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O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO
Volume III
O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO — 11 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
UNIÃO NEOTEOSÓFICA
Edição 2017
ÍNDICE
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. Ao lado da Bíblia o mundo jamais conheceu Obra Semelhante, sendo na Alemanhaconsiderada“Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
JESUS NAZONADECESAREIA PHILIPPI
OORÁCULODE DELFOS
Prossegue Julius: “Sempre houve pessoas entre gregos e roma- nos que, embora não fossem de origem judaica nem tivessem sido educadas em suas escolas de profetas, possuíam inspiração divina.
Quando Cresus, Rei dos lídios, tencionava fazer guerra con- tra os persas, desejava saber de antemão se iria ser vitorioso. Muito embora soubesse da existência de vários oráculos, duvidava de sua integridade e quis experimentá-los.
Tomou de uma ovelha e uma tartaruga, picou-as em peda- cinhos, deitou tudo numa panela de barro, usando uma tampa de cobre. Em seguida levou a vasilha a ferver. Antes, porém, havia man- dado investigadores a Delfos à procura de Dodona, Amphiaraos e Trophonios (adivinhos da antiguidade) a fim de indagarem dos orá- culos, no centésimo dia após a partida de Sardis, qual sua ocupação momentânea, pois àquela hora cozinhava a mistura acima.
As respostas foram na maioria completamente confusas; ape- nas o oráculo de Delfos se pronunciou (em hexâmetro, como de cos- tume): ‘Conto a areia, conheço as extensões dos mares, ouço tanto o mudo como o calado! Neste momento sinto o odor de carne de car- neiro misturada à de tartaruga; existe aço por baixo e aço por cima.’
Com esta prova Cresus indagou se devia guerrear os persas e recebeu a seguinte resposta: ‘Caso atravessares o rio Halys, será destruído um grande reino!’
À terceira pergunta, quanto à duração de seu reinado, Pythia respondeu: ‘Se algum dia u’a mula mandar no Rei, foge lídio, lépi- do, para junto da coluna hermética; não hesites nem temas a ver- gonha da fuga!’ De acordo com a interpretação do oráculo, devia-se entender por mula Cyrus, vencedor de Cresus, porquanto havia sido gerado por uma filha de Astyages e um súdito persa.
Indagando Cresus se não haveria cura para seu filho mudo, Pythia respondeu: ‘Embora poderoso, príncipe, teu coração é tolo! Não almejes ouvir em teu palácio a voz de teu filho, pois falará no dia da maior desgraça!’ Realmente, quando Sardis estava sendo conquistada, um persa, enfurecido, tentou assassinar o Rei. Eis que o pavor se apoderou do filho, curando-lhe a mudez, pois protestou com veemência: ‘Não mates Cresus!’ — Tal foi a primeira e última vez que falou em sua vida!
Por estes exemplos poderás deduzir que o oráculo não se ba- seava na escola de profetas, entretanto não é possível negar-se-lhe alguma inspiração do Alto.”
2.AAPARIÇÃODEESPÍRITOS PUROS
(Julius): “Além disto, está historicamente comprovado que Sócrates, Platon, Aristides e outros eram acompanhados de um gê- nio que os orientava dentro de sua capacidade receptiva; e quem não seguisse tais conselhos podia aguardar consequências desagradáveis.
Associando a esses fatos as próprias experiências, a aparição desse anjo nada apresenta de excepcional, tampouco ele possuir for- ças inconcebíveis, efetuando não raro milagres extraordinários.
Há tempos tive oportunidade de falar com criaturas do Egi- to setentrional por intermédio de um intérprete. Andavam comple- tamente nuas e nos classificavam de seres celestes, admirando-se dos edifícios deslumbrantes, das vestimentas e do luxo em Roma. Confun- diam-nos com deuses, julgando estar a direção dos astros a nosso cargo.
Dentro em pouco haviam aprendido tudo que se relaciona- va à confecção de tecidos, construção de casas etc. Passados alguns
anos, voltaram à pátria e, por certo, construíram escolas profissio- nais, levando a cultura àquelas zonas selvagens.
Não resta dúvida estranharmos as ações de um espírito per- feito; quando o nosso, porém, tiver alcançado sua perfeição, faremos coisas mais grandiosas e não mais nos admiraremos se algum dis- solver uma pedra em átomos. Existem milhares de exemplos com- provantes da evolução infinita do espírito, e nesta mesa se acham pessoas não mui distantes da perfeição angelical.
Por isto dedicai-vos ao desenvolvimento espiritual, que sereis capazes de dissolver não só uma pedra, mas u’a montanha inteira!” E dirigindo-se a Raphael: “Meu amigo, atesta se proferi uma palavra falsa, sequer!”
3.DESTINOEEVOLUÇÃODO HOMEM
Diz o anjo: “Em absoluto, e eis por que concordo em que estes trinta irmãos imitem os outros, a fim de se lhes igualar. Deus dá tanto aos anjos como ao homem — de certo modo um anjo em iniciação — uma vida perfeita e a capacidade evolutiva para a for- mação da semelhança divina. Se eles, cientes dos caminhos para tal meta, não desejam segui-los, devem culpar-se a si próprios do fatal e completo afastamento de Deus.
O espírito, por mais perfeito que seja, nunca alcançará Deus em Sua Plenitude; também não importa, porquanto é possível tudo fazer dentro da Ordem Divina. Adquire poder para a criação de novos seres — como se fora Deus — podendo-lhes dar vida livre, o que resulta numa grande alegria, igual à de um pai terreno em com- panhia de seus bons filhos.
Eu mesmo já criei vários mundos e sóis, povoando-os de pró- pria iniciativa. Todos eles são muitas vezes providos de modo mais perfeito que a Terra; a procriação se processa de modo idêntico e os espíritos são capazes de uma grande perfeição, pois, afinal, todos provêm de Deus, assim como os germes de futuras plantas são ante- riormente reproduzidos vários milhões de vezes.
Se vós, descendentes de Satanás, ainda sois portadores do Es- pírito Divino, quanto mais aqueles seres criados com poder idêntico ao do Criador! Tudo isto podereis conseguir se permanecerdes nos caminhos indicados. Eis por que ninguém deve dar preferência ao mundo e à carne, mas tratar, antes de tudo, daquilo que é do espíri- to, atingindo deste modo a semelhança de Deus!
Toda vida evolui constantemente quando empenhada em progredir na trilha da Ordem Divina. Estagnando, mormente no iní- cio da grande carreira espiritual, atrofiar-se-á qual haste no inverno, após se ter libertado do fruto. Por isto, sede ativos em benefício do espírito, pois cada passo ou ação é acompanhado da Bênção Divina.
Não julgueis que eu, por ser anjo, já me encontre tão perfeito que me dedique à inatividade completa! Lucro muito com esta atual permanência entre vós, que me facultará uma ação mais perfeita em minhas criações. Se tal acontece comigo, espírito puro, quanto mais não sucederá convosco, considerando quão distantes estais da perfeição!
Assim, agradecei ao Senhor por vos ter proporcionado esta oportunidade bendita, pela qual podeis numa hora lucrar espiritu- almente muito mais que em milênios de estudos mundanos. Tais oportunidades são mui raras vezes facultadas por Deus; por este motivo, deviam todos aproveitá-las da melhor maneira possível, em benefício de sua alma.
Caso Deus envie um de Seus profetas, as criaturas devem tudo fazer para ouvir a Palavra Divina, pois são apenas enviados de século em século, surgindo da imensa profundeza da Justa Sa- bedoria dos Céus. Os grandes, porém, transmissores de Verdades Grandiosas, surgem talvez em cada milênio, a fim de demonstrarem às criaturas, em moldes extensos, os caminhos progressivos de Deus e além disto afastá-las dos múltiplos atalhos que procuraram por conta própria, conduzindo-as à justa trilha.
Tudo na Criação Divina marcha para frente, igual ao tempo, que nunca para! E como o progresso no Reino dos Espíritos é per- manente, os mortais não devem estacionar, a fim de impedir que se distanciem em demasia daquele Reino.
O surgir de grandes profetas anima a ação isolada dos ho- mens. Nem bem se apresenta um progresso espiritual no Além, a luz do último profeta já não mais é suficiente, não levando tempo para se apresentar um outro, portador de novos conhecimentos aos homens, facultando-lhes a oportunidade de acompanharem o surto espiritual.
Eis que a Humanidade inventa coisas com as quais as an- tigas gerações jamais sonharam. Se tivesse o homem alcançado, em doze ou quinze séculos, um ponto culminante, estacionaria automa- ticamente. Por tal razão Deus permite os mais variados estados edu- cativos, que demonstrem às pessoas um tanto elucidadas a necessi- dade de uma nova Revelação, pois do contrário deixariam de evoluir durante milênios, conforme ainda hoje sucede na Índia setentrional. Tais povos serão por vós educados, porque nunca Deus lhes manda- ria profetas, fato para o qual terá Ele justos motivos.
Criaturas, porém, que se achem no mais próximo degrau de Deus devem reconhecer e aceitar com gratidão tal incumbência e pô-
-la em prática, do contrário seus descendentes degenerarão abaixo do nível do homem primitivo. Dizei-me se tendes compreendido tudo.”
4.DETERMINAÇÕESDOSENHORQUANTOAOS SALTEADORES
Diz um jovem fariseu: “Elevado e poderoso espírito, algu- ma coisa entendemos; ainda assim, ficamos-te agradecidos pelos esclarecimentos tão profundos e tudo faremos para prosseguir no caminho justo. Por hoje basta, pois necessitamos meditar. Apenas desejaríamos ouvir algumas palavras daquele homem de aspecto tão sábio e que ora palestra com o Vice-rei; embora não seja anjo, parece ultrapassar-vos.”
Diz Julius: “Tens razão, mas não é tão fácil levá-Lo a falar. Quando quer, cada palavra é uma criação de Sabedoria. Fazei uma tentativa, que não ficareis sem resposta!”
Obsta o fariseu: “Não tenho coragem, pois poderia nos res- ponder de tal forma que nos causasse arrependimento.”
Julius concorda: “Muito bem; hoje ou amanhã tereis opor- tunidade de ouvi-Lo; prestai-Lhe a máxima atenção.” Os judeus se calam, na expectativa de que Eu Me venha a pronunciar. Nisto aproxima-se o vigia dos criminosos e diz a Julius: “Nobre senhor! A situação dos cinco assaltantes é insustentável! Praguejam tanto que os soldados mal se contêm!”
Indaga-Me Julius: “Senhor, que fazer?” — Respondo: “Em cinco horas romperá o dia e até lá é preciso deixá-los nesta situação. Se os vigias não suportarem as imprecações, poderão se afastar, pois não há perigo de que soltem as cordas. Pelo sofrimento a alma será pouco a pouco libertada da carne satânica e de seus demônios, único meio possível de cura. Os sete implicados em crimes políticos man- têm-se calmos, por isto poderão ficar mais próximos daqui.” Esta Minha Ordem é prontamente executada.
5.JULIUSADMOESTAOS FARISEUS
Ao ouvir algo a respeito da cura dos criminosos, o jovem fariseu se dirige, encabulado, ao comandante Julius: “Nobre senhor! Será este o célebre benfeitor de Nazareth ou seu enviado? Ouvimos dizer que aceita e envia adeptos a todas as zonas para conseguir pro- sélitos para sua doutrina. Estaremos em maus lençóis se tratar-se realmente dele!”
Diz Julius, com expressão severa: “Como assim? Como a Presença do Célebre Salvador de Nazareth vos poderia perturbar?! Dá-me explicação satisfatória!”
A atitude de Julius confunde de tal sorte o fariseu, que fica sem saber responder. O comandante então prossegue: “Se for tua intenção dizer a verdade, não necessitas pensar sobre a maneira de fazê-lo. Se, porém, quiseres ludibriar-me com bonitas frases, passa- rás mal, porquanto conheço vossas artimanhas. Assim, aconselho-te a externares a verdade!”
A este convite de Julius, os trinta judeus empalidecem, pois, não obstante seu desejo de abandonarem o sinédrio, pretendiam
salvar as aparências perante os seus membros. Com grande perícia sabiam acusar o Templo quando este os fechava num aperto; em lá voltando, apresentavam as razões mais acertadas para tal atitude.
Por este motivo havia Eu falado no início não ser possível confiar neles, que se assemelham aos animais selvagens domestica- dos e cuja ferocidade tende sempre a manifestar-se. Como Julius in- sistisse em sua exigência, Eu lhe digo: “Amigo, deixa que se refaçam para então poderem falar. Mesmo que o quisessem, não poderiam mentir. Eu e Raphael não podemos ser enganados, possuidores que somos de todo poder e força!”
Replica Julius: “Vejo, como sempre, que tens razão, Senhor! Apenas desejo orientação sobre que atitude tomar!”
Neste momento o jovem fariseu se faz ouvir: “Considerando tua severidade, é compreensível nosso receio quanto àquele benfei- tor. Como, porém, encontramos defesa em sua simpática pessoa — pois temíamos ser ele o referido — já não mais temos medo, poden- do falar com sinceridade. Nossa atitude suspeita se baseia no fato de sermos seu perseguidor por ordem do Templo, tanto que fomos obrigados a tomar certas medidas que em absoluto poder-lhe-iam ser agradáveis, conquanto não lhe tivessem causado dano direto. As provas que tivemos não são animadoras para um perseguidor do nazareno. Caso se trate dele, só nos resta pedir-lhe perdão por aquilo que o Templo nos exigiu. Eis a verdade!”
Diz Julius: “Pois bem, ficai sabendo ser Ele o Célebre Sal- vador, a Quem todos os elementos celestes obedecem! Que preten- deis fazer?”
6.DISCUSSÃOENTREOSFARISEUSE JULIUS
Diz um jovem templário: “Louvado seja Deus por ter dado tal poder a um mortal! Consta que Ele dará um Messias ao povo de Israel; que tal se o considerássemos como o Escolhido? Ignoramos a razão pela qual não deveria surgir na Galileia; quanto a nós, nada nos obsta de aceitá-lo como Messias.
Extraordinárias, contudo, são suas faculdades divinas, como filho de um carpinteiro inculto e pacato. Fala-se ter sido ele admo- estado várias vezes pelos pais por não apreciar a frequência em sina- gogas, tampouco que se lhe fizesse a leitura das profecias. Apreciava, sim, a Natureza e a contemplação do céu estelar.
A pescaria era sua ocupação predileta e o bom resultado lhe atraía os pescadores. De repente teria ele despertado para uma sa- bedoria inédita! Isso tudo nos estonteia não pouco — e ninguém se pode aborrecer se indagamos pela razão!”
Diz Julius: “Quem seria conhecedor da medida e meta do Es- pírito Divino quando deseja unir-Se à centelha divina do homem?! Não poderia o Espírito Onipotente Se fundir em toda plenitude ao do homem, levando-o a agir de modo tal, incomum a uma criatu- ra vulgar?!
Se Deus Mesmo fala e age através do espírito fortalecido de uma criatura apta, forçosamente apresentará esta milagres e mila- gres. Nele, palavra e ação são idênticas — mas nós não podemos imitar nem uma nem outra, por sermos criaturas de capacidades restritas. Fisicamente Ele é igual a nós. Seu Espírito é Deus em Es- sência e rege o Infinito!
Dentro de nossa compreensão teosófica, adoramos toda ma- nifestação divina; portanto, admissível é nossa atitude diversa para com Ele. Daí podereis deduzir por que nós, dignitários romanos, Lhe prestamos a maior veneração, considerando-O Senhor dos mundos. Compreendeis isto?”
Diz o fariseu: “Por certo; adapta-se ao momento. Dentro da Doutrina de Moysés, tal não seria possível, pois consta: Eu sou o Senhor; não deves ter outros deuses junto a Mim!”
Responde Julius: “Claro, mas é preciso saber interpretar espi- ritualmente as palavras do profeta, chegando-se à conclusão de que em nada se chocam contra o axioma acima explanado.
Se a Humanidade supersticiosa se desvirtua na veneração do divino — ao que geralmente é levada em virtude da fome e da cres- cente tendência dominadora do sacerdócio, que tenta apaziguar os
deuses rancorosos com sacrifícios humanos — não se lhe pode fazer acusação justa. Julgo ser preferível adotar o homem uma seita qual- quer, pois do contrário seria idêntico ao animal.
A pessoa que não quer ou não pode aceitar uma crença, jamais conseguirá o desenvolvimento de seu intelecto, pois quem quiser construir uma casa terá de buscar o material necessário. Por isto reafirmo ser mais útil ao homem a superstição à crença nenhu- ma, pois palha é melhor que nada. Eis o motivo que leva os romanos a permitir vossas crendices nefastas.
Os templários, porém, são para nós um horror. Sabemos que nada acreditam, mas obrigam o povo a ter seus absurdos como de origem divina, castigando até aqueles que se opõem ao conceito de ser a beleza um horror, o Sol, trevoso, e haver sangue no riacho Cidron! Considero isto maldade, enquanto não critico nem conde- no a superstição! Toda capacidade e ocasião que se tenha de iluminar os cegos é de valor inestimável. Não sendo isto possível, é aconselhá- vel deixar o povo conforme está!”
7.ACRENÇAOBRIGATÓRIANO TEMPLO
Diz o judeu: “Tudo que acabas de explanar, senhor, é justo e verdadeiro; afirmamos que em teu convívio se aproveita, em uma hora, mais que em cem anos com a doutrina do Templo.
Ali muito se fala e ora; no entanto, seria o mesmo que dizeres: ‘Amigo, lava-me pés e mãos; cuidado, porém, para não os molhares!’ O sistema doutrinário do Templo exige que se ouça e pratique as orientações. Pessoa alguma, entretanto, poderá indagar do motivo
pois trata-se de segredos divinos, cujo conhecimento é permitido apenas ao Sumo Sacerdote, sob o mais rigoroso sigilo.
Que valor teria tal religião, da qual não se deve depreender uma sílaba? Considerando este assunto objetivamente, descobrem-
-se fatores capazes de revoltar o estômago! Acontece que os homens manifestam certa inteligência através das ações; quanto à religião são tão ignorantes como os nativos da África.
Não podes imaginar o que passei quando tinha de pregar uma doutrina como sendo verdadeira, estando, no íntimo, conven- cido da mentira. Sempre me perguntava quem seria mais burro: eu, o pregador, ou o ouvinte? E não podia esquivar-me da ideia de mere- cer eu tal título com maior justiça, pois o outro poderia, se quisesse, rir-se de mim, o que não me seria possível pregando no Templo e em virtude da água maldita! Assim digo: Fora com tudo que seja imprestável! Queremos nos tornar inteligentes, pois é degradante ser servo da estultice humana!
Porventura sabes o que este homem excepcional possa exigir para nos aceitar como discípulos, ainda que apenas por alguns dias? Acreditas ser possível indagar-lhe diretamente?”
Responde Julius: “Como não? Sei, positivamente, não aceitar Ele recompensa material; nunca traz dinheiro Consigo, no entanto não tem dívidas. Quem Lhe prestar um serviço é recompensado mil vezes, pois Sua Palavra e Vontade valem mais que os tesouros do mundo. Eis o que necessitais saber; fazei o que vos convier!”
Diz o fariseu: “Agradeço-te por esta orientação, pois já sei qual atitude tomar. Dirigir-nos-emos a ele com a intenção de seguir seu conselho!”
CONDIÇÕESASEREMOBSERVADASPELOSADEPTOSDO SENHOR
Aproximando-se de Mim o jovem fariseu diz: “Senhor, Mestre e Curador sem par! Não necessitamos de apresentação social após as explicações de Julius. Desejamos apenas nos tornar teus discípulos!”
Digo Eu: “Está bem; acontece, no entanto, que os pássaros possuem ninhos e as raposas, seus covis. Eu, porém, não tenho onde pousar Minha Cabeça!
Aquele que quiser se tornar Meu adepto terá que carregar um grande peso e seguir-Me! Não desfrutará de vantagens terrenas, mas sim terá de abandonar para sempre seus bens materiais por amor a Mim, não podendo sua família ser-lhe um impedimento.
Não lhe será permitido possuir fortuna, mais do que um manto, calçado, sacola ou bordão para a defesa contra um inimi- go suposto.
Seu único tesouro sobre a Terra é o segredo oculto do Reino de Deus. Sendo-vos possível aceitar estas condições, sereis Meus adeptos!
De modo idêntico cada discípulo terá de aplicar o amor, mei- guice e paciência para com todos; abençoará seu pior inimigo como se fora seu melhor amigo e fará o bem àquele que lhe prejudicar, orando por seus adversários.
Nos corações de Meus seguidores não poderá haver ira e vin- gança, tampouco terão direito a queixumes e críticas quanto aos acontecimentos aflitivos sobre a Terra.
A satisfação dos desejos deverá ser evitada como a peste; em compensação todas as energias devem ser aplicadas em criar um novo espírito pela aceitação do Meu Verbo, a fim de poder continu- ar eternamente na plenitude deste espírito. Por isto, refleti sobre tais condições e dizei-Me se concordais em aceitá-las integralmente!”
Indecisos com Minha exposição, os jovens fariseus não sabem o que responder. Finalmente, o primeiro orador Me diz, em parte gracejando: “Querido e bom Mestre! Não resta dúvida serem tuas condições apropriadas à conquista de virtudes excepcionais e semi- divinas; poucos, porém, serão os que se submeterão. Generalizar tal exigência não seria admissível, pois se todas as criaturas aderissem à tua doutrina, a Terra em breve teria aspecto do segundo ou terceiro dia da Criação de Moysés, isto é: deserta e vazia!
Eis por que os ensinamentos daquele profeta são mais úteis para a esfera física e moral da criatura. Tenta estabelecer condições idênticas para todas e verás as consequências! É justo que algumas estejam de posse dos Segredos Divinos; as massas não poderão fazer o mesmo uso salutar.
Por mim, tornar-me-ei com prazer teu adepto, mesmo se ti- vesses estabelecido condições mais pesadas; no entanto, duvido que meus companheiros se sujeitem! O Templo exige muita coisa; tu exiges tudo!”
Digo Eu: “Não importa, porquanto não obrigo a quem quer que seja! Quem quiser, que Me siga! Quem não o quiser ou puder, fique em casa! Nestes dias o Reino de Deus tem de ser conquistado com violência!
Quanto às Minhas condições um tanto pesadas, digo: Se teu manto for velho e poído, o que impossibilita seu uso, e alguém te oferecer um novo e bom, dizendo: ‘Amigo, despe esta roupa velha e destrói-a, pois não tem utilidade para o futuro, que te darei uma nova, prestável para todos os tempos, porquanto é feita dum tecido indestrutível!’ — acaso serás tão tolo em querer conservar a velha?
Além disto sabes, como também teus companheiros, ser esta vida terrena de provação apenas um curto lapso, seguido pela Eter- nidade. Acaso és ciente da maneira pela qual se processa a continui- dade de teu ser após a morte? — Eu, unicamente, estou em condi- ções de dar-vos, com toda segurança, a vida eterna e perfeita de um anjo, em troca desta passagem curta e miserável! Ainda conjecturas se deves aceitar Minhas condições? Realmente, exijo muito pouco, dando-vos tudo!
Julgas a Terra se tornar deserta e vazia se com o tempo — e isso está certo — todas as criaturas seguissem as exigências de Minha Doutrina? Quão curta é tua visão!
Vê este Meu anjo! Possui tanto poder e força de Mim que po- deria — se tal fosse Minha Vontade — destruir a Terra, o Sol, a Lua e as estrelas, cujo tamanho é tão imenso que a Terra se lhes poderia ser comparada a um grão de areia.
Enganas-te crendo que a cultura do solo terráqueo dependa unicamente dos homens! Se te der um campo por Mim amaldiço- ado, poderás cultivá-lo à vontade, que não produzirá nem cardos nem abrolhos para alimentar os vermes! Se bem que o semeador lance o trigo, é preciso que Meus anjos colaborem, abençoando des- te modo o solo, que do contrário não daria frutos! Compreendes?
Sendo Meus anjos os constantes trabalhadores no cultivo da terra, poderiam também tomar a si o encargo da semeadura, o que realmente fazem em zonas ainda não pisadas pelo homem. Sofren- do, porém, através da antiga maldição e querendo com toda a for- ça ele próprio trabalhar pelo sustento físico — Meus colaboradores nada têm de fazer!”
10.PREJUÍZOPROVINDODAS NECESSIDADES
(O Senhor): “Não ouviste falar do antigo Paraíso, no qual foi criado o primeiro homem? Esse éden era igual a um imenso jar- dim provido dos melhores frutos da terra; no entanto, nunca fora cultivado por mãos humanas! As primeiras criaturas não possuíam casas e cidades; suas exigências eram escassas e muito fácil satisfazê-
-las. Por isto gozavam saúde, alcançavam longevidade, dispondo de tempo bastante para dedicar-se ao desenvolvimento psíquico e ao intercâmbio visível com as forças celestes.
Por intuição satânica construiu Caim para seu filho Hanoch uma cidade com o mesmo nome, deitando assim a base para todos os males terrenos.
Afirmo-vos serem poucas as necessidades humanas; vaidade, ócio, orgulho, egoísmo e domínio exigem uma constante satisfação, jamais alcançada.
Por este motivo é alimentada a preocupação humana — e as pessoas não têm mais tempo para se dedicar àquilo por cujo motivo Deus lhes facultou a vida.
De Adam a Noé os filhos das montanhas não travaram guer- ra, pois suas exigências eram diminutas e ninguém se queria elevar sobre o próximo. Os pais se mantinham em respeito porquanto per- maneciam os sábios guias, mestres e conselheiros dos filhos.
Nas planícies, entretanto, onde os homens de sentimento e intelecto rudes começaram a enfeitar seus guias e mestres, ungindo e coroando suas cabeças, outorgando-lhes, em virtude de sua conside-
ração pessoal, toda sorte de poder e força, a vida fácil e de exigências escassas teve término.
A pompa é dificilmente saciada! Como o solo não produzisse o necessário num terreno restrito, os homens, amantes do luxo, co- meçaram a se estender dando o nome de ‘posse’ à terra por eles ocu- pada, tratando logo da pompa externa. Com tal atitude despertaram inveja, ciúme, discussão, luta e guerra, sendo o mais forte vencedor e soberano sobre os mais fracos, obrigando-os a trabalhar para ele. Os insubordinados eram punidos com castigos quase mortais, a fim de levá-los à obediência.
Vede, tais eram as consequências da cultura terráquea, do amor ao luxo e do orgulho. Se Eu vos procuro em Espírito, vin- do dos Céus, querendo vos reconduzir ao primitivo estado feliz das primeiras criaturas, mostrando os caminhos abandonados que con- duzem ao Reino de Deus — como podeis afirmar serem Minhas condições para o apostolado demasiado duras e impraticáveis para a Humanidade em geral?! Digo-vos: o jugo que vos imponho é suave e o peso, leve, comparados aos que suportais diariamente.
Até onde se estendem vossas preocupações! Não tendes sos- sego dia e noite, unicamente por causa do mundo, para que não tenhais prejuízo em vosso bem-estar e luxúria, conquistados com o suor sangrento de vossos irmãos mais fracos! Onde deveria a alma achar tempo nesta constante preocupação para desenvolver o Espí- rito Divino dentro de si?!
Vossas almas e as de milhões de criaturas até mesmo igno- ram serem portadoras da Centelha de Deus, e que muito poderiam fazer para se libertar da aflição contínua pelas coisas mundanas. Os fracos e pobres são por vós fustigados num servilismo sangrento a fim de satisfazer vosso amor ao luxo; portanto, também nada podem fazer para a emancipação espiritual. Deste modo, todos sois con- denados a verdadeiros filhos de Satanás, não podendo ouvir Meu Verbo que vos levaria seguros à Vida, pois defendeis vossas razões, pelas quais enfrentareis a morte eterna!”
(O Senhor): “Ainda se acusa a Deus, dizendo: Como podia Ele ter permitido o dilúvio que tudo aniquilou sobre a Terra e até consentiu na destruição dos sodomitas e gomorritas? — Isto facil- mente se explica: por que motivo havia de deixar que carnes enfei- tadas rastejassem no solo, enquanto as almas tanto se afastaram da antiga Ordem de Deus que o último vislumbre da consciência pró- pria se evaporava pela constante preocupação com o físico?! Poderia haver uma ‘encarnação’ mais compacta do que aquela, onde a alma não só se despojou do espírito divino, mas também se perdeu a si própria, de sorte a negar sua existência?!
Quando a Humanidade tiver alcançado este estado, o homem deixará de ser homem: será apenas um animal racional, incapaz para o desenvolvimento de alma e espírito. Por este motivo é necessário que tal carne seja morta e apodreça junto à alma nela encarnada, a fim de que, talvez em milênios, possa reiniciar o trajeto da formação e independência própria, neste ou em outro planeta qualquer.
O fato de que, não raro, existem criaturas inscientes de sua própria alma em virtude das grandes preocupações mundanas e car- nais, podeis observar em parte convosco mesmos, nos saduceus e na maioria das pessoas, pois ninguém saberá precisar o que seja a alma! Neste caso só resta a Deus fazer uma nova manobra de aniquilamen- to humano sobre a Terra, em maior ou menor proporção, na medida das necessidades prementes.
Essas criaturas puramente mundanas e carnais possuem for- ma e beleza sensuais, mormente o sexo feminino; o motivo compre- ensível se baseia na grande integração da alma com o corpo, o que a torna fraca e sujeita a influências nocivas. O físico adoece facilmente e a brisa mais sutil da peste lhe traz a morte certa; enquanto outras, de alma e espírito livres, poderão tomar todos os venenos sem que lhes prejudiquem. Quando alma e espírito são livres, dispõem de meios e forças suficientes para enfrentar qualquer inimigo; ao passo
que, aprisionados pela carne maldita, assemelham-se a um gigante acorrentado, incapaz de se defender de uma mosca impertinente.”
12.ENSINAMENTOS MISSIONÁRIOS
(O Senhor): “Gravai bem o seguinte: Não permaneçais em lugares onde existam criaturas de físico sedutor e enfeitado, pois não podereis fazer conquistas para o Céu onde o estado é quase idêntico ao de Sodoma e Gomorra! O castigo divino não dista muito dali, porquanto todas essas almas se acham aprisionadas pelo sepulta- mento da própria consciência. Sendo a carne tocada, apenas de leve, pelos elementos maus e brutos da Natureza, a alma não terá forças para reagir e ambas sucumbirão.
Experimentai agarrar u’a moça da cidade pelo braço: ela soltará um grito; fazei o mesmo com uma camponesa e nenhuma queixa ouvireis. Julgais que tal insensibilidade deriva do trabalho físico habitual?! Oh, não; apenas é consequência da libertação da alma através da renúncia, pela qual se produz um justo fortaleci- mento da carne.
Onde se dedica toda atenção à delicadeza física a ponto de existirem institutos que conservam o corpo elegante pela ginásti- ca, havendo também o recurso de pomadas e óleos — as almas de há muito deixaram de ser livres e fortes. Basta uma leve brisa para que adoeçam.
Eis então que surgem as queixas e os choros — e os meio crentes alegam ignorar o prazer que Deus possa sentir castigando suas criaturas! Dizem eles: ‘Por certo não existe Deus; se existe é tão elevado que não mais Se perturba com os vermes da Terra, ou Se tornou ávido por sacrifícios. Neste caso, necessário se torna apazi- guá-Lo por oferendas vultosas, cerimônias mágicas e incenso! Talvez Jehovah houvesse sido ofendido e estaria usando de vingança; é pre- ciso, portanto, fazer penitência com saco e cinza e arremessar, no mínimo, doze bodes expiatórios no Jordão!’
Ninguém se lembra que todo sofrimento, todas as moléstias, guerras, carestias, fome e peste derivam unicamente de as criaturas fazerem tudo pelo corpo, ao invés de se dedicarem apenas à alma e ao espírito, dentro da Ordem Divina!
Fala-se às almas ignorantes acerca do temor de Deus, no qual o próprio sacerdote de há muito não acredita, pois só crê naquilo que receberá pela prédica e nas honrarias e postos que poderá alcan- çar pelo bom uso de seu talento. Deste modo um cego guia outro
e um morto pretende vivificar um semelhante. Um prega em be- nefício de seu corpo, outro ouve pela mesma razão. Que vantagem se poderá aguardar para uma alma extremamente enferma?
Sou um Salvador — e as criaturas mortas e, portanto, igno- rantes indagam como isto Me seja possível! Digo-vos que não curo a carne; liberto a alma não muito nela integrada, despertando, se possível, o espírito encoberto. Este fortifica a psique, tornando-a livre, o que lhes facilitará normalizar, num momento, todos os dis- túrbios físicos.
Tal processo se classifica de cura milagrosa, enquanto é a mais natural do mundo. Só se poderá dar aquilo que se possui. Quem tiver uma alma viva pela Ordem Divina e um espírito livre dentro dela também conseguirá libertar a do próximo, caso não esteja por demais enraizada na carne, o que lhe possibilitará socorrer facilmen- te o físico enfermo. Se um psiquiatra também estiver com a alma adoentada, mais morta do que viva — como poderá transmitir à outra o que carece inteiramente?!
Refleti bem! Demonstrei-vos as condições para o discipulado e os males mundanos, desde a base verdadeira e profunda. Fazei, portanto, o que vos agradar — não vos obrigarei! Todavia, se vos quiserdes tornar Meus adeptos tereis de fortificar vossas almas, do contrário não obtereis benefício algum.”
Após este discurso todos arregalam os olhos dizendo: “Meaculpa!” O jovem fariseu não sabe que dizer, e até Cirenius, Julius e Ebahl externam expressões pensativas. Yarah, por sua vez, começa a recear quanto ao seu físico atraente!
Depois de longa meditação, Cirenius diz: “Senhor e Mestre, já passei vários dias e noites Contigo e tive oportunidade de assistir a Teus Feitos Milagrosos; nunca, porém, ouvi algo tão desconcertante como este Teu discurso. A julgar por Tuas expressões, nossa situação não difere da dos habitantes de Sodoma e Gomorra, pois tudo que fazemos é satânico. Amigo, que Doutrina severa! Infelizmente não é possível negar-se que tenhas falado a pura verdade! Qual seria o meio pelo qual se poderia renunciar totalmente ao mundo, dedican- do-se sempre à cultura psíquica e espiritual?”
Digo Eu: “Nada mais fácil! Continua o que és, desempe- nhando teu cargo; apenas não o farás por consideração à tua pessoa, mas em benefício de outrem!
Quando, na época de Noé, o dilúvio inundou aquela zona habitada pela escória humana, todos, com exceção de Noé, sua fa- mília e os animais, afogaram-se. Como lhe foi possível manter-lhes a vida? Achavam-se dentro da arca arrastada pelas águas tempestuosas, mas protegida contra uma perigosa penetração.
O dilúvio mortal de Noé perdura espiritualmente, não sendo menos perigoso à vida humana que o daquela época. Como seria possível alguém salvar-se do dilúvio espiritual? Afirmo-te: aquilo que Noé fez fisicamente deve ser feito espiritualmente, conseguin- do-se deste modo a proteção eterna! Em outras palavras: dar-se-á a Deus o que Lhe pertence e ao mundo o que é do mundo, dentro da justa medida.
Pois a ‘Arca de Noé’ representa a verdadeira humildade, amor ao próximo e a Deus! Quem for verdadeiramente humilde e cheio de amor puro e desinteressado a Deus, o Pai, e a todas as criaturas num zelo ativo de servir ao semelhante dentro da Ordem Divina
navegará incólume sobre as vagas mortíferas dos pecados hu- manos; quando, no fim de sua vida, as águas baixarem e sumirem nas profundezas trevosas, sua arca encontrará um pouso seguro no Ararate do Reino de Deus, tornando-se a morada eterna para seu construtor.”
14.COMOCONSIDERAREUSAROSBENS MATERIAIS
(O Senhor): “Observa Minha Pessoa! Não sou obrigado a lidar com o mundo? Alimento-Me, e o mundo Me serve da mesma forma que o dilúvio outrora serviu à arca de Noé, quer dizer: bem que se agita violentamente debaixo dos costados de Minha Arca, sem poder jamais tragá-la!
Não és responsável por ter surgido um Império Romano; ele existe e não o poderás desfazer. Entretanto, instituiu boas leis, úteis à ordem e à humildade dos homens. Se te julgas senhor sobre as leis com direitos externos ao uso duma coroa, estás no caminho errado
não perante as criaturas, que de qualquer maneira terão de su- portar as leis sancionadas com todas as suas vantagens ou prejuízos. Sujeitando-te à lei, considerando seres apenas um orientador desig- nado pelo Governo, achar-te-ás num princípio justo e construirás uma arca da matéria espiritual da lei, que infalivelmente conduzir-
-te-á acima de todos os pecados do mundo.
Seguindo, além disto, os princípios fáceis de Minha Dou- trina, adaptáveis sem dificuldade às vossas leis, farás tudo que te é possível tanto à alma quanto ao espírito. Se tal conduta é, a Meus Olhos, o bastante, aponta-Me alguém que não concorde!”
Diz Cirenius: “Mas, Senhor, considera a opulência e o luxo que sou obrigado a ostentar...!”
Digo Eu: “Acaso prezas tais coisas em teu coração?”
Responde ele: “Oh, nem de longe! São-me um horror!”
Digo Eu: “Mas então, por que te afliges? O luxo e a opulência não se poderão tornar prejudiciais à alma e ao espírito se teu coração não se prender a tais adornos, que te são impostos pela posição. Se te
agarrares a algo material, por mais ínfimo que seja, prejudicar-te-ás como se usasses uma coroa de ouro e pedras preciosas.
Tudo depende do estado d’alma; do contrário, dever-se-ia considerar um meio de perdição para a criatura o fulgor do Sol, da Lua e das estrelas, porquanto é para a alma fator de regozijo. Por aí vês, Cirenius, que podes te alegrar com justiça do brilho que tua posição social te impõe; nunca, porém, te envaideças por tal motivo, pois te prejudicarias, matando tua alma.
Até Salomon teve de se trajar com pompa jamais vista, nem antes nem depois. Enquanto não lhe dedicou alegria tola e vã, mas uma justa, baseada na sabedoria — tal prazer elevou sua alma e seu espírito. Desviando-se pela futilidade e entregando-se ao orgulho, sua queda diante de Deus e dos homens foi completa. Deixou-se atrair pelos pecados do mundo sensual, tornando suas obras e ações ridículas perante o próximo e um horror para Deus.
Digo-vos ser até útil e bom imitar o homem, na Terra, as maravilhas celestes com alma e espírito amadurecidos e regozijar-
-se com justiça, pois é preferível edificar a destruir. Apenas, como disse, as pessoas renascidas deverão fazê-lo como exemplo para o semelhante.
Aquele que constrói um palácio em honra, benefício e amor próprios comete grande pecado contra a alma e a centelha divina, prejudicando-se e aos seus, que desde o nascimento se julgam me- lhores que os outros. Se pela opulência dos palácios os corações de seus moradores se enchem de orgulho e desprezo pelo próximo, pre- ferível é que tais edifícios sejam arrasados.
Não é contra a Ordem Divina a construção duma cidade cujos habitantes sejam pacíficos e bondosos e vivam qual uma só e grande família. Nada de mal praticam, pois poderão trabalhar e socorrer-se reciprocamente de modo muito mais eficaz do que se vivessem a grande distância. Se nela introduzirem-se orgulho, luxo, opulência, inveja, ódio, perseguição, assassínios, devassidão, impu- dicícia e ócio, tal metrópole deverá ser transformada num montão de escombros e cinzas, para evitar que se torne um viveiro dos piores
vícios. Esses, em breve, empestariam-na como a terra de Hanoch, antediluviana, e Babilônia e Nínive, cidades pós-diluvianas. Quão grandiosas foram naquela época — hoje lá apenas se encontram al- gumas cabanas abandonadas. No local da cidade Hanoch tudo hoje é mar, assim como no de Sodoma e Gomorra e das dez pequenas que as circundavam, cada qual maior que a Jerusalém atual, isto é, sem a mesma extensão que a da época de David.
Aquilo que se deu com aquelas cidades repetir-se-á com Je- rusalém — e aqui se encontram alguns que presenciarão tal horror de devastação! Mais vale destruir tais antros, do que permitir o ani- quilamento por toda Eternidade das almas que neles vivem.
Tu, Cirenius, podes possuir tudo que a Terra tem de mara- vilhoso e agradável, louvando a Deus por tal Graça. Nunca prendas tua alma aos tesouros temporários, que deixarás ao trocares esta vida passageira pela vida eterna. Já sabes o que vem a ser a matéria. — Agora dize-Me, estás satisfeito com esta explicação, única e justa?”
OCAMINHOCERTOPARAAEVOLUÇÃO HUMANA
Diz Cirenius: “Sim, estou inteiramente a par de tudo. Assim como para cada erva existe uma lei pela qual se pode desenvolver, há também para o homem apenas um caminho a seguir e marcado por um mandamento psicomoral que lhe faculta a independência abso- luta. A franquia de um liberalismo sem restrições, a não ser na base desta lei, não lhe possibilita alcançar a meta destinada por Deus.
Compreendo ser o caminho por Ti, ó Senhor, indicado, o único e verdadeiro, aceitável para todos os de boa vontade. Con- tudo, ninguém seria capaz de encontrá-lo por si próprio. Era pre- ciso que o Espírito Divino revelasse as condições imprescindíveis a tal fim.
Julgo apenas ser este caminho raramente encetado pelas cria- turas, pois as condições mundanas opuseram uma forte barreira contra a qual muitas se ferirão. Assim, darão meia volta, mormente se não observarem em breve um êxito maravilhoso a coroar seus
esforços. Com Tua especial Graça espero atingir a meta final; sou, porém, apenas um, no grande Estado Romano de muitos milhões. Quando esses concluirão tal tarefa?”
Interrompe o jovem fariseu: “Nobre senhor, pensei precisa- mente o mesmo. Nós já podemos trilhar com fé e coragem o cami- nho da salvação; mas que será dos outros se não tiverem oportu- nidade de beber na fonte viva, onde se esclarecerão com o próprio Mestre da Vida?”
Digo Eu: “Já tratei disto, pois com Minha Chegada a porta do Céu permanecerá aberta e aquilo que ora tratamos será ouvi- do e anotado, palavra por palavra, para desenrolar-se diante dos olhos daqueles que, daqui a quase dois mil anos, habitarão a Terra! Todas as dúvidas futuras poderão ser esclarecidas diretamente pe- los Céus. Daqui por diante cada criatura terá de ser instruída por Deus; se não o conseguir, também não ingressará no Reino lumi- noso da Verdade!”
16.AELEVAÇÃODE JESUS
(O Senhor): “Todavia, afirmo-vos ser difícil permanecer a pessoa na pura verdade, pois o intelecto humano, alcançando gran- de perspicácia, não assimilará ser Eu, em Espírito, o Mesmo que transmitiu as Leis a Moysés no Monte Sinai e também lhe ditou os Cinco Livros; é, portanto, o Dirigente do Infinito com Sua Sabe- doria, Poder e Força! Se mesmo alguns dentre vós não podeis com- preendê-lo, embora testemunhas de Meus Atos que provam Minha União com o Pai Celeste — que dirão os grandes sábios do mundo ao ouvirem tal afirmativa pela milésima boca?!
Eis por que será isto apenas revelado aos pequeninos, pois a grandeza terrena é um horror para Deus! A criatura simples, singela e de coração puro ainda possui uma alma um tanto livre, que lhe permite compreender, com mais facilidade, o que vem do espírito. Um intelectual, cuja alma se ache abarrotada de princípios materia- listas e nem mais pressinta o seu espírito, dificilmente o entenderá.
Por ora até convosco isto sucede, portanto deveis aguardar Minha Elevação!”
Indaga Cirenius: “De que elevação se trata? Acaso serás coro- ado Rei de todos os reis?”
Respondo: “Sim, mas não um rei do mundo com coroa de ouro! Não teria Eu Poder para Me apossar dum reino que ultrapas- sasse os limites da Terra? Quem Me impediria?
Acaso a razão de todas as coisas e a vida das criaturas não estão nas Mãos de Meu Pai, que está em Mim, com Eu estou Nele? Quantos movimentos respiratórios poderás fazer sem a Vontade de Meu Espírito que tudo vivifica?
De que adiantaram o poder e a arte bélica dos homens duran- te a época de Noé? Meu Espírito fez com que o Dilúvio os afogasse!
Que benefícios obteve o poderoso faraó com seu grande exér- cito? Meu Espírito conduziu os israelitas incólumes pelo Mar Ver- melho, afogando os soldados egípcios!
Se, portanto, Eu Me quisesse tornar rei do mundo, qual seria o poder capaz de Me obstar? Longe, porém, tal pensamento de Mim e de Meus seguidores; espera-Me uma elevação e coroação diversas, e disto terás ciência depois de tudo consumado. Alguns pormenores já te forneci no início desta reunião; se deles te lembrares deduzi- rás o resto!”
Diz Cirenius: “Senhor, sei Quem és e o que podes — por isto mesmo não compreendo Tua atitude esquiva diante das persegui- ções de Herodes e do Templo.”
Digo Eu: “Amigo, podias ter evitado tal observação. Pri- meiro, por ter te esclarecido suficientemente em Nazareth; segundo, devias ter deduzido de Minhas Palavras que o motivo de Minha Vinda não se prende ‘a matar os mortos’, mas vivificá-los de novo. Eis por que ninguém por Mim será julgado. Vim para tomar sobre Meus Ombros o julgamento que fora determinado sobre este plane- ta, salvando as criaturas da morte eterna.
Desejo curar as feridas da Humanidade abatida, nunca po- rém aplicar-lhe outras, mais profundas. Por acaso julgas que o medo
Me obrigue a Me esquivar de Meus adversários? Nunca! Observa estes criminosos! De acordo com vossa lei e a de Moysés merece- ram cem vezes a morte; no entanto, não deixo que tal aconteça, pois também deverão desfrutar da Graça Celeste. Aproveitando esta oportunidade, tomarão parte no Meu Reino; retornando ao vício anterior, serão culpados se a lei os aniquilar! Vê, a lei perdura; a Graça, porém, socorre apenas de quando em quando os aflitos; des- respeitando a Graça, sofrer-se-á pela lei.”
17.AONIPOTÊNCIADIVINAEALIBERDADEDA ALMA
(O Senhor): “Vê, és representante das leis e do poder de Roma sobre toda Ásia e uma parte da África; entretanto, depende de Minha Vontade julgar ou libertar os criminosos, sem que te seja possível reagir. Deste modo também poderia forçar as criaturas a boas ações; tal, porém, seria um julgamento que as transformaria em máquinas.
Contigo tal não se dá por aceitares Minhas Palavras e agi- res dentro da Ordem Divina. Num caso de dúvida Me pergun- tas e adaptas tua ação ao ensinamento, que de certo modo surge numa intuição mais profunda, portanto justa, e não por influên- cia externa.
Subjugado por Minha Vontade, serás escravo; induzido pela tua própria, livre, pois ela apenas deseja o que teu raciocínio — como visão da alma — reconhece ser bom e justo. Caso diverso seria se o mundo fosse obrigado a agir dentro de Minha Onipotência: não reconhecendo o bem e a verdade, sua ação seria idêntica a dos ani- mais, ou talvez pior. O irracional não sente prejuízo moral quando se lhe impõe uma obrigação, porquanto tal alma não está sujeita a uma livre lei moral; a do homem, porém, sofreria por uma sujeição, em virtude do choque contra sua liberdade.
Daí deduzirás, Cirenius, o motivo que Me leva a fugir dos que Me perseguem, não para Me proteger contra sua ira descabida, mas para guardar Meus filhos, tolos e cegos, contra a eterna perdição.
Quando observo haver entre eles alguns de melhor índole, os quais podem reconhecer a verdade e o bem por uma justa ilumi- nação, não Me esquivo deles, mas procuro atraí-los para compreen- derem seu estado ignorante, facilitando-lhes a reforma íntima. Tens um exemplo vivo em Meus trinta perseguidores. De modo algum os teria conduzido ao nosso meio se não soubesse serem seus corações acessíveis à Minha Palavra.
As forças da Natureza foram influenciadas por Minha Von- tade a trazê-los aqui; isto não foi um jugo para suas almas. Agora serão instruídos, seu raciocínio se desanuviará, dando-lhes liberdade de escolha.
Vê, dentro em breve o Sol dirigirá seus raios sobre o horizon- te; entretanto, nenhum de vós lembrou-se do repouso noturno. Por quê? Porque Eu assim o quis! Contudo não se trata de uma coação sobre a alma, mas unicamente sobre a matéria, que terá de ser útil àquela além do habitual. Fiz isto em benefício dos trinta fariseus que foram salvos, física e espiritualmente. Nossa vigília foi premiada e sê-lo-á mais ainda; portanto, não houve prejuízo psíquico. Se tivesse conduzido as almas à justa luz através da Minha Onipotência, tor- nar-se-iam simples máquinas — e nenhuma de suas ações teria valor.
Que vantagem obtêm o serrote e a enxada pelo seu bom cor- te? Só têm utilidade para o homem de livre consciência, sabedor do que seja útil. Que benefício terá o cego com a luz, o coxo com o prado? Servem apenas àqueles que se encontram na consciência de si próprios, da necessidade do uso e aproveitamento deles.
O mesmo acontece com a luz espiritual. Não pode e não deve ser levada ao homem com violência, em virtude de sua livre vontade; esta luz deve ser posta num local onde seja vista por todos. Quem dela quiser se beneficiar, não encontrará empecilhos na execução de qualquer tarefa. Aquele que pretenda ficar inativo com a luz radian- te do Sol, fá-lo sem prejuízo de alguém, mas de si próprio, pois ela não obriga a qualquer ação uma alma dotada do livre-arbítrio.
Tenho poder de sobra para transformar vosso conhecimento e modificar vossa vontade livre num animal de carga, completamen-
te aprisionado — e ele se movimentaria com humildade, de acordo com a direção de Minha Onipotência. Seu íntimo, porém, não teria vida. Ensinando-vos e espargindo o justo conhecimento, sereis livres e o podereis aceitar ou rejeitá-lo. Compreendes, Cirenius?”
Responde este: “Sim, compreendo-o e creio também saber deduzir o motivo que Te levou a escolher a simplicidade: é que Te fa- cilita ensinar às criaturas a finalidade de sua vida e como atingi-la. A fim de que possam positivar sua fé e convicção, realizas toda sorte de milagres, portadores de poder e luz que ainda mais ressaltam o Teu Verbo. Deste modo fazes tudo para a salvação do homem, dando a impressão que tal foi por Ti previsto desde toda Eternidade. Talvez me engane neste ponto...”
Digo Eu: “Não, não; em absoluto, pois a Ordem Divina é eterna! Do contrário não seria Ordem nem Verdade. Agora, mude- mos de assunto.”
18.ANOTAÇÃODOSDISCURSOSDO SENHOR
(O Senhor): “Marcus, já que a alvorada está colorindo o cume das montanhas, trata de nos arranjar qualquer coisa para co- mer; não é possível nos aproximarmos em jejum dos cinco crimino- sos. Dar-nos-ão muito que fazer antes de se curarem. Reserva-lhes também algum pão, sal e vinho para fortificá-los.” — De pronto Marcus e os seus se dirigem à cozinha, onde alguns discípulos lhes ajudam no preparo de peixes.
Matheus e João, relendo as anotações feitas durante a noite, verificam uma série de falhas. Eis que João Me pede auxílio, que Ra- phael lhe presta preenchendo rapidamente as lacunas. Pedro confir- ma até a anotação do salvamento dos trinta condenados e Cirenius externa o desejo de uma cópia contra remuneração extra. Inconti- nente Judas se oferece para tal serviço.
Percebendo a ganância costumeira deste discípulo, digo a Ci- renius: “Faze com que Raphael receba o material necessário, pois será mais ligeiro.” O Vice-rei chama um lacaio e ordena-lhe o porte
de alguns rolos de papiro, que entrega ao anjo. Mal este os toca, diz a Cirenius: “Pronto! Teu desejo foi cumprido; podes comparar os papiros e verificar se existe alguma falha.”
Cirenius se admira não pouco da rapidez incompreensível de Raphael. Os trinta fariseus e levitas submetem à análise os ro- los e o dito orador, chamado Hebram, diz: “São idênticos aos dos discípulos. O fato em si não nos diz respeito e não convém sobre o mesmo perder palavra, pois os mortais apenas compreenderão os an- jos quando tiverem alcançado o mesmo grau de evolução; enquanto encarnados não lhes será possível assimilá-lo.
Existem coisas e aparições no mundo da Natureza que jamais serão inteiramente entendidas pelas criaturas. Gosto de ver milagres; mas não me preocupo quanto ao porquê. Ainda que entenda a pes- soa qualquer coisa, não lhe seria possível imitá-los.”
Diz Cirenius: “Do ponto de vista material terás razão; não me interessa a imitação, mas sim que eu possa — como espírito imortal — observar seus efeitos mesmo de olhos vendados; assim, desejaria saber por um sábio algo a respeito desta rapidez de escrita.”
Diz Hebram, gracejando: “Bem, duvido entretanto que pos- samos compreender as explicações de tal sábio, porquanto o inte- lecto não o poderá assimilar em sua profundeza. O Cântico dos Cânticos de Salomon, aliás, ainda é mais aceitável pelo intelectual; meditando, porém, mais profundamente, chega-se à conclusão de que nada se entendeu. Dar-vos-ei uma pequena prova.”
19.OCÂNTICODE SALOMON
(Hebram): “No quarto capítulo diz aquele sábio: ‘Eis que és formosa, amiga minha. Teus olhos são como os das pombas, entre tuas tranças. Teu cabelo como o rebanho de cabras que pastam no monte Gilead e teus dentes como o das ovelhas tosquiadas que so- bem do lavadouro, sempre produzindo gêmeos, pois não há uma estéril sequer. Teus lábios são qual fio escarlate e doce é tua voz. Tuas faces como o talho da romã, entre tuas tranças. Teu pescoço é
como a torre de David, edificada como parapeito, no qual pendem mil escudos e armas poderosas. Teus seios quais gêmeos da corça, que se apascentam entre rosas até que desponte o dia, afugentando a sombra. Irei ao monte de mirra e ao outeiro de incenso. És linda e não existe mácula em ti. Vem, minha noiva, vem do Líbano! En- tra, desce do cume de Amana, do cume de Senir e de Hermon, das morados dos leões, dos montes dos leopardos. Tiraste-me o coração, minha irmã, querida noiva; tiraste-me o coração com um de teus olhos, com um de teus colares. Quão belos são teus amores, irmã minha, querida noiva! A fragrância de teus unguentos sobrepuja to- das as especiarias. O favo de mel jorra de teus lábios, ó minha noiva! Mel e leite estão debaixo de tua língua e o perfume de teus vestidos é idêntico ao do Líbano. És um fechado jardim, fonte e manancial selados. Teus rebentos são um pomar de romãs com frutos celestes, cipreste e nardo, nardo e açafrão; o cálamo e a canela e toda sorte de árvores de incenso, mirra, aloés com as melhores especiarias. És qual fonte de jardins, manancial de água viva jorrando do Líbano. Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul, sopra pelo meu jardim para que emane seus aromas!’
Vê, nobre Cirenius, tal o teor do capítulo de compreensão aparentemente fácil; dou-te todos os tesouros do mundo se conse- guires interpretar uma frase, apenas.
Quem seria tal irmã constantemente citada, qual a noiva que- rida que, pela descrição de Salomon, deveria se igualar à Medusa?! Em suma, para o intelecto humano é a maior baboseira; o sentido espiritual só é dado ao sábio. Cheguei até a decorar todo o Cântico dos Cânticos para alcançar uma possível compreensão. Nada! Pouco a pouco verifiquei saber tanto quanto o gado diante da cancela.
Por isto te aconselho apelares antes para o raciocínio que para a sapiência de nossos colegas, pois se explicarem a agilidade da escrita do anjo compreenderás tanto quanto o 4º capítulo de Salomon. Uma explicação intelectual não te satisfará, porquanto não é possível conseguir interpretar materialmente um aconteci- mento espiritual.”
Diz Cirenius: “Já vi que não és inculto, pois sabes de cor tal estultice salomônica. Contudo, começa a me impressionar mais que a velocidade de escrita do anjo. Teria Salomon realmente ten- tado declarar seu amor a uma suposta judia, de aparência um tanto esquisita? Ou se teria referido à coisa diversa? Mas... quê? Haveria uma chave para tanto? Neste caso nosso Senhor e Mestre é o Único Competente!”
Diz Hebram: “Também concordo. Tal me desperta maior in- teresse que minha vida de além-túmulo.”
Dirigindo-se a Mim, Cirenius diz: “Senhor, ouviste o dito capítulo de Salomon? Terá algum sentido?”
Respondo: “Meu amigo, encerra um bem profundo. Salo- mon o escreveu conforme lhe foi ditado; no entanto, sua compre- ensão em nada era melhor que a tua. Recebeu o Verbo, mas não o entendimento — e tudo se aplica à época atual.
A solução e a chave estão diante de ti; a palavra, porém, o Ver- bo do Eterno Amor, isto é, o Amor Puríssimo de Deus às criaturas é a noiva formosa, a verdadeira irmã e amiga do homem. Lê o Cântico fazendo uso desta chave e entenderás seu sentido. Compreendes?”
Diz Cirenius, fitando Hebram: “Sentes de onde sopra o vento? Isto soa bem diferente daquilo que se canta no Templo de Jerusalém! Possuindo a chave, aprofundar-me-ei na leitura do sá- bio Salomon.”
Responde Hebram: “Sim, a interpretação parece verdadeira e certa; todavia, duvido que se preste para decifrar tudo. Vemos o mundo estelar, o Mestre e o anjo nos deram alguns esclarecimen- tos; eis tudo! Explica-me o que vem a ser a estrela d’alva, que neste momento irradia um brilho fulgurante! Assim como isso não te é possível com a chave do anjo, também não poderás descobrir com a do Mestre a sabedoria integral de Salomon. Contém muitos quadros apenas decifráveis ao espírito. Não duvido, porém, que a Chave do Mestre seja, em geral, a única, e procurarei usá-la por conta própria.”
Indaga Cirenius: “Senhor, que deduzirei das palavras de Hebram?”
Digo Eu: “Fala bem e certo, portanto saberás como inter- pretá-lo. Deixemos isto por ora; o desjejum se aproxima. Necessita- mos de alimento para podermos enfrentar os criminosos.” — Em poucos instantes as mesas são arrumadas.
20.ODESJEJUMDOS HÓSPEDES
Quando os fariseus e levitas observam a fartura de alimentos, diz Hebram: “Nem por isso os discípulos do Mestre de Nazareth passam necessidades! Não há, portanto, motivo que nos impeça de nos tornarmos, primeiro, soldados romanos; e após, seus adeptos de corpo e alma. Quantas vezes não jejuamos no Templo em honra de Jehovah — e aqui nem se pensa nisto, embora seja antessábado. No entanto, não me parece que constitua uma desonra a Deus, do contrário teríamos sido advertidos pelo Salvador. Em suma, faremos o que ele disser, seja doce ou amargo, pois o espírito que faz surgir o Sol tanto no sábado quanto nos dias comuns e não permite que os ventos descansem, por certo é mais elevado que o do Templo, que, para a justa consagração daquele dia, ordena três feriados antes e três depois. Contendo a semana apenas sete dias, perguntou-se quan- do, nestas circunstâncias, dever-se-ia trabalhar — e o tolo legislador templário, reconhecendo seu absurdo, aceitou outras sugestões! Que repouse em paz!
Para encurtar: nosso Mestre manifesta o Espírito Divino, o que nos entusiasma a servi-lo incondicionalmente. Já encontra- mos o Messias Prometido — e o Templo tão cedo não O avista- rá; mesmo que o faça, não poderá reconhecê-Lo. Nós O temos e honramos, por isto: Hosana Àquele, Merecedor de nosso respeito e dedicação!”
Diz Julius: “Ótimo! Acrescento mais: abençoados os de boa vontade!”
Acrescenta Cirenius: “A salvação e a Graça Celeste vieram ao mundo; por tal razão louvemos o Nome do Salvador, Jesus! Perante Ele todos os povos, anjos e espíritos se deverão curvar!”
Finalizam o anjo, Yarah, Josoé, Ebahl e todos os discípu- los: “Amém!”
Digo Eu: “Pois bem; agora desjejuemos.” Em pouco todos se dispõem a saborear os alimentos, inclusive Yarah e Raphael — e a atitude deste, como sempre, desperta espanto entre aqueles que não o conheciam de perto, tanto que o grupo de judeus indaga entre si da possibilidade de um anjo manifestar tamanho apetite.
Diz Hebram a seus colegas: “Por que vos admirais? Se ele foi capaz de jogar bola com uma pedra de trinta libras, com maior faci- lidade absorverá uma quantidade de peixes, pão e vinho. O fato de sua aluna quase lhe fazer concorrência prende-se à idade de cresci- mento; aparenta ela uns quinze anos, no entanto é tão forte quanto u’a moça de vinte. Até nosso Mestre demonstra bom apetite — o que aliás não me surpreende — pois já privei com espíritos elevados, entre os quais sempre deparei com o mesmo fator. Apenas desejava saber de que maneira um anjo puro assimila o alimento material; terá ele a mesma função biológica que nós?”
Intervém Julius, que ouvira tais palavras: “Como podeis con- jecturar tais disparates?! Raphael é espírito, e impossível é se lhe falar ou ver em seu estado primitivo. A fim de que, pela permissão excep- cional do Senhor, ele se pudesse apresentar qual criatura, necessário foi que se cobrisse de matéria sutil, que sua natureza absorveu. Não é, portanto, admissível supor-se uma função biológica em um es- pírito puro!
Quanto ao bom apetite de Yarah, filha do hospedeiro Ebahl em Genezareth, apenas obedece ela à uma ordem secreta do Senhor; isto em virtude da cura dos cinco criminosos principais, que prome- te ser extraordinária, porquanto Ele, tendo por diversas vezes ressus- citado vários mortos, também Se prepara para tal empresa através de alimento mais farto. Compreendeis?”
Responde Hebram: “Que Deus te abençoe por este escla- recimento, senhor! Basta que um fato maravilhoso seja iluminado para se tornar natural. Apenas o tolo se admira de algo que não
entende, e nosso grupo, por certo, terá muita coisa ainda que o fará pasmar na Presença do Grande Mestre, Salvador e Messias!”
Nisto Me levanto, dizendo: “Vamos até lá, onde se acham os criminosos!” — e todos se erguem para acompanhar-Me.
21.CURADOSCINCO OBSEDADOS
Mal nos aproximamos dos prisioneiros, começam a nos pra- guejar e amaldiçoar. Aconselho, então, que Julius e Cirenius recuem e dou ordem aos soldados para soltarem os algemados. Eles, porém, receiam fazê-lo, em virtude da reação violenta que poderia desper- tar. Digo Eu: “Obedecei, e rápidos! Do contrário vos espera a pior desgraça!”
Nem bem os cinco são libertos, jogam-se a Meus Pés, excla- mando: “Ó poderoso Filho de David, salva-nos da perdição eter- na! Não tememos a morte, pois, além de termos sofrido horrores durante a noite, fomos castigados pelas visões do sofrimento dos espíritos condenados ao inferno. Pedimos-Te castigo por cem anos pelos crimes cometidos — protege-nos, porém, contra as penas e os horríveis tormentos infernais!”
Eis a linguagem das almas individuais no momento libertas de seus algozes satânicos, que agora, entretanto, ganhavam suprema- cia sobre elas, gritando: “Que queres, miserável domador de inse- tos? Acaso tencionas entrar em luta conosco, deuses poderosos? Faze uma tentativa, que será a última! Afasta-te, miserável, do contrário serás reduzido a átomos e entregue aos ventos!”
Replico: “Com que direito atormentais há tantos anos estas criaturas? Sabei que soou vossa hora derradeira! O ‘domador de in- setos’ vos ordena abandonardes, neste instante, estes infelizes, enca- minhando-vos após ao mais profundo inferno!”
Uivam os demônios, desesperadamente: “Se tens poder para tanto, deixa que nos apossemos das formigas brancas da África; pre- ferimos permanecer lá do que em nosso reino!”
“Não”, digo Eu, “não Me compadeço de vós por não terdes tido, tampouco, compaixão daqueles que aniquilastes, não obstan- te seus rogos fervorosos! Por isto, retirai-vos sem perdão!” A esta ordem potente, os demônios abandonam suas vítimas, jogando-as por terra.
Eu, porém, prossigo: “Ide, miseráveis! Descei aos infernos onde vos espera a recompensa!” Eles, no entanto, ali permanecem, implorando misericórdia e perdão, alegando ser sua índole culpada de serem maus. Retruco: “Tendes de igual modo a capacidade para o bem, pelo conhecimento da verdade. Vosso orgulho, contudo, le- va-vos a serdes maus e incontidos, por isto não mereceis perdão! É vossa vontade sofrer, portanto não intervenho em tal desejo! Minha Ordem é eterna e imutável — e sabeis o que vos cabe para aprovei- tá-la em benefício próprio. Sofreis porque a desvirtuastes, por isto desaparecei de Minha Presença!”
Ouve-se um estrondo fortíssimo — e do solo surgem fogo e fumaça, tragando esses vermes miseráveis, pois os espíritos exor- cizados são quais serpentes negras, que desaparecem no interior da Terra. Todos os presentes tremem como varas ao vento.
Dirigindo-Me a Marcus, digo: “Dá aos enfraquecidos um pouco de vinho e, após, pão e sal.” Os filhos de Marcus se debruçam sobre os cinco homens, que após sorverem alguns goles, voltam a si, sem saber o que havia sucedido.
Digo-lhes Eu: “Servi-vos de pão, sal e mais algum vinho; isto vos fortalecerá plenamente.” Em poucos instantes eles recupe- ram suas energias, levantando-se, embora pálidos e magros.
Algo impressionado, Cirenius indaga o que fazer com eles. Digo Eu: “Por hoje não te preocupes; necessitam primeiro de tra- tamento. Marcus, manda trazer um pouco de óleo para as feridas provocadas pelas correntes e cordas.”
A fricção de óleo alivia os atordoados, que pouco a pouco conseguem se movimentar. Passado algum tempo indagam o que lhes sucedera, e Marcus responde: “Estivestes muito enfermos e fos-
tes trazidos para cá, onde o Salvador de Nazareth vos socorreu. Mais tarde O conhecereis.”
22.DISSERTAÇÃODESESPERADADOS EX-OBSEDADOS
Diz um dos cinco: “Sim, sim — começo a me lembrar! Te- nho a impressão de ter tido um pesadelo, no qual fui preso com mais quatro. Conduzidos a uma gruta e entregues a demônios, tudo fizeram para nos ensinar seu ofício de salteadores. Como reagísse- mos, eles se apossaram de nossos corpos. Ignoramos completamente o que praticamos naquele estado; lembro-me apenas que há bem pouco fomos aprisionados por soldados romanos. Devemos ter sido massacrados, a julgar pelas feridas e luxações. Meu Deus, que nos aconteceu?”
Diz o outro: “Queres saber o que fomos antes disto? Per- tencíamos ao Templo e, como missionários, enviaram-nos aos sa- maritanos a fim de convertê-los. Lá, porém, fomos informados de algo melhor e voltamos à Judeia para angariar prosélitos contra o sinédrio; eis que nos prenderam na fronteira e aqueles demônios nos enfeitiçaram, de sorte a não mais sabermos quem éramos. Devemos isto ao Templo, que somente aos maiorais dá privilégios; os outros são uns vermes infelizes.”
Diz um terceiro: “Também me recordo como fomos tortura- dos pela brutalidade dos templários. Devemos nossa desgraça uni- camente a nossos pais, que pagaram somas consideráveis para que fôssemos aceitos como fariseus! Após a experiência dolorosa no con- vívio daqueles malfeitores, de cuja influência agora fomos libertados
resta saber qual nosso futuro! Devemos retornar ao Templo? Por mim, preferiria morrer!”
Concordam os outros dois: “Tens razão: u’a morte rápida, que apagasse nosso passado e nossa própria consciência. Com que finalidade existimos, se nunca externamos desejo de viver?! Acaso existiria um Criador que sentisse prazer em assistir ao sofrimento de Suas criaturas?
Qualquer animal é mais feliz que o homem, pretenso senhor de tudo que existe! Vós, romanos, podeis enfrentar os animais fe- rozes de armas em riste; qual, porém, seria vossa defesa contra os demônios invisíveis? Fomos por eles escolhidos para que nos tor- nássemos idênticos — e nesse estado inconsciente usaram-nos para seus crimes. Se ao menos nos fosse possível morrer para nunca mais termos consciência de uma vida...!”
Diz o primeiro: “É verdade, seria nosso maior benfeitor quem nos pudesse dar a morte certa. Que nos adianta viver num mundo tão miserável, no qual os demônios com facilidade descobrem suas vítimas?! Seguindo-lhes as ordens, o homem se torna diabo; não obedecendo, é castigado da pior maneira possível!
Como Deus não compartilha de nossas dores, pode até Se sentir feliz, enquanto nós sofremos, choramos, praguejamos e nos desesperamos! Onde está o Salvador que nos restituiu esta vida des- prezível? Jamais deverá contar com nossa gratidão, a não ser tempo- rária, pois seremos gratos apenas pela morte eterna!
Quem sois, romanos importantes? Vossa aparência indica que servis a Satanás, por isto vossa opulência não vos perturba. Quem não quiser ser molestado pelo demônio deve tratar em se lhe tornar idêntico. Consta que se deve servir a Deus e amá-Lo — que absurdo ridículo! Fizemos isto desde pequeninos — e vede o resultado!”
23.ESTRANHOESTADOPSÍQUICODOS CURADOS
Diz Cirenius: “Senhor, nunca ouvi semelhante discurso; o pior é que contém muita coisa verdadeira. Todos sentem o mesmo: a própria Yarah parece não saber o que pensar, e o anjo por diversas vezes enxugou as lágrimas! Que devemos fazer?”
Digo Eu: “Preveni-te, anteriormente, que estes homens nos dariam o que fazer. Tal não importa; os maus elementos, expulsos, deixaram alguns fluidos em seus corações, mas a extinção dessa in- fluência possibilitará uma cura completa. Além disto necessitam de algum repouso — e o dia radiante trará uma nota harmoniosa a
suas almas. Ainda dirão outras coisas, sem prejuízo para vós. Suas almas provêm de mundos evoluídos, por isto devemos ter muita paciência. Oferece-lhes mais pão e vinho, que sua fome e sede estão aumentando.”
Marcus, prestimoso, serve-os com gentileza, dizendo: “Sa- ciai-vos, irmãos. De agora em diante não mais padecereis sobre a Terra, embora não seja um paraíso.”
Dizem os outros: “Pareces ser um bom diabo e talvez pos- samos trocar ideias! Se todos fossem iguais a ti, a vida não seria tão má. Acontece que até os bons são dominados pelos maus, que os impedem até de uma livre respiração.
Vê, o demônio completo está em mãos do príncipe dos de- mônios; sua residência consiste de sangue humano — e se chama o reinado de Deus! Sim, um Reino de Deus de ira e não de Amor! A razão disto só Ele sabe. Existem alguns animais que vivem como criaturas felizes, enquanto o homem apenas é burro de carga! Nasce frágil e nu — e a Natureza nem o proveu de armas diminutas, tal como as formigas e abelhas, a fim de se defender contra um inimigo. Tanto numa caterva de tigres como numa de leões verás todos de ín- dole semelhante; somente numa comunidade humana encontrarás uma parte diabólica. Por isto se desafiam e guerreiam.
Para encurtar, por que motivo consta na Escritura sermos ‘filhos de Deus’? Se Ele realmente Se interessa pelo bem-estar deles como fez conosco, sendo o destino dos pobres filhos de Deus servir aos demô- nios na maior degradação — agradecemos por tal filiação divina!”
Reage Marcus: “É verdade que passamos por muitos dissa- bores; em compensação, espera-nos uma imensidade de crescentes bênçãos no além-túmulo. Se o filho de Deus o considerar, suportará esta curta vida de provação.”
Diz o primeiro orador: “Quem te afiança tal troca? A Escritu- ra? Não te tornes ridículo! Observa aqueles que a divulgam, deixan- do-se homenagear como servos do Altíssimo! São os piores diabos! Que Deus venha Pessoalmente para lhes demonstrar suas perversi- dades e adverti-los à penitencia; do contrário, acontecer-Lhe-á o que
sucedeu aos dois anjos, incumbidos de avisar Lot e sua família no sentido de abandonarem aquela zona prestes a ser julgada.
Se o transmissor das Bênçãos Divinas é um demônio, expli- ca-me qual deve ser a expectativa dos filhos de Deus a respeito da- quelas promessas! A questão é a seguinte: ou Deus não existe e tudo que vemos apenas é obra da Natureza animal — ou haverá um Ser Supremo que tudo rege, sendo, entretanto, demasiado Sublime para Se poder preocupar com vermes terráqueos. A Escritura é simples obra humana e pouco de bom contém.
Consta ali: ‘Não matarás!’ Todavia, o Mesmo Deus ordenou a David desafiar e destruir filisteus e amonitas, inclusive mulheres e crianças. Consequência maravilhosa! Acaso Deus não teria outros meios para exterminar os povos odientos que não fossem obrigar um homem a desobedecer uma lei dada por Moysés? Bem poderia evitar que esse homem, com ajuda de seus soldados, matasse centenas de milhares somente porque, de acordo com o pronunciamento de um visionário, não eram decentes.
Sou de opinião que um Deus de Amor jamais deveria lançar os homens, quais cães raivosos, contra seu semelhante, possuindo meios e poder de fazê-lo como bem o entendesse. Que Deus estra- nho: dum lado ordena amor, paciência e humildade; do outro, ódio, perseguição, guerra e aniquilamento. Realmente, quem entender esta desordem, por certo será uma criatura fora do comum.”
24.ALMASDEVISÃO DIVERSA
Retruca Marcus, prestes a perder a paciência: “Positivamen- te, não sei o que fazer convosco: não posso concordar com tudo, tampouco vos contestar. Vossas queixas não deixam de ser razoáveis; contudo, parecem-me um tanto exageradas. Já que me tomais por um bom diabo, dizei-me: nossa assembleia é toda diabólica?!”
Responde o orador: “Em absoluto. Vê, este homem a teu lado (apontando para Mim) é um homem perfeito, um real filho de Deus! Dentro em breve, porém, os demônios o aniquilarão. Lá
atrás estão dois jovens e u’a mocinha, também do Alto, que igual- mente terão de lutar, caso não queiram se tornar demônios. Os ou- tros são pobres pescadores; tu e tua família sois uns bons diabos, na expectativa de vos tornardes criaturas verdadeiras, o que muita luta vos trará.”
Diz Marcus: “Como te é possível sabê-lo? Vejo apenas pes- soas de perfeição gradativa, mas nunca diabos. No que se baseia tua afirmação?”
Diz o outro: “Naquilo que vejo: os físicos são iguais, as almas mui diversas. Esta diferenciação consiste na cor e na forma. As almas por mim classificadas de puras são idênticas à nuvem no cume das montanhas e seu formato é muito mais formoso que o do corpo; vossas almas são de tonalidade mais escura que o físico e menos hu- manas, porquanto nelas se destacam claros vestígios animais.
Todavia, descubro em vossas almas uma pequena e perfeita forma humana, toda de luz. Quando esta ali se integrar, estender-
-se-á também sobre o corpo. Não posso precisar este processo; para tanto deves consultar criaturas perfeitas.”
Insiste Marcus: “Como é possível que vejas tudo isto?”
Responde o inquirido: “Durante o imenso sofrimento, abriu-se a visão de minha alma, de sorte que posso diferenciar ou- tras almas, criaturas, filhos de Deus e filhos do mundo, ou sejam, anjos e demônios.
As criaturas diabólicas podem se tornar anjos através de uma renúncia total; do mesmo modo, anjos se poderão transformar em demônios. Contudo, tal transformação é bem difícil, pela força in- dependente das almas angelicais. Nós cinco fomos tentados pelo inferno; até então, porém, sem êxito. Nosso futuro está nas Mãos de Deus, que nos criou sem preocupar-Se em demasia com nosso destino. Por tal razão supomos que Ele não exista.”
25.FILOSOFIANATURALISTADE MATHAEL
Prossegue o vidente: “Tudo na Terra obedece a uma certa ordem e equilíbrio, o que leva a crer na Existência Divina; por outro lado, pode-se observar, não raro, uma desordem infinita, um despo- tismo incalculável, que força a criatura a duvidar de Deus.
Consideremos a inconstância atmosférica. Acaso apresenta ordem e harmonia?! Observa a variabilidade de árvores e flores, a medida irregular das montanhas, dos lagos, riachos, cascatas e fon- tes. Nunca se manifestam harmoniosas, ao menos diante de nossa compreensão. O mar forma suas margens irregulares, de acordo com a maré — e cabe ao homem impor-lhe uma barragem, pois por par- te de Deus nada é feito.
Do mesmo modo, a criatura cultiva jardins, campos e vinhas, selecionando os frutos de qualidade. Não consta existir um jardim cultivado por Deus, ou que Ele tivesse regulado o leito dum rio. As camadas geológicas se confundem tão caoticamente que fazem transparecer apenas a força cega do acaso.
Analisando de per si, as coisas revelam traços fortes de uma sabedoria e poder divinos; em seu todo, porém, destaca-se o seguin- te: ou Deus Se cansou de organizar e manter em equilíbrio aquilo que criou, ou então Ele não existe; e as coisas se criaram indepen- dentemente, dentro da lei natural, para mundo, sóis e luas, de acor- do com seu peso e proporções.
Quanto mais variados os corpos cósmicos em evolução, tan- to maior variabilidade apresentam em sua superfície. Daí surgiram os primeiros vestígios de vida, devidos à causa e ao efeito. A mani- festação da primeira fagulha vital era seguida por outras, as quais criaram novas leis, destinadas ao desenvolvimento duma vida per- feita. Deste modo ela se desenvolveu à máxima potência, de acordo com suas próprias leis vitais, até que a mais apurada e consciente força vital começou a organizar, de modo retroativo, a precedente natureza muda.
Se isto tudo surgiu naturalmente, logo se chega à conclusão de que existem apenas potências vitais de máxima variedade, desde o piolho vegetal à perfeição divina — o homem! Assim, se tornou pos- sível a criação duma Divindade positiva e negativa a um só tempo, desde eras remotas. Nesta qualidade as forças contrárias se desafiarão, até que a negativa, ou má, seja assimilada pela boa e mais poderosa, num contraste equilibrado. Desta fusão, tudo que por ora ainda é mudo, inconsciente e inerte transformar-se-á, após longos períodos, numa vida plena de vontade própria e conhecimento independente.
O fato de existir ainda hoje um verdadeiro caos consiste em que a máxima potência vital, denominada Deus, está longe da or- dem desejada com a força negativa, Satanás, até que a esta sobrepuja e surja vitoriosa. O polo oposto não estaria em constante luta contra a Divindade se não houvesse motivo para Dela se apossar.
Satanás deve, pois, sentir um grande agrado inconsciente pelo bem, razão por que procura subjugar a potência positiva; mas precisamente neste zelo constante ele assimila as forças do Bem, me- lhorando sua índole sem o querer. Desta forma se equilibra sua força vital, que o faz adquirir ordem, conhecimento e compreensão cada vez maiores e, por fim, não poderá impedir sua completa rendição, devido à impossibilidade de ele evitar um total domínio de sua na- tureza e tendência.
Mesmo após sua completa rendição, permanecerá ele um contraste com o puro Bem; será apenas equilibrado, como o sal tam- bém se contrabalança com o açúcar. Se a oliveira não tivesse sal na justa medida em raízes, tronco, galhos e folhas, jamais produziria o azeite doce.
Estou me excedendo na dissertação, que por certo não é por ti assimilada como deveria. Também não importa, pois não te quis apresentar uma doutrina da verdade, mas sim apenas demonstrar a que conclusões a alma poderá chegar por sofrimentos quase insu- portáveis, sem que seja atendida por Deus em tal aflição.
A alma, ou a verdadeira primitiva força inteligente, torna-
-se mais lúcida pelo sofrimento; vê e ouve tudo, ainda que distante
dos olhos humanos. Portanto, não te deves admirar se fiz menção de vários corpos cósmicos, pois minha alma os viu de modo mais perfeito que tu até então pudeste observar esta Terra. Basta, porém; será melhor se nos disseres o que devemos fazer, pois não podemos ficar aqui.”
Diz Marcus: “Esperai mais um pouco até que o Salvador, ao Qual deveis vossa cura, assim o mande.”
26.LUTAEMA NATUREZA
Diz o orador: “A quem, entre vós, compete que agradeçamos?”
Responde Marcus: “Foi-nos proibido denunciá-Lo antes do tempo; em breve o sabereis, podendo então receber com alegria os elevados esclarecimentos a respeito de vossas falhas!”
Diz o outro: “Amigo, para nós não mais haverá alegria sobre a Terra; talvez numa outra vida.”
Diz Cirenius, que se achava próximo: “Vede, sou Vice-rei da Ásia, duma parte da África e da Grécia. Agora vos conheço melhor e me proponho a zelar por vosso futuro, proporcionando-vos, ou- trossim, uma ocupação de acordo com vossa capacidade intelectual.
Apenas deveis concordar que nós, romanos, em absoluto so- mos uns pobres diabos! Somos tão bem criaturas quanto vós. O fato de terdes sido triturados psiquicamente — por motivo que apenas Deus conhece, o que, contudo, muito contribuiu para a purificação de vossas almas — não pode ser nossa culpa. Pelo contrário, fostes por nós curados, isto é, por Um do nosso grupo, Verdadeiro Sal- vador. Por isto, mudai de opinião, que em breve podereis voltar à antiga alegria.”
Diz o orador: “Amigo, observando o solo, verás apenas coisas que te alegram; o campo repleto de flores agrada a teus olhos, e o suave vaivém do mar enche de júbilo tua alma; isto porque não per- cebes como, debaixo destas maravilhas, uma infinidade de futuros diabos fazem surgir suas cabeças, portadores de morte e desgraça. Para tua compreensão, tudo que vês é a manifestação de vida, en-
quanto nós nos certificamos da morte e sua constante perseguição. Consideras tuas amizades, e os poucos inimigos enfrentarás com teu poder; nós, porém, vislumbramos apenas inimigos invencíveis.
Com esta visão inconfundível, difícil se torna uma alegria sincera. Afasta de nós este dom ou dá-nos explicação justa daquilo que vemos — e nossos corações hão de se alegrar. Possivelmente ha- verá, em épocas incalculáveis, um destino melhor para a alma que, pela luta, alcance sua evolução espiritual; onde, porém, buscar essa certeza? Será ela positiva?
Nossa visão nos permite descobrir condições vitais que nun- ca pudeste sonhar; todavia, nada vemos quanto à confirmação duma vida feliz após a morte — mas uma constante vigília, preocupação e luta. Toda expressão de vida é luta contínua com a morte, como também toda atividade é guerra constante contra a inércia. A calma desafia o movimento, por nela estar presente a tendência da movi- mentação. Quem será vencedor: a calma que procura o movimento, ou vice-versa? Desde tua origem primitiva até hoje apenas lutaste
e enquanto assim permaneceres terás vida, mas uma vida de luta, com poucos momentos de alegria. Quando, porém, chegará a final bem-aventurança? É fácil dizer à criatura: sê feliz! A alma, no entan- to, perguntará: por quê, como e quando? Compreendeste?”
27.MATHAELFALAACERCADAALMADE CIRENIUS
Cirenius, arregalando os olhos e agarrando o orador pela mão, vira-se para Mim: “Senhor, que filosofia estranha! E no fundo, não há o que contrapor! Que dizes?”
Digo Eu: “Por que te surpreendes? Não te havia prevenido não ser fácil enfrentá-los? Prestai-lhes atenção, que isto vos facilitará a compreensão de Minhas Próprias Palavras.”
Novamente Cirenius se volta para Mathael: “Acaso poderias provar-me haver existido Deus antes dos corpos cósmicos que aca- bas de mencionar e dos quais não posso fazer ideia? Tuas palavras enchem meu coração de dúvidas!”
Diz Mathael: “Fraco habitante terrestre que és! Embora já tenhas ouvido palavras sábias, cheias de força, vida e verdade, e teres presenciado o que pode o Verbo Divino — não te é possível assi- milar sua profundeza. Permaneces algemado ao amor pela vida, e partindo deste ponto, impossível se torna encontrar a verdadeira!
Enchendo um pote de água, não descobrirás os elementos nela contidos, mesmo que a movimentes. Levando o mesmo pote ao fogo, em breve aparecerão os elementos de vapor, fazendo sur- gir pequenas bolhas na superfície — e os espíritos ainda contidos n’água se reconhecerão, pois que no líquido frio não manifestavam vida, julgando-se unidos ao mesmo. A água, por sua vez, percebe, ao ferver, que mantinha elementos de poder e força, os quais nunca teria descoberto em sua calma fria.
Tua vida por ora também é ainda pura, contudo fria e cal- ma dentro de teu corpo. Poderás movimentá-lo à vontade sem que por isto reconheças tua força espiritual; pelo contrário, quanto mais for agitado, fato comum entre criaturas mundanas, tanto menor a possibilidade da água vital reconhecer a si e a seu próximo, pois pela agitação da superfície só se vislumbrarão caricaturas.
Se teu pote com tal água for colocado sobre o fogo do amor, da maior humildade, dor e sofrimento, logo começará a ferver, com o que as tendências libertas se reconhecerão, como também seu es- tado primitivo de frieza e inércia — isto é, a alma sensual dentro do corpo frágil — produzindo neste estado milhares de bolhas, qual olhinhos espertos que observam e assimilam os elementos surgidos, não mais como portadores da inércia. O pote, meu amigo, não será considerado pelos elementos de luz, mas aceito apenas como invó- lucro externo que merece ser jogado no monturo. Compreendes o que quero dizer?”
Responde Cirenius: “Penso que sim, isto é, no que se refe- re à aplicação da nossa vida psíquica. Foge ao meu entendimento, no entanto, o sentido mais profundo. Quererias apontar com isto a Existência Divina antes da Criação?” Diz Mathael: “Certamente; por ora, todavia, não o assimilas!”
(Mathael): “Vê, aquilo que defines como Deus, eu chamo de Água Viva, mas que não reconhece sua própria vida. Quando for levada a ferver pela chama poderosa do Amor — em si o Centro da Divindade — o Espírito Vital Se elevará acima da Água que O aprisionava anteriormente, e nisto verás o Espírito Divino pairar sobre as águas, conforme fala Moysés. O conhecimento próprio e da água faz com que o Espírito reconheça que fora desde eternidades identificado com a Água. Tal conhecimento eterno é semelhante ao ‘Que se faça Luz!’
Tão logo teu próprio espírito paire acima de tua água vital em ebulição, começarás a conhecer a tua e a Vida de Deus dentro de ti.
Todo ser teve um início, do contrário não teria surgido. Se uma existência conhecedora de si, de sua força consciente e de tudo que a rodeia não tivesse tido um começo peculiar, também não se poderia manifestar. O mesmo se dá conosco: vivemos por nossa existência ter tido princípio.
Contudo, já existíamos antes desta vida, como os vapores não surgidos dentro da água fria e calma. Do mesmo modo, a máxima potência da Vida de Deus continha uma dupla existência: primeiro, muda e apenas de consciência própria; segundo, derivada do início interno de atividade, livre e perfeitamente consciente.
A expressão de Moysés: ‘No princípio criou Deus Céu e Ter- ra, e a Terra era vazia, deserta e havia trevas em suas profundezas!’ aponta veladamente como a Eterna Potência Vital de Deus come- çou a descobrir e analisar o Seu Ser. O Céu representa a Sabedoria consciente de Seu Eu; no centro chamejante de Seu Amor, no que se entende a Terra, ainda permanecia a treva e o vácuo, portanto sem noção mais profunda do Próprio Ser.
Tal centro foi se aquecendo mais e mais, à medida da pressão produzida pelas massas do externo conhecimento próprio. Em sua máxima incandescência o centro fez surgir o vapor (o espírito) da Água Vital, que pairava livremente sobre as águas de sua preexistên-
cia muda e serena, compenetrando-Se de Sua Própria Individualida- de. Essa noção é a Luz criada por Deus para a extinção das trevas. Só então Deus Se manifestou como Verbo, e o pronunciamento do ‘Que assim seja!’ externa uma vontade plenamente consciente, um Ser no Ser, uma Palavra no Verbo, tudo no Todo! Eis o início da Fonte Primária da Vida consciente, surgida pela Vontade libérrima.
— Estás depreendendo algo do que te digo?”
29.CIRENIUSEMATHAEL DISCUTEM
Diz Cirenius: “Oh, sim; e isto em consequência duma eluci- dação semelhante recebida durante esta noite a respeito da Gênesis. Não duvido da veracidade de tudo isto; no entanto, não quero e não posso me aprofundar num tema quando se torna por demais difícil. Em todo caso, mantenho minha proposta no sentido de zelar pelo vosso futuro. Não vos faltará oportunidade para penetrardes na ver- dadeira Sabedoria — embora confesse que tal empreendimento seja mais prejudicial que salutar.
Observai-vos e dizei-me se tudo que sabeis vos trouxe feli- cidade! Penso que o homem mais feliz seja aquele que se dedica ao amor a Deus, cumprindo Seus Mandamentos. Se Deus lhe der Sa- bedoria, como a Salomon, deverá aceitá-la e dela dispor com alegria. Se há de trazer-lhe a infelicidade, preferível é toda e qualquer tolice, pela qual o coração se alegre.
Já me apoderei do conhecimento da vida eterna e do cami- nho para consegui-la; que mais haveria de querer?! Aceitai meu pon- to de vista que sereis felizes na Terra, pois com vossas lucubrações científicas jamais sentireis o valor e a ventura de serdes homens. Não é a sabedoria que nos proporciona vida, e sim o amor; permaneça- mos no amor, que não nos faltará sensação de vida. Eis minha ciên- cia e afirmo ser mais útil à existência humana que vossa sabedoria tão profunda.”
Diz Mathael: “Por certo. Enquanto a água no pote não che- ga ao fogo, seu estado perdura calmo e sereno. Tudo se modifica
no momento da aproximação do fogo, o que terá de acontecer algum dia.
Não te devem faltar os meios para teu ideal, sejas marechal de campo ou salvador. Pretendes alcançar a vida eterna sem, contudo, desejares analisá-la e reconhecê-la. Que farás? Se me quisesse casar e fugisse a todo contato com o sexo oposto, não sei como realizaria meu projeto.
Teu programa vital se concretiza na vida eterna, e receias um pequeno esforço em estudar até mesmo tua vida terrena e indagar suas bases primitivas! Caro amigo, se a vida eterna apenas depen- desse dum gesto de Deus, como se tu me desses um pedaço de pão, teu princípio seria mais vantajoso; acontece, porém, ela depender unicamente de nosso esforço!
Temos de agir e passar com nossa água vital pela do espírito, e pelo fogo, através de nossa vida de dedicação ao próximo; só então começará a ferver a água no fogo do profundo amor para com Deus, com o semelhante e, finalmente, para conosco mesmos; quando percebermos que dentro de nós existe uma força inquebrantável, surgida apenas em tal momento — usaremos de todos os meios para conservá-la eternamente.
Para este fim não é possível levar-se uma vida cômoda, seme- lhante ao dolce far niente , mas sim trabalhar, lutar e pesquisar sem trégua. Somente quando se tenha conseguido uma plena vitória so- bre a vida de inércia e inconsciência poder-se-á dizer uma palavrinha de felicidade.
Assemelhas-te a uma criatura ainda adormecida ao amanhe- cer, que os amigos de há muito tentam despertar, mas que os recebe um tanto aborrecida; quando tiveres despertado completamente, após algum esforço, compenetrar-te-ás do benefício e da alegria al- cançados por uma vida iluminada e livre. Só assim compreenderás que nossa Sabedoria é justa!”
Diz Cirenius: “Senhor e Mestre, que me dizes? Baseiam-se os conhecimentos de Mathael na verdade?”
Digo Eu: “Não te falei há pouco que deverias ouvi-lo? Se não falasse a verdade, não o teria recomendado. Continua prestando-lhe atenção; usa uma linguagem forte, mas sincera, e vos dará outras provas mais, pois até agora falou apenas em entrelinhas.”
Diz Cirenius: “Agradeço de antemão! Por ora nos classifica de ‘pobres diabos’; entretanto, afirmas que se expressou veladamen- te! Acaso não é louvável querer eu cuidar de seu futuro? Nem mais tenho vontade de ouvi-lo; sua opinião referente à vida pode estar certa, mas não é aplicável à nossa, terrena.
Os patriarcas e profetas bem se poderiam ter dedicado às coisas espirituais, pois tinham quem tratasse de suas necessidades físicas e deixasse de lado a imortalidade da alma. Recebiam apenas leis que deviam ser consideradas, sem jamais descobrir a razão da- quilo tudo.
Se tal noção serve para tantos, com ou sem expectativa duma vida espiritual, não sei por que não se presta para nós?! Neste caso deveria surgir a seguinte pergunta nos corações com verdadeiro amor ao próximo: Quem indenizará aos muitos milhões de pobres diabos que, não obstante cumprirem as leis morais, serão condena- dos à morte eterna? Se forem obra do acaso, tal ensino terá boa base; se, porém, todas as pessoas são criaturas de um Deus sábio e justo, deve haver um caminho mais prático para alcançar a vida eterna. Não existindo outro, a vida é a coisa mais desprezível que o racio- cínio humano possa conceber. Se a vida imortal é prêmio apenas para aquele que a consiga pelo esforço de outros — não exijo uma fagulha da mesma, preferindo a morte eterna!
Tua Doutrina, Senhor e Mestre, é-me agradável e valiosa, pois contém um poderoso auxílio para minha fraqueza. De acordo com Mathael, só posso recorrer a mim mesmo, pois seria meu pró- prio doador e Deus não interviria. Apenas observaria o esforço de
um pobre diabo em salvar-se das garras da morte, para galgar a vida eterna por caminhos espinhosos, escarpados e cheios de serpentes!
Não, não! Isto não pode ser! Sois tolos com tal doutrina da vida imutável! Imaginando, porém, seja o Doador da Vida como Tu, que no-la poderia restituir já na Terra, farei tudo a fim de al- cançá-la. Assim fala Cirenius, Vice-rei da Ásia, África e grande parte da Grécia!”
Digo Eu: “Amigo, desta vez te excedeste numa discussão oca. Sabes da origem destes cinco fariseus. Purifiquei-os completamente, incendiando-lhes a verdadeira Luz da Vida, obstruindo o caminho pelo qual seus hóspedes indesejáveis os poderiam perturbar. Distin- guem deste modo os mais tênues fios do Espírito em sua origem, transmitindo a todos o que, em épocas remotas, só era dado a pou- cos; como podes te aborrecer por isto?!
Dizem o mesmo que Eu, apenas de modo mais realístico. Reconhece o valor verdadeiro de suas palavras e tenta sentir-te ma- goado, se te for possível. Como o assunto se te afigura inoportuno, não ages dentro da justiça. Deixa que Mathael prossiga e verás se o que diz é prático ou não, ou contra Minha Doutrina.”
31.MATHAELEXPÕEOCAMINHOQUECONDUZÀVIDA ETERNA
Diz Cirenius: “Pois bem, veremos! Farei um implacável juiz!
Dize-me, Mathael, se os assuntos vitais são realmente o que afirmas, qual a situação dos que nunca ouviram tal coisa e a dos outros que, em épocas vindouras, tampouco terão conhecimento a respeito?”
Responde Mathael: “Muito boa, pois todos receberam e re- ceberão uma doutrina prestável para ativar a fantasia da alma. Nessa imaginação ela se fundamenta e vive uma vida de sonho, talvez por milênios. Contudo, ainda não se trata da verdadeira vida eterna; tais almas, quando desejam nela ingressar, passam no mundo dos espíritos por provas e lutas piores que as que mencionei há pouco.
Quem trilhar tal caminho em vida, alcançará o destino de- sejado por um esforço mais poderoso e com sábio rigor, o que, na melhor das hipóteses, ser-lhe-ia possível fazer apenas no espaço de séculos, caso a alma continuasse num estado de sonolência. E isto, se tudo corre bem; poderá usufruir ações de vidas de fantasias des- prezíveis, sem que consiga noção de algo real e verdadeiro além de si própria. Entretanto, as experiências dolorosas ensiná-la-ão ser ela rodeada por inimigos, contra os quais não tem defesa, pois não os vê em sua cegueira.
Um fisicamente cego, porém, sempre vislumbra alguma coisa pela fantasia de sua alma; apenas as formas não têm con- sistência, bem como a luz, para ele, não existe. Ora vê tudo ni- tidamente, ora meio embaçado e, às vezes, sua visão se apaga de modo completo.
Pelo mesmo estado uma alma passa em seu total isolamento: ora vê, ora está em trevas. Mas tampouco luz e treva lhe são algo real, mas apenas um reflexo temporário daquilo que ela assimila sem consciência e vontade, qual gota de orvalho espelha o Sol. A gota, embora iluminada, não tem consciência da luz que reflete.
O que ora digo, em nome de meus quatro companheiros, faz parte da experiência que tivemos através de grandes sofrimentos e separa a vida aparente da real, independente e verdadeira.
Tens a liberdade de escolha entre uma existência sofredora, algemada e a Vida Libérrima de Deus; tudo depende de tua vontade. É como te digo e nem Deus poderá te apresentar outras condições.
Digo mais: minha alma, que agora penetra numa visão cada vez mais apurada, vê e reconhece por si mesma o Salvador que a libertou duma quantidade de inimigos invisíveis da vida mais ele- vada e independente pela Onipotência de Sua Vida Divina; Nele Se concretiza mais que a Criação visível do Cosmos.
Ele, de toda a Eternidade o ponto central consciente de todo Ser e Vida, quer consolidá-La com a vida das criaturas; consegui-
-lo-á, porém, apenas por uma renúncia inaudita. Deixará essa Sua Existência para ingressar na Glória Eterna de toda Vida, para Si e
todos os seres. Só então tudo tomará outro rumo, recebendo uma nova ordem interna; contudo, perdurará a sentença: cada um tome o fardo de sua miséria externa sobre seus ombros e Me siga! — Compreendes?”
Responde Cirenius, ainda um pouco mal-humorado: “Sim, e não posso deixar de confessar que falaste a verdade, não obstante tais condições de vida não sejam agradáveis de se ouvir.”
32.AUNIDADEDAVIDA ETERNA
Diz Mathael: “Não resta dúvida soarem tais condições não tão agradáveis como as fábulas duma fantasia primaveril, nas quais a vida humana flutua como os pássaros ou borboletas, que oscilam de flor em flor e saboreiam o doce orvalho das pétalas. Por este mo- tivo tal existência de prazer é passageira e inconsciente. Considera a duração da vida humana: aos setenta, oitenta e noventa anos, o físico se torna fraco e pesado, bastando uma pequena moléstia para lhe trazer o fim.
Pergunto: que será depois? Quem poderia responder-te ao certo, caso não tivesses empregado todo o esforço para que teu pró- prio ser te informasse previamente? Se esta santa resposta se faz ouvir em teu íntimo, não necessitas temer a vida de além-túmulo!
Eis por que não convém deixar parada sua água vital numa frescura agradável, mas sim aproximá-la do fogo para que ferva e suba em vapores poderosos, transformando-se numa nova vida. Não obstante minhas palavras te soem desagradáveis, são a verdade ple- na, pela qual, unicamente, a criatura chegará à verdade absoluta, portadora da Vida Eterna!”
Diz Cirenius, mais conformado: “Tens razão, Mathael; reco- nheço que estás de posse do Verbo e nada há que contrapor. Apenas seria de se desejar que tua doutrina sobre a vida fosse sintetizada num sistema, pelo qual se pudesse instruir os filhos a conseguir, neste caminho, com maior facilidade, o que para o homem se torna um complicado problema.”
Diz Mathael: “Teu desejo já foi realizado em parte e ain- da mais o será no futuro, pois o Grande Salvador determinou as providências necessárias. Nós cinco já conhecemos esse trajeto; no entanto, seria difícil sistematizá-lo. Para homens como tu, talvez nos seja lícito demonstrá-lo, pois uma vez no caminho da verdade não haverá coisa que não se faça. A vida verdadeiramente livre é uma só, em Deus, no anjo ou no homem.
Todavia, existem grandes modalidades, pois uma que há pouco se tenha tornado consciente não é tão poderosa como aquela que de toda Eternidade se reconheceu e consolidou em plenitude. Tal vida é o Senhor do Infinito — e todos os corpos cósmicos de- pendem de Seu Poder, bem como tudo que produzem.
Para nós não seria possível alcançar essa meta; no entanto, conseguiremos, na união com tal Vida, fazer por nós o que realiza a Vida Eterna de Deus, por Si. Além disto, existem certas forças vitais, perfeitas, que seguem diretamente às Potências Divinas.
Acham-se elas muito acima de nossas forças, por livres e in- dependentes que as tenhamos, e se chamam anjos ou mensageiros. São representantes isolados da Onipotência de Deus; todavia, nos é possível imitá-los pela união com o Pai.
Não terás de passar por sofrimentos como o nosso a fim de entrar nessa posse, pois as almas da Terra, por ser ela sua pátria, têm maiores vantagens que as outras provindas de mundos mais perfeitos.
Foi estabelecido de Eternidades, pela Natureza Intrínseca de Deus, que este pequenino planeta deverá se tornar o palco de Sua Misericórdia — e todo o Infinito terá de se sujeitar a essa nova ordem, caso queira compartilhar da Bem-aventurança Eterna de Sua Vida Unificada! Assim, é preciso ser resignado, custe o que custar!
Realmente, se nosso sofrer não tivesse término — noção que nos veio pouco a pouco — a morte plena seria mais desejável a uma vida cruciante, mesmo com a expectativa de felicidade eterna. A finalização de nosso suplício deu-se pelo grande Salvador da Hu- manidade, precisamente antes do tempo apontado. Isso nos alegra
sobremaneira, pois reconhecemos que o Grande Espírito de Deus determinou este orbe não só para palco de Sua Misericórdia, mas para a condenação do orgulho, opulência e oposição a tudo que seja espiritualmente puro, bom e verdadeiro.”
33.PROFECIADE MATHAEL
(Mathael): “Amigo, as coisas piorarão na Terra de tal forma que o próprio diabo não se animará em visitar as sociedades huma- nas; entretanto, haverá pessoas que fisicamente cegas e surdas verão e ouvirão mais que nós, atualmente. Acumularão os vapores conti- dos n’água, utilizando-os para trabalhos pesados; por este meio farão até rodar carros de aço como se fossem flechas. Munidos da força da água, os próprios navios navegarão qual ciclones, enfrentando as tempestades. Somente rochas e bancos de areia continuarão perigo- sos às embarcações.
Pouco depois, porém, a vida humana passará por grandes vicissitudes: o solo se tornará estéril, surgirão apenas carestia, guerras e fome; a luz da Fé na Verdade Eterna se apagará, o fogo do Amor se extinguirá — e então se dará o último julgamento de fogo so- bre a Terra!
Felizes aqueles que não tiverem gasto sua força vital apenas para o lucro material, pois quando vier essa grande prova do Céu nada sofrerão, protegidos que são por tal potência. Só aí a verdadeira paz da vida e a Ordem de Deus se darão para sempre as mãos, não mais havendo divergência e atrito entre aqueles que habitem a Terra em companhia dos anjos. Se bem que não o assistiremos com nosso físico frágil e quebrantado, nossas almas testemunharão tudo que acabo de te falar.
Por mim não teria falado; sinto, porém, uma ânsia para tanto no coração de minha alma, que por certo tem sua causa Naquele que nos curou! Acaso me compreendes melhor?”
Diz Cirenius: “Oh, estamos de comum acordo, pois fiz uma conquista de inestimável valor em vosso convívio. Fica estabelecido:
cuidarei de vossas necessidades materiais, recebendo em troca vossos ensinamentos preciosos. Não deixa de ser uma troca desequilibrada, mas quem seria culpado disto? Estarás satisfeito?”
Diz Mathael: “Como não? Estamos contentes de poder ser úteis, pois nunca se deve desvalorizar uma dádiva material quando originada no Bem e na Verdade. O doador e o móvel de sua ação dão à mesma um valor de cunho espiritual. Onde há reciprocidade de favores entre o espírito e a matéria, tudo se torna espiritual, po- dendo-se aguardar em plenitude a Graça Divina.
Por isto, não te preocupes se tua dádiva material não corres- ponda à nossa, pois o espírito é senhor sobre a matéria. Esta nada mais é, no fundo, que um espírito julgado e algemado, tendo de obedecer cegamente ao Espírito Livre de Deus, de cuja Onipotência Infinita surge todo julgamento, pois somente a Ele é possível revivi- ficá-la como e quando quiser!”
Exclama Cirenius: “Estupendo! Por nenhum reino desta Ter- ra permitirei que vos afasteis! Ao Senhor todo amor e honra por Se ter apiedado de vós, proporcionando-me este convívio; sem Ele estaríamos todos perdidos!”
Concluem os cinco: “Amém, Ele merece todo louvor, amor e honra, não só da Terra, mas de todo Infinito! É Ele quem transforma tudo que criou! Seu Nome seja santificado!”
34.OSCURADOSDESEJAMQUESELHESAPONTE JESUS
Prossegue Mathael, sozinho: “Ele está em nosso meio; exis- tem, no entanto, dois que muito se assemelham, de sorte que é difícil aos sentidos determinar qual seja o Verdadeiro. Penso ser o que, por diversas vezes, falou a Cirenius, mas também é possível ser o outro, pois ambos os semblantes irradiam alto grau de Sabedoria! Este já se fez ouvir e sua palavra foi imponente, sábia e severa — portanto, poder-se-ia admitir que um homem intelectual se externasse de tal forma. O segundo ainda nada disse, talvez por não desejar ser reco- nhecido. Quem, pois, teria coragem de se dirigir a esse?” (Trata-se
de Jacob, o grande, que, como se sabe, parecia-se muito Comigo e até usava vestimenta igual.)
Às instâncias de Mathael, os quatro amigos se levantam para resolver quem se deveria dirigir ao calado. Ninguém, porém, se ani- ma; por isto, Mathael se vira para Cirenius e indaga-lhe em surdina qual de nós dois seria o Salvador, pois não deseja render honras a quem não as mereça.
Diz Cirenius: “Por ora não recebi ordem neste sentido; aliás, pouca diferença fará, porquanto Ele só vê o coração da pessoa. E os vossos já se acham bem equilibrados; quando for de Sua Vontade, apresentar-Se-á. Todavia, não duvido que, antes disso, vossa perspi- cácia vos desvende quem seja o Verdadeiro e Poderoso.”
Conformados, os cinco judeus começam a observar a zona que desconhecem, pois sabem apenas que se acham no Mar Galileu. Informa Cirenius, prestimoso: “Estamos perto de Cesareia Philippi e em terras do velho guerreiro romano, Marcus, que vos serviu pão, sal e vinho. Como não estáveis, naquela hora, bem conscientes, não pudestes percebê-lo.”
Diz Mathael: “Tens razão; só agora o mundo exterior está se tornando mais alegre e agradável, o que antes não era possível. A verdade, meu amigo, sempre será verdade! O mundo, porém, é inconstante como os homens, indignos de inteira confiança; hoje ainda tens um amigo, amanhã, como lhe transmitiram uma calúnia qualquer, deixará de sê-lo, tornando-se teu juiz incle- mente! O senhor, porém, saberá organizar tudo em benefício da Humanidade.”
35.JESUS,OHERÓI,EMCOMBATECONTRAA MORTE
Diz um outro, dos cinco: “Sim, irmão, nisto se baseia toda a nossa esperança! Ele terá de enfrentar Pessoalmente a luta contra o poder da morte, mas não se pode ter dúvida quanto à vitória certa! Conhece os limites da morte e sabe que sua única potência nada mais é que uma ânsia pela vida, embora algemada, e este único po-
der não pode lutar contra, mas, sim, para Ele e com Ele, a fim de não se aniquilar completamente!
Sendo Ele Próprio a Vida combatente, permanecerá na supre- macia contra todo poder mortal, porquanto a morte plena não pos- sui força: perdura como pedra muda na mão poderosa do atirador.
Se existe morte no corpo físico do homem, é ela, contudo, uma vida, embora em grau muito ínfimo. Tal vida aparente não lutará contra a verdadeira, a fim de aniquilar-se a si própria, mas a ela se prenderá para combater as supostas forças da morte, tal como um físico muito enfermo se agarra com avidez à taça da saúde, para prorrogar sua existência e no final ser absorvida pela própria vida.
Uma vez que a Vida se tenha concentrado, como fez por nós o ainda desconhecido Salvador, ter-se-á tornado divina e não haverá poder capaz de vencê-la, pois comporta a Onipotência!
Sabemos o que sejam a Terra, o Sol, a Lua e todas as estrelas. Tais imensos corpos cósmicos de descomunais dimensões são, ma- terialmente falando, inertes. A Onipotência de Deus, no entanto, impulsiona-os em movimentação diversa.
Que poderão fazer contra essa constante força da libérrima Vida Divina? Nada! Qual poeira tocada pela tempestade são eles compelidos em órbitas imensas, sem poder de reação. Eis por que Ele vencerá — e, realmente, já venceu de há muito! Para dar opor- tunidade às criaturas de compartilharem na vitória da Vida contra a morte, será travada uma nova e última luta.
Assim, vejo gravados sobre todo Infinito os seguintes dizeres, numa luminosidade eterna: ‘Ele, a Própria Vida Eterna, venceu para sempre a morte com as armas da morte, pois era preciso que esta vencesse a si mesma para libertar a Vida, por Ele, o Guerreiro de Eternidade!’ Por isto, Salve, Tu Grande Uno!”
Tais palavras comovem os presentes de sorte que se jogam a Meus Pés, acompanhando as exclamações ouvidas! Só então os cinco Me reconhecem e Mathael, banhado em lágrimas, diz, profunda- mente enternecido: “Tu! Tu és o Grande Eterno! Que sensação para nós, mortos, vermos o Único Vivo!” Em seguida se cala, contrito.
Digo Eu aos prostrados: “Levantai-vos, amigos e irmãos! Vossa veneração é justa, pois é dirigida Àquele que está em Mim — o Santo Pai de Eternidade! Estando Ele sempre em Mim, como Eu e vós também estamos Nele, deveríeis permanecer constantemente a Meus Pés, o que por certo não seria agradável, nem para Mim nem para vós. Basta que para sempre Me creiais e ameis como vosso me- lhor amigo e irmão, agindo de acordo com Meu Verbo.
O que passa disto não tem valor, porquanto não vim ao mun- do para que Me tributásseis uma veneração beata e deífica, como se fora Mercúrio ou Apollo — mas para curar todos os doentes de cor- po e alma, mostrando o caminho certo à Vida Eterna! Apenas isto; o resto é inútil, tolo e idolátrico.
Verdade é que a criatura deva adorar a Deus, seu Criador, sem cessar, pois Deus é Santo e merece ser venerado. Deus, porém, é Espírito e só pode ser adorado em Espírito e Verdade. Isto quer dizer que se deve sempre crer no Deus Verdadeiro, amá-Lo acima de tudo e cumprir Seus fáceis Mandamentos. Quem assim agir ora, não só incessantemente, mas também em Espírito e Verdade, pois sem a devida ação toda prece de lábios é simples mentira, com que Deus é desonrado.
Levantai-vos como criaturas livres, Meus irmãos e amigos! Não Me idolatreis nem denuncieis ao mundo antes do tempo, pois redundaria em prejuízo, ao invés de benefício.”
Todos se erguem e Mathael toma a palavra: “Realmente, só Deus, de máxima Sabedoria e Amor, pode assim falar. Como se modificou meu modo de pensar e sentir! — Senhor, atende meu pedido: jamais permitas que nossas almas passem por prova- ção como esta, da qual Teu Amor, Misericórdia e Onipotência nos salvaram!”
Respondo: “Permanecei em Mim através do cumprimento de Meu Verbo, que Meu Poder e Amor estarão em vós, protegendo-
-vos contra qualquer tentação.
Meus discípulos anotaram o bastante para tal fim; lede-o, compreendei e agi de acordo — eis quanto necessitais antes de Mi- nha Elevação!” — Os cinco judeus se acomodam.
Eu, porém, viro-Me para Cirenius: “Amigo, com estes nossa tarefa está concluída; veremos em que consiste a culpa dos outros contra as leis de Roma. Prepara-te — sua questão não é fácil!”
37.PONDERAÇÕESDEJULIUSQUANTO AO
INTERROGATÓRIODOSOUTROS CRIMINOSOS
Indaga Cirenius: “Que se deve fazer com estes cinco, quase desnudos? Temos algumas peças de roupas de pessoas graduadas; portanto, não lhes poderei oferecer. Dar-lhes indumentária de ser- vos romanos seria reduzi-los, em virtude de sua cultura espiritual. Que fazer?”
Digo Eu: “Uma roupa não tem outra finalidade que a de cobrir o corpo, tanto de pompa como de serviçal. Contudo, prefiro a última, pois com a outra seriam alvo do riso do mundo, o que não merecem por já serem bons, conquanto dificilmente no mundo alguém possa ser bom! Com o tempo ainda terão de suportar o es- cárnio por causa de Meu Nome; assim, não quero que o suportem por causa do mundo.”
Atencioso, Cirenius manda distribuir as melhores roupas de serviçais entre os cinco judeus. Eles se externam com gratidão, pois afirmam que Eu haveria de recompensá-lo. Em seguida retiram-se a fim de se vestirem. Quando de volta, todos nos dirigimos aos deten- tos políticos, ansiosos por nossa presença.
Em lá chegando, jogam-se por terra, pedindo perdão. Tra- ta-se de oito implicados, porquanto os demais haviam sido casual- mente presos em sua companhia. Digo Eu a Julius: “Amigo, cabe a ti interrogá-los e chamá-los à responsabilidade.”
Aflito, este responde: “Senhor, embora tais assuntos nunca me houvessem causado dores de cabeça, este me deixa um tanto perturbado: Tua Presença, a dum anjo, de Cirenius, de Teus bons
discípulos, da sábia Yarah — e dos cinco! Ainda assim devo inter- rogar os criminosos? O pior de tudo é que nem sei o motivo de seu aprisionamento. São apenas mensageiros do Templo, incumbidos da disseminação de calúnias contra Roma. Como obrigá-los a confes- sar, se não existe testemunha?”
Intervém Mathael: “Isto é de menos, pois somos testemunhas reais a seu favor. Vimos que lhes foi imposta tal incumbência sob risco de beberem a água maldita; isto se deu quando fomos enviados, simultaneamente, para a conversão dos samaritanos. São tão inocen- tes quanto nós. Podes interrogá-los sem temer nossa ‘alta sabedoria’.”
38.O INTERROGATÓRIO
Aliviado com as palavras de Mathael, Julius se volta e diz aos prostrados: “Erguei-vos sem susto. Homens como vós devem ter coragem de enfrentar até a morte. Nós, romanos, não somos tigres nem leopardos, mas uma coisa é certa: não há crime mais conde- nável que a mentira! Castigamos o falso testemunho com a morte! Por isto, dizei-me a verdade, que eu, como vosso juiz designado por Deus, tratarei de vos salvar. Levantai-vos!”
Eles obedecem com dificuldade, pois estão ainda algemados. Eis que digo, em romano, a Julius: “Soltai-os primeiro; a língua dum aprisionado também é presa.” Assim fazendo, Julius indaga dos doze: “Quem sois? Onde nascestes?”
Responde um, em nome de todos: “Senhor, não temos docu- mentos. Se quiserdes dar crédito às minhas palavras, somos templá- rios amaldiçoados devido à beatitude tola de nossos pais e nascemos em Jerusalém. A Lei de Moysés em relação aos filhos deveria passar por uma reforma, isto é, evitar que fossem sujeitos à obediência pa- terna, uma vez que tivessem alcançado um raciocínio próprio no convívio com pessoas esclarecidas. A infelicidade de muitos deriva do orgulho tolo dos pais.
Em virtude de termos cumprido tal Lei — a qual, por certo, o profeta não recebeu de Deus — enfrentamos-te como criminosos,
juiz que és sobre vida e morte! Belo resultado da cega obediência aos genitores! Se falarmos com sinceridade das nossas ações maldosas, não haverá Deus que nos salve de vossas leis!”
Diz Julius: “Amigos, isto não faz parte do interrogatório! Bas- ta que respondais!”
Intervém Suetal, o orador do grupo: “Nobre senhor, num julgamento mortal tudo participa. Não podemos negar nossa culpa contra Roma e não a poderás ignorar. Como os romanos, com toda severidade, são mais humanos que os senhores do Templo, a cujo assobio até Deus obedece — pretendemos não só confessar nosso delito, mas sim esclarecer-vos o móvel de sua consumação. Desde que trocamos a água maldita pela ordem de rebelião contra Roma, tornamo-nos uns pobres diabos.”
Indaga Julius: “Que derivou tamanho castigo?”
Diz Suetal: “A denúncia de sermos amigos ocultos de Roma; para escapar à delação, declaramos ser vossos inimigos — nossos ve- lhos tiveram de pagar a multa de várias centenas de libras de prata e mil bodes, dos quais, na certa, nenhum foi parar no Jordão, pois fo- ram expedidos, como José, para o Egito, a fim de serem saboreados.
Eis a causa de nosso delito; se tivéssemos tomado a água maldita, de há muito faríamos companhia a Abraham; como fo- mos perdoados pelo Templo, tal visita será feita agora! Dentro em breve ouviremos tua sentença — e o fruto prometido pela rigorosa observação do 4º Mandamento será assim intitulado: ‘Que se pro- longuem teus dias na Terra!’ Caso sejamos crucificados, pedimos-te que faças pregar esses dizeres no madeiro!”
Diz Julius, intimamente sorrindo: “Pelo que vejo, culpais unicamente o 4º Mandamento de Moysés; percebo, contudo, que não quereis ou podeis entendê-lo. A Lei manda que se honre aos ge- nitores, mas, em absoluto, que se lhes obedeça como a um soberano. Como homem de vastas experiências, deduzo que um justo amor a meus pais, ainda vivos, seja a veneração precisa, imposta por Deus.
Se, portanto, pais ignorantes exigem algo que possa acarre- tar prejuízo para os filhos, torna-se dever destes expor-lhes o resulta-
do negativo, com amor e paciência. Não desistindo de seu tolo rigor, o não cumprimento por amor justo não é pecado diante de Deus e dos homens.
Além disto, deu Moysés uma explicação quanto à obediên- cia filial na Constituição Teocrática, onde apenas é aplicável quando não infringe a Lei. Isto justifica o Mandamento de Moysés — e a culpa consiste na ignorância de vossos genitores e na vossa incom- preensão do mesmo. Ou, então, a culpa também pode se basear em vossa estultice, o que será esclarecido em breve. Vossa explicação hu- morística demonstra pendor para chalaças de mau gosto, e desculpas desta ordem nunca são por nós aceitas. Assim, tratai de apresentar outras, de cunho verdadeiro.”
39.SUETALFALA DO TEMPLOE DO SALVADORDE NAZARETH
Esta reprimenda deixa os ouvintes perplexos, não sabendo Suetal como reagir. Depois de algum tempo diz: “Tanto tu quanto eu estamos com razão! Se desde o berço ensinas à criança que dois e dois são cinco, ela te acreditará, tornando-se difícil tirar-lhe esta noção quando adolescente. Quem, até hoje, teria nos explicado a Lei como tu? Não deveríamos interpretá-la como nos foi ensinada? Nossos velhos não a entenderam de outra maneira e mesmo o Tem- plo não o fez ou quis. Donde, portanto, buscar a justa compreensão? Além disto nunca deparamos com os Livros de Moysés, como futu- ros templários, pois tal só é permitido aos anciãos e escribas.”
Diz Julius: “Deveria se supor que os servos do Templo en- tendessem sua religião! Sempre considerei de suma importância conhecer as diversas doutrinas, porquanto traduzem a índole dum povo. Além disto, já não sois adolescentes, mas homens, dos quais se espera que venham compreender sua seita como sacerdotes. Que se ensina nas sinagogas?”
Responde Suetal: “Ensina-se a ler, escrever e contar, diversos idiomas e um extrato da Escritura Sagrada, no qual se exige, rigoro-
samente, aceitar o que o Templo impõe e divulga como Emanação Divina. Assim, pergunto de onde deveríamos tirar uma compreen- são mais profunda. Contigo tal não se dá, pois és soberano e podes ordenar que te desvendem os segredos templários. O reitor sabe que investigarás tudo a fundo e aquilo que o aguarda caso descubras algo oculto; por isto te revelará até o Santíssimo, no qual apenas o Sumo Sacerdote pode penetrar — conforme a crença do povo — duas vezes por ano. Se um dos nossos fizer tal exigência, enfrentará a água maldita.
Existe uma certa casta de servos que já viu o Santíssimo; é, no entanto, muito bem paga e, além disto, ameaçada com a morte em caso de traição. Portanto, repito: donde deveríamos buscar a ver- dade sobre nossa Doutrina mística? Penso que como juiz humano farás julgamento justo sobre nossa questão. Sabes em que consistem nossos crimes e qual a culpa que nos cabe. Se tiveres outra acusação, externa-te, que nos saberemos defender!”
Diz Julius, calmo: “Longe de mim duvidar de vossas pala- vras, pois estou mais que convicto de que falastes a verdade quanto ao Templo; neste sentido o interrogatório terminou e vos declaro isentos de culpa.
Existe outro ponto duvidoso, de cujo esclarecimento depen- de nossa futura amizade! Naturalmente já vos falaram acerca dum certo Jesus de Nazareth, filho dum carpinteiro que realiza grandes milagres como Salvador, divulgando, ao mesmo tempo, uma Nova Doutrina. Dizei-me o que sabeis sobre isto!”
Responde Suetal: “Realmente, ouvimos falar de longe, sem precisarmos informes mais concludentes, porquanto nossa tarefa nos levou a outras zonas e só há poucos dias chegamos aqui, onde nos prenderam. Sabemos apenas que sua fama se estende até Da- masco e Babilônia — e gostaríamos de saber como consegue realizar os milagres.
Se Deus existe, não é possível assistir por mais tempo às per- versidades templárias, pois deve nos mandar um Salvador! Afirmo-
-te: tudo que um homem, em sua mais profunda depravação, possa
imaginar, é praticado entre as muralhas do Templo. Vícios incon- tidos são contaminados à Humanidade dum modo tão cínico que não podes conceber. Nem quero fazer menção à mais vil deturpação das Leis Divinas; inventaram-se crueldades horrendas, com as quais Moysés nunca sonhou!
Assim sendo, de há muito necessitamos dum Redentor, não para nos libertar dos romanos — pois sois nossos benfeitores — mas dos dragões do sinédrio. Poderia haver pensamento mais atrevido que o de ter dado Deus, o Onipotente, ao mais nojento verme todo poder, de sorte que pudesse este agir contra a Própria Divindade e Suas criaturas como bem o entendesse?! Externamente ostenta a mesma face consoladora, como na época de Salomon; no íntimo nada mais é que um verdadeiro inferno! Nada adianta comentá-lo; preferimos ouvir de ti definições sobre o Salvador!”
40.PORQUEOSACUSADOSVIERAMÀ GALILEIA
Diz Julius: “No que diz respeito às traficâncias do Templo, nada de novo nos informais e a hora do castigo não está longe. Até então não o chamamos à responsabilidade em virtude da cegueira do povo, que o considera um santuário. Quando a maioria tiver melhor noção, será fácil para Roma destruí-lo. Para este fim contribuirá a nova e verdadeira Doutrina do Salvador, pois é de fácil compreensão para os de boa vontade. Se, porém, a índole das criaturas já estiver pervertida, não poderá aceitar estes Ensinamentos Divinos; eis então chegado o momento para o uso da espada de Roma, e o Braço de Deus ali estará! — Agora, outra coisa: quais os resultados de vossa rebelião contra o Império e o que vos trouxe à Galileia?”
Responde Suetal: “Nossa ação se concretiza em disseminar as traficâncias templárias e nesse empreendimento demos precisamen- te com uma zona mui devota. Dentro em breve iríamos ser espio- nados e só nos restou fugir. Conseguimos isto noite fechada e após alguns dias de marcha aqui chegamos. Não levou tempo e travamos conhecimento com pessoas que, hipocritamente, queixavam-se do
jugo romano. Devido à nossa incapacidade de percebê-lo, caímos na armadilha e fomos presos pelos esbirros. Eis tudo.”
Diz Julius: “Mantenho minha decisão anterior, declarando-
-vos inocentes. Quais são vossos planos atuais, já que não podeis voltar ao Templo?”
Diz Suetal: “Senhor, eis uma questão difícil! Dá-nos tempo para refletir.”
Vira-se Mathael para Suetal: “Dar-te-ei um conselho, cuja aceitação reverterá em teu benefício.”
Indaga aquele: “Não és um dos nossos cinco companheiros?” Mathael o afirma e continua o outro: “Como podes então nos acon- selhar, se foste acorrentado como possesso? A bordo te portaste, ora como touro, ora como tigre! Como te é possível falar tão razoavel- mente? Quem te curou? Ah, já sei! O juiz que acaba de nos absolver falou a respeito dum Salvador de Nazareth. Sem o perceberes és uma prova, com teus cinco companheiros, da ação milagrosa daquele ho- mem. Por certo está aqui! Esclarece-nos, antes de teu conselho a respeito de nosso futuro!”
41.MATHAELCONTASEU PASSADO
Diz o interpelado: “Amigo, fomos colegas no sinédrio, cum- primos o mesmo destino, sendo o vosso a zona do Sul, e o nosso, a do Este. Lá caímos nas mãos de hordas diabólicas e nosso físico foi usado para sua morada. O Grande Salvador, todavia, curou-nos através de Seu Verbo Onipotente.
Acha-se Ele em nosso meio, mas ainda é cedo para O conhe- cerdes. A hora precisa para tanto, Ele Próprio a determinará; assim sendo, qualquer indagação será inútil.
Sois filhos do mundo, mas podeis ingressar na verdadeira Fi- liação Divina, no que estes senhores de Roma vos auxiliarão. Isto porque o Vice-rei Cirenius também se acha aqui.
Lá atrás se encontra um grupo de trinta templários, os quais pertencem à legião estrangeira, como legítimos romanos. Fazei o
mesmo, que vos salvareis, podendo viver fisicamente como tais e, pela índole, como judeus verdadeiros. Compreendeis?”
Diz Suetal: “Sim, sim! Teu conselho é bom; mas o politeísmo romano...”
Interrompe Mathael: “...é mil vezes melhor que a crença tem- plária! Dize-me, qual seria o sacerdote, crente verdadeiro de Deus? Servem todos ao pecado e aos demônios. De há muito perderam a vida de sua alma; portanto, como poderiam demonstrar e transmitir sua imortalidade?
A verdadeira vida deve ser descoberta pela luta da mesma contra a morte, pois adquire em tal porfia estabilidade cada vez mais ativa. Como, pois, poderia um morto demonstrar-te a vida, que ja- mais reconheceu dentro de si? No Templo de há muito reina a morte definitiva; aqui, porém, a Vida Eterna! Os romanos conseguirão se aperceber desta verdade, enquanto o Templo permanecerá nas tre- vas. Assim, que é melhor entre as duas alternativas?”
Profundamente admirado com a eloquência de Mathael, Suetal vira-se para Julius, dizendo: “Nobre senhor, perdoa a demora de minha resposta; as palavras de Mathael nos tocaram o fundo da alma, de sorte que não podemos formar ideia precisa.”
Diz Julius: “Ouvi-o, pois! Sabe mais que eu, e melhor vos poderá aconselhar.”
Responde Suetal: “Já o fez — e depende de ti aceitar-nos na legião estrangeira.”
Diz Julius: “Está bem! Contudo, vosso amigo é capaz de ainda vos transmitir conhecimentos profundos.” — Afirma o outro: “Sim, não resta dúvida; a origem de seu saber, porém, é inexplicável.”
42.ALMAE ESPÍRITO
Diz Mathael, que ouvira as últimas palavras: “Liberta tua alma de todos os laços mundanos, que compreenderás facilmente de que maneira ela consegue alcançar a máxima sabedoria. Enquanto
permanecer encoberta pelo mofo mortal, isto é, o corpo, não será possível se falar ou vislumbrar uma fagulha da Sabedoria Divina.
Lá, na vossa frente, vês um tronco. Se o usares como assento, nem em mil anos terás dado um passo: apodrecerás junto dele. Tudo que é inerte tem de ser destruído, a fim de passar para outra esfera de vida. Se, porém, tomares um navio e te puseres ao leme, em breve al- cançarás um país desconhecido, onde obterás novos conhecimentos que enriquecerão teu tesouro de experiências. Enquanto te preocu- pares pelo físico e por uma vida agradável e confortável, permane- cerás sentado no tronco; renunciando ao excesso de cuidado pelo corpo, preocupando-te unicamente com a vida da alma e do espíri- to, embarcarás no navio da vida, para teu progresso. Compreendes?”
Diz Suetal: “Mas alma e espírito não são idênticos?”
Responde Mathael: “Amigo, se ainda ignoras que em cada alma reside um espírito vital, estás longe de compreender donde me vem este escasso conhecimento. Será difícil falar-te, pois não ouves nem vês de ouvidos e olhos abertos.
A alma é apenas um invólucro da Vida de Deus, mas não a Vida Mesma; pois, se assim fosse, como poderia um profeta falar, tanto da obtenção da Vida como da morte eterna? A alma consegue a Bem-aventurança apenas no caminho da virtude espiritual; por- tanto, é somente invólucro, e nunca a Vida Mesma.
Existe uma fagulha no centro da alma, denominada Espírito de Deus ou a própria Vida. Essa fagulha tem de ser alimentada com o Verbo do Pai. Deste modo cresce e torna-se mais poderosa dentro da alma, nela penetrando completamente. A alma, então, transfor- ma-se em espírito, reconhecendo-se a fundo.
Neste estado também é conhecedora da Sabedoria Verdadei- ra, que é a luz do Espírito em seus olhos. Quando, porém, alguém indaga o que é o espírito — como poderá fazer penetrar sua luz nessa alma cega?!”
Diz Suetal: “Amigo, peço-te que silencies até que possamos as- similar tua sabedoria. Para tanto é preciso um grande preparo, que por ora ainda nos falta. Contudo, desejamos nos tornar teus discípulos.”
Diz Mathael: “Uma boa e sincera vontade é quase meio ca- minho andado para a obra a realizar; deve a criatura, porém, não permanecer apenas na boa intenção, mas pôr mãos à obra, do con- trário o incentivo esfria com o tempo, tornando-a incapaz para a realização de qualquer objetivo.
Vê, enquanto a água está fervendo, pode-se cozinhar vários frutos, transformando-os em bom alimento; nada feito, porém, quando a água estiver morna ou fria.
É, portanto, a vontade do homem comparável à água ferven- do dentro do pote. O amor a Deus e ao Bem que Dele deriva é o justo fogo que leva a ferver a água vital (alma). Os frutos, no entan- to, são as boas ações ainda não realizadas, pois necessitam ser cozidas enquanto a água se achar em ebulição.
Eis por que se deve pôr em prática o que se deseja, do contrá- rio a vontade permanece mentira diante do espírito — e da inverda- de jamais surgirá uma verdade.
Esta é a vida, a mentira é a morte; por isto, procura em tudo a verdade, fugindo à mentira dentro e fora de ti! Acaso aquilo que imaginas possuir representa algo de real?! Digo-te: é nada, e o nada não tem vida!
Se tencionas construir sem material e operários, que aparên- cia terá tua casa? O material constitui as obras e ações duma vontade viva, e os operários representam a própria vontade ativa, construin- do com tuas obras justa morada. Terás assim uma casa verdadeira, sendo tua Vida real em Deus, eternamente indestrutível. Jamais se edificará algo com pouco esforço, muito menos a Casa da Vida do Espírito! Deste modo, necessário é ser ativo com todas as forças dis- poníveis para a edificação de nossa futura morada.
Consta ter Noé iniciado a construção da Arca com muita morosidade; percebendo isto, seus adversários destruíam à noite o que havia feito de dia. Só depois de muitos anos começou Noé a trabalhar dia e noite com auxílio de guardas; assim, o trabalho se fez
rapidamente e a Arca protegeu, como se sabe, seus fugitivos contra a morte certa.
Digo-te com sinceridade: somos todos qual Noé, e o mundo com suas mentiras e hipocrisias é o constante dilúvio. Para que não sejamos tragados, necessitamos trabalhar na consolidação de nossa alma, a fim de mantermos e completarmos sua vida espiritual, pro- vinda de Deus.
Quando o dilúvio das tentações mundanas sumir na pro- fundeza de sua própria nulidade, o espírito surgirá potente dentro da alma, criando liberdade sem par na esfera pura e neocriada; uma obra nova, sem a ameaça do perigo de salteadores, abençoando, com Deus, todo o Infinito! Assimilaste este quadro?”
44.OSENHORCUIDADOS PRISIONEIROS
Perplexo, Suetal se vira para Julius, dizendo: “Senhor, é in- compreensível onde este homem foi buscar tão profundo saber, pois, durante a travessia para aqui, portou-se como louco! Como se pode explicar?”
Diz Julius: “Não sabes que para Deus todas as coisas são possíveis? Considera suas palavras e saberás dentro em breve a ma- neira pela qual se consegue tamanha sabedoria. É preciso empregar a máxima atividade para nela penetrar, pois não há ciência que a explique.”
Diz Suetal: “Está bem; onde, entretanto, é possível achar-se o caminho certo?”
Responde Julius: “Ainda é cedo e até a noite tereis oportuni- dade para conhecer tal caminho. Enquanto isto meditai e usai vossa liberdade, que já vos declarei inocentes; nunca, porém, tenteis agir contra nós, que o castigo virá na certa!” Voltando-se para junto de Mim, Julius indaga se sua atitude estava dentro de Minha Ordem.
Digo Eu: “Que diz a voz do amor em teu coração?”
Responde ele: “Está plenamente feliz e ao mesmo tempo pre- ocupado para levar estas criaturas ao bom caminho.”
Digo Eu: “Neste caso tudo está na melhor ordem e não será difícil achar algo de bom para seu futuro; todavia, terão de passar por algumas atribulações. A ideia de enquadrá-los com os outros na Legião Estrangeira é boa; devem apenas achar meios para o progres- so espiritual, a fim de que, em breve, possam vos prestar bons ser- viços através de sua compreensão apurada. Não convém ficarem na Galileia, pois o Templo saberá de sua apostasia e obrigará Herodes a lhes fazer caça. Verificando-se, porém, o fato de não os encontrarem, declarar-se-ão perdidos esses quarenta e sete membros do sinédrio. Assim, tanto eles quanto vós, romanos, estareis salvos!”
Indaga Cirenius: “Não estariam seguros em Tyro ou Sidon? Lá vivem poucos judeus.”
Digo Eu: “Sim; melhor seria, porém, a África ou uma cidade no Pontus Euxinus.”
Diz Cirenius: “Muito bem, descobrirei um lugar seguro contra a perseguição judaica.” Intervém Julius: “Os cinco me com- padecem, pois sua sabedoria é extraordinária e em seu convívio po- der-se-ia alcançar mais rapidamente o verdadeiro destino.”
Digo Eu: “Amigo, os únicos indicados, caminho e destino, sou Eu! Quem deu aos cinco o que possuem? Eu! Se Me é possível transformar cinco loucos em sábios, quanto mais não farei contigo, que és normal!
Eu sou a Verdade, o Caminho e a Vida!Possuindo-Me, para que fim necessitarias daqueles curados? Prestarão grandes serviços à Humanidade, por Mim e em Meu Nome. Tu não pre- cisas deles, quando vivem em Genezareth Ebahl, Yarah e Raphael! Onde, na Terra, haverá um lugar mais bem provido, espiritual- mente falando?
Ouviste Suetal indagar como e por quem os ex-criminosos se integraram na máxima sabedoria; para eles, tal fato é um mistério, o que não se dá contigo. Assim, como podes tomá-los por quase tão sábios quanto Eu?”
Diz Julius, meio surpreendido: “Fui tolo, Senhor, e Te peço perdão!”
Digo Eu: “Nada tenho a perdoar; basta que tenhas estabe- lecido a ordem interna, que todos teus pecados te serão remidos. — Manda trazer pão, vinho e sal para estes doze, que até agora foram alimentados pela Minha Onipotência.”
45.CURADUMARTRÍTICO,NOPRADO MILAGROSO
Mal os curados avistam os alimentos, manifesta-se neles fome voraz, que leva Julius a observar: “Não comais com muita avidez, se desejais ficar sãos.” Eles prometem se alimentar com parcimônia, contudo acabam com a farta ração em breves instantes. Pedem assim algo mais.
Diz Julius: “Por ora é só; dentro em pouco almoçamos.”
Diz Suetal: “Ótimo; confessamos, porém, não poder pagar ao hospedeiro.”
Diz Julius: “Como súditos de Roma, não necessitais de vos preocupar com tal despesa: o hospedeiro foi previamente indeniza- do por muitos anos, tanto que podemos ser hóspedes por mais de doze meses e ele ainda levará vantagem.”
Dizem os doze: “Amigos, vossa linguagem é bem diferente da do Templo, onde se jejua, a fim de se poder orar, até que o estômago comece a protestar. Os graduados, porém, alimentam-se diariamen- te, em honra de Jehovah! Viva Roma e seus dignitários!”
Diz Julius: “Muito bem, amigos! Sois de boa índole, embora ainda mesclada de amor-próprio, coisa que, com o tempo, tenderá a desaparecer. Por hoje fazei-vos expectadores dos acontecimentos prestes a se desenrolarem!”
Os outros indagam entre si quais seriam os fatos extraordi- nários que se dariam, e o loquaz Suetal observa: “Ora, que será?! Por certo os romanos farão realizar alguns jogos olímpicos, aos quais poderemos assistir com seus novos conterrâneos.”
Diz um outro: “Qual nada! Sei positivamente que três dias antes de vossa chegada se deram fatos inéditos nas montanhas de Genezareth: o pelo comandante romano mencionado Salvador ha-
via lá curado pessoas das mais variadas moléstias, apenas por sua palavra poderosa!
Tenho um irmão, ora herdeiro único dos bens de nosso pai, que há anos padecia de reumatismo gotoso, não podendo sentar-
-se, deitar ou andar. Por este motivo vivia dependurado num cesto forrado de palha. Às vezes gritava dias a fio para depois desmaiar de dores, assemelhando-se a um morto. Tudo se fez para sua melhora, recorreu-se até à água do Lago Siloah — tudo em vão!
Quando se espalhou em nossa zona o boato das curas mi- lagrosas do Salvador, conduzi o meu mano até Genezareth com au- xílio de meus empregados. Qual não foi nossa decepção quando, ao lá chegarmos, informaram que ele havia seguido para u’a montanha próxima e ninguém sabia quando estaria de volta. Chorando de tris- teza, lembrei-me de pedir a Deus que curasse meu pobre irmão, uma vez que não devia ter a felicidade de encontrar o Salvador. Fiz até a promessa de desistir, como primogênito, de meus direitos, querendo servir ao mano até o fim de minha vida.
Neste ínterim se aproximaram alguns serventes da estala- gem contando que o Salvador havia curado a muitos. Em seguida havia transposto u’a montanha jamais escalada, e agora se encontra- va num prado por ele abençoado, onde todo aquele que o pisasse ficaria são.
Incontinente fiz transportar o irmão para ali — e mal se deitou na grama começou a se esticar com satisfação: as dores ha- viam desaparecido e, em poucos instantes, achava-se tão forte quan- to eu! De acordo com a minha promessa cedi-lhe meus direitos e com prazer faço todo o serviço, embora meu irmão bondoso procu- re me impedir.
Infelizmente essa alegria não perdurou, porquanto vieste, tornando-vos culpados da prisão em vossa companhia. Com este relato queria apenas chamar atenção para o Salvador, e pelo que vejo, encontra-se ele neste grupo. Assim presumo ter o comandante se referido ao mesmo. Que dizeis?”
46.AINFLUÊNCIADOSALVADOR MILAGROSO
Diz Suetal: “Poderás ter razão e eu anseio por conhecer este já célebre Salvador. Tanto a Samaria quanto Sichar falam apenas nele! No Templo, porém, procura-se dia e noite um meio adequado para exterminá-lo. Tendo ele à sua disposição as forças sobrenaturais e a amizade dos dignitários de Roma, terão os fariseus tanto poder quanto um mosquito para um elefante!
Consta ter ido ao Templo pela primavera, fazendo um verda- deiro expurgo! O povo ignorante o toma por amigo de Beelzebub; outros, por um grande profeta; os gregos e romanos, por um mago. Contudo, não convém repetir a purificação do Templo, caso não seja dotado de poderes divinos; não lhe seria possível proteger-se contra as constantes maquinações do sinédrio. Em suma, quem não enfrentar esses falsários com raios, trovões e chuva de enxofre, vin- dos do Céu, pouco ou mesmo nada conseguirá!”
Intervém o primeiro orador: “Não concordo, pois se os maio- rais não o impediram naquela ocasião, dificilmente o farão numa segunda oportunidade. Quando a vontade é amparada pela força divina, os adversários nada conseguem.”
Diz Suetal: “Amigo, não percebes isto a fundo. Durante a purificação do Templo, os sacerdotes puderam guardar várias cen- tenas de libras em outro e prata. Assim, poderá o Salvador repetir sua atitude, que ninguém o impedirá. Se, porém, atacar as fraudes descabidas daquela casta, veremos quais as consequências.
Quanto tempo faz que se aniquilou o profeta João, não obs- tante a proteção de Herodes?! O Templo meteu-se a intrigar com a mãe de Herodias, e o próprio Tetrarca se tornou assassino de seu célebre protegido. As tramas templárias impõem até um certo res- peito aos romanos; conquanto muita coisa seja denunciada, de nada adianta quando não é possível impedir as traficâncias.”
47.PALESTRAENTREMATHAELE SUETAL
Neste momento interfere Mathael, que havia assistido à con- versa: “Sois ainda muito ofuscados pelo mundo, mormente tu, Suetal, e teus setes colegas, pois nem de longe pressentis o que aqui se passa.
Não resta dúvida estar, entre nós, presente o Salvador de Na- zareth; todavia, não imaginais Quem seja verdadeiramente e proferis tolices a Seu respeito.
O homem justo não deve falar a não ser a verdade; desconhe- cendo-a, deve calar-se e pesquisar. Somente quando dela inteirado deverá se externar, pois aquele que fala sem ter reconhecido a verda- de, mente, mesmo externando-a por casualidade.
Jamais a boca dum justo deve pronunciar u’a mentira, teste- munhando encontrar-se a alma na morte, e não na vida. Portanto, quem se apraz com a mentira longe está de conhecer o valor da Vida, identificada com a Verdade. Somente esta liberta tua alma, revelan- do-te o Infinito de Deus em Sua Natureza Intrínseca e Atividade.
Se pensas e falas como acabas de fazer, testemunhas evidente- mente que tua alma habita num antro, ao invés do Grande Templo da Luz e de toda Verdade!
Em que se baseiam vossas reflexões?! Acaso não fostes avi- sados, pelo esclarecido Comandante Julius, que haveríeis de ouvir e assistir a muitos fatos sem indagações fúteis, mas sim recebê-los com amor e aplicar os ensinamentos, pois que a explicação viria por si só? E suas palavras foram justas e verdadeiras! Deixai, portanto, os comentários supérfluos e sem base e assimilai tudo sinceramente; vosso proveito será maior que se fordes divulgando mentiras, con- victos de ter falado a verdade.
Sempre é melhor perguntar que querer explicar algo sem base; mas é preciso saber a quem e o que se indaga, do con- trário cada pergunta tornar-se-á uma tolice, obtendo resposta mentirosa.
Devo possuir — através da experiência — a plena convicção de que o interpelado me possa responder dentro da verdade; além
disto, é necessário ter eu meditado se aquilo que desejo saber não é uma banalidade, demonstrando eu deste modo ignorância imperdo- ável ou, até, maldade oculta. Considerai esta regra de boas maneiras, pela qual sereis, ao menos, criaturas modestas.”
Reage Suetal, um pouco irritado: “Mathael, amigo, estás nos repreendendo sem que tivesses recebido ordem para tanto! Teu con- selho é bom e verdadeiro; falta-lhe, porém, certa amabilidade, de sorte que não nos impressiona agradavelmente. Segui-lo-emos por termos aceito sua verdade plena; contudo, opinamos não ser esta menos patente quando apresentada em vestes agradáveis.
Dois mais dois são quatro, e esta verdade se mantém quan- do externada de modo gentil! Não seria o mesmo se, ao conduzir um cego, eu lhe magoasse o braço ou o guiasse com carinho pela trilha certa. Considero mais aconselhável a última forma, pois se o agarrasse com violência poderia querer desvencilhar-se de minhas mãos, e quem sabe não cairia, provocando um ferimento maior! Te- nho razão?”
Responde Mathael: “Sim, dependendo das circunstâncias; pois se deparares com um cego à beira dum abismo, sabendo que unicamente por uma atitude brusca conseguirás pô-lo a salvo — acaso ainda conjecturarás sobre a maneira de fazê-lo?”
Indaga Suetal: “Queres com isto insinuar que estávamos es- piritualmente perto dum precipício?”
Diz Mathael: “Por certo, do contrário não vos teria pegado tão bruscamente! Vê, tudo que leva a u’a mentira já é uma inverdade; embora insignificante, é para a alma um abismo mortal.
U’a mentira sutil se torna muito mais perigosa que uma declarada e evidente. Esta não te levará a agir; a outra te obrigará a uma atitude, como se fora uma verdade, e facilmente te conduzirá à beira da perdição. Isto, todavia, só percebe aquele cuja visão interna já se tenha aberto! Assim sendo, não precisas te aborrecer por minha atitude súbita; foste rodeado por uma mentira sutil qual serpente venenosa, o que eu e meus companheiros observamos de pronto e deu motivo a esta controvérsia. Compreendes?”
Responde Suetal: “Oh, sim; e nada há que contrapor. Natu- ralmente não percebemos as relações espirituais e somos obrigados a te dar crédito, pois te encontras em base sólida. Mas que devería- mos, nós doze, fazer? Calar inteiramente torna-se insípido, e quanto à verdade, estamos longe de percebê-la.”
Diz Mathael: “Amigo, se caminhares por uma floresta densa em noite trevosa, ciente dos perigos que apresenta com seus abis- mos, não seria aconselhável esperar pela luz do dia, em vez de cair num deles seguindo a dum vaga-lume? Não é agradável pernoitar numa floresta densa, mas sempre é melhor que arriscar a vida. Que te parece?”
Diz Suetal: “Sabes que não adianta discutir contigo, pois sempre estás com a razão; por isto preferimos seguir o conselho.”
48.MATHAELFALASOBRELEIE AMOR
Diz Mathael: “Espera, ainda existe algo de importância! Se- guindo meu conselho por coação e não por amor, preferível é não o fazer, pois o que a criatura não fizer por dedicação, pouco valor terá para sua existência. O amor é o móvel principal da vida, ou seja, a Própria Vida.
Aquilo que se tornou posse do amor é assimilado pela vida. O que não for tocado pelo amor, sendo feito apenas em virtude de a criatura temer os efeitos de sua não observância ou para correspon- der a seu orgulho, pois almeja passar por sábia entre os semelhantes, não é assimilado pela vida, e sim pela morte, através dos elementos negativos.
Afirmo-te: a lei mais sábia não gera a vida se não for consi- derada por amor; o conselho mais sábio se assemelha à semente que caiu na rocha, ao invés de solo fértil, e seca sem dar fruto.
Digo-o por saber que tudo no homem é estéril — exceto o amor! Por isto, deixai-o agir em plenitude em vosso ser, sentindo-o em toda fibra; assim tereis vencido a morte, pois o que era estéril
em vós ter-se-á tornado vida indestrutível pelo vosso amor. O amor consciente é a própria vida e tudo que assimila se baseia na mesma.
De nada vos valeria a aceitação de meu conselho se o conside- rásseis unicamente pela verdade nele contida e pelas consequências que o não cumprimento vos traria; outra coisa será se amor e verda- de agem em uníssono! O amor construirá, pela luz da verdade, uma vida nova e mais perfeita, alcançando a Perfeição Divina.
Se bem que o amor, ou seja, o Espírito de Deus no homem, represente desde o início Sua Semelhança, atingirá a plena identifi- cação com Deus no caminho que vos acabo de demonstrar. Com- preendestes?”
Exclama Suetal, radiante: “Meu Deus! És realmente o maior dos profetas, pois até hoje nenhum assim se expressou. Possuis a vida verdadeira no dedo mínimo de modo mais perfeito que todos nós, em corpo e alma. Irmãos, Mathael traduz o bafejo divino e jamais poderemos agradecer a Deus condignamente por este conví- vio! Se teu saber se eleva tanto sobre o nosso, o que não esperar do desconhecido Salvador de Nazareth?”
Responde Mathael: “Que reflete uma gota de orvalho numa folhinha de erva? É a imagem do Sol, que não só ofusca, mas tam- bém age. No centro da gota se unifica a luz da imagem solar, pelo que a gota passa por uma quentura vital, dissolvendo-se, finalmente, no elemento de vida que vivifica a plantinha em luta contra a morte. Contudo, a imagem solar não é o próprio Sol — é apenas portadora de uma parte dessa força e ação, pertencentes ao verdadeiro astro.
A mesma diferença existe entre mim e o Salvador. Ele é o Sol Vital Mesmo! Em mim, como na gota de orvalho, age ape- nas a pequenina imagem do Eterno e Verdadeiro Sol, pelo qual miríades de gotas semelhantes sugam o santo alimento de vida. Compreendes?”
Responde Suetal: “Por Jehovah! Que linguagem sublime e santa! Mathael, não és uma gota, mas sim um grande mar! Nunca alcançaremos tal estado — é por demais elevado e excelso! Nessa
circunstância não nos atrevemos a permanecer, como pecadores, em vosso meio, que se torna cada vez mais santificado!”
Os outros também começam a se externar em linguagem mais humilde, fazendo menção de se afastar, no que Julius os impe- de. Suetal, porém, diz: “Senhor, quando Moysés, no monte Horeb, aproximou-se da sarça em fogo, a voz lhe disse: ‘Tira os sapatos, pois o lugar que pisas é santo!’ De modo idêntico, este local também é santificado, e como pecadores não merecemos pisá-lo.”
49.EXPLICAÇÃODOSFATOSOCORRIDOSCOM MOYSÉS
Como Julius se vê incapaz de retrucar, Mathael retoma a pa- lavra: “Quem vos falou a respeito de vosso mérito? Qual seria o livro de ciência que provasse o doente não fazer jus ao médico? Esta vossa suposição deriva da ignorância templária, capaz de fazer queimar as mãos daquele que, de forma profana, toque no limiar do Santíssimo! Quando os ilustres fariseus o fazem, contra pagamento por parte dos estrangeiros, explicando-lhes o fundo histórico — nada lhes acontece!
Que tencionava Deus, finalmente, dizer a Moysés quando o obrigou a tirar os sapatos? Ei-lo: Despoja-te de tuas tendências carnais, do velho Adam, através de tua boa vontade, a fim de que te apresentes diante de Mim como criatura puramente espiritual; do contrário, não entenderás Minha Voz, tampouco poderei fazer-te guia de Meu povo!
Que vem a ser a subida do monte? — Vede, Moysés fugia da perseguição do Faraó porque havia assassinado um alto funcionário do Rei, considerado quase como filho.
O Faraó muito estimava o profeta e não era de todo impos- sível a este ser algum dia senhor do Egito, como o fora José. Tal elevação Deus lhe mostrou no deserto pelo subir do monte, cujo cimo, no entanto, não lhe foi permito alcançar pela sarça em fogo.
Mais além consta, de acordo com a interpretação idiomática: ‘Serás o salvador de Meu povo, não pela maneira que o supões, mas sim como Eu, teu Deus, designá-lo. Não serás rei do Egito, para que
não tornes Meu povo egoísta e orgulhoso, pois que até então foi ele por Mim educado na humildade, e deve assim deixar este país, acompanhando-te ao deserto. Lá ele receberá as Leis de Mim e Eu, Pessoalmente, serei seu Senhor e Guia. Demonstrando-se fiel, dar-
-lhe-ei o país de Salém, em cujos regatos correm leite e mel.’
Deste modo Deus, em absoluto, quis insinuar a Moysés tirar seu calçado, e sim despojar-se do velho Adam, ou seja, a cupidez da criatura sensual. Esta, em relação ao verdadeiro homem, apresenta-
-se qual sapatos em seus pés e, de modo idêntico, é a indumentária mais baixa, externa e última, portanto desnecessária.
O local denominado por Deus como santo é apenas o estado humílimo da alma, sem o qual ela não poderá enfrentar o Semblante do Amor Eterno, em si um fogo verdadeiro.
A sarça ardente prova que a jornada dum profeta será espi- nhosa; seu grande amor a Deus e ao próximo, entretanto, que se estende sobre todo o arbusto, queimará os espinhos e, finalmente, tudo destruirá, produzindo caminho aberto. Eis o sentido de tuas palavras. Assim sendo, como podes julgar ser aqui um local mais ou menos santificado?
Despojai-vos também de vosso calçado mundano e humi- lhai-vos em todas as situações, que sereis tão modestos quanto nós, pois diante de Deus e Daquele que aqui Se acha presente, não há classificação meritosa.”
Ouvindo tais palavras, Suetal diz: “Para quem é compene- trado de tão elevada sabedoria, fácil é viver sem receio. Um vidente pode andar de passo lépido, enquanto um cego necessita averiguar se anda certo e, apesar de todo o cuidado, ainda corre risco de se ferir. Tendo-te como guia, Mathael, até se progredirá como cego! Assim, ficaremos — e nos alegramos com a expectativa de em breve conhecer aquele de quem testemunhaste tão eloquentemente.”
Julius, apertando amavelmente a mão de Mathael, diz: “Eterna gratidão ao Senhor, que vos curou de modo tão milagroso! Muita coisa já aprendi contigo e noto que se faz a luz em minha alma; nesta marcha, espero em breve seguir teus passos.”
Responde Mathael: “Não existe outro meio! Pois só há umDeus, uma Vida, umaLuz, umAmor, e umaVerdade Eterna, e nos- sa existência atual é o caminho para lá. Surgimos pelo amor e a luz através da Onipotência Divina, a fim de nos tornarmos amor e luz independentes; este fito tem de ser alcançado!
Como? Apenas pelo amor a Deus e uma atividade inces- sante! Este sentimento é o Amor Divino Mesmo, que conduz nossa alma a uma atividade cada vez mais elevada da verdadeira e eterna vida, em si a Verdade Plena e a Luz mais intensa. Quando, portan- to, se faz a aurora numa alma, seu eterno destino vital se acha bem próximo e não pode deixar de ser atingido, o que, em síntese, é tudo em tudo que a Vida Perfeita possa alcançar em plena liberdade e independência.
Por isto, alegra-te, nobre irmão, que em breve também tua alma vislumbrará o que a minha assimila, numa luz cada vez mais pura. Apenas no verdadeiro dia de tua alma compreenderás Aque- le que, por ora, ainda denominas com algum receio ‘Salvador de Nazareth’! Como homem é semelhante a nós — mas Seu Espírito penetra com Seu Poder a Luz no Espaço Infinito! Ter-me-ás com- preendido?”
Responde Julius, de olhos marejados de emoção: “Sim, que- rido e elevado irmão; tenho ensejo de abraçar-te, mas ao Salvador nem mais posso fitar sem chorar de amor, só agora podendo com- preender o sentimento nobre daquela menina, que por coisa alguma se deixa afastar de Seu lado.”
Diz Suetal: “Graças a Jehovah, então já não mais nos será difícil descobri-lo!”
50.DÚVIDAQUANTOÀPESSOADO SALVADOR
Nisto Yarah se levanta com Minha ordem e caminha em companhia de Raphael e Josoé, comentando a sabedoria tão extra- ordinariamente surgida na pessoa de Mathael, tanto que fez nascer entre os fariseus uma dúvida: qual dos dois ao lado da menina seria
o Salvador? Além disto, calculam ser ele um homem — e os com- panheiros de Yarah são apenas adolescentes. Vira-se um dos judeus para Suetal, dizendo: “Amigo, teu canto de vitória foi precipitado, pois essa menina, por certo a filha do hospedeiro Ebahl de Geneza- reth, que por várias vezes avistamos naquele albergue, palestra com dois jovens. Portanto, quem é o Salvador? Tal resposta não cabe à nossa sabedoria e penso ser melhor calarmos!”
Responde o outro: “Concordo, não obstante nos ter o Co- mandante Julius pregado uma peça merecida, pois sempre falamos demais!” Com isto todos se calam, meditando.
Eis que deles Me aproximo e pergunto a Suetal: “Percebi todas as vossas conversas anteriores; como sempre ocultastes vossa própria opinião quanto ao Salvador, desejava ouvir abertamente por quem o tomais. Falai sem susto, porque vos garanto: nada vos suce- derá se Me externardes vosso parecer como ao melhor amigo!”
Diz Suetal, coçando-se atrás da orelha: “A julgar por tua ves- timenta pareces grego, mas teu cabelo e barba indicam seres judeu. Conquanto o critério romano sobre os gregos não seja louvável, teu semblante é bem honesto. Como homem de algum conhecimento, compreenderás que criaturas como nós não aceitam de modo indi- ferente acontecimento igual ao que se passou.
Tudo aquilo que Mathael nos deu a entender do Salvador não é tão fácil de ser aceito por pessoas como nós e nosso critério só pode ser deficiente. Até hoje só ouvimos falar a seu respeito e de seu extraordinário poder e força. A própria cura dos cinco obsedados não foi por nós assistida, mas disso obtivemos um relato fiel por parte dos curados e do comandante.
Os efeitos excepcionais relatados por Mathael não deixaram de nos despertar a ideia de que o Salvador toque ao divino. Todavia, é fácil haver engano, levando em conta nossa carência na base cien- tífica e de sabedoria mais profunda.
A ciência de hoje já progrediu consideravelmente e à sabe- doria ninguém pode impor limites. De sorte que é bem possível ha- ver um homem em Nazareth descoberto a tal pedra filosofal. Deste
modo, poderá realizar coisas extraordinárias: remover montanhas, fazer gelar os rios, no verão; ressuscitar mortos, aniquilar milhões — tudo já conseguido por outros.
No Egito, por exemplo, tais fatos não constituem milagres; entre nós seria difícil, porquanto a magia é condenada entre judeus, a não ser quando praticada apenas para gregos e romanos, que pa- gam por estes privilégios uma boa taxa ao Templo.
Os milagres com os doentes são, de modo idêntico, inaudi- tos, pois consta estender-se até a ressurreição de mortos. Afirmo, porém, que tais fatores nada testemunham de divino. Contudo, ad- mite-se que o nazareno seja realmente um profeta ungido por Deus e realiza, assim, os milagres com o poder do Alto, pois, como judeu, jamais poderia ter tido oportunidade de frequentar a escola secreta dos egípcios ou essênios. Desta explanação poderás deduzir em que se baseiam nossas dúvidas. Achas que estamos com a razão?”
51.RECEIOQUANTOÀDIVINDADEDO NAZARENO
Digo Eu: “Em parte, e integralmente se os essênios ressusci- tassem os mortos de igual maneira que o nazareno. Entre seus dis- cípulos se acha um essênio verdadeiro, enviado para conquistar o Salvador àquele instituto ou, ao menos, bisbilhotar o modo pelo qual cura os enfermos e desperta os mortos.
Como, em breve, se certificou que tudo fazia abertamente e sem preparo artificial, mas apenas pelo velho dito: ‘Que tal se faça’, abandonou e relatou as fraudes essênias, tornando-se um adepto ver- dadeiro. Falai-lhe, que se encontra sozinho debaixo daquela árvore.”
Diz um outro, entre os oito fariseus: “Não é preciso, por- quanto conheço aquela seita bem a fundo. É deveras fraudulen- ta, todavia tem base louvável e, penso, o nazareno jamais cursou tal escola.”
Dirigindo-Me a Ribar, o segundo orador, digo: “Como te foi possível descobrir aqueles segredos, pois consta que nisso existe perigo de vida?”
Responde este: “Com dinheiro e astúcia tudo se consegue neste mundo. Claro é ser preciso possuir inteligência, a fim de ver atrás dos bastidores. Eis por que tinha vontade de fiscalizar o Salva- dor — e te garanto, não me enganará! Se for realmente o que se diz, saberemos respeitá-lo como Mathael! Intriga-me apenas o fato de ele aceitar discípulos, pois se sua atitude é divina não há quem o imite sem a Onipotência e Sabedoria de Deus.”
Retruco: “Amigo, não falas mal; entretanto, estás errado, pois a Divindade pode muito bem escolher algumas criaturas e dar-lhes aperfeiçoamento idêntico ao de Henoch, Moysés e outros profetas, para que se tornem doutrinadores, divulgando a Vontade de Deus. Assim, tua suposição é falsa! Agindo pela astúcia, terás no nazareno adversário invencível! Conheço-o e sei de sua intangibilidade!”
Diz Ribar: “Depende duma prova, pois não é de meu hábito antecipar-me sem experiência, que sempre me proporcionou um ju- ízo acertado. Acaso também és um discípulo?”
Respondo: “Nem tanto, apenas um de seus melhores ami- gos!” Durante este diálogo muitos procuram ocultar um sorriso, sem perder uma palavra.
52.DIÁLOGOENTRESUETALE RIBAR
Depois de alguns instantes, continua Ribar: “Tinha vontade de saber de um discípulo o que já aprendeu ao lado do Salvador.”
Digo Eu: “Pois não! Já está quase na hora do almoço; toda- via, ainda há tempo para uma pequena experiência, na qual preci- samente o mais jovem será o examinando e tu, o examinador! Estás de acordo?”
Responde ele: “Como não? Sem prova não se pode julgar.” Eis que chamo Raphael, de certo modo também um discípulo, se bem que seu espírito se oculte em matéria sutil. Imediatamente o anjo se posta diante de Ribar, dizendo: “Que provas exiges?” — Ri- bar começa a cogitar em algo impossível para um homem.
Digo Eu: “Então, tua astúcia está te abandonando?”
Responde aquele: “Oh, deixa estar. Para que pressa? Darei ao jovem um problema que lhe causará dores de cabeça!” Em seguida se abaixa, apanha uma pedra de várias libras e diz, sorrindo, a Raphael: “Caro discípulo do Mestre divino, do qual consta realizar coisas ca- bíveis apenas a Deus! Se já aprendeste algo de poderoso, transforma esta pedra num saboroso pão!”
Diz Raphael: “Verifica se ela ainda é pedra!”
Responde Ribar: “Naturalmente!” Prossegue Raphael: “Ten- ta mais uma vez!” — Nisto, o judeu percebe o milagre: a pedra tornara-se pão, pelo que sente-se ele apossado de pavor, sem saber que dizer. Insiste Raphael: “Prova-o, pois os olhos se deixam enganar com mais facilidade que o paladar. Distribui-o entre teus amigos para testificarem a veracidade da transformação.”
Ribar obedece ao convite, algo receoso; como o milagroso pão seja de ótimo paladar, dá uma mordida na outra parte, entre- gando a primeira aos colegas. Todos constatam seu especial sabor.
Virando-Me para Ribar, digo: “Então, amigo, que Me dizes a esta prova dum jovem?”
Diz ele a Suetal: “Irmão, fala tu, que és mais inteligente, pois isto excede meu horizonte de conhecimentos!” Diz Suetal: “Existem muitas criaturas iguais a ti: primeiro, tornam-se salien- tes pelo pouco que sabem; quando se lhes apresenta, porém, algo que não entendem, fazem papel de mulher que foi surpreendida em adultério! Que mais queres dizer, a não ser que Mathael tem razão em toda sílaba que testemunha do grande Mestre?! Se tais coisas são feitas pelos discípulos, que não esperar dele mesmo?”
Diz Ribar: “Não resta dúvida; entretanto, ensina-se no Templo que certos magos realizam coisas extraordinárias com auxí- lio de Beelzebub.”
Diz o outro: “Não me canses com tal propaganda. Não ou- viste, há pouco, Mathael afirmar que a Doutrina do grande Mestre conduz todas as criaturas a Deus, pela verdade, ação e amor? Cego, foi o pão que comeste, real ou não?
Se tivesse sido obra de Beelzebub — caso impossível — te- rias uma pedra, ao invés de pão, no estômago; sendo pão verdadeiro, de origem quase celeste, ambos sentimos reação benéfica no cor- po. Aqui não existe fraude, apenas a Vontade Poderosa de Jehovah! Como queres atribuir a Satanás coisa idêntica?”
Responde Ribar, perplexo: “Mas..., então ele não venceu no Sinai, quando lutou durante três dias pelo cadáver de Moysés?”
Diz Suetal: “Bonita vitória pela matéria de Moysés! Que mais?” Responde Ribar: “E a tentação de Adam e Eva?”
Indaga Suetal: “Queres classificá-la de milagre?! Se uma criatura te externa todos os seus encantos de modo tentador, acaso será extraordinário que caias em seus braços? Tais ‘milagres’ se dão diariamente, constituindo prova da mais ínfima naturalidade. Não se pode, assim, admitir tal hipótese, a não ser que tudo seja milagro- so desde o início da Criação! Acaso sabes de outra obra milagrosa de Satanás?”
“É difícil discutir-se contigo”, diz Ribar. “Que me dizes a respeito dos milagres feitos pelos ídolos de Babel e Nínive? Não fo- ram realizados pelo anjo do mal?”
Diz Suetal: “Para ignorantes como tu, sim; mas para ou- tros, não; pois sabiam que as vítimas atiradas durante a noite no ventre do incandescente monstro, com facilidade eram destruídas. Tais fatos podes realizar diariamente por meio de fogo intenso, sem recorreres a Satanás! Eu mesmo poderei fazer alguns, com auxílio de outras pessoas, e prescindir do dele!
Jamais poderá ele conseguir algo de proveitoso, mas tão somente aniquilar um físico já perdido, buscando em seguida sua presa condenada; por alma e espírito, nada fará, pois sua natureza é a matéria mais atrasada. Sim, poder-te-ás tornar, por ele, mais mate- rialista que já és; nunca, porém, animar tua alma! — Fala, agora, de outras provas satânicas!”
Diz Ribar, contrito: “Nada mais tenho a dizer e reconhe- ço este milagre verdadeiro que fez o amável discípulo do Mestre.
Quanto ao mais, podias ter falado mais brandamente comigo, que também ter-te-ia compreendido.”
“Está certo”, diz Suetal, “sabes, porém, que sempre me irri- to quando alguém de cultura me apresenta a fábula de Beelzebub — como se as criaturas já não fossem diabólicas de sobra — mormente numa ocasião tão excepcional como esta!”
Intervenho: “Então, fizestes as pazes?” — Respondem am- bos: “Perfeitamente!”
53.BASESDADOUTRINADE JESUS
Digo Eu a Ribar: “Qual teu critério sobre o que acabas de presenciar?”
Responde ele: “Já o externei a Suetal e confesso ter o sábio Mathael razão em tudo. Anseio por conhecer o grande Mestre!”
Conclui Suetal: “Também eu, embora aquilo que vi me sirva para toda vida. Ele não pode ser nem mais, nem menos que Deus! Isto basta! Apenas desejava ouvir algo mais de sua nova Doutrina!”
Digo Eu: “Mathael já externou dela vários princípios; além disto, se concretiza no amor a Deus e ao próximo. Amar a Deus sobre todas as coisas representa reconhecê-Lo em Sua Vontade re- velada, adaptar as ações de acordo e aplicar o mesmo tratamento ao semelhante que a si próprio. Tudo isto — naturalmente — num amor puro e desinteressado.
Deve-se prezar o bem pelo bem e a verdade, assim como se deve amar a Deus apenas por ser Ele Bom e Justo! Teu próximo tem de ser considerado, pois é, igual a ti, semelhante a Deus, portanto portador do Espírito Divino. Eis a base da Doutrina de fácil cum- primento; aliás, muito mais acessível que as múltiplas leis do Tem- plo, instituídas pelo egoísmo de seus servos.
Pelo fiel cumprimento desta nova Doutrina, o espírito al- gemado no homem se torna sempre mais liberto, se desenvolve e penetra a criatura, atraindo tudo para sua vida, a Vida de Deus, por- tanto eterna, numa bem-aventurança sublime! Toda criatura desta
forma renascida no espírito jamais verá ou sentirá a morte, pois seu desprendimento lhe será o maior prazer.
O espírito preso à alma é idêntico a um homem encarcerado que vislumbra, através dum pequeno orifício, as lindas paisagens e as criaturas livres a se alegrarem com ocupações variadas. Mas, quão feliz será quando o carcereiro lhe abrir a porta, libertá-lo de suas algemas e disser: ‘Amigo, és livre de qualquer castigo! Vai e goza a liberdade plena!’
Do mesmo modo, o espírito humano se assemelha ao gér- men embrionário dum pássaro, dentro do ovo: quando estiver ama- durecido pelo calor, dentro do invólucro que prende sua vida, ele o rompe, regozijando-se de sua livre existência. Este processo somente será alcançado pelo cumprimento rigoroso da Doutrina do Salvador.
Além disto, recebe o homem renascido ainda outras dádivas, de cuja qualidade o materialista não tem ideia. O espírito adquire Poder Divino, sendo sua vontade realizada, porquanto não existe, no Infinito de Deus, outro poder e força que os espirituais.
Unicamente a Vida Verdadeira é Senhor, Criador, Conser- vador, Legislador e Guia de todas as criaturas, razão pela qual tudo obedece ao Poder de Seu Espírito Eterno.
Acabas de ter pequena prova, portanto podes acreditar que assim seja; a compreensão do ‘como’ e do ‘porquê’ ser-te-á dada quando tiveres alcançado a liberdade de tua vida espiritual. Mathael já te demonstrou a que sorte de conclusões chega um espírito meio renascido, e com isso poderás organizar confiantemente tua existên- cia. Esta explicação te satisfaz?”
Responde Suetal: “Muito mais que a de Mathael, que nos assusta por não se ver nem entrada nem saída. Tu esclareceste o as- sunto de forma tal que não há dúvida sobre minha ação futura.”
54.UMSEGUNDOMILAGREAPEDIDODE RIBAR
Digo Eu: “Muito bem; agora, dize-Me se não tens vontade de conhecer o Grande Mestre de Nazareth, pois te poderia apresentar.”
Diz Suetal: “Falando com sinceridade, acho estar esse ho- mem, que oculta em si a plenitude do Espírito Divino, tão elevado sobre todos, que sinto até pavor de vê-lo de longe, quanto mais de perto! Já me incomoda a presença deste jovem discípulo com sua prova. Por certo não daria outra, pois quem não se convence com uma, não o fará com mil. Prefiro, assim, que volte para junto dos outros.”
Digo Eu: “Mas..., para quê? É livre, poderá ir quando quiser e nada mais tiver para fazer. Estás plenamente satisfeito, mas não teus colegas, até mesmo Ribar, embora concorde contigo. Ainda tem dúvidas quanto ao milagre e, como haja tempo, pediremos outro.”
Diz Suetal: “Ótimo! Resta saber se tal coisa está de acordo com a vontade do grande Mestre.”
Digo Eu: “Não te preocupes; responsabilizar-Me-ei por tudo. Necessário é, apenas, indagar dos outros que prova desejam, pois poderão alegar que fora previamente preparada. Concordas?”
Responde Suetal: “Falaste sabiamente, como Salomon, e também sou de teu parecer.”
Digo Eu: “Então, vamos! — Ribar, dize-me, em que deve con- sistir a segunda prova do discípulo?” Diz este: “Amigo, se ele quiser, que faça, da pedra em minha mão, um peixe da melhor qualidade!”
Digo Eu, com aparente dúvida, a Raphael: “Serás capaz dis- to?” Responde ele: “Farei uma tentativa, mas o pedinte deve se fir- mar bem, do contrário o peixe o jogará por terra. Os de qualidade, nestas águas, são grandes e pesados, de sorte que um homem difi- cilmente os contém. Se, no entanto, Ribar se firmar bem, um peixe de oitenta libras tomará o lugar dessa pedra de apenas dez de peso.”
Exclama Ribar: “Oh, não te incomodes! Sou quase um San- são e já venci outras provas! Além disso, tomei posição!”
Diz Raphael: “Então prepara-te!” Mal havia pronunciado tais palavras, um peixe enorme, que Ribar procura conter, dá um pulo tão violento que o joga de costas. Sua cauda em movimentos agitados assusta os assistentes e estes fogem em todas as direções. O próprio Ribar, que se havia levantado, não mais sente vontade de pe-
gá-lo. Um dos filhos de Marcus joga rápido uma rede, dominando o peixe para, em seguida, deitá-lo num depósito com água.
Dentro de seu elemento ele se aquieta, o que anima todos a observá-lo de perto. Ribar, então, diz: “Declaro-me vencido e acre- dito em tudo que ouvi do grande Mestre. Mathael tem razão, e este amigo também, a cuja bondade devemos estes milagres. Embora não merecêssemos assisti-los de olhos pecaminosos, agradecemos a Deus por Se ter dignado transmitir tamanho poder a um mortal. Seu Nome seja louvado!”
55.DIFERENÇAENTREOSMILAGRESDERAPHAELEOSDOS MAGOS
Diz Suetal: “Amém! Pois tal coisa nunca foi vista por um mortal. Consta que, na época dos faraós, os magos transformavam varas em serpentes, mas nós não assistimos. Vi um persa jogar um toco de madeira sobre solo arenoso, que ao se enterrar, transformou-
-se num rato. Essa experiência havia sido previamente anunciada. Mais tarde, analisando a areia, deparei com o toco intacto e, além disto, vestígios de camundongos que ali haviam sido escondidos.
O povo ignorante devotou ao mago uma veneração quase divina, enchendo-lhe os bolsos de coisas preciosas. Quando tentei elucidar alguns mais inteligentes, chamaram-me de difamador, mas deram-me tempo para fugir. Convenci-me de que tais magos era apenas uns espertalhões que se aproveitavam de seus fracos conheci- mentos da Natureza a fim de ludibriar os incautos.
Quanto aos dois milagres efetuados pelo discípulo do Mestre e as curas milagrosas dele mesmo, são tão sublimes, que não adianta a sapiência humana querer explicá-los. Eis por que aceitamos sua doutrina, mormente por nela se cumprir uma profecia de Isaías.”
Digo Eu a Suetal, já que este grupo não Me reconhece: “Também estás convicto disso?”
Responde ele: “Tenho plena certeza, pois Deus é demasiado Sábio e Bom, para transmitir o Seu Espírito a um homem apenas
para curar alguns enfermos e transformar pedras em pão e peixes. Sou levado a crer que seja o Messias Prometido pelos patriarcas e profetas. Qual é tua opinião, pois que, como grego, deves estar a par das Escrituras?”
Digo Eu: “Também concordo; apenas desejava saber do pa- recer dos outros. Indaga a Ribar, que responderá pelos colegas.”
Diz Suetal: “Agora mesmo, pois presumo que já tenha anali- sado suficientemente seu peixe!”
56.PARECERDESUETALERIBARARESPEITODE JESUS
Em seguida vira-se Suetal para o amigo, dizendo: “Ribar, tra- ta-se dum assunto importante para nós, judeus. Como conhecedor que és das Escrituras, sabes das promessas feitas sobre a Vinda do Messias. Considerando os milagres realizados pelo afamado Salva- dor de Nazareth, chega-se à conclusão de que Deus Mesmo não poderia fazer coisas mais grandiosas.
Há umas três semanas nos foi mostrada a casa de Jacob completamente reconstruída, que o nazareno havia feito surgir em poucos instantes. Fato idêntico ocorreu com a de um negociante em Sichar. Conhecemos também casos milagrosos em Genezareth, tendo assistido à cura do irmão de nosso colega e a dos cinco salte- adores. Além disto, os dois milagres feitos por um de seus discípu- los. Todas essas provas não nos levam a presumir ser o nazareno o dito Messias?”
Responde Ribar: “No íntimo também já pensei nisto. Existe, porém, um ponto a considerar: o Templo adia a Vinda do Messias por mais alguns séculos, porquanto não lhe interessa, no momento, tal fato. Os romanos, por sua vez, haveriam de querê-lo como amigo.
Por isso opino que cada um guarde sua opinião sem externá-
-la, antes que o caso seja evidenciado. Mudando de assunto, observa o tal discípulo milagroso! Está nos fitando com ares de mofa e neste momento se vira para dar boas gargalhadas! Que será? Se não fosse tão poderoso, teria vontade de chamá-lo à responsabilidade! Criatu-
ras como ele são perigosas; talvez fosse capaz de nos transformar em asnos, e que papel faríamos, então?”
Vira-se Raphael, rindo e apresentando um burro perfeito a Ribar: “O mesmo que este!”
Assustado, Ribar recua e diz: “Mas... que é isto?! Donde veio este animal?”
Responde o anjo: “Donde veio o peixe! Agora pergunto: por que vos incomodo? Acaso vos magoei?”
Diz Ribar: “Amigo, impões um grande respeito pelo teu po- der; e já que não queres voltar para junto de teu grupo, descreve-nos, ao menos, a aparência do grande Mestre de Nazareth!”
Afirma Raphael: “Bem que o quisera; mas, com todo po- der conferido por Ele, não me é permitido falar antes do tempo. Há pouco vos aborrecestes com meu sorriso, que em absoluto tinha maldade. Existem momentos em que um espírito puro é levado a sorrir da cegueira humana, isto porque o homem, muitas vezes, não enxerga de olhos abertos!”
Diz Ribar, admirado: “Tal se dá conosco?”
Responde Raphael: “Sim, espiritualmente! Dize-me, por que temeis travar conhecimento com o Grande Mestre?”
Intervém Suetal: “Ouve, jovem discípulo, a razão é a se- guinte: se tua presença já se torna assustadora, quanto mais não seria a de teu Mestre?! Somente sua doutrina ser-nos-á útil; uma vez mais equilibrados, será nossa maior felicidade conhecê-lo pessoalmente. Este burro espantoso poderás ofertar ao hospedeiro, já que não lhe podemos pagar!”
Diz Raphael: “Ora, fazei-o vós mesmos: dai-lhe o burro e o peixe, criados por vossa causa!”
57.OSENHORPROMETEAPONTARO SALVADOR
Nisto aproxima-se Marcus para nos convidar ao almoço. Diz-lhe Suetal: “Amigo, não temos com que pagar nossa dívida; acontece, porém, que um discípulo do Salvador fez surgirem um
peixe colossal e um burro, por nossa causa. Como ambos não sim- bolizam sabedoria, deduzimos daí uma boa lição. Tem, pois, a bon- dade de aceitá-los!”
Diz Marcus: “Pois não, embora nada devais, porquanto já fui indenizado mesmo pelo que ainda ireis necessitar. Procura assento, que o almoço será servido!”
Diz Suetal: “Mas, quem poderia ser tão generoso? Queremos agradecer-lhe.”
Responde Marcus: “Não posso dizê-lo; contentai-vos com aquilo que sabeis!” — Obedecendo a um aceno Meu, ele se afasta, entregando o animal aos filhos. Suetal, então, Me diz: “Que velho bom e honesto! Iguais a ele existem poucos no mundo. Quem pre- sumes tenha pago tão generosamente nossa despesa?”
Digo Eu: “Só poderia ser o Grande Mestre de Nazareth, que nada pede de graça. Por um favor feito, ele indeniza com dez; e por dez, cem vezes mais!”
Diz Suetal: “Sim, mas nós não lhe fizemos nem um, nem dez; entretanto, já nos pagou mil!”
Digo Eu: “Ele, sendo onisciente, também sabe o que lhe ireis prestar; daí o pagamento antecipado.”
Responde ele: “Muito nos agrada este trato e tudo faremos a fim de servi-lo se, ao menos, soubermos de que necessita.”
Aduzo: “Bem, neste caso seria preciso travar relações com ele e, quem sabe, talvez vos aceite como discípulos.”
Diz Suetal para Ribar: “Seria ótimo! Poderíamos, enfim, imitar o jovem, além do ensejo que teria de conhecer o Mestre!” Concorda o outro: “Eu também, e todos nós. Mas..., e o primeiro contato? Será por certo pior que o meu, com o peixe!” Diz Suetal: “Quem sabe? Às vezes, o empregado é mais violento que o patrão, com o fim de se exibir. Se durante o almoço houver oportunidade, o nosso amigo grego poderia nos apontá-lo.”
Digo Eu: “Pois não! Uma vez, porém, que o conheçais, neces- sário é ficardes calmos e não fazer alarido, pois não o aprecia. Penetra ele apenas o coração, satisfazendo-se com veneração silenciosa, justa e viva.”
Obtempera Suetal: “Eis um conceito muito mais sábio; pe- dimos-te que nos faças este favor.”
Digo Eu: “Está bem, mas agora almocemos. Vede, lá debai- xo daquela árvore estão duas mesas; terei de me sentar na maior, em consideração aos romanos. Sentai-vos na do lado, que poderemos conversar.”
Acrescenta Suetal: “Assim será melhor! Agora estou até sem paciência, a fim de conhecer o grande homem.” Tomo a dianteira e os doze Me seguem, Raphael ao lado de Suetal. Isto não agrada ao segundo, tanto que pergunta se irá tomar parte na mesma mesa. O anjo o afirma com amabilidade. Embora não satisfeito com esta alternativa, mas, porque imponha tão grande respeito, Suetal acaba por se conformar com sua presença.
58.OBOMAPETITEDE RAPHAEL
Com Minha permissão Raphael ajuda Marcus a arrumar vá- rias mesas e bancos, sentando-se depois entre Suetal e Ribar. Na Minha mesa tomam lugar Mathael e seus companheiros, ao lado de Julius e Cirenius. Ao Meu lado estão Yarah, Josoé, Ebahl e Meus apóstolos. Os trinta fariseus se acham atrás de Mim, de sorte a po- derem observar a todos.
Serviu-se quantidade de peixes bem preparados, pão e vinho, e como sempre, Raphael é o mais veloz consumidor. Quando, final- mente, toma do último peixe e parte-o em pedaços, que engole com avidez, Suetal não se contém e diz: “Bom e jovem amigo, deves ter um estômago colossal: em nossas travessas estavam, no mínimo, uns vinte peixes, dos quais consumistes oito! Isto não pode fazer bem à saúde! Talvez faça parte da aquisição da sabedoria e do poder do grande Mestre?”
Responde Raphael, sorrindo: “Em absoluto! Estando eu com apetite, acaso não deveria comer? Observa o Templo de Jerusalém; quanto não consome, diariamente, em Nome de Jehovah?! Poder-
-se-ia afirmar ser Ele insaciável, pois devora, por dia, quantidade de
gado, carneiro, ovelhas, cabritos, galinhas, pombos, peixes, além de farto número de pães e uma série de odres?! Fora disto, ainda é ávido por dinheiro, ouro, prata e pedras preciosas! Nunca tal fato te per- turbou, por não ignorares que os servos são os únicos consumidores. Que representa isto comparado aos meus oitos peixes, pois que, fi- nalmente, sou mais servo de Deus que os devoradores do Templo?!”
Diz Suetal: “Sim, tens razão; apenas me admirei do teu ape- tite, pois nem te preocupaste com nossa fome.”
Retruca Raphael: “Ora, já viste os templários considerarem as necessidades dos que lhes fazem oferendas? Tiram-lhas e mais o dízimo, sem a preocupação de que morram de fome! Por que nunca lhes chamaste a atenção e qual o motivo de teu zelo com minha saú- de, se já provei-te que sou, realmente, um servo de Deus?!”
Diz Ribar ao outro: “Amigo, não convém discutires com ele, que muito me lembra Mathael, e talvez fosse capaz de relatar nossa vida passada!”
Diz Raphael: “Não deves falar tão baixinho, do contrário não te entendo, e Suetal muito menos.”
Diz Ribar: “Ora... falei até alto demais!”
Protesta Raphael: “Entretanto, ao que parece, não querias que fosses entendido por mim! Se ouço e vejo até teus pensamentos, como não haveria de ouvir tuas palavras?! O animal que há pouco se achava a teu lado muito se assemelha contigo. Enquanto não te tornares tão humilde quanto ele, não encontrarás a porta estreita da verdadeira sabedoria.”
Diz Ribar: “Mas, amigo, por que me reduzes tanto diante de todos?”
Responde Raphael: “Não vos disse há pouco que sois tão cegos que não enxergais um palmo adiante do nariz? Ainda assim, esse estado de cegueira perdura.”
59.EFEITOSDIVERSOSDE ADMOESTAÇÕES
Diz um terceiro do grupo, chamado Bael: “Amigos, deixai-
-me dizer algumas palavras! O jovem discípulo tem razão em vos ridicularizar, pois também digo que sois cegos! Imaginai apenas em presença de quem nos encontramos — e agradecei a Deus por nos ter salvo. Que tens a ver com o apetite incomum deste jovem mi- lagroso? Não somos hóspedes gratuitos e não fomos saciados? Que mais queremos?! Peço que vos torneis mais inteligentes! Sois verda- deiros tolos! Todos os elementos obedecem ao nosso amigo, o qual merece mais veneração que os profetas, pois através dele é que age o Espírito Divino — e vós o tratais como semelhante! Quando obri- gados a enfrentar o Sumo Pontífice, tremeis de tanta veneração; aqui acham-se mais que mil pontífices — e tendes um comportamento incrível! Envergonhai-vos! Calai, ouvi e aprendei; só depois dirigi-
-vos a pessoas menos tolas que vós! Quanto ao jovem, não o pertur- beis, do contrário terei de me tornar grosseiro!”
Intervém Raphael: “Falaste bem, irmão; contudo, tais adver- tências rudes não estão dentro da ordem, pois contém não o amor, mas orgulho oculto. Nesta atitude te incendeias no teu aborreci- mento até chegares à ira, nada conseguindo de bom, pois em cardos e abrolhos não nascem uvas e figos.
Se tencionas conduzir teu irmão, não deves agarrá-lo com violência, qual fera a sua presa, mas como guia a galinha seus pin- tinhos; então serás olhado por Deus, porquanto agiste pela Or- dem do Céu.
Tenta sempre o poder, o alcance e a força do amor! Se tive- res prova de que com meiguice pouco ou nada conseguirás, cobre o amor com a veste da seriedade, conduzindo teu irmão ao cami- nho justo. Uma vez firme, desvenda teu amor, que ele te será um amigo eterno, cheio de gratidão! Eis o que é melhor dentro da Or- dem Divina!”
Bael arregala os olhos ouvindo esta lição, e Suetal e Ribar apertam a mão do anjo, pois se alegram por julgar terem encontrado no jovem um defensor dos direitos humanitários.
Raphael, porém, diz: “Amigos, a gratidão sempre é boa quan- do em sólida base; do contrário, não é melhor que sua causa!”
Chega a vez dos dois arregalarem os olhos, e Suetal indaga: “Mas, amigo, como entendes isto? Parece-nos que não estejas satis- feito com nosso agradecimento.”
Responde ele: “Vede, quando a criatura vive dentro da Or- dem Divina, tudo está conforme a Vontade do Pai. É preciso que o amor, base de toda vida, tanto em Deus quanto no homem, irradie-
-se de cada ação. Sois gratos por ter eu admoestado Bael, porquanto sua advertência a vós não se baseava no amor, e sim no aborrecimen- to, filho da ira e da vingança. Evidentemente ele vos ofendeu, o que incendiou vossos corações e deu origem ao desejo de ser ele castiga- do. Este desejo tem causa na sede de vingança, que reside apenas no inferno! Antecipando-me à vossa tendência, demonstrei-lhe o peri- go de sua ação, com que vos alegrastes, externando agradecimentos.
Vossa alegria não se manifestou por ter eu levado Bael ao bom caminho, mas por tê-lo repelido, o que abrandou vosso desejo vingativo. Baseando-se tal gratidão numa tendência maldosa, não pode ser boa, por não conter amor! Quando, porém, for fruto da verdadeira alegria celeste — pois um irmão perdido foi guiado ao caminho certo — também será fruto da Ordem do Céu, o Amor!
Se vós, que fostes chamados, quiserdes vos tornar verda- deiros filhos de Deus, nunca vos deveis deixar levar a uma ação que não se baseie no mais puro sentimento. Esforçar-vos-eis por evitar o mínimo vestígio dum aborrecimento, vingança ou alegria maldosa, pois tudo isto pertence ao inferno!
Vede, se vosso irmão se acha gravemente enfermo, a ponto de correr perigo de vida, fareis tudo para salvá-lo, alegrando-vos com sua melhora gradativa. Se tal se pode dar com a convalescença física — quanto maior alegria não devereis sentir com a reabilitação dum ente psiquicamente enfermo, como filhos de Um só Pai?! Compreendeis?!”
Diz Suetal: “Amigo, deves ser um espírito elevado, pois, como tu, não há quem fale neste mundo. Serás, talvez, o Próprio Salvador?”
Responde Raphael: “Oh, não; pois nem mereço desatar as correias de Suas sandálias! Como espírito, sou do Alto; fisicamente, aquilo que vês!”
“Pois bem”, diz Suetal, “já que os hóspedes terminaram o almoço, desejaria conhecer o grande Mestre e patentear-lhe minha profunda veneração!”
Afirma Raphael: “Não recebi autorização para tanto; isto se dará no momento oportuno. Por ora vossos corações ainda compor- tam umas tantas impurezas, que necessitais reconhecer, condenar e delas vos desfazer, da seguinte maneira: no momento em que des- cobrirdes algo de impuro em vosso íntimo, necessário é estimular a vontade para expulsá-lo. Só assim sereis capazes de reconhecer o grande Salvador.
Agora, prestai atenção! Parece que o amigo que há pouco vos falou tenciona fazer um discurso, pois vi o velho Cirenius fazer-lhe uma pergunta — e quando os grandes falam, os pequenos devem prestar ouvidos.”
Insiste Suetal: “Não nos poderias dizer quem seja tal amigo?”
Responde Raphael: “Não, agora não! Urge calar e ouvir!” Conformados, Suetal e os outros aguardam Minhas Palavras, que, entretanto, não podiam ser pronunciadas, pois Cirenius ainda não havia concluído sua indagação a respeito de matrimônio, adultério, divórcio e relação com moça solteira.
Diz Suetal, após alguns instantes de silêncio: “Mas — quan- do começará a palestra?”
Responde o anjo: “Acaso não vês Cirenius falando? Seria pos- sível a alguém responder sem que a pergunta fosse concluída? Tem paciência!”
Novamente Suetal se conforma. Cirenius, porém, estende o assunto cada vez mais e, em virtude da presença de Yarah, fá-lo em
surdina, de sorte que ninguém percebe uma sílaba. Pouco a pouco todos começam a se cansar, pois entre os romanos é prova de boa educação que milhares se calem quando um dignitário fala.
Por fim, Suetal se vira para Raphael, dizendo: “Amigo, os dois senhores se aprofundam em demasia, por isto poderíamos pa- lestrar um pouco, demonstrando não prestar atenção ao assunto por eles discutido.”
Diz Raphael: “És esperto, Suetal! Mas, vê! Aí vem nova remessa de alimentos, em vista de eu vos ter prejudicado com meu apetite!”
Diz ele: “Ótimo, pois sinto um vácuo considerável no es- tômago.” Em pouco tempo a segunda é consumida e Suetal diz: “Graças a Deus, estou tão satisfeito como não o fui desde há muito. Agora já se pode aguardar com mais paciência o pronunciamento do grego que parece ser conselheiro do Vice-rei.
Aquela menina é bem atraente e aparenta estar apaixonada pelo grego, pois não desvia os olhos dele. O filho do Vice-rei não lhe desperta interesse, conquanto use roupas tão ricas. Eis que surgem quatro moças, por certo filhas do hospedeiro. Que farão?”
Diz Raphael: “Com esta tua mania de tagarelar, nunca se- rás um Mathael. Experimenta calar e meditar, pois para despertar o espírito, necessário é uma calma externa, sem a qual nunca se conse- guirá este ato de importância vital.”
61.RAPHAELDISSERTAACERCADOMEDITARNO CORAÇÃO
(Raphael): “Suponhamos o interior duma casa na maior de- sordem, pois que os aposentos estão repletos de lixo e entulho. O dono anda sempre ocupado alhures — e não se dá ao tempo justo para a limpeza. Obrigado a penetrar na casa para dormir, também lhe absorve o ar pestilento, tornando-se doente e fraco, dificultando cada vez mais o saneamento.
De igual modo teu coração é morada da alma, mormente do espírito! Se te preocupas constantemente com coisas externas, quan- do poderás limpar tua casa da vida, para que teu espírito progrida no clima puro de tua alma? Desta forma, é necessária a calma externa para o progresso da alma e do espírito.”
Diz Suetal: “Mathael alega ser a vida uma luta jamais vencida na calma agradável, portanto te contradiz. Quem está com a razão?”
Responde o anjo: “Ambos! Bem que a vida é luta, não apenas externa, mas sim, muito mais, interna! O homem mental tem de ser, finalmente, vencido pelo espírito, do contrário ambos sucumbem. Por este motivo deves pôr um freio à tua língua física, a fim de que repouse e a do pensamento de tua alma se ponha a falar, reconhecen- do quão imundo é o aspecto da casa de sua alma.
Não te preocupes com aparições externas e fúteis; pouca im- portância têm em sua razão verdadeira. Mas pela consideração do justo repouso reconhecerás a base verdadeira da vida íntima de alma e espírito, no que todas as criaturas deviam se empenhar.
Que te adianta saber e sentir que vives, se ignoras que esta sensação perdura? De que te servem os conhecimentos e ciências se não conheces a razão da tua vida?!
Se desejas descobrir o teu íntimo, tens de dirigir teus sentidos para ali, assim como fazes com teus olhos quando tencionas algo en- xergar. Como quererás ver a aurora se diriges teu olhar para o ocaso?! Não compreendes que, conquanto sejas rabi, és cego qual embrião, relativamente à tua própria esfera vital?!”
Responde Suetal: “Sim, sim! É isto mesmo. Eis por que cala- remos qual estátuas.”
62.FILOSOFIADE RISA
Todos se calam nessa mesa, enquanto os trinta fariseus e levi- tas começam a brigar por lhes ter seu orador imposto também o si- lêncio. Mormente reage um tal Risa, de pais abastados, pois Hebram
lembra-lhe ser preferível meditar sobre as sábias palavras de Mathael que perder suas energias com relatos referentes à sua futura herança.
Atrevidamente, responde Risa: “Os pobres na maior parte são religiosos por saberem não ser possível se esperar algo do mundo. Os ricos e grandes também se tornam, às vezes, beatos e sábios, a fim de poderem reconduzir os pobres, reacionários, à meiguice e paciência.
O rico vai à sinagoga e ora à vista do que nada tem, para fazê-
-lo crer que tal atitude traz a Bênção Divina; o outro também o faz por este motivo e, além disto, para que o rico lhe dê um óbolo. Que diferença há entre eles? Nenhuma, pois ambos procuram se enganar. A mim ninguém engana, nem mesmo um homem milagroso, que sabe perfeitamente por que e diante de quem está agindo.
Tudo no mundo é mistificação e o mais esperto é sempre considerado. Feliz, porém, somente é quem desde pequeno pode se fiar em suas posses e, além do mais, é bem astucioso. Eis minha filosofia salutar. Quanto à vida eterna após a morte, peço-te que me deixes em paz! Os sepulcros bem demonstram a verdade; o que vem da terra, para lá volta e o resto é pura imaginação de ignorantes!”
Como se sabe, Hebram se irrita com tais observações, tanto que diz: “Quer dizer que consideras Moysés e os outros profetas apenas trapaceiros, imaginários ou reais, da Humanidade, e o atual Salvador de Nazareth não merece outra classificação?!”
Diz Risa: “Não são maldosos, mas bem intencionados, pois sempre entenderam enganar os cegos. No que diz respeito ao Sal- vador, por certo é conhecedor das forças ocultas através do estudo; portanto, as aplica e nós, como não iniciados, ficamos boquiabertos.
Sua doutrina é boa, e se todos a possuíssem e seguissem, tor- nar-se-iam felizes. Mas quem poderá transmiti-la a todos os povos, e nesse caso, quais não seriam as dificuldades que tal empreendi- mento traria?! Em tudo a criatura é mais acessível, salvo em assuntos religiosos.
O homem simples, desprovido de maior inteligência, não se deixará convencer da estultice de seu atraso. O outro pensará: Para que algo de novo, de cujo efeito não se tem ideia? — Eis por que tais
inovações devem ser mantidas ocultas, pois quando posse comum perdem seu valor e se tornam ridículas.
Deste modo, julgo que o bom Mestre de Nazareth em pou- co tempo será esquecido, mormente se ensinar seus conhecimentos ocultistas às massas, como assistimos pelo jovem.
Se os discípulos conseguem tais coisas inéditas, o que so- brará ao Mestre? Se silenciarem poderão, ao menos, organizar um instituto rendoso, desde que faça amigos entre os potentados; esses gostam de sustentar tais institutos, pois que os feitos milagrosos são apropriados a conter o povo por promessas grandiosas no além-tú- mulo, que significam: ou prêmio, ou castigo eternos.
Não sou profeta, contudo afirmo que o Templo com suas traficâncias descabidas não conseguirá se manter por mais um sécu- lo, não obstante toda pretensa cautela. E uma doutrina nova terá de se basear no velho misticismo e estendê-lo mais e mais para tornar-
-se bem convincente. Isto, porém, de nada adianta, porquanto as criaturas com o tempo serão esclarecidas quanto aos fenômenos da Natureza. Eis minha opinião, que não pretendo impor.”
63.HEBRAMDEMONSTRAOENGANODE RISA
Diz Hebram: “Amigo, explanações deste teor já muito ouvi; acontece, todavia, que aqui se trata de alguém mais importante que um mago da Pérsia ou do Egito. Relembra apenas as palavras de Ma- thael e os feitos e ensinamentos do grande Mestre, e compreenderás que estás enganado.
Tenho alguma experiência no campo da magia; contudo, aquilo que presenciamos e ouvimos indica origem muito mais ele- vada do que imaginamos. És injusto, portanto, ao classificares esses milagres de simples fraudes, e ofendes até Moysés e os profetas. Foi ele o maior personagem diante de Deus e dos homens. Aqui, porém, está em forma humana Aquele que levou Moysés a ocultar-se diante do Seu Semblante. Por isto, é extremamente tolo de tua parte falar Dele como Se fora teu semelhante.
Conta os hóspedes que se alimentam aqui, três vezes ao dia, dos melhores peixes, sem espinhas, de pão, vinho, frutas, mel, leite, queijo e manteiga. Considera, todavia, ser o hospedeiro antes pobre que rico. Verifica sua despensa e vê-la-ás abarrotada! Se indagares de Marcus o porquê, ele responderá: É tudo milagre do grande Salva- dor de Nazareth!
Assim sendo, como podes afirmar que tais fatos sejam em- bustes engendrados pelos potentados a fim de enganar os ignoran- tes? Afirmo-te, positivamente: aqui acontece além daquilo que o intelecto dos sábios jamais conceberá, isto é, a ação da Onipotência Divina, da Qual já temos prova de sobejo. Embora teu pretenso ra- ciocínio não o compreenda, o fato é real. Vai e convence-te!”
Diz Risa: “Bem, sendo assim, retiro minhas negativas quanto ao valor divino de Moysés e dos outros profetas. Uma coisa é certa: não existe religião — mesmo de origem divina — que se tenha man- tido por alguns séculos. Enquanto Moysés ouvia os Mandamentos de Jehovah, o povo dançava em redor dum bezerro de ouro; essas Leis, porém, mudaram de aspecto quando o Rei Saul tomou o lugar dos juízes; mais ainda quando no regímen de David e, finalmente, no de Salomon e seus descendentes.
O cunho divino foi apagado e reposto por estatutos huma- nos, conservando-se apenas aquilo que salvaguardava a posição dos templários. Os Mandamentos não impressionam quem quer que seja e ninguém pensa andar em vestimenta de contrição. O adultério entre os ricos representa bom negócio, pois terão de se livrar do ape- drejamento com somas vultosas; dá-se-lhes para beber uma suposta água maldita, que não os afeta, e podem assim recair no mesmo erro. O adultério dos templários é ocultado, enquanto o do pobre tem seu castigo mortal.
Sabemos da ação poderosa da Onipotência Divina quando transmitiu Seus Mandamentos à Humanidade sob raios e trovões. De quão diversas maneiras foi o povo advertido pelos profetas! Que efeito apresentam hoje? Não necessito elucidar-te a respeito. Se to- das as Revelações Divinas trazem apenas os frutos que deparamos
entre os fariseus, pergunto a alguém de mente sã: não é admissível que se negue toda e qualquer Providência Divina?
O que me dizes do Grande Salvador é justo e verdadeiro, e possivelmente sua doutrina terá o maior êxito de todos os tempos; apenas quereria ser testemunha de sua transformação daqui a meio século, e isto, na hipótese de que seu cumprimento dependa do livre arbítrio do homem! Que me dizes?”
64.AORDEMDIVINAEARAZÃO HUMANA
Diz Hebram: “Julgando do ponto de vista humano, tens razão; pela compreensão espiritual estás errado, pois os Planos de Deus são diversos dos nossos. Se tivéssemos, nós, colocado as es- trelas no Firmamento, com certeza teríamos aplicado maior har- monia. Ele, todavia, sendo o Onipotente, usou de toda mutabili- dade. Por quê?
Vê a flora: que variabilidade de ervas e arbustos! Tudo que vês apresenta antes desordem que simetria; entretanto, o Criador provou, mormente na forma humana, ser entendido em simetria. Para tal contraste deve existir razão bem profunda.
A mente humana, porém, sempre encontrará algo que tenta a crítica. Eis que o Próprio Mestre nos ensina: Cada qual no seu ofício, pois como Único Criador sabe melhor quais as necessidades espirituais para os povos diversos em épocas várias.
Assim sendo, permite Ele que, com o tempo, uma doutrina feneça como as flores do campo; a semente, contudo, que surgir da flor qual verdade pura e viva, continuará vicejante. Se reconhecemos que Deus deixa perecer tudo, embora de aspecto agradável, dedican- do toda atenção ao desenvolvimento da vida interna — não é de se estranhar a mesma contingência para com as Revelações.
A doutrina mais pura não nos poderá alcançar sem a palavra pronunciada; esta, porém, é material e terá de desaparecer quando o espírito se tiver desenvolvido. Do mesmo modo, a pompa externa duma religião se torna com o tempo nociva; em compensação, surge
no fundo a força pura e espiritual e a verdade da Revelação Divina; não é isto, amigo Ribar?”
Diz este: “Irmão Hebram, tu me tonteias! Por Jehovah, trans- formaste com tuas sábias palavras todo o meu modo de pensar, pelo que te agradeço sinceramente. As coisas são tais como me explicaste e, quanto mais medito, mais nítidas se tornam.”
65.OSENHORDÁENSINAMENTOSPARA PRINCIPIANTES
Nisto Eu Me volto e digo a Hebram: “Então, já fizeste gran- de progresso na Sabedoria, como os demais; adeptos deste quilate dão prazer e poderão se tornar, em breve, bons trabalhadores na Vinha do Senhor! Contudo, chamo a atenção para o seguinte:
Sois semelhantes às florzinhas primaveris, que nessa época erguem suas corolas de modo maravilhoso e rápido para fora da ter- ra. Sua existência depende do bom tempo, pois se após alguns dias quentes ressurgirem as geadas, tais flores prematuras deixam pender as pétalas, murchando completamente.
Afirmo-vos: muitas vezes a criatura assimila uma verdade; quando, no entanto, surgem-lhe nuvens densas na alma como pre- núncio de trovoada, o coração se turva e a visão não mais reconhece aquilo que há pouco percebia tão nítido.
Guardai bem o que ouvistes, e erguei vossas cabeças ornadas da sabedoria sobre o solo de vossa mente externa somente depois de terem passado as geadas das provações; só então vosso saber não mais poderá ser perturbado.
Tudo requer tempo para se consolidar; assim acontece tam- bém com a ciência humana: numa boa oportunidade muita coisa se assimila e aprende, mas é esquecido em virtude de outros aconteci- mentos. Assimilai, assim, o que ouvis, mais com vossa alma que com o cérebro, a fim de guardá-lo.
Pela contemplação duma flor sentis certa alegria, pela beleza de sua forma; que vos adianta esta alegria, forçosamente tão fugaz como a flor? A energia da flor tem de ser depositada no fundo daquele in-
vólucro, onde é cuidada a semente viva; assim deve também murchar vossa alegria externa, para que sua força desça ao fundo da alma onde é cultivada a vida eterna do espírito. Então surgirá alegria duradoura, com base em sua verdadeira beleza interna, inatingível pelas geadas.”
66.RAPHAELANOTAOS ENSINAMENTOS
Diz Cirenius: “Sim, Senhor e Mestre de eternidades! Agora não mais tenho dúvidas nesse quesito. Apenas seria desejável que alguém tivesse anotado esses ensinamentos, palavra por palavra.”
Digo Eu: “Raphael poderá fazê-lo; manda vir o material ne- cessário.” Em poucos instantes os lacaios trazem rolos de papiro e chapas de cobre para gravação. Então Raphael indaga de Cirenius o que prefere: o pergaminho ou as chapas.
Responde este: “Em pergaminho seria de mais fácil manu- seio; em cobre, de maior duração para a posteridade. Todavia, pode- rei mandar fazer uma cópia nas chapas.”
Diz Raphael: “Queres saber de uma coisa? Já que o traba- lho é o mesmo, ou simples ou dobrado, fá-lo-ei, a um só tempo, em ambos.”
Os doze judeus na mesa ao lado arregalam os olhos para ver como o anjo iria escrever com ambas as mãos. Suetal até se vira para Ribar: “Estou curioso por ver esta dupla escrita! O grande Mestre de Nazareth deve ser um colosso; mas, até que este discípulo termine tal tarefa, o Sol se terá despedido.”
Diz Ribar: “Depende de sua ligeireza. Será, talvez, munido duma vantagem mágica, igual às outras. Por isto, não convém du- vidar antecipadamente dum fato com pessoas que já nos provaram tantas coisas.”
Diz Suetal: “Tens razão; eu apenas estava conversando.”
Responde o outro: “Amigo, é melhor calar e ouvir! Vê, o jo- vem apronta os papiros e as chapas. Atenção!”
Suetal se levanta e observa os gestos de Raphael. Qual, po- rém, não é sua estupefação ao ver que tudo já se acha anotado?! Por
isto exclama: “Que me dizeis? Aguardamos que a tarefa seja feita... e tudo já está pronto! Isto é demais!” A esta exclamação os doze tam- bém se levantam, convencendo-se do milagre.
Percebendo o assombro, Raphael diz: “Eis o efeito dos oito peixes, pelos quais estavas um pouco invejoso! É preciso que se acu- mulem forças para tal serviço, não achas?”
Responde Suetal: “Estás gracejando, mas não importa. Vejo que possuis um elevado grau de Onipotência Divina, dado pelo grande Mestre de Nazareth. Assim, faze com que o conheça- mos em breve. Nosso coração não mais se acalma: queremos vê-lo e falar-lhe!”
Diz o anjo: “Acalmai-vos até que eu tenha organizado as es- critas; depois veremos onde Se acha o Grande Mestre para os cegos e surdos!” Pacientemente os outros esperam que Raphael entregue seu trabalho a Cirenius, que, admirado, observa sua exatidão.
67.IMPACIÊNCIAECURIOSIDADEDESUETALPORVERO SENHOR
Enquanto Cirenius analisa com prazer os rolos, expressando profundo respeito, digo a Raphael que chame Yarah e Josoé à mesa. O anjo em seguida dirige-se ao grupo dos doze, e Suetal é o primeiro a falar: “Caro jovem, que há entre esta menina e o grego, alvo de sua paixão?! Já pensava que fosses apontar o Mestre dos mestres — e trazes esta menina! Que desilusão! Explica-me, que fizemos para não merecer sua presença?”
“Meus amigos”, diz Raphael, “se sois tão cegos que não ve- des nem o Sol ao meio-dia, nada posso fazer. Quando se é tão tolo não adianta afirmar: É este ou aquele!, pois não o acreditaria em virtude de a fé necessitar dum raciocínio despertado, que, em caso de necessidade, orienta-se por si mesmo. Quando o raciocínio ain- da se acha encoberto pela matéria grosseira, não adianta apontar um fato, mas sim bater com o nariz dez vezes contra a parede, a fim de refletir sobre o porquê! O mesmo acontece convosco: não
haverá um deus que vos eduque enquanto não aprenderdes pela experiência própria.
Como tencionais agir com o grande Mestre? Desejais que ele vos auxilie ou sois levados por mera curiosidade, como os tolos observam boquiabertos um urso a dançar? Na verdade, o grande Sal- vador aí não está para Se deixar fitar por pessoas tolas e pretensiosas! Se vosso coração não O achar neste grupo, muito menos o fará vosso pretenso intelecto — isto vos garanto!
Humilhai-vos primeiro, do contrário não descobrireis o San- to Mestre, cujo Ser até fisicamente é pleno do Espírito Divino! Ele é Senhor de Céus e Terra, e à menção de Seu Nome todos deverão se ajoelhar, pois Seu Nome é Santo, Santo!” Após estas palavras severas o anjo se levanta e toma lugar em nossa mesa, onde Cirenius lhe agradece novamente em Meu Nome pelo grande serviço prestado com as cópias.
68.SUETALERIBAREM PALESTRA
Como o sermão de Raphael não agradasse aos doze, come- çam a conjecturar um meio de se evadirem secretamente para Jeru- salém. “Pois”, diz Suetal, “nada de condenável encetamos contra o Templo. Não temos culpa da violência que nos foi aplicada; outros- sim, nossos sentimentos íntimos não podem ser descobertos, de sor- te que o sinédrio terá de nos aceitar. Os maiorais até nos receberão com respeito, quando souberem das peripécias por que passamos. Talvez sejamos novamente enviados ao estrangeiro, mas desta vez saberemos como agir.
Nesta estranha assembleia de prestidigitadores não exis- te possibilidade dum convívio! A toda hora se fala de amor; mas, quando algo se indaga acerca do Salvador, é-se tratado pelo jovem com rudeza. Que experimente repetir a preleção sobre humildade, meiguice e amor! Responder-lhe-ei de tal forma que se arrependerá!
Quem quiser levar o outro à humildade terá de ser humilde. Vede este jovem milagroso: que temos a ver com sua habilidade se
não sabemos imitá-lo? É preciso que se torne ríspido? Minha ob- servação referente à menina não foi ofensiva, entretanto o jovem se aborreceu e ainda nos virou as costas para evitar uma contenda! Tal proceder é de loucos, por isto não desejo permanecer aqui! Que me dizes, Ribar? Tenho razão?”
Diz este: “Penso que devemos ficar. Não fomos admoestados por um homem, mas pelo jovem — por certo em virtude de tua ma- neira imodesta de querer ver o Salvador. Minha opinião é a seguinte: o jovem está proibido pelo Mestre de denunciá-lo antes do tempo. Eu, porém, prefiro esperar por tal oportunidade!
Não resta dúvida ser esta assembleia estranha: ora se tem im- pressão do convívio divinal, ora tudo tem aspecto humano! Não se cogita de jejum, tampouco de oração. Mas aquilo que se fala é profundo! Achamo-nos entre pessoas quase que escolhidas por Deus para fazerem a junção entre Céu e Terra, e finalmente proporcionar às criaturas um campo mais vasto para o desenvolvimento espiritual, com as forças materiais necessárias para este fim. Eis por que não me posso aborrecer com a rispidez do jovem, pois tal chamada leva mais rápido à compreensão do que cem ensinamentos modestos.” Indaga Suetal, pensativo: “Como?” — Diz o outro: “Ouve!”
69.RIBARPRESSENTEAPRESENÇADO SENHOR
(Ribar): “O jovem não nos classificou, sem razão, de surdos, cegos e tolos, e o burro que postou ao nosso lado confirmava isto! Tenho a impressão nítida de que aquele grego simpático é o grande Messias! Observei-o bastante: todos lhe dirigem olhos, ouvidos e co- ração! O poderoso Cirenius, sempre tão altivo, adora-o verdadeira- mente! Além do mais, seus ensinamentos foram anotados de manei- ra milagrosa. Se considerares todos esses pontos, verás que o jovem nos julgou acertadamente! Qual é tua opinião e a dos outros?”
Responde Suetal: “Está se fazendo uma pequena luz em mim; contudo, examinarei mais de perto a atitude do grego.” Daí em diante Suetal não tira os olhos de Mim e dos que Me rodeiam.
Depois de algum tempo diz a Ribar: “Amigo, poderás ter razão, pois todos os semblantes denunciam ser ele a figura principal, e o próprio Vice-rei a nada se atreve sem o seu consentimento. Já o teria perce- bido caso ele não se tivesse declarado apenas como amigo do grande Mestre, pois não era de se supor que um homem tão compenetrado do Espírito Divino se ocultasse diante de nós, judeus inofensivos!”
Diz Ribar: “Não concordo. Dizendo-se o melhor amigo do Mestre, não externou uma inverdade, sabendo-se que cada qual se conhece mais a fundo; ele, portanto, é seu próprio e melhor amigo! Ademais, terá seus motivos em não se querer revelar; mais tarde sa- bê-lo-emos. Repare só o sábio Mathael, como se comove cada vez que olha para o grego!
Além de tudo, o grande amor que lhe dedica aquela inteli- gente menina é mais uma confirmação do que digo. E não haveria mulher que não se sentisse atraída pela expressão celeste de nosso jo- vem fazedor de milagres! Entretanto, a pequena nem lhe dá atenção; tributa-a com todo fervor ao grego, isenta de sentimentos carnais!”
Diz Suetal: “Estou começando a perceber fatores que posi- tivam tua observação. O jovem, por exemplo, por várias vezes foi mandado pelo Mestre a fazer isto ou aquilo; nunca, porém, o vi andar, surgindo ora aqui ora acolá! Neste caso só poderá ser um mensageiro, e nunca um senhor!”
Diz Ribar: “Também já percebi algo extraordinário quando no almoço: não mastigava os peixes, apenas levava-os à boca — e eles sumiam! O mesmo se dava com vinho e pão! Comecei a obser- var seus pés embaixo da mesa: eram normais e de forma tão linda como nunca os vi nu’a moça, muito menos num rapaz! Um anjo não poderia ter pés mais magníficos! E se aquilo que Mathael falou do Mestre é verdade, seu discípulo pode ser um anjo!”
Diz Suetal: “Sim, é possível; apenas a expressão de ‘discípulo mais jovem’ me intriga, pois um anjo não o pode ser diante das criaturas, considerando-se sua idade incomensurável. Que achas?”
Diz o outro: “Talvez o Mestre assim o denominasse para apontá-lo como o mais recente em vestes humanas!”
Teima Suetal: “Tal hipótese seria arriscada, em virtude do que diz Moysés.”
Insiste o outro: “Como assim? Pois se um anjo foi, durante sete anos, guia de Tobias, por que não poderia este se conservar por algum tempo sobre a Terra, igualmente Obra de Deus?”
Diz Suetal: “Sendo ele um anjo, seu Mestre deve ser, espi- ritualmente, Senhor de todos os Céus. Neste caso resta saber que devemos e podemos fazer?”
Responde Ribar: “Ora, a Divindade tem livre ação, e os mortais não Lhe podem impor limites. Entretanto, Ela nos procura como Benfeitor Magnânimo a fim de nos educar pelo amor, tão veementemente pregado por Henoch. Assim, só podemos compre- endê-la pelo amor, jamais pelo intelecto e o raciocínio assaz presun- çoso. Percebo-o cada vez mais nítido: o grego nos procurou ama- velmente, perguntando se queríamos travar conhecimento com o Mestre. Esquivamo-nos com razões fúteis, pois o jovem nos provara nossa tolice.
Até então calculávamos de acordo com o intelecto, sem con- seguirmos vislumbrar além; e o pouco que ora enxergamos devemos ao jovem que nos fez aquela advertência mais forte, pois perdera a paciência conosco. Assim nos foi tirada a venda dos olhos de nossa alma, despertando-nos simpatia pelo grego e julgo ser melhor se- guirmos apenas o que o coração manda. A razão só foi dada ao ho- mem como instrumento, tal como a colher serve para remexer as pa- nelas. Uma vez que o alimento esteja cozido, não mais é necessária.”
Diz Suetal, admirado: “Vejo tua grande atração pelo grego, da qual também compartilho. Apenas não concordo com a aboli-
ção do raciocínio, pois sem ele nos assemelharíamos aos animais, que seguem somente o instinto. Julgo necessário purificarmos nossa razão, proporcionando-nos pelos justos sentimentos uma bênção verdadeira.
Os sentimentos humanos são idênticos a um pólipo, pronto a estender os braços na satisfação de sua voracidade. Contudo, não tem inteligência. Unicamente a razão bem formada e purificada or- ganiza os sentimentos, tornando o homem uma criatura verdadei- ra.” — Os outros concordam e Suetal conclui: “Acaso terás algo a contrapor?”
71.RAZÃOE SENTIMENTO
Responde Ribar: “Amigo, haveria muita coisa a dizer; mas, como és herói intelectual, sempre saberias contestá-la. A educação humana é tal qual a explicaste e deve ser predecessora necessária à mais elevada, ou seja, a espiritual. Jamais, porém, será a educação do intelecto o último grau, embora muito refinada.
Se a razão nos foi dada como regulador primitivo de nossos sentimentos, a fim de sublimá-los, deve haver correlação entre estes e um fruto amadurecido, que necessita para tanto de luz e calor so- lares, como também da chuva germinativa. Quando sazonado, deve ser colhido e guardado na despensa para se tornar mais saboroso. Se o deixares no pé, nada lucrarás, pois apodrecerá.
O mesmo acontece com os sentimentos da criatura: uma vez que alcancem certo grau de maturação, devem ser livres do cuidado da razão externa e levados à sublimação, a fim de não tornar inútil seu amadurecimento. Por este motivo afirmei que nos deveríamos despojar da razão externa, entregando-nos aos sentimentos ama- durecidos!”
Responde Suetal: “Irmão, deves estar recebendo o influxo di- vino, pois desconheço em ti tal linguagem! Nada mais tenho a dizer e sinto que estás dentro da verdade, a qual também ajudará o meu progresso!”
Os outros companheiros confirmam suas palavras. Nisto vol- ta Raphael, toca os dois amigos no ombro e diz: “Assim me agradais bem mais do que em vossas conjecturas intelectuais, tanto que vos asseguro estardes no caminho certo!”
Ribar se levanta e abraça Raphael com todo fervor, dizendo comovido: “Criatura adorável, por que não me foi possível amar-te desde o princípio?!”
Diz Raphael: “Amigo, esta qualidade de amor é melhor que nenhuma; todavia, não se adapta à esfera da alma e sua vida íntima. Teu amor se prende à minha forma, o que nunca deveria acontecer, pois deste modo o interior se exterioriza, tornando-se uma estampa do inferno. A Ordem Divina se inverte: o espírito, ou o amor da alma, descobre-se, provocando seu atrofiamento. Fato semelhante se dá quando o feto é expelido bruscamente, pois é perdido. Minha figura não te deve seduzir, mas sim as palavras que pronuncio. Es- tas perdurarão, libertando e tornando feliz tua alma; minha forma externa e temporária te sirva como prova da beleza da verdade em uníssono com o amor! Compreendes?”
Responde Ribar, soltando o anjo de seu amplexo: “Como não? Diante de tua figura, porém, a razão se torna um peso!”
Vira-se Suetal para Raphael: “Eis um velho defeito de meu amigo: não suporta a presença da beleza, masculina ou feminina, sem se apaixonar. Para mim isto não importa. Prefiro, é claro, um físico atraente, mas sem jamais me ter perdido. Por este motivo, as mulheres nunca foram por mim importunadas!”
Diz Raphael: “Não existe mérito nisto, pois se baseia em tua natureza! Que vantagem leva um cego por não ser tentado pela beleza? Ao surdo não constitui virtude não ouvir as mentiras do mundo. Criaturas como tu são mais difíceis de despertar, pois algu- mas existem cuja sensibilidade se revela logo no início da evolução espiritual, e outras há que nem no fim da mesma.
No teu amigo Ribar já existe algo de espiritual, embora não purificado, em seu físico, motivo por que se sente atraído pela bele- za ou perfeição, porquanto se baseia no espírito. Assim, tal atração
externa por algo sedutor já é um conhecimento silencioso, contudo de reciprocidade espiritual. Apenas deve, quanto antes, ser entregue a uma boa orientação, pela qual será reconduzida à verdadeira base da vida. Tal tarefa não é tão difícil, porquanto o espírito que se manifesta pelo amor é o próprio ser inteligente do homem, com- preendendo e acionando aquilo que corresponde à sua natureza e equilíbrio.”
72.RAZÃODADIVERSIDADEDE TALENTOS
(Raphael): “Em absoluto constitui pecado a pessoa se apegar a algo atraente, mas poderá chegar a este ponto — isto é, tornar-se uma falha na ordem da vida — caso permaneça neste pendor sem a devida orientação, pois será difícil isolar e reconduzir a alma à boa ordem.
Eis por que o Senhor permite até flagelos dolorosos, pelos quais a criatura consegue, com o tempo, abandonar as coisas ex- ternas, aproveitando a inclinação artística ordenadamente e, deste modo, vivificando-a.
Existe grande diferença entre criaturas semelhantes a ti e a Ribar: o que levarás anos a conquistar, ele poderá conseguir em poucos dias, sim, em poucas horas mesmo, sendo bem conduzido e apresentando boa vontade. Compreendes?”
Responde Suetal, amuado: “Sim, contudo não percebo o motivo que leva o Criador a dotar uma pessoa de fácil assimilação, enquanto outra nasce obtusa qual pedaço de pau!”
Diz Raphael: “Amigo, com indagações de tal ordem levare- mos tempo para chegar a uma conclusão. Teu espírito se acha preso à carne, enquanto o de Ribar já traspassou a pele, o que torna fácil se lhe falar. Do mesmo modo poderias indagar a razão de ter feito Deus tantas pedras, ao invés dum solo apenas macio e fertilizante; o porquê da água que impede o cultivo de hortas e vinhas, dos cardos e abrolhos incapazes de produzir um só fruto. Digo-te: tudo isto é sumamente necessário, pois uma coisa não poderia existir sem a
outra. Esclarecer-te as sábias razões levaria milênios, ao passo que um espírito mais despertado e amadurecido compreendê-lo-á em poucos instantes, caso lhe desperte interesse. Como, porém, tal es- pírito tem problemas mais elevados a resolver, com gosto relega tais pesquisas a critério do Senhor de Eternidade.”
Teima Suetal: “Logo, não me cabe culpa de ser menos inte- ligente que Ribar, o qual, a meu ver, está longe de ter assimilado a Sabedoria Celeste, não obstante seu espírito lúcido!”
Raphael prossegue: “Criaturas como tu necessitam de inte- lecto mais aguçado, que facilite à sua alma obtusa um caminho para o espírito. Este caminho é, naturalmente, espinhoso e mais longo
pois apenas é alcançado pela justa aplicação dos sentidos exter- nos — que aquele indicado aos espíritos de amor, possuidores, em e diante de si, dum elemento de vida sintonizada.
Que esforço não necessitarás para conquistar o amor! Ribar, porém, já é todo amor, e basta equilibrá-lo e conduzi-lo para que se aperfeiçoe. Tu precisarás para tal fim de teu intelecto infecundo, compreendes?”
Diz Suetal: “Assim sendo, Deus é injusto e partidário!”
Responde o anjo: “Sim, partindo do ponto de vista racio- nal; mas por que, ao construíres uma casa, empregas no alicerce as pedras mais pesadas e duras? Que mal te fizeram para que ajas assim, pois ainda deitas sobre elas todo peso da construção? Não te inspi- raram piedade? Acaso não te compadeces das raízes da árvore por ficarem enterradas no solo mofado da Terra, enquanto seus galhos se estendem soberbamente no éter e na luz reconfortante?
Não será isto tudo uma série de injustiças, já nas cama- das mais ínfimas da Natureza? Como poderia um Deus Sábio, como Criador, permanecer insensível diante de tanta compreen- são humana?
Do mesmo modo teus pés poderiam apresentar queixas com referência às mãos, dizendo: Somos tão bem carne e sangue como vós, porém condenados a carregar vosso peso, enquanto vos é dada a livre movimentação! Outras partes do corpo, igualmente, po-
deriam levantar sua voz contra a cabeça; quem não compreenderia o absurdo de tais reclamações?
O Senhor dotou as criaturas de faculdades diversas, maio- res ou menores; a ninguém, todavia, é vedado o acesso ao Templo da Perfeição, todos têm seu caminho e não podem se lastimar: Senhor, por que não me deste os talentos dos quais meu próxi- mo desfruta tão fartamente?, pois o Pai responderia: Se Eu tivesse dotado todas as criaturas de modo perfeito, jamais necessitariam do auxílio mútuo, e neste caso, como despertar e ativar o amor ao próximo que vivifica?
Que seria o homem sem este sentimento, e como poderia, sem ele, encontrar o amor puro por Deus, sem o qual não é possível se pensar na vida eterna da alma?! A fim de que possa alguém servir a outrem, conquistando deste modo seu amor, deve ele ser capaz de realizar algo de que o outro careça; assim um se torna necessidade do outro, despertando nessa reciprocidade o amor e fortalecendo-se cada vez mais pelo bem aplicado. No poder do amor ao próximo consiste sempre a revelação íntima do Amor Puro e Divino, em Si a Vida Eterna.
Se ora afirmas que, de certo modo, nada te leva à manifes- tação de amor, nem a beleza externa nem tampouco uma ação reta
desejaria saber qual o terceiro meio de conseguir o homem des- pertar tal sentimento em seu coração e como fortificá-lo até alcançar o poder da revelação do Amor Divino!?
Enquanto não se manifestar em palavra e ação, as condições duma vida eterna após a morte serão bem precárias! Em suma: se persistirem dúvidas em teu coração quanto à sobrevivência da alma, é porque ainda não se revelou a existência do espírito dentro de ti, e a criatura tende sempre a duvidar daquilo que não possui, mesmo se o deseja. Se um dia achares a vida eterna de tua alma pela revelação do Amor Divino — como quem acha um centavo perdido — tam- bém não mais haverá dúvidas sobre a posse real dentro de ti!
Este estado só se alcança pelo amor ao próximo. Eis por que Ribar se encontra mais perto do verdadeiro destino da vida que
tu, pois tens iluminado teu cérebro com a luz natural do mundo, enquanto teu coração perambula sem fogo e luz, qual caça selvagem, nos emaranhados trevosos das florestas brejais da Europa!
Assim te aconselho: reflete sobre minhas palavras, para não te perderes nas trevas com todo teu intelecto, pois este acabará por ser o fruto de ouro carcomido pelos vermes, em tua árvore da vida, muito antes de seu amadurecimento. Os vermes representam as dú- vidas que destruirão finalmente teu cérebro, e teu fruto vital apodre- cerá, servindo de alimento aos abutres! Compreendeste?”
73.OHOMEMMENTALPROCURAO AMOR
Diz Suetal: “Como não? No entanto, quase prefiro não te ter compreendido! Como posso me obrigar ao amor, se por natureza me falta essa capacidade? Conheço apenas a manifestação do intelecto naquilo que vejo; o amor é-me inteiramente estranho! Explica-me o que se passa na criatura como indício de amor? Deve existir uma prova evidente na vida do homem, do contrário de nada lhe valeria este sentimento. Poderá possuí-lo em plenitude sem saber que tal sentimento seja amor!”
Diz Raphael: “Não te lembras de tua infância e o que sentias pelos pais, que muito te amaram e cumularam de carinhos?”
Responde Suetal: “Recordo-me, embora vagamente, de cer- tos fatos emocionantes que me enchiam os olhos de lágrimas. Teria sido, tal sentimento infantil, amor?”
Diz Raphael: “Claro, e quem não o possui carece de tudo que pertence à vida; tal criatura é apenas um maquinismo de seu intelecto iluminado pela luz material, desconhecendo a vida de sua própria alma! Por isto devem, pessoas como tu, fazer despertar o amor infantil no coração, do contrário é impossível conduzir um intelectual ao Reino interno do espírito.
De que te adianta a assimilação do raciocínio, se ignoras a formação e individualização de tua própria vida?! Que vantagem teria um jardineiro pela contemplação do crescimento pujante de
plantas raras em jardins estranhos, enquanto deixa que o seu pró- prio seja invadido pelo matagal?! Necessário é organizar os canteiros de seu jardim, limpá-los do mato, estrumá-los e lançar-lhes boas sementes, para que possa ter, em época propícia, alegria justa no desenvolvimento das plantas! — Agora basta, pois o Grande Mestre entrará em ação e devemos dirigir-Lhe coração e juízo!”
Diz Ribar: “Antes disto, dize-nos se não convém externar-lhe nosso reconhecimento por tudo que Sua grande Bondade nos pro- porcionou, tanto física quanto espiritualmente!”
Responde Raphael: “Ele vê somente o íntimo da criatura: estando este em boa ordem tudo estará bem. Quando vos achar bastante amadurecidos, chamar-vos-á, determinando vossa ati- tude futura.
Agora trata-se de dedicar-Lhe toda atenção, pois quando re- aliza alguma coisa não é apenas para determinada zona, país ou até mesmo este planeta, mas para todo o Infinito! Compreendei-o bem: Cada palavra que Sua Boca profere — movimentada pelo Espírito Eterno de Deus — e toda ação consequente são de infinita repercus- são! Necessito deixar-vos e sujeitar-me à Vontade do Grande Mes- tre!” O anjo volta para junto de Josoé, que tinha vários assuntos a discutir, pois as controvérsias havidas deixaram-no um tanto pertur- bado e Raphael tem o que fazer para ajustar seu discípulo.
74.OSENHORANUNCIAUMECLIPSE SOLAR
Eis que digo: “Amigos, nossa refeição material e espiritual durou cerca de quatro horas. Levantemo-nos, pois, a fim de obser- var o mar que talvez apresente algo digno de nossa atenção! Dentro de meia hora, assistireis a um eclipse total do Sol; ninguém se deve inquietar, pois é fato natural!
A Lua, numa distância de noventa e oito mil horas, passará diante do Sol impedindo que sua luz recaia sobre a Terra. O eclipse durará apenas alguns instantes, o suficiente para que vejais a conste- lação sideral do inverno, e depois reaparecerá o Sol sobre os bordos
da Lua. Digo-vos isto para que não sintais medo, demonstrando-vos a naturalidade de tais fenômenos.
Ao mesmo tempo descobriremos três navios de carga, que deverão alcançar a praia antes do dito eclipse; do contrário, a su- perstição nefasta obrigará os marujos a fazer jogar ao mar um grego honesto, em companhia de sua filha de beleza e virtudes raras. Via- jam para Jerusalém, com o objetivo de ver o Templo e se inteirarem da religião judaica e levam para tanto enorme riqueza, que cairia nas mãos dos gregos criminosos.
Não há tempo a perder, pois os astros seguem ininterrupta- mente sua trajetória dentro da lei; se esta marcha fosse impedida, a Terra levaria grande prejuízo por um milênio. Se os três navios, porém, forem trazidos à praia numa rapidez milagrosa, ninguém será prejudicado: muitos pobres desta zona até lucrarão, material e espiritualmente. Mãos à obra!”
Todos correm à praia, organizando uma fila enorme com ajuda de Raphael, pois que tentam ficar bem juntos de Mim, que já sou requisitado por Ebahl, Yarah, Raphael e Josoé. Finalmente resol- vo embarcar com Cirenius no navio de Marcus, que o faz navegar, ora para cima, ora para baixo, à frente dos que Me acompanham. Eis que a Lua se aproxima rápida do Sol. Chamo, então, Raphael e lhe digo: “Sabes o que te cabe, portanto age!”
Diz ele, considerando os hóspedes: “Senhor, de uma só vez ou pouco a pouco?”
Respondo: “Dentro de doze instantes, de um só golpe!” Os navios, entretanto, acham-se tão longe que mal podem ser vistos, e em linha reta a distância é de quatro horas.
75.RAPHAELSALVAOS GREGOS
Tanto Cirenius quanto Marcus se esforçam por descobrir os navios — e nada! Outros, de melhor visão, localizam-nos quais mos- quitos, dizendo: “Senhor, favorecidos por bons ventos, esses navios levarão duas horas para aqui chegar.”
Digo Eu: “Não vos preocupeis, meu capitão sabe trabalhar!”
Indagam os trinta fariseus: “Onde estaria, a quem fosse pos- sível tal coisa?”
Respondo: “Conheceis o jovem mentor do filho adotivo de Cire- nius: é ele!” Insistem eles, amedrontados: “Onde está sua embarcação?”
Diz Raphael: “Não necessito dela!” — e desaparece! Todos se assustam, crentes de ter o jovem pulado n’água, a fim de nadar em direção aos navios. Havia muitos que ignoravam ser Raphael um anjo. Tomavam-no pelo mentor de Josoé, pois se dedicava mais àquele, enquanto o é de Yarah.
Mas os indagadores se refazem do susto; os três barcos se aproximam da praia, Raphael está a bordo do que traz pai e filha, atemorizados pela viagem rápida a estas plagas e pela presença do jo- vem capitão. Os próprios marujos param estatelados com os remos na mão. Após alguns instantes de assombro, o grego se dirige com devoção a Raphael: “Quem és, ser supremo? Quem te mandou nos trazer aqui e qual a razão?”
Responde o anjo: “Não indagues, mas sim observa o Sol, que perderá por momentos o seu brilho. Se vos encontrásseis em alto mar, a superstição dos navegantes vos teria atirado às ondas, a fim de dividirem vossos tesouros. Prevendo tal fato, nosso Mestre Divino mandou que eu vos salvasse. Embora salvos, esperam-vos aconteci- mentos desagradáveis que me levam a permanecer a bordo durante a reação dos marujos.”
O grego e sua filha observam com pavor que do Sol apenas resta estreita faixa; por isto ele se levanta e atira u’a maldição contra o “dragão” horrendo que procura devorar o astro. Era isto hábito religioso de alguns pagãos da Ásia Menor, que procuravam, deste modo, forçar o dragão a expelir o Sol. O velho, no entanto, ainda não terminara as imprecações quando o astro é completamente obs- curecido pela Lua.
No mesmo instante se ouve uma gritaria selvagem entre tripu- lação e os soldados romanos à beira da praia. Os marinheiros, quase loucos de pavor, atiram-se sobre o grego, sua filha e Raphael, tentando
jogá-los ao mar, pois lhes atribuem a culpa do eclipse. O anjo, com todo a calma, põe um a um dos rebeldes à margem e o mais irritado é lançado às ondas, tendo dificuldade para alcançar a praia a nado.
76.CONSEQUÊNCIADO ECLIPSE
Neste permeio o Sol surge por trás da Lua, dando novo âni- mo aos presentes. Apenas Cirenius e Julius permaneceram calmos, a Meu lado, durante o fenômeno, apreciando a constelação do inver- no. Meus próprios discípulos se inquietaram, e Yarah e Josoé pularam dentro de Meu bote, tremendo de pavor pela gritaria dos rebeldes.
Pouco a pouco a iluminação volta ao normal, a tripulação re- torna às embarcações e pede desculpas ao jovem e ao grego por tê-los agredido. O grego, então, diz: “A pessoa sempre deve agir de acordo com sua crença; a vossa tem de ser iluminada para compreenderdes que os deuses, em absoluto, exigem vítimas de nossas mãos, pois dispõem de meios incontáveis para tal fim.”
A esta explicação os marujos prometem agir mais compreen- sivelmente no futuro. Em seguida indagam se o grego continuará a viagem. Ele responde: “Não vedes o jovem poderoso em nosso meio? Salvou-me de vossa ira supersticiosa e também a vida de minha filha. Com isto tornou-se meu senhor, obedecendo-lhe eu integralmente: sem sua ordem não me afastarei nem em dez anos!
Além disto, algo me diz que achei, neste lugarejo simples, mais que em toda Jerusalém. Assim, apenas indagarei do hospedei- ro sobre minha permanência, fazendo, neste caso, desembarcar os meus tesouros e vos incumbindo da tarefa.”
Durante esta palestra subi no navio do grego, em companhia de Cirenius, Julius, Yarah, Josoé e Marcus, que diz: “Amigo, vês que um hospedeiro honesto sempre está com a casa cheia; todavia, ainda há espaço, caso queiras ficar.”
Responde o grego, amável: “Bom homem, necessito apenas duma área de trinta passos de comprimento e dez de largura, que servirá para levantar meus três acampamentos; alimentos e bebidas
trago-os comigo, possuindo também ouro e prata de sobra, caso se esgotem. Qual o preço que exiges pelo aluguel da área?”
Diz o velho Marcus: “Sei que vós, gregos, sempre apreciais uma conta exata, o que não é usual entre os romanos e judeus de boa índole. Ficarás o tempo que quiseres e se exige de ti apenas ver- dadeira e sincera amizade. Se, além disto, pretendes fazer algo em benefício de um pobre, tens liberdade para tal. Por isso, faze desem- barcar tuas bagagens e fica à vontade, não só na parte desejada, mas na minha quinta de boas proporções. — Estás satisfeito?”
Responde o grego: “Encabulas-me e mal me atrevo a fazer uso de tua benevolência, pela incerteza de ta poder retribuir.”
Diz Marcus: “Tua amizade me valerá mais que todos os te- souros enumerados e dos quais não necessito, pois tenho outros maiores, isto é, de qualidade espiritual.”
Indaga o outro: “Neste caso estás de posse daquilo que eu e minha filha procuramos debalde por todos os cantos da Terra?”
Responde Marcus: “Aqui, neste local, encontrarás o que nem a Terra, nem os astros, nenhum templo e nenhum oráculo te poderão facultar.” Incontinenti o grego ordena aos quatorze empre- gados porem mãos à obra.
77.DEUSESE HOMENS
Nisto digo Eu ao grego: “Ouve, amigo! Bem que tens servos diligentes e ativos; entretanto, levarão tempo imenso para organi- zar tua bagagem. Vê, este jovem é um dos Meus múltiplos servos e fará, num instante, mais que os teus em cem anos. Assim, deixa-os descansar que ele fará tudo conforme teu hábito. Se quiseres, da- rei a ordem.”
Diz o grego: “Ficarei mui grato caso tal for possível, pois meu pessoal está exausto da viagem.”
Digo Eu a Raphael: “Mostra o que pode um espírito puro, num instante.” Raphael se curva diante de Mim, dizendo: “Senhor, ordenaste, e já tudo está feito!”
Viro-Me para o grego: “Bem, amigo, investiga se está tudo a teu gosto.”
Ele se levanta, bota as mãos na cabeça e exclama: “Mas..., que é isto? O moço nem nos deixou e minhas tendas já se acham levan- tadas, tudo parece estar arrumado! Não! Isto não é possível! Tenho que ver de perto!” Acompanhado por nós e pela filha, constata que tudo está de acordo com sua vontade.
Atordoado, diz ele, após algum tempo: “Devo me encontrar, ou entre magos do Egito, ou entre deuses! Nunca assistiu alguém a tal coisa! E tu, amigo (virando-se para Mim), pareces ser o mestre ou Zeus entre os demais?! Não foste gerado pela carne, e sim pelo espírito, desde toda Eternidade! Ó deuses, que poder deveis possuir a fim de realizar tais coisas, e quão miserável é o homem, verme cego no pó?! Podeis tudo — e nós, nada! Amigo, que és um deus e sobre tudo mandas, que posso eu, mortal, fazer ou dar-te, pois diriges a Terra e os astros?!”
Digo Eu: “Possuis bastante conhecimento natural e julgas o milagre ocorrido com tirocínio acertado. Não deves, porém, julgar o homem abaixo de teu critério referente aos deuses. Digo-te: todos eles, que pretendes conhecer e até veneras, nada são perto duma criatura compenetrada do Espírito Divino.
Vê, a maioria das pessoas aqui presentes são tão poderosas quanto este jovem; no entanto, são carne e osso! Podes apalpar-Me e verificarás que também assim sou, fisicamente; mas este corpo é repleto do Espírito Divino, Onipotente, a cuja Vontade todos se dobram.
Deste modo, agimos apenas pela força do Espírito de Deus, que se acha em nós, pensa e atua como Sua Sabedoria que tudo vê e sente, julga bom e útil. Estas qualidades Me são afins no mais eleva- do grau; eis por que sou Mestre. Posso, todavia, capacitar para tanto todos os de boa vontade.
Jamais esta faculdade poderá ser conferida à pessoa de má índole; pois necessário é ser iniciada completamente na Santa Or- dem do Espírito Divino antes que se receba a Onipotência do Espí-
rito de Deus, o que se dá quando a alma da criatura pura é por Ele compenetrada. A alma, então, apenas deseja o que é da Vontade de Deus e esta Vontade tem de ser realizada, por ser Ele a Eterna Força Primitiva e o Poder de todo o Universo!
Tudo que existe, vive e pensa no Espaço é o Pensamento Imutável deste Espírito Eterno, na Ordem por Ele Mesmo fixada, em sua parte espiritual e subsequente Ideia, que por sua natureza também é capaz de se transpor no espírito livre. Eis uma definição sintética das coisas! És bom pensador e hás de assimilá-lo em breve; agora, basta! Dar-te-ei para companheiro um tal Mathael, homem de profundo saber; muita coisa aprenderás em seu convívio e te es- clarecerá quanto à Minha Pessoa.”
Satisfeito, o grego aguarda a apresentação de Mathael, ad- mirando-se profundamente da Minha Sabedoria. Convoco, pois, o visionário e digo: “Olha, Meu amigo, eis uma casa um pouco avaria- da; és exímio carpinteiro e saberás de que necessita.”
Diz Mathael: “Senhor, com Tua Ajuda ela se tornará boa e sólida.”
78.MATHAELSETORNAPROFESSORDE OURAN
Após este preâmbulo, o grego, chamado Ouran, começa a meditar, a fim de poder entrar num intercâmbio espiritual com Mathael, que demonstrara em poucas palavras ser dotado de gran- de cultura. Passado algum tempo ele lhe indaga se tem vontade de acompanhá-lo em suas viagens a terras longínquas e qual o pre- ço a pagar.
Diz Mathael, apontando-Me: “Eis um Salvador de corpo, alma e espírito! Há nem bem doze horas, eu ainda era o ser mais miserável desta Terra: minhas vísceras estavam de tal modo possuí- das de maus elementos que toda minha natureza se tornara diabó- lica. Numa horda de salteadores me portei feito monstro, pois meu físico tinha de obedecer, enquanto a alma permanecia estarrecida, ignorando o que se passava com o corpo. Quem teria sido capaz de
me ajudar, sendo eu o pavor de todos que de mim se aproximavam?! Apenas uma coorte de guerreiros destemidos conseguiu dominar-
-me, assim como a outros. Amarrados quais tigres, fomos aqui trans- portados para o julgamento final.
Aí vês o Grande Mestre, vindo dos Céus, para nos curar, diabos personificados, pela palavra e ação. Por esta cura nada nos pediu, mas sim cumulou-nos de benefícios extraordinários, física e espiritualmente!
Agora, pela primeira vez por Ele convocado para Lhe servir, indagas do preço! Amigo, antes de não ter eu pago minha dívida para com Ele, impossível é exigir-te algo; sirvo ao Mestre e não a ti! Continuarei sendo, por eternidades, Seu maior devedor, e ape- nas meus préstimos poderão diminuir meu grande débito. Por isto, jamais me ficarás devendo algo — a não ser tua amizade fraternal. Recebi-o de graça e dá-lo-ei da mesma forma!”
Diz Ouran: “Amigo, és o homem mais nobre que jamais vi! Por isso deves para sempre ser o sábio guia meu e de minha filha. Não mais perguntarei pelo custo monetário; todavia, aceitarás que junto a nós nada te falte como amigo e irmão?”
Responde Mathael: “Resta saber se irás aceitar de mim algo, tudo ou, quem sabe, talvez nada! Aquilo que tenho para dar não tem sabor agradável — como já tive provas — tal como vinho adocica- do com mel, tão do gosto dos gregos; ao contrário é, muitas vezes, amargo como fel e suco de aloés. Por isto, veremos primeiro como se fará a troca de nossas dádivas!”
Intervenho: “Quereis saber de uma coisa? Como ainda have- rá uma hora de Sol e até a noite será agradável, daremos um passeio ao monte de Marcus, a fim de que nos conheçamos mais de perto. Tuas barracas farás vigiar, pois delas terás necessidade apenas depois de meia-noite.”
Diz Ouran: “Estão guardadas ali grandes preciosidades..., mas presumo ser nosso amigo honesto.”
Obtempero: “Quando há pouco te encontravas em iminente perigo, a ponto de perderes vida e bens — quem te salvou?”
Ele reflete e diz: “Sim, grande Mestre, tens razão e reco- nheço a grande tolice que não mais repetirei. Estou pronto para te seguir!”
79.HELENA,FILHADOSÁBIO GREGO
Nisto se aproxima de Mim, com acanhamento, Helena, filha de Ouran, e pede: “Senhor, inatingível Mestre e Salvador! Não to- mes a mal a atitude de meu velho pai, pois afianço-te ser ele bom, benigno e condescendente, sem nunca ter feito uso de seus direitos, no que, por certo, não agiu bem. Jamais discutiu ou se queixou con- tra injustiça recebida. Eis por que os deuses o protegeram e a deusa Fortuna sempre lhe foi dedicada. Por isto, não aceites o zelo por ele externado como algo que pudesse ofender tua soberania! Se, todavia, minha suposição for errada, aceita minha vida como resgate pelo pai, que amo sobre tudo!”
Digo Eu aos que Me rodeiam: “Já vistes algum dia tal prova de amor filial? Em verdade, é apenas pagã, mas causa vergonha a toda Israel, que recebeu por Moysés o Mandamento de Deus de honrar e amar pai e mãe!”
Respondem todos: “Não, Senhor e Mestre! Nunca se viu tal exemplo!”
Digo Eu a Helena: “Não te amedrontes, Minha filha, pois conheço teu pai há muito tempo, e se assim não fosse, ambos esta- ríeis sepultados no fundo do mar!”
Diz ela: “Mas como tal coisa é possível, se te conhecemos apenas há uma hora?”
Respondo: “Oh, Helena, vê o mar e a Terra, por certo já bem velhos; no entanto, Eu existia antes disto tudo!”
Exclama ela, assustada: “Serás, por acaso, o próprio Zeus?”
Digo Eu: “Minha pombinha, não atemorizes teu coração com coisas banais. Não sou Zeus, porque nunca existiu! Mas sou a Verdade e a Vida, e os que creem em Mim não verão nem sentirão a morte, por eternidades! Sabes, agora, Quem sou?”
Diz ela: “Se fores apenas a verdade fria e sua vida pura, como sucede que neste momento começo a sentir um grande amor para contigo?”
Respondo: “Coração! Isto te será revelado no monte! Va- mos, antes que o Sol se vá!” Dentro em pouco alcançamos sua pe- quena elevação e Cirenius observa a paisagem deslumbrante, que diz poder fitar durante horas sem se cansar. Apenas é de lastimar que o dia esteja findando.
Aproxima-se Simon Judá e diz: “Senhor, hoje poderias dizer ao Sol como Josué: ‘Para!’, a fim de que teus filhos pudessem gozar esta maravilha e louvar Aquele que a criou!”
Diz Cirenius: “Oh, Simon! Velho e fiel pescador e discípulo do grande Mestre! Eis uma ideia boa, pois tal milagre seria muito mais fácil ao Senhor que a Josué!” — Junta-se Yarah para sustentar tal pedido.
80.OSOL ARTIFICIAL
Eu, porém, obsto: “Sois ainda crianças inexperientes, pedin- do algo que não pode suceder, pois o Sol não se movimenta diante da Terra! Possui ele uma órbita imensa, mas que não diz respeito a este planeta, tal como um grão de poeira em vosso paletó não influi em vossos movimentos.
Dia e noite se formam pela rotação rápida da Terra em torno de seu eixo. Já vos esclareci ser esta uma bola que, pela movimenta- ção, mostra suas diversas faces ao Sol. Eis por que em certos lugares é manhã; num outro, meio-dia; num terceiro, noite e num quarto, meia-noite, simultaneamente. Esses quatro estados mudam com muita precisão e frequência, de sorte que, em vinte e quatro horas, em todos os pontos da Terra se dão a manhã, o meio-dia, a noite e meia-noite. Esta ordem não pode ser alterada, sob risco duma com- pleta destruição de tudo que na Terra existe.
Se Eu fosse, realmente, forçar o Sol a irradiar sua luz pelo espaço de mais uma hora, teria que parar a rotação da Terra de modo
tão brusco, que alguns instantes representariam, para sua órbita, a distância daqui a Jerusalém. Isto provocaria um choque tão forte na Terra, em tudo que não fosse sólido, que não só atiraria todos os seres vivos, as casas e edifícios numa tremenda violência em direção do Oeste, como também jogaria mares sobre montanhas!
Por este motivo natural, não posso ceder ao vosso pedido; poderei, todavia, apresentar-vos um Sol artificial, como na época de Josué. Tal Sol desaparecerá em poucas horas, por ser apenas uma Fata Morgana (miragem). Prestai atenção; quando o verdadeiro de- saparecer, o artificial surgirá a Leste, permanecendo no horizonte durante duas horas.
Para este fim não serão empregados meios extraterrenos, mas sim da própria Natureza, conquanto ativados e constatados por for- ças excepcionais, provindas das esferas celestes, através de Minha Vontade. Tereis compreendido?”
Responde Cirenius: “Estou compreendendo perfeitamente, pois ainda possuo a maravilhosa laranja de Ostracina; lembras-Te, Senhor? Entretanto, duvido que os outros o tenham entendido.”
Digo Eu: “Não importa; o que não é assimilado agora, sê-lo-
-á mais tarde, pois disto não depende a salvação das almas. Criaturas conhecedoras da Terra são levadas a pesquisá-la em todos os pontos, o que as faz projetar a alma para o exterior e as torna materialistas e interesseiras. Eis por que é preferível menor conhecimento sobre a Natureza do globo e maior noção de si próprio.
Quem conhece seu íntimo a fundo em breve alcançará maio- res noções, materiais e espirituais, não só da Terra como de todos os corpos cósmicos no Espaço Infinito, sendo o conhecimento es- piritual precisamente o de máxima importância. A noção, apenas externa, referente ao planeta não pode aplainar à alma o caminho da Eternidade. — Agora, atenção! O Sol desaparecerá no ocaso, dando lugar ao artificial!”
Todos dirigem o olhar para o astro natural, que já havia su- mido em parte, atrás das montanhas. Quando desaparece comple- tamente, surge o outro Sol, com luz idêntica até às zonas próximas. Não alcança as estrelas, de sorte que alguns hóspedes vislumbram a Leste, em semiobscuridade, vários astros de primeira categoria, o que desperta grande admiração.
Nisto se aproxima Ouran com sua filha e diz, com voz trê- mula de veneração: “Se tudo que me rodeia e eu mesmo não somos ilusão, és o Deus dos deuses, dos espíritos, das criaturas e animais
enfim, de tudo que existe! Até parecem Te render obediência os elementos e os astros!
Se Tu, embora homem igual a mim, consegues tais coisas apenas pela Palavra e Vontade Poderosas — pergunto a todos os cientistas o que Te falta para a personificação dum deus perfeito?! Eu, Ouran, pequeno soberano das zonas do Pontus, reconheço-Te como Deus. Mesmo se viessem Zeus e Apollo para contestá-lo, pro- var-lhes-ia sua tolice. Vem cá, filha, vem e vê o Deus dos deuses — vê o que jamais foi dado a um mortal fitar!
Nosso povo e outros mais construíram um templo sagrado ao deus desconhecido, que nunca é aberto. Denominava-se tal deus o ‘destino jamais revelado’, diante do qual até o grande Zeus treme como o arbusto na tempestade. E este deus temido está diante de nós, e acaba de impor a Apollo a ordem de fazer parar o carro do Sol, em virtude do pedido daquele romano respeitoso, que certamente é rei de alguma província feliz.
Vê, filha, Apollo não se move até receber ordem secreta do deus desconhecido, que apenas se revela aos servos do Templo de Jerusalém — o que pode muito bem ser uma inverdade, pois não reconhecendo Este como o Único, Verdadeiro, estão redondamente equivocados!”
Diz a simpática Helena: “Por certo são informados a Seu res- peito em quadros alegóricos; entretanto, duvido que tomem este
homem milagroso por Aquilo que realmente é. Somente não perce- bo por que meu coração cada vez mais se sente repleto dum amor verdadeiro e puro, pois todos nós devemos apenas temer, adorar um deus e lhe ofertar sacrifícios.
Sabes com que severidade nosso sacerdote, que servia a Apollo, proibiu-me de amar a um deus. Tal amor seria sacrilégio e, quando muito elevado, poderia atraí-lo, despertando o ciúme das deusas num desafio ao destino cruel duma Europa, Dido, Daphne, Eurydice e Proserpina.
Levada por seu conselho, consegui um estado de espírito tal que a possível aparição dum deus encantador não me teria apavora- do menos que a cabeça horrenda duma Medusa, Gorgo ou Megera. Nestas condições não mais era admissível falar dum amor para com um deus; entretanto, confesso-te que, não obstante minha luta ín- tima, amo cada vez mais a este! Sim, por amor Dele seria capaz de sofrer a pior morte se, por tal sacrifício, me concedesse apenas um olhar amável! Ó Céus! Como é atraente, embora tão sério! Os deuses fizeram mal em nos proibir de amá-los!”
Diz Ouran: “Sim, minha filha! Eles sabem o que podem fa- cultar aos mortais! Devemos nos purificar nesta vida até não mais haver u’a mácula em nossa alma, quando formos julgados pelos três juízes implacáveis: Minos, Éako e Radamanto. Quando estes nos de- clararem puros diante de todos os deuses, ser-nos-á permitido no eterno elísio, como felicidade máxima, amar aos deuses, ao menos secretamente. Enquanto encarnados deves cuidar de não te apaixona- res pelo mais elevado deus! Isto seria a maior das desgraças! Se sentires tal paixão, será chegado o momento de abandonarmos este lugar.”
Responde ela: “De nada me adiantaria, pois já O tenho em meu coração! Observa, porém, aquela menina delicada: parece tam- bém amá-Lo, entretanto nada de mal lhe sucede.”
Diz o pai: “Quem sabe não é uma deusa? Terias de temê-la, e não a Ele!”
Diz Helena, com lágrimas nos olhos: “Sim, poderás ter ra- zão! Mas quão infelizes somos nós criaturas! Não existe coisa mais
triste que um coração que não deve amar! Se meus olhos me aborre- cem, posso cegá-los; se mãos ou pés me importunam, posso decepá-
-los! Mas que fazer com o coração quando começa a me aborrecer? Se sofro do estômago, Esculápio aconselha o suco de aloés — mas contra a dor no coração não dá remédios.
Agora me ocorre algo: este Deus também é Salvador, por- tanto ajudar-me-á se Lho pedir, pois fê-lo quando ainda não O co- nhecíamos. Certamente nos ajudará agora se Lhe pedirmos, prontos que estamos para qualquer sacrifício!”
Diz Ouran: “Eis uma boa ideia que talvez nos traga bons re- sultados. Como Ele nos recomendou o sábio Mathael para instrutor, só através deste conseguiremos alcançar o grande Deus. Mathael me parece um semideus, igual àquele jovem que suponho ser Mercúrio.”
Diz a filha: “Talvez; mas quem sabe já não morremos e bebemos do rio do esquecimento, encontrando-nos no elísio, e os deuses queiram que cheguemos a este conhecimento por nós pró- prios? Observa bem a maravilha desta zona; poderia ser o elísio mais deslumbrante?! Um Sol se vai, outro vem, e até as estrelas não faltam no Céu! Assim sendo, pai — meu amor não mais seria pecado.”
Diz Ouran: “Filha, tua observação pode ser certa, embora não queira assiná-la como tal. Mathael nos esclarecerá. Há bem pou- co esta paisagem nada tinha de maravilhosa, e quando este segundo Sol se for teremos o mesmo quadro. Mas recorramos a Mathael, que se acha em palestra com o velho rei, e o deus com um comandante romano. Fala tu, pois as mulheres têm mais jeito para tanto.”
Diz ela: “Espera um pouco, pois não sei bem como come- çar.” Concorda ele: “Tens razão, em tudo que se deseja encetar, de- ve-se usar de inteligência.”
82.ORIENTAÇÃODE MATHAEL
Após este diálogo, ambos se calam e Helena espera criar co- ragem para se dirigir a Mathael. Quanto mais tempo passa, maior é o receio, e tudo que fita a seu redor, os últimos acontecimentos e
Minha Presença não permitem que se faça paz em seu íntimo. Perce- bendo-o, Mathael se dirige a Ouran: “Amigo, estás triste e tua filha parece estar adoentada! Que se passa?”
Diz aquele, baixinho, a Helena: “Estás vendo?! Tem cuidado, fala pouco e devagar, para não te arrependeres dum possível passeio àquele local, vigiado por Cérbero e dominado por Pluton!”
Nisto Mathael bate no ombro do amedrontado Ouran: “Amigo, que há? Já não falas comigo?”
Diz ele tremendo: “Ah, que susto! Nada há!... Mas... minha filha e eu percebemos que estamos no verdadeiro Olympo, morada dos deuses. Tudo aqui se passa de modo sobrenatural: a santidade deste ambiente nos apavora, tanto mais quanto minha filha começa a sentir um amor intenso para com o grande Deus.
De acordo com nossas leis deíficas, é tal amor um crime contra a santidade dos deuses, mormente contra o Máximo. Minha pobre filha já não pode fugir a este sentimento que lhe impõe o co- ração. Eis por que tomei a resolução de pedir ao grande Deus para livrá-la deste conflito. Quererias ter a bondade de intervir junto a Ele no sentido de curá-la de seu mal?”
Pela primeira vez após sua cura Mathael ostenta um sorriso benevolente e diz: “És pagão perfeito: procuras no mundo inteiro a luz da verdade e, quando a encontras, não a reconheces, devido tua tolice! Lastimo tua pouca visão e espero melhorares em breve.
Aquilo que tua filha sente pelo nosso grande e santo Mestre é justamente o único e verdadeiro comprovante da própria centelha do espírito em sua alma. Quando esta centelha se tornar uma chama poderosa em seu peito, reconhecerá ela a nulidade de vosso politeís- mo e a Eterna e Única Divindade Daquele que lançou tal centelha em seu coração puro.
O amor é o único meio pelo qual Deus educa Suas criatu- ras para a Filiação Divina e, finalmente, as iguala às que já recebe- ram este batismo — e tu, pagão velho e cego, pedes libertação desta Graça que Deus Mesmo derrama, em Sua Misericórdia, em vossos corações, para despertar vossa vida interna?! Desiste de tua tolice e
torna-te apto para penetrar na vida eterna dentro de ti pela força dada por Deus, a fim de que possas reconhecer a ti e a Ele, volvendo à verdadeira e infinita bem-aventurança!”
83.ORIGEMESIGNIFICAÇÃOONOMÁSTICADOS DEUSES
(Mathael): “Digo-te em Nome do Senhor, que ora aqui Se acha, que teus deuses apenas constituem uma lista de nomes fúteis, e antigamente representavam as qualidades do Único e Verdadeiro Deus, cujo Espírito age em plenitude neste Mestre diante de vós.
‘Ceus’ é aquela denominação que, na época dos patriarcas, figurava diante duma Lei provinda do Espírito Divino na alma da criatura, significando: ‘O Pai assim o quer!’ Pelo Ce, ou também Ze , era representada a ideia da Vontade firme e imutável, e pelo us, ou melhor ainda, uoz ou uoza, a ideia do Pai Criador que tudo rege no Céu.
Assim, a definição ‘Júpiter’, ou Je u pitar , significava aquilo que os patriarcas ensinavam aos filhos como receptáculo correspon- dente ao Amor e à Sabedoria de Deus. A letra u, que representa a linha externa dum coração aberto, é a verdadeira taça da vida; pitquer dizer beber; pitaré um que bebe; pitara , uma taça sagrada, e pitza ou piutza, um copo comum.
Assim como Ceus ou Jeupitar para vós nada mais é que um nome vão, porquanto desconheceis o seu sentido, também, e ainda mais tolos e fúteis, são os restantes nomes de vossos deuses e deusas.
Por exemplo, representava Venuz ou Avrodite entre vós a deusa feminina. Embora também o fosse para os velhos patriarcas, sabiam eles muito bem que raramente u’a mulher bonita é inteligen- te, pois é vaidosa e se preocupa com sua beleza, não tendo tempo para a conquista de algum conhecimento. Por este motivo os pa- triarcas denominavam tal mulher de Venuz, ou Veniz, quer dizer: Nada sabe, ou nada conhece.
O mesmo se dá com o nome Avrodite. Quando se lia Ovro- dite, tal representava gerar a pura Sabedoria Divina; o Slourodit:
criar o saber humano; Avrodit, porém: projetar a tolice humana, e se aplicava a uma bonita mulher, mas enfeitada e geradora da tolice.
Pela letra V os patriarcas idealizavam o sinal dum receptá- culo. Se o O precedia o V, imitando a figura do Sol, correspondia a Deus em Sua Luz Primária; o V, então, tinha a finalidade de receber a Luz da Sabedoria, após o O. Estando um A, pelo qual os velhos classificavam a matéria pura, antesdo V, este receptáculo representa- va a absorção da tolice absoluta. Rodit quer dizer: gerar, e A V rodit: gerar a tolice. — Dize-me, estás começando a perceber a nulidade quanto à natureza dos deuses?”
As feições de pai e filha se alegram e Helena não mais se amedronta com seu amor por Mim. Ouran, então, diz a Mathael: “Amigo, teu saber é enorme! Aquilo que acabas de me dizer em pou- cas palavras, nem em cem anos as escolas do Egito, Grécia e Pérsia teriam produzido. Conseguiste exterminar em meu íntimo todos os deuses, com exceção do Grande, Desconhecido, o Qual, porém, achei aqui e espero conhecer melhor. Não há ouro que pague o que fizeste; recebe minha gratidão — o resto seguirá!” A este agradeci- mento também se junta Helena.
84.MATHAEL,DEMOLIDORDETEMPLOS PAGÃOS
A seguir Mathael se aproxima de Mim e indaga se agiu bem, ou se a explicação acerca dos deuses não fora talvez prematura.
Digo Eu: “Em absoluto; falaste dentro da verdade pura e apa- gaste do paganismo, em poucas palavras, muito mais que alguns sábios, em muitos anos. Quem quiser educar alguém compreensi- velmente terá, antes de mais nada, de afastar dele sua velha tolice. Só deste modo tornar-se-á um vazio, fácil de encher com toda sorte de Sabedoria do Alto. Isto acontecerá com esses dois.
Afirmo-te que ambos em breve alegrarão Meu Coração de modo mais intenso que dez mil judeus, convencidos de serem muito justos dentro da Lei de Moysés, enquanto, como criaturas, são mais estranhas ao Meu Coração que aquelas que nascerão daqui a mil
anos. Digo mais: Se algum dia pretenderes te casar, Helena deve ser a preferida! Longe de Mim, contudo, querer Eu te impor; seguirás a voz do coração.
Agora vai e sê amável; o velho, aliás culto, e sua filha duma beleza rara exigir-te-ão outras explicações referentes a nomes da antiguidade. Sábio que és, ser-te-á fácil responder acertadamente. Ao mesmo tempo tua palestra causará boa impressão aos romanos, iniciando-se assim o ruir de muitos templos pagãos. Embora com bastante esforço, realizar-se-ão em alguns decênios maiores efeitos entre o paganismo do que daqui a milênios.
Sempre será tarefa difícil propagar-se a luz durante a noite; porém, uma vez chegado o dia, dispensável se torna, porquanto o dia já a fornece. O velho te fará perguntas importantes, a que res- ponderás à altura. Vai em Meu Nome e desempenha bem teu papel. Todos nós prestaremos atenção e Eu farei com que os mais distantes também te ouçam!
Deixarei que o Sol artificial continue irradiando luz por mais algumas horas, pois isto atrairá o povo, em parte por curiosidade e em parte por medo deste fenômeno. Enquanto isto terás concluído tua tarefa. Após Eu ter apagado esse Sol, faremos um bom jantar aqui no alto, e em seu decorrer muita coisa será discutida. Sabes, portanto, o que fazer; o futuro apontará o resto.”
Mathael Me agradece por tal missão — intimamente tam- bém pela sugestão quanto à bonita moça, cuja beleza desde o início o havia deslumbrado. Os próprios romanos, inclusive Cirenius, não tiram os olhos da linda grega, pois seu físico parece formado do éter puríssimo, tendo quase maior atração que o Sol artificial. Assim, Mathael se vê obrigado a se dominar, sendo Eu o Único a perceber o que se passa em seu íntimo.
85.DIFERENÇA ENTRE A BELEZA DOS FILHOS DE DEUS EDO MUNDO
Mathael, então, de modo grave se aproxima de Ouran e sua filha, perguntando-lhes se haviam refletido acerca de suas palavras. Diz Helena, amavelmente: “Consta ser eu moça bonita, até já me denominaram de ‘segunda Vênus’; achas que tua explicação se aplica à minha pessoa?”
Tal pergunta deixa Mathael um tanto embaraçado, pois des- cobre ter ofendido o coração de Helena; rápido se controla, dizendo: “Querida irmã, o que te disse aplica-se apenas aos filhos do mundo; os filhos de Deus podem ser de aparência deslumbrante — enquan- to seu coração permanece humilde. A forma externa é somente o espelho de sua beleza espiritual, enquanto nos filhos do mundo é a caiação enganadora dos sepulcros, de esmerado aspecto mas, inte- riormente, cheios de podridão.
Tu, no entanto, procuras a Deus — por isso também és fi- lha Dele. Os outros procuram o mundo, sendo, portanto, filhos do mundo. Fogem de tudo que é divino, em busca apenas da honra e do prestígio mundanos.
Dizem-se felizes quando o mundo se lhes apresenta maravi- lhoso e belo; falando-se-lhes de coisas espirituais, eles nada enten- dem e, a fim de ocultar sua vergonha, cobrem-se de toda sorte de trapos, de orgulho e vaidade, perseguindo com ira, ódio e escárnio a sabedoria que Deus esparge nos corações de Seus filhos.
Eis a grande diferença entre a beleza dos filhos de Deus e do mundo. A primeira, como já disse, é a estampa da pureza de sua alma; a segunda, a caiação dos sepulcros, representada por Vênus. Isso, no entanto, não se aplica a ti, que procuras a Deus e até mesmo já O encontraste. Compreendes?”
Responde ela: “Sim, mas alegar que seja eu filha de Deus parece-me um tanto arriscado. Somos todos criaturas de um só Criador; entretanto, não se pode falar da infinita sublimidade dos verdadeiros filhos do Pai, uma vez que pela nossa natureza material
somos contaminados de fraquezas e imperfeições. Assim, penso que te excedeste um pouco.”
Diz Mathael: “Em absoluto, pois aquilo que te digo recebo-o do grande Uno, e o que Ele me ensinou é e será a Verdade Eterna! Se, porventura, tens uma pomba, deves cortar-lhe as asas, a fim de não voar e tornar-se mansa, pois ficará tolhida. Pensas ser ela menos ave neste estado? Suas asas não lhe crescerão com o tempo? Por cer- to; ela, todavia, já estará domesticada e permanecerá contigo. Mes- mo se vez por outra fizer um pequeno voo — basta a chamares para que volte e tu a acaricies.
Os filhos de Deus, nesta Terra, têm certas fraquezas que os impedem de se elevar ao Pai; Ele permitiu que assim fosse durante nossa permanência na carne, pelo mesmo motivo que te terá levado a cortar as asas de tua pomba.
Devemos, justamente, reconhecer o Pai em nossas fraquezas, tornando-nos meigos e humildes, pedindo-Lhe forças e conforto. Ele não nos deixará de atender em época oportuna. Os filhos de Deus não perdem esse privilégio ainda que possuidores de pequenas imperfeições, assim como a pomba continua a mesma, impedida, temporariamente, de alçar voo. Compreendes?”
86.DUASMANEIRASDEAMARAO SENHOR
Diz Helena: “Sim, embora um tanto confusa; espero que mi- nha compreensão se dilate com o tempo. Dize-me, amigo, como é possível que meu amor para com o Grande Uno aumente sempre, todavia meu coração está isento de dor; sei que tal sentimento não é vício, mas sim uma virtude imprescindível na criatura, para com Deus. No que se baseia isto?”
Diz Mathael: “Querida, isto é evidente, apesar de que, de acordo com vossa crença tola e politeísta, tal amor seria condenável. Reconheceste tal erro e a Vontade Divina na Sua Fonte, e sabes que teu amor é virtude necessária. Não é assim?”
Responde ela: “Oh, claro, mas sem tua explanação não me teria sido possível compreendê-lo.”
Diz Mathael: “Bem, então o crescimento justo do amor te ensinará o resto. Agora aprecia este dia maravilhoso que Deus nos prodigalizou pelo Amor, Sabedoria e Poder Infinitos; pois tão cedo as criaturas não verão semelhante!”
Intervém Ouran: “Falaste bem, amigo, tal prolongamen- to do dia é bem extraordinário. Houve pessoas que viram, não raro, um, dois e três sóis, antes do verdadeiro, nas regiões do Pontus, provocando uma antecipação do dia. Esta prorrogação, porém, é inédita. O mais singular são as estrelas no Oeste, não obstante ser este Sol não menos forte que o verdadeiro. Podes explicar-mo?”
Diz Mathael: “Amigo, já foi discutido este assunto; todavia, farei uma tentativa para te elucidar.”
87.AMOVIMENTAÇÃODOS ASTROS
(Mathael): “Vê, este Sol dista de nós, em linha reta, o tempo que um cavaleiro precisaria para ir daqui até lá, isto é, metade de um dia. O Sol verdadeiro dista tanto da Terra que, se fosse possível, um bom cavaleiro correria mil anos para lá chegar. Quão extensa é a irradiação do Sol natural que preenche o Espaço comparado aos fra- cos raios deste, fictício! Atingem o Oeste apenas debilmente, o que se nota pela mais intensa escuridão naquela zona. O fato de nunca vermos um astro de dia se prende à irradiação incandescente do éter que envolve a Terra. Se a luz solar não fosse tão intensa, veríamos ao menos as grandes estrelas. Entendes?”
Diz Ouran: “Mais ou menos, pois nunca compreendi a mu- dança incessante das estrelas durante as diversas estações. Além disto existem outras que não permanecem constantes em sua rota; ca- minham de uma para outra constelação. Assim também a Lua não parece seguir certa ordem; ora surge mais para o Norte, ora mais
para Sul. Como entendes melhor do que nós, peço-te que desvendes esses segredos siderais!”
Diz Mathael: “O momento não é oportuno para te dar uma explicação minuciosa; todavia, podes ouvir o seguinte: Não são os astros, nem a Lua e nem o Sol que surgem e desaparecem, e sim a Terra que se movimenta em mais ou menos vinte e cinco horas em torno de seu eixo, pois é uma grande esfera, conforme foi explicado pelo Senhor. Esta rotação provoca os fenômenos por ti mencionados.
Estrelas que vês como fixas distam tanto da Terra, que não percebemos seu tamanho e movimentação. Isto apenas será percep- tível em milênios; alguns séculos não farão diferença. As que mu- dam constantemente se acham mais próximas da Terra, são satélites do Sol, razão por que lhes observamos a translação. Eis o essencial; os pormenores te darei noutra ocasião. Estás satisfeito?”
Diz Ouran. “Sim, apenas já me tornei um tronco velho, que dificilmente se deixa envergar. Desde minha infância vivi dentro das concepções antigas, as quais me provaram, muitas vezes, aquilo que acreditava; agora tudo é diferente, é preciso me despojar do velho pensamento — e isto será difícil.
Deste modo, custando-me compreender a futilidade do anti- go e a verdade do novo, peço-te que tenhas paciência comigo. Pouco a pouco ainda serei um discípulo prestável.
Minha filha dar-te-á menos trabalho, pois possui fácil assi- milação. De minha parte sei que me transmitiste verdades absolutas; elas permanecem, no entanto, esparsas no interior do meu cérebro, como as pedras fundamentais para um futuro palácio. Por enquanto ainda não percebo como o construtor uni-las-á.”
88.MÉTODOSEDUCATIVOSNOANTIGO EGITO
Animado pela boa observação do velho, Mathael diz: “Caro amigo, ponderaste acertadamente; todavia, contraponho o seguinte: Nas antigas escolas do Egito prevalecia um método estranho para a educação dos filhos pertencentes à casta sacerdotal.
As crianças recém-nascidas eram levadas a cubículos subter- râneos, onde jamais penetrava a luz do dia. Eram bem cuidadas e só tinham a iluminação duma lâmpada de nafta, em cuja fabricação os egípcios eram mestres. Nesta reclusão a criatura ficava até aos vinte anos, recebendo ensinamentos quanto ao mundo exterior, sem nunca o ter visto.
Sua fantasia lhe ajudava a formar quadros, sem contudo poder fazer ideia das dimensões do Sol e dos astros, enfim, de tudo que se prende ao mundo material. Destarte adquiria apenas fragmentos da verdade, que não obstante o esforço intelectual, não podia assimilar.
Tais fragmentos não deixavam de ser pedras fundamentais para a construção dum grande palácio, cuja realização não era possível no subterrâneo. Se o adepto, a critério dos instrutores, havia alcança- do o necessário grau de educação, era informado de que, pela Graça Divina, deveria subir à superfície, onde aprenderia num momento mais que ali em muitas horas. É claro que o aluno se alegrava com tal perspectiva, embora tivesse que morrer antes disto, de modo singular: adormeceria profundamente enquanto conduzido à superfície.
Que alegria não deveria sentir o jovem quando, ao despertar, se achava pela primeira vez banhado pelos raios solares! Ele próprio, de veste alva debruada de listras azuis e vermelhas! Que admiração não lhe causariam as criaturas de ambos os sexos! Enfim — tudo lhe seria um prazer contínuo!
Este quadro, que poderás completar de acordo com tua fan- tasia, traduz aquilo que ora se passa contigo com relação às verdades aqui reveladas. O que ouves nos aposentos escuros, nos quais tua alma por ora se encontra, são apenas fragmentos e não algo comple- to; quando teu espírito for despertado pelo amor a Deus e, através deste, o amor ao próximo — vislumbrarás, pela luz do teu espírito, tudo em conexão, um mar imenso de luz cheio de verdades subli- mes, enquanto agora vês apenas algumas gotas.
Nossa primeira tarefa será a libertação do espírito dentro da alma, a fim de atraí-la à luz do mesmo; isto alcançado, não mais co- lheremos as gotinhas, pois lidaremos com o mar imenso de Luz da
máxima Sabedoria de Deus. Então, não mais hás de querer saber das relações siderais, pois tudo te será tão claro como o Sol ao meio-dia, tendo chegado o momento de frequentarmos outra escola, da qual não tens ideia. Isto te agrada?”
89.PONDERAÇÕESDEHELENAQUANTOÀSAPIÊNCIA HUMANA
Diz Ouran: “Muito bem, e se assim não fosse não o sabe- rias. Por certo, também foste educado no inferno de tua carne, nele morrendo em seguida psiquicamente, e ora te achas no palácio da luz de teu espírito, deleitando-te em seus jardins elísios. As gotinhas de antanho se tornaram um oceano, enquanto eu nada disto posso alegar. Compreendo o sentido de tuas palavras; a relação completa entre elas só se fará quando minh’alma tiver deixado as catacumbas escuras da carne e for conduzida ao palácio iluminado do espírito, em cujo solo amadurecem frutos ambrosíacos na luz e no calor do Eterno Sol da Vida.
Tenho um doce pressentimento de que tal se dará; mas..., o quando não se deixa fixar, pois nem temos uma prova, dentro de nós, pela qual soubéssemos, mesmo alguns dias antes, da libertação da alma de suas catacumbas. Que poderá fazer a criatura? Nada, a não ser se entregar com toda paciência à Vontade daquele Guia Po- deroso que te despertou a alma sem antes demonstrá-lo à tua razão. Agora teria vontade de ouvir as reflexões de minha filha e como lhe pareceu teu quadro.”
Diz ela: “Oh, muito bem, e se os egípcios mantiveram tais institutos, provaram ser inteligentes, o que patenteiam em suas obras colossais. Apenas é de lastimar que não estendessem tal ensino ao povo, pois não posso imaginar, como plano do grande Criador, que a maior parte da Humanidade permanecesse inculta, conquanto existem, realmente, para um sábio mais de dez mil ignorantes.
Neste nosso grupo de quatrocentas pessoas talvez não haja nem uma oitava parte erudita, pois os soldados romanos e a criada-
gem do Prefeito não podem ser contados como discípulos. Daqui até a cidade próxima vê-se u’a multidão que fita estatelada o sol arti- ficial, sem que haja um entendido — embora alguns se digam como tais, pois não sabem que a presunção é pior que reconhecer, com humildade, a própria ignorância. Que dirão deste fenômeno e quem lhes responderá às diversas perguntas? Ignorantes e tolos saíram de seus lares, e para lá voltarão pior que dantes. Será isto preciso?
Os aqui presentes, conquanto não iniciados, sabem ao me- nos ser este sol fictício, criado pela Onipotência do Grande Mes- tre. Entendem tanto quanto eu; mas quando Ele apagar essa luz ninguém cogitará de saber Quem o fez! Os outros, entretanto, que nada sabem, serão tomados de pavor, julgando que os deuses estão irados e castigarão a Terra! Por isso seria aconselhável informar-lhes a respeito, não achas?”
90.OMOMENTOPROPÍCIOPARAOENSINO POPULAR
Diz Mathael: “Querida, isto seria inoportuno, pois no mo- mento de máxima agitação, tal empreendimento representaria para a esfera psíquica o mesmo que despejar água em óleo quente: tudo se incendiaria. Dentro em pouco a maior parte estará apta para ex- plicações mais concisas.
Os sacerdotes judaicos serão os mais afetados pelo fenôme- no, pois tomam tudo pelo lado material. Do sentido espiritual nada pressentem, tanto mais quanto não conseguem entender a inter- pretação alegórica usada por Moysés e outros profetas. Daniel, por exemplo, fala do horror de devastação, do obscurecimento do Sol e outros fatores horrendos que apenas tinham sentido espiritual.
Eis o motivo pelo qual os sacerdotes são tomados de pavor diante deste acontecimento. Se dentro de uma hora este sol desa- parecer como por encanto, seu medo será maior, pois que a Lua também não será vista, por já ter feito seu trajeto. Terão a mesma ideia que um bêbedo, julgando que as estrelas cairão por terra e o Dia do Juízo Final terá chegado. Observarás como o povo começará
a gritar quando se fizer a escuridão, mas não importa: tornar-se-á mais dócil, humilde e acessível à Verdade Pura. Amanhã todos virão para ver se o mar se transformou em sangue, e nessa ocasião poder-
-se-á falar-lhes. Este é um dos motivos por que o Senhor originou este fenômeno, pois esta cidade é uma das piores. Tudo que Ele faz tem sentido variado; só o que os homens fazem sem Ele não é de utilidade.”
91.PENSAMENTOSDEOURANNAPRESENÇADO SENHOR
Após estas palavras, vira-se Ouran para Mathael: “Confes- so-te, amigo, que o medo se apodera de mim só com a ideia do re- pentino apagar deste sol, pois reconheço a fraqueza total da criatura diante da Onipotência Daquele que, embora Se encontre em nosso meio, é sumamente Santo para que Dele nos aproximemos. É um pensamento estranho que nos toca o fundo d’alma: Ele é tudo em tudo, e nós — nada diante Dele!
É-nos, todavia, um consolo ser o Puríssimo Amor e aplicar por isto às pobres criaturas a máxima paciência, condescendência e misericórdia. Mas..., é Deus eternamente Imutável, e todo o Uni- verso depende de Sua Vontade. Bastaria um sopro de Sua Boca para tudo destruir, tal como a leve brisa faz cair a gota de orvalho pen- dente da folhinha duma erva.
Refletindo calmamente não se pode fugir do seguinte pensa- mento: existe algo em Sua Presença Visível que se poderia chamar a máxima sublimidade; doutro lado, tem-se o ensejo de permanecer longe Dele.
Desta forma, sinto uma vontade incontida de falar-Lhe, mas não há coragem para tanto em virtude de Seu Espírito Supremo, embora externamente dê a impressão dum homem simples e despre- tensioso. A nobreza de Seus Traços revela que todos os elementos Lhe são subordinados e Seus Olhos emitem irradiações luminosas. Estas ponderações nos tiram até o ânimo para gracejar, e agradecemos-Lhe que assim seja, pois sem Ele nossa situação seria bem precária.”
Diz Mathael: “Tens razão: eu teria sido enforcado pelos esbirros e tu terias perecido durante o eclipse. Agora silêncio, pois presumo que o sol se vá!” Todos se calam, olhando em dire- ção do astro.
92.EFEITODODESAPARECIMENTODOSOL FICTÍCIO
Poucos instantes antes do apagar previno a todos, em voz alta: “Preparai-vos, e tu, Marcus, acende lâmpadas e tochas para evi- tar que as trevas venham magoar a visão!”
Marcus e os servos acendem toda sorte de lâmpadas, en- quanto Cirenius e Julius mandam que os soldados façam fogo em gravetos. Eis que digo: “Apaga, luz fictícia do ar, e vós, espíritos, repousai!” No mesmo instante a escuridão se faz, e da cidade ouve-se um forte alarido.
Embora vejam os diversos fogos no monte, ninguém se ani- ma a dar um passo, pois os judeus tomam-lhes por astros caídos do Céu. Os pagãos opinam que Pluton haja roubado o sol a Apollo, por certo apaixonado por uma beldade qualquer — e a guerra entre os deuses é evidente. Tal acontecimento era temido por parte dos gen- tios, porquanto num já havido, os deuses do Orkus haviam atirado montanhas ardentes contra o Olympo, o que levara Zeus a reagir com inúmeros raios, dominando o poder do inferno.
Assim, julgam os pagãos que o Sol tenha sido ocultado pelas Fúrias nesse monte, onde os príncipes do inferno tenham postado vigias com tochas acesas — e ai daquele que dali se aproxime, pois o monte tem, deveras, grutas profundas em toda direção, e Marcus se servia precisamente de uma como adega.
Por estas duas razões, tanto os pagãos como os judeus voltam para casa, tão logo seus olhos se habituam à escuridão. Uns ador- mecem em seguida, outros aguardam com pavor os acontecimentos preditos por Daniel — e os gentios, a contenda entre Apollo e Plu- ton. Em suma: a confusão na cidade nada fica devendo à desordem de Babel. Apenas em nosso monte existem paz e um bom jantar,
que Raphael organiza num instante, alegrando os próprios solda- dos romanos.
93.ORIGEMEMISSÃOELEVADADO HOMEM
Após a refeição Ouran se dirige a Mim, indagando: “Senhor, para cuja Grandiosidade a língua mortal não tem nome, como po- derei eu, verme ínfimo do pó, agradecer e louvar-Te pelas dádivas inestimáveis que Tua Graça Divina me proporcionou? Que somos nós para merecer Tua Consideração, e que fazer para Te agradar?”
Digo Eu: “Ora, amigo, não faças tamanho alarde! Vê, és uma criatura mortal, em cujo corpo habita uma alma e um espírito imor- tal de Deus; Eu também sou homem, tenho uma alma na qual age o Espírito de Deus em plenitude, à medida necessária para este orbe, e Este Espírito é o Pai no Céu, cujo Filho Eu sou, tanto quanto vós.
Todos vós fostes cegos e ainda o sois em muitos assuntos. Eu vim ao mundo com a Visão Espiritual a fim de vos mostrar o Pai, tornando-vos conscientes.
Recebi a Plenitude da Vida, do Pai, e posso transmiti-la a quem a deseje, pois o Pai Ma conferiu antes que houvesse existido o mundo, e todas as criaturas deverão viver através de Mim. Psiqui- camente tenho esta incumbência; Meu Espírito, porém, é Uno com Aquele que Me enviou.
Sou, portanto, o Caminho, a Verdade e a Vida! Os que em Mim creem não verão nem sentirão a morte, mesmo morrendo vá- rias vezes; os que não creem em Mim senti-la-ão, mesmo que te- nham vida milenar!
Toda criatura tem um corpo sujeito à morte — fato que tam- bém ocorrerá com o Meu; a alma, porém, tornar-se-á mais liberta, lúcida e viva, unindo-se Àquele que a incumbiu da salvação de todos que creem no Filho do homem, cumprindo Seus Mandamentos.
Por isto, reflete bem e cumpre os Mandamentos fáceis que te serão transmitidos — eis tudo que precisas, pois Eu não vim para angariar honra e mérito humanos. Basta que Me louve Aquele Que
está acima de todos, no Céu e na Terra; e se alguém quiser honrar e louvar-Me, que Me ame realmente, pelas boas obras e observação de Minhas Leis, pois seu prêmio será grande no Além.
Sê alegre, não Me superestimes nem te reduzas em demasia
e caminharás na trilha justa, conhecendo, pouco a pouco, tanto a ti mesmo quanto a Mim.
Por ora orienta-te com Mathael, que encaminhará a ti e a tua filha. Se tiverdes um assunto especial, vinde a Mim que vos atende- rei; apenas deveis deixar de lado as exclamações exageradas. Deve- mo-nos tratar como amigos e irmãos, pois todos temos um espírito eterno dentro de nós, sem o qual não teríamos vida, e que não é menos divino que o Espírito Primário. Torna-te, pois, um discípulo verdadeiro de Mathael — e serás um apóstolo competente em teu país. Compreendeste-Me?”
Diz Ouran: “Sim, Senhor, e agora assimilei o que me fora dito acerca do Verdadeiro Deus! Jamais o teria imaginado!” Ele agora se cala, pois a emoção é forte demais, chorando de amor por Mim.
Tomando de sua mão, pergunto: “Que foi, que disse Ma- thael a respeito de Deus?”
Embora soluçando, Ouran responde, olhando-Me com ca- rinho: “Oh, que Deus em Si é o Amor Puríssimo! Ó Tu, Santo, deixa-me morrer neste amor para Contigo!”
“Não”, digo Eu, “ainda serás um bom trabalhador na Terra! E quando vier o fim de teus dias não morrerás, pois Eu te despertarei em vida. Por isso, tem confiança, já encontraste o caminho justo. Quem procura como tu, há de encontrar; quem pede igual a ti, a este será dado, e quem bate na porta certa como acabas de fazer, a este se abrirá. Agora vai e conta a Mathael o que acabo de te dizer!”
Não contendo suas lágrimas de amor e gratidão, volta ele para junto de Mathael, relatando-lhe tudo que Eu dissera. Tanto Mathael quanto Helena ficam tão comovidos a não poder impedir que as lágrimas lhes afluam, e Mathael conclui: “É inconcebível que Ele, o Ser Supremo, Se nos dirija e fale como o melhor amigo, sim, como verdadeiro irmão. Iguala-se a nós, enquanto cada olhar, cada
gesto, cada passo e cada Palavra, aparentemente simples, contêm um Ensinamento Profundo! Seus Atos testemunham Sua Divindade indiscutível, e tudo que faz já foi previsto desde eternidades para obtenção do melhor proveito.”
94.OPINIÃODEHELENAARESPEITODOS APÓSTOLOS
Diz Helena, comovida pelo amor a Mim: “Dizei-me quem são aqueles doze homens respeitáveis que pouco falam, mas sempre O rodeiam? Um parece-se muito com Ele, outro, bem jovem, anota tudo num quadro. Quem são?”
Diz Mathael: “Que eu saiba, com exceção de um, são Seus discípulos mais antigos e já senhores de suas próprias tendências. Aquele, porém, dá impressão de desonesto e jamais haveria de que- rê-lo por amigo; parece a encarnação dum diabo! O Senhor saberá por que admite sua presença, pois os maus também são Suas cria- turas e dependem do Seu Hálito. Por isso não devemos indagar por que Seu Amor pratica tais milagres até diante dum demônio. Teria vontade de interpelá-lo — mas deixemos isto, basta que Ele o co- nheça. Os outros, por certo, terão opiniões proveitosas, porquanto parecem ser mais que iniciados.”
Diz Helena: “Naturalmente externaram desde início grande capacidade de assimilação em assuntos espirituais, do contrário Ele não os teria aceitado como adeptos. Também eu teria vontade de lhes falar, mas isto certamente não será tão fácil, não achas?”
Diz Mathael, dando de ombros: “Deus, o Senhor, despertou meu espírito, que se uniu à minh’alma; por tal motivo conheço a mim e a Ele, à medida que me foi dado, dentro da verdade. Agora, ler o que se passa no fundo do coração humano como se lê num livro aberto — isto só é possível a Ele e a quem Ele o quiser revelar.
Numa criatura mundana, cuja alma esteja inteiramente ador- mecida e cerceada pela vontade e ação do cérebro e dos sentidos, fácil é positivar como e o que pensa, sente e deseja. Impossível, no entanto, fazê-lo em pessoas que sentem e agem pela influência do
espírito dentro da alma, pois já encerram em si as Verdades Eternas que somente Deus poderá reconhecer.
Por este motivo não nos é dado palestrar com elas como se fossem criaturas comuns. Num caso de necessidade, o Senhor o de- terminará; assim não sendo, devemos prescindir de tal prazer. — Mas..., que achas das estrelas fulgurantes, Helena?”
Diz ela: “Sempre despertaram meu mais vivo interesse, des- de que me conheço, tanto que guardei na memória uma série de constelações. As do zodíaco me foram indicadas como as mais im- portantes e as estudei no decorrer de um ano. Em seguida fiquei conhecendo as outras, sei seus nomes, posição e quando surgem e desaparecem. Mas, que adianta isto? Quanto mais me dedicava a esse estudo, maiores e mais incisivas eram as perguntas que me bro- tavam n’alma e, até hoje, ninguém logrou responder.
Quem foi o descobridor do zodíaco e lhe deu os doze nomes? Que relação existe entre o leão e a virgem, o câncer e os gêmeos, o escorpião e a balança, o capricórnio e o sagitário? Por que se colocou no Firmamento um touro e um carneiro, um aquário e peixes? É estranho que no zodíaco se encontrem quatro figuras humanas e um instrumento de precisão! Ficar-te-ia mui grata se me pudesses dizer o porquê.”
Diz Mathael: “Nada mais fácil; tem um pouco de paciência durante minha explicação que assimilarás tudo.”
95.MATHAELDEFINEASTRÊSPRIMEIRAS CONSTELAÇÕES
(Mathael): “Evidentemente, foram os primitivos habitantes do Egito os inventores do zodíaco. Primeiro, porque alcançavam maior longevidade que nós; segundo: o firmamento naquele país sempre foi mais límpido, o que facilitava a observação das estrelas; terceiro: dormiam eles durante o dia, em virtude do calor intenso, trabalhando a maior parte da noite, que lhes proporcionava oportu- nidade para a observação astronômica. Assim, gravavam a constela- ção, dando-lhe nome de algum fenômeno ou hábito entre o povo.
O estudo constante do zodíaco levou os homens à conclusão de que era um grande círculo dividido em doze partes, contendo cada qual uma constelação.
Os antigos já calculavam serem as estrelas mais distantes da Terra que o Sol e a Lua, e também incluíram esses últimos no grande zodíaco. Este, por sua vez, movimenta-se, de sorte que o Sol, em cujo redor gira a Terra, alcança em trinta dias outra constelação. O fato de entrar a Lua em poucos dias numa outra, explicavam eles pelo seu percurso diário mais lento em volta da Terra, tanto que nunca retornava ao mesmo ponto que o Sol. Havia alguns sábios que afirmavam o contrário; entretanto, prevalecia a orientação da morosidade lunar. Deste modo surgiu o zodíaco, e irás saber da ori- gem dos nomes.
Durante a estação dos dias mais curtos, que no Egito eram acompanhados sempre de chuvas — fato significativo, que levava o povo a iniciar um novo ano — o Sol se achava, por cálculo, na cons- telação que hoje denominamos aquário. Eis por que se lhe dava a figura dum pastor que, munido dum balde, despejava água num co- cho. Os velhos denominavam de aquário (Uodan) tanto o homem quanto a constelação e a época. Mais tarde a fantasia fútil das cria- turas o transformou num deus, venerando-o como vivificador da natureza ressequida. Deste modo a primeira constelação e a primeira época de chuvas ficou classificada. Vamos agora analisar os ‘peixes’.”
Nisto diz Pedro aos outros discípulos: “As explicações de Ma- thael são muito elucidativas, vamos prestar-lhe atenção.”
Digo Eu: “Isto mesmo; ouvi-o, pois Mathael é um dos pri- meiros cronistas desta época.” Todos se aproximam dele, o que o encabula um pouco, mas Pedro diz: “Continua, porque desejamos nos instruir contigo.”
Retruca Mathael, modesto: “Para vós, amigos, meu saber por certo será insuficiente; sois discípulos antigos do Senhor, enquanto eu me acho em vosso meio há dezesseis horas.”
Contesta Pedro: “Isto não te deve confundir; já nos deste provas que nos deixaram bem para trás. Tudo recebemos do Senhor,
pois o que a um dá num ano, a outro poderá dar num dia. Por isso, continua com tua explicação.”
Diz Mathael: “Pois bem; após trinta dias termina a época das chuvas e o Nilo se acha abarrotado de peixes que são iscados: parte é logo aproveitada, o restante é salgado e secado ao vento, que nessa ocasião é muito forte. Essa manipulação com os peixes é obrigatória devido ao clima, antes que as águas do Nilo sequem e os cardumes morram nos canais, empestando o ar com o mau cheiro.
O que hoje lá ainda é uso constituía, naquela época, verda- deira necessidade dos sábios habitantes, e como sempre se pescava na mesma época em que o Sol entrava em outra constelação, era ela cognominada de ‘peixes’, ou Ribar, ou ainda, Ribuze.
Pelo fato de as pessoas serem facilmente acometidas de febre devido à alimentação com peixes gordurosos e pela respiração de ar pestilento, classificava-se esta ocasião de ‘febril’, inventando-se uma deusa incumbida de afastar a moléstia.
O terceiro signo é representado pelo carneiro. Os habitan- tes que se dedicavam ao cuidado das ovelhas viam chegado o tempo de tosquiá-las, o que levava outros trinta dias, e como o Sol penetra- va noutro signo, denominou-se o mesmo de ‘aries’ (Kostron).
Havendo nessa época grandes tempestades provindas da luta de um elemento contra o outro, as criaturas em breve acharam o nome dum deus: ‘marte’. Desmembrando esse nome, chega-se ao amigo Mariza, ou Maor’iza, isto é: Esquentar o mar.
Durante os signos anteriores o mar esfria, o que era perce- bido pelos moradores do litoral. Mas, pela força mais intensa do Sol e pela luta do ar quente do Sul com o frio do Norte, pelo despertar dos vulcões, o mar ia se aquecendo pouco a pouco.”
96.EXPLICAÇÃODOQUARTOAOSEXTO SIGNOS
(Mathael): “Passando ao quarto signo, novamente depara- mos com um animal, isto é: um touro vigoroso. Após os cuidados com as ovelhas, os povos pastoris dirigiam a atenção para o gado; era preciso selecioná-lo para conseguir boa criação.
O touro, que tudo representava para os egípcios, até os in- fluenciava pela escrita, quer dizer: formava figuras na areia pelo so- pro — era apresentado em posição destemida, quase em pé, apoiado nas patas traseiras. É, portanto, muito natural que assim se denomi- nasse o signo que apresentava em seus contornos tal animal. O pró- prio Taurus romano deriva-se da abreviatura do antigo Ta our sat, ou Tiaoursat, isto é: É época (sat) do touro ficar sobre as traseiras.
Mais tarde classificou-se esta época entre os romanos de Aprilis, que pela tradução em egípcio quer dizer: A (touro) uperi(abre) lizou lizu (a visão), ou: Touro, abre a cancela para o pasto! Assim, tornou-se ele com o tempo um deus para esse povo, e com isto temos a origem verdadeira do quarto signo. Vamos agora anali- sar o quinto e como surgiu a figura dos gêmeos, em Castor e Pollux.
Será mais facilmente compreendido se considerarmos que os velhos pastores, após o zelo para com o gado, haviam concluído a maior tarefa do ano. Em seguida se reuniam os cabeças das comu- nidades, quando eram escolhidos um ou dois peritos que fossem ao mesmo tempo juízes, para apurarem se o esforço despendido havia dado bons resultados. A pergunta soava: Ka i estor?, o que quer dizer: Que fez ele? O outro, em seguida, advertia: Poluxemen!, ou seja: Esclarece-me a respeito.
Daí surgiram os ‘gêmeos’, que no fundo apenas eram duas frases, uma indagadora e outra de incentivo. Como nessa época o Sol entrava na conhecida constelação, deu-se-lhe o nome de ‘gême- os’ — no idioma romano Geminiou CastoretPollux— naturalmen- te mais venerados como deuses.
Vamos agora ao câncer. Nessa época, o dia alcançava a mais longa duração; quando novamente era diminuída, os velhos compa-
ravam-na à marcha do caranguejo. Durante esses trinta dias o orva- lho à beira do rio era muito forte à noite, de sorte que os carangue- jos saíam de seus esconderijos para um passeio no gramado úmido. Observando isto, os egípcios tentavam enxotar esses hóspedes inde- sejáveis, tarefa não fácil, pois seu número era incalculável. Primeiro tentaram ajuntar esses crustáceos aos montes, metendo-lhes fogo, o que não surtiu efeito diante da enorme quantidade. O cheiro agra- dável da queimação levou os velhos à suposição de que talvez fossem comestíveis. Ninguém, todavia, animou-se a tal.
Mais tarde os cozinharam em grandes potes, cujo caldo, ape- sar de delicioso, não os estimulava ao consumo. Por isso deram-no aos porcos, que com ele se deleitavam e se tornavam gordos, fato que muito era do agrado de seus criadores. Na matança aproveitavam banha, couro e tripas, enquanto a carne servia de engorda para os próprios suínos.
Houve pessoas indolentes e preguiçosas que com o tempo não mais respeitaram as velhas leis de seu guia espiritual antedilu- viano, Henoch, sendo assim preciso construir penitenciárias a fim de enclausurar os malfeitores. Sua ração constituía de caranguejos cozidos, carne de porco salgada ou frita, e pão. Observaram que os criminosos se davam muito bem com tal alimento, de sorte que os outros, num ano de má colheita, experimentaram-no, achando-o mais saboroso que o costumeiro. Em breve os crustáceos diminuí- ram consideravelmente, pois que todos lhes faziam caça.
Mais tarde os próprios gregos e romanos dele se valiam; ape- nas os judeus até hoje não o fazem, embora não lhes tenha sido proibido por Moysés. Disto tudo se conclui que os antigos egípcios não poderiam ter encontrado interpretação mais acertada quanto à época, e fácil é de se deduzir que gregos e romanos dedicaram-na a uma deusa, que chamavam Juno.
Apenas resta saber como se formou sua personalidade, e as opiniões diversas entre os sábios não deixavam de ter fundamento. Em síntese, baseava-se no mesmo motivo pelo qual surgiram Castor e Pollux. Durante a época dos caranguejos o calor já era demasiado
para trabalhos braçais, razão por que se dedicavam aos estudos espi- ritualistas em vastos templos sombreados, muitos dos quais haviam sido construídos por primitivos habitantes.
Uma das principais questões, no início de tais estudos, prendia-se à possibilidade de se encontrar o Divino Puro em qual- quer relação material. Como fossem todas as indagações dos sábios mui curtas, o mesmo se dava com a seguinte: Je U N(un) o?Tradu- ção: Continua inteiro o Divino, quando separado e postas ambas as partes lado a lado?
Indagais: Como podem essas poucas letras significar tal fra- se? — Ouvi, pois: A letra U era representada no velho Egito por um semicírculo e, de igual modo, um receptáculo para o Divino que do Alto vem à Terra. É claro que se referiam mormente às dádivas espirituais da Luz para a alma.
O N reproduzia um semicírculo invertido, traduzindo a matéria inerte e infecunda. Os telhados de algumas casas, princi- palmente dos templos, demonstravam que nesses lugares o divino se une à matéria, criando vida temporária, revelando-se por momentos ao homem. Eis por que dali surgiu a importante pergunta: JeUNo?, pois o O representa a Divindade Completa em Sua Pureza.
A resposta dizia que a matéria se mantém para com Deus como a mulher para com seu esposo e soberano. Deus criou em e pela matéria Seus múltiplos e variados filhos, pois a fecundava cons- tantemente com Seu Influxo Divino.
Com o tempo, mormente entre os posteriores descendentes mais sensuais, nem um vislumbre restou da antiga sabedoria egípcia. Formou-se, pois, da pergunta Je un o e de sua feminilidade declara- da, uma deusa que recebeu a princípio, tolamente, o nome de Jeu- no, mais tarde apenas Juno, cujo simbólico casamento foi realizado com o também tolo Zeus.
Os antigos sábios tomavam a matéria, por motivos naturais, por demais rígida, julgando-a apenas aproveitável pelo justo esforço despendido. As imperfeições que nela surgiam eram por eles atribuí- das a Juno, o que muito trabalho acarretou a Zeus. Compreendeis?”
Diz Helena: “Continua, caro Mathael, pois te poderia ouvir dias a fio, embora tua narrativa não tenha as cores de um Homero; é sabia e verdadeira — e isto vale mais que a pintura colorida dos grandes trovadores populares. Por isso, continua!”
Diz Mathael: “Sei que não me fazes elogios pessoais, pois a verdade merece apenas ser compreendida, por ter ori- gem em Deus.”
97.O SÉTIMO, OITAVO E NONO SIGNOS
Mathael: “Após o caranguejo deparamos com o ‘leão’ no grande zodíaco, que igualmente tem sua causa na Natureza. Passa- da a caça aos crustáceos, que às vezes durava um ou dois dias além dos trinta — porquanto para os antigos egípcios não era o mês de fevereiro o destinado a sofrer a diferença existente entre os demais meses, e sim o de junho — surgia outra calamidade, provocando perturbações e aborrecimentos. Nessa época as fêmeas, geralmen- te, davam cria e, a fim de saciar sua voracidade, invadiam desertos, montanhas e vales à procura de rebanhos.
Sendo sua pátria a África e o Norte do Egito, fácil lhes era invadir até a zona mediana e o Sul. Assim como os lobos são levados pelo frio a procurar os povoados, o calor de junho impele os leões aos lugares menos quentes.
Era nessa época que os habitantes do Egito tinham a visi- ta desses animais selvagens, e como o Sol se aproximava dum sig- no que, semelhante ao do touro, apresentava a figura dum leão, os velhos assim o denominaram, quer dizer, também classificaram tal época de ‘leão’ (Leowa), Le:o mal ou o descendente do mesmo, oponente ao El:o bom ou o filho do bom; o:o Sol, divino; wa ou wai:foge; portanto, Leowaisignifica: o mau foge do Sol.
Há poucos decênios os romanos intitularam essa época em homenagem a seu herói Julius César, pois era astuto e sabia lutar tão destemidamente qual leão. Eis o sétimo signo, que também foi venerado pelos descendentes egípcios como algo divino.
Agora segue-se a virgem, pois as dificuldades maiores do ano haviam passado e o povo se entregava aos prazeres e às festas destina- das a presentes às virgens puras, estimulando-as no prosseguimento da moral. Era uso celebrar os casamentos nessa época, desde que se tratasse de u’a moça de índole impecável. Quem não tivesse proce- dido de tal forma era excluída do matrimônio; podia, em circuns- tâncias favoráveis, tornar-se concubina de um homem possuidor de uma ou várias mulheres, só lhe restando, fora disto, a condição deprimente de escrava. Assim, tal época também tinha sua impor- tância, e como precisamente surgia novo signo, cognominou-se o mesmo de ‘virgem’. Há poucos anos os romanos vaidosos deram-lhe o nome do Imperador Augusto, em sua homenagem. Vimos, por- tanto, de que modo se encaixou uma virgem no zodíaco.
Agora vemos um objeto, uma ‘balança’, usada pelos merca- dores e farmacêuticos. Deu-se seu aparecimento da seguinte forma: após as comemorações nupciais chegava o tempo da fiscalização da colheita dos cereais — cujo cultivo já vinha sendo feito pelos anti- gos habitantes, além da pecuária e dos frutos: figos, tâmaras, olivas, romãs, laranjas etc.
Cada comunidade tinha um delegado para todos os negócios e um sacerdote destinado ao ensino popular e a profetizar em ocasi- ões importantes. Não é preciso dizer que a casta sacerdotal, em bre- ve, aumentou, dedicando-se apenas aos serviços de ordem material, quando exigiam renovações e melhoramentos.
Pesquisava, ajuntava e determinava o preparo dos metais, o que, naturalmente, requeria muitos serventes e mestres de ofício. Esses não tinham tempo para a lavoura e pecuária, de sorte que pre- cisavam ser sustentados pela municipalidade. Como tal problema poderia ser resolvido, se cada membro tinha de pagar um tributo correspondente à sua colheita?
Determinou-se, então, o dízimo, pagável em benefício da casta sacerdotal e que era pesado numa ‘balança’. Existiam-nas de todos os tamanhos, e a colheita ia sendo pesada, nove vezes no de- pósito do dono e uma vez no do outro. O sumo sacerdote era ao
mesmo tempo o pastor do povo e se chamava Vara on(quer dizer: ele é o pastor). Mais tarde os varaonsse tornaram reis, e o sacerdó- cio também era sujeito a esse domínio. Por essa explicação histórica concluímos: o tempo que seguia à ‘virgem’ era destinado à entrega do dízimo, e como o Sol entrava num outro ciclo, chamava-se o mesmo de ‘balança’.
Não merece menção o fato de que se dava a essa época vá- rios significados, usando-a como símbolo de justiça divina e terrena, chegando-se até, entre os povos atrasados, a lhe render devoção de modo idêntico ao que fazem os hindus com o arado. Tanto a fantasia dos homens quanto a crescente ganância e propagação dos sacerdo- tes e instrutores, com o tempo divinizaram tudo que lhes parecia an- tigo e útil. Vamos agora dirigir a atenção ao aracnídeo ‘escorpião’.”
98.EXPLICAÇÃODOSTRÊSÚLTIMOS SIGNOS
(Mathael): “Eis que vinha um período mais tranquilo: os re- banhos se acalmavam; as árvores frutíferas não mais apresentavam a mesma produção como na primavera; os campos descansavam — e os homens entravam em férias. Ter-se-iam deixado ficar de bom grado nessa indolência se o Senhor de Céus e Terra não os tivesse atiçado com um aracnídeo, comum no Egito.
Logo no início dessa época os escorpiões apareciam por toda parte, multiplicando-se, já em meio desse tempo ocioso, como mos- cas num refeitório. Como se sabe, o ferimento pela cauda não só é mui doloroso, como também acarreta grande perigo quando não tratado imediatamente com um antídoto.
Assim orientados, os egípcios tudo fizeram para encontrar um contraveneno satisfatório. Finalmente, a casca dum arbusto do Nilo foi descoberta, cujo cozimento e seus vapores tinham a pro- priedade de sanear os quartos desse indesejável visitante. Umedecen- do a casca e espalhando-a no soalho e sobre as camas, conseguia-se a eliminação. Deu-se-lhe, pois, o nome desse remédio, até então incógnito: Scóro(casca) piou pie(bebe) on(ele).
Foi deste modo que se chamou a atenção dos descendentes sobre tal remédio, que dava bom resultado na luta contra a praga. Até hoje recebemos do Egito, Arábia e Pérsia um pó com o qual se consegue, sem prejuízo para o homem, exterminar escorpiões e insetos; este pó é, com alguns acréscimos, extraído do menciona- do arbusto.
Tão logo aparecia o primeiro lacrau, o Sol entrava em novo signo, por isto se deu a tal época aquele nome. Até ali apenas se lhe havia dado atenção em virtude do remédio que exterminava esse aracnídeo, nocivo a homens e animais. Com o extermínio daquele e o cessar das trovoadas comuns, pelas quais os egípcios tinham gran- de respeito, pois diziam: A arma de Zeus é mais rápida e segura que a miserável, do homem!, terminava o tempo do ócio.
Eis que os animais selvagens começavam a descer aos vales, fator esse que levava os homens a lhes fazerem caça com o arco. Lebres, coelhos, pequenos ursos, texugos, raposas, panteras, quanti- dade de gaviões e águias, crocodilos e o hipopótamo (em egípcio Jepa opata moz:o cavalo do Nilo começa a desenvolver sua força) prin- cipiavam a se movimentar, não havendo tempo a perder. Além disto, estipulava-se um prêmio importante para o extermínio de grande número de crocodilos.
Não vem ao caso de que maneira eram organizadas as di- versas caçadas, basta sabermos que eram feitas em tal época e que o Sol passava por novo signo, portanto o cognominaram ‘sagitá- rio’. Merecia pouca veneração, com exceção de Apollo, deus tam- bém da caça.
Vamos enfrentar o signo mais estranho: o capricórnio, que no entanto, tal como os outros, surgiu de modo natural. Nesse últi- mo período a caça invadia os vales, a fim de satisfazer sua fome. O bode tinha um valor considerável para os egípcios, razão pela qual não o deixavam escapar ileso: mal era avistado nos pastos em aban- dono, punham-se vigias que avisavam os outros do acontecimento.
Não sendo fácil pegá-lo, várias épocas de capricórnio passa- vam sem que conseguissem realizar tal empresa. Em caso contrário,
sua captura era um verdadeiro triunfo para todo o Egito. Tudo nele era considerado como remédio milagroso que curava qualquer mo- léstia, e os chifres eram o primeiro e mais valioso ornamento do próprio rei do Egito, valendo mais que ouro e pedras raras. Em eras remotas, taxava-se o valor dum Varaonpelo número de chifres de bode que até mesmo os sumos sacerdotes ostentavam, dourados, como prova de sua sabedoria e poder. Essa consideração ainda hoje sendo observada no Egito, é compreensível que denominassem, tan- to a época quanto o signo, de ‘capricórnio’.
Deste modo analisamos todo o zodíaco, nele encontrando um fundo natural que também se nos depara no surgimento dos muitos semideuses. Assim, espero não ser difícil reconhecer o Deus Verdadeiro, numa Luz clara e justa. Jamais uma divindade criada pela fantasia realizou milagres que se lhe atribuíram, e as palavras aparentemente sábias que alegam terem sido proferidas foram obra dos próprios sábios.
Aqui, assistem-se a obras e sentenças jamais vistas e ouvidas, de sorte que descobrimos como conhecer o Deus Verdadeiro em toda Sua Pujança. Helena e tu, Ouran, dizei-me se minha explicação do zodíaco foi convincente ou não.”
99.HELENAINDAGAQUALAESCOLADE MATHAEL
Diz Helena: “Caro Mathael, jamais algo me foi explanado tão claramente; tive a impressão de viver os acontecimentos havidos no Egito. Uma coisa ainda desejaria saber: de que maneira ou em que escola te foste integrar disto tudo?”
Responde Mathael: “Oh, Helena! Ontem fui mil vezes mais cego e ignorante que um servo inculto e, além disto, tão doente que não houve criatura humana que me pudesse curar. Após a cura rea- lizada pelo Senhor de Céus e Terra, não só consegui reaver as forças físicas, como também o despertar do espírito em minha alma per- turbada. Este mesmo espírito me esclarece a fundo todas as coisas, tanto as do passado quanto as do presente e futuro.
Eis uma pura Graça Divina que devo unicamente ao Senhor e ao Qual todos vós tendes que render honra, gratidão e amor; assim vês que não frequentei escola alguma. O Pai é tudo: minha escola e sabedoria, pois tudo vem Dele! Afirmo-vos positivamente: quem não tiver esta Fonte como causa de seu saber — nada sabe, pois seu conhecimento é fútil e sem base. Sede assíduos na Única Es- cola do Senhor, o Qual ora caminha entre nós em Sua Plenitude Divina, e não necessitareis, jamais, de outra. Compreendeste bem, amável Helena?”
Responde ela: “Oh, sim; como pode, entretanto, um mortal como eu ou meu pai cursar tal escola?”
Irrita-se Mathael: “Oh, Helena, como podes fazer pergunta tão tola?! Deves me perdoar a resposta severa: tanto tu quanto teu pai já a frequentais. Como, pois, perguntar por ela?! Não compreen- des que o Senhor faz estes milagres por vossa causa?”
Diz Helena, encabulada: “Peço que não te aborreças comigo, Mathael. Reconheço minha tolice e espero que tenhas paciência — uma árvore não cai de um só golpe.”
Retruca ele, tocado pela meiguice da moça: “Querida, nunca terás necessidade de me pedir paciência. Só quero o bem de todos, embora dê impressão de severo. Meu desejo é levar bem rápido o co- nhecimento à pessoa. Vejo ser tua alma mais meiga que uma pomba, e não é preciso despertar-te com palavras rudes.”
Diz ela: “Todavia não necessitas ter demasiado cuidado co- migo. Se com palavras severas me ajudas mais depressa, peço-te em- pregá-las sem susto. Agora, ainda uma pergunta: quem cognominou os signos e qual o motivo?”
100.ENSINAMENTOSGERAISACERCADO ZODÍACO
Diz Mathael: “Cara Helena! Tua pergunta é curta; a resposta completa requereria um ano inteiro; por isto vamos deixá-la para outra oportunidade. Posso, contudo, esclarecer-te que todos os sig- nos têm a mesma origem que o zodíaco.
Pelo antigo idioma egípcio, a silaba Zoou Zasignifica ‘para’; diaou diaia,‘trabalho’; e kos , ‘uma parte’ ou ‘divisão’. Na tradução correta, Za diai kos representa: divisão do trabalho. No início os velhos dividiam o zodíaco de acordo com os acontecimentos peri- ódicos de seus labores, o que seus descendentes conservaram, pois anunciavam previamente aos superiores que tarefa enfrentariam. Assim, a classificação era certa, com exceção de gregos e romanos.
Do mesmo modo os sábios cognominavam muitos signos, se bem que não todos, sendo também os descobridores dos conhecidos planetas, exceto a Lua e o Sol. Este, com referência a nós, não é pla- neta, porquanto nosso sistema planetário, inclusive a Terra, gira em épocas diversas em volta do Sol. Nosso planeta perfaz essa translação em um ano. Vênus e Mercúrio num espaço mais curto, enquanto Marte, Júpiter e Saturno necessitam de maior tempo que a Terra.
A Lua pertence ao nosso planeta e com ele se movimenta, uma vez por ano, em volta do Sol, precisando para seu trajeto em redor da Terra de vinte e sete a vinte e oito dias, numa distância de cem mil horas.
Estas coisas não poderás assimilar de uma só vez; quando o Espírito Divino despertar em tua alma, reconhecerás não só isto, como muita coisa mais, sem ensino externo e difícil. Eis por que é necessária apenas uma coisa: conhecer a si próprio e a Deus, aman- do-O acima de tudo; o resto virá por si só.
Além do mais já conversamos muito; vamos descansar, a fim de dar oportunidade aos outros, mais inteligentes, de fazerem boas observações. Nunca se deve falar em demasia sobre um assunto, para também ouvir a opinião dos outros, pois ninguém na Terra é tão sábio que não possa aproveitar dum menos inteligente, quanto mais dum de profunda sabedoria. Por isto, perdoa se me calo.”
Diz Helena: “Tens razão, falaste durante muito tempo; quem sabe agora alguém nos dirá algo acerca do Grande Mestre, que nem deixa transparecer Aquilo que é.”
101.OPINIÕESQUANTOÀDIVULGAÇÃODA DOUTRINA
Simon Judá se fez ouvir: “Admiro o grande saber de Mathael e seu vasto conhecimento da antiguidade, pois é este tão necessário quanto as Verdades provindas de Deus. Além disto, inútil é falar a um povo tolo e cego, que não se dá conta de palavras mais profun- das. Que fazer com ele? Milagres? Torná-lo-ia ainda mais supersti- cioso! Castigá-lo? Oh, já está sendo castigado!
Dever-se-ia procurar os mais acessíveis, pregar-se-lhes, da maneira como faz Mathael, contra o paganismo — e em menos de cem anos não haveria um templo pagão. Julgai vós mesmos, irmãos, se falei certo, pois num caso assim é preciso a pessoa ter raciocínio. Que me dizeis?”
Confirmam-no todos, com exceção de Judas: “Estamos de acordo e nada há que contrapor.” Aquele, porém, adianta-se e diz: “Como não? Bem que existe algo a contestar!” Diz Pedro: “Pois en- tão, fala.”
Responde Judas: “Basta conquistar os potentados para se po- der influenciar os outros mais fracos, prescindindo de tal ciência.”
Diz-lhe Mathael, agitado: “Eh, tencionas transmitir aos po- bres de espírito e de posses materiais a mensagem de Paz com açoite e espada? Pareces um habitante do Orkus, a julgar por tua opinião que faria jus a um diabo! Explica-me, como foi possível te introme- teres nesta assembleia celeste?! Aconselho-te a usares pele de carneiro se tencionas falar qual diabo às criaturas, para que se não veja tua verdadeira índole! Trata de te afastares de meus olhos, senão poderia ser tentado a fazer revelações que não te seriam lisonjeiras, pois meu espírito agora te conhece a fundo!”
Diz Judas, admirado: “Enganas-te a meu respeito; também faço parte dos escolhidos, já executei ordens do Senhor e fui, em companhia dos outros, transportado há poucas semanas pelos ares!”
Responde Mathael: “Oh, sei disto; no entanto, não retiro minhas palavras: fazes parte dos doze, mas meu espírito me diz que entre eles um é diabo — e és tu! Com tal testemunho podes te
contentar por ora; querendo mais, dize-lo! Descubro quantidade de outras provas que te lançarei em rosto, porque és ladrão! Ouviste?”
Com esta sentença do sábio Mathael, Judas sente um forte estremecimento; retira-se, modesto, recebendo de Thomaz mais al- gumas advertências: “Então, o inferno te está novamente atiçando? Continua assim que ouvirás outras cantigas, pois com Mathael não poderás concorrer! O próprio anjo não se atreve dele se aproximar
e tu pretendes contestá-lo em sua sabedoria, que desde Moysés não teve semelhante?!
Não te será possível reconhecer tua imensa tolice?! Não podes calar e aprender?! Aqui se acham concentrados Céus e Terra, encon- tramo-nos unidos no Centro do Coração Divino, palavras e ações se nos apresentam deixando admirados os próprios anjos — e tu, o mais ignorante entre nós, não podes conter teus maus instintos, apresentando contestações desta ordem?!”
Reage Judas, aborrecido: “Ora — deixa-me em paz! Se sou ignorante, não hás de ser tu quem levará prejuízo, e não obstante Mathael me ter corrigido desta forma, aposto o que quiseres: tal Doutrina Divina e pura não poderá ser anunciada aos pagãos com palavras meigas, senão com armas mortíferas!
Ninguém será inquirido se entendeu os ensinamentos — e terá que jurar por esta nova crença! Se com o tempo dela desistir
pois nunca a terá compreendido — será declarado perjuro e, no mínimo, queimado vivo!
Se eu não dedicar o maior interesse no sentido de conquis- tar os potentados, não terei ensejo — embora diabo — de contar o grande número de pessoas que morrerão sob a espada de tais pagãos. Sempre se fala em divino, no entanto o diabo também o é! E o tem- po transformará o puro divino em diabólico.
Vejamos, por exemplo, a doutrina de Moysés. Qual seu pa- pel no Templo do tão sábio Salomon?! Eis por que afirmo: Mathael tem razão e reconheço seu saber tão bem quanto tu — mas também estou certo! Asseguro-te que esta Doutrina de Paz, vinda do Céu, em pouco tempo disseminará a maior discórdia sobre a Terra, lançando
os povos em contendas, lutas e guerras! Fisicamente não o assistirás; teu espírito será testemunha de tudo que acabo de falar, confessando que, diabo e ladrão, Judas o profetizou! Agora, pergunto se tume compreendeste!”
102.CARÁTERDE JUDAS
Diz Thomaz: “Pensas ter feito uma grande profecia, que, sem ti, nunca teríamos descoberto?! Apesar de todos os atos de Sabedoria a que assististe no decorrer de meio ano, continuas pateta! Quan- do não se teriam desafiado luz e treva? Quando teriam caminhado fraternalmente vida e morte? Quando a fome voraz e a satisfação plena teriam estendido as mãos à paz do paraíso? Tolo! Entende-se: se a Luz mais elevada dos Céus, que aqui Se encontra, penetrar nas trevas densas da Terra, terá de haver reação!
Observa os campos gélidos do Ararate: não se derretem com poucos graus de calor, conforme afirmam os egípcios, pela cor e densidade do gelo e da neve; deixa, todavia, que o Sol do Egito se- tentrional os penetre e se transformarão em água! Ai dos vales que sejam inundados por tal enchente!
Aquilo que materialmente seria irremediável, não deixará de acontecer em espírito. Se, todavia, começarmos a pregar o Evange- lho com espada na mão, desafiaremos a do mundo; fazendo-o com armas da paz, que é o amor, também assim nos combaterão.
Entende-se que tal Dádiva Celeste venha provocar lutas e contendas, enquanto a matéria, com relação à Ordem Divina, conti- nuará sendo aquilo que foi; mas precisamente pelo motivo de serem demonstrados às criaturas a tolice e o absurdo do paganismo, por pessoas esclarecidas como Mathael, as reações desastrosas não terão a mesma intensidade. Se consideras o que acabo de expor, confessarás a tolice de tua profecia.”
Diz Judas: “Sim, és o sábio Thomaz de sempre — e tudo que digo, tem de ser tolo! Aborrece-me o fato de eu nunca ter razão! Ten- to refletir sobre o assunto antes de externá-lo — basta abrir a boca e
todos me atacam qual leão a uma ovelha! Até dá vontade de estourar de raiva! Mas prometo não dizer palavra, com que, por certo, esta- reis de acordo?!” Diz Thomaz: “Ótimo, assim te tornarás sábio!”
Nisto, Mathael chama Thomaz e lhe diz: “Agradeço-te, em nome desta justa causa, teres admoestado o irmão Judas tão mo- destamente. O que ele considera uma ofensa a seu intelecto não o prejudica, talvez até lhe seja útil no outro mundo, já que dum saber mais profundo nele não há vestígio e, certamente, não o alcançará nesta vida. Futuramente, deixai-o em paz; sua alma não é do Alto e seu espírito demasiado fraco, a fim de amoldar-se e vivificar a psi- que, como vós!”
Eis que Me aproximo e digo: “Mathael, existem poucos ins- trumentos como tu, por isto te confiro Meu Louvor! Prossegue deste modo e te tornarás um valioso predecessor para os pagãos, em lugar dum outro apóstolo que mais tarde designarei entre Meus inimigos! E só agora te dou esta plena certeza: tu e teus quatro irmãos jamais recaireis naquela terrível moléstia! Disporás de teus colegas, mos- trando-lhes o caminho certo.
Permaneceremos aqui mais alguns dias e amanhã, sábado, dar-se-ão vários fatos, durante os quais Me poderás prestar bons ser- viços; não temes o mundo nem a morte, por tal razão Me és bom instrumento. Agora leva-Me junto de Helena, que sente uma sauda- de imensa de Mim e precisa que a reconfortemos.”
Diz ele: “Oh, Senhor, que imensa Graça! Tu, meu Criador, deixas-Te conduzir por mim ao lado daquela que igualmente criaste! Todavia, ela é pura e de boa vontade; por certo desconhece o pecado e vale a pena fortalecer seu coração, onde mais tarde milhares se irão confortar!”
103.ÀPROCURADE DEUS
Após estas palavras encaminho-Me com Mathael e Yarah, que não sai de Meu lado, para junto de Helena e seu pai. Mal Me avista prorrompe em lágrimas de alegria e diz: “Já estava duvidando que a
Graça de Te ver e falar, Senhor de minha vida, me fosse concedida! Agora tudo está bem, pois Tu, a Quem meu coração e intelecto aqui conheceram de modo tão milagroso, vieste a mim, Pessoalmente! Rejubila-te, coração, pois Aquele, cujo Espírito toma tuas pulsações desde o berço à sepultura, acha-Se diante de ti, para trazer-te o con- forto sagrado que te transformará a morte em doce néctar!”
Em seguida se cala e Eu lhe digo: “Helena, corações que amam como o teu, não necessitam temer a morte, que jamais senti- rão, nem doce nem amarga! Eu Mesmo sou a Vida e a Ressurreição, e osqueMeamameemMimcreemnãoperceberãoa morte!
Se bem que te seja tirado o corpo pesado, não terás disto consciência, pois hás de te transformar, num momento, na vida lú- cida de tua alma pelo Meu Espírito de Amor em ti, evoluindo até alcançar Sua Perfeição! Compreendes isto, Helena?”
Ela está tão comovida que nada pode dizer. Passa-se um curto tempo e ainda não consegue se expressar por palavras de gratidão pela alegria de Minha Vinda, pois em cada tentativa desata a chorar. Dirigindo-Me a ela, digo: “Querida filha, não te canses; esta lingua- gem do teu coração é-Me muito mais agradável que a de tua boca, por mais elevada que seja.
Vê, já existem alguns na Terra — e no futuro haverá mui- tos — que Me dirão: Senhor, Senhor! E Eu lhes responderei: Por que Me chamais, estranhos? Não vos conheço, nunca vos conheci, pois sempre fostes filhos do príncipe da mentira, do orgulho, da maldade, da noite e das trevas! Afastai-vos de Mim, eternos pra- ticantes do mal! — Digo-te que entre eles haverá clamor e ranger de dentes!
Procurarão a Deus em distâncias e profundeza jamais alcan- çáveis, pois julgaram ser mui simples procurar-Me perto deles, isto é: em seus corações. Em verdade, quem não O buscar como tu, nem em eternidades encontrá-Lo-á! Deus é em Si o Amor mais puro e in- finitamente poderoso — eis por que só será encontrado pelo amor!
Desde início foste assim impulsionada, embora julgasses pe- car em virtude deste sentimento para Comigo; todavia, achaste-Me,
pois vim a teu encontro e ao de teu pai! Deste modo, todos terão de Me procurar e Me acharão, como tu.
Os que o fizerem pelo intelecto orgulhoso jamais o consegui- rão, pois assemelhar-se-ão a um homem que comprou uma casa por lhe haverem assegurado que, em seus alicerces, achava-se enterrado um grande tesouro. Uma vez proprietário, começou a escavar ora aqui, ora acolá, ligeiramente, o que tornava impossível localizar o tesouro oculto. Eis que pensou: ‘Já sei que fazer. Começarei a esca- vação por fora, em redor da casa, e certamente descobri-lo-ei.’ Dito e feito: cavou externamente, não encontrando o desejado, que se achava oculto no centro da casa; quanto mais longe se ia afastando, menor possibilidade tinha de êxito.
Quem algo procura onde não se acha, jamais há de encon- trá-lo. Quem quiser pegar peixes, terá de lançar redes ao mar, pois eles não nadam no éter. Quem quiser descobrir ouro não deve lançar redes, mas procurá-lo nas profundezas das montanhas. Ninguém vê com os ouvidos e ouve com os olhos, pois cada sentido tem sua particularidade e é destinado a certo fim.
Assim, o coração humano, de Origem Divina, tem unica- mente a finalidade de procurar a Deus e, quando achá-Lo, Dele receber uma nova vida indestrutível. Quem O buscar através dum outro sentido, não poderá encontrá-Lo, pois não consegue um ho- mem de olhos vendados ver o Sol com ouvidos e nariz.
A índole justa e viva no coração é o amor. Quem despertar esta índole de vida e por ela iniciar a busca de Deus, forçosamente há de encontrá-Lo, pois a criatura que não for inteiramente cega, logo descobrirá o Sol e o fulgor da sua luz.
Quem tenciona ouvir uma palavra sábia não deve tapar os ou- vidos e abrir somente os olhos; pois esses, se bem que vejam a luz e as formas iluminadas, não poderão gravar a forma espiritual da palavra, o que apenas se consegue pelos ouvidos. — Compreendeste tudo?”
Diz Helena, finalmente refeita de sua emoção: “Oh, sim, pois Tuas Palavras têm luz, força e vida, e emanam de Tua Boca Santa de modo tão claro como a fonte puríssima no cume das montanhas, iluminada pela aurora. Mas, que farei para acalmar meu coração?! Senhor, mata-me se peco; mas meu amor para Contigo ultrapassa todos os limites vitais! Deixa que toque Tua Mão!”
Digo Eu: “Por que não deixaria? Deves sempre fazer o que teu coração ordena, e nunca poderás errar!”
Tomando-Me a Mão esquerda e apertando-a contra o peito, Helena diz soluçante: “Oh, Senhor, quão felizes devem ser aqueles que sempre Te rodeiam! Se tal me fosse possível!”
Digo Eu: “Quem está Comigo pelo sentimento, a este Eu acompanho, assim como também ele a Mim — eis o essencial! Pois que adianta à pessoa Minha Presença Física, se o coração está distan- te pela atração do mundo?! Em verdade, não haverá maior distância imaginável.
Mas quem está perto de Mim pelo amor como tu, adorá- vel Helena, permanecerá neste aconchego mesmo se externamente houver um Espaço mil vezes maior entre nós que o daqui à última estrela que teus olhos possam vislumbrar.
Afirmo-te: quem Me ama igual a ti e crê convictamente ser Eu Aquele por cuja Vinda esperaram os patriarcas, está tão unido a Mim como Eu — conforme Me vês e sentes neste momento — sou Uno com o Pai no Céu! O amor tudo une, unindo também Deus e a criatura, e não há espaço que possa separar o que o Amor Verdadeiro e Puro uniu pela profundeza celeste!
Por teu amor continuarás sempre em Minha Companhia, mesmo se neste mundo o Espaço nos separar por algum tempo; um dia, no Meu Reino do Espírito Puro e da Plena Verdade, jamais serás apartada de Mim. Assimilaste isto, querida Helena?”
Responde ela: “Como não? Meu coração entende o sentido profundo de Tuas Palavras, iluminando toda a minha alma! Agora,
porém, surge outra pergunta importante dum recanto íntimo ainda não penetrado pela luz: como agradecer Àquele que me cumulou de uma Graça tão profusa? O amor mais forte não pode ter o valor da gratidão, pois ele é, como toda vida, uma Graça Tua. Que sacrifício e qual dádiva poderei eu, criatura, oferecer-Te, meu Criador, como reconhecimento por tantas dádivas recebidas? Senhor, eis um ponto obscuro em meu coração, não obstante a luz radiosa, para o qual desejaria um esclarecimento. Poderias tirar-me deste embaraço?”
105.FORMADEAGRADECERA DEUS
Digo Eu: “Oh, Helena! Que do mundo Me poderias ofertar que não fosse Meu, pois sou o Doador de tudo?! Isto seria uma exi- gência fútil de Minha parte e uma completa contradição à Minha Natureza Divina e Ordem Eterna.
Vê, o amor tudo faz. Quem Me ama acima de todas as coisas, oferta-Me o maior sacrifício e a melhor gratidão, pois Me oferece o mundo inteiro. Além do amor para Comigo existe o amor ao próximo, e os pobres de espírito e de posses materiais são vossos semelhantes. Quem algo lhes fizer em Meu Nome, tê-lo-á feito a Mim.
Aquele que acolher a um pobre em Meu Nome, ter-Me-á acolhido, e lhe será recompensado no Dia do Juízo Final. Quem receber um sábio em virtude de seu saber, terá recompensa idêntica, e o que oferece um copo d’água a um sedento, receberá vinho no Meu Reino.
Se praticas a caridade — faze-lo com amor e sem alarde, pois o Pai no Céu o vê, tua dádiva Lhe será agradável e a recompensa de cem, por um. Quem tenciona, no entanto, brilhar diante do mundo pelas obras de caridade, já terá recebido o prêmio mundano e nada mais deve aguardar.
Nisto consiste a única maneira agradável de sacrifício e gra- tidão a Meus Olhos, pois as oferendas de promessas e incenso são de odor pestilento, e as preces formais um horror, provindas da-
queles cujos corações estão longe do verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Quem poderia colher vantagens com o vozerio inútil dos templos, onde não se considera os milhares de pobres e famintos fora dos mesmos?!
Fortalecei, primeiro, os sofredores, alimentai os famintos, saciai os sedentos, cobri os desnudos, consolai os tristes, libertai os prisioneiros, pregai o Evangelho aos pobres de espírito — e tereis feito muito mais que orando dia e noite, enquanto vossos corações perduram frios e insensíveis aos pobres irmãos.
Vê o mundo da Natureza, a Terra e os astros, as flores e as árvores, os pássaros, os peixes e toda a fauna; observa os picos das montanhas, as nuvens e ventos — todos anunciam a Honra de Deus; no entanto, Ele nada disto considera, ao contrário do homem fútil. O que Ele vê, unicamente, é o coração da criatura que O re- conhece e ama como o Pai Verdadeiro, Bom e Santo. Assim, como poderia Ele achar prazer num coração vazio de virtudes ou numa cerimônia vã com preces e incenso, que oculta o mais pronunciado amor-próprio, orgulho, tendência para o domínio, toda sorte de im- pudicícia e fraude?!
Agora sabes que: primeiro, Deus não necessita de honrarias de criaturas fúteis, pois o Universo é pleno de Sua Honra. Segundo: de que forma poderia o homem tolo e cego honrar a Deus, se outra honra não possui além daquela que Dele recebeu pela Graça de ser criatura?! Ou poderia contribuir para a Honra Divina o fato de os homens Lhe ofertarem um boi, permanecendo de corações empe- dernidos dez vezes mais depois do sacrifício?!
Não aceito honra humana, pois o Pai no Céu o faz de sobejo! Se as criaturas cumprem Meus Mandamentos, demonstrando deste modo seu amor para Comigo, patenteiam a honra devida a Mim e a Meu Pai, pois que somos perfeitamente Unos! Se tal é a Verdade Plena e Eterna, não Me desonra quem cumpre a Vontade de Deus, externada por Moysés e outros profetas e como acabo de vos revelar. Compreendes agora como se deve agradecer e louvar a Deus pelas dádivas recebidas?”
Diz Helena, compenetrada pela Verdade de Meus Ensina- mentos: “Ó Senhor, cada uma de Tuas Santas Palavras formou um eco em meu coração, ressoando em minh’alma. Eis a Verdade Divi- na e Pura! Tal Doutrina só Deus Mesmo podia facultar aos homens, pois não haveria ser humano que a criasse.
Quão maravilhoso é tomar conhecimento da Vontade de Deus Único e Verdadeiro para assim agir com todas as forças dispo- níveis, em confronto com as atitudes impostas pelo orgulho huma- no sob a alegação de que sejam a Vontade de Deus.
Sempre imaginei que um Deus Verdadeiro só possuía uma Vontade Justa que não pode estar em contradição, como acontece às leis humanas, as quais muitas vezes se revogam entre si. Quem cumpre tal lei acarreta o castigo duma lei anterior, e não o fazen- do, será julgado pela nova determinação. Como, pois, viver dentro da justiça?!
Admitimos nossas antigas leis deíficas, onde o sacerdote, as- tuto, alega: Se fizeres uma oferenda a Pluton, enraivecer-se-á Zeus; fazendo-a a este, aborrecerás o primeiro. Por um sacrifício a seus sa- cerdotes, únicos competentes para abrandar a ira dos deuses, agirás bem! — Alegam ser mediadores eficazes entre divindades e homens. Assim, souberam atrair tudo para seus bolsos, deixando-se adorar pelo povo ignorante, que tremia diante daquele poder. Tal incoerên- cia não será admissível dentro desta nova Doutrina.”
Digo Eu: “Isto não te deve preocupar. Finalmente, tudo que vem do Alto, material ou espiritualmente, torna-se impuro no mo- mento que toca a Terra. Vê uma gota de chuva! Não haverá diaman- te mais puro — mal toca o solo, perde sua pureza.
Sobe u’a montanha e deslumbrar-te-á a brisa fresca, enquanto nos baixios notarás a grande diferença atmosférica. Quão puros caem os flocos de neve das nuvens. Não leva muito tempo para que desapa- reça sua alvura. Observa o vento que desce dos montes: turva-se pelo contato da poeira, e os próprios astros perdem seu brilho quando pró-
ximos do horizonte. Até mesmo o raio solar do meio-dia é facilmente ofuscado pela névoa terráquea, o que torna difícil localizá-lo.
Fato idêntico atinge todas as Dádivas Celestes, que, no início mui puras, com o tempo se turvam pelos interesses mundanos. Isto também se dará com Minha Doutrina puríssima, pois não consegui- rá escapar, em nenhum ponto, da crítica.
O Templo que ora edifico será destruído, assim como em futuro próximo o de Jerusalém, de onde não restará uma pedra sobre a outra. Reconstruirei Este Meu Templo, mas o de pedra, em Jerusa- lém — jamais! Não te preocupes, porém, pois sei da razão de tudo.
Ninguém dá atenção à luz do dia, tampouco ao calor do ve- rão; quando vier a noite a luz será apreciada, e o calor apenas consi- derado no inverno. Assim acontece com a Luz Espiritual e Seu calor. Não dá valor à liberdade quem está livre; apenas quando no cárcere saberá avaliar essa grande dádiva.
Eis por que, querida Helena, é permitida a turvação de tudo que é puro, para que o homem venha, pelo sofrimento, a estimar o valor da Luz pura. Quando na noite trevosa Ela surgir, atrairá tudo que tem vida, como no inverno do egoísmo humano todos se ache- gam a um coração amoroso, e como os pobres, gelados pelo frio, procuram o calor da lareira.
Estes ensinamentos só para vós servem, por isto não os dis- seminarei a terceiros. Tratarei dos acontecimentos externos, e basta que cada um purifique seu próprio coração, pois, estando este em ordem, a vida da criatura também entra numa fase ordenada. Com- preendeste tudo, Helena?”
Diz ela: “Oh, sim. Entretanto, não é muito agradável sa- ber-se disto antecipadamente, não obstante tudo possuir uma razão boa e sábia, pois que visa o Bem da criatura. Tua Vontade seja feita para todo o sempre.” Após estas palavras, Helena, num êxtase, segu- ra Minha Mão contra o peito, o que quase provoca um sofrimento a Yarah, pois Eu nada lhe havia dito durante Minha Palestra com a grega. Tudo se normaliza quando Eu a fito com carinho.
Confortada pelo Meu Olhar, manifesta-se a menina: “Se- nhor, meu amor eterno! Acaso Te ofendi com meu aparente ciúme, por causa da bonita Helena? Perdoa-me!”
Digo Eu: “Acalma-te, Minha filha, pois se o mau não pode ser ofendido pelo amor — muito menos Eu! Se teu amor fosse me- nos intenso, não terias receio de Meu Sentimento diminuir pelo amor a Helena; assim, deixas-te levar pelo medo, pois, por momen- tos, evadiu-se a compreensão de tua alma sobre Quem, realmente, Eu sou! Agora, novamente equilibrada, Helena não mais te altera.
Vê o Sol, como ilumina as flores do campo! Não seria tolice uma qualquer se aborrecer por ele irradiar igual medida sobre todas? Observa as grandes estrelas, as quais pudeste visitar pessoalmente! Vivem elas e inúmeras outras de Meu Amor, e jamais serão vislum- bradas pelo homem! Se Meu Amor é suficiente para alimentar es- ses incontáveis e enormes pensionistas, por todas as eternidades — como podes, filhinha, recear algum prejuízo por causa de Helena?! Reconheces a futilidade de teu receio?”
Diz Yarah: “Sim, Senhor, meu amor e minha vida! Procu- rarei tornar-me boa amiga de Helena e imitar suas virtudes. Ah, se minhas irmãs mais velhas lhe fossem semelhantes, que alegria não haveria de sentir! Infelizmente, têm inclinações mundanas e não há possibilidade de lhes falar sobre assuntos espirituais, que tanto alme- jaria. As filhas de Marcus são bem diferentes.”
Digo Eu: “Ora, deixa disto; quando chegares à casa, encon- trá-las-ás mais acessíveis. Além disto, tens Raphael a teu lado que te ajudará nessa tarefa. De mais a mais, este empreendimento não é tão rapidamente realizável com criaturas mundanas. Requer geralmente muito tempo e paciência para livrar uma alma de toda impureza. Enquanto não for conseguida a purificação total, nada feito com o que toca ao espírito, pois entreter apenas o intelecto com tais noções é construir uma casa na areia.
Necessário é que o coração o assimile; estando este cheio das coisas do mundo, os assuntos de ordem espiritual não encontram ponto de apoio. Eis por que deves tratar que os corações de tuas ir- mãs sejam libertados de toda matéria — e terás fácil tarefa. Todavia, louvo tua preocupação e te afirmo que não perdurará por muito tempo! Entendeste bem?”
Diz Yarah: “Oh, sim, à medida que u’a menina de catorze anos pode assimilar algo de espiritual, pois aquilo que me acabas de dizer pode ocultar ensinamentos profundos, que minh’alma por muito tempo não compreenderá. Julgo ter entendido o que no mo- mento me seja útil e Tu, Senhor, por certo cuidarás do progresso e entendimento de meu coração. Mas..., vê só, Helena dorme profun- damente e não lhe poderei falar!”
Digo Eu: “Não importa, rodeiam-nos várias pessoas com as quais poderemos palestrar, se tal for necessário. Todavia, surgirá um fato que nos vai prender toda atenção e não teremos tempo para conversas fúteis.”
Diz ela, rapidamente: “Que acontecerá?”
Respondo: “Não necessitas sabê-lo de antemão.”
Pergunta Ouran, que se acha com Mathael, repousando na grama: “Senhor, haverá perigo?” Respondo: “Não para nós, mas para os que não se acham Comigo! Dirigi o olhar para Cesareia Phi- lippi e descobrireis o que realmente há.”
108.OSACONTECIMENTOSEMCESAREIA PHILIPPI
Os habitantes de Cesareia aguardam com pavor os aconteci- mentos horrendos que, dentro de sua compreensão, devem devastar o globo: os judeus à espera do julgamento de Daniel; os pagãos, da guerra dos deuses. O povo se rebela, negando obediência a seus superiores, destruindo tudo que vê. Em suma: dentro de algumas horas reina a maior anarquia na cidade, fato pelo qual os sacerdotes ignorantes são responsáveis.
Há entre eles alguns mais instruídos na sabedoria egípcia que pouco se importam com o desaparecimento repentino do sol artifi- cial, sabendo que tais fenômenos já se haviam repetido sem prejuízo para as criaturas. Outros julgam tenha surgido um segundo Josué, que por motivos concludentes ordenasse ao Sol permanência maior.
Além disto, uma seita judaica dogmatiza que o Sol perdura mais tempo no Céu de cem em cem anos, em homenagem eterna à derrota total de Jericó, sem que isso afete o planeta. Alguns magos do Oriente, de passagem por essa cidade, alegam que o Sol após um eclipse prolonga sua luz, a fim de compensar os danos causados. Es- ses também não se impressionam com o fato; todos, porém, querem aproveitá-lo para atemorizar o povo. Assim, os habitantes vão em busca de meios de resgate para apaziguar o sacerdócio; este, numa ganância sem limites, não se satisfaz, pois o povo guarda para si os objetos de valor.
Observando tal embuste, um grego, velho e honesto, enten- dido nas leis da Natureza, chama à sua casa alguns moradores mais calmos e explica-lhes, em poucas palavras, o impossível dano de tal aparição, dizendo: “Se houvesse algo de real a temer, não teriam os sacerdotes espertos tanto zelo e calma em extorquir oferendas de toda espécie. Se daqui a algumas horas o Sol reaparecer como de costume, esses perdulários exigirão novos sacrifícios. Divulgai isto ao povo ludi- briado, afirmando que o velho e sábio grego lhe transmite este aviso!”
Tal naturalista é muito conceituado entre os habitantes, de sorte que sua afirmação se propaga rapidamente. Em menos de uma hora invertem-se os papéis: os sacerdotes têm que devolver as ofe- rendas e fugir o mais depressa possível, pois o povo se revolta cada vez mais e não há servo ungido seguro da própria vida.
Prevendo isto, chamo a atenção de Ouran no momento em que se descobre a revolta, não obstante haver muitos fora da cidade aguardando um desastre qualquer. Mal acabo de falar, vários edifí- cios começam a arder, e o desespero ressoa até nós. Nisto se achegam a Mim Cirenius e Julius, e perguntam amedrontados o que há na
cidade; em poucas palavras os inteiro do acontecimento. Assim acal- mados indagam apenas se tal não trará más consequências.
Digo-lhes Eu: “Não a vós, mas ao sacerdócio; pois o povo, la- dino, apazígua os deuses com incêndios em habitações sacerdotais e templos pagãos. Por certo não lastimareis essa raça de víboras! O sol artificial teve boa luz, pondo a descoberto as traficâncias dos ‘servos de Deus’, que ora recebem seu prêmio merecido.”
109.ALEGRIADEMARCUSCOMOCASTIGOAPLICADOAOS SACERDOTES
Eis que Helena desperta de seu êxtase delicioso e se assusta pelo movimento no monte e o incêndio na cidade. Yarah de pronto lhe explica o que se passou, e a moça então diz: “Há uma hora atrás tive a impressão de minh’alma prever tal destino para essa cidade, após o rápido desaparecimento do Sol; eis que meu pressentimento se justifica. Senhor, por certo previas o fato que evidencia a razão do surgimento do astro fictício.”
Digo Eu: “Sim, querida filha, é possível que assim seja, pois uma luz por Mim colocada no Firmamento tem quantidade de bons motivos, e não só o da iluminação, que realmente é o menor. Obser- va a luz solar, por si secundária; considera, porém, as criaturas livres, mas algemadas pela Natureza, e descobrirás efeitos de luz e calor jamais sonhados pelos sábios naturalistas.
A própria Terra poderia apresentar tão inúmeras maravilhas como consequência dessa luz, que nem em vários milênios poderias abarcar! Esse Sol, cuja irradiação produz tais fenômenos, é rodea- do por incontáveis e maiores corpos cósmicos, realizando ali outros efeitos maravilhosos. E vê, tudo pela ação de uma só luz. Por aí concluirás que não fiz surgir o astro artificial apenas para o prolon- gamento de seus luminosos raios. Que te parece?”
Diz Helena: “Ó Senhor, Tu, Único Santo, que valor poderia ter a opinião humana, que jamais penetrará nas profundezas de Tua Onipotência? Já consiste em algo infinitamente elevado poder eu Te
amar acima de tudo, num amor bem-aventurado do qual meu co- ração jamais será merecedor. Querer pesquisar Tua Natureza Divina considero a maior ousadia da criatura. Possível é amar-Te acima de todas as coisas; todavia, nenhum espírito Te poderá analisar.”
Nisto se aproxima o velho Marcus e diz: “Senhor, com este incêndio, os peixes que fui obrigado a entregar como dízimo aos fariseus certamente ficarão cozidos e fritos. Sabes de minha hos- pitalidade sincera, pois sempre preferi dar a receber; mas o dízimo aos fariseus me aborreceu profundamente! E agora, precisamente a maioria de suascasas se acha ardendo! Isto me agrada mais do que se alguém me presenteasse com dez belos edifícios. Nunca fui maldoso, Senhor; desta vez, perdoa-me — não me contenho!
É uma alegria para um coração bondoso dar aos necessita- dos; pagar o prêmio justo e mais alguma coisa a um trabalhador é sublime dever de todas as criaturas. Pagar ao prefeito os impostos legais é obrigação sagrada de todo cidadão, pois tendo ele grandes gastos para ordem e segurança do país, os súditos são obrigados, pelo amor ao próximo, a fazer de boa vontade o que for exigido em prol de todos.
Possível é que, entre proeminentes figuras em nossa política, surja um déspota com intenção de sugar o povo; mas outro haverá, depois desse, de modo geral mais compreensivo, que novamente le- vante os ânimos. O sacerdócio, porém, é sempre o mesmo: tiraniza qual vampiro a multidão, extorquindo os pobres de modo mais re- pugnante, compensando-lhes com traficâncias de toda espécie. Eis por que um homem de bem deve louvar e honrar a Deus, no caso de lhe sobrevir um julgamento. Meu coração se sente confortado observando que justamente as residências e sinagogas dos judeus são devoradas pelas labaredas — e isto, num antessábado. Amanhã não poderão fazer coletas; tal castigo é bem merecido.”
Digo Eu: “Como sabes disto tudo?”
Responde ele: “Oh, fui à casa para ordenar o preparo dos ali- mentos aos pobres que talvez amanhã me venham visitar e dei com três gregos, aos quais fiz servir pão e vinho, e me contaram os fatos
passados na cidade. Minha satisfação foi tão grande que teria ensejo de lhes indenizar por cada palavra.”
Digo Eu: “Amanhã terás de pagar tal alegria, pois muitos dos fariseus irão à tua casa.”
Responde ele: “Com prazer hospedarei esses homens du- rante oito dias — talvez um ou outro se modifique. A Ti, Senhor, todas as coisas são possíveis!”
110.AALEGRIA MALDOSA
Estas palavras de Marcus despertam aplausos gerais. Helena, neste mesmo instante, observa uma chama extremamente luminosa, clareando toda a zona. Também Cirenius vê a labareda que aumenta mais e mais. À noite, porém, toda luz tem a particularidade engano- sa de parecer se aproximar à medida que se dilata no mesmo local. Prova isto o fato de as criancinhas costumarem estender os braços à Lua que lhes parece tão próxima, e os cães a perseguem pelo mesmo motivo. Igual equívoco se dá com Helena, crente que a crescente chama vem se aproximando e me pede para impedi-la.
Digo Eu: “Não sejas tola! Trata-se apenas duma ilusão de óti- ca, provocada pelo fogo na grande despensa do palacete do reitor judaico. Achavam-se ali guardados perto de duzentos quilos do me- lhor azeite de olivas em barris, várias barricas com nafta destinadas à iluminação de seu palácio, além de grande quantidade de manteiga, leite e mel. Tudo isto tornou-se presa das chamas — e nesta ocasião, Marcus, teus peixes passaram a ser fritos. Que te parece?”
Diz este: “Senhor, que tanto pode pesquisar meu coração quanto a despensa do reitor — sabes que não sou nem nunca fui maldoso; como guerreiro fui severo, sem jamais ter prejudicado al- guém, ainda que tal conduta resultasse em punição superior. Assim, não me alegro com a desgraça propriamente dita, e que meus peixes sejam fritos sem proveito — mas que essa velha praga da Humani- dade tenha recebido uma boa lição.
A destruição de seus bens é de somenos importância; seu real prejuízo consiste na dissolução da crença em seus ensinamentos, o que será um grande benefício para o povo. Agora estará ele acessível à Verdade Pura e Divina, no que me alegro enormemente. Pode até acontecer que o malogrado sacerdócio também se torne mais male- ável, caso não seja obtuso em demasia. Penso que o dia de amanhã será bem interessante. — Dize-me, Senhor, se tenho razão ou se minha alegria é condenável diante de Teus Olhos.”
Digo Eu: “Em absoluto, pois se Eu não tivesse o mesmo mo- tivo, não terias visto a Fata Morgana nem este incêndio. De saída sentias alguma satisfação maldosa, pois te aborreceste com o dízimo que os fariseus te açambarcaram. Por isso te falei: amanhã terás de prover vários sacerdotes, sem todavia teres prejuízo.
Um homem justo e perfeito deve ser íntegro em todos os senti- mentos, pensamentos e ações, do contrário não se presta para o Reino do Céu. Observemos, por exemplo, um infrator da lei, inepto para qualquer boa ação; é, em suma, irmão de Satanás. Por muito tempo pratica, incólume, suas maldades, pois sendo astucioso, não pode ser preso em flagrante. Quantas pessoas não desejam que tal criminoso seja atingido pela justiça! Finalmente chega esse dia, e o juiz o cha- mará à responsabilidade, condenando-o ao máximo castigo. Todos se regozijam e não faltam pessoas ‘bondosas’ que lastimem não possuir direito legal para lavrar, elas próprias, a sentença condenatória.
Nesse caso dever-se-ia indagar, de coração e intelecto cal- mos e justos, se esta satisfação se aplica a um homem perfeito, pois tanto o sentimento quanto a razão deverão responder: Alegro-me que a Humanidade tão castigada por tal criminoso seja liberta desse elemento; melhor seria se reconhecesse ele sua atitude condenável, arrependendo-se e transformando-se num elemento útil, que pro- curasse remediar o mal praticado. — Qual das duas intenções vos parece mais acertada?”
Responde Marcus: “Sem dúvida a segunda; a primeira é bru- tal e egoísta.”
Opina Ouran: “Nunca ouvi dissertações tão elevadas! Sou soberano de vários cem mil súditos e consta serem eles os mais felizes das zonas no Pontus; entretanto, tenho de agir dentro da lei romana, com poucas exceções. Contudo, sempre achei as leis de Roma um tanto severas. Quão pouca é a consideração quanto à natureza e ca- pacidade do caráter individual! Seria tolo afirmar que um sapato sir- va para todos os pés, quanto mais uma lei aplicada indistintamente.
Da maneira como Tu, Senhor, pronunciaste as tuas, vitais, todo e qualquer poderá segui-las, não obstante sua índole. Voltando a meu país farei grandes modificações. Mathael nomeio, desde já, vi- ce-rei e conselheiro, por eu não ter filhos; passará a usar, bem como seus quatro colegas, indumentária do Governo grego, e me ajudará da melhor maneira.”
Adere Cirenius: “Eu, prefeito romano sobre toda Ásia e parte da África, munido de todas as prerrogativas por parte do Imperador Augusto, meu falecido irmão, e pelo sucessor, seu filho — apoio esta boa escolha. Não poderias ter encontrado pessoa mais meritosa, Ouran! Tenho dito!”
Acrescento Eu: “Também concordo, pois de há muito já tem Minha unção espiritual para tanto; tu, Ouran, poderás ungi-lo em teu país com óleo de nardo, diante do povo e das autoridades, a fim de que saibam com quem estão lidando. Ele protegerá teu país contra a invasão dos skythos de modo mais potente que um grande exército dos melhores guerreiros. Para tal fim dar-lhe-ei força es- pecial quando iniciar sua incumbência; por enquanto basta-lhe a sabedoria.”
Indaga Ouran: “Senhor, não seria possível converter para Tua Doutrina essas hordas perigosas? É uma lástima ver criaturas de físico tão atraente e nula compreensão de algo mais elevado. É desanimador se deparar com uma figura masculina hercúlea, ou fe- minina paradisíaca, que não tem linguagem, apenas sabem grunhir
qual suínos, o que, por certo, nem eles entendem. Não seria bom conquistá-los, a fim de se tornarem verdadeiras criaturas?”
Digo Eu: “Os colegas de Mathael te ajudarão na realização de teu desejo; entretanto, não poderás dominar todos os skythos, cujo país é vastíssimo. Consegui-lo-ás nas proximidades do Mar Negro, e poderás educá-los a teu critério.”
Diz Ouran: “Senhor, eterna gratidão em nome de todos os futuramente despertados em espírito através de Tua Doutrina. Não faltarei com meu esforço e vontade persistentes.”
Diz Cirenius: “Acrescento mais: será tua posse o que con- quistares. Querendo fazer disto declaração a Roma, ficarás isento, por dez anos, dos juros de arrendamento, tendo teus descendentes direito de herança. A partir de trinta anos teu país não será dado em leilão, como de hábito. Amanhã receberás documentos com- provantes de tais direitos. Apenas um inimigo estrangeiro o poderia açambarcar à força; por parte de Roma, será teu país para sempre.”
Digo Eu a Cirenius: “Faze-lo ainda hoje; amanhã é sábado e não devemos aborrecer os fracos de espírito.”
Conjectura Cirenius: “Senhor, como poderei escrever ago- ra, à meia-noite? Fá-lo-ei de madrugada, de modo que ninguém se escandalizará.”
Digo Eu: “Meu Raphael já o aprontou; lê o documento e vê se é o que desejas.”
Cirenius apanha o pergaminho, aproxima-se duma tocha e se certifica de sua exatidão. “Se tal fosse a primeira prova”, diz ele, “ainda me admiraria; mas isto para Raphael é tão fácil, como para o homem alcançar as estrelas com o olhar. Já que está pronto, pode Ouran guardar o documento.”
Unindo o gesto à palavra, Cirenius continua: “Toma isto para proteção tua e de teus descendentes. Trata de conquistar as cria- turas para o Reino do Céu, do Amor, da Verdade Eterna, que veio de modo tão milagroso a nós por Jesus, o Senhor! Estamos Nele, vivemos por Ele, hoje e sempre.”
112.HELENASETORNAESPOSADE MATHAEL
Sensibilizado, Ouran agradece a Mim e a Cirenius, no que Helena também compartilha, dizendo: “Mas..., meu pai não tem filhos homens. Quem continuará seu governo?”
Digo Eu: “Minha querida Helena, já não vos dei um sábio des- cendente que teu pai acaba de nomear vice-rei? Não vos agrada ele?”
Diz ela, quase chorando de alegria: “Se nos agrada?! Senhor, perdoa se Te ofendi, pois tive de perguntar para saber de Tua San- ta Vontade.”
Digo Eu: “Acalma-te, pois a Mim ninguém poderá ofender, muito menos tu! Como indagas algo que já sabias, pergunto-te o que sei sem tua resposta. Vê Mathael, nomeado por teu pai, sendo esta decisão firmada por Mim e Cirenius. Conta apenas vinte e oito anos; haverias de querê-lo por esposo?”
Encabulada, Helena baixa os olhos, dizendo: “Senhor, por mais oculto que se tenha algo no coração, nada Te escapa. Analisaste meu sentimento para com Mathael, viste quanto o estimo e agora me denuncias! Assim sendo, só me resta responder ‘sim’ à Tua Santa Pergunta. Falta saber se ele sente o mesmo.”
Digo Eu a Mathael: “Amigo, podes, sem susto, continuar a palestra.” Responde ele: “Senhor, nunca és tão amoroso como ao nos falares tão humanamente. Indagas se poderei amar esta moça pura, dedicada a Ti de toda alma, de modo tão intenso como Te amo? A única dificuldade consiste em ser ela filha dum rei, e eu pobre cida- dão dos arrabaldes de Jerusalém, cidade de cem portais e mais de um milhão de habitantes.”
Digo Eu: “Mas..., quê? Quem foi David, em origem? Quem, Saul? Quem os ungiu para reis? Se repito contigo o que lhes fiz, como alegas não seres da mesma estirpe de Helena? Julgas que Eu não te- nha Poder de sobejo para te fazer sentar no trono imperial de Roma?
Conheces o poder e a força deste nosso servo Raphael, e Eu disponho de legiões semelhantes a ele. Quem haveria de querer en- frentá-los? Basta apenas Raphael para transformar num minuto esta
Terra em pó; portanto, destronar o Imperador e substituí-lo seria coisa de nada. Tal, porém, não é preciso, pois sei por que deixo o atual em Roma. Deste modo, também possuo poder ilimitado para fazer de ti o que Me agrada; quem quererá discutir por isto?!
O Poder de Deus ultrapassa o dum rei da Terra, pois tanto a vida dum soberano quanto a dum mendigo estão em Minhas Mãos, bastando o mais leve sopro de Meu Espírito para dissipar a Criação. Por isso, não te aflijas! O que digo é válido para a Eternidade e Minhas Determinações são indiscutíveis e imutáveis. Somente Eu, como o Senhor, ajo de acordo com Meu Amor e Sabedoria, e não há quem possa algo conseguir, dizendo: Senhor, por que fazes isto ou aquilo? — Quem alguma pergunta Me fizer, no coração, receberá de Mim resposta elucidativa; quem desejar, porém, discutir Comi- go, não receberá resposta, mas um julgamento. Se te faço rei, és um soberano verdadeiro e quem te desafiar será dizimado. Toma, pois, a mão de Helena, ela é e será tua querida esposa.”
Levanta-se Ouran e diz, penetrado de profunda gratidão: “Ó Senhor, Onipotente de toda Eternidade, de que maneira poderei eu, pobre pecador, externar meu reconhecimento? Cumulas-me de