que estavam fracos e perdidos, transmitindo-lhes agora tanta energia através de Sua Gra- ça. Assim, todos ficam ali até meia-noite.
Em seguida, Adão se levanta, abençoa toda a região e diz: “Meus filhos, nossas almas se fortificaram com o alimento puro do Pai, por isso Lhe agradecemos com respeito e veneração. Acontece que também o físico necessita de suprimento e convém encetarmos a volta com esse luar maravilhoso e tomarmos também as necessárias providências para o repouso em leitos de folhas aromáticas. Seth, vai em frente pois conheces o melhor caminho.”
E assim foi. De manhã cedo, Adão é o primeiro a se levantar e desperta os companheiros de Lamech. Virando-se para Henoch ele pergunta se é conveniente convidar-se os filhos para o sábado que devia ser considerado no dia seguinte.
Este responde: “Como essa cerimônia tem mais o aspecto fú- til do que cerimonioso, deixaremos de fazer convite especial. Quem quiser vir receberá a bênção do sábado. Não sentindo vontade para tanto, não haverá coação, principalmente agora em que daríamos impressão diante do Senhor de alguma vaidade perante os filhos das planícies.”
Satisfeito com o conselho de Henoch, Adão resolve visitar com o grupo outros pontos importantes e manda preparar o desje- jum, convidando-os depois ao passeio para a conhecida grota.
VISITAÀGROTADE ADÃO
Quando chegam à referida grota, Lamech se extasia nova- mente: “Seria isto também obra humana? Parece impossível, pois esse esplêndido templo natural é feito de uma só peça. Não se conse- gue descobrir uma emenda, muito embora dê impressão de ter sido construído de todas as qualidades de minerais.
Aqui lampeja uma parede feita de colunas de rubis qual ma- ravilhosa aurora. Ao lado dela, feita de uma só peça, se ergue uma pilastra azul-celeste, de altura gigantesca. Atrás dessa há uma peque- na capela que brilha qual ouro puro mesclado de estrelas multicores.
Esse esplendor maravilhoso quase me sufoca! Lá, no centro desse templo enorme, vejo uma fonte que se projeta a grande altura. Deve, como todo o resto ter surgido das Mãos Onipotentes do Criador.
Senhor, Criador, Deus e Santo Pai! Projetaste tais obras para os corações ingratos das criaturas! Se um homem fútil oferece a uma criatura um ramalhete de flores como prova de seu amor carnal, ela vibra de êxtase e só tem olhos para ele, e a Criação total nada lhe diz sem a presença dele.
O Pai enfeitou a Terra toda com os ramalhetes mais encan- tadores de Seu Infinito Amor e projetou o Universo para nós; no entanto somos capazes de esquecer essa sublime beleza, o máximo Amor e Sabedoria, fugindo Dele quando empolgados pelo amor fí- sico. Ó Terra maravilhosa de Deus, encantadora mãezinha dos inú- meros milagres de Deus! Porventura merecemos que nos carregues no solo diariamente enfeitado pelas Mãos Divinas?”
Muito emocionado, Lamech silencia e Henoch lhe diz: “Ago- ra falaste com base. O homem não merece a Terra quando foge ao espírito para se consolar com as tentações da carne. Continua a falar, pois não sentimos cansaço ainda que falasses durante anos.”
OAMOREGOÍSTAECARNALDO HOMEM
Lamech porém retruca: “Irmão, creio ter falado bastante a respeito da tolice das criaturas; mas se houver algo para ser dito com relação ao seu louvor, peço que o faças. Tuas experiências nas alturas por certo foram outras que as minhas e tens autoridade para um critério justo.”
Diz Henoch: “De fato, nossas experiências são diferentes que as vossas. Todavia falaste certo de um modo geral, tanto para as al- turas quanto para as planícies, pois também lá prevalece a carne. Se perguntares a alguém: O que mais prezas: a matéria ou Deus, teu Senhor, Criador e Pai? — ouvirás a seguinte resposta: Que pergunta mais absurda! Quem poderia preferir a matéria a Deus? Tal pensa- mento já é pecado!
Mas se observares as atitudes de tal pessoa, descobrirás ser ela capaz de palestrar com a maior satisfação sobre assuntos sem va- lor, humanos e materiais. Se começares a dissertar seriamente sobre Deus e as coisas puramente espirituais, verás uma expressão tristo- nha e até mesmo tola que te dirá claramente: Amigo, és uma criatura muito insípida. Fala de outras coisas, pois não entendo assuntos tão elevados que despertam o tédio, aborrecimento e subsequente sono.
Tal respeitador de Deus não será tão duro em suas expressões, mas suas ações, a expressão e os gestos gritarão mais alto que o rugir de um leão esfaimado. Por isso não deves considerar tão formidável a di- ferença entre tuas e minhas experiências, mas colocar em pé de igual- dade as do alto com as das planícies. Fala sem receio, especialmente quando Mutael nos procura com certa intenção. Passemos pela grota e de lá para o Sul, onde verás a maravilhosa Organização de Deus.”
ADMIRAÇÃOPROVOCADAPELABELEZADE PURISTA
Depois de terem ultrapassado a grota, Henoch diz para o grupo: “Na cabana de Purista tomaremos a refeição do Senhor, de- terminada por Ele Mesmo em épocas justas e em benefício de nosso amor e espírito.” Adão concorda, pois em tal oportunidade poderia ser abordado o assunto casamenteiro de Mutael.
Quando chegaram à região Sul, grande número de pessoas cumprimenta os hóspedes e Purista é a primeira a dar as boas-vin- das dizendo: “Veneráveis patriarcas e amigos de Deus Onipotente, certamente viestes com intenções importantes e santas. Por isso seja meu louvor profundo dirigido ao Santo Pai Que habita em Sua Luz eternamente Santa e nos vivifica através de nosso amor a Ele. Minha alma anseia pelas palavras daquele que o Próprio Senhor elegeu para sumo sacerdote. Vinde à cabana criada por Ele Mesmo através de Sua Onipotência, designando-a para o refeitório onde seus filhos devem receber o justo fortalecimento para a Vida eterna.”
Quando Henoch vê a expressão de êxtase de Lamech, ele diz: “Agrada-te essa oradora? Que dizes às suas palavras?” Empolgado
pela beleza de Purista, o outro diz: “Meu irmão, a visão do inimi- go original no local flamejante e destruidor algemou minha língua instantaneamente. Mas a visão dessa filha dos céus parece ter uma influência mais inibidora sobre mim. Tamanha beleza unida a um amor e sabedoria tão grandes ultrapassa o que um pobre pecador possa suportar eternamente. Poupa-me qualquer determinação e critério, pois tenho que me habituar a essa maravilha.”
Diz Henoch: “Muito bem, na cabana da Glória do Senhor tua língua há de se soltar.” Purista então conduz todos à cabana e coloca lenha fresca no fogão do amor.
QUEIXAS DE PURISTA ÀS PERSEGUIÇÕES AMOROSAS DE MUTAEL
Terminados tais preparativos, Purista diz para Henoch: “Te- nho que relatar-te o que ocorreu aqui. Deves estar lembrado de que o Senhor fez uma promessa a Mutael no sentido de que eu seria sua esposa quando isto fosse do Agrado do Pai. Por isso Mutael anda me perseguindo constantemente, exigindo de mim um assentimento.
Quando lhe digo que deve se prender à Palavra do Senhor e não exigir de mim qualquer promessa, ele começa a se lastimar dizendo: Assim são as moças quando o pretendente não lhes agrada. O Senhor jamais haveria de me coagir caso eu mesma não estivesse concordando, e por isto eu o recomendava ao Senhor, porque não gosto dele.
Essas e outras são suas ladainhas; dá-me um conselho para sa- ber como agir. Por acaso não pequei ontem ao recusá-lo com energia dizendo-lhe: ‘Já que te tornas inconveniente, digo com sinceridade que alimento verdadeira aversão contra ti e jamais hás de me afastar do Senhor. Se deres mais um passo nessa tua paixão, hei de jurar diante do Senhor que ficarei solteira por amor a Ele.’
Minhas palavras provocaram tamanho choque, que Mutael se afastou choroso e pelo visto vos procurou no cume da montanha.
Henoch, sublime servo do Senhor, dá-me um conselho certo e um consolo em Nome Dele.”
Responde Henoch: “Dir-te-ei claramente qual a situação nesse caso. O Senhor prometeu a Mutael que serias sua esposa e isso já aconteceu espiritualmente. Apenas protelou a bênção cor- poral para determinada época e isso te foi revelado intuitivamen- te por Ele.
Quando Mutael te procurou e te deu a entender tal desejo e tu lhe dando um olhar muito expressivo, toda sua sapiência se evaporou e ele se enterrou em teu afeto, não querendo sair desse estado. Esse teu pequeno deslize hás de corrigir pedindo ao Senhor que abençoe Mutael e o guie pelo caminho da salvação.
De modo algum deves desprezá-lo, pois um homem empol- gado com a promessa do Senhor é fortemente abençoado. Serve-lhe para seu aperfeiçoamento o fato de o Senhor o testar um pouco. Mas tu não deves menosprezá-lo, tampouco tentá-lo. Agora fala- rei com ele.”
MUTAEL,APAIXONADO,ÉCURADOPOR HENOCH
Depois de Purista ter voltado junto ao fogão e Lamech se entreter a comentar opiniões acertadas a respeito dela, Mutael entra todo esbaforido, dá uns passos em direção de Henoch e o fita sem falar. Este, levantando a mão direita, diz: “Ouve, espírito mudo da carne, que prendeste esse homem pleno da promessa do Senhor, or- deno-te, pelo Poder de Deus, que te cales e abandones essa criatura.”
No mesmo instante, Mutael dá conta de si e diz: “Que se passa comigo? Tenho a impressão de ter corrido para cá em virtude de minha grande paixão por Purista. Mas ela aqui ao meu lado me é tão indiferente como se não existisse.
Recordo-me perfeitamente que comecei a amá-la com gran- de paixão após a promessa. Agora só existe a promessa dentro de meu peito, como uma Palavra do Pai. Como foi possível dar-se ta-
manha modificação? Confesso sinceramente que toda a Terra com suas maravilhas me valem tanto quanto uma noz.
Também tu, Henoch, representas somente algo condizente ao Amor do Senhor e todo o resto me vale tanto quanto aquilo que é. Em tudo vejo o Amor Criador, o Zelo e o Trabalho do Pai e por isto não posso amar as criaturas e coisas que O preocupam. Amo apenas a Ele. Também preferiria não existir, porque dou trabalho a Ele. Mas, se não existisse, também não O poderia amar. Meu Pai, como foi possível eu amar mais intensamente a Purista que a Ti?”
Todos se assustam com as palavras de Mutael, e Purista co- meça a chorar e amaldiçoar seu olhar encantador com o qual tanto magoou Mutael, julgando tê-lo perdido. Adão não tem a menor ideia para encetar uma discussão e Lamech das planícies diz per- plexo para Henoch: “Conforme andam as coisas, vejo que não terei muito a dizer para este homem.”
Aduz Henoch: “Não te preocupes. Só quando o reverso da medalha for apresentado terás motivo de sobra para falar. Ago- ra trata-se de Purista corrigir o que ela, inconscientemente, fez a Mutael.”
TRANSFORMAÇÃO DE MUTAEL E REMORSO DE PURISTA
Só agora Adão percebe a situação e diz para Henoch: “Que se passa? Mutael, que julgava encontrar em Purista o Céu dos céus e predizia que a manutenção da humanidade dependia da união de ambos, tornou-se totalmente indiferente aos seus encantos. Que aconteceu com ele?”
Diz Henoch: “Farei com que ambos se manifestem e poderás deduzir pessoalmente qual o motivo dessa modificação.” Virando-
-se para Purista, Henoch prossegue: “Querida, dize-me se te agrada Mutael e se estás satisfeita comigo por ter alterado sua atitude atra- vés da Graça do Senhor. Antes mantinhas uma queixa justa contra ele; portanto tens que me dizer se ele te agrada mais agora.”
Totalmente embaraçada, Purista não sabe o que dizer. Muta- el, ao lado dela, diz sem refletir muito: “Acho que nesta Terra tudo tem seu tempo. A tolice, a sapiência, o amor, a tentação e a vontade de união. Assim aconteceu comigo quando me apaixonei por ela.
Como os tempos mudaram e nós nos encontrarmos dentro deles, poderíamos permanecer sempre iguais? A própria Terra dança em torno do Sol. Onde estaria o sábio entre nós que não acompa- nhasse diariamente esse ritmo? Até mesmo no sono sou obrigado a participar dessa loucura.
Por isso se entende que eu me empolgasse diante de uma moça de olhos sedutores. Todos nós sabemos que as nuvens úmidas conseguem refrescar o poderoso calor solar. Então deve haver um meio pelo qual um homem consegue abrandar sua tola paixão. Re- cebi pela Graça do Senhor tal recurso, e agora os dois sóis de Purista não me perturbam mais. Com isto se deu uma mutação do tempo dentro de mim e revivo sentindo que o homem renascido bem pode viver sem Purista.”
Tais palavras partem o coração de Purista que começa a chorar amargamente e diz: “Se o prometidousa de tais expressões quando se trata de assunto de grande seriedade, quais seriam as dos nãoprometidos?Ó Mutael, será que não tens mais coração que me perdoasse?”
DISCURSOPOSITIVODE MUTAEL
Virando-se para Purista, Mutael diz: “Por que te queixas con- tra a Ordem Divina? Andei apaixonado e tu me recriminavas. Agora sou frio, e também te queixas. Por acaso devo me manter entre pai- xão e indiferença, portanto morno? Como não sabes responder, eu o farei diante de Deus e de todos os patriarcas.
Se sou como o Senhor quer, minha atitude deve ser justa. Se sou apaixonado, isto está na Vontade Dele; se sou frio, também Ele assim o quer. E se fosse morno, eu não o seria sem Aquiescência do Senhor, muito embora seja ciente de que a dubiedade não se
encontra registrada na Ordem das coisas divinas, razão por que Ele certamente não me deixará sucumbir na tibieza.
Se tens justa confiança no Senhor e Pai de todas as criaturas, como podes me procurar chorosa e vacilante como se eu algo tivesse a perdoar-te? Porventura o Senhor não fará apenas o que Ele quer, e nos unirá ou separará a seu tempo? Ou acreditas que isto esteja em nosso poder? Nem eu, nem tu, nem Henoch e nem todos os patriar- cas poderão fazer qualquer coisa, pois tudo depende do Senhor.
Se nos amamos com toda a paixão ou se nos evitamos, não há diferença. Se recebemos a promessa, Ele nos unirá, a menos que a promessa seja por ora um teste pelo qual experimentaremos se nosso amor recíproco não é mais forte que o amor a Ele.
Se a promessa deve ser considerada desse modo — o que não duvido um só instante — devo agradecer ao Senhor por ter abran- dado minha paixão despertada por Sua Promessa e por teu olhar promissor, e creio que tu, serva escolhida e pura do Senhor que Ele Mesmo carregou em Suas Mãos, hás de concordar com meu parecer.
Por isso declaro diante de Deus e de todos que se o Senhor não me autorizar definitivamente a tomar-te como esposa, minha atitude para contigo será a mesma que com qualquer jovem não prometida por Ele. No entanto, desejo, como teu irmão, o mesmo sentimento de tua parte que te unirá ao Pai para sempre. Deposita tudo no Senhor, que teu coração receberá a justa calma e consolo. Eis tudo que meu coração devoto a Deus te pode desejar.”
Cobrindo o rosto, Purista se afasta, totalmente tocada pela sabedoria de Mutael e quanto mais reflete, mais acertada lhe parece. Entrementes, Henoch diz para Lamech: “Agora vem tua vez de fala- res palavras da profundeza do amor de Deus na criatura.”
Mutael então se vira para Henoch e diz: “Quem são essas criaturas pequeninas, principalmente esse homem com quem aca- bas de falar? Porventura trata-se de alguns que na época em que o Senhor Se encontrava em nosso meio se atreveram a nos desafiar? Serão talvez seres nascidos em qualquer canto do Norte?”
Retruca Henoch: “Há pouco chamei a atenção ao homem mais indicado que se preparasse para uma discussão contigo. Tu mesmo desejando entrar em contato com homem fisicamente mais baixo, não em sentido espiritual, aconselho que te dirijas a este ao meu lado que também se chama Lamech. Há de fornecer-te a me- lhor informação e estou convicto que ficarás satisfeito com sua pe- quena estatura.”
Julgando fácil a tarefa, Mutael se vira para Lamech e diz: “Criatura extraordinariamente pequena, dize-me tua procedência para saber como me portar junto de ti e dos teus. Não sou igual a um Henoch e todos mais, capazes de olhar no fundo da vida. Por isto me vejo obrigado a perguntar.”
Fitando Mutael com seriedade, Lamech responde: “Tal per- gunta não te honra, embora sejas um sábio do Sul, pois desse modo se fazem perguntas entre os varredores de ruas em minha grande cidade Henoch, que ignoram sua descendência humana.
Um justo sábio deveria saber que seres vivos — mormente se encontrando em companhia de Henoch e estando em condições de palestrar com ele — devem ser considerados algo mais que apenas símios parecidos com gente.
Creio que isto demonstra grande carência de tua sabedoria. Aconselho-te o seguinte: Procura conhecer-te a fundo e só então experimenta uma controvérsia comigo. Agora compreendo muito bem por que te apresentas nos dois extremos com relação a Purista, ora apaixonado, ora frio qual bloco de gelo. Desconheces totalmente
o centro santo da Vida no Amor a Deus e sua aplicação real, pois Purista é pura como ouro — na hipótese que conheças o ouro.
Por ora és apenas um tolo que nem ao menos pressente como
o Senhor educa os homens. Em nome de teu e meu Deus: Vai e reco- nhece a ti mesmo. Depois vem falar comigo, Lamech, o extraordiná- rio homem pequenino que parece ser melhor que qualquer símio.”
NATUREZADAS MULHERES
Tais palavras mostram a Mutael com quem está lidando. Por isso se curva diante de Lamech e, envergonhado perante os patriarcas e Purista, ele se dirige para a porta. Henoch porém o retém dizendo: “Mutael, deste modo nenhum homem abandona uma assembleia como a nossa. Pretendes coroar uma tolice com outra?”
Responde ele: “De modo algum, mas fazer esquecer a pri- meira por meio da segunda. Além disso, Lamech me ordenou que eu fosse embora para conhecer a mim mesmo. Como pode ser tolice se sigo o conselho de um sábio tão irritado? Ou devo entendê-lo de outro modo?”
Obtempera Henoch: “Pareces imbuído de forte presunção só porque o Senhor ventilou contigo algo a respeito do amor feminino. Se fosses uma mulher ignorante e tola que só conhece seus apetites e cuida de satisfazê-los, eu pouco ligaria para tua tolice comedida.
Eis a Atitude do Senhor: Ele Se apossa da mulher que conse- gue amá-Lo sem interferência mundana, e a carrega em Seus Braços, conduzindo-a à sua finalidade mais feliz.
A uma outra que de um modo geral encontra algo de agra- dável e interessante na sapiência mundana Ele deixa sua vida sensu- al, sem preocupar-Se com ela, razão por que dificilmente pode ser socorrida. Muito pelo contrário, passará à impudicícia e adultério como vimos vários casos no Norte, e sabemos que se uma mulher deixou de lado o Senhor por uma só vez, nem por um milagre pode ser salva da queda total. Eis a opinião do Senhor com relação à gran- de leviandade feminina, com a qual concordo plenamente.
Tu não és mulher, mas um homem pleno da promessa di- vina; portanto não te posso deixar partir com tua tolice, mas devo dizer-te: Mutael, fica aqui! Reconhece tua tolice na luz dos patriarcas e aprecia o temperamento de Lamech, pois o Senhor por diversas vezes participou da sua mesa, que é um discípulo formado por Ele Mesmo. Eu e ele nos encontramos em pé de igualdade diante do Senhor, por isso podes suportar algo de sua parte. Aproxima-te dele como se faz com um amigo fortemente testado por Deus, e hás de encontrar sua astúcia muito menos mordaz.”
AVERDADEIRANATUREZADA OFENSA
Quando Mutael se apronta a pedir perdão a Lamech por sua falta, este o interrompe dizendo: “Vejo tua intenção no teu olhar. Mas não posso aceitá-la por três motivos. Primeiro, não me ofen- deste, e isso porque eu e tu acolhemos o Amor do Pai no coração. Segundo, porque um homem justo e devoto a Deus nunca deve aceitar algo como ofensa de seus irmãos. Em cada ofensa se oculta boa parte de orgulho, assim como no ofensor. Deves saber melhor do que nós qual a consideração de Deus a respeito do orgulho. Terceiro, por que vejo em ti a Promessa do Senhor numa plenitude maravilhosa seguida por torrentes infinitas de Misericórdia inacre- ditável de Deus.
Se o Senhor cumula qualquer homem com tamanhas pro- messas, poderia uma pessoa inspirada como eu, pela Graça Divi- na, sentir alguma ofensa? Sei o que pretendes alegar e respondo: Interpretaste minhas palavras erroneamente, dando impressão que me tivesses ofendido. No entanto havia descoberto em ti certa ten- dência de orgulho prejudicial que não se coadunava com a Promes- sa recebida.
Pretendia humilhar-te um pouco, não por minha causa, mas por ti, movido de verdadeiro amor ao próximo. Assim sendo, seria inteiramente impossível tu me ofenderes. A pequena centelha do Amor de Deus dentro de mim cuida que meu coração jamais pos-
sa ofender e magoar alguém, muito menos tu, no qual quero fixar meu laço de amor e amizade. Amo-te, meu irmão! Poderias também abraçar-me com amor, que sou um descendente de Caim?”
Mutael então abre os braços e diz: “Aceita no meu peito a garantia total de que te amo com todas as forças de minha alma. Podia ter acreditado em tudo, mas não esperava encontrar em ti um homem e irmão tão maravilhoso. Por isso serás meu conselheiro, segundo a vontade de Henoch, e dissecarás minha relação para com Purista. Devo aceitar a Promessa apenas espiritualmente ou imaginá-
-la realizável humanamente, ou talvez ainda considerá-la como teste por parte do Senhor? Que o Espírito Dele te ilumine para tanto!”
DIFERENÇA ENTRE A PALAVRA DE DEUS E A DO HOMEM
Atendendo ao pedido de Mutael, Lamech diz: “Desejas co- nhecer a natureza do amor feminino e qual tua situação com Purista em virtude da Promessa do Senhor. Vejo a boa finalidade que pre- tendes ligar a tal conhecimento, no entanto terei que chamar tua atenção a um pormenor muito importante.
Nós dois nos prendemos ao Infinito Amor e Misericórdia de Deus, nosso Pai, e sabemos que Ele Se revela a todos em tempo justo quando é procurado com amor sincero e confiando firmemente em ser atendido em qualquer assunto. Agora te pergunto se refletiste intimamente sobre este pormenor tão importante, pois gostaria de ser útil com meus conhecimentos e experiências caso ignorasse que poderíamos cair em pecado diante do Senhor pela antecipação de Sua Imensa Bondade, Graça e Amor.
Por isso te aconselho de te dirigires primeiro ao Senhor, pe- dindo o que desejas de mim, e estou plenamente convicto que jus- tamente neste caso Ele não te deixará sem resposta definitiva e fiel de Sua Vontade Santíssima. Intimamente obtemperas que também minha palavra e a de Henoch são puramente divinas, porquanto só falamos o que o Espírito de Deus nos transmitiu.
Isso ocorre realmente; mas lá fora, a uns cem passos daqui, corre o mesmo regato que tem sua origem na maravilhosa grota do cume. Experimenta sua água e encontrarás uma diferença enorme. Uma gota da fonte te facultará tônico e lenitivo muito maiores do que aqui um recipiente cheio onde a força original já se evaporou.
O mesmo acontece com a Palavra de Deus que em mim de- positou uma grande força vital e é transferida como expressão co- mum de minha autoria, razão por que o ouvinte não sente a mesma potência viva que eu quando a recebi diretamente da Fonte Ori- ginal. Por isso te aconselho: Procura a Fonte Original enquanto é acessível para todos e uma gota apenas te será mais útil que cem palavras minhas. Se entretanto não A encontrares, com prazer te ajudarei a encontrá-La.”
MONÓLOGODE MUTAEL
Reconhecendo o sentido profundo das palavras de Lamech, Mutael se dirige para uma clareira onde ninguém podia notar e diz para consigo mesmo: “Ficarei aqui até o Senhor me responder e não hei de me alimentar até que isso aconteça. Que existência mais tola é aquela sem ligação íntima com Ele quando num assunto mais sério nem se sabe a razão da vida!
Que farei para que Ele me atenda e me transmita Sua Palavra como fez com a Promessa? Já sei: hei de amá-Lo e me apaixonarei por Ele como um tolo age com sua prometida. Mas... se com isto Ele não me atender? Hei de renunciar ao mundo inteiro, inclusive à Sua Promessa, e voltarei as costas para Purista para oferecer minha honra e louvor somente a Ele, desconsiderando todo o resto como se não existisse. No final direi: Senhor, aqui estou após ter renunciado a tudo por Tua Causa. Faze o que quiseres, que estarei satisfeito.”
Eis a atitude tomada por Mutael e assim se passa o dia todo. O grupo já havia tomado a refeição na cabana de Purista quando fi- nalmente Adão se vira preocupado para Henoch, dizendo: “Já notas- te que Mutael ainda não voltou? Tenho a impressão que se escondeu
em qualquer esconderijo por causa das constantes admoestações e talvez não volte mais. Estou de fato preocupado com ele.”
Retruca Henoch: “Não te aflijas, o Pai é mais Cuidadoso e Misericordioso que todos nós. Como Verdadeiro Professor e Guia de Mutael Ele o ensina e conduz pelo caminho mais curto à meta final. Finalmente Mutael resolveu tomar a firme decisão de entre- gar tudo ao Amor, à Misericórdia e à Graça do Senhor, inclusive a própria vida.
Dentro em pouco todos nós veremos comoo Senhor costuma lidar com os que Lhe sacrificaram tudo. Ele os experimenta segundo a força de sua alma e o valor da promessa. Se passarem pelo teste, todas as portas da Vida lhes estarão abertas. O mesmo sucederá com Mutael; por isso seremos confiantes e daremos honra a Deus.”
CURIOSIDADEDE ADÃO
Toda a assembleia se dirige para fora, sendo recebida com efusão pelos filhos do Sul que rivalizavam entre si no melhor tra- tamento aos patriarcas, que lhes diziam ficar apenas essa noite com eles na cabana de Uranion.
Quando Purista os segue após ter organizado tudo dentro da cozinha e pretende perguntar-lhes onde devia ser feito o sacrifício, ela ouve, vindo da região do Sul, alguém lhe dizer: “Purista, amada de Meu Coração, sobe a elevação que fica atrás da morada de Ura- nion, pois te revelarei coisas importantes. Ninguém deve acompa- nhar-te nem seguir-te; quero falar somente contigo, mas também não perguntes Quem te chamou; nada de mal te sucederá.”
Como todos tivessem ouvido tal chamada, Adão se dirige para Henoch dizendo: “Graças a Deus, caiu uma grande pedra de meu co- ração. Foi evidentemente a voz de Mutael, provando que ainda é vivo. Qual seria o assunto que tem a dizer a Purista a essa hora da noite? Isso é um tanto suspeito e devemos nos informar a respeito.”
Henoch porém o interrompe: “Pai Adão, em certas épocas e circunstâncias é um dever sagrado dos pais seguirem os rastos das
filhas quando se afastam para lugares ermos sob qualquer pretexto. Há exemplos tristes cujas consequências são de nosso conhecimen- to, e os filhos do Norte são de um modo geral provas concludentes. Aqui o caso é bem diferente. Deixemos Mutael e Purista à vontade, que tudo dará certo.”
Adão porém protesta: “Meu filho, não concordo contigo, pois ambos ainda não são anjos incapazes de errar e a serpente não foi exterminada. Basta pensar que eles têm seu livre arbítrio, poden- do falir numa tentação. Por isso acho melhor seguirmos os dois, ao menos secretamente.”
Diz Henoch: “Se isso te preocupa tanto podes bancar o es- pião, mas tem cuidado ao enfrentares um forte susto.” Adão não se contém e sai da casa de Uranion, e vê que o monte todo está em chamas, rodeadas por tigres ameaçadores, prontos a se atirarem so- bre ele. Assustado, ele dá um salto para trás e corre para junto dos outros, contando o que vira.
INTERPRETAÇÃODAVISÃODE ADÃO
Colocando as mãos nos ombros de Adão, Henoch o fortifica e é inquirido se aquela aparição é fantasia ou realidade. Diz Henoch: “Depende como interpretamos a questão. Existem duas realidades, uma material e outra espiritual; a material é ilusão frente ao espírito e a espiritual o é para a material, embora cada qual seja realidade para seu âmbito. Agora depende de que maneira a aceitas; quanto a mim, considero-a espiritual.”
Diz Adão: “Bem, se pensas assim, concordo contigo. Mas o que representa ela para o mundo exterior?” Diz Henoch: “O senti- do espiritual para o mundo exterior é palpável à primeira vista. O monte em chamas representa tua forte tendência de justiça irada, que em certas ocasiões fica espreitando sua vítima até dominá-la e estraçalhá-la, para no final devorá-la sem a menor piedade.
Foi isso que te impulsionou a sair de tua alma ou de teu amor confiante e querias espionar algo que justificasse tua suspeita, e no
íntimo terias achado desagradável se minha opinião a respeito de Purista e Mutael fosse certa. Por isso o Senhor permitiu que visses o teu íntimo e o que realmente desejavas ver, e tal condição psíquica se apresentou na realidade espiritual no momento em que pretendias espionar contra a Vontade do Senhor. Eis minha opinião. Se tiveres outra, poderás trocá-la, pois não quero impingir nada em ninguém, muito menos em nosso pai original na Terra.”
Retruca Adão: “Tens razão, é isso mesmo. Mas, se realmente habita no meu coração uma alcateia de tigres, é difícil de se enten- der.” Diz Henoch: “Bem, se considerares o tigre como assassino, minha explicação será algo estranha. Mas aceitando nesse quadro a justiça seca e implacável, o tigre estará bem empregado, pois na jus- tiça se baseia o julgamento brutal, como no tigre a volúpia incontida do assassínio. Não achas que sob tal aspecto minha consideração se justifica?” Adão concorda e propõe outro assunto.
ADÃOCRITICAACANÇÃODE KENAN
O grupo principal se entretém com vários assuntos e o ve- lho cantor Kenan é convidado por Adão a apresentar qualquer canção ligeira. Dessa vez sua apresentação é algo excêntrica e não merece o aplauso de Adão. Eis os versos: “Ó criaturas, ó vida, tra- tais de conservar a existência para sempre. Que intenção misterio- sa! Vivemos sem sermos o que somos. A vida nada é e nós também nada somos.
Aqui se encontra um espírito vivo! Quem teria a visão de percebê-lo e registrar nossa própria sensação? Será por acaso apenas um pensamento, qual raio que se criou no Espaço Infinito como se produz o floco de neve?
O que vem a ser a morte das coisas e dos seres? Desaparecerei ou permanecerá algo do meu eu no espírito? O que sou espiritual- mente? Um nada, imperceptível para qualquer sentido. Talvez seja uma luz invisível para qualquer visão, inclusive para a minha, livre de qualquer físico, seja qual for sua consistência.
Gostaria de amaldiçoar a vida fugaz e a hora em que descobri em mim tal vida desvairada, como pensador independente. Por que tive que ser, para desaparecer totalmente? Qualquer pensamento fu- gaz me diz que o espírito é mortal, pois nem bem foi projetado de- saparece. Se o pensamento autônomo já desaparece, o que restará no próprio espírito? Se fui determinado para a vida eterna, por que devo morrer nessa terra multicor e abandonar esse corpo tão prezado?”
Nesta altura Adão dá um salto e diz: “Meu filho, chega dessa tolice fantasiosa! Com tais versos poderás te dirigir à floresta para transmiti-las às feras, pois possuem dentes fortes e um estômago mais saudável que nós. Mas poupa as almas humanas com isso! Se ignoras o que é a vida, o espírito e o ser, pergunta aos sábios em nos- so meio e eles te orientarão. Já esqueceste totalmente o Senhor e Seu Ensinamento elevado a ponto de nos apresentares tais baboseiras sem nexo?”
Henoch interrompe Adão dizendo: “Deixa estar. Já sei por que Kenan cantou desse modo. Foi da Vontade do Senhor, e o fu- turo dirá por que assim quis. Kenan não transmitiu o que está nele, mas o que ainda se encontra em outros.”
QUEIXAETOLICEDE ADÃO
Adão não está totalmente satisfeito com as palavras de Heno- ch, pois julga que este se referia a ele. Por isso diz: “Meu filho, tuas palavras soam muito sábias, mas pouco agradáveis. Dize-me por que procuras fazer referência à minha pessoa quando algo de desagradá- vel sucede. Por que devo eu — o primeiro homem da terra, vosso pai cuidadoso e amoroso — ser sempre considerado por ti como bode expiatório para todos?
Se tens algo para me dizer, pela Vontade do Senhor, usa de franqueza ou guarda-o até que possas fazê-lo em particular; mas não lances constantes suspeitas contra mim diante dos filhos. Amo a Deus acima de tudo; mas se Ele estivesse Presente, ter-Lhe-ia dito o mesmo que disse a ti.
Se repreendi o canto evidentemente tolo de Kenan, fiz ape- nas uso de meus direitos. Tua observação de ter sido ele forçado para tanto, apontando o que não estava nele mas certamente dentro de mim, é duramente dirigida ao meu espírito e coração. Terminei de falar e acrescento: a partir de agora hei de me retrair de todos, com exceção de Seth. Fazei o que quiserdes, evitando minha casa. Vem, Seth, acompanha-me com Eva, pois vejo que minha presença se tor- na maçante para meus filhos.”
Todos sentem receio por Adão, e Henoch quer lhe demons- trar seu grande engano. Aquele o interrompe dizendo: “Eu, Adão, não farei mais o papel de aluno pecador para ti. Foste tu a me criticar devido à preocupação com Purista. Foste tu a descobrir uma caterva de tigres dentro de mim, quadro que posteriormente amenizaste um pouco, sem contudo tirá-lo totalmente.
Se isto foi apenas Intuição do Senhor, não compreendo por que Ele não te inspirou para que visses que tuas palavras estão me magoando profundamente. Por que não previste isto? Em virtude desse fato, não aceito mais desculpas ou posteriores esclarecimentos que somente me diriam que de modo algum se destinavam a mim.
Aceito esta tese. Mas, o fato de não preveres, como único sumo sacerdote do Senhor, que eu certamente tomaria tuas palavras como dirigidas para mim, oprime meu coração que se afastou de ti. Não aceito mais explicação qualquer. Continua como és e o que és. Eu e meus familiares ficaremos longe de ti, caso não pretendas ser privado de minha bênção.”
Terminando de falar, Adão se vira para deixar o grupo, que todavia implora que ele fique e ouça o choroso Henoch e também Lamech da planície. Tal atitude amolece Adão, que resolve ficar, exi- gindo porém que seja Lamech a lhe dirigir a palavra e não Henoch.
Imediatamente Lamech se dirige a Adão dizendo: “Venerável pai da Humanidade. És justo diante de Deus e de nós, teus filhos, e não há quem negue teu amor para conosco. Acabo de perceber que possuis em alto grau o bem de todos nós. Todavia, não és menos in- fluenciado pelas fraquezas de teus filhos, e tua alma de modo algum se libertou de preconceitos.
Hás de me perdoar se tomo a liberdade de dizer que o cân- tico de Kenan se referia a mim, e além disto Henoch demonstrou muito mais enfaticamente que o próprio Kenan que eu devo me analisar para saber até que ponto tal sapiência tola ainda se oculta dentro de mim.
Sem perda de tempo segui o conselho de Kenan e desco- bri que minha alma concordava totalmente com os seus versos, e também concordei com Henoch, que dizia ser um hábito antigo uma veste verdadeiramente férrea, que dificilmente poderá ser des- pida. Além disto, acho viável que também outros se sintam tocados por esta causa, pois somos mais ou menos fracos em determinados pontos e confesso que tais sacudidelas gerais não são de modo al- gum desnecessárias. Elas nos facultam a visão de nossas tendências, que podem e devem ser extirpadas, do contrário perdurariam até o fim da vida.
Com isto não só pretendo pedir desculpas a Henoch, mas também a ti, Pai Adão, e a teus filhos. O Senhor deu as fraquezas ao homem para sua própria experiência e precisamente tais fraquezas condicionam nossa libertação espiritual por meio do conhecimento e do domínio das mesmas.
Nossa fraqueza é uma parte imperfeita de nosso ser, que nos cabe aperfeiçoar a fim de justificarmos a Semelhança Divina com o nosso espírito e assim edificarmos para sempre uma vida verdadei- ramente livre. Se preferimos manter nossas fraquezas ocultas, preju- dicamo-nos e nos tornamos culpados se elas nos aniquilam no final.
Será que nos perdoaste, pai Adão?” Essas palavras acalmam Adão, disposto a ouvir Henoch.
PREDIÇÃO DE HENOCH E TENTATIVA DE DEFESA FRUSTRADA DE ADÃO
Virando-se para Adão, Henoch então diz: “Pai Adão, já ouvi muita coisa de tua boca, mas nunca pronunciaste uma proibição à tua casa. Muito mais felizes seriam nossos descendentes se tal não tivesse escapado de tua alma. Em verdade, tua atitude, pai, como primeiro homem nesta Terra, será repetida no futuro por muitos dos teus filhos.
Através da Inspiração do Senhor no meu coração afirmo: O que ora falaste, baseado em tua vida original, eles farão de fato, de uma forma que constituirá um horror de todos os horrores de Deus. Do mesmo modo que reagiste contra minhas palavras, vindas do Espírito de Deus, e me expulsaste, teus descendentes farão a todos os professores plenos do Espírito de Deus e hão de homenagear os que honrarem o espírito do mundo.
Em virtude de te quereres isolar de nós, com exceção de Seth, não admitindo ninguém junto de ti, regentes se levantarão entre os povos para dominá-los cruelmente. As residências de tais potentados estarão fechadas para as massas e ninguém se atreverá a se aproximar, sob risco de vida.
Isto acontecerá a contar da metade de tua atual idade. E não se passarão seis vezes a tua idade atual para que a Terra seja semelhante à pele de um ouriço, onde um espinho se ergue con- tra o outro.
Pai Adão, por que alimentas essa índole e não queres renun- ciar ao monstro do orgulho? Se falo e ajo, é o Senhor a falar e agir, pois Ele me designou para tanto diante de todos vós. Se minha pa- lavra é a Sua Palavra, por que reages contra Ela?”
Profundamente tocado, Adão responde: “Henoch, sábio por Deus, revelaste coisas muito duras para mim. Não me teria expres-
sado de tal forma se soubesse que o Espírito de Deus se pronunciava por ti. Como não me avisaste, julguei que falavas por tua conta e movido de certo orgulho que eu pretendia extirpar de ti. Por isso deves avisar-me antecipadamente se falas por ti ou pelo Espirito do Senhor, e eu saberei me comportar de acordo. Dize-me, não ha- veria possibilidade de se modificar aquilo que predisseste como consequência de minha atitude contra ti?”
O Próprio Senhor Se faz ouvir através de Henoch: “Se ti- vesses repreendido apenas a Henoch, tuas palavras não teriam consequências. Mas disseste que Eu também seria incluído nesta re- preensão. Eis o motivo pelo qual tua palavra criou a consequência, pois todo pronunciamento dirigido à Minha Pessoa é qual obra criada e indestrutível. Ó Adão, que fardos pesados ainda pretendes atirar sobre Meus Ombros?”
Só agora Adão reconhece o que fez e se entristece. Henoch porém diz: “Tem ânimo, pois o Senhor tirou de ti também este far- do e o colocou nos Seus Ombros. Sê alegre e grato a Ele.”
EVACONTROLAACURIOSIDADEDE ADÃO
Quando tudo está em paz, Adão e Eva se recolhem no me- lhor recinto da grande cabana de Uranion; mas subitamente ouvem grande alvoroço com a chegada de Purista, Mutael e dois forastei- ros, e toda a assembleia desata em grande manifestação de alegria. Percebendo o movimento lá fora, Adão pensa o seguinte: “Deve ter acontecido algo extraordinário, pois escuto ovações de todos os la- dos. Se me levantar para identificar o motivo disso darei impressão de curioso. Não indo, o desassossego me perturbará a noite toda. Mas, o júbilo cresce cada vez mais; vou às escondidas para ver a razão disto.”
Quando Eva pergunta qual sua intenção, ela o acalma, pois convinha deixar os filhos em sua euforia. Além disto, seriam infor- mados caso houvesse razão para tanto, e a Vontade do Senhor devia ser sempre a de ambos.
Adão se dá por satisfeito e continua deitado. Entrementes, se acendem lá fora tochas de cera aromática e cantos de louvor se fazem ouvir, recebendo a cabana claridade como à luz do dia. Isso ultra- passa a paciência de Adão que faz menção de levantar e ver o que havia com seus filhos. Eva obtempera: “Falta pouco para romper o dia e devias descansar em benefício de tua saúde. Depois poderás satisfazer tua curiosidade. Que será quando o Senhor nos chamar da Terra? Será que a curiosidade nos atrairá a ela e aos filhos quando se entregarem a toda sorte de delírios?” Tais palavras retêm Adão no leito, aceitando as ponderações de sua companheira. Mas a cabana começa a se encher aos poucos, irradiando luz sempre mais forte. Agora Adão não pode mais ser retido.
MUTAEL,PURISTAEOSDOISHÓSPEDES CELESTES
Acompanhando Adão, Eva se levanta e ambos se encami- nham ao grupo em palestra animadíssima. Henoch os cumprimenta e diz: “Pai Adão, não pude evitar o alvoroço, pois lá na frente se encontram Mutael e Purista unidos pelo Senhor. Que poderíamos fazer de melhor senão nos alegrarmos com a felicidade de um filho, um irmão, que o Próprio Pai de toda Santidade visitou, entregando-
-lhe a companheira justa no momento em que havia sido entregue ao Senhor?”
Muito comovido, Adão fita o casal e o abençoa em silêncio. Nesse instante percebe dois estranhos que rodeiam Mutael e Purista. Notando o interesse de Adão, Henoch lhe diz: “Pai, procuras reco- nhecer os dois personagens; e eu proporcionarei essa imensa alegria ao teu coração. Aquele ao lado de Purista é o Próprio Senhor! O ou- tro ao lado de Mutael é o espírito de Zuriel, pai de Gemela, sentado ao lado esquerdo do Senhor, com Lamech ao lado dela. Vês portanto dois casais cujos descendentes habitarão uma nova Terra.”
Diante de tal revelação, Adão e Eva desatam a chorar de emo- ção a ponto de não conseguirem falar. Mas o Senhor Se levanta e diz: “Adão, aproxima-te! Se um dia te encontrares só e Eu vier junto
de ti por entre a escuridão dos túmulos da morte, porventura Me reconhecerás? Reconhecer-Me-ás numa nova Terra, num novo Céu, quando esta Terra e este Céu se desfarão qual veste rota?”
Profundamente comovido, Adão pergunta: “Senhor e Pai, o que significa isto? Quando acontecerá?” O Senhor prossegue: “Vê bem, já se deu diante de ti! A Eternidade estremece, o Infinito treme diante de Mim, pois coloco agora uma nova guarda cuja espada lu- tará com quem está morto!”
Curvando-se até o solo, Adão diz: “Senhor, quem entenderá o sentido de Tuas Palavras?”
Responde o senhor: “O tempo dos tempos o assimilará e teus descendentes também. Tu descansarás, não o entenderás nem assi- milarás até Eu te dizer: Adão, ressuscita, vem e vive!”
DESPEDIDA DO SENHOR. A VERDADEIRA ERA DOURADA
Virando-Se para todos, o Senhor prossegue: “Filhos, estabe- leci a ordem nas alturas e nas planícies, e proporcionei caminhos fáceis entre ambos para poderdes vos reunir e vos auxiliar em tudo que precisais.
Ensinei-vos Pessoalmente durante mais de duas luas a fim de conhecerdes a vós mesmos e a Mim, vosso Verdadeiro Pai e Deus, para encontrardes em Mim a Vida eterna do espírito e nesta expe- riência todo o Amor, Sabedoria, Poder e Força, facultando-vos a submissão de todas as coisas.
Muitos dentre vós já se encontram nessa vida espiritual, po- dendo perceber e utilizar tudo com sabedoria; principalmente al- guns habitantes da planície se encontram nesse estado e apenas pou- cos ignoram onde devem iniciar a vida do espírito.
Por isso inspirei várias pessoas de vosso meio para que con- duzam os fracos e cegos ao justo caminho. Deste modo não vos dei Mandamento algum, mas demonstrei que de fato sois livres no amor para Mim, assim como Eu vosso Deus, Senhor, Criador e Pai
também O sou desde eternidades. Além disto, dei-vos a promessa total de que os perfeitos no amor a Mim jamais verão, sentirão ou saborearão a morte física, pois ingressarão na Vida eterna como fez Zuriel, que ora se encontra aqui, e como o farão Sehel e Pura.
Apontei os infinitos benefícios da Vida verdadeira, bem como no caso contrário o eterno prejuízo de uma existência que infringe Minha Ordem Eterna. Tudo isso ouvistes diretamente de Mim o Próprio Senhor, e o recebestes em vosso coração, não poden- do jamais duvidar da plena Verdade de Minhas Revelações.
Assim providos de tudo, não podeis afirmar: Pai, ainda nos falta isso e aquilo! — e convém permanecerdes neste estado psíqui- co, não vos deixando tentar pelas coisas fúteis do mundo, nas quais se agarra a morte e a antiga perdição, e assim não Me dareis trabalho posterior.
Afastando-vos de modo próprio de Minha Ordem e queren- do dominar-vos reciprocamente em virtude do egoísmo, da pompa e do mundo mental, hei de virar Minha Face, deixando-vos afundar no lodo da impudicícia, volúpia, adultério e toda sorte de desejos obscenos. Os resultados vos serão demonstrados pelas consequências amargas e duras. Nada mais necessito vos dizer. Tudo estando em perfeita ordem, Eu vos abençoo dizendo: Meu Amor fique convosco no tempo e na eternidade!”
Nesse instante o Senhor e Zuriel desaparecem, e a assembleia se dirige ao ar livre, louvando e honrando a Deus até romper o dia, comemorando com isso também o sábado. No dia seguinte todos voltam a seus lares e Lamech vai com seu séquito para a planície, onde manteve a Ordem de Deus, transformando sua era para a era verdadeiramente dourada. O mesmo ocorreu nas alturas.
Desta forma as criaturas estavam perfeitamente educadas e aquinhoadas em todos os conhecimentos. O abismo entre as mon- tanhas e os vales tinha sido abolido a fim de que todos pudessem ser livres e ativos sem coação.
O conhecimento de Deus era perfeitamente vivo e a primeira igreja foi fundada, na qual toda criatura podia encontrar o mundo interno do espírito do puro amor a Deus. Essa época durou enquan- to viveram os primeiros patriarcas. Com o desaparecimento deles, tudo mudou infelizmente.
O mundo começou a tomar posse, a força espiritual se per- deu e dentro em breve deparamos com criaturas totalmente mate- rialistas que sabiam das coisas espirituais tanto quanto as da época atual, portanto não se deixavam guiar e punir por Meu Espírito.
Deste modo a serpente soube abençoar a natureza do solo terráqueo com sua maldição, a ponto que ele produzia tudo com enorme exuberância, enfraquecendo as criaturas e as transformando em ociosas e preguiçosas. A sequência desse relato demonstrará isso claramente.
Quando Adão atingiu 930 anos, chamou os filhos de suas tribos principais e lhes disse: “Vivi 930 anos nesta Terra e me tornei cansado e fraco. Por isso pedi a Deus que me fortaleça e me cha- me como fez em épocas de Suas grandes Revelações com Zuriel, Sehel e Pura.
Depois de ter feito minha oração, o Senhor me disse: ‘Ouve, Adão, medi o teu tempo e o registrei completo; por isso atenderei ao teu pedido e te tirarei da Terra que já cansou muito os teus pés. No entanto, não podes deixá-la como fizeram os três mencionados, porquanto pecaste em tua carne. Teu corpo será entregue à Terra da qual foi extraído, para que a serpente receba sua parte.
Mas tua alma e o espírito surgidos de Mim serão libertados de teu corpo e os levarei a um pouso justo, onde terás Minhas Mi-
sericórdias na paz de teu coração. Enviarei um anjo que te libertará do corpo neste dia. Todos os que pecaram no físico terão que deixar a matéria como tu, pois assim como por teu intermédio o pecado veio ao mundo de teus filhos, o mesmo sucederá com a morte car- nal. Amém.’
Assim falou o Senhor, e hoje é o último dia de minha existên- cia terrena convosco. Essa é a Vontade do Senhor. Eva, vossa mãe, ainda viverá por algum tempo e deve ser honrada e cuidada por vós até que o Senhor também a chame.
A ti, Henoch, entrego minha morada e tudo que contém, e serás incumbido principalmente do cuidado de Eva. A ti, Seth, passo todo o país e seus produtos; por isto deves zelar por todos que passarão a viver em minha habitação, que a partir de agora será posse do sumo sacerdote, que viverá do dízimo de todos os produtos do solo. Meu corpo deve ser enterrado por Henoch, Jared, Matusalém e Lamech, secretamente, num local que ninguém deve conhecer a fim de evitar que os filhos lhe dediquem veneração divina. Eis a minha e a Vontade do Senhor. Amém.”
Em seguida, Adão abençoou todos os filhos das principais tribos, e por eles todas as criaturas da terra, inclinou sua cabeça e morreu. Todos os filhos rasgaram suas vestes, choraram e conserva- ram o luto durante um ano.
Adão foi sepultado numa montanha e, com exceção dos quatro patriarcas, ninguém conheceu o local. Henoch passou a mo- rar na casa dele e lá viveu com sua família, cuidando de Eva, que ainda viveu trinta anos após a morte de Adão. Deste modo, foi res- peitado o seu testamento.
CRESCENTECONSIDERAÇÃODEEVAESUA MORTE
Também os filhos das planícies, ao receberem a notícia do falecimento de Adão, se entristeceram e jejuaram durante três dias. Lamech, que nesta época ainda era fiel a Deus, enviou mensageiros para todos os cantos da Terra anunciando a morte de Adão aos po-
vos acessíveis. À medida que se lastimava, aumentava a consideração com a pessoa de Eva, pois não raro procissões inteiras seguiam às montanhas para cumprimentarem a mãe original.
Até mesmo emissários de Sihin (China) subiam a cordilheira dos filhos de Deus para visitarem Eva, pois tinham sido informados por mensageiros de Lamech. Somente Cainitas (África) e os Me- duhitas (Japão) não tiveram conhecimento, porque esses povos vi- viam totalmente separados dos habitantes continentais.
Eva, não obstante os muitos consolos, viveu triste até sua morte. Nem as palavras de Henoch conseguiram confortá-la. So- mente Seth pôde beneficiar seu coração, pois sempre fora seu pre- dileto em virtude de sua total semelhança com Adão, no rosto, no tamanho e na voz. Assim se passaram também esses trinta anos em boa ordem, e quando a medida da vida de Eva estava completa ela foi chamada pelo Senhor.
Três dias antes, quando Seth, Jared, Henoch, Matusalém e Lamech assistiam a enfraquecida Eva, o espírito de Adão entrou e disse: “Com a permissão do Senhor, sede abençoados. A paz seja convosco e não vos amedronteis, pois sou Adão que vos gerou pela Graça do Senhor Onipotente.
Ele, que Se apiedou de mim há trinta anos atrás, apiedou-
-Se também de minha companheira fiel e quer libertá-la de seu corpo enfraquecido, para que possa ingressar em minha paz e se regozijar comigo, como ovelha mansa na pastagem das Misericór- dias de Deus.
Eu fui liberto pelo espírito de Sehel, mas Eva será por mim mesmo liberta de seu peso físico para levá-la onde estou, no doce descanso daquele dia que, segundo a promessa feita à Terra, há de surgir como Sol dos sóis.”
Henoch então perguntou: “Quando farás isto, e o que deve acontecer com o corpo de Eva?” Respondeu o espírito de Adão: “Não sou eu, mas sim o Senhor, teu Mestre. No terceiro dia a partir de hoje farás o que o Senhor te dirá, como sempre fez.” Com isto o espírito de Adão desapareceu.
No terceiro dia ele voltou, visível somente para Henoch e Eva, que abençoou todos os filhos presentes e louvou a Deus por essa Graça. O espírito de Adão então disse: “Eva, transmitiste minha bênção com a tua aos filhos. É da Vontade do Senhor que voltes para casa; vem aos meus braços, em Nome do Senhor! Amém.”
No mesmo instante Eva caiu morta e seu espírito e sua alma desapareceram com o espírito de Adão e nunca mais foram vistos. Assim faleceu Eva em meio de seus filhos e uniu-se ao espírito de Adão, em seus braços espirituais e guiada ao descanso do Senhor. Seu corpo foi sepultado no mesmo lugar oculto de Adão.
A morte de Eva provocou uma tristeza que durou anos, e muitos se ocultavam e começavam a levar uma vida muito devota. Especialmente forte foi o efeito de seu pensamento para os habitan- tes do Ocidente, que então se chamavam Abedamitas, pois Abedam foi um predileto de Eva, que também a considerava muito. Eis o fim de Eva.
MORTEDESETHENASCIMENTODENOÉ.TRISTEZADEHENOCH,AQUEMOSENHORCHAMOUA SI
Por muito tempo as criaturas viveram como semimortas e sem prazer no mundo, pois sua saudade pelos pais lhes despertava o desejo de segui-los. O desprezo pelo mundo em alguns chegava ao ponto de erigirem pequenas cabanas debaixo de velhas figueiras e lá viviam durante cem anos uma vida de reclusão, e não mudavam suas habitações enquanto a figueira lhes fornecia um parco alimento.
Muitos homens juravam não tocar mais qualquer mulher, pois alegavam com amargura: “Qual seria a finalidade de gerarmos filhos? Se todos devem aguardar o destino de Adão e Eva, melhor será se não forem gerados. Se Deus quiser criaturas miseráveis, poderá criá-las novamente de pedras e barro. Sabendo o que segue a essa existência miserável, não nos dispomos a gerar outras criaturas idênticas a nós.”
Muitas mulheres agiam da mesma forma e não se dispunham à fecundação “pois deve se criar animais para a morte, mas não cria-
turas”. Assim, no decorrer de cem anos após a morte de Eva, bem como depois da partida de Seth, as montanhas estavam repletas de tais tipos estranhos. Nenhum conselho de Henoch, nem um milagre conseguiram demover as criaturas de tal tolice.
Henoch, observando que nada seria conseguido com esses materialistas, respeitando seu livre arbítrio, pediu finalmente ao Se- nhor que o chamasse a Si. Mas o Senhor lhe disse: “Meu servo fiel, neste ano teu neto Lamech receberá um filho. Terás que abençoá-lo antes de Eu te libertar do mundo como te prometi.”
No mesmo ano em que Lamech contava 180 anos, Gemela deu à luz um filho que foi batizado por Henoch, e aquele disse: “Teu nome será Noé e há de nos consolar em nossas tribulações e tarefas na Terra, que Deus, o Senhor, amaldiçoou.”
Por essa exclamação de Lamech vê-se perfeitamente que tam- bém o seu ânimo não estava em perfeita ordem, pois fazia a Mim, ao Senhor, uma reprimenda pela suposta maldição na Terra, pois queria afirmar o seguinte: Junto de Deus não existe consolo, pois Ele sente prazer em matar o corpo dos patriarcas. Por isso seu filho Noé deve se tornar um consolador.
Henoch repreendeu Lamech por tal expressão, demons- trando que Eu via a conduta dos filhos de coração magoado, pois Eu mesmo lhes prometera uma outra vida, espiritual, após a perda do corpo tentador, e além disto o ensinara e transmitira a todos os corações.
Mas Lamech protestava: “Pai Henoch, isto também sei, mas se vejo dentro de mim a vida eterna, por que não posso ver os que morreram? Por que os espíritos que se desprenderam não podem se aproximar de nós e demonstrar que possuem vida sem corpo?”
Protesta Henoch: “Mas como? Viste o espírito de Adão, de Zuriel, de Abel e de Sehel. Que mais queres?”
Retruca Lamech: “Para Deus todas as coisas são possíveis! Por que Ele não pode chamar de volta à vida os mortos quando quiser? Em tal hipótese acreditaríamos. Se a vida aparente se retrai
— o que vem a ser isto? Para onde vai, se ela não existe para nossos
sentidos? Eis a evidência da antiga maldição. Existimos para sermos mortos, vivemos para a maldição, mas não para a vida.
Se a vida existe, ela devia ser visível a toda hora, mas não como se não existisse. Por causa do pecado de Adão é preciso que toda carne humana seja morta. Que maldição horrível! Se nunca pequei, por que meu corpo deve ser morto por causa do pecado de Adão? Isto é cruel!”
Henoch então abençoou Lamech, se afastou e chorou dian- te do Senhor, Que o consolou e o levou Consigo, com o corpo, e embora fosse procurado por toda parte, nunca mais foi visto.
OSENHORESCLARECE LAMECH
Como Henoch demorasse a aparecer, Lamech se põe a pro- curá-lo nas montanhas e enviou mensageiros para os vales. Mas em vão. Henoch continuou desaparecido entre os mortais. Em virtude disto, Lamech e os poucos patriarcas ainda vivos julgaram que ele tivesse morrido e mandaram pesquisar tal possibilidade. Mas todos davam de ombros, dizendo que Henoch não fora mais visto desde o último sábado.
Tal procura durou um ano, sem que alguém soubesse o que havia sucedido. O ainda vivo Lamech do vale pretendia organizar uma campanha de dez mil mensageiros. Eis que o Senhor lhe disse: “Não repitas o esforço inútil dos tolos das montanhas. Eu Mesmo chamei Henoch para o Meu lado, com corpo, alma e espírito, por- tanto não o acharás no mundo inteiro. Convém enviares dois men- sageiros para as montanhas a fim de que Meus filhos tolos saibam de seu paradeiro.”
Quando Lamech das alturas recebe tal notícia, sua reação é totalmente negativa, como também entre quase todos os filhos, jul- gando que Henoch havia morrido e além disto não deixara substitu- to como sumo sacerdote.
Por isso disse diante de uma grande assembleia: “O Senhor chamou de fato a Henoch para Seu lado, ou matou-o conforme fez
com vários dentre nós. Acresce a isto que não nos deu outro sumo sacerdote, e isto ainda é mais estranho que sua própria morte. Antes de se afastar, ele me abençoou, mas isto não posso aceitar como sagração para ser sumo sacerdote. Este posto ficará portanto vazio.
Quem dentre vós quiser manter o sábado, que o faça; preva- leça a vontade de cada um. Para se morrer qualquer coisa serve. Que o Senhor faça segundo Sua Vontade; de minha parte, pouco farei para a morte. Deixai de arar a terra, de gerar filhos e de deitar se- mentes no solo. Tapai os olhos para não verdes o mundo enganador, pois convém que todos aguardem a morte que finalizará nossa meta. Fica resolvido que a Terra seja despovoada. Então Deus poderá ma- tar como quiser!”
OSENHORADVERTE LAMECH
Tal expansão de Lamech encontrou grande ressonância e ha- via de fato muito poucos a respeitarem fielmente a Ordem estabele- cida. Os que ainda a mantinham desejavam nada mais ardentemen- te do que serem chamados o quanto antes deste mundo totalmente errado. Quanto ao ato procriador, foi omitido nas montanhas du- rante trinta anos. Passada essa época e a revolta de Lamech se tendo abrandado um pouco, o Senhor o chamou e lhe disse, partindo Sua Voz de uma nuvem incandescente:
“Lamech, estás submetendo Minha Paciência a uma forte prova! Quando há tempos fui ao teu encontro no momento em que sem permissão enfrentaste os patriarcas, estavas cheio de alegria e gratidão porque Eu te apresentei junto deles. Encontraste em Mim o maior Amigo de tua vida e terias te atirado ao fogo por Mim, mui- to embora ainda não me conhecesses.
Mas quando posteriormente Me reconheceste, teu coração se tornou qual aço incandescente de tanto amor. Que teria Eu feito senão ensinar-vos Pessoalmente, revelando a todos por várias vezes a necessidade da realização da Vida eterna do espírito! Ainda assim não consideras mais nenhuma Palavra Minha, agindo como se Eu
fosse a criatura mais estranha e inútil de todo o mundo material e espiritual.
Como devo Eu, teu Deus, Criador e Pai, interpretar tal ati- tude? Pretendes de fato desafiar-Me? Queres entrar em luta física contra Mim? Qual é tua intenção? Basta Eu emitir o Meu Sopro, e toda a Criação, inclusive tu, não existirão mais!”
Retruca Lamech: “Senhor, não duvido de Teu Poder, mas duvido de Teu Amor e Fidelidade prometida. Como pretendes ser Bom para Tuas criaturas ou filhos, se pareces sentir apenas prazer em nos matar? De minha parte prefiro que emitas Teu Sopro sobre mim e eu deixasse de existir, a viver por certo tempo nesta Terra amaldi- çoada, trabalhando pesadamente para finalmente ser morto por Ti.
Se afirmas que somente a carne deve ser morta e que o espí- rito continuará vivo, respondo: Que vantagem existe em tal vida em que é preciso a criatura primeiro se habituar e, após ter alcançado a justa utilidade da mesma e se afeiçoando a ela, vens secretamente e destróis a primeira existência, transformando-a numa outra, se- gundo Teu Prazer, na qual por certo nada melhor deverá haver que na primeira?
Percebo que és Amigo de constantes mutações, por isso não posso confiar mais em Ti. Podes soprar Tua Onipotência em cima de mim para que eu deixe de existir subitamente, mas não me cha- mes para outra existência qualquer, e eu Te serei grato. Uma vida sob constantes mutações é a maior maldição para toda criatura e o Prazer de seu Criador se lhe torna um peso insuportável.”
OS ESPÍRITOS DE HENOCH E ADÃO TESTEMUNHAM DA VIDAETERNADO HOMEM
Ao terminar de falar Lamech, o Senhor desce junto dele e lhe diz com rigor: “Lamech, considera Quem neste momento Se diri- ge a ti! Dize-Me, que fizeram Henoch e Matusalém quando ainda eras um menino indômito? Eles te puniam com açoite. Confessa a ti mesmo se isto era motivado por uma ira destruidora ou por um
amor justo. Tens que convir que agiram por amor paternal, do con- trário terias crescido qual fera e te terias tornado um monstro.
Pergunto: Julgas ser Eu um Pai menos amoroso que Jared, Henoch e Matusalém? Foram apenas instrumentos de educação ins- truídos por Mim. Mas Eu sou o Pai unicamente Justo, teu Criador que te educou até então com toda a liberdade de teu espírito, e ja- mais te puni, não obstante tua petulância perante Mim. O motivo disto se baseia no Meu Infinito Amor, Paciência e Misericórdia.
Mas, agora que te tornaste insubordinado contra Mim, obri- gas-Me a tomar de um açoite, e agirei contigo e com todos os que pensam como tu como compete a um justo pai cheio de amor para seus filhos.
Antes, porém, te demonstrarei o destino maravilhoso dos que chamei para o Meu lado para que vejas qual Minha Intenção com Meus filhos. Em seguida demonstrarei que posso punir os insu- bordinados que desprezam Minha Finalidade Paternal com eles, que querem arrastá-la no pó da mistificação, e quanto aos mais obstina- dos castigarei para sempre espiritualmente caso não queiram reco- nhecer que sou seu Pai e Deus em toda Minha Santidade Intocável. Olha para cima e dize o que vês.”
Lamech obedece e vê todos os desencarnados, e Henoch des- ce para junto dele dizendo: “Desvairado, toca-me e te convence que vivo eternamente, sem alteração alguma de minha vida.” Lamech percebe não haver alteração alguma, com exceção da perfeição ce- lestial em toda plenitude da vida eterna, e assim se convence com todos os demais.
Adão ainda acrescenta: “Lamech, o maior benefício do Pai em nós consiste no desprendimento do físico pesado e martirizante. Alegra-te com isto. Ainda que a morte física represente algo tétrico para tua visão terrena, ela é de fato a máxima bem-aventurança de quem foi chamado pelo Amor do Pai.
Foste gerado na volúpia de teus pais. Mas serás levado na má- xima bem-aventurança como espírito e viverás uma vida totalmente espiritual, poderosa e ativa, cuja doçura não pode ser comparada
com algo terreno. Tudo que tiveres iniciado na Terra terminarás em espírito no mundo espiritual e eterno. Por isso não deves ser pregui- çoso, pois nem um grão de areia tocado por ti se perderá.”
REGENERAÇÃOEREMORSODE LAMECH
Deste modo, Lamech palestrou também com Seth, Eva e outros que das montanhas e dos vales haviam ingressado na vida espiritual, e se convenceu da realidade deste fato. Eis que ele começa a refletir sobre a grande injustiça praticada contra o Senhor e como todos os seus pensamentos e conclusões eram injustos.
Atirando-se diante do Senhor ele diz chorando: “Meu Deus, Senhor e Pai, agora percebo a totalidade de minha obstinação. Era cego julgando poder discutir Contigo e pretendia levantar barreiras ao Teu grande Amor. Quis que a Terra se tornasse deserta e despo- voada. E isso porque germinou dentro de mim um ódio terrível em virtude do falecimento dos que eu amava, mais por questão de hábito do que por verdadeiro afeto. Se os tivesse amado de verdade, não teria nascido dentro de mim a revolta, porquanto preparavas para todos uma bem-aventurança imensa por Teu Amor Paternal.
Deus, Senhor e Pai, reconheço minha grande culpa e sou dig- no de castigo. Podes castigar meu físico tolo, mas não deixes perecer meu espírito!”
Diz o Senhor: “Levanta-te, Meu filho! Julgas que Eu, teu Pai, tenho prazer e satisfação em punir Meus filhos? Cada golpe aplicado a ti haveria de doer muito mais no Meu Coração que em teu corpo. Tu mesmo tens um filho a quem amas mais que tua própria vida. Tenta bater nele quando vez por outra se torna desobediente para saberes que teu sofrimento é muito maior que o dele.
Se ele começar a chorar com o primeiro golpe, será que teu coração seria capaz de repeti-lo? Ele te perdoará em seguida e teu amor de pai fará as pazes com ele. Mas, quantas vezes dirás em teu coração: Meu filho agora está bem; mas o que eu não daria para não ter batido nele!
Tal seria tua atitude como homem justo. Eu sou mais que apenas um homem. Sou teu Deus e teu verdadeiro Pai; por isso não te quero bater, mas abençoar. No entanto deves considerar que a Terra é Minha Pátria. Deves cultivá-la em benefício temporal de Meus filhos posteriores e convém tratardes da procriação, pois ainda existem muitos espíritos presos na matéria à espera de salvação. De agora em diante serás representante de Henoch e deves reparar o mal feito.”
O SENHOR FAZ UMA ADVERTÊNCIA A RESPEITO DASERPENTELOCALIZADANOFÍSICO FEMININO
Lamech promete restabelecer a antiga Ordem e cuidar que ela seja mantida em todos os descendentes. Diz o Senhor: “Faze o que puderes, mas não apliques violência, pois há muita teimosia no povo. Tem cuidado que a serpente não te venha pregar uma peça, pois já começou a cultuar o físico das filhas das planícies para que se torne sensual e tentador.
Adverte Meus filhos das frequentes visitas naquelas regiões, para escaparem do ardil que os espera. Guarda bem o que te direi para todos os tempos da Terra: Quando notares que o corpo femini- no se torna cada vez mais delicado, voluptuoso e tentador; quando as mulheres começarem a andar de cabeça, peito e mãos descober- tos; ao perseguirem os homens com lascividade e as mães enfeitarem suas filhas — levando-as a passear dia e noite a fim de pegarem qualquer homem por tais meios externos, ou seja, a pior artimanha de Satanás — esperando que o seduzido se aposse da moça para casar com ela ou ao menos decida tomá-la para prostituta; quando a mulher se levantar contra o marido conseguindo dominá-lo, ou por seu encanto físico ou por bens e heranças, posição social e distinção; quando o sexo feminino olhar com desprezo seu oponente, escan- dalizando-se com seu desleixo, sua figura ou aspecto antipático — então, Lamech, a serpente se terá elevado para soberana do mundo, dominando todas as suas criaturas.
Quando isto acontecer, abandonarei o mundo e o entrega- rei ao poder daquele que ele homenageia, e amaldiçoarei todas as criaturas. Taparei Meus Ouvidos para não ouvir o forte choro dos infelizes que pedem Misericórdia, pois despejarei Meu Julgamento na época certa sobre toda a carne terráquea e Minha Ira sobre os países e todos os animais.
Em verdade te digo: O mundo já deu um grande passo para sua destruição! Por isso transmite em toda parte o que acabo de te di- zer e chama o povo para sua regeneração, do contrário tu e teu filho ainda assistireis o aspecto da Terra se Eu Me afastar dela totalmente. Lembra-te de Minhas Palavras e sê um servo justo para Mim.”
Então a nuvem incandescente desapareceu, inclusive o Se- nhor e os espíritos desencarnados. Cheio de pensamentos graves, Lamech voltou para casa e anotou tudo que o Senhor lhe havia dito. No dia seguinte, convocou todos os velhos patriarcas e lhes transmi- tiu o ocorrido.
MATERIALISMOREQUINTADODOS FILHOS
Os patriarcas sentiram a verdade contida no relato de La- mech, e cheios de entusiasmo e fé procuraram os povos nos quatro cantos da Terra e lhes transmitiram tudo que tinham aceito com plena convicção. Muitos voltaram à antiga fé, mas a maior parte continuou descrente, conjecturando: “Se houvesse algo de verdadei- ro nesta questão, por que o Senhor não se revelou também a nós, igualmente descendentes de Adão?
Cremos na Existência de um Deus implacável que rege so- bre nós segundo Seu Agrado, e isto é o bastante, pois sabemos que um dia teremos que morrer. Apavorar-se diante de Deus, que finalmente só nos tira a vida, seria absurdo e tolo para qualquer pessoa inteligente. Nosso lema é o seguinte: Come e bebe, procu- rando passar o tempo insípido da melhor maneira possível, pois não damos nada por aquilo que de modo místico e incerto deve ocorrer após a morte.
Vós, enviados por Lamech e não por Deus, podeis crer o que quiserdes, pois vossa convicção pouco nos interessa. O final há de resolver o segredo dos fenômenos durante a vida tanto para nós como para vós, quer dizer, quando apodrecermos nesta Terra como se nunca tivéssemos existido.
Quanto à advertência com relação às planícies, só podemos rir. Se lá existem de fato mulheres belíssimas que facilmente podem ser conquistadas, seríamos tolos se não buscássemos, pois esta parte é a melhor que o mortal possui nesta Terra. Se tal não for do Agrado de Jehovah — que o modifique! Portanto, podeis vos afastar, deixan- do-nos em paz, pois sabemos perfeitamente o que fazer!”
Eis a reação dos materialistas, e quando Lamech foi infor- mado a respeito revoltou-se muito e não sabia como agir. Mas o Senhor lhe disse: “Lembra-te do que te falei, não queiras usar de força. Quem quiser vir, que venha; os outros deixaremos fazer o que quiserem. No final a criatura há de nos procurar e então será oportuno falarmos algumas verdades a respeito de sua inteligência.
Quanto às mulheres das planícies, quem quiser poderá soli- citar uma para si; de nossa parte trataremos que ambos não subam as montanhas. Tem paciência e fica com os bons, no Meu Amor para sempre.”
INCORRIGIBILIDADEDOSÁVIDOSPOR DISTRAÇÕES
Após ter agradecido ao Senhor por este ensinamento, Lame- ch pergunta se deve chamar a si os fiéis. Mas o Senhor o adverte: “Deixa como está, pois o verdadeiramente fiel o é também entre o Meu gênero humano totalmente pervertido e desvairado.
Quem não possuir a verdadeira fidelidade não obterá o me- nor benefício num círculo fechado, para a Vida eterna. Quando es- tiver entre os fiéis ele imitará os seus hábitos. Encontrando-se entre os infiéis fará o que eles fazem.
Falando contigo, dirá apenas o que te agrada. Estando em companhia dos infiéis, brilhará de conversas imundas. Essas são as
criaturas volúveis e frívolas que saltam quais gafanhotos entre Deus e a morte. Não possuem nenhuma umidade de vida espiritual que fizesse germinar a Semente de Minha Palavra Viva neles, tampouco calor espiritual pelo qual amadurecesse a Semente para uma ação positiva, e isto porque não o querem, pois a volubilidade lhes agrada muito mais que uma existência sob Minha Graça.
Tais criaturas não só se tornam difíceis de melhorar, mas sua modificação é quase impossível, pois concordam com tudo segun- do as circunstâncias. Se quiseres que sejam más, coloca-as entre os maus. Se as quiseres alegres, leva-as ao grupo dos alegres. Se quiseres que sejam boas, deixa-as no convívio dos bons, e sábias serão quan- do se encontrarem com os sábios.
Se as deixares sozinhas, começarão a se desesperar de tédio porque não possuem vida própria e procuram sempre a distração. Por causa de uma distração prometida e um prazer qualquer con- seguirás até mesmo mantê-las ativas por certo tempo. Deixa-as apenas por três dias num grupo onde não há distração nem pra- zeres, que já no primeiro começarão a torcer o nariz. No segundo hão de reclamar e invectivar, e no terceiro reagirão com violência ou fugirão.
O lema de seu coração é: Estamos dispostos a trabalhar quando for necessário, mas é preciso que o trabalho nos agrade e não falte uma distração após tudo feito. Do contrário, agradecemos pela tarefa.
Se quisesses construir uma casa de diversão, poderás estar cer- to que viriam diariamente para se distrair com o espetáculo, como faz uma mosca varejeira com um detrito fresco. Afora isto, não deves alimentar qualquer esperança de que te procurem enquanto houver alhures outras possibilidades aprazíveis. Estarão dispostos a ouvir Minha Palavra — mas somente quando lhes der prazer. Jamais verás o menor vestígio de uma transformação interna.
Tais pessoas fazem o bem ou o mal caso lhes der prazer. Este faltando, são inteiramente indiferentes para qualquer coisa. Como não têm vida própria por tê-la perdido ainda jovens, porquanto os
pais as instigavam a uma pequena ação com promessas subsequen- tes, nunca aceitaram o valor da atividade, mas exclusivamente o da distração, com total entrega de toda emancipação e liberdade, por- tanto de qualquer vida própria.
Por isso deixa os fiéis onde estão que não nos abandonarão, e não te preocupes com os infiéis que serão sempre contra nós. No que diz respeito às moscas varejeiras, deixemo-las ocupar os montes de detritos. Tão logo chegarem perto demais de nossos alimentos, ainda estará em tempo de enxotá-las. O inverno da vida acabará com elas cedo demais.
Não é nossa intenção julgá-las. São simples mariposas que vivem de hoje para amanhã; por isso deixemo-lhes seu curto prazer, porquanto não terão outro. Eis Minha Vontade. Vós, fiéis, sede fiéis no Meu Amor; Nele, vossa existência não encontra fim.”
NÃOMERECEDEUSQUEMAMARNOMUNDOALGO MAIS QUE A ELE
Tal Revelação do Senhor deixou Lamech muito pensativo e procurou Matusalém a fim de colocá-lo a par dela. Diante dessa in- formação, o patriarca começou a temer por sua vida eterna e pensou: Se assim é, não olharei para mais nada que possa me dar o menor prazer e afastarei também meus ouvidos de todas as vozes munda- nas. Meu prazer maior será minha mulher e meus filhos.
Virando-se para Lamech disse: “Meu filho, resolvi não mais querer olhar e ouvir neste mundo o que me pudesse dar o menor prazer. Mas, que devo fazer com minha família, minha maior alegria na vida? Porventura devo vos abençoar e abandonar por Amor a Deus, ou poderei ficar em vossa companhia?”
Depois de refletir um pouco, Lamech diz, inspirado pelo Se- nhor: “Assim diz Jehovah, nosso Deus e Pai: Quem no mundo amar algo acima de Mim, não Me merece. Os genitores, mulher e filhos também são do mundo; portanto não os deves amar mais que a Mim, caso queiras ser digno de Mim.
Tudo que Me sacrificares Eu te recompensarei mil vezes no Reino da Vida eterna. Que cada um continue o que é e onde está, e Me ofereça no coração tudo que tem, e Eu o olharei e Me unirei a ele para sempre.
Aquilo que ele desfrutar desta união e o que fizer lhe será útil para a Vida eterna. Em tal circunstância Meu Espírito estará nele e modificará tudo no homem. A Vida será verdadeiramente Vida, o Amor um verdadeiro Amor, o que estiver morto será despertado para a Vida eterna, e todo prazer em talVidaserá justo diante de Mim, pois foi por Mim criada para acréscimo da Vida eterna e Meu Amor, Graça e Misericórdia Infinitos.
Comigopode o homem passar por todas as portas da vida e gozar tudo, porque Meu espírito nele transformou tudo para a Vida. Sem Mim, ninguém deve colher uma haste de capim sequer, pois também ela lhe poderá trazer a morte, física e espiritualmente, quando for colhida com seu espírito de tal modo que deposita seu amor na mesma.
Vê, pai Matusalém, tais são as Palavras do Senhor. Se isto sabemos vivamente, fácil será vivermos nesta Terra. Continuare- mos o que somos e onde estamos, amando apenas Deus acima de tudo e Lhe ofertando tudo o que nosso coração tiver tocado e assim afastado Dele, e imediatamente receberemos o Espírito Vivo do Se- nhor, pelo Qual tudo podemos desfrutar, conforme Ele Mesmo nos assegurou.”
Matusalém se acalma de novo. Todavia manifestou-se desde então muito reservado e se ocupava constantemente com o Senhor no coração, palestrando com o Seu Espírito Santo.
Deste modo, a maior parte dos bem-intencionados viveram isolados e retraídos psiquicamente do mundo externo e não perce- beram o que era feito pelos materialistas, cuja teimosia era enorme. Não se podia falar-lhes de algo espiritual, pois pretendiam saber tudo melhor que os Meus fiéis, e além disto procuravam reagir com estupidez e brutalidade quando eram abordados com energia pelos crentes em Mim.
Tais oponentes materialistas não davam mais ouvidos às vo- zes dos patriarcas, tampouco olhavam as obras verdadeiramente mi- lagrosas que os outros efetuavam diante deles a fim de fazê-los voltar ao justo caminho.
A consequência disto foi a queda total no sensualismo. Os jo- vens mais fortes começaram a visitar mais frequentemente as planí- cies, e como encontravam a maior consideração pessoal como filhos de Deus por parte das mais belas moças, sua vontade de voltarem às montanhas se perdia cada vez mais.
Constituíam família, ambientavam-se, erigiram grandes ci- dades fortificadas com muralhas possantes e dentro em pouco co- meçaram a se apresentar como senhores deste grande país, o que de fato ocorreu com seus filhos gerados com filhas das planícies. Eram fortes e cheios de mundanismo; por falarem melhor, eram abençoa- dos pela serpente que os dotava com todo poderio, força e violência.
Lamech, que ainda vivia nas planícies, teve que observar com imenso pesar o que faziam os que vinham das montanhas. Antes de morrer aos 630 anos, o que era excepcional nas planícies, chamou seus filhos e disse: “O Senhor me chamou para que eu deixe um mundo pervertido, portanto não demorarei a me livrar deste corpo bastante alquebrado.
Não vos aborreçais por isto como fizeram os filhos das mon- tanhas, do contrário padecereis ainda mais do que eles, que diaria-
mente descem de lá para construírem aqui novas cidades, gerando filhos fortes com nossas moças, mas que começam a dominar cada vez mais os nossos povos.
Por isto vos aconselho a ficardes fiéis ao Senhor, pois somente Seu Poder impediu que nossos inimigos fortes invadissem nossas ci- dades e campos. No dia em que resolverdes abandonar o Senhor sereis escravos destes poderosos do mundo. Lembrai-vos de minhas palavras, e que o Espírito do Senhor esteja convosco hoje e sempre. Amém.”
Dentro em breve morria Lamech, que foi sepultado pelos fi- lhos com todas as honras num ataúde de ouro, numa cripta sinuosa. As onze cidades choraram anos afora por seu chefe. Tubalkain então assumiu a regência governamental pisando as pegadas de seu pai, porém de espírito mais desconfiado.
O SURGIR DO MILITARISMO. A MORTE DE TUBALKAIN TERMINACOMOTRONCODELAMECH. URANIEL,
FILHODEMUTAELEPURISTATORNA-SEREIEM HANOCH
Enquanto ao lado de Tubalkain ainda viviam Hored, Terhad, Mura e Cural, o Governo de Hanoch se manteve com seus dez prin- cipados, muito embora se começasse a manter uma espécie de exér- cito contra os povos montanheses num crescente poderio fora das dez cidades.
Mas quando também faleceu Tubalkain, sem deixar herdei- ros homens, mas apenas duas filhas (pois os meninos gerados com Noêmia eram verdadeiros mentecaptos, portanto ineptos a conduzir o povo) não se sabia quem deveria assumir o regime. Hored, Terhad, Mura e Cural já haviam falecido antes de Tubalkain, e também os dois irmãos deste eram procurados em vão, pois durante uma via- gem mais longa morreram alhures, de sorte que os moradores da ci- dade de Hanoch enviaram mensageiros às montanhas para pedirem conselho a Lamech.
Informado que Noêmia não deixara herdeiros com Hored, Lamech mandou chamar Mutael, no Sul, e lhe disse: “Tens um filho com trinta anos, gerado com Purista; ele é sábio, bom e cheio da Onipotência e Força de Deus. Que te parece se eu o ungir para guia dos povos das planícies? Lá já devem viver cerca de três milhões de filhos das montanhas e não seria errado se teu filho, tão agraciado por Deus, se tornasse o seu dirigente.”
Mutael retrucou: “Meu irmão, tu mesmo tens um filho mui- to mais rico em Sabedoria e Graça de Deus. Por que não o queres ungir?” Diz o primeiro: “Sabes perfeitamente que ajo apenas segun- do o Conselho de Deus e não como penso. Se assim é, como per- guntas por algo que não leva a nada de positivo? Aceita o que te disse, ou não; mas contra o Desígnio de Deus dentro de mim não deves questionar.”
Reconhecendo seu erro, Mutael pede perdão e manda cha- mar seu filho. Depois de ter sido este ungido, Lamech diz para o mensageiro: “Eis o guia, professor e dirigente que o Senhor designou para vós. Ele vos acompanhará para Hanoch, estabelecerá uma or- dem e revelará a Vontade do Senhor.” Assim, Uraniel é levado com grande júbilo ao imenso castelo residencial em Hanoch.
IDOLATRIADOSHANOCHITASCOMASDUASBELASFILHASDETUBALKAIN.URANIELSEUNEA ELAS
O regime de Uraniel se manteve dentro da ordem durante dez anos, pois estava de posse do Espírito Divino, a Quem respei- tava. Durante esse tempo, as duas filhas anteriormente fracas se ha- viam desenvolvido para moças fortes e de tamanha beleza a serem verdadeiramente adoradas por todos. Muito embora, pela boa edu- cação recebida, rejeitassem a todos que assim agiam, as duas deusas continuavam a ser alvo de lisonjas. O quanto se justificava tal abuso pode ser deduzido através do seguinte elogio: “Ó Sol, é preciso que te banhes primeiro no mar, em todos os lagos, riachos e fontes para
que não venhas a macular o rosto daquela cujo nome não nos atre- vemos a pronunciar!
Vós, servos preguiçosos da aurora, purificai o dia com ventos dourados para que os olhos das filhas dos Céus de todos os céus não sejam turvados. Ó dia que surges, tem cuidado para não te tornares importuno por um calor excessivo ou pelo frio desmedido! Onde es- taria o mortal que tivesse visto esses olhos que brilham quais estrelas, todavia as envergonham diante de tamanho fulgor?
Suas faces são qual fogo original da aurora; sua boca é a harmonia de toda a Criação. Seus cabelos douram as fímbrias das nuvens; seu pescoço é a alma das flores. Seus braços são mais deli- cados que a mais suave brisa que foge do crepúsculo. Seu corpo é semelhante à plenitude dos Céus e seus pés se assemelham aos raios matutinos que se aproximam das nuvens da aurora!”
Tal era a saudação da manhã. Mas, ai de um dia nublado, que era prontamente amaldiçoado e às vezes castigado com vergastadas aplicadas no ar! Do mesmo modo também eram tratadas a noite antes de seu aparecimento, a Lua e as estrelas.
As duas moças eram obrigadas a se mostrar na janela, de ma- nhã ou à noite, do contrário se fazia ouvir um choro tremendo. Como tal absurdo durasse além de um ano, Uraniel se dirigiu ao Senhor para acabar com aquilo. Este então lhe disse: “Por que Me consultas tão tardiamente e como te deixaste seduzir pela beleza das filhas de Tubalkain?
Nada posso fazer sem restrição de teu livre arbítrio. Se Eu tirar as moças deste plano, o povo te estraçalhará. Se as deixar, o resultado aumentará. Se se tornarem tuas esposas, elas e tu haveis de receber honras divinas. Se fugires para as alturas, elas serão estraça- lhadas por ciúmes e seus algozes se enforcarão. Julga tu mesmo o que devo fazer. Age segundo a inspiração de teu coração e Me deixa fora do problema, pois sou Santo.”
Tal resposta não foi do agrado de Uraniel e pensou em fugir secretamente com as moças. Na véspera foi ele visitado por cem homens conceituados que lhe aconselharam a tomá-las para esposas.
Ele consentiu e tudo foi preparado para o enlace, sem que ele tivesse avisado o seu pai das montanhas para abençoá-lo.
NASCIMENTO DA BIGAMIA EM HANOCH. INSTITUTO DE BELEZA FEMININA
Tal enlace desapontou os homens, pois notaram que suas possibilidades eram nulas. Em compensação se atiraram nos braços de outros males, isto é, a permissão para qualquer homem sensual poder tomar duas mulheres, uma na mão direita, outra na esquerda. O rei não pôde impedi-lo porquanto os interessados declaravam que tal acontecia apenas em sua honra, ao que ele, já bastante enfraque- cido, nada pôde opor. Eis o primeiro mal, que em sua esfera espiri- tual nem pode ser calculado.
O segundo, maior, consistia na exigência de tais homens de que todas as mulheres deviam ser belas, também em honra ao rei. Como de um modo geral sempre houve mais mulheres feias do que belas, cogitou-se de meios para fazê-las artificialmente belas. Assim, erigiu-se um instituto de embelezamento no qual milhares de moças de toda a cidade, do campo e das dez cidades adjacentes eram aceitas entre doze e vinte anos, e para tanto bastava que tivesse pernas retas.
Em tal instituto, chamado “a honra do rei”, as meninas eram alimentadas com as mais finas iguarias, lavadas e massageadas com os unguentos mais finos, recebendo igualmente uma educação onde pouco mais se falava de Deus que hoje em dia, pois o ensino reli- gioso num colégio feminino e outros cursos superiores ficava em último lugar. Talvez se afirme que de tal instituto não pode surgir um grande mal. Paciência, ainda chegaremos lá.
Quem quisesse adquirir duas moças era obrigado a pagar um elevado tributo aos dirigentes do instituto. Além disto, tinha que entregar-lhes duas meninas bonitas e prometer uma taxa módica para o ensino e embelezamento. No final se comprometiam a não usar tais moças para qualquer espécie de trabalho que prejudicasse sua beleza.
5. A fim de que todos se vissem obrigados a buscar suas mu- lheres naquele instituto, havia determinação assinada pelo rei que ninguém seria admitido na corte sem comprovante de que elas se originavam do instituto do rei.
Com isso foi iniciado o tráfico de escravas e a diferença de classe das pessoas, nascendo daí ódio e desprezo recíprocos que den- tro em breve chegaram a frutificar. Tudo isto se baseava na bigamia, fruto do amor sexual, cujas consequências são imprevisíveis porque é dada livre expansão ao inimigo da vida. Por tal motivo é preciso que cada um se abstenha do amor carnal, caso pretenda alcançar a Vida eterna. A mulher não deve procurar tentar alguém, se não quiser ser condenada e julgada.
PORMENORES A RESPEITO DO INSTITUTO DE BELEZA. INÍCIO DO TRÁFICO
Se alguém perguntar se em tal instituto de embelezamento eram de fato criadas mulheres bonitas, deve considerar que o inimi- go da vida tudo empenha para a favorável realização de tais empre- endimentos, pois assim consegue levar as águas para seus moinhos. Além disso, todos sabem pela experiência o que consegue uma rou- pa adequada para uma mulher. Quantas fraudes fisionômicas são al- cançadas, e não raro é o sentimento ludibriado por meio de adornos, cosméticos e roupas de luxo, e outros recursos satânicos.
Se a humanidade de hoje é atraída por tais meios às teias de Satanás, facilmente se pode imaginar que naquela época tais nações mais fortes e acessíveis à fantasia eram tentadas por eles.
Como as ideias jamais descansam, também lá se efetuavam de ano para ano novas invenções no setor do embelezamento feminino, e bastava que uma menina tivesse apenas pernas bem feitas para ser aprimorada no todo. Mas como as mulheres não tinham valor se não eram participantes da “honra do rei”, as demais se achavam de- sonradas e magoadas. Tal mágoa de nada servindo, estas procuravam os empregados de tal instituto a fim de melhorarem mediante bom
pagamento. Estes, não desprezando tal lucro, aceitavam inclusive mulheres mais idosas, alimentando-as e procurando adorná-las de modo escandaloso.
Tudo isto não prejudicava o estímulo de vaidade, pois era fa- cílimo esconder-se as rugas do rosto. No decorrer do tempo foi pre- ciso aumentar o instituto devido ao seu conceito geral. No espaço de trinta anos os povos estrangeiros que se tornaram fortes chegaram a tomar conhecimento de que em Hanoch se geravam as mais belas mulheres; por isto enviavam mensageiros para lá.
Com a permissão do rei foi-lhes mostrado o instituto e as suas beldades, que os deixaram totalmente fora de si. Então eram informados de que todas as mulheres já preparadas estavam à venda por uma importância prefixada. Quando os regentes souberam des- ta possibilidade, carregaram mil homens com joias de toda espécie para comprarem duas mil mulheres em Hanoch. Assim começou o tráfico humano.
SANEAMENTODASMONTANHAS. LAMECH
ACONSELHAASDEZMILMULHERESQUE PARTEM
PARAASPLANÍCIES.PALAVRASDECONSOLODE NOÉ
As montanhas entrementes se haviam purificado, pois todos os que alimentavam qualquer sentimento indecoroso se encaminha- vam pouco a pouco para as planícies. Mormente o sexo masculino que, uma vez tendo saboreado a doçura das mulheres de lá, deixava de voltar para suas famílias.
Por isto as montanhas estavam mais purificadas em tal época, mas também não recebiam notícias de tudo que no decorrer de cin- quenta anos havia acontecido nas planícies. Por várias vezes Lamech procurou palestrar com Mutael a respeito da situação daquelas ter- ras, mas não conseguiam chegar a um esclarecimento, pois o Senhor não queria falar a respeito das condições nas planícies.
Os mensageiros que Mutael havia enviado para lá nunca vol- tavam, uma vez que os prazeres e a hospitalidade os prendiam por
demais. Deste modo, nem Lamech nem Noé, que já ultrapassara a casa dos oitenta, tampouco Mutael, recebiam notícias.
Lamech então convocou mais de dez mil mulheres, cujos companheiros as haviam abandonado e agora pretendiam segui-los para aquele antro, e lhes disse com rigor: “Qual é vossa intenção? Por acaso vos deixastes seduzir por Satanás?
Mas o Senhor me disse o seguinte: Lamech, não detenhas as que se esqueceram de Mim, pois hão de receber a paga de sua infi- delidade. Que cada um faça segundo seus apetites. Eu sou o Senhor e farei o que Me compraz!
Eis as palavras do Senhor; por isto não vos deterei. Quem quiser ficar por amor a Deus, que fique; as outras podem ir. O futu- ro mostrará se sua volta será tão fácil quanto a partida.”
A tal informação as mulheres se alegraram muito, tomaram algum alimento e partiram para as planícies. Eis que Mutael dis- se para Lamech: “A orientação que devia mantê-las aqui as impele para lá. Se isto continuar, dentro em breve estaremos sozinhos nas montanhas.”
Lamech se entristeceu muito com tal observação que levou Noé a obtemperar: “Se assim é, assim será. O Senhor só olha para os que Lhe pertencem, e não para os estranhos. No início Ele também criou apenas um casal, e a Terra está repleta de criaturas. Se contar- mos mais que um só casal, estou certo que as montanhas hão de se povoar de novo.”
Com esta explicação Mutael e Lamech se deram por satisfei- tos e meditavam como podiam amar mais ainda o Senhor, Que os visitava seguidamente.
CHEGADADASDEZMILMULHERESNAS PLANÍCIES
Quando as dez mil mulheres chegam às planícies, à noitinha, fazem acampamento fora da cidade de Hanoch e tal fato é imediata- mente levado ao conhecimento do rei através de pessoas que lá pas- savam. Ele procura se orientar a respeito de sua origem, aspecto, ida-
de e beleza. Sabendo que, a julgar pelas vozes, porquanto a escuridão não permitira orientação certa, tratava-se de criaturas jovens e talvez bonitas, prontamente ele mandou prendê-las para serem levadas ao instituto de beleza. Com apenas um ano de tratamento adequado estariam em condições de serem negociadas com outros povos.
Dito e feito. Mas quando aquelas criaturas deparam com um exército de doze mil homens, julgam tratar-se dos maridos que ha- viam fugido e com júbilo se atiram aos seus braços. Os homens as tratam com bastante amabilidade e as conduzem na mesma noite aos albergues.
No dia seguinte o rei inspecionou sua presa com grande sa- tisfação, pois entre elas havia de um modo geral criaturas fortes, excetuando algumas já mais idosas. Por isto ele ordena o melhor trato e cuidado para o seu embelezamento, e dentro de um ano se apresentavam os efeitos deveras fabulosos, para grande satisfação do regente que previa o lucro favorável para o futuro.
EFEITO DO MELHORAMENTO FÍSICO DAS MULHERESDEHANOCH.INVENÇÃODOVIDROEDA MOEDA
Passado um ano e meio, as moças se haviam transformado em verdadeiros tipos de beleza, também devido à sua imponência. Os hanochitas então resolveram não vendê-las, mas conservá-las para si, dando em troca suas próprias companheiras e filhas ao instituto, pagando para tanto uma importância em ouro e outros objetos.
Deste modo foram gerados filhos muito atraentes, que além disto eram dotados de talentos, especialmente na mecânica, física, escultura e outros ramos científicos. O vidro foi uma especialidade desta gente, naturalmente em estado inicial.
Tal ocorrência proporcionou à grande cidade de Hanoch um aspecto diferente, após trinta anos em que o rei começou a mandar fazer a cunhagem de moedas consideradas como meio de troca mui- to cômodo. O comércio foi se tornando importante e a exploração de ouro e prata tentou o rei a mandar dourar seu enorme castelo,
mandando ainda construir um novo, muito esplendoroso e tão fa- bulosamente ornado que não havia outro regente que pudesse con- correr com ele.
Passados outros trinta anos, o aspecto de Hanoch era tal, que povos estrangeiros acreditavam que seres superiores haviam ajudado na construção, do contrário seria impossível transformar a cidade anteriormente velha e escura para tamanho brilho, luxo e imponência.
Para se ter uma ideia de seu tamanho, basta dizer que nela existiam mil edifícios enormes que facilmente poderiam acondicio- nar dez a quinze mil homens, sem enumerar as milhares de moradias menores e outros palácios.
Também foram construídas várias escolas e institutos de edu- cação, e todas as cidades eram obrigadas a usufruir dos benefícios de Hanoch, mediante somas vultosas. A corte em breve percebeu que os povos vizinhos, bastante poderosos, demonstravam crescente cobiça das enormes riquezas de Hanoch e resolveram construir uma muralha protetora em torno dela.
Uma vez tomada tal resolução, milhões de braços se puseram a trabalhar e dentro de dois anos a muralha de sessenta metros de altura, vinte metros de largura e cento e cinquenta mil metros de comprimento foi concluída.
Havia cento e setenta portais para a entrada da metrópole; cada portal possuía três batentes de aço e em cima de cada por- tal se encontrava uma estátua colossal na qual trinta guerreiros se ocultavam, podendo atacar com pedras através dos olhos, boca e ouvidos da mesma.
Talvez há quem pense que a realização de tais obras levasse centenas de anos; mas basta imaginar o que podem fazer milhões de braços com boa orientação, para se compreender que em sete anos estavam concluídas, tanto mais quanto a força maior, o zelo e natu- ralmente a influência importante eram da serpente.
Os povos gerados pelos moradores das alturas e as mulheres das planícies começaram a confabular em suas doze cidades chama- das: Lim, Kira, Pejel, Kasul, Sab, Marat, Sincur, Pur, Nias, Firab, Munin e Tiral, escolhendo Lim para um conselho geral, no qual con- cluíram o seguinte: “Por que devemos pagar preço tão elevado por qualquer vantagem em Hanoch? Somos gigantes e nossos músculos possuem tamanha força que podemos enfrentar qualquer fera. Que tal se nos uníssemos aos milhares e conquistássemos Hanoch para nós? Se bem que a cidade possua uma muralha possante e seus portais têm estátuas de aço, trata-se apenas de obras humanas e indefesas. Está portanto na hora de nos unirmos para tal empreendimento.”
Obtempera um conselheiro: “Se nos dirigirmos em massa para aquela cidade os moradores perceberão nosso intento, mandan- do fechar os portais. Qual seria o resultado? Um enorme vexame. Se formos em número menor, nada alcançaremos contra eles.
Minha opinião é a seguinte: Como as dez cidades pequenas a circundarem Hanoch ainda não estão fortificadas e cada uma mal conta com dez a quinze mil habitantes, devíamos conquistá-las com algum esforço e deste modo cortarmos o comércio com Hanoch. Então os hanochitas hão de se entender conosco e não compraremos seus produtos por preços exorbitantes, mas também produziremos o que precisamos.
Que eles então morram de fome, procurando vender suas mulheres e produtos artísticos a quem quiserem; nós não os com- praremos. Acho que deste modo Hanoch entrará em decadência ou se submeterá às nossas condições favoráveis aos nossos cofres.”
Este conselho agradou a todos e no dia seguinte já se haviam armado duzentos mil homens fortes que, sem grandes lutas, conquis- taram as dez cidades. Quando os hanochitas souberam disto, resolve- ram fabricar as armas mais mortíferas e dentro de um ano arregimen- taram um exército de um milhão de soldados que recebiam instruções bélicas, e com seu chefe marcharam contra os povos adjacentes.
Um milhão de soldados munidos de lanças, alabardas e espa- das se dividiu em dez divisões, cada uma incumbida de atacar uma das dez cidades. Mas aqueles povos souberam se inteirar dos planos bélicos dos hanochitas e se prepararam para o contra-ataque. Atra- vancaram as entradas das cidades e colocaram guardas bem adestra- dos com arcos, trancando também portas e janelas.
Quando os hanochitas se aproximaram com grande gritaria, foram recebidos com milhares de flechas que mataram e feriram muitos. Como desconheciam esta arma, acreditaram que maus es- píritos estavam lutando a favor do inimigo e por isto fugiram às pressas para Hanoch onde se esconderam em suas casas.
Cientes de sua vitória, os povos oponentes resolveram o ata- que à cidade de Hanoch. Mas o já conhecido conselheiro disse aos dirigentes das dez cidades: “Não convém nos arriscarmos. Aqui es- tamos desfrutando de uma situação favorável. Se marcharmos para Hanoch, onde os portais estão trancados, estaremos expostos aos ataques de pedras, sem vantagem alguma. Por meio de força aquela cidade não pode ser conquistada e não passaríamos melhor em suas muralhas do que eles passaram em nossas, quando o seu exército foi dizimado pela metade e tivemos que trabalhar durante quatorze dias para enterrarmos os mortos.
Os hanochitas receberam uma lição tão forte de nossa parte que certamente chegaram à conclusão de que sua muralha de nada lhes serve e seria conveniente viverem amistosamente conosco. Estão sitiados por todos os lados, e a fome os conduzirá para perto de nós como amigos, e então estipularemos as condições de paz, como já disse, favorável a nós.”
Este conselho foi aceito por todos e o conselheiro não estava errado, pois na sétima semana chegavam mensageiros do rei Uraniel para estipularem um tratado de paz — a favor dos hanochitas, na- turalmente. Mas os chefes das cidades, bem orientados, retrucaram:
“É evidente que somos vossos senhores, portanto tereis que aceitar nossas condições. Se isto não quiserdes, a fome vos obrigará a tanto, pois o estado de sítio não será sustado antes.
As condições são as seguintes: Queremos erigir além de vossa muralha um mercado de produtos e tereis que comprá-los por preço justo. Mil homens de nosso exército terão que participar do conse- lho do rei em Hanoch, recebendo tratamento adequado. Se isto vos convém, ide apanhar o consentimento do rei. Em caso contrário, podeis morrer de fome.”
Deste modo, o rei se viu forçado a aceitar as condições e no próximo dia se começava a erigir o mercado de produtos, que os hanochitas tinham que pagar por qualquer preço, devido ao estado de carência. Os mil conselheiros estranhos entraram em Hanoch e tomaram o rei em custódia, de sorte que teve de dançar de acordo com o assobio deles.
GOVERNO DE COAÇÃO POR PARTE DOS CONSELHEIROS
A primeira exigência dos conselheiros adjuntos se prendia a uma muralha de proteção feita também em torno das dez cidades, a fim de se garantirem contra o rei e os poderosos hanochitas, man- tendo a metrópole sob controle constante.
Os mil conselheiros se positivaram cada vez mais solidamen- te nas dez cidades e se tornaram de certo modo os próprios regentes da cidade principal, e o rei se via obrigado a fazer apenas o que eles exigiam.
Daí surgiu nada mais que uma constituição entre rei e povo, e ao mesmo tempo nascia uma certa aristocracia e distinção de clas- ses populares, pelas quais sobretudo os homens das planícies eram empregados nos serviços pesados.
Nesta organização ficou estipulado que tais trabalhadores ja- mais poderiam se elevar acima de sua condição tributária e, além disto, um homem de posição elevada não podia ligar-se a uma mu-
lher de situação inferior. Mas se uma moça humilde agradasse a um senhor aristocrata, era preciso que fosse primeiro aceita como no- bre por parte do rei, que a adotava, tornando-a apta para unir-se a um nobre.
Tal adoção consistia principalmente num enxoval adequado com que se concretizava a classificação da nobreza. Por tais recursos os conselheiros adjuntos conseguiram se apossar dos tesouros de Ha- noch, conferindo ao rei apenas uma função aparente.
No decorrer de quinze anos após a fortificação das dez cida- des, Hanoch se encontrava de tal modo arruinada e extorquida que o velho regente começou a se lastimar perante os mil conselheiros, dizendo: “Se é vossa intenção de nos aniquilar, apanhai vossas armas e matai-nos para vos apossardes de todos os tesouros desta cidade; é deveras desumano sermos exterminados tão cruelmente.”
O chefe dos conselheiros respondeu: “Entendemos teu pro- blema. Mas como podemos agir de modo diferente se somos conse- lheiros teus e do povo? Não tem ele maiores direitos que um fraco rei de Hanoch? Se quiseres ver a cidade em progresso, entrega-nos a direção e continua como rei, envolto numa aparência mística e santificada.”
Reconhecendo sua incapacidade de reação e desejando a aju- da da cidade, o rei consentiu na proposta e os conselheiros se torna- ram senhores de Hanoch e de todo o país, tendo o rei que assinar todas as determinações sem estar a par dos assuntos. O povo julgava que ele encabeçava o governo, enquanto se havia estabelecido desta constituição a pior aristocracia.
REGIMEDAARISTOCRACIASOBREAÁSIA. A
INFALIBILIDADE DO PAPA CRUEL SOBRE O POVO. MORTE DE URANIEL
1. A aristocracia foi se expandindo cada vez mais e os senhores de Hanoch se tornavam cada vez mais poderosos. Seu reino se es- tendia sobre a Ásia toda, com exceção do Império chinês. Apenas
as regiões montanhosas foram poupadas pelos hanochitas. Todavia foram conquistadas pelos seguidores de Horadal, um povo bélico de Lamech que ocupava em hordas as melhores pastagens.
Os senhores de Hanoch criaram com isto centenas de rei- nados e principados feudais. Onde quer que erigissem uma nova cidade, uma nova colônia, imediatamente era entregue a um regente feudal obrigado a pagar anualmente um tributo moderado a Ha- noch. Fora isto, era dele soberano absoluto de seu país e povo. Era regente independente e legislador de seus súditos, exclusivo dono do comércio em sua cidade, fabricante único de todas as matérias, obrigando o povo a comprar tudo em suas mãos.
Além disto, era ele — contra Minha Vontade — sacerdote do povo. Sua doutrina raras vezes mencionava Minha Pessoa, muito mais porém sua própria dignidade, e caso lhe fizessem uma oferen- da, esta era feita também para Deus, do Qual ele era representante. Tudo dependia dele, se uma criatura após a morte recebia a vida eterna da alma ou não.
Com a expansão dos povos, foram criados sacerdotes auxi- liares que só podiam pregar a palavra do regente e não a própria opinião. Tal determinação fora constituída pelo regente e o contra- ventor tinha que executar as mais cruéis obras de penitência a fim de se libertar de pecado mortal.
Tais penitências consistiam em dar caça a serpentes, ma- tança de determinado número de animais ferozes, como tigres, leões, ursos, hienas, etc., todavia era permitido ao penitente anga- riar voluntários para seu castigo. Penitências menores consistiam em oferendas, e na impossibilidade das mesmas havia a aplicação de boa surra.
As mulheres respondiam a leis mais suaves e em caso de vio- lação recebiam apenas uma chibatada sem roupa. A pena de morte era privilégio de Hanoch e feita da seguinte maneira: o condenado era dependurado com uma corrente nos pés entre duas pilastras de vinte metros de altura e era balançado de um lado para outro duran- te o dia inteiro de cabeça para baixo.
Se no fim do dia o criminoso ainda dava sinais de vida, era liberto. Se voltasse a si, podia afastar-se. Se morresse durante a noite, era sepultado de manhã. Se a morte ocorresse durante o balanço, seu cadáver era jogado às feras que naquele tempo já eram conser- vadas em jaulas. A morte no balanço era prova de que ele merecia o castigo. Por isto os merecedores da pena de morte tinham que ser enviados para a capital.
Não levou muitos anos e Hanoch se viu obrigada a erigir centenas de tais balanços, que nunca descansavam. Deste modo este governo aristocrata durou cerca de cem anos e terminou com a mor- te de Uraniel, que havia atingido a idade de quase trezentos anos e no final teve que morrer na pior miséria; todavia reconquistou o estado da Graça Divina.
EDUCAÇÃODOSSETEFILHOSDEURANIELNASMONTANHAS. OPRESSÃO DE HANOCH E DE SEUS POVOS
Uraniel deixou suas duas mulheres e sete filhos: cinco moças extraordinariamente belas e dois homens, verdadeiros gigantes. To- dos tinham sido educados nas montanhas, pois quando Uraniel em sua grande aflição se havia voltado para o Senhor, a fim de sustar a miséria de sua cidade e de seus súditos, Este lhe disse: “Se Me tives- ses consultado há setenta e sete anos atrás, Eu poderia ter ajudado. Agora é tarde.
É fácil converter-se um povo ignorante e tolo como fora no início sob a regência de Lamech, pois seu coração ainda era acessível e crente. Mas um povo tão altamente culto devido à sua indústria julga-se mais sábio que Eu. Não necessita de Mim, pois, segundo sua opinião, o mundo criou-se por si mesmo, inclusive suas leis in- dispensáveis e tudo que existe. Que farei com tal povo?
Meus filhos deixaram há muito tempo suas montanhas, uni- ram-se nas planícies a mulheres belas, gerando filhos fortes e dota-
dos de inteligência apurada, e deste modo se tornaram senhores e mestres de todo o mundo e coisas. Onde fico Eu?
Como vês, não te posso ajudar. Mas como Me moveste a falar contigo e Me pedes durante sete anos, dar-te-ei um conselho em benefício de teus filhos. Nas alturas ainda vivem teus pais, Matu- salém, Lamech e seu filho Noé. Entrega-lhes teus filhos para serem educados, pois se os deixares aqui morrerão física e espiritualmen- te, porque teus conselheiros procurarão açambarcar todo o domí- nio para si.
Se os levares para as montanhas, farás um favor a teus con- selheiros. Muito embora tirem todo teu poder governamental do povo e te prendam qual pássaro na gaiola, fortificarei teus filhos e os enviarei para aqui como importantes professores quando não estiveres mais no mundo.
Caso o povo se converta, retirarei Minha Mão punidora. Se expulsar os doutrinadores, hei de exterminar toda a geração, inclusi- ve os animais, e colocarei uma outra na Terra purificada.”
A este conselho, Uraniel enviou seus filhos e mulheres à casa de Mutael, onde foram educados por Purista. Lamech, e especial- mente Noé e seu irmão, se dedicaram muito à educação agradá- vel a Deus.
Mas, com a morte do rei Uraniel, os mil conselheiros come- çaram a oprimir todo o povo, instituíram mais outros principados e exigiram dos regentes tributos exorbitantes. Queriam aumentar Hanoch a tal ponto que as dez cidades lhe fossem anexadas.
Nessa ocasião Eu enviei para lá os dois filhos de Uraniel e fiz com que iniciassem sua pregação. Imediatamente foram presos, amarrados, espancados e enxotados com a ordem de não voltarem, pois o povo de Hanoch conhecia Deus muito melhor que tais igno- rantes das montanhas. Caso voltassem como mensageiros de Deus, haveriam de provar os balanços. Assim, os dois filhos de Uraniel voltaram entristecidos para as montanhas, onde relataram o que lhes sucedera.
Os poucos patriarcas nas montanhas se apavoraram diante da total ruína das planícies sob a regência de Lamech e Tubalkain, e também por certo tempo se mantiveram em vivo progresso com Uraniel. Por isto Lamech disse a seu filho Noé: “Que te parece caso estes dois filhos de Uraniel fossem dotados com o poder milagroso de Henoch, ou como o Próprio Senhor dotou Kisehel e seus ir- mãos, podendo assim efetuar melhor sua missão do que pela sim- ples palavra?
Sei que o Senhor te considera muito e sempre te atende, pois podes Lhe falar quando quiseres, enquanto preciso clamar durante dias até que Ele me responda. Não poderias te dirigir no coração a Ele, expondo-Lhe meu desejo? Talvez o aceitasse!”
Disse Noé: “Meu pai, não há o que fazer. Lembro-me que durante o regime de Lamech, quando ainda era servo da serpente, ele era apenas um errado. Tiranizou o povo que gemia sob sua cruel- dade mas esperava pela salvação. Bastou que ele se convertesse para que todo o povo fosse salvo.
Agora a situação é outra. O coração de cada um tem o as- pecto do íntimo de Lamech daquela época. Ele foi condenado até a morte e teve que reparar e vivificar em si, pela própria ação e renún- cia, aquilo que fora morto através do milagre de Kisehel.
Quão imenso deveria ser um milagre que convertesse mi- lhões, cujo coração é cem vezes pior que Lamech em sua crueldade! Segundo minha opinião, devemos ficar satisfeitos se vez por outra alguns são conquistados pela força convincente do Verbo. Impossí- vel cogitar-se de uma modificação total das atitudes nestes povos.
O Senhor enviará os dois filhos apenas dotados com a for- ça da prudência para Hanoch. Se conseguirem um resultado con- tra a má vontade de alguns hanochitas, será um benefício. Se tal não acontecer, entreguemos tudo ao Senhor que fará o que é justo. Concordas?”
Lamech sentiu a verdade das palavras de Noé e desistiu de pedir ao Senhor que dotasse os dois homens de força milagrosa. Estes receberam o dom da prudência divina e foram novamente en- viados para as planícies.
OSDOISMISSIONÁRIOSCOMOPEDREIROS EM HANOCH
Quando os dois missionários chegam à grande cidade Ha- noch, pela segunda vez, se deixam contratar para construções de ligação entre a capital e as dez cidades que eram consideradas como suburbanas.
Tais construções consistiam de duas fileiras de casas de um andar que fechavam uma rua larga por dois lados e eram protegi- das por fortes diques. A mais curta dessas ruas media meio dia de viagem e a mais longa media um dia inteiro. Precisamente na mais comprida que levava para a cidade de Uvrak, os dois missionários foram contratados. Se bem que não recebessem salário, pois em tais construções já havia sido instituída a jeira, eles tinham o direito de alimentação por parte dos ajudantes. A estes era proibido, sob ame- aça do balanço, de cuidarem dos suprimentos a fim de se evitar que os pedreiros fossem interrompidos em sua tarefa.
Assim, os mensageiros desfrutavam de certo privilégio e se destacavam de tal modo em seu trabalho a chamarem a atenção dos senhores inspetores, pois suas obras eram tão bem feitas e delicadas como se fossem cunhadas. Seu conhecimento de causa e sábio apro- veitamento do material foram motivo de serem elevados a mestres de construção.
Como tais, conduziram suas parcelas de construção com ta- manha destreza e habilidade a levarem as pessoas a se extasiarem diante de sua formidável apresentação, de sorte que os dirigentes de Hanoch lastimavam não os terem conhecido antes. Como ainda faltasse um bom trecho a ser terminado naquela rua, ambos foram nomeados para diretores de construção que dirigiam a obra toda.
Quando após dez anos esta estava pronta, naturalmente com ajuda de milhões de pedreiros dos quais milhares morreram de fome, maus tratos e epidemias, os dois amigos foram investidos no conselho e receberam a incumbência da chefia suprema em matéria de construção.
Diante de tamanho crescimento da cidade de Hanoch, os próprios habitantes também cresciam com suas necessidades e se viam obrigados a depositar pesos maiores nos príncipes estrangeiros e estes se rebelaram; alguns pela violência, outros pela fuga.
Por este motivo, a cidade ficou exposta à pior miséria e não dispunha mais de fontes pelas quais ao menos se protegesse da fome. Então os dois emissários foram inquiridos pelos mil conselheiros sobre as medidas a serem tomadas para salvar a metrópole. Os dois adiaram a resposta por sete dias, pois assuntos importantes e de grande vulto necessitam de tempo para reflexão. Dentro do prazo estipulado o plano estaria pronto.
DISCURSODOSDOIS EMISSÁRIOS
Decorridos sete dias foi convocada uma assembleia geral na qual os dois emissários manifestaram o seguinte: “Após prolongado estudo descobrimos não haver possibilidade de se manter o atual governo. A cidade recebeu uma expansão enorme e isto já ocorria no tempo do rei Uraniel, e se não tivesse sido erigida a malfadada muralha, Hanoch ainda estaria próspera. É fácil deduzirmos que esta cidade mais antiga da Terra está prestes a cair em ruínas.
Considera que somos atualmente mil reis ao mesmo tempo. Cada um mantém uma corte com mil criaturas de ambos os sexos para sua segurança e pompa, e todos nós não trabalhamos, mas que- remos viver bem. Perguntamos: Quem poderia providenciar alimen- to para tantos ociosos?
Prossigamos. Em cada uma das dez cidades vivem milhares de trabalhadores, soldados e empregados de altos funcionários e dos nobres. Todos eles nada fazem para lavrar a terra, mas querem viver
bem. Além disto contamos na capital dez institutos de beleza femi- nina e todos estão abarrotados de dez a vinte mil mulheres, e mais um terço em professores e outros empregados. Estes têm que ser muito bem alimentados e mal conhecem o solo que produz o seu suprimento.
Na capital vivem, segundo nossos cálculos, duzentas mil famílias nobres com sua criadagem, perfazendo ao todo trinta mil pessoas. Também desconhecem a lavoura, mas querem comer bem. Através da inútil e constante tendência de aumentar a cida- de, o solo foi exaurido e onde se constrói uma bela edificação não nasce trigo.
Além disto, tal construção atrai camponeses enriquecidos que compram tal palácio e vivem de seus recursos, mas como não têm terras para plantio, compram aquilo de que necessitam.
Isto é justo, mas se essa situação continuar, se diariamente dez a vinte famílias do campo aqui fixarem sua residência, de quem hão de comprar o pão? Exigimos constantemente enormes tributos de todos os nossos vassalos e com isto a vida do campo se torna de- primente para o povo. Eles fogem para territórios desconhecidos ou se rebelam aqui e acolá contra nossas exigências injustas.
Eis a pergunta: Quem nos fornecerá o pão daqui por diante? A atual instituição do governo caducou e convém convocardes um conselho para termos os meios de sustar essa calamidade.”
REALIZAÇÃODOPLANODOSDOIS EMISSÁRIOS
O alto conselho insistiu para que os dois amigos prosseguis- sem, pois reconhecia sua razão e desejava saber quais os meios de sustar a situação calamitosa. E os emissários prosseguem dizendo: “Pois bem, garantimos por nossa vida que dissemos apenas a verda- de, e caso nosso conselho não for seguido não nos responsabilizamos pela morte de um milhão de pessoas no decorrer de quinze dias, e além disto podemos esperar por um levante jamais visto na Terra. Os homens se matarão para se saciarem, inclusive com nossa carne.
A fim de desviarmos tão horríveis acontecimentos só existe um caminho a seguir com a máxima urgência. Os institutos de be- leza têm que ser fechados e para tanto enviaremos mensageiros em todas as direções para transmitirem que tais mulheres podem ser tomadas gratuitamente e com o acréscimo de um subsídio de provi- mentos e joias acumulados em tais institutos.
Os gerentes e especialistas em embelezamento devem emi- grar, levando cada um no mínimo três mulheres, o que será um be- nefício junto com os provimentos e riquezas recebidos. Tais enormes edifícios devem ser demolidos e suas áreas transformadas em hortas, e dentro de um ano dez mil pessoas poderão produzir víveres.
Além disto, vivem aqui inúmeros ociosos que se chamam nobres e só dispõem de boca enganosa para se manterem. Fora com eles! Que cada um receba uma mulher com algum dote em ouro, e nossa cidade ficará livre de centenas de milhares de criaturas inúteis. Caso perguntem para onde se devem dirigir, indicaremos o caminho para as montanhas, onde encontrarão acolhida.
Do mesmo modo reduziremos nossa guarda pessoal de mil para cem, com uma indenização semestral, e a metrópole ficará des- tituída de uma quantidade de consumidores inúteis, sendo fácil en- tão zelar pelos verdadeiros cidadãos por meios naturais.
A burguesia disposta a trabalhar receberá orientação no sen- tido de que todas as grandes praças devem ser transformadas em hortas. As ruas largas devem ser aproveitadas para o plantio de ár- vores frutíferas, inclusive os terraços e a grande muralha que poderá produzir vários legumes para milhares de pessoas. Os subúrbios da cidade com seus balanços devem ser transformados em campos de trigo e cada construção inútil em jardim — e dentro de um ano te- remos uma situação deveras invejável. Se tal orientação foi realizada, passaremos para outra.”
Tal conselho foi prontamente executado e dentro de quinze dias a cidade estava tão vazia que dava impressão de a pessoa se encontrar numa floresta de casas; no entanto, ainda lá viviam mais
de dois milhões de cidadãos aplicados, que transformavam tudo em terrenos frutíferos.
PROPOSTA PARA ABERTURA DO TEMPLO E INÍCIO DA VENERAÇÃO DE DEUS
Quando depois de um ano tudo se encontrava em ordem e também alguns vassalos se tendo prontificado a um tributo modera- do, o que constituía um grande alívio para a cidade de Hanoch pela redução da população, os mil conselheiros convocaram uma assem- bleia para receberem nova orientação dos dois emissários.
Eis que eles manifestam a seguinte opinião: “Estais convenci- dos de que tudo que aconselhamos teve o maior êxito, que aumen- tará à medida que fordes firmes em sua futura execução. Também nossos vassalos se prontificarão a um imposto se este for reduzido, pois as áreas internas da cidade produzirão o indispensável para nos- so suprimento.
Nosso regime de vida bastante simples não há de atrair novos imigrantes, mas aumentarão os interessados na compra de produtos que lhes serão vendidos pelos preços mais baixos. Deste modo, nós e nossos descendentes, caso prossigam nesta trilha, conservaremos a cidade mais antiga e venerável num estado de progresso que impedi- rá as queixas de qualquer habitante.
Se além disso não pretendermos enriquecer através de po- vos estrangeiros e eles também não notarem qualquer riqueza em nós, mas apenas atividade burguesa e simplicidade, não haverá povo abastado que venha nos dominar e tirar o que não possuímos; caso contrário, não estaremos seguros de invasões e pilhagem. Tudo isto é bem calculado e assim uma felicidade perene para Hanoch fica gravada em traços indeléveis.
Falta apenas uma coisa para a realização total de nosso con- selho e a reservamos como ponto final para sua coroação. É preciso que comecemos a nos prender com rigor a Deus, Todo Poderoso,
ensinando todos os moradores a reconhecer, adorar e amar Aquele Que esqueceram totalmente.
Sem esta realização, nosso melhor conselho se desfará no pó e bastarão apenas alguns anos para nos deixar numa miséria muito maior que a atual. Por este motivo teremos que abrir de novo os dois Templos de Lamech e lá ofertarmos um sacrifício de gratidão e veneração!”
Nesta altura um grande número de conselheiros começou a torcer o nariz, mas alguns concordavam com a proposta, apenas es- tipulando a construção de vários templos. Ainda outros propunham que também as praças dos dois templos deveriam ser transformadas em hortas, desencadeando-se assim uma forte discussão.
IDEIAS MATERIALISTAS DOS CONSELHEIROS ERETORNODOSSÁBIOSPARAAS MONTANHAS
Tal litígio durou um ano sem que os contendores chegas- sem a um acordo, de sorte que resolveram pedir orientação aos dois emissários. Os primeiros combinaram ser necessário o conhecimen- to de Deus; em caso de emergência também aceitavam vários deuses a fim de manterem a ordem popular. Mas tal conhecimento não de- veria ser alcançado através de uma fé cega baseada na fútil pregação, mas sim na conquista da ciência pura, matemática, filosofia e obras artísticas e merecedoras de Deus.
Deste modo o povo receberia algo concreto e convincente em vez de uma fé ignorante e cega que testemunhasse a Existência de Deus pelo misticismo, que duraria enquanto os professores mís- ticos vivessem. Quando estes deixassem de viver, toda sua doutrina morreria e o povo se encontraria ludibriado quanto ao conhecimen- to de Deus. Se os povos fossem enganados várias vezes com tal Deus místico, não haveria meios de lhes levar a Verdade. Neste conceito a maioria dos conselheiros estava de acordo, mas não sabendo como realizar tal tarefa, se dirigiram aos dois amigos.
Estes retrucaram: “Dignos conselheiros da grande cidade de Hanoch! Há um ano atrás esboçamos um plano certo, que toda- via foi rejeitado. Que devemos fazer agora? Cada coisa tem apenas umplano bom e verdadeiro e isto ocorre também com a Revela- ção de Deus.
Tal plano foi por nós demonstrado, mas elaborastes outro mais concreto, segundo vossa opinião. Convém portanto executá-lo e as consequências mostrarão seu benefício. Quanto a nós, não que- remos participar, tampouco impedir a realização do mesmo.
Segui em Hanoch os moldes realizados com feudatários quando proporcionastes a cada um uma doutrina de Deus diferen- te, a fim de poder reconhecê-los mais facilmente e também extor- quir-lhes o devido tributo feudal, e certamente haveis de alcançar os mesmos resultados obtidos com os vassalos.
Até então vos convencestes que todos os nossos conselhos eram facilmente executados e traziam o benefício positivo para a metrópole. Nunca vos enganamos e nossas intenções foram as me- lhores, sem que tivéssemos feito menção de algum benefício próprio.
Nosso plano elaborado há um ano atrás para o conhecimento e veneração de Deus visava ao bem de todos. Desde o começo dis- cordastes, deixando passar um ano inteiro sem realmente entrardes num acordo mais racional. Desconhecemos um meio para a realiza- ção de vosso plano, portanto não podemos dar nenhum conselho. Fazei o que vos parece justo. De nossa parte nada mais temos a dizer ou fazer. Por isto partiremos sem exigir qualquer pagamento a fim de reconhecerdes que agimos sempre visando o vosso bem. Quem nos quiser acompanhar que o faça antes que seja tarde!” Os dois men- sageiros partiram com seus empregados e voltaram às montanhas.
Chegando à montanha, os dois emissários relatam a Lamech, a Noé e ao seu irmão Mahal o ocorrido, perguntando ao mesmo tempo se não havia chegado ali alguém para se radicar durante estes três anos.
O velho Lamech nega dizendo: “Neste areal imenso não apa- receu viv’alma. Há porém um fator importante. Dentro em pouco todo o povo das planícies terá passado à idolatria ou ao ateísmo. Que o Senhor e Pai nos dê um conselho para reconduzirmos Seus filhos fracos ao bom caminho!”
No mesmo instante se faz ouvir a Voz do Senhor, audível para todos: “Dirigi-vos ao Sul, onde habitam cento e sete famílias descendentes dos sete homens enviados por Mim para Hanoch para pregarem penitência.
Entre aquelas criaturas encontrareis dez jovens fortes e sol- teiros. Apõe tuas mãos em Meu Nome, Lamech, que Eu os dotarei com o poder do fogo. Se nas planícies gritarem pelo fogo da Terra seja onde for, ele surgirá e destruirá o que eles quiserem.
Deste modo equipados eles seguirão para as planícies, onde pregarão durante sete anos. Caso queiram prendê-los, basta se rode- arem com fogo que atirará os inimigos ao solo e destruirá suas ar- mas. Se o povo se converter durante tal época, esses homens devem ficar como sacerdotes. Caso contrário, devem circundar com fogo os Meus Templos em Hanoch e depois voltar aqui. Enquanto isso, virarei a Minha Face para não ver o que lá acontece.”
Imediatamente o grupo procurou os dez homens menciona- dos pelo Senhor e Lamech cumpriu as Ordens do Alto. Os escolhi- dos para tal missão recebem a força do fogo e se dirigem às baixadas após terem recebido várias bênçãos.
1. A contar da volta dos filhos de Uraniel até o envio dos dez mensageiros dotados do poder do fogo se passaram cerca de dois anos, muito embora o relato dê a impressão de que se tivesse passado um dia. Esta explicação é dada para melhor compreensão do caso em si, porque no relato de teor espiritual muitas vezes as ações são mencionadas como se tivessem ocorrido num dia, ao passo que não raro vários anos haviam passado.
Quando os dez mensageiros chegam às portas da cidade são imediatamente inquiridos a respeito de sua origem e passaporte, pois naquele tempo já existia um policiamento severo em Hanoch. Eles respondem: “Fomos enviados do Alto para vossa salvação, e Deus, Senhor de Céus e Terra, é nosso passaporte. Viemos pregar penitência rigorosa e severa, e, caso não vos emendares, o Julgamen- to de Deus vos aniquilará com Sua Ira!”
Nem bem terminam de pronunciar tais palavras, os mensa- geiros são cercados como traidores contra a soberania do rei, mas no momento em que a guarda deita mãos sobre eles brotam chamas de fogo no solo e enxotam a polícia.
A residência dos mil conselheiros dista bem longe da entrada da cidade, de sorte que os emissários se veem obrigados a pernoitar numa das muitas estalagens novas. Tal fato foi início da boa acolhida na metrópole, pois já haviam sido descritos pela guarda em tal distri- to, o que motivou a recepção um tanto duvidosa. Quando pediram algo para beber, os donos da estalagem fugiram, e ao procurarem um lugar para descansar encontraram todos os quartos fechados, porquanto se temia que fossem incendiar a casa toda. Assim, ficaram acomodados no recinto em que foram recebidos.
É compreensível que a guarda se dirigisse incontinenti aos conselheiros. Tal precaução era inútil, pois o policiamento de Hano- ch era uma perfeita obra de mestre comparada a todas as medidas de controle da época atual. Cada proprietário tinha o dever de manter um policial vigilante de sua morada, por conta própria.
Além disto, todos os cidadãos tinham que manter de uma até três organizações em cada rua, onde se colhiam notícias policiais que então eram enviadas à corte. As ruas tinham nomes, as casas eram numeradas e cada proprietário recebia dois nomes, um para a residência e outro para sua pessoa. O povo tinha apenas um nome individual.
Além disto, cada rua e praça tinham uma cor prescrita e cunho especial, e o proprietário tinha o direito de afixar um pedaço de ouro laminado em seu manto, onde estava escrito o número de sua casa. Os que não fossem proprietários eram obrigados a costurar num pano branco o número da casa que habitavam.
Tal precaução era estipulada para se poder prender o habitan- te que infringisse qualquer determinação, sendo obrigado a pagar a multa à delegacia na qual estava inscrito e também à outra onde a infração tinha sido feita.
Como todas as delegacias recebiam um terço da multa e além disto tinham direito de agir arbitrariamente, é fácil de compreender que com o tempo surgiram inúmeros motivos de arbitrariedade, de sorte que não se passava um dia em que um proprietário não fosse obrigado a pagar multa. Se bem que tivesse o direito de indeniza- ção por parte de seu inquilino, este nada possuindo também não podia pagar.
Se um hospedeiro abrigava forasteiros e a delegacia não era imediatamente informada a respeito, tal infração redundava em for- te multa. Por este motivo o hospedeiro acima correu para a delegacia onde informou tudo que havia notado pelos dez mensageiros e o que a guarda lhe havia relatado.
Não demorou a espalhar-se a notícia sobre os homens de fogo na cidade e a guarda exagerou o caso na corte, e no dia seguinte foi convocado o exército de defesa que devia se dirigir à estalagem referida. Milhares de soldados a cercaram de manhã e o dono acon- selhou aos hóspedes de se defenderem contra tantas armas perigosas.
Os dez amigos receberam forças do Alto, clamando pelo fogo terrestre, e no mesmo instante o exército todo foi enxotado pelas labaredas terríveis, enquanto eles mesmos louvavam apenas a Oni- potência de Deus. O hospedeiro chegou a cair por terra, julgando que fossem deuses ou espíritos do fogo que haveriam de destruir a metrópole toda.
INCÊNDIODOS BALUARTES
Os mensageiros então dizem ao hospedeiro: “Levanta-te e não nos tomes por algo que não somos. De modo algum somos deuses nem espíritos do fogo, pois nós, criaturas do Alto, somos humanos como vós e apenas destinados por Deus a beneficiar os semelhantes com o fogo para que sejamos aceitos como mensageiros verdadeiros do Senhor.
Se tu e os demais habitantes da cidade aceitais nosso con- selho, sereis poupados do julgamento previsto. Caso contrário po- deis reconhecer através de nosso poder, que a Ira Divina já se apos- sou de todos.
Ontem à noite te pedimos uma ceia. Por que não nos aten- deste? Achas que não pagaríamos pela mesma? Temos verdadeiros tesouros dos Céus de Deus que haveriam de recompensar-te regia- mente. No entanto trancaste tuas despensas e faremos o mesmo, e poderás verificar se dos tesouros que distribuiremos na cidade por Ordem de Deus sobrará algo para ti!”
Diz o estalajadeiro: “Eu não vos conhecia, e nossas leis de estado exigem a máxima cautela contra forasteiros, e deveis com- preender que fui obrigado a agir desse modo. Desejo reparar o meu erro e quero vos abrigar e proporcionar tudo que for necessário aqui.
Não temo julgamento qualquer, uma vez que vi vosso poder. Voltai à minha casa, onde estarão à vossa disposição os melhores quartos e a refeição mais requintada. Peço que não me abandoneis por amor de vosso Deus Poderoso!”
Eles retrucam: “Deus, o Senhor, é pleno de Misericórdia para com todo pecador que confessa seu pecado, o abomina e dele desis- te. Perdoamos tua atitude e não serás privado dos tesouros dos Céus. Por ora não podemos morar contigo porque precisamos procurar os soberanos desta cidade cujas leis fizeram apostatar todo o povo. Assim que este for convertido, faremos uso de teu convite.”
Protesta o anfitrião: “A cidade é enorme e nela existem mi- lhares de ruas e edifícios. Como pretendeis encontrar a minha?” Re- trucam os mensageiros: “Da mesma maneira que tu, pois Deus é nosso Guia e sabe perfeitamente onde moras.” Sem demora se põem a caminho e ao meio-dia alcançam o castelo dourado que Uraniel mandara construir.
Todavia não havia possibilidade de entrarem, porquanto tudo estava trancado e protegido por atiradores armados. O Senhor então Se dirigiu aos emissários: “Não vos aproximeis demais dos baluartes e aguardai até Eu vos indicar o caminho!”
Eles obedecem e imediatamente irrompem labaredas possan- tes dos baluartes e queimam tudo: trancas, armas e também criatu- ras que não haviam fugido depressa. Este foi o terceiro milagre de fogo na cidade de Hanoch.
CONSELHODOSENHORAOS EMISSÁRIOS
Após o caminho milagrosamente aplainado para a subida do castelo dourado, o Senhor diz: “Agora podeis prosseguir, mas não deveis usar de força para a conversão, mas pregar justa penitência em Meu Nome. Exigi a abertura dos dois templos e preveni os con- selheiros contra qualquer idolatria, e anunciai com rigor o Meu Jul- gamento próximo. Eis tudo que vos cabe fazer.
Se a corte se modificar, permanecei aqui como sacerdotes. Se houver apenas aparente aceitação de vossas palavras é preciso con- denardes rigorosamente tal hipocrisia, abandonando imediatamente o palácio para pregardes em praças e ruas, anunciando penitência em Meu Nome.
Não deveis temer as armas dos impotentes, pois Eu as des- truirei antes que alguém as venha usar com ódio mortal contra vós. Assim deveis pregar durante três anos na cidade. Se fordes tratados com escárnio, deixai o lugar e ide pregar ao povo durante quatro anos. Se ele se voltar para Mim, deixai que suba as montanhas onde Eu cuidarei de todos segundo suas necessidades.
Não sendo aceitos pela população, dirigi-vos a outro lugare- jo. No campo deveis permanecer apenas quatro anos, e quando Eu vos chamar voltai às montanhas sem olhar para trás. Agora estais orientados de tudo e podeis subir no castelo em Meu Nome.”
Os emissários seguem seu caminho e encontram no castelo um imenso salão onde os mil conselheiros, com o rei fictício no cen- tro, se acham reunidos para importantes deliberações, isto é, como poderiam se libertar dos dez monstros de fogo.
Quando preparavam um ardil segundo o qual pretendiam ouvir com atenção as palavras dos mensageiros, mas intimamente empregariam todos os meios para fazê-los sair da cidade, eles entram no salão e dizem:
“A paz seja convosco! Seguindo vosso plano jamais conse- guireis afastar-nos da cidade; mas, quando terminar o nosso tempo, partiremos como medida de extermínio de todos, segundo a Von- tade Daquele Que nos enviou. É preciso que compreendais isto e que vos prepareis para ouvir a notícia que somos obrigados a vos transmitir por Deus, o Onipotente. Ouvi-nos!”
Um dos mil conselheiros se levanta, curva-se respeitosamen- te diante dos emissários e diz: “Tende a bondade de vos postar no centro do salão para podermos ouvir com atenção vosso discurso, certamente importante. Todos nós, inclusive o rei, estamos dispos- tos a aceitar vossas palavras como algo extraordinário devido à vossa personalidade excepcional.”
Os amigos aceitam o convite, dirigem-se ao centro do salão e um deles diz: “Amigos e irmãos, lembrando-vos de vossos pais deveis convir que todos descendiam de Adão e eram de certo modo filhos de Deus nos tempos em que Lamech, conterrâneo do Lamech ainda vivo nas montanhas, regia nesta cidade como rei blasfemo contra Deus.
É impossível que vários dentre vós ignorem o que em tal épo- ca foi feito pelo Senhor de Céus e Terra a fim de acabar com várias tolices nas alturas, purificando depois as planícies de todo o detrito da serpente antiga e maldosa que também deveis conhecer.
Além disto, é do vosso conhecimento que vossos pais aban- donaram as montanhas abençoadas pelo Senhor, dirigindo-se para as baixadas que de novo se maculavam, muito embora o sumo sacerdote Lamech lhes houvesse mostrado que tal proceder era indigno e fatal.
No entanto, vossos pais viraram as costas para Lamech e cheios de volúpia correram atrás das mulheres bonitas das planícies, às vezes abandonando até mesmo suas famílias. Esse é um fato con- sumado e pode ser comprovado por milhares.
Agora sois filhos dos filhos de Deus e vos arvorastes para poderosos soberanos das planícies sem terdes sido escolhidos por Deus. Uraniel, rei por justiça, foi por vós seduzido, pressionado e finalmente assassinado. Seus filhos foram por vós fustigados e escar- necidos quando vos lembraram de Deus.
Em vez de efetuardes a abertura ordenada dos dois templos, criastes apenas um policiamento miserável e também organizastes
a idolatria, proibindo a fé num só Deus, e sobrecarregastes o povo com impostos condenáveis. Julgai vós mesmos qual é vosso prêmio por Deus, o Senhor! Podeis vos externar, que teremos paciência de ouvir!”
ULTIMATODOSEMISSÁRIOSESUA PARTIDA
A tais palavras, os conselheiros começam a confabular em segredo: “Que nos resta fazer senão morder o arbusto de hissopo, ainda que fosse ácido, amargo e adstringente!? Revoltarmo-nos com violência seria o mesmo que derramar óleo no fogo. A política nos serve apenas contra a ignorância das criaturas, mas, quanto a estes homens que conseguem ler nossos pensamentos, nada alcançaremos.
De qualquer modo podemos lhes apresentar argumentos es- peciais antes de aceitarmos totalmente sua proposta. Não somos to- los, mas bem dotados de inteligência que lhes dará bastante trabalho antes de abrirmos os dois templos.”
Um dos emissários se vira então para os conselheiros e diz: “Julgais porventura que não percebemos vossa resolução secreta? O Senhor de Céus e Terra aguçou a audição de nosso espírito de tal modo que ouvimos vossos pensamentos mais ocultos.
Que pretendeis fazer por meio da astúcia? Acreditais por aca- so que não somos capazes de enfrentar vossa crítica infame? Vossa inteligência é apenas fraco reflexo noturno da sabedoria penetrante que vossos pais possuíam, semelhante ao Sol nascente.
Acontece que possuímos totalmente essa sabedoria de Deus, enquanto pretendeis nos desafiar com vosso reflexo ínfimo. Quanta tolice é preciso para não se reconhecer que as trevas só se podem manter enquanto a luz não chegar. Uma vez que Se apresentou a Luz dos Céus, o que pretendeis fazer com vossa ignorância?
Assim como a noite foge diante do nascer do Sol e é total- mente aniquilada por ele, também o vosso raciocínio terá que ceder e ser inteiramente aniquilado quando a Luz de Deus começar a bri- lhar por nosso intermédio.
Aliás, aqui não se trata de entrarmos em controvérsia pro- longada, mas de externarmos apenas nossa exigência que haveis de aceitar. Revelamos nossa vontade dada por Deus e é quanto basta. Querendo agir segundo ela, será um benefício para vós e todo o povo. Não a aceitando, estejais certos de que não haverá coação de nossa parte, nem por meio de nosso poder do fogo e muito menos para persuasão. Não ficaremos muito tempo entre vós para trans- mitir conselhos tocantes; isto só se aplica a pobres e fracos. Para vós há apenas dois caminhos: a obediência cega que exigis do povo, ou o julgamento. O Senhor age convosco da mesma forma como agis com os súditos. Eis tudo que tínhamos para dizer!”
No mesmo instante os dez emissários deixam o castelo para voltarem à estalagem primitiva. Os conselheiros se encontram em grande conflito, não sabendo que medidas tomar. Se aceitarem as ordens dos emissários, hão de se expor perante o povo; agindo se- gundo suas próprias conjecturas, estarão enfrentando a ameaça dos forasteiros.
DESACORDODOSMIL CONSELHEIROS
Após certas conjecturas, um deles se levanta e diz: “Uma ideia formidável acaba de passar por minha cabeça! Há pouco ex- ternastes em presença dos emissários de que haveriam de solucionar vários problemas surgidos de nosso intelecto antes que realizássemos sua exigência, portanto nossa inteligência há de vencer sobre sua sabedoria.
Todos nós admitimos que nossa regência neste mundo che- gou ao fim. Temos que decidir: ou a perseguição popular caso as massas se revoltem contra nós, ou aguardamos o efeito da ameaça dos mensageiros. Julgo que ambas as possibilidades são tolas.
Abri os templos antigos e dizei ao povo que chegou o fim da adoração das colunas por nós inventadas. Naturalmente perguntará pela razão da proibição. Não podemos mentir, pois os templários
têm seus guardas secretos que nos perguntariam a razão de nos- sa atitude.
Em tal situação teremos que confessar que ludibriamos as massas por causa de nossa ganância e também enxotamos o Deus Verdadeiro sob ameaças de pena de morte. Mas agora Ele Se apie- dou da miséria da qual nos cabe unicamente a culpa e nos enviou mensageiros poderosos que nos castigaram com o fogo. Além disto nos obrigaram a reabrirmos os templos do Verdadeiro Deus e repa- rarmos o mal aplicado a todos.
Eis a verdade crua. Mas qual de nós se prontificaria a trans- miti-la ao povo? Se a ocultarmos veremos as chamas de fogo brota- rem da terra. Fazendo tal proposta, não gostaria de ser testemunha da tremenda chuva de pedra que atirarão sobre nós. Se continuar- mos aqui no castelo entretidos em conjecturas, o povo finalmente nos encontrará para nos tratar com violência.
Diante dessas calamidades aconselho o seguinte: Partiremos com nossas famílias e tesouros indispensáveis — com isto teremos vencido com nosso intelecto — e procuraremos alhures um lugarzi- nho qualquer para vivermos calmamente sem interferência de emis- sários como esses. Que me dizeis?”
As opiniões variam, pois a fuga traria alguns obstáculos e além disto os emissários certamente seriam protegidos da fúria do povo. Deste modo continuaram a discutir durante três dias.
A EMIGRAÇÃO DE 650 CONSELHEIROS PARA O EGITO DO NORTE
O primeiro orador, apenas interessado na fuga, não perde tempo e prontamente chega à seguinte conclusão: “Os que concor- darem comigo podem aprontar suas famílias e tesouros em camelos para partirmos como vencedores inteligentes. Os que preferem ficar para serem tratados com pedras poderão aguardar seu martírio e finalmente concluírem ser melhor salvar a pele pela vitória do in-
telecto do que enfrentar maus tratos, vergonha e maldição. Quem quiser que me acompanhe!”
Então 650 conselheiros se levantam e dizem: “Seguiremos teu conselho. Se à saída do portão formos atacados, trata de garantir tua vitória certa!”
Esse grupo se apronta com suas famílias e se põe no mesmo dia em marcha. Grande foi a multidão que se acumulou nas ruas, admirando-se muito com esse séquito dos senhores habitualmente tão severos. Ninguém conhecia o motivo disto e todos estavam bas- tante apreensivos. Assim, os conselheiros intelectuais partiram sem serem detidos, pois ninguém se atrevia a fazer perguntas. Sua meta era o Egito de hoje, na região de Elefantina, onde fundaram uma pequena cidade, tornando-se os primeiros habitantes desse país. Os terrores desse trecho os obrigaram a voltar para Deus, e assim o país se tornou rico e poderoso.
EMIGRAÇÃODEMAIS250 CONSELHEIROS
Um dos restantes conselheiros que pretendia agir acertada- mente se dirigiu no terceiro dia aos colegas e disse: “Segundo tudo indica, nossos irmãos conseguiram realizar sua partida através da vitória do intelecto. Ignoramos se tal será também nossa parte, por isso opino que devemos seguir o exemplo deles em vez de aguar- darmos um desfecho negativo pela nossa intenção de agir acerta- damente. Sem dúvida é melhor partirmos como senhores a sermos enxotados como traidores populares.”
Protesta um outro: “Falas desconsiderando o fator favorável de nossa situação vantajosa perante o povo, pois podemos atirar so- bre nossos companheiros fujões toda a infâmia e a violência do go- verno, alegando ainda que eles foram enxotados pela força de nossa retórica a fim de restabelecermos a antiga Ordem Divina.
A verdade fatídica que deveríamos proferir podemos facil- mente atirar sobre eles, de sorte que nos apresentaremos como ben- feitores extraordinários e não como tiranos malditos que pressio-
naram o povo de todas as maneiras. O recurso é o mais inocente e inofensivo, e a finalidade corresponde à Vontade do antigo Deus.”
Retruca o primeiro orador: “Meus parabéns por essa solução aparentemente favorável. De minha parte hei de me manter bem afastado durante teu discurso dirigido ao povo. Não ouviste o que aguarda qualquer mentiroso por parte dos dez emissários? Se qui- seres mentir de tal modo — já falaste com eles para que prometam não te transformar numa tocha viva?
Não éramos sempre nós a parte mais maldosa e dominadora? A idolatria não foi organizada por nós, assim como o policiamento e a criação de impostos elevados? Agora pretendes atirar sobre nossos companheiros tudo isto, quando eles sempre foram melhores que nós? Faze o que quiseres; eu partirei. Quem mais me seguirá?”
Eis que se levantam outros 250 conselheiros e se põem em marcha com famílias e tudo que possuíam, inclusive empregados. Quando passam por determinada rua, encontram os dez mensagei- ros que perguntam: “Para onde ireis?” — Respondem eles: “Com a permissão de todos vós, até o fim do mundo, pois não podemos mentir!” Assim eles seguem caminho sem que os dez mensageiros se voltem para eles.
ULTIMATOPARAOSCEMCONSELHEIROS RESTANTES
Entrementes, o Senhor Se dirige aos emissários e diz: “Procu- rai os conselheiros restantes e exponde-lhes a Minha Causa, dando o prazo de sete dias. Se não cumprirem Minha Vontade poderão se- guir o exemplo dos colegas. Aceitando a Vontade do Senhor, vossas mãos os protegerão.”
Quando os conselheiros avistam os dez emissários, tanto se assustam como se estivessem à beira do abismo eterno. Os dez ami- gos os acalmam dizendo: “A Paz do Alto esteja convosco! Não de- veis alimentar tamanho pavor de nós, transmissores da Vontade de Deus. Como emissários eternos e verdadeiros trazemos vosso bene- fício temporal e eterno em nosso escudo. Por isto vos aconselhamos
a fazer o que ouvistes, dando-vos um prazo de sete dias de reflexão para cumprirdes ou não a Vontade do Senhor.
Não A aceitando, podeis seguir incontinenti vossos compa- nheiros ou vos proteger com vosso punho e o deles. Se cumprirdes a Vontade do Senhor sereis protegidos por nós. Eis a Vontade Dele! Cumpri-a livremente que sereis livres. Fazendo-o como servos, con- tinuareis como servos. Agindo obrigados, sereis tão coagidos como as feras das florestas, fugitivos até o Fim dos Tempos. Ai do men- tiroso, pois quem mente é castigado pelo Senhor com varas incan- descentes.”
Com isto os emissários deixam os conselheiros, dos quais um se levanta e diz: “Eis-nos totalmente perdidos. Podemos fazer o que quisermos que nos ameaçam punhos, opressão, coação ou varas de fogo! Nada mais nos resta senão escolhermos o menor mal, isto é, a fuga. Externai vosso parecer para chegarmos a uma única conclu- são.” Então os conselheiros começam a confabular durante três dias e veremos o efeito disto.
ABERTURADOS TEMPLOS
Um outro se manifesta dizendo: “Creio ter entendido as pa- lavras dos emissários melhor que qualquer um e julgo não errar se me declaro contra a fuga. Cobrir-se alguém com o punho não quer dizer que se venha a bater em alguém, mas apenas protegê-lo. Se os dez nos protegerem caso fizermos o que está certo, como deveríamos considerar a fuga como recurso mais aconselhável e melhor?
Se fizermos livremente o que é justo poderemos estar cer- tos de nada sofrer. O Antigo Deus, sempre fiel e cheio de Amor e Indulgência para com os que voltam à Sua Ordem Santa, não fará chover pedras ardentes se retornarmos a Ele de corações arrependi- dos e fiéis.
Dai-me as chaves douradas, que não terei receio de revelar com cem arautos a abertura dos templos, e na presença das massas abrirei o das planícies como o das alturas. Quem de vós quiser me
acompanhar, que o faça. Quem não se animar a tanto, fique em casa em Nome do Senhor. Que ninguém pense em fuga, declarada como verdadeiro castigo pelos emissários.
Quero voltar-me com todo o rigor para Deus e prefiro ser di- zimado pela Ira Divina a dar um passo para fugir Dele, o Onipotente Que me pode apanhar e julgar em toda parte. A Ti, Deus e Senhor, prometo e juro minha regeneração total e fidelidade eterna. Quero servir apenas a Ti e amar-Te com todas as forças de minha vida.”
Tal discurso inflamado causa estupefação entre os outros e ninguém se atreve a reagir. O orador exige então as chaves dos con- selheiros, que dizem: “Porventura pretendes atirar-nos à desgraça?” Responde ele: “De modo algum! Dai-me as chaves que assumirei toda a culpa. Mentirei, pois sou o menos culpado, a fim de que o castigo recaia sobre mim e fiqueis livres, mas dai-me as chaves para que eu vos possa salvar.”
Os conselheiros lhe entregam as chaves que ele toma com grande emoção. Convoca ainda mais cem oradores entre os lacaios e em seguida anuncia em todas as ruas a abertura dos antigos templos.
ATIVIDADEDOCORAJOSO CONSELHEIRO
Durante três dias o referido conselheiro anunciou com seus ajudantes a abertura dos dois templos e também enviou outros ora- dores aos subúrbios para relatarem os acontecimentos em Hanoch. Todos os delegados e guardas foram classificados para apóstolos e enviados para as províncias, onde principalmente os vassalos eram informados da necessidade do retorno ao Antigo Deus.
Em toda parte era recomendada a participação dos que po- diam comparecer à abertura dos templos para serem ensinados e abençoados pelos milagrosos mensageiros de Deus. Esse conselhei- ro, não obstante confessasse todos os crimes diante do povo, era de tal modo aceito com júbilo e carregado em triunfo pelas ruas que ninguém falava em apedrejamento. Por onde ele passava transmitia verdadeiro bálsamo nos corações dos habitantes da metrópole.
Muitos cidadãos perguntavam com simpatia e serenidade: “Como é possível que tu, diante de quem todos tremiam, te tornaste um anjo consolador do Antigo Deus, nosso Eterno e Verdadeiro Pai? Porventura és guiado pelo teu espírito ou por Jehovah?
De fato não existe momento mais feliz do que aquele em que um inimigo se transforma em amigo. Muito mais comovente é se um perseguidor de uma boa causa finalmente se transforma em colaborador da mesma. Como somos felizes por ti! Só não compre- endemos por que cerca de novecentos conselheiros se afastaram da cidade e não retornam nesta ocasião.”
Responde o apóstolo dos conselheiros: “Quanto à primeira pergunta, sou evidentemente guiado pelo Espírito de Jehovah que me foi dado por intermédio dos Seus dez novos mensageiros e que haveis de conhecer mais tarde.
Com relação à segunda pergunta, acontece que os novecen- tos conselheiros partiram para sempre por serem melhores do que eu, e como sua dívida para convosco era menor que a minha, se afastaram para vos poupar deste peso. Eu, vosso maior devedor, não posso me afastar antes que vos tenha restituído meu grande débito, e aqui estou. Atendei ao meu apelo!” Quanto mais o amigo se esfor- çava em assumir a culpa de todos, maior simpatia lhe era dispensada e o povo o carregava pelas ruas.
OLAD,OBOMCONSELHEIRO,ABREO TEMPLO
Terminara assim o prazo de sete dias e a abertura do templo é fixada por Olad, o bom conselheiro que já se encontra diante do portal dourado, acompanhado de milhares de pessoas de todas as idades. Mas os dez mensageiros não aparecem, razão por que alguns se dirigem ao conselheiro acima que diz: “Meus amigos, a paciência é o primeiro dever da criatura, pois sem ela tudo que semeou será prejudicado.
Deus, o Próprio Senhor, tem a máxima Paciência e pode aguar- dar nossa regeneração daqui a cem anos. Se dentro desse prazo ela não
ocorre, Ele resolve enviar emissários e professores que devem recon- duzir a humanidade perdida ao justo caminho, com toda a paciência.
Isto feito, o Senhor retém seu julgamento com calma e paci- ência, assistindo como as criaturas aos poucos começam a esquecê-
-Lo, voltando-se para o mundo e a morte. Assim sendo, cabe tam- bém a nós termos paciência em todas as ocasiões. Se for do Agrado de Deus, os emissários aqui virão; se não devem vir, convém não reclamarmos, pois os templos serão abertos não por causa deles, mas por Causa do Senhor. Por este motivo não esperarei mais por eles, mas iniciarei a abertura.”
Todos concordam e Olad, louvando a Deus, mete a chave na fechadura para fazê-la girar. Neste instante ouvem-se vozes di- zendo: “Alto lá, ainda não está no tempo exato!” Olad se vira rápido e vê os mensageiros chegando. Seu coração estremece de alegria e ele diz: “Vede, aqui estão os abençoados por Deus!” Depois de ter sido convocado por eles e ter recebido sua bênção, Olad se acha em condições de abrir o templo.
ANUVEMLUMINOSANACÚPULADO TEMPLO
Quando a porta se abre, a cúpula é subitamente coberta de uma nuvem de fogo e milhares de raios dela se projetam, acom- panhados de fortes trovões. O povo começa a gritar de desespero aguardando um tremendo julgamento e muitos teriam fugido, mas temiam aumentar a Ira de Deus.
Olad, igualmente perplexo, diz aos emissários: “Jurei fideli- dade a Deus, o Senhor, e não temo os raios que podem destruir este meu corpo, mas não vergar minha vontade. Deus, Todo Poderoso, Tu me fizeste despertar por Teus emissários. Meu amor para Con- tigo vibra, meu espírito descobriu-Te e se tornou ciente que És o Eternamente Verdadeiro, Fiel e Poderoso Deus. Por isto, Te amarei e honrarei também no fogo de Tua Ira. Podes envolver o Teu Santo Templo com fogo total, que hei de penetrar e abrir o Teu Santuário para louvar Teu Santíssimo Nome.”
Um dos mensageiros, admirado do rigor de Olad, diz: “Ir- mão, acabas de prometer muito ao Senhor e tuas palavras trans- mitiram grande rigor. Mas que farias se o Senhor te fizesse passar por uma prova? Nossa vontade é bastante forte entre nossos seme- lhantes, mas frente a Deus nada somos, e basta uma fagulha de Sua Vontade para fazer tremer toda a Criação, quanto mais a nossa von- tade. Convém revogares teu grande rigor a tempo, para evitares uma prova dada por Deus.”
As palavras dos mensageiros não conseguem demover Olad, que responde: “Se eu tivesse jurado fidelidade e amor a uma criatu- ra, talvez me deixasse convencer. Mas eu jurei para Deus, portanto prefiro que um abismo fogoso me venha tragar, a renunciar por um átomo sequer diante de minha intenção para com Ele.”
Neste instante o Céu fica todo encoberto, incontáveis raios se precipitam das nuvens e em redor do templo irrompem chamas horríveis. O povo, apavorado, nada diz, mas os dez amigos pergun- tam a Olad: “Que farás agora?” Diz ele: “Minha vontade não vacila; raios, chamas e trovões nada representam para quem tem verdadeiro amor para Deus.”
OLADENFRENTAAPROVADE FOGO
Destemido, Olad pretende enfrentar as chamas, que todavia exalam tamanho calor que as próprias chaves se tornavam insuportá- veis em suas mãos. Por isto ele para por alguns instantes e diz: “Que farei? É impossível suportar esse calor, não consigo segurar as chaves e qual será a situação se eu me aproximar mais ainda do fogo? Já sei o que fazer! Se fosse da Vontade de Deus que Seu Santuário fosse aberto, por certo não me poria tais empecilhos no caminho. Farei o mesmo que sempre fiz quando como conselheiro várias opiniões se opunham contra minhas decisões: Retirar-me-ei com modéstia e deixarei que o templo seja aberto por quem quer que seja.
Seria a maior tolice o fraco querer desafiar um tigre capaz de arrancar a cabeça de um touro. Muito mais tolo seria o homem que
pretendesse lutar contra Deus, o Ser Supremo. Nunca farei isto, pois o fogo arde terrivelmente. Contra esse elemento o homem não pode lutar. Portanto não direi: Avante! — mas sim, com humildade: Volta atrás, o mais depressa possível!”
A tal exclamação Olad dá meia volta e se junta aos dez emis- sários que perguntam se o templo já tinha sido aberto. Retruca ele: “Bons amigos! Isto pode ser feito por vós, mais próximos do fogo do que eu. Já tive minha experiência pela qual deduzi que o homem nunca deve arriscar o impossível.
Aqui estão as chaves ainda quentes que vos entrego com meu cargo oficial. Podeis usá-lo à vontade, pois de minha parte adorarei a Deus em Sua Onipotência e me retirarei da vida pública. Reco- nheço-O e amo-O — mas nada mais quero ter com Ele. Provei que estava disposto a servi-Lo com todo o rigor. Se Ele me apresenta um cenário que supera minhas forças, passo minha tarefa a outro qualquer.”
OLADÉORIENTADOPORUMDOSDEZ EMISSÁRIOS
Um dos emissários se posta na frente de Olad e diz: “Para onde queres fugir a fim de te ocultares diante de Deus? Olha o gran- de firmamento, as nuvens ardentes das quais explodem milhares de raios! Por acaso sabes onde é seu fim? Não acreditas que Deus, o Senhor, poderá te perseguir por eternidades afora sem que te pos- sas esconder?
Através dessa tempestade de fogo Ele não pretende transmitir Seu desagrado com a abertura de Seus Templos, mas demonstrar a ti e a todos os povos Seu grande Rigor. Ou sereis salvos para a bem aventurança eterna ou condenados para o extermínio. A Divindade não criou os seres pensantes e livres como mera brincadeira, mas por motivos importantíssimos. Deu-lhes as leis mais sábias e sempre demonstrou serem eles Seus filhos que Ele ama com Amor Eterno. Se assim é, claro se torna que Deus apontou apenas Seu Rigor e não Seu desagrado contra a abertura dos templos.
Não perca a coragem, mas também não te fies nela em dema- sia. O Senhor experimenta sempre os fortes da Terra com Sua Força; mas os fracos, meigos e humildes Ele os experimenta com Seu Amor e Meiguice.
Há pouco demonstraste uma grande força frente a Deus, le- vando-nos a fazer-te uma advertência. Todavia achaste poder chegar até Ele pelo rigor de tua força. Por isto Ele te fez sentir uma fagulha de Seu Rigor para humilhar-te. Agora que estás totalmente humi- lhado, também estás amadurecido para abrir os templos. Realiza tua tarefa, acompanhado por nós, que nada mais te deterá.
Por várias vezes o Senhor demonstrou nas montanhas que Ele desconsidera um certo rigor baseado no orgulho da criatura, mas aceita sempre a humildade modesta pela qual ela confessa diante Dele que nada é perante Ele.
Um certo Abedam do Sul pretendia certa feita entrar no fogo ou até o fim do mundo, por amor ao Senhor. Ele porém lhe disse que o homem nunca deve fazer promessas muito grandes. Abedam insistiu em sua exigência e bastou uma mosca teimosa para levá-lo em pouco tempo ao desespero.
Assim, o Senhor só quer em todas as ocasiões a humildade da criatura, pois o orgulho mais justo é para Ele um horror. Guarda-o bem e segue-nos; assim as chaves não ficarão quentes, nem as cha- mas te queimarão.”
UMEVANGELHODAJUSTA HUMILDADE
Imediatamente Olad modifica sua têmpera e diz: “Se as coi- sas estão nesse pé, estou pronto a agir como aconselhais. Peço apenas que tão logo estiver efetuada a abertura dos templos eu possa seguir em paz e não me designes para uma espécie de sacerdote, que natu- ralmente desfruta de certo privilégio e poder.
Durante o percurso de quarenta anos eu me cansei de tal modo de minha função de conselheiro que prefiro ser o mais sim- ples, o último de todos. É de fato um miserável prazer a criatura ser
regente dos irmãos e alegrar-se quando os inferiores tremem diante dele. Peço que atendam esse meu pedido, em Nome do Senhor, e deixai-me partir em paz.”
Um dos mensageiros responde: “Olad, vê, a chama em redor do templo se apagou; portanto vamos abri-lo. Lá dentro ouvirás a Vontade do Senhor, que te dirá se deves partir ou ficar. Se quiseres ser verdadeiramente humilde, isso deve ocorrer segundo a Vontade Dele e jamais dentro de tua razão. Se fores humilde seguindo tua própria intenção, tua humildade será filha de teu amor-próprio, sem utilidade ou valor perante Deus. Por detrás de tal humildade se ocul- ta sempre uma autossatisfação, um elogio de si mesmo e finalmente um orgulho oculto.
Mas se disseres sempre e em todos os acontecimentos: Se- nhor e Pai, Tua Santa Vontade Se faça agora e sempre! — então serás verdadeiramente humilde diante de Deus e tua humildade tem algum valor para Ele. Aquele que, por livre arbítrio, muito se humilha desconsiderando a Vontade do Senhor, nada mais faz do que tornar-se um potentado por conta própria. Só quem algema sua própria vontade e em seu lugar deixa agir e dominar a Vontade Divina se torna agradável a Deus, e sua humildade se justifica diante do Senhor.
É preferível um patife segundo a Vontade de Deus a um he- rói às escondidas Dele. É melhor sentir-se constantemente sua pró- pria nulidade a estar convencido de sua impecabilidade. De igual modo é preferível ser um pecador por arrependimento culposo do que um justo por conta própria. O Senhor procura somente quem se perdeu, fortifica o fraco e cura a moléstia com Sua Misericórdia. Considera isto antecipadamente até que o Senhor te oriente a res- peito, dentro do templo.”
Olad se dirige com os dez amigos ao portal do templo, aperta a chave contra o peito e diz: “Meu Deus e Senhor, aqui estou, verme pecador, diante de Teu Santuário. Sinto minha enorme indignidade, mas conto com Teu Infinito Amor Paternal, e por isso me atrevo a realizar o que Tua Santa Boca me ordenou. Se todavia estiver meu pé sem mérito de entrar, basta mo dizeres para que Te adore diante do portal. Tua Vontade Se faça!”
Terminando de falar, Olad beija sete vezes a chave e abre a porta. No mesmo instante, todas as montanhas de Hanoch come- çam a cuspir fogo e fumaça, e o solo estremece constantemente. Onde se encontrasse um ídolo, ele e seus adoradores eram tragados pelas chamas. Os noventa e nove conselheiros e o rei fictício ficam estarrecidos aguardando seu extermínio. Alguns mais corajosos se acusam amargamente por não terem prestado ouvidos ao colega que se havia afastado deles.
Toda a população, incluindo as dez cidades e todos os seus arrabaldes, estavam certos do fim do mundo. Não havia alma nas planícies que não tivesse caído em desespero na expectativa dos acontecimentos esperados para todo o orbe.
Para aumentar o pavor, o Sol ficou de tal modo obscurecido em virtude das massas de fumaça, que somente os incontáveis raios forneciam luz incandescentes. Cá e acolá incêndios subterrâneos er- guiam grandes áreas planas e formavam novas cordilheiras sob hor- ríveis estrondos e trovões no momento preciso em que Olad havia aberto a porta.
A população desesperada começa a se abrigar no átrio, onde aos poucos perdia o pavor diante dessas cenas dantescas que partiam
o telhado do templo. Quando cerca de milhares de pessoas enchiam
o átrio, Olad, que se havia prosternado e adorado a Deus na maior contrição, se levanta para adorar o Santíssimo diante do altar onde estava escrito o nome de Jehovah rodeado de querubins de fogo e em cujo cimo se acha a coluna branca de nuvens que atinge até o teto.
Depois de Olad ter orado por algum tempo, ouve-se uma Voz surgida da nuvem branca: “Olad, mereces o Meu Olhar! Levan- ta-te para que eu possa te ungir com o óleo de Meu Amor e Miseri- córdia e cingir-te com Minha Sabedoria para testemunho da União que esse povo firmou Comigo, mas não cumpriu, esquecendo-se de todas as Minhas Bênçãos e Benefícios. Nomear-te-ei para justo rei, e as leis que fores dar ao povo serão por Mim sancionadas.”
Admirado, Olad se levanta e diz para os dez amigos: “Qual dentre vós falou a mim, em Nome do Senhor? Talvez um de vós seja o Próprio Senhor? A voz era mais sublime que qualquer voz humana e a considero de Deus, ou ao menos de um espírito inspi- rado por Ele.”
Um dos amigos responde: “Como podes fazer essa pergunta? O Próprio Senhor Se acha ao teu lado e falou contigo. Se podes diferenciar a Voz de Deus da de um homem, como perguntas ta- manho absurdo se Ele quer te ungir para testemunha da tremenda infidelidade do povo? Dirige-te a Ele, que te ungirá com Sua Mão e não com a nossa!”
Cheio de respeito, Olad começa a olhar em redor de si para descobrir o Senhor, que todavia lhe diz: “Olad, posta-te atrás da nu- vem e verás Quem te falou, pois Eu, teu Deus e Pai, aguardo há mui- to tempo tua chegada aqui. Convence-te que fui Eu a te chamar.”
Tomado de imensa veneração e amor, Olad se encaminha atrás da nuvem onde encontra seu próprio duplo que o fita sem se mexer. Olad começa a se apavorar diante dessa aparição que lhe diz: “Não tenhas receio, Olad, sou Eu Mesmo, teu Senhor, Deus e Pai. Não te admires da semelhança, pois Eu te criei segundo Ela e isto ficou estabelecido desde eternidades dentro de Minha Ordem.”
Aos poucos Olad começa a compreender o sentido profundo da grande semelhança do Senhor com ele. Enchendo-se de coragem, ele diz: “Senhor, disseste que eu devia ser um justo rei, portanto também um senhor para o povo. Quem possui o direito de elaborar sábias leis é evidentemente um senhor.
Acontece que sou apenas humano como qualquer outro ho- mem do povo; como poderei então me tornar um soberano perto de Ti para os que Tu criaste? Peço que me poupes desta dignidade e me deixes voltar ao estado de simples cidadão. Muito embora sem merecimento, desfrutei durante quarenta anos a glória e me conven- ci como é difícil a um soberano continuar um irmão do povo e se esquivar das honrarias que competem exclusivamente a Ti, Senhor.
Ainda que Te devolva tudo isto, considero impossível que o povo venha a honrar apenas a Ti, que mereces toda Honra, Louvor e Glória, Amor e Adoração por parte dos humanos. Eis por que Te peço passares tal dignidade a um mais merecedor e forte.”
Então o Senhor Se aproxima de Olad e diz: “Agora te reco- nheço novamente como filho e Me aproximo de ti como Pai. Se Eu, teu Pai, sou Senhor desde Eternidades, como pretendes continuar escravo e servo, sendo Meu filho? Por acaso as criaturas humanas não honram seus pais quando os respeitam?
Assim também o Pai de Eternidades é honrado em Seus fi- lhos justos que não retêm para si o que compete exclusivamente a Ele, que deposita Sua maior Honra nos filhos. Se Eu, teu Pai eterno, te nomeio para rei, conferindo-te o direito legislativo, não represen- tas a ti mesmo, mas somente a Mim, teu Pai.
Eu não exigindo honrarias fúteis, mas apenas o cumprimen- to de Minha Vontade com todo Amor dizendo: Quem executar Mi- nha Vontade por amor a Mim, Me honra em espírito e verdade!
— afirmo também que quem realiza a vontade de quem Eu nomeei, atendendo-o no coração, honra e ouve a Mim. Eu nomeio e procedo à unção com Meus filhos unidos Comigo. Submete-te à unção sobre
todos os povos nas planícies, pois sei por que o faço.” O Senhor põe Sua Mão na cabeça de Olad e o conduz para o altar onde se encon- tram os dez amigos.
SAGRAÇÃODEOLADENOMEAÇÃODOSDEZ MINISTROS
Ao chegarem na frente do altar, o Senhor diz para um dos mensageiros: “Vai até o portão do átrio onde encontrarás um ho- mem com uma cabaça cheia de óleo que deves trazer, a fim de que Olad seja ungido natural e espiritualmente para todos os povos das planícies. Em seguida também sereis ungidos para ministros, conse- lheiros e conservadores do poder do fogo. Como o povo está voltado para Mim, não deveis voltar às montanhas.”
Quando o mensageiro descobre o homem com a cabaça, ele lhe diz: “O Senhor, Deus Poderoso dos Céus e Terra, te apontou como portador de uma cabaça de fino óleo que deve ser usado para que o ex-conselheiro Olad seja ungido rei pelo Próprio Senhor.”
Retruca o homem: “Realmente sonhei esta noite que alguém me procurava envolto em chamas ardentes e dizendo: ‘Não esqueças em casa tua cabaça de óleo quando te encaminhares para o templo amanhã. Aquele a Quem se destina o templo pedirá o mesmo por meu intermédio.’ E agora o meu sonho está se realizando! A Deus, Todo Poderoso, todo o meu louvor e veneração pela imensa Graça que me conferiu pela lembrança do meu óleo!”
Uma vez de posse do óleo, o Senhor unge a cabeça de Olad e diz: “Agora és um verdadeiro rei de teu Deus, Senhor e Pai. Rece- be também o Meu Espírito e conduze o povo em Meu Nome com auxílio dos dez amigos que também são ungidos para seu ministé- rio. Se algum dia necessitares de conselho maior, vem aqui que o receberás.”
Enquanto o Senhor unge Olad, a tempestade lá fora aumen- ta terrivelmente e o solo estremece de tal forma debaixo do templo que as criaturas mal conseguem se manter de pé julgando que a terra as tragaria devido à Ira de Deus, em virtude das maldades praticadas em Hanoch.
No momento preciso em que o solo em redor do templo começa a se abrir e das fendas irrompem chispas incrivelmente ele- vadas de fogo, e o calor debaixo dos pés se torna insuportável — o Senhor aparece em companhia de Olad e dos dez mensageiros. Como ninguém O conheça, o povo se atira aos pés de Olad e dos amigos, implorando misericórdia junto a Deus.
Estes retrucam: “Mas então Deus não é tanto nosso quanto vosso Pai? Dirigi-vos a Ele, que vos agraciará caso tiverdes mérito para tal. Somos iguais a vós e não desfrutamos de privilégios e mé- ritos; por tal razão não podemos atender ao vosso pedido. Se assim fizéssemos nos outorgaríamos propriedades divinas, tornando-nos malfeitores maiores que assassinos de pais e irmãos. Aqui está o rei Olad ungido pelo Próprio Senhor. Falai com ele que vos demons- trará o caminho para o Pai Único, que pode Se apiedar de vós se vos regenerais de fato com remorso total.”
Cheios de desespero, os pedintes se dirigem para Olad a fim de lhes apontar aquele caminho. O rei então se vira para o Senhor e diz: “Pai, revela-Te ao povo para que não me seja tributada a honra de poder efetuar força maior que a Tua Vontade.”
Eis que o Senhor Se adianta, estende Sua Mão Poderosa e diz: “Terra, agora deves te calar, pois falarei com Meus filhos! Volta atrás, demonstração monstruosa, e tu, Sol, deixa cair sobre a Terra teus raios benéficos! Amém.” Nem bem o Senhor termina de falar, a tempesta- de de fogo se cala em todo o território terrestre. Não se vê a menor nuvem no firmamento, tampouco qualquer montanha arde em fogo. O povo todo se prosterna e louva a Deus por essa salvação, reconhe- cendo no cessar dos elementos o Poder, o Amor e a Graça de Deus.
E o Senhor Se dirige a todos dizendo: “Filhos, aproximai-vos de Mim, vosso Pai Eterno, e não tende medo. Aqui vim, não para vos julgar, mas proporcionar-vos Minha Graça e Misericórdia. Des- ta vez o preço foi muito alto. O Pai teve que Se encaminhar para o vosso coração por meio do fogo e ferir a Terra a fim de chegar até as vísceras esparsamente vivas, socorrendo lá o espírito totalmente atrofiado por meio de um novo sopro de Vida.
Através de grande pavor mortal fui obrigado a concatenar a vossa alma totalmente dispersa e reformá-la para se capacitar à manifestação da vida espiritual, deixando-se conduzir por sua força muito meiga.
De fato, destes-Me grande trabalho! Vossos pecados crescen- tes levaram Minha Paciência a uma grande prova e pouco faltou para que o fio da paciência, geralmente tão forte, rompesse, pois o peso grande de vossos pecados o haviam esticado, tornando-o fino e fraco.
Mas Meu Amor teceu imediatamente um novo fio com o qual Eu Me uni de novo a vós, e escolhi um novo rei que vos guia- rá pelos Meus Caminhos sempre retos e planos. Deveis a ele, bem como todo o povo das planícies, a máxima obediência. Por isto es- tipulará leis que devem ser respeitadas e sua infração será imediata- mente castigada.
Esta é Minha Vontade e a partir de agora sempre vos propor- cionarei regentes; bons, se permanecerdes no Meu Amor; mas tam- bém darei tiranos se afastardes vosso coração de Mim. Se reagirdes contra os reis, guias e professores, fá-lo-eis contra Mim, e o Pai Se transformará em juiz, efetuando um julgamento cujo nome chegará até os fins de todos os tempos desta Terra.
Havendo descontentamento com um regente, dirigi-vos a Mim, que tratarei de um outro rei justo. Se começardes a sagrar de próprio punho os reis a vosso gosto, retirarei Meus Cuidados e vos
entregarei à tirania de um deles. Agora conheceis Minha Vontade de Minha Própria Boca. Agi de acordo que passareis bem na Terra e Eu não vos abandonarei. Caso contrário, o julgamento será ir- remediável.”
FINALIDADE DO TEMPLO E DESAPARECIMENTO DO SENHOR
Ditas essas palavras, o Senhor mandou que o povo se afastas- se e destinou o portador do óleo para vigia do templo. Em seguida, dirigiu-se com o rei e os mensageiros para a montanha onde se en- contrava o outro templo. Lá chegando, Ele disse para Olad: “Aqui Eu ungi Lamech com a Sabedoria para sacerdote por ter construído esse templo por seu grande amor a Mim, e o sagrarei, segundo Mi- nha Vontade, como louvor da Sabedoria que recebera de Mim.
Lembra-te disto para sentires em ti a razão deste templo e o que tu e todos os demais deveis procurar nele. Toda criatura possui um templo vivo da sabedoria dentro de si e quando Me tiver dado o louvor da Sabedoria poderá dispensar este aqui.
Todavia mandei erigir também um templo material como recordação do interno e vivo, para que toda pessoa que nele penetre se lembre que somente Eu sou o Senhor e tenho Onipotência em todos os Céus e Terra.
Se as criaturas das planícies fossem como os poucos filhos verdadeiros nas montanhas, não necessitariam de templos. Mas eles são tão rudes como a matéria bruta desta construção; por isso preci- sam de um sinal material no qual se ferirão e finalmente destruirão a sua própria matéria, libertando assim seu interior. Deste modo poderão passar do templo material para o interior, caso o queiram sinceramente.
Entrego-te esse templo e convém ensinares o povo neste sen- tido; ele deve entrar e lá procurar o verdadeiro e vivo templo, que receberá a sabedoria interna e viva. Mas quem o visitar por simples hábito, para acalmar sua consciência tola, fará melhor ficando lá
fora. Quem não se ferir nele e destruir sua matéria não há de en- contrar a vida do espírito e sua sabedoria, mas sim o julgamento do espírito na matéria e sua morte. Esclareço-te isto na presença de teus ministros e Meus servos, de sorte que podemos abrir também este templo com esta intenção.”
Eis que o Senhor, Olad e os dez amigos entram no templo e o Senhor abençoa a todos dizendo: “Agora ficou restabelecida a antiga ordem. Vigiai e sede ativos em Meu Nome. Convertei o povo, que Meu Amor, Graça e Misericórdia serão vosso prêmio. Amém.”
O Senhor desaparece e Olad é inspirado, dirigindo-se com os nove ministros ao antigo burgo de Lamech.
ENCONTRO DE OLAD COM OS NOVENTA E NOVE CONSELHEIROS DE HANOCH
Lá chegando, Olad determina as acomodações dos dez mi- nistros e em seguida se encaminha com eles para a grande e suntu- osa residência dos mil ex-conselheiros, para lá efetuar com os res- tantes noventa e nove o conselho final, caso não se submetessem à Lei Divina.
Olad, considerado perdido pelos noventa e nove, entra com os dez amigos justamente no momento em que eles se reuniam com seu pseudo-rei, conjecturando se deviam ou não completar o conse- lho dos mil. Talvez fosse melhor permanecerem com cem e no lugar de Olad colocarem um homem do povo? Ou seria melhor continu- arem com o atual número?
O súbito aparecimento de Olad provoca o maior embara- ço e pavor. Imediatamente suspendem a sessão e recebem Olad e sua comitiva com a maior amabilidade, perguntando naturalmente sobre o sucesso do seu empreendimento bastante arriscado e qual seu efeito.
Olad responde: “Eis meus ministros que poderão responder.” Diante dessa informação, os noventa e nove conselheiros já sabem do resultado e um deles obsta: “Vejo meu princípio confirmado se-
gundo o qual a sorte sempre escolhe os indivíduos mais tolos, me- nosprezando os inteligentes. O fato de teres conseguido transformar os dez fazedores de fogo em amigos deve entrar nos anais do mundo com o título dourado: Ponto culminante da sorte de um burro!
Certamente não ignoras que entre nós eras considerado o conselheiro menos inteligente pelo fato que tu e este pseudo-rei — que igual a ti não inventou o ouro — tiraste a sorte, pois fora com- binado que o mais tolo seria rei. Em suma, o que naquele tempo te fora negado pela sorte, alcançaste agora na pele de burro. És rei e os dez comedores de fogo são teus ministros. No inverno te prestarão os melhores serviços. É claro que não ficaremos sob tua regência.”
Retruca Olad: “Sim, sereis enxotados daqui, mas antes re- cebereis ainda algumas leis para a viagem. Terão que ser cumpridas com rigor, caso contrário Deus, o Senhor, vos castigará. Isto tam- bém faz parte da sorte de burro, que Ele será o punidor dos infrato- res de minhas leis.”
A HUMILDADE É O PONTO CULMINANTE DALIBERDADE HUMANA
Em vez de se preparar para ouvir as leis de Olad, o orador dos noventa e nove responde: “É o que nos faltava! Fica com tuas leis tolas, inclusive com a sanção das mesmas. Basta que emigremos voluntariamente, deixando-te o governo totalitário. Quanto à acei- tação de qualquer lei sancionada que determine nosso futuro, sabe- remos protestar. Se existe um Deus que te ajudou a subir no velho trono desta cidade, deve Ele ser justo e sábio; portanto Ele não pode impingir leis aos seres, que devem ser livres segundo o Seu Plano Criador, que os levaria à escravidão.
Uma criatura livre debaixo de leis é por certo o maior con- trassenso, a maior desordem e um vento amarrado num saco. Como é possível encontrar-se tamanho contrassenso em Deus, que é a Pró- pria Liberdade Mesma?
Em grandes comunidades, como aqui em Hanoch, são ne- cessárias certas organizações como leis morais. Sua base nada mais é que a manutenção da liberdade individual e, no caso contrário, uma escola de educação para a liberdade. Então necessitamos de certas leis, pois sem elas o homem educado se encontraria entre os não educados como na companhia de moradores ferozes da floresta.
Se uma comunidade bem-educada se estabelece alhures num local livre e sabe pelo elevado grau de educação o que deve fazer — para que deveria se prender por leis de um homem com quem nada mais tem a ver?
Porventura a máxima Sabedoria Divina encontraria um mo- tivo concludente para isto? Somos autossuficientes. Se acharmos necessárias algumas leis entre nós, serão dadas por nós mesmos. En- quanto isso não acontecer, seremos livres e viveremos sob a única lei da amizade recíproca. Se pretendermos realizar alguma ação, fare- mos o que for decidido pela maioria.
Assim, resolvemos não aceitar de ti qualquer lei, qualquer que seja o seu teor, e até mesmo proibimos um conselho de tua parte régia. Deixa-nos partir livremente como nós te deixamos seguir para a abertura do templo. Insiste apenas naquilo que exigimos de ti e também aceitaremos tua parte.”
Irritado, Olad retruca: “Amém, digo eu; não abandonareis esse edifício antes de terdes submetido vossa teimosia e enorme or- gulho sob meu cetro. Conheço vossa intenção, que é apenas de revol- ta. Por isso minha primeira lei consiste que fiqueis até reconhecerdes a humildade como ponto culminante de toda liberdade humana.
Aqui se trata da liberdade espiritual e não física. A primeira se baseia na humildade e não no orgulho revoltado. É preciso que seja vencido e depois veremos se minhas leis vos perturbarão em vossa liberdade.”
O orador dos noventa e nove conselheiros se concentra para dirigir a seguinte objeção a Olad: “Por que falas de orgulho e tendência revolucionária? Porventura me consideras trapaceiro e infame mentiroso, e até mesmo um covarde que deveria tremer diante de ti? Achas que convocarei com auxílio de meus irmãos um exército para enxotar-te do trono garantido por Deus? Por acaso ignoro que o Espírito de Deus te ungiu visivelmente no Templo para rei, dando-te esses homens extraordinários para ministros in- vencíveis? Julgas-me tão tolo a querer desafiar-te, se todos os ele- mentos te são submissos?
Convém pedires Àquele Que te ungiu, que ilumine teu ra- ciocínio para veres e reconheceres que teus irmãos são livres, con- quanto estejas sentado no trono. Deus facultou a cada criatura a razão, o intelecto e a vontade livre, e ao lado desses dons três leis principais: pela razão deve o homem ouvir o bem e a verdade; atra- vés do intelecto deve organizar o que ouviu e perceber o que é in- teiramente puro; e por meio da vontade livre deve escolher o que é puro e aplicá-lo em sua vida.
Não é assim? Não é esta a Ordem Divina pela qual Deus criou o homem e o dotou com esses três mandamentos para em- pregá-los? Que faço eu? Não estou agindo segundo os princípios de Deus? Tu me advertes do orgulho e da rebeldia. Mas eu te pergunto: quem de nós é mais orgulhoso e rebelde? Pretendes subjugar-nos sob teu cetro e nos queres impor tuas leis. Não és com isto um rebelde contra os sagrados direitos humanos, e igualmente orgulhoso que- rendo nos subjugar com teu cetro?
Convém pedires a Deus que te ilumine acerca de tuas leis básicas e depois podes julgar se as nossas não se fundamentam na mesma Origem. Aprende primeiro a conhecer e respeitar a origem divina em teus irmãos e em seguida podes julgar se ao lado das Leis de Deus ainda necessitam das tuas.”
Diante de tal discurso, Olad se dirige a seus ministros e in- daga o que poderia ser feito com esse oponente. Conviria deixá-lo partir com seus companheiros sem aceitação da Lei Divina, ou tal- vez fosse aconselhável forçá-lo a ouvi-la com o poder que lhe é afim?
Os dez ministros respondem: “Sabes que o Senhor julga quando emprega Seu Poder. Se Ele quisesse que agíssemos deste modo em Seu Nome, certamente nos autorizaria expressamente. Todos nós dependemos da paciência, portanto convém usá-la até que o Pai nos dê outra orientação. Procura dar o bem pelo mal, a delicadeza pela grosseria, o mel pelo fel, azeite por vinagre, ouro pelo sal, pedras preciosas pela lama, e dentro em breve saberemos como agir. Ataca-os com suas próprias armas e os dominarás com maior facilidade.”
Retruca Olad: “Seria o caminho mais certo; mas para tanto eu precisaria ser detentor de maior verbosidade. Se bem que ouça dentro de mim o que devo responder a esse orador, sinto dificulda- de, porque ainda não me exercitei a falar de dentro para fora. Esta foi sempre tua grande vantagem; por isso te peço que conduzas a discussão em meu lugar e em breve terás dominado esses teimosos.”
Aceitando essa proposta, o orador principal entre os dez se dirige ao outro grupo dizendo: “Por que te opões a aceitar um en- sinamento de quem foi ungido pelo Espírito de Deus, no Templo? Sabes perfeitamente o poder que nos assiste por Ele, enquanto esta- mos convictos de seres incapaz de sustentar qualquer reação contra nós, de sorte que não te tememos. O Senhor depositou em nossas mãos a força e o açoite, não havendo possibilidade de reação, ainda que supridos da ajuda do mundo inteiro.
Como irmãos não pretendemos punir-vos, mas apenas trans- mitir um ensinamento cuja aceitação vos faria muito felizes, e isto garantimos segundo o poder conferido por Deus. Não estaríeis dis- postos a segui-la como norma de vida?”
Responde o orador dos noventa e nove conselheiros: “Claro, nestas condições aceitamos qualquer ensinamento como vossos ir- mãos. Jamais aceitaremos a escravidão, ainda que imposta por Deus através das leis sancionadas.”
DIFERENÇAENTREASLEISMORAISEAS DIVINAS
Virando-se para Olad, o orador dos dez aconselha: “Agora podes transmitir-lhes a Vontade do Senhor. Mas não fales em san- ção, pois a Vontade Divina que surge da Eterna Ordem de Deus é sancionada por Si Mesma.
Aliás, qualquer lei, uma vez que necessita de uma sanção, é prejudicial, condenável, inaceitável e vazia porque não contém em si a sanção como consequência natural da infração. Precisamente tais leis vazias são temidas por esses amigos, pois transformam os homens em escravos.
Todavia não temem as Leis da Ordem Eterna e Divina, pois ignoram que elas contêm a sanção desde eternidades, assim como cada criatura oculta dentro de si um espírito punidor como consci- ência. Vai orientá-los da Vontade Divina e assim receberão em ti o guia e o juiz ao mesmo tempo.”
Seguro de si, Olad se dirige aos noventa e nove conselheiros e diz: “Tendo recebido vosso consentimento através de meu ministro no sentido de que estais prontos a me ouvir, transmitirei, em Nome do Senhor, em poucas palavras, qual a Sua Exigência e o que consti- tui vosso benefício temporal e eterno.
Eis o teor da Vontade de Deus: Aceitai e amai a Deus acima de tudo, e vossos irmãos como cada um ama sua própria vida. Evitai o excessivo gozo da carne, considerando que existe apenas Um Se- nhor e que somos todos irmãos, e assim sereis justos e puros diante de Deus e do mundo; o Senhor há de vos abençoar e guiar então em toda parte para a felicidade eterna.
Esta é a Ordem Pura e Divina segundo a qual apenas todas as coisas podem existir, pois sem Ela não existe qualquer ser. Agora
tendes tudo. Para mim não faz diferença se partis ou se ficais. Vossa subsistência física tem que partir de vós mesmos a fim de tirardes um grande peso dos cidadãos. Aliás, não colocarei nenhuma tranca no coração deles, nem no meu. Quanto a mim e os dez ministros, procurarei reduzir ao máximo nossas necessidades a fim de aliviar- mos a vida do povo. Fazei o mesmo que podereis ficar aqui e habitar esse burgo.”
OBJEÇÕESRACIONAISDOS CONSELHEIROS
Eis que se levanta o oponente e diz: “Tens razão se consi- derarmos a questão superficialmente. A fim de que vejas que, em nome de meus irmãos, não pretendi apresentar uma objeção mal- dosa esclarecer-te-ei mais profundamente. Se fores capaz de refutar meu pensamento aceitaremos qualquer lei. Caso contrário, partire- mos imediatamente.
Quanto à aceitação de teu conhecimento de Deus, digo ape- nas: Tenta meter em tua boca uma montanha para engoli-la. Achas isto possível? Agora imagina Deus Eterno como Ser Supremo em Suas enormes e inúmeras Obras, e tu como verme pequenino e li- mitado. Por acaso o Seu Todo Se acomodará em tua nulidade ou poderias vangloriar-te do conhecimento de Deus se possuis a mesma noção Dele que eu?
Acreditas ter visto Sua Totalidade se Ele Se apresentou diante de ti através de um agente espiritual, portanto apenas por um di- minuto raio de Seu Poder? Considero o mais orgulhoso e tolo do mundo inteiro aquele ser que ufanar o conhecimento de Deus, fato que me parece ocorrer contigo. Certamente aceitarás essa incoerên- cia, aliás, lógica.
Mas qual é o sentido do ‘Ama a Deus acima de tudo?’ Meu irmão, se eu fosse capaz de colocar minha inteligência em tua cabe- ça, tremerias diante de tua ignorância. O que chamamos de amor é a própria força vital da criatura e quanto mais forte seu amor mais poderosa é sua vida. Nas pessoas idosas o amor diminui e na mesma
relação também a vida. A morte é o fim do amor — portanto da vida; isto nos ensina a experiência diária.
Dize-me quanta força vital se acomoda dentro de ti? Por cer- to o mesmo que teu volume, pois nunca alguém viveu fora de seu corpo. Com tal força vital poderás abraçar criaturas semelhantes a ti, podendo inclusive distribuir teu amor até a dez mulheres durante alguns anos.
Daí se deduzirá que a criatura só pode amar segundo seu volume, e tu exiges que amemos a Deus, o Criador, acima de tudo. De que maneira pretendes guardar em teu peito o Ser Supremo e talvez aquecê-Lo, iluminá-Lo e estender sobre Ele o teu amor? Se tiveres um átomo de inteligência convirás que disseste uma gran- de tolice.”
INTERRUPÇÃODO DEBATE
Diante do discurso do principal orador, Olad nada consegue responder, e além disto sua natureza irritadiça sempre o impedia de falar quando acometido de aborrecimento. Os dez ministros per- cebem seu embaraço e um deles diz: “Olad, não te aborreças à toa, pois estamos tratando com pessoas tão ignorantes que nem conse- guem diferenciar entre uma noite trevosa e um dia radioso. Seria inútil prosseguirmos com o debate.
Criaturas que conseguiram ensacar o espírito livre e seu amor através de sua razão, ignorando que ele vem de Deus, são incapazes para qualquer ensinamento maior. Semelham-se às crisálidas que se envolveram em seu próprio tecido e com isto cortaram a penetração de alguma luz superior.
Ainda que essas crisálidas sejam com o tempo vivificadas e se transformem em belas borboletas, nada mais são que mandriões preguiçosos e estéticos que depositam suas ideias nas jovens plantas humanas — como fazem as borboletas com seus ovos — de onde não tarda a aparecer uma quantidade de lagartas prejudiciais que destroem os brotos vivos da vida espiritual.
Deixemos portanto partir tais bonecos ignorantes do intelec- to e da razão, pois entre nós brilha o Sol eterno e vivo do espírito. Através de seu calor, facilmente tais crisálidas poderiam produzir sua ninhada prejudicial em nossos viveiros novos.”
Então o orador dos conselheiros retruca: “Onde os homens falam deste modo com seus semelhantes é impossível continuarem juntos. Pregam a humildade, no entanto são mais orgulhosos que um pavão de cauda completa. Vamos partir, pois acharemos alhures o que comer.”
Diz o orador dos dez: “É isto mesmo; criaturas às quais ser- vem para nós, pois sabemos ter Deus organizado nosso coração como a visão, que embora muito menor que a Criação, pode assi- milá-la e observá-la — portanto não depende do volume, mas da vontade da criatura cheia de vida. Podeis partir dentro de três dias, tempo necessário para vos preparardes.”
NASCE O CONHECIMENTO PRÓPRIO DENTRO DOSNOVENTAENOVE CONSELHEIROS
Tais palavras produzem forte impressão nos conselheiros; es- pecialmente a comparação entre o coração e a visão penetra em toda sua natureza. Por esse motivo o orador se vira para os colegas e diz: “O discurso do primeiro ministro de Olad me mostrou meu grande engano e agora sei de que nos servem a razão e o intelecto, a pon- to de compreender que somos ainda cegos para noções espirituais e divinas.
Além disto somos surdos e terrivelmente orgulhosos, e me- recemos ser enxotados dessa cidade onde por muito tempo fizemos papel de senhores; e eu também mereço isto por ter feito sempre a maior oposição a tudo que fosse espiritual e divino.
Quem dentre nós não se lembra dos dois mensageiros que aqui vieram como operários e logo alcançaram o posto de constru- tores, nos admoestando para voltarmos para o Deus Único de Céus e Terra? Suas palavras inspiradas não encontraram eco em nós, que
os deixamos partir. Reagimos com a razão e o intelecto contra tudo que tinha Origem Divina, portanto nada mais merecemos senão ser expulsos da cidade. Já sei o que fazer: me apresentarei como peniten- te arrependido, mas inspirado. Quanto a vós, fazei o que quiserdes e que a Vontade de Deus esteja com todos.”
Em seguida ele se vira para Olad e os dez ministros pedindo comovidamente perdão por sua obstinação e agradecendo também pelo esclarecimento que lhe abrira os olhos. Quando termina faz menção de se afastar, mas Olad o impede dizendo: “Danel, com esta modificação podes ficar, pois o Senhor te aceitou por te ter propor- cionado tamanha Graça.
Não pretendo banir-vos, irmãos, mas vossa teimosia o faz. Desfazei-vos dela e será desnecessário fugirdes daqui. Quando um irmão pretende banir um outro, terá selado também seu banimento, e isto está longe de minha intenção. Procura convencer teus amigos, pois teremos muito serviço pela frente.”
RESISTÊNCIADOPSEUDO-REI MIDEAL
Satisfeito com tal convite, Danel se dirige aos colegas e lhes expõe a imensa Graça de Deus e, com exceção de um, todos aderem à nova convicção. Trata-se precisamente do pseudo-rei que somente agora começa a sentir o prazer do domínio prevendo sua perda. Sua posição lhe confere toda sorte de vantagens e privilégios que devia largar; por isto começa a refletir de que maneira reaver sua dignida- de perdida.
Danel o percebe e já se apronta a atirar alguns raios de ira sobre a cabeça de Mideal, mas um dos ministros o impede dizendo: “Basta que noventa e oito se tenham convertido e não existe valor num bur- ro. Quem se dispõe a conduzir seus irmãos sem poder natural, moral e espiritual, mas apenas quer dominá-los pelo orgulho, é um burro por- que não consegue compreender que os irmãos o tenham classificado como tal, colocando em sua cabeça a coroa da ignorância.
De fato, nem as enxurradas dos tempos hão de modificá-lo, pois é tão rijo em sua ignorância como uma rocha. O burro não teme a pata do tigre feroz e seus dentes triturantes, pois ele sabe tanto quanto os profetas que diante dele os seres mais fortes teriam que se envergonhar para atacá-lo.
A burrice é até mesmo respeitada pelo pai da maldade e da mentira, e nenhum burro precisa temer algo de sua astúcia, pois a vergonha também pressiona a Satanás, razão por que não aprecia lidar com burros. Que fique sentado no trono para reger moscas e mosquitos, e uma coroa brilhante deve ornar sua cabeça cinzenta.
E quando fizer soar sua voz com as mesmas palavras costu- meiras como regente, devem lhe oferecer uma forragem substancial. Assim faremos e o rei passará o tempo comendo, dormindo e enxo- tando as moscas.”
Essa sátira atira o pseudo-rei ao desespero e começa a vo- ciferar e a enfurecer-se. O orador o agarra pelas orelhas e, através de seu poder milagroso, as estica para verdadeiras orelhas de burro, dizendo: “Eis tua coroa e o trono seguirá!” Este fato causou forte impressão em Mideal, que se tornou humilde e também se conver- teu; todavia conservou suas orelhas durante três anos. Esse aconte- cimento chegou até as montanhas e se conservou nos descendentes sob várias fábulas.
CONCÓRDIAENTREOS110MEMBROSDA CIDADE
Em seguida Olad se vira para Danel e lhe diz: “Meu amigo e irmão, também Mideal foi convertido pelo fato de o ministro lhe ter esticado as orelhas de tal forma que virou para fora a tolice interna, e deste modo alcançamos uma boa finalidade, segundo a Vontade do Senhor.
Mas eis o povo cuja ignorância é terrível aqui na metrópole e nas cidades de Lim, Kira, Sab, Marat, Sincur, Pur, Nias, Firab, Pejel, Kasul, Munia e Tiral, e naturalmente entre seus vassalos. Depende
de nós convertermos todos os habitantes existentes, pois em toda parte rege a idolatria como também o pior ateísmo.
Cabe a nós uma grande parte de culpa; tanto mais nos com- pete o dever de levar a todos esses povos a Luz da Verdade que por nós lhes foi tirada, em grande parte. O Próprio Senhor nos abriu ca- minho pela tremenda tempestade de fogo. Devemos aproveitar essa oportunidade em Honra e Louvor Daquele que reacendeu a Eterna Luz da Vida que se havia apagado em nós.
A fim de nos capacitarmos a lhes levar tal conhecimento, visitaremos os Templos do Senhor onde receberemos o incentivo justo e a autorização e força necessárias. O Seu Espírito descerá so- bre nós e nos ungirá com novas forças para despertar em nós o justo espírito do Amor e de Sua Luz. Com tal luz esclareceremos os povos e os ungiremos com espírito novo para filhos de Um Pai, Que desde o início nos escolheu para Seus filhos. Que todos se preparem, pois amanhã, antes do Sol nascer, penetraremos nos templos e em segui- da trataremos da alta incumbência de regermos os povos em Nome de Deus Eterno, Que para tanto nos escolheu e ungiu.”
Todos aceitam tal proposta e se alegram sobremaneira de po- derem em breve começar a agir em Nome do Senhor. Olad e seus 10 ministros abençoam os 99 colegas, e o grupo se dirige para o velho burgo onde se fortalecem e oferecem ao Senhor um louvor geral.
AENTRADANO TEMPLO
Duas horas antes da aurora, Olad procura o grupo conse- lheiro com seus ministros e os encontra já prontos para a entrada nos templos. Como também as famílias estão a postos, inicia-se a caminhada para o primeiro templo. Quando o grupo enorme atin- ge o átrio, milhares de raios se precipitam do telhado de ouro em direção deles.
Ao mesmo tempo os dez ministros fazem um aceno a to- dos os vulcões e instantaneamente eles projetam enormes colunas de fogo de suas crateras, e as massas de fumaça em breve cobrem o
firmamento. Tal fenômeno produz forte impressão nos 99 amigos, pois imaginavam sua morte.
Tremendo dos pés à cabeça, Danel se vira para Olad: “Não nos deixes perecer, pois terrível é teu poder e força. Quem poderá subsistir ao teu lado? Quem poderá se tornar teu súdito, pois antes de se dar conta, as chamas o cercarão para transformarem seu corpo em cinzas!”
Retruca Olad: “Não te preocupes com coisas tão fúteis. O Senhor demonstra a todos apenas o Seu Rigor, e se não o fizesse não teríeis mérito para receber aqui a poderosa Bênção com a qual haveis de conduzir os povos à Luz da Vida de Deus. Afastai de vós o medo tolo, pois é Deus, o Pai Amoroso, a vos receber no fogo violento de Seu Amor Infinito e Santo, para vos preparar mais profundamente à Sua Chegada no Templo!”
Essas palavras conseguem libertar Danel e seus companhei- ros do grande pavor e animá-los a entrar no átrio, e — após o verda- deiro despertar da humildade viva e do amor — também no templo. Olad manda imediatamente abrir o portal, e com grande respeito ele e toda a assembleia o acompanham ao átrio. Aí ele oferece um louvor a Deus e se encaminha para o interior, enquanto os demais tinham que permanecer do lado de fora, pois somente os iniciados tinham tal permissão.
OSENHORPROÍBEVISITASEDISTRAÇÕES MUNDANAS
Dentro do Templo, Olad se prosterna diante do altar, pedin- do a Deus Misericórdia para com o pseudo-rei e os 99 irmãos. E o Senhor falou, oculto na nuvem branca: “Olad, tenho te observado e a teus irmãos, e Me alegro com sua conversão e por terem voltado seu coração e alma para Mim. No entanto, tenho algo contra eles de importância especial para seu espírito. No mundo tal fato é aprovado, justo e totalmente inocente. Mas Eunão tenho essa compreensão.
É o seguinte: Alimentam a tendência de fazerem visitas a fa- mílias conceituadas, sob vários pretextos amigáveis, e também de
serem visitados pelos amigos. Nem Danel, o mais sábio, é isento dessa paixão.
Os homens sentem grande prazer quando recebem visitas de mulheres bonitas e se alegram em pagá-las. As mulheres, por sua vez, anseiam por visitas masculinas, e quanto mais se repetem tanto mais alegres e tolas se apresentam. Se bem que elas visitem os ho- mens com menor assiduidade que suas amigas, é realmente chocante como falam tolices.
Quanto mais fútil e sem nexo a conversa, tanto maior a satis- fação. Quanto mais pueril, tolo, ignorante e ridículo o nível de tais ambientes em sociedade, tanto mais agradam e são procurados. Prin- cipalmente as mulheres cuidam que em tais comitês, odiados por Mim, se encontrem vários jovens entendidos em fazer a corte, pro- videnciando também vários jogos e passatempos insípidos e fúteis.
Teus 99 irmãos têm mulheres e filhos dessa espécie, mas a esposa de Danel é a maior apreciadora de mexericos, e isto me pro- voca verdadeiras náuseas! Prefiro guardar um cadáver na boca por mil anos a olhar tal galante apreciadora da sociedade por apenas um segundo. E isto por que essa é a melhor maneira de perverter e matar o espírito provindo de Mim, pois em tais reuniões tanto a mulher quanto o homem se esquecem totalmente de Mim para se atirarem ao mundo alegre e sedutor, ou seja, nos braços venenosos da serpente.
Quem, em tais reuniões de mexericos, jogos, bisbilhotices e piadas, pode se lembrar de Mim, enquanto sou obrigado a manter a vida a todo instante? Por isto, amaldiçoo todas essas sociedades onde as criaturas se visitam por causa do prazer — e não a fim de se en- treterem e se orientarem a Meu respeito. Ainda que tais visitas sejam muito simples, elas são amaldiçoadas sobretudo onde são levadas crianças, que têm assim qualquer semente mais pura logo sufocada.
Transmite essa Minha Vontade a teus 99 irmãos, que a passa- rão a suas mulheres e crianças, e que Eu a ninguém abençoarei até que tenha organizado sua casa neste sentido. Se este mal não for extermi- nado pela raiz, darei ao mundo Meu Julgamento em vez da Graça!”
Com profunda humildade, Olad se dirige ao Senhor dizen- do: “Por acaso não podemos visitar nossos irmãos e amigos e nos alegrarmos deste convívio? Nossa vida na Terra não nos proporcio- na muitas alegrias e, se formos obrigados a evitar visitas e palestras sociais, nada nos restará senão nos meter num buraco para masti- gar nosso tédio. Por isso Te peço, Senhor, em nome de todos, que atenues um pouco Tua Ordem. Não seria de Teu Agrado dar-nos uma regra ou talvez uma lei segundo a qual possam ocorrer certas reuniões?”
E o Senhor responde: “Sabia que és ainda bastante tolo e por isso exiges algo totalmente contra a Minha Ordem. Vê, na Terra crescem vegetais e frutos abençoados e amaldiçoados. Os primeiros se originam do Céu e os amaldiçoados do inferno; no entanto são os últimos não raro mais sedutores que os outros. Não estarias dis- posto a perguntar: Senhor, tira-lhes o veneno mortal para podermos saboreá-los como os abençoados? — E Eu te respondo: Isto não farei jamais, pois no lugar de umfruto amaldiçoado coloquei trinta aben- çoados, e isto deve ser suficiente. Além do mais, tens a liberdade de arrancar as plantas amaldiçoadas e substituí-las por outras. Não é o bastante?
De igual modo dei ao homem umasó companheira, umasó ajudante, e o primeiro homem Adão se deu por satisfeito. Porven- tura pretendeis ser mais favorecidos que o primeiro casal na Terra? Não possuem os genitores seus próprios filhos, o proprietário de suas terras e seus lavradores, criadagem e empregados que também são humanos? O que haveria de querer mais?
Adão só teve uma mulher e posteriormente seus filhos; po- rém não possuía serviçais; ainda assim estava satisfeito. Por que que- reis além daquilo que Minha Ordem proporcionou a ele? Insaci- áveis, exigis mais porque Eu não vos satisfaço. Tenho pouco valor para vós, e por tal razão desejais distrações mundanas, querendo rir, bisbilhotar e brincar em círculos alegres.
Adão se satisfazia em Minha Companhia, e Eva se contenta- va com ele e seus filhos; por isto ele viveu 930 anos sem distrações sociais. Como já foste ungido por Mim, te digo: Se as visitas se derem em Meu Nome, como fazia Adão junto aos filhos, toda e qualquer reunião será abençoada, pois onde dois ou três estiverem reunidos em Meu Nome Eu estarei em meio deles.
Onde quer que se façam reuniões ou visitas em virtude dos prazeres mundanos, Satanás deve se encontrar entre os participantes para estrangular seus filhos. Não tornes a perguntar — caso não queiras fazê-lo pela última vez — mas cumpre Minha Vontade!”
APARENTEPREOCUPAÇÃODEDEUSCOM NINHARIAS
Totalmente contrito, Olad se curva respeitosamente diante do altar e em seguida se dirige aos 99 irmãos, chamando Danel para relatar o que ouvira do Senhor. Danel então observa: “Se não tivesses falado com tamanho rigor, seria difícil acreditar-se que Deus, Oni- potente, Se preocupe com tais ninharias. Deve existir algo impor- tante neste problema, pois Ele nos garantiu um julgamento amargo caso não deixássemos esse vício. Irei imediatamente informar a to- dos a respeito da Vontade do Senhor, e garanto que em minha casa não se farão mais quaisquer reuniões, senão as por Ele permitidas. Quanto aos outros, nada posso prometer.”
Obtempera Olad: “Isto não nos deve preocupar, pois o Se- nhor tomará as medidas certas.” Danel se dirige prontamente ao grupo de amigos e a seus familiares para lhes transmitir a Vontade do Senhor. Os homens A aceitam sem protesto. Mas as mulheres e os filhos mais crescidos começam a reclamar e a chorar dizendo: “Isto não pode ser dito por Deus. Deve ser uma invenção de Olad, dos dez feiticeiros das montanhas e do conhecido Danel, que sem- pre soube virar o manto segundo o vento.
Por que não podemos ser amadas por vários homens numa sociedade? Por que devemos existir para um só e enfeitar-nos só para ele?
Por que nossas filhas não devem ter oportunidade de conhe- cer jovens rapazes em sociedade para escolherem os que mais lhes agradam? E nossos filhos, não devem conhecer as moças e sim fica- rem solteiros? Onde, senão em círculos sociais, se encontram opor- tunidades para boas realizações? Além do mais, frequentamos apenas famílias da antiga aristocracia que também costumam nos visitar.
Deus não pode ser Sábio se exige tal coisa de nós! Se praticás- semos algo de condenável... mas nossa distração é a mais inocente do mundo! Como pode ser isto desagradável para Deus?”
Danel então retruca: “Ó criaturas, sois capazes de resmungar contra as Ordens de Deus?! Ignorais que Ele sempre puniu os reni- tentes? Segundo vosso entender, o assunto pelo qual Deus Se preo- cupa é por demais banal e afirmais Ele não ser sábio. Tolas, Quem criou o mosquito, o pulgão, os inúmeros vermes num pântano, os cabelos que adornam vosso rosto? Não são coisas aparentemente ba- nais? No entanto Deus Se entretém com elas!
Quem, além do mestre, sabe o que é necessário para sua obra? Se o Grande Mestre nos fornece Pessoalmente as regras de vida — não devíamos aceitá-las e segui-las imediatamente com gratidão? Se aos vossos olhos o erro parece pequeno e sem importância pelo fato de vos terdes habituado a ele — o mesmo deveria ocorrer com Ele?!
Deus jamais Se guiará pela nossa grande tolice, mas compete a nós, Suas criaturas, nos orientarmos segundo Sua Vontade, pois somente Ele sabe o que nos é útil. Uma única gota de veneno conse- gue envenenar dez medidas de água a ponto de torná-la intragável. Mas, se formos adicionar uma gota de água saudável a dez medidas de veneno, porventura poderá neutralizar o mesmo? Daí concluí- mos que a morte é mais poderosa que a vida, e facilmente a pode- remos perder. Portanto, é necessário considerarmos e aplicarmos as regras conforme a Vontade do Senhor da Vida!”
Então alguns rapazes e moças se dirigem para Danel dizendo: “Prestamos muita atenção ao teu discurso e descobrimos muita coisa boa e justa, mas também outros pontos incompreensíveis. Por isto perguntamos o que pretendias dizer em relação à gota de veneno nas dez medidas de água e vice-versa, e de que modo nos podemos reunir em Nome de Deus.”
“Bem”, disse Danel, “procurarei elucidar-vos à medida do possível. Sois receptáculos de água saudável e viva, ou seja, da Vida de Deus. As reuniões sociais são o veneno para vosso espírito vivo, e isto em virtude das palestras tolas e sem nexo, os gracejos espiritu- osos e a tendência de vos deixar honrar à custa do aviltamento e ca- lúnias de pessoas geralmente inofensivas; começais a esquecer Deus, acreditando que o mundo existe por vossa causa e que a salvação dele depende apenas de bisbilhotice e graça.
Tudo isto é contrário ao amor ao próximo, portanto contra a Ordem Divina; é um veneno para a vida de vosso espírito, que recebeste de Deus qual água saudável e viva. Basta uma gota daquele veneno — ou seja, uma visita inofensiva em nome do mundo — para envenenar todo o espírito saudável, tornando-o impotente em vossa alma. Com isto ela é estimulada ao orgulho, começando a procurar ambientes onde poderia encontrar o justo reconhecimento de sua suposta grandeza.
Ela age deste modo porque não possui mais um guia para a evolução, em virtude do enfraquecimento do espírito, e finalmente se considera ela mesma o princípio de vida original. Nisto ocorre um grave erro pelo motivo importantíssimo de ser nossa alma, como substâncias vivas de nosso corpo, um produto inferior, sendo que apenas o espírito se origina do Alto para libertá-la de sua impureza remota, na fase de sua encarnação.
Tal processo só pode ocorrer pela Graça de Deus, caso não tivermos feito tudo para prejudicar nosso espírito, e se procurarmos
organizar nossa existência segundo a Vontade Daquele que no-la deu como dádiva sublime e eterna.
Acredito ter esclarecido suficientemente o que significa a re- ferida gota de veneno em dez medidas de água. Quanto ao ponto contrário, é bastante claro e dispensa perda de palavras. Se um ho- mem for totalmente pervertido, porventura uma palavra verdadeira o melhoraria?
Da mesma maneira que não se consegue apagar um enorme incêndio com uma gota d’água, tampouco alcançará uma boa ad- moestação numa criatura mundanamente pervertida. Acabo de vos fornecer muitas gotas saudáveis de água viva; mas vossa paixão ainda continua a arder em labaredas e será preciso que uma enxurrada se atire sobre vós a fim de se apagar totalmente vossa grande tolice.
Quanto às visitas justas em Nome de Deus, é tão claro que não necessito estender-me no assunto. Considerai esse ensinamento com seriedade e veremos em breve a maneira pela qual devemos fazer visitas em Seu Nome.”
OLAD ELOGIA DANEL E O CONVIDA A AGRADECER A DEUS
Voltando perto de Olad, Danel lhe diz: “Testemunhaste como procurei transmitir a Vontade de Deus às nossas mulheres e filhos, todavia não posso garantir qualquer êxito. Que a Graça do Senhor e teu poder de rei completem meu intento!”
Retruca Olad: “De fato, se tais palavras inspiradas pelo Senhor não surtirem efeito, somente um julgamento e uma punição atroz po- deriam ajudar. Todavia estou seriamente convicto não teres falado em vão, pois percebi como todos caíam em si, sobretudo quando men- cionaste o símbolo da gota venenosa nas dez medidas de água pura, e vice-versa. Deixemos que meditem bastante e estou certo que se modificarão assim que o espírito da palavra penetre a natureza deles.
Já se encontram em estado de fermentação psíquica. Se a ela se unir o Calor do Amor Divino, então a alma começará a surgir
por si mesma. Acompanha-me ao portal do templo, prosterna-te diante da Presença Santíssima do Senhor e agradece-Lhe pela Graça de teres falado tão sabiamente, mas também pede pelo êxito de teu empreendimento.
Irei na frente, e acompanhado de meus ministros hei de me ajoelhar. Assim que o Senhor te chamar, deves penetrar para saber a futura orientação.”
OSENHORINCITATODOSOSPOVOSÀ PENITÊNCIA
Chegando ao portal do templo, Danel se prosterna e ora con- forme Olad lhe havia aconselhado, enquanto o rei se dirigia para o Altar a fim de orar igualmente a Deus. Então o Senhor Se faz ouvir da nuvem branca, dizendo: “Olad, levanta-te, pois é desnecessário que te deites no pó diante de Mim. Quem Me reconhece em seu co- ração, com amor, terá feito o suficiente, e quem for verdadeiramente humilde em sua alma também terá agido com justiça. Todo o resto que fizeres fisicamente não tem valor para Mim, pois trata-se de simples cerimônia pertencente ao mundo, que faz parte da ignorân- cia e tolice dos homens — Vai até o portal e ordena a mesma atitude a Danel. Em seguida deves trazê-lo aqui e Eu Mesmo lhe direi o que fazer em Meu Nome.”
Quando ambos se encontram diante do altar, o Senhor diz: “Danel, és descendente de Kisehel, que em tempos de Lamech cons- truiu este Templo em Meu Nome. A terceira geração de Kisehel se dirigiu para as planícies contra Minha Ordem e te tornaste o sétimo membro de seus descendentes.
Se assim não fosse, jamais teria sido aberto o caminho para o templo. Como descendentes de Meu fiel Kisehel, cujo espírito inicialmente rebelde se nota em vós, Eu Me apiedei mais uma vez de todos os povos que serão chamados por vosso intermédio.
Tu, Olad, foste ungido por Mim, e com esta sagração Me trouxeste teu irmão Danel e os demais 98 colegas, em curto espa- ço de tempo. Por tal motivo teu reinado nesta cidade será
seguro
enquanto agires segundo Minhas Ordens, e estas dez testemunhas devem te ajudar bastante, pois também são descendentes de Kisehel.
Tu, Danel, és neste momento ungido por estas Palavras e podes ungir teus irmãos em Meu Nome. Em seguida visitai todas as regiões da Terra e pregai penitência em toda parte. Ela sendo efe- tuada, segui adiante, repetindo vossa tarefa. Se a penitência não for feita, anunciai Minha Ira e o julgamento predito, que ocorrerá se não houver em todos um verdadeiro arrependimento.”
Então o Senhor abençoa Danel, visivelmente, e lhe ordena de agir imediatamente, recomendando que reaja contra as reuniões sociais. Danel promete fazer tudo segundo a Vontade do Senhor e, acompanhado de Olad e dos ministros, põe mãos à obra.
BÊNÇÃODOS98MISSIONÁRIOSEQUEIXUMESDAS MULHERES
Olad tranca em seguida o templo e se dirige, em companhia de Danel e dos dez ministros, aos 98 amigos e lhes transmite a Vonta- de do Senhor. Conformados com a Mesma, Danel lhes apõe a mão e eles recebem imediatamente a força de Deus que os havia agraciado.
Quando os familiares ficam cientes da missão deles, que po- dia resultar num afastamento temporário ou definitivo, todos co- meçam a chorar e algumas mulheres blasfemam contra tal Ordem emitida por Deus. Então os dez ministros se postam diante delas e ordenam com rigor para se calarem, do contrário teriam que aguar- dar punição severa.
Tal admoestação tem o efeito de verdadeiras chamas de fogo e todos silenciam. Então um dos dez ministros diz: “É preciso em- pregar vosso raciocínio. Quereis reagir contra a Vontade Poderosa do Senhor? Se vossos maridos cumprem a mesma, por acaso o Oni- potente vos abandonará? Vossa futura preocupação seja a de agradar- des ao Senhor de Céus e Terra, e do resto Ele Se incumbirá.
Se vossos companheiros não seguissem Sua Ordem em virtu- de de vossa tolice, Deus faria chover fogo sobre a Terra, onde todos
haveriam de perecer. Não seria preferível eles partirem em missão, enquanto Deus cuida de vós?”
Essas poucas palavras acalmam as famílias ao ponto de aben- çoarem os pais e maridos, pedindo a Deus de trazê-los de volta quando isto fosse da Sua Vontade. Neste instante se faz ouvir uma Voz dizendo: “Minha Vontade Se cumpra cá e acolá, quando for necessário!” Todos voltam ao lar e no dia seguinte os 98 partem acompanhados de muitas bênçãos; somente Mideal permanece em casa, por causa de suas orelhas longas.
MISSÃOTRIENALDOS99 EMISSÁRIOS
No decorrer de três anos, o grupo havia disseminado a Pa- lavra de Deus em toda parte; encontraram pequenas oposições que facilmente foram vencidas através de seu poder milagroso. Num pe- ríodo mais curto Hanoch foi reorganizada junto com os extensos subúrbios, entre os quais muitos eram bastante renitentes.
No quarto ano todos voltaram incólumes para informar Olad do bom resultado de sua campanha. Satisfeito, Olad e os dez ministros mandaram preparar o seguinte sacrifício de gratidão: Numa enorme praça fora da cidade foi construído um grande arco de triunfo. Tinha altura, largura e comprimento de cem varas, e o material era de mármore branco.
Dentro de um ano essa obra de aspecto muito majestoso es- tava pronta e, respeitando o templo, havia um altar elevado de puro ouro e em cima dele uma grande placa na qual estava cravejado o Nome de Jehovah, em diamantes e rubis. Milhares de pessoas ha- viam trabalhado nesta construção, e operários de todas as classes se revezavam.
Uma vez terminada a obra, que representava um ato de gra- tidão, todo o povo foi convocado e Olad faz sua entrada triunfal acompanhado de ministros e dos 99 emissários. Em seguida efetua- ram um verdadeiro sacrifício diante do altar. O Senhor porém falou: “Olad, fizeste por conta própria aquilo que não determinei.
Mandaste construir um arco, por gratidão, e agiste bem. No entanto expuseste o Meu Nome e isto não foi justo porque Ele deve constituir o mais intrínseco. Constrói, como penitência deste erro, um outro idêntico, para que o Meu Nome seja colocado no interior do templo, do contrário, farás do Santíssimo uma idolatria. Que assim seja!”
Totalmente contrito, Olad começa no dia seguinte a obra determinada.
INÍCIODOPAGANISMO.CISÃODEOPINIÕESPORINTERESSE PRÓPRIO
Dentro de um ano o templo estava terminado e o plano ele- vado ao seu redor foi protegido por uma rampa dourada a fim de evitar a possível queda dos visitantes. A construção era magnífica e diariamente visitada por milhares de pessoas, enquanto o interior do templo não era procurado tão assiduamente.
Passados dez anos, já se havia formado uma nova cidade em redor do arco de triunfo, que consistia de abrigos onde os peregrinos encontravam acomodação mediante pagamento módico. Todavia, desenvolveu-se com o tempo outro inconveniente, uma espécie de paganismo que se apresentava em discussões para determinar em qual dos três templos Deus era mais Magnânimo.
No templo de Lamech, por certo que não, pois lá Ele sem- pre emitia raios e trovões, a ponto que ninguém estava seguro de sua vida. No templo em cima do monte a situação era bastante aérea e não dava impressão que Deus estivesse muito Generoso em Suas Graças. Mas no templo novo, Ele era muito Benigno e de- veria ser procurado com maior frequência para receber a devoção dos crentes.
É claro que se revoltaram contra essa teosofia, principalmen- te os moradores de Hanoch que haviam construído suas moradas e capelinhas para hóspedes em torno do templo de Lamech. Eles não apenas se rebelavam em virtude da genuinidade do mesmo, mas
pelo pequeno lucro, provando com isto a verdadeira autenticidade daquele que Lamech havia erigido em sete dias, por Ordem de Deus.
Assim também discutiam os taverneiros em seu próprio be- nefício, que se haviam estabelecido no monte em que se situava o templo da sabedoria; por isto diziam: “De que vos serve toda a be- atitude com a seguida visitação do novo templo, se continuais ig- norantes? Lá em cima está o verdadeiro, por Deus Mesmo visitado seguidamente, onde Ele distribui a sabedoria. É preciso procurardes lá a verdadeira sabedoria.”
Olad e seus ministros percebiam tal confusão, mas nada po- diam empreender, pois o povo que peregrinava em todas as regiões para visitar o novo templo ficava muito emocionado e louvava o Nome de Jehovah acima de tudo. Era preciso assistir a essa luta dos três partidos, pois externamente cada qual defendia seus direitos. Conseguiam somente empregar bons professores populares no tem- plo novo, que ensinava com bastante eficácia; ainda assim não era possível nivelar os partidos.
GOVERNO EM HANOCH ATÉ A MORTE DE OLAD E SEUS DEZ MINISTROS
Enquanto Olad, os dez ministros e os 99 conselheiros susten- tavam a ordem geral em todas as regiões, tudo corria normalmente, não obstante não conseguirem extirpar todos os erros numa cidade tão grande. Se bem que teatros, lutas de feras e as reuniões sociais ti- vessem sido suspensas e somente permitidas as visitações em Honra de Deus, as peregrinações constituíam fartas compensações. Tais en- contros eram aproveitados para diversas finalidades através do em- penho de Satanás, e que não quero mencionar. Em suma, tratava-se apenas do joio entre o trigo, cuidadosamente extirpado pelo zelo de Olad e de seus ministros.
O filho deste, que o substituiu no governo, já se tornava mais desleixado. Quando Eu o exortava para maior zelo, ele Me dizia: “Senhor, dá-me o poder milagroso dos dez ministros de meu pai,
que com ajuda deles conseguiu reger durante trinta anos toda a po- voação terrestre, que eu farei isto com maior sucesso durante cem anos. Mas se me facultares tal poder, que me seja dado para a vida toda e assim regerei o povo sem auxílio de ministros.”
Eu lhe prometia sempre tal ajuda milagrosa e tão logo neces- sitasse da mesma, agindo com zelo e rigor. Insatisfeito, ele se rebelou contra Mim e disse: “Se Tu, Senhor, não quiseres me proporcionar tal poder, mas pretendes usá-lo Pessoalmente em ocasiões extraor- dinárias, e eu ainda sendo obrigado a Te pedir durante dias — vai Tu Mesmo subir ao trono para reger em Pessoa as massas e deixa-
-me em paz!”
Como este seguidor de Olad vivia em constante divergência Comigo porque Eu não lhe dava o dom milagroso para sua distra- ção, o governo foi para ele uma questão sem grande interesse. As peregrinações aumentavam cada vez mais, as reuniões e os locais para as romarias também cresciam. A idolatria foi estabelecida, pois as criaturas adoravam as inscrições de Jehovah, desconsiderando-Me visivelmente em seus corações.
Comecei então a punir o povo e seu rei por toda sorte de pragas; mas quem se tornou morno dificilmente pode receber ajuda. Durante ou após uma punição, o rei Me procurava no templo não para implorar Graça e Misericórdia, mas a fim de discutir Comi- go e fazer-Me censuras mordazes. Certa feita Me procurou porque Eu havia enviado uma pequena peste em certa região da cidade em virtude da propagação da prostituição, que numa semana matou duzentas mil pessoas (Hanoch contava uma população de doze mi- lhões de criaturas, inclusive os subúrbios) e Me disse:
“Por que estrangulas tão lentamente, Senhor? Faze com que toda a cidade pereça e terás feito um ponto final a todos os desa- tinos!” Se Eu o castigava nessas ocasiões, ele dizia: “Vamos, bate! É uma honra para um fraco rei de Hanoch ser malhado por Deus e Senhor!”
Quando Eu enviava uma moléstia, ele se deixava transportar com o leito para dentro do templo e lá arengava tão horrivelmente
Comigo até que Eu Me via obrigado a lhe tirar a doença. Às vezes prometia obedecer-Me; outras, proferia ameaças. De fato, este rei, chamado Dronel, submeteu Minha Paciência a uma dura prova. To- davia, permiti sua regência durante 50 anos porque, não obstante seus momentos de rebeldia, muito Me amava.
KINKAR, FILHO DE DRONEL, ASSUME O GOVERNO. PERIGO DO NATURALISMO
Dronel possuía um filho chamado Kinkar, ao qual ele entre- gou o regime enquanto ainda vivo, pois não conseguindo forçar o poder milagroso de Deus, ele protestou dizendo: “Senhor, durante 50 anos eu me cansei com a grande teimosia dos homens. Embora tivesses assistido sempre aos meus problemas, não quiseste me aju- dar; e se eu Te pedia a verdadeira ajuda, ou seja, a força milagrosa, Tu Te retraías sem resposta, ou me mandavas uma ameaça ou punição.
Fiz o que pude com minhas próprias forças e nunca Te es- queci. Amei o povo mais que minha vida e discutia Contigo quan- do o magoavas. Agora estou velho, fraco e cansado, e desejo ape- nas descanso.
Meu primogênito, Kinkar, é um homem forte e mantém cabeça e coração em lugares certos. Entregar-lhe-ei trono, cetro e coroa, e a glória do templo devolvo em Tuas Mãos. O que faço é feito em Teu Interesse e do povo. Assim, não hás de agir contra Ti Mesmo?”
Respondeu o Senhor: “As criaturas Me sobrepujaram, fazem o que querem e não atendem ao Meu Conselho; por isto as liberto. Segundo tua deliberação, nomeaste teu filho para rei, por isto ele o será sem Minha Interferência. Nunca deste ouvidos a um Con- selho Meu, porque entendias tudo melhor que o Criador de todas as coisas.
Assim como agora liberto o povo, faço o mesmo com o rei dos templos, e Meus Anjos e Minha Nuvem jamais hão de se encon- trar lá. Precavei-vos em vossa total liberdade! A partir de agora não
vos punirei mais até a época por Mim determinada. Felizes vós se vos encontrar ativos em Minha Vontade bem conhecida por todos. Mas ai de vós caso se der o contrário! Hanoch, encontras-te nas baixadas; sobre ti há de se verter a primeira enxurrada de Minha Ira! Amém.”
Dronel, ao entregar o regime ao seu filho Kinkar, o instruiu de tudo isto e lhe recomendou rigorosamente de não infligir ao povo outra lei senão a que o Senhor havia dado a Olad. Kinkar fez um juramento solene, junto ao Nome Vivo no Templo.
No mesmo instante, o Espírito do Senhor Se afastou do tem- plo, pois Kinkar havia feito um falso juramento que pretendia que- brar tão logo seu pai falecesse.
Então Dronel se dirigiu ao templo e notou o altar vazio. Entris- tecido, chamou pelo Senhor, mas seu clamor atingiu ouvidos surdos. Aflito, comentou o fato com Kinkar que lhe disse: “A natureza total também é Obra de Deus. Se Ele não quer que continuemos a honrar o Seu Nome honraremos Suas Obras. Não é isto o mesmo?” Dronel elogiou seu filho Kinkar e com isto deitou a base para a idolatria.
KINKAR SE TORNA AUTOR DOS LIVROS“A ESCRITURASAGRADAENOSSASALVAÇÃO”E“A HISTÓRIA
SAGRADADE DEUS”
Decorrido um ano, Kinkar dirigiu-se a Dronel e disse: “Pai, acabo de ter uma ótima ideia. Vê, Deus Se tornou Infiel sem motivo justo. De nossa parte não pretendemos pagar na mesma moeda, mas continuar fiéis a Ele como jamais ocorreu com Suas criaturas. Por este motivo mandei recolher as Leis de Deus e as anotei num livro.
Para tanto expedi vários mensageiros para as montanhas, que lá encontraram criaturas muito idosas, pois de fato conheceram pes- soalmente o primeiro homem da Terra. Existe até mesmo um ancião contemporâneo daquele Lamech que construiu esses dois templos.
Os mensageiros descobriram naqueles montanheses sábios muito profundos e deles receberam um livro completo de Sabedoria
Divina escrito por um tal Henoch, que devia ter sido extraordinaria- mente devoto a Deus a ponto de se encontrar na constante Presença do Senhor.
Consegui me apoderar de tais tesouros verdadeiramente sa- grados e aqui vês um livro medindo três pés de grossura, espessura e comprimento, feito de cem placas de uma liga de ouro, prata e cobre. Todas elas são gravadas peculiarmente e não há umapalavra minha, mas simplesmente anotações fiéis de tudo que pude saber nas planícies e nas alturas que se referisse às Leis de Deus.
Sabes que sou muito ágil na escrita, de sorte que me foi fácil completar o livro no decorrer de um ano. Essa obra contém portan- to exclusivamente a Vontade de Deus dirigida aos homens da Terra; por isto deve ser um eterno livro legislativo e jamais haverá outra lei entre os homens senão esta.
Levaremos este Livro com grande cerimônia ao altar do templo, onde a Palavra de Deus tomará lugar do antigo Santuário. Nomearei alguns sacerdotes obrigados a estudá-lo sempre, para em seguida ensinarem ao povo.
O Livro se chamará ‘A Escritura Sagrada (Sanah scrit) e nossa Salvação (Seant ha vesta)’. Quem pretender omitir ou acrescentar algo a tal Livro será punido com a morte.
Além deste, ainda estou trabalhando num segundo livro onde devem ser anotados todos os Feitos e Orientações de Deus. Já foram preparadas mil placas de metal pelo operário metalúrgico Arbial, e o nome do Livro será ‘A História Sagrada de Deus’ (Seant hias elli). Que achas deste meu empreendimento?”
Muito feliz, Dronel responde: “De fato realizaste num ano mais do que eu em cinquenta. Por isto serás certamente abençoado por Deus como nem meu pai Olad o foi, pois nem ele, nem eu nos preocupamos com as alturas. Que Deus seja louvado e que tudo ocorra como imaginaste.”
Com tal elogio, Kinkar se sente fortemente envaidecido, de sorte que no dia seguinte manda levar o livro por ele escrito sobre as leis até o templo, onde é colocado em cima do altar. Em seguida convoca cem homens dos mais entendidos e que estiveram presen- tes à cerimônia para desempenharem papel de sacerdotes. Compe- tia-lhes o sagrado dever de estudar com atenção tal livro a fim de transmitirem ao povo a Ordem da Sabedoria Divina.
Ele próprio elegeu-se para sumo sacerdote e como tal exigia um respeito quase divino. “Representante de Deus na Terra”. “Pes- quisador da Vontade Divina para os homens da Terra” e “Estudioso da Soberania Secreta de Deus”, “Plenipotenciário de Deus” e “Filho do Céu” eram seus títulos sacerdotais, além de outras prerrogativas.
Ninguém podia chamar-se de primeiro após sua pessoa, mas no máximo o centésimo, pois entre os números 1 e 100 ele unificava todas as dignidades, e não bastava que fosse chamado o mais digno, e sim o único que merecia o máximo conceito de todos, que se acha- vam os mais indignos diante dele.
Em suma, a organização do livro no templo começou a per- turbar a mente de Kinkar, e depois de ter terminado a História de Deus no decorrer de dez anos e que era transportado para o templo num escrínio dourado, ele perdeu todo o controle sobre si.
Os sacerdotes por ele nomeados conheciam sua fraqueza e por isso acrescentavam títulos que jamais alguém havia sonhado. Deste modo, seu nome de sumo sacerdote era escrito em caracteres pequenos numa tira de metal de mil e cem varas. Esta tira devia ser enrolada e guardada e venerada no templo.
Por ocasião de grandes festividades, tal tira era desenrolada e estendida em espiral ao redor do templo e o nome importante era pronunciado pelos cem sacerdotes que se espalhavam numa dis- tância de onze varas. Além desta tira, Kinkar possuía outras, mais curtas, escritas também da mesma forma.
Tais nomes menores deviam ser pronunciados semanalmen- te, para o que necessitavam de três dias, enquanto o nome grande levava uma semana para ser lido, pois a tira de mil e cem varas era, como se sabe, gravada totalmente. Assim andavam as coisas em Ha- noch no decorrer de vinte anos, e é fácil deduzir-se a maneira pela qual a cidade entrou em declínio.
APOGEUDASINVENÇÕESEARTESEM HANOCH
Depois de ter sido Kinkar elevado acima das estrelas em vir- tude de seu zelo literário, ele começou a imaginar um meio pelo qual seu povo pudesse crescer em respeito e veneração. Como estivesse compenetrado do conteúdo dos dois livros e dotado de espírito en- genhoso, facilmente conseguiu inventar objetos artísticos.
No decorrer de poucos anos a cidade de Hanoch sobrepujava as outras em invenções e artes, pois o zelo do rei estimulava os ou- tros, que só pensavam em inventar alguma coisa e colocá-la aos seus pés. Máquinas de toda espécie, das quais a posteridade ainda não tem noção, eram engendradas em Hanoch e nas demais cidades. Máquinas de tração, de combustível, de arremesso, impressão e de alavancas produziam coisas que o mundo atual não pode imaginar
— e também é bom que assim seja.
As máquinas de arremesso podiam lançar pesos de mil tone- ladas com um impulso tremendo, para o qual naturalmente a inven- ção da eletricidade desempenhava o papel principal.
Inventaram a pólvora, espingardas, pergaminho, papel e também eram conhecedores da força dos vapores produzidos pela água, que aproveitaram de várias maneiras. Em suma, Hanoch e as demais cidades estavam na vanguarda por mil anos em tudo aquilo que o mundo atual possui em invenções e artes.
A ótica não é conquista desta época, pois em Hanoch se cons- truíam também grandes engenhos de visão. Entendiam igualmente manipular a aerostática, muito mais aperfeiçoada que atualmente (1844). A música era muito cultivada desde os tempos de Lamech.
Não havia alegria maior para Kinkar do que a apresentação de um novo engenho, de sorte que diariamente apareciam novas invenções e melhoramentos das existentes. As artes também eram muito cultivadas, e assim Hanoch em breve se assemelhava a um enorme palácio de magias, e Kinkar se considerava quase um deus no que o seu pai muito contribuiu. Kinkar até afirmava: “Se hon- rássemos Deus em Sua Natureza Insondável, estaríamos no primeiro degrau de educação. Honrando-O em Suas Obras, quase nos tor- namos semelhantes a Ele, pois também somos criadores especiais.”
EFEITO DAS IMENSAS RIQUEZAS DE HANOCH. JAPELL, FILHODEKINKAR,SETORNASEU SEGUIDOR
É óbvio que por meio de milhares de invenções também o comércio com povos estrangeiros era muito favorecido e a cidade de Hanoch crescia em bens materiais. A consequência disto, ou seja, tendência para o domínio, frieza em relação aos pobres e necessita- dos, força crescente para o gozo carnal, usura, cobiça, inveja, ódio, raiva, ateísmo, gula, idolatria, roubo, assalto e assassínio eram os frutos naturais da riqueza.
Durante a regência de Kinkar tais vícios ainda eram vela- dos. Mas quando após 43 anos de regência ele teve morte acidental numa máquina e seu filho Japell assumiu o regime, tudo caiu em frangalhos. Também dotado de espírito engenhoso, Japell era além disto bom político que admitia tudo sob certas leis. Por exemplo, era permitido roubar, mas somente até certa importância, e caso o ladrão fosse apanhado em flagrante, o prejudicado tinha o direito de puni-lo à vontade.
Essa lei se prestava para formar os ladrões mais espertos e também manter os moradores em constante vigília. No roubo das riquezas dos sacerdotes, dos funcionários do governo e naturalmente nos tesouros do rei havia a pena mortal.
Em tais circunstâncias o assalto à mão armada também era permitido por lei, onde a parte prejudicada possuía sua própria de-
fesa. O ladrão era obrigado a entregar um terço do roubo aos cofres do Estado ou a perder seus direitos de roubo. O próprio ladrão era autorizado pelo rei e, devido a tal prescrição, participava da nobreza, assim como em épocas remotas após Meu Nascimento existiam os cavaleiros salteadores.
Além disto, o rei emitiu uma lei pela qual as moças da bur- guesia eram livres e todo homem tinha o direito de se aproveitar desse privilégio. O pai podia adquirir o direito de compra de nobre- za, por um ano, prazo em que suas filhas eram protegidas. Esgotado o prazo, elas eram novamente livres e era preciso comprar um novo resgate de nobreza. Tal monopólio rendeu somas enormes para o rei.
Quem tivesse comprado uma pequena nobreza em dez anos sucessivos, podia competir com uma nobreza verdadeira, que custa- va dez vezes mais. Quem quisesse falar com o rei tinha que empregar poucas palavras, pois apenas dez eram grátis. Cada palavra subse- quente era paga com uma libra de ouro.
ESCOLASPÚBLICASETEATROSEM HANOCH.
ASSISTÊNCIASOCIALPORMOTIVOS POLÍTICOS
Desde o tempo de Olad havia em Hanoch escolas públicas muito aperfeiçoadas por seu filho Dronel, e Kinkar as estendeu e ampliou em outras cidades. Japell, porém, mandou construir cente- nas de ginásios onde se ensinavam toda sorte de artes, quais sejam: dança, música, escultura, pintura, natação; voos com meios aeros- táticos, equitação com cavalos, burros, camelos e elefantes; esgrima, tiro de arco e também o uso de espingardas.
Para todas essas artes e outras matérias Japell havia organizado institutos de ensino e professores em todas as regiões de seu imenso império. Daí surgiram em breve vários saltimbancos que produziam suas artes em alguns teatros mediante pagamento. Deste tinham que entregar aos cofres do estado um terço de seus rendimentos, porque tais instituições eram pagas pelo povo, proporcionando assim à ju-
ventude a oportunidade de aprender coisas úteis, e tal ensino por sua vez tinha que ser pago pelos alunos.
Com isto Japell angariava somas enormes e conseguia, em sentido político, que o povo, diante de novas apresentações, se es- quecesse da opressão, prestando grande elogio ao rei. Eis os frutos lucrativos da política formidável de Japell.
Se bem que em Hanoch, como também em outras cidades e lugarejos, ainda existissem pessoas mais cordatas que não haviam esquecido Meu Verbo, elas não podiam se externar, pois o rei havia guarnecido seu território com espiões, e no final tais crentes tam- bém começavam a tomar gosto de tais produções verdadeiramente artísticas, externando sua admiração diante de tamanha inteligência.
De todas as artes, a dança, a música e mormente as apresen- tações estéticas causavam forte impressão sobre o povo. As repre- sentações estéticas eram efetuadas pelas moças e rapazes mais belos, em vestimentas e atitudes tentadoras, num palco maravilhoso e sob acompanhamento musical.
Os jovens artistas podiam ser sempre aproveitados para sa- tisfação dos sensuais de ambos os sexos, mediante boa recompensa. Essa instituição artística dava renda fabulosa ao rei e contribuiu para a parvoíce do povo. Mas os cuidados dos enfermos por meio de hospitais garantiu o agrado popular para Japell, pois nunca mais se viram mendigos pelas ruas de Hanoch.
O fato que os pobres não desfrutavam do melhor trato nos hospitais e eram obrigados a trabalhar para ganhar um alimento não muito substancial, traduz que todas essas instituições eram ape- nas frutos da política de Japell. Amor e política são os polos mais opostos, porquanto o amor pertence ao Céu, e a política ao inferno quando visa cobiça e domínio.
POLÍTICA DE CONQUISTA DE JAPELL, SEUS MINISTROS E SACERDOTES. NOÉ E SUA FAMÍLIA CONTINUAM FIÉIS AO SENHOR
A inteligência aguçada de Japell dentro em breve concluiu que existiam outros povos na Terra não dominados por ele. Por isso convocou os ministros e sacerdotes a fim de estudarem o problema. Os ministros aconselharam a aplicação do poder militar. Os sacer- dotes seguiram astuciosamente o envio de emissários.
“Estes”, diziam eles, “devem ventilar os grandes privilégios de Hanoch e tentar que os povos vizinhos também enviem algumas pessoas para cá, que seriam recebidas com muita amabilidade. Mos- traríamos todas as invenções e produções artísticas e, uma vez que sentissem agrado com os nossos privilégios, seriam convidados para se estabelecerem aqui, juntando-se ao nosso povo e participando de todas as vantagens.
Se tais emissários voltarem para suas tribos e lhes relatarem as maravilhas de Hanoch, não haverá uma sequer que não resolva se unir a nós, reconhecendo nossa soberania. Naturalmente seria preci- so evitar que tais delegados descobrissem qualquer defeito conosco, que na maior parte consiste no roubo livre e nos direitos de assalto. Essas duas particularidades devem ser totalmente abolidas no início, do contrário os estrangeiros seriam intimidados e voltariam emitin- do pensamentos de maldições.”
Esse plano astucioso agradou bastante ao rei, que o executou imediatamente. Dentro em pouco foram expedidos mil emissários em todas as direções, que deveriam descobrir todos os povos desco- nhecidos para lhes transmitirem a boa nova de Hanoch.
Os habitantes das montanhas foram os mais fáceis a serem encontrados, mormente os filhos de Deus; em seguida os horadalitas e a partir daí uma quantidade de povoados.
Só não foram encontrados os sihinitas, meduhitas e cainitas, bem como os conselheiros que emigraram para o Egito durante a regência de Olad.
Por meio de gentilezas especiais e uma persuasão sutil dos emissários, na maior parte malabaristas que produziam suas apre- sentações diante dos povoados, todos estes foram conquistados em pouco tempo.
Até mesmo os filhos das montanhas se entregaram, com ex- ceção da família de Lamech, que morria precisamente nesta época. Assim, só existiam Noé com seus três irmãos, cinco irmãs, sua mu- lher, uma filha de Mutael, e Purista, com seus cinco filhos; estes não se deixaram ofuscar pelos apóstolos de Hanoch e permaneceram fiéis ao Senhor.
Diante desta vitória, Japell estava muito satisfeito e, como os sacerdotes lhe haviam dado conselho tão sagaz, ele lhes conferiu o privilégio de liberdade total e a promessa de que ele e todos os seus descendentes se submeteriam às determinações dos sacerdotes.
Ainda no mesmo ano estes instituíram o sistema de castas que organizava todo o povo em certas classes, nas quais o indivíduo tinha que permanecer, sob pena de morte, até que houvesse pago sua liberdade.
Assim surgiram: a classe dos escravos sob o nome de “ho- mens de carga”, uma classe militar, uma burguesa, uma nobre, uma artística, uma sacerdotal, etc.
IMPLANTAÇÃODACONFISSÃOEDAINQUISIÇÃO. HANOCH, INFERNO DA HUMANIDADE
Se bem que o crescente poder dos sacerdotes não fosse do agrado de Japell, pois o obrigavam a dançar segundo seu apito, ele nada podia fazer. Os clérigos se tinham aninhado demasiadamente na consciência das pessoas simples, e quanto à nobreza fora de tal modo elevada ao próprio conceito que se tornava difícil ao rei reagir contra as maquinações eclesiásticas.
Tal poder nasceu da permitida organização de classes que ficara cada vez mais sólida. Enquanto os sacerdotes não tinham acumulado grandes quantidades de tesouros, era possível a criatura
ingressar numa casta superior com recurso monetário. Uma vez que eles se tornaram muito abastados, as condições para tal ingresso fo- ram alteradas para os seguintes itens:
Somente os escravos podiam adquirir o ingresso na casta bur- guesa. Todas as demais eram de tal forma fixadas que não havia pos- sibilidade a quem quer que fosse alcançar tal privilégio por todos os tesouros do mundo. Especialmente inatingível para qualquer pessoa era a casta sacerdotal, pois não permitia ao próprio Satanás bisbilho- tar suas artimanhas. Seus planos eram de tal modo engendrados a se tornar impossível alguém descobri-los.
O próprio rei se tornara tão desconfiado perante o sacerdó- cio, que finalmente resolveu se enclausurar e não mais receber quem quer que fosse. Com isto ele proporcionou uma boa água para o moinho dos sacerdotes, que publicavam lei após lei como sendo obra do rei, enquanto ele tudo ignorava.
Assim se forjava uma corrente após outra em torno da casta dos escravos. Quando estes começaram a levantar suas queixas, foi-
-lhes proibida a liberdade da fala sob penitências severas e também ficou limitada a possibilidade de ingresso numa simples casta burgue- sa. Em contraposição, qualquer simples cidadão podia ser condenado ao ingresso na casta de escravos por causa de uma falha qualquer, pois deste modo todas as suas posses caíam nas mãos sacerdotais.
A vida dos escravos era semelhante à dos animais. Eram com- prados nus, pelos nobres e burgueses abastados, e sua acomodação era igual à dos estábulos. Essas criaturas carregavam um anel de me- tal ao redor da cintura e eram presas à gamela por meio de uma corrente que era aberta apenas quando os infelizes eram enxotados ao trabalho.
O conceito da nobreza e dos cidadãos se baseava no número de escravos, e por isto a classe era sempre aumentada por parte do sa- cerdócio, que os vendia aos ricos. A fim de conseguir isto com maior facilidade, eles implantavam uma espécie de confissão e inquisição. Quem portanto era chamado à confissão, não escapava da escravi- dão. Nada mais é preciso ser dito, pois vinte anos após a primeira
implantação da escravidão, Hanoch se transformara em verdadeiro inferno da humanidade.
OPOSIÇÃODACASTASACERDOTALCONTRA A
NOMEAÇÃODOSEGUNDOFILHODEJAPELLPARA REI
Japell faleceu no vigésimo quinto ano de sua regência em virtude do desgosto; queria nomear para rei o segundo filho, pois o primogênito era decrépito, doente e aleijado. Os sacerdotes protes- taram com rigor, dizendo: “A regência se fundamenta na primogeni- tura e não na capacidade e aptidão.
Se a grande Divindade e as demais divindades pequenas qui- sessem um sábio rei para Hanoch, teriam proporcionado sabedoria ao primogênito. Querendo como rei de Hanoch um inválido e de- mente, ele assim nasceu, e nem tu como pai, nem nós como sacerdo- tes, como servos fiéis e santos da grande Divindade e das menores, temos o direito de formular outras disposições.
Nós, sacerdotes, fomos instituídos por Deus para transmitir aos homens a Sua Vontade e fiscalizar seu cumprimento. Tu, como homem, embora regente, não estás livre de nosso poder sacerdotal dado por Deus. Podemos abençoar-te, mas também condenar-te, e se isto acontecer, sê-lo-ás também por Deus. Coloca a coroa na cabeça de teu primogênito, caso pretendas ser abençoado por nós.
Teu segundo filho terá que ingressar em nossa casta sagrada ou renunciar diante de todos os povos e fugir até os limites de nosso reinado. Caso se negue a aceitar uma das hipóteses, será amaldiçoa- do e estrangulado em público.”
Essa informação por parte dos sacerdotes encheu a alma de Japell com profundo desgosto, a ponto de adoecer seriamente e morrendo em breve, sem deixar qualquer ordem governamental. Seu destino foi o mesmo de todos os políticos que encontram sua derrota nas teias feitas por eles mesmos.
A política é o fruto da desconfiança; esta é o fruto de um coração corrupto; e o coração corrupto é obra de Satanás, onde não
existe amor. Em suma, a política equivale ao inferno constituído da pior maquinação, e Satanás é grão mestre de toda política.
Japell era um exemplo de toda política e no final se tornou vítima da mesma. Quando morreu, seu primogênito foi coroado para rei fictício. O segundo fugiu secretamente com as três irmãs e alguns serviçais para as montanhas, onde viveu oculto durante três anos. Passado esse tempo, foi descoberto pelos filhos de Noé, que então o acolheram em sua casa, onde aprendeu sobre o Deus Verda- deiro e também a carpintaria.
OCUPAÇÃO DO NOVO REI. TRATAMENTO CRUEL DOSPOBRESFORASTEIROSEM HANOCH
O povo de Hanoch não chegou a ver o novo rei, que foi imediatamente enclausurado em seu castelo, sob veneração divina, e nada mais tinha a fazer senão entregar-se à gula e à luxúria, e vez por outra isentar um forasteiro da pena de morte, o que não ocorria com um hanochita, que geralmente conhecia a situação do rei.
O forasteiro merecedor da pena de morte pelas novas leis, caso se aproximasse a mil passos da cidade de Hanoch desprovido de di- nheiro, era imediatamente preso pelos esbirros e levado ao fórum dos sacerdotes, em cujo peito não havia um átomo de amor. Respondendo à pergunta por que se atrevera a cometer tal fraude, isto é, por ser po- bre e procurar uma ajuda na capital, eles lhe declaravam ter cometido crime de morte. Naturalmente dependia do rei divino deixá-lo vivo.
Em seguida era ele conduzido ao rei por uma galeria subter- rânea e diante do trono tinha que prosternar e silenciar. O soberano já sabia automaticamente o que devia fazer em tais ocasiões: tinha que se erguer do trono e condenar a pobreza por três vezes e em seguida assentar o pé esquerdo na cabeça do pedinte, por três vezes, a ponto de geralmente fazer jorrar o sangue da boca e do nariz. Esse ato representava feliz isenção da pena de morte.
O agraciado era levado de volta aos sacerdotes, que elogia- vam pró-forma a grande bondade do poderoso regente do mundo
e diziam: “Tendo, como animal de carga, recebido tal graça de vos- so rei, torna-se teu dever de consciência servir à nossa metrópole durante três anos, e a importância por tua venda representará um pequeno óbolo de tua parte em virtude de teu atrevimento.”
Em seguida, expediam-se mensageiros aos cidadãos abastados e, uma vez que alguém se interessasse pela aquisição, o infeliz recebia as seguintes instruções: Jamais poderia pronunciar uma palavra; não tinha o direito de adoecer, muito menos de queixar-se de algo; tinha que se dar por satisfeito com a forragem e estar sempre ativo. Se fosse punido pelo dono por qualquer motivo jamais teria o direito de reclamar, e finalmente não podia andar vestido, mas desnudo.
Recebida tal instrução, o forasteiro era entregue ao compra- dor, incorporado nos estábulos entre animais de carga, onde viceja- vam ratos e camundongos. Tal era a situação de um pobre.
Somente um abastado tinha o direito de ingresso à cidade, mas tinha que se precaver diante dos roubos e assaltos. Caso viesse alguém por mera curiosidade, provido de pouco dinheiro, tudo lhe era tirado e ele era açoitado como espião até morrer, ou, se fosse homem bastante forte, vendido como animal de carga.
Se uma moça pobre fosse apanhada, era imediatamente ven- dida ao maior ofertante como prostituta, submetendo-se aos capri- chos do dono. Não querendo aceitar tal tratamento, aplicavam-lhe vergastadas inclementes. Eis a situação em Hanoch, bem como em todos os demais lugarejos e pequenas cidades.
NOVAS DESCOBERTAS E PESQUISAS DAS GERAÇÕES. O SENHORPREDIZO JULGAMENTO
Novamente os sacerdotes expediam caravanas inteiras a fim de descobrirem povos e tesouros prestáveis aos cofres enormes dos sacerdotes poderosos de Hanoch. Ao mesmo tempo enviavam pes- quisadores de gerações, que deviam estudar exatamente quem em todas as cidades e lugarejos eram descendentes de Caim, e quem era descendente de Seth, do alto.
Os sacerdotes, a nobreza e o rei eram todos descendentes de Seth das montanhas, gerados com filhas das planícies. Tal pesquisa durou cinco anos e constatou-se que nas planícies os descendentes de Seth sobrepujavam os de Caim por nove décimos, pois não havia nem um décimo de cainitas puros entre os sethitas.
O resultado desta pesquisa foi a convocação de todos os caini- tas, que eram feitos escravos não obstante sua situação atual, e todos os seus bens eram anexados naturalmente aos cofres dos sacerdotes.
Os homens ainda fortes se tornaram animais de carga, e as mulheres e moças bonitas eram prostitutas de um grande harém popular, onde qualquer homem podia se servir mediante taxas fi- xas destinadas em parte para a manutenção do harém, em parte para o fundo sacerdotal. Fracos e velhos de ambos os sexos eram exterminados.
O resultado dessa pesquisa foi portanto muito rendoso. Mas o fruto das caravanas expedidas em outras regiões não foi tão favorável.
De fato descobriram sihinitas, meduhitas e os numerosos descendentes dos conselheiros emigrados para a África, mas os ex- pedicionários eram mal recebidos. Tinham que permanecer ali ou se prestar aos serviços mais ínfimos, cuja rejeição tinha a morte como preço.
Uma pequena caravana de cem homens descobriu infeliz- mente, na volta pelas montanhas, a casa de Noé e imediatamen- te exigiu um grande tributo por parte dele, dizendo: “Vives aqui bastante perto da santa cidade de Deus; és evidentemente súdito e nunca pagaste uma pequena moeda sequer. Tens que pagar pelo me- nos por cem anos, uma libra de ouro por cada ano, no total de cem libras. Se isto não fizerdes, tu e tua família sereis vendidos e atirados nas algemas da escravidão.”
Erguendo a mão, Noé disse: “Meu Deus, meu Querido e Santo Pai, Teu servo necessita de ajuda; salva-me das mãos dessas feras!” No mesmo instante um raio estourou entre a caravana que
se encontrava no caminho de volta das regiões desertas da Europa atual, e matou três homens.
Então Noé perguntou à caravana algo assustada se insistia em sua exigência injusta, e os homens confirmavam com horrível gritaria. De novo Noé ergueu sua mão e dez raios mataram trinta homens, e número idêntico de camelos.
Novamente Noé fez a mesma pergunta aos restantes que, com exceção de dez homens, persistiram em sua exigência. Total- mente revoltado, Noé pisou o solo que se abriu e tragou a todos, ex- cluindo os dez acima, cujo pavor era horrível e pediam misericórdia.
Noé então disse: “Anunciai a todos os demônios nas pla- nícies o que testemunhastes aqui e que a medida do horror está completa. O Senhor resolveu enviar Seu Julgamento sobre todo o mundo. Levará pouco tempo e eles, seu reino imenso e o povo que vos enviou não mais existirão. Hei de pagar meu tributo com o Jul- gamento de Deus.” A tal assertiva, os dez homens debandaram.
RETORNO DOS DEZ EXPEDICIONÁRIOS SALVOS E SEU ASTUCIOSO RELATO
Quando os dez fugitivos se aproximaram da cidade de Hano- ch, foram imediatamente abordados por grande número de soldados e esbirros querendo saber de sua procedência, intenção e tesouros trazidos. Os fugitivos responderam: “Estamos de volta de nossa ex- pedição iniciada há cinco anos. Fizemos descobertas muito impor- tantes que temos de comunicar aos sacerdotes. Nossos camelos estão carregados com grandes tesouros pertencentes a eles. Nosso ouro está nos bolsos da túnica. Precisamos ser protegidos contra ladrões e assaltantes, e os sacerdotes saberão ser gratos a vós.”
Assim, os esbirros acompanharam os dez expedicionários para junto dos sacerdotes, que imediatamente os submeteram a exa- me minucioso, começando pelos tesouros nos lombos dos camelos. Após terem sido aceitos como valiosos, os expedicionários tiveram
que se submeter ao exame dos bolsos para verificarem se o conteúdo os libertaria da escravidão.
Então constatou-se que possuíam três vezes mais que a isen- ção de escravos, por isto tiveram que entregar dois terços. Havia sido elaborada uma lei segundo a qual o pequeno burguês só podia pos- suir o suficiente em ouro que o protegesse contra a escravidão. Deste modo esses expedicionários foram também atingidos por essa lei.
Após o exame, foram inquiridos sobre todas as descobertas e um deles, bom orador e político, respondeu: “Poderosos servos de todos os deuses e fiéis conservadores dos livros de Kinkar! Vimos países onde existem verdadeiras montanhas douradas; mas nenhuma alma se encontra lá. Encontramos rios e córregos nos quais corria vinho, leite e mel, e vimos florestas onde crescem maçãs assadas. Mas isto ainda não é nada!
Descobrimos igualmente o caminho que leva às estrelas e lá achamos virgens infinitamente belas a ponto de nos tontear. Perto do caminho para as estrelas encontramos homens tão gigantescos que seria suficiente umpara dizimar nossa cidade com seu passo. Mas isto ainda não é tudo! A um dia de viagem de distância vive um velho, o único que ainda não se tornou nosso súdito. Até hoje não pagou um ceitil. Conseguimos obrigá-lo a pagar o tributo atrasado
— mas deve ser um deus! Quando insistimos em nossa exigência, ele apenas levantou sua mão e milhares de raios estouraram entre nós, matando os outros. Ao pisar o solo com força, este abriu e tragou os mortos, seus camelos e incalculáveis tesouros. Fugimos, mas aquele homem terrível gritou: Relatai isto aos demônios das planícies! — Eis o produto de nossa expedição, do começo ao fim. Fazei o que quiserdes, mas deixai-nos seguir para nossos lares.”
EXPEDICIONÁRIOS, E SUA NOMEAÇÃO PARA A CASTA SACERDOTAL
Objetaram os sacerdotes: “Se assim é de fato, fizestes uma descoberta de inestimável valor, na hipótese que tal montanha dou- rada não seja de difícil acesso e vigiada por aqueles gigantes. Quanto ao velho da montanha, deixemo-lo em paz enquanto não formos ca- pazes de capturá-lo de maneira especial. Não é aconselhável lidar-se com feiticeiros, pois a violência com eles de nada adianta.
Juramos que sereis nomeados sacerdotes se fordes capazes de conquistá-lo por meio de astúcia. Com seu poder de mago facilmen- te nos poderia ajudar e alcançar as montanhas douradas, na hipótese de ele poder vencer também os gigantes, e principalmente levando em consideração que vosso relato a respeito dele seja verdadeiro. Sois raposas muito ladinas e é bem possível que vossos companhei- ros, que alegastes terem sido exterminados pelo feiticeiro, se tenham eclipsado com os grandes tesouros para fundarem um reino inde- pendente de nossa jurisdição. Ai de vós, se descobrirmos tal fato!”
Retrucam os expedicionários: “Se a veracidade de nosso re- lato depende da existência daquele semideus e de sua ação junto a nossos colegas, enviai outro mensageiro ou ide vós mesmos — e po- deis mandar nos açoitar até a morte caso a história não corresponda à verdade. Se istoé a pura verdade, facilmente podeis deduzir o resto de nosso relato. Nada mais diremos, pois podeis pesquisar e julgar pessoalmente.”
A tal reação, os sacerdotes disseram: “Concluímos que fa- lastes a plena verdade. Por isso sereis nomeados para embaixadores, sendo transferidos assim de vossa classe de pequeno burguês para a burguesia média, podendo usar armas. Em compensação sereis obri- gados a modificar o feiticeiro em amigo útil para nós.”
Dizem eles: “Faremos o possível, mas não garantimos pelo êxito, pois se aquele homem dizimou nossos companheiros com raios e o solo em fendas, facilmente poderá repetir sua façanha tão
logo nos avistar. Que faríamos se ele pisasse o solo em direção a Ha- noch, abrisse a terra e nos sumíssemos no abismo?
Achamos por isto mais aconselhável deixar esse tipo perigoso à vontade pois ignoramos se não é capaz de perceber nossos planos. Todavia, se insistires em vossa exigência, teremos que obedecer; mas não respondemos pelo êxito!”
Concordam os sacerdotes: “Compreendemos; vosso raciocí- nio é bom. Dentro de três dias faremos uma assembleia geral na qual ficará resolvida nossa atitude e tereis que estar presentes para serdes admitidos em nossa casta. Ide para casa, organizai tudo e voltai com vossas famílias.”
OS DEZ EMBAIXADORES RESOLVEM ALCANÇAR BOASFINALIDADESPORMEIOS ASTUCIOSOS
Quando os dez amigos afastam do colégio sacerdotal, con- fabulam o seguinte: “Agora veremos nitidamente a situação dessa casta. Seu céu tão decantado é o ouro, e para apossar-se dele usam os meios mais extraordinários. Quem, durante sua regência, teria assistido que um simples cidadão pudesse ser elevado a sacerdote? Fomos aquinhoados com essa enorme felicidade; e por quê? Porque somos peritos em mentir, com exceção do acontecimento verídico na montanha.
Já percebemos qual a intenção deles com relação à nossa nomeação para sacerdotes. Mas o plano de mostrarmos o caminho para as montanhas douradas será aquecido de tal modo a retirarem seus pés diabólicos. Mas então será tarde demais, pois despejaremos um mar de fogo ao qual dificilmente poderão fugir.
Antes de sermos investidos da roupa sacerdotal, teremos que passar por cima de grandes montes de brasas e abismos interminá- veis, por eles repletos de serpentes e outros animais venenosos, e no final seremos obrigados a fazer os mais terríveis juramentos de fidelidade; mas tudo isto não nos perturbará. Juraremos com a boca, enquanto os amaldiçoaremos no íntimo.
Não resta dúvida que faremos uma trilha para as montanhas douradas de nossa astúcia que todo sacerdócio terá que caminhar, mas intimamente faremos uma emboscada com nossa ira e revolta. E quando essa corja estiver bem perto, basta um sinal para que os gigantes se atirem sobre eles, dizimando-os.
Só então mostraremos ao povo o caminho para as estrelas, conduzindo-o a um país interior onde descobrirão as mais belas vir- gens de conhecimentos puros, numa região onde fluem vinho, mel e leite num entusiasmo verdadeiro pela verdade e o bem. Hão de encontrar as maçãs assadas na Árvore da Vida e de seu conhecimen- to puro e verdadeiro.
Assim será. Amaldiçoado seja qualquer traidor entre nós, pois agora depende de salvarmos o povo do extermínio total. Por isso sejamos unidos, todos por um e um por todos. Se conseguimos persuadir o sacerdócio a ponto de nos dar a investidura sacerdotal, fácil será acabar com esses miseráveis em seu próprio campo, a pon- to de restar apenas um nome histórico. Essa é a nossa resolução que será estritamente cumprida.” Após tal conspiração, os dez embaixa- dores se dirigem aos lares, organizam tudo e em seguida retornam ao colégio dos sacerdotes, acompanhados das famílias.
PROVADEFOGODOS EMBAIXADORES
Cerca de cinco mil sacerdotes se encontravam no imenso salão construído como anfiteatro e aguardavam com grande ansiedade os dez embaixadores. Quando estes aí entraram, algo temerosos diante da incerteza que os aguardava, foram imediatamente cercados e conduzi- dos a uma galeria subterrânea em cujo fundo se via um imenso fogo.
Pouco a pouco foram se aproximando e em breve descobriram a certa distância uma quantidade de pessoas sob chamas violentas. Esse fogo era apenas fictício, empregado na época atual em teatros por meio de tecidos finos pintados com cores rubras e que giravam sobre rodas. Em Hanoch a ilusão era perfeita, dando impressão de um fogo verdadeiro que todavia não transmitia o menor calor.
Diante desse espetáculo terrível, os dez amigos começam a titubear e teriam perguntado a respeito dos que lá dentro estavam gritando. Mas, ao entrarem, fora-lhes estritamente recomendado de silenciarem diante de tudo que haveriam de assistir, do contrário selariam seu fim.
Em seguida foram conduzidos a uma outra galeria, onde chegaram a um tanque com 80 metros de profundidade e 180 de circunferência, cercado de grade. Os sacerdotes então incendiaram feixes de palha untados de piche e os atiraram dentro do tanque, que assim se tornou iluminado, apresentando no fundo uma quantidade de animais, esqueletos não muito visíveis, a ponto de não se po- der positivar serem animais ou humanos. Na realidade eram apenas animais muito grandes, pois esqueletos humanos não poderiam ser vislumbrados a uma profundidade de 80 metros.
Aqui se tratava apenas de fraude com a intenção de despertar grande pavor. Deste modo, as serpentes e demais bicharada eram artificiais, com movimentos mecânicos, pois as verdadeiras não po- deriam ser vistas em tal profundidade, onde se chegava por meio de uma escada em caracol a fim de fazer funcionar o mecanismo.
Esse tanque fora construído debaixo de uma gruta natural, tão grande que dava ao abismo maior impressão. Considerando-se tais ilusões ao lado de leigos no assunto, não será difícil compreen- der o imenso pavor dos dez embaixadores quando foram forçados a jurar submissão a todas as ordens dos sumos sacerdotes, a menos que fossem atirados ao fogo infernal ou ao abismo terrível.
Os dez amigos juraram, de pavor, mas intimamente amaldi- çoaram os sacerdotes que os reconduziram ao grande salão onde fo- ram investidos dos paramentos de neófitos, para em seguida darem início à grande assembleia.
No meio do salão havia uma tribuna com altura de 12 me- tros, na qual tomaram lugar os dez embaixadores com dez sumos sacerdotes. Os demais religiosos circundavam a tribuna. Finalmente um sumo sacerdote se dirige aos dez amigos e diz: “Todos nós esta- mos cientes daquilo que aqui foi falado por vós. Agora também sois sacerdotes, e é do interesse comum apossarmo-nos das montanhas douradas por um caminho seguro, custe o que custar.
Se for possível convencerdes o feiticeiro por meio de dinheiro e boas palavras, isto será de grande vantagem. Em caso contrário, contamos com mais de dois milhões de lutadores e, se necessário, mais de quatro milhões de escravos que lutarão quando quisermos. Assim como muitas formigas dão cabo do leão, nossa supremacia em lutadores dominará os gigantes que talvez vigiem aquelas mon- tanhas. Eis nosso parecer. Aguardamos vossa opinião.”
Um dos dez amigos se adianta e diz em nome dos colegas: “Vosso plano, intenção e conselho são deveras louváveis, todavia du- vidamos de sua fácil execução. Além disto, concluímos o seguinte: Na hipótese de que consigamos conquistar as mil montanhas de ouro que se encontram além-mar num país totalmente estranho, perguntamos qual o benefício para nós? Não se tornará no final a grande quantidade de ouro igual ao detrito das ruas?
Alguém poderá impedir que se venha encontrar o caminho para lá. Mas como? Se nós, sacerdotes, formos para lá com camelos a fim de soltarmos com picaretas e enxadas o ouro das encostas, car- regando-o depois num trajeto que durará três anos — que faremos se casualmente encontrarmos os gigantes que não somente tirarão a presa, mas também nos aniquilarão?
Se transportarmos um exército de milhões de soldados, não nos liquidarão ao avistarem as montanhas douradas? Seja como for, é o mesmo que chover no molhado. Como empreendedores de tal tarefa, diminuiremos nossos cofres a um mínimo sem nada conse-
guirmos em troca. Se obtivermos êxito, todos os nossos tesouros terão o mesmo valor que os detritos da rua.
Por isto sugerimos desistir dessa empresa e iniciarmos outra, mais favorável. Naturalmente expressamos apenas nossa opinião; podeis agir à vontade que continuaremos vossos servos fiéis.”
OPOSIÇÃODOSEMISSÁRIOSNACONQUISTADASMONTANHAS DOURADAS
Os sacerdotes retrucam: “Notamos vosso interesse geral pela causa e que também sois possuidores de várias experiências. Nota-se porém que vosso temor se prende principalmente a uma nova via- gem cansativa e não diante de um possível encontro com os gigan- tes. Se fossem de fato tão horríveis — e certamente vos viram como também os vistes — nem um do vosso grupo teria voltado, assim como as outras caravanas ninguém até hoje retornou.
Vosso retorno teria sido fácil não obstante os terríveis gigan- tes, caso vossa atitude junto ao feiticeiro tivesse sido mais prudente. Eis nossa opinião. Justificai a vossa, se possível.”
Responde um dos dez amigos: “Desta vez sereis obrigados a nos perdoar se apresentarmos em poucas palavras vossa incom- preensão. Porventura afirmamos positivamente que cairíamos nas mãos dos gigantes nessa empresa? Mencionamos apenas a sua pos- sibilidade, porquanto aqueles terríveis gigantes habitam atrás das montanhas de ouro. Nós os vimos quando estávamos escondidos nas cavernas, enquanto eles não tiveram essa oportunidade; e em seguida carregamos à noite os camelos com ouro e partimos de madrugada.
Deste modo foi-nos possível salvar a nossa pele pelo fato de ter sido o nosso roubo o primeiro a ser feito. Se entrementes ele foi descoberto pelos vigias gigantescos, duvidamos que uma segunda tentativa tenha o mesmo resultado. Ignoramos se eles já não desco- briram nossa pista, tendo talvez feito uma fortificação em torno das montanhas que provocaria vertigens a qualquer condor.
Quiçá alargaram aquele estreito que liga este mundo ao ou- tro, separando os dois por um imenso mar que dificilmente poderá ser atravessado a nado. Eis o que pretendíamos indicar com a pe- rigosa luta contra os gigantes. Não contestamos a possibilidade de chegarmos perto das montanhas; no entanto, deveis convir que essa empresa será acompanhada de gastos extraordinários, com a pers- pectiva de lucros incertos e milhares de perigos.
Conviria sacrificarmos dois milhões de lutadores por tão pouco, perdendo todo nosso poderio? Se quereis de fato realizar algo, convocai os escravos sem valor e mandai-os numa nova expedi- ção, sob essa orientação. Se eles sucumbirem, nada teremos perdido. Se tiverem bom êxito, o lucro será enorme.”
SUSPEITADOSSUMOS SACERDOTES
Os sumos sacerdotes que se encontravam na primeira fileira e mais próximos da tribuna também sobem, dizendo para seus colegas inferiores: “Esses dez homens por vós elevados a clérigos nos pare- cem muito suspeitos. Com astúcia pretendem nos ludibriar, descon- siderando que um sumo sacerdote é onisciente e vislumbra os pen- samentos mais ocultos. Deste modo descobrimos apenas maldades e não merecem a menor confiança. É possível que tenham vivido tudo que relataram de sua viagem, mas não possuímos outra prova senão esta. Por isto aconselhamos: convencei-vos primeiro sobre um ponto apenas antes de lhes outorgar qualquer poder.
Sua negação de aceitar nossos fiéis lutadores, em troca de escravos que nos odeiam mais que aos piores maus tratos, parece ter um motivo totalmente diferente e apresentado com embaraço. Ten- de cuidado, pois nós, os sumos sacerdotes oniscientes, vos avisamos.”
Tal objeção causa grande estupefação nos sacerdotes, e mui- to mais ainda nos dez colegas que se sentem muito chocados. Um sacerdote vira-se para o orador dos emissários e diz: “Ouvistes o testemunho de um onisciente a vosso respeito? Que podeis alegar em vossa defesa?”
O outro orador, muito esperto, responde: “A onisciência des- ses sumos sacerdotes é precária, pois concorremos com eles neste sentido. A política nunca foi e nunca será onisciente, e somente ban- didos se deixam intimidar por tais artimanhas; um homem cons- ciencioso — jamais!
Se fossem eles oniscientes, não vos teriam aconselhado pre- caução, mas nos teriam condenado ao fogo dos infernos, pois deve- riam saber de início que somos tigres em pele de carneiro. Por que então acompanharam nossa investidura?
E mais: Se fossem oniscientes, naturalmente vos informa- riam o que se passou na montanha junto ao feiticeiro. Não o sendo, aconselham que façais outras provas da veracidade de nosso relato. Perguntamos: Se vós mesmos acreditais que sejam oniscientes, por que não os inquiris para dizerem o que se passa lá em cima? Por que não destes crédito imediato às suas palavras e não nos atirais no fogo ou no abismo?
A fim de que eles sejam vencidos, declaramos que não dare- mos um passo sequer antes de vos assegurardes se nosso relato foi ou não verdadeiro. E isto feito, só partiremos se vários de vós nos acompanharem, sendo a metade do exército de lutadores fortes e a outra metade de escravos. Se também esta proposta despertar suspei- tas, não daremos um só passo à frente.”
Os sumos sacerdotes quedam perplexos, enquanto os outros se juntam aos dez emissários, concordando com seus planos, pois viram que eram dignos de confiança. Aos sumos sacerdotes alegam que futuramente não haveriam de se imiscuir em assuntos que não lhes diziam respeito.
ACORDO ENTRE OS SACERDOTES E OS DEZ EMISSÁRIOS
Entrementes os sacerdotes confabulam quem poderia ser en- viado à procura do feiticeiro para se certificar da veracidade do relato dos emissários. A escolha porém é difícil pela falta de coragem de
todos, e além disto havia o perigo de serem tragadas até milhões de pessoas pelos raios e as fendas que poderiam se abrir. Diante deste problema os sacerdotes pedem conselho aos dez amigos, que respon- dem: “Por que perguntais a nósque somos suspeitos? Facilmente po- deríamos dar um conselho que nos favorecesse! Convém serdes pru- dentes, já que fostes avisados dos tigres em pele de cordeiro. Além do mais, os sumos sacerdotes alegam ser oniscientes e certamente saberão melhor qual a medida a ser tomada.”
Retrucam os sacerdotes: “Que tolice! Vós mesmos provastes o que realmente existe na onisciência deles. É apenas um título sem valor! Nós somos os senhores e eles apenas figurões iguais ao rei in- titulado ‘A máxima sabedoria divina’, sendo no entanto totalmente ignorante. Por isso dizei-nos o que devemos fazer e não vos preocu- peis com o resto.”
Retrucam os dez amigos: “Se não temeis uma trapaça de nos- sa parte, por que não seguistes nosso primeiro conselho dado com maior conhecimento de causa?” Respondem eles: “Teríamos feito isto, mas fomos convidados por vós para tanto e agora desejamos seguir apenas o que achardes certo.”
Dizem os emissários: “Neste caso, poderá ir quem quiser, pois não repetiremos esta viagem. Quem passou pela prova do fogo não pega num pedaço de metal incandescente. Confiai de fato em nós, do contrário não prestaremos serviço algum!” Os sacerdotes concordam com a libertação dos escravos que deveriam ser armados sob orientação dos dez emissários.
DIFICULDADESPARAAREAQUISIÇÃODOS ESCRAVOS
Os sacerdotes concordaram plenamente com a libertação dos escravos e a sua preparação para a conquista dos montes de ouro. Existia porém uma outra dificuldade, isto é, essa casta era posse plena dos prepotentes e só podia voltar ao sacerdócio por meio de reaquisição. Exigi-los pela autoridade seria arriscado, em virtude do grande poderio dos oponentes que consideravam os sacerdotes
inferiores a eles mesmos, aturando-os e auxiliando-os apenas por motivos políticos.
Diante de tal dificuldade, os sacerdotes não sabiam como agir e também achavam desaconselhável revelar tais segredos aos dez emissários. Elevar os mesmos ao posto de sumos sacerdotes e com isto orientá-los em tais maquinações era demais perigoso.
Assim comentavam entre si: “Violência seria perigosa. A rea- quisição de quatro milhões de escravos, calculando o preço de apenas duas libras de ouro para cada um, custará oito milhões de libras e, con- siderando ainda o seu armamento, chega-se a uma soma astronômica.
Pedirmos conselho aos dez emissários seria o mesmo que nos expormos, e também não convém nomeá-los para sumo sacerdotes por serem honestos e muito inteligentes. É deveras difícil encontrar uma solução prática para esse problema.”
Um dos dez emissários tinha um ouvido aguçado e percebeu o que eles cochichavam; por isso disse aos colegas, em surdina: “O caso corre a nosso favor. O velho da montanha nos havia aconse- lhado de usarmos de tática com relação aos escravos, por isto eu os exigi. Não podem retroceder com seu compromisso de reaquisição e isto há de esvaziar seus cofres sensivelmente, pois não conseguirão manter um exército de dois milhões de soldados. De outro lado, teremos um poderio terrível em mãos que apagará a sede deles pelas montanhas de ouro. Certamente nos pedirão outro conselho, que lhes será dado da melhor maneira possível. Eis que eles vêm aí.”
EMBARAÇO EM VIRTUDE DA REAQUISIÇÃO DOS ESCRAVOS
Então os sacerdotes se aproximam, dizendo bastante emba- raçados: “Prestai atenção no assunto que iremos abordar. Justifica-
-se o armamento dos escravos, que todavia são posse absoluta dos potentados. Poderíamos exigi-los pela nossa autoridade, mas como representamos também a justiça, impossível agirmos dessa maneira. Eis nossa dificuldade, para a qual pedimos uma breve solução.”
O orador dos dez emissários retruca: “Entendemos perfei- tamente; todavia somos obrigados a chamar a atenção de que já havíamos mencionado as grandes despesas do empreendimento, cujo lucro se encontra muito distante e até mesmo é duvidoso. Na hipótese de uma reaquisição dos escravos, os donos talvez con- cordariam com a indenização de duas libras de ouro ou vinte e cinco libras de prata por cabeça. Caso eles voltem, restituiremos a importância. Em caso contrário, sereis obrigados a nos fornecer outros. Restam portanto dois caminhos: ou desistir dessa empresa ou aceitar tais condições!”
“Muito bem”, dizem os sacerdotes, “não cogitamos de uma desistência e amanhã consultaremos vários proprietários, e ai de vós se a opinião deles for diferente da vossa!”
Concorda o outro: “Podereis vos considerar felizes se não fize- rem exigências ainda maiores. Para nós não há prejuízo; muito maior será vosso quando amanhã fordes ouvir as exigências desmedidas.”
REUNIÃODOSPROPRIETÁRIOSDE ESCRAVOS
Os sacerdotes imediatamente enviaram mil arautos para con- vidarem os ricos de Hanoch ao comparecimento na grande sala do conselho para o dia de amanhã. À hora marcada a sala estava repleta e ninguém conhecia o motivo da convocação. Alguns opinavam que os sacerdotes pretendiam a venda de escravos em hasta pública, en- quanto outros julgavam ser a criação de nova lei ou imposto.
A um sinal os dez emissários entraram de um lado e, após certo tempo, os sumos sacerdotes do outro, cobertos de pedrarias e joias. Os dez amigos são inquiridos, no meio da aglomeração confu- sa, qual o assunto a ser ventilado; ao que eles respondem: “Trata-se apenas da reaquisição dos escravos e convém estipulardes bom preço para não serdes prejudicados.”
Esse aviso correu como um raio entre os ricos, prontos a en- frentarem os acontecimentos. Os dez amigos se postaram nos pri- meiros degraus da grande tribuna à espera dos sacerdotes; estes apa-
recem depois de algum tempo, com grande cerimônia, subindo na tribuna sob aplausos e salvas.
Uma vez feito o silêncio, um deles se manifesta com voz for- te: “Ouvi-me, potentados deste imenso reino! Os emissários por nós enviados descobriram num país longínquo montanhas de puro ouro, do qual trouxeram uma importante amostra. Tais montanhas são habitadas por horríveis gigantes, certamente dotados de grande força. A fim de vencê-los e nos apossarmos das montanhas doura- das, necessitamos de um poderio muito grande, ao menos como prevenção. O referido poderio exige todos os escravos e queremos saber as condições estipuladas por vós. Quereis cedê-los com a pro- messa de participação no ouro, ou mediante pagamento módico?”
Retrucam os dirigentes: “A descoberta deve ser considerada, pois montanhas de ouro puro não são brincadeira; no entanto, a questão em si se acha ainda muito distante, razão por que não pode- mos aceitar a promessa de participação no lucro.
A fim de não nos tornarmos um obstáculo em empresa tão brilhante, cederemos em média cada escravo masculino por cinco libras de ouro e uma escrava por três libras. Quando voltarem, os aceitaremos de volta por um terço do preço inicial. Achamos que tais condições são razoáveis.”
Os dez amigos se regozijam, enquanto os sacerdotes ficam desesperados, não sabendo como agir; por isto chamam os dez para subirem à tribuna.
CONTRATOFEITOCOMONEGOCIANTEDE ESCRAVOS
Imediatamente os emissários são rodeados pelos sacerdotes que dizem: “Percebemos vossa visão clara, pois o preâmbulo de on- tem corresponde perfeitamente ao pronunciamento dos potentados. Somos obrigados a aceitar essas condições, muito embora nos cus- tem dois terços de nosso ouro. Por isso pedimos uma orientação concisa de vosso cálculo com relação a uma montanha, e quantas libras podereis transportar para cá no decorrer de quatro a cinco
anos, caso o problema seja bem sucedido. Sois merecedores de nossa total confiança em virtude da astúcia demonstrada, e isso represen- ta muito. Convém não abusardes da mesma e nos fornecer a res- posta exata.”
Diante de pergunta tão tola, os emissários se rejubilam in- timamente e dizem: “Vossa indagação é deveras impensada. Como sumos sacerdotes desejais saber do peso em libras de uma montanha colossal de ouro? Procurai calcular em parcelas apenas um pequeno monte e haveis de perder a paciência até terminardes esse traba- lho. O que representa um montículo comparado a uma cordilhei- ra colossal?
Além do mais, já mencionamos que seu valor seria nulo dian- te da imensidade do projeto. Assim, segundo nossa fidelidade, acha- mos não haver mais necessidade de falarmos a respeito. Quantas libras cada escravo seria capaz de transportar sem prejuízo próprio? Trinta libras, em média, certamente não será um exagero? Se adicio- narmos ainda os camelos, o peso pode ser triplicado. Por acaso exigis mais ainda?”
Respondem os sumos sacerdotes: “De maneira alguma, pois somos a modéstia em pessoa. Se apenas um transporte fornece tanto e as montanhas se tornam nossas, seremos suficientemente aquinho- ados. Além disto, manteremos um transporte anual que nos propor- cionará o mesmo lucro. Nesta expectativa, concordaremos com a compra, aliás amarga, dos escravos.”
E virando-se para os ricos, eles prosseguem: “Refletimos bas- tante, e aceitamos vossa proposta. A venda dos escravos se iniciará amanhã durante trinta dias. Quem quiser trazê-los receberá a im- portância estipulada; passando esse prazo, a multa será dez vezes mais, incluindo a perda dos escravos.” Assim termina essa assem- bleia e todos deixam o salão.
No dia seguinte aparecem cerca de trezentos mil escravos, provocando grande tumulto, e os sacerdotes não sabem como iniciar a tarefa. Então os dez amigos aconselham: “Chamai um rico após o outro, dizendo-lhe o seguinte: Dá-nos a lista dos escravos trazidos e aplica um sinal na testa de cada um, que receberás o valor corres- pondente à lista. Se o número coincide com o dos escravos, podereis voltar para casa com o valor correspondente. Tal não sendo o caso, não só perdereis todos eles, como tereis que pagar uma multa. — Isto é muito simples e terá o melhor resultado. Convém começardes com a contagem, do contrário a libertação dos escravos se estenderá por um ano.”
Dizem os sacerdotes: “Vosso conselho é ótimo! Mas onde aco- modaremos e trataremos da manutenção e vestimenta dos escravos?”
Respondem os dez amigos: “Para que existem os milhares de palácios, que facilmente podem acomodar dez mil pessoas cada um? Estão vazios e só servem para aumentar nosso conceito. Levai-os para lá e, ainda que fossem três vezes mais, facilmente poderiam ser alojados.
Quanto à sua manutenção, podeis usar os celeiros em todos esses palácios, que contêm tamanho estoque que toda a capital po- deria se suprir durante vinte anos. A vestimenta pode ser apanhada nos imensos depósitos de uniformes militares, que deste modo po- derão ser usados para acondicionar o ouro que no decorrer de alguns anos será trazido.”
Muito embora aceitassem essa proposta, os sacerdotes cal- culam que em tal caso cada homem subiria muito em valor; ao que os emissários respondem: “Quem aplica pouco não pode contar com grande lucro. Achamos que em se tratando da aquisição de um mundo inteiro em ouro, não se devia temer alguns gastos pre- liminares.”
A expressão “um mundo inteiro” provoca um encanto espe- cial nos sumos sacerdotes, que concordam com tudo, e assim dentro
em pouco os ricos aprontam suas listas e marcam os escravos, isto é, cada negociante com seu sinal. Os escravos liberados são enca- minhados aos diversos palácios, onde recebem alimento e roupas, podendo inclusive conversar. Muitos tiveram que aprender a fazê-lo. Dentro de um mês toda essa tarefa ficou resolvida.
OSESCRAVOSSÃOINSTRUÍDOSE ARMADOS
Aos escravos totalmente desumanizados todo esse aparato parecia incompreensível. Mas os sacerdotes continuam a pleitear: “A tarefa está cumprida e todos os escravos, homens e mulheres, foram liberados em todas as partes de nosso reino. Os enormes pa- lácios que circundam a muralha da cidade estão repletos. Que será feito agora?”
Os dez amigos aconselham então: “Providenciai quatro mil homens com prática de armas, com os quais esclareceremos aos es- cravos o motivo de sua libertação. Em seguida colocaremos quatro soldados em cada palácio, que ensinarão o uso de armas; os homens com as armas pesadas e as mulheres com as mais leves, pois sem tais exercícios não serão úteis.”
Conjecturaram os sacerdotes: “Está bem. Mas onde provi- denciaremos tão grande número de armas, pois não seria aconselhá- vel tirá-las do arsenal, e seria até mesmo perigoso. Essa gente alimen- ta um ódio antigo contra nós e se recebesse armas não passaríamos bem. Por isso deveriam primeiro ser exercitados com armas de ma- deira e palha, e quando estiverem adestrados e tiverem conquistado a justa disciplina de um lutador, poderiam aprender o manejo de armas verdadeiras.”
Dizem os dez amigos: “Se cogitais de uma possível vingan- ça por parte dessas criaturas, não será preciso arma alguma para a massa de quatro milhões, pois nos matariam com o simples peso, e se isso tivessem em mente já o teriam feito. Deixai a questão por nossa conta e garantimos que no decorrer de um mês todos partirão bem armados.”
5. A este conselho os sacerdotes concordam com o imediato armamento e entregam aos dez emissários quatro mil homens bem armados. Já no dia seguinte eles se dirigem aos escravos, isto é, os dez amigos assumem cem palácios cada um e distribuem os instru- tores. Ao notarem a chegada dos homens, estes são prontamente inquiridos a respeito de seu futuro, e todos são orientados que se- riam ensinados a usar armas para depois vencerem um grande povo, pior que os demônios, mas tolos. Isto acontecendo, seriam senho- res do mundo.
ASTÚCIADOSDEZ COMANDANTES
No dia seguinte os dez mais fortes foram selecionados e ins- truídos no manejo das armas. Os mais fracos eram primeiro alimen- tados durante algumas semanas para se fortalecerem, e só depois entravam na instrução das armas. Quanto aos mais idosos de ambos os sexos, também recebiam armas leves, sem contudo poderem usá-
-las, pois lhes cabia apenas o cuidado da organização doméstica e também das crianças.
Diariamente apareciam enviados dos sacerdotes para toma- rem conhecimento dos acontecimentos e igualmente se mistura- vam agentes secretos a fim de ouvirem rumores talvez traiçoei- ros. Desde o terceiro dia os dez chefes estavam orientados dessas maquinações, portanto sabiam como se portar a fim de que não transparecesse a menor suspeita por palavras do grande exército. À medida que os escravos iam sendo instruídos e demonstravam seu aperfeiçoamento bélico, maior era o número de agentes secretos que tudo farejavam.
Isso aborreceu os dez chefes a ponto de procurarem os sa- cerdotes que os receberam com deferência, perguntando qual era o motivo daquela visita. E os dez amigos responderam: “Certamente estais convictos de nossa sinceridade e também sabeis até onde che- gam nossa astúcia e prudência. Os potentados tiveram que dançar segundo nosso conselho. Agora cada um possui mais algumas libras
em seu cofre; em compensação têm que trabalhar e comer seu pão no suor de seu rosto, ou então aceitar operários muito caros.
Entrementes temos em mãos um poder invencível com o qual poderemos sempre esvaziar os cofres dos ricos, de sorte que seu ouro já pode ser considerado nosso. Isso tudo foi por nós calculado quando conjecturamos sobre a libertação dos escravos, dizendo: Exi- gi o que quiserdes! Hoje vos pagarão; amanhã exigirão quatro vezes mais de vós.
Por acaso isso não representa um plano a vosso favor, não le- vando em conta a grande empresa que pretendemos realizar? Ainda assim temos que suportar a presença de inúmeros espiões de vossa parte, que não entendem nossa linguagem sutil, podendo transmi- tir-vos as piores notícias a nosso respeito. Eis o motivo de nossa vi- sita, para renunciarmos ao nosso cargo em virtude de vossa descon- fiança, pois uma desperta outra. Se não confiardes em nós, agiremos da mesma forma e preferimos desistir de um posto para terminar com a desconfiança contra nós.”
Nesta altura os sacerdotes começaram a acalmar os dez che- fes, fazendo-lhes grandes presentes e pedindo que reassumissem o seu posto, com a vantagem de prosseguirem o adestramento militar por mais três meses e só então partirem a serviço efetivo. Isso satisfez os chefes, pois tinham atingido o que desejaram.
RENÚNCIADOS4.000MESTRESDE INSTRUÇÃO.
PARTIDA DE UM EXÉRCITO MONSTRO COM 200.000CAMELOSE800.000 BURROS
Depois disto os ex-escravos foram instruídos durante três meses, alcançando grande adestramento bélico. Quando os dez che- fes perceberam que os escravos eram tão aptos quanto os quatro mil mestres de instrução, eles demitiram estes, nomeando capitães e ge- rentes dos próprios escravos, e assim organizaram o grande exército.
Os sacerdotes não concordaram com essa medida e pergun- taram pelo motivo da mesma, e os dez chefes responderam: “Porque
não queremos partir com homens indispensáveis aqui no quartel, o que seria contra nossos planos. Além disto, os quatro mil homens não têm o espírito preparado para tal empresa devido ao hábito de seu conforto, motivo por que os mandamos de volta ao quartel. Se isto vos parece errado podeis modificá-lo.
Elaborai um plano pelo qual devemos agir e o resultado mostrará quem está mais equilibrado. Há cinco anos atrás enviastes, segundo vosso entendimento, emissários para todas as regiões. Por que não voltaram trazendo riquezas como nós? Porque não alimen- tam simpatia e fidelidade. Basta que nós, que sempre provamos a maior fidelidade não obstante todas as calamidades, façamos um movimento para que encontreis logo novo motivo de suspeita. Se isto se repetir uma vez, abandonaremos tudo e podereis fazer o que vos agradar.”
Tal resposta aborrece os sacerdotes que não sabem como se vingar, pois não se atrevem a retrucar, temendo a perda da conquista das montanhas de ouro. No entanto, devia haver uma réplica pu- nidora para tal atrevimento. Com isso os sacerdotes perderam três dias em conjecturas que não deram resultado, pois poderiam sempre haver a impressão de ofensas contra os dez chefes e com isso também a perda das minas de ouro. Assim, os sacerdotes se viram obrigados a engolir a resposta; todavia, pretendiam tomar medidas drásticas quando os outros voltassem da expedição.
Essa intenção foi prontamente transmitida aos dez chefes por um neófito e eles dizem: “Ignoraremos essa questão. Amanhã anunciaremos a partida do exército para o dia seguinte e em breve veremos quem levará a pior.” No terceiro dia, à meia-noite, começou a partida do exército que durou até o anoitecer do dia seguinte, pois quatro e meio milhões de homens constituem um grande comboio, considerando-se duzentos mil camelos e quatro vezes mais de burros destinados ao transporte de apetrechos e víveres.
Quando o grande exército se encontra a dois dias de marcha ao norte de Hanoch, os dez chefes mandam fazer um acampamen- to geral. Levantam quinhentas mil barracas num vale pitoresco e coberto de árvores frutíferas, mas totalmente desabitado por ser cir- cundado por montanhas intransponíveis, havendo apenas um aces- so muito difícil através de uma garganta, cujas brenhas e cascalhos deviam ser removidos antes de prosseguirem viagem.
Os dez chefes conheciam esse vale quando da primeira via- gem, e haviam formado plano de ocuparem totalmente essa área, que media com outras áreas habitáveis mais de setenta milhas qua- dradas. Quando todos estavam acampados nas tendas, os dez emis- sários chamaram todos os capitães, dizendo: “Revelaremos nosso verdadeiro plano em relação a essa empresa.
Experimentastes o tratamento mais desumano do governo miserável e astucioso dos sacerdotes em Hanoch, e com vossa pele lanhada sois testemunha da imensa crueldade dos antigos habitantes de emigrados contra nós, pobres descendentes de Caim. Agora che- gou o dia da vingança. Por meio de nossa prudência conseguimos vos libertar a todos, e os demônios dos sacerdotes caíram em nossa armadilha.
É necessário que confieis primeiro em nosso antigo Deus e em seguida em nós, Seus instrumentos, e assim voltaremos a ser senhores de Hanoch, e aqueles que vos compraram como animais de carga em breve serão obrigados a vos servir com a mesma função.
Não partiremos para Hanoch para iniciarmos uma luta san- grenta e incerta, mas dizimaremos seus habitantes daqui e seus cor- pos serão atirados às feras das matas. Só depois de lhes preparar para uma derrota tremenda, faremos nossa entrada triunfal para subjugar a todos que não forem de nossa estirpe.
Agora trata-se de construirmos habitações e hortas, colher os frutos e raízes comestíveis e plantá-los nos jardins. Depois toda a cordilheira deve ser examinada cuidadosamente para verificarmos a
possível existência de outro acesso. Se esse for o caso, tal acesso tem que ser fechado imediatamente. Isto feito, daremos outras ordens.”
DESCOBERTA DO OURO E PROSPERIDADE DA COLÔNIA
Tais ordens foram prontamente executadas e duzentos mil homens começaram a procurar outras saídas para esse vale, e onde quer que houvesse uma garganta ou fenda nas cordilheiras tudo era feito a fim de tornar intransponíveis tais pontos de acesso. As gar- gantas eram tapadas do alto e os pontos menos íngremes e talvez transponíveis eram de tal modo escarpados a impossibilitarem sua travessia. Tal fortificação durou cerca de meio ano, ocupando essa parte do exército.
Uma outra, duas vezes maior, foi destinada a construções de cabanas. A terceira e maior foi empregada na lavoura, e em breve se providenciaram centenas de milhares de jardins e campos, transfor- mando esse vale num paraíso.
Fato estranho foi que durante as escavações foram descober- tos veios de ouro excessivamente ricos que foram imediatamente trabalhados, lucrando-se em pouco tempo milhares de toneladas de ouro puro, e no decorrer de três anos cada habitante desse vale pos- suía apetrechos de ouro. O ouro extraído de várias montanhas era tanto que os dez chefes mandaram dourar grandes rochas isoladas e voltadas para a direção de Hanoch, dando aspecto de ouro maciço.
Conheciam a flexibilidade do ouro, como também o uso de várias resinas de árvores, de sorte que era fácil dourar algumas ro- chas. Do mesmo modo mandaram emparedar a entrada principal para esse vale maravilhoso com enormes pedras bem talhadas, numa altura de quarenta metros e num comprimento de seiscentos me- tros, mandando finalmente dourar o muro todo, que então dava impressão de ouro maciço.
No decorrer de cinco anos esse vale imenso era de tal forma cultivado que os capitães e os primeiros tenentes foram à procura
dos dez emissários para dizer-lhes: “Somos de opinião que deve- mos deixar Hanoch de lado, pois aqui nossa situação é muito me- lhor que lá.
Temos frutos, trigo, carneiros, gado, camelos, burros, veados, corças, gazelas, cabras, galinhas, pombos, coelhos, lebres e ouro em abundância. Vivemos em paz e harmonia. Dispomos das melhores vestes e habitações sólidas. Estamos totalmente isolados do resto do mundo como numa fortificação que somente Deus poderá domi- nar, pois ninguém nos descobrirá nem nos trairá. Por isso achamos melhor desistir de Hanoch, pois se os hanochitas souberem algo de nossa prosperidade, jamais teremos sossego.”
Retrucam os dez chefes: “Não seremos tão tolos de marchar contra Hanoch, mas serão atraídos até a entrada principal e então receberão uma derrota que os fará se lembrarem durante séculos. Por isso enviaremos em breve uma expedição para lá e convidaremos os sacerdotes para receber o ouro. Assim que chegarem, hão de receber uma carga que os tonteará. A razão disto só nós sabemos.”
MENSAGEIROSPENITENTESDENOÉEMVISITAAOS MORADORESDASCORDILHEIRASEAOS HANOCHITAS
Todos esses acontecimentos no país montanhoso, bem como em Hanoch, foram levados ao conhecimento de Noé com a incumbência de mandar primeiro um mensageiro para as cor- dilheiras. Devia ele fazer com que aqueles emigrantes desistissem de sua intenção maldosa para com os hanochitas e instigá-los à verdadeira penitência, humildade e confiança viva no Deus Vivo e no Seu Amor.
Além disso, devia Noé enviar um outro mensageiro para Ha- noch, que revelaria aos sacerdotes a traição dos dez chefes; mas não deveriam procurá-los nem querer castigá-los por isso. Pois esses ho- mens só poderiam ser atingidos por um castigo de Deus. Qualquer tentativa de punição humana fracassaria porque aquele povo se ha- via de tal modo fortificado que não havia possibilidade de atingi-lo.
Por essa razão, os sacerdotes deviam se unir em Nome de Deus Único e Verdadeiro, eles mesmos fazer séria penitência, des- truir os ídolos e se voltar para Deus, que haveria de ter Piedade, estabelecendo paz e amizade entre eles e o povo das cordilheiras, que então lhes forneceria ouro, animais e frutos em abundância. Em tal caso, o Senhor não visitaria o mundo com um julgamento, mas o abençoaria proporcionando-lhes tesouros incalculáveis.
Imediatamente Noé providenciou dois mensageiros e lhes deu as ordens recebidas por Mim. O mensageiro enviado para as alturas conseguiu convencer os dez chefes a aceitarem a paz, por- quanto não haviam esquecido a lição de Noé. Apenas exigiram o direito de defesa caso fossem atacados pelos hanochitas. O men- sageiro lhes explicou que Eu os protegeria enquanto ficassem fiéis ao Meu Amor.
Mas os dez chefes obstaram: “Concordaremos se tu nos for- neceres um critério pelo qual podemos calcular se nosso amor para Deus é total ou não. Sem esse recurso estaremos inseguros e sem defesa própria, ignorando se nosso amor para Ele possui o grau que nos assegure Seu Auxílio e Proteção.”
Respondeu o mensageiro: “Todo homem possui em seu cora- ção tal medida que lhe diz claramente se ama mais ao mundo que a Deus, ou se confia mais na sua própria força que na Divina.”
Dizem os dez amigos: “Tal medida é muito sutil e não se pode confiar nela, pois muitas pessoas julgam encontrar-se equili- bradas no justo Amor e na Graça de Deus, no entanto se enganam muito. O homem possui um peso que o atrai constantemente para baixo. Se após certo tempo julga encontrar-se ainda no primeiro grau de Amor e Graça, ele já afundou consideravelmente e se en- contra fora de qualquer alcance da Graça Divina. Se em tal situação for atacado por um inimigo, ele sucumbe evidentemente, pois Deus teve que abandoná-lo em virtude de Sua Santidade.”
O mensageiro procurou convencê-lo do contrário, mas em vão, pois os dez amigos o enfrentavam sempre com argumentos for- tes. Assim ele foi obrigado a lhes ceder em certos casos o direito de
defesa, e isto porque tinha sido tratado por eles e por todo o povo com extraordinária deferência.
O acolhimento do outro mensageiro não foi tão feliz. Pri- meiro teve de suportar toda sorte de pavores antes de ser ouvido pelos sacerdotes, e quando conseguiu se desincumbir de seu com- promisso externando sua mensagem, foi imediatamente jogado no cárcere até que os seus algozes conseguiram se convencer, através de espiões astuciosos, de seu pronunciamento junto aos habitantes das cordilheiras. Só então foi liberto, mas teve que se tornar igualmente sacerdote e participar do conselho, pois do contrário seria fustigado e expedido para o inferno. Deste modo, o mensageiro dos hanochi- tas desapareceu sem resultado.
CONFERÊNCIA FRUSTRADA DOS SACERDOTES VINGATIVOS
Passou-se um ano sob constantes conjecturas dos sacerdotes em Hanoch quanto a uma vingança contra os traidores das cor- dilheiras. Cada proposta apresentada era ligada a dificuldades tão invencíveis que tinha de ser considerada impraticável, para o que contribuía o sacerdote recém-nomeado. Cada vez que os sacerdotes enraivecidos elaboravam um novo plano de vingança, ele os condu- zia ao local para demonstrar a impossibilidade de sua execução.
Diante da insistência deles, o neófito respondeu: “Mostrei de início o caminho certo e possível. Se quiserdes aceitá-lo, lucrareis os grandes tesouros por meio da amizade. Não sendo assim, obtereis de vossos inimigos tanto quanto da própria luz no firmamento. Se não acreditais nas minhas palavras, ide pessoalmente para receberdes uma lição sangrenta. Quando vos deparardes com a morte de vossos melhores guerreiros, outra luz se fará em vossa mente.”
Diante de tal impasse, os sacerdotes não sabiam que medidas tomar. Um deles, bastante astucioso, ponderou: “Aqueles patifes nos venceram por meio de sua argúcia. Poderíamos empregar a mesma arma! Não é possível que em toda Hanoch não exista um cidadão
tão astucioso que não fosse capaz de sobrepujar aquela camarilha. Convocai todos os velhacos e escolhei o melhor dentre eles. Prome- temos grandes vantagens caso for capaz de lograr aqueles homens.”
Retruca o novo sacerdote: “Descobristes a melhor maneira para o vosso extermínio. Basta revelar aos velhacos de Hanoch esta vossa fraqueza, que prontamente encontrarão recursos para atin- girem tais vantagens. Julgais que arriscarão suas vidas por vós? Ao contrário: vos enganarão para tomarem a si seus lucros. Mesmo que alguém fosse procurar os dez poltrões, não será tolo de voltar depois de encontrar a melhor acolhida com eles. Fazei o que quiserdes; a partir de agora a experiência será vossa conselheira.” Perplexos, os sacerdotes se separam, mas antes resolvem convocar uma grande as- sembleia para o terceiro dia.
PLANO ASTUCIOSO DE UM CLÉRIGO CONTRA OS MORADORES DAS CORDILHEIRAS
Quando no terceiro dia o Alto Conselho se reúne no grande salão de conferências, vários sacerdotes sobem na tribuna e um deles diz: “Dispensa qualquer comentário o ultraje cometido pelos dez patifes e agora se trata de encontrarmos um meio de punir cruel- mente essas feras, custe o que custar, pois se os deixarmos impunes outros se deixarão levar a empresas semelhantes. Quem for capaz de elaborar um meio de vingança extraordinário e infalível receberá a coroa do domínio exclusivo do mundo inteiro. Que se apresente um candidato em condições!”
Então se apresenta um astucioso clérigo, sobe na tribuna e diz com aparente respeito: “Eu, o mais ínfimo dos servos diante desta ilustre assembleia, encontrei em meu cérebro obtuso três grão- zinhos que, diante de vosso brilho solar, têm o aspecto de ouro.
Se tais grãozinhos fossem atirados sobre aqueles patifes, suas cordilheiras se poderiam tornar muito baixas, não constituindo pro- teção diante de vossa justiça elevada. Somos bem entendidos nos princípios da aerostática . Não seria possível empregá-la de tal modo
a nos possibilitar a ocupação dos cumes mais elevados? Seria uma vantagem formidável!
Além disso somos os mineirosmais refinados. Não seria ad- missível perfurarmos as montanhas nos pontos mais adequados e através de tais minas surpreender e matar as feras de lá?
Finalmente somos os maiores políticose podemos atra- í-las por meio da amizade aparente. Uma vez presas nessa teia, não haverá demônio capaz de libertá-las de nossa vingança. Eis os três grãozinhos que meu cérebro atrofiado conseguiu descobrir e seria uma imensa felicidade para mim se conseguísseis empregar um deles.”
Grandes aplausos se fizeram ouvir e um sacerdote cortou um pedaço de sua batina e o afixou na roupa do orador, o que constituía a maior condecoração. O chefe da congregação obtemperou: “Os três recursos são ótimos e tentaremos primeiro o último. Se falhar
— o que parece impossível — nos restam os dois outros, aliás, dis- pendiosos.”
Então perguntam também ao novo sacerdote se essa proposta lhe agrada e ele responde: “Digo apenas que façais o que vos agrada; de qualquer forma vos desejo boa sorte.” Diante de seu assentimen- to, os sacerdotes iniciam imediatamente a organização de uma dele- gação política de boa amizade.
PRIMEIRA INICIATIVA DIPLOMÁTICA COM OSHABITANTESDAS CORDILHEIRAS
Durante a conferência relacionada à delegação diplomática, ficou finalmente resolvido que naturalmente o conselheiro astucio- so seria o próprio guia. Recebeu ele ainda uma comissão de trinta sacerdotes para evitar que o primeiro encetasse as mesmas pegadas dos traidores. Vinte camelos foram adicionados para transportarem os presentes que consistiam em ouro, prata e pedras preciosas. Mas o referido guia olhava com grande agrado tais donativos, pois já havia calculado como os havia de empregar.
Na despedida os sacerdotes lhe recomendaram com ênfase que ele não se esquecesse de sua promessa de fidelidade. Com juras e lágrimas de fidelidade, a delegação se pôs em marcha, sem despertar o menor receio nos chefes.
Na mente do primeiro sacerdote os pensamentos eram bem diferentes, pois conjecturava: Antes de tudo devem os donativos ser depositados diante dos dez chefes, que certamente retribuirão tal ato de amizade a fim de atraírem os sacerdotes para suas teias.
Quando no terceiro dia a delegação atingiu o grande portal com aspecto dourado que levava às cordilheiras, foi imediatamente embargada e analisada antes de entrar. Sob forte guarda foi então conduzida junto dos dez chefes que habitavam em cima de uma rocha alta e extensa.
Ao notar tantos objetos de ouro puro, o guia disse para os companheiros: “Que aspecto tem nosso donativo quando monta- nhas de puro ouro nos ofuscam e a própria rocha parece ser igual- mente do mesmo metal? Não estamos levando uma gota d’água ao mar? Mas enfim, vale nossa boa vontade e um tolo dá mais do que tem.” Os outros concordam, enquanto ele ainda pensa: “Percebo que todo o sacerdócio está em minhas mãos e me falta apenas o parecer dos dez, meus amigos de sempre.”
INSUCESSOERETORNODA DELEGAÇÃO
Quando o guia se encontra diante dos dez chefes, é ele muito bem recebido e inquirido sobre sua missão. Apontando os camelos carregados de tesouros, ele responde: “Sou emissário de paz enviado pelos sacerdotes desejosos de encetar um pacto de amizade, inclusive todo o povo de Hanoch. Aceitai esses presentes como prova de sua amizade, pois querem esquecer vossa traição. Desejam apenas que volteis possivelmente para lá, onde sereis recebidos com as máximas honrarias.”
Durante este discurso, ele dá a entender, pela mímica, que é obrigado a se expressar deste modo e que gostaria de usar de outra
fala caso estivesse sozinho. Os dez chefes o entendem e dizem: “De- veis ter percebido que não necessitamos aceitar donativos por parte dos sacerdotes de Hanoch, pois os proprietários de montanhas de ouro desprezam aquele ouro que foi recolhido com mãos sangrentas e extorquido dos pobres por fraude, pressão e ludíbrio.
Por esse motivo não aceitamos essa oferenda, e quanto à ami- zade proposta, dizei-lhes que também não a aceitamos. Não somos tão ignorantes a não perceber a intenção dos sacerdotes. Se quiserem realmente conquistar nossa amizade terão que desistir do sacerdócio e aceitar aquele que foi enviado do Alto para único rei e sacerdo- te sobre todo o povo das planícies. Enquanto isso não acontecer, não poderão contar com nossa amizade, pois não somos amigos de demônios.
Também não aconselhamos que se aproximem de qualquer maneira, pois tal tentativa seria severamente punida. Voltai com vossos tesouros para Hanoch e transmiti esse recado aos sacerdotes diabólicos. Tu, que em certa época foste de nossa opinião, ficarás aqui. Não tens família e nos serás bastante útil.” O guia se regozija intimamente, mas os trinta emissários retornam para Hanoch com grande desânimo, o que deixa prever o breve julgamento.
RELATODOSEMISSÁRIOSESEU EFEITO
O guia que permaneceu nas cordilheiras relatou naturalmen- te aos ex-colegas o plano dos sacerdotes e como se constituía a ami- zade deles. É claro que souberam apreciar condignamente a atitude de seu amigo, elogiando-o bastante.
Entrementes, os trinta sacerdotes retornam a Hanoch e são imediatamente inquiridos da aceitação dos presentes e se por acaso haviam sido retribuídos. E Gurat, onde ficou? — Dizem os neó- fitos: “Aconteceu precisamente o contrário de nossos planos. Eles nem olharam vossos presentes, que aqui estão incólumes. Quanto a Gurat, jamais houve patife maior. Se bem que tivesse expressado vosso desejo, sua mímica dizia o contrário, o que levou os dez ao se-
guinte recado: De modo algum aceitavam o ouro sangrento que fora extorquido por meio de fraudes e ludíbrios. Eles próprios possuem montanhas de ouro puro, porquanto dispensavam esse no qual esta- va colado sangue humano.
Do mesmo modo rejeitavam vossa amizade, a menos que deixásseis de ser sacerdotes, aceitando o mensageiro do alto para rei único de toda Hanoch. Vossa posição será a de simples cida- dãos, ou aquilo que o novo rei determinar. Além disso aconselham a não vos aproximardes de seu território, caso não queirais passar mal. Eis o teor daquilo que tivemos de ouvir com grande abor- recimento.”
Diante deste relato, os sacerdotes juram pelos deuses de em- preenderem tudo para se vingarem dos dez chefes. Amaldiçoaram a Terra, durante três dias, por acolher tais monstros; em seguida amal- diçoaram o Sol que os alumiava, durante sete dias, de igual modo foram amaldiçoados o ar, a água, o fogo por não dizimar tal escória, e assim se passou um mês inteiro sob maldições.
Isso feito, o mensageiro do alto foi fustigado em público, en- xotado fora da cidade e finalmente apedrejado por ter aconselhado aos sacerdotes que deveriam aderir ao conselho dos dez. Os sacer- dotes expediram uma ordem segundo a qual cada súdito teria que amaldiçoar aqueles homens durante uma hora. Além disso, oferece- ram os maiores prêmios para quem inventasse um meio diabólico de castigá-los. Por esses fatos vê-se nitidamente que o julgamento estava bem próximo de todos.
REBELIÃO DAS PROVÍNCIAS DE HANOCH. ATAQUEFRUSTRADOCONTRAOPAÍS MONTANHOSO
Dentro em breve as províncias distantes de Hanoch, através da ordem condenatória, souberam que a situação dos próprios sacer- dotes na metrópole começava a piorar pelo ludíbrio da liberação dos escravos. Por isso essas províncias se rebelam e se insurgem contra a capital.
Diante disto, os sacerdotes ficam enfurecidos, pois fora dito que a rebelião era obra das instigações dos habitantes das monta- nhas. A reação foi um grito uníssono que se ouvia pelas ruas, insti- gando todos os moradores à vingança total contra aqueles homens e todos os países que haviam aderido à rebelião.
Já no dia seguinte houve recrutamento e cada homem — a menos que fosse da alta nobreza — teve que pegar das armas, inclu- sive o sexo feminino. Em poucos dias um exército de cinco milhões de guerreiros estava equipado com lanças, espadas, arcos e canos de fogo como eram usados pelos turcos durante suas primeiras guer- ras, quando atiravam com balas de pedra. A pólvora já havia sido inventada durante a regência de Dronel, um filho de Olad, e sob o governo de Kinkar, mais purificada. As mulheres recebiam sabres leves e punhais.
Uma vez pronto o exército, os sacerdotes ordenaram o se- guinte: a metade desse poderio marcharia sob o comando deles mes- mos para punir as províncias rebeldes, e todos deveriam passar pelo fogo e a espada. A outra parte recebeu ordem de marchar contra os habitantes montanheses. Mas como? Finalmente o alto comando decidiu que as montanhas deveriam ser perfuradas.
Para tal finalidade cento e cinquenta mil homens foram des- tinados a abrir vários túneis com minas e os engenheiros tiveram que usar sua arte medidora para dar início a uma atividade ferrenha.
As montanhas foram dinamitadas em quinhentos pontos diferentes e foram feitos túneis horizontais numa profundidade de quinhentos e oitenta mil metros, mas nunca chegou-se a um ponto final. Novamente os engenheiros fizeram outras medições e perce- beram que os túneis haviam sido feitos muito baixo. Então esca- varam-se novos em lugares mais altos, que finalmente chegaram à plataforma das montanhas.
Mas os moradores montanheses souberam pelos espiões onde os hanochitas tinham feito túneis e calcularam estritamente por onde teriam que passar. Tais pontos foram cobertos por lenha que era incendiada no momento dos inimigos passarem por ali. Os
túneis se encheram de fumaça e vapor, sufocando milhares de hano- chitas. Vários sacerdotes também pereceram durante tal expedição.
O ataque contra o portão principal foi repetido por três vezes, mas era sempre rechaçado com energia, de sorte que o resto do exér- cito teve que voltar envergonhado após uma luta inútil de dois anos.
DISSIDÊNCIA ENTRE OS SACERDOTES E TRAIÇÃO DO EXÉRCITO PROVINCIAL
Os poucos sacerdotes incólumes transmitiram aos colegas igualmente em número reduzido o insucesso de sua empresa, levan- do os outros ao desespero, criticando o ataque tão imprudente. Os capitães retrucam: “É mais fácil julgar do que lutar. Ainda sobra um terço do exército e podeis marchar para a luta. E quando voltardes sem resultado, nós vos difamaremos.
A lição nos ensinou que os montanheses são invulnerá- veis e, se tivéssemos ouvido o conselho daquele que fustigamos e apedrejamos, nossa situação seria melhor. Agora só falta que a outra parte do exército sofra o mesmo fracasso, e então estaremos liquidados.”
A esta demonstração, os sacerdotes que ficaram em Hanoch resmungam ainda mais e até chegam a ameaçar os outros, que toda- via reagem: “Que se passa convosco? O poder está em nossasmãos, e se não vos calardes haveis de sentir em vossos ventres estufados a maneira pela qual empregamos as armas.”
Então os dois partidos sacerdotais chegam às vias de fato e finalmente se separam, e o povo de Hanoch não sabia o que o espe- rava. Durante três anos esperaram pelos resultados do outro exérci- to, que todavia tinha aderido às províncias, matando até mesmo os chefes e todos os seus adeptos.
Entrementes, o mensageiro de Noé ainda se encontrava nas montanhas servindo os dez chefes como bom conselheiro. De igual modo costumavam consultar Gurat, ex-sacerdote, em certos assun- tos. Eis que os chefes resolvem convocar os dois para discutirem sua atitude contra Hanoch.
O mensageiro de Noé aconselhou o seguinte: “Deixai Ha- noch como está, pois devido à vossa resistência perceberam a im- possibilidade de vos vencer. O Senhor saberá castigar aquela cidade, sem vossa ajuda, de maneira que cairá em ruínas qual árvore podre na floresta.
Se continuardes como sois, o Senhor vos abençoará no fu- turo, alargando vosso país maravilhoso e tornando-o tão frutífero que produzirá alimento para cem milhões de criaturas. Mesmo que Ele pretenda julgar e dizimar os malfeitores sobre o orbe todo, se- reis poupados caso permanecerdes em Sua Ordem conforme vos aconselho.
Se entretanto guerreardes os povos de Hanoch e os dos de- mais países e cidades, tanto vós quanto eles perecereis miseravel- mente quando Deus julgar todo o mundo mau com Sua Ira.
Este é meu último conselho, pois meu tempo findou e tenho que seguir de onde vim. Lembrai-vos sempre dele e encontrareis Graça diante do Senhor. Caso contrário, o julgamento vos mostrará que fui um verdadeiro mensageiro do Senhor Eterno.
Vosso livre arbítrio não será tolhido na mais leve limitação; pois ninguém tem o direito de restringir a vontade livre de seus irmãos. Tal direito foi dado pelo Senhor a cada um em particular. Assim, cada criatura poderá restringir sua vontade conforme quiser; quanto mais isso acontecer, melhor para ela. Por esse motivo eu ape- nas vos dei um conselho e podeis fazer o que vos apraz.”
A tais palavras, a Força de Deus apossou-Se do mensageiro e o arrebatou para perto de Noé. Esse desaparecimento súbito causou
grande impressão nos chefes, que reconheceram nele um verdadei- ro emissário divino. Todas as palavras ditas por ele foram gravadas durante vários anos em placas de ouro e consideradas com poder legislativo para toda a cordilheira.
Cinco anos se passaram normalmente. Em seguida o Senhor quis firmá-los em sua confiança Nele por meio de uma pequena provação, e foi o suficiente para que um grande número renunciasse à sua antiga virtude. A provação consistia no aprisionamento dos habitantes montanheses por mil espiões enviados por Hanoch.
Tais espiões deveriam encetar negociações livres com os dez chefes para estabelecerem relações entre Hanoch e os países do alto. Tal seria sua atitude externa. Secretamente deveriam pesquisar as condições de poderio bélico e verificar se os montanheses tinham tido participação na rebelião das províncias distantes e do exército enviado para lá.
Mas como os chefes eram muito astutos, não demoraram a descobrir o motivo secreto daqueles agentes e lhes disseram: “Des- confiamos de vosso intento, por isso convém não ocultardes nada daquilo que tendes em mente. Quem for apanhado numa inverdade será imediatamente atirado dessa rocha, encontrando a morte no lago profundo.” A rocha enorme na qual tinha sido construído o burgo dos chefes terminava num lago muito profundo que circun- dava a edificação numa extensão de três horas.
Dez dos agentes principais afirmaram categoricamente que não escondiam qualquer questão secreta. Foram inquiridos por três vezes e, como persistissem em sua afirmação, foram leva- dos à beira da rocha onde foram ameaçados caso tivessem men- tido. Como confirmassem sua declaração inicial julgando que a ameaça fosse apenas golpe político, o primeiro foi prontamente atirado ao abismo.
Então os restantes nove agentes se apavoraram e começaram a confessar a verdade, vendo-se finalmente obrigados a trair Hano- ch. Alguns mantiveram alguns escrúpulos, mas diante da realidade de um deles ser igualmente atirado do alto da rocha, todos acaba-
ram por confessar. Quando desse modo Hanoch foi inteiramente traída, todos, com exceção de dez, foram sacrificados. Esses últimos foram enviados para aquela cidade para mostrarem aos sacerdotes a maneira pela qual agentes de Hanoch eram tratados nos países montanheses.
SUJEIÇÃOVOLUNTÁRIADE HANOCH
Quando os dez restantes espiões voltaram para Hanoch e informaram sobre o fracasso da missão dos mil homens e o rela- to dos dez chefes, um partido dos sacerdotes se enfureceu. Os do partido contrário, que tiveram oportunidade de experimentar a as- túcia estratégica dos montanheses, se regozijaram com o insuces- so. Conscientes de que Hanoch havia sido totalmente traída e que os dez chefes possuíam boas informações de rompimento entre os partidos, eles se lembraram do conselho do mensageiro de Noé e resolveram segui-lo.
Conjecturaram o seguinte: “O poder principal continua em nossas mãos. Sabemos o que de fato os mil homens procuraram junto dos montanheses, nossos inimigos. Pretensamente queriam analisar o poderio e outras condições bélicas; na verdade queriam se unir a eles contra nós.
Com isso julgavam matar dois coelhos de uma só cajadada. Mas os dez chefes foram mais astutos e liquidaram seus negócios inconfessáveis. Agora chegou nossa vez. Seguiremos o conselho dos montanheses, na medida do possível. Apesar de não podermos mais eleger o mensageiro apedrejado para rei de toda Hanoch, queremos entregar nossa monarquia a um dos dez chefes, ou a um por eles nomeados. Continuaremos seus capitães.
Agora trata-se de uma nova delegação. Qual é vossa opinião se um de nós se puser em marcha com justo número de deputados para entregar àqueles chefes as grandes chaves de ouro e as mil co- roas que felizmente ainda se encontram em nossas mãos?” (As mil coroas se originam dos mil ex-conselheiros).
Tal proposta foi aceita por todos e um sacerdote versátil ficou incumbido dessa missão. Cem deputados do partido militar dos res- tantes sacerdotes o acompanharam para os países montanheses e os tesouros do reino eram transportados por cem camelos. Chegando naquela região, toda a caravana foi levada para junto dos chefes, sob forte escolta.
Quando estes deparam com o sacerdote, seu ódio inicial se manifesta e um deles diz: “Finalmente temos em nosso poder um desses sacerdotes patifes para darmos vazão à nossa antiga vingança!”
O sacerdote se defende: “Isso não deve acontecer, pois rece- bemos como vós um mensageiro pacificador do alto que nos deu um conselho que pretendemos seguir. O coitado foi assassinado pelo partido dominador dos sacerdotes, numa época em que exigistes que ele deveria se tornar regente único sobre toda Hanoch.
Precisamente na mesma época nos separamos de nosso par- tido fanático, juntamos todas as forças bélicas, dividimos uma parte do grande exército para o domínio das províncias rebeldes, e com a outra parte fomos obrigados a encetar um ataque simulado contra vós, que nos saiu muito caro.
No entanto obtivemos a boa finalidade de conquistarmos o poder, e há anos somos os senhores de Hanoch. Os próprios sacer- dotes são nossos maiores inimigos e juntam constantemente forças secretas para nos dominar.
Como senhores de Hanoch, possuidores das chaves e das coroas, trouxemos esses tesouros a mando do guia das alturas. De- pende de vós nomeardes um rei que domine tudo, pois queremos apenas ser seus súditos fiéis. Aqui estão cem deputados para con- firmarem minhas palavras, e no lombo dos camelos encontrareis as chaves e as mil coroas mencionadas. Entregamos nossas vidas como fiança dessa verdade.” Então os chefes mudam de atitude e convo- cam uma assembleia geral.
Eis que os dez chefes conjecturam se um deles deveria tomar a si a regência de Hanoch, ou se tal incumbência seria entregue a Gurat, com a ressalva do domínio dos países montanheses sobre aquela cidade e todas as suas possessões.
Após votação geral, ficou resolvido que os dez chefes deve- riam ficar inseparáveis para sempre e, caso um morresse, o filho mais velho herdaria a coroa. Na falta de um herdeiro, poderia o filho mais velho de um outro aceitar a regência.
Do mesmo modo, o reinado de Hanoch deveria permanecer na sucessão da família de Gurat. Somente quando um descendente não tivesse filho tal fato deveria ser anunciado ao soberano nos paí- ses montanheses, para então determinarem um justo rei. A partir de agora, todo rei seria dependente daqueles países, uma vez que o seria como filho do antecessor.
A aprovação da soberania por parte do rei de Hanoch consis- tia no dízimo anual de todos os metais, com exceção do ouro; além disso, havia o dízimo em carneiros, gado, burros e cabras, e que em todas as resoluções importantes seria obrigado a buscar conselho junto dos dez regentes das montanhas.
Para a entrega certa dos dízimos, teria que suportar os fun- cionários, que seriam todavia pagos pelos verdadeiros senhores. Além desse compromisso indispensável, o rei de Hanoch tinha que admitir a mesma constituição comum nas montanhas e que conti- nuaria assim para sempre, a fim de levar os povos da Terra à união amiga tão desejada.
Para a manutenção dessas úteis prescrições, os regentes das montanhas também se comprometiam de ajudar ao rei de Hanoch sempre que houvesse necessidade. Tal regime deveria ser estabeleci- do para sempre.
Depois dessa resolução, Gurat é inquirido a respeito de sua opinião como regente de Hanoch. Ele responde: “É claro que con- cordo com tudo, pois se não tivésseis feito condições tão sábias, eu
as teria elaborado e pedido vossa aceitação. Que seria um rei sem tal apoio em Hanoch? Um simples nome que faria de um homem um prisioneiro de todos, como atualmente demonstra a figura do mise- rável rei fictício daquela cidade.
Um rei sob tutela tão sábia é um homem livre e poderoso, podendo, na confiança de agir sempre com justiça, reger os povos como verdadeiro senhor. De minhas palavras concluireis que estou satisfeito com vossa determinação. Acrescento apenas um item nos direitos hereditários: caso o rei possuir um filho tolo, preguiçoso, dissipador, tirano ou mentecapto, tal filho perderia esse direito; e um segundo filho receberia a coroa ou, na falta deste ou de sua capacidade, um homem determinado por vós. Cada herdeiro terá que frequentar vossa escola regimental e receber a coroa quando o achardes com capacidade para tanto.”
Esse item de Gurat foi aceito com grandes aplausos e ele mes- mo foi coroado, recebendo as chaves e as mil coroas, das quais cada uma tinha o valor de um milhão de florins.
ASSINATURA DA ATA SANTA. CONDIÇÕES POLÍTICAS E MORAIS.OREIGURATPARTEPARA HANOCH
Todas essas determinações foram gravadas em finas lâminas de ouro e mostradas aos deputados de Hanoch. Como estivessem satisfeitos, foram solicitados a assinar com nomes curtos e não como faziam os nobres, cujo nome às vezes se estendia por várias linhas. Tais documentos foram chamados “A Ata Sagrada” e guardados pe- los dez chefes.
Só então passou-se à sanção de determinadas punições na infração contra a Ata, no sentido de que os países montanheses eram sempre considerados infalíveis por não terem matado o mensageiro de Noé. Em vista disso, apenas Hanoch estava em condições de er- rar e de se tornar réu de condenação, porque os hanochitas haviam assassinado o enviado de Noé.
Em segredo Gurat disse aos dez chefes: “Enquanto estiverdes vivos, este país permanecerá infalível. Qual será sua situação quando outras cabeças seguirem vosso governo e certamente pisarão vossas leis? Deve neste caso ser considerável infalível?”
Um dos regentes respondeu: “Sabemos que até mesmo um pai pode errar com relação aos seus filhos; mas nesse caso ele erra somente em sua própria esfera e não na dos que jamais terão direito de reclamar ou querer punir o pai.
A mesma condição existe entre nós. Somos vosso pai e sois nossos filhos para todos os tempos. Tal relação é justa por se igualar à divina, onde Deus é sempre um Pai Onipotente e temos que acei- tá-lo porque Ele assim ordenou desde eternidades.
Além disso, não se pode cogitar de falibilidade entre dez re- gentes perfeitamente unidos, porque num caso de morte o herdeiro da coroa terá que seguir o exemplo do predecessor e jamais poderá estabelecer nova ordem em virtude dos nove regentes mais idosos, que não lhe dariam ouvidos a qualquer inovação.
No regime unitário pode haver renovações, mas num gover- no de dez regentes, jamais. O regente isolado pode reger à vontade, podendo falir caso não estiver pleno da Sabedoria Divina. Mas num governo estabelecido por dez regentes isso se torna impossível, pois haverá sempre um destinado a controlar o outro através de seu co- nhecimento e elevado senso de justiça.
Além do mais, o número dez constitui o número da Ordem Divina, pois todas as leis de Deus se fundamentam nesse número, e assim o nosso grupo afiança nossa infalibilidade total. Podemos errar individualmente, mas nunca numa resolução geral.” Com essa explicação, Gurat teve que se dar por satisfeito; apanhou os tesouros e se dirigiu como rei nomeado por Hanoch, em companhia de um sacerdote e dos cem deputados, para aquela cidade.
Chegando a Hanoch, Gurat foi muito bem recebido pelo partido vitorioso dos sacerdotes e imediatamente empossado como rei de todos os demais potentados. Aceitando as honrarias, ele subiu ao trono de Lamech no velho burgo, enquanto o regente fictício ainda residia no novo castelo dourado. Gurat chamou os sacerdotes com todo seu poderio militar, emitindo novas leis.
Todo roubo e direito de assalto tinham que terminar, e quem tivesse um escravo e não o libertasse imediatamente era condenado a uma multa pesada, e em caso de reincidência seria atirado ao cár- cere perpétuo.
Diante disso, o partido oposto começou a esbravejar, convo- cou todas as suas reservas de trinta mil soldados e pretendia investir contra os ultrajantes. Mas um acólito mais cordato que estava pres- tes a ser investido como sacerdote obtemperou: “Antes de dardes um passo para a vingança, calculai a situação de trinta mil contra um milhão de soldados. Convém não pensardes em vingança onde ela é impossível, mas em fuga ou em ajuste amistoso.
É senhor quem tem o poder em mãos; e os que ficam abaixo dele têm que se submeter ou fugir, caso ainda haja tempo. Presumo ser mais prudente tomar a primeira medida, pois fui informado de que todos os portões estão fortemente vigiados e será difícil passar- mos por cima da grande muralha.
De outro lado, será difícil firmarmos um acordo com o novo rei e eu mesmo aceitarei essa incumbência. Gurat foi meu grande amigo e estou certo que me atenderá garantindo vossa posição atual, o que constituirá em certa vantagem. Se vos revoltardes contra ele, que já se encontra empossado no trono, todos nós pereceremos sem sabermos de que nos serviu nossa empresa revolucionária. De que maneira poderíamos reagir contra seu poder? E ainda que o fizésse- mos, seríamos dizimados pela enorme avalancha de seu exército. Eis minha opinião, mas tendes a liberdade de agir.”
Essas palavras acalmaram as mentes agitadas dos sacerdotes e, em vez de se colocarem em marcha, convocaram um conselho para determinar de que modo poderiam apresentar uma homenagem a Gurat. O neófito então opinou: “Deixai isso comigo. Amanhã pro- curarei Gurat a fim de parlamentar com ele, e garanto que continu- areis em vossos postos, com pequenas modificações.”
NEGOCIAÇÃO FAVORÁVEL ENTRE O SACERDOTE E OREI GURAT
Uma vez diante do rei Gurat, o sacerdote é inquirido sobre suas pretensões e diz: “Sabes que o sacerdócio em Hanoch se dividiu em dois partidos desde a tentativa de vencerem os montanheses, sendo que um partido te nomeou rei, enquanto o outro se encheu de ódio contra ti. Além disso, queria convocar um exército de trinta mil soldados para te aniquilar possivelmente.
Ciente disso, pensei: ‘Meu ex-amigo, soberano de toda Ha- noch, possui um poderio cinquenta vezes maior; mas ele se encontra espalhado na metrópole distante e dificilmente se manteria contra um exército de trinta mil homens bem formado. Apresentar-me-ei como conselheiro e hei de prevenir os sacerdotes’ — Assim fiz. Com as cores mais vivas pintei o irremediável fracasso de seu plano, o que os acalmou um pouco, e dentro em breve se convenceram de que deveriam manipular as negociações mais práticas.
Como meu amigo, aconselho-te que mantenhas os sacer- dotes como servos dos deuses, com algumas alterações, pois ainda possuem muitos prosélitos nas criaturas fracas, ao passo que conhe- cemos a Natureza do Verdadeiro Deus. Sabes tanto quanto eu que somente o povo ignorante tem que ser levado à compreensão de uma Entidade Divina que deve ser temida, e por isto é preciso obe- decer ao rei a fim de não cair no pretenso castigo.
Para tal fim os sacerdotes se prestam muito, como também a manterem a ilusão das massas. Nós, iniciados, não a necessitamos
porque conhecemos as forças da Natureza e suas leis. Eis o meu con- selho: caso o aceitares, obterás bons resultados.”
Os sacerdotes reais estavam presentes e de pleno acordo com o conselho. O rei Gurat então disse: “Velho amigo, sou teu grande devedor e te entrego a incumbência de organizar as determinações com relação às alterações a serem tomadas junto aos sacerdotes.”
Diz o conselheiro: “Irei imediatamente parlamentar com eles e garanto que hão de dançar segundo meu apito. Todavia, devo cau- sar a impressão de que foram eles a estipularem as modificações e que também devem ser cumpridas por eles.”
FRAUDE APLICADA PELO SACERDOTE INCUMBIDOPELOREIDEPARLAMENTARCOMOS REBELDES
Quando o neófito volta junto dos sacerdotes é ele imediata- mente crivado de perguntas, e só depois de algum tempo consegue se expressar da seguinte maneira: “Não façais perguntas ao mesmo tempo, que vos informarei com calma. A proposta de paz e concór- dia foi aceita pelo rei com grande agrado, confirmando vossa posi- ção de sacerdotes. Naturalmente deveis desistir do poderio terreno. É ele exclusivo soberano sobre toda Hanoch e seu grande território. Eis uma modificação fixada por ele.
Além disso, devem os sumos sacerdotes do rei fictício se tor- nar simples sacerdotes ou desistir de seu cargo junto a ele. Todo sistema sectário será eliminado e o verdadeiro rei ocupará todos os cargos, mundanos e espirituais.
Nossos bens em ouro e preciosidades serão incluídos nos cofres do Estado; em compensação garante a cada funcionário um soldo de acordo com seu posto, mundano ou espiritual. Cabe-nos apenas aceitar tal situação amarga, pois não pode ser modificada. Além disso, ele sabe que nosso culto religioso é apenas uma ilusão popular, razão por que resolveu ele mesmo dirigir tal questão como chefe a vos enviar ordens secretas. Finalmente pretende também no-
mear um dirigente geral para os assuntos religiosos, ao qual devemos nos submeter.”
4. A essa declaração todos quedam perplexos, mas não demo- ram a pronunciar uma maldição em conjunto, não se contendo de raiva. Mas o neófito esclarece: “De que adianta isso? Fazei uma re- volução contra o chefe poderoso caso estiverdes com vontade de ser enfrentados por lanças e serdes queimados vivos. Essa é a ameaça contra todos os oponentes.”
Diante do inevitável, os sacerdotes se entregam e aceitam to- das as condições como se tivessem sido elaboradas por eles mesmos. Uma vez pronto o documento, o neófito se dirige ao rei.
O NEÓFITO É NOMEADO CHEFE GERAL DOS SACERDOTES
Inquirido sobre o sucesso de seus negócios junto aos sacerdo- tes, o neófito responde: “Meu rei, senhor e amigo: as notícias são as melhores do mundo. És soberano exclusivo sobre eles e seus tesouros consistem de mil palácios, onde se encontram no mínimo cem mil libras de ouro, o dobro em prata, pedras preciosas e grande quanti- dade de outros objetos de valor. Estás satisfeito?”
Responde Gurat: “Se é esse o resultado de tua verbosidade, serás automaticamente meu primeiro conselheiro na corte. Mas re- lata o que conseguiste de fato com os sacerdotes.”
Eis que ele mostra o tratado gravado em lâmina de ouro e assinado por todos os sacerdotes, e Gurat faz a leitura diante de seu partido sacerdotal, que exulta com o resultado obtido pela astúcia do colega. Entrementes o rei se vira para seu novo conselheiro e diz: “Há tempos afirmaste ser preferível que os sacerdotes fizessem as condições, com a ressalva de interdição por parte do rei caso não se prestassem aos seus planos. Desse documento percebo claramente que foste tu a ditar as condições, sendo eles obrigados a aceitá-las. Temos o documento em mãos; mas como foi a aceitação do mesmo?”
Responde o chefe geral: “Se pretendes cuidar da satisfação deles, podes renunciar imediatamente ao teu posto de rei, mas antes convém matares todos esses amigos, e assim terás satisfeito seus oponentes. Meu amigo, o vencedor jamais poderá pergun- tar ao vencido se está satisfeito, mas ditar imediatamente suas de- terminações.”
Grande é a aprovação de todos os lados e Gurat declara esse neófito para chefe geral dos sacerdotes e primeiro conselhei- ro da corte.
DEGRADAÇÃODOS REBELDES
O rei mandou em seguida providenciar um traje adequado à nova posição do ex-neófito e lhe entregou a nomeação gravada em lâmina de ouro e assinada por todos os heróis, ex-sacerdotes. Munido desse documento, o neófito se encaminha junto dos sacer- dotes, que ao verem sua condecoração, exclamam: “Ah, então é isso?! Foste um patife entre nós! Mas hás de pagar caro por esse ultraje! Eh, fiéis neófitos, prendei essa fera e atirai-a no abismo onde arde o fogo vivo!”
Irritado diante dessa exclamação, o chefe geral dos sacer- dotes grita: “Para trás, demônios! O que acabais de dizer faltava para completar vosso extermínio total! Eis o documento do rei segundo o qual sou chefe geral, e escondida em minhas vestes está a espada do rei como prova de que ele depositou vossas vidas miseráveis em minhas mãos! Lá fora se encontram quatro mil combatentes armados e basta um sinal meu para que todos vós sejais esquartejados nesta sala, onde mandastes praticar tantos crimes e engendrastes os planos mais infernais. Como neófito tive que assistir a vossas maquinações diabólicas; mas esse tempo acabou e tudo há de mudar!”
Então o chefe geral tirou a espada, deu um sinal e no mesmo instante se precipitaram para dentro da sala guerreiros com espadas e lanças; e o chefe perguntou com sarcasmo: “Onde se encontram
vossos fiéis subdemônios para me prenderem e atirarem ao fogo vivo? Perdestes a vontade para tanto?”
Os sacerdotes rangem os dentes de raiva e pavor, pois se veem perdidos. Mas o chefe prossegue: “Se não fosseis tão maus eu vos teria mandado degolar; todavia vos transformarei em neófitos e os fiéis neófitos serão feitos sacerdotes.”
Eis que eles começam a clamar e chorar, enquanto os outros se regozijam e colocam uma coroa na cabeça do chefe. Os sacerdotes tiveram que mudar inclusive de vestes e moradas, entregando tudo aos ex-neófitos.
DESTRONAMENTODOREI FICTÍCIO
Depois dessa operação, o chefe chamou alguns guerreiros e se dirigiu imediatamente ao castelo do rei fictício, onde também moravam os sacerdotes “oniscientes”, que no entanto ignoravam o que os aguardava. O chefe exige ser admitido junto ao rei, mas os sacerdotes se negam, ignorando o que tinha ocorrido em Hanoch em tão poucos dias.
O chefe diz bruscamente: “Se não me deixardes entrar sereis feitos em pedaços por esses guerreiros!” Enraivecidos, os sacerdotes tiram os punhais ocultos em suas roupas e gritam: “Vingança ao ul- traje da divindade do rei!” O chefe recua e ordena o massacre, e três sacerdotes perdem suas cabeças, enquanto outros sete são feridos. Diante disso, os trinta restantes pedem misericórdia. O chefe retém os soldados e diz para os pedintes: “Entregai vossas armas e abri o portal para que eu entre nos aposentos do rei, onde sabereis o que acontecerá convosco!”
Imediatamente eles obedecem e abrem o salão, onde o rei em vestes douradas se aprontava para receber os visitantes de cima do trono. Quando o chefe geral dos sacerdotes se aproxima dos de- graus do mesmo, o rei, admirado com tal petulância, diz: “Criatura animal, que queres de mim, teu deus e senhor eterno, cujo trono é dourado desde eternidades? Aguardas uma graça ou uma punição?”
Em tom irônico o chefe responde: “Ó deus, senhor e rei, quero apenas que renuncies à tua eternidade e divindade, tornando-
-te um animal burguês como nós. Quanto a esse palácio e esse trono de ouro, pertencem a um outro. Podes descer. Trocarás tuas vestes douradas por roupas simples e depois tomarás um pouco de ar fresco com teus súditos!”
Trincando os dentes de raiva, o “deus” retruca: “Fora con- vosco! — senão farei chover fogo dos Céus!” Diz o chefe sorrindo: “Ora, não faças isso, pois facilmente incendiarias mar e terra, o que seria realmente uma pena! É preferível desceres daí de boa vontade, do contrário te faria carregar por esses maus espíritos!”
O rei então pisa forte com o pé e alguns feiticeiros ocultos fa- zem uma fumaça, atirando ao ar alguns pedaços de carvão. O chefe se ri e ordena que ele seja tirado do trono, enquanto os pirotécnicos fogem com suas frigideiras de carvão. Esse destronamento tornou-se motivo de grandes gargalhadas na cidade.
INTERROGATÓRIO E ANISTIA DOS TRINTA SACERDOTES
Quando o rei se encontrava vestido simplesmente, o chefe virou-se para os trinta sacerdotes perguntando: “Fostes traidores conscientes ou inconscientes do povo, acreditando de fato que esse palerma fosse um deus, conforme transmitistes aos outros? Acre- ditais em um ou em vários deuses? Talvez nunca crestes, aprovei- tando os mitos dos livros de Kinkar apenas para ludibriar o povo? Exijo resposta conscienciosa e qualquer evasiva será punida com a espada. Começai pela primeira vez em vossa vida a pronunciar a verdade!”
Esse questionário empalidece o grupo e, como pela hesita- ção podiam aguardar a morte, um deles começa a falar: “Sr. chefe, como ex-neófito sabes perfeitamente quem eram nossos oradores que nos obrigavam a sustentar essa fraude. De que nos adiantava nossa consciência?
3. A pressão do estômago é muito mais sensível que a do cora- ção, por isso acalmávamos nossa consciência para conseguir nosso sustento. Tu mesmo eras ciente do que de verdade se ocultava em nossa doutrina politeísta — uma fraude miserável para o povo. Por que não te prontificaste como verdadeiro filantropo a mostrar aos sacerdotes tal injustiça gritante?
Também foste forçado a colocar de lado a tua consciência a fim de sustentares tua subsistência. Nós mesmos comentávamos de que maneira o povo era enganado — mas de que adiantava? Se agora te foi possível quebrar o poder deles e te projetar para soberano, con- sidera que somos humanos forçados a agir daquele modo.”
O chefe se satisfaz com essa resposta e diz: “Como falas- tes a verdade, hei de vos poupar! Rebaixei os sacerdotes para ne- ófitos, e vice-versa, e como chefe de todos vos nomeio sacerdotes de primeiro grau!” Com esta determinação os trinta sacerdotes, que aguardavam a morte, se dão por satisfeitos e são levados às suas moradas.
AFASTAMENTO DO EX-REI E ENTREGA DO BURGO AO REI GURAT
Virando-se para o rei fictício, Gurat prossegue: “Bem, nesses trajes simples és cidadão pela primeira vez em tua vida algo real. Enquanto eras rei, eras apenas um homem infamemente ludibria- do, um instrumento inútil nas mãos dos sacerdotes, não tendo nem mesmo o direito de sair para tomar ar. Agora depende de ti onde desejas ter casa própria, se na cidade ou numa rua que leva aos dez subúrbios.”
Irado, o ex-rei responde: “Que pergunta mais ultrajante! Se me pertencem Céus e Terra, deveria eu agora escolher uma locação burguesa?! Tal jamais seria aceito por um deus! Ele vos abandonará e se retrairá ao seu burgo solar de onde determinará um grande cas- tigo sobre vós! Não aceito portanto uma casa burguesa, nem dentro nem fora da cidade, mas vos deixarei para sempre, entregando-vos
ao julgamento! Basta um simples aceno meu, e Céus e Terra deixa- rão de existir!”
Com isso o rei divino termina seu discurso decorado, pois semelhantes alocuções se encontravam nos livros de Kinkar e eram decorados e usados em ocasiões oportunas, pois um deus teria que falar mais sabiamente que um simples mortal.
Se bem que esse discurso fosse um dos melhores, não teve o menor efeito, pois o chefe começou a rir dizendo: “Não deves ser tão mau, mas se não me obedeceres, serei obrigado a te dar algumas palmadas.” Em seguida ele dá ordens aos soldados para tirarem o rei dali, caso não fosse de boa vontade. Ele resiste o quanto pode, mas três soldados o transportam para junto dos sacerdotes.
Durante três dias foi feita a limpeza do castelo dourado e em seguida o chefe dos sacerdotes entrega as chaves ao rei Gurat, rela- tando-lhe tudo que havia sucedido.
BANIMENTODOS SACERDOTES
Em seguida Gurat determinou o sétimo dia para pesquisa de todas as organizações determinadas pelo chefe. Na hora determina- da, Gurat convocou a corte e, acompanhado pelo chefe, dirigiram-
-se ao imenso burgo dos sacerdotes que continha tantos cômodos a poder acomodar facilmente quinhentas mil pessoas.
Gurat é gentilmente recebido pelos novos sacerdotes en- quanto os neófitos lhe viravam o rosto. Inquiridos por ele da razão dessa atitude, pois deviam estar cientes que ele era soberano de toda Hanoch, eles retrucaram: “Não te reconhecemos como senhor, mas sim como um rebelde contra nossa soberania justa e determinada por todos os deuses.
Obedeceremos porque açambarcaste todo o poder, mas nun- ca te respeitaremos, e muito menos te ungiremos e coroaremos. Fa- remos o que determinares, mas nossas faces estarão desviadas de ti e nosso coração cheio de desprezo à tua pessoa.
Nossa atitude será a mesma do antigo Deus Principal e dos novos deuses, que são apenas Suas Forças projetadas. Dominamos o povo por Sua Ordem, tiramos dele o ouro como veneno principal para a vida interna e humilhamos os orgulhosos com a corrente da escravidão e a proibição da fala.
Mas cometemos um erro porque conservamos o veneno amarelo para nós. Ele nos envenenou e ofuscou, impedindo que vis- lumbrássemos os planos dos inimigos. Eis o motivo por que sofre- mos agora como maus mordomos dos eternos interesses do antigo Deus. Bem que o merecemos, e estamos satisfeitos por ter Deus nos visitado tão magnanimamente. Quanto a ti, negaste a nós e a Deus, e jamais hás de encontrar uma nova ligação com Ele.
Não nos importa a perda de nosso brilho e pompa, mas sim o fato de termos sido espiritualmente mortos em meio do caminho pelo qual teríamos reconduzido o povo à antiga ordem. Acabas de matar todos os elementos espirituais nos homens e neles vive apenas a força da natureza que julgas ser Deus. Com isso se encheu o re- ceptáculo do qual Caim há tempos teve informação e Farak também predisse, e o julgamento de Deus já se encontra em nossa nuca. Por isso te damos a maldição em vez de bênção. Eis nossas últimas pala- vras dirigidas a ti!”
Tal recepção não foi do agrado de Gurat, que enraivecido mandou fustigar todos esses sacerdotes e os expulsou às praias exten- sas do mar, substituindo-os por outros fiéis a ele. Com tal expedição terminou todo vestígio de Mim e iniciou-se o mais tenebroso paga- nismo entre os homens.
Os antigos sacerdotes ainda Me conheciam, mas agora nin- guém tinha conhecimento de Mim. Os sacerdotes heroicos ainda eram novatos e não tinham recebido a iniciação da Sabedoria dos antigos, e sabiam pouco ou mesmo nada a Meu respeito.
Depois dessa expedição e da nova nomeação dos neófitos, o rei Gurat convocou uma assembleia na qual seria fixada a nova doutrina de Deus para o povo. Uma vez todos reunidos, o chefe dos sacerdotes se levanta e diz: “Permiti que me expresse sobre esse problema tão importante e do qual depende o bem-estar de todos. Se apresentarmos a doutrina com simplicidade, sem grande brilho e pompa, ela não terá o mínimo valor.
Por esse motivo devemos manter os deuses já conhecidos e acrescentar outros tantos, com a importante modificação de cons- truirmos em locais de aspecto macabro grandes templos de confi- guração mística, onde a Divindade será apresentada em tamanho colossal, pois tudo que é imenso causa impressão na alma.
Temos de criar sacerdotes para cada divindade, que devem ser ungidos com todos os unguentos da política espiritual e capazes de produzir os milagres correspondentes àquela divindade. Devem ser entendidos na mecânica e química, e quanto mais astuto se apre- sentar tal religioso, tanto maior será sua vantagem.
Longe de nós oneramos tais homens pelo tesouro do Go- verno, pois cada um saberá que o templo é um animal cevado, de- pendendo do interessado saciar-se à vontade; e assim podemos estar certos que em poucos anos o nosso reino estará repleto de milagres de todas as espécies e o povo não se conterá de devoção e submissão.
Antes de tudo é preciso que cada sacerdote mantenha o maior sigilo referente à sua divindade, que seja sempre moderado contra qualquer pessoa do povo e ser muito difícil ser abordado por alguém. E se vier a falar com alguém, que o faça da maneira mais incompreensível, pois aquilo que se entende não tem cunho divino.
Cada templo empregará um bom orador que entenda reco- mendar as ações milagrosas da divindade, e para isso serão organi- zadas escolas em Hanoch. Se esta minha proposta for levada em consideração, teremos organizado o bem estar para sempre e não precisaremos impor taxas diretas para o povo, pois o templo com
seus deuses e sacerdotes lhes tirarão suas posses da maneira mais ino- cente e o Governo terá aspecto protetor. É conhecido que o mundo deseja ser traído; então nós o trairemos!
Ah, mais um pormenor! Não vejo por que tu, Gurat, devas reconhecer a soberania dos habitantes das montanhas. A meu ver, estamos firmes e mais coesos do que eles. Tenho uma ideia: Tira- remos a escada, e os maiorais poderão descobrir um outro meio de chegarem aqui; isto é, fecharemos todos os túneis na altura de cem homens e eles poderão deixar crescer suas asas para nos visitar. Eis o que tinha para dizer e entrego a ti a direção.”
O rei e seus fiéis concordaram e já no dia seguinte começaram a pôr mãos à obra, convocando arquitetos, escultores e mineiros.
ENERGIAFÍSICADOSPOVOS ORIGINAIS
Os mineiros armaram duzentos mil homens com instrumen- tos adequados. Os engenheiros analisaram todos os possíveis acessos para as montanhas e descobriram cinquenta que poderiam ser apro- veitados por cima. Mas se alguém quisesse subir, atingiria muitas intransponíveis muradas nos desfiladeiros. Os montanheses, por sua vez, podiam descer por meio de escadas de cordas até atingirem as planícies.
Se bem que existissem em cima mais que cinquenta desfila- deiros tapados com pedras, os fossos e gargantas se uniam embaixo, e de vinte se formava um fosso principal. Se este fosse tapado, todas as demais saídas do alto seriam inúteis.
Dentro de três meses foram cortados e escarpados cinquenta acessos numa altura considerável e numa largura de oitenta a du- zentos metros. Assim, tornou-se praticamente impossível aos mon- tanheses chegarem nas planícies de Hanoch. Esse trabalho foi con- cluído em espaço tão curto, enquanto hoje em dia seriam precisos vários anos.
Esses povos primitivos tinham por hábito calcular um traba- lho de forma tal a poderem empregar tanto esforço a poder terminar
no menor tempo possível. Diziam o seguinte: O valor é o mesmo se trabalharmos com poucos operários um tempo mais longo, ou se empregarmos menos tempo em muitos trabalhadores. No segundo caso ganhamos tempo e entregamos a obra para uso mais cedo.
Seu cálculo era materialmente certo, e quem quisesse usá-lo também espiritualmente lucraria mais do que no caminho moroso. Assim, foram destacados cerca de dois milhões de operários para a construção dos templos, e dentro de um ano todos, incluindo mil obras secundárias, estavam prontos e dotados de tudo.
DESCRIÇÃODEALGUNS TEMPLOS
Eis o esboço de estranhas representações de ídolos nos tem- plos: Numa profunda garganta onde se precipitava um estrondoso riacho fora construído um templo num caldeirão espaçoso, em for- ma de semicírculo. A parede dianteira era reta e nela se encaixava uma construção meio cilíndrica, na qual finalizava a habitação dos referidos sacerdotes. Na parede principal havia em cima duas gran- des janelas circulares semelhantes aos olhos de boi.
Mais embaixo, no centro das duas janelas superiores, havia mais duas ovais, em posição horizontal, correspondendo com as pri- meiras de cima. Embaixo, finalmente, havia uma porta de oito me- tros de largura, três metros de altura, e com suporte de três colunas pretas que davam de longe o aspecto de boca de boi.
Como toda a parede frontal em volta das janelas e da porta era pintada como uma cabeça de boi, e em cima dos olhos tinha dois chifres e dos lados dois canos de zinco como orelhas, dos quais passava constantemente uma fumaça muito forte, o aspecto total era de fato impressionante.
O interior do templo era pintado de vermelho e no fundo, num grande nicho, se encontrava um boi colossal feito de estanho. Os pés traseiros eram tão grossos que facilmente se podia chegar à sua imensa barriga por meio de uma escada e lá praticar toda sorte de fantasmagoria.
Essa ilusão consistia no seguinte: Por ocasião de visitas de peregrinos, a grande cabeça do boi era constantemente movida de cima para baixo por meio de uma alavanca. Na barriga havia um grande fole através do qual era impelida fumaça e às vezes fogo pela boca, o que resultava em grande trovoada interior.
Passado o trovão, o orador que se encontrava dentro da barri- ga tomava um tubo acústico de zinco e dirigia algumas palavras sem nexo ao povo assustado. Em seguida o boi se acalmava, o sacerdote passava pela porta dos fundos, acendia um incenso e determinava as oferendas a serem dadas pelo povo e a próxima época de sacrifícios. Quem possuía um animal de corte tinha que oferecê-lo, do contrá- rio adoeceria e morreria, por obra dos empregados do templo.
OTEMPLODOSOLESUA FRAUDE
Numa distância de um dia de Hanoch, em direção ao Sul, foi erigido numa rocha lisa um dos templos mais suspeitos onde se venerava o Sol. O santuário era totalmente redondo e uma parte possuía uma parede sólida; a outra era aberta e se compunha de seis colunas nas quais pousava o telhado.
Na parede rochosa em direção ao Norte se encontrava a resi- dência sacerdotal para cem pessoas; era da mesma altura do templo, que media vinte metros e o dobro de circunferência. No centro da parede havia sido colocado um espelho côncavo de ouro polido e que podia ser movimentado através de uma mecânica artística por todos os graus de um semicírculo.
No centro de vinte metros existiam entre as colunas altares circulares de dois metros e meio de altura e um metro e meio de circunferência. Partindo da residência sacerdotal havia um túnel de- baixo do altar central, totalmente oco. Debaixo dele se encontrava uma alavanca que suspendia um carimbo de pedra perfeitamente encaixável na abertura do altar.
Quando o sacerdote devia entrar no templo em sua veste dourada, ele se postava em cima do carimbo e era içado por uma
máquina, suspendia com a cabeça o tampo dourado do altar e desse modo aparecia milagrosamente com um martelo dourado na mão.
Quando o povo se convencia que o altar era de pedra atra- vés da qual ninguém podia passar, considerava o sacerdote como ser sobrenatural. Ele fechava o altar, murmurava algumas palavras incompreensíveis, batia três vezes no tampo que se levantava, e um outro sacerdote aparecia com incenso.
Tal operação era repetida por três vezes. Em seguida o altar central era fechado, os quatro restantes eram abertos e os sacerdotes colocavam incenso nas pedras brancas. Isso feito, os sacerdotes ora- vam para o espelho côncavo em figura de um sol. O sumo sacerdote batia com o martelo em cima de outra placa e imediatamente apa- recia o espelho, que era movimentado por um mecanismo dirigido por perito. O foco intenso caía precisamente num dos quatro altares e incendiava o incenso.
Depois de terem queimado os incensos nos quatro altares, o orador subia no altar central, pronunciava um discurso imponente para o povo, demonstrando que o Sol se encontrava no poder desse templo. Por isso todos deviam fazer grandes oferendas para garan- tirem seu futuro feliz. Dispensa acrescentar qualquer comentário, pois qualquer pessoa inteligente poderá deduzir o efeito nesses ig- norantes infelizes.
OTEMPLODO VENTO
A uma distância de três dias a Leste de Hanoch se encontrava uma cordilheira regular. O cume consistia de quatro montes iguais e de forma arredondada. Não estavam propriamente enfileirados, mas de modo que seus picos formavam um quadrado.
No planalto entre os montes havia um lago medindo três horas de marcha de circunferência e tinha quatro vazantes fortes que escoavam entre os quatro vales. Em cada monte fora erigido um templo de colunas abertas e mais embaixo, perto do lago, estavam as residências para os sacerdotes. Não havia portas, mas do lado oposto
havia um túnel pelo qual se podia chegar às residências. De igual modo existia uma galeria subterrânea em cada casa, que levava ao templo no monte.
No centro de cada templo existia uma possante coluna em cujas faces laterais havia uma cabeça imensa e oca, de talhe grosseiro. Cada uma dessas cabeças tinha uma boca aberta, como se alguém estivesse soprando algo. O orifício media meio metro. Dessa coluna saía um cano de mais de meio metro de diâmetro que descia a uma gruta artificial de quatrocentos metros de altura.
Nessa gruta, do tamanho de uma igreja atual, um podero- so fole era movimentado por um moinho de água que por cada segundo levava cerca de dez mil centímetros cúbicos de ar para o templo através do referido cano. Naturalmente cada templo possuía um fole à parte.
Quatro vezes ao ano se organizava uma grande festa de sa- crifícios destinada aos quatro ventos. Cada habitante era obrigado a fazer oferendas consideráveis, do contrário poderia aguardar tufões horríveis. Nos dias determinados, apareciam milhares de peregrinos carregando toda sorte de oferendas.
Quando os templos estavam totalmente cercados, apareciam os sacerdotes por uma porta secreta numa coluna, davam um sinal com uma bandeira em direção do maquinismo milagroso e ime- diatamente os mecânicos punham a funcionar o fole, e dos orifí- cios bucais das quatro cabeças imensas se fazia sentir um vento tão poderoso que numa distância de quarenta metros produzia a força de um tufão.
Por esse meio o povo reconhecia os senhores dos ventos e tinha que trazer suas oferendas com que pretendia conquistar a ami- zade deles, mas não deviam contar com sua fidelidade. O mesmo fole podia ser dirigido à superfície do lago por meio de outros canos, sendo agitado principalmente no ponto onde a água era levada para lá. Assim a ignorância do povo era embrutecida por tais ilusões.
Numa região igualmente montanhosa, a Nordeste de Hano- ch, foi construído um templo ao deus da água, onde se encontrava um grande lago de trinta milhas de circunferência. No meio do lago havia uma ilha de pelo menos quatro milhas quadradas, cheia de rochas e outras pequenas montanhas bastante íngremes. Suas fontes irrigavam a parte mais plana e a tornavam frutífera.
Essa ilha fora escolhida para que no seu centro fosse edifica- do um burgo imponente, circundado por um fosso largo que recebia água das cem fontes artificiais. No centro desse burgo quadrado foi construído um majestoso templo aberto, no qual se encontrava uma enorme concha de pedra que continha um colossal dragão de água feito de ouro e cobre.
Nas costas do dragão cavalgava uma figura masculina tam- bém colossal e da mesma liga, que através de um mecanismo simples virava a cabeça de um lado para o outro e de vez em quando erguia a mão direita. Cada vez que a figura erguia a mão dava-se uma forte esguichadela de água por um cano acima do telhado redondo, numa altura de vinte e quatro metros, o que constituía um espetáculo fa- buloso para o povo.
Havia ainda grande quantidade de outras obras aquáticas, e com o tempo a ilha toda ficou coberta de fontes e repuxos. Seria pre- ciso um livro à parte para descrevê-las minuciosamente. Ao deus da água se devotavam doze festas ao ano, e quem fizesse um poço no vasto reinado de Hanoch tinha que fazer uma oferenda a ele. Sempre que a pessoa se lavasse era obrigada a se lembrar dele e, de sete em sete dias, oferecer um pequeno óbolo. Quem tomasse banho era obrigado a ofertar um sacrifício maior e entregá-lo a um guarda destinado a tan- to, do contrário não podia contar com uma felicidade dentro da água.
Além disso, os lavradores, navegadores, pescadores e outras pessoas ocupadas com a água tinham que oferecer seus sacrifícios ao deus da água, do contrário os aguardava uma desgraça imprevista,
que geralmente era provocada pelos mestres da água que se encon- travam por perto.
6. A fim de que todo o povo se prontificasse a tais sacrifícios, organizavam-se doze festas ao ano, nas quais o lago ficava lotado de barcos onde os peregrinos costumavam passear. Na própria ilha exis- tia quantidade de restaurantes onde os hóspedes eram possivelmen- te logrados. Para os pescadores e navegadores sacerdotais também havia muitos lucros. Ninguém pagava para ser transportado para a ilha; mas na volta tinha que pagar tanto mais.
OTEMPLODO FOGO
Numa outra região entre as montanhas ricas em fontes de nafta, erigiu-se outro templo. Era sem janelas, totalmente fechado e só podia ser penetrado por um caminho serpentiforme e no fi- nal através de uma escada espiral. O templo era espaçoso e podia comportar em suas galerias e plateia cerca de vinte mil pessoas sem atropelos.
O telhado, feito de inúmeras cúpulas arredondadas, era su- portado por muitas colunas enormes, e por cada cúpula passava um orifício inclinado para deixar passar o ar exalado no templo. No fundo de forma ovalada fora erigida uma imensa estátua masculina, desnuda, em cima de uma estante graduada e redonda. A estátua se achava sentada em cima de um imenso cubo de pedra de oito metros de diâmetro. A figura era feita de simples lâmina de cobre, oca e comportava quinhentas pessoas a fazerem encenações nas duas festas anuais.
Em volta da enorme estante se encontravam duzentos altares redondos de dois metros de altura e dezesseis centímetros de circun- ferência, em cuja base tinha sido levada uma fonte de nafta. Os altares eram feitos de cilindros de cobre cheios de pedra-pomes triturada. A nafta subia, pelas leis de atração, através dos poros da pedra-pomes por todo o cilindro, e bastava passar-se com uma pequena chama
sobre a superfície oleosa do altar, que imediatamente ficava tomado de labaredas brancas semelhantes aos fogos de artifício.
Esses altares ardentes iluminavam o interior do templo de tal maneira a produzir uma claridade superior ao dia, e queimavam dia e noite sem parar. Havia ainda grande quantidade de canos de cobre que levavam às colunas por todas as galerias. Onde quer que existisse um orifício no cano, bastava chegar-se com uma chamazinha e ime- diatamente se incendiava o óleo etéreo da terra.
Quando havia uma comemoração dirigida ao “deus do fogo” e seus servos, milhares de peregrinos de todas as regiões traziam ofe- rendas e sacrifícios vultosos a esse ídolo. Os sacerdotes engendravam toda sorte de espetáculos e um fogo artificial sobrepujava o outro em tamanho, brilho e esplendor. Principalmente durante a noite, toda a região montanhosa era de tal forma iluminada que nem se notava o raiar do dia.
Dentro do templo, o ídolo se fazia pronunciar com mil vozes a respeito de seu poderio enquanto os sacerdotes pregavam lá fora. O efeito era indescritível; basta dizer que essa comemoração era as- sistida também por pessoas de alta categoria devido à variedade das apresentações. Gurat e seu general nunca faltavam com seu séquito, e percebe-se com facilidade o máximo grau de idolatria.
OTEMPLODEVÊNUSESEUJARDIMEM HANOCH
Na própria cidade de Hanoch erigiu-se um templo milagro- so e aberto o dia todo. Cada visitante tinha que se conformar de oferecer uma grande oferenda às belas sacerdotisas, às semideusas e principalmente às deusas.
Esse templo se encontrava fora do portal que levava aos filhos de Deus e onde em sua proximidade começava a cordilheira. Nos li- vros de Kinkar encontrou-se uma descrição apaixonada de Noêmia, que era tão bela que até mesmo as pedras a teriam perseguido. A essa criatura fora erigido um suntuoso templo, redondo, aberto e ador- nado com trinta colunas externas e dez distribuídas entre as primei-
ras, de sorte que atrás de três colunas se encontrava um suporte para sustentar o telhado circular. Em redor do templo foram construídos três palácios: um para as sacerdotisas, outro para as semideusas e o terceiro para as deusas.
No centro do templo estava representada Noêmia, desnuda, de mármore branco, num pedestal dourado, em tamanho colossal; e nas colunas se encontravam figuras masculinas desnudas, em es- tantes baixas, com os rostos excitados voltados para ela. Em torno do templo e dos três palácios havia um imenso parque, cuja arte e maravilha nada deixavam a desejar.
Ele consistia de três divisões. A mais espetacular formava um artístico labirinto; mas os caminhos desse labirinto eram feitos de gra- ciosas estacas, de modo que de um caminho se podiam ver cem outros. Se vez por outra uma das belas deusas se mostrava, o pretendente não conseguia alcançá-la; mesmo que apenas uma parede de estacas os se- parasse, ele era obrigado a fazer os maiores contornos para chegar a ela.
As sacerdotisas eram bem trajadas, e belas de rosto e corpo. As semideusas usavam apenas um avental dourado e pulseiras com pedras preciosas e sandálias douradas. As deusas se achavam total- mente despidas, com exceção das sandálias, e tinham que ser de grande beleza. Os cabelos tinham que ser louro-dourados e o corpo não podia apresentar a menor mancha. Além disso, nenhuma parte do corpo podia apresentar qualquer vestígio de cabelo, para cuja extinção Hanoch possuía vários recursos.
Quando as deusas passeavam pelos labirintos cobertos, anda- vam sempre acompanhadas por uma sacerdotisa e uma semideusa. A primeira tinha que tomar a dianteira e limpar os caminhos à deusa, e a semideusa tinha a obrigação de enxotar moscas e mosquitos por meio de uma cauda de lobo ou raposa.
Nas outras partes do parque, que consistiam de aleias, cantei- ros de flores e casinhas de tolerância, as sacerdotisas também podiam cuidar de seus negócios. No labirinto, que também possuía vários templos pequenos e fechados, somente as deusas e às vezes as semi- deusas tratavam do meretrício.
8. A divindade da beleza não recebia comemorações fixas; em compensação o templo ficava aberto dia e noite com boa ilumina- ção. No início ele mantinha somente três mil criaturas femininas. No decorrer de três anos elas tinham que ser decuplicadas, pois da- vam lucro muito maior para Gurat que os demais templos: o labi- rinto fervilhava de pretendentes das deusas e semideusas. Dispensa qualquer comentário adicional, pois qualquer um poderá perceber o franco vício.
OTEMPLODE FERRO
Não muito distante de Hanoch, onde se encontravam desde a época de Lamech as minas de ferro e das quais Tubalkain fora descobridor, erigiu-se também um templo suntuoso e rico. Era to- talmente aberto e tinha um telhado circular que era carregado por centenas de colunas.
No fundo mais estreito havia um tripé maciço. Seus pés eram formados de colunas de quatro metros de altitude e a placa maciça media seis metros de circunferência. Nela se encontrava um enorme ferreiro seminu, artisticamente modelado de grossas placas de cobre. Diante dele havia uma bigorna na qual se encontrava um grande torrão de aço.
O ferreiro segurava em sua mão direita um enorme martelo, oco igual ao próprio ferreiro. Na esquerda tinha uma pinça com a qual segurava o torrão em cima da bigorna. Na beira da placa havia ain- da quantidade de pequenas estatuetas de lâmina de cobre, cada qual acompanhada de determinado instrumento de fundição, atributos do deus do metal e primeiro ferreiro, ou seja, o próprio Tubalkain.
Atrás do grande templo, em direção ao monte, havia um grande castelo onde moravam cem sacerdotes que viviam das ofe- rendas trazidas para esse deus. No fundo do castelo se encontrava o santo poço que o próprio Tubalkain havia aberto, e mediante grande oferenda qualquer um podia penetrar nele. Numa profundidade de duzentos metros se achava uma imensa gruta que ele havia manda-
do cavar. Aí os sacerdotes desse deus apresentavam quantidade de antigas relíquias de Tubalkain. Naturalmente havia em tudo muita ilusão e fraude.
Esse deus era comemorado apenas três vezes ao ano, quando então os sacerdotes matavam um touro em cima da grande placa diante do ídolo. Uma vez morto o animal, os sacerdotes desciam e no mesmo instante começava a irromper um enorme fogo a in- candescer toda a placa, e as chamas crepitavam até que o animal se transformava em cinza.
Entrementes, a divindade usava o martelo com energia, ati- vidade essa que era efetuada por um moinho de água oculto que também movimentava um grande fole que incendiava os carvões debaixo do tripé. A tal oferenda sempre igual seguia-se uma prédica violenta na qual se elogiava o uso dos metais, não esquecendo um elogio especial ao deus dos mesmos.
Depois da prédica recebiam-se as oferendas, e os peregrinos tinham permissão de visitar as grandes minas imperiais onde formi- gavam os mendigos.
LIBERDADE DE IMPOSTOS EM HANOCH. VESTÍGIOSDODESEMPENHODEGURATNOTIBETE. OUTRO
MENSAGEIRODENOÉPROCURAOSDEZ REGENTES
De igual modo ainda existiam outros deuses e templos. A própria Natureza possuía um templo em Hanoch, e em cada cida- de um semelhante, porém menor. Nuvens, lua, estrelas, animais, árvores, fontes, riachos, lagos, montanhas, montes e vários metais tinham determinados deuses, templos e sacerdotes.
Todos esses templos eram subordinados aos acima mencio- nados. Somente em Hanoch existia o templo de Lamech, em vir- tude da tradição secreta tirada dos livros de Kinkar. Com exceção do rei, o chefe geral e dos demais sumos sacerdotes, ninguém tinha permissão de se aproximar sob pena de morte, pois aquele templo era destinado ao deus do raio e do trovão.
Apenas o templo da sabedoria no monte das serpentes era livre. Mas lá não se alcançava sabedoria alguma, pois em seu lugar se praticava a maior magia, e no centro do mesmo colocou-se um oráculo, onde qualquer pessoa disposta a pagar recebia a pior fraude e mistificação. O homem simples tomava tudo como verdadeiro.
Assim, o governo de Gurat havia progredido de tal forma em cinco anos que isentou o povo de todos os impostos. A organização templária rendia somas gigantescas e em pouco tempo muitas pro- víncias rebeldes voltaram a se colocar sob sua proteção e pagavam com prazer as oferendas aos deuses. Havia apaixonados pelas ma- quinações do templo e deuses que consideravam uma graça especial construir um novo templo alhures.
Passados dez anos, cada aldeia possuía número quase idênti- co de templos como de habitações, e a concorrência entre elas visava ofertar a prenda maior ao rei porque ele representava de certo modo todos os deuses em conjunto.
Quando os povos das montanhas perceberam seu isolamento e o que Gurat havia feito no lugar do reconhecimento de sua sobe- rania, os dez regentes mandaram investigar toda a região para desco- brirem uma saída. Passou-se um ano com tais pesquisas infrutíferas; pois Gurat havia organizado uma guarda constante que trabalhava sem cessar em escarpar as montanhas adjacentes, de sorte que se viam apenas paredes lisas à distância. Os vestígios de tais trabalhos ainda podem ser vistos hoje em dia no Tibete.
Os dez regentes convocaram uma grande assembleia para de- terminar uma possível vingança, mas não houve solução eficaz. En- tão formularam outras leis de natalidade para evitar que o vasto país se tornasse pequeno para a população. Quando já estavam prontos para transmitir tais leis, eis que um novo mensageiro de Noé se apre- senta e os impede nesse intento.
O emissário de Noé foi recebido com grande deferência e consultado se convinha publicar aquelas leis, e ele respondeu: “De modo algum, pois nem todos os caminhos foram cortados e eu sou prova disso! Por que não deveríeis encontrar esse caminho eterna- mente indestrutível, caso for necessário?
Aliás, esse país é tão enorme que facilmente vos alimentaria, ainda que fôsseis cem vezes mais numerosos. Quem de vós conhece todos os limites? Se bem que enviastes pesquisadores isolados em várias direções, cada um só viu uma parte. Mas ninguém conseguiu ver e medir todas as suas extensões.
A mim foi demonstrado todo o país e viajei durante cinquen- ta dias em direção ao Sul e dez dias para o Norte. É bem verdade que Gurat fechou essas terras de dois milhões de habitantes por quase todos os lados, o que lhe custou somas vultosas nesses dez anos e ainda lhe custará maiores. Mesmo assim, existe uma livre saída no planalto de Noé, meu senhor. De lá se estendem grandes países em direção ao Norte, com poucos habitantes, e em alguns nenhum. Portanto existe uma saída para o vosso problema da superpopulação.
Mas não vim para vos transmitir esse alívio, mas para revelar que o julgamento de Deus está próximo de todos os homens da Terra que não se voltam para Ele e não cumprem Seu Mandamento dado desde os primórdios dos patriarcas das alturas e dos reis das planícies.
Há cem anos atrás o Senhor falou ao meu senhor: ‘As cria- turas não se deixam mais conduzir através do Meu Espírito, pois se tornaram totalmente materialistas. Todavia ainda lhes concede- rei um prazo de cento e vinte anos. Noé, envia mensageiros para todas as regiões do mundo e ameaça todas as criaturas com Meu julgamento!’
Noé assim fez de ano para ano. Mas muitos mensageiros se deixaram seduzir pela carne e deixaram de transmitir a ordem dada.
Agora faz dez anos que um irmão meu esteve aqui e um outro em Hanoch. O primeiro voltou, o outro foi morto em Hanoch.
7. A partir daí Noé expediu anualmente um para Hanoch e trinta para as demais cidades, em segredo. Mas eles foram tentados pelos ídolos de Hanoch e se deixaram seduzir. Por isso, Deus, o Senhor, perdeu a paciência e há três dias falou para Noé, dizendo: ‘Leva o teu pessoal para a floresta e manda cortar mil pinheiros re- tos, que devem ser talhados em quatro faces. Tais troncos têm que ficar guardados durante cinco anos. Posteriormente te orientarei o que fazer.’
Os carpinteiros já trabalharam e cem anos se passaram inu- tilmente. Agora sobram apenas vinte. Voltai ao Senhor com todo rigor, se quiserdes escapar ao julgamento. Tão logo escoarem os vinte anos, a contar de hoje, o Senhor abrirá as comportas e janelas, e ma- tará todo ser humano com torrentes enormes. O que acabo de falar foi também pronunciado agora pelo meu irmão em Hanoch, e feliz quem se modificar!”
ULTIMATODOS MENSAGEIROS
Diante desse relato, os dez regentes das alturas perguntam assustados: “Amigo, anuncias o fim do mundo! Que podemos ou devemos fazer para escapar dele? Para que finalidade teria Noé pre- parado aquelas toras?”
Diz o mensageiro: “Sei que conheceis o antigo Deus que fa- lou aos patriarcas, ensinou e ungiu os reis em Hanoch, o que foi anotado por Kinkar em seus grandes livros de História. Tendes co- nhecimento dos mesmos e lestes um deles de ponta a ponta quando fostes incumbidos da guarda do templo.
Além disso, possuís milhares de traduções dos escravos liber- tos que revelavam tudo que sabiam do Deus Eterno e Verdadeiro. Também sois cientes, como eu, do Plano de Deus e como devemos viver dentro da ordem. Tudo isso meu predecessor vos comunicou
há dez anos e só tenho a dizer: Agi de acordo, que sereis poupados do julgamento.
Assim não fazendo e determinando leis desumanas contra o Amor Divino, sereis atingidos pelo castigo. Quanto à utilidade da madeira, ouvistes que Deus a revelaria a Noé em tempo oportuno. Quando ele receber a orientação do uso da mesma, voltarei para vos avisar. Agora tenho que vos deixar e aconselho a prática desta mensagem.”
Com essas palavras o mensageiro se afastou tão depressa que ninguém o percebeu. Então os dez dirigentes começaram a pensar a respeito de sua atitude. Mas como não concordavam entre si, convo- caram um conselho e ventilaram o problema acima. Os chefes então conjecturaram: “Somos de opinião que a situação do antigo Deus já terminou e a política inventou uma divindade sob diversas formas. O velho feiticeiro nas alturas perdeu todo seu povo e gostaria de se tornar outra vez um poderoso soberano. Por isso usa de seu assobio político para nos assustar. Acontece que somos por demais esclareci- dos para nos deixarmos ludibriar.
Concordamos com a primeira decisão, publicando a lei, e a situação será resolvida sem Deus e sem Noé. Quanto ao rápido desaparecimento do mensageiro, conheceis o efeito mágico de de- terminada erva. Basta tomar um pouco e a criatura fica invisível. Se possuíssemos a mesma, faríamos igual.” A determinação agradou a todos, a lei foi sancionada e a erva procurada por mil conhecedores.
O MENSAGEIRO DE NOÉ DIANTE DO CHEFE-GERAL EM HANOCH
Esse foi o efeito alcançado pelo mensageiro junto dos ha- bitantes das montanhas. Entrementes, o outro foi diretamente le- vado à presença do chefe, que o recebeu com solicitude, pergun- tando o motivo de sua missão. Este respondeu o mesmo que seu colega havia dito. E o chefe-geral respondeu: “Prezado amigo, tua
inteligência é bastante simples e não pareces dotado de pensamen- tos profundos.
Falas de um deus e de um julgamento, um fim de mundo, alegando que ele tenha falado desse modo há cem anos atrás para Noé e agora voltou a se pronunciar. És bastante tolo acreditando nisto. Se de fato existe tal deus, sumamente sábio, poderoso e onis- ciente, seria um vexame se ignorasse que um mensageiro como tu se apresenta perto de nós qual gota de orvalho junto ao mar infinito.
Além disso, um povo imenso devia ter mais valor para Deus do que um homem isolado que habita numa gruta. Teu Deus pro- cura somente os que não têm poder e conceito mundano, portanto nada poderá realizar.
Que Deus tolo é esse que desconhece os dirigentes de Seus povos e não os procura para lhes ensinar algo melhor a fim de que deem outra orientação a eles? Meu amigo, teu velho Noé viu e ouviu tanto quanto eu qualquer deus; mas possuidor de algumas artes de magia, pretende, semelhante a seus ancestrais, conquistar uma so- berania sobre os povos da Terra e por isso emprega a política. Mas a política antiga nada mais vale onde uma nova e firme deitou raízes.
Porventura tu mesmo já viste ou ouviste Deus? Assististe o que Ele falou para Noé? Teria Deus dotado tua pessoa com qualquer poder milagroso? — Respondes que não! Então um Deus Sábio po- deria enviar a um povo de Hanoch um mensageiro tão miserável como tu e anunciar um fim de mundo? Não deveria Deus prever há milênios que tal enviado seria ridicularizado diante de quinhentos milhões de criaturas esclarecidas?
Se Deus realmente existe, Sábio, Poderoso, Onisciente, terá que empregar para nossa possível conversão meios mais dignos de um povo importante do que essa política esdrúxula e fora de curso. Vivemos na ordem mais perfeita. Não temos guerras, não exigimos impostos. Em todo o reino não há um escravo. Nossas leis são suaves como lã; vivemos felizes como se milhões constituíssem um corpo e uma alma. Eis o efeito de nossas leis! Poderia Deus estipular uma ordem melhor? Elas todas são extraídas da melhor natureza humana
e condizem com todos. Ninguém passa necessidades e pobreza. Po- deria haver governo e ordem melhores?”
Então o mensageiro queda perplexo, não sabendo o que dizer. O chefe então prossegue. “És um jovem educado e talento- so, por isso proponho que fiques aqui e eu cuidarei de tua educa- ção e bom emprego. Não te forçarei a tanto. Se preferes voltar às montanhas, ninguém te prenderá; no entanto, devias te convencer diretamente da perfeição de nosso governo. Acompanha-me jun- to ao rei!”
SEDUÇÃO DO MENSAGEIRO E SEU DESEJO DE ENCONTRAR SUA IRMÃ
Uma vez diante do rei, o mensageiro se curva respeitosamen- te e diz: “Grande soberano e senhor, tive apenas a incumbência de falar com o chefe-geral, a quem mostrei o motivo de minha vinda. Como ele me apontou com grande sabedoria a inutilidade de minha missão, não gostaria de repeti-la.”
Percebendo a inteligência do emissário, o rei respondeu: “Percebendo tua educação e certos talentos, te levarei à minha casa a fim de te proporcionar professores que te ensinarão a ler, a escrever, a contar e as várias ciências e artes. Quando estiveres apto em tudo, farei de ti um grande senhor de importante projeção, gozando uma vida farta, e as criaturas te carregarão nas mãos caso te mostrares útil. Estás satisfeito com minha proposta?”
Confirmando, com alegria, o mensageiro acrescentou: “Sen- do tu tão bom, benigno e sábio, gostaria de externar um pedido.” O rei consentiu e o mensageiro continuou: “Meu pai chama-se Mahal e é irmão de Noé. Mahal já conta perto de quinhentos anos e é tão robusto que aparenta apenas cinquenta. Sou seu filho mais moço, tenho setenta anos e muitos irmãos.
Não falarei deles todos, mas somente de uma irmã, um ano mais velha que eu. Amo-a muito e se pudesse encontrá-la, de sorte que me fizesse companhia, teria muita satisfação.” O rei sorriu di-
zendo: “O quê? Contas setenta anos e pareces um jovem adolescen- te? O mesmo ocorre com tua irmã?”
Responde ele: “Oh, ela é tão linda e delicada como se con- tasse apenas dezesseis anos!” Virando-se para o chefe geral, o rei fi- nalizou: “Esse caso me interessa. Vê se essa moça é encontrada, no que o irmão poderá ajudar. É claro que pagarei uma indenização!” O chefe chama o mensageiro para combinarem para o dia seguinte uma caçada astuciosa à irmã dele.
PLANO ASTUCIOSO PARA CAPTURAR A IRMÃ DEWALTAR.AGLAÀPROCURADESEU IRMÃO
O plano era o seguinte: O mensageiro, irmão da moça, ti- nha que emprestar suas vestes a um delinquente que, devido a um crime, havia sido condenado à morte. Esse homem foi informado de que ficaria livre da condenação caso capturasse nas montanhas a irmã do rapaz.
Esse criminoso era patife esperto e fora condenado à morte por ter sido apanhado num roubo aos cofres do rei. Ao ouvir as con- dições que se prendiam à sua libertação, ele ficou satisfeito dizendo: “Não somente uma, pois se fossem milhares de moças eu as tiraria sozinho aqui! Qual é a distância até a morada do velho feiticeiro?” Informado de que um bom caminhante levaria dois dias para subir, mas que a volta podia ser feita em dia e meio, ele pediu dois guias para não se atrasar e dentro de três dias estaria de volta.
A caminho para a subida, os guias disseram ao caçador: “Que faremos? Certamente o velho nos exterminará assim que chegarmos perto de sua cabana.” “Deixai isso comigo”, respondeu o criminoso. “Basta nos aproximarmos a ponto de se poder ouvir uma forte cha- mada; então começai a gritar: Waltar! — o nome do irmão da moça.
Ela o ama e, quando ouvir o seu nome, será a primeira a segui-lo. Entrementes eu fugirei por certo trecho em direção de Ha- noch, e quando ela me reconhecer devido a esses trajes, vos acom- panhará sem resistência. A partir daí já é nossa, e o velho feiticeiro
nada poderá fazer contra nós, porque ela seguiu voluntariamente. Sei que nenhum feiticeiro possui poderes quando age o livre arbítrio de um parente consanguíneo.”
Esse foi o plano, que todavia não foi realizado, pois a própria Agla estava a caminho de Hanoch por causa de seu irmão. Encon- trando o grupo em meio do caminho, ela se fez conhecer devido à sua grande beleza e à exclamação: “Waltar, Waltar, meu irmão!” — quando avistou o caçador. Ele lhe esclareceu a situação e ela acom- panhou os homens para a grande cidade.
PROPOSTADECASAMENTODE GURAT
Quando a moça é levada à presença do rei, ele se encanta com sua beleza e manda trazer Waltar para apresentar-lhe a moça; ele, mui- to emocionado, a abraça e beija como sua irmã. Diante de sua atitude espontânea, o rei lhe diz: “Caro Waltar, tua irmã é um verdadeiro mi- lagre e sua beleza ultrapassa todas as minhas aspirações. Se além disso considero que ela já conta setenta e um anos, não é um ser humano, mas uma verdadeira rainha celeste que jamais envelhece.
Tenho uma ideia! Até hoje não me prendi a uma mulher e tampouco coloquei uma coroa na cabeça de alguém. Mas hei de tomar tua irmã para esposa, dando-lhe coroa e vestes régias. Estás sa- tisfeito com minha proposta, percebendo as grandes vantagens que surgiriam para ti caso tua irmã se tornasse rainha do imenso reino de Hanoch?”
Perplexo, Waltar não sabe o que dizer; mas Agla se entu- siasma imediatamente e responde: “Que pretendes fazer na casa de quem dispõe de milhões? Não rejeiteis tuas vantagens e abençoa-me para o rei!” Irritado, Waltar responde: “Hei de te amaldiçoar dentro de meu peito, porquanto teu amor para comigo, que teria enfrenta- do a morte por ti, apagou-se tão rapidamente.
Meu rei, toma para ti essa criatura infiel. Eu a abençoo em teu benefício, renunciando com todas as fibras de meu ser, pois a partir de agora não vale mais que a poeira de meus pés. Realmente,
se tivesse ficado comigo com seu grande amor eu não a teria reser- vado para mim, e com grande alegria teria me sacrificado em teu benefício. Mas desse modo Agla me traiu em tudo e eu nada mais te- nho para te dar, porquanto ela mesma se entregou a ti. Eu a abençoo pois, para ti; mas dentro de mim a amaldiçoarei. Deixa-me partir para as montanhas, onde darei vazão à minha tristeza.”
O rei protestou: “Meu caro, espera um pouco. Providenciarei também para ti roupas régias e te conduzirei ao templo de minhas deusas. Caso, como vice-rei, uma delas te agradar, ficarás aqui. Do contrário, poderá partir para tuas montanhas tenebrosas.”
A essa proposta Waltar se animou e concordou com o rei, enquanto Agla começa a cair em si. Seu amor por Waltar era forte demais, e sua rápida aceitação fora mais um pretexto a fim de se cer- tificar do amor dele, que todavia se vê vingado. Gurat manda trazer vestes especiais para ambos, cumprindo sua promessa.
GURAT E SEU CUNHADO WALTAR PASSEIAM NO JARDIM DE VÊNUS
Gurat manda chamar o chefe dos sacerdotes e se dirige acom- panhado de Waltar e de grande séquito, ao referido templo. Como ele havia enviado, por intermédio do chefe geral, um empregado às deusas do templo, tudo estava organizado numa apresentação sen- sual e voluptuosa. Centenas de tais deusas principais andavam pelos labirintos acompanhadas das deusas de segunda categoria. Algumas dançavam, outras tomavam atitudes voluptuosas, outras ainda can- tavam ou passeavam apenas.
Quando o temperamental Waltar depara com esse espetáculo sensacional, fica totalmente confuso, sem saber o que dizer ou que- rer. Ao percebê-lo, Gurat lhe diz: “Então, amigo, segundo me parece não terás dificuldade em esquecer tua irmã! Já escolheste alguma dessas beldades? Podes apontá-la, que será tua esposa com todas as suas servas. Se preferes mais que uma, basta dizê-lo, pois no meu reino todo homem pode possuir mais que uma mulher, conquanto
julgo pessoalmente que uma deusa principal e seu séquito seriam suficientes.”
Observando com atenção os grupos que passavam, Waltar opinou: “Meu rei, não te peço apenas uma, mas todas, pois são de- mais maravilhosas e não quero ofender quem quer que seja.” Diz Gurat sorrindo: “Ouve-me amigo, dar-te-ei por ora apenas sete mo- ças, com as quais viverás em meu palácio durante um ano. Se passa- do esse tempo ainda achares necessário outras tantas, eu te atende- rei. Se, entretanto, te satisfizeres com as sete, também ficarei às tuas ordens, pois todas essas deusas estão à tua disposição como vice-rei, mediante taxa previamente fixada.”
Waltar concorda imediatamente com o conselho de Gurat e, acompanhado de suas mulheres que já se acham vestidas, dirige-se ao palácio real com o rei Gurat.
AGLA,RAINHADEHANOCH,SEVINGAEM WALTAR
Quando Agla percebe a atitude de seu irmão, seu coração se enche de ódio, exigindo que Gurat se case com ela, tornando-a rainha para poder se vingar de seu irmão, principalmente das belas deusas de Vênus. O rei, a quem Agla muito agradara, tratou o mais depressa possível de realizar esse feliz evento, três dias depois de Wal- tar receber as sete mulheres.
Agla tornou-se excessivamente dominadora e todos tinham que se curvar ao solo ao encontrá-la. Isso aborreceu profundamente seu irmão, que pediu sua exoneração a fim de se estabelecer alhures numa montanha onde não chegariam notícias de Agla.
Gurat, totalmente apaixonado, nada fazia sem consultar a rai- nha e lhe perguntou sua opinião acerca do pedido de Waltar. Enrai- vecida, ela o separou das mulheres e mandou atirá-lo num profundo cárcere. Nessa época ela ainda não tinha reinado um ano e o irmão também não desfrutara tanto tempo de sua felicidade conjugal.
O superior dos sacerdotes também se aborreceu com a prisão de Waltar, sem justa causa, pois ele apreciava os seus serviços devido
ao seu espírito alerta. Por isso intercedeu secretamente junto ao rei pela libertação do amigo, sob o mais rigoroso sigilo.
Disse o rei: “Está bem. Mas como abriremos o cárcere do qual somente Agla possui as chaves e organizou os guardas de mais confiança?” Respondeu o superior: “Isso é de fato lamentável. Mas deixa comigo, que darei um jeito. À noite atacarei a guarda da rainha com uma pequena escolta, mandarei forçar o portão e a guarda terá que se submeter a nós.”
Gurat concordou e na mesma noite Waltar foi liberto de uma prisão que durara dois meses. Os sacerdotes queriam protegê-lo, mas ele pediu apenas a fuga; e assim fugiu. Quando Agla soube do caso, expediu seus esbirros para prenderem e matarem Waltar. E assim foi feito; pois, recebendo boa indenização, os capangas de Agla acaba- ram com a vida do seu irmão, a caminho para as montanhas. Esse foi o fim e o prêmio de Waltar por se ter afastado do caminho justo de Deus, e também foi o início do pior regime ocorrido em Hanoch.
ASSASSÍNIODASMULHERESDE WALTAR
A fim de se assegurarem do pagamento, os esbirros cortaram a cabeça de Waltar, embrulharam-na num pano e a entregaram à rai- nha. Ela levou forte susto, mas se conteve dizendo: “Provaste vossa fidelidade matando meu maior inimigo, adversário de meu amor, e merecestes o prêmio prometido. Aqui estão cem libras de ouro, mas a cabeça deve ser enterrada no jardim das deusas da beleza e Waltar se poderá regozijar para sempre com aquelas que representa- vam mais que eu para ele. Depois de terdes resolvido essa tarefa, ide buscar as sete mulheres e suas servas que moram na parte inferior do palácio. No momento oportuno sabereis o que fazer, e agindo bem, a recompensa não vos faltará.”
Quando as deusas da beleza percebem o enterramento da cabeça de Waltar, se apavoram dizendo: “Eis um mau agouro para nós e será melhor fugirmos a sermos também enterradas dentro em breve!” Algumas desejam falar ao chefe-geral dos sacerdotes, que no
entanto estava muito ocupado com planos para lançar suspeitas jun- to ao rei com relação a Agla, pois seu ódio contra a rainha era grande demais. Diante disso, as moças tinham que aguardar com temor o que deveria acontecer.
Entrementes, os esbirros trouxeram as moças à presença da rainha, que perguntou: “Não quereis chorar por Waltar, que foi as- sassinado por meio do meu poder?” Então elas começaram a chorar e a se lastimar, mas a rainha prosseguiu: “Pelo visto, vosso amor para com Waltar foi muito grande. Mas o meu também foi imenso, pois mandei matá-lo para impedir que fosse vosso amante. Percebendo vosso grande sofrimento com essa perda irreparável, porei fim ao mesmo. Eh, soldados, despi essas criaturas e amarrai-as nas colunas desta minha sala!” Isso feito, Agla toma de um punhal, aproxima-se de cada uma apontando o lado do coração e diz: “É aqui que pulsa o coração que amava meu irmão?” Em seguida golpeou o coração e disse: “Eis teu prêmio, miserável!” Quando o rei soube desse crime, não se atreveu a fazer perguntas, pois amava e temia Agla.
OS CORPOS DAS MULHERES DE WALTAR SÃOEXPOSTOSNOTEMPLODE VÊNUS
Antes que fossem enterradas, Agla mandou que os corpos fos- sem envolvidos em panos pretos e os esbirros os expusessem um dia no templo das deusas para que elas apreciassem tal quadro. Mas eles protestaram: “Poderosa soberana, não nos atrevemos a tanto, pois o povo muito considera essas moças divinas e se fossem ofendidas e chocadas, queixando-se talvez diante das massas, poderiam surgir consequências desastrosas para nós, como também para Vossa Majes- tade. Quem quiser ser cruel deve agir com penitência para que não se perceba a crueldade, do contrário se apresentarão perigos enormes a fim de impedir tais atos. Aconselhamos que os corpos sejam enterra- dos secretamente e o problema passará sem grande efeito posterior.”
Diante dessa proposta, Agla dá um salto felino e desem- bainha o punhal diante de cada um, ameaçando a todos caso não
obedecessem imediatamente. Então os corpos foram desamarrados, enrolados em pano preto e transportados em vinte e um camelos e expostos nus no templo de Noêmia.
Isso feito, os esbirros abandonaram os camelos e fugiram, pois conjecturaram: “Desta vez salvamos a pele, mas futuramente essa fúria deve procurar outros soldados. Jamais serviremos a Gurat e à rainha!”
Todavia, o chefe dos sacerdotes havia sido informado através de seus espiões da atitude de Agla e expediu uma forte escolta para o jardim do templo. Essa tropa é abordada pelos esbirros da rainha, tendo que voltar imediatamente como prisioneiros e mostrar onde se encontravam os corpos das infelizes.
Informado de tudo, o chefe da escolta exclama: “Essa rainha é a Satã da qual Kinkar fala nos livros, pois tamanha crueldade é incrível. De que modo poderemos dar cabo dessa serpente? Ela se encontra no trono e todo o inferno está ao seu dispor. A vida nessa cidade ficará de tal modo pavorosa que os próprios tigres e hienas fu- girão.” E virando-se para um soldado, o chefe da escolta diz: “Quero mandar embalsamar os corpos para impedir que se decomponham e mandarei colocá-los em ataúdes de vidro para visitação no templo, com a inscrição seguinte: Eis a obra infernal da rainha! — E vós, es- birros, entregai-me imediatamente a cabeça de Waltar, que também deve ser embalsamada e colocada numa urna de vidro em cima dos ataúdes das moças, com a mesma inscrição.” Assim tudo foi feito segundo as ordens do chefe da escolta.
EXPOSIÇÃODOSCORPOSEOPLANODEAGLA DE
MANDARMATARTODASASDEUSASDOTEMPLODE VÊNUS
No decorrer de oito dias, os corpos e a cabeça de Waltar es- tavam embalsamados e colocados numa estante dourada no templo de Noêmia. Feito isso, o chefe da tropa vai à casa das deusas apavo- radas, relata o ocorrido e as convida para fazerem uma visita às ex-
-companheiras. Com vestes de luto elas vão ao templo e se assustam diante do grupo tétrico.
Depois de longo silêncio, a dirigente das deusas pergunta com voz trêmula: “O que nos aguarda em breve, se isso é obra da rainha?” Um dos esbirros aprisionados responde: “Nesses ataúdes está selado vosso destino, pois ouvimos da própria rainha qual sua intenção para convosco e só existe a fuga para vos salvar do seu ódio. Não acrediteis que o chefe dos sacerdotes possa interferir em algo, pois ela dispõe de meios e subterfúgios para descobrir tudo que pos- sa ser contrário às suas maquinações satânicas. Certamente já está informada há dias do que foi feito com os corpos contra sua ordem, e aconselho que ninguém perca tempo caso preze sua vida.”
Essas palavras encorajam o chefe da tropa, que diz para as beldades: “Esse homem pode ter razão; por isso partamos imedia- tamente para poder levar-vos a um lugar onde estareis seguras do ódio da rainha. Quanto à vossa manutenção, não há necessidade de vos preocupardes, pois isso será feito com ordem do chefe dos sacerdotes.”
As moças concordam, pegam suas posses e fogem. Não se passa uma hora e eis que os servos de confiança da rainha se apron- tam com forte escolta bélica munida de cordas, espadas e lanças com ordem de dizimar a tropa de proteção do chefe-geral dos sacerdotes e em seguida matar as moças e enterrá-las junto das mulheres de Waltar. Mas dessa vez ela não conseguiu realizar o seu intento, o que veremos a seguir.
O ASTUCIOSO CAPITÃO CONSEGUE APLACAR O ÓDIO DA RAINHA
Quando os esbirros encontraram a morada das deusas total- mente vazia, voltam para comunicar o resultado de seu empreendi- mento. Espumando de raiva, a rainha jura vingar-se no chefe dos sacerdotes. Mas o capitão dos esbirros, um belo homem que caíra nas graças da soberana, pede permissão de lhe falar a sós.
Com prazer ela o convida a acompanhá-la para uma sala à parte, e quando estão sozinhos quer saber imediatamente qual sua intenção de falar-lhe particularmente. Ele, em vez de responder, se despe dizendo: “Sublime senhora de minha vida e morte! Somente nesta situação poderei falar-te, pois o que tenho para dizer é tão despido de qualquer inverdade como eu mesmo. Queira ouvir-me, rainha de meu coração. Tu, por cujas mãos a morte seria a maior vo- lúpia, que és tudo para mim neste mundo, peço-te que não prossigas nos planos de vingança contra o chefe dos sacerdotes, pois ainda que fizesses tudo, hás de agir sempre tarde demais.
Julgas que teu esposo tem o poder em mãos? De modo al- gum! Gurat é apenas portador das insígnias reais, e como rei desfru- ta de elevada consideração como amigo íntimo do chefe-geral dos sacerdotes. Ai de nós todos se por uma mudança engendrada por nós ele se torne nosso adversário! Em poucos minutos estaríamos perdidos, junto ao rei!
Neste momento já se encontram quinhentos mil soldados em torno do palácio do chefe dos sacerdotes e basta apenas um sinal dele para deixarmos de existir. Há vários dias que não visita o rei e nem o recebe tampouco, muito embora teu esposo neste momento faça nova tentativa para conquistá-lo. Prontificou-se até mesmo a oferecer-te ao chefe dos sacerdotes como presente, caso lhe conceda sua amizade. Por aí deduzirás o poder e a importância dele e quão perigoso seria teu plano. Ó minha rainha, podes mandar matar-me se te ofendi com essa verdade nua e crua. Não pude resistir à força do meu amor para te advertir daquilo que seria teu extermínio total.”
Pela primeira vez a rainha se assusta e diz: “Caro capitão, agradeço pelo aviso, mas também exijo um conselho para não cair nas malhas do chefe-geral.” Responde ele: “Minha rainha, dá-me o dia de hoje para tratar disso e amanhã te apresentarei uma saída.” Em seguida ele abraça a soberana e põe suas roupas para voltar ao salão. Ela permanece no gabinete, chamando pelas camareiras.
Em seguida o chefe dos esbirros da rainha procura o rei e lhe diz categoricamente o que se passava com a rainha, as intenções do chefe dos sacerdotes Fungar-Hellan contra a casa real e a impossibi- lidade total de uma reação. E Gurat conclui: “Meu amigo, tens ra- zão, sei perfeitamente a quantas ando. Mas que posso fazer? Há dez dias não consigo abordar Fungar-Hellan precisamente porque não lhe quis entregar a rainha para vingar-se das crueldades aplicadas em seu irmão e suas mulheres. A sua última exclamação foi: Muito bem! Aquilo que não pretendes entregar livremente como amigo ao amigo, teu inimigo mais feroz saberá açambarcar pela força! — A partir daí nada mais ouvi dele referente aos seus planos. Finalmente nada mais poderei fazer senão entregar-lhe Agla, essa criatura tão bela! Dize-me, Drouit, que julgas deva ser feito?”
Responde Drouit: “Meu rei, existem apenas dois caminhos: a fuga da rainha sob minha proteção ou sua entrega. Mas ambos são bastante perigosos. Imaginei uma astúcia. Se for bem sucedida, Fungar-Hellan voltará a ser teu amigo. Caso contrário, só nos resta a fuga para salvar Agla e também tua dignidade de regente.
Agla deve se arrumar o mais sedutoramente possível e depois irei pessoalmente falar com Fungar-Hellan o seguinte: A bela Agla que tanto te agrada soube que tu, seu amigo fiel, estás aborrecido com ela. Por isso te pede uma audiência para receberes uma explica- ção totalmente tranquilizadora a respeito de sua aparente crueldade.
Naturalmente ele aceitará tal convite, sob forte escolta. Eu a instruirei quanto àquilo que deve dizer. Deves no entanto permitir que ela me dê um atestado que prove a autenticidade de minha in- tercessão. Estou antecipadamente convicto de que ele cederá diante da presença da graciosa Agla.” Drouit concorda e orienta a rainha em tudo, que aceita colaborar.
Sem perda de tempo, Drouit vai ao palácio de Fungar-Hellan e só a muito custo consegue chegar até ele, que lhe diz vociferando: “De onde vens, traidor de minha vida, e qual teu intento? Fala rápi- do, caso não queiras morrer antes de abrir a boca!”
Drouit se assusta diante dessa recepção pouco amável, pois não imaginava o chefe dos sacerdotes tão furioso. Mas se enche de coragem e responde também irritado: “Amigo, se me recebes desse modo, tu que foste precisamente quem me deu o cargo na corte e sempre me consideraste teu amigo confidencial, não direi uma palavra, não obstante a importância do assunto e depender de sua solução o bem-estar de todo mundo e a vida do coração. Se quiseres, podes mandar matar-me junto com meu segredo importantíssimo desconhecido de todos.”
O chefe dos sacerdotes, mais calmo, responde: “Essa foi apenas minha primeira reação. Reconheço-te como meu amigo que muitos serviços me prestou e talvez ainda prestará. Podes falar sem susto.”
Diz Drouit: “Bem, alimentas um ódio feroz contra Gurat, teu primeiro amigo, e pretendes matar a rainha. Mas ouve o que te digo. Desde que esta Terra é habitada, não houve injustiça maior e pior ingratidão que o teu procedimento para com o rei e a rai- nha. `Pergunto: Qual é a dívida de quem salvou a vida de outrem? Responde, por favor!” Estupefato, o chefe-geral retruca com grande tensão: “Que é isso? Explica-te melhor, para que possa venerar meu salvador!”
Drouit, intimamente se regozijando, responde: “Digo apenas isto: A rainha que te ama como a menina dos olhos, e que pretendes exterminar, é tua salvadora de uma maneira jamais vista. Procura-a e saberás o que fez por ti, e depois poderás matá-la se fores capaz. Se tiveres qualquer suspeita quanto ao meu pronunciamento, leva uma escolta e aqui está o atestado que ela própria manda entregar-te, e verás que não sou traidor.”
Dando um salto, o chefe dos sacerdotes exclama: “Agla, po- bre incompreendida! Salvaste a minha vida através de tua crueldade atroz? Vou ao teu encontro para receber orientação segura.” Cha- mando sua guarda de honra, o chefe se encaminha para o palácio.
DECLARAÇÃODEAMORDARAINHA AGLA
O rei e a rainha olhavam pela janela, na mais viva expectativa da chegada de Fungar-Hellan. Sua alegria é enorme quando avistam o chefe dos sacerdotes à direita de Drouit se encaminhando para o palácio com sua numerosa guarda de honra.
Ela se dirige ao seu salão, o rei fica no seu gabinete e aguar- dam o homem do qual dependia naquele tempo o bem da metade do orbe. Chegando ao portão do palácio, o chefe dos sacerdotes diz para Drouit: “Aqui estou. Se perceber a menor suspeita, tua sorte será o inferno vivo!”
Diz o outro: “De fato, não hesitarei em pular lá dentro se não fores recebido com o maior amor e respeito de ambas as partes e não constatares ponto por ponto por mim indicado” “Bem” diz Fungar-
-Hellan, “subamos para nos certificarmos de tudo.”
Eles sobem ao segundo andar do imenso palácio onde o rei o recebe de braços abertos dizendo: “Meu irmão, minha salvação!” Essa recepção toca o coração do chefe dos sacerdotes que pergunta ao rei se sua amizade não seria melhor que a inimizade. Gurat res- ponde: “Ó, irmão, se fores meu inimigo não serei mais rei, pois tudo agradeço a ti! Tu somente és a ordem, portanto o apoio de minha casa! Como não deveria ansiar por tua amizade?!”
Fungar-Hellan abraça seu velho amigo e diz para Drouit: “Chega até aqui, pois reconheço tua sinceridade para conosco; por- tanto podes ser o terceiro em nossa reunião. Agora vamos procurar Agla e ver como ela se juntará a nós.”
Tendo o rei e Drouit de cada lado, o chefe dos sacerdotes acompanhado de sua guarda vai ao encontro de Agla, que igualmen- te o recebe de braços estendidos e o abraça com toda força de seu
amor. Esse contato inesperado provoca uma impressão tão benéfica no chefe dos sacerdotes que não consegue dizer palavra.
Passado certo tempo, Agla diz, vibrando de amor: “Fungar-
-Hellan, como podias atentar contra minha vida, se meu amor para contigo oferecia sacrifícios à tua vida que jamais teria prestado a um deus? É claro que me julgavas cruel, pois minhas ações eram de tal ordem como nunca se viu na Terra. Mas a terra também desconhece um coração feminino preenchido de meu amor para contigo. Ela também não tem conhecimento de um intelecto feminino capaz de entender a grandiosidade e sublimidade de um Fungar-Hellan. Eu me posso vangloriar desse intelecto, portanto explica-se o meu infinito amor, causador de ações cometidas por ti.”
Totalmente emocionado, o chefe dos sacerdotes responde: “Agla, o que exiges como prêmio de tal amor?” Diz ela: “Teu cora- ção, teu amor serão o meu prêmio. Antes porém ouve-me para que te seja claro o motivo de meu proceder; então verás que te amo mais que minha vida.”
HIPOCRISIADE AGLA
Intimamente, Gurat não concordava com essa declaração de amor da celeste Agla, mas só lhe restava aparentar bons olhos. Drouit também teria preferido que a rainha tivesse feito aquela efusão amo- rosa para ele próprio. Mas, enfim, era preciso usar de política, pois um olhar desaprovador teria a perda da vida como consequência. Assim, ambos apresentavam feições amáveis, desejando toda felici- dade a Fungar-Hellan e a Agla.
Ela não demorou a explicar os motivos de sua crueldade da seguinte maneira: “Sabes que eu amava meu irmão mais que a mim mesma, razão por que deixei as cordilheiras a fim de procurá-lo nes- ta cidade totalmente desconhecida. Encontrei-o mais facilmente do que pensava e todos sabem dos pormenores. Fui trazida aqui e o rei começou a querer conquistar o meu coração, convencendo o meu
irmão Waltar a ceder-me em troca das deusas de beleza e do posto de vice-rei.
Percebendo a indecisão de meu irmão fiquei profundamente magoada, pois eu estava disposta a arriscar minha vida por ele. A fim de analisar seu amor, aconselhei-o a aceitar a troca; e ele, cujo senti- mento por mim não era muito forte, trocou a criatura mais pura por prostitutas sem valor interno. Esse ato de vingança de meu irmão foi muito pesado para meu coração; mas nada podia fazer!
Nessa aflição fui conhecer-te Fungar-Hellan, e em breve per- cebi teu grande espírito capaz de conduzir milhões, pois só tu, e não o rei, és o soberano de Hanoch e de todo o grande reino. En- tão pensei: Se te pudesse revelar minha eterna verdade a respeito da verdadeira finalidade do homem, e possuindo teu amor, quais não seriam os benefícios a serem feitos por ti!
Quando pensei que já estivesses perto de meu coração e notei que meu irmão começava a ser considerado por ti, descobri uma conjuração infame dele contra ti. Por isso mandei que fosse encarce- rado, pois sua vida ainda me era cara, mas perdida caso fosse desco- berta de traição. Eu o visitava e procurava convertê-lo, mas em vão. Depois de ter alcançado, com muito custo, metade do caminho da redenção, foste informado de sua prisão e libertaste teu maior inimi- go. Ele se evadiu para te aniquilar com ajuda dos povos montanheses aos quais havia mostrado um caminho seguro.
Então chegou o momento da decisão. Mandei meus esbirros atrás dele com a incumbência de matá-lo, pois se fosse trazido de volta aqui, certamente o nomearias para qualquer posto elevado e ele facilmente te teria traído junto àqueles povos. Estes teriam caído sobre vós quais tigres esfaimados para vos matar aos milhões. E se eu o tivesse traído contra vós, que teríeis feito com ele — e talvez comigo? Afim de impedir tamanho delito, pratiquei o pesado sa- crifício. Agora podes julgar se fui realmente tão cruel como pensas. Mas ainda não terminei!”
E Agla prossegue: “Quando meu irmão fugiu, havia dado ordem secreta às suas mulheres de instigarem todo o instituto de beleza contra ti e possivelmente eliminar-te junto com o rei Gurat, para que ele pudesse voltar com grande poderio e subir ao trono real. Como é do conhecimento de todos, tal crime foi impedido. Mas, o que fizeram as mulheres ao tomarem conhecimento por mim da morte do esposo? Juraram eliminar a ti, a Gurat e a mim mesma, sem piedade. Acompanhai-me ao gabinete secreto onde se encon- tram as sete esposas principais e vos certificareis de tudo.”
Agla conduz o grupo ao gabinete espaçoso, manda abrir um armário secreto e diz, apontando para uma taça de cristal: “Ela está repleta de agulhas envenenadas. Basta tirardes uma delas ferindo um pouco a pele de um animal para observardes o seu fim.” Então mandou-se buscar um bezerro que foi ferido ligeiramente na pele da barriga com uma agulha e o animal caiu morto.
Todos se apavoram com isso e Agla continua: “Qualquer ex- periência com outros animais ou homens teria o mesmo efeito, pois cairiam fulminados e sem dor.” Eis que Fungar-Hellan pergunta: “Como chegaste a saber disto tudo?” Responde ela: “Nosso grande amigo e salvador Drouit me mostrou tudo e, como aparente conspi- rador das mulheres, descobriu a trama contra ti.
Quando me convenci da imensa maldade delas, a ideia de uma vingança tremenda apossou-se de minha alma. Mandei trazê-
-las pelos esbirros disfarçados e obriguei-as a se despirem. Em se- guida foram amarradas nas colunas e então saciei minha vingança, como rainha e soberana da vida e morte de meus súditos.
Sabes quando ficou determinado teu próprio sacrifício? A visita amável a essas víboras teria selado tua vida como fez a esse animal. Investiga na morada das deusas, onde encontrarás pequenos instrumentos de morte e perceberás a extensão da conspiração e o motivo pelo qual persegui essas criaturas. Se também quiseres saber
de onde apanhavam esse veneno, manda revistar o jardim e num cantinho afastado encontrarás um arvoredo num pavilhão de vidro que contém gotas venenosas em seu tronco. São elas precisamente esse veneno terrível. Creio que isso basta para compreender porque, como tua maior amiga, agi empregando toda astúcia e prudência contra essas mulheres.” — Tanto Fungar-Hellan quanto o rei estão pálidos e nenhum sabe o que dizer.
PALESTRAENTREFUNGAR-HELLANE DROUIT
Após se ter amainado sua estupefação, Fungar-Hellan se diri- ge para Drouit e diz: “Certamente és um emissário dos bons deuses ou do antigo Deus de Ira que Se apresenta Bondoso enquanto a pes- soa segue estritamente Sua Vontade; caso contrário, fica todo raivo- so, querendo dizimar a Terra. Talvez sejas um mensageiro do pior in- ferno, para saberes de segredos totalmente desconhecidos para mim.
Nessa grande cidade que conta milhares de casas nada acon- tece que não seja transmitido no mesmo instante. Que demônio te- ria engendrado e levado a efeito essa conspiração até esse momento em que Agla me revela tudo? E como tu mesmo chegaste a ser infor- mado da trama pavorosa? Responde-me isso, apenas; do contrário, leões, tigres, hienas, lobos e ursos serão teus companheiros.”
Com calma, Drouit responde: “Amigo, como podes supor que todas as condições da metrópole sejam de teu conhecimento constante? Vês apenas as aparências, mas não as condições mais ocultas. Quem te pode revelar meus pensamentos? Porventura não posso falar e agir de modo suspeito, enquanto meus pensamentos procuram plano diferente para teu bem-estar?
Posso falar e agir com justiça diante de teus olhos. Por acaso também serás capaz de vasculhar meus pensamentos secretos a fim de perceber se não existem traição e extermínio contra tua teimosia com relação à confiança em tua onisciência?
Deste modo não chegaste a descobrir, pelas palestras e ações de tuas deusas de beleza, que plantavam arbustos venenosos para
te exterminarem e como também arrumavam quantidade de ins- trumentos inofensivos mas de grande efeito mortal! Sabes por que? Basta te lembrares do novo imposto e mandamento de proibição de conceberem, sob pena de morte, e terás o motivo para a conspiração. Repito com Agla: Vai pessoalmente convencer-te de tudo e depois resolve se mereço a companhia de feras!” Perplexo, Fungar-Hellan resolve pesquisar o jardim a fim de se convencer da veracidade dos fatos. E todos o acompanham.
SUSPEITA DE FUNGAR-HELLAN CONTRA AGLA, CUJA BELEZASAI VENCEDORA
Chegando ao jardim, Fungar-Hellan examina tudo cuidado- samente e encontra a confirmação de tudo: grande quantidade de agulhas envenenadas, bem como o pequeno arbusto no pavilhão de vidro. Ele ordena imediatamente aos empregados de arrancarem o arbusto, em cujo tronco se encontravam as gotas de veneno, e tam- bém a destruição do pavilhão.
Soltando um grito, Agla agarra o braço dele dizendo: “Por tudo que te é sagrado neste mundo, não permitas que se abra nem se toque nesse pavilhão, pois a emanação do arbusto é tão forte que pelo contato atmosférico tudo que o circunda numa distância de três horas morreria imediatamente. Se todavia quiseres destruir a planta manda levantar em torno do templo uma fogueira de ma- deira com resina e em seguida ordena o incêndio, único meio de exterminá-la sem consequências perigosas.”
A essa explicação, Fungar-Hellan queda perplexo, fita sua rainha com atenção e diz: “O que vem a ser isso? De onde conhe- ces o efeito do arbusto como se tu mesma o tivesses criado? Muito embora te preocupes muito comigo, tua explicação é fortemente suspeita. Não terias sido tu mesma a plantar esse vegetal perigoso? Dou-te um prazo curto para afastares de minha cabeça essa descon- fiança, do contrário não terás um fim agradável. Despe tua roupa
para confessares a verdade nua. Daqui por diante não me enganarás mais, pois minha suspeita tem bons motivos!”
Essa exigência de modo algum perturba Agla, que diz: “Bem, hei de me despir, mas não aqui nas proximidades dessa casa pesti- lenta. Fá-lo-ei em qualquer recinto das antigas deusas.” Toda a as- sembleia se dirige para uma moradia das moças e Agla começa a se despir conforme Fungar-Hellan havia ordenado.
Esse fato constitui o maior perigo para o chefe dos sacerdotes fortemente sensual, pois agora surgem todos os encantos ocultos dessa mulher excessivamente bela, num grau tão elevado que vários homens presentes caem totalmente enlouquecidos. Fungar-Hellan por sua vez esquece sua suspeita, pois a beleza de Agla desnuda tem o mesmo efeito do Sol quando absorve as neblinas nos vales.
Ele nada mais exige que seu amor e promete tudo para po- der merecê-lo. Subentende-se que essa vitória é muito do agrado de Agla, pois sua prisão era iminente. Gurat e Drouit acompa- nham a cena como jogadores frustrados. Que mais podiam fazer senão cumprimentarem Fungar-Hellan por essa conquista? Com essa expedição termina a investigação e Fungar-Hellan conduz Agla como esposa ao palácio, enquanto os dois amigos voltam aos lares decepcionados.
FUGAFRUSTRADAE RECONCILIAÇÃO
Quando Gurat e Drouit chegam ao palácio são abordados pelas restantes concubinas a respeito da solução do caso com a terrí- vel Agla. Drouit responde: “O resultado foi péssimo para todos nós, pois Agla rompeu os laços matrimoniais com nosso rei e entregou sua mão a Fungar-Hellan como se ela estivesse solteira. E esse salte- ador dos direitos sagrados do soberano atingiu com isso seu intuito há tanto tempo desejado. Que a conquista de hoje lhe proporcione os mesmos interesses que o rei havia desfrutado! É somente isso que lhe desejo!
Quanto a mim, fui um asno de ter arriscado quase a mi- nha vida por essa fera infernal. Se eu a tivesse difamado perante Fungar-Hellan, ela agora não mais viveria. Mas fui tolo a ponto de apresentá-la bela, inocente e justa. O meu prêmio e o do rei é o seu desprezo e dentro em pouco teremos a honra de ser mortos por uma gotinha de veneno; ou então seremos forçados por palavras meigas a abandonar a cidade de Hanoch e procurar alojamento entre as feras. Tenho razão, Gurat?”
Responde o outro: “Meu amigo, se depender de mim, sou de opinião que devemos recolher nossos pertences e fugir à noite, pois amanhã talvez seja tarde. Chama toda minha criadagem e transmi- te-lhe essa ordem, sob sigilo, a bem de todos. Cem camelos devem carregar nossos tesouros, cem os alimentos necessários, e outros cem a nós mesmos com nosso séquito para qualquer região terrestre; pois nesse grande reinado não haverá mais subsistência. O povo é tolo demais e os mais inteligentes são mistificadores, astuciosos, hipócri- tas e políticos. O soberano é nosso inimigo e acentuará essa situação à medida que for obrigado a dançar segundo o apito de Agla, que nos odiará porque não choramos sua perda.”
Nesse instante Drouit olha pela janela e vê Agla aproximar-se do palácio em companhia de Fungar-Hellan. Quando o rei o per- cebe, exclama: “Estamos perdidos!” Mas Drouit, que havia afastado todas as mulheres, responde: “Temos que agir com astúcia contra a crueldade! Rasguemos depressa nossas roupas e atiremo-nos ao chão para manifestar nosso grande pesar — e tudo terminará bem!”
Dito e feito, após alguns minutos de aparente desespero de ambos, Agla e o chefe-geral dos sacerdotes entram pela porta, e ela, comovida, indaga de Gurat o que se passa. Ele responde: “Divina Agla! A dor de tua ausência me consome! Fui obrigado a renunciar a ti externamente, mas meu coração jamais se apartará de ti!”
Ela consola o rei dizendo: “Não chores tanto! Ficarei aqui e te amarei com todo carinho; e Fungar-Hellan continuará nosso amigo mais íntimo.” Gurat se levanta e abraça Agla e Fungar-Hellan. De- pois Drouit também é erguido do solo.
Após se ter refeito de sua aparente tristeza, Drouit, muito acanhado, beija a fimbra de Agla, cumprimenta com profundo res- peito Fungar-Hellan e diz: “Procurei confortar o desesperado Gurat com a confiança nos deuses, no seu mais sincero amigo e no amor da celeste Agla, pois se certificaria de que a situação ainda mudaria de aspecto.
Mas minhas palavras não surtiram efeito, continuando nas cenas de total desalento. Então peguei da mão dele dizendo: — Amigo Gurat, rei do grande império! Estás inteiramente errado se comparas o caráter de Agla com o nosso. Ela é filha das montanhas sagradas habitadas pelos primeiros habitantes da terra. Nós somos apenas sombra da humanidade. Se quisermos fazer valer a grande honra de nos tornarmos humanos, temos que acompanhar Agla quais sombras e jamais pensar que ela pudesse pecar contra nos- sa natureza.
A essas palavras, Gurat se acalmou um pouco, todavia con- tinuava sofrendo e dentro em breve voltou à tristeza anterior ex- clamando: — Agla é meu coração; Fungar-Hellan é minha cabeça. Não posso viver sem um dos dois; no entanto, já se deu a perda de um! — Percebendo que todos os meus consolos eram infrutíferos, eu mesmo caí na pior melancolia.”
A esse discurso, isto é, a essa mentira, Agla se aproxima do orador, aperta sua mão contra o coração e diz: “Sempre provaste tua grande amizade, merecendo minhas graças especiais. Mas agora ul- trapassaste tua fidelidade, razão por que receberás um prêmio inédi- to nessa cidade. Tenho ainda duas irmãs, não menos bonitas do que eu. Mandarei chamá-las, uma para ti e outra para Fungar-Hellan, para que eu possa continuar ao lado de Gurat. Creio que esse prê- mio nos unirá de tal forma que nenhum poder conseguirá romper.” Todos estão satisfeitos com essa determinação e imediatamente se preparam os meios de buscar as irmãs das montanhas.
Uma caravana de mil homens foi então organizada para bus- car as irmãs Pira e Gella. Quando havia feito metade do caminho, encontra uma bela pastagem onde vários pastores cuidavam de ca- bras e ovelhas, protegendo-as contra as feras. Tais homens estão ar- mados com espadas, atiradeiras e lanças.
O guia da caravana pergunta a um dos pastores se conhece as duas filhas de Mahal, Pira e Gella, e ele responde: “De onde vies- tes para indagardes das filhas de meu patrão? Ele tinha três filhas e dois filhos. Um deles foi obrigado a seguir para as planícies a fim de pregar penitência para o perdão dos pecados perante Deus, ou o julgamento próximo caso não se regenerassem. Esse filho partiu e ainda não voltou.
Do mesmo modo perdeu-se uma bela filha chamada Agla, pois ignoramos seu paradeiro. Talvez tenha caído nas mãos de uma caravana semelhante, tornando-se presa das planícies. Por isso dizei primeiro qual vossa procedência e quem vos enviou; em seguida tereis as informações desejadas.”
Responde o guia da caravana: “Foi a própria Agla que nos enviou para buscarmos suas irmãs. Ela se tornou uma grande rainha nas planícies e rege metade do orbe com poderes absolutos, e nós somos seus servos. Waltar, seu irmão, faleceu e ignoramos qual foi o seu fim. Vimos sua cabeça embalsamada numa urna de cristal, dentro do templo da grande deusa Noêmia.”
Diante dessa explicação, o pastor responde: “Concluo que falaste a verdade. Ficai aqui até amanhã quando tereis a oportunida- de de encontrar Mahal e suas filhas. Tão logo ele souber que Agla se tornou rainha das planícies, onde consta existir uma grande cidade, certamente vos acompanhará para visitá-la, pois muito chorou por seu desaparecimento.” Desse modo a caravana resolve aguardar a manhã seguinte para encontrar Mahal com suas filhas.
Passada a noite em que os pastores muito lutaram contra as feras, todos louvam e veneram a Deus pela proteção tão segura e pedem pela segurança futura. Uma voz, qual forte trovão, vibrou pelo ar dizendo: “Guardai o rebanho no estábulo de Meu filho Noé, pois seu irmão Mahal não necessitará dele para o futuro. Acaba de resolver a partida com suas filhas para as planícies amaldiçoadas a fim de procurar lá sua felicidade.
Noé vos dará um trabalho que Eu lhe revelarei. Se cumprir- des fielmente Minha Vontade junto a ele, não haveis de saborear Minha Ira no dia do julgamento. Queixando-vos pela execução de Minha Vontade, sentireis Minha Ira no pavor final quando a mor- te vos atingir.” Ouvindo essa Voz, os pastores se prosternam e lou- vam a Deus.
Entrementes, o guia da caravana se aproxima e pergunta pela razão daquele trovão ao qual o grupo havia prestado tamanha aten- ção. Responde o pastor: “Não se trata de um trovão comum, que geralmente não aparece numa atmosfera límpida. Foi a Voz de Deus determinando certa incumbência para nós e que Mahal deixaria de ser nosso futuro patrão. Ele partirá com as filhas para as planícies, onde tentará sua nova felicidade. Se tiverdes paciência, dentro em breve haveis de recebê-lo com Pira e Gella.”
A tal explicação os pastores começam a recolher as manadas para se dirigirem a caminho de Noé, enquanto a caravana aguardou até à noite sem que Mahal aparecesse. Então o guia opina: “Por que fomos tão tolos a deixarmos partir os pastores? Ignoramos se encon- traram Mahal, podendo prejudicá-lo. Vamos ao encontro dele, que poderá necessitar de nossa ajuda!”
Todos se levantam e sobem a montanha. Depois de uma marcha de três horas, avistam um grupo de pessoas em cujo meio se encontra Mahal com duas filhas e um filho. Informado de tudo, ele
despede seu acompanhamento e segue, alegre e feliz, para as planí- cies junto à caravana.
AGRANDERECEPÇÃONOPALÁCIO IMPERIAL
O caminho, aliás o menos usado devido ao terreno acidenta- do, leva precisamente através do jardim do templo aberto das deusas de beleza, e a visitação é enorme por causa dos rumores dos últimos acontecimentos. Assim sendo, também os recém-chegados estão curiosos para se orientarem a respeito dele.
Mas o guia da caravana se dirige para Mahal dizendo: “Dig- níssimo genitor de nossa grande rainha Agla! Como vês, há um enorme assédio de gente e necessitaríamos ao menos de uma hora para chegarmos à proximidade do templo; mas penetrar no mes- mo é evidentemente impossível. Se todavia desejares ver tudo isso mais de perto, poderás acompanhar o rei a quem todos respeitam, abrindo alas.”
Mahal se conforma e prossegue viagem com a caravana. Quando chega à cidade, não se contém de admiração, parando dian- te de cada palacete, e seu filho Kisarell pergunta várias vezes se aqui- lo era obra dos homens. As formidáveis casas de negócios atraem as vistas das duas filhas, que indagam do dono se tais coisas atraentes podem ser adquiridas. O guia se cansa em dar explicações e se sente aliviado ao chegar à praça do palácio, decorridas quatro horas.
O rei, a rainha, Fungar-Hellan e Drouit, acompanhados de brilhante comitiva, recebem o grupo com grande amabilidade, con- duzindo-o ao palácio. Mahal não se contém de imensa alegria ao encontrar sua filha mais amada e tão amargamente lembrada, em circunstâncias tão felizes.
Fungar-Hellan se aproxima imediatamente de Pira, que o encantara desde o primeiro momento e cujas respostas ingênuas lhe agradaram muito. De igual modo, Drouit se encanta com Gella que é muito atraente. Agla por sua vez se abraça ao pai e ao irmão Kisarell, enquanto Gurat manda providenciar vestes régias para os parentes.
Quando os camareiros e as modistas estão a postos para aju- darem na troca de roupas, Gurat se aproxima de Mahal e o convida a se trocar. Lembrando-se de Deus, ele responde: “Caro genro, sou bem idoso e vi morrerem vários reis nas planícies. Meu irmão Noé ainda se recorda dos tempos de Lamech, e eu conheci Uraniel, se- guidor de Tubalkain, os mil conselheiros, Olad, nomeado por eles e que abriu o templo.
Essa minha roupa me serviu durante muitos séculos e é in- destrutível, pois foi feita pelo arcabus que Jehovah entregou aos primeiros homens desta terra. Seria ingrato de minha parte contra Deus se me desfizesse da mesma, que me protegeu contra calor e frio durante quase quinhentos anos.
Não é bela nem possui brilho, no entanto é mais valiosa que todas as tuas vestes enfeitadas com ouro e pedrarias e que necessi- tam ser limpas, porquanto ficam manchadas. Minha roupa não fica manchada e mantém o corpo limpo; por isso continuarei com essa que não somente não suja, mas absorve todas as impurezas do corpo e lhe proporciona saúde constante.”
Diante dessa teimosia, Gurat se vira para Agla pedindo orien- tação, e ela responde: “Deixai-o com sua vontade. Conheço-o bem; não insistindo hoje, amanhã ele aceitará outra opinião. Tem grande consideração para com o antigo Deus, mas em se tratando de uma renúncia maior, ele peca igual a qualquer outro. Nada mais digas a respeito da roupa, mas à noite leva as vestes brancas ao seu quarto, que as usará amanhã, ainda que sobre as antigas.”
Então Gurat pergunta se é verdade o que Mahal havia dito a respeito de sua vida misteriosamente longa e de sua veste in- destrutível.
Responde Agla: “Isso podes crer inteiramente, pois ele já ti- nha quatrocentos anos ao casar-se, e em nós, seus filhos, tens a prova de que somos deveras idosos, embora de aparência juvenil.” Con- corda Gurat: “É verdade, agora creio! É de fato milagroso! Mas seria
efeito dessa veste especial?” Diz Agla: “Isso é obra de Deus Único, não havendo outro fora Dele. — Eis que a refeição está pronta. Amanhã hás de conhecer tua verdadeira Agla.”
EVASIVASDEAGLACOMREFERÊNCIAAWALTAR.MAHALEMVESTES RÉGIAS
Todos se encaminhavam para o banquete, cujos pratos Mahal pouco saboreia, pois não está habituado a tais petiscos. Em compen- sação, Pira e Gella experimentam tudo, muito embora comedida- mente. Depois do banquete havia apenas palestras fúteis e outros passatempos. Somente Mahal pergunta repetidamente por Waltar, recebendo sempre respostas evasivas.
Entrementes, Agla manda vários empregados ao jardim para esconderem a cabeça de Waltar numa parede mais afastada, sob sigi- lo total e ameaça de morte. Essa ordem é realizada até o dia seguinte, pois os empregados, sabendo que Agla não poupara a vida do irmão, não os protegeria tampouco. Agla os indeniza e de novo recomenda sigilo total, incluindo o rei, o chefe dos sacerdotes e Drouit.
Quando os convivas voltam ao salão principal dão pela fal- ta de Mahal e começam a procurá-lo em toda parte. Chegando ao quarto dele, encontram-no ocupado em experimentar as vestes ré- gias por cima da roupa antiga. Ele é muito elogiado e reconduzido ao salão principal.
FUNGAR-HELLAN EXIGE AS DUAS IRMÃS DE AGLA.DROUITSETORNAREIEAGLA,SUA ESPOSA
Depois do almoço, Fungar-Hellan diz para Agla: “És a glória da beleza feminina da Terra e além de ti apenas tuas irmãs podem ser consideradas belas. Agradam-me ambas e minha decisão na escolha se torna deveras difícil, de sorte que prefiro ficar com as duas. Caso Drouit concordar, terá conquistado um grande amigo; no entanto, respeito sua livre vontade.”
Agla se vira para Drouit e pergunta sua opinião diante dessa proposta de Fungar-Hellan, e ele responde: “Que me resta fazer? Nada mais do que algemar o próprio coração por motivos políticos. Somente o pensamento em teu amor me pode confortar por tama- nha perda, do contrário morreria de tristeza.”
Eis que Agla responde: “Drouit, querido, no meu coração hás de encontrar as maiores compensações. Concorda com Fungar-
-Hellan e tudo terá uma boa solução.” De boa vontade Drouit se di- rige para o chefe dos sacerdotes dizendo: “Amigo, pedes um prêmio altíssimo que eu não daria por tudo neste mundo. Para mostrar-te que vales mais que tudo para mim, farei tal sacrifício pelo melhor amigo. Renuncio de coração e te abençoo para tua futura felicidade.”
Fungar-Hellan abraça e beija Drouit e diz: “Teu sacrifício há de te proporcionar vantagens inéditas, ou seja: Tu és rei e Gu- rat apenas figurante. Agla é tua e podes deixar que Gurat, tolo e enfraquecido, se apresente somente pelo povo. Quanto ao poder, está em minhas e tuas mãos. Eis meu pagamento antecipado; o fu- turo mostrará maiores vantagens.” Os amigos se beijam e Drouit, satisfeito com o lucro obtido pelo sacrifício, transmite-o para Agla. Apertando a mão dele contra seu peito, ela diz: “Agora realizou-se meu desejo: Tu és meu!”
MAHAL SE ORIENTA A RESPEITO DAS SITUAÇÕES INFERNAIS EM HANOCH
Mahal havia percebido algo a respeito daquela combinação da entrega de suas duas filhas a Fungar-Hellan e pede orientação de Agla, que responde: “Caro pai, se estivéssemos nas montanhas, serias tu a ser inquirido com relação ao casamento de minhas irmãs. Mas aqui rege outra ordem de coisas e por isso deves concordar com tudo que os primeiros responsáveis determinarem.
Os dirigentes responsáveis são: aquele homem que tomou as tuas filhas como esposas — o que representa uma enorme felicida- de para elas e para ti; eu, tua filha Agla, rainha de todo este reino
imenso; e finalmente Drouit, aquele homem jovem e forte que neste momento palestra com Fungar-Hellan.
Se mantiveres a melhor amizade conosco, desfrutarás da melhor vida, sem preocupações. Caso contrário, terás que suportar muitos aborrecimentos, não obstante seres meu pai. Cala-te por- tanto, e mostra grande alegria por ter Fungar-Hellan escolhido tuas filhas para esposas.”
Diante dessa explicação Mahal começa a sentir a quantas anda e diz baixinho para Agla: “Percebo essa situação dúbia e par- ticiparei por tua causa. Dize-me apenas o que vem a ser o rei, se tu, Fungar-Hellan e Drouit representais os personagens mais importan- tes no reino? Qual será o destino de meu filho Kisarell?”
Responde ela: “O rei Gurat é um amigo fraco e tolo de Fungar-
-Hellan. Usa vestes régias e figura como tal, mas não tem poder algum. Drouit é o próprio rei e eu sou sua esposa; portanto, tens que ouvi-lo e obedecer em tudo que ordenar.” Prossegue Mahal: “Então, o que representa o Poder de Deus para vós? Ele não é consultado por vós?”
Apontando para a testa, Agla diz: “Aqui está o Conselho de Deus! O homem deve desenvolvê-lo e agir segundo suas conclusões, que fará certamente o que Deus ordena por todos os tempos. Talvez conheças um conselho melhor?”
Mahal se cala, pois percebe que nas planícies o inferno havia estabelecido seu regime. Agla procura Fungar-Hellan e fala em sur- dina com ele.
DECLARAÇÃOPROFÉTICADE MAHAL
Agla confabula com Fungar-Hellan no sentido de empre- gar seu irmão Kisarell e ele resolve que seja nomeado para oficial de alojamento residencial, o que lhe daria oportunidade de alcan- çar postos mais avançados. Agla transmite essa resolução a seu pai, acrescentando ainda a possibilidade de Kisarell poder adquirir, atra- vés de estudos, conhecimentos maiores, o que não deixa de ser algo bastante favorável.
Diz Mahal: “Filha, estou satisfeito com tudo. No entanto, como certamente ainda te recordas do Deus de Adão, Seth e He- noch, devo te informar que vós, poderosos deste reino, não deveis fazer planos vantajosos e a longo prazo dentro do atual sistema. Conforme andam as coisas, não há possibilidade de continuação, porquanto vos afastastes totalmente de Deus, ingressando na pura idolatria mundana.
Daqui a aproximadamente dezessete anos não haverá mais vestígios de vossa grandeza e da cidade tão maravilhosa. Por essa razão vos deixarei para voltar junto de meu irmão Noé, depois de ter falado com meu filho Waltar.”
Agla está surpresa com tal determinação de seu pai, mas se controla, dizendo: “Podes fazer o que te agrada, pois ninguém te fará a menor oposição. Quanto a Waltar, será difícil revê-lo porque par- tiu para grandes descobertas no mundo, deixando-nos para sempre, e isto porque como irmã não pude entregar-lhe minha mão.”
Mahal se altera fortemente, morde os lábios e exclama após alguns minutos: “Então Waltar está morto! — Agla, Agla! O Se- nhor há de te castigar muito por isto!” Cobrindo o rosto, ele desa- ta a chorar.
DISCURSO VEEMENTE DE MAHAL E CONJECTURASINTELECTUAISDE FUNGAR-HELLAN
Notando a tristeza de Mahal, Fungar-Hellan se aproxima e pergunta pelo motivo, e o outro responde: “Poderoso deste reino, que sempre recebeste Graças e Misericórdias tão grandes por parte de Deus, o Senhor: se soubesses o que acabo de saber também have- rias de se lastimar e chorar.
O Senhor me deu agora uma luz interna pela qual vejo os grandes males e a decadência de todos vós. Como então não deveria eu chorar? Meu filho Waltar, que Deus vos enviou como profeta, foi morto em espírito — e talvez também fisicamente. No entanto, se o tivésseis assassinado mil vezes eu haveria de rir, pois ele continuaria
vivo diante de Deus. Mas como matastes o seu espírito, Waltar está morto e perdido para sempre.
O mesmo acontecerá com todos os meus filhos. Agla já mor- reu por três vezes; Kisarell, Pira e Gella passarão pelo mesmo proces- so se não voltarem às pegadas dos antigos reis Lamech, Tubalkain, Uraniel e Olad, todos eles justos perante Deus.”
A essas palavras inspiradas, Fungar-Hellan reflete um pouco e diz finalmente: “Podes ter razão, pois sei perfeitamente que os habitantes das montanhas mantêm uma sabedoria original que não mais é posse nossa. Ainda assim, não somos tão ignorantes como julgas. De fato alimentamos mais o paganismo do que qualquer conhecimento puro de Deus; entretanto, não excluímos a Própria Natureza de Deus, pois através das imagens tornamos palpáveis as forças ativas da Divindade Única e as adoramos por tal motivo. O Próprio Criador não pode achar isto injusto ou um horror.
Ao admirares e louvares uma construção grande e bela, por acaso não elogias também o seu construtor? Terias feito um elogio a ele pela simples consideração de sua pessoa, mas criticando suas obras? Ele certamente não ficará satisfeito com tal elogio.
Nossa educação popular corresponde a esse conhecimento de Deus. Poderei levar-te a todos os cantos deste imenso reino e po- derás matar-me se ouvires qualquer queixa a respeito de uma injus- tiça de nossa parte. Os povos vivem felizes; não existe pobreza, mas quantidade de artes e ciências crescentes. Que mais poderia querer teu Deus? Se quiser nos matar, que o faça, pois somos Suas criaturas! Mas duvido que venha a agir com justiça em tal caso. Vem comigo e te mostrarei o que somos e o que fazemos. Depois dirás o que achares injusto.”
MAHALCRITICAAPOLÍTICAEM HANOCH
Eis que Mahal exclama: “Meu Deus e meu Senhor Único! Não hás de abandonar Teu velho servo a ponto de ele ser obrigado a considerar a noite do abismo qual luz? — Fungar-Hellan, pensas
que a razão externa se pode medir e lutar contra a luz interna do espírito e sua força? Tuas palavras soam razoáveis perante os ouvidos do mundo, no entanto são um horror para os do espírito.
Se tivesses falado com seriedade, ou seja, a verdade plena e pura, haveria uma justificativa. Sendo a base de vossa constituição para o aparente benefício popular totalmente diferente daquele que alegaste, não pode haver justificativa perante o tribunal do espírito.
Podes mostrar nada ou tudo daquilo que fazeis que não mo- dificarás as verdades dentro de mim, pois através de meu espírito minha visão traspassa a máscara grossa, bela e aparentemente justa de vossa constituição corrupta.
De que maneira pretendes mostrar-me uma vida justa e or- denada onde eu só descubro podridão e mofo? A fim de que saibas que em espírito percebo nitidamente vossa situação governamental, digo-te o seguinte: Tu, Gurat, Drouit e milhares de outros persona- gens importantes não acreditais em coisa alguma, nem num Deus antigo ou num novo, nem na vida após a morte; portanto é toda vossa crença apenas fraude para o povo.
Se ensinásseis o que credes, o povo não seria enganado diante de vossa honestidade. Mas vosso lema é: ilusão e política! Falais o contrário daquilo que pensais, e através de vossas ações procurais atingir somente finalidades escusas e contrárias às intenções aparen- tes. Pode tal constituição agradar a um Deus muito Sábio, o Amor Eterno e a Própria Justiça, portanto a Verdade, a Ordem e a Sa- bedoria? Não necessito ver o que fazeis, pois vejo a base de tudo dentro de vós.”
Diante das palavras de Mahal, Fungar-Hellan queda perple- xo, pois se vê a descoberto. Por isto diz apenas: “Podes ter razão; todavia, acompanha-me e certamente falarás de modo diferente.”
“Bem”, disse Mahal, “irei contigo, pois como o Senhor está comigo, não tenho medo de ti. Mas se alimentares pensamentos con- tra mim, saberás que Deus de Céus e Terra está ao meu lado. Vamos!”
Fungar-Hellan convoca sua guarda de honra e se apronta para partir; lembra-se porém de levar também as duas filhas de Mahal e Kisarell, que facilmente poderiam ser alvo do ódio oculto de Agla. Mahal concorda dizendo: “Ages bem, pois não convém entregar à morte os irmãos de uma fratricida!”
Assustado, Fungar-Hellan pergunta: “Ó homem misterioso, quem te revelou a ação de Agla pela segurança deste reino? Como podes estar ciente do que ainda é segredo de muitos?”
Responde Mahal: “Foi através da revelação do Senhor. Quan- to a vós, nada podeis saber por vos encontrardes na profunda treva do mundo, portanto no inferno, onde não existe um Raio de Luz Divina, mas somente a Ira de Deus, a treva e a morte do espírito. Acompanha-me ao ponto onde minha intuição te conduzirá, depois irei contigo para onde quiseres.”
Sem demora, Mahal leva o grupo diretamente ao jardim das ex-deusas de beleza, causando admiração ao chefe dos sacerdotes, pois o outro mostra conhecer todas as ruas da cidade. Chegando ao jardim, Mahal conduz Fungar-Hellan ao ponto onde no dia anterior Agla mandara enterrar a urna com a cabeça de Waltar.
Eis que Mahal diz: “Manda abrir essa parede com cuidado a fim de te convenceres de que a Luz no coração enxerga mais do que teu serviço secreto de espionagem.” Isto feito, aparece a urna com seu conteúdo, e Fungar-Hellan grita: “Pelos demônios, como é isso possível?!”
Responde Mahal: “Como perguntas, se deves estar instruído de todos os segredos de teu reino? Ignoras o que Agla ordenou aos seus servos?” Fungar-Hellan arregala os olhos, mas Mahal o convida a verificar ainda outros segredos.
Assim eles seguem para o templo, onde, apontando para os ataúdes das mulheres de Waltar, Mahal explica: “Aqui está o verda- deiro motivo da morte de meu filho. O ciúme de Agla, minha filha depravada, matou o irmão por causa dessas infelizes e a elas próprias com um punhal envenenado.”
Muito alterado, Fungar-Hellan exclama: “Se isto tudo foi fei- to por ela conforme dizes, ainda hoje sofrerá a morte mais cruel!” Responde Mahal, lacônico: “Amigo, não te alteres antes de seres in- formado de tudo a respeito de Agla. Vem comigo!”
Todos acompanham Mahal à residência e ele conduz o amigo por um corredor no terceiro andar. No final do mesmo ele aponta uma porta e diz: “Sabes o que se oculta dentro desse recinto?” Como o outro negasse, ele prossegue: “Manda abri-la com cuidado.” Fun- gar-Hellan manda que seja arrombada e no primeiro momento vê apenas um recinto agradável, cujo centro só media um quadrado de dois braços e no fundo existe um leito bastante convidativo.
Fungar-Hellan então confessa nada ver de especial; mas o amigo Mahal bate com a ponta de uma lança num botão afixado no leito e no mesmo instante abre-se o solo em duas partes e os presen- tes avistam um tremendo abismo.
“O que vem a ser isto?!” pergunta Fungar-Hellan, e Mahal responde: “Um extermínio bem preparado para ti e obra recente de Agla. Iria te convidar para um colóquio amoroso para bater com o pé nesse botão e imediatamente serias vítima desse antro. Agrada-te esse arranjo?”
Fungar-Hellan espuma de ódio e não consegue falar.
Depois de conseguir acalmar-se um pouco, Fungar-Hellan diz, tremendo de ira: “Mahal, meu amigo, peço que digas o que deve acontecer com essa filha do inferno. Seria possível fazê-la morrer mil vezes? Já sei! Farei passá-la mil vezes pelo mais terrível pavor da morte e só então será exterminada cruelmente.”
Diz Mahal: “Em nome de Deus e meu Senhor te digo: Acau- tela teu ódio e ira e não julgues antes de teres diante de ti a enorme quantidade de crimes praticados ou preparados por Agla. Quando fores informado de tudo, veremos qual será o julgamento para ela. Vamos em frente, pois ainda não chegamos ao final de nossos estu- dos daquilo que ela, com ajuda de Drouit — a quem hoje nomeaste rei —preparou e executou. Vem!”
Ambos voltam ao jardim e Mahal leva o amigo a um dos muitos pavilhões em cujo cimo se lê: “Aqui se encontra a alegria, a máxima ventura do rei!” Dentro do pavilhão há um trono ornado e ao lado dele outro leito para a prostituta. Então Mahal explica: “Percebes essas agulhinhas finas que aparecem no estofo do trono, cada uma portadora da morte? São igualmente obra da rainha e têm a finalidade de expedir para o outro mundo todas as pessoas que não lhe condizem como tu, o maior espinho no seu olho.
O próprio Drouit é inventor dessas agulhas, bem como o botânico entendido do arbusto no pavilhão de vidro. Queres sa- ber de que modo ele conseguiu o mesmo produto? A semente vem do inferno. Quando certa vez Drouit se encaminhava para visitar o templo do touro, numa garganta que também conheces, foi abor- dado por um ser estranho que lhe entregou a semente e ensinou seu plantio e o efeito posterior.
Drouit deitou a semente na terra e dentro de poucos dias o ar- busto havia aparecido. Ele passou a ensinar a Agla o preparo do vene- no e ela muito se alegrou com isto. Eis aí a base das agulhas no estofo do rei. Segundo vejo, estás aterrado de ódio. No entanto, peço que me acompanhes adiante, onde verás coisas ainda mais interessantes.”
Fungar-Hellan porém obsta: “Para que deveria eu te acompa- nhar, pois o que vires agora é de suma importância e destinados ao meu extermínio? Já me satisfaço com o que vi e é o suficiente para a sua morte, ainda que fosse mil vezes tua filha. Prefiro que venhas para que te possa mostrar minha organização.”
Responde Mahal: “Precisamente desta vez terás que me acompanhar, pois o que virem agora é de sua importância para tua salvação. O que viste até então são preparativos frustrados para teu extermínio. Mas o que vires dentro em pouco ameaça destruir todo o teu poderio de um só golpe. Vamos depressa, para não chegarmos tarde a um local mais afastado da cidade.”
Depois de duas horas de marcha através de ruas e ruelas, a co- mitiva chega a uma grande praça livre dentro da murada da cidade e sobre a qual Fungar-Hellan nada sabia. Por isso pergunta ao amigo qual a finalidade da mesma, bastante grande para expor um milhão de guerreiros.
E Mahal responde: “Amigo, um pouco de paciência e verás o que ocorre aqui. Fixa aquele ponto mais distante ao qual se chegaria após uma hora em linha reta e perceberás muitas pessoas.”
Fungar-Hellan então nota que um enorme exército se apro- xima da praça e Mahal lhe diz: “Amigo, que pretendes ser tão inteli- gente e conhecedor de tudo que acontece no reino todo, porventura és ciente que aqui são exercitados um milhão de soltados contra ti e o rei? Não podemos ser descobertos, e prosseguiremos para o centro onde verás outas coisas importantes.” Fungar-Hellan leva as mãos à cabeça e segue Mahal.
Depois de outra caminhada por outro setor, chegam a uma casa antiga de grande dimensão e Mahal explica tratar-se de favo- rável ponto de concentração de duzentos mil amotinadores contra Fungar-Hellan e o rei Gurat. A imensa construção tinha sido um instituto de beleza.
“Atualmente”, diz ele, “se encontram setenta mil cidadãos importantes nos numerosos recintos espaçosos, e mantêm um con- selho infame contra ti e o rei Gurat sob o comando de setenta de- legados e deputados de Drouit e Agla. Embora tenhas vontade de entrar, não seria aconselhável. É melhor nos escondermos naquela ruína defronte e basta esperarmos meia hora para vermos aparecer a congregação e muitos conhecidos dentro dela.”
O grupo se esconde e não demora mais que meia hora quan- do se abre o grande portão, e durante hora e meia saem pessoas de lá, inclusive quantidade de amigos de Fungar-Hellan e vários sumos sacerdotes. O chefe-geral dos sacerdotes ainda consegue perceber a conversa de alguns que dizem: “Resta dominarmos o poderio de Fungar-Hellan. A raposa atilada ainda não se deixou prender na ar- madilha, mas não importa, pois Agla conseguiu que ele nomeasse seu maior inimigo para rei e que representa sua força total, e dentro de dez dias tudo será solucionado.”
Diante disso, Fungar-Hellan abraça Mahal dizendo: “Agora reconheço em ti meu maior amigo e desisto de mostrar-te minha constituição; peço por um conselho eficaz.” Mahal responde: “O conselho virá, mas antes tens que ver algo mais. Depressa, conven- ce-te de tudo!”
Eis que Fungar-Hellan é obrigado a seguir Mahal ao burgo dos sacerdotes e à residência enorme do chefe-geral. Quando lá che- gam, Mahal pergunta ao amigo se conhece o edifício que nada deixa a dever à extensão de uma cordilheira e o outro responde: “Claro, mas que há com minha residência?”
Responde Mahal: “Vamos primeiro à morada dos clérigos e verás a significação de nossa visita.” Todos se encaminham à ha- bitação comum dos sacerdotes — ocupados em afiar as pontas das espadas e lanças, aquecendo-as em cima de brasas e finalmente mer- gulhando-as no veneno já conhecido.
Quando os clérigos avistam Fungar-Hellan, são acometidos de grande pavor a ponto de as deixarem cair ao chão. Com voz estentórica, o chefe-geral dos sacerdotes pergunta: “O que se passa aqui? Quem vos mandou fazer isso?” Ninguém responde, pois todos se consideram perdidos. Fungar-Hellan repete a pergunta a Mahal que diz: “Agora deves começar a agir. Chama os teus esbirros para prenderem toda essa corja, pois são eles o esteio principal de Drouit e Agla e souberam fazer deles os teus piores inimigos em virtude do antigo ódio contra ti, cuja causa bem conheces. Precisamente esses clérigos conseguiram convencer grande número de sumos sacerdo- tes e perfazem o motivo secreto dessa conspiração. Podes usar o rigor da lei, mas retém a pena de morte.”
Imediatamente o chefe-geral dos sacerdotes manda vir mi- lhares de guerreiros que prendem e atiram num cárcere seguro os amotinadores. Em seguida ele ordena recolher todas as armas enve- nenadas e guardá-las. Isso feito, Mahal o leva à residência do amigo, e diante da porta que conduz ao primeiro salão ele diz: “Manda vir varredores e faxineiros a fim de limparem cuidadosamente os soalhos, do contrário cada passo nos custará a vida. Alguns clérigos ligados aos sumos sacerdotes espalharam cacos de vidro no chão e o menor ferimento seria a morte certa.”
Fungar-Hellan executa essa ordem e os faxineiros e varredo- res, com calçados de madeira, começam a limpar todos os recintos. O chefe então pergunta por que andavam calçados desse modo e se sabiam o que se encontrava em todos os quartos. Eles se calam, tremendo de pavor.
Mahal então explica ao amigo: “Eles agiram sob coação, portanto devem ser tratados com indulgência.” E Fungar-Hellan lhes diz: “Confessai tudo, que vos pouparei.” Assim os homens começam a falar coisas que arrepiam os cabelos do chefe-geral dos sacerdotes.
POÇOS, ALIMENTOS E UTENSÍLIOS CASEIROS ENVENENADOS
Temerosos de se encontrarem numa dupla armadilha pela exigência do chefe, dois dos faxineiros dizem: “Estaremos prontos para uma confissão caso nos protejas da ira de nossos inimigos. Se isso não te for possível, estaremos perdidos de qualquer forma, pois se não relatarmos tudo, tu nos matarás. Caso contrário, eles nos estrangularão por causa da delação.”
Responde Fungar-Hellan: “Não vos preocupeis. Vossos pretensos senhores, que vos ameaçaram caso fossem traídos, já se encontram dentro de cárceres bem profundos. Falai portanto sem qualquer receio.”
Os dois faxineiros então relatam o seguinte: “Os clérigos são teus inimigos mais ferozes desde que os nomeastes para tais com uma pretensa autorização do rei e agora encontraram na terrível rainha e em seu favorito Drouit os melhores instrumentos para se vingarem em ti. Ela deseja para si a monarquia, e Drouit, homem sensual, an- seia pela posse dessa mulher sedutora. E os clérigos prometeram-lhes tudo por juramento, caso a rainha for capaz de aniquilar-te, e em seguida nomeá-los os verdadeiros sumos sacerdotes. Por esse motivo, os dois fizeram tudo que se prestasse para tua ruína.
Se não quiseres ter morte certa, evita beber água de teu poço dourado, pois está envenenado. Evita alimentos de tua dispensa, pois tudo está saturado de veneno. Não te deites em tua cama, não uses cadeiras e bancos que estão todos cheios de agulhas envenena- das. Os soalhos se encontram limpos, mas não te fies no restante de teus adornos caseiros, pois facilmente poderiam estar cheios de veneno. Agora sabes de tudo e podes agir com justiça.”
Diante da fúria tremenda de Fungar-Hellan, Mahal lhe diz: “Amigo, controla-te, pois no ódio ninguém pode fazer algo pruden- te. Estás informado de todos os perigos e podes agir com cuidado. Oferece um banquete com os alimentos envenenados e convida to- dos os teus amigos. Os que se negarem a aceitar os alimentos, pren- derás; os que não agirem desse modo, impedirás de se alimentarem. Em seguida te direi o que deve acontecer.”
REVELAÇÕESDOSCOZINHEIROS.CONVITE FORÇADO
Após esse conselho de Mahal, Fungar-Hellan ordena aos co- zinheiros de prepararem um banquete para mil pessoas e diz aos copeiros: “Arrumai as grandes mesas para hóspedes no salão de re- feições, com talheres dourados e colocai as cadeiras especiais e divãs junto às mesas.” Diante dessa ordem, os empregados empalidecem, achando-se perdidos.
Inquiridos pelo porquê desse temor, o chefe da cozinha res- ponde: “Nenhum de nós é culpado, pois fomos obrigados a assistir como os clérigos, sob orientação de vários sumos sacerdotes, enve- nenaram o poço dourado, as despensas, talheres e louças com um veneno dado por Drouit. Experimentaram os alimentos em animais que morreram fulminados, e se tu ou os convivas comerdes daquilo, a morte será instantânea. Não nos atrevemos a tocar nos alimentos, muito menos a prepará-los.”
Diz Fungar-Hellan: “Sei de tudo e por isso darei os alimentos àqueles que tão fielmente cuidaram de mim. Esse meu melhor ami-
go que veio das montanhas vos orientará como tocar nos alimentos sem vos prejudicarem.”
Os cozinheiros e copeiros se dirigem ao velho Mahal que lhes diz: “Antes de tocardes nos alimentos e objetos envenenados é preci- so vos lavardes com azeite e vinagre. E os cozinheiros devem amarrar um pano molhado diante das narinas e assim poderão preparar os pratos sem se prejudicarem.”
Isso feito, o chefe dos sacerdotes manda os arautos convida- rem determinados hóspedes. Entrementes, Fungar-Hellan chama os chefes militares mandando que aprontassem um grande exército, e assim tudo está preparado.
Mas os convivas ficaram desconfiados e se desculpam por não poderem participar do banquete. Então Mahal ordena: “Sol- dados armados devem trazê-los à força.” Dentro de uma hora são transportados cerca de mil hóspedes, entre eles Agla e Drouit, en- quanto o rei Gurat vem por livre e espontânea vontade.
AGLAEDROUITDENTRODA GAIOLA
Quando Agla avista Fungar-Hellan, ela pergunta com voz se- gura: “Que pretendes fazer comigo, após obrigar-me a vir aqui qual escrava? Por acaso é nosso hábito amordaçar e levar perante a justiça uma verdadeira rainha?”
Com calma e bom humor ele responde: “Adorável rainha Agla, sabes que tomei suas irmãs para esposas e justamente hoje pretendo festejar as núpcias. Para tanto usa-se convidar todos os pa- rentes e amigos. Então enviei meus arautos para solicitar a vinda dos hóspedes, mas inexplicavelmente todos se desculparam por não poderem me dar a devida honra.
Cheguei à conclusão de que todos os meus amigos mais íntimos conspiraram contra mim, como se quisessem se amotinar contra meus direitos. Esse foi o motivo de ter enviado depois do pri- meiro convite, amável, um segundo desagradável. Julgo que, como
chefe-geral dos sumos sacerdotes, mereço essa honra de vossa parte, porquanto depende de mim o vosso bem-estar.
Além disso, minha cozinha foi sempre a melhor de todo o reino e meus amigos nunca a desprezaram, e não compreendo por que desta vez foi desprestigiada. Se tu, a mais bela rainha, tiveres qualquer motivo para tanto, eu tudo farei para apagar de teus belos olhos qualquer suspeita aparente.”
Essas palavras não são do agrado de Agla e Drouit; por isso ela obsta: “Se tivesses o menor respeito à minha pessoa, não me terias feito transportar para o banquete, pois sou obrigada a confes- sar uma indisposição que me impede de tomar alimento qualquer, ainda que fosse o melhor do mundo.”
Retruca Fungar-Hellan: “Ora, então sou obrigado a pe- dir perdão, e se tivesse sido informado, não teria feito o segundo convite. Por que não orientaste o primeiro arauto? Vai ao menos até o salão e descansa num divã, pois em seguida mandarei te levar para casa.”
Tremendo dos pés à cabeça, ela diz: “Por acaso pretendes ma- tar-me hoje? Sou proibida de respirar a atmosfera interna sem ficar sufocada.” Diz Fungar-Hellan: “Pobrezinha, como tenho pena dessa tua fraqueza!”
Então Agla finge um desmaio, enquanto Fungar-Hellan manda trazer água do poço dourado para acudir a rainha. No mes- mo instante ela dá um salto, gritando: “Nada de água, pois me mataria instantaneamente!” “Pois bem”, diz Fungar-Hellan, “trazei então minha grande gaiola dourada que há de curar a rainha, e tam- bém trazei uma de ferro para Drouit que parece estar um pouco adoentado.”
As duas gaiolas são trazidas e Fungar-Hellan diz para Agla: “Entra de boa vontade, do contrário serás forçada a tanto! E tu, Drouit, também!” Ambos vacilam e são forçados a entrar nas gaio- las, sendo levados ao salão e colocados na mesa central.
Em seguida, Fungar-Hellan se dirige aos sumos sacerdotes e diz: “Como os pratos estão servidos, vamos ao salão a fim de fazer- mos companhia aos vossos pupilos que se encontram nas gaiolas. Ide de boa vontade, do contrário, usaremos de meios violentos!”
A esse convite, um dos sumos sacerdotes diz: “Deixar-se ten- tar por meio de ameaças e outras iscas é humano. Mas insistir em tais erros de modo próprio é diabólico. Também fomos persuadidos pelos clérigos atilados por meio de ameaças terríveis. Falavam de um poder que sobrepujava por dez vezes o teu, que já te encon- travas aprisionado, sendo teus inimigos os senhores da cidade de todo o reino.
Por causa de centenas de afirmações semelhantes fomos obri- gados a abrir os teus aposentos e assistir como teus inimigos passa- vam veneno em tudo que lá se encontrava, para o que cerca de cem trabalhadores tiveram que morrer, sendo em seguida transportados para qualquer local em carros cobertos. Eis a verdadeira situação. Perdoa nossos delitos forçados e aceita nossa promessa fiel de que seremos teus mais sinceros amigos.”
A esta afirmação, Fungar-Hellan se vira para Mahal e per- gunta que atitude deve tomar. Diz ele: “Prende-os, não no cárce- re, mas em teu coração, e perdoa-lhes que também serás perdoado. Quanto aos clérigos aprisionados, manda se alimentarem na mesa a fim de perecerem em virtude de seu crime. Agla e Drouit devem assistir como se pune tal delito.”
Fungar-Hellan segue o conselho do amigo e cerca de mil clérigos são impelidos ao refeitório e obrigados a se sentarem. Para a maioria, o simples sentar provocou a morte sob convulsões ter- ríveis e só poucos morreram pela ingestão dos alimentos. As duas testemunhas nas gaiolas desmaiaram diante desse quadro pavoro- so e foram levadas ao ar livre, onde se recuperaram com auxílio de vinagre.
Terminada esta cena e os dois ocupantes da gaiola tendo se recuperado do desmaio, Fungar-Hellan pergunta ao amigo o que deve acontecer com os que pagaram seus crimes com a morte e os presos na gaiola. Mahal responde: “Retira imediatamente teus te- souros de teu burgo e manda atear fogo nele. Terás que estar pronto dentro de três horas e aquilo que não for retirado será entregue às chamas, do contrário o julgamento de Deus virá sobre essa casa. Aquilo que não for consumido pelo fogo dentro de dez dias pode ser de novo usado por ti.
Os dois ocupantes das gaiolas devem ser trazidos ao burgo para assistirem ao incêndio, exercitando-se na paciência e na humil- dade. A condenação corresponderá à sua aceitação em benefício de suas almas. Além disso afirmo: Ai de vós, Fungar-Hellan e Gurat, se algum dia resolverdes fazer de minha filha desnaturada uma nova rainha, pois em tal caso enfrentareis um julgamento horrível!”
A esse conselho, Fungar-Hellan manda toda a criadagem, in- clusive a de todos os sumos sacerdotes libertados — ao todo cerca de dez mil pessoas de ambos os sexos — abandonar o burgo e trans- portar os tesouros para o palácio imperial. Passadas as três horas, de- veriam incendiar o claustro sacerdotal em todos os recintos e cantos.
Incêndios mais fortes devem ser efetuados no grande refei- tório onde se encontram os cadáveres. Mas aquilo que se acha na morada do chefe-geral dos sacerdotes, seja ouro ou prata, não devia ser resgatado. Em seguida os dois personagens são levados nas gaio- las ao palácio do rei.
Tudo é prontamente executado. No decorrer de três horas, milhares de libras de ouro e prata e outras preciosidades são levadas ao palácio real. Passado esse tempo, veem-se milhares de incendi- ários correrem à residência sacerdotal com tochas ardentes, e em menos de meia hora todo o enorme complexo, cuja circunferência tem a extensão de várias horas de marcha e conta mais que trinta mil recintos, está em chamas fortíssimas que apavoram toda Hanoch, e
não houve fato idêntico desde os tempos dos dez profetas do fogo nas alturas.
AREVOLTAPOPULARÉ ABAFADA
Em torno do palácio sacerdotal em chamas são organizados destacamentos de guardas, impedindo a aproximação dos que ten- cionam apagar o incêndio. Isto é feito apenas para impedir que os edifícios próximos fossem atingidos pela chuva de brasa e que corre- riam assim grande perigo.
Os moradores da cidade procuram descobrir a razão de tudo isso. Alguns acham que Fungar-Hellan foi sacrificado pelos adversá- rios. Outros dizem que ele conseguira atraí-los ao palácio, trancan- do-os em seguida para exterminá-los pelo fogo, pois tal atitude era bem do feitio do chefe-geral dos sacerdotes. Outros, possuidores do conhecimento dos dez profetas do fogo, admitem que tenha descido das alturas profeta semelhante, produzindo seus milagres destruido- res diante do sacerdócio renegado de Deus.
Diante de tais opiniões, há grande número de curiosos que- rendo descobrir a razão dessa ocorrência terrível. Mas os guardas têm ordem de silenciar, de sorte que ninguém consegue uma expli- cação. Isto provoca um verdadeiro levante entre os moradores da cidade, que a todo custo querem saber o que se oculta por detrás do incêndio.
Então Fungar-Hellan aparece na vanguarda de um forte pe- lotão e diz para um ricaço de Hanoch: “O que pretendeis alcançar por esse tumulto? Voltai à ordem, do contrário vos farei passar por cima de espadas incandescentes. Por acaso não sou proprietário de minha casa, podendo agir a meu gosto? Que vos importa como e por que mandei incendiá-la? Retirai-vos imediatamente se não qui- serdes encontrar a morte em chamas semelhantes!” Tais palavras têm efeito decisivo. O levante foi abafado e são poucos os espectadores do incêndio.
Como Fungar-Hellan passava o maior tempo do incêndio, que durou dez dias, no castelo imperial de onde resolvia seus proble- mas, no mesmo recinto onde se encontravam as duas gaiolas, acon- tecia várias vezes que Agla implorava que ele a libertasse ou então a matasse, pois aquele suplício era por demais insuportável.
E o chefe-geral dos sacerdotes sempre respondia com voz mansa: “És de fato um passarinho belíssimo — mas também muito mau e perverso. Por causa de tua beleza não te matarei, mas hei de te manter nessa preciosa gaiola como se costuma cuidar dos pássaros belos, que não raro são perigosos quando se encontram em liberda- de. Dentro de gaiolas tornam-se meigos, mansos e bons. Quiçá essa gaiola não terá o mesmo efeito sobre ti?
Quando te encontravas livre, numa vida maravilhosa, só pensavas no extermínio de pessoas que não te agradavam; e como eu também não te fui muito simpático, tentaste tudo para me tirar a vida. Mas o Deus Verdadeiro não quis que tal astúcia tivesse êxito, e eu ainda sou o que fui, mas tu não és mais o que eras, e sim apenas meu passarinho estimado e belo.
Facilmente poderia mandar cortar tua cabecinha ou arra- nhar teu corpo delicado com uma agulha envenenada. Mas não sou mau como tu, portanto nunca hei de fazer tal coisa. Não poderei libertar-te antes de me convencer totalmente que de fato estás mei- ga e domada.
Não passarás privações nesse teu cárcere especial. Terás o que comer e beber. Para tuas necessidades fisiológicas há este cai- xote, que é limpo três vezes ao dia e pode ser fechado para evitar que o mau cheiro perturbe tuas narinas. Tens um leito macio e, havendo necessidade, poderás fazer alguns exercícios. Que mais queres? Drouit não desfruta de tantas vantagens, mas no fundo nada lhe falta.”
Sempre que Agla pedia libertação ao chefe-geral, ela recebia a mesma resposta e se aborrecia sobremaneira. Mas escondia sua re- volta para ludibriá-lo. Fungar-Hellan por sua vez andava precavido e atendia sempre ao velho Mahal.
ORDEM PARA RECONSTRUÇÃO DO PALÁCIO EADVERTÊNCIAMISTERIOSADO ALTO
Passados dez dias e o incêndio se tendo apagado, Mahal diz para Fungar-Hellan: “Manda pedreiros e marceneiros darem uma busca nos escombros a fim de verificarem possíveis preciosidades, que devem ser recolhidas no salão de banquetes e em teus antigos recintos. Não importa que os objetos de ouro e prata estejam fun- didos. Devem igualmente ser juntados cuidadosamente, não pelo valor, mas por um motivo que ainda não compreenderias, portanto não te esclarecerei a respeito.”
Fungar-Hellan segue o conselho do amigo e manda no mes- mo dia mil pedreiros e número idêntico de marceneiros ao local do incêndio. Eles fazem a coleta durante dez dias e encontram mais de vinte mil libras em ouro e prata fundidos e quantidade incrível de diamantes, rubis e esmeraldas.
Diante desses tesouros imensos, Fungar-Hellan exclama: “De fato, não podia supor que tanta coisa teria restado, porquan- to três horas antes do incêndio uma quantidade colossal havia sido transferida do burgo.”
Responde Mahal: “Podes mandar os operários dar uma nova busca e eles hão de encontrar outros tantos após a limpeza do entu- lho.” Realmente, os homens encontram, durante outros dez dias de busca, uma quantidade quase maior de ouro fundido, que levam ao palácio imperial.
Diante da estupefação de Fungar-Hellan, Mahal diz: “Agora podes mandar reconstruir o burgo, pois as paredes são boas.” O che- fe-geral providencia a convocação de construtores, mas no mesmo dia ressoava uma voz pela janela dizendo: “Tal trabalho é infrutífe-
ro!” — Ninguém sabe explicar sua origem e o próprio Mahal está perplexo; muito mais porém Fungar-Hellan.
FUNGAR-HELLANSEABORRECEEACUSA DEUS
Inquirido por Fungar-Hellan a respeito daquela voz, Mahal responde: “Essa advertência não surgiu de boca humana, mas foi o pronunciamento da Boca invisível de Deus, e significa o seguinte: Em breve Deus há de enviar um julgamento sobre o mundo como jamais foi visto. Por isso a construção de teu burgo será inútil!”
Revoltado, Fungar-Hellan diz: “Dize-me o que pretende o antigo e sempre aborrecido Deus! Se Ele não está satisfeito como nos criou, que nos transforme segundo Seu Agrado! Confesso que teu Deus se apresenta bastante fraco na constante ameaça de um julga- mento qualquer e revela às Suas criaturas uma imperfeição inédita para um homem honesto. Se Ele nos criou como seres livres, por que nos entrelaça com certas leis que nos são mais repelentes que a própria morte, segundo a natureza estipulada por Ele?
Tornando-se impossível respeitarmos tais leis devido a cir- cunstâncias várias, ou se formamos imagens Dele e de Suas Forças produzidas, permitindo que o povo as venere — pois não concebe uma noção Dele Que nunca se apresenta aos nossos olhos — ime- diatamente Ele começa com Suas ameaças de julgamento já feitas ao próprio Caim. Não achas isto ridículo?
Se minha organização não Lhe agrada, que venha para mos- trar de que maneira deve ser feita e eu obedecerei Sua Determinação. Mas durante um século Ele nada diz e Se porta como se estivesse dormindo ou satisfeito com tudo. Desse modo muita coisa se perde no decorrer dos tempos da Sua Vontade revelada e a pronta execu- ção. Quem seria culpado senão Ele Próprio, porquanto não é Igual em todas as épocas?!
Se Ele Se apresenta a um povo como Sábio Professor, por que não o faz com outro? Talvez um não se origine Dele como o outro? Então que venha e nos transforme ou aniquile — mas num instante
— a fim de pôr um ponto final nessa ameaça excessivamente abor- recida! Estou farto disso tudo!
Certamente afirmarás que o Senhor nos enviou mensagei- ros por várias vezes. Para mim tais mensageiros não honram um Verdadeiro Deus, por serem mais fracos que nós. Tomemos como exemplo teu filho Waltar. Como pode um Sábio Deus escolher tal profeta para converter o povo de Hanoch? Sobrepujou-nos em suas fraquezas, no entanto deveria ter sido um profeta, um professor do Poder de Deus. Que me dizes a isso?” Mahal está totalmente pertur- bado com tal discurso e não sabe o que responder. Mas o chefe-geral dos sacerdotes insiste numa explicação.
MAHALANUNCIAOJULGAMENTO BREVE
Percebendo que Fungar-Hellan se tornava cada vez mais im- petuoso, Mahal ergue a mão para o alto e diz: “Grande Deus! Teu velho servo se encontra em grande perigo, por isso salva-o através de Tua Grande Graça e Misericórdia! Dá-lhe a intuição no coração pela qual poderá enfrentar um impotente rebelde contra Ti!”
No mesmo instante um raio da Força Divina se projeta no coração de Mahal, que agradece a Deus e diz ao chefe-geral: “Verme totalmente impotente de uma criatura desta Terra! Pretendes dis- cutir com Deus, apontando-Lhe fraquezas humanas através de tuas razões enganadoras e, além disso, vingar-te na Sua Sabedoria com ajuda de teu intelecto fraco? Aconselho-te que tremas diante do ul- traje cometido na Santidade Inviolável de Deus! A Terra deixou de ser uma base sólida para teus pés, e o éter de Deus há de se revoltar contra ti por teres vilipendiado a Santidade do Senhor!
Se tivesses afirmado que Deus é impiedoso não sentindo amor para Suas criaturas, tal seria uma censura humana e perdoável. Mas atacaste a Sabedoria e a Ordem Eterna de Deus, declarando-O um tolo cuja sabedoria era sobrepujada por um simples homem. Isso foi um grande ataque à Santidade Divina, portanto um pecado im- perdoável, e tal pecado atrairá para todos vós o Julgamento de Deus!
Se o coração humano em todo o reino fosse melhor que o teu, Deus pouparia este país por mais cem anos, aguardando sua melhora. Mas como foste até hoje o melhor de todos, muito embora não te encontrastes com apenas um cabelo dentro da Ordem Divina e agora te separaste de Deus através de tua crítica, o julgamento já está diante da porta e afirmo que não passarão vinte anos e teu mun- do atual não existirá mais!
Adão pecou contra Deus e o Senhor julgou toda a Criação por meio do fogo. As rochas dilaceradas da Terra dão testemunho e prova insofismável disso. Em tempos de Olad, quando esse reino também havia apostatado de Deus, Ele enviou igualmente um julga- mento de fogo sobre todos os continentes da Terra, e novamente as montanhas e vales foram dilacerados pelo poder do fogo. As racha- duras horizontais dão testemunho nas rochas.
Em todas essas ocasiões, o Senhor poupou a criatura e apenas quis mostrar Seu Poder Divino e a nulidade do homem. Mas desta vez Ele atacará o gênero humano e o aniquilará até onde chega a enxurrada de vosso pecado. Eis a resposta que esperavas e não posso te dar outra, porque Deus não deu outra para ti e todo o teu povo!” Tais palavras impressionaram fortemente Fungar-Hellan, que se en- cheu de grande pavor. Tinha muito respeito por Mahal e começou a pensar de que maneira poderia apaziguar Deus e Mahal.
BÊNÇÃODAVERDADEIRA HUMILDADE
Enquanto Fungar-Hellan meditava o que fazer para apazi- guar Deus e Mahal, ouve-se uma voz tonitruante no grande salão do trono, onde também se encontram o rei Gurat e grande número de ministros do reino, e a Voz diz: “Quem alimentar um justo remorso no coração em virtude de seu pecado não deve vacilar, pois Deus não é irreconciliável. Quem se aproximar do Pai com remorso e amor não deve temer, pois alcançará o perdão de seus erros.
Se todo o reino fosse como Hanoch, embora destacando poucas criaturas boas, Deus aguardaria mil anos pela total regene-
ração. Mas ide visitar vossos vassalos nas doze cidades adjacentes e havereis de encontrar tamanhos horrores como nunca ouvistes falar.
Eliminastes do povo todos os impostos fixos e organizastes outros, maleáveis e de certo modo voluntários. Precisamente tal ino- vação deu oportunidade a todos eles de formularem os impostos livres de tal forma que nenhum súdito está seguro diante de uma dolorosa mendicidade. Se alguém não se dispuser a tal mendigo o que ele pede, ele imediatamente começa a fazer as mais horríveis ameaças. O súdito não dando importância àquele, o mendigo se afasta sob maldições e imprecações.
Não se passa um dia e todas as maldições são efetuadas no súdito através de magias naturais e do inferno. Neste instante são martirizados mil súditos da maneira mais incrível, e o mesmo ocor- rerá dentro de uma hora.
Deveria Deus poupar por mais tempo o gênero humano nessas circunstâncias e esperar por sua regeneração?! Em verdade, o inferno será o eterno local de regeneração para tais demônios em figura humana.
Justamente hoje o Senhor, Deus de Céus e Terra, ordenou a Noé nas montanhas de construir uma arca segundo certo plano, e Noé já começou a trabalhar nessa obra. Aquele que quiser ser salvo deve fazer justa penitência diante de Deus e procurar levar outros à penitência, que Deus o conduzirá em tempo certo para fora deste país de perdição, a fim de não ser condenado com os demônios. Tu, Fungar-Hellan, vai com teu exército destruir todos os templos pagãos, caso almejes o perdão de teu grande pecado perante Deus. Mas precavém-te de excessiva crueldade! Amém.”
Esse pronunciamento, como surgido do ar do salão, pro- voca o pior susto em todos, inclusive em Mahal, e Fungar-Hellan ordena a seus capitães de organizarem todo o poderio bélico den- tro de três dias. Mahal promete acompanhá-lo em toda parte em Nome de Deus.
Quando os militares se afastam rápidos para organizar as tro- pas, Gurat se aproxima de Fungar-Hellan e diz: “Daqui por diante estarás encabeçando os guerreiros e certamente ficarás ausente du- rante anos, cabendo a mim reger a cidade de Hanoch. Tal tarefa será muito pesada para mim. Não poderias deixar alguns de teus mais peritos funcionários aqui, para me ajudarem a supervisionar e guiar o grande povo?”
Responde Fungar-Hellan: “Dispões em teu burgo de mais de dez mil funcionários de simples e alta categoria. Não seriam su- ficientes? Aconselho-te que não os alimentes em vão, mas faze com que trabalhem e eles obedecerão.”
Retruca Gurat: “Terias razão, caso houvesse algo aproveitável em suas cabeças. Sabes que ambos fomos obrigados no início a atrair os personagens importantes da cidade a fim de assegurarmos nosso trono, dando-lhes colocação brilhante na corte.
Tais pessoas sempre foram muito tolas e nós as positivamos em sua tolice por certos motivos, muito embora soubéssemos apre- ciar igualmente os mais inteligentes. Agora tais tolos devem tomar a direção governamental ao meu lado. Realmente, isso dará um go- verno do qual o próprio Satanás sentirá repugnância. Por essa razão compreenderás que necessito de alguns bons funcionários durante tua ausência.”
Então Mahal se vira para Fungar-Hellan e diz: “Entrega-lhe cem homens de tua escola, com os quais poderá se equilibrar.” Fun- gar-Hellan põe cem sumos sacerdotes à disposição de Gurat, que com ele devem organizar o governo. Mas havia ainda outro proble- ma, isto é, a solução dos prisioneiros dentro das gaiolas. De novo Mahal aconselha: “Eles ficarão onde estão, e só num caso de en- fermidade ou visível melhora, um ou outro poderá ser liberto. Mas nenhum poderá deixar a sala antes de voltarmos. Antes de mais nada devem ser separados ainda hoje.”
Quando Gurat e Fungar-Hellan entram no recinto onde os dois delinquentes estão aprisionados por forte guarda, Agla começa a implorar: “Poderosos dirigentes do reino e também tu, meu pai Mahal! Sou grande pecadora diante de Deus e de todos, pois usurpei os Direitos Divinos e dos homens, merecendo apenas a morte como castigo. Reconheço que esse castigo é bom demais para mim, pois uma gaiola incandescente seria apropriada para meu caso.
Mas onde estaria um pecador aprisionado que não deseja a liberdade, merecida ou não? O mesmo acontece comigo. Muito embora ciente da enormidade de meu crime, sinto um desejo ar- dente de liberdade que torna esta prisão insuportável. Prefiro ser apunhalada a continuar aqui, onde sou constantemente provocada e injuriada pelos guardas.
Mahal, meu pai; Kisarell, meu irmão; vós, minhas queridas irmãs; apiedai-vos de mim. Considerai-me uma criatura aprisionada pelo inferno, ofuscada e seduzida, e certamente sentireis misericór- dia para ao menos me proporcionar a morte! Não temais que um dia possa voltar a ser perigosa para vós, pois quem de mãos ergui- das pede a morte jamais pedirá o trono para si! Grande e Poderoso Deus, não fosse o meu pecado tão grande, haveria de Te pedir por minha salvação! Assim, não me atrevo a clamar por Ti! Mas aplaca o coração desses Teus dirigentes a fim de terminarem com minha existência!”
Após essas palavras, Agla cai desacordada e Fungar-Hellan manda abrir a gaiola. Ela é imediatamente tratada com fortificantes e se refaz rapidamente. Então Fungar-Hellan diz: “Agla, estás dis- posta a morrer em vez de voltar ao cárcere? Tens aqui um punhal e lá está a gaiola. Escolhe!”
Apontando para o peito, ela diz: “Aqui bate o coração tão en- ganado e aprisionado. Liberta-o com a arma em tua mão!” Atirando o punhal para longe, Fungar-Hellan diz para Mahal: “Com isso per- doo tudo à tua filha. Que Deus e tu mesmo resolvam o seu futuro!”
Responde Mahal: “Se perdoaste, eu também perdoo. Mas ela não poderá permanecer aqui e terá que nos acompanhar.” Agla se ajoelha diante de seu pai e chora de contrição. Todos os presentes estão muito satisfeitos com a regeneração de Agla.
INSTRUÇÕESPARA DROUIT
Diante da libertação de Agla, Gurat pergunta a Fungar-
-Hellan se poderia ocorrer o mesmo com Drouit, caso se regeneras- se. Mas o chefe-geral dos sacerdotes responde: “Não, Drouit ficará em sua prisão até que eu ou meu sucessor volte. Ele deve ser bem tratado. Se quiser a companhia de mulheres, poderá ser feita essa concessão, e caso desejar apenas palestrar sobre Deus, do Qual se afastou tão miseravelmente, será ainda melhor. De qualquer manei- ra terá que ser rigorosamente vigiado. Como Agla está livre, Drouit poderá ficar nesta sala.
Anota tudo que ele fizer para eu poder me orientar a respeito de seu benefício ou castigo. Desejando fazer alguma leitura, deve ser atendido. Com isso tens as necessárias instruções para Drouit e se as considerares estritamente todos nós lucraremos, pois tal é a Vontade de Deus.”
Mahal concorda plenamente e Gurat se alegra com isso, pois fora precisamente o homem que lhe havia arrancado a coroa através de sua astúcia. Por tal motivo jura cumprir tudo estritamente. A fim de testar sua filha Agla, Mahal pergunta se ela está satisfeita com a determinação feita, e ela responde: “Meu pai, por que procurar ten- tar tua filha tão infeliz e miserável? Por acaso não sou bastante infeliz tanto no mundo quanto em minha alma? No mundo sou a mais desprezada e temida serpente; e em minha alma, diante de Deus, a mais perversa, porque o sangue do meu irmão clama constantemen- te por vingança. Não me tentes mais, meu pai, pois não houve na Terra criatura mais infeliz do que eu! Se bem que vós me perdoastes tudo, Waltar, a quem eu mandei matar, jamais me perdoará, e Deus também não me perdoará tal crime.”
Essas palavras de Agla provocam grande sensação e o próprio Mahal se arrepende de ter feito tal pergunta à filha. Por isso todos começam a consolar a pobre Agla.
AGLASEVESTECOMROUPADE CRINA
Drouit, que havia ouvido a determinação a seu respeito, tenciona sair também de sua gaiola por meio de queixas e lamú- rias fingidas com relação aos seus pecados contra Deus e Fungar-
-Hellan. Mas este obsta: “Conheço o cântico dessa ave de rapina, que inteligentemente imita as pequenas avezinhas a fim de atraí-
-las para suas garras. Não seremos tão tolos a nos deixar seduzir por sarça qualquer.
Que chore e se queixe à vontade, pois continuará em sua morada de grades conforme eu havia determinado. Vejo que essa punição é por demais suave para sua atitude criminosa, pois mere- ceria morrer mil vezes. Deve agradecer ao grande Mahal, verdadeiro profeta de Deus, que seu castigo é tão suave. Se coubesse a mim determiná-lo, sofreria outras punições. Mas deixemos esse assunto tão desagradável!”
Diante dessas palavras do chefe-geral dos sacerdotes, Drouit se cala e também deixa de externar seus pecados diante da grande assembleia da sala, o que desperta em muitos boas gargalhadas, pois veem que Fungar-Hellan tinha razão em suas observações.
Agla, ainda em vestes régias, se vira para o chefe-geral e diz: “Meu companheiro e marido tão enganado por mim! Eu, que sou a maior pecadora diante de Deus, de ti, do rei, de meu pai e de todas as criaturas, ainda estou com as vestes de rainha nesse corpo despre- zível. Por isso peço que me dês uma roupa de crina que justifique uma pecadora.”
Então Mahal se vira para Fungar-Hellan e diz: “Atende o pedido dela!” — Assim Agla troca suas vestes de rainha por uma de máxima pobreza e volta para o grupo em companhia de seu pai, e to- dos, inclusive Fungar-Hellan, se alegram muito de sua regeneração.
Passado algum tempo, Mahal pergunta à sua filha arrependi- da o que, a seu ver, ela achava o maior crime perante Deus e os ho- mens: se a ordem do assassínio do irmão, ou a morte executada por ela mesma nas vinte e uma mulheres de Waltar, ou talvez sua par- ticipação direta na conspiração contra o chefe-geral dos sacerdotes.
Responde Agla: “Meu pai, sabes melhor qual meu pecado mais abjeto, pois não estou em condições de avaliá-lo. Sei apenas que todos eles me mataram espiritualmente perante Deus. Oh, se nunca os tivesse cometido, se nunca tivesse visto as profundezas de Hanoch, e ainda estivesse pura e inocente como fora nas monta- nhas! Mas não posso desfazer o que foi feito, por isso acho uma grande tolice analisar qual seria o meu maior crime.
Diante de Deus todos os pecados contra Sua Santa Ordem são iguais e seu efeito também é igual, trazendo a morte eterna para o espírito da criatura. Nesta morte espiritual, que faz parte integran- te do meu ser, não posso avaliar qual o pecado que provocou minha morte mais fortemente.
Dei ordens de matarem meu irmão, e com isto matei o meu espírito e Agla deixou de existir. Somente suas forças físicas agiam, alimentadas de sua morte espiritual, de sorte que todas as ações pos- teriores tinham que ser um crime abominável perante Deus e todas as criaturas espiritualmente vivas. Da morte só podia nascer a morte.
Desse modo, as ações subsequentes à primeira eram menos condenáveis para minha consciência. Se nunca tivesse cometido o primeiro crime contra a Ordem Divina, os demais não teriam sido praticados. Com o primeiro passo para as planícies eu deveria ter voltado — e ainda seria a mesma como quando nasci, e todos que matei ainda estariam vivos. Agora é tarde e só me resta o remorso com o primeiro passo errado.” A essas palavras, ela começa a chorar amargamente.
Mahal porém diz: “Grande Deus, agradeço-Te do fundo do meu coração por ter reencontrado minha filha querida! Vem cá,
Agla, descansa no peito de teu pai e volta teu coração para Deus, que hás de encontrar Misericórdia junto a Ele!” Agla se atira nos braços de Mahal e alivia seu coração com as lágrimas do verdadei- ro remorso.
TOLICE DO BRILHO EXTERNO E A SABEDORIA DA SIMPLICIDADE
Enquanto Agla chora no peito de Mahal, Fungar-Hellan lhe diz: “Agla, nessas vestes me agradas muito mais que nas roupas im- periais, que em breve teriam feito de ti uma serva perfeita do infer- no. Continua nessa disposição que agradarás muito mais a Deus e a mim, pois confesso que sou adversário de todo brilho de quem quer que seja.
Quem de hoje em diante quiser ser meu amigo, que se des- poje de suas vestimentas pomposas e eu o considerarei como criatu- ra empenhada no bem dos povos. Ouro e prata devem ser transfor- mados em moedas úteis, com a efígie do rei e minha. Deste modo serão úteis para o povo. Mas se as costuramos em nossas roupas, que com isto se tornam tão pesadas a quase nos impedirem de andar — qual seria o benefício popular e da Própria Divindade, o Senhor de toda Glória?
Enquanto não conseguirmos enfeitar nossa veste com as ge- nuínas estrelas dos Céus e nosso peito com o justo Sol em Honra Daquele Que nos criou, todo e qualquer enfeite falso deve ser afas- tado de nós. Aquilo que não brilha por si só, como o Sol e as estre- las nos Céus, é apenas ladrão da luz e ofusca enquanto a grande e santa luz brilha no Céu com seu brilho de Deus. Mas uma vez que desaparece, os ladrões da luz tão considerados por nós são iguais ao detrito e ao mofo.
Tudo que for usado com utilidade agrada a Deus, que tudo criou em benefício dos homens. Se empregarmos tais coisas para fins tolos, orgulhosos e absurdos, tal uso deve constituir um horror
perante o Senhor, a Própria Ordem Eterna. Fora com tudo isso que brilha em nossas vestes, aqui e em todos os países!”
Com isso, Fungar-Hellan joga para longe todas as joias, sen- do imitado pelo rei e pelos demais dignitários, e todo ouro e prata são levados à casa da moeda a fim de serem transformados em mo- edas usuais.
Mahal louva Fungar-Hellan por essa determinação e diz: “Parece que o Espírito do Senhor já se apossou de ti, pois tive a impressão de ouvir de ti o velho Henoch; tal sabedoria não costuma existir no homem.” Em seguida Mahal agradece a Deus por ter sido tão Magnânimo com Fungar-Hellan, e os sumos sacerdotes con- cluem ser ele agora totalmente merecedor de ser chefe-geral e todos acrescentam seu amém.
PRONTIDÃO DO EXÉRCITO CONTRA O DEUS DOSMETAISEDOS FERREIROS
Neste ânimo se passaram três dias, nos quais os generais ti- nham que organizar o exército para a expedição prevista. Na tercei- ra noite os primeiros generais procuram Fungar-Hellan no castelo imperial a fim de informá-lo de que um exército de dois milhões de soldados está acampado nas grandes praças, aguardando ordens.
Então Fungar-Hellan diz ao primeiro: “Dentro de três horas se dará a partida e todo o exército se encaminhará primeiro para o templo do deus dos metais e dos ferreiros. Em seguida avançarão os operários para destruírem tudo que tenha o mais leve aspecto de ídolos, mormente no templo principal.
Caso os mineiros e sacerdotes se opuserem à execução dos operários, uma forte tropa militar deve estar a postos e obrigá-los à obediência, matando os renitentes. Se sacerdotes e mineiros con- cordarem com a destruição dos ídolos, devem ser conduzidos ao meu acampamento onde receberão instruções futuras, incluindo seu provimento.
O grande exército tem a incumbência principal de cercar o templo com três círculos, cuidando especialmente que ninguém consiga evadir-se. Todo o ouro e prata tem que ser recolhido e tra- zido aqui, e trarei grande número de cunhadores que transformarão tudo em moedas correntes, com as quais será pago o exército que fará cursá-las entre o povo. Eis minha ordem junto ao rei Gurat!”
A tal ordem os primeiros generais transmitem ao exército sua incumbência, enquanto Gurat manda equipar mil camelos, convo- ca mil cunhadores que se deviam aprontar com seus apetrechos, e mais setecentos camelos para Fungar-Hellan e sua comitiva. Três horas antes do pôr do sol do dia seguinte todos já estavam de pé, os camelos são montados e a grande tropa se movimenta em direção ao grande exército.
REJEIÇÃODO ULTIMATO
Antes que a comitiva da corte encontrasse o exército, a maior parte deste já se encontrava em marcha para o templo dos ferreiros, não muito distante de Hanoch, que fora erigido em honra de Tu- balkain, inventor do preparo dos metais.
Quando a vanguarda chega à forte muralha do templo, exi- ge dos guardas permissão para entrar. Mas eles respondem: “Nesta época ninguém pode penetrar no jardim do santuário e somente um astuto violador consegue formular tal coisa com violência. Qual é vossa intenção a esta hora?”
Os soldados retrucam: “Nada mais senão destruir esse santu- ário e as paredes santificadas, por ordem de Fungar-Hellan, até suas bases e para todos os tempos, matando os renitentes. Resolvei logo o assunto, pois atrás de nós marcha um exército de dois milhões de soldados.”
Mais calmos, os guardas respondem: “Se esta é a situação, temos que informar o sumo sacerdote para que vos possa receber condignamente como emissários do poderoso Fungar-Hellan.” A vanguarda porém retruca: “Ele será informado somente depois de
termos destruído o templo totalmente; por isso abri o portal, do contrário usaremos de violência!”
Enraivecidos, os guardas gritam: “Então é esse o vosso plano? Roubar e assaltar ouro e prata e os santuários do templo! Poupare- mos essa tarefa, pois o caminho para o sumo sacerdote será encurta- do como jamais poderíeis sonhar!”
Imediatamente alguns guardas anunciam ao sumo sacerdote, que convoca seus soldados e providencia o funcionamento de seus artifícios infernais. As montanhas começam a cuspir fogo em vários pontos, o templo todo se torna incandescente e do próprio muro do jardim também aparecem labaredas em toda parte, e isso dentro de uma hora.
Diante desse imprevisto, a vanguarda se retira para juntar-
-se ao exército que também para, não se animando a penetrar nes- se mar de fogo. Entrementes, chega também a comitiva da corte e Fungar-Hellan também se admira diante do espetáculo de fogo. Mahal porém aparteia: “Deixa que efetuem suas produções de arti- fício durante o dia de hoje. Amanhã começaremos com as nossas.” Fungar-Hellan avisa o exército que assiste com calma a reação dos sumos sacerdotes.
MASSACREDECINCOMIL TEMPLÁRIOS
Na manhã seguinte, após terminado o fogo na noite an- terior, Fungar-Hellan se encaminha pessoalmente para o grande portal, acompanhado de sua gente e exige que se lhe abra. Como ainda é cedo, é ele repelido por não ser reconhecido, pois na ma- drugada qualquer um pode alegar ser o grande chefe-geral dos sacerdotes.
A tal objeção dos guardas, ele responde: “Juro por minha vida que se fizer minha entrada na luz do dia, vós e todos os tem- plários sereis assassinados, pois estais impedindo que eu faça o que o Antigo Deus de Adão, Seth e Henoch me incumbiu, e isso será vossa morte!”
Retrucam os guardas: “Conhecemos essas teses de terror! Vai embora, pois também não serás recebido de dia, ainda que fosses o próprio Fungar-Hellan e aguardasses o ingresso durante anos!”
Tal resposta irrita profundamente o chefe-geral, que volta ao exército e manda colocar a dez passos do muro seis minas cheias de grandes sacos de pólvora, incendiados por um estopim que só apaga depois de atingir o alvo. Seiscentos mineiros se põem em atividade e, ao surgir do Sol, cada grupo de cem já se encontra debaixo da mu- rada e em poucos minutos dá-se uma terrível explosão, derrubando grande parte do muro que permite avanço ao exército.
Quando os templários e sua grande criadagem percebem o atentado às suas muralhas sagradas, fogem para as montanhas onde são recebidos pela guarda espalhada de Fungar-Hellan, que os pren- dem e os conduzem perante o chefe-geral. Este se dirige para Mahal, pedindo orientação para o destino dos renitentes, e ele responde: “São homens verdadeiramente diabólicos e merecem aquilo que disseste.”
Fungar-Hellan convoca um destacamento de soldados, que extermina os prisioneiros em número de cinco mil e nenhum foi poupado. Isto feito, passa à destruição do templo e à cunhagem de ouro e prata, e nessa tarefa se passaram apenas três dias.
OS METALÚRGICOS REJEITAM A DOUTRINAÇÃO DE FUNGAR-HELLAN E MAHAL
Quando a notícia dessa operação destruidora se espalha nas minas circunjacentes, os mestres se apavoram e enviam imediata- mente uma delegação para o acampamento de Fungar-Hellan, per- guntando com o devido respeito qual o significado daquela ocorrên- cia tenebrosa.
O chefe-geral dos sacerdotes os orienta com referência ao Verdadeiro Deus e que a destruição ocorrida com apetrechos pagãos tinha que se dar, pois do contrário a Divindade faria passar o julga- mento anunciado desde épocas remotas sobre todas as criaturas da Terra, pois o paganismo é um horror para Deus.
Dada essa explicação, Mahal também adverte os emissários para retornarem a Deus e que devem anunciar o terrível julgamento a seus mestres metalúrgicos, mas que também poderiam reencontrar a Graça Divina caso se regenerassem.
Os advertidos então começam a praguejar dizendo: “Vede só os caprichos dos personagens importantes! A toda hora inventam outras leis e outros deuses! Quanto não custou a esse rei a constru- ção desse templo, e quais não foram os pretensos milagres de todos os lados! Agora ele mal existe durante dez anos e já deram cabo dele, certamente por não render o lucro esperado, e os poderosos não podem se privar do ouro e prata acumulados durante esse tempo.
De repente deve ser considerado o Deus antigo e tolo, que não exige templos nem dinheiro porque de fato não existe. Dispensa até mesmo uma imagem de Si Mesmo, pois deve ser considerado como Divindade de brisa. Hoje se destroem os templos instituindo o antigo Deus imaginário. No próximo ano os cobradores de impos- tos aparecerão exigindo tributos fantásticos, em nome do rei.
Que vida infernal a deste mundo! Passamos um curto tem- po de calma, e de repente surge um profeta esfaimado e dotado de alguns truques de magia. Começa a assobiar para os grandes tolos, que imediatamente iniciam a dança. De maneira alguma acompa- nharemos essa determinação, e quem quiser seguir-nos que venha! Os outros terão que acompanhar os afins!”
Esse é o fruto da revelação do Verdadeiro Deus entre muitos chefes metalúrgicos. Veremos os resultados posteriores.
ATAQUEEDESTRUIÇÃODOTEMPLODO TOURO
Quando Fungar-Hellan expediu a delegação dos mineiros, deu ordem ao exército de se dirigir para a região distante nas mon- tanhas onde se encontrava o templo do grande touro, pois pretendia agir da mesma maneira como anteriormente.
Assim, o exército parte em tropas de duzentas unidades, cada qual com mil homens, com exceção dos cortesãos e empregados da
corte. Em três dias chegam à região desse templo e o exército acam- pa numa distância de cinco horas de marcha aguardando ordens. Com a chegada de Fungar-Hellan levanta-se uma enorme tenda para seu quartel geral.
Uma vez na presença de seus capitães, ele diz: “Por acaso não havia determinado antes da partida para aqui de repetirmos o ocor- rido com o templo do deus dos metais? Para que devo dar ordens pormenorizadas? Sabeis onde se encontra o templo e o desfiladeiro. Providenciai o tríplice cerco e um destacamento destruirá a constru- ção até o fundamento, colherá ouro e prata, e aprisionará sacerdotes e serviçais, trazendo tudo ao meu acampamento.”
No decorrer de dez horas o templo é cercado e o destacamen- to pede permissão de entrar. Como também já é bastante tarde da noite, não lhe é permitido o ingresso. Diante da ameaça do chefe militar, os sacerdotes aparecem para saber qual o motivo desta exi- gência. Uma vez informados, os habitantes, cerca de mil homens, sobem pela muralha e atiram pedras nos soldados. Estes se retiram e começam a colocar minas com material explosivo. Antes de ama- nhecer, a muralha toda está destruída. O exército invade o paço, arrasa o templo e aprisiona todos os sacerdotes, levando seus tesou- ros consigo.
LIBERTAÇÃODOS PRISIONEIROS
Uma vez feita a total destruição, e os sacerdotes e templários se encontrando diante do chefe-geral, este começa a fazer um severo interrogatório dizendo: “Quem foi o construtor deste templo? Não fui eu? Se assim é, por acaso não tenho o direito de destruir minha posse quando quiser? Por que motivo negastes de aceitar minhas ordens, atirando pedras em meus delegados, matando dez e ferindo outro tanto seriamente?”
Respondem os prisioneiros: “Se tivéssemos visto tua pessoa, teríamos acreditado que tal ordem era tua. Não te vendo entre os soldados, tampouco ouvindo tua voz, pensamos tratar-se de um ar-
dil de um poderio estranho que pretendia apossar-se de teu ouro e prata, que sempre recolhemos em teus depósitos.
Além disto, não conseguimos verificar durante a noite se os uniformes eram de Hanoch ou de outras regiões. Por tal motivo defendemos teus tesouros à medida do possível e julgamos não ter cometido uma fraude, pois um servo fiel merece antes um prêmio do que uma punição.”
Diante desta desculpa astuta, Fungar-Hellan diz: “Bem, se isso fizestes por fidelidade para comigo, recebereis o prêmio em vez de punição. Sois livres e podeis agir à vontade durante três dias. Pas- sado esse prazo, voltai para eu vos dar nova tarefa.”
Postos em liberdade, eles voltam imediatamente para as montanhas. Mas Fungar-Hellan envia os mais espertos espiões atrás para observá-los a cada passo.
DESAPARECIMENTO DOS LIBERTOS NA MISTERIOSA ABERTURA DA ROCHA
Eles se dirigem diretamente ao local onde se encontrara outrora o templo, precisamente a uma rocha na qual existia uma abertura bastante grande para dar passagem a um homem de meia estatura. Nessa fenda os libertados somem e os espiões aguardam até a noite a fim de observarem os acontecimentos. Mas nada acontece. À noite convocam outras guardas com a incumbência de observa- ção. Passados três dias infrutíferos, uma parte dos espiões volta para informar Fungar-Hellan, que não sabe o que pensar a respeito.
Todavia não se passa uma hora e todos os libertos voltam incólumes, causando grande aborrecimento aos espiões por terem sido ludibriados. O chefe-geral dos sacerdotes então dá ordem secre- ta de mandar chamar os restantes guardas e espiões; após sete horas todos se encontram diante da tenda e Fungar-Hellan se dirige para os libertos dizendo: “De fato, voltastes dentro do prazo marcado, mas isso não basta para vos conferir outra tarefa. Quero saber onde estivestes durante os três dias e o que fizestes. Só então poderei saber
claramente se há três dias atacastes meus soldados com pedradas quando exigiam entrar no templo. E tem mais: qualquer mentira terá como resultado a morte certa.”
Os ameaçados retrucam: “Não nos foi dado um prazo livre de três dias? Como exiges satisfação, se podíamos fazer o que querí- amos?” Responde o chefe-geral: “Precisamente pela liberdade eu vos testei para vos entregar uma nova tarefa. Por isso enfrentais o teste fi- nal, no qual podeis vencer ou morrer. Respondei imediatamente, do contrário farei dançar sobre vossas cabeças umas dez mil espadas.”
Algo perplexos, os outros respondem: “Se assim é, deves saber que durante esses três dias fizemos dura penitência para nos acalmarmos diante de nossa ignorância que tanto te ofendeu.” Desa- tando a rir, o chefe-geral diz: “Essa é boa! Onde é o local santificado de vossa penitência para que eu possa erigir um grande monumento por tamanha fidelidade?”
Os falsos penitentes mordem os lábios e apenas um consegue balbuciar: “Senhor, não queiras isso, pois trata-se de uma terrível cova na montanha, inadequada para a construção de um monumen- to.” Diz Fungar-Hellan: “Ora, não importa, havemos de embelezar tal região terrível. Vamos até lá!” Os outros empalidecem, mas são obrigados a se pôr a caminho.
ESCLARECIMENTOARESPEITODA GRUTA
Quando a expedição composta dos penitentes, dos espiões, dos guardas e de Fungar-Hellan com seu séquito alcançam o local onde anteriormente se encontrava o templo e a certa distância está a abertura na rocha, o chefe dos espiões se adianta e diz: “Senhor, eis a fenda descrita, na qual eles entraram sem mais aparecerem.”
Virando-se para Mahal, Fungar-Hellan pergunta se este pode dar um esclarecimento e o velho amigo diz: “Nada mais fácil. Essa abertura foi feita pela mão humana e aqui se veem ainda sinais vi- síveis de formão. Não se trata portanto da entrada numa gruta na- tural, mas de uma passagem para um território rochoso, ou talvez
para outras grutas nas quais os penitentes certamente escondem blo- cos de ouro.
Agora trata-se de uma pesquisa tua e convém perguntares primeiro àqueles homens. Se confessarem a verdade antes da pesqui- sa, podes agraciá-los com o perdão. Se mentirem, devem ser soterra- dos nessa obra diabólica.”
Virando-se para os penitentes que nada ouviram dessa pales- tra, Fungar-Hellan pergunta qual a função da fenda na rocha onde eles entraram há três dias. E eles respondem: “Essa fenda é apenas a entrada para uma gruta suja de penitência, possuindo uma saída estreita para uma região rochosa onde só existem bagos silvestres, alimento escasso dos penitentes.
Daqui se pode chegar até as planícies num caminho penoso, com mil perigos de vida. Nesse caminho também andamos para que nossa penitência fosse completa. Podes analisar a abertura e se en- contrares algo diferente poderás agir conosco segundo tua vontade.” Fungar-Hellan manda chamar os mineiros que devem examinar a abertura com ajuda de dez mil tochas.
DESCOBERTADEUMAOUTRAABERTURA SECRETA
Fungar-Hellan convoca mil mineiros experimentados, entre- ga a cada um dez tochas e diz: “Amarrai aqui a escada de cordas pela qual todos devem descer com o máximo cuidado por essa fen- da, munidos de uma tocha. Examinai tudo minuciosamente; toda e qualquer galeria deve ser pesquisada e caso encontrardes qualquer indício de canais, devem ser estudados. Isso feito, dai-me notícia, que eu mesmo me certificarei e proporcionarei vossa recompensa, empregando justiça nesses penitentes.”
A tal ordem os mineiros se põem a trabalhar, e no início da pesquisa só encontram o que os penitentes haviam dito: uma galeria estreita de duzentos metros de comprimento que segue em várias curvas. No fim encontram uma gruta enorme que facilmente podia acolher duas mil pessoas. As paredes são de rocha preta e dura, e no
lado oposto da entrada havia uma passagem estreita pela qual se che- ga a uma região deserta, onde de fato só há alguns bagos silvestres.
Não encontrando nada mais de suspeito, os mineiros voltam para fazer o relato a Fungar-Hellan, que todavia não acreditara na sinceridade dos penitentes e resolve pessoalmente averiguar a situ- ação. Munido de uma tocha, ele se dirige para a caverna com os mineiros e examina as paredes, nada encontrando de suspeito se- não a coloração preta. Virando-se para os operários, ele diz: “Isso deve ter um motivo. As paredes são bastante sólidas, porém muito altas. Trazei uma boa escada, que examinaremos também as partes superiores.”
Dito e feito. As paredes superiores são examinadas e, para es- tupefação de todos, descobre-se uma abertura bastante grande numa altura de seis metros e à longa distância ouvem-se vozes confusas. Fungar-Hellan então ordena a retirada, pois pretende obrigar os pe- nitentes a serem os próprios guias finais. Quando são inquiridos a respeito da abertura superior da rocha, eles começam a vacilar e um deles diz: “Tudo está perdido!”
CONFISSÃOEPERDÃODOS PENITENTES
Quando Fungar-Hellan ouve essa exclamação, ele pergunta a Mahal: “Meu irmão, opino que não devemos fazer muito luxo com esses penitentes, pois seu crime está mais que provado. Acabarei com eles, mandarei levar duzentas sacas de pólvora para a gruta que serão incendiadas a fim de acabar com essa massa, e deste modo consegui- remos mais fácil descobrir os segredos desses traficantes.”
Diz Mahal: “Tens razão. Mas enquanto pudermos resolver a questão sem derramamento de sangue, não usaremos a espada. A gruta deve ser destruída conforme determinaste e saberás de impor- tantes segredos.”
Tudo é resolvido como determinação de Fungar-Hellan e dentro de meia hora ouve-se um terrível estrondo e toda a monta- nha está em destroços. Após essa explosão, inicia-se outra averigua-
ção que nada apresenta de especial. Alguns blocos de ouro e vários corpos esfacelados é tudo que foi encontrado.
Passados três dias de exames, Fungar-Hellan chama os pe- nitentes e diz: “Dar-vos-ei a vida e a liberdade se me confessardes o motivo por que me tratastes quais trapaceiros, se eu sempre vos proporcionei tantos benefícios. Por que fizestes essa gruta e por que escondestes o ouro?”
Um deles se adianta e diz: “Senhor, agimos assim de medo de ti. Há muito tempo esperávamos por esse desfecho e queríamos fazer uma reserva para os dias mais difíceis. Eis o motivo de tudo. Os homens, cujas vozes ouviste pela abertura suspeita, eram nossos irmãos, que agora se encontram soterrados. Preferia estar com eles! Agora sabes de tudo, mas não se esqueças que também somos huma- nos.” Então Fungar-Hellan cumpre sua palavra e lhes dá a liberdade.
RENDIÇÃO DO TEMPLO DO SOL E DESTRUIÇÃO DOTEMPLODOFOGOEDODEUSDO VENTO
Depois de ter incluído os mil penitentes no exército, Fun- gar-Hellan ordena a partida para o templo do Sol, cuja conquista e destruição nada importante ofereceu, porquanto seus sacerdotes se renderam e até mesmo cooperaram em sua destruição. Pedem ape- nas permissão de levarem o grande espelho côncavo para finalidade científica que aprenderam durante dez anos e que Fungar-Hellan lhes concede de bom grado, pois é igualmente grande amigo das artes e ciências.
Decorridos três dias, que o exército aproveitou para o des- canso e o chefe-geral dos sacerdotes para a cunhagem de ouro e prata, o exército marcha em direção do templo do deus do fogo, cuja conquista e destruição foi mais difícil porque o sacerdócio se havia multiplicado e espalhado em todas as direções. Na proximidade de todos os vulcões haviam sido erigidos outros santuários desse deus onde se efetuavam fogos de artifício durante as festas, mediante so- mas vultosas.
Desse modo, a destruição do templo principal e dos adjacen- tes levou tempo maior e apresentou também várias dificuldades. Ao todo durou quarenta dias e se deu sem derramamento de sangue, com exceção de um numa rocha íngreme cujos sacerdotes alegavam ser sua fortaleza, não querendo seguir a ordem de entrega. A grande rocha é minada por todos os lados e dinamitada, custando a vida dos renitentes.
Terminado esse problema e a cunhagem, que comportou mais de dois milhões de libras e necessitando de dois mil camelos para o transporte, o exército partiu em direção do templo do deus do ven- to, dando muito trabalho para Fungar-Hellan. Os sacerdotes tinham ligado o lago nos quatro escoamentos por meio de possantes diques. Se porventura um inimigo se aproximava de algum lado, abriam-se as comportas, precipitando enormes massas de água sobre o invasor. Além disto, os sacerdotes eram possuidores de manipulações elétricas com as quais impossibilitavam a penetração nessa região.
Deste modo, Fungar-Hellan precisou mais que meio ano até estar em condições de posse desse templo. Em seguida, o exército seguiu para o templo do deus das águas.
DIFICULDADESNACONQUISTADOTEMPLODAS ÁGUAS
Depois de vários dias de marcha, o grande exército chega ao enorme lago onde se acampa e em cujo centro está a ilha com o templo das águas. No princípio, Fungar-Hellan pretendia cercar o lago numa extensão de muitas milhas, mas encontrou invencíveis dificuldades no terreno, porquanto o lago findava em vários pontos em rochas extensas e íngremes, e em determinados trechos se perdia em pântanos e atoleiros.
Então elaborou-se outro plano. Fungar-Hellan mandou pro- videnciar vinte mil jangadas em seis semanas, cada qual comportan- do cem homens. As jangadas eram feitas de cedro de vinte e quatro metros de cumprimento e a mesma medida de largura.
Uma vez prontas e munidas de remos, encostos, bancos, fo- gões, recipientes de gêneros alimentícios e pequenos armazéns para utensílios bélicos, as jangadas são tripuladas e de tal modo organi- zadas a cercarem a ilha toda, impedindo a evasão ou fuga de quem quer que seja.
Se fossem inquiridos da razão disto pelos habitantes sitiados da ilha, deveriam responder que o chefe-geral dos sacerdotes exige sua sujeição e assim seriam amigos dele. Caso contrário, seriam os piores inimigos que ele aniquilaria com a espada.
O estado de sítio não tinha ainda durado um dia quando os sacerdotes são informados de tudo. Por isso enviam uma dele- gação aos sitiantes pedindo que executem imediatamente as ordens do grande Fungar-Hellan, do contrário o deus das águas poderia se aborrecer. Os soldados, satisfeitos, navegavam — ao todo dez mil homens — para a ilha. Mas ao chegarem ao local do templo não havia vestígio do mesmo e sim apenas simples casas de campo nas quais moravam lavradores. Como não houvesse nada para destruir, eles voltam e transmitem sua descoberta para Fungar-Hellan, que não sabe que medidas tomar.
MAHAL ESCLARECE A ASTÚCIA DOS SACERDOTES QUE SÃOLEVADOSDIANTEDE FUNGAR-HELLAN
Não conseguindo compreender que nessa ilha tão conhecida por ele não houvesse sinal de qualquer templo, pois há alguns anos havia estado aí com o rei Gurat e certificou-se do mesmo, ele se di- rige para Mahal pedindo esclarecimentos. O amigo então responde: “Supões que esses sacerdotes astutos não tivessem sido informados da destruição dos outros templos pagãos? Já souberam da destruição do deus dos ferreiros e os aproveitaram a fim de demolirem todos os ídolos, transformando a ilha pagã em terreno habitável. Constru- íram casas de campo, dividiram as terras, ouro e prata, e as deusas que aqui haviam chegado há tempos, e agora vivem mais de um ano nessas condições mundanamente felizes.
Mas espiritualmente são mortos, pois não sabem nenhuma sílaba do Deus Eterno. Por isso não se trata aqui da destruição pagã, mas da treva espiritual mais densa nesta ilha. Os sacerdotes, impedi- dos da posse de templos, adoram a água do lago e exaltam sua água com exclamações mentirosas; mantêm escolas, pregam a força, o po- der e a honra da água que representam como Natureza Verdadeira, Viva e Santa de Deus, na qual habita a plenitude da vida. Eles divul- gam a Divindade da água a ponto que tu mesmo terias dificuldade em não ser tocado por tal divulgação. É preciso ensinar-lhes algo melhor, do contrário todo espírito humano corre o perigo de passar às águas desses sacerdotes.”
A essa explicação, Fungar-Hellan exige ser levado à ilha e tomar os sacerdotes como discípulos. Mahal porém obsta: “Terás pouco êxito. Temos aqui Agla e Kisarell, meus filhos e bons oradores que poderão ensinar os sacerdotes. Chama-os aqui e veremos o que fazer com eles.”
AGLA DOUTRINA OS SACERDOTES DO TEMPLO AQUÁTICO
Uma vez os sacerdotes diante de Fungar-Hellan, curvam-se com grande veneração e um deles diz: “Ó deus infinito e podero- so de todos os deuses, príncipe dos príncipes, senhor de todos os senhores! Tu que fazes estremecer todas as águas, firmaste céus e terra, e construíste a grande cidade para milhões de povos, dá-nos a conhecer tua vontade, que somos os vermes mais abjetos!”
A esse discurso tão tolo, ouvem-se francas gargalhadas na tenda de Fungar-Hellan, que se vira para Agla para que ela se dirija a esses ignorantes e lhes dê algum ensinamento. Agla se adianta em sua veste parda, e reparte os cabelos mostrando seu belíssimo rosto aos sacerdotes estupefatos; estão como petrificados e nenhum faz movimento a fim de não perder tal deleite visual.
Fitando-os por certo tempo, Agla diz finalmente: “Por que ficais tão calados e bobos diante de mim? Prefiro ouvir se vosso
tratamento em relação ao chefe-geral dos sacerdotes traduz vos- sas convicções. Falai, eu vos ordeno!” Os sacerdotes, ouvindo a doce voz de Agla, ficam tão deslumbrados que não conseguem dizer palavra.
Apenas chegam a balbuciar algo tão confuso que leva Fun- gar-Hellan a rir, dizendo para Mahal: “Que faremos com esses tolos? Estão totalmente enfeitiçados com a beleza de Agla e convém que ela se retire, do contrário esses boçais ainda terão manifestações de paixão incontida, dando-nos enorme trabalho.”
Diante dessa explicação, Mahal chama Agla dizendo: “Mi- nha filha, aqui não alcançarás nada. Oculta-te de novo, do con- trário teremos um espetáculo deprimente.” Em seguida Kisarell é chamado para entrar em contato com os sacerdotes. Eles o tomam por Agla disfarçada, pois ela se parece muito com o irmão, de sorte que Kisarell só consegue despertar novo entusiasmo nos sacerdotes. Diante do insucesso, Kisarell também se retira.
DOUTRINAÇÃOFRUSTRADAÉSÍMBOLO DE
INSUCESSODOAMORDIVINOPARAAS CRIATURAS
Convicto de que pela primeira vez o conselho de Mahal não surtiu efeito, Fungar-Hellan lhe pergunta a razão disto e o amigo responde: “De fato, há poucos instantes também achei estranho esse caso, pois só pronuncio o que me vem do Espírito de Deus. Mas agora entendo por que recebi tal conselho e a razão do insucesso.
Toda essa ocorrência representa nossa relação com Deus. Esses sacerdotes materialistas e lascivos somos nós, humanos, nesta época. Viemos com grande exército perto desses servos aquáticos. Assim também Deus veio no princípio qual Juiz Poderoso e Impla- cável à procura do primeiro casal. Este foi tomado de remorso em virtude de seus pecados diante de Deus. Mas Ele se apresentou em veste amável e colocou o homem em seu primitivo estado espiritual. Então o homem em breve se esqueceu da Ira de Deus e voltou a pecar contra a Amizade Divina.
Mas Deus não quis transformar Sua Amizade em Ira, mas em Amor, Graça e Misericórdia maiores, querendo conquistar o gênero humano pervertido exclusivamente pelo Amor. Mas quando os ho- mens avistaram a Face do Amor de Deus e ouviram Sua Doce Voz, no início não conseguiram se conter de amor recíproco. No entanto perceberam justamente neste amor em Deus tamanha Indulgência e Paciência, que O acharam incapaz de mandar em época alguma um julgamento.
No início as criaturas amavam Deus com tamanho ímpeto que conseguiam abarcar tudo que Deus havia criado. No decor- rer do tempo se apegaram cada vez mais às criaturas visíveis e aos poucos se esqueceram totalmente do Amor Divino, a ponto que a Paciência Divina sofreu um forte rombo e foi obrigado a visitar o gênero humano, totalmente voltado para as coisas externas, com um julgamento geral; e agora Se verá mais fortemente obrigado a tal visitação, porquanto os homens não sabem maisdo que esses sacerdotes aos quais proporcionaste o poder nesta ilha, como Deus fez com os homens desta Terra.
Tendo abusado desse poder, aqui viemos para tirá-lo deles. Descobrindo nossa intenção, planejaram suas condições de vida de tal modo que nada pudemos fazer. Apiedamo-nos deles e tencioná- vamos restituir-lhes o verdadeiro Amor e o Conhecimento de Deus através do rosto agradável do Amor, na pessoa de Agla e Kisarell. Mas qual foi o efeito? Os sacerdotes se tornaram mais sensuais e lascivos, até mesmo em nossa presença.
Assim também somos nós, criaturas, para com Deus. Quanto mais Amor e Paciência Ele nos demonstra, tanto mais nos tornamos materialistas, egoístas e vaidosos, e finalmente não queremos respeitar ninguém além de nossos apetites — e muito menos a Deus!
Ainda que confessemos Deus verbalmente, O negamos com todas as nossas atitudes. Deus nos entrega todos os Seus Tesouros, renunciando a tudo. Quanto a nós, damos apenas a menor partícula aos irmãos e guardamos a maior parte para nós mesmos. Por isso o
Senhor permitiu que assim acontecesse para vermos nossa atitude em relação a Ele, semelhante à desses irmãos para conosco. A fim de que não caíssemos em desvario em nosso egoísmo, Deus tem que Se retrair em Seu Amor, do mesmo modo que Agla e seu irmão foram obrigados a se afastar desses sacerdotes. Compreendes agora o insucesso de meu conselho? É o quadro real do insucesso do Amor Divino em nós.”
MAHAL PREDIZ A INVASÃO DOS HABITANTES DAS MONTANHAS
Terminada a explicação de Mahal, Fungar-Hellan diz: “Ami- go, podes ter razão, no entanto tua explicação parece antes um pre- texto sabiamente inventado do que uma realidade. Também sou conhecedor do estudo interpretativo e sei muito bem o que oculta atrás de uma aparição natural. Mesmo assim, não teria descoberto nessa ocorrência o que apresentaste.
Teria preferido que tu, detentor de toda minha confiança, tivesses confessado abertamente teu engano em vez de me apresentar tua extensa retórica, que posso aceitar ou não. Direi qual o moti- vo verdadeiro do insucesso de teu conselho. Tua intenção foi boa e julgaste que essa espécie selvagem de sacerdotes se deixaria mais facilmente converter pelo pronunciamento de uma criatura femi- nina excepcionalmente bela. Desconsideraste a grande lascividade daqueles homens, causa do fracasso. Aliás, isso não importa e con- tinuas sendo o meu amigo mais íntimo. Agora peço que me dês um conselho justo com relação aos sacerdotes; devem viver ou morrer pela espada? Transmite-me a pura Vontade de Deus, que agirei ime- diatamente.”
Diante dessas palavras, Mahal responde num tom emociona- do: “Amigo e irmão, por que dizes isto, classificando de mentirosa a Própria Divindade? Isto te custará uma grande luta, pois Deus há de te castigar terrivelmente. Não acreditando em minhas palavras suaves, acreditarás no que direi agora.
Esqueceste totalmente os habitantes das montanhas e não pensas na possibilidade de uma reação por parte deles. Os dez regen- tes ainda vivos levaram em consideração as palavras de um mensagei- ro das alturas, revogaram sua lei referente à procriação, prometendo um grande prêmio a quem conseguisse uma saída para as planícies.
Em verdade te digo: neste instante se encontra um homem diante dos regentes, em seu palácio dourado, e mostra um plano criado pela insuflação do Alto, segundo o qual as planícies podem e serão de fato atingidas. Amanhã mesmo iniciarão a obra e verás a mesma com milhões de olhos e sem condições de impedi-la. Essa será a prova de que minha explicação não foi uma sutileza de meu intelecto, mas a Plena Verdade de Deus.
O que deves fazer com os sacerdotes? — O Senhor responde: Deixa-os partir de onde vieram. Nada se consegue modificar em suas almas, que morreram em virtude da impudicícia física. Quan- do vierem as grandes águas serão os primeiros a encontrar a morte nas vagas.”
A essa explicação, Fungar-Hellan libertou os sacerdotes, con- vocou o exército e partiu para o local posteriormente apontado com minúcias por Mahal, onde os montanheses haveriam de penetrar.
DESMORONAMENTODAPAREDEDA CORDILHEIRA
O local onde habitantes das montanhas cavaram um cami- nho para as planícies ficava a cem milhas de Hanoch e a trinta mi- lhas do lago onde se encontrava a ilha aquática. Essa região era um deserto extenso, onde além de alguns bagos silvestres nada crescia. No entanto, a cordilheira era naquele tempo igualmente escarpada numa extensão de vinte horas de marcha e numa altura de sessenta metros, de sorte que não havia possibilidade de se subir ou descer.
A trezentos metros distante do paredão da montanha, Fungar-Hellan levantou seu acampamento amarelo e vermelho, e quando todo o exército estava acampado ele se dirigiu a Mahal que descansava: “Amigo, estamos instalados segundo teu conselho, no
entanto nada vejo que fizesse jus à tua predição. Ainda que sejas meu maior amigo, prometo que te custará muito caro qualquer lu- díbrio teu.”
Retruca Mahal: “Cuida que o ludíbrio das alturas não venha a te custar realmente caro! Quanto a mim, já me encontro fora de qualquer pagamento contigo!” Nem bem Mahal havia terminado de falar, ouve-se um terrível trovejar no cume da montanha. Todos saem correndo das tendas e percebem os cumes cheios de fumaça geralmente provocada por explosão e a queda de avalanchas de terra e pedras, sob terrível estrondo, e que enchem totalmente o espaço entre a parede e o deserto.
Como prosseguem várias avalanchas ao lado do paredão do deserto, o próprio paredão é soterrado em vários pontos e o cami- nho das alturas para as planícies está sendo feito dessa forma, tendo Fungar-Hellan de assistir impassível à queda das avalanchas que não pode impedir.
Então Mahal pergunta ao chefe-geral dos sacerdotes se tal ocorrência era também considerada por ele um ludíbrio, e o amigo responde: “És um terrível profeta das Alturas Divinas. Por que tens sempre que anunciar coisas tenebrosas, nunca proferindo as boas que também poderiam acontecer? Precisas me dizer como nos man- teremos vitoriosos contra os habitantes vingativos das montanhas.”
Diz Mahal: “Precisamente o fato de nos encontrarmos aqui lhes mostra que estávamos informados por um Poder Maior do local de sua descida. Com isto terão um grande respeito por nós e, em vez de lutar, procurarão se entender conosco em negociações pacíficas. Não deves atacá-los ao descerem, mas podes organizar uma forte guarda em redor de tua tenda para que tenham maior respeito pelo nosso poderio.” Fungar-Hellan segue as ordens de Mahal e pron- tamente se descobrem vários espiões que analisavam a situação do caminho feito pelas avalanchas.
Convencido da presença de espiões das montanhas, Fungar-
-Hellan ordena que o exército se concentre nas passagens de um ponto para outro, para estarem de prontidão contra qualquer in- vestida do adversário. De um modo geral deve se portar não como atacante, mas como força defensora e protetora. Essa ordem é trans- mitida por mensageiros rápidos e é efetuada em um dia, tempo aliás muito curto.
Nem bem o exército se havia organizado, aparece enorme quantidade dos melhores guerreiros montanheses que examina pri- meiro a estabilidade do novo caminho e, encontrando-o perfeito, enfrenta intrépida o poderio oponente como se não existisse.
Tal atitude corajosa desperta a atenção de Fungar-Hellan, que ordena a um pelotão de cem mil homens de atacar e rechaçar o exército inimigo caso se aproxime além de dez passos. Mas o ini- migo se posta a uma distância de arremesso e envia três delegados à tenda de Fungar-Hellan, mandando perguntar o que custara o escarpamento das montanhas empreendido há dez anos.
O generalíssimo deseja saber isto, pois veio pagar essa grande dívida ao chefe supremo de Hanoch. Tal soma enorme de dinheiro e de trabalho, destinada apenas aos montanheses, não podia ser gasta gratuitamente. Uma vez paga essa dívida, providenciariam o dízimo combinado há dez anos nas alturas em presença do rei Gurat e o então sacerdote Fungar-Hellan.
Ouvindo essa proposta mordaz, Fungar-Hellan se irrita e diz: “Sou o próprio Fungar-Hellan e me encontro aqui com dois milhões de soldados selecionados. Sou senhor de toda Hanoch e seu imen- surável reino. Pretendeis injuriar aquele a quem o Senhor e Deus de Céus e Terra apontou o local onde quereis invadir as planícies para dizimá-las qual invasão de gafanhotos?”
Os delegados retrucam: “Tua linguagem é bastante forte e nos apresentas o Antigo e Verdadeiro Deus. Nesse caso somos obri-
gados a transmitir-te o que Ele nos disse através de um profeta. Foi o seguinte: Quando tiverdes encetado o caminho para as planícies no ponto determinado conforme Eu vos mostrei, havereis de encontrar o grande exército de Hanoch; pois Eu o entregarei em vossas mãos através do irmão de Noé, que se separou de Mim por causa dos seus filhos. O irmão e seus filhos devem ser poupados, pois Eu mesmo os castigarei!
Eis nossa profecia. Se quiseres evitar o derramamento de sangue, entrega-te de boa vontade; do contrário ninguém deixará esse deserto!”
Furioso com essas palavras, Fungar-Hellan mata pessoalmen- te os três mensageiros. Neste instante Mahal se levanta com seus filhos e, conduzido por um poder superior, passa para os inimigos e lhes transmite o ultraje do chefe geral dos sacerdotes.
Esse foi o sinal para uma batalha como nunca houve igual, pois do exército de Hanoch sobraram apenas mil homens; e dos mon- tanheses, contando três milhões, restaram somente três mil e sete.
FUNGAR-HELLAN ORGANIZA NOVO EXÉRCITO DEQUATROMILHÕESDE SOLDADOS
Fungar-Hellan e dois capitães fogem com o restante dos sol- dados para Hanoch, perseguidos por muito tempo pelos montanhe- ses. Chegando à capital, ele é recebido de braços abertos por Gurat ao qual diz: “Irmão! Tudo está perdido! Os montanheses providen- ciaram uma descida a sessenta horas de distância atrás do lago, num ponto que o velho patife Mahal me havia mostrado. O exército deles deve ter contado um milhão a mais que o nosso.
Bem, depois que o velhote se afastou com os filhos de uma maneira incompreensível e como traidor procurou nossos inimigos
— pois eu havia amordaçado os três delegados atrevidos —eles nos atacaram em milhares de pontos.
Travamos uma terrível batalha que durou três dias e três noi- tes. No quarto dia eu estava reduzido a dois mil homens, entre os
quais apenas mil guerreiros, e tive que fugir para não ser dizimado totalmente. O inimigo certamente perdeu mais de dois milhões, pois te digo que no terceiro dia lutávamos em cima de monte de cadáveres. Meus guerreiros lutaram com bravura, mas a supremacia dos outros era demais e não conseguimos vencê-los.
Agora trata-se de organizar depressa um exército de quatro milhões, para nos vingarmos de uma maneira que a Terra não po- derá apresentar exemplo idêntico. É preciso agir com rapidez, do contrário eles nos atacarão.
Ai de vós, assassinos do meu povo! Fungar-Hellan vos atacará como rei de todos os demônios. Agirei com uma crueldade que fará estremecer o pior Satanás. Maldição sobre ti, Terra, e sobre todas as criaturas em teu solo! Dar-te-ei o golpe mortal! Avante, convoque- mos um exército terrível!”
A esse discurso, Gurat se assusta e não consegue dizer pala- vra. Fungar-Hellan corre com fúria e providencia o mais forte re- crutamento, e dentro de um mês um exército de quatro milhões se encontra pronto em Hanoch.
ADVERTÊNCIA DE MAHAL CONTRA UMA CAMPANHAAOEXÉRCITODE HANOCH
Mas também os montanheses convocam um novo exército forte de mais de dois milhões e resolvem de que maneira devem ou podem punir os hanochitas, com ajuda dos dez príncipes. Mahal, que havia acolhido os mesmos com suas famílias, adverte: “Amigos, vosso povo sofreu uma diminuição de cerca de três milhões e com facilidade tereis espaço suficiente nesta cordilheira que fornece pão para todos.
Desisti de Hanoch. Sei muito bem que essa cidade se unirá para uma luta tremenda contra vós, com ajuda de um exército de quatro milhões. Mas isso não vos deve preocupar. Se não descerdes para junto deles, não subirão jamais, pois compreendem que cem no vale nada conseguem contra dez em cima de uma rocha.
Podeis estar totalmente seguros. Ainda que o número dos ha- nochitas fosse enorme, não se atreverão a penetrar aqui. E também não podem realizá-lo, pois com exceção dos pontos onde abristes caminho não existem subidas senão por cima das alturas santificadas de meu irmão Noé. Ali os hanochitas hão de parar, pois naquele deserto a peste irá ao encontro deles numa distância de várias ho- ras, provocando seu extermínio. Assim, esse ponto não será transi- tável, nem para cima nem para baixo, durante vinte anos. Quanto ao cume abençoado onde mora meu irmão, está ele sob a proteção poderosa de Deus, e desafiá-Lo seria uma tarefa impossível para os homens. Aceitai esse conselho, que agireis bem!”
Os dez regentes concluem: “Falaste bem. Mas julgas que o ódio de Fungar-Hellan nos deixará em paz? Seu espírito, dotado de uma incrível força de empreendimento, não fará tudo para conse- guir penetrar em milhares de outros pontos, tendo talvez já feito al- gumas centenas de passagens? Que será de nós caso venha até aqui?”
Diz Mahal: “Já vos disse no início o que faz meu irmão Noé. Antes que Fungar-Hellan conclua as cem torres de acesso, Noé es- tará pronto com sua casa aquática. Em tal situação, de nada adian- tarão a Fungar-Hellan as torres e as montanhas. O Próprio Senhor Se aprontará para a luta contra todos, não poupando quem quer que seja em virtude da grande maldade dos homens.” Essas palavras levam os regentes à meditação, a ponto de não falarem durante três dias. De qualquer maneira, seguem o conselho de Mahal.
MELANCOLIA DO REI GURAT COM O AFASTAMENTODE MAHAL
Quando Fungar-Hellan havia organizado o grande exército e enviado considerável número de construtores incumbidos de co- locarem na parede escarpada torres de grande altura e com degraus largos, ele volta junto ao rei Gurat, encontrando-o bastante triste.
Inquirido sobre o motivo de sua melancolia, Gurat respon- de: “Caro amigo, se penso que não contamos em nosso meio o
homem de Deus fico muito triste, e tua exclamação ‘Estamos per- didos!’ quando retornaste da infeliz campanha surge mais viva em minha alma.
De que nos teria adiantado toda nossa precaução quando Hanoch havia conspirado contra nós, se a sabedoria de Mahal não nos tivesse guiado? Agora que agiste com crueldade contra seu con- selho, ele te abandonou e passou do lado dos montanheses, tornan- do-se seu guia.
Qualquer ação empreendida contra aqueles regentes será per- cebida pela grande sabedoria de Mahal, que interceptará todos os teus planos e nos destruirá como fizeste ao seu lado com todos os templários — no que todo teu poder também não teria adiantado caso não contasses com o seu poder.
Por isso opino que a construção de cem torres pouco adian- tará, tampouco o novo exército, que nos custa diariamente vinte e cinco mil libras de ouro sem nos dar o menor lucro. Se conseguísse- mos reconquistar Mahal e seus filhos, viveríamos seguros dentro de nossos muros. Mas semele será até mesmo arriscado caminharmos pelas nossas ruas, pois nos tornamos cegos que não enxergam qual- quer abismo.”
Fungar-Hellan fica bastante pensativo e diz após algum tem- po: “Meu rei e amigo, tens plena razão e nada há para contestar. Mas, se já estamos comprometidos, sempre é melhor fazermos algo para nossa segurança. Se bem que jurei vingança aos príncipes, por- tanto também a Mahal, meu ódio se tendo amainado, não toma- rei tão a sério meu juramento. De qualquer forma temos que estar armados, pois podemos sofrer uma terrível invasão por parte dos povos montanheses.
Aliás, se Mahal chegasse agora aqui, eu o receberia tão ama- velmente quanto na época em que foi recebido neste burgo. Acre- dito que ninguém possa fazer mais por ele. Não deve passar pelo campo de batalha; por isso minha construção da torre tem que ser realizada o quanto antes, a fim de podermos enviar um mensageiro para Mahal que deve trazê-lo aqui — caso ainda esteja vivo.”
-geral dos sacerdotes a construção de uma torre na rocha escarpa- da. Fungar-Hellan põe mãos à obra e dentro de trinta dias a torre está pronta.
A DELEGAÇÃO DE PAZ SE DIRIGE AOS DEZ REGENTES E A MAHAL
Terminada a torre no ponto principal de acesso às cordilhei- ras, e sua construção sendo tão sólida que as escadas podiam até mesmo ser usadas por camelos e burros, Fungar-Hellan e o rei Gu- rat organizam uma delegação dotada de bastante verbosidade e de vestes brancas, portanto pacíficas, e a enviam às montanhas a fim de convencerem Mahal a voltar para Hanoch.
Depois de uma viagem de cinco dias feita com camelos, a delegação chega ao seu destino, onde é imediatamente aprisionada e levada diante dos dez regentes; e um deles pergunta o que os havia movido a procurarem seu extermínio ali.
Um dos delegados responde: “Ilustres e sábios guias de vosso povo! Nenhuma intenção maldosa nos trouxe com grandes gastos, mas apenas a melhor e mais pacífica intenção foi nosso guia. Nosso exército foi por vós exterminado e ocupastes como vencedores o campo enorme de batalha; portanto, tendes plenos direitos de exigir os impostos da vitória.
Sabemos que também sofrestes uma grande derrota e por isso nem tendes coragem de exigir vossos direitos, porquanto podeis concluir, segundo vossa profunda sabedoria, que ainda temos em reserva um exército de quase cinco milhões de soldados.
Aqui viemos a mando de nosso rei para perguntar em nome dele qual o imposto da vitória, que vos será entregue imediatamente. Além disso, ele pede paz e amizade, e para isso está construindo cem torres de comunicação, abrindo para sempre um novo intercâmbio com Hanoch. Eis o motivo de nossa missão, acrescentando um reca- do para Mahal, caso ainda se encontre vivo em vosso meio.”
Diante desta explicação os regentes perguntam quais se- riam as provas da veracidade da mesma, e os delegados respondem: “Mandai chamar Mahal, que testemunhará a respeito.”
PALAVRASRIGOROSASDE MAHAL
Quando Mahal entra na sala de conselho, os delegados levam forte susto e não se atrevem a falar. Diante desse silêncio ele diz: “Por que me mandastes chamar? Porventura sou um animal raro que os domadores conduzem em correntes para ser olhado com pasmo pe- los curiosos? Por que fui chamado aqui?”
Retruca um dos regentes: “Homem de Deus, esses homens foram enviados das planícies e alegam tais e tais motivos. Dize-nos se devemos acreditar ou não em suas palavras.” Responde ele: “Sim, podeis acreditar. Mas o motivo de sua vinda não foi propriamente a oferta do imposto bélico, mas eu mesmo.
O rei Gurat e seu chefe-geral Fungar-Hellan desejam minha volta à sua corte e esses delegados devem persuadir-me para tanto. Mas eles, como seus senhores, desconhecem que Mahal não se deixa convencer pelos homens, senão por Deus exclusivamente.
Dizei portanto a vossos amos que voltarei somente quando Deus, o Senhor, me intimar. Dizei também que prestarei atenção, em Nome do Senhor, à maneira pela qual cumprirão sua oferta du- pla aos dez regentes.” Virando-se para os últimos, Mahal prossegue: “Deixai-os partir em paz por terem ofertado a paz; mas tende cuida- do que sua oferta seja cumprida num prazo certo.
Se alguém promete algo deve fazê-lo num prazo fixo, do con- trário é apenas mistificador e bajulador que, embora faça uma pro- messa, ela é apenas mentira se não for determinada uma data, pois o cumprimento pode ser estendido até o infinito. Não basta dizer: Farei isto! — mas deve constar: Fá-lo-ei hoje, amanhã ou dentro de um ano, caso o Senhor permitir tal prazo para que eu possa cumprir minha palavra em vida. Exigi o mesmo desses mensageiros e deixai-
-os partir.”
Os regentes aceitam a importância desse aviso e estipulam um prazo de três meses para os mensageiros. Em seguida os deixam partir, organizando uma guarda reforçada na entrada principal.
SEGUNDA DELEGAÇÃO ENVIADA AOS REGENTES DASMONTANHASESEU FRACASSO
A decepção do rei Gurat e de Fungar-Hellan diante do efei- to negativo de sua mensagem é bastante grande. Entretanto, Gurat diz ao chefe-geral: “Que faremos? Devemos aceitar a situação como ela é. Dentro de um mês aprontaremos cem mil medidas de trigo, centeio e milho, vinte mil camelos, quarenta mil bois e duzentas mil ovelhas, do contrário estamos perdidos. Pergunto apenas: Onde buscaremos tudo isso em prazo tão curto, se não quisermos iniciar uma guerra contra nosso próprio povo?”
Responde Fungar-Hellan, coçando-se atrás da orelha: “Se- gundo me parece, estamos liquidados de qualquer maneira e sou de opinião de deixarmos Mahal onde está e ignorarmos o imposto de guerra. Se eles tivessem exigido ouro e prata, facilmente poderíamos aprontar quantidade dez vezes maior em libras, pois possuímos tan- to que poderíamos cobrir toda a cidade de Hanoch. Mas trigo nesses anos de escassez e número tão grande de animais, e isso tudo num prazo tão curto, é inteiramente impossível.
Se os montanheses nos tivessem dado um prazo de dez anos, a situação seria admissível; mas dentro de um mês, amigo, é a maior impossibilidade do mundo. Convém enviarmos outra delegação para tratar dessa vantagem. Se eles não aceitarem essa condição, po- derão fazer o que quiserem.”
Gurat concorda com essa proposta e organiza outro grupo incumbido da tarefa, mas sem êxito, pois os dez regentes insistem em sua exigência, não aceitando nem a redução de um centavo.
Quando a segunda delegação volta para Hanoch e relata o insucesso de sua viagem ao rei Gurat e ao chefe-geral, ambos ficam totalmente irados e tomam a firme resolução de não pagarem o valor de um só ceitil como imposto bélico. Fungar-Hellan conclui: “Que venham buscá-lo pessoalmente, e quando vierem serão recebidos de modo especial!
Sabemos que descendemos de Seth e que o povo escravo das montanhas se origina apenas do depravado Caim. Porventura estaria nossa força tão tolhida a ponto de não vencermos esses escravos or- gulhosos? Não seremos mais tão tolos de visitá-los com nosso exér- cito, mas saberemos atraí-los para cá, e hão de sentir nossa ira justa!
Sabes o que faremos, Gurat? Enviaremos outra delegação com a seguinte intenção política: Entregaremos aparentemente todo o reino de Hanoch em suas mãos, sob pretexto de não estarmos em condições de reger em virtude de exigências tão elevadas. Sem vio- lência seria impossível juntar no próprio país essa enorme quantida- de de cereais e de animais em prazo tão curto. Empregando a força, todo o reino se rebelaria e nos aniquilaria com sua supremacia.
Diante dessa conclusão bem estudada, entregamos o reino todo mediante boa renda vitalícia. Estamos cansados do regime e preferimos a paz a uma vida tão agitada. Como prova da sincerida- de, os delegados devem entregar imediatamente as chaves e algumas coroas imitadas de Hanoch, mas também expressar o convite de virem aqui para receberem tudo conforme está. Que achas de mi- nha ideia?”
Responde Gurat: “Caro amigo, considera que Mahal se en- contra com eles, tornando inútil qualquer astúcia. Sou de opinião que devemos aguardar as atitudes bélicas e então abriremos uma ofensiva tremenda, aniquilando tudo que se nos apresentar.
Entrementes, construiremos, em vez de cem torres de acesso, cem minas de dois mil metros de profundidade dentro das mon-
tanhas e carregaremos cada mina com dez mil libras de dinamite, e uma vez incendiadas hão de provocar uma perturbação bastante forte naqueles montanheses orgulhosos.” Fungar-Hellan concorda com esse plano e o executa imediatamente.
PROFECIADEMAHALEDÚVIDADOSDEZ REGENTES
Os dez regentes das montanhas também convocaram um conselho a fim de deliberarem sua atitude caso os hanochitas não cumprissem sua promessa. Esse conselho durou três luas, sem ha- ver um entendimento. Cometeram o erro de não terem convocado Mahal para dar o seu conselho, pois supunham que ele concordaria secretamente com os adversários, não podendo portanto deliberar pelo perigo de entregá-los nas mãos dos hanochitas.
Esta suspeita nasceu por causa da maneira pacífica com que ele se dirigiu aos delegados que, no entender deles deveriam ouvir sua sentença de morte. Mahal o percebeu e se revoltou com tal atitu- de. Quando, decorridos três meses, os regentes não chegaram a uma decisão, chamaram Mahal que vivia numa casa à parte e pergunta- ram qual a atitude a ser tomada contra os inimigos, porquanto nada havia sido pago do imposto prometido.
Então Mahal respondeu: “Caros amigos, lastimo profunda- mente terdes me consultado tão tarde, pois meu conselho de nada vos servirá. Se me tivésseis consultado logo no início de vossas con- fabulações infrutíferas, eu vos poderia ter ajudado. Agora é tarde.
Durante esse tempo perdido os hanochitas puderam deitar, em cem pontos bastantes favoráveis, minas de mais de dois mil me- tros de profundidade e carregarem cada uma com dez mil libras de dinamite. Hoje mesmo todas elas explodirão, causando grande devastação nos locais determinados. Sereis obrigados a fugir caso quiserdes escapar da vingança deles. Convém fazê-lo imediatamen- te, pois amanhã talvez seja tarde.”
Diante dessas palavras de Mahal, os dez regentes riem e di- zem: “Amigo, se isso é tudo, podemos ficar calmos. Sabemos perfei-
tamente qual o efeito da dinamite e o quanto se pode perfurar a terra durante três meses. Se conseguiram penetrar apenas oitenta metros dentro da rocha terão feito verdadeiro milagre. Por isso estamos to- talmente calmos.”
PERVERSÃO DAS CRIATURAS DAS PLANÍCIES. MAHAL E SEUSFILHOSPARTEMPARAAS MONTANHAS
Então os filhos de Mahal perguntam qual seria sua atitude caso os hanochitas realizassem tal ato de violência, e ele responde: “Confiai em Deus e sede perfeitamente calmos. Estamos seguros e protegidos em toda parte na Terra de Deus enquanto Ele esti- ver conosco.
Se perdermos Sua Graça, Misericórdia e Amor, então tudo
— criaturas e coisas — nos hão de perseguir e enfrentar com ani- mosidade. Não poderemos nem mesmo confiar em nossa própria sombra, que certamente nos denunciaria a toda sorte de inimigos. Por isso nos apegaremos mais firmemente a Deus a fim de andarmos seguros na Sua Terra.
Meus filhos, segundo minha visão espiritual, a ordem das coisas na Terra não subsistirá nem por dez anos. Um desafia o outro. Um povo luta contra o vizinho. Cada qual quer dominar em sua esfera, desrespeitando seu superior ou rei.
Deste modo, existe no grande reino de Hanoch quantidade de senhores, e o rei treme diante dos cidadãos, pois todos os seus vassalos e prefeitos nas cidades adjacentes são senhores autôno- mos e fazem o que querem. Impõem aos camponeses impostos incríveis, mas o rei e seu chefe-geral dos sacerdotes nada sabem a respeito.
Os vassalos externos também se tornaram regentes e se guer- reiam a ponto de não se passar um dia sem derramamento de san- gue. Cá e lá surgem revoluções. Rouba-se, comete-se o saque e o homicídio, e cada um que chefia tal rebelião quer se tornar ditador. Isto alcançado, é ele muito pior que os antigos tiranos e déspotas.
Agem de modo especialmente prejudicial contra os filhos das planícies, e há vários anos os filhos das montanhas emigraram. Não são tratados como seres humanos, mas considerados apenas quais animais de capacidade racional, recebendo tratamento incrível. Nin- guém mais quer ser guiado, atraído e punido pelo Espírito de Deus.
Desde a invenção da dinamite, dos perfuradores e do ácido amolecedor de rochas, nenhuma montanha está segura diante da fúria destruidora dos homens. Dizei-me se Deus pode observar com calma tal furor, morticínio, destruição, mentira, mistificação, frau- de e roubo?”
Os filhos de Mahal se assustam diante de tal descrição da si- tuação do mundo. Mas ele finaliza: “Vamos deixar este local durante a noite e seguir para junto de Noé nas montanhas. A partir de agora não haverá mais outro pouso seguro para nós.” Em seguida Mahal e seus filhos arrumam seus pertences e se dirigem às montanhas.
TRISTEZA DE NOÉ E DE MAHAL DIANTE DA SITUAÇÃO DOS POVOS DAS PLANÍCIES
Em dez dias chega Mahal aos cumes abençoados e Noé o re- cebe com imensa alegria, perguntando naturalmente qual a situação nas regiões baixas e sua relação para com Deus. E Mahal responde: “Meu irmão, o pior ateísmo de todos os povos que encontrei em minhas longas viagens é precisamente o motivo que me traz aqui.
Sempre alimentei as melhores esperanças que a Graça do Se- nhor conseguiria conquistar povos, reis e príncipes. Todavia, há dez dias o Senhor me mostrou claramente a situação das criaturas na Terra, com as quais nada se alcançará, nem por milagres ou outros fatores. Afundaram-se de tal modo no mundanismo, que qualquer manifestação espiritual ficou soterrada. Se dentro do homem o es- pírito deixou de reger, como poderia aceitar algo espiritual e divino?
Se se tratasse de poucas criaturas, ainda se poderia cogitar uma possibilidade de conversão. Mas o que pode fazer um único homem diante de milhões de conterrâneos pervertidos? Ouvem por
algum tempo o que lhes é dito, mas em pouco tempo viram as costas com indiferença. Na melhor das hipóteses a pessoa é ridicularizada e até mesmo lastimada como tola. Quando a situação piora aplicam o açoite, a prisão e a morte violenta. A vida humana nas regiões bai- xas tem o mesmo valor de uma mosca. No inferno, cuja descrição conhecemos, a vida é quase melhor.”
Diante desse relato, Noé dá um suspiro profundo e diz: “En- tão é realmente o que o Senhor me mostrou em espírito. Ó mundo, por que não te queres deixar punir pelo Espírito Suave de Deus e preferes cair no julgamento e na eterna perdição?!” Profundamente emocionados, os irmãos sobem em silêncio até o cume onde em tempos idos Adão habitara, e lá choram pelo mundo tão lindo, mas pervertido. Mahal então descobre a arca quase terminada e se admi- ra de como fora possível construí-la em tão pouco tempo.
HISTÓRIA DA ARCA. A GRANDE PACIÊNCIA DO SENHOR
Após ter examinado a arca por dentro e por fora, Mahal per- gunta a maneira pela qual o Senhor havia ordenado sua construção e Noé responde: “Lembras-te da época em que as criaturas come- çaram a proliferar em tempos de Lamech, quando criaram filhas muito belas? Deves igualmente estar lembrado que os filhos de Deus nas montanhas começaram a abandonar sua pátria para também seguirem aos baixios, onde geraram filhos com aquelas mulheres.
Quando, em virtude desse acontecimento, as montanhas que Deus havia abençoado para Seus filhos começaram a ficar quase sem homens, porquanto os próprios maridos abandonaram suas esposas a fim de se juntarem às belas moças dos países baixos e muitas de- las os seguiram e se casaram com homens de lá, o Senhor me disse o seguinte:
‘Noé, os homens não se querem deixar punir pelo Meu Es- pírito, pois se tornaram totalmente materialistas; todavia ainda lhes concedo um prazo de cento e vinte anos!’ Tu mesmo estiveste pre-
sente quando Ele assim falou. Além disso, sabes o que foi feito por nós em benefício da conversão das criaturas materialistas durante cem anos, e sem o menor efeito.
Elas geraram criaturas fortes e inteligentes com as filhas das planícies. Assim surgiram vários mestres de realizações más para Deus, que se tornaram tiranos contra os filhos do mundo e se guer- rearam reciprocamente por motivos de domínio.
O Senhor — vendo que os homens não se convertiam, não obstante as advertências diárias de toda espécie, mas se tornavam cada vez mais fortes e poderosos — Se arrependeu de ter feito os ho- mens nesta Terra, entristecendo-Se profundamente em Seu Coração.
Precisamente em tal época — aproximadamente há quator- ze anos — o Senhor falou de novo comigo: ‘Noé, exterminarei as criaturas feitas por Mim, desde o homem até os vermes e pássaros debaixo do Céu, pois estou arrependido de tê-las criado!’
Eu, Noé, fui agraciado por Ele, não me contando Ele entre os maus. E de novo Ele virou o Olhar para a Terra, encontrando-
-a pervertida e cheia de vilipêndio. No entanto, Ele enviou vários mensageiros junto dos homens, querendo apiedar-Se deles. Mas os mensageiros falaram a ouvidos surdos e foram tratados como criatu- ras comuns e sem valor humano.
Passou-se outro prazo curto e o Senhor olhou para a Terra e me disse: ‘Noé, todo meu Sacrifício e Amor foram em vão. Chegou junto de Mim o fim de toda carne, pois a Terra está cheia de ultraje humano. Eu hei de exterminar a todos com a Terra!’ Justamente na- quela época fui obrigado a preparar a madeira para a construção da arca, que está pronta, faltando apenas algumas miudezas. Se quiseres conhecer pormenores do plano de construção, posso revelar-te isto, repetindo as Palavras do Senhor. Vem à minha casa para tomarmos um alimento e em seguida te revelarei o plano dessa arca.”
Após se terem refeito, Mahal deseja saber qual sua atuação com relação à arca e Noé responde: “Peço que não te aborreças, pois terias que te culpar caso a raiva te consumisse.” Mahal promete não se alterar diante do relato que o irmão faria, ainda que o Senhor lhe atirasse uma sarça nas costas.
Então Noé disse: “Muito bem. O Senhor, Deus, Zebaoth me ordenou, depois de ter preparado a madeira de cedro: ‘Noé, constrói uma arca com essa madeira, adiciona vários recintos e calafeta tudo com piche, por dentro e por fora. O comprimento deve ser de tre- zentas varas; a largura de cinquenta varas e a altura de trinta. (Uma vara era igual a um metro).
Deves fazer apenas uma janela, no telhado, de uma vara de comprimento e uma de largura e dotada de uma porta de madeira. A porta deve ser feita no centro. A própria arca deve ser dividida em três andares, sendo que o último é destinado ao homem e suas necessidades.
Farei com que uma enorme inundação venha sobre o pe- cado a fim de exterminar todas as criaturas debaixo do Céu nas quais existe um sopro vivo — e tudo há de perecer. Contigo hei de fazer uma aliança, pois deves entrar na arca com tua mulher, filhos e noras.
Além disso, deves colocar um casal de todos os animais para que continuem vivos contigo. Deve haver um casal de cada espécie de pássaros, gado e toda sorte de animais dentro da arca a fim de não perecerem. Levarás igualmente vários alimentos, que colherás em justa proporção para servirem para ti e os animais.’
Diante dessa ordem caí de joelhos, chorando e implorando: ‘Senhor, como farei tudo isso, sozinho e fraco? Onde encontrarei todos os animais e sua forragem? Onde apanharei a carne para os carnívoros, o capim para os herbívoros e o alimento desconhecido para os outros animais? Quando, Senhor, estarei pronto com aquela grande arca?’
E Ele respondeu: ‘Noé, não te preocupes. Põe mãos à obra que Eu te ajudarei para não sentires o peso da tarefa.’ — Então co- mecei a trabalhar e tudo se encaixou maravilhosamente por si só, e minha tarefa foi fácil com meus poucos ajudantes. A arca cresceu de dia para dia e está pronta, com exceção da janela no telhado.” Quan- do Mahal ouviu o fim do relato caiu em profunda tristeza, pois não ouvira que também poderia entrar na arca.
MAHALDISCUTECOMO SENHOR
Noé percebeu imediatamente a grande tristeza de Mahal e sua família, pois todos estavam profundamente consternados diante da Graça que Noé e sua família haviam encontrado junto ao Senhor. Mas Noé disse ao irmão: “Por que estás tão triste? Não me deste tua palavra de não te aborreceres caso o Senhor te atirasse uma sarça ardente nas costas? De que modo manténs tua palavra perante mim? Ignoras como o Senhor é Bom e desconheces Sua Infinita Paciência e Eterna Misericórdia? Dize-me: quando teria Ele deixado de aten- der alguém que se voltasse arrependido no verdadeiro amor de seu coração para Ele, qual criança com seu justo pai? Faze o mesmo, e certamente não precisarás ficar tão triste!”
Mahal se anima e diz: “Meu irmão, aponta-me um pecado que eu tivesse cometido contra Deus e eu hei de chorar durante toda minha vida, pedindo perdão e misericórdia. Não sou tão limpo como tu? Por que o Senhor me quer julgar? Que fiz eu de mal diante de Seus Olhos para trancar essa arca na minha frente?
Porventura foi minha culpa de querer reencontrar meus fi- lhos nas planícies, onde o Senhor Mesmo havia enviado Waltar à minha procura, mas quando lá chegou Ele o libertou, deixando que perecesse? Quando foi que eu pequei para que o Senhor me ferisse tão duramente?
Afirmaste que Deus Se arrependeu de ter criado os homens. Se assim é, o que vem a ser o homem da Terra? Eu te digo: ele é um pecado de Deus! No entanto, presumo que Deus seja incapaz de co-
meter um pecado. Mas como o Senhor agiu com tanta infidelidade comigo, que sempre fui justo, e pecou tão vergonhosamente contra mim, chego a crer que também Deus pode errar. Sem pecado não existe remorso; mas quem fala: Estou arrependido! — pecou. Por isso afirmo que Deus não me pode acusar de pecado; mas eu Lhe mostrarei Seu pecado em mim, que sempre agi com justiça!”
Noé se assusta com as palavras de Mahal, que se levanta com raiva e se encaminha ao cume da montanha com seus filhos.
MAHALREPREENDE DEUS
Quando Mahal se encontra no cume com seus filhos, cheio de revolta contra Deus, seu filho Kisarell lhe diz: “Pai, dize-nos com sinceridade se tuas palavras ditas a Noé eram verdadeiras. Não com- preendo como podes recriminar Deus de pecador. Contra quem e como? Contra Suas criaturas ou contra Si Mesmo? De que maneira se pode imaginar tal coisa, se Deus Mesmo é a Lei Básica em to- das as coisas? Considera que Deus é Onipotente desde Eternidades, mas nós somos apenas vermes poeirentos frente a Ele! Porventu- ra não pode Ele nos dizimar subitamente, caso estivermos contra Sua Ordem?”
Retruca Mahal: “Falas segundo teu entendimento. Ignoras o que Deus pretende? Ele quer, daqui a cinco ou seis anos, afo- gar a Terra por meio das chuvas. Todos hão de perecer dentro das vagas; somente Noé sobrará com sua família e os animais levados para a arca.
Não seria preferível se Deus designasse doutrinadores sábios dotados de qualquer poder milagroso a fim de guiar o gênero hu- mano junto a Ele, em vez de matar tantos milhões? Quem mais é culpado se as criaturas esquecem a Deus, senão Ele Mesmo?
Apraz-Lhe revelar-Se de mil em mil anos para algumas cria- turas, deixando as outras abandonadas. Se não forem de Seu Agrado Ele condena a todas, as conscientes e as ignorantes, as instruídas bem como as sem conhecimento.
Assim sendo, cegos e videntes serão afogados dentro de seis anos, e isso porque pouco ou mesmo nada sabem de Deus, por- quanto nunca tiveram a felicidade de ouvir algo a respeito Dele. Nós também seremos afogados, muito embora O conheçamos perfeita- mente bem, só porque Ele assim o quer.
Se fôssemos pedras, Ele poderia agir como quisesse; mas em nossa livre vontade conferida por Ele Mesmo — considero isso um pecado Dele em nós, ou então nós mesmos somos um erro Dele, portanto um pecado de Sua Sabedoria e Poder. Entendes agora o pecado de Deus contra nós?”
MAHALDESAFIAADEUSEOSENHORSE APRESENTA
Pouco mais tarde aparece Noé no cume, encontrando Mahal e seus belos filhos totalmente consternados. Por isso lhe diz: “Acu- saste Deus de pecador porque te consideras o homem mais justo na face da Terra, pois tua consciência te diz que nunca pecaste diante de Deus devido ao rigoroso cumprimento de Suas Leis.
Precisamente tua grande pureza de consciência produziu em ti um certo triunfo e autossatisfação, porque te perguntavas: Porventura pode Deus Mesmo viver com mais pureza e justiça em Sua Ordem desde Eternidades do que eu nesta minha época? — E tua consciência triunfante te respondia sempre: Não, Deus, em Sua Relação Consigo Mesmo nunca pôde ter sido mais puro do que eu em meu relacionamento como homem para com Deus e o próximo.
Tal triunfo justiceiro é menos agradável ao Senhor do que qualquer atitude ilegal como pecado; é o orgulho em sua raiz e que deve ser expulso do homem caso pretenda ter algum valor perante Deus. Mas não somente o orgulho te endureceu aos Olhos de Deus, e sim a subsequente sabedoria: Se já sou puro e justo como Deus Mesmo, mas não posso ser santo, porquanto a Santidade de Deus é intocável, quero ao menos nessa limitação poder ser mais perfeito que Ele Mesmo.
Aprendi de toda Sua Criação que Deus age primeiro com imperfeição e só depois de vários insucessos consegue realizar qual- quer perfeição. Na Terra não existe algo totalmente perfeito, não há um objeto sem mácula. Nem o próprio Sol é inteiramente puro, e a lua é imperfeita em todas as suas manifestações, como também a luz das estrelas.
Por essa razão quero e posso ultrapassar Deus em minha es- fera humana por todas as minhas ações, pois as executarei de tal modo perfeitamente a dispensarem posterior melhoramento. Se a matéria imperfeitamente criada por Deus não permitir uma total realização de uma obra, ela deve se encontrar perfeita em meus pen- samentos e vontade. Daquilo que for encontrado imperfeito em vir- tude da matéria imperfeita por Deus, Ele terá que assumir a culpa como Criador.
Vê, meu irmão, desse modo o Senhor era há muito tempo considerado pecador contra ti e essa foi a semente maldosa dentro de ti que agora se desenvolveu para um fruto clamador e presunçoso. Acabas de pronunciar de viva voz a culpa de Deus de um pecado contra ti.
Julgas que tal acusação não é pecado frente a Ele? Talvez pen- sas que Ele deve frequentar tua escola a fim de se tornar perfeito? Considera teu grande engano! Reconhece-o como pecado terrível. Arrepende-te, que o Senhor não fechará a arca diante de ti na época do julgamento e da aflição.”
Mahal porém protesta: “Irmão, nada tenho a discutir e apa- ziguar contigo, pois sempre vivi como verdadeiro irmão e nunca disputei tua origem gloriosa. Minha contenda é com Deus e eu O desafio em Sua Santidade para discutir com Ele segundo minhas atitudes. Ele tem que me provar quando pequei diante de Seu Sem- blante!” Nesse instante surge uma forte tempestade e o Senhor apa- rece diante de Noé e Mahal.
Todos levam tremendo susto com a Presença do Senhor, e o próprio Noé sente grande temor. Mas o Senhor Se dirige a ele di- zendo: “Nada temas, pois não vim julgar a ti ou a um outro. Como teu irmão Mahal Me chamou diante do tribunal de sua sabedoria e pede contas a Mim em virtude de Meu pecado feito à sua justiça, fui obrigado a comparecer a fim de salvar Minha Honra diante de ti e de teus filhos e dos filhos dele. Vamos portanto falar-lhe!”
Virando-se para Mahal, o Senhor prossegue: “Meu filho, tendo pecado à tua justiça, conforme dizes, mostra a Mim e a todo o povo terráqueo qual é esse pecado que Eu estou pronto a repará-lo em vós por mil vezes. Fala, meu filho Mahal!”
Postado à frente do Senhor com grande rigor, Mahal diz: “Fala Tu, Senhor, por que Te arrependes de ter criado o homem? Deves ter visto desde eternidades como seria a criatura. Quem Te obrigou a amarrar ao Teu Pescoço um pecado em virtude da cria- ção humana?
Não teria sido mil vezes melhor para nós e para Ti se não ti- véssemos surgido de Ti numa existência independente, forçando-Te a dizer: Arrependo-Me!... — Que mais poderia causar-Te arrependi- mento senão uma criação imperfeita do homem que comete assim um pecado contra Ti, portanto contra os homens e especialmente contra mim, que a cada momento de minha vida posso enfrentar-
-Te e dizer:
Senhor, aponta-me o momento em minha vida em que ti- vesse pecado contra Tua Ordem desde minha infância, e quero ser amaldiçoado por causa dele, assim como amaldiçoaste há tempos a serpente! Se não conseguires mostrar-me qualquer pecado, dá-me o motivo pelo qual me queres julgar, excluindo meu irmão!”
E o Senhor diz: “Ó Mahal, que treva terrível deve existir dentro de ti, porquanto falas Comigo como jamais uma criatura o fez! Dize-Me, como seria possível imaginar-se o homem de maneira
mais perfeita quando foi projetado de Minha Onipotência como um segundo deus Comigo, seu Criador eternamente Onipotente, a fim de organizar sua própria ordem estabelecida, sendo seu próprio juiz e podendo pecar contra Minha Ordem, pela qual todo o Infini- to está julgado para sempre?”
Mahal silencia, pois percebe a incrível perfeição do homem em seu estado totalmente livre. Mas o Senhor prossegue: “Julgas ser o Meu Arrependimento igual ao de um homem que pecou? En- ganas-te muito! Meu Arrependimento é apenas uma dor em Meu Amor, obrigado a assistir como os homens tão perfeitos se conde- nam e se aniquilam.
Presumes ter Eu planejado condenar e exterminar uma cria- tura sequer? Faço justamente o contrário! A fim de não julgar o gênero humano com Minha Onipotência tenho que permitir infe- lizmente que os próprios homens venham a abrir as comportas da Terra violentamente, das quais se precipitarão ondas enormes, afo- gando tudo que respira nesse grande território habitado do planeta.
Há muito tempo previa isto, razão por que advertia sempre os homens. Mas agora eles empreenderam uma guerra até mesmo contra Mim e querem destruir a Terra com dinamite, assim como já fizeram com várias montanhas. No subsolo se encontram gran- des bacias de água comportando cerca de cinco bilhões de metros cúbicos de água. Ela estourará e subirá acima das cordilheiras dessa região habitada, envolvendo a Terra em vapor, do qual começará a chover torrencialmente. Porventura não agi certo por ter mandado construir essa arca pelo obediente Noé, a fim de salvar ao menos a sua vida, já que ninguém mais quer Me ouvir? Agora dize-Me tu mesmo quando proibi que fizesses uso da arca. Depois falarei de novo.” Mahal se cala, mas o Senhor prossegue.
E o Senhor prossegue: “Vê, Meu filho Mahal, que Me desa- fiaste com tamanho rigor, agora te calas e não queres discutir Co- migo por causa do Meu suposto pecado cometido em ti e em todo o gênero humano. Se nada sabes dizer, como poderei oferecer uma indenização? No entanto afirmo: Mostra-Me o que não te agrada em Minha Criação e Eu a modificarei imediatamente. Deves natu- ralmente provar que de fato existe algo de ruim e condenável. Fala, que Eu agirei imediatamente!”
Mahal reflete um pouco, se levanta e diz: “Senhor, conside- ras prudente a criatura que realizou uma obra sumamente artística para a maior utilidade quebrar tudo, atirando-a numa vala onde se deteriora?”
Responde o Senhor: “Se o mestre de obras fizesse isso sem finalidade, seria evidentemente um tolo e merecedor de maldição. Se ele, porém, aliar a isso uma finalidade superior e santa, inatingível sem tal processo que te parece tolo e imprudente, ele age certamente com prudência e sabedoria ao atirar tal obra preparatória e artística numa vala de entulho — pois desse modo alcançou uma finalidade superior e santa.
Uma semente de trigo é certamente uma obra muito artís- tica, tanto em sua construção como em suas partes substanciais. Achas essa constituição imprudente por precisar antes apodrecer na terra para ressurgir centuplicada?
Se o Sábio Mestre de Obras determinou tal organização numa simples semente de trigo, julgas Ele deixar de lado a mesma em sua máxima perfeição no homem, atirando à vala tal perfeição apenas para satisfazer um capricho?
Ó Mahal, como és ignorante supondo em Mim um Mes- tre de Obras tão tolo. Por acaso teu próprio sentir não te diz que desejas viver eternamente e analisar mais profundamente Minhas incontáveis Obras? Terias esse sentimento se tivesses sido criado
somente para uma existência temporária? Eu, teu Criador, afirmo que em tal caso terias também apenas um estímulo temporário e não eterno.
Possuindo esse estímulo eterno e podendo pesquisar o Infini- to, já tens a prova viva em ti de que não apodrecerás em tua tumba para ser exterminado como Obra imperfeita de Minha Mão, mas precisamente por esse meio, que te parece imprudente, atingirás em plenitude e máxima perfeição aquilo que sentes nessa obra prepara- tória e o desejas vivamente.
A Terra é um corpo físico que produz inúmeras substâncias e ignoras como isso acontece. Assim também teu físico terá que ser colocado de novo na terra para que teu corpo espiritual e indestru- tível se liberte para a Vida Eterna. Já tiveste muitas provas desse fato por teres falado com muitos cujo corpo físico também fora deitado na terra. Diante disso, julgo que tua reprimenda a Mim é infunda- da; portanto podes partir para outra, pois com essa não Me obriga- rás a uma indenização.”
Então Mahal se convence que o Senhor age perfeitamente nesse ponto. Lembrou-se porém de Satanás e disse: “Senhor, per- cebo pela Tua Palavra eternamente Verdadeira que a organização de Tuas Obras é boa, porquanto somente neste caminho alcançarás as finalidades mais elevadas. Se portanto tudo surgiu de Ti bom e per- feito, e em todo o Infinito nada existe além de Ti — de onde se ori- gina Satanás e sua ilimitada maldade? De onde se supre daquilo com que incita todos os homens contra Ti a ponto de Te desprezarem, desejando se possível aniquilar-Te com todas as Tuas Obras? Quem é o Criador e Mestre de Satanás?”
Retruca o Senhor: “Cego defensor dos direitos tolos surgi- dos de teu amor-próprio, como falas assim? Esqueceste da perfeição com que criei o homem, podendo fazer o que quer — qual segundo deus — dentro de uma ordem livre e dentro de sua própria ordem? Julgas que Satanás como ser livre é mais imperfeito do que tu? Se tupodes fazer o que queres frente a Mim, desconsiderando Minha Ordem, deveria isso ser impossível ao espírito livre?
Não sou obrigado a vos deixar agir, caso não vos queira jul- gar com Minha Onipotência? Se assim é, como deveria ter criado o primeiro espírito a fim de agir em Minha Ordem, mas dotado de livre arbítrio total? A perfeição dos seres não consiste apenas na vontade e ação livres — a favor ou contra Minha Ordem?” Mahal silencia, mas o Senhor prossegue.
APARECIMENTO DOS ANJOS E DE WALTAR. O SENHOR SE AFASTA
E o Senhor diz: “Mahal, Meu filho, se ainda tiveres algo con- tra Mim, podes falar que te responderei com Amor e Justiça. Vejo em teu coração certo rancor contra Mim que terá de ser expulso caso aguardes a salvação de Minha parte, pois um espírito revoltado contra Deus e o Criador nunca se poderá unir a Ele.”
Responde Mahal: “Senhor, teria eu cometido um pecado contra Tua Ordem? Tu, Teus Céus e a Terra têm que testemunhar que durante meus 490 anos nunca pequei contra Ti, Teus anjos, animais e pedras.
Minha descida à planície foi apenas meu dever amargo, pois senti em meu espírito o que se passava em meu filho Waltar e em Agla, que havia ido à procura dele. Exigiste a presença de Waltar e ele partiu. Mas quando se encontrava nas planícies o abandonaste, e deixaste cair no inferno sua irmã que seguiu atrás dele — sem ordem Tua ou minha. Isso tudo não Te perturbou. Então resolvi, velho pai, fazer a viagem para Hanoch a fim de salvar possivelmente meus filhos.
Sempre pedi que os protegesses, mas não me atendeste e me forçaste a procurá-los. Ainda que os encontrasse totalmente abando- nados — Waltar morto e Agla no inferno — não reclamei contra Ti, mas sempre louvei Teu Santo Nome em palavras e ações.
Agora que meu irmão acaba de construir a arca segundo Tua Ordem para preservação da sua vida — enquanto me desesperava nas planícies — me deixas perecer qual verme. Mesmo não tendo
dito que eu não fizesse uso da mesma — muito embora tenhas de- terminado isto para Noé — tal desculpa nada vale para mim. Teu silêncio contra mim era precisamente uma palavra que me trancou a arca e me condenou à morte.
Tal atitude de Tua parte contra mim é pecaminosa, porquan- to eu nunca pequei contra Ti. Mas a partir de agora hei de pecar contra Ti para que tenhas um motivo de trancar a arca e exterminar-
-me e aos meus. Jamais hei de exclamar: Senhor, salva-me! — e sim: Senhor, aniquila-me!”
O Semblante do Senhor Se entristece e Ele diz: “Meu filho, por querer-te muito Eu quis educar-te nesta Terra para um príncipe dos Meus Céus. No entanto percebias em Meu grande Amor apenas um desleixo de Minha parte. Quão cego te fez tua própria justiça!
A fim de que vejas que mandei fazer a arca não somente para Noé, mas para todos, inúmeros anjos devem a partir deste instante comunicar-se como homens aos humanos, advertindo-os dos pe- cados e convidando-os a entrarem na arca no momento do perigo. Além disso, falarás também com teu filho Waltar, que testemunhará de Mim se Eu o abandonei conforme Me acusaste.”
Nesse momento o Senhor levanta os Olhos e milhares de an- jos aparecem no cume e entre eles Waltar, luminoso, que se acerca de Mahal e o conforta, testemunhando da Bondade, Amor, Meiguice, Paciência e Misericórdia de Deus.
Diante da dúvida de Mahal se de fato está falando com Waltar, este lhe dá prova concludente de sua autenticidade. Isto faz com que Mahal comece a mudar de opinião a respeito do Senhor, que todavia desaparece para evitar que Mahal fosse julgado. Os an- jos e Waltar permanecem aí.
AUTOCONDENAÇÃOEREMORSODE MAHAL
Como Mahal não se conforma com a ausência do Senhor, ele indaga de Waltar a razão disso e este responde: “O fato de Se ter oculto diante de ti prova de novo Sua Imensa Bondade e Amor,
pois se ainda estivesse Presente em Pessoa estarias julgado por Sua Onipotência Visível, que te teria aprisionado e atraído a Ele com Poder indescritível. Por tal atração violenta terias perdido toda tua liberdade e teu espírito teria passado pela morte.
Ciente disso, o Senhor desapareceu de tua vista, pois exis- te uma diferença infinita entre Criador e criatura, que se relaciona como o dia e a noite, ou a vida e a morte. O Sol também vivifica toda a Terra, pois dele os espíritos vitais ingressam na criação orgâ- nica deste planeta e vivificam todos os elementos mortos para uma ação mais livre em seus organismos. E então observas em breve o solo verdejante e florido em muitas formas graciosas, obra dos espí- ritos vivificados nos órgãos terráqueos.
Se o Sol iluminasse constantemente no céu do meio-dia e não surgisse noite, trazendo o necessário descanso de toda atividade, o que aconteceria com todas as coisas no solo terráqueo? Secariam e queimariam totalmente, provocando a morte das coisas.
Muito pior seria a Presença Constante e Visível do Senhor, pois nenhum ser conservaria sua vida. Também nós, que vivemos no Reino da Luz Eterna de Deus, sentimos a Sua ausência. Vemos Sua Luz, onde Ele habita; mas a Elenão vemos. Assim como tu também só vês a luz do Sol e não a ele mesmo, que existe apenas no invólucro luminoso visível para ti.
Tudo isso mostra a Bondade e o Amor Infinitos de Deus, Que cuida constantemente com toda Sua Sabedoria e Onipotência de educar Seus filhos de tal modo a torná-los fortes a ponto de um dia poderem igualmente suportar Sua Presença Visível para sempre, sem a menor restrição de sua liberdade. Não estás satisfeito com essa Organização do Senhor?”
Nessa altura, a venda dos olhos de Mahal se afasta e ele re- conhece sua grande injustiça, de sorte que começa a chorar amarga- mente exclamando: “Ó Pai, eternamente Bom, porventura poderás perdoar minha imensa petulância contra Ti?”
E uma Voz Se faz ouvir de uma nuvem clara: “Meu filho, já te perdoei muito antes que tivesses pecado. Sê calmo e ama-Me, teu
Santo Pai!” Em seguida a nuvem desaparece em direção ao Sul e to- dos os anjos e criaturas no cume adoram a grande Glória do Senhor.
MISSÃODEMAHALEPARTIDADOS ANJOS
Em seguida Waltar se dirige para Mahal e diz: “Agora, Mahal, gerador de meu físico, chegou o tempo onde consta: Ide cumprir a Minha Vontade! — Não tenho necessidade de revelar-te a Mesma, pois o Próprio Senhor o fez, razão por que nos chamou dos Céus.
Trata-se da última tentativa, aliás extraordinária, de salvar o gênero humano. Se houver insucesso, o Senhor permitirá que os ho- mens maldosos encontrem seu julgamento e extermínio em seu em- preendimento tolo. Isto será, ao menos para os espíritos novamente tragados pela matéria, um ensinamento eficaz de que as criaturas, às quais Deus facultou a elevada liberdade da vida, não devem tão tola e voluvelmente violar a grande Ordem Divina.
Deus Mesmo colocou as montanhas na Terra para mil uti- lidades e ordenou profundas bacias debaixo dos montes; nelas se encontra cem vezes mais quantidade de água que sobre a superfície terrestre. Tal água subterrânea é igualmente o sangue da Terra, fa- zendo seu percurso pelos vastos canais e provocando, segundo a Or- dem do Senhor, a movimentação constantemente igual do planeta e assim sua vida orgânica interna. Um planeta também tem que ter uma vida, caso deva ser portador e alimentador para a existência.
Se os homens imitam os vermes roedores e perfuram em toda parte milhares de metros de profundidade debaixo das monta- nhas, as destroem e com isso abrem veios de água — de quem será a responsabilidade e o julgamento se os tolos cegos encontram seu extermínio?
Se colocasses uma mangueira cheia de água num lugar qual- quer e os vermes começassem a roê-la, o líquido não se projetaria com violência, afogando-os? O mesmo acontecerá com os homens, e por causa deles com todos os animais e coisas. Esse será o recipien- te anunciado em eras remotas, que transbordaria para julgamento
de todas as criaturas daquele local cuja medida se completou com os crimes humanos.
Deves ficar aqui e orientar os que talvez venham procurar salvação. Mas os ultrajantes devem ser enxotados com raio e trovão. Como agora conheces a situação, não discute mais com o Senhor, mas prossegue em tua antiga ordem que serás salvo como teu irmão, obedecendo ao Sábio Plano do Senhor.”
Todos os anjos dizem “amém” e se dirigem para as planícies.
O que eles realizaram no decorrer de cinco anos e como con- seguiram levar a forragem para os animais de Noé será mostrado em seguida.
ATIVIDADEDOSDOZEMILANJOSNAS PLANÍCIES
Os doze mil anjos se dirigem primeiro para Hanoch, onde encontram apenas o rei Gurat com o general Drouit, há muito tem- po libertado, ocupados com a leitura dos relatos dos empreendi- mentos de Fungar-Hellan.
Os mensageiros celestes se espalham pela cidade e somente cem se dirigem ao castelo do rei. Deixando os informes bélicos de lado, ele os recebe como de costume com grande diplomacia e in- daga de seus propósitos, pois julga tratar-se de delegados comuns.
O anjo Waltar se adianta e diz: “Gurat, não conheces mais o assassinado vice-rei Waltar, irmão de Agla?” Tanto o rei quanto Drouit levam forte susto, pois não sabem como agir diante da apa- rição de Waltar. Passados alguns instantes, Gurat pergunta: “Waltar, não foste morto pelos esbirros de tua irmã? Como ainda estás vivo? Os esbirros trouxeram tua cabeça que Agla mandou embalsamar.”
Diz Waltar: “De fato sou o mesmo, mas agora vivo eterna- mente em um corpo espiritual e indestrutível totalmente unido a mim. Deste modo sou um mensageiro de Deus, assim como esses aqui e muitos outros que se encontram espalhados pela cidade a fim de pregar ao povo o Julgamento de Deus prestes a ocorrer, como também nós te anunciamos que estais quase perdidos.
Vossas guerras contra os montanheses provocaram vosso ex- termínio certo. Por meio de vossas ciências e experiências usastes um meio pelo qual destruístes as montanhas em suas bases, ignorando o que se encontra debaixo delas.
As montanhas são enormes tampas de águas subterrâneas, de um modo geral feitas de granito por Ordem de Deus, de sorte a não poderem ser prejudicadas pelas águas. Se destruístes esses poderosos defensores contra as águas, elas não começarão a subir à superfície, atingindo acima dos cumes e afogando a todos?
Vinte torrentes novas e fortíssimas já começaram a transfor- mar o terreno plano a cento e vinte milhas daqui num lago, ao qual se juntarão hoje mais cinco, e cada semana outras tantas. Diante disso, qual será vosso destino?”
Gurat arregala os olhos de pavor e não consegue falar. Waltar então lhe recomenda fugir para as montanhas, onde ainda encon- traria salvação.
RESPOSTANEGATIVADEGURAT. ADVERTÊNCIAS
INFRUTÍFERAS DOS ANJOS A FUNGAR-HELLAN E AO POVO
Após ter recebido tal predição do anjo Waltar, Gurat retruca: “Caro amigo dos Céus ou de qualquer ponto terrestre! Teu conselho é amigável e bem intencionado, mas também revela que tu e teu grupo sois de fé fácil ou delegados disfarçados pretendendo, como mensageiros místicos, enxotar-me daqui enquanto vos apossareis de Hanoch.
No início fiquei surpreso de ver em ti Waltar. No decorrer de teu discurso um bom gênio me inspirou que existem gêmeos e outras semelhanças surpreendentes. Tal deve ser o teu caso e do mís- tico Waltar, de cujo destino foste informado, podendo apresentar-te como o mesmo. Os espíritos, todavia, não possuem físico como tu.
Poderia atirar-vos no cárcere por causa de vossa astúcia, mas a crueldade nunca foi minha força. Por isso vos deixo seguir caminho,
pois a advertência feita a mim tinha ao menos aparência amistosa. Mas não acreditarei antes que as grandes planícies em redor de Ha- noch possam ser navegadas com barcos. Só então porei em prática vosso conselho.”
Responde Waltar: “Digo apenas o seguinte: Quando os bar- cos navegarem em torno e dentro de Hanoch e ainda observares que levamos quantidades de animais para a montanha de Noé a fim de serem acolhidos na arca para uma terra renovada — será tarde para ti!
Quando os vapores surgidos do centro da Terra começarem a se condensar na atmosfera e se precipitarem em torrentes colos- sais lá de cima, Noé já se encontrará com seus familiares dentro da arca e ninguém mais será acolhido. Os que procurarem se aproxi- mar da mesma serão enxotados e mortos por raios e chuva de pe- dras. — Agora sabes de tudo e nossa missão extraordinária termi- nou. Faze o que quiseres, pois é da Vontade do Senhor que ninguém seja coagido.”
Os anjos se afastam e no mesmo instante se dirigem à região onde Fungar-Hellan estava trabalhando e lhe fazem fortes advertên- cias. Ele os ameaça dizendo: “Noé mora muito alto para mim, por isso também suas montanhas serão niveladas um pouco no próximo ano e depois irei visitar sua arca de salvação.” Os anjos nada mais dizem, pois ele já era totalmente mau e contra Deus.
Em seguida os anjos procuram o povo a fim de avisá-lo. Mas, não obstante vários milagres efetuados, não foram atendidos nem encontraram fé. Assim desistiram de pregar e começaram a juntar os animais.
A PERMISSÃO EXCEPCIONAL ANTES DAS GRANDES CATÁSTROFES
Subentende-se que os doze mil anjos facilmente juntaram os animais e sua forragem. Essa ocorrência é aqui especialmente men- cionada para evitar que os críticos perguntem como Noé conseguiu
recolher os animais e alimentá-los. Se a Mim, ao Senhor, sempre é possível conservar a maior quantidade de irracionais dia a dia, cer- tamente também Me foi possível mantê-los dentro da arca de Noé por cerca de meio ano.
Pouca diferença faz diante das criaturas comuns o fato de que naquele tempo Meus anjos efetuaram esse serviço para o beato Noé e ainda muitas outras criaturas, pois seu trabalho é sempre o mesmo e a visão real nada altera em si.
Se os homens de hoje fossem tão devotos como Noé, tam- bém poderiam observar muitas vezes como muitos anjos estão ativos dia e noite para conservarem Minha grande exposição de animais. Com a visão materialista, as criaturas desta época jamais poderão registrar fatos semelhantes.
Se alguém perguntar: Como era isto possível às pessoas mal- dosas na época de Noé, que viram os anjos conduzirem os animais e mais tarde providenciaram também sua forragem? — respondo: Isso sempre é feito por Minha Misericórdia diante de uma maldade ge- neralizada do mundo, provocada pelos próprios homens ignorantes em virtude de sua grande falta de conhecimento em todos os proble- mas mundiais. Eles são advertidos antes e durante cada desgraça por prenúncios extraordinários para se afastarem do local onde vivem e se colocarem sob Minha Proteção, onde nada lhes sucederá. No en- tanto, os homens são sempre surdos e mudos como proprietários fe- lizes, e muitas vezes mais cegos e tolos do que irracionais, preferindo qualquer desgraça a aceitar os sinais, procurando Minha Proteção.
Se permito provas extraordinárias em ocorrências pequenas, quanto mais o farei numa época de depravação mundial como fora a de Noé. Assim, o dilúvio é desculpável diante da visível atividade dos anjos celestes.
Tal aparição não deixa de ser um julgamento para os ho- mens. Diante da escolha de dois males, agarra-se o primeiro e menor a fim de evitar eventualmente o maior, pois uma ferida pequena se cura mais depressa que uma grande. Se a solução de um mal menor não promete proteção, então o grande mal terá que seguir a fim de
encontrar seu fim. Presumo ter explicado suficientemente a ativida- de visível dos anjos, podendo voltar à narração dos fatos.
ÚLTIMA ADVERTÊNCIA FEITA AOS HANOCHITAS E A VOLTADOSANJOSPARAAS MONTANHAS
Quando os excepcionais mensageiros chegam a Hanoch, após decorridos quatro anos, com todos os animais recolhidos, a sensação é enorme, pois eles andam soltos e não enjaulados como de costume. O que desperta maior atenção é o fato de caminharem numa ordem pacífica quais ovelhas, segundo seu tamanho e espécie.
Os mensageiros andam por todas as ruas e ruelas gritando para todas as criaturas: “Ainda vos é concedido um curto prazo. Convertei-vos para Deus, o Senhor, e acompanhai-nos confiantes ao cume de Noé — e todos sereis salvos, ainda que sejais muitos.
Não somos como vós, o que demonstra a obediência desses animais, diferentes em sua espécie, mas que nos obedecem como se fossem ovelhas, muito embora se encontrem entre eles todas as feras possíveis, do elefante ao camundongo.
Somos portanto dotados de grande poder. Se Noé construiu apenas uma enorme arca de modo natural para salvação de mui- tos, no entanto talvez não encontrásseis lugar na mesma, pois sois milhões, isso não impede vossa salvação. Se vos converterdes verda- deiramente para Deus, somos capazes de construir, num instante, cem mil arcas semelhantes nas quais todos vós podereis ser levados a uma Terra renovada. Esta é a última chamada de Deus. Abandonai tudo e segui-nos, pois dentro de um ano todas as vossas habitações e campos estarão seis metros debaixo da água e do lodo!”
Essa chamada não surtiu efeito. As pessoas se riam desses supostos magos e domadores, deixando que clamassem e caminhas- sem sem impedimentos. Assim eles também voltaram junto ao rei e o convidaram a acompanhá-los. Ele não lhes deu resposta, deixando que passassem ao largo. Entristecidos, os mensageiros abandonam a cidade e sobem a montanha com os animais.
Chegando à cabana de Noé, os mensageiros são recebidos por ele e seu irmão Mahal, admirados diante da enorme quantidade de animais, suas espécies e condutas tão diversas. Os anjos então ordenam a Noé: “Abre a porta da arca para levarmos os animais nas celas individuais, onde poremos a forragem da qual comerão diaria- mente o necessário para sua conservação.
Terás que cuidar apenas da água, coisa muito fácil, porquan- to a arca se encontra até a metade dentro da água, e basta fazeres um orifício no primeiro andar e colocar uma torneira. Enquanto o Senhor não fizer chover, deixa a arca aberta para que os animais possam circular livremente à procura de forragem e água frescas. É importante que assinales as celas, evitando que os animais sejam organizados de modo diferente do que fizemos agora.
Não necessitas te preocupar, pois pusemos a forragem certa para cada animal em sua determinada jaula, que será por eles ime- diatamente reconhecida por esse meio. A limpeza também será feita sem tua colaboração.
Deixa a janela do telhado sempre aberta, possibilitando o in- gresso das aves. Seu alimento ficará por nossa conta e precisas cuidar somente da água, com ajuda de teus filhos. O Próprio Senhor de- terminará o momento em que deverás fechar a arca e lacrar a porta com breu. Se antes da chuva vierem criaturas pedindo proteção, de- ves recebê-las. Quando começar a chover ninguém mais deverá ser acolhido. Agora sabes de tudo. Que o Senhor seja contigo!” Os anjos desaparecem enquanto Noé e sua família começam a agradecer e a louvar a Deus. Mahal, como naturalista, se ocupa com seus filhos na observação dos animais, alegrando-se muito com eles.
Em seguida, Noé também entra na arca e fiscaliza a organi- zação dos animais, procurando no andar intermediário um lugar certo para a colocação da torneira. Isto feito, ele também sobe ao terceiro andar onde encontra seu irmão discutindo com os filhos porque os anjos só haviam feito as determinações com Noé, sem ao menos se referirem a ele mesmo. Principalmente se aborrece por terem dado ordens exatas para a manutenção dos animais, mas não fizeram menção da sua conservação e de seus filhos.
Não percebendo a presença de Noé atrás da parede divisória, ele resmunga: “Por acaso sou menos que os animais? Têm suas jaulas e forragem de sobra; o que temos nós? Os anjos também sempre falavam da manutenção de Noé e dos seus familiares; nossa con- servação nem foi mencionada. Que vem a ser isso senão Sua de- terminação no sentido que a arca não foi construída para nós, mas exclusivamente para meu irmão, sua família e os irracionais!
Já sei o que fazer! Ainda existe quantidade de madeira pre- parada. Falarei aos empregados de Noé e com ele mesmo para que façam uma arca para mim, onde teremos lugar suficiente. Se o Se- nhor quiser nos conservar, está bem; não querendo, conforme se vê, não hei de pedir-Lhe! Esta vida nessas circunstâncias aflitivas já se tornou um asco para mim!”
Nesse instante Agla diz: “Pai, acho que falas demais. Tam- bém tive oportunidade de ver Waltar e ele a mim, no entanto não me consolou. Ainda assim não me queixo de Deus. Por que fazes isso, se recebeste o maior consolo do Próprio Senhor? De minha parte digo: Senhor, que se faça a mim, a maior pecadora, segundo Tua Misericórdia! Se devo ser presa da morte, o Senhor será louvado também por isso!” Mahal se admira das palavras de Agla, que chora, e Noé a louva diante de Deus. No mesmo instante um anjo lumi- noso se apresenta e diz: “Agla, jamais serás vítima da morte, mas da Vida Eterna! Dá-me tua mão e segue-me, ao teu irmão Waltar!” Am-
bos desaparecem, dela sobrando apenas as vestes com um pouco de cinza. Todos estão estupefatos diante disso, não podendo explicá-lo. Noé se anima, cai de bruços e louva a Deus sobremaneira.
CONSTRUÇÃO DA PEQUENA ARCA PARA MAHAL E SUA FAMÍLIA
Depois de Noé ter agradecido e louvado a Deus durante uma hora por ter recebido a filha do irmão com tanta Misericórdia, ao Reino Eterno dos Espíritos de Deus, ele se vira para Mahal dizendo: “Porventura não pretendes discutir com o Senhor por ter sido tão Magnânimo contigo? Dentro de ti só existe orgulho oculto. Te abor- reces intimamente por não teres sido escolhido para a construção da arca e que não sejas convocado especialmente em todas as oportu- nidades. Como não tens ninguém para discutir, despejas tua revolta contra o Próprio Senhor e queres sempre provocá-Lo.
Pergunta a ti mesmo se tal atitude contra Aquele Que há quatro anos te chamou de filho se justifica. Julgas que consegues ex- torquir algo de Deus? Há tempos inimagináveis Satanás reage contra Ele. Que teria ele alcançado com isso? Tudo aquilo que ele quer jamais será feito pelo Senhor, e assim Satanás continua o escravo castigado de sua própria teimosia, fruto de sua tolice. Mas o Senhor será eternamente o Senhor e fará o que quiser, sem Se perturbar com a gritaria dos tolos do mundo.
Meu irmão, seria tão difícil humilhar-se diante do Pai mais Santo e Amoroso e suportar Sua Santa Ordem?! Ele te mostrou po- sitivamente jamais ter trancado a Arca de Seu Amor, Graça e Miseri- córdia; portanto também nunca fechou esta aqui. Mas se quiseres te excluir por um ódio oculto, julgas que Ele te puxará pelos cabelos?! Abandona tua tolice e não experimentes a Paciência do Senhor, que em breve hás de encontrar um recinto nesta arca!”
Essa advertência oportuna não teve o menor efeito sobre Mahal, que insistiu na construção de uma arca particular. Noé atendeu ao seu pedido e mandou fazer uma arca pequena de oito
metros de comprimento e quatro de altura, na qual porém não havia jaulas.
TRÊS FILHOS DE MAHAL SÃO CONSUMIDOS PELO FOGO DA IRA DIVINA
Quando Noé termina a arca pequena, diz para Mahal: “Aqui está a construção de tua teimosia. Trata que Deus, o Senhor, a aben- çoe para ti e teus três filhos, do contrário trará pouca proteção. Eu a abençoei pelo trabalho, mas essa bênção será infrutífera sem a Bên- ção do Senhor. Aproxima-te Dele, dá-Lhe a honra e pede que aben- çoe a arca para tua segurança!”
Retruca Mahal: “Falas a teu modo, desconhecendo minha penúria. Não sou homem como tu e não tivemos os mesmos pais? O Senhor te forneceu até mesmo a medida para tua arca, sem que o tivesses pedido. A mim Ele deixou solto igual animal selvagem por causa de meus filhos, e não me ordenou a construção de uma arca.
Ele falava comigo pelo sentimento e me mostrou nas planí- cies o que deveria fazer, e eu sempre agi de acordo. Nunca me falou de uma salvação, muito embora também fosse puro como tu! Nisto se baseia a aflição de meu coração. Portanto, nada farei e aguarda- rei a Palavra expressa do Senhor. Se falar claramente comigo, agirei também com clareza. Mas não hei de coagi-Lo, nem por um pedido ou sacrifício. Prefiro sucumbir a influenciá-Lo, para uma atitude em minha pessoa. Se quiser abençoar esta arca para mim, Ele o fará sem meu pedido, assim como te ordenou a construção sem teu pedido. Se tal não for de Sua Vontade, não farei uso da arca, mas participarei do destino de milhões de criaturas e também serei testemunha como as más serão punidas.” Mahal se levanta e segue com seus filhos para uma floresta, aguardando a Palavra do Senhor.
O Senhor deixou que ele caminhasse durante três dias. Mas no quarto dia o céu começou a se cobrir de nuvens. Então Mahal se aborreceu com o Senhor e discutiu com Ele num tom que jamais será repetido na Terra. Quando Mahal ficou totalmente rouco, um
fogo desceu diante dele e uma voz disse: “Mahal, criatura desvai- rada! Cansei-Me de tuas blasfêmias! Se julgas que Eu, teu Deus e Senhor, não mereço honra, Eu também te considero desmerecedor de salvação. Fica aqui e sê testemunha de Minha Ira sobre a Terra e sobre ti. Teus filhos, que não te acompanharam em teu desvario, hei de tirar de ti, e assim hás de Me conhecer ao menos em Minha Ira por não quereres reconhecer-Me em Meu Amor. Que assim seja!” O fogo se apodera dos três filhos e os consome num instante, enquanto Mahal fica só, mudo de pavor.
PALAVRAS CLEMENTES DE DEUS. COMEÇO DAESCURIDÃOEMONÓLOGODE MAHAL
Entrementes, Noé manda alguém à procura de Mahal, mas o Senhor quis que ele jamais fosse encontrado pelo irmão, na Terra. Então Mahal apanhou raízes comestíveis, pão e queijo para vinte dias, subiu numa rocha onde havia uma fonte e assim estava suprido de tudo. Ali passou ele sete dias. Quando o céu começou a escurecer cada vez mais, apanhou seu suprimento e se encaminhou para a gruta de Adão.
Fatigado, ele diz: “Estou velho e cansado, e o Senhor tirou-
-me todo o apoio. Deveria Ele aguardar por isso minha gratidão e louvor? Sim, Senhor, agora que por Tua Pressão me tornei pecador diante de Ti, somente agora quero Te louvar e exaltar. Quando me pisaste, senti dor e me torci qual verme perante Ti. Agora uma dor forte demais me tornou insensível. Não sinto dor, nem tristeza, raiva ou ódio. Por isso Te posso louvar e exaltar de novo. Discuti Contigo quando sofri. Eis que não altercarei jamais, pois não sinto mais dor!
Enquanto estava Contigo no Céu de Noé também não sofri e pude ser justo perante Ti, ó Senhor, e louvei-Te e prezei-Te a toda hora. Deixando que eu fosse para o inferno, enchi-me de revolta e dor, o que me obrigou a lutar contra Ti. Não permitas que volte para lá onde ninguém Te pode louvar, prezar e enaltecer. Agora que Te louvo e prezo, peço que me tires deste mundo e não me deixes ser
testemunha da enxurrada justa de Tua Ira sobre todas as criaturas. Tua Vontade se faça! Amém.”
4. A essa exaltação de Mahal ressoa do fundo da gruta um eco: “Mahal, abafei Minha Ira contra ti porque te dominaste quando te apliquei fortes chibatadas por causa de tua dureza contra Mim. No entanto terás que te penitenciar na Terra em virtude de tuas tolices até que Eu te aceite — pois teu ultraje contra Mim foi imenso. Tem paciência em todos os momentos e espera por Mim, que não te dei- xarei afogar na enxurrada. Antes disso, as solas de teus pés terão de ser banhadas por ela até Eu te libertar da carne. Amém.”
Mahal reconheceu no eco a Voz do Senhor e se submeteu à Sua Vontade. Após ter passado sete dias na gruta geralmente clara, não se fez mais dia, pois o firmamento estava repleto de nuvens negras, impedindo qualquer raio do Sol. Por isso Mahal abandonou a gruta à procura de uma claridade, mas andou sem rumo certo. Ainda assim não se queixou e aguardou pacientemente o que viria sobre a Terra.
Já tinha chegado o tempo em que o Senhor mandou Noé entrar na arca com sua família. Tudo isso consta no Livro de Moysés, 7º capítulo; no entanto será descrito minuciosamente.
ÚLTIMAS TENTATIVAS DO SENHOR DE SALVAR AS CRIATURAS DAS PLANÍCIES
Quando o céu e as nuvens começaram a cobrir os cumes mais próximos numa treva total e as planícies fumegavam a perder de vista qual metrópole em chamas, o Senhor Se aproximou de Noé e disse cheio de melancolia e tristeza: “Noé, nada temas, pois Eu, o Senhor de todas as criaturas e coisas, estou contigo para te proteger e defender de qualquer desgraça que farei vir por sobre a Terra, porque as criaturas maldosas assim o querem.
Vê como a situação dessa velha Terra é triste. A ciência huma- na libertou os espíritos maus e algemados dentro da matéria, antes do tempo, sem saber e querer, com o que todos os Céus estão em
perigo por obra deles, sem julgamento divino. Por isso o espaço en- tre a Terra e a Lua está repleto de tais elementos.
Se não chegasse ao solo terráqueo uma claridade provocada por um incandescer local das nuvens, nas quais eles se enfurecem e esbravejam, haveria tamanha treva na qual tudo sufocaria, pois a luz solar não consegue penetrar por massas tão colossais de nuvens e vapores.
Mas os homens das planícies não sentem medo. Iluminam suas cidades por meio de tochas e grandes lampiões a óleo e conse- guem estar alegres. Cortejam e se casam, mantêm banquetes, jogos e danças, enquanto Eu, seu Criador, Me aflijo por eles e não os posso socorrer a fim de não os exterminar eternamente em seu espírito.
Meu Noé, tal situação é muito dura para um Pai, que vê Seus filhos diante do abismo sem poder ajudá-los, a menos que efetue uma nova prisão terrível, ou seja, o julgamento inevitável diante de nós. Que posso dizer a tudo isso? Na Terra, em regiões distantes daqui, ainda existem descendentes de Caim. Para eles bastou uma revelação pesada e ainda vivem dentro de Minha Ordem.
Os poucos entre eles que levaram mais ou menos à sua cons- ciência um peso devido a uma ação contrária, torcem as mãos em desespero nesta noite geral do julgamento e pedem Misericórdia. Hei de Me apiedar também deles. Mas esse grande continente ha- bitado por Meus filhos em conluio com os filhos do mundo há de sentir Meu julgamento impiedoso!
Antes de deixar cair as águas sobre a Terra, hei de atemorizar os homens das baixadas durante sete dias por meio de várias apa- rições e possivelmente forçá-los a fugirem para aqui. Durante sete dias permaneceremos aqui nesta treva e traçarei uma claridade fraca daqui para Hanoch e mais além, para que ninguém venha a perder o caminho caso pretenda se salvar. Se viesse o próprio Fungar-Hellan, seria recolhido na arca!”
Dito isto, observa-se uma fraca claridade entre a montanha até Hanoch e mais além. E o Senhor abre a visão de Noé, que com Ele pode observar todas as planícies. Mas ninguém é visto deixando
a cidade. Ouvem-se chamadas fortíssimas como trovões; mas nin- guém lhes dá importância. Vários incêndios irrompem em Hanoch, apavorando muitas pessoas, mas ninguém queria deixá-la. Águas subterrâneas irrompem do solo e inundam praças e ruas na altura de um homem. Então os mais pobres subiram nos montes próxi- mos; mas os ricos tomaram botes e canoas e navegavam cantando pelas praças, e ninguém mais pensou em subir as montanhas. Tais calamidades duraram sete dias — no entanto ninguém se perturbou com isso. Então a Paciência do Senhor rompeu-Se e Ele levou Noé junto à arca.
INGRESSODENOÉNAARCAEASORDENS E
ADVERTÊNCIASDOSENHOR.SURGEA CATÁSTROFE
Quando ambos chegam à arca, o Senhor diz: “Entra com todos os teus familiares, pois és o único justo nesta época. De cada animal puro separarás sete casais, e do impuro apenas um. O mes- mo farás com os pássaros, sete machos e sete fêmeas a fim de que a semente continue viva na Terra toda. Daqui a sete dias farei chover durante quarenta dias e quarenta noites, e exterminarei tudo que for vivo e criado por Mim.” Noé se ajoelha e adora o Senhor por tão imensa Graça.
O Senhor, porém, ergueu Noé do solo e lhe disse: “Refletes sobre o fato de Eu em outra época ter ordenado que tomasses, sem distinção de qualquer animal, apenas umcasal, mas agora mandei que separasses sete casais de animais puros e também dos pássaros; mas com animais impuros a ordem será de um casal apenas.
O motivo é o seguinte: Naquele tempo pensei no Meu co- ração com a Visão afastada: As criaturas das planícies hão de vir e procurar proteção aqui. E não quis perguntar à Minha Onisciência se os homens que tantas vezes chamei o fizeram de fato. Virando Meu Olhar para eles não encontrei mais vontade alguma, porquanto todos os seus espíritos haviam sido consumidos pela carne e o mun- do, e também vi que ninguém viria.
Por esse motivo apanharás no lugar das criaturas imundas que sucumbiram abaixo dos animais, maior número de animais puros e de aves. Além disso, eles te serão úteis na Terra renova- da. Se entendeste bem, vai e age imediatamente. Não há necessi- dade de tomares uma luz artificial, pois Eu Mesmo iluminarei a arca. Amém.”
Após Noé ter executado tudo com Ajuda do Senhor, ele en- trou na arca aos seiscentos anos de idade no 17º dia de fevereiro, pela contagem de hoje. Uma vez todos acomodados, o Próprio Se- nhor fechou a grande porta com Sua Mão e com isso abençoou a arca. Assim Noé estava seguro e o Senhor vigiou a arca.
Em seguida o Senhor levantou Sua Mão Poderosa e ordenou às nuvens de soltarem a chuva em grandes torrentes e também às fontes para fazerem subir suas águas à superfície. Inúmeros gêiseres impelem suas águas até as nuvens e de lá as chuvas caem quais cas- catas, subindo de tal modo rapidamente que as criaturas não conse- guem subir nas montanhas. Os que ainda tinham essa oportunidade eram afogados pelas águas que se precipitavam sobre as rochas.
Pouquíssimos conseguiram, com a força do desespero, alcan- çar a montanha de Noé. Quando viram a arca sob constantes raios, começaram a gritar e a pedir socorro. Mas a Onipotência do Senhor os repudiou e eles se dirigiram aos cumes, subindo de mãos sangren- tas. Mas os raios os arrancaram das paredes e os atiraram nas vagas crescentes.
TRÊS FUGITIVOS CHEGAM À GRUTA, NA QUALTAMBÉMAPARECEO SENHOR
A chuva torrencial obriga Mahal a se refugiar dentro da gruta onde caminha de lá pra cá, vendo com desespero como a enxurrada desce por cima das rochas, arrancando árvores com terra, rochas imensas e levando tudo para desfiladeiros e valas. Embora fosse ami- go de fenômenos da natureza, esse ultrapassa sua coragem, pois vê diante de si o fim do mundo e de si mesmo.
Tremendo de pavor ele confabula: “Senhor, chega-se a co- nhecer Tua Onipotência somente em Tua Ira Justa. Se bem que és milagrosamente Grande, Santo e Sublime em Tua Paz, o homem pouca importância dá e facilmente consegue Te esquecer. Uma cena como esta demonstra ao verme obtuso e tolo da Terra que Tu és infinitamente Superior ao homem vivendo orgulhosamente na paz terrena.
Conseguiria observar este fenômeno com maior proveito se não me encontrasse tão só. Senhor, tira-me deste mundo e não per- mitas que eu seja testemunha por mais tempo de Teu Julgamento terrível! Tua Vontade Santa Se faça!”
Nesse instante chegam três fugitivos das planícies à procura de proteção dentro da gruta. Feliz com essa expectativa de compa- nhia Mahal os recebe, perguntando por sua procedência. Eles res- pondem: “Somos os três maiores tolos das planícies. Há poucos dias nos julgávamos os senhores de Hanoch, portanto do mundo inteiro. Mas agora o antigo Deus nos mostrou que somente Ele é o Senhor. Fugimos da enxurrada e somos talvez os únicos sobreviventes de Hanoch, onde tudo se encontra a vários metros debaixo de água e lama. Somos Gurat, Fungar-Hellan e Drouit.”
Explodindo de alegria, Mahal exclama: “Ó Senhor, que pro- vidência milagrosa! Entregaste em minhas mãos os Teus maiores inimigos! Sou Mahal, que muitas vezes vos falou desse julgamento. Mas vossos ouvidos estavam tapados. Eis vossa própria obra: o Jul- gamento Divino. Onde então ficou vosso poder e soberania?” Os três amigos se assustam e fazem menção de fugir. Mas no mesmo instante o Senhor entra na gruta, fazendo com que seja reconhecido.
O DILÚVIO, CRIAÇÃO DOS HOMENS TOLOS. O SENHOR EVOCA SATANÁS
Imediatamente Mahal se atira aos Pés do Senhor, qual pe- nitente arrependido e diz: “Senhor de Céus e Terra, meu Deus e Pai de Amor! Pequei tremendamente nesses últimos dias contra Teu
Coração Santíssimo! Seria possível que eu, verme miserável do pó, encontrasse novamente Misericórdia e Clemência diante de Teu Semblante Santificado?!”
Diz o Senhor: “Meu filho — que andavas perdido e agora te deixaste encontrar por Mim — levanta-te! Eu, teu Santo e Eterno Pai, afirmo: Diante de Meu Amor Eterno e Infinito não há quem caia tão profundamente que Eu não quisesse aceitar caso voltasse na confissão, arrependido de seu pecado!
Quem não se aproxima terá escrito em sua testa sua própria condenação. Eu não retenho a ninguém contra sua vontade livre, insuflada por Mim, e não levo ninguém que não o queira. Tudo que Eu, o Onipotente, faço é a chamada dos Meus filhos, como Pai unicamente Verdadeiro e Eterno! Felizes os que prestam atenção à Chamada e obedecem à Sua Ordem!
Há dois mil anos venho chamando, ensinando e advertindo Meus filhos. Eles porém não quiseram aceitar Minhas advertências justificadas, preferindo dar atenção ao pronunciamento de Sata- nás, que lhes apontou os caminhos para a perdição. Seguiram por esse caminho por tanto tempo até colherem o que agora veio sobre eles e o orbe.
Não fui Eu a criar e projetar esse Julgamento sobre a Terra, mas sim esses três! Queriam destruir o orbe, e eis sua obra diante dos seus olhos! Perfuraram com temeridade o solo, por ódio contra Mim — seu Criador — e Satanás os levou em linha reta aos pontos onde os pulsos terráqueos se encontram na superfície. Então arre- bentaram a película sólida dos veios da terra com ácido e dinamite, e os riachos e vapores começaram a irromper através da pressão e do peso da película. Essa enxurrada destruidora e mortal nesta região é fruto de seu zelo pelo inferno!”
A estas palavras, os três responsáveis começam a tremer, pois percebem que seu ultraje trouxe a morte para milhões de criaturas e eles eram os maiores responsáveis e culpados. Nesse instante, o Senhor evoca Satanás e quando esse se encontra enraivecido diante Dele, o Senhor lhe diz: “Miserável desafiador de Minha Paciência,
Amor e Indulgência! Eis teus três servos mais fiéis, que executaram teu plano com precisão de mestre! Que prêmio lhes darás?”
Retruca Satanás: “Não tiveram na Terra tudo que queriam? Qual seria o prêmio a ser exigido? Nada mais do que a morte!” Diz o Senhor: “Ouvistes como vosso mestre costuma pagar seus súditos? Estais satisfeitos?” Os três homens começam a gritar de pavor e pe- dem socorro ao Senhor.
Mas o Senhor retruca: “Eis o resultado do medo e não do remorso! Afastai-vos de Mim, servos de Satanás, e expiai com ele vosso ultraje no fogo infernal!” No mesmo instante um raio for- tíssimo passa pela gruta matando os três criminosos, e o Poder do Senhor enxota os quatro espíritos para o inferno. — Mahal se agarra às Mãos do Senhor, que o leva até a gruta.
LIBERTAÇÃOETRANSFIGURAÇÃODE MAHAL
Chegando perto da arca, Mahal pede ao Senhor que lhe tire a vida, pois não suportará essa chuva, projetando-se sobre seu físico enfraquecido e sente-se febril pelo frio intenso. Mas o Senhor diz: “Mahal, como podes te queixar da chuva e do frio em Minha Pre- sença Extraordinária? Não sou Eu a proporcionar a chama ao queru- bim, o brilho ao serafim e a todos os sóis, fogo, luz e calor provindos de Mim? Julgas que essa chuva te molharia e faria congelar teus membros caso estivesses inteiramente Comigo no coração?
De modo algum! Cada gota que caísse em tua cabeça seria um bálsamo, conforme o é para a Terra cansada e semimorta sobre a qual essa enxurrada teve que passar a fim de não morrer e se desva- necer sob o ultraje dos homens. Essas ondas hão de sarar e cicatrizar as feridas da Terra, que se restabelecerá e servirá de novo para habi- tação de homens e animais.
O mesmo deve ocorrer contigo. Também sobre ti há de vir uma enxurrada através da grande atividade do teu amor e subse- quente remorso. Ela te curará e aquecerá para a Vida Eterna em teu espírito vindo de Mim. Se teu amor for vivo em Mim, teu espírito
também estará vivo Comigo. E esse é o verdadeiro calor que jamais esfriará por todo frio que a morte espalhou em todo o Infinito, por meio do poder da mentira dentro dela.”
Então Mahal começa a vibrar e diz, movido pela chama rea- vivada de seu coração: “Pai, sumamente Santo e Pleno do Máximo Amor! Como deves ser Bom em Tua Natureza por Te dedicares tão amorosamente a um pecador como eu, como se não existisse outro ser em todo o Infinito! Como me arrependo por ter agido com ta- manha ingratidão, como se fosses igual a mim! Pai, Amor Eterno, seria possível que me perdoasses tamanho ultraje?!”
Eis que o Senhor toca Mahal com um dedo e no mesmo instante o corpo material se reduz a pó e cinza. Mas o espírito trans- figurado de Mahal se encontra junto do Senhor como um lumino- so serafim, e louva e exalta com lábios imortais o Eterno Amor do Pai que, não obstante no Julgamento, é de igual Plenitude infinita quando na Paz da Ordem eterna.
O ANJO MAHAL É ESPÍRITO PROTETOR DA ARCA. ÁSIA CENTRAL,PONTOPRINCIPALDODILÚVIO.O LAGO
ARAL E O MAR CÁSPIO, REMANESCENTES E TUMBA DA METRÓPOLE DE HANOCH
O dilúvio já tinha durado sete dias quando o Senhor libertou Mahal, e a água subia com tamanha rapidez que atingira o ponto em que ambos se encontravam perto da arca. Assim também se cumpriu a predição do Senhor segundo a qual Mahal não se libertaria antes que a água chegasse a seus pés.
Após ter venerado o Senhor, Este diz para o espírito de Mahal: “Agora que estás livre, tua primeira tarefa de anjo deve consistir na proteção que dedicarás à arca, levando-a sobre as vagas e não a aban- donando até que as águas baixem, e Eu Me tiver aproximado para estender sobre a Terra renovada o arco da paz. A partir daí receberás outra tarefa. Minha Vontade seja tua força eternamente!”
Em seguida o Senhor desapareceu em Sua Pessoa Extraordi- nária, e Mahal via, como todos os outros espíritos angelicais, apenas o Sol do Céu no qual o Senhor habita na Luz impérvia, de Eterni- dades em Eternidades.
Assim Mahal conduziu fielmente a arca segundo a Vontade do Senhor. A água crescia tanto que no sétimo dia após a libertação de Mahal começou a levantar e carregar a arca. Então Mahal a guiou de tal modo a não balançar com as ondas, mas flutuava calmamente qual cisne no espelho calmo de um lago.
No sétimo dia a água já cobria as mais altas montanhas dessa região, chegando até o Himalaia, que separava o país dos sihinitas (China) do resto da Ásia. Essa cordilheira somente se encontrava quinze metros fora da água, enquanto todas as demais montanhas se achavam debaixo da água por quinze metros. É claro que seguindo as condições variadas de altura, algumas montanhas menos altas se encontravam várias centenas de metros debaixo da água.
Para onde se derramavam as águas do dilúvio? — A maior parte fluiu para a Ásia Central, onde hoje o Lago Aral e o Mar Cáspio são remanescentes especiais. Lá onde agora se encontra o Mar Cáspio existiu a grande e orgulhosa Hanoch, e poderiam se encontrar restos da mesma numa profundidade de mais de dois mil metros.
No local do Lago Aral encontrava-se em épocas passadas aquele lago que conhecemos bem, com sua ilha dedicada ao deus das águas. Os lagos Baikal e Tchany são monumentos que guardam restos pecaminosos da época antediluviana.
Partindo desses pontos principais, as águas se derramaram para a Sibéria e Europa, que naquele tempo ainda não estava povo- ada; e uma parte se projetou para o Sul, a Índia e Arábia. O Norte da África foi muito prejudicado até as cordilheiras onde se deram apenas pequenas inundações. A América ficou infiltrada no Norte através da Sibéria. Mas o Sul ficou livre, como a maior parte das ilhas do Atlântico.
Por que é afirmado aqui que a enxurrada se dirigia para vá- rios locais? Por acaso não chovia no orbe todo? A enchente não era igual em toda parte? Respondo: A enchente correu em várias dire- ções, porque não choveu na Terra toda e portanto ela não podia ser igual em toda parte.
Porventura poderia ter chovido nas regiões polares onde até o ar congela? E qual seria a finalidade de uma chuva de quarenta dias naquelas regiões onde não havia criaturas e animais? Qual seria o efeito da chuva sobre o Oceano? Finalmente, se a enchente tivesse atingido uma altura igual em todo o orbe, digamos de seis mil me- tros, onde se teria esgotado?
Pode-se afirmar que em parte se evaporou e também foi ab- sorvida pelo solo. Se isso fosse o bastante para tal enchente no de- correr de um ano, o Oceano já teria desaparecido há tempos, por- quanto não perfaz a décima milionésima parte daquele volume de água, caso o planeta todo recebesse uma elevação de cerca de oito mil metros de água.
Além disso, nada se perde pela evaporação, pois a água eva- porada se acumula nas nuvens e cai na mesma proporção ao solo. O mesmo acontece com a água absorvida nos poros terráqueos: ela se acumula em certos depósitos e aparece por neblinas e fontes periódicas.
Por esse motivo, uma enchente alta em toda parte dos tem- pos de Noé estaria ainda hoje na mesma altura, assim como o Oce- ano até esta hora é o mesmo que no tempo de Adão, com poucas variações locais. Eis por que o dilúvio existia apenas em sua terrível aparição onde habitavam criaturas más, e cobriu principalmente a Ásia Central numa altura de oito mil metros acima do mar.
Se na Escritura consta: Ela se projetou acima de todas as montanhas da Terra e, além daquilo que se encontrava na arca, nada de vivo sobrou no solo terráqueo! — isso não deve ser tomado ao pé da letra e com referência à Terra natural. Na expressão “montanhas”
entende-se apenas o orgulho e o domínio dos homens. E que na Terra nada sobrou com exceção da arca, quer dizer que apenas Noé conservou sua vida espiritual em Deus e de Deus.
Quem isto observar compreenderá que a enchente de Noé foi de fato colossal, mas não geral, pois somente na Ásia Central os homens foram o motivo principal através de sua astúcia, o que não ocorreu em outras partes do mundo.
CONTINUAÇÃO DAS EXPLICAÇÕES FÍSICAS DO DILÚVIO
A expressão “enchente” demonstra um derramamento de água sobre a Terra partindo de Hanoch, e não uma água constante sobre o planeta todo. Essa cidade cobria com seus extensos arre- dores um território e uma superfície totalmente habitada de quase oito mil milhas quadradas, portanto apropriada e bastante grande, podendo ser um importante reinado na época de hoje. Além disso, dominava quase a Ásia toda e praticava a maior desordem.
Admitamos que sobre esse enorme território sejam despeja- dos seis mil metros de água e facilmente se mostrará até onde irá a inundação, sobretudo considerando que a Ásia Central era o país mais alto, e a sudoeste ainda o é na maior parte. Alguém poderia objetar: se o dilúvio de Noé foi de fato uma enchente colossal apenas em um determinado ponto, como foi possível alcançar altura tão tremenda sem se perder em todas as direções em enxurradas de cem milhas de largura?
Eis a seguinte explicação: A chuva de quarenta dias se esten- dia sobre a Ásia toda, grande parte da Europa, como também na África do Norte, provocando grandes inundações. Mas como na- queles países não se juntaram as águas subterrâneas, a enchente não pôde atingir essa altura como na Ásia, onde a saída das águas do subsolo fornecia o acúmulo principal.
Podendo aceitar com segurança que na Ásia se juntavam à chuva torrencial centenas de milhares de gêiseres, compreende-se
que o dilúvio pôde alcançar tamanhas dimensões, não obstante o escoamento geral igualmente forte. Partindo daí, facilmente se der- ramou em todas as regiões com fúria colossal e as formações diluvia- nas ainda encontradas na época de hoje provam isto, conquanto não devam ser tomadas com as que se originam das periódicas mutações dos mares.
Os vestígios principais do dilúvio são representados pelos entulhos frequentemente encontrados em consideráveis alturas, os- sos petrificados de animais antediluvianos, jazidas de lignite, como também o desbastamento das montanhas, completamente alisadas. Todas as demais formações pertencem às mudanças dos mares ou a grandes erupções de fogo. Depois de termos apresentado a natureza do dilúvio físico, passemos à duração e ao final do mesmo.
A ARCA NO MONTE ARARATE. A POMBA COM A FOLHA DE OLIVEIRA
A enchente máxima durou cento e cinquenta dias completos. Como isso foi possível, se pela primeira descrição choveu apenas quarenta dias? A chuva tinha terminado após quarenta dias. Mas as águas que subiam cada vez mais violentas duraram cento e cinquen- ta dias, conservando sempre o mesmo nível.
Somente no 150º dia o Senhor voltou Seu Semblante para a Terra, e os poços subterrâneos foram tapados e as câmaras de éter foram amarradas, pois até aquele dia sempre tinha chovido alhures, como acontece em época de trovoadas e aguaceiros.
Então a água começou a escoar, e no dia 17 de julho a arca encontrou um solo no vasto pico do monte Ararate, pois tinha sido guiada pelo espírito de Mahal, pela Força de Deus. A água baixou visivelmente até o décimo mês e todas as montanhas, inclusive as de apenas cento e quarenta metros de altura, estavam fora da água, que cobria apenas os vales e pequenas elevações.
Quarenta dias mais tarde, no dia 10 de novembro, Noé abriu pela primeira vez a janela no telhado e fez passar um corvo. Esse
encontrou seu ambiente, voou de um ponto para outro e não voltou mais para a arca. Então Noé soltou uma pomba a fim de se certificar se a arca havia baixado.
5. A pomba não encontrando lugar para pousar, pois tudo es- tava úmido e escalvado e nos vales torrentes colossais ainda rugiam em seu escoamento, voltou e sentou-se na mão de Noé estendida na janela. A partir daí ele aguardou mais sete dias e no oitavo soltou outra pomba. Essa só voltou à noite, trazendo no bico uma folhinha de oliveira. Isto era a prova para Noé de que as águas haviam esco- ado. Foi desse modo que o Senhor o esclareceu no coração de Noé.
Passados outros sete dias, Noé soltou outra pomba que não voltou por ter encontrado alimento no solo seco e coberto de ve- getais. Mas Noé esperou até o primeiro mês do ano novo, em que ele completava 601 anos. Então as águas tinham voltado ao estado normal, principalmente nos grandes mares, e o solo secou devido a constantes ventos quentes.
No dia 1º de janeiro Noé e seus filhos retiraram o telhado da arca e ele viu pela primeira vez a Terra renovada, do alto do Ararate, encontrando tudo seco. Ainda assim aguardou até 27 de fevereiro. Eis que o Senhor Se apresentou e lhe ordenou de abandonar a arca, conforme consta no 1º Livro de Moysés, capítulo 8.
Noé abriu imediatamente a grande porta e tudo começou a voar, a andar e a rastejar para a saída à procura de habitação; e o Senhor cuidou que todos encontrassem seu alimento adequado. Desse modo, Noé viveu um ano e dez dias com sua família den- tro da arca.
SACRIFÍCIO DE GRATIDÃO DE NOÉ E A BÊNÇÃO DO SENHOR
Quando Noé e todos os animais tinham saído da arca, ele erigiu com ajuda de seus filhos um altar de pedras lisas, mandou trazer a lenha do telhado da arca, matou um macho de cada animal puro e prestou ao Senhor um sacrifício, louvando-O acima de tudo.
Sentindo esse gesto de amor daqueles filhos, o Senhor disse para Noé: “A partir de agora não mais amaldiçoarei a Terra por causa dos homens, pois a intenção e ambição do coração humano são maus desde jovens. Não quero mais bater nem castigar tudo que vive, con- forme acabei de fazer. Enquanto a Terra for Terra, há de haver sempre semente e colheita, frio e calor, inverno e verão, dia e noite!”
Em seguida o Senhor colocou Sua Mão direita sobre a cabeça de Noé e o abençoou com seus familiares. Então disse: “Sede fecun- dos e reproduzi-vos, cobri a Terra tanto com vossa geração quanto com vosso espírito.
Vossa natureza sirva de temor e pavor sobre todos os animais da Terra, as aves debaixo dos Céus e tudo que rasteja sobre o solo, e também os peixes vos serão entregues. Dou-vos para alimento tudo que se move e vive na Terra, inclusive a erva-doce. Mas a carne que ainda se mexe em seu sangue não deve ser ingerida, pois o sangue carrega Minha Ira e Vingança, tanto o dos homens quanto dos ani- mais. Por isso vingarei todo o sangue humano e animal, pois no sangue está a morte.
Assim também vingarei a vida física de todos os homens por sua causa. Eu somente Sou o Senhor, e ninguém deve derramar o sangue do próximo. Quem o derramar terá seu sangue também der- ramado. Fiz o homem à Minha Semelhança. Mas o pecado veio de seu sangue; por isso também a morte se encontra no sangue, e Minha Ira e Vingança se encontram nele; portanto deve todo sangue ser constantemente vingado pela morte física.
Entreguei os animais em tuas mãos a fim de que a alma do homem seja perfeita. Mas ele mesmo ficará em Minha Mão para que não se perca em seu espírito. Sede portanto fecundos e multipli- cai-vos na Terra. Estabelecerei uma união convosco e com todos os vossos descendentes. O mesmo farei com todos os animais, pássaros, enfim os irracionais que vieram convosco na arca, e essa união deve ser visível. Assim vossa alma será perfeita, evitando que Eu venha a mandar outra enchente sobre a Terra, que agora está purificada e a carne pecaminosa foi exterminada.
Por isso procriai de novo na Terra. Deitei tudo em vossas mãos para que vossa alma continue perfeita e vosso espírito jamais se perca em Minha Mão.”
PROVA VISÍVEL DA NOVA UNIÃO. O PAÍS ERIWAN. O SENHOR COMO MELCHISEDEK
E o Senhor prossegue: “Deste modo estabeleci uma União convosco segundo a qual não virá mais semelhante dilúvio sobre a Terra para destruir toda carne no solo terráqueo. Dar-te-ei uma pro- va visível como recordação desta Minha União convosco: Coloquei Meu Arco nas nuvens como prova desta União entre Mim e a Terra. E quando Eu levar nuvens sobre a Terra, esse Meu Arco deve ser vis- to nas nuvens. Recordar-Me-ei dessa União entre Mim e vós e todos os irracionais, para que não venha um dilúvio exterminando tudo.”
Em seguida, o Senhor conduziu Noé a uma região muito fértil que hoje em dia se chama Eriwan. Noé se admirou muito por se encontrar num paraíso cheio de várias espécies de frutos maduros, porquanto se achava no terceiro mês do ano. O Senhor abençoa essa terra maravilhosa por três vezes e a entrega como posse a Noé e seus filhos.
Comovido, Noé louva e exalta o Senhor dizendo: “Senhor, que serviço queres de mim para eterna conduta de todos os meus descendentes?” Diz o Senhor: “Já determinei essa Ordem para He- noch, que também deve ser a tua para sempre. Nada peço dos ho- mens senão que Me amem como Deus, Senhor e Pai. Essa foi a exigência feita a Henoch, e será igualmente a tua e de todos os teus descendentes.
Revelarei mais um fato: Caso Me agrade esta Terra, hei de erigir uma Morada para Mim, como Príncipe dos príncipes, Senhor dos senhores e Rei dos reis. Perto daqui construirei uma cidade e lá habitarei até a grande Época das épocas, quando então caminharei em carne entre Meus filhos justos. Portanto, será a Terra o lugar onde Meus Pés repousarão e caminharão.
Quando privava com teus pais, desaparecia em seguida. Mas agora hás de Me ver partir com Meus Pés, qual homem comum, em direção ao Norte, num país que deve se chamar Canaan (Terra abençoada). Dentro de dezessete dias de marcha chegarás lá, onde construirei uma cidade para Mim. Tu e teus descendentes devem chamá-la ‘Salém’. Meu Nome — como Príncipe dos príncipes, Se- nhor dos senhores e Rei dos reis — será ‘Melchisedek’, um Sacerdo- te desde eternidades!
Tu és livre. Mas teus descendentes terão de Me dar a décima parte de tudo. Os que se negarem a tanto devem ser enxotados de Minha Presença! Amém.” Então o Senhor caminhou em direção ao Norte, e Noé O acompanhou em prece enquanto pôde vê-Lo.
ORIENTAÇÃO PARA A LAVOURA. MALDIÇÃO SOBRECANAANEEXPULSÃODAFAMÍLIADE HAM
Passado algum tempo, Noé começou a procurar madeira para construir um casebre. Mas encontrou pouco ou mesmo nada, pois a enchente tinha coberto de areia ou levado aos vales todas as florestas, soterrando-as debaixo de entulho e lama. Por isso Noé pe- diu ao Senhor que lhe mostrasse o material para construção.
Não demorou e apareceu um enviado do local onde o Senhor Se havia dirigido e conduziu Noé para uma região onde estava uma belíssima floresta, dizendo: “Isso o Senhor guardou para ti; deves portanto te estabelecer perto da floresta e construir uma morada segundo tuas necessidades. Deves igualmente providenciar campos para o plantio de vários cereais trazidos dentro da arca.
Aqui aos teus pés vês uma videira cujos galhos plantarás com re- gularidade. Aduba bem o solo, que colherás uvas muito doces e cheias do melhor suco. Espremerás os bagos num recipiente limpo, onde deixarás o suco fermentar. Quando estiver puro podes tomá-lo comedidamente, e isso te fortalecerá e te alegrará muito. Eis a Vontade do Senhor!”
Noé obedeceu às ordens recebidas, com seus filhos Sem, Ham e Jafet. Deste modo ele obteve dentro de sete anos uma mo-
radia boa e sólida, muitos campos de lavoura e um bom vinhedo, que porém só começou a dar frutos depois de dez anos, segundo a Vontade do Senhor.
Então Noé colheu os bagos, espremeu-os num recipiente de cedro, deixou fermentar o suco e quando experimentou o mes- mo achou-o formidável, embriagou-se e caiu num sono profundo. Como o vinho havia produzido muito calor no seu corpo, ele se despiu e dormiu debaixo de uma figueira, perto da qual se encon- trava a casa.
Quando Ham, pai de Canaan, que nascera dois anos após o dilúvio, foi por este levado à morada e viu a nudez de Noé, procurou os irmãos e relatou-lhes o fato. Sem e Jafet apanharam um manto sobre os ombros, entraram de costas e cobriram o pai. O rosto deles estava virado, de sorte que não viram Noé despido.
Depois de ter despertado da embriaguez e ciente do que lhe fizera o pequeno Ham, Noé disse ao pai dele: “Seja amaldiçoado teu filho Canaan. Será para todos os tempos dos tempos um servo dos servos e o mais insignificante entre os irmãos, por ter sido o primei- ro a denunciar o meu vexame.”
Em seguida ele se vira para os outros filhos e diz: “Louvado seja Deus, que estenderá a geração de Sem. O mesmo Ele fará com Jafet, que poderá morar nas habitações de Sem. Mas Canaan seja seu servo!” Depois de ter abençoado Sem e Jafet, Noé expulsou Ham com sua mulher e filhos.
VINGANÇANOBREDE HAM
Eis que Ham percebeu ter agido mal e com desamor diante de seu pai, e arrependeu-se muito. Os irmãos abençoados procura- ram Noé e lhe relataram seu remorso. Mas Noé respondeu: “Caros filhos, vejo Ham chorar; mas ele não chora em virtude de meu co- ração de pai, e sim por causa de sua situação de servidão. Por tal motivo continue um servo, porque ignora que o coração vivo de seu pai é mais importante que sua servidão. Dizei-lhe isso!”
Sem e Jafet informam o irmão do pronunciamento de Noé. Mas o outro responde: “De fato, se Noé tivesse um coração vivo jamais me teria amaldiçoado para servidão eterna. Não possuindo sentimento verdadeiro, ele assim agiu.”
Disse Sem: “És injusto com nosso pai, pois expressas apenas amor-próprio. O coração só pode ser encontrado com o coração, seja qual for. Se tivesses um coração sensível para nosso pai, en- contrarias o dele, e agora se compreende por que ele nada encontra dentro de ti que participasse do seu coração.”
Essa explicação aborreceu tanto a Ham que reuniu sua famí- lia, alguns animais e partiu para a região de Sidon e Tyro de hoje, denominando-a com o nome de seu filho, dizendo: “Em nome do Senhor, que abençoou também a mim, quero ver como, onde e quando serei servo de meus irmãos.
Realmente me dói a maldição de Noé, muito embora a tives- se merecido. Por tal motivo hei de me vingar nele e em meus irmãos; não com maldade, mas com a bênção executarei minha vingança. Hei de abençoar os que me amaldiçoaram, e tal bênção se transfor- mará em brasa nas suas cabeças e incendiará seus corações. Deste modo, o país de meu filho jamais será um país da maldição e da servidão, mas um país da glória e da bênção. Minha estirpe nunca deverá chegar à situação de pedir serviço nas moradas dos descen- dentes de meus irmãos. Mas elesvirão à procura de moradas neste país abençoado! Amém.”
Nesta altura chega um mensageiro de Salém e diz para Ham: “Esse país pertence a Salém e quem quiser habitá-lo terá que entre- gar o dízimo de tudo ao Rei dos reis!”
Concordou Ham: “Senhor, eis tudo que possuo; toma-o, pois já é Teu desde Eternidades!” Diz o mensageiro: “Sendo essa tua vontade, este território será abençoado para os filhos do Senhor — e tu serás servo fiel deles.”
Isso foi do agrado de Ham, que entregou o dízimo de tudo, mas não entendeu que o mensageiro havia apontado os descenden- tes de Jafet como filhos do Senhor. E assim os hamitas e os canaani-
tas viveram neste país até a época de Abraão, só porque Ham havia abençoado os que o amaldiçoaram.
FINAL.CURTORELATODAFAMÍLIADENOÉATÉABRAÃO.FINALIDADEDESTA OBRA
Os filhos de Ham se procriaram ainda em tempos de Noé, que viveu ainda 350 anos, levando uma existência de 950 anos. Ham teve um filho chamado Chus, que gerou o poderoso caça- dor Nimrod, fundador da cidade de Babel. Era um gigante e media doze pés, sendo o maior dos filhos de Chus, todos eles excepcional- mente altos.
Nimrod, muito poderoso diante dos homens, mas igualmen- te muito devoto, sendo chamado o caçador de Deus, Ham conjectu- rou: “Quem mais poderiam ser os filhos de Deus senão os de Chus, e Canaan será obrigado a servi-los?”
De novo aproximou-se um mensageiro de Salém e disse para Ham: “Por que te envaideces em virtude de Nimrod? O Senhor não gerará contigo, mas com Sem e Jafet os Seus filhos, pela união dos troncos Sem e as filhas de Jafet!”
A essa informação Ham se entristeceu muito, pois percebeu a maldição de Noé sobre si. Mas o mensageiro disse: “O Senhor de Salém não é qual homem que prontamente amaldiçoa alguém. Por isso os filhos de Deus não vêm de ti em virtude da maldição, mas pela Ordem Divina. Ainda que não tivesses sido amaldiçoado por Noé, os filhos de Deus não surgiriam de ti por não seres o primo- gênito. Sem é o primogênito e Jafet é o último antes do dilúvio. Por isso a glória ficará com Sem, e Jafet — o mais moço — dará suas filhas.
Tu és servo de todos segundo a Ordem de Deus; portanto, estás mais perto Dele que teus irmãos. Essa é a razão pela qual Ele dotou a tua estirpe com força, número, sabedoria e masculinidade, deixando-te morar primeiro no país no qual Ele mais tarde levará Seus filhos.
Não penses que todos os descendentes de Sem e Jafet serão denominados filhos de Deus. Revelar-te-ei o registro genealógico de Sem e verás finalmente quando e por quem os filhos de Deus virão ao mundo. Sem gerou dois anos após o dilúvio Arfaxad; e tu, Cana- an. No mesmo ano geraste os gêmeos Chus e Mizraim, e no segundo ano Put e Canaan quiseram fazer-te ressaltar diante de teus irmãos.
Isto não foi do Agrado do Senhor, que Se voltou para Sem e Jafet por serem os últimos e entregou a Sem Arfaxad somente com teu quarto filho e abençoou o mesmo já no ventre materno. A Ar- faxad deu Salah. A Salah, Eber. A este Pelek. A Pelek, Regu, nascido hoje. A Regu Ele dará Serug. A este, Nahor; a este, Tarah; e somente deste surgirão Abraão, e seus irmãos Nahor e Haran. Daí observarás que ainda vereis Abraão, e todas as gerações hão de abençoá-lo, des- de Noé, e também tu não o privarás de tua bênção.
Até agora se passaram 131 anos após o dilúvio e Abraão nas- cerá no 229º ano; portanto, tu e Noé, que viverá ao todo ainda 350 anos após o dilúvio, conhecereis o pai dos filhos de Deus, pois ainda viverás 300 anos a partir de agora. Assim foi determinado pelo Senhor, e tudo está bem. Aceita isto, que receberás em Deus a mesma participação!” O mensageiro deixa de novo Ham, que vivia em Zidon (atual Saida). Ham ficou satisfeito com essa determinação e abandonou sua tendência de amor-próprio, nascido por causa do poder de seus descendentes.
Eis Minha Organização primitiva até Abraão. É claro haver muita coisa a ser relatada desde Noé até Abraão. Mas como Moysés transmite muitas minúcias segundo as quais qualquer pessoa enten- dida na interpretação espiritual será informada de tudo, esta Obra tão extensa chegou ao fim.
Feliz aquele que fizer da Lei do Amor tão luminosa a base de sua vida, onde encontrará a Vida Verdadeira e Eterna. Quem fizer a leitura apenas qual livro de contos de fada, colherá um resultado bastante parco para o espírito.
Quem ridicularizar e criticar esta Obra não escapará da morte temporal e eterna, pois Eu o apanharei quando ele menos
esperar. Em tempo oportuno haverá Minha Orientação a respeito da publicação desta Obra a um ou outro dos que participaram no início para a renovação de seu espírito.
12. A todos os Meus queridos amigos e filhos Minha Bênção direta, Meu Amor Paternal e Graça total. Caminhai com fidelidade e coragem por essas trilhas da Vida, que Eu — vosso Senhor, Pai e Deus — vos levarei pela Mão à Minha Casa, e ninguém sofrerá o menor dano!
FinaldoTerceiroVolume Amém
ANEXO–AFORMAÇÃODATERRAANTESDE NOÉ
A fim de que possais compreender mais facilmente a formação e constituição da Terra, é preciso antes de tudo imaginardes as cor- dilheiras principais da Ásia, Europa e África, pois de muitas delas não há mais vestígios na época atual. Em parte foram levadas pelo aluvião e a retirada do mar, e agora suas ligações anteriores se encon- tram soterradas nas profundezas dos vales e às vezes os rios e corren- tes atuais têm que formar seu caminho em tais rochas. Quanto às montanhas mais altas, foram igualmente transformadas de tal forma que um homem que tivesse vivido apenas há mil anos não as haveria de reconhecer.
Basta observar-se o cascalho de um vale numa profundeza de oitocentos metros solto pelas enxurradas e facilmente se compreen- derá que as montanhas há dois ou três mil anos atrás apresentavam uma formação bem diferente.
Comecemos no norte da Europa e passemos para a Ásia, o sul da Europa e no final para a África.
Das montanhas que passavam pela Suécia e Noruega havia uma grande cordilheira até os Montes Urais, a elas se unindo numa largu- ra de cem a duzentas milhas alemãs. Tal cordilheira se unia também às atuais montanhas da Dinamarca e de lá seguia através das mon- tanhas alemãs até a Suíça. Era portanto uma cordilheira unificada, cujas partes mais baixas ainda apresentavam uma elevação de 1.600 a 2.000 metros. Naturalmente não eram em toda parte iguais em consistência, e falta mencionar a queda para o Mediterrâneo, que naquela época não estava ligado ao Oceano, pois naquele tempo existiam doisMediterrâneos. O do Norte consistia de uma bacia enorme que partindo do Mar Negro se unia sobre a Rússia europeia e seus países vizinhos. Ligava-se ao atual Mar Báltico e com os vales da atual Turquia, banhando os montes de Belgrado e o Semlin. Esta era portanto a parte nórdica do Mediterrâneo.
O segundo, isolado do primeiro, também não tinha ligação com o Mar Negro ou qualquer outro Oceano. Na região do atual Fiume
se estende um grande e longo vale para a Croácia pelo leito do Save até o Krain. Do outro lado, o segundo Mediterrâneo cobria a atual Veneza, a Lombardia, bem como algumas regiões a oeste da França; passava pelo vale do Nilo até às cataratas, cobrindo o atual deserto. Partindo da Ásia, havia uma considerável cordilheira da qual ainda hoje existem vestígios e, seguindo pelo nordeste da África igualmente às cataratas ligadas com as montanhas atuais. O Estreito de Gibraltar também estava ligado à Espanha atual através de uma cordilheira bastante elevada, formando assim o segundo Mediterrâ- neo bem mais abaixo que o primeiro, do qual o Mar Negro ainda é
um vestígio.
Havia porém ainda um terceiro Mediterrâneo, e para locali- zá-lo basta se olhar os vales que atualmente são irrigados pelos rios Danúbio, Drau e Mur. Naquele tempo ele era totalmente desconhe- cido, pois a Europa ainda não era habitada. Havia muitos animais enormes, dos quais ainda se encontravam vestígios petrificados. Não deveis imaginar que este pequeno Mediterrâneo estivesse isolado, pois havia principalmente na Europa uma quantidade de grandes lagos ligados a ele.
Uma parte principal ligada ao terceiro Mediterrâneo é o atual vale do Drau, onde este rio tinha que fazer o seu leito até a região do gelo. Os rios Werter, Drau e Danúbio se dirigiam aos vales da Baviera e do Tirol. Na Suíça atual passam muitos desses pequenos rios como remanescentes daquele Mediterrâneo.
Vamos agora lançar um olhar sobre a Ásia Central e a cordilhei- ra principal que a separa do Sul da Ásia, como berço do gênero ada- mítico. Dos Montes Urais partia uma cordilheira até o Tibete, que já naquele tempo se encontrava cortado por vários vales frutíferos que recebiam os afluentes das montanhas.
Essas montanhas foram habitadas em época de Hanoch prin- cipalmente pelos descendentes de Seth, enquanto os hanochitas se espalhavam nas planícies. Percebendo que tais montanhas desfruta- vam de maiores vantagens, os hanochitas começaram a desafiá-las e persegui-las, não obstante todas as advertências. Assim começaram a
dinamitar, por meio de pólvora, da qual a China ainda hoje se abas- tece. Com tal dinamite eles perfuraram não somente os grandes rios, como também os do Tibete e do Tauro, no Norte do Ural. Com isto deu-se na região do atual Mar Cáspio uma tremenda inundação e a penetração das águas subiu 2.300 a 2.600 metros sobre os demais mares, para o que também contribuiu uma chuva demorada.
Essa inundação forçou uma saída até o vale do Volga, aumen- tando este Mar Mediterrâneo ao qual o Istmo de Constantinopla atual não podia impor barreiras, pois também ocorreram fortes ex- plosões vulcânicas destruindo tudo.
O forte crescimento das águas é provado por ter Noé encon- trado solo firme no cume do Ararate. O escoamento maior deu-se apenas no Norte e Oeste; mas também um considerável para o Sul e Leste. Com isto o segundo Mediterrâneo ficou de tal modo cheio que forçou uma saída para o Oceano Atlântico, devido ao peso das águas e às erupções. Depois de alguns séculos se havia escoado, de sorte que as partes atualmente secas e muito férteis permitiram aos povos costeiros a imigração da Ásia.
Na maior parte isto ocorreu pelos habitantes da Ásia Central e do Ural, que forneciam um bom terreno sobre o Norte da Europa. Daqueles povos se destacam os taurinos, que lá viveram até que a ganância dos romanos e gregos os descobriram.
O istmo que naquela enchente uniu Europa e Ásia era chamado de Deucalion por parte de um patriarca e profeta — quer dizer “um enviado por Deus”. O istmo de Deucalion e o dilúvio foi por muitos povos denominado “a enchente de Deucalion”, até que após alguns séculos os descendentes de Noé comunicaram a ocorrência e a causa daquela enchente.
No decorrer de muitos séculos, a Ásia Central tornou-se deserta e inabitável. Somente em direção à China e aos pés do Tibete a terra é fértil e habitável.
Daquelas terras se originam os mongóis, os hunos, os tártaros e os turcomanos, que numa superpopulação se viram forçados a imi- grar para Leste e Oeste, provocando muitos distúrbios e dissabores.
No Oeste eram os chineses, e no Japão os meduhitas que sentiram o peso dos mongóis, enquanto a Leste eram principalmente os hunos unidos aos tártaros e posteriormente os turcomanos que causavam as imigrações.
Atualmente já se fizeram várias tentativas para fertilizar as este- pes da Ásia Central, mas a inteligência para tal empresa se encontra ainda soterrada na superstição pagã, de sorte que tais regiões te- rão que esperar por muito tempo para voltar à antiga fertilidade da época de Noé.
Sua fertilidade, com grande parte da Sibéria, provam os mamu- tes e outros animais soterrados no gelo, que se extinguiram por não encontrarem mais alimento. Além do mamute, havia gigantescos veados, carneiros e o cavalo unicorne, etc. dos quais se encontram vestígios petrificados nos Urais, nas cavernas do Tibete e debaixo do gelo da Sibéria.
Talvez alguém pergunte por que lá não se encontraram igual- mente esqueletos humanos. Isto se prende à sua origem etérea desde os descendentes de Adão. Quanto aos adamitas chamados cepho- nasins (observador do firmamento), ainda são encontrados restos petrificados ocupando sua posição entre os descendentes de Caim e orangotangos.
Entre todos os irracionais, estes possuíam a maior inteligên- cia instintiva. Construíam suas habitações e cobriam com pedra os trechos mais largos dos rios e riachos. Se a água transbordava, eles repetiam o mesmo processo num ponto mais alto, formando assim dez ou mais pontes. Mas no final elas todas transbordavam pela água acumulada.
Estas criaturas, com curto rabo e uma vasta cabeleira, construí- ram os muros dos quais ainda hoje há vestígios, atribuindo-lhes muita idade, pois alguns ultrapassaram a idade de Adão. Ainda assim não podem ser tomados como obra da inteligência humana, tampouco as casinhas dos castores que encontraram seu alimento naquelas águas.
Existem ainda outras espécies de animais cujas habitações cau- sariam espanto caso fossem descobertas pelos homens; são logo
identificadas pela mesma construção. A matéria usada poderia ser analisada por um hábil químico, mas ela não se origina da matéria, como o material usado pela aranha e a abelha. Esta é a situação dos ditos pré-adamitas (vide Grande Evangelho de João, vol. 8, cap. 72), que vez por outra surgem nas matas da África e América.
Com este curto relato demonstrei a formação da Terra no tem- po de Adão.
Basta apenas duas observações: a primeira se prende ao fato que o atual rio Danúbio forçou sua passagem, alguns séculos mais tarde, através de um estreito, que aliás também recebeu ajuda de mãos humanas para facilitar sua navegação.
Na região de Graz ainda se encontram a pouca profundidade enormes blocos de pedra de muita dureza. Existem igualmente pedras calcárias e areia até a saída do rio Drau.
Se fordes ao Egito, encontrareis próximo das cataratas pouco entulho, mas grande quantidade de areia marrom-avermelhada e branca. Isto prova que tal rio ainda está em ligação com o Medi- terrâneo onde há pouca queda d’água; enquanto outros rios, com exceção do Danúbio, vão para o Mar Negro, o Volga ao Cáspio, e o Amazonas no Oceano Atlântico.
O segundo ponto se refere à suposição de uma inundação da América, sobre a qual existem algumas lendas; no entanto elas nada provam de concreto. Naquele tempo as planícies daquele continente Americano já se encontravam debaixo d’água. Com o tempo ele foi erguido pelas erupções internas e vulcânicas, e o mar se viu obriga- do a recuar.
Naquela era remota — na qual, pela lei de imigração marítima, a maior parte do mar se encontrava mais para o Norte — existia na costa Leste da África uma ininterrupta fileira de ilhas até o Brasil atual, separando o Oceano Atlântico da parte Sul. Ambos os mares estavam ligados apenas por uma quantidade de estreitos marítimos, dos quais o maior tinha a largura do Mar Vermelho.
Com a força interna do fogo, especialmente no fundo marítimo, se deram muitas modificações; a maior parte da referida camada de
ilhas, bem como milhares de menores, afundou no Oceano. Assim, a parte Nordeste pôde desaguar no Sul, fazendo surgir então ilhas e continentes, inclusive a América do Norte. No entanto, a ponta da África em direção ao Sul ainda se acha debaixo d’água. Deste modo o mar formou uma espécie de montanhas partindo do Cabo da Boa Esperança, obrigando os navios a fazerem um grande desvio a fim de aportarem na parte rasa do mar a Leste. Para os navios a vapor não há tal dificuldade.
Com isto tendes igualmente a inundação da América e muitas ilhas grandes, e deixai de pesquisar mais além, pois seria obrigado a vos reconduzir aos primeiros períodos da Criação e a transformações marítimas. Do contrário nada mais haveríeis de descobrir do que aquela mulher que não compreendia como pôde chegar a ter tantas rugas, muito embora aos vinte anos não pudesse descobrir uma úni- ca no corpo todo.
A isto só se pode afirmar: Deus fez isto tudo de tal modo que os tempos mudam e nós com eles.
Deixemos a Terra, pois em mil anos terá outro aspecto. Assim finalizo esta explicação dada apenas para compreenderdes certos tre- chos dos Evangelhos e de Moysés! Amém.
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