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O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO
Volume III
O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO — 11 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
UNIÃO NEOTEOSÓFICA
Edição 2017
ÍNDICE
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. Ao lado da Bíblia o mundo jamais conheceu Obra Semelhante, sendo na Alemanhaconsiderada“Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
JESUS NAZONADECESAREIA PHILIPPI
OORÁCULODE DELFOS
Prossegue Julius: “Sempre houve pessoas entre gregos e roma- nos que, embora não fossem de origem judaica nem tivessem sido educadas em suas escolas de profetas, possuíam inspiração divina.
Quando Cresus, Rei dos lídios, tencionava fazer guerra con- tra os persas, desejava saber de antemão se iria ser vitorioso. Muito embora soubesse da existência de vários oráculos, duvidava de sua integridade e quis experimentá-los.
Tomou de uma ovelha e uma tartaruga, picou-as em peda- cinhos, deitou tudo numa panela de barro, usando uma tampa de cobre. Em seguida levou a vasilha a ferver. Antes, porém, havia man- dado investigadores a Delfos à procura de Dodona, Amphiaraos e Trophonios (adivinhos da antiguidade) a fim de indagarem dos orá- culos, no centésimo dia após a partida de Sardis, qual sua ocupação momentânea, pois àquela hora cozinhava a mistura acima.
As respostas foram na maioria completamente confusas; ape- nas o oráculo de Delfos se pronunciou (em hexâmetro, como de cos- tume): ‘Conto a areia, conheço as extensões dos mares, ouço tanto o mudo como o calado! Neste momento sinto o odor de carne de car- neiro misturada à de tartaruga; existe aço por baixo e aço por cima.’
Com esta prova Cresus indagou se devia guerrear os persas e recebeu a seguinte resposta: ‘Caso atravessares o rio Halys, será destruído um grande reino!’
À terceira pergunta, quanto à duração de seu reinado, Pythia respondeu: ‘Se algum dia u’a mula mandar no Rei, foge lídio, lépi- do, para junto da coluna hermética; não hesites nem temas a ver- gonha da fuga!’ De acordo com a interpretação do oráculo, devia-se entender por mula Cyrus, vencedor de Cresus, porquanto havia sido gerado por uma filha de Astyages e um súdito persa.
Indagando Cresus se não haveria cura para seu filho mudo, Pythia respondeu: ‘Embora poderoso, príncipe, teu coração é tolo! Não almejes ouvir em teu palácio a voz de teu filho, pois falará no dia da maior desgraça!’ Realmente, quando Sardis estava sendo conquistada, um persa, enfurecido, tentou assassinar o Rei. Eis que o pavor se apoderou do filho, curando-lhe a mudez, pois protestou com veemência: ‘Não mates Cresus!’ — Tal foi a primeira e última vez que falou em sua vida!
Por estes exemplos poderás deduzir que o oráculo não se ba- seava na escola de profetas, entretanto não é possível negar-se-lhe alguma inspiração do Alto.”
2.AAPARIÇÃODEESPÍRITOS PUROS
(Julius): “Além disto, está historicamente comprovado que Sócrates, Platon, Aristides e outros eram acompanhados de um gê- nio que os orientava dentro de sua capacidade receptiva; e quem não seguisse tais conselhos podia aguardar consequências desagradáveis.
Associando a esses fatos as próprias experiências, a aparição desse anjo nada apresenta de excepcional, tampouco ele possuir for- ças inconcebíveis, efetuando não raro milagres extraordinários.
Há tempos tive oportunidade de falar com criaturas do Egi- to setentrional por intermédio de um intérprete. Andavam comple- tamente nuas e nos classificavam de seres celestes, admirando-se dos edifícios deslumbrantes, das vestimentas e do luxo em Roma. Confun- diam-nos com deuses, julgando estar a direção dos astros a nosso cargo.
Dentro em pouco haviam aprendido tudo que se relaciona- va à confecção de tecidos, construção de casas etc. Passados alguns
anos, voltaram à pátria e, por certo, construíram escolas profissio- nais, levando a cultura àquelas zonas selvagens.
Não resta dúvida estranharmos as ações de um espírito per- feito; quando o nosso, porém, tiver alcançado sua perfeição, faremos coisas mais grandiosas e não mais nos admiraremos se algum dis- solver uma pedra em átomos. Existem milhares de exemplos com- provantes da evolução infinita do espírito, e nesta mesa se acham pessoas não mui distantes da perfeição angelical.
Por isto dedicai-vos ao desenvolvimento espiritual, que sereis capazes de dissolver não só uma pedra, mas u’a montanha inteira!” E dirigindo-se a Raphael: “Meu amigo, atesta se proferi uma palavra falsa, sequer!”
3.DESTINOEEVOLUÇÃODO HOMEM
Diz o anjo: “Em absoluto, e eis por que concordo em que estes trinta irmãos imitem os outros, a fim de se lhes igualar. Deus dá tanto aos anjos como ao homem — de certo modo um anjo em iniciação — uma vida perfeita e a capacidade evolutiva para a for- mação da semelhança divina. Se eles, cientes dos caminhos para tal meta, não desejam segui-los, devem culpar-se a si próprios do fatal e completo afastamento de Deus.
O espírito, por mais perfeito que seja, nunca alcançará Deus em Sua Plenitude; também não importa, porquanto é possível tudo fazer dentro da Ordem Divina. Adquire poder para a criação de novos seres — como se fora Deus — podendo-lhes dar vida livre, o que resulta numa grande alegria, igual à de um pai terreno em com- panhia de seus bons filhos.
Eu mesmo já criei vários mundos e sóis, povoando-os de pró- pria iniciativa. Todos eles são muitas vezes providos de modo mais perfeito que a Terra; a procriação se processa de modo idêntico e os espíritos são capazes de uma grande perfeição, pois, afinal, todos provêm de Deus, assim como os germes de futuras plantas são ante- riormente reproduzidos vários milhões de vezes.
Se vós, descendentes de Satanás, ainda sois portadores do Es- pírito Divino, quanto mais aqueles seres criados com poder idêntico ao do Criador! Tudo isto podereis conseguir se permanecerdes nos caminhos indicados. Eis por que ninguém deve dar preferência ao mundo e à carne, mas tratar, antes de tudo, daquilo que é do espíri- to, atingindo deste modo a semelhança de Deus!
Toda vida evolui constantemente quando empenhada em progredir na trilha da Ordem Divina. Estagnando, mormente no iní- cio da grande carreira espiritual, atrofiar-se-á qual haste no inverno, após se ter libertado do fruto. Por isto, sede ativos em benefício do espírito, pois cada passo ou ação é acompanhado da Bênção Divina.
Não julgueis que eu, por ser anjo, já me encontre tão perfeito que me dedique à inatividade completa! Lucro muito com esta atual permanência entre vós, que me facultará uma ação mais perfeita em minhas criações. Se tal acontece comigo, espírito puro, quanto mais não sucederá convosco, considerando quão distantes estais da perfeição!
Assim, agradecei ao Senhor por vos ter proporcionado esta oportunidade bendita, pela qual podeis numa hora lucrar espiritu- almente muito mais que em milênios de estudos mundanos. Tais oportunidades são mui raras vezes facultadas por Deus; por este motivo, deviam todos aproveitá-las da melhor maneira possível, em benefício de sua alma.
Caso Deus envie um de Seus profetas, as criaturas devem tudo fazer para ouvir a Palavra Divina, pois são apenas enviados de século em século, surgindo da imensa profundeza da Justa Sa- bedoria dos Céus. Os grandes, porém, transmissores de Verdades Grandiosas, surgem talvez em cada milênio, a fim de demonstrarem às criaturas, em moldes extensos, os caminhos progressivos de Deus e além disto afastá-las dos múltiplos atalhos que procuraram por conta própria, conduzindo-as à justa trilha.
Tudo na Criação Divina marcha para frente, igual ao tempo, que nunca para! E como o progresso no Reino dos Espíritos é per- manente, os mortais não devem estacionar, a fim de impedir que se distanciem em demasia daquele Reino.
O surgir de grandes profetas anima a ação isolada dos ho- mens. Nem bem se apresenta um progresso espiritual no Além, a luz do último profeta já não mais é suficiente, não levando tempo para se apresentar um outro, portador de novos conhecimentos aos homens, facultando-lhes a oportunidade de acompanharem o surto espiritual.
Eis que a Humanidade inventa coisas com as quais as an- tigas gerações jamais sonharam. Se tivesse o homem alcançado, em doze ou quinze séculos, um ponto culminante, estacionaria automa- ticamente. Por tal razão Deus permite os mais variados estados edu- cativos, que demonstrem às pessoas um tanto elucidadas a necessi- dade de uma nova Revelação, pois do contrário deixariam de evoluir durante milênios, conforme ainda hoje sucede na Índia setentrional. Tais povos serão por vós educados, porque nunca Deus lhes manda- ria profetas, fato para o qual terá Ele justos motivos.
Criaturas, porém, que se achem no mais próximo degrau de Deus devem reconhecer e aceitar com gratidão tal incumbência e pô-
-la em prática, do contrário seus descendentes degenerarão abaixo do nível do homem primitivo. Dizei-me se tendes compreendido tudo.”
4.DETERMINAÇÕESDOSENHORQUANTOAOS SALTEADORES
Diz um jovem fariseu: “Elevado e poderoso espírito, algu- ma coisa entendemos; ainda assim, ficamos-te agradecidos pelos esclarecimentos tão profundos e tudo faremos para prosseguir no caminho justo. Por hoje basta, pois necessitamos meditar. Apenas desejaríamos ouvir algumas palavras daquele homem de aspecto tão sábio e que ora palestra com o Vice-rei; embora não seja anjo, parece ultrapassar-vos.”
Diz Julius: “Tens razão, mas não é tão fácil levá-Lo a falar. Quando quer, cada palavra é uma criação de Sabedoria. Fazei uma tentativa, que não ficareis sem resposta!”
Obsta o fariseu: “Não tenho coragem, pois poderia nos res- ponder de tal forma que nos causasse arrependimento.”
Julius concorda: “Muito bem; hoje ou amanhã tereis opor- tunidade de ouvi-Lo; prestai-Lhe a máxima atenção.” Os judeus se calam, na expectativa de que Eu Me venha a pronunciar. Nisto aproxima-se o vigia dos criminosos e diz a Julius: “Nobre senhor! A situação dos cinco assaltantes é insustentável! Praguejam tanto que os soldados mal se contêm!”
Indaga-Me Julius: “Senhor, que fazer?” — Respondo: “Em cinco horas romperá o dia e até lá é preciso deixá-los nesta situação. Se os vigias não suportarem as imprecações, poderão se afastar, pois não há perigo de que soltem as cordas. Pelo sofrimento a alma será pouco a pouco libertada da carne satânica e de seus demônios, único meio possível de cura. Os sete implicados em crimes políticos man- têm-se calmos, por isto poderão ficar mais próximos daqui.” Esta Minha Ordem é prontamente executada.
5.JULIUSADMOESTAOS FARISEUS
Ao ouvir algo a respeito da cura dos criminosos, o jovem fariseu se dirige, encabulado, ao comandante Julius: “Nobre senhor! Será este o célebre benfeitor de Nazareth ou seu enviado? Ouvimos dizer que aceita e envia adeptos a todas as zonas para conseguir pro- sélitos para sua doutrina. Estaremos em maus lençóis se tratar-se realmente dele!”
Diz Julius, com expressão severa: “Como assim? Como a Presença do Célebre Salvador de Nazareth vos poderia perturbar?! Dá-me explicação satisfatória!”
A atitude de Julius confunde de tal sorte o fariseu, que fica sem saber responder. O comandante então prossegue: “Se for tua intenção dizer a verdade, não necessitas pensar sobre a maneira de fazê-lo. Se, porém, quiseres ludibriar-me com bonitas frases, passa- rás mal, porquanto conheço vossas artimanhas. Assim, aconselho-te a externares a verdade!”
A este convite de Julius, os trinta judeus empalidecem, pois, não obstante seu desejo de abandonarem o sinédrio, pretendiam
salvar as aparências perante os seus membros. Com grande perícia sabiam acusar o Templo quando este os fechava num aperto; em lá voltando, apresentavam as razões mais acertadas para tal atitude.
Por este motivo havia Eu falado no início não ser possível confiar neles, que se assemelham aos animais selvagens domestica- dos e cuja ferocidade tende sempre a manifestar-se. Como Julius in- sistisse em sua exigência, Eu lhe digo: “Amigo, deixa que se refaçam para então poderem falar. Mesmo que o quisessem, não poderiam mentir. Eu e Raphael não podemos ser enganados, possuidores que somos de todo poder e força!”
Replica Julius: “Vejo, como sempre, que tens razão, Senhor! Apenas desejo orientação sobre que atitude tomar!”
Neste momento o jovem fariseu se faz ouvir: “Considerando tua severidade, é compreensível nosso receio quanto àquele benfei- tor. Como, porém, encontramos defesa em sua simpática pessoa — pois temíamos ser ele o referido — já não mais temos medo, poden- do falar com sinceridade. Nossa atitude suspeita se baseia no fato de sermos seu perseguidor por ordem do Templo, tanto que fomos obrigados a tomar certas medidas que em absoluto poder-lhe-iam ser agradáveis, conquanto não lhe tivessem causado dano direto. As provas que tivemos não são animadoras para um perseguidor do nazareno. Caso se trate dele, só nos resta pedir-lhe perdão por aquilo que o Templo nos exigiu. Eis a verdade!”
Diz Julius: “Pois bem, ficai sabendo ser Ele o Célebre Sal- vador, a Quem todos os elementos celestes obedecem! Que preten- deis fazer?”
6.DISCUSSÃOENTREOSFARISEUSE JULIUS
Diz um jovem templário: “Louvado seja Deus por ter dado tal poder a um mortal! Consta que Ele dará um Messias ao povo de Israel; que tal se o considerássemos como o Escolhido? Ignoramos a razão pela qual não deveria surgir na Galileia; quanto a nós, nada nos obsta de aceitá-lo como Messias.
Extraordinárias, contudo, são suas faculdades divinas, como filho de um carpinteiro inculto e pacato. Fala-se ter sido ele admo- estado várias vezes pelos pais por não apreciar a frequência em sina- gogas, tampouco que se lhe fizesse a leitura das profecias. Apreciava, sim, a Natureza e a contemplação do céu estelar.
A pescaria era sua ocupação predileta e o bom resultado lhe atraía os pescadores. De repente teria ele despertado para uma sa- bedoria inédita! Isso tudo nos estonteia não pouco — e ninguém se pode aborrecer se indagamos pela razão!”
Diz Julius: “Quem seria conhecedor da medida e meta do Es- pírito Divino quando deseja unir-Se à centelha divina do homem?! Não poderia o Espírito Onipotente Se fundir em toda plenitude ao do homem, levando-o a agir de modo tal, incomum a uma criatu- ra vulgar?!
Se Deus Mesmo fala e age através do espírito fortalecido de uma criatura apta, forçosamente apresentará esta milagres e mila- gres. Nele, palavra e ação são idênticas — mas nós não podemos imitar nem uma nem outra, por sermos criaturas de capacidades restritas. Fisicamente Ele é igual a nós. Seu Espírito é Deus em Es- sência e rege o Infinito!
Dentro de nossa compreensão teosófica, adoramos toda ma- nifestação divina; portanto, admissível é nossa atitude diversa para com Ele. Daí podereis deduzir por que nós, dignitários romanos, Lhe prestamos a maior veneração, considerando-O Senhor dos mundos. Compreendeis isto?”
Diz o fariseu: “Por certo; adapta-se ao momento. Dentro da Doutrina de Moysés, tal não seria possível, pois consta: Eu sou o Senhor; não deves ter outros deuses junto a Mim!”
Responde Julius: “Claro, mas é preciso saber interpretar espi- ritualmente as palavras do profeta, chegando-se à conclusão de que em nada se chocam contra o axioma acima explanado.
Se a Humanidade supersticiosa se desvirtua na veneração do divino — ao que geralmente é levada em virtude da fome e da cres- cente tendência dominadora do sacerdócio, que tenta apaziguar os
deuses rancorosos com sacrifícios humanos — não se lhe pode fazer acusação justa. Julgo ser preferível adotar o homem uma seita qual- quer, pois do contrário seria idêntico ao animal.
A pessoa que não quer ou não pode aceitar uma crença, jamais conseguirá o desenvolvimento de seu intelecto, pois quem quiser construir uma casa terá de buscar o material necessário. Por isto reafirmo ser mais útil ao homem a superstição à crença nenhu- ma, pois palha é melhor que nada. Eis o motivo que leva os romanos a permitir vossas crendices nefastas.
Os templários, porém, são para nós um horror. Sabemos que nada acreditam, mas obrigam o povo a ter seus absurdos como de origem divina, castigando até aqueles que se opõem ao conceito de ser a beleza um horror, o Sol, trevoso, e haver sangue no riacho Cidron! Considero isto maldade, enquanto não critico nem conde- no a superstição! Toda capacidade e ocasião que se tenha de iluminar os cegos é de valor inestimável. Não sendo isto possível, é aconselhá- vel deixar o povo conforme está!”
7.ACRENÇAOBRIGATÓRIANO TEMPLO
Diz o judeu: “Tudo que acabas de explanar, senhor, é justo e verdadeiro; afirmamos que em teu convívio se aproveita, em uma hora, mais que em cem anos com a doutrina do Templo.
Ali muito se fala e ora; no entanto, seria o mesmo que dizeres: ‘Amigo, lava-me pés e mãos; cuidado, porém, para não os molhares!’ O sistema doutrinário do Templo exige que se ouça e pratique as orientações. Pessoa alguma, entretanto, poderá indagar do motivo
pois trata-se de segredos divinos, cujo conhecimento é permitido apenas ao Sumo Sacerdote, sob o mais rigoroso sigilo.
Que valor teria tal religião, da qual não se deve depreender uma sílaba? Considerando este assunto objetivamente, descobrem-
-se fatores capazes de revoltar o estômago! Acontece que os homens manifestam certa inteligência através das ações; quanto à religião são tão ignorantes como os nativos da África.
Não podes imaginar o que passei quando tinha de pregar uma doutrina como sendo verdadeira, estando, no íntimo, conven- cido da mentira. Sempre me perguntava quem seria mais burro: eu, o pregador, ou o ouvinte? E não podia esquivar-me da ideia de mere- cer eu tal título com maior justiça, pois o outro poderia, se quisesse, rir-se de mim, o que não me seria possível pregando no Templo e em virtude da água maldita! Assim digo: Fora com tudo que seja imprestável! Queremos nos tornar inteligentes, pois é degradante ser servo da estultice humana!
Porventura sabes o que este homem excepcional possa exigir para nos aceitar como discípulos, ainda que apenas por alguns dias? Acreditas ser possível indagar-lhe diretamente?”
Responde Julius: “Como não? Sei, positivamente, não aceitar Ele recompensa material; nunca traz dinheiro Consigo, no entanto não tem dívidas. Quem Lhe prestar um serviço é recompensado mil vezes, pois Sua Palavra e Vontade valem mais que os tesouros do mundo. Eis o que necessitais saber; fazei o que vos convier!”
Diz o fariseu: “Agradeço-te por esta orientação, pois já sei qual atitude tomar. Dirigir-nos-emos a ele com a intenção de seguir seu conselho!”
CONDIÇÕESASEREMOBSERVADASPELOSADEPTOSDO SENHOR
Aproximando-se de Mim o jovem fariseu diz: “Senhor, Mestre e Curador sem par! Não necessitamos de apresentação social após as explicações de Julius. Desejamos apenas nos tornar teus discípulos!”
Digo Eu: “Está bem; acontece, no entanto, que os pássaros possuem ninhos e as raposas, seus covis. Eu, porém, não tenho onde pousar Minha Cabeça!
Aquele que quiser se tornar Meu adepto terá que carregar um grande peso e seguir-Me! Não desfrutará de vantagens terrenas, mas sim terá de abandonar para sempre seus bens materiais por amor a Mim, não podendo sua família ser-lhe um impedimento.
Não lhe será permitido possuir fortuna, mais do que um manto, calçado, sacola ou bordão para a defesa contra um inimi- go suposto.
Seu único tesouro sobre a Terra é o segredo oculto do Reino de Deus. Sendo-vos possível aceitar estas condições, sereis Meus adeptos!
De modo idêntico cada discípulo terá de aplicar o amor, mei- guice e paciência para com todos; abençoará seu pior inimigo como se fora seu melhor amigo e fará o bem àquele que lhe prejudicar, orando por seus adversários.
Nos corações de Meus seguidores não poderá haver ira e vin- gança, tampouco terão direito a queixumes e críticas quanto aos acontecimentos aflitivos sobre a Terra.
A satisfação dos desejos deverá ser evitada como a peste; em compensação todas as energias devem ser aplicadas em criar um novo espírito pela aceitação do Meu Verbo, a fim de poder continu- ar eternamente na plenitude deste espírito. Por isto, refleti sobre tais condições e dizei-Me se concordais em aceitá-las integralmente!”
Indecisos com Minha exposição, os jovens fariseus não sabem o que responder. Finalmente, o primeiro orador Me diz, em parte gracejando: “Querido e bom Mestre! Não resta dúvida serem tuas condições apropriadas à conquista de virtudes excepcionais e semi- divinas; poucos, porém, serão os que se submeterão. Generalizar tal exigência não seria admissível, pois se todas as criaturas aderissem à tua doutrina, a Terra em breve teria aspecto do segundo ou terceiro dia da Criação de Moysés, isto é: deserta e vazia!
Eis por que os ensinamentos daquele profeta são mais úteis para a esfera física e moral da criatura. Tenta estabelecer condições idênticas para todas e verás as consequências! É justo que algumas estejam de posse dos Segredos Divinos; as massas não poderão fazer o mesmo uso salutar.
Por mim, tornar-me-ei com prazer teu adepto, mesmo se ti- vesses estabelecido condições mais pesadas; no entanto, duvido que meus companheiros se sujeitem! O Templo exige muita coisa; tu exiges tudo!”
Digo Eu: “Não importa, porquanto não obrigo a quem quer que seja! Quem quiser, que Me siga! Quem não o quiser ou puder, fique em casa! Nestes dias o Reino de Deus tem de ser conquistado com violência!
Quanto às Minhas condições um tanto pesadas, digo: Se teu manto for velho e poído, o que impossibilita seu uso, e alguém te oferecer um novo e bom, dizendo: ‘Amigo, despe esta roupa velha e destrói-a, pois não tem utilidade para o futuro, que te darei uma nova, prestável para todos os tempos, porquanto é feita dum tecido indestrutível!’ — acaso serás tão tolo em querer conservar a velha?
Além disto sabes, como também teus companheiros, ser esta vida terrena de provação apenas um curto lapso, seguido pela Eter- nidade. Acaso és ciente da maneira pela qual se processa a continui- dade de teu ser após a morte? — Eu, unicamente, estou em condi- ções de dar-vos, com toda segurança, a vida eterna e perfeita de um anjo, em troca desta passagem curta e miserável! Ainda conjecturas se deves aceitar Minhas condições? Realmente, exijo muito pouco, dando-vos tudo!
Julgas a Terra se tornar deserta e vazia se com o tempo — e isso está certo — todas as criaturas seguissem as exigências de Minha Doutrina? Quão curta é tua visão!
Vê este Meu anjo! Possui tanto poder e força de Mim que po- deria — se tal fosse Minha Vontade — destruir a Terra, o Sol, a Lua e as estrelas, cujo tamanho é tão imenso que a Terra se lhes poderia ser comparada a um grão de areia.
Enganas-te crendo que a cultura do solo terráqueo dependa unicamente dos homens! Se te der um campo por Mim amaldiço- ado, poderás cultivá-lo à vontade, que não produzirá nem cardos nem abrolhos para alimentar os vermes! Se bem que o semeador lance o trigo, é preciso que Meus anjos colaborem, abençoando des- te modo o solo, que do contrário não daria frutos! Compreendes?
Sendo Meus anjos os constantes trabalhadores no cultivo da terra, poderiam também tomar a si o encargo da semeadura, o que realmente fazem em zonas ainda não pisadas pelo homem. Sofren- do, porém, através da antiga maldição e querendo com toda a for- ça ele próprio trabalhar pelo sustento físico — Meus colaboradores nada têm de fazer!”
10.PREJUÍZOPROVINDODAS NECESSIDADES
(O Senhor): “Não ouviste falar do antigo Paraíso, no qual foi criado o primeiro homem? Esse éden era igual a um imenso jar- dim provido dos melhores frutos da terra; no entanto, nunca fora cultivado por mãos humanas! As primeiras criaturas não possuíam casas e cidades; suas exigências eram escassas e muito fácil satisfazê-
-las. Por isto gozavam saúde, alcançavam longevidade, dispondo de tempo bastante para dedicar-se ao desenvolvimento psíquico e ao intercâmbio visível com as forças celestes.
Por intuição satânica construiu Caim para seu filho Hanoch uma cidade com o mesmo nome, deitando assim a base para todos os males terrenos.
Afirmo-vos serem poucas as necessidades humanas; vaidade, ócio, orgulho, egoísmo e domínio exigem uma constante satisfação, jamais alcançada.
Por este motivo é alimentada a preocupação humana — e as pessoas não têm mais tempo para se dedicar àquilo por cujo motivo Deus lhes facultou a vida.
De Adam a Noé os filhos das montanhas não travaram guer- ra, pois suas exigências eram diminutas e ninguém se queria elevar sobre o próximo. Os pais se mantinham em respeito porquanto per- maneciam os sábios guias, mestres e conselheiros dos filhos.
Nas planícies, entretanto, onde os homens de sentimento e intelecto rudes começaram a enfeitar seus guias e mestres, ungindo e coroando suas cabeças, outorgando-lhes, em virtude de sua conside-
ração pessoal, toda sorte de poder e força, a vida fácil e de exigências escassas teve término.
A pompa é dificilmente saciada! Como o solo não produzisse o necessário num terreno restrito, os homens, amantes do luxo, co- meçaram a se estender dando o nome de ‘posse’ à terra por eles ocu- pada, tratando logo da pompa externa. Com tal atitude despertaram inveja, ciúme, discussão, luta e guerra, sendo o mais forte vencedor e soberano sobre os mais fracos, obrigando-os a trabalhar para ele. Os insubordinados eram punidos com castigos quase mortais, a fim de levá-los à obediência.
Vede, tais eram as consequências da cultura terráquea, do amor ao luxo e do orgulho. Se Eu vos procuro em Espírito, vin- do dos Céus, querendo vos reconduzir ao primitivo estado feliz das primeiras criaturas, mostrando os caminhos abandonados que con- duzem ao Reino de Deus — como podeis afirmar serem Minhas condições para o apostolado demasiado duras e impraticáveis para a Humanidade em geral?! Digo-vos: o jugo que vos imponho é suave e o peso, leve, comparados aos que suportais diariamente.
Até onde se estendem vossas preocupações! Não tendes sos- sego dia e noite, unicamente por causa do mundo, para que não tenhais prejuízo em vosso bem-estar e luxúria, conquistados com o suor sangrento de vossos irmãos mais fracos! Onde deveria a alma achar tempo nesta constante preocupação para desenvolver o Espí- rito Divino dentro de si?!
Vossas almas e as de milhões de criaturas até mesmo igno- ram serem portadoras da Centelha de Deus, e que muito poderiam fazer para se libertar da aflição contínua pelas coisas mundanas. Os fracos e pobres são por vós fustigados num servilismo sangrento a fim de satisfazer vosso amor ao luxo; portanto, também nada podem fazer para a emancipação espiritual. Deste modo, todos sois con- denados a verdadeiros filhos de Satanás, não podendo ouvir Meu Verbo que vos levaria seguros à Vida, pois defendeis vossas razões, pelas quais enfrentareis a morte eterna!”
(O Senhor): “Ainda se acusa a Deus, dizendo: Como podia Ele ter permitido o dilúvio que tudo aniquilou sobre a Terra e até consentiu na destruição dos sodomitas e gomorritas? — Isto facil- mente se explica: por que motivo havia de deixar que carnes enfei- tadas rastejassem no solo, enquanto as almas tanto se afastaram da antiga Ordem de Deus que o último vislumbre da consciência pró- pria se evaporava pela constante preocupação com o físico?! Poderia haver uma ‘encarnação’ mais compacta do que aquela, onde a alma não só se despojou do espírito divino, mas também se perdeu a si própria, de sorte a negar sua existência?!
Quando a Humanidade tiver alcançado este estado, o homem deixará de ser homem: será apenas um animal racional, incapaz para o desenvolvimento de alma e espírito. Por este motivo é necessário que tal carne seja morta e apodreça junto à alma nela encarnada, a fim de que, talvez em milênios, possa reiniciar o trajeto da formação e independência própria, neste ou em outro planeta qualquer.
O fato de que, não raro, existem criaturas inscientes de sua própria alma em virtude das grandes preocupações mundanas e car- nais, podeis observar em parte convosco mesmos, nos saduceus e na maioria das pessoas, pois ninguém saberá precisar o que seja a alma! Neste caso só resta a Deus fazer uma nova manobra de aniquilamen- to humano sobre a Terra, em maior ou menor proporção, na medida das necessidades prementes.
Essas criaturas puramente mundanas e carnais possuem for- ma e beleza sensuais, mormente o sexo feminino; o motivo compre- ensível se baseia na grande integração da alma com o corpo, o que a torna fraca e sujeita a influências nocivas. O físico adoece facilmente e a brisa mais sutil da peste lhe traz a morte certa; enquanto outras, de alma e espírito livres, poderão tomar todos os venenos sem que lhes prejudiquem. Quando alma e espírito são livres, dispõem de meios e forças suficientes para enfrentar qualquer inimigo; ao passo
que, aprisionados pela carne maldita, assemelham-se a um gigante acorrentado, incapaz de se defender de uma mosca impertinente.”
12.ENSINAMENTOS MISSIONÁRIOS
(O Senhor): “Gravai bem o seguinte: Não permaneçais em lugares onde existam criaturas de físico sedutor e enfeitado, pois não podereis fazer conquistas para o Céu onde o estado é quase idêntico ao de Sodoma e Gomorra! O castigo divino não dista muito dali, porquanto todas essas almas se acham aprisionadas pelo sepulta- mento da própria consciência. Sendo a carne tocada, apenas de leve, pelos elementos maus e brutos da Natureza, a alma não terá forças para reagir e ambas sucumbirão.
Experimentai agarrar u’a moça da cidade pelo braço: ela soltará um grito; fazei o mesmo com uma camponesa e nenhuma queixa ouvireis. Julgais que tal insensibilidade deriva do trabalho físico habitual?! Oh, não; apenas é consequência da libertação da alma através da renúncia, pela qual se produz um justo fortaleci- mento da carne.
Onde se dedica toda atenção à delicadeza física a ponto de existirem institutos que conservam o corpo elegante pela ginásti- ca, havendo também o recurso de pomadas e óleos — as almas de há muito deixaram de ser livres e fortes. Basta uma leve brisa para que adoeçam.
Eis então que surgem as queixas e os choros — e os meio crentes alegam ignorar o prazer que Deus possa sentir castigando suas criaturas! Dizem eles: ‘Por certo não existe Deus; se existe é tão elevado que não mais Se perturba com os vermes da Terra, ou Se tornou ávido por sacrifícios. Neste caso, necessário se torna apazi- guá-Lo por oferendas vultosas, cerimônias mágicas e incenso! Talvez Jehovah houvesse sido ofendido e estaria usando de vingança; é pre- ciso, portanto, fazer penitência com saco e cinza e arremessar, no mínimo, doze bodes expiatórios no Jordão!’
Ninguém se lembra que todo sofrimento, todas as moléstias, guerras, carestias, fome e peste derivam unicamente de as criaturas fazerem tudo pelo corpo, ao invés de se dedicarem apenas à alma e ao espírito, dentro da Ordem Divina!
Fala-se às almas ignorantes acerca do temor de Deus, no qual o próprio sacerdote de há muito não acredita, pois só crê naquilo que receberá pela prédica e nas honrarias e postos que poderá alcan- çar pelo bom uso de seu talento. Deste modo um cego guia outro
e um morto pretende vivificar um semelhante. Um prega em be- nefício de seu corpo, outro ouve pela mesma razão. Que vantagem se poderá aguardar para uma alma extremamente enferma?
Sou um Salvador — e as criaturas mortas e, portanto, igno- rantes indagam como isto Me seja possível! Digo-vos que não curo a carne; liberto a alma não muito nela integrada, despertando, se possível, o espírito encoberto. Este fortifica a psique, tornando-a livre, o que lhes facilitará normalizar, num momento, todos os dis- túrbios físicos.
Tal processo se classifica de cura milagrosa, enquanto é a mais natural do mundo. Só se poderá dar aquilo que se possui. Quem tiver uma alma viva pela Ordem Divina e um espírito livre dentro dela também conseguirá libertar a do próximo, caso não esteja por demais enraizada na carne, o que lhe possibilitará socorrer facilmen- te o físico enfermo. Se um psiquiatra também estiver com a alma adoentada, mais morta do que viva — como poderá transmitir à outra o que carece inteiramente?!
Refleti bem! Demonstrei-vos as condições para o discipulado e os males mundanos, desde a base verdadeira e profunda. Fazei, portanto, o que vos agradar — não vos obrigarei! Todavia, se vos quiserdes tornar Meus adeptos tereis de fortificar vossas almas, do contrário não obtereis benefício algum.”
Após este discurso todos arregalam os olhos dizendo: “Meaculpa!” O jovem fariseu não sabe que dizer, e até Cirenius, Julius e Ebahl externam expressões pensativas. Yarah, por sua vez, começa a recear quanto ao seu físico atraente!
Depois de longa meditação, Cirenius diz: “Senhor e Mestre, já passei vários dias e noites Contigo e tive oportunidade de assistir a Teus Feitos Milagrosos; nunca, porém, ouvi algo tão desconcertante como este Teu discurso. A julgar por Tuas expressões, nossa situação não difere da dos habitantes de Sodoma e Gomorra, pois tudo que fazemos é satânico. Amigo, que Doutrina severa! Infelizmente não é possível negar-se que tenhas falado a pura verdade! Qual seria o meio pelo qual se poderia renunciar totalmente ao mundo, dedican- do-se sempre à cultura psíquica e espiritual?”
Digo Eu: “Nada mais fácil! Continua o que és, desempe- nhando teu cargo; apenas não o farás por consideração à tua pessoa, mas em benefício de outrem!
Quando, na época de Noé, o dilúvio inundou aquela zona habitada pela escória humana, todos, com exceção de Noé, sua fa- mília e os animais, afogaram-se. Como lhe foi possível manter-lhes a vida? Achavam-se dentro da arca arrastada pelas águas tempestuosas, mas protegida contra uma perigosa penetração.
O dilúvio mortal de Noé perdura espiritualmente, não sendo menos perigoso à vida humana que o daquela época. Como seria possível alguém salvar-se do dilúvio espiritual? Afirmo-te: aquilo que Noé fez fisicamente deve ser feito espiritualmente, conseguin- do-se deste modo a proteção eterna! Em outras palavras: dar-se-á a Deus o que Lhe pertence e ao mundo o que é do mundo, dentro da justa medida.
Pois a ‘Arca de Noé’ representa a verdadeira humildade, amor ao próximo e a Deus! Quem for verdadeiramente humilde e cheio de amor puro e desinteressado a Deus, o Pai, e a todas as criaturas num zelo ativo de servir ao semelhante dentro da Ordem Divina
navegará incólume sobre as vagas mortíferas dos pecados hu- manos; quando, no fim de sua vida, as águas baixarem e sumirem nas profundezas trevosas, sua arca encontrará um pouso seguro no Ararate do Reino de Deus, tornando-se a morada eterna para seu construtor.”
14.COMOCONSIDERAREUSAROSBENS MATERIAIS
(O Senhor): “Observa Minha Pessoa! Não sou obrigado a lidar com o mundo? Alimento-Me, e o mundo Me serve da mesma forma que o dilúvio outrora serviu à arca de Noé, quer dizer: bem que se agita violentamente debaixo dos costados de Minha Arca, sem poder jamais tragá-la!
Não és responsável por ter surgido um Império Romano; ele existe e não o poderás desfazer. Entretanto, instituiu boas leis, úteis à ordem e à humildade dos homens. Se te julgas senhor sobre as leis com direitos externos ao uso duma coroa, estás no caminho errado
não perante as criaturas, que de qualquer maneira terão de su- portar as leis sancionadas com todas as suas vantagens ou prejuízos. Sujeitando-te à lei, considerando seres apenas um orientador desig- nado pelo Governo, achar-te-ás num princípio justo e construirás uma arca da matéria espiritual da lei, que infalivelmente conduzir-
-te-á acima de todos os pecados do mundo.
Seguindo, além disto, os princípios fáceis de Minha Dou- trina, adaptáveis sem dificuldade às vossas leis, farás tudo que te é possível tanto à alma quanto ao espírito. Se tal conduta é, a Meus Olhos, o bastante, aponta-Me alguém que não concorde!”
Diz Cirenius: “Mas, Senhor, considera a opulência e o luxo que sou obrigado a ostentar...!”
Digo Eu: “Acaso prezas tais coisas em teu coração?”
Responde ele: “Oh, nem de longe! São-me um horror!”
Digo Eu: “Mas então, por que te afliges? O luxo e a opulência não se poderão tornar prejudiciais à alma e ao espírito se teu coração não se prender a tais adornos, que te são impostos pela posição. Se te
agarrares a algo material, por mais ínfimo que seja, prejudicar-te-ás como se usasses uma coroa de ouro e pedras preciosas.
Tudo depende do estado d’alma; do contrário, dever-se-ia considerar um meio de perdição para a criatura o fulgor do Sol, da Lua e das estrelas, porquanto é para a alma fator de regozijo. Por aí vês, Cirenius, que podes te alegrar com justiça do brilho que tua posição social te impõe; nunca, porém, te envaideças por tal motivo, pois te prejudicarias, matando tua alma.
Até Salomon teve de se trajar com pompa jamais vista, nem antes nem depois. Enquanto não lhe dedicou alegria tola e vã, mas uma justa, baseada na sabedoria — tal prazer elevou sua alma e seu espírito. Desviando-se pela futilidade e entregando-se ao orgulho, sua queda diante de Deus e dos homens foi completa. Deixou-se atrair pelos pecados do mundo sensual, tornando suas obras e ações ridículas perante o próximo e um horror para Deus.
Digo-vos ser até útil e bom imitar o homem, na Terra, as maravilhas celestes com alma e espírito amadurecidos e regozijar-
-se com justiça, pois é preferível edificar a destruir. Apenas, como disse, as pessoas renascidas deverão fazê-lo como exemplo para o semelhante.
Aquele que constrói um palácio em honra, benefício e amor próprios comete grande pecado contra a alma e a centelha divina, prejudicando-se e aos seus, que desde o nascimento se julgam me- lhores que os outros. Se pela opulência dos palácios os corações de seus moradores se enchem de orgulho e desprezo pelo próximo, pre- ferível é que tais edifícios sejam arrasados.
Não é contra a Ordem Divina a construção duma cidade cujos habitantes sejam pacíficos e bondosos e vivam qual uma só e grande família. Nada de mal praticam, pois poderão trabalhar e socorrer-se reciprocamente de modo muito mais eficaz do que se vivessem a grande distância. Se nela introduzirem-se orgulho, luxo, opulência, inveja, ódio, perseguição, assassínios, devassidão, impu- dicícia e ócio, tal metrópole deverá ser transformada num montão de escombros e cinzas, para evitar que se torne um viveiro dos piores
vícios. Esses, em breve, empestariam-na como a terra de Hanoch, antediluviana, e Babilônia e Nínive, cidades pós-diluvianas. Quão grandiosas foram naquela época — hoje lá apenas se encontram al- gumas cabanas abandonadas. No local da cidade Hanoch tudo hoje é mar, assim como no de Sodoma e Gomorra e das dez pequenas que as circundavam, cada qual maior que a Jerusalém atual, isto é, sem a mesma extensão que a da época de David.
Aquilo que se deu com aquelas cidades repetir-se-á com Je- rusalém — e aqui se encontram alguns que presenciarão tal horror de devastação! Mais vale destruir tais antros, do que permitir o ani- quilamento por toda Eternidade das almas que neles vivem.
Tu, Cirenius, podes possuir tudo que a Terra tem de mara- vilhoso e agradável, louvando a Deus por tal Graça. Nunca prendas tua alma aos tesouros temporários, que deixarás ao trocares esta vida passageira pela vida eterna. Já sabes o que vem a ser a matéria. — Agora dize-Me, estás satisfeito com esta explicação, única e justa?”
OCAMINHOCERTOPARAAEVOLUÇÃO HUMANA
Diz Cirenius: “Sim, estou inteiramente a par de tudo. Assim como para cada erva existe uma lei pela qual se pode desenvolver, há também para o homem apenas um caminho a seguir e marcado por um mandamento psicomoral que lhe faculta a independência abso- luta. A franquia de um liberalismo sem restrições, a não ser na base desta lei, não lhe possibilita alcançar a meta destinada por Deus.
Compreendo ser o caminho por Ti, ó Senhor, indicado, o único e verdadeiro, aceitável para todos os de boa vontade. Con- tudo, ninguém seria capaz de encontrá-lo por si próprio. Era pre- ciso que o Espírito Divino revelasse as condições imprescindíveis a tal fim.
Julgo apenas ser este caminho raramente encetado pelas cria- turas, pois as condições mundanas opuseram uma forte barreira contra a qual muitas se ferirão. Assim, darão meia volta, mormente se não observarem em breve um êxito maravilhoso a coroar seus
esforços. Com Tua especial Graça espero atingir a meta final; sou, porém, apenas um, no grande Estado Romano de muitos milhões. Quando esses concluirão tal tarefa?”
Interrompe o jovem fariseu: “Nobre senhor, pensei precisa- mente o mesmo. Nós já podemos trilhar com fé e coragem o cami- nho da salvação; mas que será dos outros se não tiverem oportu- nidade de beber na fonte viva, onde se esclarecerão com o próprio Mestre da Vida?”
Digo Eu: “Já tratei disto, pois com Minha Chegada a porta do Céu permanecerá aberta e aquilo que ora tratamos será ouvi- do e anotado, palavra por palavra, para desenrolar-se diante dos olhos daqueles que, daqui a quase dois mil anos, habitarão a Terra! Todas as dúvidas futuras poderão ser esclarecidas diretamente pe- los Céus. Daqui por diante cada criatura terá de ser instruída por Deus; se não o conseguir, também não ingressará no Reino lumi- noso da Verdade!”
16.AELEVAÇÃODE JESUS
(O Senhor): “Todavia, afirmo-vos ser difícil permanecer a pessoa na pura verdade, pois o intelecto humano, alcançando gran- de perspicácia, não assimilará ser Eu, em Espírito, o Mesmo que transmitiu as Leis a Moysés no Monte Sinai e também lhe ditou os Cinco Livros; é, portanto, o Dirigente do Infinito com Sua Sabe- doria, Poder e Força! Se mesmo alguns dentre vós não podeis com- preendê-lo, embora testemunhas de Meus Atos que provam Minha União com o Pai Celeste — que dirão os grandes sábios do mundo ao ouvirem tal afirmativa pela milésima boca?!
Eis por que será isto apenas revelado aos pequeninos, pois a grandeza terrena é um horror para Deus! A criatura simples, singela e de coração puro ainda possui uma alma um tanto livre, que lhe permite compreender, com mais facilidade, o que vem do espírito. Um intelectual, cuja alma se ache abarrotada de princípios materia- listas e nem mais pressinta o seu espírito, dificilmente o entenderá.
Por ora até convosco isto sucede, portanto deveis aguardar Minha Elevação!”
Indaga Cirenius: “De que elevação se trata? Acaso serás coro- ado Rei de todos os reis?”
Respondo: “Sim, mas não um rei do mundo com coroa de ouro! Não teria Eu Poder para Me apossar dum reino que ultrapas- sasse os limites da Terra? Quem Me impediria?
Acaso a razão de todas as coisas e a vida das criaturas não estão nas Mãos de Meu Pai, que está em Mim, com Eu estou Nele? Quantos movimentos respiratórios poderás fazer sem a Vontade de Meu Espírito que tudo vivifica?
De que adiantaram o poder e a arte bélica dos homens duran- te a época de Noé? Meu Espírito fez com que o Dilúvio os afogasse!
Que benefícios obteve o poderoso faraó com seu grande exér- cito? Meu Espírito conduziu os israelitas incólumes pelo Mar Ver- melho, afogando os soldados egípcios!
Se, portanto, Eu Me quisesse tornar rei do mundo, qual seria o poder capaz de Me obstar? Longe, porém, tal pensamento de Mim e de Meus seguidores; espera-Me uma elevação e coroação diversas, e disto terás ciência depois de tudo consumado. Alguns pormenores já te forneci no início desta reunião; se deles te lembrares deduzi- rás o resto!”
Diz Cirenius: “Senhor, sei Quem és e o que podes — por isto mesmo não compreendo Tua atitude esquiva diante das persegui- ções de Herodes e do Templo.”
Digo Eu: “Amigo, podias ter evitado tal observação. Pri- meiro, por ter te esclarecido suficientemente em Nazareth; segundo, devias ter deduzido de Minhas Palavras que o motivo de Minha Vinda não se prende ‘a matar os mortos’, mas vivificá-los de novo. Eis por que ninguém por Mim será julgado. Vim para tomar sobre Meus Ombros o julgamento que fora determinado sobre este plane- ta, salvando as criaturas da morte eterna.
Desejo curar as feridas da Humanidade abatida, nunca po- rém aplicar-lhe outras, mais profundas. Por acaso julgas que o medo
Me obrigue a Me esquivar de Meus adversários? Nunca! Observa estes criminosos! De acordo com vossa lei e a de Moysés merece- ram cem vezes a morte; no entanto, não deixo que tal aconteça, pois também deverão desfrutar da Graça Celeste. Aproveitando esta oportunidade, tomarão parte no Meu Reino; retornando ao vício anterior, serão culpados se a lei os aniquilar! Vê, a lei perdura; a Graça, porém, socorre apenas de quando em quando os aflitos; des- respeitando a Graça, sofrer-se-á pela lei.”
17.AONIPOTÊNCIADIVINAEALIBERDADEDA ALMA
(O Senhor): “Vê, és representante das leis e do poder de Roma sobre toda Ásia e uma parte da África; entretanto, depende de Minha Vontade julgar ou libertar os criminosos, sem que te seja possível reagir. Deste modo também poderia forçar as criaturas a boas ações; tal, porém, seria um julgamento que as transformaria em máquinas.
Contigo tal não se dá por aceitares Minhas Palavras e agi- res dentro da Ordem Divina. Num caso de dúvida Me pergun- tas e adaptas tua ação ao ensinamento, que de certo modo surge numa intuição mais profunda, portanto justa, e não por influên- cia externa.
Subjugado por Minha Vontade, serás escravo; induzido pela tua própria, livre, pois ela apenas deseja o que teu raciocínio — como visão da alma — reconhece ser bom e justo. Caso diverso seria se o mundo fosse obrigado a agir dentro de Minha Onipotência: não reconhecendo o bem e a verdade, sua ação seria idêntica a dos ani- mais, ou talvez pior. O irracional não sente prejuízo moral quando se lhe impõe uma obrigação, porquanto tal alma não está sujeita a uma livre lei moral; a do homem, porém, sofreria por uma sujeição, em virtude do choque contra sua liberdade.
Daí deduzirás, Cirenius, o motivo que Me leva a fugir dos que Me perseguem, não para Me proteger contra sua ira descabida, mas para guardar Meus filhos, tolos e cegos, contra a eterna perdição.
Quando observo haver entre eles alguns de melhor índole, os quais podem reconhecer a verdade e o bem por uma justa ilumi- nação, não Me esquivo deles, mas procuro atraí-los para compreen- derem seu estado ignorante, facilitando-lhes a reforma íntima. Tens um exemplo vivo em Meus trinta perseguidores. De modo algum os teria conduzido ao nosso meio se não soubesse serem seus corações acessíveis à Minha Palavra.
As forças da Natureza foram influenciadas por Minha Von- tade a trazê-los aqui; isto não foi um jugo para suas almas. Agora serão instruídos, seu raciocínio se desanuviará, dando-lhes liberdade de escolha.
Vê, dentro em breve o Sol dirigirá seus raios sobre o horizon- te; entretanto, nenhum de vós lembrou-se do repouso noturno. Por quê? Porque Eu assim o quis! Contudo não se trata de uma coação sobre a alma, mas unicamente sobre a matéria, que terá de ser útil àquela além do habitual. Fiz isto em benefício dos trinta fariseus que foram salvos, física e espiritualmente. Nossa vigília foi premiada e sê-lo-á mais ainda; portanto, não houve prejuízo psíquico. Se tivesse conduzido as almas à justa luz através da Minha Onipotência, tor- nar-se-iam simples máquinas — e nenhuma de suas ações teria valor.
Que vantagem obtêm o serrote e a enxada pelo seu bom cor- te? Só têm utilidade para o homem de livre consciência, sabedor do que seja útil. Que benefício terá o cego com a luz, o coxo com o prado? Servem apenas àqueles que se encontram na consciência de si próprios, da necessidade do uso e aproveitamento deles.
O mesmo acontece com a luz espiritual. Não pode e não deve ser levada ao homem com violência, em virtude de sua livre vontade; esta luz deve ser posta num local onde seja vista por todos. Quem dela quiser se beneficiar, não encontrará empecilhos na execução de qualquer tarefa. Aquele que pretenda ficar inativo com a luz radian- te do Sol, fá-lo sem prejuízo de alguém, mas de si próprio, pois ela não obriga a qualquer ação uma alma dotada do livre-arbítrio.
Tenho poder de sobra para transformar vosso conhecimento e modificar vossa vontade livre num animal de carga, completamen-
te aprisionado — e ele se movimentaria com humildade, de acordo com a direção de Minha Onipotência. Seu íntimo, porém, não teria vida. Ensinando-vos e espargindo o justo conhecimento, sereis livres e o podereis aceitar ou rejeitá-lo. Compreendes, Cirenius?”
Responde este: “Sim, compreendo-o e creio também saber deduzir o motivo que Te levou a escolher a simplicidade: é que Te fa- cilita ensinar às criaturas a finalidade de sua vida e como atingi-la. A fim de que possam positivar sua fé e convicção, realizas toda sorte de milagres, portadores de poder e luz que ainda mais ressaltam o Teu Verbo. Deste modo fazes tudo para a salvação do homem, dando a impressão que tal foi por Ti previsto desde toda Eternidade. Talvez me engane neste ponto...”
Digo Eu: “Não, não; em absoluto, pois a Ordem Divina é eterna! Do contrário não seria Ordem nem Verdade. Agora, mude- mos de assunto.”
18.ANOTAÇÃODOSDISCURSOSDO SENHOR
(O Senhor): “Marcus, já que a alvorada está colorindo o cume das montanhas, trata de nos arranjar qualquer coisa para co- mer; não é possível nos aproximarmos em jejum dos cinco crimino- sos. Dar-nos-ão muito que fazer antes de se curarem. Reserva-lhes também algum pão, sal e vinho para fortificá-los.” — De pronto Marcus e os seus se dirigem à cozinha, onde alguns discípulos lhes ajudam no preparo de peixes.
Matheus e João, relendo as anotações feitas durante a noite, verificam uma série de falhas. Eis que João Me pede auxílio, que Ra- phael lhe presta preenchendo rapidamente as lacunas. Pedro confir- ma até a anotação do salvamento dos trinta condenados e Cirenius externa o desejo de uma cópia contra remuneração extra. Inconti- nente Judas se oferece para tal serviço.
Percebendo a ganância costumeira deste discípulo, digo a Ci- renius: “Faze com que Raphael receba o material necessário, pois será mais ligeiro.” O Vice-rei chama um lacaio e ordena-lhe o porte
de alguns rolos de papiro, que entrega ao anjo. Mal este os toca, diz a Cirenius: “Pronto! Teu desejo foi cumprido; podes comparar os papiros e verificar se existe alguma falha.”
Cirenius se admira não pouco da rapidez incompreensível de Raphael. Os trinta fariseus e levitas submetem à análise os ro- los e o dito orador, chamado Hebram, diz: “São idênticos aos dos discípulos. O fato em si não nos diz respeito e não convém sobre o mesmo perder palavra, pois os mortais apenas compreenderão os an- jos quando tiverem alcançado o mesmo grau de evolução; enquanto encarnados não lhes será possível assimilá-lo.
Existem coisas e aparições no mundo da Natureza que jamais serão inteiramente entendidas pelas criaturas. Gosto de ver milagres; mas não me preocupo quanto ao porquê. Ainda que entenda a pes- soa qualquer coisa, não lhe seria possível imitá-los.”
Diz Cirenius: “Do ponto de vista material terás razão; não me interessa a imitação, mas sim que eu possa — como espírito imortal — observar seus efeitos mesmo de olhos vendados; assim, desejaria saber por um sábio algo a respeito desta rapidez de escrita.”
Diz Hebram, gracejando: “Bem, duvido entretanto que pos- samos compreender as explicações de tal sábio, porquanto o inte- lecto não o poderá assimilar em sua profundeza. O Cântico dos Cânticos de Salomon, aliás, ainda é mais aceitável pelo intelectual; meditando, porém, mais profundamente, chega-se à conclusão de que nada se entendeu. Dar-vos-ei uma pequena prova.”
19.OCÂNTICODE SALOMON
(Hebram): “No quarto capítulo diz aquele sábio: ‘Eis que és formosa, amiga minha. Teus olhos são como os das pombas, entre tuas tranças. Teu cabelo como o rebanho de cabras que pastam no monte Gilead e teus dentes como o das ovelhas tosquiadas que so- bem do lavadouro, sempre produzindo gêmeos, pois não há uma estéril sequer. Teus lábios são qual fio escarlate e doce é tua voz. Tuas faces como o talho da romã, entre tuas tranças. Teu pescoço é
como a torre de David, edificada como parapeito, no qual pendem mil escudos e armas poderosas. Teus seios quais gêmeos da corça, que se apascentam entre rosas até que desponte o dia, afugentando a sombra. Irei ao monte de mirra e ao outeiro de incenso. És linda e não existe mácula em ti. Vem, minha noiva, vem do Líbano! En- tra, desce do cume de Amana, do cume de Senir e de Hermon, das morados dos leões, dos montes dos leopardos. Tiraste-me o coração, minha irmã, querida noiva; tiraste-me o coração com um de teus olhos, com um de teus colares. Quão belos são teus amores, irmã minha, querida noiva! A fragrância de teus unguentos sobrepuja to- das as especiarias. O favo de mel jorra de teus lábios, ó minha noiva! Mel e leite estão debaixo de tua língua e o perfume de teus vestidos é idêntico ao do Líbano. És um fechado jardim, fonte e manancial selados. Teus rebentos são um pomar de romãs com frutos celestes, cipreste e nardo, nardo e açafrão; o cálamo e a canela e toda sorte de árvores de incenso, mirra, aloés com as melhores especiarias. És qual fonte de jardins, manancial de água viva jorrando do Líbano. Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul, sopra pelo meu jardim para que emane seus aromas!’
Vê, nobre Cirenius, tal o teor do capítulo de compreensão aparentemente fácil; dou-te todos os tesouros do mundo se conse- guires interpretar uma frase, apenas.
Quem seria tal irmã constantemente citada, qual a noiva que- rida que, pela descrição de Salomon, deveria se igualar à Medusa?! Em suma, para o intelecto humano é a maior baboseira; o sentido espiritual só é dado ao sábio. Cheguei até a decorar todo o Cântico dos Cânticos para alcançar uma possível compreensão. Nada! Pouco a pouco verifiquei saber tanto quanto o gado diante da cancela.
Por isto te aconselho apelares antes para o raciocínio que para a sapiência de nossos colegas, pois se explicarem a agilidade da escrita do anjo compreenderás tanto quanto o 4º capítulo de Salomon. Uma explicação intelectual não te satisfará, porquanto não é possível conseguir interpretar materialmente um aconteci- mento espiritual.”
Diz Cirenius: “Já vi que não és inculto, pois sabes de cor tal estultice salomônica. Contudo, começa a me impressionar mais que a velocidade de escrita do anjo. Teria Salomon realmente ten- tado declarar seu amor a uma suposta judia, de aparência um tanto esquisita? Ou se teria referido à coisa diversa? Mas... quê? Haveria uma chave para tanto? Neste caso nosso Senhor e Mestre é o Único Competente!”
Diz Hebram: “Também concordo. Tal me desperta maior in- teresse que minha vida de além-túmulo.”
Dirigindo-se a Mim, Cirenius diz: “Senhor, ouviste o dito capítulo de Salomon? Terá algum sentido?”
Respondo: “Meu amigo, encerra um bem profundo. Salo- mon o escreveu conforme lhe foi ditado; no entanto, sua compre- ensão em nada era melhor que a tua. Recebeu o Verbo, mas não o entendimento — e tudo se aplica à época atual.
A solução e a chave estão diante de ti; a palavra, porém, o Ver- bo do Eterno Amor, isto é, o Amor Puríssimo de Deus às criaturas é a noiva formosa, a verdadeira irmã e amiga do homem. Lê o Cântico fazendo uso desta chave e entenderás seu sentido. Compreendes?”
Diz Cirenius, fitando Hebram: “Sentes de onde sopra o vento? Isto soa bem diferente daquilo que se canta no Templo de Jerusalém! Possuindo a chave, aprofundar-me-ei na leitura do sá- bio Salomon.”
Responde Hebram: “Sim, a interpretação parece verdadeira e certa; todavia, duvido que se preste para decifrar tudo. Vemos o mundo estelar, o Mestre e o anjo nos deram alguns esclarecimen- tos; eis tudo! Explica-me o que vem a ser a estrela d’alva, que neste momento irradia um brilho fulgurante! Assim como isso não te é possível com a chave do anjo, também não poderás descobrir com a do Mestre a sabedoria integral de Salomon. Contém muitos quadros apenas decifráveis ao espírito. Não duvido, porém, que a Chave do Mestre seja, em geral, a única, e procurarei usá-la por conta própria.”
Indaga Cirenius: “Senhor, que deduzirei das palavras de Hebram?”
Digo Eu: “Fala bem e certo, portanto saberás como inter- pretá-lo. Deixemos isto por ora; o desjejum se aproxima. Necessita- mos de alimento para podermos enfrentar os criminosos.” — Em poucos instantes as mesas são arrumadas.
20.ODESJEJUMDOS HÓSPEDES
Quando os fariseus e levitas observam a fartura de alimentos, diz Hebram: “Nem por isso os discípulos do Mestre de Nazareth passam necessidades! Não há, portanto, motivo que nos impeça de nos tornarmos, primeiro, soldados romanos; e após, seus adeptos de corpo e alma. Quantas vezes não jejuamos no Templo em honra de Jehovah — e aqui nem se pensa nisto, embora seja antessábado. No entanto, não me parece que constitua uma desonra a Deus, do contrário teríamos sido advertidos pelo Salvador. Em suma, faremos o que ele disser, seja doce ou amargo, pois o espírito que faz surgir o Sol tanto no sábado quanto nos dias comuns e não permite que os ventos descansem, por certo é mais elevado que o do Templo, que, para a justa consagração daquele dia, ordena três feriados antes e três depois. Contendo a semana apenas sete dias, perguntou-se quan- do, nestas circunstâncias, dever-se-ia trabalhar — e o tolo legislador templário, reconhecendo seu absurdo, aceitou outras sugestões! Que repouse em paz!
Para encurtar: nosso Mestre manifesta o Espírito Divino, o que nos entusiasma a servi-lo incondicionalmente. Já encontra- mos o Messias Prometido — e o Templo tão cedo não O avista- rá; mesmo que o faça, não poderá reconhecê-Lo. Nós O temos e honramos, por isto: Hosana Àquele, Merecedor de nosso respeito e dedicação!”
Diz Julius: “Ótimo! Acrescento mais: abençoados os de boa vontade!”
Acrescenta Cirenius: “A salvação e a Graça Celeste vieram ao mundo; por tal razão louvemos o Nome do Salvador, Jesus! Perante Ele todos os povos, anjos e espíritos se deverão curvar!”
Finalizam o anjo, Yarah, Josoé, Ebahl e todos os discípu- los: “Amém!”
Digo Eu: “Pois bem; agora desjejuemos.” Em pouco todos se dispõem a saborear os alimentos, inclusive Yarah e Raphael — e a atitude deste, como sempre, desperta espanto entre aqueles que não o conheciam de perto, tanto que o grupo de judeus indaga entre si da possibilidade de um anjo manifestar tamanho apetite.
Diz Hebram a seus colegas: “Por que vos admirais? Se ele foi capaz de jogar bola com uma pedra de trinta libras, com maior faci- lidade absorverá uma quantidade de peixes, pão e vinho. O fato de sua aluna quase lhe fazer concorrência prende-se à idade de cresci- mento; aparenta ela uns quinze anos, no entanto é tão forte quanto u’a moça de vinte. Até nosso Mestre demonstra bom apetite — o que aliás não me surpreende — pois já privei com espíritos elevados, entre os quais sempre deparei com o mesmo fator. Apenas desejava saber de que maneira um anjo puro assimila o alimento material; terá ele a mesma função biológica que nós?”
Intervém Julius, que ouvira tais palavras: “Como podeis con- jecturar tais disparates?! Raphael é espírito, e impossível é se lhe falar ou ver em seu estado primitivo. A fim de que, pela permissão excep- cional do Senhor, ele se pudesse apresentar qual criatura, necessário foi que se cobrisse de matéria sutil, que sua natureza absorveu. Não é, portanto, admissível supor-se uma função biológica em um es- pírito puro!
Quanto ao bom apetite de Yarah, filha do hospedeiro Ebahl em Genezareth, apenas obedece ela à uma ordem secreta do Senhor; isto em virtude da cura dos cinco criminosos principais, que prome- te ser extraordinária, porquanto Ele, tendo por diversas vezes ressus- citado vários mortos, também Se prepara para tal empresa através de alimento mais farto. Compreendeis?”
Responde Hebram: “Que Deus te abençoe por este escla- recimento, senhor! Basta que um fato maravilhoso seja iluminado para se tornar natural. Apenas o tolo se admira de algo que não
entende, e nosso grupo, por certo, terá muita coisa ainda que o fará pasmar na Presença do Grande Mestre, Salvador e Messias!”
Nisto Me levanto, dizendo: “Vamos até lá, onde se acham os criminosos!” — e todos se erguem para acompanhar-Me.
21.CURADOSCINCO OBSEDADOS
Mal nos aproximamos dos prisioneiros, começam a nos pra- guejar e amaldiçoar. Aconselho, então, que Julius e Cirenius recuem e dou ordem aos soldados para soltarem os algemados. Eles, porém, receiam fazê-lo, em virtude da reação violenta que poderia desper- tar. Digo Eu: “Obedecei, e rápidos! Do contrário vos espera a pior desgraça!”
Nem bem os cinco são libertos, jogam-se a Meus Pés, excla- mando: “Ó poderoso Filho de David, salva-nos da perdição eter- na! Não tememos a morte, pois, além de termos sofrido horrores durante a noite, fomos castigados pelas visões do sofrimento dos espíritos condenados ao inferno. Pedimos-Te castigo por cem anos pelos crimes cometidos — protege-nos, porém, contra as penas e os horríveis tormentos infernais!”
Eis a linguagem das almas individuais no momento libertas de seus algozes satânicos, que agora, entretanto, ganhavam suprema- cia sobre elas, gritando: “Que queres, miserável domador de inse- tos? Acaso tencionas entrar em luta conosco, deuses poderosos? Faze uma tentativa, que será a última! Afasta-te, miserável, do contrário serás reduzido a átomos e entregue aos ventos!”
Replico: “Com que direito atormentais há tantos anos estas criaturas? Sabei que soou vossa hora derradeira! O ‘domador de in- setos’ vos ordena abandonardes, neste instante, estes infelizes, enca- minhando-vos após ao mais profundo inferno!”
Uivam os demônios, desesperadamente: “Se tens poder para tanto, deixa que nos apossemos das formigas brancas da África; pre- ferimos permanecer lá do que em nosso reino!”
“Não”, digo Eu, “não Me compadeço de vós por não terdes tido, tampouco, compaixão daqueles que aniquilastes, não obstan- te seus rogos fervorosos! Por isto, retirai-vos sem perdão!” A esta ordem potente, os demônios abandonam suas vítimas, jogando-as por terra.
Eu, porém, prossigo: “Ide, miseráveis! Descei aos infernos onde vos espera a recompensa!” Eles, no entanto, ali permanecem, implorando misericórdia e perdão, alegando ser sua índole culpada de serem maus. Retruco: “Tendes de igual modo a capacidade para o bem, pelo conhecimento da verdade. Vosso orgulho, contudo, le- va-vos a serdes maus e incontidos, por isto não mereceis perdão! É vossa vontade sofrer, portanto não intervenho em tal desejo! Minha Ordem é eterna e imutável — e sabeis o que vos cabe para aprovei- tá-la em benefício próprio. Sofreis porque a desvirtuastes, por isto desaparecei de Minha Presença!”
Ouve-se um estrondo fortíssimo — e do solo surgem fogo e fumaça, tragando esses vermes miseráveis, pois os espíritos exor- cizados são quais serpentes negras, que desaparecem no interior da Terra. Todos os presentes tremem como varas ao vento.
Dirigindo-Me a Marcus, digo: “Dá aos enfraquecidos um pouco de vinho e, após, pão e sal.” Os filhos de Marcus se debruçam sobre os cinco homens, que após sorverem alguns goles, voltam a si, sem saber o que havia sucedido.
Digo-lhes Eu: “Servi-vos de pão, sal e mais algum vinho; isto vos fortalecerá plenamente.” Em poucos instantes eles recupe- ram suas energias, levantando-se, embora pálidos e magros.
Algo impressionado, Cirenius indaga o que fazer com eles. Digo Eu: “Por hoje não te preocupes; necessitam primeiro de tra- tamento. Marcus, manda trazer um pouco de óleo para as feridas provocadas pelas correntes e cordas.”
A fricção de óleo alivia os atordoados, que pouco a pouco conseguem se movimentar. Passado algum tempo indagam o que lhes sucedera, e Marcus responde: “Estivestes muito enfermos e fos-
tes trazidos para cá, onde o Salvador de Nazareth vos socorreu. Mais tarde O conhecereis.”
22.DISSERTAÇÃODESESPERADADOS EX-OBSEDADOS
Diz um dos cinco: “Sim, sim — começo a me lembrar! Te- nho a impressão de ter tido um pesadelo, no qual fui preso com mais quatro. Conduzidos a uma gruta e entregues a demônios, tudo fizeram para nos ensinar seu ofício de salteadores. Como reagísse- mos, eles se apossaram de nossos corpos. Ignoramos completamente o que praticamos naquele estado; lembro-me apenas que há bem pouco fomos aprisionados por soldados romanos. Devemos ter sido massacrados, a julgar pelas feridas e luxações. Meu Deus, que nos aconteceu?”
Diz o outro: “Queres saber o que fomos antes disto? Per- tencíamos ao Templo e, como missionários, enviaram-nos aos sa- maritanos a fim de convertê-los. Lá, porém, fomos informados de algo melhor e voltamos à Judeia para angariar prosélitos contra o sinédrio; eis que nos prenderam na fronteira e aqueles demônios nos enfeitiçaram, de sorte a não mais sabermos quem éramos. Devemos isto ao Templo, que somente aos maiorais dá privilégios; os outros são uns vermes infelizes.”
Diz um terceiro: “Também me recordo como fomos tortura- dos pela brutalidade dos templários. Devemos nossa desgraça uni- camente a nossos pais, que pagaram somas consideráveis para que fôssemos aceitos como fariseus! Após a experiência dolorosa no con- vívio daqueles malfeitores, de cuja influência agora fomos libertados
resta saber qual nosso futuro! Devemos retornar ao Templo? Por mim, preferiria morrer!”
Concordam os outros dois: “Tens razão: u’a morte rápida, que apagasse nosso passado e nossa própria consciência. Com que finalidade existimos, se nunca externamos desejo de viver?! Acaso existiria um Criador que sentisse prazer em assistir ao sofrimento de Suas criaturas?
Qualquer animal é mais feliz que o homem, pretenso senhor de tudo que existe! Vós, romanos, podeis enfrentar os animais fe- rozes de armas em riste; qual, porém, seria vossa defesa contra os demônios invisíveis? Fomos por eles escolhidos para que nos tor- nássemos idênticos — e nesse estado inconsciente usaram-nos para seus crimes. Se ao menos nos fosse possível morrer para nunca mais termos consciência de uma vida...!”
Diz o primeiro: “É verdade, seria nosso maior benfeitor quem nos pudesse dar a morte certa. Que nos adianta viver num mundo tão miserável, no qual os demônios com facilidade descobrem suas vítimas?! Seguindo-lhes as ordens, o homem se torna diabo; não obedecendo, é castigado da pior maneira possível!
Como Deus não compartilha de nossas dores, pode até Se sentir feliz, enquanto nós sofremos, choramos, praguejamos e nos desesperamos! Onde está o Salvador que nos restituiu esta vida des- prezível? Jamais deverá contar com nossa gratidão, a não ser tempo- rária, pois seremos gratos apenas pela morte eterna!
Quem sois, romanos importantes? Vossa aparência indica que servis a Satanás, por isto vossa opulência não vos perturba. Quem não quiser ser molestado pelo demônio deve tratar em se lhe tornar idêntico. Consta que se deve servir a Deus e amá-Lo — que absurdo ridículo! Fizemos isto desde pequeninos — e vede o resultado!”
23.ESTRANHOESTADOPSÍQUICODOS CURADOS
Diz Cirenius: “Senhor, nunca ouvi semelhante discurso; o pior é que contém muita coisa verdadeira. Todos sentem o mesmo: a própria Yarah parece não saber o que pensar, e o anjo por diversas vezes enxugou as lágrimas! Que devemos fazer?”
Digo Eu: “Preveni-te, anteriormente, que estes homens nos dariam o que fazer. Tal não importa; os maus elementos, expulsos, deixaram alguns fluidos em seus corações, mas a extinção dessa in- fluência possibilitará uma cura completa. Além disto necessitam de algum repouso — e o dia radiante trará uma nota harmoniosa a
suas almas. Ainda dirão outras coisas, sem prejuízo para vós. Suas almas provêm de mundos evoluídos, por isto devemos ter muita paciência. Oferece-lhes mais pão e vinho, que sua fome e sede estão aumentando.”
Marcus, prestimoso, serve-os com gentileza, dizendo: “Sa- ciai-vos, irmãos. De agora em diante não mais padecereis sobre a Terra, embora não seja um paraíso.”
Dizem os outros: “Pareces ser um bom diabo e talvez pos- samos trocar ideias! Se todos fossem iguais a ti, a vida não seria tão má. Acontece que até os bons são dominados pelos maus, que os impedem até de uma livre respiração.
Vê, o demônio completo está em mãos do príncipe dos de- mônios; sua residência consiste de sangue humano — e se chama o reinado de Deus! Sim, um Reino de Deus de ira e não de Amor! A razão disto só Ele sabe. Existem alguns animais que vivem como criaturas felizes, enquanto o homem apenas é burro de carga! Nasce frágil e nu — e a Natureza nem o proveu de armas diminutas, tal como as formigas e abelhas, a fim de se defender contra um inimigo. Tanto numa caterva de tigres como numa de leões verás todos de ín- dole semelhante; somente numa comunidade humana encontrarás uma parte diabólica. Por isto se desafiam e guerreiam.
Para encurtar, por que motivo consta na Escritura sermos ‘filhos de Deus’? Se Ele realmente Se interessa pelo bem-estar deles como fez conosco, sendo o destino dos pobres filhos de Deus servir aos demô- nios na maior degradação — agradecemos por tal filiação divina!”
Reage Marcus: “É verdade que passamos por muitos dissa- bores; em compensação, espera-nos uma imensidade de crescentes bênçãos no além-túmulo. Se o filho de Deus o considerar, suportará esta curta vida de provação.”
Diz o primeiro orador: “Quem te afiança tal troca? A Escritu- ra? Não te tornes ridículo! Observa aqueles que a divulgam, deixan- do-se homenagear como servos do Altíssimo! São os piores diabos! Que Deus venha Pessoalmente para lhes demonstrar suas perversi- dades e adverti-los à penitencia; do contrário, acontecer-Lhe-á o que
sucedeu aos dois anjos, incumbidos de avisar Lot e sua família no sentido de abandonarem aquela zona prestes a ser julgada.
Se o transmissor das Bênçãos Divinas é um demônio, expli- ca-me qual deve ser a expectativa dos filhos de Deus a respeito da- quelas promessas! A questão é a seguinte: ou Deus não existe e tudo que vemos apenas é obra da Natureza animal — ou haverá um Ser Supremo que tudo rege, sendo, entretanto, demasiado Sublime para Se poder preocupar com vermes terráqueos. A Escritura é simples obra humana e pouco de bom contém.
Consta ali: ‘Não matarás!’ Todavia, o Mesmo Deus ordenou a David desafiar e destruir filisteus e amonitas, inclusive mulheres e crianças. Consequência maravilhosa! Acaso Deus não teria outros meios para exterminar os povos odientos que não fossem obrigar um homem a desobedecer uma lei dada por Moysés? Bem poderia evitar que esse homem, com ajuda de seus soldados, matasse centenas de milhares somente porque, de acordo com o pronunciamento de um visionário, não eram decentes.
Sou de opinião que um Deus de Amor jamais deveria lançar os homens, quais cães raivosos, contra seu semelhante, possuindo meios e poder de fazê-lo como bem o entendesse. Que Deus estra- nho: dum lado ordena amor, paciência e humildade; do outro, ódio, perseguição, guerra e aniquilamento. Realmente, quem entender esta desordem, por certo será uma criatura fora do comum.”
24.ALMASDEVISÃO DIVERSA
Retruca Marcus, prestes a perder a paciência: “Positivamen- te, não sei o que fazer convosco: não posso concordar com tudo, tampouco vos contestar. Vossas queixas não deixam de ser razoáveis; contudo, parecem-me um tanto exageradas. Já que me tomais por um bom diabo, dizei-me: nossa assembleia é toda diabólica?!”
Responde o orador: “Em absoluto. Vê, este homem a teu lado (apontando para Mim) é um homem perfeito, um real filho de Deus! Dentro em breve, porém, os demônios o aniquilarão. Lá
atrás estão dois jovens e u’a mocinha, também do Alto, que igual- mente terão de lutar, caso não queiram se tornar demônios. Os ou- tros são pobres pescadores; tu e tua família sois uns bons diabos, na expectativa de vos tornardes criaturas verdadeiras, o que muita luta vos trará.”
Diz Marcus: “Como te é possível sabê-lo? Vejo apenas pes- soas de perfeição gradativa, mas nunca diabos. No que se baseia tua afirmação?”
Diz o outro: “Naquilo que vejo: os físicos são iguais, as almas mui diversas. Esta diferenciação consiste na cor e na forma. As almas por mim classificadas de puras são idênticas à nuvem no cume das montanhas e seu formato é muito mais formoso que o do corpo; vossas almas são de tonalidade mais escura que o físico e menos hu- manas, porquanto nelas se destacam claros vestígios animais.
Todavia, descubro em vossas almas uma pequena e perfeita forma humana, toda de luz. Quando esta ali se integrar, estender-
-se-á também sobre o corpo. Não posso precisar este processo; para tanto deves consultar criaturas perfeitas.”
Insiste Marcus: “Como é possível que vejas tudo isto?”
Responde o inquirido: “Durante o imenso sofrimento, abriu-se a visão de minha alma, de sorte que posso diferenciar ou- tras almas, criaturas, filhos de Deus e filhos do mundo, ou sejam, anjos e demônios.
As criaturas diabólicas podem se tornar anjos através de uma renúncia total; do mesmo modo, anjos se poderão transformar em demônios. Contudo, tal transformação é bem difícil, pela força in- dependente das almas angelicais. Nós cinco fomos tentados pelo inferno; até então, porém, sem êxito. Nosso futuro está nas Mãos de Deus, que nos criou sem preocupar-Se em demasia com nosso destino. Por tal razão supomos que Ele não exista.”
25.FILOSOFIANATURALISTADE MATHAEL
Prossegue o vidente: “Tudo na Terra obedece a uma certa ordem e equilíbrio, o que leva a crer na Existência Divina; por outro lado, pode-se observar, não raro, uma desordem infinita, um despo- tismo incalculável, que força a criatura a duvidar de Deus.
Consideremos a inconstância atmosférica. Acaso apresenta ordem e harmonia?! Observa a variabilidade de árvores e flores, a medida irregular das montanhas, dos lagos, riachos, cascatas e fon- tes. Nunca se manifestam harmoniosas, ao menos diante de nossa compreensão. O mar forma suas margens irregulares, de acordo com a maré — e cabe ao homem impor-lhe uma barragem, pois por par- te de Deus nada é feito.
Do mesmo modo, a criatura cultiva jardins, campos e vinhas, selecionando os frutos de qualidade. Não consta existir um jardim cultivado por Deus, ou que Ele tivesse regulado o leito dum rio. As camadas geológicas se confundem tão caoticamente que fazem transparecer apenas a força cega do acaso.
Analisando de per si, as coisas revelam traços fortes de uma sabedoria e poder divinos; em seu todo, porém, destaca-se o seguin- te: ou Deus Se cansou de organizar e manter em equilíbrio aquilo que criou, ou então Ele não existe; e as coisas se criaram indepen- dentemente, dentro da lei natural, para mundo, sóis e luas, de acor- do com seu peso e proporções.
Quanto mais variados os corpos cósmicos em evolução, tan- to maior variabilidade apresentam em sua superfície. Daí surgiram os primeiros vestígios de vida, devidos à causa e ao efeito. A mani- festação da primeira fagulha vital era seguida por outras, as quais criaram novas leis, destinadas ao desenvolvimento duma vida per- feita. Deste modo ela se desenvolveu à máxima potência, de acordo com suas próprias leis vitais, até que a mais apurada e consciente força vital começou a organizar, de modo retroativo, a precedente natureza muda.
Se isto tudo surgiu naturalmente, logo se chega à conclusão de que existem apenas potências vitais de máxima variedade, desde o piolho vegetal à perfeição divina — o homem! Assim, se tornou pos- sível a criação duma Divindade positiva e negativa a um só tempo, desde eras remotas. Nesta qualidade as forças contrárias se desafiarão, até que a negativa, ou má, seja assimilada pela boa e mais poderosa, num contraste equilibrado. Desta fusão, tudo que por ora ainda é mudo, inconsciente e inerte transformar-se-á, após longos períodos, numa vida plena de vontade própria e conhecimento independente.
O fato de existir ainda hoje um verdadeiro caos consiste em que a máxima potência vital, denominada Deus, está longe da or- dem desejada com a força negativa, Satanás, até que a esta sobrepuja e surja vitoriosa. O polo oposto não estaria em constante luta contra a Divindade se não houvesse motivo para Dela se apossar.
Satanás deve, pois, sentir um grande agrado inconsciente pelo bem, razão por que procura subjugar a potência positiva; mas precisamente neste zelo constante ele assimila as forças do Bem, me- lhorando sua índole sem o querer. Desta forma se equilibra sua força vital, que o faz adquirir ordem, conhecimento e compreensão cada vez maiores e, por fim, não poderá impedir sua completa rendição, devido à impossibilidade de ele evitar um total domínio de sua na- tureza e tendência.
Mesmo após sua completa rendição, permanecerá ele um contraste com o puro Bem; será apenas equilibrado, como o sal tam- bém se contrabalança com o açúcar. Se a oliveira não tivesse sal na justa medida em raízes, tronco, galhos e folhas, jamais produziria o azeite doce.
Estou me excedendo na dissertação, que por certo não é por ti assimilada como deveria. Também não importa, pois não te quis apresentar uma doutrina da verdade, mas sim apenas demonstrar a que conclusões a alma poderá chegar por sofrimentos quase insu- portáveis, sem que seja atendida por Deus em tal aflição.
A alma, ou a verdadeira primitiva força inteligente, torna-
-se mais lúcida pelo sofrimento; vê e ouve tudo, ainda que distante
dos olhos humanos. Portanto, não te deves admirar se fiz menção de vários corpos cósmicos, pois minha alma os viu de modo mais perfeito que tu até então pudeste observar esta Terra. Basta, porém; será melhor se nos disseres o que devemos fazer, pois não podemos ficar aqui.”
Diz Marcus: “Esperai mais um pouco até que o Salvador, ao Qual deveis vossa cura, assim o mande.”
26.LUTAEMA NATUREZA
Diz o orador: “A quem, entre vós, compete que agradeçamos?”
Responde Marcus: “Foi-nos proibido denunciá-Lo antes do tempo; em breve o sabereis, podendo então receber com alegria os elevados esclarecimentos a respeito de vossas falhas!”
Diz o outro: “Amigo, para nós não mais haverá alegria sobre a Terra; talvez numa outra vida.”
Diz Cirenius, que se achava próximo: “Vede, sou Vice-rei da Ásia, duma parte da África e da Grécia. Agora vos conheço melhor e me proponho a zelar por vosso futuro, proporcionando-vos, ou- trossim, uma ocupação de acordo com vossa capacidade intelectual.
Apenas deveis concordar que nós, romanos, em absoluto so- mos uns pobres diabos! Somos tão bem criaturas quanto vós. O fato de terdes sido triturados psiquicamente — por motivo que apenas Deus conhece, o que, contudo, muito contribuiu para a purificação de vossas almas — não pode ser nossa culpa. Pelo contrário, fostes por nós curados, isto é, por Um do nosso grupo, Verdadeiro Sal- vador. Por isto, mudai de opinião, que em breve podereis voltar à antiga alegria.”
Diz o orador: “Amigo, observando o solo, verás apenas coisas que te alegram; o campo repleto de flores agrada a teus olhos, e o suave vaivém do mar enche de júbilo tua alma; isto porque não per- cebes como, debaixo destas maravilhas, uma infinidade de futuros diabos fazem surgir suas cabeças, portadores de morte e desgraça. Para tua compreensão, tudo que vês é a manifestação de vida, en-
quanto nós nos certificamos da morte e sua constante perseguição. Consideras tuas amizades, e os poucos inimigos enfrentarás com teu poder; nós, porém, vislumbramos apenas inimigos invencíveis.
Com esta visão inconfundível, difícil se torna uma alegria sincera. Afasta de nós este dom ou dá-nos explicação justa daquilo que vemos — e nossos corações hão de se alegrar. Possivelmente ha- verá, em épocas incalculáveis, um destino melhor para a alma que, pela luta, alcance sua evolução espiritual; onde, porém, buscar essa certeza? Será ela positiva?
Nossa visão nos permite descobrir condições vitais que nun- ca pudeste sonhar; todavia, nada vemos quanto à confirmação duma vida feliz após a morte — mas uma constante vigília, preocupação e luta. Toda expressão de vida é luta contínua com a morte, como também toda atividade é guerra constante contra a inércia. A calma desafia o movimento, por nela estar presente a tendência da movi- mentação. Quem será vencedor: a calma que procura o movimento, ou vice-versa? Desde tua origem primitiva até hoje apenas lutaste
e enquanto assim permaneceres terás vida, mas uma vida de luta, com poucos momentos de alegria. Quando, porém, chegará a final bem-aventurança? É fácil dizer à criatura: sê feliz! A alma, no entan- to, perguntará: por quê, como e quando? Compreendeste?”
27.MATHAELFALAACERCADAALMADE CIRENIUS
Cirenius, arregalando os olhos e agarrando o orador pela mão, vira-se para Mim: “Senhor, que filosofia estranha! E no fundo, não há o que contrapor! Que dizes?”
Digo Eu: “Por que te surpreendes? Não te havia prevenido não ser fácil enfrentá-los? Prestai-lhes atenção, que isto vos facilitará a compreensão de Minhas Próprias Palavras.”
Novamente Cirenius se volta para Mathael: “Acaso poderias provar-me haver existido Deus antes dos corpos cósmicos que aca- bas de mencionar e dos quais não posso fazer ideia? Tuas palavras enchem meu coração de dúvidas!”
Diz Mathael: “Fraco habitante terrestre que és! Embora já tenhas ouvido palavras sábias, cheias de força, vida e verdade, e teres presenciado o que pode o Verbo Divino — não te é possível assi- milar sua profundeza. Permaneces algemado ao amor pela vida, e partindo deste ponto, impossível se torna encontrar a verdadeira!
Enchendo um pote de água, não descobrirás os elementos nela contidos, mesmo que a movimentes. Levando o mesmo pote ao fogo, em breve aparecerão os elementos de vapor, fazendo sur- gir pequenas bolhas na superfície — e os espíritos ainda contidos n’água se reconhecerão, pois que no líquido frio não manifestavam vida, julgando-se unidos ao mesmo. A água, por sua vez, percebe, ao ferver, que mantinha elementos de poder e força, os quais nunca teria descoberto em sua calma fria.
Tua vida por ora também é ainda pura, contudo fria e cal- ma dentro de teu corpo. Poderás movimentá-lo à vontade sem que por isto reconheças tua força espiritual; pelo contrário, quanto mais for agitado, fato comum entre criaturas mundanas, tanto menor a possibilidade da água vital reconhecer a si e a seu próximo, pois pela agitação da superfície só se vislumbrarão caricaturas.
Se teu pote com tal água for colocado sobre o fogo do amor, da maior humildade, dor e sofrimento, logo começará a ferver, com o que as tendências libertas se reconhecerão, como também seu es- tado primitivo de frieza e inércia — isto é, a alma sensual dentro do corpo frágil — produzindo neste estado milhares de bolhas, qual olhinhos espertos que observam e assimilam os elementos surgidos, não mais como portadores da inércia. O pote, meu amigo, não será considerado pelos elementos de luz, mas aceito apenas como invó- lucro externo que merece ser jogado no monturo. Compreendes o que quero dizer?”
Responde Cirenius: “Penso que sim, isto é, no que se refe- re à aplicação da nossa vida psíquica. Foge ao meu entendimento, no entanto, o sentido mais profundo. Quererias apontar com isto a Existência Divina antes da Criação?” Diz Mathael: “Certamente; por ora, todavia, não o assimilas!”
(Mathael): “Vê, aquilo que defines como Deus, eu chamo de Água Viva, mas que não reconhece sua própria vida. Quando for levada a ferver pela chama poderosa do Amor — em si o Centro da Divindade — o Espírito Vital Se elevará acima da Água que O aprisionava anteriormente, e nisto verás o Espírito Divino pairar sobre as águas, conforme fala Moysés. O conhecimento próprio e da água faz com que o Espírito reconheça que fora desde eternidades identificado com a Água. Tal conhecimento eterno é semelhante ao ‘Que se faça Luz!’
Tão logo teu próprio espírito paire acima de tua água vital em ebulição, começarás a conhecer a tua e a Vida de Deus dentro de ti.
Todo ser teve um início, do contrário não teria surgido. Se uma existência conhecedora de si, de sua força consciente e de tudo que a rodeia não tivesse tido um começo peculiar, também não se poderia manifestar. O mesmo se dá conosco: vivemos por nossa existência ter tido princípio.
Contudo, já existíamos antes desta vida, como os vapores não surgidos dentro da água fria e calma. Do mesmo modo, a máxima potência da Vida de Deus continha uma dupla existência: primeiro, muda e apenas de consciência própria; segundo, derivada do início interno de atividade, livre e perfeitamente consciente.
A expressão de Moysés: ‘No princípio criou Deus Céu e Ter- ra, e a Terra era vazia, deserta e havia trevas em suas profundezas!’ aponta veladamente como a Eterna Potência Vital de Deus come- çou a descobrir e analisar o Seu Ser. O Céu representa a Sabedoria consciente de Seu Eu; no centro chamejante de Seu Amor, no que se entende a Terra, ainda permanecia a treva e o vácuo, portanto sem noção mais profunda do Próprio Ser.
Tal centro foi se aquecendo mais e mais, à medida da pressão produzida pelas massas do externo conhecimento próprio. Em sua máxima incandescência o centro fez surgir o vapor (o espírito) da Água Vital, que pairava livremente sobre as águas de sua preexistên-
cia muda e serena, compenetrando-Se de Sua Própria Individualida- de. Essa noção é a Luz criada por Deus para a extinção das trevas. Só então Deus Se manifestou como Verbo, e o pronunciamento do ‘Que assim seja!’ externa uma vontade plenamente consciente, um Ser no Ser, uma Palavra no Verbo, tudo no Todo! Eis o início da Fonte Primária da Vida consciente, surgida pela Vontade libérrima.
— Estás depreendendo algo do que te digo?”
29.CIRENIUSEMATHAEL DISCUTEM
Diz Cirenius: “Oh, sim; e isto em consequência duma eluci- dação semelhante recebida durante esta noite a respeito da Gênesis. Não duvido da veracidade de tudo isto; no entanto, não quero e não posso me aprofundar num tema quando se torna por demais difícil. Em todo caso, mantenho minha proposta no sentido de zelar pelo vosso futuro. Não vos faltará oportunidade para penetrardes na ver- dadeira Sabedoria — embora confesse que tal empreendimento seja mais prejudicial que salutar.
Observai-vos e dizei-me se tudo que sabeis vos trouxe feli- cidade! Penso que o homem mais feliz seja aquele que se dedica ao amor a Deus, cumprindo Seus Mandamentos. Se Deus lhe der Sa- bedoria, como a Salomon, deverá aceitá-la e dela dispor com alegria. Se há de trazer-lhe a infelicidade, preferível é toda e qualquer tolice, pela qual o coração se alegre.
Já me apoderei do conhecimento da vida eterna e do cami- nho para consegui-la; que mais haveria de querer?! Aceitai meu pon- to de vista que sereis felizes na Terra, pois com vossas lucubrações científicas jamais sentireis o valor e a ventura de serdes homens. Não é a sabedoria que nos proporciona vida, e sim o amor; permaneça- mos no amor, que não nos faltará sensação de vida. Eis minha ciên- cia e afirmo ser mais útil à existência humana que vossa sabedoria tão profunda.”
Diz Mathael: “Por certo. Enquanto a água no pote não che- ga ao fogo, seu estado perdura calmo e sereno. Tudo se modifica
no momento da aproximação do fogo, o que terá de acontecer algum dia.
Não te devem faltar os meios para teu ideal, sejas marechal de campo ou salvador. Pretendes alcançar a vida eterna sem, contudo, desejares analisá-la e reconhecê-la. Que farás? Se me quisesse casar e fugisse a todo contato com o sexo oposto, não sei como realizaria meu projeto.
Teu programa vital se concretiza na vida eterna, e receias um pequeno esforço em estudar até mesmo tua vida terrena e indagar suas bases primitivas! Caro amigo, se a vida eterna apenas depen- desse dum gesto de Deus, como se tu me desses um pedaço de pão, teu princípio seria mais vantajoso; acontece, porém, ela depender unicamente de nosso esforço!
Temos de agir e passar com nossa água vital pela do espírito, e pelo fogo, através de nossa vida de dedicação ao próximo; só então começará a ferver a água no fogo do profundo amor para com Deus, com o semelhante e, finalmente, para conosco mesmos; quando percebermos que dentro de nós existe uma força inquebrantável, surgida apenas em tal momento — usaremos de todos os meios para conservá-la eternamente.
Para este fim não é possível levar-se uma vida cômoda, seme- lhante ao dolce far niente , mas sim trabalhar, lutar e pesquisar sem trégua. Somente quando se tenha conseguido uma plena vitória so- bre a vida de inércia e inconsciência poder-se-á dizer uma palavrinha de felicidade.
Assemelhas-te a uma criatura ainda adormecida ao amanhe- cer, que os amigos de há muito tentam despertar, mas que os recebe um tanto aborrecida; quando tiveres despertado completamente, após algum esforço, compenetrar-te-ás do benefício e da alegria al- cançados por uma vida iluminada e livre. Só assim compreenderás que nossa Sabedoria é justa!”
Diz Cirenius: “Senhor e Mestre, que me dizes? Baseiam-se os conhecimentos de Mathael na verdade?”
Digo Eu: “Não te falei há pouco que deverias ouvi-lo? Se não falasse a verdade, não o teria recomendado. Continua prestando-lhe atenção; usa uma linguagem forte, mas sincera, e vos dará outras provas mais, pois até agora falou apenas em entrelinhas.”
Diz Cirenius: “Agradeço de antemão! Por ora nos classifica de ‘pobres diabos’; entretanto, afirmas que se expressou veladamen- te! Acaso não é louvável querer eu cuidar de seu futuro? Nem mais tenho vontade de ouvi-lo; sua opinião referente à vida pode estar certa, mas não é aplicável à nossa, terrena.
Os patriarcas e profetas bem se poderiam ter dedicado às coisas espirituais, pois tinham quem tratasse de suas necessidades físicas e deixasse de lado a imortalidade da alma. Recebiam apenas leis que deviam ser consideradas, sem jamais descobrir a razão da- quilo tudo.
Se tal noção serve para tantos, com ou sem expectativa duma vida espiritual, não sei por que não se presta para nós?! Neste caso deveria surgir a seguinte pergunta nos corações com verdadeiro amor ao próximo: Quem indenizará aos muitos milhões de pobres diabos que, não obstante cumprirem as leis morais, serão condena- dos à morte eterna? Se forem obra do acaso, tal ensino terá boa base; se, porém, todas as pessoas são criaturas de um Deus sábio e justo, deve haver um caminho mais prático para alcançar a vida eterna. Não existindo outro, a vida é a coisa mais desprezível que o racio- cínio humano possa conceber. Se a vida imortal é prêmio apenas para aquele que a consiga pelo esforço de outros — não exijo uma fagulha da mesma, preferindo a morte eterna!
Tua Doutrina, Senhor e Mestre, é-me agradável e valiosa, pois contém um poderoso auxílio para minha fraqueza. De acordo com Mathael, só posso recorrer a mim mesmo, pois seria meu pró- prio doador e Deus não interviria. Apenas observaria o esforço de
um pobre diabo em salvar-se das garras da morte, para galgar a vida eterna por caminhos espinhosos, escarpados e cheios de serpentes!
Não, não! Isto não pode ser! Sois tolos com tal doutrina da vida imutável! Imaginando, porém, seja o Doador da Vida como Tu, que no-la poderia restituir já na Terra, farei tudo a fim de al- cançá-la. Assim fala Cirenius, Vice-rei da Ásia, África e grande parte da Grécia!”
Digo Eu: “Amigo, desta vez te excedeste numa discussão oca. Sabes da origem destes cinco fariseus. Purifiquei-os completamente, incendiando-lhes a verdadeira Luz da Vida, obstruindo o caminho pelo qual seus hóspedes indesejáveis os poderiam perturbar. Distin- guem deste modo os mais tênues fios do Espírito em sua origem, transmitindo a todos o que, em épocas remotas, só era dado a pou- cos; como podes te aborrecer por isto?!
Dizem o mesmo que Eu, apenas de modo mais realístico. Reconhece o valor verdadeiro de suas palavras e tenta sentir-te ma- goado, se te for possível. Como o assunto se te afigura inoportuno, não ages dentro da justiça. Deixa que Mathael prossiga e verás se o que diz é prático ou não, ou contra Minha Doutrina.”
31.MATHAELEXPÕEOCAMINHOQUECONDUZÀVIDA ETERNA
Diz Cirenius: “Pois bem, veremos! Farei um implacável juiz!
Dize-me, Mathael, se os assuntos vitais são realmente o que afirmas, qual a situação dos que nunca ouviram tal coisa e a dos outros que, em épocas vindouras, tampouco terão conhecimento a respeito?”
Responde Mathael: “Muito boa, pois todos receberam e re- ceberão uma doutrina prestável para ativar a fantasia da alma. Nessa imaginação ela se fundamenta e vive uma vida de sonho, talvez por milênios. Contudo, ainda não se trata da verdadeira vida eterna; tais almas, quando desejam nela ingressar, passam no mundo dos espíritos por provas e lutas piores que as que mencionei há pouco.
Quem trilhar tal caminho em vida, alcançará o destino de- sejado por um esforço mais poderoso e com sábio rigor, o que, na melhor das hipóteses, ser-lhe-ia possível fazer apenas no espaço de séculos, caso a alma continuasse num estado de sonolência. E isto, se tudo corre bem; poderá usufruir ações de vidas de fantasias des- prezíveis, sem que consiga noção de algo real e verdadeiro além de si própria. Entretanto, as experiências dolorosas ensiná-la-ão ser ela rodeada por inimigos, contra os quais não tem defesa, pois não os vê em sua cegueira.
Um fisicamente cego, porém, sempre vislumbra alguma coisa pela fantasia de sua alma; apenas as formas não têm con- sistência, bem como a luz, para ele, não existe. Ora vê tudo ni- tidamente, ora meio embaçado e, às vezes, sua visão se apaga de modo completo.
Pelo mesmo estado uma alma passa em seu total isolamento: ora vê, ora está em trevas. Mas tampouco luz e treva lhe são algo real, mas apenas um reflexo temporário daquilo que ela assimila sem consciência e vontade, qual gota de orvalho espelha o Sol. A gota, embora iluminada, não tem consciência da luz que reflete.
O que ora digo, em nome de meus quatro companheiros, faz parte da experiência que tivemos através de grandes sofrimentos e separa a vida aparente da real, independente e verdadeira.
Tens a liberdade de escolha entre uma existência sofredora, algemada e a Vida Libérrima de Deus; tudo depende de tua vontade. É como te digo e nem Deus poderá te apresentar outras condições.
Digo mais: minha alma, que agora penetra numa visão cada vez mais apurada, vê e reconhece por si mesma o Salvador que a libertou duma quantidade de inimigos invisíveis da vida mais ele- vada e independente pela Onipotência de Sua Vida Divina; Nele Se concretiza mais que a Criação visível do Cosmos.
Ele, de toda a Eternidade o ponto central consciente de todo Ser e Vida, quer consolidá-La com a vida das criaturas; consegui-
-lo-á, porém, apenas por uma renúncia inaudita. Deixará essa Sua Existência para ingressar na Glória Eterna de toda Vida, para Si e
todos os seres. Só então tudo tomará outro rumo, recebendo uma nova ordem interna; contudo, perdurará a sentença: cada um tome o fardo de sua miséria externa sobre seus ombros e Me siga! — Compreendes?”
Responde Cirenius, ainda um pouco mal-humorado: “Sim, e não posso deixar de confessar que falaste a verdade, não obstante tais condições de vida não sejam agradáveis de se ouvir.”
32.AUNIDADEDAVIDA ETERNA
Diz Mathael: “Não resta dúvida soarem tais condições não tão agradáveis como as fábulas duma fantasia primaveril, nas quais a vida humana flutua como os pássaros ou borboletas, que oscilam de flor em flor e saboreiam o doce orvalho das pétalas. Por este mo- tivo tal existência de prazer é passageira e inconsciente. Considera a duração da vida humana: aos setenta, oitenta e noventa anos, o físico se torna fraco e pesado, bastando uma pequena moléstia para lhe trazer o fim.
Pergunto: que será depois? Quem poderia responder-te ao certo, caso não tivesses empregado todo o esforço para que teu pró- prio ser te informasse previamente? Se esta santa resposta se faz ouvir em teu íntimo, não necessitas temer a vida de além-túmulo!
Eis por que não convém deixar parada sua água vital numa frescura agradável, mas sim aproximá-la do fogo para que ferva e suba em vapores poderosos, transformando-se numa nova vida. Não obstante minhas palavras te soem desagradáveis, são a verdade ple- na, pela qual, unicamente, a criatura chegará à verdade absoluta, portadora da Vida Eterna!”
Diz Cirenius, mais conformado: “Tens razão, Mathael; reco- nheço que estás de posse do Verbo e nada há que contrapor. Apenas seria de se desejar que tua doutrina sobre a vida fosse sintetizada num sistema, pelo qual se pudesse instruir os filhos a conseguir, neste caminho, com maior facilidade, o que para o homem se torna um complicado problema.”
Diz Mathael: “Teu desejo já foi realizado em parte e ain- da mais o será no futuro, pois o Grande Salvador determinou as providências necessárias. Nós cinco já conhecemos esse trajeto; no entanto, seria difícil sistematizá-lo. Para homens como tu, talvez nos seja lícito demonstrá-lo, pois uma vez no caminho da verdade não haverá coisa que não se faça. A vida verdadeiramente livre é uma só, em Deus, no anjo ou no homem.
Todavia, existem grandes modalidades, pois uma que há pouco se tenha tornado consciente não é tão poderosa como aquela que de toda Eternidade se reconheceu e consolidou em plenitude. Tal vida é o Senhor do Infinito — e todos os corpos cósmicos de- pendem de Seu Poder, bem como tudo que produzem.
Para nós não seria possível alcançar essa meta; no entanto, conseguiremos, na união com tal Vida, fazer por nós o que realiza a Vida Eterna de Deus, por Si. Além disto, existem certas forças vitais, perfeitas, que seguem diretamente às Potências Divinas.
Acham-se elas muito acima de nossas forças, por livres e in- dependentes que as tenhamos, e se chamam anjos ou mensageiros. São representantes isolados da Onipotência de Deus; todavia, nos é possível imitá-los pela união com o Pai.
Não terás de passar por sofrimentos como o nosso a fim de entrar nessa posse, pois as almas da Terra, por ser ela sua pátria, têm maiores vantagens que as outras provindas de mundos mais perfeitos.
Foi estabelecido de Eternidades, pela Natureza Intrínseca de Deus, que este pequenino planeta deverá se tornar o palco de Sua Misericórdia — e todo o Infinito terá de se sujeitar a essa nova ordem, caso queira compartilhar da Bem-aventurança Eterna de Sua Vida Unificada! Assim, é preciso ser resignado, custe o que custar!
Realmente, se nosso sofrer não tivesse término — noção que nos veio pouco a pouco — a morte plena seria mais desejável a uma vida cruciante, mesmo com a expectativa de felicidade eterna. A finalização de nosso suplício deu-se pelo grande Salvador da Hu- manidade, precisamente antes do tempo apontado. Isso nos alegra
sobremaneira, pois reconhecemos que o Grande Espírito de Deus determinou este orbe não só para palco de Sua Misericórdia, mas para a condenação do orgulho, opulência e oposição a tudo que seja espiritualmente puro, bom e verdadeiro.”
33.PROFECIADE MATHAEL
(Mathael): “Amigo, as coisas piorarão na Terra de tal forma que o próprio diabo não se animará em visitar as sociedades huma- nas; entretanto, haverá pessoas que fisicamente cegas e surdas verão e ouvirão mais que nós, atualmente. Acumularão os vapores conti- dos n’água, utilizando-os para trabalhos pesados; por este meio farão até rodar carros de aço como se fossem flechas. Munidos da força da água, os próprios navios navegarão qual ciclones, enfrentando as tempestades. Somente rochas e bancos de areia continuarão perigo- sos às embarcações.
Pouco depois, porém, a vida humana passará por grandes vicissitudes: o solo se tornará estéril, surgirão apenas carestia, guerras e fome; a luz da Fé na Verdade Eterna se apagará, o fogo do Amor se extinguirá — e então se dará o último julgamento de fogo so- bre a Terra!
Felizes aqueles que não tiverem gasto sua força vital apenas para o lucro material, pois quando vier essa grande prova do Céu nada sofrerão, protegidos que são por tal potência. Só aí a verdadeira paz da vida e a Ordem de Deus se darão para sempre as mãos, não mais havendo divergência e atrito entre aqueles que habitem a Terra em companhia dos anjos. Se bem que não o assistiremos com nosso físico frágil e quebrantado, nossas almas testemunharão tudo que acabo de te falar.
Por mim não teria falado; sinto, porém, uma ânsia para tanto no coração de minha alma, que por certo tem sua causa Naquele que nos curou! Acaso me compreendes melhor?”
Diz Cirenius: “Oh, estamos de comum acordo, pois fiz uma conquista de inestimável valor em vosso convívio. Fica estabelecido:
cuidarei de vossas necessidades materiais, recebendo em troca vossos ensinamentos preciosos. Não deixa de ser uma troca desequilibrada, mas quem seria culpado disto? Estarás satisfeito?”
Diz Mathael: “Como não? Estamos contentes de poder ser úteis, pois nunca se deve desvalorizar uma dádiva material quando originada no Bem e na Verdade. O doador e o móvel de sua ação dão à mesma um valor de cunho espiritual. Onde há reciprocidade de favores entre o espírito e a matéria, tudo se torna espiritual, po- dendo-se aguardar em plenitude a Graça Divina.
Por isto, não te preocupes se tua dádiva material não corres- ponda à nossa, pois o espírito é senhor sobre a matéria. Esta nada mais é, no fundo, que um espírito julgado e algemado, tendo de obedecer cegamente ao Espírito Livre de Deus, de cuja Onipotência Infinita surge todo julgamento, pois somente a Ele é possível revivi- ficá-la como e quando quiser!”
Exclama Cirenius: “Estupendo! Por nenhum reino desta Ter- ra permitirei que vos afasteis! Ao Senhor todo amor e honra por Se ter apiedado de vós, proporcionando-me este convívio; sem Ele estaríamos todos perdidos!”
Concluem os cinco: “Amém, Ele merece todo louvor, amor e honra, não só da Terra, mas de todo Infinito! É Ele quem transforma tudo que criou! Seu Nome seja santificado!”
34.OSCURADOSDESEJAMQUESELHESAPONTE JESUS
Prossegue Mathael, sozinho: “Ele está em nosso meio; exis- tem, no entanto, dois que muito se assemelham, de sorte que é difícil aos sentidos determinar qual seja o Verdadeiro. Penso ser o que, por diversas vezes, falou a Cirenius, mas também é possível ser o outro, pois ambos os semblantes irradiam alto grau de Sabedoria! Este já se fez ouvir e sua palavra foi imponente, sábia e severa — portanto, poder-se-ia admitir que um homem intelectual se externasse de tal forma. O segundo ainda nada disse, talvez por não desejar ser reco- nhecido. Quem, pois, teria coragem de se dirigir a esse?” (Trata-se
de Jacob, o grande, que, como se sabe, parecia-se muito Comigo e até usava vestimenta igual.)
Às instâncias de Mathael, os quatro amigos se levantam para resolver quem se deveria dirigir ao calado. Ninguém, porém, se ani- ma; por isto, Mathael se vira para Cirenius e indaga-lhe em surdina qual de nós dois seria o Salvador, pois não deseja render honras a quem não as mereça.
Diz Cirenius: “Por ora não recebi ordem neste sentido; aliás, pouca diferença fará, porquanto Ele só vê o coração da pessoa. E os vossos já se acham bem equilibrados; quando for de Sua Vontade, apresentar-Se-á. Todavia, não duvido que, antes disso, vossa perspi- cácia vos desvende quem seja o Verdadeiro e Poderoso.”
Conformados, os cinco judeus começam a observar a zona que desconhecem, pois sabem apenas que se acham no Mar Galileu. Informa Cirenius, prestimoso: “Estamos perto de Cesareia Philippi e em terras do velho guerreiro romano, Marcus, que vos serviu pão, sal e vinho. Como não estáveis, naquela hora, bem conscientes, não pudestes percebê-lo.”
Diz Mathael: “Tens razão; só agora o mundo exterior está se tornando mais alegre e agradável, o que antes não era possível. A verdade, meu amigo, sempre será verdade! O mundo, porém, é inconstante como os homens, indignos de inteira confiança; hoje ainda tens um amigo, amanhã, como lhe transmitiram uma calúnia qualquer, deixará de sê-lo, tornando-se teu juiz incle- mente! O senhor, porém, saberá organizar tudo em benefício da Humanidade.”
35.JESUS,OHERÓI,EMCOMBATECONTRAA MORTE
Diz um outro, dos cinco: “Sim, irmão, nisto se baseia toda a nossa esperança! Ele terá de enfrentar Pessoalmente a luta contra o poder da morte, mas não se pode ter dúvida quanto à vitória certa! Conhece os limites da morte e sabe que sua única potência nada mais é que uma ânsia pela vida, embora algemada, e este único po-
der não pode lutar contra, mas, sim, para Ele e com Ele, a fim de não se aniquilar completamente!
Sendo Ele Próprio a Vida combatente, permanecerá na supre- macia contra todo poder mortal, porquanto a morte plena não pos- sui força: perdura como pedra muda na mão poderosa do atirador.
Se existe morte no corpo físico do homem, é ela, contudo, uma vida, embora em grau muito ínfimo. Tal vida aparente não lutará contra a verdadeira, a fim de aniquilar-se a si própria, mas a ela se prenderá para combater as supostas forças da morte, tal como um físico muito enfermo se agarra com avidez à taça da saúde, para prorrogar sua existência e no final ser absorvida pela própria vida.
Uma vez que a Vida se tenha concentrado, como fez por nós o ainda desconhecido Salvador, ter-se-á tornado divina e não haverá poder capaz de vencê-la, pois comporta a Onipotência!
Sabemos o que sejam a Terra, o Sol, a Lua e todas as estrelas. Tais imensos corpos cósmicos de descomunais dimensões são, ma- terialmente falando, inertes. A Onipotência de Deus, no entanto, impulsiona-os em movimentação diversa.
Que poderão fazer contra essa constante força da libérrima Vida Divina? Nada! Qual poeira tocada pela tempestade são eles compelidos em órbitas imensas, sem poder de reação. Eis por que Ele vencerá — e, realmente, já venceu de há muito! Para dar opor- tunidade às criaturas de compartilharem na vitória da Vida contra a morte, será travada uma nova e última luta.
Assim, vejo gravados sobre todo Infinito os seguintes dizeres, numa luminosidade eterna: ‘Ele, a Própria Vida Eterna, venceu para sempre a morte com as armas da morte, pois era preciso que esta vencesse a si mesma para libertar a Vida, por Ele, o Guerreiro de Eternidade!’ Por isto, Salve, Tu Grande Uno!”
Tais palavras comovem os presentes de sorte que se jogam a Meus Pés, acompanhando as exclamações ouvidas! Só então os cinco Me reconhecem e Mathael, banhado em lágrimas, diz, profunda- mente enternecido: “Tu! Tu és o Grande Eterno! Que sensação para nós, mortos, vermos o Único Vivo!” Em seguida se cala, contrito.
Digo Eu aos prostrados: “Levantai-vos, amigos e irmãos! Vossa veneração é justa, pois é dirigida Àquele que está em Mim — o Santo Pai de Eternidade! Estando Ele sempre em Mim, como Eu e vós também estamos Nele, deveríeis permanecer constantemente a Meus Pés, o que por certo não seria agradável, nem para Mim nem para vós. Basta que para sempre Me creiais e ameis como vosso me- lhor amigo e irmão, agindo de acordo com Meu Verbo.
O que passa disto não tem valor, porquanto não vim ao mun- do para que Me tributásseis uma veneração beata e deífica, como se fora Mercúrio ou Apollo — mas para curar todos os doentes de cor- po e alma, mostrando o caminho certo à Vida Eterna! Apenas isto; o resto é inútil, tolo e idolátrico.
Verdade é que a criatura deva adorar a Deus, seu Criador, sem cessar, pois Deus é Santo e merece ser venerado. Deus, porém, é Espírito e só pode ser adorado em Espírito e Verdade. Isto quer dizer que se deve sempre crer no Deus Verdadeiro, amá-Lo acima de tudo e cumprir Seus fáceis Mandamentos. Quem assim agir ora, não só incessantemente, mas também em Espírito e Verdade, pois sem a devida ação toda prece de lábios é simples mentira, com que Deus é desonrado.
Levantai-vos como criaturas livres, Meus irmãos e amigos! Não Me idolatreis nem denuncieis ao mundo antes do tempo, pois redundaria em prejuízo, ao invés de benefício.”
Todos se erguem e Mathael toma a palavra: “Realmente, só Deus, de máxima Sabedoria e Amor, pode assim falar. Como se modificou meu modo de pensar e sentir! — Senhor, atende meu pedido: jamais permitas que nossas almas passem por prova- ção como esta, da qual Teu Amor, Misericórdia e Onipotência nos salvaram!”
Respondo: “Permanecei em Mim através do cumprimento de Meu Verbo, que Meu Poder e Amor estarão em vós, protegendo-
-vos contra qualquer tentação.
Meus discípulos anotaram o bastante para tal fim; lede-o, compreendei e agi de acordo — eis quanto necessitais antes de Mi- nha Elevação!” — Os cinco judeus se acomodam.
Eu, porém, viro-Me para Cirenius: “Amigo, com estes nossa tarefa está concluída; veremos em que consiste a culpa dos outros contra as leis de Roma. Prepara-te — sua questão não é fácil!”
37.PONDERAÇÕESDEJULIUSQUANTO AO
INTERROGATÓRIODOSOUTROS CRIMINOSOS
Indaga Cirenius: “Que se deve fazer com estes cinco, quase desnudos? Temos algumas peças de roupas de pessoas graduadas; portanto, não lhes poderei oferecer. Dar-lhes indumentária de ser- vos romanos seria reduzi-los, em virtude de sua cultura espiritual. Que fazer?”
Digo Eu: “Uma roupa não tem outra finalidade que a de cobrir o corpo, tanto de pompa como de serviçal. Contudo, prefiro a última, pois com a outra seriam alvo do riso do mundo, o que não merecem por já serem bons, conquanto dificilmente no mundo alguém possa ser bom! Com o tempo ainda terão de suportar o es- cárnio por causa de Meu Nome; assim, não quero que o suportem por causa do mundo.”
Atencioso, Cirenius manda distribuir as melhores roupas de serviçais entre os cinco judeus. Eles se externam com gratidão, pois afirmam que Eu haveria de recompensá-lo. Em seguida retiram-se a fim de se vestirem. Quando de volta, todos nos dirigimos aos deten- tos políticos, ansiosos por nossa presença.
Em lá chegando, jogam-se por terra, pedindo perdão. Tra- ta-se de oito implicados, porquanto os demais haviam sido casual- mente presos em sua companhia. Digo Eu a Julius: “Amigo, cabe a ti interrogá-los e chamá-los à responsabilidade.”
Aflito, este responde: “Senhor, embora tais assuntos nunca me houvessem causado dores de cabeça, este me deixa um tanto perturbado: Tua Presença, a dum anjo, de Cirenius, de Teus bons
discípulos, da sábia Yarah — e dos cinco! Ainda assim devo inter- rogar os criminosos? O pior de tudo é que nem sei o motivo de seu aprisionamento. São apenas mensageiros do Templo, incumbidos da disseminação de calúnias contra Roma. Como obrigá-los a confes- sar, se não existe testemunha?”
Intervém Mathael: “Isto é de menos, pois somos testemunhas reais a seu favor. Vimos que lhes foi imposta tal incumbência sob risco de beberem a água maldita; isto se deu quando fomos enviados, simultaneamente, para a conversão dos samaritanos. São tão inocen- tes quanto nós. Podes interrogá-los sem temer nossa ‘alta sabedoria’.”
38.O INTERROGATÓRIO
Aliviado com as palavras de Mathael, Julius se volta e diz aos prostrados: “Erguei-vos sem susto. Homens como vós devem ter coragem de enfrentar até a morte. Nós, romanos, não somos tigres nem leopardos, mas uma coisa é certa: não há crime mais conde- nável que a mentira! Castigamos o falso testemunho com a morte! Por isto, dizei-me a verdade, que eu, como vosso juiz designado por Deus, tratarei de vos salvar. Levantai-vos!”
Eles obedecem com dificuldade, pois estão ainda algemados. Eis que digo, em romano, a Julius: “Soltai-os primeiro; a língua dum aprisionado também é presa.” Assim fazendo, Julius indaga dos doze: “Quem sois? Onde nascestes?”
Responde um, em nome de todos: “Senhor, não temos docu- mentos. Se quiserdes dar crédito às minhas palavras, somos templá- rios amaldiçoados devido à beatitude tola de nossos pais e nascemos em Jerusalém. A Lei de Moysés em relação aos filhos deveria passar por uma reforma, isto é, evitar que fossem sujeitos à obediência pa- terna, uma vez que tivessem alcançado um raciocínio próprio no convívio com pessoas esclarecidas. A infelicidade de muitos deriva do orgulho tolo dos pais.
Em virtude de termos cumprido tal Lei — a qual, por certo, o profeta não recebeu de Deus — enfrentamos-te como criminosos,
juiz que és sobre vida e morte! Belo resultado da cega obediência aos genitores! Se falarmos com sinceridade das nossas ações maldosas, não haverá Deus que nos salve de vossas leis!”
Diz Julius: “Amigos, isto não faz parte do interrogatório! Bas- ta que respondais!”
Intervém Suetal, o orador do grupo: “Nobre senhor, num julgamento mortal tudo participa. Não podemos negar nossa culpa contra Roma e não a poderás ignorar. Como os romanos, com toda severidade, são mais humanos que os senhores do Templo, a cujo assobio até Deus obedece — pretendemos não só confessar nosso delito, mas sim esclarecer-vos o móvel de sua consumação. Desde que trocamos a água maldita pela ordem de rebelião contra Roma, tornamo-nos uns pobres diabos.”
Indaga Julius: “Que derivou tamanho castigo?”
Diz Suetal: “A denúncia de sermos amigos ocultos de Roma; para escapar à delação, declaramos ser vossos inimigos — nossos ve- lhos tiveram de pagar a multa de várias centenas de libras de prata e mil bodes, dos quais, na certa, nenhum foi parar no Jordão, pois fo- ram expedidos, como José, para o Egito, a fim de serem saboreados.
Eis a causa de nosso delito; se tivéssemos tomado a água maldita, de há muito faríamos companhia a Abraham; como fo- mos perdoados pelo Templo, tal visita será feita agora! Dentro em breve ouviremos tua sentença — e o fruto prometido pela rigorosa observação do 4º Mandamento será assim intitulado: ‘Que se pro- longuem teus dias na Terra!’ Caso sejamos crucificados, pedimos-te que faças pregar esses dizeres no madeiro!”
Diz Julius, intimamente sorrindo: “Pelo que vejo, culpais unicamente o 4º Mandamento de Moysés; percebo, contudo, que não quereis ou podeis entendê-lo. A Lei manda que se honre aos ge- nitores, mas, em absoluto, que se lhes obedeça como a um soberano. Como homem de vastas experiências, deduzo que um justo amor a meus pais, ainda vivos, seja a veneração precisa, imposta por Deus.
Se, portanto, pais ignorantes exigem algo que possa acarre- tar prejuízo para os filhos, torna-se dever destes expor-lhes o resulta-
do negativo, com amor e paciência. Não desistindo de seu tolo rigor, o não cumprimento por amor justo não é pecado diante de Deus e dos homens.
Além disto, deu Moysés uma explicação quanto à obediên- cia filial na Constituição Teocrática, onde apenas é aplicável quando não infringe a Lei. Isto justifica o Mandamento de Moysés — e a culpa consiste na ignorância de vossos genitores e na vossa incom- preensão do mesmo. Ou, então, a culpa também pode se basear em vossa estultice, o que será esclarecido em breve. Vossa explicação hu- morística demonstra pendor para chalaças de mau gosto, e desculpas desta ordem nunca são por nós aceitas. Assim, tratai de apresentar outras, de cunho verdadeiro.”
39.SUETALFALA DO TEMPLOE DO SALVADORDE NAZARETH
Esta reprimenda deixa os ouvintes perplexos, não sabendo Suetal como reagir. Depois de algum tempo diz: “Tanto tu quanto eu estamos com razão! Se desde o berço ensinas à criança que dois e dois são cinco, ela te acreditará, tornando-se difícil tirar-lhe esta noção quando adolescente. Quem, até hoje, teria nos explicado a Lei como tu? Não deveríamos interpretá-la como nos foi ensinada? Nossos velhos não a entenderam de outra maneira e mesmo o Tem- plo não o fez ou quis. Donde, portanto, buscar a justa compreensão? Além disto nunca deparamos com os Livros de Moysés, como futu- ros templários, pois tal só é permitido aos anciãos e escribas.”
Diz Julius: “Deveria se supor que os servos do Templo en- tendessem sua religião! Sempre considerei de suma importância conhecer as diversas doutrinas, porquanto traduzem a índole dum povo. Além disto, já não sois adolescentes, mas homens, dos quais se espera que venham compreender sua seita como sacerdotes. Que se ensina nas sinagogas?”
Responde Suetal: “Ensina-se a ler, escrever e contar, diversos idiomas e um extrato da Escritura Sagrada, no qual se exige, rigoro-
samente, aceitar o que o Templo impõe e divulga como Emanação Divina. Assim, pergunto de onde deveríamos tirar uma compreen- são mais profunda. Contigo tal não se dá, pois és soberano e podes ordenar que te desvendem os segredos templários. O reitor sabe que investigarás tudo a fundo e aquilo que o aguarda caso descubras algo oculto; por isto te revelará até o Santíssimo, no qual apenas o Sumo Sacerdote pode penetrar — conforme a crença do povo — duas vezes por ano. Se um dos nossos fizer tal exigência, enfrentará a água maldita.
Existe uma certa casta de servos que já viu o Santíssimo; é, no entanto, muito bem paga e, além disto, ameaçada com a morte em caso de traição. Portanto, repito: donde deveríamos buscar a ver- dade sobre nossa Doutrina mística? Penso que como juiz humano farás julgamento justo sobre nossa questão. Sabes em que consistem nossos crimes e qual a culpa que nos cabe. Se tiveres outra acusação, externa-te, que nos saberemos defender!”
Diz Julius, calmo: “Longe de mim duvidar de vossas pala- vras, pois estou mais que convicto de que falastes a verdade quanto ao Templo; neste sentido o interrogatório terminou e vos declaro isentos de culpa.
Existe outro ponto duvidoso, de cujo esclarecimento depen- de nossa futura amizade! Naturalmente já vos falaram acerca dum certo Jesus de Nazareth, filho dum carpinteiro que realiza grandes milagres como Salvador, divulgando, ao mesmo tempo, uma Nova Doutrina. Dizei-me o que sabeis sobre isto!”
Responde Suetal: “Realmente, ouvimos falar de longe, sem precisarmos informes mais concludentes, porquanto nossa tarefa nos levou a outras zonas e só há poucos dias chegamos aqui, onde nos prenderam. Sabemos apenas que sua fama se estende até Da- masco e Babilônia — e gostaríamos de saber como consegue realizar os milagres.
Se Deus existe, não é possível assistir por mais tempo às per- versidades templárias, pois deve nos mandar um Salvador! Afirmo-
-te: tudo que um homem, em sua mais profunda depravação, possa
imaginar, é praticado entre as muralhas do Templo. Vícios incon- tidos são contaminados à Humanidade dum modo tão cínico que não podes conceber. Nem quero fazer menção à mais vil deturpação das Leis Divinas; inventaram-se crueldades horrendas, com as quais Moysés nunca sonhou!
Assim sendo, de há muito necessitamos dum Redentor, não para nos libertar dos romanos — pois sois nossos benfeitores — mas dos dragões do sinédrio. Poderia haver pensamento mais atrevido que o de ter dado Deus, o Onipotente, ao mais nojento verme todo poder, de sorte que pudesse este agir contra a Própria Divindade e Suas criaturas como bem o entendesse?! Externamente ostenta a mesma face consoladora, como na época de Salomon; no íntimo nada mais é que um verdadeiro inferno! Nada adianta comentá-lo; preferimos ouvir de ti definições sobre o Salvador!”
40.PORQUEOSACUSADOSVIERAMÀ GALILEIA
Diz Julius: “No que diz respeito às traficâncias do Templo, nada de novo nos informais e a hora do castigo não está longe. Até então não o chamamos à responsabilidade em virtude da cegueira do povo, que o considera um santuário. Quando a maioria tiver melhor noção, será fácil para Roma destruí-lo. Para este fim contribuirá a nova e verdadeira Doutrina do Salvador, pois é de fácil compreensão para os de boa vontade. Se, porém, a índole das criaturas já estiver pervertida, não poderá aceitar estes Ensinamentos Divinos; eis então chegado o momento para o uso da espada de Roma, e o Braço de Deus ali estará! — Agora, outra coisa: quais os resultados de vossa rebelião contra o Império e o que vos trouxe à Galileia?”
Responde Suetal: “Nossa ação se concretiza em disseminar as traficâncias templárias e nesse empreendimento demos precisamen- te com uma zona mui devota. Dentro em breve iríamos ser espio- nados e só nos restou fugir. Conseguimos isto noite fechada e após alguns dias de marcha aqui chegamos. Não levou tempo e travamos conhecimento com pessoas que, hipocritamente, queixavam-se do
jugo romano. Devido à nossa incapacidade de percebê-lo, caímos na armadilha e fomos presos pelos esbirros. Eis tudo.”
Diz Julius: “Mantenho minha decisão anterior, declarando-
-vos inocentes. Quais são vossos planos atuais, já que não podeis voltar ao Templo?”
Diz Suetal: “Senhor, eis uma questão difícil! Dá-nos tempo para refletir.”
Vira-se Mathael para Suetal: “Dar-te-ei um conselho, cuja aceitação reverterá em teu benefício.”
Indaga aquele: “Não és um dos nossos cinco companheiros?” Mathael o afirma e continua o outro: “Como podes então nos acon- selhar, se foste acorrentado como possesso? A bordo te portaste, ora como touro, ora como tigre! Como te é possível falar tão razoavel- mente? Quem te curou? Ah, já sei! O juiz que acaba de nos absolver falou a respeito dum Salvador de Nazareth. Sem o perceberes és uma prova, com teus cinco companheiros, da ação milagrosa daquele ho- mem. Por certo está aqui! Esclarece-nos, antes de teu conselho a respeito de nosso futuro!”
41.MATHAELCONTASEU PASSADO
Diz o interpelado: “Amigo, fomos colegas no sinédrio, cum- primos o mesmo destino, sendo o vosso a zona do Sul, e o nosso, a do Este. Lá caímos nas mãos de hordas diabólicas e nosso físico foi usado para sua morada. O Grande Salvador, todavia, curou-nos através de Seu Verbo Onipotente.
Acha-se Ele em nosso meio, mas ainda é cedo para O conhe- cerdes. A hora precisa para tanto, Ele Próprio a determinará; assim sendo, qualquer indagação será inútil.
Sois filhos do mundo, mas podeis ingressar na verdadeira Fi- liação Divina, no que estes senhores de Roma vos auxiliarão. Isto porque o Vice-rei Cirenius também se acha aqui.
Lá atrás se encontra um grupo de trinta templários, os quais pertencem à legião estrangeira, como legítimos romanos. Fazei o
mesmo, que vos salvareis, podendo viver fisicamente como tais e, pela índole, como judeus verdadeiros. Compreendeis?”
Diz Suetal: “Sim, sim! Teu conselho é bom; mas o politeísmo romano...”
Interrompe Mathael: “...é mil vezes melhor que a crença tem- plária! Dize-me, qual seria o sacerdote, crente verdadeiro de Deus? Servem todos ao pecado e aos demônios. De há muito perderam a vida de sua alma; portanto, como poderiam demonstrar e transmitir sua imortalidade?
A verdadeira vida deve ser descoberta pela luta da mesma contra a morte, pois adquire em tal porfia estabilidade cada vez mais ativa. Como, pois, poderia um morto demonstrar-te a vida, que ja- mais reconheceu dentro de si? No Templo de há muito reina a morte definitiva; aqui, porém, a Vida Eterna! Os romanos conseguirão se aperceber desta verdade, enquanto o Templo permanecerá nas tre- vas. Assim, que é melhor entre as duas alternativas?”
Profundamente admirado com a eloquência de Mathael, Suetal vira-se para Julius, dizendo: “Nobre senhor, perdoa a demora de minha resposta; as palavras de Mathael nos tocaram o fundo da alma, de sorte que não podemos formar ideia precisa.”
Diz Julius: “Ouvi-o, pois! Sabe mais que eu, e melhor vos poderá aconselhar.”
Responde Suetal: “Já o fez — e depende de ti aceitar-nos na legião estrangeira.”
Diz Julius: “Está bem! Contudo, vosso amigo é capaz de ainda vos transmitir conhecimentos profundos.” — Afirma o outro: “Sim, não resta dúvida; a origem de seu saber, porém, é inexplicável.”
42.ALMAE ESPÍRITO
Diz Mathael, que ouvira as últimas palavras: “Liberta tua alma de todos os laços mundanos, que compreenderás facilmente de que maneira ela consegue alcançar a máxima sabedoria. Enquanto
permanecer encoberta pelo mofo mortal, isto é, o corpo, não será possível se falar ou vislumbrar uma fagulha da Sabedoria Divina.
Lá, na vossa frente, vês um tronco. Se o usares como assento, nem em mil anos terás dado um passo: apodrecerás junto dele. Tudo que é inerte tem de ser destruído, a fim de passar para outra esfera de vida. Se, porém, tomares um navio e te puseres ao leme, em breve al- cançarás um país desconhecido, onde obterás novos conhecimentos que enriquecerão teu tesouro de experiências. Enquanto te preocu- pares pelo físico e por uma vida agradável e confortável, permane- cerás sentado no tronco; renunciando ao excesso de cuidado pelo corpo, preocupando-te unicamente com a vida da alma e do espíri- to, embarcarás no navio da vida, para teu progresso. Compreendes?”
Diz Suetal: “Mas alma e espírito não são idênticos?”
Responde Mathael: “Amigo, se ainda ignoras que em cada alma reside um espírito vital, estás longe de compreender donde me vem este escasso conhecimento. Será difícil falar-te, pois não ouves nem vês de ouvidos e olhos abertos.
A alma é apenas um invólucro da Vida de Deus, mas não a Vida Mesma; pois, se assim fosse, como poderia um profeta falar, tanto da obtenção da Vida como da morte eterna? A alma consegue a Bem-aventurança apenas no caminho da virtude espiritual; por- tanto, é somente invólucro, e nunca a Vida Mesma.
Existe uma fagulha no centro da alma, denominada Espírito de Deus ou a própria Vida. Essa fagulha tem de ser alimentada com o Verbo do Pai. Deste modo cresce e torna-se mais poderosa dentro da alma, nela penetrando completamente. A alma, então, transfor- ma-se em espírito, reconhecendo-se a fundo.
Neste estado também é conhecedora da Sabedoria Verdadei- ra, que é a luz do Espírito em seus olhos. Quando, porém, alguém indaga o que é o espírito — como poderá fazer penetrar sua luz nessa alma cega?!”
Diz Suetal: “Amigo, peço-te que silencies até que possamos as- similar tua sabedoria. Para tanto é preciso um grande preparo, que por ora ainda nos falta. Contudo, desejamos nos tornar teus discípulos.”
Diz Mathael: “Uma boa e sincera vontade é quase meio ca- minho andado para a obra a realizar; deve a criatura, porém, não permanecer apenas na boa intenção, mas pôr mãos à obra, do con- trário o incentivo esfria com o tempo, tornando-a incapaz para a realização de qualquer objetivo.
Vê, enquanto a água está fervendo, pode-se cozinhar vários frutos, transformando-os em bom alimento; nada feito, porém, quando a água estiver morna ou fria.
É, portanto, a vontade do homem comparável à água ferven- do dentro do pote. O amor a Deus e ao Bem que Dele deriva é o justo fogo que leva a ferver a água vital (alma). Os frutos, no entan- to, são as boas ações ainda não realizadas, pois necessitam ser cozidas enquanto a água se achar em ebulição.
Eis por que se deve pôr em prática o que se deseja, do contrá- rio a vontade permanece mentira diante do espírito — e da inverda- de jamais surgirá uma verdade.
Esta é a vida, a mentira é a morte; por isto, procura em tudo a verdade, fugindo à mentira dentro e fora de ti! Acaso aquilo que imaginas possuir representa algo de real?! Digo-te: é nada, e o nada não tem vida!
Se tencionas construir sem material e operários, que aparên- cia terá tua casa? O material constitui as obras e ações duma vontade viva, e os operários representam a própria vontade ativa, construin- do com tuas obras justa morada. Terás assim uma casa verdadeira, sendo tua Vida real em Deus, eternamente indestrutível. Jamais se edificará algo com pouco esforço, muito menos a Casa da Vida do Espírito! Deste modo, necessário é ser ativo com todas as forças dis- poníveis para a edificação de nossa futura morada.
Consta ter Noé iniciado a construção da Arca com muita morosidade; percebendo isto, seus adversários destruíam à noite o que havia feito de dia. Só depois de muitos anos começou Noé a trabalhar dia e noite com auxílio de guardas; assim, o trabalho se fez
rapidamente e a Arca protegeu, como se sabe, seus fugitivos contra a morte certa.
Digo-te com sinceridade: somos todos qual Noé, e o mundo com suas mentiras e hipocrisias é o constante dilúvio. Para que não sejamos tragados, necessitamos trabalhar na consolidação de nossa alma, a fim de mantermos e completarmos sua vida espiritual, pro- vinda de Deus.
Quando o dilúvio das tentações mundanas sumir na pro- fundeza de sua própria nulidade, o espírito surgirá potente dentro da alma, criando liberdade sem par na esfera pura e neocriada; uma obra nova, sem a ameaça do perigo de salteadores, abençoando, com Deus, todo o Infinito! Assimilaste este quadro?”
44.OSENHORCUIDADOS PRISIONEIROS
Perplexo, Suetal se vira para Julius, dizendo: “Senhor, é in- compreensível onde este homem foi buscar tão profundo saber, pois, durante a travessia para aqui, portou-se como louco! Como se pode explicar?”
Diz Julius: “Não sabes que para Deus todas as coisas são possíveis? Considera suas palavras e saberás dentro em breve a ma- neira pela qual se consegue tamanha sabedoria. É preciso empregar a máxima atividade para nela penetrar, pois não há ciência que a explique.”
Diz Suetal: “Está bem; onde, entretanto, é possível achar-se o caminho certo?”
Responde Julius: “Ainda é cedo e até a noite tereis oportuni- dade para conhecer tal caminho. Enquanto isto meditai e usai vossa liberdade, que já vos declarei inocentes; nunca, porém, tenteis agir contra nós, que o castigo virá na certa!” Voltando-se para junto de Mim, Julius indaga se sua atitude estava dentro de Minha Ordem.
Digo Eu: “Que diz a voz do amor em teu coração?”
Responde ele: “Está plenamente feliz e ao mesmo tempo pre- ocupado para levar estas criaturas ao bom caminho.”
Digo Eu: “Neste caso tudo está na melhor ordem e não será difícil achar algo de bom para seu futuro; todavia, terão de passar por algumas atribulações. A ideia de enquadrá-los com os outros na Legião Estrangeira é boa; devem apenas achar meios para o progres- so espiritual, a fim de que, em breve, possam vos prestar bons ser- viços através de sua compreensão apurada. Não convém ficarem na Galileia, pois o Templo saberá de sua apostasia e obrigará Herodes a lhes fazer caça. Verificando-se, porém, o fato de não os encontrarem, declarar-se-ão perdidos esses quarenta e sete membros do sinédrio. Assim, tanto eles quanto vós, romanos, estareis salvos!”
Indaga Cirenius: “Não estariam seguros em Tyro ou Sidon? Lá vivem poucos judeus.”
Digo Eu: “Sim; melhor seria, porém, a África ou uma cidade no Pontus Euxinus.”
Diz Cirenius: “Muito bem, descobrirei um lugar seguro contra a perseguição judaica.” Intervém Julius: “Os cinco me com- padecem, pois sua sabedoria é extraordinária e em seu convívio po- der-se-ia alcançar mais rapidamente o verdadeiro destino.”
Digo Eu: “Amigo, os únicos indicados, caminho e destino, sou Eu! Quem deu aos cinco o que possuem? Eu! Se Me é possível transformar cinco loucos em sábios, quanto mais não farei contigo, que és normal!
Eu sou a Verdade, o Caminho e a Vida!Possuindo-Me, para que fim necessitarias daqueles curados? Prestarão grandes serviços à Humanidade, por Mim e em Meu Nome. Tu não pre- cisas deles, quando vivem em Genezareth Ebahl, Yarah e Raphael! Onde, na Terra, haverá um lugar mais bem provido, espiritual- mente falando?
Ouviste Suetal indagar como e por quem os ex-criminosos se integraram na máxima sabedoria; para eles, tal fato é um mistério, o que não se dá contigo. Assim, como podes tomá-los por quase tão sábios quanto Eu?”
Diz Julius, meio surpreendido: “Fui tolo, Senhor, e Te peço perdão!”
Digo Eu: “Nada tenho a perdoar; basta que tenhas estabe- lecido a ordem interna, que todos teus pecados te serão remidos. — Manda trazer pão, vinho e sal para estes doze, que até agora foram alimentados pela Minha Onipotência.”
45.CURADUMARTRÍTICO,NOPRADO MILAGROSO
Mal os curados avistam os alimentos, manifesta-se neles fome voraz, que leva Julius a observar: “Não comais com muita avidez, se desejais ficar sãos.” Eles prometem se alimentar com parcimônia, contudo acabam com a farta ração em breves instantes. Pedem assim algo mais.
Diz Julius: “Por ora é só; dentro em pouco almoçamos.”
Diz Suetal: “Ótimo; confessamos, porém, não poder pagar ao hospedeiro.”
Diz Julius: “Como súditos de Roma, não necessitais de vos preocupar com tal despesa: o hospedeiro foi previamente indeniza- do por muitos anos, tanto que podemos ser hóspedes por mais de doze meses e ele ainda levará vantagem.”
Dizem os doze: “Amigos, vossa linguagem é bem diferente da do Templo, onde se jejua, a fim de se poder orar, até que o estômago comece a protestar. Os graduados, porém, alimentam-se diariamen- te, em honra de Jehovah! Viva Roma e seus dignitários!”
Diz Julius: “Muito bem, amigos! Sois de boa índole, embora ainda mesclada de amor-próprio, coisa que, com o tempo, tenderá a desaparecer. Por hoje fazei-vos expectadores dos acontecimentos prestes a se desenrolarem!”
Os outros indagam entre si quais seriam os fatos extraordi- nários que se dariam, e o loquaz Suetal observa: “Ora, que será?! Por certo os romanos farão realizar alguns jogos olímpicos, aos quais poderemos assistir com seus novos conterrâneos.”
Diz um outro: “Qual nada! Sei positivamente que três dias antes de vossa chegada se deram fatos inéditos nas montanhas de Genezareth: o pelo comandante romano mencionado Salvador ha-
via lá curado pessoas das mais variadas moléstias, apenas por sua palavra poderosa!
Tenho um irmão, ora herdeiro único dos bens de nosso pai, que há anos padecia de reumatismo gotoso, não podendo sentar-
-se, deitar ou andar. Por este motivo vivia dependurado num cesto forrado de palha. Às vezes gritava dias a fio para depois desmaiar de dores, assemelhando-se a um morto. Tudo se fez para sua melhora, recorreu-se até à água do Lago Siloah — tudo em vão!
Quando se espalhou em nossa zona o boato das curas mi- lagrosas do Salvador, conduzi o meu mano até Genezareth com au- xílio de meus empregados. Qual não foi nossa decepção quando, ao lá chegarmos, informaram que ele havia seguido para u’a montanha próxima e ninguém sabia quando estaria de volta. Chorando de tris- teza, lembrei-me de pedir a Deus que curasse meu pobre irmão, uma vez que não devia ter a felicidade de encontrar o Salvador. Fiz até a promessa de desistir, como primogênito, de meus direitos, querendo servir ao mano até o fim de minha vida.
Neste ínterim se aproximaram alguns serventes da estala- gem contando que o Salvador havia curado a muitos. Em seguida havia transposto u’a montanha jamais escalada, e agora se encontra- va num prado por ele abençoado, onde todo aquele que o pisasse ficaria são.
Incontinente fiz transportar o irmão para ali — e mal se deitou na grama começou a se esticar com satisfação: as dores ha- viam desaparecido e, em poucos instantes, achava-se tão forte quan- to eu! De acordo com a minha promessa cedi-lhe meus direitos e com prazer faço todo o serviço, embora meu irmão bondoso procu- re me impedir.
Infelizmente essa alegria não perdurou, porquanto vieste, tornando-vos culpados da prisão em vossa companhia. Com este relato queria apenas chamar atenção para o Salvador, e pelo que vejo, encontra-se ele neste grupo. Assim presumo ter o comandante se referido ao mesmo. Que dizeis?”
46.AINFLUÊNCIADOSALVADOR MILAGROSO
Diz Suetal: “Poderás ter razão e eu anseio por conhecer este já célebre Salvador. Tanto a Samaria quanto Sichar falam apenas nele! No Templo, porém, procura-se dia e noite um meio adequado para exterminá-lo. Tendo ele à sua disposição as forças sobrenaturais e a amizade dos dignitários de Roma, terão os fariseus tanto poder quanto um mosquito para um elefante!
Consta ter ido ao Templo pela primavera, fazendo um verda- deiro expurgo! O povo ignorante o toma por amigo de Beelzebub; outros, por um grande profeta; os gregos e romanos, por um mago. Contudo, não convém repetir a purificação do Templo, caso não seja dotado de poderes divinos; não lhe seria possível proteger-se contra as constantes maquinações do sinédrio. Em suma, quem não enfrentar esses falsários com raios, trovões e chuva de enxofre, vin- dos do Céu, pouco ou mesmo nada conseguirá!”
Intervém o primeiro orador: “Não concordo, pois se os maio- rais não o impediram naquela ocasião, dificilmente o farão numa segunda oportunidade. Quando a vontade é amparada pela força divina, os adversários nada conseguem.”
Diz Suetal: “Amigo, não percebes isto a fundo. Durante a purificação do Templo, os sacerdotes puderam guardar várias cen- tenas de libras em outro e prata. Assim, poderá o Salvador repetir sua atitude, que ninguém o impedirá. Se, porém, atacar as fraudes descabidas daquela casta, veremos quais as consequências.
Quanto tempo faz que se aniquilou o profeta João, não obs- tante a proteção de Herodes?! O Templo meteu-se a intrigar com a mãe de Herodias, e o próprio Tetrarca se tornou assassino de seu célebre protegido. As tramas templárias impõem até um certo res- peito aos romanos; conquanto muita coisa seja denunciada, de nada adianta quando não é possível impedir as traficâncias.”
47.PALESTRAENTREMATHAELE SUETAL
Neste momento interfere Mathael, que havia assistido à con- versa: “Sois ainda muito ofuscados pelo mundo, mormente tu, Suetal, e teus setes colegas, pois nem de longe pressentis o que aqui se passa.
Não resta dúvida estar, entre nós, presente o Salvador de Na- zareth; todavia, não imaginais Quem seja verdadeiramente e proferis tolices a Seu respeito.
O homem justo não deve falar a não ser a verdade; desconhe- cendo-a, deve calar-se e pesquisar. Somente quando dela inteirado deverá se externar, pois aquele que fala sem ter reconhecido a verda- de, mente, mesmo externando-a por casualidade.
Jamais a boca dum justo deve pronunciar u’a mentira, teste- munhando encontrar-se a alma na morte, e não na vida. Portanto, quem se apraz com a mentira longe está de conhecer o valor da Vida, identificada com a Verdade. Somente esta liberta tua alma, revelan- do-te o Infinito de Deus em Sua Natureza Intrínseca e Atividade.
Se pensas e falas como acabas de fazer, testemunhas evidente- mente que tua alma habita num antro, ao invés do Grande Templo da Luz e de toda Verdade!
Em que se baseiam vossas reflexões?! Acaso não fostes avi- sados, pelo esclarecido Comandante Julius, que haveríeis de ouvir e assistir a muitos fatos sem indagações fúteis, mas sim recebê-los com amor e aplicar os ensinamentos, pois que a explicação viria por si só? E suas palavras foram justas e verdadeiras! Deixai, portanto, os comentários supérfluos e sem base e assimilai tudo sinceramente; vosso proveito será maior que se fordes divulgando mentiras, con- victos de ter falado a verdade.
Sempre é melhor perguntar que querer explicar algo sem base; mas é preciso saber a quem e o que se indaga, do con- trário cada pergunta tornar-se-á uma tolice, obtendo resposta mentirosa.
Devo possuir — através da experiência — a plena convicção de que o interpelado me possa responder dentro da verdade; além
disto, é necessário ter eu meditado se aquilo que desejo saber não é uma banalidade, demonstrando eu deste modo ignorância imperdo- ável ou, até, maldade oculta. Considerai esta regra de boas maneiras, pela qual sereis, ao menos, criaturas modestas.”
Reage Suetal, um pouco irritado: “Mathael, amigo, estás nos repreendendo sem que tivesses recebido ordem para tanto! Teu con- selho é bom e verdadeiro; falta-lhe, porém, certa amabilidade, de sorte que não nos impressiona agradavelmente. Segui-lo-emos por termos aceito sua verdade plena; contudo, opinamos não ser esta menos patente quando apresentada em vestes agradáveis.
Dois mais dois são quatro, e esta verdade se mantém quan- do externada de modo gentil! Não seria o mesmo se, ao conduzir um cego, eu lhe magoasse o braço ou o guiasse com carinho pela trilha certa. Considero mais aconselhável a última forma, pois se o agarrasse com violência poderia querer desvencilhar-se de minhas mãos, e quem sabe não cairia, provocando um ferimento maior! Te- nho razão?”
Responde Mathael: “Sim, dependendo das circunstâncias; pois se deparares com um cego à beira dum abismo, sabendo que unicamente por uma atitude brusca conseguirás pô-lo a salvo — acaso ainda conjecturarás sobre a maneira de fazê-lo?”
Indaga Suetal: “Queres com isto insinuar que estávamos es- piritualmente perto dum precipício?”
Diz Mathael: “Por certo, do contrário não vos teria pegado tão bruscamente! Vê, tudo que leva a u’a mentira já é uma inverdade; embora insignificante, é para a alma um abismo mortal.
U’a mentira sutil se torna muito mais perigosa que uma declarada e evidente. Esta não te levará a agir; a outra te obrigará a uma atitude, como se fora uma verdade, e facilmente te conduzirá à beira da perdição. Isto, todavia, só percebe aquele cuja visão interna já se tenha aberto! Assim sendo, não precisas te aborrecer por minha atitude súbita; foste rodeado por uma mentira sutil qual serpente venenosa, o que eu e meus companheiros observamos de pronto e deu motivo a esta controvérsia. Compreendes?”
Responde Suetal: “Oh, sim; e nada há que contrapor. Natu- ralmente não percebemos as relações espirituais e somos obrigados a te dar crédito, pois te encontras em base sólida. Mas que devería- mos, nós doze, fazer? Calar inteiramente torna-se insípido, e quanto à verdade, estamos longe de percebê-la.”
Diz Mathael: “Amigo, se caminhares por uma floresta densa em noite trevosa, ciente dos perigos que apresenta com seus abis- mos, não seria aconselhável esperar pela luz do dia, em vez de cair num deles seguindo a dum vaga-lume? Não é agradável pernoitar numa floresta densa, mas sempre é melhor que arriscar a vida. Que te parece?”
Diz Suetal: “Sabes que não adianta discutir contigo, pois sempre estás com a razão; por isto preferimos seguir o conselho.”
48.MATHAELFALASOBRELEIE AMOR
Diz Mathael: “Espera, ainda existe algo de importância! Se- guindo meu conselho por coação e não por amor, preferível é não o fazer, pois o que a criatura não fizer por dedicação, pouco valor terá para sua existência. O amor é o móvel principal da vida, ou seja, a Própria Vida.
Aquilo que se tornou posse do amor é assimilado pela vida. O que não for tocado pelo amor, sendo feito apenas em virtude de a criatura temer os efeitos de sua não observância ou para correspon- der a seu orgulho, pois almeja passar por sábia entre os semelhantes, não é assimilado pela vida, e sim pela morte, através dos elementos negativos.
Afirmo-te: a lei mais sábia não gera a vida se não for consi- derada por amor; o conselho mais sábio se assemelha à semente que caiu na rocha, ao invés de solo fértil, e seca sem dar fruto.
Digo-o por saber que tudo no homem é estéril — exceto o amor! Por isto, deixai-o agir em plenitude em vosso ser, sentindo-o em toda fibra; assim tereis vencido a morte, pois o que era estéril
em vós ter-se-á tornado vida indestrutível pelo vosso amor. O amor consciente é a própria vida e tudo que assimila se baseia na mesma.
De nada vos valeria a aceitação de meu conselho se o conside- rásseis unicamente pela verdade nele contida e pelas consequências que o não cumprimento vos traria; outra coisa será se amor e verda- de agem em uníssono! O amor construirá, pela luz da verdade, uma vida nova e mais perfeita, alcançando a Perfeição Divina.
Se bem que o amor, ou seja, o Espírito de Deus no homem, represente desde o início Sua Semelhança, atingirá a plena identifi- cação com Deus no caminho que vos acabo de demonstrar. Com- preendestes?”
Exclama Suetal, radiante: “Meu Deus! És realmente o maior dos profetas, pois até hoje nenhum assim se expressou. Possuis a vida verdadeira no dedo mínimo de modo mais perfeito que todos nós, em corpo e alma. Irmãos, Mathael traduz o bafejo divino e jamais poderemos agradecer a Deus condignamente por este conví- vio! Se teu saber se eleva tanto sobre o nosso, o que não esperar do desconhecido Salvador de Nazareth?”
Responde Mathael: “Que reflete uma gota de orvalho numa folhinha de erva? É a imagem do Sol, que não só ofusca, mas tam- bém age. No centro da gota se unifica a luz da imagem solar, pelo que a gota passa por uma quentura vital, dissolvendo-se, finalmente, no elemento de vida que vivifica a plantinha em luta contra a morte. Contudo, a imagem solar não é o próprio Sol — é apenas portadora de uma parte dessa força e ação, pertencentes ao verdadeiro astro.
A mesma diferença existe entre mim e o Salvador. Ele é o Sol Vital Mesmo! Em mim, como na gota de orvalho, age ape- nas a pequenina imagem do Eterno e Verdadeiro Sol, pelo qual miríades de gotas semelhantes sugam o santo alimento de vida. Compreendes?”
Responde Suetal: “Por Jehovah! Que linguagem sublime e santa! Mathael, não és uma gota, mas sim um grande mar! Nunca alcançaremos tal estado — é por demais elevado e excelso! Nessa
circunstância não nos atrevemos a permanecer, como pecadores, em vosso meio, que se torna cada vez mais santificado!”
Os outros também começam a se externar em linguagem mais humilde, fazendo menção de se afastar, no que Julius os impe- de. Suetal, porém, diz: “Senhor, quando Moysés, no monte Horeb, aproximou-se da sarça em fogo, a voz lhe disse: ‘Tira os sapatos, pois o lugar que pisas é santo!’ De modo idêntico, este local também é santificado, e como pecadores não merecemos pisá-lo.”
49.EXPLICAÇÃODOSFATOSOCORRIDOSCOM MOYSÉS
Como Julius se vê incapaz de retrucar, Mathael retoma a pa- lavra: “Quem vos falou a respeito de vosso mérito? Qual seria o livro de ciência que provasse o doente não fazer jus ao médico? Esta vossa suposição deriva da ignorância templária, capaz de fazer queimar as mãos daquele que, de forma profana, toque no limiar do Santíssimo! Quando os ilustres fariseus o fazem, contra pagamento por parte dos estrangeiros, explicando-lhes o fundo histórico — nada lhes acontece!
Que tencionava Deus, finalmente, dizer a Moysés quando o obrigou a tirar os sapatos? Ei-lo: Despoja-te de tuas tendências carnais, do velho Adam, através de tua boa vontade, a fim de que te apresentes diante de Mim como criatura puramente espiritual; do contrário, não entenderás Minha Voz, tampouco poderei fazer-te guia de Meu povo!
Que vem a ser a subida do monte? — Vede, Moysés fugia da perseguição do Faraó porque havia assassinado um alto funcionário do Rei, considerado quase como filho.
O Faraó muito estimava o profeta e não era de todo impos- sível a este ser algum dia senhor do Egito, como o fora José. Tal elevação Deus lhe mostrou no deserto pelo subir do monte, cujo cimo, no entanto, não lhe foi permito alcançar pela sarça em fogo.
Mais além consta, de acordo com a interpretação idiomática: ‘Serás o salvador de Meu povo, não pela maneira que o supões, mas sim como Eu, teu Deus, designá-lo. Não serás rei do Egito, para que
não tornes Meu povo egoísta e orgulhoso, pois que até então foi ele por Mim educado na humildade, e deve assim deixar este país, acompanhando-te ao deserto. Lá ele receberá as Leis de Mim e Eu, Pessoalmente, serei seu Senhor e Guia. Demonstrando-se fiel, dar-
-lhe-ei o país de Salém, em cujos regatos correm leite e mel.’
Deste modo Deus, em absoluto, quis insinuar a Moysés tirar seu calçado, e sim despojar-se do velho Adam, ou seja, a cupidez da criatura sensual. Esta, em relação ao verdadeiro homem, apresenta-
-se qual sapatos em seus pés e, de modo idêntico, é a indumentária mais baixa, externa e última, portanto desnecessária.
O local denominado por Deus como santo é apenas o estado humílimo da alma, sem o qual ela não poderá enfrentar o Semblante do Amor Eterno, em si um fogo verdadeiro.
A sarça ardente prova que a jornada dum profeta será espi- nhosa; seu grande amor a Deus e ao próximo, entretanto, que se estende sobre todo o arbusto, queimará os espinhos e, finalmente, tudo destruirá, produzindo caminho aberto. Eis o sentido de tuas palavras. Assim sendo, como podes julgar ser aqui um local mais ou menos santificado?
Despojai-vos também de vosso calçado mundano e humi- lhai-vos em todas as situações, que sereis tão modestos quanto nós, pois diante de Deus e Daquele que aqui Se acha presente, não há classificação meritosa.”
Ouvindo tais palavras, Suetal diz: “Para quem é compene- trado de tão elevada sabedoria, fácil é viver sem receio. Um vidente pode andar de passo lépido, enquanto um cego necessita averiguar se anda certo e, apesar de todo o cuidado, ainda corre risco de se ferir. Tendo-te como guia, Mathael, até se progredirá como cego! Assim, ficaremos — e nos alegramos com a expectativa de em breve conhecer aquele de quem testemunhaste tão eloquentemente.”
Julius, apertando amavelmente a mão de Mathael, diz: “Eterna gratidão ao Senhor, que vos curou de modo tão milagroso! Muita coisa já aprendi contigo e noto que se faz a luz em minha alma; nesta marcha, espero em breve seguir teus passos.”
Responde Mathael: “Não existe outro meio! Pois só há umDeus, uma Vida, umaLuz, umAmor, e umaVerdade Eterna, e nos- sa existência atual é o caminho para lá. Surgimos pelo amor e a luz através da Onipotência Divina, a fim de nos tornarmos amor e luz independentes; este fito tem de ser alcançado!
Como? Apenas pelo amor a Deus e uma atividade inces- sante! Este sentimento é o Amor Divino Mesmo, que conduz nossa alma a uma atividade cada vez mais elevada da verdadeira e eterna vida, em si a Verdade Plena e a Luz mais intensa. Quando, portan- to, se faz a aurora numa alma, seu eterno destino vital se acha bem próximo e não pode deixar de ser atingido, o que, em síntese, é tudo em tudo que a Vida Perfeita possa alcançar em plena liberdade e independência.
Por isto, alegra-te, nobre irmão, que em breve também tua alma vislumbrará o que a minha assimila, numa luz cada vez mais pura. Apenas no verdadeiro dia de tua alma compreenderás Aque- le que, por ora, ainda denominas com algum receio ‘Salvador de Nazareth’! Como homem é semelhante a nós — mas Seu Espírito penetra com Seu Poder a Luz no Espaço Infinito! Ter-me-ás com- preendido?”
Responde Julius, de olhos marejados de emoção: “Sim, que- rido e elevado irmão; tenho ensejo de abraçar-te, mas ao Salvador nem mais posso fitar sem chorar de amor, só agora podendo com- preender o sentimento nobre daquela menina, que por coisa alguma se deixa afastar de Seu lado.”
Diz Suetal: “Graças a Jehovah, então já não mais nos será difícil descobri-lo!”
50.DÚVIDAQUANTOÀPESSOADO SALVADOR
Nisto Yarah se levanta com Minha ordem e caminha em companhia de Raphael e Josoé, comentando a sabedoria tão extra- ordinariamente surgida na pessoa de Mathael, tanto que fez nascer entre os fariseus uma dúvida: qual dos dois ao lado da menina seria
o Salvador? Além disto, calculam ser ele um homem — e os com- panheiros de Yarah são apenas adolescentes. Vira-se um dos judeus para Suetal, dizendo: “Amigo, teu canto de vitória foi precipitado, pois essa menina, por certo a filha do hospedeiro Ebahl de Geneza- reth, que por várias vezes avistamos naquele albergue, palestra com dois jovens. Portanto, quem é o Salvador? Tal resposta não cabe à nossa sabedoria e penso ser melhor calarmos!”
Responde o outro: “Concordo, não obstante nos ter o Co- mandante Julius pregado uma peça merecida, pois sempre falamos demais!” Com isto todos se calam, meditando.
Eis que deles Me aproximo e pergunto a Suetal: “Percebi todas as vossas conversas anteriores; como sempre ocultastes vossa própria opinião quanto ao Salvador, desejava ouvir abertamente por quem o tomais. Falai sem susto, porque vos garanto: nada vos suce- derá se Me externardes vosso parecer como ao melhor amigo!”
Diz Suetal, coçando-se atrás da orelha: “A julgar por tua ves- timenta pareces grego, mas teu cabelo e barba indicam seres judeu. Conquanto o critério romano sobre os gregos não seja louvável, teu semblante é bem honesto. Como homem de algum conhecimento, compreenderás que criaturas como nós não aceitam de modo indi- ferente acontecimento igual ao que se passou.
Tudo aquilo que Mathael nos deu a entender do Salvador não é tão fácil de ser aceito por pessoas como nós e nosso critério só pode ser deficiente. Até hoje só ouvimos falar a seu respeito e de seu extraordinário poder e força. A própria cura dos cinco obsedados não foi por nós assistida, mas disso obtivemos um relato fiel por parte dos curados e do comandante.
Os efeitos excepcionais relatados por Mathael não deixaram de nos despertar a ideia de que o Salvador toque ao divino. Todavia, é fácil haver engano, levando em conta nossa carência na base cien- tífica e de sabedoria mais profunda.
A ciência de hoje já progrediu consideravelmente e à sabe- doria ninguém pode impor limites. De sorte que é bem possível ha- ver um homem em Nazareth descoberto a tal pedra filosofal. Deste
modo, poderá realizar coisas extraordinárias: remover montanhas, fazer gelar os rios, no verão; ressuscitar mortos, aniquilar milhões — tudo já conseguido por outros.
No Egito, por exemplo, tais fatos não constituem milagres; entre nós seria difícil, porquanto a magia é condenada entre judeus, a não ser quando praticada apenas para gregos e romanos, que pa- gam por estes privilégios uma boa taxa ao Templo.
Os milagres com os doentes são, de modo idêntico, inaudi- tos, pois consta estender-se até a ressurreição de mortos. Afirmo, porém, que tais fatores nada testemunham de divino. Contudo, ad- mite-se que o nazareno seja realmente um profeta ungido por Deus e realiza, assim, os milagres com o poder do Alto, pois, como judeu, jamais poderia ter tido oportunidade de frequentar a escola secreta dos egípcios ou essênios. Desta explanação poderás deduzir em que se baseiam nossas dúvidas. Achas que estamos com a razão?”
51.RECEIOQUANTOÀDIVINDADEDO NAZARENO
Digo Eu: “Em parte, e integralmente se os essênios ressusci- tassem os mortos de igual maneira que o nazareno. Entre seus dis- cípulos se acha um essênio verdadeiro, enviado para conquistar o Salvador àquele instituto ou, ao menos, bisbilhotar o modo pelo qual cura os enfermos e desperta os mortos.
Como, em breve, se certificou que tudo fazia abertamente e sem preparo artificial, mas apenas pelo velho dito: ‘Que tal se faça’, abandonou e relatou as fraudes essênias, tornando-se um adepto ver- dadeiro. Falai-lhe, que se encontra sozinho debaixo daquela árvore.”
Diz um outro, entre os oito fariseus: “Não é preciso, por- quanto conheço aquela seita bem a fundo. É deveras fraudulen- ta, todavia tem base louvável e, penso, o nazareno jamais cursou tal escola.”
Dirigindo-Me a Ribar, o segundo orador, digo: “Como te foi possível descobrir aqueles segredos, pois consta que nisso existe perigo de vida?”
Responde este: “Com dinheiro e astúcia tudo se consegue neste mundo. Claro é ser preciso possuir inteligência, a fim de ver atrás dos bastidores. Eis por que tinha vontade de fiscalizar o Salva- dor — e te garanto, não me enganará! Se for realmente o que se diz, saberemos respeitá-lo como Mathael! Intriga-me apenas o fato de ele aceitar discípulos, pois se sua atitude é divina não há quem o imite sem a Onipotência e Sabedoria de Deus.”
Retruco: “Amigo, não falas mal; entretanto, estás errado, pois a Divindade pode muito bem escolher algumas criaturas e dar-lhes aperfeiçoamento idêntico ao de Henoch, Moysés e outros profetas, para que se tornem doutrinadores, divulgando a Vontade de Deus. Assim, tua suposição é falsa! Agindo pela astúcia, terás no nazareno adversário invencível! Conheço-o e sei de sua intangibilidade!”
Diz Ribar: “Depende duma prova, pois não é de meu hábito antecipar-me sem experiência, que sempre me proporcionou um ju- ízo acertado. Acaso também és um discípulo?”
Respondo: “Nem tanto, apenas um de seus melhores ami- gos!” Durante este diálogo muitos procuram ocultar um sorriso, sem perder uma palavra.
52.DIÁLOGOENTRESUETALE RIBAR
Depois de alguns instantes, continua Ribar: “Tinha vontade de saber de um discípulo o que já aprendeu ao lado do Salvador.”
Digo Eu: “Pois não! Já está quase na hora do almoço; toda- via, ainda há tempo para uma pequena experiência, na qual preci- samente o mais jovem será o examinando e tu, o examinador! Estás de acordo?”
Responde ele: “Como não? Sem prova não se pode julgar.” Eis que chamo Raphael, de certo modo também um discípulo, se bem que seu espírito se oculte em matéria sutil. Imediatamente o anjo se posta diante de Ribar, dizendo: “Que provas exiges?” — Ri- bar começa a cogitar em algo impossível para um homem.
Digo Eu: “Então, tua astúcia está te abandonando?”
Responde aquele: “Oh, deixa estar. Para que pressa? Darei ao jovem um problema que lhe causará dores de cabeça!” Em seguida se abaixa, apanha uma pedra de várias libras e diz, sorrindo, a Raphael: “Caro discípulo do Mestre divino, do qual consta realizar coisas ca- bíveis apenas a Deus! Se já aprendeste algo de poderoso, transforma esta pedra num saboroso pão!”
Diz Raphael: “Verifica se ela ainda é pedra!”
Responde Ribar: “Naturalmente!” Prossegue Raphael: “Ten- ta mais uma vez!” — Nisto, o judeu percebe o milagre: a pedra tornara-se pão, pelo que sente-se ele apossado de pavor, sem saber que dizer. Insiste Raphael: “Prova-o, pois os olhos se deixam enganar com mais facilidade que o paladar. Distribui-o entre teus amigos para testificarem a veracidade da transformação.”
Ribar obedece ao convite, algo receoso; como o milagroso pão seja de ótimo paladar, dá uma mordida na outra parte, entre- gando a primeira aos colegas. Todos constatam seu especial sabor.
Virando-Me para Ribar, digo: “Então, amigo, que Me dizes a esta prova dum jovem?”
Diz ele a Suetal: “Irmão, fala tu, que és mais inteligente, pois isto excede meu horizonte de conhecimentos!” Diz Suetal: “Existem muitas criaturas iguais a ti: primeiro, tornam-se salien- tes pelo pouco que sabem; quando se lhes apresenta, porém, algo que não entendem, fazem papel de mulher que foi surpreendida em adultério! Que mais queres dizer, a não ser que Mathael tem razão em toda sílaba que testemunha do grande Mestre?! Se tais coisas são feitas pelos discípulos, que não esperar dele mesmo?”
Diz Ribar: “Não resta dúvida; entretanto, ensina-se no Templo que certos magos realizam coisas extraordinárias com auxí- lio de Beelzebub.”
Diz o outro: “Não me canses com tal propaganda. Não ou- viste, há pouco, Mathael afirmar que a Doutrina do grande Mestre conduz todas as criaturas a Deus, pela verdade, ação e amor? Cego, foi o pão que comeste, real ou não?
Se tivesse sido obra de Beelzebub — caso impossível — te- rias uma pedra, ao invés de pão, no estômago; sendo pão verdadeiro, de origem quase celeste, ambos sentimos reação benéfica no cor- po. Aqui não existe fraude, apenas a Vontade Poderosa de Jehovah! Como queres atribuir a Satanás coisa idêntica?”
Responde Ribar, perplexo: “Mas..., então ele não venceu no Sinai, quando lutou durante três dias pelo cadáver de Moysés?”
Diz Suetal: “Bonita vitória pela matéria de Moysés! Que mais?” Responde Ribar: “E a tentação de Adam e Eva?”
Indaga Suetal: “Queres classificá-la de milagre?! Se uma criatura te externa todos os seus encantos de modo tentador, acaso será extraordinário que caias em seus braços? Tais ‘milagres’ se dão diariamente, constituindo prova da mais ínfima naturalidade. Não se pode, assim, admitir tal hipótese, a não ser que tudo seja milagro- so desde o início da Criação! Acaso sabes de outra obra milagrosa de Satanás?”
“É difícil discutir-se contigo”, diz Ribar. “Que me dizes a respeito dos milagres feitos pelos ídolos de Babel e Nínive? Não fo- ram realizados pelo anjo do mal?”
Diz Suetal: “Para ignorantes como tu, sim; mas para ou- tros, não; pois sabiam que as vítimas atiradas durante a noite no ventre do incandescente monstro, com facilidade eram destruídas. Tais fatos podes realizar diariamente por meio de fogo intenso, sem recorreres a Satanás! Eu mesmo poderei fazer alguns, com auxílio de outras pessoas, e prescindir do dele!
Jamais poderá ele conseguir algo de proveitoso, mas tão somente aniquilar um físico já perdido, buscando em seguida sua presa condenada; por alma e espírito, nada fará, pois sua natureza é a matéria mais atrasada. Sim, poder-te-ás tornar, por ele, mais mate- rialista que já és; nunca, porém, animar tua alma! — Fala, agora, de outras provas satânicas!”
Diz Ribar, contrito: “Nada mais tenho a dizer e reconhe- ço este milagre verdadeiro que fez o amável discípulo do Mestre.
Quanto ao mais, podias ter falado mais brandamente comigo, que também ter-te-ia compreendido.”
“Está certo”, diz Suetal, “sabes, porém, que sempre me irri- to quando alguém de cultura me apresenta a fábula de Beelzebub — como se as criaturas já não fossem diabólicas de sobra — mormente numa ocasião tão excepcional como esta!”
Intervenho: “Então, fizestes as pazes?” — Respondem am- bos: “Perfeitamente!”
53.BASESDADOUTRINADE JESUS
Digo Eu a Ribar: “Qual teu critério sobre o que acabas de presenciar?”
Responde ele: “Já o externei a Suetal e confesso ter o sábio Mathael razão em tudo. Anseio por conhecer o grande Mestre!”
Conclui Suetal: “Também eu, embora aquilo que vi me sirva para toda vida. Ele não pode ser nem mais, nem menos que Deus! Isto basta! Apenas desejava ouvir algo mais de sua nova Doutrina!”
Digo Eu: “Mathael já externou dela vários princípios; além disto, se concretiza no amor a Deus e ao próximo. Amar a Deus sobre todas as coisas representa reconhecê-Lo em Sua Vontade re- velada, adaptar as ações de acordo e aplicar o mesmo tratamento ao semelhante que a si próprio. Tudo isto — naturalmente — num amor puro e desinteressado.
Deve-se prezar o bem pelo bem e a verdade, assim como se deve amar a Deus apenas por ser Ele Bom e Justo! Teu próximo tem de ser considerado, pois é, igual a ti, semelhante a Deus, portanto portador do Espírito Divino. Eis a base da Doutrina de fácil cum- primento; aliás, muito mais acessível que as múltiplas leis do Tem- plo, instituídas pelo egoísmo de seus servos.
Pelo fiel cumprimento desta nova Doutrina, o espírito al- gemado no homem se torna sempre mais liberto, se desenvolve e penetra a criatura, atraindo tudo para sua vida, a Vida de Deus, por- tanto eterna, numa bem-aventurança sublime! Toda criatura desta
forma renascida no espírito jamais verá ou sentirá a morte, pois seu desprendimento lhe será o maior prazer.
O espírito preso à alma é idêntico a um homem encarcerado que vislumbra, através dum pequeno orifício, as lindas paisagens e as criaturas livres a se alegrarem com ocupações variadas. Mas, quão feliz será quando o carcereiro lhe abrir a porta, libertá-lo de suas algemas e disser: ‘Amigo, és livre de qualquer castigo! Vai e goza a liberdade plena!’
Do mesmo modo, o espírito humano se assemelha ao gér- men embrionário dum pássaro, dentro do ovo: quando estiver ama- durecido pelo calor, dentro do invólucro que prende sua vida, ele o rompe, regozijando-se de sua livre existência. Este processo somente será alcançado pelo cumprimento rigoroso da Doutrina do Salvador.
Além disto, recebe o homem renascido ainda outras dádivas, de cuja qualidade o materialista não tem ideia. O espírito adquire Poder Divino, sendo sua vontade realizada, porquanto não existe, no Infinito de Deus, outro poder e força que os espirituais.
Unicamente a Vida Verdadeira é Senhor, Criador, Conser- vador, Legislador e Guia de todas as criaturas, razão pela qual tudo obedece ao Poder de Seu Espírito Eterno.
Acabas de ter pequena prova, portanto podes acreditar que assim seja; a compreensão do ‘como’ e do ‘porquê’ ser-te-á dada quando tiveres alcançado a liberdade de tua vida espiritual. Mathael já te demonstrou a que sorte de conclusões chega um espírito meio renascido, e com isso poderás organizar confiantemente tua existên- cia. Esta explicação te satisfaz?”
Responde Suetal: “Muito mais que a de Mathael, que nos assusta por não se ver nem entrada nem saída. Tu esclareceste o as- sunto de forma tal que não há dúvida sobre minha ação futura.”
54.UMSEGUNDOMILAGREAPEDIDODE RIBAR
Digo Eu: “Muito bem; agora, dize-Me se não tens vontade de conhecer o Grande Mestre de Nazareth, pois te poderia apresentar.”
Diz Suetal: “Falando com sinceridade, acho estar esse ho- mem, que oculta em si a plenitude do Espírito Divino, tão elevado sobre todos, que sinto até pavor de vê-lo de longe, quanto mais de perto! Já me incomoda a presença deste jovem discípulo com sua prova. Por certo não daria outra, pois quem não se convence com uma, não o fará com mil. Prefiro, assim, que volte para junto dos outros.”
Digo Eu: “Mas..., para quê? É livre, poderá ir quando quiser e nada mais tiver para fazer. Estás plenamente satisfeito, mas não teus colegas, até mesmo Ribar, embora concorde contigo. Ainda tem dúvidas quanto ao milagre e, como haja tempo, pediremos outro.”
Diz Suetal: “Ótimo! Resta saber se tal coisa está de acordo com a vontade do grande Mestre.”
Digo Eu: “Não te preocupes; responsabilizar-Me-ei por tudo. Necessário é, apenas, indagar dos outros que prova desejam, pois poderão alegar que fora previamente preparada. Concordas?”
Responde Suetal: “Falaste sabiamente, como Salomon, e também sou de teu parecer.”
Digo Eu: “Então, vamos! — Ribar, dize-me, em que deve con- sistir a segunda prova do discípulo?” Diz este: “Amigo, se ele quiser, que faça, da pedra em minha mão, um peixe da melhor qualidade!”
Digo Eu, com aparente dúvida, a Raphael: “Serás capaz dis- to?” Responde ele: “Farei uma tentativa, mas o pedinte deve se fir- mar bem, do contrário o peixe o jogará por terra. Os de qualidade, nestas águas, são grandes e pesados, de sorte que um homem difi- cilmente os contém. Se, no entanto, Ribar se firmar bem, um peixe de oitenta libras tomará o lugar dessa pedra de apenas dez de peso.”
Exclama Ribar: “Oh, não te incomodes! Sou quase um San- são e já venci outras provas! Além disso, tomei posição!”
Diz Raphael: “Então prepara-te!” Mal havia pronunciado tais palavras, um peixe enorme, que Ribar procura conter, dá um pulo tão violento que o joga de costas. Sua cauda em movimentos agitados assusta os assistentes e estes fogem em todas as direções. O próprio Ribar, que se havia levantado, não mais sente vontade de pe-
gá-lo. Um dos filhos de Marcus joga rápido uma rede, dominando o peixe para, em seguida, deitá-lo num depósito com água.
Dentro de seu elemento ele se aquieta, o que anima todos a observá-lo de perto. Ribar, então, diz: “Declaro-me vencido e acre- dito em tudo que ouvi do grande Mestre. Mathael tem razão, e este amigo também, a cuja bondade devemos estes milagres. Embora não merecêssemos assisti-los de olhos pecaminosos, agradecemos a Deus por Se ter dignado transmitir tamanho poder a um mortal. Seu Nome seja louvado!”
55.DIFERENÇAENTREOSMILAGRESDERAPHAELEOSDOS MAGOS
Diz Suetal: “Amém! Pois tal coisa nunca foi vista por um mortal. Consta que, na época dos faraós, os magos transformavam varas em serpentes, mas nós não assistimos. Vi um persa jogar um toco de madeira sobre solo arenoso, que ao se enterrar, transformou-
-se num rato. Essa experiência havia sido previamente anunciada. Mais tarde, analisando a areia, deparei com o toco intacto e, além disto, vestígios de camundongos que ali haviam sido escondidos.
O povo ignorante devotou ao mago uma veneração quase divina, enchendo-lhe os bolsos de coisas preciosas. Quando tentei elucidar alguns mais inteligentes, chamaram-me de difamador, mas deram-me tempo para fugir. Convenci-me de que tais magos era apenas uns espertalhões que se aproveitavam de seus fracos conheci- mentos da Natureza a fim de ludibriar os incautos.
Quanto aos dois milagres efetuados pelo discípulo do Mestre e as curas milagrosas dele mesmo, são tão sublimes, que não adianta a sapiência humana querer explicá-los. Eis por que aceitamos sua doutrina, mormente por nela se cumprir uma profecia de Isaías.”
Digo Eu a Suetal, já que este grupo não Me reconhece: “Também estás convicto disso?”
Responde ele: “Tenho plena certeza, pois Deus é demasiado Sábio e Bom, para transmitir o Seu Espírito a um homem apenas
para curar alguns enfermos e transformar pedras em pão e peixes. Sou levado a crer que seja o Messias Prometido pelos patriarcas e profetas. Qual é tua opinião, pois que, como grego, deves estar a par das Escrituras?”
Digo Eu: “Também concordo; apenas desejava saber do pa- recer dos outros. Indaga a Ribar, que responderá pelos colegas.”
Diz Suetal: “Agora mesmo, pois presumo que já tenha anali- sado suficientemente seu peixe!”
56.PARECERDESUETALERIBARARESPEITODE JESUS
Em seguida vira-se Suetal para o amigo, dizendo: “Ribar, tra- ta-se dum assunto importante para nós, judeus. Como conhecedor que és das Escrituras, sabes das promessas feitas sobre a Vinda do Messias. Considerando os milagres realizados pelo afamado Salva- dor de Nazareth, chega-se à conclusão de que Deus Mesmo não poderia fazer coisas mais grandiosas.
Há umas três semanas nos foi mostrada a casa de Jacob completamente reconstruída, que o nazareno havia feito surgir em poucos instantes. Fato idêntico ocorreu com a de um negociante em Sichar. Conhecemos também casos milagrosos em Genezareth, tendo assistido à cura do irmão de nosso colega e a dos cinco salte- adores. Além disto, os dois milagres feitos por um de seus discípu- los. Todas essas provas não nos levam a presumir ser o nazareno o dito Messias?”
Responde Ribar: “No íntimo também já pensei nisto. Existe, porém, um ponto a considerar: o Templo adia a Vinda do Messias por mais alguns séculos, porquanto não lhe interessa, no momento, tal fato. Os romanos, por sua vez, haveriam de querê-lo como amigo.
Por isso opino que cada um guarde sua opinião sem externá-
-la, antes que o caso seja evidenciado. Mudando de assunto, observa o tal discípulo milagroso! Está nos fitando com ares de mofa e neste momento se vira para dar boas gargalhadas! Que será? Se não fosse tão poderoso, teria vontade de chamá-lo à responsabilidade! Criatu-
ras como ele são perigosas; talvez fosse capaz de nos transformar em asnos, e que papel faríamos, então?”
Vira-se Raphael, rindo e apresentando um burro perfeito a Ribar: “O mesmo que este!”
Assustado, Ribar recua e diz: “Mas... que é isto?! Donde veio este animal?”
Responde o anjo: “Donde veio o peixe! Agora pergunto: por que vos incomodo? Acaso vos magoei?”
Diz Ribar: “Amigo, impões um grande respeito pelo teu po- der; e já que não queres voltar para junto de teu grupo, descreve-nos, ao menos, a aparência do grande Mestre de Nazareth!”
Afirma Raphael: “Bem que o quisera; mas, com todo po- der conferido por Ele, não me é permitido falar antes do tempo. Há pouco vos aborrecestes com meu sorriso, que em absoluto tinha maldade. Existem momentos em que um espírito puro é levado a sorrir da cegueira humana, isto porque o homem, muitas vezes, não enxerga de olhos abertos!”
Diz Ribar, admirado: “Tal se dá conosco?”
Responde Raphael: “Sim, espiritualmente! Dize-me, por que temeis travar conhecimento com o Grande Mestre?”
Intervém Suetal: “Ouve, jovem discípulo, a razão é a se- guinte: se tua presença já se torna assustadora, quanto mais não seria a de teu Mestre?! Somente sua doutrina ser-nos-á útil; uma vez mais equilibrados, será nossa maior felicidade conhecê-lo pessoalmente. Este burro espantoso poderás ofertar ao hospedeiro, já que não lhe podemos pagar!”
Diz Raphael: “Ora, fazei-o vós mesmos: dai-lhe o burro e o peixe, criados por vossa causa!”
57.OSENHORPROMETEAPONTARO SALVADOR
Nisto aproxima-se Marcus para nos convidar ao almoço. Diz-lhe Suetal: “Amigo, não temos com que pagar nossa dívida; acontece, porém, que um discípulo do Salvador fez surgirem um
peixe colossal e um burro, por nossa causa. Como ambos não sim- bolizam sabedoria, deduzimos daí uma boa lição. Tem, pois, a bon- dade de aceitá-los!”
Diz Marcus: “Pois não, embora nada devais, porquanto já fui indenizado mesmo pelo que ainda ireis necessitar. Procura assento, que o almoço será servido!”
Diz Suetal: “Mas, quem poderia ser tão generoso? Queremos agradecer-lhe.”
Responde Marcus: “Não posso dizê-lo; contentai-vos com aquilo que sabeis!” — Obedecendo a um aceno Meu, ele se afasta, entregando o animal aos filhos. Suetal, então, Me diz: “Que velho bom e honesto! Iguais a ele existem poucos no mundo. Quem pre- sumes tenha pago tão generosamente nossa despesa?”
Digo Eu: “Só poderia ser o Grande Mestre de Nazareth, que nada pede de graça. Por um favor feito, ele indeniza com dez; e por dez, cem vezes mais!”
Diz Suetal: “Sim, mas nós não lhe fizemos nem um, nem dez; entretanto, já nos pagou mil!”
Digo Eu: “Ele, sendo onisciente, também sabe o que lhe ireis prestar; daí o pagamento antecipado.”
Responde ele: “Muito nos agrada este trato e tudo faremos a fim de servi-lo se, ao menos, soubermos de que necessita.”
Aduzo: “Bem, neste caso seria preciso travar relações com ele e, quem sabe, talvez vos aceite como discípulos.”
Diz Suetal para Ribar: “Seria ótimo! Poderíamos, enfim, imitar o jovem, além do ensejo que teria de conhecer o Mestre!” Concorda o outro: “Eu também, e todos nós. Mas..., e o primeiro contato? Será por certo pior que o meu, com o peixe!” Diz Suetal: “Quem sabe? Às vezes, o empregado é mais violento que o patrão, com o fim de se exibir. Se durante o almoço houver oportunidade, o nosso amigo grego poderia nos apontá-lo.”
Digo Eu: “Pois não! Uma vez, porém, que o conheçais, neces- sário é ficardes calmos e não fazer alarido, pois não o aprecia. Penetra ele apenas o coração, satisfazendo-se com veneração silenciosa, justa e viva.”
Obtempera Suetal: “Eis um conceito muito mais sábio; pe- dimos-te que nos faças este favor.”
Digo Eu: “Está bem, mas agora almocemos. Vede, lá debai- xo daquela árvore estão duas mesas; terei de me sentar na maior, em consideração aos romanos. Sentai-vos na do lado, que poderemos conversar.”
Acrescenta Suetal: “Assim será melhor! Agora estou até sem paciência, a fim de conhecer o grande homem.” Tomo a dianteira e os doze Me seguem, Raphael ao lado de Suetal. Isto não agrada ao segundo, tanto que pergunta se irá tomar parte na mesma mesa. O anjo o afirma com amabilidade. Embora não satisfeito com esta alternativa, mas, porque imponha tão grande respeito, Suetal acaba por se conformar com sua presença.
58.OBOMAPETITEDE RAPHAEL
Com Minha permissão Raphael ajuda Marcus a arrumar vá- rias mesas e bancos, sentando-se depois entre Suetal e Ribar. Na Minha mesa tomam lugar Mathael e seus companheiros, ao lado de Julius e Cirenius. Ao Meu lado estão Yarah, Josoé, Ebahl e Meus apóstolos. Os trinta fariseus se acham atrás de Mim, de sorte a po- derem observar a todos.
Serviu-se quantidade de peixes bem preparados, pão e vinho, e como sempre, Raphael é o mais veloz consumidor. Quando, final- mente, toma do último peixe e parte-o em pedaços, que engole com avidez, Suetal não se contém e diz: “Bom e jovem amigo, deves ter um estômago colossal: em nossas travessas estavam, no mínimo, uns vinte peixes, dos quais consumistes oito! Isto não pode fazer bem à saúde! Talvez faça parte da aquisição da sabedoria e do poder do grande Mestre?”
Responde Raphael, sorrindo: “Em absoluto! Estando eu com apetite, acaso não deveria comer? Observa o Templo de Jerusalém; quanto não consome, diariamente, em Nome de Jehovah?! Poder-
-se-ia afirmar ser Ele insaciável, pois devora, por dia, quantidade de
gado, carneiro, ovelhas, cabritos, galinhas, pombos, peixes, além de farto número de pães e uma série de odres?! Fora disto, ainda é ávido por dinheiro, ouro, prata e pedras preciosas! Nunca tal fato te per- turbou, por não ignorares que os servos são os únicos consumidores. Que representa isto comparado aos meus oitos peixes, pois que, fi- nalmente, sou mais servo de Deus que os devoradores do Templo?!”
Diz Suetal: “Sim, tens razão; apenas me admirei do teu ape- tite, pois nem te preocupaste com nossa fome.”
Retruca Raphael: “Ora, já viste os templários considerarem as necessidades dos que lhes fazem oferendas? Tiram-lhas e mais o dízimo, sem a preocupação de que morram de fome! Por que nunca lhes chamaste a atenção e qual o motivo de teu zelo com minha saú- de, se já provei-te que sou, realmente, um servo de Deus?!”
Diz Ribar ao outro: “Amigo, não convém discutires com ele, que muito me lembra Mathael, e talvez fosse capaz de relatar nossa vida passada!”
Diz Raphael: “Não deves falar tão baixinho, do contrário não te entendo, e Suetal muito menos.”
Diz Ribar: “Ora... falei até alto demais!”
Protesta Raphael: “Entretanto, ao que parece, não querias que fosses entendido por mim! Se ouço e vejo até teus pensamentos, como não haveria de ouvir tuas palavras?! O animal que há pouco se achava a teu lado muito se assemelha contigo. Enquanto não te tornares tão humilde quanto ele, não encontrarás a porta estreita da verdadeira sabedoria.”
Diz Ribar: “Mas, amigo, por que me reduzes tanto diante de todos?”
Responde Raphael: “Não vos disse há pouco que sois tão cegos que não enxergais um palmo adiante do nariz? Ainda assim, esse estado de cegueira perdura.”
59.EFEITOSDIVERSOSDE ADMOESTAÇÕES
Diz um terceiro do grupo, chamado Bael: “Amigos, deixai-
-me dizer algumas palavras! O jovem discípulo tem razão em vos ridicularizar, pois também digo que sois cegos! Imaginai apenas em presença de quem nos encontramos — e agradecei a Deus por nos ter salvo. Que tens a ver com o apetite incomum deste jovem mi- lagroso? Não somos hóspedes gratuitos e não fomos saciados? Que mais queremos?! Peço que vos torneis mais inteligentes! Sois verda- deiros tolos! Todos os elementos obedecem ao nosso amigo, o qual merece mais veneração que os profetas, pois através dele é que age o Espírito Divino — e vós o tratais como semelhante! Quando obri- gados a enfrentar o Sumo Pontífice, tremeis de tanta veneração; aqui acham-se mais que mil pontífices — e tendes um comportamento incrível! Envergonhai-vos! Calai, ouvi e aprendei; só depois dirigi-
-vos a pessoas menos tolas que vós! Quanto ao jovem, não o pertur- beis, do contrário terei de me tornar grosseiro!”
Intervém Raphael: “Falaste bem, irmão; contudo, tais adver- tências rudes não estão dentro da ordem, pois contém não o amor, mas orgulho oculto. Nesta atitude te incendeias no teu aborreci- mento até chegares à ira, nada conseguindo de bom, pois em cardos e abrolhos não nascem uvas e figos.
Se tencionas conduzir teu irmão, não deves agarrá-lo com violência, qual fera a sua presa, mas como guia a galinha seus pin- tinhos; então serás olhado por Deus, porquanto agiste pela Or- dem do Céu.
Tenta sempre o poder, o alcance e a força do amor! Se tive- res prova de que com meiguice pouco ou nada conseguirás, cobre o amor com a veste da seriedade, conduzindo teu irmão ao cami- nho justo. Uma vez firme, desvenda teu amor, que ele te será um amigo eterno, cheio de gratidão! Eis o que é melhor dentro da Or- dem Divina!”
Bael arregala os olhos ouvindo esta lição, e Suetal e Ribar apertam a mão do anjo, pois se alegram por julgar terem encontrado no jovem um defensor dos direitos humanitários.
Raphael, porém, diz: “Amigos, a gratidão sempre é boa quan- do em sólida base; do contrário, não é melhor que sua causa!”
Chega a vez dos dois arregalarem os olhos, e Suetal indaga: “Mas, amigo, como entendes isto? Parece-nos que não estejas satis- feito com nosso agradecimento.”
Responde ele: “Vede, quando a criatura vive dentro da Or- dem Divina, tudo está conforme a Vontade do Pai. É preciso que o amor, base de toda vida, tanto em Deus quanto no homem, irradie-
-se de cada ação. Sois gratos por ter eu admoestado Bael, porquanto sua advertência a vós não se baseava no amor, e sim no aborrecimen- to, filho da ira e da vingança. Evidentemente ele vos ofendeu, o que incendiou vossos corações e deu origem ao desejo de ser ele castiga- do. Este desejo tem causa na sede de vingança, que reside apenas no inferno! Antecipando-me à vossa tendência, demonstrei-lhe o peri- go de sua ação, com que vos alegrastes, externando agradecimentos.
Vossa alegria não se manifestou por ter eu levado Bael ao bom caminho, mas por tê-lo repelido, o que abrandou vosso desejo vingativo. Baseando-se tal gratidão numa tendência maldosa, não pode ser boa, por não conter amor! Quando, porém, for fruto da verdadeira alegria celeste — pois um irmão perdido foi guiado ao caminho certo — também será fruto da Ordem do Céu, o Amor!
Se vós, que fostes chamados, quiserdes vos tornar verda- deiros filhos de Deus, nunca vos deveis deixar levar a uma ação que não se baseie no mais puro sentimento. Esforçar-vos-eis por evitar o mínimo vestígio dum aborrecimento, vingança ou alegria maldosa, pois tudo isto pertence ao inferno!
Vede, se vosso irmão se acha gravemente enfermo, a ponto de correr perigo de vida, fareis tudo para salvá-lo, alegrando-vos com sua melhora gradativa. Se tal se pode dar com a convalescença física — quanto maior alegria não devereis sentir com a reabilitação dum ente psiquicamente enfermo, como filhos de Um só Pai?! Compreendeis?!”
Diz Suetal: “Amigo, deves ser um espírito elevado, pois, como tu, não há quem fale neste mundo. Serás, talvez, o Próprio Salvador?”
Responde Raphael: “Oh, não; pois nem mereço desatar as correias de Suas sandálias! Como espírito, sou do Alto; fisicamente, aquilo que vês!”
“Pois bem”, diz Suetal, “já que os hóspedes terminaram o almoço, desejaria conhecer o grande Mestre e patentear-lhe minha profunda veneração!”
Afirma Raphael: “Não recebi autorização para tanto; isto se dará no momento oportuno. Por ora vossos corações ainda compor- tam umas tantas impurezas, que necessitais reconhecer, condenar e delas vos desfazer, da seguinte maneira: no momento em que des- cobrirdes algo de impuro em vosso íntimo, necessário é estimular a vontade para expulsá-lo. Só assim sereis capazes de reconhecer o grande Salvador.
Agora, prestai atenção! Parece que o amigo que há pouco vos falou tenciona fazer um discurso, pois vi o velho Cirenius fazer-lhe uma pergunta — e quando os grandes falam, os pequenos devem prestar ouvidos.”
Insiste Suetal: “Não nos poderias dizer quem seja tal amigo?”
Responde Raphael: “Não, agora não! Urge calar e ouvir!” Conformados, Suetal e os outros aguardam Minhas Palavras, que, entretanto, não podiam ser pronunciadas, pois Cirenius ainda não havia concluído sua indagação a respeito de matrimônio, adultério, divórcio e relação com moça solteira.
Diz Suetal, após alguns instantes de silêncio: “Mas — quan- do começará a palestra?”
Responde o anjo: “Acaso não vês Cirenius falando? Seria pos- sível a alguém responder sem que a pergunta fosse concluída? Tem paciência!”
Novamente Suetal se conforma. Cirenius, porém, estende o assunto cada vez mais e, em virtude da presença de Yarah, fá-lo em
surdina, de sorte que ninguém percebe uma sílaba. Pouco a pouco todos começam a se cansar, pois entre os romanos é prova de boa educação que milhares se calem quando um dignitário fala.
Por fim, Suetal se vira para Raphael, dizendo: “Amigo, os dois senhores se aprofundam em demasia, por isto poderíamos pa- lestrar um pouco, demonstrando não prestar atenção ao assunto por eles discutido.”
Diz Raphael: “És esperto, Suetal! Mas, vê! Aí vem nova remessa de alimentos, em vista de eu vos ter prejudicado com meu apetite!”
Diz ele: “Ótimo, pois sinto um vácuo considerável no es- tômago.” Em pouco tempo a segunda é consumida e Suetal diz: “Graças a Deus, estou tão satisfeito como não o fui desde há muito. Agora já se pode aguardar com mais paciência o pronunciamento do grego que parece ser conselheiro do Vice-rei.
Aquela menina é bem atraente e aparenta estar apaixonada pelo grego, pois não desvia os olhos dele. O filho do Vice-rei não lhe desperta interesse, conquanto use roupas tão ricas. Eis que surgem quatro moças, por certo filhas do hospedeiro. Que farão?”
Diz Raphael: “Com esta tua mania de tagarelar, nunca se- rás um Mathael. Experimenta calar e meditar, pois para despertar o espírito, necessário é uma calma externa, sem a qual nunca se conse- guirá este ato de importância vital.”
61.RAPHAELDISSERTAACERCADOMEDITARNO CORAÇÃO
(Raphael): “Suponhamos o interior duma casa na maior de- sordem, pois que os aposentos estão repletos de lixo e entulho. O dono anda sempre ocupado alhures — e não se dá ao tempo justo para a limpeza. Obrigado a penetrar na casa para dormir, também lhe absorve o ar pestilento, tornando-se doente e fraco, dificultando cada vez mais o saneamento.
De igual modo teu coração é morada da alma, mormente do espírito! Se te preocupas constantemente com coisas externas, quan- do poderás limpar tua casa da vida, para que teu espírito progrida no clima puro de tua alma? Desta forma, é necessária a calma externa para o progresso da alma e do espírito.”
Diz Suetal: “Mathael alega ser a vida uma luta jamais vencida na calma agradável, portanto te contradiz. Quem está com a razão?”
Responde o anjo: “Ambos! Bem que a vida é luta, não apenas externa, mas sim, muito mais, interna! O homem mental tem de ser, finalmente, vencido pelo espírito, do contrário ambos sucumbem. Por este motivo deves pôr um freio à tua língua física, a fim de que repouse e a do pensamento de tua alma se ponha a falar, reconhecen- do quão imundo é o aspecto da casa de sua alma.
Não te preocupes com aparições externas e fúteis; pouca im- portância têm em sua razão verdadeira. Mas pela consideração do justo repouso reconhecerás a base verdadeira da vida íntima de alma e espírito, no que todas as criaturas deviam se empenhar.
Que te adianta saber e sentir que vives, se ignoras que esta sensação perdura? De que te servem os conhecimentos e ciências se não conheces a razão da tua vida?!
Se desejas descobrir o teu íntimo, tens de dirigir teus sentidos para ali, assim como fazes com teus olhos quando tencionas algo en- xergar. Como quererás ver a aurora se diriges teu olhar para o ocaso?! Não compreendes que, conquanto sejas rabi, és cego qual embrião, relativamente à tua própria esfera vital?!”
Responde Suetal: “Sim, sim! É isto mesmo. Eis por que cala- remos qual estátuas.”
62.FILOSOFIADE RISA
Todos se calam nessa mesa, enquanto os trinta fariseus e levi- tas começam a brigar por lhes ter seu orador imposto também o si- lêncio. Mormente reage um tal Risa, de pais abastados, pois Hebram
lembra-lhe ser preferível meditar sobre as sábias palavras de Mathael que perder suas energias com relatos referentes à sua futura herança.
Atrevidamente, responde Risa: “Os pobres na maior parte são religiosos por saberem não ser possível se esperar algo do mundo. Os ricos e grandes também se tornam, às vezes, beatos e sábios, a fim de poderem reconduzir os pobres, reacionários, à meiguice e paciência.
O rico vai à sinagoga e ora à vista do que nada tem, para fazê-
-lo crer que tal atitude traz a Bênção Divina; o outro também o faz por este motivo e, além disto, para que o rico lhe dê um óbolo. Que diferença há entre eles? Nenhuma, pois ambos procuram se enganar. A mim ninguém engana, nem mesmo um homem milagroso, que sabe perfeitamente por que e diante de quem está agindo.
Tudo no mundo é mistificação e o mais esperto é sempre considerado. Feliz, porém, somente é quem desde pequeno pode se fiar em suas posses e, além do mais, é bem astucioso. Eis minha filosofia salutar. Quanto à vida eterna após a morte, peço-te que me deixes em paz! Os sepulcros bem demonstram a verdade; o que vem da terra, para lá volta e o resto é pura imaginação de ignorantes!”
Como se sabe, Hebram se irrita com tais observações, tanto que diz: “Quer dizer que consideras Moysés e os outros profetas apenas trapaceiros, imaginários ou reais, da Humanidade, e o atual Salvador de Nazareth não merece outra classificação?!”
Diz Risa: “Não são maldosos, mas bem intencionados, pois sempre entenderam enganar os cegos. No que diz respeito ao Sal- vador, por certo é conhecedor das forças ocultas através do estudo; portanto, as aplica e nós, como não iniciados, ficamos boquiabertos.
Sua doutrina é boa, e se todos a possuíssem e seguissem, tor- nar-se-iam felizes. Mas quem poderá transmiti-la a todos os povos, e nesse caso, quais não seriam as dificuldades que tal empreendi- mento traria?! Em tudo a criatura é mais acessível, salvo em assuntos religiosos.
O homem simples, desprovido de maior inteligência, não se deixará convencer da estultice de seu atraso. O outro pensará: Para que algo de novo, de cujo efeito não se tem ideia? — Eis por que tais
inovações devem ser mantidas ocultas, pois quando posse comum perdem seu valor e se tornam ridículas.
Deste modo, julgo que o bom Mestre de Nazareth em pou- co tempo será esquecido, mormente se ensinar seus conhecimentos ocultistas às massas, como assistimos pelo jovem.
Se os discípulos conseguem tais coisas inéditas, o que so- brará ao Mestre? Se silenciarem poderão, ao menos, organizar um instituto rendoso, desde que faça amigos entre os potentados; esses gostam de sustentar tais institutos, pois que os feitos milagrosos são apropriados a conter o povo por promessas grandiosas no além-tú- mulo, que significam: ou prêmio, ou castigo eternos.
Não sou profeta, contudo afirmo que o Templo com suas traficâncias descabidas não conseguirá se manter por mais um sécu- lo, não obstante toda pretensa cautela. E uma doutrina nova terá de se basear no velho misticismo e estendê-lo mais e mais para tornar-
-se bem convincente. Isto, porém, de nada adianta, porquanto as criaturas com o tempo serão esclarecidas quanto aos fenômenos da Natureza. Eis minha opinião, que não pretendo impor.”
63.HEBRAMDEMONSTRAOENGANODE RISA
Diz Hebram: “Amigo, explanações deste teor já muito ouvi; acontece, todavia, que aqui se trata de alguém mais importante que um mago da Pérsia ou do Egito. Relembra apenas as palavras de Ma- thael e os feitos e ensinamentos do grande Mestre, e compreenderás que estás enganado.
Tenho alguma experiência no campo da magia; contudo, aquilo que presenciamos e ouvimos indica origem muito mais ele- vada do que imaginamos. És injusto, portanto, ao classificares esses milagres de simples fraudes, e ofendes até Moysés e os profetas. Foi ele o maior personagem diante de Deus e dos homens. Aqui, porém, está em forma humana Aquele que levou Moysés a ocultar-se diante do Seu Semblante. Por isto, é extremamente tolo de tua parte falar Dele como Se fora teu semelhante.
Conta os hóspedes que se alimentam aqui, três vezes ao dia, dos melhores peixes, sem espinhas, de pão, vinho, frutas, mel, leite, queijo e manteiga. Considera, todavia, ser o hospedeiro antes pobre que rico. Verifica sua despensa e vê-la-ás abarrotada! Se indagares de Marcus o porquê, ele responderá: É tudo milagre do grande Salva- dor de Nazareth!
Assim sendo, como podes afirmar que tais fatos sejam em- bustes engendrados pelos potentados a fim de enganar os ignoran- tes? Afirmo-te, positivamente: aqui acontece além daquilo que o intelecto dos sábios jamais conceberá, isto é, a ação da Onipotência Divina, da Qual já temos prova de sobejo. Embora teu pretenso ra- ciocínio não o compreenda, o fato é real. Vai e convence-te!”
Diz Risa: “Bem, sendo assim, retiro minhas negativas quanto ao valor divino de Moysés e dos outros profetas. Uma coisa é certa: não existe religião — mesmo de origem divina — que se tenha man- tido por alguns séculos. Enquanto Moysés ouvia os Mandamentos de Jehovah, o povo dançava em redor dum bezerro de ouro; essas Leis, porém, mudaram de aspecto quando o Rei Saul tomou o lugar dos juízes; mais ainda quando no regímen de David e, finalmente, no de Salomon e seus descendentes.
O cunho divino foi apagado e reposto por estatutos huma- nos, conservando-se apenas aquilo que salvaguardava a posição dos templários. Os Mandamentos não impressionam quem quer que seja e ninguém pensa andar em vestimenta de contrição. O adultério entre os ricos representa bom negócio, pois terão de se livrar do ape- drejamento com somas vultosas; dá-se-lhes para beber uma suposta água maldita, que não os afeta, e podem assim recair no mesmo erro. O adultério dos templários é ocultado, enquanto o do pobre tem seu castigo mortal.
Sabemos da ação poderosa da Onipotência Divina quando transmitiu Seus Mandamentos à Humanidade sob raios e trovões. De quão diversas maneiras foi o povo advertido pelos profetas! Que efeito apresentam hoje? Não necessito elucidar-te a respeito. Se to- das as Revelações Divinas trazem apenas os frutos que deparamos
entre os fariseus, pergunto a alguém de mente sã: não é admissível que se negue toda e qualquer Providência Divina?
O que me dizes do Grande Salvador é justo e verdadeiro, e possivelmente sua doutrina terá o maior êxito de todos os tempos; apenas quereria ser testemunha de sua transformação daqui a meio século, e isto, na hipótese de que seu cumprimento dependa do livre arbítrio do homem! Que me dizes?”
64.AORDEMDIVINAEARAZÃO HUMANA
Diz Hebram: “Julgando do ponto de vista humano, tens razão; pela compreensão espiritual estás errado, pois os Planos de Deus são diversos dos nossos. Se tivéssemos, nós, colocado as es- trelas no Firmamento, com certeza teríamos aplicado maior har- monia. Ele, todavia, sendo o Onipotente, usou de toda mutabili- dade. Por quê?
Vê a flora: que variabilidade de ervas e arbustos! Tudo que vês apresenta antes desordem que simetria; entretanto, o Criador provou, mormente na forma humana, ser entendido em simetria. Para tal contraste deve existir razão bem profunda.
A mente humana, porém, sempre encontrará algo que tenta a crítica. Eis que o Próprio Mestre nos ensina: Cada qual no seu ofício, pois como Único Criador sabe melhor quais as necessidades espirituais para os povos diversos em épocas várias.
Assim sendo, permite Ele que, com o tempo, uma doutrina feneça como as flores do campo; a semente, contudo, que surgir da flor qual verdade pura e viva, continuará vicejante. Se reconhecemos que Deus deixa perecer tudo, embora de aspecto agradável, dedican- do toda atenção ao desenvolvimento da vida interna — não é de se estranhar a mesma contingência para com as Revelações.
A doutrina mais pura não nos poderá alcançar sem a palavra pronunciada; esta, porém, é material e terá de desaparecer quando o espírito se tiver desenvolvido. Do mesmo modo, a pompa externa duma religião se torna com o tempo nociva; em compensação, surge
no fundo a força pura e espiritual e a verdade da Revelação Divina; não é isto, amigo Ribar?”
Diz este: “Irmão Hebram, tu me tonteias! Por Jehovah, trans- formaste com tuas sábias palavras todo o meu modo de pensar, pelo que te agradeço sinceramente. As coisas são tais como me explicaste e, quanto mais medito, mais nítidas se tornam.”
65.OSENHORDÁENSINAMENTOSPARA PRINCIPIANTES
Nisto Eu Me volto e digo a Hebram: “Então, já fizeste gran- de progresso na Sabedoria, como os demais; adeptos deste quilate dão prazer e poderão se tornar, em breve, bons trabalhadores na Vinha do Senhor! Contudo, chamo a atenção para o seguinte:
Sois semelhantes às florzinhas primaveris, que nessa época erguem suas corolas de modo maravilhoso e rápido para fora da ter- ra. Sua existência depende do bom tempo, pois se após alguns dias quentes ressurgirem as geadas, tais flores prematuras deixam pender as pétalas, murchando completamente.
Afirmo-vos: muitas vezes a criatura assimila uma verdade; quando, no entanto, surgem-lhe nuvens densas na alma como pre- núncio de trovoada, o coração se turva e a visão não mais reconhece aquilo que há pouco percebia tão nítido.
Guardai bem o que ouvistes, e erguei vossas cabeças ornadas da sabedoria sobre o solo de vossa mente externa somente depois de terem passado as geadas das provações; só então vosso saber não mais poderá ser perturbado.
Tudo requer tempo para se consolidar; assim acontece tam- bém com a ciência humana: numa boa oportunidade muita coisa se assimila e aprende, mas é esquecido em virtude de outros aconteci- mentos. Assimilai, assim, o que ouvis, mais com vossa alma que com o cérebro, a fim de guardá-lo.
Pela contemplação duma flor sentis certa alegria, pela beleza de sua forma; que vos adianta esta alegria, forçosamente tão fugaz como a flor? A energia da flor tem de ser depositada no fundo daquele in-
vólucro, onde é cuidada a semente viva; assim deve também murchar vossa alegria externa, para que sua força desça ao fundo da alma onde é cultivada a vida eterna do espírito. Então surgirá alegria duradoura, com base em sua verdadeira beleza interna, inatingível pelas geadas.”
66.RAPHAELANOTAOS ENSINAMENTOS
Diz Cirenius: “Sim, Senhor e Mestre de eternidades! Agora não mais tenho dúvidas nesse quesito. Apenas seria desejável que alguém tivesse anotado esses ensinamentos, palavra por palavra.”
Digo Eu: “Raphael poderá fazê-lo; manda vir o material ne- cessário.” Em poucos instantes os lacaios trazem rolos de papiro e chapas de cobre para gravação. Então Raphael indaga de Cirenius o que prefere: o pergaminho ou as chapas.
Responde este: “Em pergaminho seria de mais fácil manu- seio; em cobre, de maior duração para a posteridade. Todavia, pode- rei mandar fazer uma cópia nas chapas.”
Diz Raphael: “Queres saber de uma coisa? Já que o traba- lho é o mesmo, ou simples ou dobrado, fá-lo-ei, a um só tempo, em ambos.”
Os doze judeus na mesa ao lado arregalam os olhos para ver como o anjo iria escrever com ambas as mãos. Suetal até se vira para Ribar: “Estou curioso por ver esta dupla escrita! O grande Mestre de Nazareth deve ser um colosso; mas, até que este discípulo termine tal tarefa, o Sol se terá despedido.”
Diz Ribar: “Depende de sua ligeireza. Será, talvez, munido duma vantagem mágica, igual às outras. Por isto, não convém du- vidar antecipadamente dum fato com pessoas que já nos provaram tantas coisas.”
Diz Suetal: “Tens razão; eu apenas estava conversando.”
Responde o outro: “Amigo, é melhor calar e ouvir! Vê, o jo- vem apronta os papiros e as chapas. Atenção!”
Suetal se levanta e observa os gestos de Raphael. Qual, po- rém, não é sua estupefação ao ver que tudo já se acha anotado?! Por
isto exclama: “Que me dizeis? Aguardamos que a tarefa seja feita... e tudo já está pronto! Isto é demais!” A esta exclamação os doze tam- bém se levantam, convencendo-se do milagre.
Percebendo o assombro, Raphael diz: “Eis o efeito dos oito peixes, pelos quais estavas um pouco invejoso! É preciso que se acu- mulem forças para tal serviço, não achas?”
Responde Suetal: “Estás gracejando, mas não importa. Vejo que possuis um elevado grau de Onipotência Divina, dado pelo grande Mestre de Nazareth. Assim, faze com que o conheça- mos em breve. Nosso coração não mais se acalma: queremos vê-lo e falar-lhe!”
Diz o anjo: “Acalmai-vos até que eu tenha organizado as es- critas; depois veremos onde Se acha o Grande Mestre para os cegos e surdos!” Pacientemente os outros esperam que Raphael entregue seu trabalho a Cirenius, que, admirado, observa sua exatidão.
67.IMPACIÊNCIAECURIOSIDADEDESUETALPORVERO SENHOR
Enquanto Cirenius analisa com prazer os rolos, expressando profundo respeito, digo a Raphael que chame Yarah e Josoé à mesa. O anjo em seguida dirige-se ao grupo dos doze, e Suetal é o primeiro a falar: “Caro jovem, que há entre esta menina e o grego, alvo de sua paixão?! Já pensava que fosses apontar o Mestre dos mestres — e trazes esta menina! Que desilusão! Explica-me, que fizemos para não merecer sua presença?”
“Meus amigos”, diz Raphael, “se sois tão cegos que não ve- des nem o Sol ao meio-dia, nada posso fazer. Quando se é tão tolo não adianta afirmar: É este ou aquele!, pois não o acreditaria em virtude de a fé necessitar dum raciocínio despertado, que, em caso de necessidade, orienta-se por si mesmo. Quando o raciocínio ain- da se acha encoberto pela matéria grosseira, não adianta apontar um fato, mas sim bater com o nariz dez vezes contra a parede, a fim de refletir sobre o porquê! O mesmo acontece convosco: não
haverá um deus que vos eduque enquanto não aprenderdes pela experiência própria.
Como tencionais agir com o grande Mestre? Desejais que ele vos auxilie ou sois levados por mera curiosidade, como os tolos observam boquiabertos um urso a dançar? Na verdade, o grande Sal- vador aí não está para Se deixar fitar por pessoas tolas e pretensiosas! Se vosso coração não O achar neste grupo, muito menos o fará vosso pretenso intelecto — isto vos garanto!
Humilhai-vos primeiro, do contrário não descobrireis o San- to Mestre, cujo Ser até fisicamente é pleno do Espírito Divino! Ele é Senhor de Céus e Terra, e à menção de Seu Nome todos deverão se ajoelhar, pois Seu Nome é Santo, Santo!” Após estas palavras severas o anjo se levanta e toma lugar em nossa mesa, onde Cirenius lhe agradece novamente em Meu Nome pelo grande serviço prestado com as cópias.
68.SUETALERIBAREM PALESTRA
Como o sermão de Raphael não agradasse aos doze, come- çam a conjecturar um meio de se evadirem secretamente para Jeru- salém. “Pois”, diz Suetal, “nada de condenável encetamos contra o Templo. Não temos culpa da violência que nos foi aplicada; outros- sim, nossos sentimentos íntimos não podem ser descobertos, de sor- te que o sinédrio terá de nos aceitar. Os maiorais até nos receberão com respeito, quando souberem das peripécias por que passamos. Talvez sejamos novamente enviados ao estrangeiro, mas desta vez saberemos como agir.
Nesta estranha assembleia de prestidigitadores não exis- te possibilidade dum convívio! A toda hora se fala de amor; mas, quando algo se indaga acerca do Salvador, é-se tratado pelo jovem com rudeza. Que experimente repetir a preleção sobre humildade, meiguice e amor! Responder-lhe-ei de tal forma que se arrependerá!
Quem quiser levar o outro à humildade terá de ser humilde. Vede este jovem milagroso: que temos a ver com sua habilidade se
não sabemos imitá-lo? É preciso que se torne ríspido? Minha ob- servação referente à menina não foi ofensiva, entretanto o jovem se aborreceu e ainda nos virou as costas para evitar uma contenda! Tal proceder é de loucos, por isto não desejo permanecer aqui! Que me dizes, Ribar? Tenho razão?”
Diz este: “Penso que devemos ficar. Não fomos admoestados por um homem, mas pelo jovem — por certo em virtude de tua ma- neira imodesta de querer ver o Salvador. Minha opinião é a seguinte: o jovem está proibido pelo Mestre de denunciá-lo antes do tempo. Eu, porém, prefiro esperar por tal oportunidade!
Não resta dúvida ser esta assembleia estranha: ora se tem im- pressão do convívio divinal, ora tudo tem aspecto humano! Não se cogita de jejum, tampouco de oração. Mas aquilo que se fala é profundo! Achamo-nos entre pessoas quase que escolhidas por Deus para fazerem a junção entre Céu e Terra, e finalmente proporcionar às criaturas um campo mais vasto para o desenvolvimento espiritual, com as forças materiais necessárias para este fim. Eis por que não me posso aborrecer com a rispidez do jovem, pois tal chamada leva mais rápido à compreensão do que cem ensinamentos modestos.” Indaga Suetal, pensativo: “Como?” — Diz o outro: “Ouve!”
69.RIBARPRESSENTEAPRESENÇADO SENHOR
(Ribar): “O jovem não nos classificou, sem razão, de surdos, cegos e tolos, e o burro que postou ao nosso lado confirmava isto! Tenho a impressão nítida de que aquele grego simpático é o grande Messias! Observei-o bastante: todos lhe dirigem olhos, ouvidos e co- ração! O poderoso Cirenius, sempre tão altivo, adora-o verdadeira- mente! Além do mais, seus ensinamentos foram anotados de manei- ra milagrosa. Se considerares todos esses pontos, verás que o jovem nos julgou acertadamente! Qual é tua opinião e a dos outros?”
Responde Suetal: “Está se fazendo uma pequena luz em mim; contudo, examinarei mais de perto a atitude do grego.” Daí em diante Suetal não tira os olhos de Mim e dos que Me rodeiam.
Depois de algum tempo diz a Ribar: “Amigo, poderás ter razão, pois todos os semblantes denunciam ser ele a figura principal, e o próprio Vice-rei a nada se atreve sem o seu consentimento. Já o teria perce- bido caso ele não se tivesse declarado apenas como amigo do grande Mestre, pois não era de se supor que um homem tão compenetrado do Espírito Divino se ocultasse diante de nós, judeus inofensivos!”
Diz Ribar: “Não concordo. Dizendo-se o melhor amigo do Mestre, não externou uma inverdade, sabendo-se que cada qual se conhece mais a fundo; ele, portanto, é seu próprio e melhor amigo! Ademais, terá seus motivos em não se querer revelar; mais tarde sa- bê-lo-emos. Repare só o sábio Mathael, como se comove cada vez que olha para o grego!
Além de tudo, o grande amor que lhe dedica aquela inteli- gente menina é mais uma confirmação do que digo. E não haveria mulher que não se sentisse atraída pela expressão celeste de nosso jo- vem fazedor de milagres! Entretanto, a pequena nem lhe dá atenção; tributa-a com todo fervor ao grego, isenta de sentimentos carnais!”
Diz Suetal: “Estou começando a perceber fatores que posi- tivam tua observação. O jovem, por exemplo, por várias vezes foi mandado pelo Mestre a fazer isto ou aquilo; nunca, porém, o vi andar, surgindo ora aqui ora acolá! Neste caso só poderá ser um mensageiro, e nunca um senhor!”
Diz Ribar: “Também já percebi algo extraordinário quando no almoço: não mastigava os peixes, apenas levava-os à boca — e eles sumiam! O mesmo se dava com vinho e pão! Comecei a obser- var seus pés embaixo da mesa: eram normais e de forma tão linda como nunca os vi nu’a moça, muito menos num rapaz! Um anjo não poderia ter pés mais magníficos! E se aquilo que Mathael falou do Mestre é verdade, seu discípulo pode ser um anjo!”
Diz Suetal: “Sim, é possível; apenas a expressão de ‘discípulo mais jovem’ me intriga, pois um anjo não o pode ser diante das criaturas, considerando-se sua idade incomensurável. Que achas?”
Diz o outro: “Talvez o Mestre assim o denominasse para apontá-lo como o mais recente em vestes humanas!”
Teima Suetal: “Tal hipótese seria arriscada, em virtude do que diz Moysés.”
Insiste o outro: “Como assim? Pois se um anjo foi, durante sete anos, guia de Tobias, por que não poderia este se conservar por algum tempo sobre a Terra, igualmente Obra de Deus?”
Diz Suetal: “Sendo ele um anjo, seu Mestre deve ser, espi- ritualmente, Senhor de todos os Céus. Neste caso resta saber que devemos e podemos fazer?”
Responde Ribar: “Ora, a Divindade tem livre ação, e os mortais não Lhe podem impor limites. Entretanto, Ela nos procura como Benfeitor Magnânimo a fim de nos educar pelo amor, tão veementemente pregado por Henoch. Assim, só podemos compre- endê-la pelo amor, jamais pelo intelecto e o raciocínio assaz presun- çoso. Percebo-o cada vez mais nítido: o grego nos procurou ama- velmente, perguntando se queríamos travar conhecimento com o Mestre. Esquivamo-nos com razões fúteis, pois o jovem nos provara nossa tolice.
Até então calculávamos de acordo com o intelecto, sem con- seguirmos vislumbrar além; e o pouco que ora enxergamos devemos ao jovem que nos fez aquela advertência mais forte, pois perdera a paciência conosco. Assim nos foi tirada a venda dos olhos de nossa alma, despertando-nos simpatia pelo grego e julgo ser melhor se- guirmos apenas o que o coração manda. A razão só foi dada ao ho- mem como instrumento, tal como a colher serve para remexer as pa- nelas. Uma vez que o alimento esteja cozido, não mais é necessária.”
Diz Suetal, admirado: “Vejo tua grande atração pelo grego, da qual também compartilho. Apenas não concordo com a aboli-
ção do raciocínio, pois sem ele nos assemelharíamos aos animais, que seguem somente o instinto. Julgo necessário purificarmos nossa razão, proporcionando-nos pelos justos sentimentos uma bênção verdadeira.
Os sentimentos humanos são idênticos a um pólipo, pronto a estender os braços na satisfação de sua voracidade. Contudo, não tem inteligência. Unicamente a razão bem formada e purificada or- ganiza os sentimentos, tornando o homem uma criatura verdadei- ra.” — Os outros concordam e Suetal conclui: “Acaso terás algo a contrapor?”
71.RAZÃOE SENTIMENTO
Responde Ribar: “Amigo, haveria muita coisa a dizer; mas, como és herói intelectual, sempre saberias contestá-la. A educação humana é tal qual a explicaste e deve ser predecessora necessária à mais elevada, ou seja, a espiritual. Jamais, porém, será a educação do intelecto o último grau, embora muito refinada.
Se a razão nos foi dada como regulador primitivo de nossos sentimentos, a fim de sublimá-los, deve haver correlação entre estes e um fruto amadurecido, que necessita para tanto de luz e calor so- lares, como também da chuva germinativa. Quando sazonado, deve ser colhido e guardado na despensa para se tornar mais saboroso. Se o deixares no pé, nada lucrarás, pois apodrecerá.
O mesmo acontece com os sentimentos da criatura: uma vez que alcancem certo grau de maturação, devem ser livres do cuidado da razão externa e levados à sublimação, a fim de não tornar inútil seu amadurecimento. Por este motivo afirmei que nos deveríamos despojar da razão externa, entregando-nos aos sentimentos ama- durecidos!”
Responde Suetal: “Irmão, deves estar recebendo o influxo di- vino, pois desconheço em ti tal linguagem! Nada mais tenho a dizer e sinto que estás dentro da verdade, a qual também ajudará o meu progresso!”
Os outros companheiros confirmam suas palavras. Nisto vol- ta Raphael, toca os dois amigos no ombro e diz: “Assim me agradais bem mais do que em vossas conjecturas intelectuais, tanto que vos asseguro estardes no caminho certo!”
Ribar se levanta e abraça Raphael com todo fervor, dizendo comovido: “Criatura adorável, por que não me foi possível amar-te desde o princípio?!”
Diz Raphael: “Amigo, esta qualidade de amor é melhor que nenhuma; todavia, não se adapta à esfera da alma e sua vida íntima. Teu amor se prende à minha forma, o que nunca deveria acontecer, pois deste modo o interior se exterioriza, tornando-se uma estampa do inferno. A Ordem Divina se inverte: o espírito, ou o amor da alma, descobre-se, provocando seu atrofiamento. Fato semelhante se dá quando o feto é expelido bruscamente, pois é perdido. Minha figura não te deve seduzir, mas sim as palavras que pronuncio. Es- tas perdurarão, libertando e tornando feliz tua alma; minha forma externa e temporária te sirva como prova da beleza da verdade em uníssono com o amor! Compreendes?”
Responde Ribar, soltando o anjo de seu amplexo: “Como não? Diante de tua figura, porém, a razão se torna um peso!”
Vira-se Suetal para Raphael: “Eis um velho defeito de meu amigo: não suporta a presença da beleza, masculina ou feminina, sem se apaixonar. Para mim isto não importa. Prefiro, é claro, um físico atraente, mas sem jamais me ter perdido. Por este motivo, as mulheres nunca foram por mim importunadas!”
Diz Raphael: “Não existe mérito nisto, pois se baseia em tua natureza! Que vantagem leva um cego por não ser tentado pela beleza? Ao surdo não constitui virtude não ouvir as mentiras do mundo. Criaturas como tu são mais difíceis de despertar, pois algu- mas existem cuja sensibilidade se revela logo no início da evolução espiritual, e outras há que nem no fim da mesma.
No teu amigo Ribar já existe algo de espiritual, embora não purificado, em seu físico, motivo por que se sente atraído pela bele- za ou perfeição, porquanto se baseia no espírito. Assim, tal atração
externa por algo sedutor já é um conhecimento silencioso, contudo de reciprocidade espiritual. Apenas deve, quanto antes, ser entregue a uma boa orientação, pela qual será reconduzida à verdadeira base da vida. Tal tarefa não é tão difícil, porquanto o espírito que se manifesta pelo amor é o próprio ser inteligente do homem, com- preendendo e acionando aquilo que corresponde à sua natureza e equilíbrio.”
72.RAZÃODADIVERSIDADEDE TALENTOS
(Raphael): “Em absoluto constitui pecado a pessoa se apegar a algo atraente, mas poderá chegar a este ponto — isto é, tornar-se uma falha na ordem da vida — caso permaneça neste pendor sem a devida orientação, pois será difícil isolar e reconduzir a alma à boa ordem.
Eis por que o Senhor permite até flagelos dolorosos, pelos quais a criatura consegue, com o tempo, abandonar as coisas ex- ternas, aproveitando a inclinação artística ordenadamente e, deste modo, vivificando-a.
Existe grande diferença entre criaturas semelhantes a ti e a Ribar: o que levarás anos a conquistar, ele poderá conseguir em poucos dias, sim, em poucas horas mesmo, sendo bem conduzido e apresentando boa vontade. Compreendes?”
Responde Suetal, amuado: “Sim, contudo não percebo o motivo que leva o Criador a dotar uma pessoa de fácil assimilação, enquanto outra nasce obtusa qual pedaço de pau!”
Diz Raphael: “Amigo, com indagações de tal ordem levare- mos tempo para chegar a uma conclusão. Teu espírito se acha preso à carne, enquanto o de Ribar já traspassou a pele, o que torna fácil se lhe falar. Do mesmo modo poderias indagar a razão de ter feito Deus tantas pedras, ao invés dum solo apenas macio e fertilizante; o porquê da água que impede o cultivo de hortas e vinhas, dos cardos e abrolhos incapazes de produzir um só fruto. Digo-te: tudo isto é sumamente necessário, pois uma coisa não poderia existir sem a
outra. Esclarecer-te as sábias razões levaria milênios, ao passo que um espírito mais despertado e amadurecido compreendê-lo-á em poucos instantes, caso lhe desperte interesse. Como, porém, tal es- pírito tem problemas mais elevados a resolver, com gosto relega tais pesquisas a critério do Senhor de Eternidade.”
Teima Suetal: “Logo, não me cabe culpa de ser menos inte- ligente que Ribar, o qual, a meu ver, está longe de ter assimilado a Sabedoria Celeste, não obstante seu espírito lúcido!”
Raphael prossegue: “Criaturas como tu necessitam de inte- lecto mais aguçado, que facilite à sua alma obtusa um caminho para o espírito. Este caminho é, naturalmente, espinhoso e mais longo
pois apenas é alcançado pela justa aplicação dos sentidos exter- nos — que aquele indicado aos espíritos de amor, possuidores, em e diante de si, dum elemento de vida sintonizada.
Que esforço não necessitarás para conquistar o amor! Ribar, porém, já é todo amor, e basta equilibrá-lo e conduzi-lo para que se aperfeiçoe. Tu precisarás para tal fim de teu intelecto infecundo, compreendes?”
Diz Suetal: “Assim sendo, Deus é injusto e partidário!”
Responde o anjo: “Sim, partindo do ponto de vista racio- nal; mas por que, ao construíres uma casa, empregas no alicerce as pedras mais pesadas e duras? Que mal te fizeram para que ajas assim, pois ainda deitas sobre elas todo peso da construção? Não te inspi- raram piedade? Acaso não te compadeces das raízes da árvore por ficarem enterradas no solo mofado da Terra, enquanto seus galhos se estendem soberbamente no éter e na luz reconfortante?
Não será isto tudo uma série de injustiças, já nas cama- das mais ínfimas da Natureza? Como poderia um Deus Sábio, como Criador, permanecer insensível diante de tanta compreen- são humana?
Do mesmo modo teus pés poderiam apresentar queixas com referência às mãos, dizendo: Somos tão bem carne e sangue como vós, porém condenados a carregar vosso peso, enquanto vos é dada a livre movimentação! Outras partes do corpo, igualmente, po-
deriam levantar sua voz contra a cabeça; quem não compreenderia o absurdo de tais reclamações?
O Senhor dotou as criaturas de faculdades diversas, maio- res ou menores; a ninguém, todavia, é vedado o acesso ao Templo da Perfeição, todos têm seu caminho e não podem se lastimar: Senhor, por que não me deste os talentos dos quais meu próxi- mo desfruta tão fartamente?, pois o Pai responderia: Se Eu tivesse dotado todas as criaturas de modo perfeito, jamais necessitariam do auxílio mútuo, e neste caso, como despertar e ativar o amor ao próximo que vivifica?
Que seria o homem sem este sentimento, e como poderia, sem ele, encontrar o amor puro por Deus, sem o qual não é possível se pensar na vida eterna da alma?! A fim de que possa alguém servir a outrem, conquistando deste modo seu amor, deve ele ser capaz de realizar algo de que o outro careça; assim um se torna necessidade do outro, despertando nessa reciprocidade o amor e fortalecendo-se cada vez mais pelo bem aplicado. No poder do amor ao próximo consiste sempre a revelação íntima do Amor Puro e Divino, em Si a Vida Eterna.
Se ora afirmas que, de certo modo, nada te leva à manifes- tação de amor, nem a beleza externa nem tampouco uma ação reta
desejaria saber qual o terceiro meio de conseguir o homem des- pertar tal sentimento em seu coração e como fortificá-lo até alcançar o poder da revelação do Amor Divino!?
Enquanto não se manifestar em palavra e ação, as condições duma vida eterna após a morte serão bem precárias! Em suma: se persistirem dúvidas em teu coração quanto à sobrevivência da alma, é porque ainda não se revelou a existência do espírito dentro de ti, e a criatura tende sempre a duvidar daquilo que não possui, mesmo se o deseja. Se um dia achares a vida eterna de tua alma pela revelação do Amor Divino — como quem acha um centavo perdido — tam- bém não mais haverá dúvidas sobre a posse real dentro de ti!
Este estado só se alcança pelo amor ao próximo. Eis por que Ribar se encontra mais perto do verdadeiro destino da vida que
tu, pois tens iluminado teu cérebro com a luz natural do mundo, enquanto teu coração perambula sem fogo e luz, qual caça selvagem, nos emaranhados trevosos das florestas brejais da Europa!
Assim te aconselho: reflete sobre minhas palavras, para não te perderes nas trevas com todo teu intelecto, pois este acabará por ser o fruto de ouro carcomido pelos vermes, em tua árvore da vida, muito antes de seu amadurecimento. Os vermes representam as dú- vidas que destruirão finalmente teu cérebro, e teu fruto vital apodre- cerá, servindo de alimento aos abutres! Compreendeste?”
73.OHOMEMMENTALPROCURAO AMOR
Diz Suetal: “Como não? No entanto, quase prefiro não te ter compreendido! Como posso me obrigar ao amor, se por natureza me falta essa capacidade? Conheço apenas a manifestação do intelecto naquilo que vejo; o amor é-me inteiramente estranho! Explica-me o que se passa na criatura como indício de amor? Deve existir uma prova evidente na vida do homem, do contrário de nada lhe valeria este sentimento. Poderá possuí-lo em plenitude sem saber que tal sentimento seja amor!”
Diz Raphael: “Não te lembras de tua infância e o que sentias pelos pais, que muito te amaram e cumularam de carinhos?”
Responde Suetal: “Recordo-me, embora vagamente, de cer- tos fatos emocionantes que me enchiam os olhos de lágrimas. Teria sido, tal sentimento infantil, amor?”
Diz Raphael: “Claro, e quem não o possui carece de tudo que pertence à vida; tal criatura é apenas um maquinismo de seu intelecto iluminado pela luz material, desconhecendo a vida de sua própria alma! Por isto devem, pessoas como tu, fazer despertar o amor infantil no coração, do contrário é impossível conduzir um intelectual ao Reino interno do espírito.
De que te adianta a assimilação do raciocínio, se ignoras a formação e individualização de tua própria vida?! Que vantagem teria um jardineiro pela contemplação do crescimento pujante de
plantas raras em jardins estranhos, enquanto deixa que o seu pró- prio seja invadido pelo matagal?! Necessário é organizar os canteiros de seu jardim, limpá-los do mato, estrumá-los e lançar-lhes boas sementes, para que possa ter, em época propícia, alegria justa no desenvolvimento das plantas! — Agora basta, pois o Grande Mestre entrará em ação e devemos dirigir-Lhe coração e juízo!”
Diz Ribar: “Antes disto, dize-nos se não convém externar-lhe nosso reconhecimento por tudo que Sua grande Bondade nos pro- porcionou, tanto física quanto espiritualmente!”
Responde Raphael: “Ele vê somente o íntimo da criatura: estando este em boa ordem tudo estará bem. Quando vos achar bastante amadurecidos, chamar-vos-á, determinando vossa ati- tude futura.
Agora trata-se de dedicar-Lhe toda atenção, pois quando re- aliza alguma coisa não é apenas para determinada zona, país ou até mesmo este planeta, mas para todo o Infinito! Compreendei-o bem: Cada palavra que Sua Boca profere — movimentada pelo Espírito Eterno de Deus — e toda ação consequente são de infinita repercus- são! Necessito deixar-vos e sujeitar-me à Vontade do Grande Mes- tre!” O anjo volta para junto de Josoé, que tinha vários assuntos a discutir, pois as controvérsias havidas deixaram-no um tanto pertur- bado e Raphael tem o que fazer para ajustar seu discípulo.
74.OSENHORANUNCIAUMECLIPSE SOLAR
Eis que digo: “Amigos, nossa refeição material e espiritual durou cerca de quatro horas. Levantemo-nos, pois, a fim de obser- var o mar que talvez apresente algo digno de nossa atenção! Dentro de meia hora, assistireis a um eclipse total do Sol; ninguém se deve inquietar, pois é fato natural!
A Lua, numa distância de noventa e oito mil horas, passará diante do Sol impedindo que sua luz recaia sobre a Terra. O eclipse durará apenas alguns instantes, o suficiente para que vejais a conste- lação sideral do inverno, e depois reaparecerá o Sol sobre os bordos
da Lua. Digo-vos isto para que não sintais medo, demonstrando-vos a naturalidade de tais fenômenos.
Ao mesmo tempo descobriremos três navios de carga, que deverão alcançar a praia antes do dito eclipse; do contrário, a su- perstição nefasta obrigará os marujos a fazer jogar ao mar um grego honesto, em companhia de sua filha de beleza e virtudes raras. Via- jam para Jerusalém, com o objetivo de ver o Templo e se inteirarem da religião judaica e levam para tanto enorme riqueza, que cairia nas mãos dos gregos criminosos.
Não há tempo a perder, pois os astros seguem ininterrupta- mente sua trajetória dentro da lei; se esta marcha fosse impedida, a Terra levaria grande prejuízo por um milênio. Se os três navios, porém, forem trazidos à praia numa rapidez milagrosa, ninguém será prejudicado: muitos pobres desta zona até lucrarão, material e espiritualmente. Mãos à obra!”
Todos correm à praia, organizando uma fila enorme com ajuda de Raphael, pois que tentam ficar bem juntos de Mim, que já sou requisitado por Ebahl, Yarah, Raphael e Josoé. Finalmente resol- vo embarcar com Cirenius no navio de Marcus, que o faz navegar, ora para cima, ora para baixo, à frente dos que Me acompanham. Eis que a Lua se aproxima rápida do Sol. Chamo, então, Raphael e lhe digo: “Sabes o que te cabe, portanto age!”
Diz ele, considerando os hóspedes: “Senhor, de uma só vez ou pouco a pouco?”
Respondo: “Dentro de doze instantes, de um só golpe!” Os navios, entretanto, acham-se tão longe que mal podem ser vistos, e em linha reta a distância é de quatro horas.
75.RAPHAELSALVAOS GREGOS
Tanto Cirenius quanto Marcus se esforçam por descobrir os navios — e nada! Outros, de melhor visão, localizam-nos quais mos- quitos, dizendo: “Senhor, favorecidos por bons ventos, esses navios levarão duas horas para aqui chegar.”
Digo Eu: “Não vos preocupeis, meu capitão sabe trabalhar!”
Indagam os trinta fariseus: “Onde estaria, a quem fosse pos- sível tal coisa?”
Respondo: “Conheceis o jovem mentor do filho adotivo de Cire- nius: é ele!” Insistem eles, amedrontados: “Onde está sua embarcação?”
Diz Raphael: “Não necessito dela!” — e desaparece! Todos se assustam, crentes de ter o jovem pulado n’água, a fim de nadar em direção aos navios. Havia muitos que ignoravam ser Raphael um anjo. Tomavam-no pelo mentor de Josoé, pois se dedicava mais àquele, enquanto o é de Yarah.
Mas os indagadores se refazem do susto; os três barcos se aproximam da praia, Raphael está a bordo do que traz pai e filha, atemorizados pela viagem rápida a estas plagas e pela presença do jo- vem capitão. Os próprios marujos param estatelados com os remos na mão. Após alguns instantes de assombro, o grego se dirige com devoção a Raphael: “Quem és, ser supremo? Quem te mandou nos trazer aqui e qual a razão?”
Responde o anjo: “Não indagues, mas sim observa o Sol, que perderá por momentos o seu brilho. Se vos encontrásseis em alto mar, a superstição dos navegantes vos teria atirado às ondas, a fim de dividirem vossos tesouros. Prevendo tal fato, nosso Mestre Divino mandou que eu vos salvasse. Embora salvos, esperam-vos aconteci- mentos desagradáveis que me levam a permanecer a bordo durante a reação dos marujos.”
O grego e sua filha observam com pavor que do Sol apenas resta estreita faixa; por isto ele se levanta e atira u’a maldição contra o “dragão” horrendo que procura devorar o astro. Era isto hábito religioso de alguns pagãos da Ásia Menor, que procuravam, deste modo, forçar o dragão a expelir o Sol. O velho, no entanto, ainda não terminara as imprecações quando o astro é completamente obs- curecido pela Lua.
No mesmo instante se ouve uma gritaria selvagem entre tripu- lação e os soldados romanos à beira da praia. Os marinheiros, quase loucos de pavor, atiram-se sobre o grego, sua filha e Raphael, tentando
jogá-los ao mar, pois lhes atribuem a culpa do eclipse. O anjo, com todo a calma, põe um a um dos rebeldes à margem e o mais irritado é lançado às ondas, tendo dificuldade para alcançar a praia a nado.
76.CONSEQUÊNCIADO ECLIPSE
Neste permeio o Sol surge por trás da Lua, dando novo âni- mo aos presentes. Apenas Cirenius e Julius permaneceram calmos, a Meu lado, durante o fenômeno, apreciando a constelação do inver- no. Meus próprios discípulos se inquietaram, e Yarah e Josoé pularam dentro de Meu bote, tremendo de pavor pela gritaria dos rebeldes.
Pouco a pouco a iluminação volta ao normal, a tripulação re- torna às embarcações e pede desculpas ao jovem e ao grego por tê-los agredido. O grego, então, diz: “A pessoa sempre deve agir de acordo com sua crença; a vossa tem de ser iluminada para compreenderdes que os deuses, em absoluto, exigem vítimas de nossas mãos, pois dispõem de meios incontáveis para tal fim.”
A esta explicação os marujos prometem agir mais compreen- sivelmente no futuro. Em seguida indagam se o grego continuará a viagem. Ele responde: “Não vedes o jovem poderoso em nosso meio? Salvou-me de vossa ira supersticiosa e também a vida de minha filha. Com isto tornou-se meu senhor, obedecendo-lhe eu integralmente: sem sua ordem não me afastarei nem em dez anos!
Além disto, algo me diz que achei, neste lugarejo simples, mais que em toda Jerusalém. Assim, apenas indagarei do hospedei- ro sobre minha permanência, fazendo, neste caso, desembarcar os meus tesouros e vos incumbindo da tarefa.”
Durante esta palestra subi no navio do grego, em companhia de Cirenius, Julius, Yarah, Josoé e Marcus, que diz: “Amigo, vês que um hospedeiro honesto sempre está com a casa cheia; todavia, ainda há espaço, caso queiras ficar.”
Responde o grego, amável: “Bom homem, necessito apenas duma área de trinta passos de comprimento e dez de largura, que servirá para levantar meus três acampamentos; alimentos e bebidas
trago-os comigo, possuindo também ouro e prata de sobra, caso se esgotem. Qual o preço que exiges pelo aluguel da área?”
Diz o velho Marcus: “Sei que vós, gregos, sempre apreciais uma conta exata, o que não é usual entre os romanos e judeus de boa índole. Ficarás o tempo que quiseres e se exige de ti apenas ver- dadeira e sincera amizade. Se, além disto, pretendes fazer algo em benefício de um pobre, tens liberdade para tal. Por isso, faze desem- barcar tuas bagagens e fica à vontade, não só na parte desejada, mas na minha quinta de boas proporções. — Estás satisfeito?”
Responde o grego: “Encabulas-me e mal me atrevo a fazer uso de tua benevolência, pela incerteza de ta poder retribuir.”
Diz Marcus: “Tua amizade me valerá mais que todos os te- souros enumerados e dos quais não necessito, pois tenho outros maiores, isto é, de qualidade espiritual.”
Indaga o outro: “Neste caso estás de posse daquilo que eu e minha filha procuramos debalde por todos os cantos da Terra?”
Responde Marcus: “Aqui, neste local, encontrarás o que nem a Terra, nem os astros, nenhum templo e nenhum oráculo te poderão facultar.” Incontinenti o grego ordena aos quatorze empre- gados porem mãos à obra.
77.DEUSESE HOMENS
Nisto digo Eu ao grego: “Ouve, amigo! Bem que tens servos diligentes e ativos; entretanto, levarão tempo imenso para organi- zar tua bagagem. Vê, este jovem é um dos Meus múltiplos servos e fará, num instante, mais que os teus em cem anos. Assim, deixa-os descansar que ele fará tudo conforme teu hábito. Se quiseres, da- rei a ordem.”
Diz o grego: “Ficarei mui grato caso tal for possível, pois meu pessoal está exausto da viagem.”
Digo Eu a Raphael: “Mostra o que pode um espírito puro, num instante.” Raphael se curva diante de Mim, dizendo: “Senhor, ordenaste, e já tudo está feito!”
Viro-Me para o grego: “Bem, amigo, investiga se está tudo a teu gosto.”
Ele se levanta, bota as mãos na cabeça e exclama: “Mas..., que é isto? O moço nem nos deixou e minhas tendas já se acham levan- tadas, tudo parece estar arrumado! Não! Isto não é possível! Tenho que ver de perto!” Acompanhado por nós e pela filha, constata que tudo está de acordo com sua vontade.
Atordoado, diz ele, após algum tempo: “Devo me encontrar, ou entre magos do Egito, ou entre deuses! Nunca assistiu alguém a tal coisa! E tu, amigo (virando-se para Mim), pareces ser o mestre ou Zeus entre os demais?! Não foste gerado pela carne, e sim pelo espírito, desde toda Eternidade! Ó deuses, que poder deveis possuir a fim de realizar tais coisas, e quão miserável é o homem, verme cego no pó?! Podeis tudo — e nós, nada! Amigo, que és um deus e sobre tudo mandas, que posso eu, mortal, fazer ou dar-te, pois diriges a Terra e os astros?!”
Digo Eu: “Possuis bastante conhecimento natural e julgas o milagre ocorrido com tirocínio acertado. Não deves, porém, julgar o homem abaixo de teu critério referente aos deuses. Digo-te: todos eles, que pretendes conhecer e até veneras, nada são perto duma criatura compenetrada do Espírito Divino.
Vê, a maioria das pessoas aqui presentes são tão poderosas quanto este jovem; no entanto, são carne e osso! Podes apalpar-Me e verificarás que também assim sou, fisicamente; mas este corpo é repleto do Espírito Divino, Onipotente, a cuja Vontade todos se dobram.
Deste modo, agimos apenas pela força do Espírito de Deus, que se acha em nós, pensa e atua como Sua Sabedoria que tudo vê e sente, julga bom e útil. Estas qualidades Me são afins no mais eleva- do grau; eis por que sou Mestre. Posso, todavia, capacitar para tanto todos os de boa vontade.
Jamais esta faculdade poderá ser conferida à pessoa de má índole; pois necessário é ser iniciada completamente na Santa Or- dem do Espírito Divino antes que se receba a Onipotência do Espí-
rito de Deus, o que se dá quando a alma da criatura pura é por Ele compenetrada. A alma, então, apenas deseja o que é da Vontade de Deus e esta Vontade tem de ser realizada, por ser Ele a Eterna Força Primitiva e o Poder de todo o Universo!
Tudo que existe, vive e pensa no Espaço é o Pensamento Imutável deste Espírito Eterno, na Ordem por Ele Mesmo fixada, em sua parte espiritual e subsequente Ideia, que por sua natureza também é capaz de se transpor no espírito livre. Eis uma definição sintética das coisas! És bom pensador e hás de assimilá-lo em breve; agora, basta! Dar-te-ei para companheiro um tal Mathael, homem de profundo saber; muita coisa aprenderás em seu convívio e te es- clarecerá quanto à Minha Pessoa.”
Satisfeito, o grego aguarda a apresentação de Mathael, ad- mirando-se profundamente da Minha Sabedoria. Convoco, pois, o visionário e digo: “Olha, Meu amigo, eis uma casa um pouco avaria- da; és exímio carpinteiro e saberás de que necessita.”
Diz Mathael: “Senhor, com Tua Ajuda ela se tornará boa e sólida.”
78.MATHAELSETORNAPROFESSORDE OURAN
Após este preâmbulo, o grego, chamado Ouran, começa a meditar, a fim de poder entrar num intercâmbio espiritual com Mathael, que demonstrara em poucas palavras ser dotado de gran- de cultura. Passado algum tempo ele lhe indaga se tem vontade de acompanhá-lo em suas viagens a terras longínquas e qual o pre- ço a pagar.
Diz Mathael, apontando-Me: “Eis um Salvador de corpo, alma e espírito! Há nem bem doze horas, eu ainda era o ser mais miserável desta Terra: minhas vísceras estavam de tal modo possuí- das de maus elementos que toda minha natureza se tornara diabó- lica. Numa horda de salteadores me portei feito monstro, pois meu físico tinha de obedecer, enquanto a alma permanecia estarrecida, ignorando o que se passava com o corpo. Quem teria sido capaz de
me ajudar, sendo eu o pavor de todos que de mim se aproximavam?! Apenas uma coorte de guerreiros destemidos conseguiu dominar-
-me, assim como a outros. Amarrados quais tigres, fomos aqui trans- portados para o julgamento final.
Aí vês o Grande Mestre, vindo dos Céus, para nos curar, diabos personificados, pela palavra e ação. Por esta cura nada nos pediu, mas sim cumulou-nos de benefícios extraordinários, física e espiritualmente!
Agora, pela primeira vez por Ele convocado para Lhe servir, indagas do preço! Amigo, antes de não ter eu pago minha dívida para com Ele, impossível é exigir-te algo; sirvo ao Mestre e não a ti! Continuarei sendo, por eternidades, Seu maior devedor, e ape- nas meus préstimos poderão diminuir meu grande débito. Por isto, jamais me ficarás devendo algo — a não ser tua amizade fraternal. Recebi-o de graça e dá-lo-ei da mesma forma!”
Diz Ouran: “Amigo, és o homem mais nobre que jamais vi! Por isso deves para sempre ser o sábio guia meu e de minha filha. Não mais perguntarei pelo custo monetário; todavia, aceitarás que junto a nós nada te falte como amigo e irmão?”
Responde Mathael: “Resta saber se irás aceitar de mim algo, tudo ou, quem sabe, talvez nada! Aquilo que tenho para dar não tem sabor agradável — como já tive provas — tal como vinho adocica- do com mel, tão do gosto dos gregos; ao contrário é, muitas vezes, amargo como fel e suco de aloés. Por isto, veremos primeiro como se fará a troca de nossas dádivas!”
Intervenho: “Quereis saber de uma coisa? Como ainda have- rá uma hora de Sol e até a noite será agradável, daremos um passeio ao monte de Marcus, a fim de que nos conheçamos mais de perto. Tuas barracas farás vigiar, pois delas terás necessidade apenas depois de meia-noite.”
Diz Ouran: “Estão guardadas ali grandes preciosidades..., mas presumo ser nosso amigo honesto.”
Obtempero: “Quando há pouco te encontravas em iminente perigo, a ponto de perderes vida e bens — quem te salvou?”
Ele reflete e diz: “Sim, grande Mestre, tens razão e reco- nheço a grande tolice que não mais repetirei. Estou pronto para te seguir!”
79.HELENA,FILHADOSÁBIO GREGO
Nisto se aproxima de Mim, com acanhamento, Helena, filha de Ouran, e pede: “Senhor, inatingível Mestre e Salvador! Não to- mes a mal a atitude de meu velho pai, pois afianço-te ser ele bom, benigno e condescendente, sem nunca ter feito uso de seus direitos, no que, por certo, não agiu bem. Jamais discutiu ou se queixou con- tra injustiça recebida. Eis por que os deuses o protegeram e a deusa Fortuna sempre lhe foi dedicada. Por isto, não aceites o zelo por ele externado como algo que pudesse ofender tua soberania! Se, todavia, minha suposição for errada, aceita minha vida como resgate pelo pai, que amo sobre tudo!”
Digo Eu aos que Me rodeiam: “Já vistes algum dia tal prova de amor filial? Em verdade, é apenas pagã, mas causa vergonha a toda Israel, que recebeu por Moysés o Mandamento de Deus de honrar e amar pai e mãe!”
Respondem todos: “Não, Senhor e Mestre! Nunca se viu tal exemplo!”
Digo Eu a Helena: “Não te amedrontes, Minha filha, pois conheço teu pai há muito tempo, e se assim não fosse, ambos esta- ríeis sepultados no fundo do mar!”
Diz ela: “Mas como tal coisa é possível, se te conhecemos apenas há uma hora?”
Respondo: “Oh, Helena, vê o mar e a Terra, por certo já bem velhos; no entanto, Eu existia antes disto tudo!”
Exclama ela, assustada: “Serás, por acaso, o próprio Zeus?”
Digo Eu: “Minha pombinha, não atemorizes teu coração com coisas banais. Não sou Zeus, porque nunca existiu! Mas sou a Verdade e a Vida, e os que creem em Mim não verão nem sentirão a morte, por eternidades! Sabes, agora, Quem sou?”
Diz ela: “Se fores apenas a verdade fria e sua vida pura, como sucede que neste momento começo a sentir um grande amor para contigo?”
Respondo: “Coração! Isto te será revelado no monte! Va- mos, antes que o Sol se vá!” Dentro em pouco alcançamos sua pe- quena elevação e Cirenius observa a paisagem deslumbrante, que diz poder fitar durante horas sem se cansar. Apenas é de lastimar que o dia esteja findando.
Aproxima-se Simon Judá e diz: “Senhor, hoje poderias dizer ao Sol como Josué: ‘Para!’, a fim de que teus filhos pudessem gozar esta maravilha e louvar Aquele que a criou!”
Diz Cirenius: “Oh, Simon! Velho e fiel pescador e discípulo do grande Mestre! Eis uma ideia boa, pois tal milagre seria muito mais fácil ao Senhor que a Josué!” — Junta-se Yarah para sustentar tal pedido.
80.OSOL ARTIFICIAL
Eu, porém, obsto: “Sois ainda crianças inexperientes, pedin- do algo que não pode suceder, pois o Sol não se movimenta diante da Terra! Possui ele uma órbita imensa, mas que não diz respeito a este planeta, tal como um grão de poeira em vosso paletó não influi em vossos movimentos.
Dia e noite se formam pela rotação rápida da Terra em torno de seu eixo. Já vos esclareci ser esta uma bola que, pela movimenta- ção, mostra suas diversas faces ao Sol. Eis por que em certos lugares é manhã; num outro, meio-dia; num terceiro, noite e num quarto, meia-noite, simultaneamente. Esses quatro estados mudam com muita precisão e frequência, de sorte que, em vinte e quatro horas, em todos os pontos da Terra se dão a manhã, o meio-dia, a noite e meia-noite. Esta ordem não pode ser alterada, sob risco duma com- pleta destruição de tudo que na Terra existe.
Se Eu fosse, realmente, forçar o Sol a irradiar sua luz pelo espaço de mais uma hora, teria que parar a rotação da Terra de modo
tão brusco, que alguns instantes representariam, para sua órbita, a distância daqui a Jerusalém. Isto provocaria um choque tão forte na Terra, em tudo que não fosse sólido, que não só atiraria todos os seres vivos, as casas e edifícios numa tremenda violência em direção do Oeste, como também jogaria mares sobre montanhas!
Por este motivo natural, não posso ceder ao vosso pedido; poderei, todavia, apresentar-vos um Sol artificial, como na época de Josué. Tal Sol desaparecerá em poucas horas, por ser apenas uma Fata Morgana (miragem). Prestai atenção; quando o verdadeiro de- saparecer, o artificial surgirá a Leste, permanecendo no horizonte durante duas horas.
Para este fim não serão empregados meios extraterrenos, mas sim da própria Natureza, conquanto ativados e constatados por for- ças excepcionais, provindas das esferas celestes, através de Minha Vontade. Tereis compreendido?”
Responde Cirenius: “Estou compreendendo perfeitamente, pois ainda possuo a maravilhosa laranja de Ostracina; lembras-Te, Senhor? Entretanto, duvido que os outros o tenham entendido.”
Digo Eu: “Não importa; o que não é assimilado agora, sê-lo-
-á mais tarde, pois disto não depende a salvação das almas. Criaturas conhecedoras da Terra são levadas a pesquisá-la em todos os pontos, o que as faz projetar a alma para o exterior e as torna materialistas e interesseiras. Eis por que é preferível menor conhecimento sobre a Natureza do globo e maior noção de si próprio.
Quem conhece seu íntimo a fundo em breve alcançará maio- res noções, materiais e espirituais, não só da Terra como de todos os corpos cósmicos no Espaço Infinito, sendo o conhecimento es- piritual precisamente o de máxima importância. A noção, apenas externa, referente ao planeta não pode aplainar à alma o caminho da Eternidade. — Agora, atenção! O Sol desaparecerá no ocaso, dando lugar ao artificial!”
Todos dirigem o olhar para o astro natural, que já havia su- mido em parte, atrás das montanhas. Quando desaparece comple- tamente, surge o outro Sol, com luz idêntica até às zonas próximas. Não alcança as estrelas, de sorte que alguns hóspedes vislumbram a Leste, em semiobscuridade, vários astros de primeira categoria, o que desperta grande admiração.
Nisto se aproxima Ouran com sua filha e diz, com voz trê- mula de veneração: “Se tudo que me rodeia e eu mesmo não somos ilusão, és o Deus dos deuses, dos espíritos, das criaturas e animais
enfim, de tudo que existe! Até parecem Te render obediência os elementos e os astros!
Se Tu, embora homem igual a mim, consegues tais coisas apenas pela Palavra e Vontade Poderosas — pergunto a todos os cientistas o que Te falta para a personificação dum deus perfeito?! Eu, Ouran, pequeno soberano das zonas do Pontus, reconheço-Te como Deus. Mesmo se viessem Zeus e Apollo para contestá-lo, pro- var-lhes-ia sua tolice. Vem cá, filha, vem e vê o Deus dos deuses — vê o que jamais foi dado a um mortal fitar!
Nosso povo e outros mais construíram um templo sagrado ao deus desconhecido, que nunca é aberto. Denominava-se tal deus o ‘destino jamais revelado’, diante do qual até o grande Zeus treme como o arbusto na tempestade. E este deus temido está diante de nós, e acaba de impor a Apollo a ordem de fazer parar o carro do Sol, em virtude do pedido daquele romano respeitoso, que certamente é rei de alguma província feliz.
Vê, filha, Apollo não se move até receber ordem secreta do deus desconhecido, que apenas se revela aos servos do Templo de Jerusalém — o que pode muito bem ser uma inverdade, pois não reconhecendo Este como o Único, Verdadeiro, estão redondamente equivocados!”
Diz a simpática Helena: “Por certo são informados a Seu res- peito em quadros alegóricos; entretanto, duvido que tomem este
homem milagroso por Aquilo que realmente é. Somente não perce- bo por que meu coração cada vez mais se sente repleto dum amor verdadeiro e puro, pois todos nós devemos apenas temer, adorar um deus e lhe ofertar sacrifícios.
Sabes com que severidade nosso sacerdote, que servia a Apollo, proibiu-me de amar a um deus. Tal amor seria sacrilégio e, quando muito elevado, poderia atraí-lo, despertando o ciúme das deusas num desafio ao destino cruel duma Europa, Dido, Daphne, Eurydice e Proserpina.
Levada por seu conselho, consegui um estado de espírito tal que a possível aparição dum deus encantador não me teria apavora- do menos que a cabeça horrenda duma Medusa, Gorgo ou Megera. Nestas condições não mais era admissível falar dum amor para com um deus; entretanto, confesso-te que, não obstante minha luta ín- tima, amo cada vez mais a este! Sim, por amor Dele seria capaz de sofrer a pior morte se, por tal sacrifício, me concedesse apenas um olhar amável! Ó Céus! Como é atraente, embora tão sério! Os deuses fizeram mal em nos proibir de amá-los!”
Diz Ouran: “Sim, minha filha! Eles sabem o que podem fa- cultar aos mortais! Devemos nos purificar nesta vida até não mais haver u’a mácula em nossa alma, quando formos julgados pelos três juízes implacáveis: Minos, Éako e Radamanto. Quando estes nos de- clararem puros diante de todos os deuses, ser-nos-á permitido no eterno elísio, como felicidade máxima, amar aos deuses, ao menos secretamente. Enquanto encarnados deves cuidar de não te apaixona- res pelo mais elevado deus! Isto seria a maior das desgraças! Se sentires tal paixão, será chegado o momento de abandonarmos este lugar.”
Responde ela: “De nada me adiantaria, pois já O tenho em meu coração! Observa, porém, aquela menina delicada: parece tam- bém amá-Lo, entretanto nada de mal lhe sucede.”
Diz o pai: “Quem sabe não é uma deusa? Terias de temê-la, e não a Ele!”
Diz Helena, com lágrimas nos olhos: “Sim, poderás ter ra- zão! Mas quão infelizes somos nós criaturas! Não existe coisa mais
triste que um coração que não deve amar! Se meus olhos me aborre- cem, posso cegá-los; se mãos ou pés me importunam, posso decepá-
-los! Mas que fazer com o coração quando começa a me aborrecer? Se sofro do estômago, Esculápio aconselha o suco de aloés — mas contra a dor no coração não dá remédios.
Agora me ocorre algo: este Deus também é Salvador, por- tanto ajudar-me-á se Lho pedir, pois fê-lo quando ainda não O co- nhecíamos. Certamente nos ajudará agora se Lhe pedirmos, prontos que estamos para qualquer sacrifício!”
Diz Ouran: “Eis uma boa ideia que talvez nos traga bons re- sultados. Como Ele nos recomendou o sábio Mathael para instrutor, só através deste conseguiremos alcançar o grande Deus. Mathael me parece um semideus, igual àquele jovem que suponho ser Mercúrio.”
Diz a filha: “Talvez; mas quem sabe já não morremos e bebemos do rio do esquecimento, encontrando-nos no elísio, e os deuses queiram que cheguemos a este conhecimento por nós pró- prios? Observa bem a maravilha desta zona; poderia ser o elísio mais deslumbrante?! Um Sol se vai, outro vem, e até as estrelas não faltam no Céu! Assim sendo, pai — meu amor não mais seria pecado.”
Diz Ouran: “Filha, tua observação pode ser certa, embora não queira assiná-la como tal. Mathael nos esclarecerá. Há bem pou- co esta paisagem nada tinha de maravilhosa, e quando este segundo Sol se for teremos o mesmo quadro. Mas recorramos a Mathael, que se acha em palestra com o velho rei, e o deus com um comandante romano. Fala tu, pois as mulheres têm mais jeito para tanto.”
Diz ela: “Espera um pouco, pois não sei bem como come- çar.” Concorda ele: “Tens razão, em tudo que se deseja encetar, de- ve-se usar de inteligência.”
82.ORIENTAÇÃODE MATHAEL
Após este diálogo, ambos se calam e Helena espera criar co- ragem para se dirigir a Mathael. Quanto mais tempo passa, maior é o receio, e tudo que fita a seu redor, os últimos acontecimentos e
Minha Presença não permitem que se faça paz em seu íntimo. Perce- bendo-o, Mathael se dirige a Ouran: “Amigo, estás triste e tua filha parece estar adoentada! Que se passa?”
Diz aquele, baixinho, a Helena: “Estás vendo?! Tem cuidado, fala pouco e devagar, para não te arrependeres dum possível passeio àquele local, vigiado por Cérbero e dominado por Pluton!”
Nisto Mathael bate no ombro do amedrontado Ouran: “Amigo, que há? Já não falas comigo?”
Diz ele tremendo: “Ah, que susto! Nada há!... Mas... minha filha e eu percebemos que estamos no verdadeiro Olympo, morada dos deuses. Tudo aqui se passa de modo sobrenatural: a santidade deste ambiente nos apavora, tanto mais quanto minha filha começa a sentir um amor intenso para com o grande Deus.
De acordo com nossas leis deíficas, é tal amor um crime contra a santidade dos deuses, mormente contra o Máximo. Minha pobre filha já não pode fugir a este sentimento que lhe impõe o co- ração. Eis por que tomei a resolução de pedir ao grande Deus para livrá-la deste conflito. Quererias ter a bondade de intervir junto a Ele no sentido de curá-la de seu mal?”
Pela primeira vez após sua cura Mathael ostenta um sorriso benevolente e diz: “És pagão perfeito: procuras no mundo inteiro a luz da verdade e, quando a encontras, não a reconheces, devido tua tolice! Lastimo tua pouca visão e espero melhorares em breve.
Aquilo que tua filha sente pelo nosso grande e santo Mestre é justamente o único e verdadeiro comprovante da própria centelha do espírito em sua alma. Quando esta centelha se tornar uma chama poderosa em seu peito, reconhecerá ela a nulidade de vosso politeís- mo e a Eterna e Única Divindade Daquele que lançou tal centelha em seu coração puro.
O amor é o único meio pelo qual Deus educa Suas criatu- ras para a Filiação Divina e, finalmente, as iguala às que já recebe- ram este batismo — e tu, pagão velho e cego, pedes libertação desta Graça que Deus Mesmo derrama, em Sua Misericórdia, em vossos corações, para despertar vossa vida interna?! Desiste de tua tolice e
torna-te apto para penetrar na vida eterna dentro de ti pela força dada por Deus, a fim de que possas reconhecer a ti e a Ele, volvendo à verdadeira e infinita bem-aventurança!”
83.ORIGEMESIGNIFICAÇÃOONOMÁSTICADOS DEUSES
(Mathael): “Digo-te em Nome do Senhor, que ora aqui Se acha, que teus deuses apenas constituem uma lista de nomes fúteis, e antigamente representavam as qualidades do Único e Verdadeiro Deus, cujo Espírito age em plenitude neste Mestre diante de vós.
‘Ceus’ é aquela denominação que, na época dos patriarcas, figurava diante duma Lei provinda do Espírito Divino na alma da criatura, significando: ‘O Pai assim o quer!’ Pelo Ce, ou também Ze , era representada a ideia da Vontade firme e imutável, e pelo us, ou melhor ainda, uoz ou uoza, a ideia do Pai Criador que tudo rege no Céu.
Assim, a definição ‘Júpiter’, ou Je u pitar , significava aquilo que os patriarcas ensinavam aos filhos como receptáculo correspon- dente ao Amor e à Sabedoria de Deus. A letra u, que representa a linha externa dum coração aberto, é a verdadeira taça da vida; pitquer dizer beber; pitaré um que bebe; pitara , uma taça sagrada, e pitza ou piutza, um copo comum.
Assim como Ceus ou Jeupitar para vós nada mais é que um nome vão, porquanto desconheceis o seu sentido, também, e ainda mais tolos e fúteis, são os restantes nomes de vossos deuses e deusas.
Por exemplo, representava Venuz ou Avrodite entre vós a deusa feminina. Embora também o fosse para os velhos patriarcas, sabiam eles muito bem que raramente u’a mulher bonita é inteligen- te, pois é vaidosa e se preocupa com sua beleza, não tendo tempo para a conquista de algum conhecimento. Por este motivo os pa- triarcas denominavam tal mulher de Venuz, ou Veniz, quer dizer: Nada sabe, ou nada conhece.
O mesmo se dá com o nome Avrodite. Quando se lia Ovro- dite, tal representava gerar a pura Sabedoria Divina; o Slourodit:
criar o saber humano; Avrodit, porém: projetar a tolice humana, e se aplicava a uma bonita mulher, mas enfeitada e geradora da tolice.
Pela letra V os patriarcas idealizavam o sinal dum receptá- culo. Se o O precedia o V, imitando a figura do Sol, correspondia a Deus em Sua Luz Primária; o V, então, tinha a finalidade de receber a Luz da Sabedoria, após o O. Estando um A, pelo qual os velhos classificavam a matéria pura, antesdo V, este receptáculo representa- va a absorção da tolice absoluta. Rodit quer dizer: gerar, e A V rodit: gerar a tolice. — Dize-me, estás começando a perceber a nulidade quanto à natureza dos deuses?”
As feições de pai e filha se alegram e Helena não mais se amedronta com seu amor por Mim. Ouran, então, diz a Mathael: “Amigo, teu saber é enorme! Aquilo que acabas de me dizer em pou- cas palavras, nem em cem anos as escolas do Egito, Grécia e Pérsia teriam produzido. Conseguiste exterminar em meu íntimo todos os deuses, com exceção do Grande, Desconhecido, o Qual, porém, achei aqui e espero conhecer melhor. Não há ouro que pague o que fizeste; recebe minha gratidão — o resto seguirá!” A este agradeci- mento também se junta Helena.
84.MATHAEL,DEMOLIDORDETEMPLOS PAGÃOS
A seguir Mathael se aproxima de Mim e indaga se agiu bem, ou se a explicação acerca dos deuses não fora talvez prematura.
Digo Eu: “Em absoluto; falaste dentro da verdade pura e apa- gaste do paganismo, em poucas palavras, muito mais que alguns sábios, em muitos anos. Quem quiser educar alguém compreensi- velmente terá, antes de mais nada, de afastar dele sua velha tolice. Só deste modo tornar-se-á um vazio, fácil de encher com toda sorte de Sabedoria do Alto. Isto acontecerá com esses dois.
Afirmo-te que ambos em breve alegrarão Meu Coração de modo mais intenso que dez mil judeus, convencidos de serem muito justos dentro da Lei de Moysés, enquanto, como criaturas, são mais estranhas ao Meu Coração que aquelas que nascerão daqui a mil
anos. Digo mais: Se algum dia pretenderes te casar, Helena deve ser a preferida! Longe de Mim, contudo, querer Eu te impor; seguirás a voz do coração.
Agora vai e sê amável; o velho, aliás culto, e sua filha duma beleza rara exigir-te-ão outras explicações referentes a nomes da antiguidade. Sábio que és, ser-te-á fácil responder acertadamente. Ao mesmo tempo tua palestra causará boa impressão aos romanos, iniciando-se assim o ruir de muitos templos pagãos. Embora com bastante esforço, realizar-se-ão em alguns decênios maiores efeitos entre o paganismo do que daqui a milênios.
Sempre será tarefa difícil propagar-se a luz durante a noite; porém, uma vez chegado o dia, dispensável se torna, porquanto o dia já a fornece. O velho te fará perguntas importantes, a que res- ponderás à altura. Vai em Meu Nome e desempenha bem teu papel. Todos nós prestaremos atenção e Eu farei com que os mais distantes também te ouçam!
Deixarei que o Sol artificial continue irradiando luz por mais algumas horas, pois isto atrairá o povo, em parte por curiosidade e em parte por medo deste fenômeno. Enquanto isto terás concluído tua tarefa. Após Eu ter apagado esse Sol, faremos um bom jantar aqui no alto, e em seu decorrer muita coisa será discutida. Sabes, portanto, o que fazer; o futuro apontará o resto.”
Mathael Me agradece por tal missão — intimamente tam- bém pela sugestão quanto à bonita moça, cuja beleza desde o início o havia deslumbrado. Os próprios romanos, inclusive Cirenius, não tiram os olhos da linda grega, pois seu físico parece formado do éter puríssimo, tendo quase maior atração que o Sol artificial. Assim, Mathael se vê obrigado a se dominar, sendo Eu o Único a perceber o que se passa em seu íntimo.
85.DIFERENÇA ENTRE A BELEZA DOS FILHOS DE DEUS EDO MUNDO
Mathael, então, de modo grave se aproxima de Ouran e sua filha, perguntando-lhes se haviam refletido acerca de suas palavras. Diz Helena, amavelmente: “Consta ser eu moça bonita, até já me denominaram de ‘segunda Vênus’; achas que tua explicação se aplica à minha pessoa?”
Tal pergunta deixa Mathael um tanto embaraçado, pois des- cobre ter ofendido o coração de Helena; rápido se controla, dizendo: “Querida irmã, o que te disse aplica-se apenas aos filhos do mundo; os filhos de Deus podem ser de aparência deslumbrante — enquan- to seu coração permanece humilde. A forma externa é somente o espelho de sua beleza espiritual, enquanto nos filhos do mundo é a caiação enganadora dos sepulcros, de esmerado aspecto mas, inte- riormente, cheios de podridão.
Tu, no entanto, procuras a Deus — por isso também és fi- lha Dele. Os outros procuram o mundo, sendo, portanto, filhos do mundo. Fogem de tudo que é divino, em busca apenas da honra e do prestígio mundanos.
Dizem-se felizes quando o mundo se lhes apresenta maravi- lhoso e belo; falando-se-lhes de coisas espirituais, eles nada enten- dem e, a fim de ocultar sua vergonha, cobrem-se de toda sorte de trapos, de orgulho e vaidade, perseguindo com ira, ódio e escárnio a sabedoria que Deus esparge nos corações de Seus filhos.
Eis a grande diferença entre a beleza dos filhos de Deus e do mundo. A primeira, como já disse, é a estampa da pureza de sua alma; a segunda, a caiação dos sepulcros, representada por Vênus. Isso, no entanto, não se aplica a ti, que procuras a Deus e até mesmo já O encontraste. Compreendes?”
Responde ela: “Sim, mas alegar que seja eu filha de Deus parece-me um tanto arriscado. Somos todos criaturas de um só Criador; entretanto, não se pode falar da infinita sublimidade dos verdadeiros filhos do Pai, uma vez que pela nossa natureza material
somos contaminados de fraquezas e imperfeições. Assim, penso que te excedeste um pouco.”
Diz Mathael: “Em absoluto, pois aquilo que te digo recebo-o do grande Uno, e o que Ele me ensinou é e será a Verdade Eterna! Se, porventura, tens uma pomba, deves cortar-lhe as asas, a fim de não voar e tornar-se mansa, pois ficará tolhida. Pensas ser ela menos ave neste estado? Suas asas não lhe crescerão com o tempo? Por cer- to; ela, todavia, já estará domesticada e permanecerá contigo. Mes- mo se vez por outra fizer um pequeno voo — basta a chamares para que volte e tu a acaricies.
Os filhos de Deus, nesta Terra, têm certas fraquezas que os impedem de se elevar ao Pai; Ele permitiu que assim fosse durante nossa permanência na carne, pelo mesmo motivo que te terá levado a cortar as asas de tua pomba.
Devemos, justamente, reconhecer o Pai em nossas fraquezas, tornando-nos meigos e humildes, pedindo-Lhe forças e conforto. Ele não nos deixará de atender em época oportuna. Os filhos de Deus não perdem esse privilégio ainda que possuidores de pequenas imperfeições, assim como a pomba continua a mesma, impedida, temporariamente, de alçar voo. Compreendes?”
86.DUASMANEIRASDEAMARAO SENHOR
Diz Helena: “Sim, embora um tanto confusa; espero que mi- nha compreensão se dilate com o tempo. Dize-me, amigo, como é possível que meu amor para com o Grande Uno aumente sempre, todavia meu coração está isento de dor; sei que tal sentimento não é vício, mas sim uma virtude imprescindível na criatura, para com Deus. No que se baseia isto?”
Diz Mathael: “Querida, isto é evidente, apesar de que, de acordo com vossa crença tola e politeísta, tal amor seria condenável. Reconheceste tal erro e a Vontade Divina na Sua Fonte, e sabes que teu amor é virtude necessária. Não é assim?”
Responde ela: “Oh, claro, mas sem tua explanação não me teria sido possível compreendê-lo.”
Diz Mathael: “Bem, então o crescimento justo do amor te ensinará o resto. Agora aprecia este dia maravilhoso que Deus nos prodigalizou pelo Amor, Sabedoria e Poder Infinitos; pois tão cedo as criaturas não verão semelhante!”
Intervém Ouran: “Falaste bem, amigo, tal prolongamen- to do dia é bem extraordinário. Houve pessoas que viram, não raro, um, dois e três sóis, antes do verdadeiro, nas regiões do Pontus, provocando uma antecipação do dia. Esta prorrogação, porém, é inédita. O mais singular são as estrelas no Oeste, não obstante ser este Sol não menos forte que o verdadeiro. Podes explicar-mo?”
Diz Mathael: “Amigo, já foi discutido este assunto; todavia, farei uma tentativa para te elucidar.”
87.AMOVIMENTAÇÃODOS ASTROS
(Mathael): “Vê, este Sol dista de nós, em linha reta, o tempo que um cavaleiro precisaria para ir daqui até lá, isto é, metade de um dia. O Sol verdadeiro dista tanto da Terra que, se fosse possível, um bom cavaleiro correria mil anos para lá chegar. Quão extensa é a irradiação do Sol natural que preenche o Espaço comparado aos fra- cos raios deste, fictício! Atingem o Oeste apenas debilmente, o que se nota pela mais intensa escuridão naquela zona. O fato de nunca vermos um astro de dia se prende à irradiação incandescente do éter que envolve a Terra. Se a luz solar não fosse tão intensa, veríamos ao menos as grandes estrelas. Entendes?”
Diz Ouran: “Mais ou menos, pois nunca compreendi a mu- dança incessante das estrelas durante as diversas estações. Além disto existem outras que não permanecem constantes em sua rota; ca- minham de uma para outra constelação. Assim também a Lua não parece seguir certa ordem; ora surge mais para o Norte, ora mais
para Sul. Como entendes melhor do que nós, peço-te que desvendes esses segredos siderais!”
Diz Mathael: “O momento não é oportuno para te dar uma explicação minuciosa; todavia, podes ouvir o seguinte: Não são os astros, nem a Lua e nem o Sol que surgem e desaparecem, e sim a Terra que se movimenta em mais ou menos vinte e cinco horas em torno de seu eixo, pois é uma grande esfera, conforme foi explicado pelo Senhor. Esta rotação provoca os fenômenos por ti mencionados.
Estrelas que vês como fixas distam tanto da Terra, que não percebemos seu tamanho e movimentação. Isto apenas será percep- tível em milênios; alguns séculos não farão diferença. As que mu- dam constantemente se acham mais próximas da Terra, são satélites do Sol, razão por que lhes observamos a translação. Eis o essencial; os pormenores te darei noutra ocasião. Estás satisfeito?”
Diz Ouran. “Sim, apenas já me tornei um tronco velho, que dificilmente se deixa envergar. Desde minha infância vivi dentro das concepções antigas, as quais me provaram, muitas vezes, aquilo que acreditava; agora tudo é diferente, é preciso me despojar do velho pensamento — e isto será difícil.
Deste modo, custando-me compreender a futilidade do anti- go e a verdade do novo, peço-te que tenhas paciência comigo. Pouco a pouco ainda serei um discípulo prestável.
Minha filha dar-te-á menos trabalho, pois possui fácil assi- milação. De minha parte sei que me transmitiste verdades absolutas; elas permanecem, no entanto, esparsas no interior do meu cérebro, como as pedras fundamentais para um futuro palácio. Por enquanto ainda não percebo como o construtor uni-las-á.”
88.MÉTODOSEDUCATIVOSNOANTIGO EGITO
Animado pela boa observação do velho, Mathael diz: “Caro amigo, ponderaste acertadamente; todavia, contraponho o seguinte: Nas antigas escolas do Egito prevalecia um método estranho para a educação dos filhos pertencentes à casta sacerdotal.
As crianças recém-nascidas eram levadas a cubículos subter- râneos, onde jamais penetrava a luz do dia. Eram bem cuidadas e só tinham a iluminação duma lâmpada de nafta, em cuja fabricação os egípcios eram mestres. Nesta reclusão a criatura ficava até aos vinte anos, recebendo ensinamentos quanto ao mundo exterior, sem nunca o ter visto.
Sua fantasia lhe ajudava a formar quadros, sem contudo poder fazer ideia das dimensões do Sol e dos astros, enfim, de tudo que se prende ao mundo material. Destarte adquiria apenas fragmentos da verdade, que não obstante o esforço intelectual, não podia assimilar.
Tais fragmentos não deixavam de ser pedras fundamentais para a construção dum grande palácio, cuja realização não era possível no subterrâneo. Se o adepto, a critério dos instrutores, havia alcança- do o necessário grau de educação, era informado de que, pela Graça Divina, deveria subir à superfície, onde aprenderia num momento mais que ali em muitas horas. É claro que o aluno se alegrava com tal perspectiva, embora tivesse que morrer antes disto, de modo singular: adormeceria profundamente enquanto conduzido à superfície.
Que alegria não deveria sentir o jovem quando, ao despertar, se achava pela primeira vez banhado pelos raios solares! Ele próprio, de veste alva debruada de listras azuis e vermelhas! Que admiração não lhe causariam as criaturas de ambos os sexos! Enfim — tudo lhe seria um prazer contínuo!
Este quadro, que poderás completar de acordo com tua fan- tasia, traduz aquilo que ora se passa contigo com relação às verdades aqui reveladas. O que ouves nos aposentos escuros, nos quais tua alma por ora se encontra, são apenas fragmentos e não algo comple- to; quando teu espírito for despertado pelo amor a Deus e, através deste, o amor ao próximo — vislumbrarás, pela luz do teu espírito, tudo em conexão, um mar imenso de luz cheio de verdades subli- mes, enquanto agora vês apenas algumas gotas.
Nossa primeira tarefa será a libertação do espírito dentro da alma, a fim de atraí-la à luz do mesmo; isto alcançado, não mais co- lheremos as gotinhas, pois lidaremos com o mar imenso de Luz da
máxima Sabedoria de Deus. Então, não mais hás de querer saber das relações siderais, pois tudo te será tão claro como o Sol ao meio-dia, tendo chegado o momento de frequentarmos outra escola, da qual não tens ideia. Isto te agrada?”
89.PONDERAÇÕESDEHELENAQUANTOÀSAPIÊNCIA HUMANA
Diz Ouran: “Muito bem, e se assim não fosse não o sabe- rias. Por certo, também foste educado no inferno de tua carne, nele morrendo em seguida psiquicamente, e ora te achas no palácio da luz de teu espírito, deleitando-te em seus jardins elísios. As gotinhas de antanho se tornaram um oceano, enquanto eu nada disto posso alegar. Compreendo o sentido de tuas palavras; a relação completa entre elas só se fará quando minh’alma tiver deixado as catacumbas escuras da carne e for conduzida ao palácio iluminado do espírito, em cujo solo amadurecem frutos ambrosíacos na luz e no calor do Eterno Sol da Vida.
Tenho um doce pressentimento de que tal se dará; mas..., o quando não se deixa fixar, pois nem temos uma prova, dentro de nós, pela qual soubéssemos, mesmo alguns dias antes, da libertação da alma de suas catacumbas. Que poderá fazer a criatura? Nada, a não ser se entregar com toda paciência à Vontade daquele Guia Po- deroso que te despertou a alma sem antes demonstrá-lo à tua razão. Agora teria vontade de ouvir as reflexões de minha filha e como lhe pareceu teu quadro.”
Diz ela: “Oh, muito bem, e se os egípcios mantiveram tais institutos, provaram ser inteligentes, o que patenteiam em suas obras colossais. Apenas é de lastimar que não estendessem tal ensino ao povo, pois não posso imaginar, como plano do grande Criador, que a maior parte da Humanidade permanecesse inculta, conquanto existem, realmente, para um sábio mais de dez mil ignorantes.
Neste nosso grupo de quatrocentas pessoas talvez não haja nem uma oitava parte erudita, pois os soldados romanos e a criada-
gem do Prefeito não podem ser contados como discípulos. Daqui até a cidade próxima vê-se u’a multidão que fita estatelada o sol arti- ficial, sem que haja um entendido — embora alguns se digam como tais, pois não sabem que a presunção é pior que reconhecer, com humildade, a própria ignorância. Que dirão deste fenômeno e quem lhes responderá às diversas perguntas? Ignorantes e tolos saíram de seus lares, e para lá voltarão pior que dantes. Será isto preciso?
Os aqui presentes, conquanto não iniciados, sabem ao me- nos ser este sol fictício, criado pela Onipotência do Grande Mes- tre. Entendem tanto quanto eu; mas quando Ele apagar essa luz ninguém cogitará de saber Quem o fez! Os outros, entretanto, que nada sabem, serão tomados de pavor, julgando que os deuses estão irados e castigarão a Terra! Por isso seria aconselhável informar-lhes a respeito, não achas?”
90.OMOMENTOPROPÍCIOPARAOENSINO POPULAR
Diz Mathael: “Querida, isto seria inoportuno, pois no mo- mento de máxima agitação, tal empreendimento representaria para a esfera psíquica o mesmo que despejar água em óleo quente: tudo se incendiaria. Dentro em pouco a maior parte estará apta para ex- plicações mais concisas.
Os sacerdotes judaicos serão os mais afetados pelo fenôme- no, pois tomam tudo pelo lado material. Do sentido espiritual nada pressentem, tanto mais quanto não conseguem entender a inter- pretação alegórica usada por Moysés e outros profetas. Daniel, por exemplo, fala do horror de devastação, do obscurecimento do Sol e outros fatores horrendos que apenas tinham sentido espiritual.
Eis o motivo pelo qual os sacerdotes são tomados de pavor diante deste acontecimento. Se dentro de uma hora este sol desa- parecer como por encanto, seu medo será maior, pois que a Lua também não será vista, por já ter feito seu trajeto. Terão a mesma ideia que um bêbedo, julgando que as estrelas cairão por terra e o Dia do Juízo Final terá chegado. Observarás como o povo começará
a gritar quando se fizer a escuridão, mas não importa: tornar-se-á mais dócil, humilde e acessível à Verdade Pura. Amanhã todos virão para ver se o mar se transformou em sangue, e nessa ocasião poder-
-se-á falar-lhes. Este é um dos motivos por que o Senhor originou este fenômeno, pois esta cidade é uma das piores. Tudo que Ele faz tem sentido variado; só o que os homens fazem sem Ele não é de utilidade.”
91.PENSAMENTOSDEOURANNAPRESENÇADO SENHOR
Após estas palavras, vira-se Ouran para Mathael: “Confes- so-te, amigo, que o medo se apodera de mim só com a ideia do re- pentino apagar deste sol, pois reconheço a fraqueza total da criatura diante da Onipotência Daquele que, embora Se encontre em nosso meio, é sumamente Santo para que Dele nos aproximemos. É um pensamento estranho que nos toca o fundo d’alma: Ele é tudo em tudo, e nós — nada diante Dele!
É-nos, todavia, um consolo ser o Puríssimo Amor e aplicar por isto às pobres criaturas a máxima paciência, condescendência e misericórdia. Mas..., é Deus eternamente Imutável, e todo o Uni- verso depende de Sua Vontade. Bastaria um sopro de Sua Boca para tudo destruir, tal como a leve brisa faz cair a gota de orvalho pen- dente da folhinha duma erva.
Refletindo calmamente não se pode fugir do seguinte pensa- mento: existe algo em Sua Presença Visível que se poderia chamar a máxima sublimidade; doutro lado, tem-se o ensejo de permanecer longe Dele.
Desta forma, sinto uma vontade incontida de falar-Lhe, mas não há coragem para tanto em virtude de Seu Espírito Supremo, embora externamente dê a impressão dum homem simples e despre- tensioso. A nobreza de Seus Traços revela que todos os elementos Lhe são subordinados e Seus Olhos emitem irradiações luminosas. Estas ponderações nos tiram até o ânimo para gracejar, e agradecemos-Lhe que assim seja, pois sem Ele nossa situação seria bem precária.”
Diz Mathael: “Tens razão: eu teria sido enforcado pelos esbirros e tu terias perecido durante o eclipse. Agora silêncio, pois presumo que o sol se vá!” Todos se calam, olhando em dire- ção do astro.
92.EFEITODODESAPARECIMENTODOSOL FICTÍCIO
Poucos instantes antes do apagar previno a todos, em voz alta: “Preparai-vos, e tu, Marcus, acende lâmpadas e tochas para evi- tar que as trevas venham magoar a visão!”
Marcus e os servos acendem toda sorte de lâmpadas, en- quanto Cirenius e Julius mandam que os soldados façam fogo em gravetos. Eis que digo: “Apaga, luz fictícia do ar, e vós, espíritos, repousai!” No mesmo instante a escuridão se faz, e da cidade ouve-se um forte alarido.
Embora vejam os diversos fogos no monte, ninguém se ani- ma a dar um passo, pois os judeus tomam-lhes por astros caídos do Céu. Os pagãos opinam que Pluton haja roubado o sol a Apollo, por certo apaixonado por uma beldade qualquer — e a guerra entre os deuses é evidente. Tal acontecimento era temido por parte dos gen- tios, porquanto num já havido, os deuses do Orkus haviam atirado montanhas ardentes contra o Olympo, o que levara Zeus a reagir com inúmeros raios, dominando o poder do inferno.
Assim, julgam os pagãos que o Sol tenha sido ocultado pelas Fúrias nesse monte, onde os príncipes do inferno tenham postado vigias com tochas acesas — e ai daquele que dali se aproxime, pois o monte tem, deveras, grutas profundas em toda direção, e Marcus se servia precisamente de uma como adega.
Por estas duas razões, tanto os pagãos como os judeus voltam para casa, tão logo seus olhos se habituam à escuridão. Uns ador- mecem em seguida, outros aguardam com pavor os acontecimentos preditos por Daniel — e os gentios, a contenda entre Apollo e Plu- ton. Em suma: a confusão na cidade nada fica devendo à desordem de Babel. Apenas em nosso monte existem paz e um bom jantar,
que Raphael organiza num instante, alegrando os próprios solda- dos romanos.
93.ORIGEMEMISSÃOELEVADADO HOMEM
Após a refeição Ouran se dirige a Mim, indagando: “Senhor, para cuja Grandiosidade a língua mortal não tem nome, como po- derei eu, verme ínfimo do pó, agradecer e louvar-Te pelas dádivas inestimáveis que Tua Graça Divina me proporcionou? Que somos nós para merecer Tua Consideração, e que fazer para Te agradar?”
Digo Eu: “Ora, amigo, não faças tamanho alarde! Vê, és uma criatura mortal, em cujo corpo habita uma alma e um espírito imor- tal de Deus; Eu também sou homem, tenho uma alma na qual age o Espírito de Deus em plenitude, à medida necessária para este orbe, e Este Espírito é o Pai no Céu, cujo Filho Eu sou, tanto quanto vós.
Todos vós fostes cegos e ainda o sois em muitos assuntos. Eu vim ao mundo com a Visão Espiritual a fim de vos mostrar o Pai, tornando-vos conscientes.
Recebi a Plenitude da Vida, do Pai, e posso transmiti-la a quem a deseje, pois o Pai Ma conferiu antes que houvesse existido o mundo, e todas as criaturas deverão viver através de Mim. Psiqui- camente tenho esta incumbência; Meu Espírito, porém, é Uno com Aquele que Me enviou.
Sou, portanto, o Caminho, a Verdade e a Vida! Os que em Mim creem não verão nem sentirão a morte, mesmo morrendo vá- rias vezes; os que não creem em Mim senti-la-ão, mesmo que te- nham vida milenar!
Toda criatura tem um corpo sujeito à morte — fato que tam- bém ocorrerá com o Meu; a alma, porém, tornar-se-á mais liberta, lúcida e viva, unindo-se Àquele que a incumbiu da salvação de todos que creem no Filho do homem, cumprindo Seus Mandamentos.
Por isto, reflete bem e cumpre os Mandamentos fáceis que te serão transmitidos — eis tudo que precisas, pois Eu não vim para angariar honra e mérito humanos. Basta que Me louve Aquele Que
está acima de todos, no Céu e na Terra; e se alguém quiser honrar e louvar-Me, que Me ame realmente, pelas boas obras e observação de Minhas Leis, pois seu prêmio será grande no Além.
Sê alegre, não Me superestimes nem te reduzas em demasia
e caminharás na trilha justa, conhecendo, pouco a pouco, tanto a ti mesmo quanto a Mim.
Por ora orienta-te com Mathael, que encaminhará a ti e a tua filha. Se tiverdes um assunto especial, vinde a Mim que vos atende- rei; apenas deveis deixar de lado as exclamações exageradas. Deve- mo-nos tratar como amigos e irmãos, pois todos temos um espírito eterno dentro de nós, sem o qual não teríamos vida, e que não é menos divino que o Espírito Primário. Torna-te, pois, um discípulo verdadeiro de Mathael — e serás um apóstolo competente em teu país. Compreendeste-Me?”
Diz Ouran: “Sim, Senhor, e agora assimilei o que me fora dito acerca do Verdadeiro Deus! Jamais o teria imaginado!” Ele agora se cala, pois a emoção é forte demais, chorando de amor por Mim.
Tomando de sua mão, pergunto: “Que foi, que disse Ma- thael a respeito de Deus?”
Embora soluçando, Ouran responde, olhando-Me com ca- rinho: “Oh, que Deus em Si é o Amor Puríssimo! Ó Tu, Santo, deixa-me morrer neste amor para Contigo!”
“Não”, digo Eu, “ainda serás um bom trabalhador na Terra! E quando vier o fim de teus dias não morrerás, pois Eu te despertarei em vida. Por isso, tem confiança, já encontraste o caminho justo. Quem procura como tu, há de encontrar; quem pede igual a ti, a este será dado, e quem bate na porta certa como acabas de fazer, a este se abrirá. Agora vai e conta a Mathael o que acabo de te dizer!”
Não contendo suas lágrimas de amor e gratidão, volta ele para junto de Mathael, relatando-lhe tudo que Eu dissera. Tanto Mathael quanto Helena ficam tão comovidos a não poder impedir que as lágrimas lhes afluam, e Mathael conclui: “É inconcebível que Ele, o Ser Supremo, Se nos dirija e fale como o melhor amigo, sim, como verdadeiro irmão. Iguala-se a nós, enquanto cada olhar, cada
gesto, cada passo e cada Palavra, aparentemente simples, contêm um Ensinamento Profundo! Seus Atos testemunham Sua Divindade indiscutível, e tudo que faz já foi previsto desde eternidades para obtenção do melhor proveito.”
94.OPINIÃODEHELENAARESPEITODOS APÓSTOLOS
Diz Helena, comovida pelo amor a Mim: “Dizei-me quem são aqueles doze homens respeitáveis que pouco falam, mas sempre O rodeiam? Um parece-se muito com Ele, outro, bem jovem, anota tudo num quadro. Quem são?”
Diz Mathael: “Que eu saiba, com exceção de um, são Seus discípulos mais antigos e já senhores de suas próprias tendências. Aquele, porém, dá impressão de desonesto e jamais haveria de que- rê-lo por amigo; parece a encarnação dum diabo! O Senhor saberá por que admite sua presença, pois os maus também são Suas cria- turas e dependem do Seu Hálito. Por isso não devemos indagar por que Seu Amor pratica tais milagres até diante dum demônio. Teria vontade de interpelá-lo — mas deixemos isto, basta que Ele o co- nheça. Os outros, por certo, terão opiniões proveitosas, porquanto parecem ser mais que iniciados.”
Diz Helena: “Naturalmente externaram desde início grande capacidade de assimilação em assuntos espirituais, do contrário Ele não os teria aceitado como adeptos. Também eu teria vontade de lhes falar, mas isto certamente não será tão fácil, não achas?”
Diz Mathael, dando de ombros: “Deus, o Senhor, despertou meu espírito, que se uniu à minh’alma; por tal motivo conheço a mim e a Ele, à medida que me foi dado, dentro da verdade. Agora, ler o que se passa no fundo do coração humano como se lê num livro aberto — isto só é possível a Ele e a quem Ele o quiser revelar.
Numa criatura mundana, cuja alma esteja inteiramente ador- mecida e cerceada pela vontade e ação do cérebro e dos sentidos, fácil é positivar como e o que pensa, sente e deseja. Impossível, no entanto, fazê-lo em pessoas que sentem e agem pela influência do
espírito dentro da alma, pois já encerram em si as Verdades Eternas que somente Deus poderá reconhecer.
Por este motivo não nos é dado palestrar com elas como se fossem criaturas comuns. Num caso de necessidade, o Senhor o de- terminará; assim não sendo, devemos prescindir de tal prazer. — Mas..., que achas das estrelas fulgurantes, Helena?”
Diz ela: “Sempre despertaram meu mais vivo interesse, des- de que me conheço, tanto que guardei na memória uma série de constelações. As do zodíaco me foram indicadas como as mais im- portantes e as estudei no decorrer de um ano. Em seguida fiquei conhecendo as outras, sei seus nomes, posição e quando surgem e desaparecem. Mas, que adianta isto? Quanto mais me dedicava a esse estudo, maiores e mais incisivas eram as perguntas que me bro- tavam n’alma e, até hoje, ninguém logrou responder.
Quem foi o descobridor do zodíaco e lhe deu os doze nomes? Que relação existe entre o leão e a virgem, o câncer e os gêmeos, o escorpião e a balança, o capricórnio e o sagitário? Por que se colocou no Firmamento um touro e um carneiro, um aquário e peixes? É estranho que no zodíaco se encontrem quatro figuras humanas e um instrumento de precisão! Ficar-te-ia mui grata se me pudesses dizer o porquê.”
Diz Mathael: “Nada mais fácil; tem um pouco de paciência durante minha explicação que assimilarás tudo.”
95.MATHAELDEFINEASTRÊSPRIMEIRAS CONSTELAÇÕES
(Mathael): “Evidentemente, foram os primitivos habitantes do Egito os inventores do zodíaco. Primeiro, porque alcançavam maior longevidade que nós; segundo: o firmamento naquele país sempre foi mais límpido, o que facilitava a observação das estrelas; terceiro: dormiam eles durante o dia, em virtude do calor intenso, trabalhando a maior parte da noite, que lhes proporcionava oportu- nidade para a observação astronômica. Assim, gravavam a constela- ção, dando-lhe nome de algum fenômeno ou hábito entre o povo.
O estudo constante do zodíaco levou os homens à conclusão de que era um grande círculo dividido em doze partes, contendo cada qual uma constelação.
Os antigos já calculavam serem as estrelas mais distantes da Terra que o Sol e a Lua, e também incluíram esses últimos no grande zodíaco. Este, por sua vez, movimenta-se, de sorte que o Sol, em cujo redor gira a Terra, alcança em trinta dias outra constelação. O fato de entrar a Lua em poucos dias numa outra, explicavam eles pelo seu percurso diário mais lento em volta da Terra, tanto que nunca retornava ao mesmo ponto que o Sol. Havia alguns sábios que afirmavam o contrário; entretanto, prevalecia a orientação da morosidade lunar. Deste modo surgiu o zodíaco, e irás saber da ori- gem dos nomes.
Durante a estação dos dias mais curtos, que no Egito eram acompanhados sempre de chuvas — fato significativo, que levava o povo a iniciar um novo ano — o Sol se achava, por cálculo, na cons- telação que hoje denominamos aquário. Eis por que se lhe dava a figura dum pastor que, munido dum balde, despejava água num co- cho. Os velhos denominavam de aquário (Uodan) tanto o homem quanto a constelação e a época. Mais tarde a fantasia fútil das cria- turas o transformou num deus, venerando-o como vivificador da natureza ressequida. Deste modo a primeira constelação e a primeira época de chuvas ficou classificada. Vamos agora analisar os ‘peixes’.”
Nisto diz Pedro aos outros discípulos: “As explicações de Ma- thael são muito elucidativas, vamos prestar-lhe atenção.”
Digo Eu: “Isto mesmo; ouvi-o, pois Mathael é um dos pri- meiros cronistas desta época.” Todos se aproximam dele, o que o encabula um pouco, mas Pedro diz: “Continua, porque desejamos nos instruir contigo.”
Retruca Mathael, modesto: “Para vós, amigos, meu saber por certo será insuficiente; sois discípulos antigos do Senhor, enquanto eu me acho em vosso meio há dezesseis horas.”
Contesta Pedro: “Isto não te deve confundir; já nos deste provas que nos deixaram bem para trás. Tudo recebemos do Senhor,
pois o que a um dá num ano, a outro poderá dar num dia. Por isso, continua com tua explicação.”
Diz Mathael: “Pois bem; após trinta dias termina a época das chuvas e o Nilo se acha abarrotado de peixes que são iscados: parte é logo aproveitada, o restante é salgado e secado ao vento, que nessa ocasião é muito forte. Essa manipulação com os peixes é obrigatória devido ao clima, antes que as águas do Nilo sequem e os cardumes morram nos canais, empestando o ar com o mau cheiro.
O que hoje lá ainda é uso constituía, naquela época, verda- deira necessidade dos sábios habitantes, e como sempre se pescava na mesma época em que o Sol entrava em outra constelação, era ela cognominada de ‘peixes’, ou Ribar, ou ainda, Ribuze.
Pelo fato de as pessoas serem facilmente acometidas de febre devido à alimentação com peixes gordurosos e pela respiração de ar pestilento, classificava-se esta ocasião de ‘febril’, inventando-se uma deusa incumbida de afastar a moléstia.
O terceiro signo é representado pelo carneiro. Os habitan- tes que se dedicavam ao cuidado das ovelhas viam chegado o tempo de tosquiá-las, o que levava outros trinta dias, e como o Sol penetra- va noutro signo, denominou-se o mesmo de ‘aries’ (Kostron).
Havendo nessa época grandes tempestades provindas da luta de um elemento contra o outro, as criaturas em breve acharam o nome dum deus: ‘marte’. Desmembrando esse nome, chega-se ao amigo Mariza, ou Maor’iza, isto é: Esquentar o mar.
Durante os signos anteriores o mar esfria, o que era perce- bido pelos moradores do litoral. Mas, pela força mais intensa do Sol e pela luta do ar quente do Sul com o frio do Norte, pelo despertar dos vulcões, o mar ia se aquecendo pouco a pouco.”
96.EXPLICAÇÃODOQUARTOAOSEXTO SIGNOS
(Mathael): “Passando ao quarto signo, novamente depara- mos com um animal, isto é: um touro vigoroso. Após os cuidados com as ovelhas, os povos pastoris dirigiam a atenção para o gado; era preciso selecioná-lo para conseguir boa criação.
O touro, que tudo representava para os egípcios, até os in- fluenciava pela escrita, quer dizer: formava figuras na areia pelo so- pro — era apresentado em posição destemida, quase em pé, apoiado nas patas traseiras. É, portanto, muito natural que assim se denomi- nasse o signo que apresentava em seus contornos tal animal. O pró- prio Taurus romano deriva-se da abreviatura do antigo Ta our sat, ou Tiaoursat, isto é: É época (sat) do touro ficar sobre as traseiras.
Mais tarde classificou-se esta época entre os romanos de Aprilis, que pela tradução em egípcio quer dizer: A (touro) uperi(abre) lizou lizu (a visão), ou: Touro, abre a cancela para o pasto! Assim, tornou-se ele com o tempo um deus para esse povo, e com isto temos a origem verdadeira do quarto signo. Vamos agora anali- sar o quinto e como surgiu a figura dos gêmeos, em Castor e Pollux.
Será mais facilmente compreendido se considerarmos que os velhos pastores, após o zelo para com o gado, haviam concluído a maior tarefa do ano. Em seguida se reuniam os cabeças das comu- nidades, quando eram escolhidos um ou dois peritos que fossem ao mesmo tempo juízes, para apurarem se o esforço despendido havia dado bons resultados. A pergunta soava: Ka i estor?, o que quer dizer: Que fez ele? O outro, em seguida, advertia: Poluxemen!, ou seja: Esclarece-me a respeito.
Daí surgiram os ‘gêmeos’, que no fundo apenas eram duas frases, uma indagadora e outra de incentivo. Como nessa época o Sol entrava na conhecida constelação, deu-se-lhe o nome de ‘gême- os’ — no idioma romano Geminiou CastoretPollux— naturalmen- te mais venerados como deuses.
Vamos agora ao câncer. Nessa época, o dia alcançava a mais longa duração; quando novamente era diminuída, os velhos compa-
ravam-na à marcha do caranguejo. Durante esses trinta dias o orva- lho à beira do rio era muito forte à noite, de sorte que os carangue- jos saíam de seus esconderijos para um passeio no gramado úmido. Observando isto, os egípcios tentavam enxotar esses hóspedes inde- sejáveis, tarefa não fácil, pois seu número era incalculável. Primeiro tentaram ajuntar esses crustáceos aos montes, metendo-lhes fogo, o que não surtiu efeito diante da enorme quantidade. O cheiro agra- dável da queimação levou os velhos à suposição de que talvez fossem comestíveis. Ninguém, todavia, animou-se a tal.
Mais tarde os cozinharam em grandes potes, cujo caldo, ape- sar de delicioso, não os estimulava ao consumo. Por isso deram-no aos porcos, que com ele se deleitavam e se tornavam gordos, fato que muito era do agrado de seus criadores. Na matança aproveitavam banha, couro e tripas, enquanto a carne servia de engorda para os próprios suínos.
Houve pessoas indolentes e preguiçosas que com o tempo não mais respeitaram as velhas leis de seu guia espiritual antedilu- viano, Henoch, sendo assim preciso construir penitenciárias a fim de enclausurar os malfeitores. Sua ração constituía de caranguejos cozidos, carne de porco salgada ou frita, e pão. Observaram que os criminosos se davam muito bem com tal alimento, de sorte que os outros, num ano de má colheita, experimentaram-no, achando-o mais saboroso que o costumeiro. Em breve os crustáceos diminuí- ram consideravelmente, pois que todos lhes faziam caça.
Mais tarde os próprios gregos e romanos dele se valiam; ape- nas os judeus até hoje não o fazem, embora não lhes tenha sido proibido por Moysés. Disto tudo se conclui que os antigos egípcios não poderiam ter encontrado interpretação mais acertada quanto à época, e fácil é de se deduzir que gregos e romanos dedicaram-na a uma deusa, que chamavam Juno.
Apenas resta saber como se formou sua personalidade, e as opiniões diversas entre os sábios não deixavam de ter fundamento. Em síntese, baseava-se no mesmo motivo pelo qual surgiram Castor e Pollux. Durante a época dos caranguejos o calor já era demasiado
para trabalhos braçais, razão por que se dedicavam aos estudos espi- ritualistas em vastos templos sombreados, muitos dos quais haviam sido construídos por primitivos habitantes.
Uma das principais questões, no início de tais estudos, prendia-se à possibilidade de se encontrar o Divino Puro em qual- quer relação material. Como fossem todas as indagações dos sábios mui curtas, o mesmo se dava com a seguinte: Je U N(un) o?Tradu- ção: Continua inteiro o Divino, quando separado e postas ambas as partes lado a lado?
Indagais: Como podem essas poucas letras significar tal fra- se? — Ouvi, pois: A letra U era representada no velho Egito por um semicírculo e, de igual modo, um receptáculo para o Divino que do Alto vem à Terra. É claro que se referiam mormente às dádivas espirituais da Luz para a alma.
O N reproduzia um semicírculo invertido, traduzindo a matéria inerte e infecunda. Os telhados de algumas casas, princi- palmente dos templos, demonstravam que nesses lugares o divino se une à matéria, criando vida temporária, revelando-se por momentos ao homem. Eis por que dali surgiu a importante pergunta: JeUNo?, pois o O representa a Divindade Completa em Sua Pureza.
A resposta dizia que a matéria se mantém para com Deus como a mulher para com seu esposo e soberano. Deus criou em e pela matéria Seus múltiplos e variados filhos, pois a fecundava cons- tantemente com Seu Influxo Divino.
Com o tempo, mormente entre os posteriores descendentes mais sensuais, nem um vislumbre restou da antiga sabedoria egípcia. Formou-se, pois, da pergunta Je un o e de sua feminilidade declara- da, uma deusa que recebeu a princípio, tolamente, o nome de Jeu- no, mais tarde apenas Juno, cujo simbólico casamento foi realizado com o também tolo Zeus.
Os antigos sábios tomavam a matéria, por motivos naturais, por demais rígida, julgando-a apenas aproveitável pelo justo esforço despendido. As imperfeições que nela surgiam eram por eles atribuí- das a Juno, o que muito trabalho acarretou a Zeus. Compreendeis?”
Diz Helena: “Continua, caro Mathael, pois te poderia ouvir dias a fio, embora tua narrativa não tenha as cores de um Homero; é sabia e verdadeira — e isto vale mais que a pintura colorida dos grandes trovadores populares. Por isso, continua!”
Diz Mathael: “Sei que não me fazes elogios pessoais, pois a verdade merece apenas ser compreendida, por ter ori- gem em Deus.”
97.O SÉTIMO, OITAVO E NONO SIGNOS
Mathael: “Após o caranguejo deparamos com o ‘leão’ no grande zodíaco, que igualmente tem sua causa na Natureza. Passa- da a caça aos crustáceos, que às vezes durava um ou dois dias além dos trinta — porquanto para os antigos egípcios não era o mês de fevereiro o destinado a sofrer a diferença existente entre os demais meses, e sim o de junho — surgia outra calamidade, provocando perturbações e aborrecimentos. Nessa época as fêmeas, geralmen- te, davam cria e, a fim de saciar sua voracidade, invadiam desertos, montanhas e vales à procura de rebanhos.
Sendo sua pátria a África e o Norte do Egito, fácil lhes era invadir até a zona mediana e o Sul. Assim como os lobos são levados pelo frio a procurar os povoados, o calor de junho impele os leões aos lugares menos quentes.
Era nessa época que os habitantes do Egito tinham a visi- ta desses animais selvagens, e como o Sol se aproximava dum sig- no que, semelhante ao do touro, apresentava a figura dum leão, os velhos assim o denominaram, quer dizer, também classificaram tal época de ‘leão’ (Leowa), Le:o mal ou o descendente do mesmo, oponente ao El:o bom ou o filho do bom; o:o Sol, divino; wa ou wai:foge; portanto, Leowaisignifica: o mau foge do Sol.
Há poucos decênios os romanos intitularam essa época em homenagem a seu herói Julius César, pois era astuto e sabia lutar tão destemidamente qual leão. Eis o sétimo signo, que também foi venerado pelos descendentes egípcios como algo divino.
Agora segue-se a virgem, pois as dificuldades maiores do ano haviam passado e o povo se entregava aos prazeres e às festas destina- das a presentes às virgens puras, estimulando-as no prosseguimento da moral. Era uso celebrar os casamentos nessa época, desde que se tratasse de u’a moça de índole impecável. Quem não tivesse proce- dido de tal forma era excluída do matrimônio; podia, em circuns- tâncias favoráveis, tornar-se concubina de um homem possuidor de uma ou várias mulheres, só lhe restando, fora disto, a condição deprimente de escrava. Assim, tal época também tinha sua impor- tância, e como precisamente surgia novo signo, cognominou-se o mesmo de ‘virgem’. Há poucos anos os romanos vaidosos deram-lhe o nome do Imperador Augusto, em sua homenagem. Vimos, por- tanto, de que modo se encaixou uma virgem no zodíaco.
Agora vemos um objeto, uma ‘balança’, usada pelos merca- dores e farmacêuticos. Deu-se seu aparecimento da seguinte forma: após as comemorações nupciais chegava o tempo da fiscalização da colheita dos cereais — cujo cultivo já vinha sendo feito pelos anti- gos habitantes, além da pecuária e dos frutos: figos, tâmaras, olivas, romãs, laranjas etc.
Cada comunidade tinha um delegado para todos os negócios e um sacerdote destinado ao ensino popular e a profetizar em ocasi- ões importantes. Não é preciso dizer que a casta sacerdotal, em bre- ve, aumentou, dedicando-se apenas aos serviços de ordem material, quando exigiam renovações e melhoramentos.
Pesquisava, ajuntava e determinava o preparo dos metais, o que, naturalmente, requeria muitos serventes e mestres de ofício. Esses não tinham tempo para a lavoura e pecuária, de sorte que pre- cisavam ser sustentados pela municipalidade. Como tal problema poderia ser resolvido, se cada membro tinha de pagar um tributo correspondente à sua colheita?
Determinou-se, então, o dízimo, pagável em benefício da casta sacerdotal e que era pesado numa ‘balança’. Existiam-nas de todos os tamanhos, e a colheita ia sendo pesada, nove vezes no de- pósito do dono e uma vez no do outro. O sumo sacerdote era ao
mesmo tempo o pastor do povo e se chamava Vara on(quer dizer: ele é o pastor). Mais tarde os varaonsse tornaram reis, e o sacerdó- cio também era sujeito a esse domínio. Por essa explicação histórica concluímos: o tempo que seguia à ‘virgem’ era destinado à entrega do dízimo, e como o Sol entrava num outro ciclo, chamava-se o mesmo de ‘balança’.
Não merece menção o fato de que se dava a essa época vá- rios significados, usando-a como símbolo de justiça divina e terrena, chegando-se até, entre os povos atrasados, a lhe render devoção de modo idêntico ao que fazem os hindus com o arado. Tanto a fantasia dos homens quanto a crescente ganância e propagação dos sacerdo- tes e instrutores, com o tempo divinizaram tudo que lhes parecia an- tigo e útil. Vamos agora dirigir a atenção ao aracnídeo ‘escorpião’.”
98.EXPLICAÇÃODOSTRÊSÚLTIMOS SIGNOS
(Mathael): “Eis que vinha um período mais tranquilo: os re- banhos se acalmavam; as árvores frutíferas não mais apresentavam a mesma produção como na primavera; os campos descansavam — e os homens entravam em férias. Ter-se-iam deixado ficar de bom grado nessa indolência se o Senhor de Céus e Terra não os tivesse atiçado com um aracnídeo, comum no Egito.
Logo no início dessa época os escorpiões apareciam por toda parte, multiplicando-se, já em meio desse tempo ocioso, como mos- cas num refeitório. Como se sabe, o ferimento pela cauda não só é mui doloroso, como também acarreta grande perigo quando não tratado imediatamente com um antídoto.
Assim orientados, os egípcios tudo fizeram para encontrar um contraveneno satisfatório. Finalmente, a casca dum arbusto do Nilo foi descoberta, cujo cozimento e seus vapores tinham a pro- priedade de sanear os quartos desse indesejável visitante. Umedecen- do a casca e espalhando-a no soalho e sobre as camas, conseguia-se a eliminação. Deu-se-lhe, pois, o nome desse remédio, até então incógnito: Scóro(casca) piou pie(bebe) on(ele).
Foi deste modo que se chamou a atenção dos descendentes sobre tal remédio, que dava bom resultado na luta contra a praga. Até hoje recebemos do Egito, Arábia e Pérsia um pó com o qual se consegue, sem prejuízo para o homem, exterminar escorpiões e insetos; este pó é, com alguns acréscimos, extraído do menciona- do arbusto.
Tão logo aparecia o primeiro lacrau, o Sol entrava em novo signo, por isto se deu a tal época aquele nome. Até ali apenas se lhe havia dado atenção em virtude do remédio que exterminava esse aracnídeo, nocivo a homens e animais. Com o extermínio daquele e o cessar das trovoadas comuns, pelas quais os egípcios tinham gran- de respeito, pois diziam: A arma de Zeus é mais rápida e segura que a miserável, do homem!, terminava o tempo do ócio.
Eis que os animais selvagens começavam a descer aos vales, fator esse que levava os homens a lhes fazerem caça com o arco. Lebres, coelhos, pequenos ursos, texugos, raposas, panteras, quanti- dade de gaviões e águias, crocodilos e o hipopótamo (em egípcio Jepa opata moz:o cavalo do Nilo começa a desenvolver sua força) prin- cipiavam a se movimentar, não havendo tempo a perder. Além disto, estipulava-se um prêmio importante para o extermínio de grande número de crocodilos.
Não vem ao caso de que maneira eram organizadas as di- versas caçadas, basta sabermos que eram feitas em tal época e que o Sol passava por novo signo, portanto o cognominaram ‘sagitá- rio’. Merecia pouca veneração, com exceção de Apollo, deus tam- bém da caça.
Vamos enfrentar o signo mais estranho: o capricórnio, que no entanto, tal como os outros, surgiu de modo natural. Nesse últi- mo período a caça invadia os vales, a fim de satisfazer sua fome. O bode tinha um valor considerável para os egípcios, razão pela qual não o deixavam escapar ileso: mal era avistado nos pastos em aban- dono, punham-se vigias que avisavam os outros do acontecimento.
Não sendo fácil pegá-lo, várias épocas de capricórnio passa- vam sem que conseguissem realizar tal empresa. Em caso contrário,
sua captura era um verdadeiro triunfo para todo o Egito. Tudo nele era considerado como remédio milagroso que curava qualquer mo- léstia, e os chifres eram o primeiro e mais valioso ornamento do próprio rei do Egito, valendo mais que ouro e pedras raras. Em eras remotas, taxava-se o valor dum Varaonpelo número de chifres de bode que até mesmo os sumos sacerdotes ostentavam, dourados, como prova de sua sabedoria e poder. Essa consideração ainda hoje sendo observada no Egito, é compreensível que denominassem, tan- to a época quanto o signo, de ‘capricórnio’.
Deste modo analisamos todo o zodíaco, nele encontrando um fundo natural que também se nos depara no surgimento dos muitos semideuses. Assim, espero não ser difícil reconhecer o Deus Verdadeiro, numa Luz clara e justa. Jamais uma divindade criada pela fantasia realizou milagres que se lhe atribuíram, e as palavras aparentemente sábias que alegam terem sido proferidas foram obra dos próprios sábios.
Aqui, assistem-se a obras e sentenças jamais vistas e ouvidas, de sorte que descobrimos como conhecer o Deus Verdadeiro em toda Sua Pujança. Helena e tu, Ouran, dizei-me se minha explicação do zodíaco foi convincente ou não.”
99.HELENAINDAGAQUALAESCOLADE MATHAEL
Diz Helena: “Caro Mathael, jamais algo me foi explanado tão claramente; tive a impressão de viver os acontecimentos havidos no Egito. Uma coisa ainda desejaria saber: de que maneira ou em que escola te foste integrar disto tudo?”
Responde Mathael: “Oh, Helena! Ontem fui mil vezes mais cego e ignorante que um servo inculto e, além disto, tão doente que não houve criatura humana que me pudesse curar. Após a cura rea- lizada pelo Senhor de Céus e Terra, não só consegui reaver as forças físicas, como também o despertar do espírito em minha alma per- turbada. Este mesmo espírito me esclarece a fundo todas as coisas, tanto as do passado quanto as do presente e futuro.
Eis uma pura Graça Divina que devo unicamente ao Senhor e ao Qual todos vós tendes que render honra, gratidão e amor; assim vês que não frequentei escola alguma. O Pai é tudo: minha escola e sabedoria, pois tudo vem Dele! Afirmo-vos positivamente: quem não tiver esta Fonte como causa de seu saber — nada sabe, pois seu conhecimento é fútil e sem base. Sede assíduos na Única Es- cola do Senhor, o Qual ora caminha entre nós em Sua Plenitude Divina, e não necessitareis, jamais, de outra. Compreendeste bem, amável Helena?”
Responde ela: “Oh, sim; como pode, entretanto, um mortal como eu ou meu pai cursar tal escola?”
Irrita-se Mathael: “Oh, Helena, como podes fazer pergunta tão tola?! Deves me perdoar a resposta severa: tanto tu quanto teu pai já a frequentais. Como, pois, perguntar por ela?! Não compreen- des que o Senhor faz estes milagres por vossa causa?”
Diz Helena, encabulada: “Peço que não te aborreças comigo, Mathael. Reconheço minha tolice e espero que tenhas paciência — uma árvore não cai de um só golpe.”
Retruca ele, tocado pela meiguice da moça: “Querida, nunca terás necessidade de me pedir paciência. Só quero o bem de todos, embora dê impressão de severo. Meu desejo é levar bem rápido o co- nhecimento à pessoa. Vejo ser tua alma mais meiga que uma pomba, e não é preciso despertar-te com palavras rudes.”
Diz ela: “Todavia não necessitas ter demasiado cuidado co- migo. Se com palavras severas me ajudas mais depressa, peço-te em- pregá-las sem susto. Agora, ainda uma pergunta: quem cognominou os signos e qual o motivo?”
100.ENSINAMENTOSGERAISACERCADO ZODÍACO
Diz Mathael: “Cara Helena! Tua pergunta é curta; a resposta completa requereria um ano inteiro; por isto vamos deixá-la para outra oportunidade. Posso, contudo, esclarecer-te que todos os sig- nos têm a mesma origem que o zodíaco.
Pelo antigo idioma egípcio, a silaba Zoou Zasignifica ‘para’; diaou diaia,‘trabalho’; e kos , ‘uma parte’ ou ‘divisão’. Na tradução correta, Za diai kos representa: divisão do trabalho. No início os velhos dividiam o zodíaco de acordo com os acontecimentos peri- ódicos de seus labores, o que seus descendentes conservaram, pois anunciavam previamente aos superiores que tarefa enfrentariam. Assim, a classificação era certa, com exceção de gregos e romanos.
Do mesmo modo os sábios cognominavam muitos signos, se bem que não todos, sendo também os descobridores dos conhecidos planetas, exceto a Lua e o Sol. Este, com referência a nós, não é pla- neta, porquanto nosso sistema planetário, inclusive a Terra, gira em épocas diversas em volta do Sol. Nosso planeta perfaz essa translação em um ano. Vênus e Mercúrio num espaço mais curto, enquanto Marte, Júpiter e Saturno necessitam de maior tempo que a Terra.
A Lua pertence ao nosso planeta e com ele se movimenta, uma vez por ano, em volta do Sol, precisando para seu trajeto em redor da Terra de vinte e sete a vinte e oito dias, numa distância de cem mil horas.
Estas coisas não poderás assimilar de uma só vez; quando o Espírito Divino despertar em tua alma, reconhecerás não só isto, como muita coisa mais, sem ensino externo e difícil. Eis por que é necessária apenas uma coisa: conhecer a si próprio e a Deus, aman- do-O acima de tudo; o resto virá por si só.
Além do mais já conversamos muito; vamos descansar, a fim de dar oportunidade aos outros, mais inteligentes, de fazerem boas observações. Nunca se deve falar em demasia sobre um assunto, para também ouvir a opinião dos outros, pois ninguém na Terra é tão sábio que não possa aproveitar dum menos inteligente, quanto mais dum de profunda sabedoria. Por isto, perdoa se me calo.”
Diz Helena: “Tens razão, falaste durante muito tempo; quem sabe agora alguém nos dirá algo acerca do Grande Mestre, que nem deixa transparecer Aquilo que é.”
101.OPINIÕESQUANTOÀDIVULGAÇÃODA DOUTRINA
Simon Judá se fez ouvir: “Admiro o grande saber de Mathael e seu vasto conhecimento da antiguidade, pois é este tão necessário quanto as Verdades provindas de Deus. Além disto, inútil é falar a um povo tolo e cego, que não se dá conta de palavras mais profun- das. Que fazer com ele? Milagres? Torná-lo-ia ainda mais supersti- cioso! Castigá-lo? Oh, já está sendo castigado!
Dever-se-ia procurar os mais acessíveis, pregar-se-lhes, da maneira como faz Mathael, contra o paganismo — e em menos de cem anos não haveria um templo pagão. Julgai vós mesmos, irmãos, se falei certo, pois num caso assim é preciso a pessoa ter raciocínio. Que me dizeis?”
Confirmam-no todos, com exceção de Judas: “Estamos de acordo e nada há que contrapor.” Aquele, porém, adianta-se e diz: “Como não? Bem que existe algo a contestar!” Diz Pedro: “Pois en- tão, fala.”
Responde Judas: “Basta conquistar os potentados para se po- der influenciar os outros mais fracos, prescindindo de tal ciência.”
Diz-lhe Mathael, agitado: “Eh, tencionas transmitir aos po- bres de espírito e de posses materiais a mensagem de Paz com açoite e espada? Pareces um habitante do Orkus, a julgar por tua opinião que faria jus a um diabo! Explica-me, como foi possível te introme- teres nesta assembleia celeste?! Aconselho-te a usares pele de carneiro se tencionas falar qual diabo às criaturas, para que se não veja tua verdadeira índole! Trata de te afastares de meus olhos, senão poderia ser tentado a fazer revelações que não te seriam lisonjeiras, pois meu espírito agora te conhece a fundo!”
Diz Judas, admirado: “Enganas-te a meu respeito; também faço parte dos escolhidos, já executei ordens do Senhor e fui, em companhia dos outros, transportado há poucas semanas pelos ares!”
Responde Mathael: “Oh, sei disto; no entanto, não retiro minhas palavras: fazes parte dos doze, mas meu espírito me diz que entre eles um é diabo — e és tu! Com tal testemunho podes te
contentar por ora; querendo mais, dize-lo! Descubro quantidade de outras provas que te lançarei em rosto, porque és ladrão! Ouviste?”
Com esta sentença do sábio Mathael, Judas sente um forte estremecimento; retira-se, modesto, recebendo de Thomaz mais al- gumas advertências: “Então, o inferno te está novamente atiçando? Continua assim que ouvirás outras cantigas, pois com Mathael não poderás concorrer! O próprio anjo não se atreve dele se aproximar
e tu pretendes contestá-lo em sua sabedoria, que desde Moysés não teve semelhante?!
Não te será possível reconhecer tua imensa tolice?! Não podes calar e aprender?! Aqui se acham concentrados Céus e Terra, encon- tramo-nos unidos no Centro do Coração Divino, palavras e ações se nos apresentam deixando admirados os próprios anjos — e tu, o mais ignorante entre nós, não podes conter teus maus instintos, apresentando contestações desta ordem?!”
Reage Judas, aborrecido: “Ora — deixa-me em paz! Se sou ignorante, não hás de ser tu quem levará prejuízo, e não obstante Mathael me ter corrigido desta forma, aposto o que quiseres: tal Doutrina Divina e pura não poderá ser anunciada aos pagãos com palavras meigas, senão com armas mortíferas!
Ninguém será inquirido se entendeu os ensinamentos — e terá que jurar por esta nova crença! Se com o tempo dela desistir
pois nunca a terá compreendido — será declarado perjuro e, no mínimo, queimado vivo!
Se eu não dedicar o maior interesse no sentido de conquis- tar os potentados, não terei ensejo — embora diabo — de contar o grande número de pessoas que morrerão sob a espada de tais pagãos. Sempre se fala em divino, no entanto o diabo também o é! E o tem- po transformará o puro divino em diabólico.
Vejamos, por exemplo, a doutrina de Moysés. Qual seu pa- pel no Templo do tão sábio Salomon?! Eis por que afirmo: Mathael tem razão e reconheço seu saber tão bem quanto tu — mas também estou certo! Asseguro-te que esta Doutrina de Paz, vinda do Céu, em pouco tempo disseminará a maior discórdia sobre a Terra, lançando
os povos em contendas, lutas e guerras! Fisicamente não o assistirás; teu espírito será testemunha de tudo que acabo de falar, confessando que, diabo e ladrão, Judas o profetizou! Agora, pergunto se tume compreendeste!”
102.CARÁTERDE JUDAS
Diz Thomaz: “Pensas ter feito uma grande profecia, que, sem ti, nunca teríamos descoberto?! Apesar de todos os atos de Sabedoria a que assististe no decorrer de meio ano, continuas pateta! Quan- do não se teriam desafiado luz e treva? Quando teriam caminhado fraternalmente vida e morte? Quando a fome voraz e a satisfação plena teriam estendido as mãos à paz do paraíso? Tolo! Entende-se: se a Luz mais elevada dos Céus, que aqui Se encontra, penetrar nas trevas densas da Terra, terá de haver reação!
Observa os campos gélidos do Ararate: não se derretem com poucos graus de calor, conforme afirmam os egípcios, pela cor e densidade do gelo e da neve; deixa, todavia, que o Sol do Egito se- tentrional os penetre e se transformarão em água! Ai dos vales que sejam inundados por tal enchente!
Aquilo que materialmente seria irremediável, não deixará de acontecer em espírito. Se, todavia, começarmos a pregar o Evange- lho com espada na mão, desafiaremos a do mundo; fazendo-o com armas da paz, que é o amor, também assim nos combaterão.
Entende-se que tal Dádiva Celeste venha provocar lutas e contendas, enquanto a matéria, com relação à Ordem Divina, conti- nuará sendo aquilo que foi; mas precisamente pelo motivo de serem demonstrados às criaturas a tolice e o absurdo do paganismo, por pessoas esclarecidas como Mathael, as reações desastrosas não terão a mesma intensidade. Se consideras o que acabo de expor, confessarás a tolice de tua profecia.”
Diz Judas: “Sim, és o sábio Thomaz de sempre — e tudo que digo, tem de ser tolo! Aborrece-me o fato de eu nunca ter razão! Ten- to refletir sobre o assunto antes de externá-lo — basta abrir a boca e
todos me atacam qual leão a uma ovelha! Até dá vontade de estourar de raiva! Mas prometo não dizer palavra, com que, por certo, esta- reis de acordo?!” Diz Thomaz: “Ótimo, assim te tornarás sábio!”
Nisto, Mathael chama Thomaz e lhe diz: “Agradeço-te, em nome desta justa causa, teres admoestado o irmão Judas tão mo- destamente. O que ele considera uma ofensa a seu intelecto não o prejudica, talvez até lhe seja útil no outro mundo, já que dum saber mais profundo nele não há vestígio e, certamente, não o alcançará nesta vida. Futuramente, deixai-o em paz; sua alma não é do Alto e seu espírito demasiado fraco, a fim de amoldar-se e vivificar a psi- que, como vós!”
Eis que Me aproximo e digo: “Mathael, existem poucos ins- trumentos como tu, por isto te confiro Meu Louvor! Prossegue deste modo e te tornarás um valioso predecessor para os pagãos, em lugar dum outro apóstolo que mais tarde designarei entre Meus inimigos! E só agora te dou esta plena certeza: tu e teus quatro irmãos jamais recaireis naquela terrível moléstia! Disporás de teus colegas, mos- trando-lhes o caminho certo.
Permaneceremos aqui mais alguns dias e amanhã, sábado, dar-se-ão vários fatos, durante os quais Me poderás prestar bons ser- viços; não temes o mundo nem a morte, por tal razão Me és bom instrumento. Agora leva-Me junto de Helena, que sente uma sauda- de imensa de Mim e precisa que a reconfortemos.”
Diz ele: “Oh, Senhor, que imensa Graça! Tu, meu Criador, deixas-Te conduzir por mim ao lado daquela que igualmente criaste! Todavia, ela é pura e de boa vontade; por certo desconhece o pecado e vale a pena fortalecer seu coração, onde mais tarde milhares se irão confortar!”
103.ÀPROCURADE DEUS
Após estas palavras encaminho-Me com Mathael e Yarah, que não sai de Meu lado, para junto de Helena e seu pai. Mal Me avista prorrompe em lágrimas de alegria e diz: “Já estava duvidando que a
Graça de Te ver e falar, Senhor de minha vida, me fosse concedida! Agora tudo está bem, pois Tu, a Quem meu coração e intelecto aqui conheceram de modo tão milagroso, vieste a mim, Pessoalmente! Rejubila-te, coração, pois Aquele, cujo Espírito toma tuas pulsações desde o berço à sepultura, acha-Se diante de ti, para trazer-te o con- forto sagrado que te transformará a morte em doce néctar!”
Em seguida se cala e Eu lhe digo: “Helena, corações que amam como o teu, não necessitam temer a morte, que jamais senti- rão, nem doce nem amarga! Eu Mesmo sou a Vida e a Ressurreição, e osqueMeamameemMimcreemnãoperceberãoa morte!
Se bem que te seja tirado o corpo pesado, não terás disto consciência, pois hás de te transformar, num momento, na vida lú- cida de tua alma pelo Meu Espírito de Amor em ti, evoluindo até alcançar Sua Perfeição! Compreendes isto, Helena?”
Ela está tão comovida que nada pode dizer. Passa-se um curto tempo e ainda não consegue se expressar por palavras de gratidão pela alegria de Minha Vinda, pois em cada tentativa desata a chorar. Dirigindo-Me a ela, digo: “Querida filha, não te canses; esta lingua- gem do teu coração é-Me muito mais agradável que a de tua boca, por mais elevada que seja.
Vê, já existem alguns na Terra — e no futuro haverá mui- tos — que Me dirão: Senhor, Senhor! E Eu lhes responderei: Por que Me chamais, estranhos? Não vos conheço, nunca vos conheci, pois sempre fostes filhos do príncipe da mentira, do orgulho, da maldade, da noite e das trevas! Afastai-vos de Mim, eternos pra- ticantes do mal! — Digo-te que entre eles haverá clamor e ranger de dentes!
Procurarão a Deus em distâncias e profundeza jamais alcan- çáveis, pois julgaram ser mui simples procurar-Me perto deles, isto é: em seus corações. Em verdade, quem não O buscar como tu, nem em eternidades encontrá-Lo-á! Deus é em Si o Amor mais puro e in- finitamente poderoso — eis por que só será encontrado pelo amor!
Desde início foste assim impulsionada, embora julgasses pe- car em virtude deste sentimento para Comigo; todavia, achaste-Me,
pois vim a teu encontro e ao de teu pai! Deste modo, todos terão de Me procurar e Me acharão, como tu.
Os que o fizerem pelo intelecto orgulhoso jamais o consegui- rão, pois assemelhar-se-ão a um homem que comprou uma casa por lhe haverem assegurado que, em seus alicerces, achava-se enterrado um grande tesouro. Uma vez proprietário, começou a escavar ora aqui, ora acolá, ligeiramente, o que tornava impossível localizar o tesouro oculto. Eis que pensou: ‘Já sei que fazer. Começarei a esca- vação por fora, em redor da casa, e certamente descobri-lo-ei.’ Dito e feito: cavou externamente, não encontrando o desejado, que se achava oculto no centro da casa; quanto mais longe se ia afastando, menor possibilidade tinha de êxito.
Quem algo procura onde não se acha, jamais há de encon- trá-lo. Quem quiser pegar peixes, terá de lançar redes ao mar, pois eles não nadam no éter. Quem quiser descobrir ouro não deve lançar redes, mas procurá-lo nas profundezas das montanhas. Ninguém vê com os ouvidos e ouve com os olhos, pois cada sentido tem sua particularidade e é destinado a certo fim.
Assim, o coração humano, de Origem Divina, tem unica- mente a finalidade de procurar a Deus e, quando achá-Lo, Dele receber uma nova vida indestrutível. Quem O buscar através dum outro sentido, não poderá encontrá-Lo, pois não consegue um ho- mem de olhos vendados ver o Sol com ouvidos e nariz.
A índole justa e viva no coração é o amor. Quem despertar esta índole de vida e por ela iniciar a busca de Deus, forçosamente há de encontrá-Lo, pois a criatura que não for inteiramente cega, logo descobrirá o Sol e o fulgor da sua luz.
Quem tenciona ouvir uma palavra sábia não deve tapar os ou- vidos e abrir somente os olhos; pois esses, se bem que vejam a luz e as formas iluminadas, não poderão gravar a forma espiritual da palavra, o que apenas se consegue pelos ouvidos. — Compreendeste tudo?”
Diz Helena, finalmente refeita de sua emoção: “Oh, sim, pois Tuas Palavras têm luz, força e vida, e emanam de Tua Boca Santa de modo tão claro como a fonte puríssima no cume das montanhas, iluminada pela aurora. Mas, que farei para acalmar meu coração?! Senhor, mata-me se peco; mas meu amor para Contigo ultrapassa todos os limites vitais! Deixa que toque Tua Mão!”
Digo Eu: “Por que não deixaria? Deves sempre fazer o que teu coração ordena, e nunca poderás errar!”
Tomando-Me a Mão esquerda e apertando-a contra o peito, Helena diz soluçante: “Oh, Senhor, quão felizes devem ser aqueles que sempre Te rodeiam! Se tal me fosse possível!”
Digo Eu: “Quem está Comigo pelo sentimento, a este Eu acompanho, assim como também ele a Mim — eis o essencial! Pois que adianta à pessoa Minha Presença Física, se o coração está distan- te pela atração do mundo?! Em verdade, não haverá maior distância imaginável.
Mas quem está perto de Mim pelo amor como tu, adorá- vel Helena, permanecerá neste aconchego mesmo se externamente houver um Espaço mil vezes maior entre nós que o daqui à última estrela que teus olhos possam vislumbrar.
Afirmo-te: quem Me ama igual a ti e crê convictamente ser Eu Aquele por cuja Vinda esperaram os patriarcas, está tão unido a Mim como Eu — conforme Me vês e sentes neste momento — sou Uno com o Pai no Céu! O amor tudo une, unindo também Deus e a criatura, e não há espaço que possa separar o que o Amor Verdadeiro e Puro uniu pela profundeza celeste!
Por teu amor continuarás sempre em Minha Companhia, mesmo se neste mundo o Espaço nos separar por algum tempo; um dia, no Meu Reino do Espírito Puro e da Plena Verdade, jamais serás apartada de Mim. Assimilaste isto, querida Helena?”
Responde ela: “Como não? Meu coração entende o sentido profundo de Tuas Palavras, iluminando toda a minha alma! Agora,
porém, surge outra pergunta importante dum recanto íntimo ainda não penetrado pela luz: como agradecer Àquele que me cumulou de uma Graça tão profusa? O amor mais forte não pode ter o valor da gratidão, pois ele é, como toda vida, uma Graça Tua. Que sacrifício e qual dádiva poderei eu, criatura, oferecer-Te, meu Criador, como reconhecimento por tantas dádivas recebidas? Senhor, eis um ponto obscuro em meu coração, não obstante a luz radiosa, para o qual desejaria um esclarecimento. Poderias tirar-me deste embaraço?”
105.FORMADEAGRADECERA DEUS
Digo Eu: “Oh, Helena! Que do mundo Me poderias ofertar que não fosse Meu, pois sou o Doador de tudo?! Isto seria uma exi- gência fútil de Minha parte e uma completa contradição à Minha Natureza Divina e Ordem Eterna.
Vê, o amor tudo faz. Quem Me ama acima de todas as coisas, oferta-Me o maior sacrifício e a melhor gratidão, pois Me oferece o mundo inteiro. Além do amor para Comigo existe o amor ao próximo, e os pobres de espírito e de posses materiais são vossos semelhantes. Quem algo lhes fizer em Meu Nome, tê-lo-á feito a Mim.
Aquele que acolher a um pobre em Meu Nome, ter-Me-á acolhido, e lhe será recompensado no Dia do Juízo Final. Quem receber um sábio em virtude de seu saber, terá recompensa idêntica, e o que oferece um copo d’água a um sedento, receberá vinho no Meu Reino.
Se praticas a caridade — faze-lo com amor e sem alarde, pois o Pai no Céu o vê, tua dádiva Lhe será agradável e a recompensa de cem, por um. Quem tenciona, no entanto, brilhar diante do mundo pelas obras de caridade, já terá recebido o prêmio mundano e nada mais deve aguardar.
Nisto consiste a única maneira agradável de sacrifício e gra- tidão a Meus Olhos, pois as oferendas de promessas e incenso são de odor pestilento, e as preces formais um horror, provindas da-
queles cujos corações estão longe do verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Quem poderia colher vantagens com o vozerio inútil dos templos, onde não se considera os milhares de pobres e famintos fora dos mesmos?!
Fortalecei, primeiro, os sofredores, alimentai os famintos, saciai os sedentos, cobri os desnudos, consolai os tristes, libertai os prisioneiros, pregai o Evangelho aos pobres de espírito — e tereis feito muito mais que orando dia e noite, enquanto vossos corações perduram frios e insensíveis aos pobres irmãos.
Vê o mundo da Natureza, a Terra e os astros, as flores e as árvores, os pássaros, os peixes e toda a fauna; observa os picos das montanhas, as nuvens e ventos — todos anunciam a Honra de Deus; no entanto, Ele nada disto considera, ao contrário do homem fútil. O que Ele vê, unicamente, é o coração da criatura que O re- conhece e ama como o Pai Verdadeiro, Bom e Santo. Assim, como poderia Ele achar prazer num coração vazio de virtudes ou numa cerimônia vã com preces e incenso, que oculta o mais pronunciado amor-próprio, orgulho, tendência para o domínio, toda sorte de im- pudicícia e fraude?!
Agora sabes que: primeiro, Deus não necessita de honrarias de criaturas fúteis, pois o Universo é pleno de Sua Honra. Segundo: de que forma poderia o homem tolo e cego honrar a Deus, se outra honra não possui além daquela que Dele recebeu pela Graça de ser criatura?! Ou poderia contribuir para a Honra Divina o fato de os homens Lhe ofertarem um boi, permanecendo de corações empe- dernidos dez vezes mais depois do sacrifício?!
Não aceito honra humana, pois o Pai no Céu o faz de sobejo! Se as criaturas cumprem Meus Mandamentos, demonstrando deste modo seu amor para Comigo, patenteiam a honra devida a Mim e a Meu Pai, pois que somos perfeitamente Unos! Se tal é a Verdade Plena e Eterna, não Me desonra quem cumpre a Vontade de Deus, externada por Moysés e outros profetas e como acabo de vos revelar. Compreendes agora como se deve agradecer e louvar a Deus pelas dádivas recebidas?”
Diz Helena, compenetrada pela Verdade de Meus Ensina- mentos: “Ó Senhor, cada uma de Tuas Santas Palavras formou um eco em meu coração, ressoando em minh’alma. Eis a Verdade Divi- na e Pura! Tal Doutrina só Deus Mesmo podia facultar aos homens, pois não haveria ser humano que a criasse.
Quão maravilhoso é tomar conhecimento da Vontade de Deus Único e Verdadeiro para assim agir com todas as forças dispo- níveis, em confronto com as atitudes impostas pelo orgulho huma- no sob a alegação de que sejam a Vontade de Deus.
Sempre imaginei que um Deus Verdadeiro só possuía uma Vontade Justa que não pode estar em contradição, como acontece às leis humanas, as quais muitas vezes se revogam entre si. Quem cumpre tal lei acarreta o castigo duma lei anterior, e não o fazen- do, será julgado pela nova determinação. Como, pois, viver dentro da justiça?!
Admitimos nossas antigas leis deíficas, onde o sacerdote, as- tuto, alega: Se fizeres uma oferenda a Pluton, enraivecer-se-á Zeus; fazendo-a a este, aborrecerás o primeiro. Por um sacrifício a seus sa- cerdotes, únicos competentes para abrandar a ira dos deuses, agirás bem! — Alegam ser mediadores eficazes entre divindades e homens. Assim, souberam atrair tudo para seus bolsos, deixando-se adorar pelo povo ignorante, que tremia diante daquele poder. Tal incoerên- cia não será admissível dentro desta nova Doutrina.”
Digo Eu: “Isto não te deve preocupar. Finalmente, tudo que vem do Alto, material ou espiritualmente, torna-se impuro no mo- mento que toca a Terra. Vê uma gota de chuva! Não haverá diaman- te mais puro — mal toca o solo, perde sua pureza.
Sobe u’a montanha e deslumbrar-te-á a brisa fresca, enquanto nos baixios notarás a grande diferença atmosférica. Quão puros caem os flocos de neve das nuvens. Não leva muito tempo para que desapa- reça sua alvura. Observa o vento que desce dos montes: turva-se pelo contato da poeira, e os próprios astros perdem seu brilho quando pró-
ximos do horizonte. Até mesmo o raio solar do meio-dia é facilmente ofuscado pela névoa terráquea, o que torna difícil localizá-lo.
Fato idêntico atinge todas as Dádivas Celestes, que, no início mui puras, com o tempo se turvam pelos interesses mundanos. Isto também se dará com Minha Doutrina puríssima, pois não consegui- rá escapar, em nenhum ponto, da crítica.
O Templo que ora edifico será destruído, assim como em futuro próximo o de Jerusalém, de onde não restará uma pedra sobre a outra. Reconstruirei Este Meu Templo, mas o de pedra, em Jerusa- lém — jamais! Não te preocupes, porém, pois sei da razão de tudo.
Ninguém dá atenção à luz do dia, tampouco ao calor do ve- rão; quando vier a noite a luz será apreciada, e o calor apenas consi- derado no inverno. Assim acontece com a Luz Espiritual e Seu calor. Não dá valor à liberdade quem está livre; apenas quando no cárcere saberá avaliar essa grande dádiva.
Eis por que, querida Helena, é permitida a turvação de tudo que é puro, para que o homem venha, pelo sofrimento, a estimar o valor da Luz pura. Quando na noite trevosa Ela surgir, atrairá tudo que tem vida, como no inverno do egoísmo humano todos se ache- gam a um coração amoroso, e como os pobres, gelados pelo frio, procuram o calor da lareira.
Estes ensinamentos só para vós servem, por isto não os dis- seminarei a terceiros. Tratarei dos acontecimentos externos, e basta que cada um purifique seu próprio coração, pois, estando este em ordem, a vida da criatura também entra numa fase ordenada. Com- preendeste tudo, Helena?”
Diz ela: “Oh, sim. Entretanto, não é muito agradável sa- ber-se disto antecipadamente, não obstante tudo possuir uma razão boa e sábia, pois que visa o Bem da criatura. Tua Vontade seja feita para todo o sempre.” Após estas palavras, Helena, num êxtase, segu- ra Minha Mão contra o peito, o que quase provoca um sofrimento a Yarah, pois Eu nada lhe havia dito durante Minha Palestra com a grega. Tudo se normaliza quando Eu a fito com carinho.
Confortada pelo Meu Olhar, manifesta-se a menina: “Se- nhor, meu amor eterno! Acaso Te ofendi com meu aparente ciúme, por causa da bonita Helena? Perdoa-me!”
Digo Eu: “Acalma-te, Minha filha, pois se o mau não pode ser ofendido pelo amor — muito menos Eu! Se teu amor fosse me- nos intenso, não terias receio de Meu Sentimento diminuir pelo amor a Helena; assim, deixas-te levar pelo medo, pois, por momen- tos, evadiu-se a compreensão de tua alma sobre Quem, realmente, Eu sou! Agora, novamente equilibrada, Helena não mais te altera.
Vê o Sol, como ilumina as flores do campo! Não seria tolice uma qualquer se aborrecer por ele irradiar igual medida sobre todas? Observa as grandes estrelas, as quais pudeste visitar pessoalmente! Vivem elas e inúmeras outras de Meu Amor, e jamais serão vislum- bradas pelo homem! Se Meu Amor é suficiente para alimentar es- ses incontáveis e enormes pensionistas, por todas as eternidades — como podes, filhinha, recear algum prejuízo por causa de Helena?! Reconheces a futilidade de teu receio?”
Diz Yarah: “Sim, Senhor, meu amor e minha vida! Procu- rarei tornar-me boa amiga de Helena e imitar suas virtudes. Ah, se minhas irmãs mais velhas lhe fossem semelhantes, que alegria não haveria de sentir! Infelizmente, têm inclinações mundanas e não há possibilidade de lhes falar sobre assuntos espirituais, que tanto alme- jaria. As filhas de Marcus são bem diferentes.”
Digo Eu: “Ora, deixa disto; quando chegares à casa, encon- trá-las-ás mais acessíveis. Além disto, tens Raphael a teu lado que te ajudará nessa tarefa. De mais a mais, este empreendimento não é tão rapidamente realizável com criaturas mundanas. Requer geralmente muito tempo e paciência para livrar uma alma de toda impureza. Enquanto não for conseguida a purificação total, nada feito com o que toca ao espírito, pois entreter apenas o intelecto com tais noções é construir uma casa na areia.
Necessário é que o coração o assimile; estando este cheio das coisas do mundo, os assuntos de ordem espiritual não encontram ponto de apoio. Eis por que deves tratar que os corações de tuas ir- mãs sejam libertados de toda matéria — e terás fácil tarefa. Todavia, louvo tua preocupação e te afirmo que não perdurará por muito tempo! Entendeste bem?”
Diz Yarah: “Oh, sim, à medida que u’a menina de catorze anos pode assimilar algo de espiritual, pois aquilo que me acabas de dizer pode ocultar ensinamentos profundos, que minh’alma por muito tempo não compreenderá. Julgo ter entendido o que no mo- mento me seja útil e Tu, Senhor, por certo cuidarás do progresso e entendimento de meu coração. Mas..., vê só, Helena dorme profun- damente e não lhe poderei falar!”
Digo Eu: “Não importa, rodeiam-nos várias pessoas com as quais poderemos palestrar, se tal for necessário. Todavia, surgirá um fato que nos vai prender toda atenção e não teremos tempo para conversas fúteis.”
Diz ela, rapidamente: “Que acontecerá?”
Respondo: “Não necessitas sabê-lo de antemão.”
Pergunta Ouran, que se acha com Mathael, repousando na grama: “Senhor, haverá perigo?” Respondo: “Não para nós, mas para os que não se acham Comigo! Dirigi o olhar para Cesareia Phi- lippi e descobrireis o que realmente há.”
108.OSACONTECIMENTOSEMCESAREIA PHILIPPI
Os habitantes de Cesareia aguardam com pavor os aconteci- mentos horrendos que, dentro de sua compreensão, devem devastar o globo: os judeus à espera do julgamento de Daniel; os pagãos, da guerra dos deuses. O povo se rebela, negando obediência a seus superiores, destruindo tudo que vê. Em suma: dentro de algumas horas reina a maior anarquia na cidade, fato pelo qual os sacerdotes ignorantes são responsáveis.
Há entre eles alguns mais instruídos na sabedoria egípcia que pouco se importam com o desaparecimento repentino do sol artifi- cial, sabendo que tais fenômenos já se haviam repetido sem prejuízo para as criaturas. Outros julgam tenha surgido um segundo Josué, que por motivos concludentes ordenasse ao Sol permanência maior.
Além disto, uma seita judaica dogmatiza que o Sol perdura mais tempo no Céu de cem em cem anos, em homenagem eterna à derrota total de Jericó, sem que isso afete o planeta. Alguns magos do Oriente, de passagem por essa cidade, alegam que o Sol após um eclipse prolonga sua luz, a fim de compensar os danos causados. Es- ses também não se impressionam com o fato; todos, porém, querem aproveitá-lo para atemorizar o povo. Assim, os habitantes vão em busca de meios de resgate para apaziguar o sacerdócio; este, numa ganância sem limites, não se satisfaz, pois o povo guarda para si os objetos de valor.
Observando tal embuste, um grego, velho e honesto, enten- dido nas leis da Natureza, chama à sua casa alguns moradores mais calmos e explica-lhes, em poucas palavras, o impossível dano de tal aparição, dizendo: “Se houvesse algo de real a temer, não teriam os sacerdotes espertos tanto zelo e calma em extorquir oferendas de toda espécie. Se daqui a algumas horas o Sol reaparecer como de costume, esses perdulários exigirão novos sacrifícios. Divulgai isto ao povo ludi- briado, afirmando que o velho e sábio grego lhe transmite este aviso!”
Tal naturalista é muito conceituado entre os habitantes, de sorte que sua afirmação se propaga rapidamente. Em menos de uma hora invertem-se os papéis: os sacerdotes têm que devolver as ofe- rendas e fugir o mais depressa possível, pois o povo se revolta cada vez mais e não há servo ungido seguro da própria vida.
Prevendo isto, chamo a atenção de Ouran no momento em que se descobre a revolta, não obstante haver muitos fora da cidade aguardando um desastre qualquer. Mal acabo de falar, vários edifí- cios começam a arder, e o desespero ressoa até nós. Nisto se achegam a Mim Cirenius e Julius, e perguntam amedrontados o que há na
cidade; em poucas palavras os inteiro do acontecimento. Assim acal- mados indagam apenas se tal não trará más consequências.
Digo-lhes Eu: “Não a vós, mas ao sacerdócio; pois o povo, la- dino, apazígua os deuses com incêndios em habitações sacerdotais e templos pagãos. Por certo não lastimareis essa raça de víboras! O sol artificial teve boa luz, pondo a descoberto as traficâncias dos ‘servos de Deus’, que ora recebem seu prêmio merecido.”
109.ALEGRIADEMARCUSCOMOCASTIGOAPLICADOAOS SACERDOTES
Eis que Helena desperta de seu êxtase delicioso e se assusta pelo movimento no monte e o incêndio na cidade. Yarah de pronto lhe explica o que se passou, e a moça então diz: “Há uma hora atrás tive a impressão de minh’alma prever tal destino para essa cidade, após o rápido desaparecimento do Sol; eis que meu pressentimento se justifica. Senhor, por certo previas o fato que evidencia a razão do surgimento do astro fictício.”
Digo Eu: “Sim, querida filha, é possível que assim seja, pois uma luz por Mim colocada no Firmamento tem quantidade de bons motivos, e não só o da iluminação, que realmente é o menor. Obser- va a luz solar, por si secundária; considera, porém, as criaturas livres, mas algemadas pela Natureza, e descobrirás efeitos de luz e calor jamais sonhados pelos sábios naturalistas.
A própria Terra poderia apresentar tão inúmeras maravilhas como consequência dessa luz, que nem em vários milênios poderias abarcar! Esse Sol, cuja irradiação produz tais fenômenos, é rodea- do por incontáveis e maiores corpos cósmicos, realizando ali outros efeitos maravilhosos. E vê, tudo pela ação de uma só luz. Por aí concluirás que não fiz surgir o astro artificial apenas para o prolon- gamento de seus luminosos raios. Que te parece?”
Diz Helena: “Ó Senhor, Tu, Único Santo, que valor poderia ter a opinião humana, que jamais penetrará nas profundezas de Tua Onipotência? Já consiste em algo infinitamente elevado poder eu Te
amar acima de tudo, num amor bem-aventurado do qual meu co- ração jamais será merecedor. Querer pesquisar Tua Natureza Divina considero a maior ousadia da criatura. Possível é amar-Te acima de todas as coisas; todavia, nenhum espírito Te poderá analisar.”
Nisto se aproxima o velho Marcus e diz: “Senhor, com este incêndio, os peixes que fui obrigado a entregar como dízimo aos fariseus certamente ficarão cozidos e fritos. Sabes de minha hos- pitalidade sincera, pois sempre preferi dar a receber; mas o dízimo aos fariseus me aborreceu profundamente! E agora, precisamente a maioria de suascasas se acha ardendo! Isto me agrada mais do que se alguém me presenteasse com dez belos edifícios. Nunca fui maldoso, Senhor; desta vez, perdoa-me — não me contenho!
É uma alegria para um coração bondoso dar aos necessita- dos; pagar o prêmio justo e mais alguma coisa a um trabalhador é sublime dever de todas as criaturas. Pagar ao prefeito os impostos legais é obrigação sagrada de todo cidadão, pois tendo ele grandes gastos para ordem e segurança do país, os súditos são obrigados, pelo amor ao próximo, a fazer de boa vontade o que for exigido em prol de todos.
Possível é que, entre proeminentes figuras em nossa política, surja um déspota com intenção de sugar o povo; mas outro haverá, depois desse, de modo geral mais compreensivo, que novamente le- vante os ânimos. O sacerdócio, porém, é sempre o mesmo: tiraniza qual vampiro a multidão, extorquindo os pobres de modo mais re- pugnante, compensando-lhes com traficâncias de toda espécie. Eis por que um homem de bem deve louvar e honrar a Deus, no caso de lhe sobrevir um julgamento. Meu coração se sente confortado observando que justamente as residências e sinagogas dos judeus são devoradas pelas labaredas — e isto, num antessábado. Amanhã não poderão fazer coletas; tal castigo é bem merecido.”
Digo Eu: “Como sabes disto tudo?”
Responde ele: “Oh, fui à casa para ordenar o preparo dos ali- mentos aos pobres que talvez amanhã me venham visitar e dei com três gregos, aos quais fiz servir pão e vinho, e me contaram os fatos
passados na cidade. Minha satisfação foi tão grande que teria ensejo de lhes indenizar por cada palavra.”
Digo Eu: “Amanhã terás de pagar tal alegria, pois muitos dos fariseus irão à tua casa.”
Responde ele: “Com prazer hospedarei esses homens du- rante oito dias — talvez um ou outro se modifique. A Ti, Senhor, todas as coisas são possíveis!”
110.AALEGRIA MALDOSA
Estas palavras de Marcus despertam aplausos gerais. Helena, neste mesmo instante, observa uma chama extremamente luminosa, clareando toda a zona. Também Cirenius vê a labareda que aumenta mais e mais. À noite, porém, toda luz tem a particularidade engano- sa de parecer se aproximar à medida que se dilata no mesmo local. Prova isto o fato de as criancinhas costumarem estender os braços à Lua que lhes parece tão próxima, e os cães a perseguem pelo mesmo motivo. Igual equívoco se dá com Helena, crente que a crescente chama vem se aproximando e me pede para impedi-la.
Digo Eu: “Não sejas tola! Trata-se apenas duma ilusão de óti- ca, provocada pelo fogo na grande despensa do palacete do reitor judaico. Achavam-se ali guardados perto de duzentos quilos do me- lhor azeite de olivas em barris, várias barricas com nafta destinadas à iluminação de seu palácio, além de grande quantidade de manteiga, leite e mel. Tudo isto tornou-se presa das chamas — e nesta ocasião, Marcus, teus peixes passaram a ser fritos. Que te parece?”
Diz este: “Senhor, que tanto pode pesquisar meu coração quanto a despensa do reitor — sabes que não sou nem nunca fui maldoso; como guerreiro fui severo, sem jamais ter prejudicado al- guém, ainda que tal conduta resultasse em punição superior. Assim, não me alegro com a desgraça propriamente dita, e que meus peixes sejam fritos sem proveito — mas que essa velha praga da Humani- dade tenha recebido uma boa lição.
A destruição de seus bens é de somenos importância; seu real prejuízo consiste na dissolução da crença em seus ensinamentos, o que será um grande benefício para o povo. Agora estará ele acessível à Verdade Pura e Divina, no que me alegro enormemente. Pode até acontecer que o malogrado sacerdócio também se torne mais male- ável, caso não seja obtuso em demasia. Penso que o dia de amanhã será bem interessante. — Dize-me, Senhor, se tenho razão ou se minha alegria é condenável diante de Teus Olhos.”
Digo Eu: “Em absoluto, pois se Eu não tivesse o mesmo mo- tivo, não terias visto a Fata Morgana nem este incêndio. De saída sentias alguma satisfação maldosa, pois te aborreceste com o dízimo que os fariseus te açambarcaram. Por isso te falei: amanhã terás de prover vários sacerdotes, sem todavia teres prejuízo.
Um homem justo e perfeito deve ser íntegro em todos os senti- mentos, pensamentos e ações, do contrário não se presta para o Reino do Céu. Observemos, por exemplo, um infrator da lei, inepto para qualquer boa ação; é, em suma, irmão de Satanás. Por muito tempo pratica, incólume, suas maldades, pois sendo astucioso, não pode ser preso em flagrante. Quantas pessoas não desejam que tal criminoso seja atingido pela justiça! Finalmente chega esse dia, e o juiz o cha- mará à responsabilidade, condenando-o ao máximo castigo. Todos se regozijam e não faltam pessoas ‘bondosas’ que lastimem não possuir direito legal para lavrar, elas próprias, a sentença condenatória.
Nesse caso dever-se-ia indagar, de coração e intelecto cal- mos e justos, se esta satisfação se aplica a um homem perfeito, pois tanto o sentimento quanto a razão deverão responder: Alegro-me que a Humanidade tão castigada por tal criminoso seja liberta desse elemento; melhor seria se reconhecesse ele sua atitude condenável, arrependendo-se e transformando-se num elemento útil, que pro- curasse remediar o mal praticado. — Qual das duas intenções vos parece mais acertada?”
Responde Marcus: “Sem dúvida a segunda; a primeira é bru- tal e egoísta.”
Opina Ouran: “Nunca ouvi dissertações tão elevadas! Sou soberano de vários cem mil súditos e consta serem eles os mais felizes das zonas no Pontus; entretanto, tenho de agir dentro da lei romana, com poucas exceções. Contudo, sempre achei as leis de Roma um tanto severas. Quão pouca é a consideração quanto à natureza e ca- pacidade do caráter individual! Seria tolo afirmar que um sapato sir- va para todos os pés, quanto mais uma lei aplicada indistintamente.
Da maneira como Tu, Senhor, pronunciaste as tuas, vitais, todo e qualquer poderá segui-las, não obstante sua índole. Voltando a meu país farei grandes modificações. Mathael nomeio, desde já, vi- ce-rei e conselheiro, por eu não ter filhos; passará a usar, bem como seus quatro colegas, indumentária do Governo grego, e me ajudará da melhor maneira.”
Adere Cirenius: “Eu, prefeito romano sobre toda Ásia e parte da África, munido de todas as prerrogativas por parte do Imperador Augusto, meu falecido irmão, e pelo sucessor, seu filho — apoio esta boa escolha. Não poderias ter encontrado pessoa mais meritosa, Ouran! Tenho dito!”
Acrescento Eu: “Também concordo, pois de há muito já tem Minha unção espiritual para tanto; tu, Ouran, poderás ungi-lo em teu país com óleo de nardo, diante do povo e das autoridades, a fim de que saibam com quem estão lidando. Ele protegerá teu país contra a invasão dos skythos de modo mais potente que um grande exército dos melhores guerreiros. Para tal fim dar-lhe-ei força es- pecial quando iniciar sua incumbência; por enquanto basta-lhe a sabedoria.”
Indaga Ouran: “Senhor, não seria possível converter para Tua Doutrina essas hordas perigosas? É uma lástima ver criaturas de físico tão atraente e nula compreensão de algo mais elevado. É desanimador se deparar com uma figura masculina hercúlea, ou fe- minina paradisíaca, que não tem linguagem, apenas sabem grunhir
qual suínos, o que, por certo, nem eles entendem. Não seria bom conquistá-los, a fim de se tornarem verdadeiras criaturas?”
Digo Eu: “Os colegas de Mathael te ajudarão na realização de teu desejo; entretanto, não poderás dominar todos os skythos, cujo país é vastíssimo. Consegui-lo-ás nas proximidades do Mar Negro, e poderás educá-los a teu critério.”
Diz Ouran: “Senhor, eterna gratidão em nome de todos os futuramente despertados em espírito através de Tua Doutrina. Não faltarei com meu esforço e vontade persistentes.”
Diz Cirenius: “Acrescento mais: será tua posse o que con- quistares. Querendo fazer disto declaração a Roma, ficarás isento, por dez anos, dos juros de arrendamento, tendo teus descendentes direito de herança. A partir de trinta anos teu país não será dado em leilão, como de hábito. Amanhã receberás documentos com- provantes de tais direitos. Apenas um inimigo estrangeiro o poderia açambarcar à força; por parte de Roma, será teu país para sempre.”
Digo Eu a Cirenius: “Faze-lo ainda hoje; amanhã é sábado e não devemos aborrecer os fracos de espírito.”
Conjectura Cirenius: “Senhor, como poderei escrever ago- ra, à meia-noite? Fá-lo-ei de madrugada, de modo que ninguém se escandalizará.”
Digo Eu: “Meu Raphael já o aprontou; lê o documento e vê se é o que desejas.”
Cirenius apanha o pergaminho, aproxima-se duma tocha e se certifica de sua exatidão. “Se tal fosse a primeira prova”, diz ele, “ainda me admiraria; mas isto para Raphael é tão fácil, como para o homem alcançar as estrelas com o olhar. Já que está pronto, pode Ouran guardar o documento.”
Unindo o gesto à palavra, Cirenius continua: “Toma isto para proteção tua e de teus descendentes. Trata de conquistar as cria- turas para o Reino do Céu, do Amor, da Verdade Eterna, que veio de modo tão milagroso a nós por Jesus, o Senhor! Estamos Nele, vivemos por Ele, hoje e sempre.”
112.HELENASETORNAESPOSADE MATHAEL
Sensibilizado, Ouran agradece a Mim e a Cirenius, no que Helena também compartilha, dizendo: “Mas..., meu pai não tem filhos homens. Quem continuará seu governo?”
Digo Eu: “Minha querida Helena, já não vos dei um sábio des- cendente que teu pai acaba de nomear vice-rei? Não vos agrada ele?”
Diz ela, quase chorando de alegria: “Se nos agrada?! Senhor, perdoa se Te ofendi, pois tive de perguntar para saber de Tua San- ta Vontade.”
Digo Eu: “Acalma-te, pois a Mim ninguém poderá ofender, muito menos tu! Como indagas algo que já sabias, pergunto-te o que sei sem tua resposta. Vê Mathael, nomeado por teu pai, sendo esta decisão firmada por Mim e Cirenius. Conta apenas vinte e oito anos; haverias de querê-lo por esposo?”
Encabulada, Helena baixa os olhos, dizendo: “Senhor, por mais oculto que se tenha algo no coração, nada Te escapa. Analisaste meu sentimento para com Mathael, viste quanto o estimo e agora me denuncias! Assim sendo, só me resta responder ‘sim’ à Tua Santa Pergunta. Falta saber se ele sente o mesmo.”
Digo Eu a Mathael: “Amigo, podes, sem susto, continuar a palestra.” Responde ele: “Senhor, nunca és tão amoroso como ao nos falares tão humanamente. Indagas se poderei amar esta moça pura, dedicada a Ti de toda alma, de modo tão intenso como Te amo? A única dificuldade consiste em ser ela filha dum rei, e eu pobre cida- dão dos arrabaldes de Jerusalém, cidade de cem portais e mais de um milhão de habitantes.”
Digo Eu: “Mas..., quê? Quem foi David, em origem? Quem, Saul? Quem os ungiu para reis? Se repito contigo o que lhes fiz, como alegas não seres da mesma estirpe de Helena? Julgas que Eu não te- nha Poder de sobejo para te fazer sentar no trono imperial de Roma?
Conheces o poder e a força deste nosso servo Raphael, e Eu disponho de legiões semelhantes a ele. Quem haveria de querer en- frentá-los? Basta apenas Raphael para transformar num minuto esta
Terra em pó; portanto, destronar o Imperador e substituí-lo seria coisa de nada. Tal, porém, não é preciso, pois sei por que deixo o atual em Roma. Deste modo, também possuo poder ilimitado para fazer de ti o que Me agrada; quem quererá discutir por isto?!
O Poder de Deus ultrapassa o dum rei da Terra, pois tanto a vida dum soberano quanto a dum mendigo estão em Minhas Mãos, bastando o mais leve sopro de Meu Espírito para dissipar a Criação. Por isso, não te aflijas! O que digo é válido para a Eternidade e Minhas Determinações são indiscutíveis e imutáveis. Somente Eu, como o Senhor, ajo de acordo com Meu Amor e Sabedoria, e não há quem possa algo conseguir, dizendo: Senhor, por que fazes isto ou aquilo? — Quem alguma pergunta Me fizer, no coração, receberá de Mim resposta elucidativa; quem desejar, porém, discutir Comi- go, não receberá resposta, mas um julgamento. Se te faço rei, és um soberano verdadeiro e quem te desafiar será dizimado. Toma, pois, a mão de Helena, ela é e será tua querida esposa.”
Levanta-se Ouran e diz, penetrado de profunda gratidão: “Ó Senhor, Onipotente de toda Eternidade, de que maneira poderei eu, pobre pecador, externar meu reconhecimento? Cumulas-me de Graças e benefícios sem par, tirando-me um peso do coração.
Quão difícil é para um bom pai encontrar esposo para sua filha única, do qual se pudesse positivar um matrimônio feliz. Quantas vezes os pais ofertavam sacrifícios no Templo himeneu em holocausto à felicidade de suas filhas — mas tudo em vão! As liga- ções eram infelizes e a filha casada, escrava, ao invés de amiga e fiel companheira do marido.
Aqui, dão-se os verdadeiros matrimônios celestes, confor- me diziam os velhos. Tu Mesmo, Senhor, determinaste esta união, portanto espero se derrame sobre ela Tua Benção, a qual terá, na- turalmente, de ser merecida pelo cumprimento de Tua Santa Von- tade. — Helena, filha querida, poderias ter imaginado que ambos encontraríamos a felicidade neste lugar tão despovoado, quando en- cetamos viagem em busca da Sabedoria Verdadeira e do Deus Des- conhecido?!
Vês como meu provérbio ‘Quem tudo quiser achar, deve apenas procurar Deus!’ realizou-se de modo tão maravilhoso?! Sus- piraste ao deixar tua cidade natal e disseste: ‘Pai, presumo que jamais tornaremos a ver nosso país tão belo!’ E te respondi: ‘Não te aflijas, filha; não tencionamos invadir o país vizinho, vamos à procura da maior felicidade para nós e nossos conterrâneos, e ninguém nos po- derá condenar por tal razão!’ Agora te pergunto se pressentiste algo desta grande felicidade que aqui encontramos?”
113.GRATIDÃOEBOASINTENÇÕESDE HELENA
Diz a moça: “Oh, quem poderia pressupor tal coisa? Além disto, encontrávamo-nos enterrados nas ideias do paganismo, de sorte que se tornara impossível a intuição daquilo que aqui iríamos receber pelo Próprio Deus! Por tudo isto podemos apenas amá-Lo agora e sempre — e nosso amor aos súditos se manifestará no sen- tido de lhes transmitir o Nome do Deus Único, capacitando-os a se tornarem Seus filhos pelo caminho do verdadeiro amor e humilda- de. E Mathael, meu querido esposo, auxiliar-nos-á com seus colegas, de sorte que nosso benefício será o dos outros.
Eis tudo que posso afiançar fielmente diante do Altíssimo, do fundo do meu coração humilde. Senhor, sê misericordioso e be- névolo para com esta pobre pecadora, pois somente Tu saberás o que poderei suportar como provações futuras. Não me quero esquivar desse peso, que suportarei com as forças dadas por Ti. Não me quei- ras, porém, sobrecarregar!”
Digo Eu: “Meu jugo é suave e Meu fardo leve; mas um pe- queno acréscimo de vez em quando não te causará prejuízo — ao contrário, um grande benefício para alma e espírito. Em tempo oportuno teu esposo relatar-te-á quais as provações ele teve de ven- cer, a fim de exterminar de seu coração tudo que vinha do mundo, para alcançar o poder atual. Nem eternidades nem poder algum lhe poderão arrebatar essa posse; no entanto, aquilo que assimilaste pelo ensino externo ainda se assemelha à semente lançada à terra, neces-
sitada da experiência do fogo para se tornar um verdadeiro e aben- çoado fruto.
Por isso não te amedrontes com as variadas provações que en- frentarás durante a vida, pois Eu Mesmo tas enviarei para fortalecer alma e espírito. Quando tal ocasião chegar, lembra-te: sou Eu que te mando tal estímulo! Quanto mais amo alguém, tanto mais será ex- perimentado por Mim. Todos terão de se tornar perfeitos como Eu, para que é preciso renúncia, paciência, meiguice e completa dedica- ção à Minha Vontade! Quem agir inteiramente dentro desta Ordem será espiritualmente tão perfeito quanto Eu, pela união do seu com o Meu Espírito. — Dize-Me, assimilaste tudo isto?”
Diz Helena: “Oh, sim, na medida que um mortal possa com- preender as Palavras de Deus em sua restrição temporária.”
Digo Eu: “Pois bem, vamos agora descansar um pouco! Quem quiser dormir, durma; quem quiser vigiar e orar Comigo, que o faça!” Exclamam muitos: “Senhor, desejamos vigiar e orar Contigo!”
Finalizo: “Fazei o que vos agrade, todavia é preciso bem se preparar para o dia de amanhã, trabalhoso! (Virando-Me para Cire- nius): Virão aqui teu irmão Cornélius e o Comandante Fausto para averiguarem o que se passou nesta zona. Não supõem que estejas aqui, e muito menos Eu. Todavia, precisam ser acomodados com seu séquito, pois na cidade não haverá hospedarias devido ao in- cêndio que também atingiu, além de templos e sinagogas, outros edifícios e moradias. Assim, é preciso boa disposição para amanhã. Quem quiser dormir que o faça; Eu tenho de vigiar e orar!” — Com estas palavras deixo os outros e caminho só, a fim de unir mais es- treitamente o Espírito Eterno, do Pai, com toda a Minha Natureza.
114.ANATUREZADE JESUS
Admirados com Minhas Palavras, muitos, inclusive Ouran e Helena, conjecturam: “Estranho! Eis que Ele vai orar e Se pre- parar para o dia de amanhã. A quem irá dirigir Sua Oração? Acaso não é o Ser Supremo? Falou como somente Deus poderia falar;
do Seu Hálito mais sutil depende a existência do mundo — e agora nos manda dormir ou preparar-nos para o dia seguinte. Se Ele dirigir Suas Preces ao Ser Divino, apenas por Ele conhecido, a quem nos compete fazê-lo? Isto ultrapassa o que se possa deduzir do sonho mais tolo.”
Levanta-se Mathael, agitado, e diz em voz alta: “Que juízo errôneo estais externando?! Cegos que sois, inclusive vós, Seus ve- lhos discípulos! Não é Ele, na Terra, de carne e osso como somos, formando deste modo Sua Alma, a fim de capacitá-La à União Per- feita com o Espírito Eterno?!
Somente o Espírito Nele é Deus — o resto é humano como nós. Pela oração faz com que Sua Matéria seja penetrada de Seu Espírito Divino, do Qual derivam todos os outros espíritos, como a pequena gota de orvalho reflete, também pequena, a grandiosidade do Sol verdadeiro. Espiritualmente é Ele o Sol da Verdade, e os espí- ritos, apenas Seus reflexos vivos. Compreendeis agora o que significa Ele dizer que vai orar?”
Yarah e Helena são as primeiras a entendê-lo, enquanto os outros não o conseguem inteiramente, pois confundem alma e espí- rito. Isto leva Mathael a doutriná-los até que se orientem; e eles, por sua vez, elogiam seu profundo saber. A própria Helena toma de sua mão e aperta-a contra o peito, dizendo: “Querido esposo, enviado por Deus, se teu conhecimento progredir desta forma, desejo saber a que ponto chegará meu amor por ti! Se não nos tivesses socorri- do teríamos, finalmente, duvidado do Ser Divino em nosso Mestre, não obstante Seus Feitos Milagrosos por nós assistidos. Agora já nos ambientamos, sabendo a Quem pedir e confiar.”
Cirenius: “Embora satisfeito com tua futura posição, Matha- el, ficaria mais contente com teu convívio constante. Excetuando Raphael, que ora palestra com Suetal, não há quem seja tão inspira- do como tu. Abençoado o povo que irás governar. Todavia, temos de ficar em contato — tu me visitarás ou eu te procurarei.”
Tomando a mão do velho Cirenius, Mathael diz: “Nobre amigo, agiremos de mãos dadas e nosso princípio será tornar esse
povo o mais sábio e feliz, em Nome do Senhor! Nossa atenção não só se estenderá ao bem espiritual daqueles que Deus nos entregou, como a evitar que se queixem de miséria física, mormente quando encaminhados na Doutrina.
Tal regímen encontraria oposição no Império Romano, en- quanto num pequeno país será mais aceitável, tornando-se este um espelho para os demais. Embora os espelhos, geralmente, não me- çam mais que um palmo, pode o homem nele mirar-se dos pés à cabeça; de modo idêntico um pequeno país se pode tornar espelho para um grande. Se o pequeno quisesse imitar o grande, faria su- cumbir seus súditos na miséria. — Tenho razão, Cirenius?”
Diz este: “Desejaria conhecer quem te pudesse contestar; sempre tens razão, pois em ti fala o Espírito de Deus. Observa, po- rém, a cidade: o fogo aumenta mais e mais e talvez destrua tudo. Não poderia Raphael intervir?”
115.ANATUREZADOS ANJOS
Intervém Yarah: “Oh, ele sim. Somente, porém, quando re- ceber ordem do Senhor! Foi-me dado para professor e guia, mas quando lhe peço um obséquio, nunca me satisfaz. Se, por acaso, eu desejar uma explicação, nada me diz; inverte os papéis, fazendo-me discorrer sobre o assunto. Gosto dele e estimá-lo-ia muito mais se fosse um tanto maleável; é bom amigo, mas nunca se lhe deve pedir alguma coisa, pois será inútil.”
Diz Mathael: “Estou para constatar se não se deixa levar à proteção de, pelo menos, algumas habitações particulares. Chamá-
-lo-ei para ver se Yarah tem razão em tudo.” Chamando Raphael, Mathael lhe diz: “Amigo, vê a cidade. Parece-me que alguns casebres também foram atingidos pelo fogo; não poderás impedi-lo?”
Responde o anjo: “Perfeitamente, se fosse permitido. Acon- tece que minha vontade pertence ao Senhor, querendo eu apenas o que Ele quer. Se assim o desejar, não podes saber a rapidez com que apagarei o incêndio. Sem a Vontade do Senhor, posso tão pouco
quanto tu, pois todos os milagres não fui eu, mas Sua Vontade que os efetuou por mim.
Nós, anjos, somos nada mais que a emanação da Vontade Divina ou a Vontade Personificada do Senhor, nada podendo por nós próprios. Não existimos como seres Dela independentes, assim como não te será possível imaginar o reflexo solar num espelho, caso o verdadeiro Sol não projete um raio sobre a superfície do mesmo.
A fim de que possas melhor compreender minha natureza, indico-te um espelho ustório, inventado pelo célebre matemático e físico Archimedes. Esse espelho circular, que possui a altura de um homem mediano, concentra os raios solares em um ponto de no máximo dois dedos de diâmetro, no qual tanto a luz como o calor alcançam uma força muito superior. Embora atinja tal potência, esta não seria realizável sem o Sol. O espelho apenas concentra esses raios em um foco de ação rápida e potente; sem o Sol fica desprovido de força e projeção.
De modo idêntico nós, anjos, somos um espelho ustório na captação e concentração da Vontade Divina, e nossas ações derivam do foco projetado por esta Vontade, realizando milagres sobre mila- gres. Compreendes?”
Diz Mathael: “Perfeitamente; apenas ignorava ser Archime- des inventor de tais espelhos, atribuídos primeiro a um tal Hamerod e mais tarde ao conhecido Thales, do qual se diz também ter inven- tado u’a máquina de raios.”
Diz Raphael: “Certo. Archimedes, porém, foi torneador e conseguiu descobrir, além do espelho mencionado, cilindros e dis- cos com que dava origem aos raios, além da máquina de levantar peso através dum engenhoso parafuso, também de seu invento, com auxílio do qual afirmava: ‘Dai-me um ponto fixo na Terra — e eu a deslocarei.’ Disto tudo se conclui que eu, por mim, não posso satisfazer teu pedido. Se o Senhor assim o determinar, tudo será resolvido num instante. Dirige-te, pois, a Ele!”
Diz Yarah: “Não devemos perturbá-Lo agora que nos reco- mendou calma e preces, caso não dormíssemos. O incêndio da cida-
de não nos toca; o Senhor terá Suas razões para deixar que tal acon- teça, sendo movido apenas pelo Amor e Misericórdia. E se fôssemos querer alterar os fatos, por certo tudo pioraria.”
116.OCONHECIMENTODE YARAH
Diz Mathael: “Oh, pequena excepcional. Nunca poderia su- por tal saber dentro de ti! Somente desejaria saber de que maneira fazes tuas preces.”
Responde ela: “Transportando todos os meus pensamentos e sentimentos ao recôndito de meu coração, onde reside o amor a Deus. Assim, este Santo amor recebe alimento de modo idêntico como se deitasses gravetos incendiáveis sobre brasas. Os gravetos em breve fariam surgir labaredas que se comunicariam às brasas, incendiando-se. Assim também tudo se torna iluminado e cheio de sentimentos de amor no coração, e o espírito lá oculto e de Seme- lhança Divina diz:
Ó Tu, meu Santo Pai nos Céus! Santificado seja Teu Nome! Teu Amor de Pai venha a nós, pobres pecadores, encobertos pe- las trevas! Unicamente Tua Santa Vontade se faça nesta Tua Terra e em todos os Teus Céus! Se houvermos pecado contra Tua Eterna e Santa Vontade, perdoa-nos tal tolice e tem paciência e indulgência para conosco, assim como também nós a teremos com aqueles que nos tenham ofendido. Não permitas que sejamos tentados em nossa fraqueza carnal além de nossas forças, pelo mundo e Satanás, mas li- berta-nos pela Graça, Amor e Misericórdia de múltiplos males, pelos quais nosso amor para Contigo, Santo e Amantíssimo Pai, pudesse ser turvado e enfraquecido. Se a fome espiritual e material nos asso- la, dá-nos, Querido Pai, o que necessitamos, de acordo com Tua Sa- bedoria. A Ti dedicamos todo amor, honra e louvor eternos. Amem!
Isto chamo ‘orar’; mas apenas tem valor diante de Deus quando o amor por Ele, no fundo do coração, tenha se tornado uma chama poderosa pela concentração de todos os pensamentos e sentimentos; faltando esse proceder, todas as preces, ainda que
retumbantes, constituem um horror para Deus e passam a ser des- consideradas.
Deus é Espírito e deve ser adorado no espírito do amor e na luz flamejante da verdade. Compreendes o que vem a ser orar verda- deiramente segundo a minha compreensão?”
Responde Mathael: “Menina encantadora! Quem teria su- posto em ti tanta sabedoria?! Realmente, eu mesmo ainda me po- deria tornar teu discípulo e não me envergonho de confessá-lo. Só agora compreendo tua atração invencível para com o Senhor e vice-versa. Parece-me que também foste despertada por Ele de modo rápido?”
Diz ela: “Quem ama a Deus, o Senhor, acima de todas as coi- sas, em breve será despertado; quem procura amá-Lo pelo intelec- to terá empreendido um trabalho improfícuo, e jamais alcançará a meta desejada. Assim, também conseguiste a Luz intensiva da Graça Divina, pois no coração de tua alma devia ter havido um verdadeiro incêndio, embora teu físico fosse sitiado, durante certo tempo, por espíritos infernais.”
Diz Mathael: “Bem, tens razão. Desde minha infância amei a Deus acima de tudo, razão por que meus pais me fizeram consagrar ao serviço do Templo, onde meu corpo foi transformado deveras num verdadeiro engenho diabólico. Minh’alma, porém, permane- ceu o que fora desde início. Não falemos mais desse assunto que pre- firo não recordar. — E tu, Helena, dize-me se te agrada esta pequena sábia. Não é de admirar seu profundo conhecimento?”
Indaga Helena: “Quem são seus pais?”
Diz Mathael: “Ora, isto já é sabido; Ebahl, hospedeiro de Genezareth, é seu progenitor. Já o esqueceste? Antes, dize-me o que julgas de seu profundo saber e se não tens vontade de ser a ela idênti- ca?! Tenho conhecimento de muita coisa — esta menina, porém, me ultrapassa. Percebo que seu peito oculta segredos com os quais nun- ca sonhamos. Todavia, não parece considerar Raphael. Que achas disto tudo, querida Helena?”
Responde esta, tristonha: “Oh, Mathael, jamais alcançarei tal estado! Tem-se a impressão de que o Coração do Onipotente re- side nela, pois desvenda coisa que apenas a Boca do Criador poderia proferir. Logo, se compreende não ligar muito ao anjo, pois lhe é semelhante como um olho ao outro. Não resta dúvida possuir ele a Força e Onipotência do Senhor; sua sabedoria, provinda do amor Dele, não ultrapassa à dela.
Teria ensejo de palestrar com esta menina, mas respeito seu profundo conhecimento. Bastaria que um de nós externasse uma palavra tola, para receber um corretivo que impediria a repetição. Se fosse pobre poderia cumulá-la de meus tesouros; mas a julgar por sua vestimenta parece ser filha de pais abastados, e um presente meu não seria aceito, mormente considerando sua evolução que, de qualquer forma, rejeita a ostentação do mundo. Quero-a muito; sua presença, entretanto, deixa-me atemorizada. Pela orientação que nos deu de como orar a Deus, sou-lhe sumamente grata; todavia, não sei como externar meu reconhecimento.”
Diz Yarah, que nesse ínterim se havia dirigido a Raphael: “Graciosa Rainha, queira-me como eu te quero, isto basta. Falaste bem sobre a consideração que dedico às posses mundanas, e mesmo se chegássemos ao ponto de alegrarmo-nos reciprocamente com pre- sentes materiais, teria eu maiores que tu. Mas, que vem a ser toda a pompa do mundo em relação à menor centelha do amor puro e vivo de Deus?! Querida, esta joia devemos conservar fielmente em nosso coração, para que não nos seja arrebatada. Irradiando-se ela com deslumbramento cada vez maior, tanto na pureza quanto na intensidade, possuiremos mais que todos os Céus possam compor- tar. Compreendes?”
117.HELENAFALASOBREOPODER SACERDOTAL
Diz Helena: “Inteiramente; apenas não percebo de que modo alcançaste tamanho saber.”
Responde Yarah: “Isto é questão do Senhor, pois distribui Suas Dádivas de acordo com a capacidade receptiva da criatura, Qual Semeador que lança os grãos num bom campo e colhe, com facilidade, bons frutos. Julgo ser teu coração um solo fértil?”
Diz Helena: “Deveria sê-lo; vivi muito tempo enterrada no paganismo, que ainda ressoa como uma corda dissonante de lira. Bem que agora reconheço a Verdade, tornando-se minha vida; con- sidera meu povo, porém, preso ao paganismo ferrenho. Quanto tra- balho não teremos para lhe tirar a superstição?! Se a Vontade do Senhor não nos ajudar, pouco ou nada conseguiremos.”
Diz Yarah: “Mas também foste pagã, bem como teu pai; en- tretanto, não destes tanto trabalho para a conversão.”
Diz Helena: “É-me impossível concorrer com teu conheci- mento em assuntos espirituais; existem fatos, mormente em relação às diversas religiões, muito mais difíceis para serem removidos que os próprios falsos conceitos.
Em primeiro lugar, foi o sacerdócio que organizou uma dou- trina politeísta de forma tal a lhe render maiores lucros. O templo necessita quantidade de objetos que requerem a colaboração de ar- tistas, operários e outros servos. Todos esses são por ele mantidos, e perderiam seu sustento caso fosse fechado. Que reação não haveria?
Ainda se fosse possível arranjar-lhes outro ganha-pão... Como criar, num país relativamente pequeno, novas fontes de renda para tanta gente? Por algum tempo talvez ainda fosse viável — mas durante anos afora?
Além disto, o sacerdócio goza da maior consideração entre o povo; bastaria os sacerdotes alegarem que os deuses nos amaldiçoa- ram para nos dificultar até a fuga de nossa pátria. Tudo isto dá que pensar e só a ajuda milagrosa do Senhor nos pode valer.
Aqui, no país judaico, será difícil propagar esta Luz vinda dos Céus, pois a velha doutrina de Moysés tem sido tão deturpada por falsidades e fraudes, que levaram o sacerdócio à abastança. Além do mais, sabe agradar aos potentados, fazendo-se indispensável por motivos políticos.
Conseguem os sacerdotes, deste modo, muitas liberdades e privilégios pelos quais cegam o povo com toda sorte de ludíbrios
e os potentados têm de concordar, caso não queiram ser intei- ramente vencidos. Nessas circunstâncias ainda se devem considerar felizes no papel de senhores, embora não o sejam. Acredita-me, os verdadeiros dirigentes dos povos de há muito são os sacerdotes, e os imperadores, reis e príncipes, apenas seus servos, intimamente aborrecidos, pois de bom grado mandariam às favas esses ‘fariseus’. Reconheces tais dificuldades?”
Responde Yarah: “Claro, mas afirmo: aquilo que se nos afi- gura irrealizável, para Deus é facílimo. Por isso, faze apenas o que podes e entrega o resto ao Senhor, pois tudo será resolvido. Além do mais, tens Mathael a teu lado, munido de sabedoria, força e po- der divinos, e demais colegas. Se ele começar a doutrinar em teu país como fez contigo, não lhe será difícil conquistar o sacerdócio, que passará a receber novas incumbências. Quanto aos artistas e operários, poderão ser aproveitados pelos sacerdotes de melhor compreensão. Se tencionares deitar por terra os conceitos antigos, muito embora falsos, é claro ser problemático o bom êxito de tal empreendimento.
A criatura possuidora da justa Sabedoria de Deus tem de achar sempre os meios acertados; do contrário, será movida apenas pelo intelecto. O que se aplica a um é viável a mil, apenas exige mais tempo e paciência. A árvore não tomba de um só golpe e um poço não se esvazia com um só balde: a boa vontade, o tempo e os meios justos podem remover montanhas e secar mares. Para Deus nada é impossível quando ajuda material e espiritualmente. Por isso, confia Nele e tudo irá melhor do que imaginas. Tenho razão, Mathael?”
118.OURAN CONTESTA ORECEIO DE HELENA
Diz Mathael: “Naturalmente; mas minha querida esposa imagina a tarefa mais difícil do que é. Por certo será trabalho árduo
nem por isso sendo comparável à limpeza do estábulo do Rei
Augias, com três mil cabeças de gado e que o herói Hércules limpou num só dia. Por mim, não receio que tudo correrá bem com a ajuda do Senhor.”
Insiste Helena: “Também eu o espero; porém, conheço meu povo e sei quão difícil é se afastar de um preconceito. O fanatismo supersticioso requer luta insana, pois foi alimentado por toda sorte de fantasmagorias pelos sacerdotes.
Mesmo sendo possível uma ação milagrosa, resta saber de seu efeito. O povo seria induzido à outra superstição, caso não fosse es- clarecido quanto à verdadeira significação; como fazê-lo, quando se desconhece a natureza das fraudes?! Os sacerdotes jamais revogarão suas ações mistificadoras, que despertaria a ira do povo.
Assim, o sacerdócio requer um ensinamento diverso do mi- nistrado ao povo e talvez em dez anos seja possível lhe falar acerca de assuntos espirituais. Sabes, Mathael, o quanto aprecio teu grande saber e não duvido da Onipotência Divina; conheço, porém, as di- ficuldades reinantes, que talvez nos levarão a emigrar. Embora pura e maravilhosa, esta Doutrina dificilmente poderá ser pregada aos demônios.”
Diz Mathael: “Claro que não será fácil; a alegria, por isso, será maior após pleno êxito, que tem de ser conquistado mesmo o mundo caindo em frangalhos! O compromisso que assumi, tenho de cumprir! — Agora mudemos de assunto.”
Concorda Ouran: “Isto mesmo, pois enquanto palestráveis cochilei um pouco e vi coisas maravilhosas de permeio com algumas palavras de vossa discussão. Afirmo-vos: Yarah e tu, Mathael, tendes razão; o receio de Helena, conquanto justo, é exagerado.
Conheço o povo como a mim mesmo; a maior parte vive do comércio, tomando conhecimento de outros hábitos e religiões. No interior ainda existem seitas dependentes dos oráculos, enquanto no litoral pouca importância se lhes dá. Ali o sacerdócio de há muito é mal conceituado e a filosofia tomou o lugar do politeísmo.
Em Tauris, cuja zona sul se acha sob meu domínio, há tem- pos não mais se cogita do paganismo, no que muito contribuiu o
poeta romano Ovidius com suas Metamorfoses, com as quais ridi- cularizou de modo humorístico os dogmas pagãos. No momento se crê em Platon, Sócrates e Aristóteles, que também propagam a doutrina de um só Deus.
Nós mesmos não teríamos aqui chegado se não fôssemos in- formados da quase presença do Verdadeiro Deus no Templo de Jeru- salém, descrito por Platon no Symposion, e de como a pessoa a Ele se podia unir em espírito. Naturalmente teria de me fazer iniciar na doutrina, em Jerusalém, a fim de implantar tais verdades em minha pátria. O fato de aqui termos chegado — isto é, na Fonte — apenas é um ato extraordinário da Graça Divina, o qual jamais devemos desconsiderar: Nestas condições nossa tarefa em casa será mais fácil, pois teremos em mente Seu auxílio, sempre que preciso.
Nunca esperávamos encontrar o que ora deparamos, filha, e algo mais que o Symposion de Platon já nos teria deixado satisfeito. Agora poderemos voltar à pátria, com imensa alegria, para anunciar aos povos o grande tesouro aqui achado. Por isso não compreendo teu receio, Helena, que mais se aplica ao judaísmo cheio de fraudes, tendência de domínio e má vontade. Que te parece, Mathael?”
Diz este: “Concordo contigo, pois no Templo de Jerusalém as coisas andam mal e seria arriscado apresentar esta Doutrina. Lá, onde o Espírito de Jehovah Se achava Presente no Santíssimo, reina a maldade personificada; de divino, nem vestígio existe. Os sacerdo- tes são lobos e hienas em pele de cordeiros. Oportunamente relatarei o que sei, pois fui templário. Deixemos isto; existe coisa mais apro- veitável para se falar. Quero animar Yarah para que nos relate algo sobre suas experiências.”
119.YARAHFALASOBREAS ESTRELAS
Diz Yarah: “Pois não; entretanto, talvez não me deis crédito. Tu, Mathael, também possuis noções astronômicas, mas que não podem concorrer com minhas experiências, o que apenas consis- te numa Graça extraordinária do Pai. Far-te-ei uma pergunta; se a
puderes responder satisfatoriamente, saberás tanto quanto eu. Caso contrário, tomarei a liberdade de te esclarecer. — Pelo que tomas as pequenas estrelas no Firmamento?”
Diz Mathael: “Querida Yarah, eis uma pergunta estranha. No que diz respeito ao Sol, à Lua e outros planetas, talvez fosse capaz de satisfazer-te; quanto às estrelas fixas, digo-te que a visão de minh’alma ainda não as pôde penetrar. Presumo serem mundos distantes; sua natureza e consistência, não sei precisar e te peço es- clarecimentos.”
Diz ela: “Amigo Mathael, meu relato de nada adiantará se não puderes dar crédito ao fato de eu ter, pessoalmente, visitado algumas estrelas.”
Diz ele: “Minha filha, então a fé será posta à prova de fogo, porquanto não existe possibilidade física para tal empreendimento. Espiritualmente, num estado de êxtase, poderia ser admissível e eu de bom grado acreditarei no que me contares; mas, fisicamente... Não o posso crer! Teu relato, talvez certo e verdadeiro, perde efeito, porquanto as condições se apresentam inadmissíveis.”
Diz Yarah: “Por que deveria ser inacreditável ter eu visitado alguns astros, se para Deus tudo é possível?”
Responde ele: “Certo, mas Ele estabeleceu uma Ordem Imu- tável, uma Lei que por Ele tem de ser considerada, do contrário a Criação deixaria de existir. O Senhor, em verdade, realiza muitos milagres, mas eles se apresentam, para um observador rigoroso, den- tro de Sua Ordem Sagrada. Quando hoje se externou o pedido de prolongamento do dia, não pôde satisfazê-lo, pois seria contra Sua Ordem, em virtude do perigo de morte para as criaturas da Terra. Aquilo que não seria destruído pelo choque violento, fatalmente en- contraria seu fim nas águas que inundariam os continentes.
Conforme conheço o globo e suas regiões atmosféricas, sei que numa altura de dez horas ninguém poderá subsistir, assim como o peixe fora d’água não resiste, não obstante o suporte mais tempo que um homem naquela altura. Agora calcula a distância imensurá- vel daqui à mais próxima estrela fixa!
Já a do Sol, por minha livre alma calculada com exatidão, é algo de assombroso; no entanto, uma flecha levaria vinte anos para alcançar aquele astro. De acordo com meu cálculo psíquico sujeito a engano, a estrela fixa mais próxima dista de nós um milhão de vezes mais que o Sol, e assim o tempo gasto por tal flecha seria o de vinte milhões de anos. Se um homem se dirigisse nessa velocidade àquele astro, seria reduzido a átomos pela pressão do ar. Assim sendo, que lhe sucederia se cortasse o Espaço em poucos instantes?!
As leis da Natureza foram dadas por Deus, e ela existirá en- quanto durarem tais leis. Não pode haver exceções, pois a menor exceção provocaria um distúrbio incalculável em a Natureza das coi- sas, que são unidas entre si como os diversos elos duma corrente: Basta que um se parta para a corrente não alcançar mais sua finalida- de. Eis os motivos por que não é possível acreditar que percorresses fisicamente alguns astros. Tua afirmação toca o inconcebível, que apenas aceitarei após me demonstrares os meios dentro da Ordem Eterna e Imutável de Deus. Não te aborreças por isto. Talvez possuas argumentos verdadeiros que ignoro; neste caso, externa-os, que fu- turamente não mais duvidarei de tuas palavras.”
Responde Yarah: “És, em verdade, mui sábio e inteligente, entretanto estás longe de assimilar tudo. Se Raphael se prestasse para tal, poderia num instante apresentar as provas naturais que eu trou- xe daquelas estrelas; do contrário — nada feito. Poderias, todavia, duvidar de sua autenticidade como homem mental; mas tua alma repleta do Espírito Divino reconheceria com facilidade serem aque- las provas extraterrenas. Sua riqueza e valor são tão extraordinários que reduzem todas as maravilhas terrestres a nada. Formariam uma joia imperial de valor jamais calculável. — Deixemos, porém, isto. Já começa a clarear no Oeste, o sábado está se aproximando e con- vém nos prepararmos para este Dia do Senhor.”
Diz Mathael: “Tens toda razão; mas certamente ainda nos darás explicações quanto à expedição às estrelas?”
Responde Yarah: “Como poderia? Teus argumentos se ba- seiam na Ordem Divina, Eterna e Imutável, de sorte que não po-
derei fornecer outra prova senão essa: para Deus todas as coisas são possíveis, embora o intelecto não as aceite.
Acaso calculaste o tempo que Raphael levou para trazer os navios de Ouran do alto mar à praia, por ordem do Senhor? Teria aquela velocidade prejudicado alguém? De quanto tempo precisou o anjo para organizar as tendas e os inúmeros trastes do pai de Helena?
Ainda não observaste a escrita veloz de Raphael? Tudo isto é inconcebível considerando as leis da Natureza; entretanto, teus olhos o testemunharam. Podes explicar-me tais fenômenos?
De minha parte tenho base para tanto, pois me certifiquei
como nenhum outro mortal — da existência de mundos cós- micos tão imensos que, se vazios, comportariam um Espaço maior que daqui às estrelas fixas de primeira, segunda e terceira categorias. Tais corpos gigantescos — em cujo redor giram outras galáxias, em conjunto com inúmeros sóis centrais e planetários — movimentam-
-se à procura de alimento em torno de outros sóis centrais mais extensos, numa velocidade tamanha que se não pode comparar à do pensamento.
Considerando a rapidez com a qual fui projetada aos men- cionados astros, o voo daqui a qualquer estrela de primeira, segunda, terceira e até quarta categorias levaria nem sete instantes — entre- tanto acompanha-nos constantemente esta movimentação, em con- junto com nosso Sol comum e o Sol central de nosso sistema plane- tário, que por sua vez segue a velocidade esférica com o mencionado enxame de sóis, o que pode ser calculado dentro das leis naturais. Acaso sentes algo desta velocidade, ou talvez venha perturbar-nos, ou a um outro corpo cósmico?
Se tais sóis imensos podem percorrer o Espaço num voo de rapidez incalculável, quanto mais não o faria meu corpo, sendo isto da Vontade de Deus?! Terás agora uma noção mais concludente da possibilidade de ter eu viajado pelo éter?”
Responde Mathael: “Oh, Yarah, dentro de ti repousa um céu cheio de sabedoria, e começo a crer na possibilidade de tua afir- mação! Basta, pois minha alma ainda não está bastante ampliada
na assimilação de tais grandiosidades, para que, certamente, ainda requererá vários anos.”
120.PARECERESSOBREOS ACONTECIMENTOS
Em seguida Mathael se entrega a meditações, enquanto He- lena e seu pai fitam Yarah numa admiração profunda. A menina, por sua vez, observa o incêndio e aguarda com ansiedade Minha Volta. Reina completa calma no monte; somente em casa de Marcus há movimento, em virtude dos preparativos para a chegada de Corné- lius e Fausto. A manhã já se aproxima.
Nessa agradável quietude muitos dormem até tarde, inclu- sive Cirenius, Julius, Josué e alguns altos funcionários do Vice-rei. Os trinta fariseus e os doze apóstolos, em cuja companhia ainda se acham Suetal, Ribar e Bael, continuam despertos pela atenção que dirigem ao incêndio, palestrando sobre os acontecimentos.
Helena, Yarah, Ouran, Mathael e seus quatro companheiros, chamados Rob, Boz, Micha e Zahr, acham-se absortos em profun- da meditação. A menina, porém, mortifica-se por julgar ter falado demais. Depois de certo tempo, quando o horizonte já começa a se colorir, Rob, comumente calado, diz: “Amigos, embora me esforce não me posso aquietar: tudo que aqui se passa é tão extraordinário e milagroso, que difícil se torna a pessoa se ambientar em tal situação.
Tu, Mathael, foste nomeado rei dum grande país — nós, para teus cônsules. Basta que o grande Mestre passe os olhos sobre a Terra — e ela estremece qual criança diante do relho. Além disto, o jovem mago executa coisas que fazem os cabelos arrepiar. Esta menina, por sua vez, conta fatos que tornariam uma pessoa menos equilibrada, doida! Dize-me, é possível respirar-se em tal meio?! E onde teria ficado Ele? Já faz três horas que nos deixou — e nada de querer voltar!”
Diz Boz, também geralmente mudo: “Sinto como tu: cada ação, cada palavra abate o que até hoje se assistiu, e os próprios milagres de Moysés ficam reduzidos a nada. Não resta dúvida que
pelo Mestre de Nazareth, simples filho dum carpinteiro, age o Es- pírito Divino em Plenitude; mas qual seria o mortal que à vontade se sentisse perto de tamanha Grandiosidade? É Deus Perfeito em tudo, Sua Vontade rege o Universo — entretanto, como homem é semelhante a nós!
Onde estão as frases de sabedoria de um Salomon, que fa- lou na consagração do Templo: Senhor, sei que Céus e Terra não Te podem abranger — és Eterno e Onipotente mesmo onde ter- mina a Criação; contudo, construímos uma casa, a fim de lá nos reunirmos de corações puros e arrependidos, para Te agradecer por todas as dádivas e bênçãos e Te expor nosso sofrimento e miséria! (1Reis, 8).
Embora assim não conste literalmente, é em resumo o sen- tido daquilo que o sábio edificador do Templo falou; teria usado das mesmas palavras caso houvesse conhecido nosso Mestre? Como consegue dominar pela Vontade o Infinito, enquanto Seus Ouvi- dos e Olhos aqui se acham presentes? São coisas que pessoa alguma poderá compreender! Se fosse externamente qual Sansão ou Golias, ainda seria admissível; no entanto, com um físico mediano, Seu Es- pírito maneja o Espaço como um garoto brinca com uma bola!
Em suma, tenho a impressão de sonhar e minh’alma até pe- netra as profundezas do Cosmos. Vejo a Lua, um mundo triste e miserável, destinado a criaturas infelizes e atrasadas. Mercúrio, Vê- nus, Marte, Júpiter, Saturno e uma infinidade de outros planetas, grandes e pequenos. Saturno tem aparência estranha: é muito maior que a Terra e flutua no centro dum imenso anel, sobre o qual giram sete luas maiores que a nossa. Vejo as paisagens extensas e maravi- lhosas do Sol — todavia deixam de ser tão estranhas quanto a Pre- sença de seu Criador! Talvez vós outros vos sintais mais à vontade, por não terdes penetrado o assunto como eu e Rob. Comparada ao conhecimento e à experiência, a própria vida se apresenta nula. Tenho razão?”
Responde Micha: “Sim, entretanto sinto-me muito feliz!”
Dizem Rob e Boz: “Não resta dúvida; mas... Deus é sem- pre Deus, e jamais poderemos preencher tal abismo entre nós e a Divindade!”
121.CRITÉRIOACERTADO DE MICHA
Diz Micha: “Isto não é necessário. Estejamos satisfeitos por termos vislumbrado aquilo que nossos pais debalde procuraram! Considerai Moysés e os outros profetas, juntai-lhes os sábios do Egi- to e da Grécia, resumi suas noções místicas a respeito da Natureza Divina — e não alcançareis um grãozinho daquilo que ora se apre- senta aos nossos olhos!
Quando Moysés, o maior dos profetas, desejou ver Deus no Monte Sinai, fez-se ouvir o ribombo de um trovão que abalou a terra, e uma voz dizendo: ‘Ninguém pode ver Deus e continuar com vida!’ Nós, no entanto, falamos-Lhe, somos felizes testemunhas de Sua Sabedoria e Onipotência — e nada nos acontece! Se Moysés, naquela ocasião, atemorizou-se com os raios que estouravam por sobre sua cabeça, tal atitude é bem compreensível. Quanto a nós, se temos algum sentimento de pavor na Presença do Senhor e Mestre, merecemos apenas ser ridicularizados.
Não era o maior desejo dos nossos velhos o aconchego do Pai que deveria habitar no Céu?! Aqui Ele Se nos apresenta numa simplicidade inaudita, e alegamos com isto um mal-estar! A maneira pela qual Ele, Deus, Mestre, Senhor e Pai, dirige o Universo pela Onipotência, desde o verme até os astros — isto não é de nossa alça- da; basta sabermos que assim seja, reconhecendo a Ordem Imutável das coisas. Tenhamos, pois, paciência! Hoje nosso saber é escasso: amanhã teremos noções mais profundas e nossa evolução será, en- tão, maior que a de todos os profetas que nem supunham, em suas visões mais benditas, o que ora para nós é palpável!”
Dizem os outros: “Sim, tens razão e conseguiste nos acalmar com tuas palavras sensatas!”
Diz Zahr: “É de se admirar que Micha, o mais pacato, melhor tenha sabido responder. Estamos na Presença de Deus, nosso Criador e Pai, Dele partimos e para Ele volvemos. Que nos dizes, Mathael?”
122.MATHAEL PRESTA ESCLARECIMENTOS
Responde o interpelado: “Todos tendes razão, pois este as- sunto é individual. Tu e Micha tendes, psiquicamente, origem num astro; Rob e Boz são filhos da Terra, mas com os mesmos direitos ao Amor e Graça do Pai! Vossas almas já eram, desde início, mais inclinadas do que as outras ao que vem do espírito; portanto, não é de se admirar o que sentem em Presença do Espírito Puro. Pouco a pouco irão se ambientando, e daqui a um ano serão outros, pela aproximação do espírito a suas almas. Compreendes?”
Responde Zahr: “Perfeitamente, pois minh’alma também se tornou mui lúcida pelo sofrimento. Apenas não entendo a origem do saber daquela menina, embora acredite em suas palavras. Já que nos encontramos no ponto central da ação divina — por que não se deveriam realizar fatos que em parte alguma seriam admissíveis?!”
Diz Mathael: “Proferiste mais sabedoria que Salomon, pois expuseste a possibilidade da viagem de Yarah pelo Espaço de modo tal que não mais é possível duvidar; basta lembrarmo-nos onde nos achamos — e tudo se explica.
A observação, feita por um de vós, de ser mais fácil admi- tir-se a Onipotência Divina num físico gigantesco é aceitável do ponto de vista material, e tolice dentro da compreensão do espírito. O Poder de Deus não necessita da matéria para agir dentro dessa medida, pois apenas é a expressão da Vontade Divina que tanto cria um mundo como um grão de areia. Que objetivo atingiria um físico gigantesco? A Onipotência de Deus necessita apenas dum ponto de apoio eternamente imutável dentro de Si, de cujo centro Ela aja no Espaço Infinito, numa força e poder idênticos.
Bem que os egípcios representam tudo concernente à Divin- dade em formas gigantescas, para convencer os ignorantes. Estes de-
veriam temê-las até a morte, obedecendo cegamente aos sacerdotes. Teriam aqueles colossos melhorado o povo? Em absoluto, pois com o tempo se habituou à visão dos monstros, pouco ligando à cabeça duma esfinge descomunal e mais admirando a paciência do artista que esculpia uma figura num bloco de pedra.
Por isto, alegremo-nos que o Senhor nos tenha visitado Pes- soalmente como homem simples e despretensioso, ensinando-nos a conhecer da maneira mais fácil nosso destino, nossa índole e a Ele Próprio, em plena Verdade. Necessitamos apenas disto — o resto não é de nossa alçada.”
Diz Zahr: “Agradecemos-te pela boa explicação que nos equilibrou novamente. Nesse meio tempo o dia já despontou, mas não impediu que os outros adormecessem. Por mim, confesso não sentir o mínimo sono.” Constatam os companheiros: “É verdade, nunca nos sentimos tão bem dispostos.”
123.MISSÃOESOFRIMENTODOS ANJOS
Aproxima-se Raphael, que aparteia: “Não estou dormindo, entretanto afirmastes serdes os únicos em vigília.”
Diz Zahr: “O fato de não dormires, nem nunca o consegui- rás, é evidente a todos que te conhecem como nós. Podias, pois, ter evitado tal observação! Basta a ignorância que possuímos em alto grau — não é preciso aumentá-la. Ainda assim, poderás elu- cidar-nos dentro de tua sabedoria e experiência, mais remotas que este mundo.”
Diz Raphael: “Então, quem sou?”
Responde Zahr: “Ora, não fales tão presunçosamente! És um anjo do Senhor, por Ele munido dum corpo etéreo que poderás dissolver num instante. És um ser completamente diverso de nós, mortais: nunca nasceste e além de Deus, o Senhor, jamais tiveste pai e mãe. Desde eras remotas tens noção da bem-aventurança; dor, sofrimento, tristeza e arrependimento conheces de nome, e não de experiência própria, portanto não nos podes falar de coisas que to-
cam à vida humana, porquanto nunca sofreste. Somente em assun- tos espirituais deves ser entendido e nos poderás doutrinar.”
Responde Raphael: “Não me digas! Mesmo se nunca houves- se tido um corpo físico, conheço-o melhor em todas as suas fibras do que poderias aprender em mil anos. Acaso não somos nós, anjos, incumbidos da manutenção de tudo que diz respeito à vida do ho- mem, desde o nascimento à morte?! Não somos nósque purificamos vossas almas pelos sofrimentos físicos, capacitando-as para a aceita- ção do Espírito Divino? E alegas ignorarmos vossas dores? Como me podes fazer tal injustiça?!
Afirmo-te não sermos insensíveis! Não raro suportamos maiores sofrimentos que vós, ao verificar que criaturas teimosas re- jeitam com escárnio nossos esforços, virando-nos as costas.
Terias tutanta paciência com uma pessoa entregue a teu po- der e a qual cumulasses dos maiores benefícios, recebendo em troca só desprezo? Se nada quer ouvir ou saber, tudo fazendo para de ti se livrar — que és seu benfeitor e amigo — e até te prejudica pela calúnia e traição?! Que farias, se tivesses o poder de Cirenius? Terias paciência de tratar esse malfeitor com indulgência e meiguice até o fim de sua vida?”
Responde Zahr, de olhos arregalados: “Não, amigo, não a teria mesmo sem força e poder, muito menos munido de autoridade.”
Diz Raphael: “Sou tão poderoso que facílimo seria destruir, num instante, todo o Cosmos — entretanto mantenho, de livre e espontânea vontade, paciência constante com as criaturas teimosas.
Isto ainda seria fácil de suportar; imagina a permanente atitude revoltada de Satanás e seus anjos, que, também poderosos, tudo empenham para destruir não só a nós, como a Própria Divin- dade, para se apoderarem de Sua Onipotência.
Tal jamais acontecerá, conquanto o plano maldoso e indes- trutível exista e eles não vacilem em praticá-lo, sofrendo as piores dores e penúrias, como resultado de sua própria disciplina. Ainda assim, continuam pertinazes na maldade. Observamos tudo isso
e temos poder não só de castigá-los acerbamente, como também de exterminá-los para sempre, sem que Deus nos chame à respon- sabilidade!
Tratamo-los, entretanto, como irmãos desviados, com paci- ência e indulgência, conduzindo-os com rigor, mas de forma tal que seu livre arbítrio jamais seja tolhido; apenas não lhes permitimos a influência, à distância, contra o plano Divino. Que farias tu, em tais condições?”
Responde Zahr: “Agiria com violência para levar tais espíri- tos renitentes à obediência, mormente se possuísse tua força e poder.”
Diz Raphael: “Reconheces, então, que a situação dum anjo não é tão simples como imaginaste; tenho noções quanto à vida da criatura e, portanto, também posso falar a respeito?!”
Responde Zahr: “Oh, sim; mas, dize-me, és obrigado a estar aqui?”
Diz Raphael: “Em absoluto; poder-vos-ia deixar neste mo- mento. Fico para agradar ao Senhor; Seu Agrado é, de certo modo, minha vontade, contra o que Deus Mesmo jamais poderá agir. Nisto consiste a manutenção da Criação da qual não vês — embora vis- lumbres inúmeras estrelas — a infinitésima parte, muito menos sua natureza e integralidade. Eis que surge o Sol e o Senhor está de volta. Urge prestar atenção a Seu mais leve aceno.”
124.RAPHAELDISPERSAASPREOCUPAÇÕES HUMANAS
Diz Zahr: “Não convém acordar os outros?” Responde o anjo: “Despertarão com a Presença do Senhor.” Num salto levanta-
-se Yarah, perguntando num ímpeto de paixão: “De onde vem Ele, o amor de todo amor? Ainda não O vejo!”
Diz Raphael, sorrindo: “Não importa, basta que teu coração O sinta para que teus olhos também fiquem satisfeitos. Com a vinda da aurora estará aqui.”
Diz Helena, que permanecera acordada: “Yarah, iremos a Seu encontro! Que felicidade sinto!”
Responde a menina: “Ótimo! Que alegria não teremos vendo o Senhor de longe dirigindo-Se a nós!” Incontinenti ambas se enca- minham à floresta na direção Leste, desaparecendo em pouco.
Ouran, seguindo-as com os olhos, diz: “Talvez venham a se perder...! A montanha se eleva ao Sul numa extensão de várias horas. O Mestre poderá vir do outro lado e elas não O encontrarão!”
Responde Raphael: “Preocupa-te com outras coisas! Perder-
-se-ão tão pouco quanto eu. Quando o coração cheio de amor é de tal forma iluminado, impossível se torna a pessoa se perder. Penetra- rão a floresta bem a fundo; todavia, acharão o Mestre!”
Ouran se acalma e dirige o olhar para a cidade enfumaçada, observando grande número de pessoas a se retirarem em várias dire- ções. À montanha se encaminha verdadeira procissão, e ele exclama: “Bom proveito para todos! Como arranjaremos pão para tanta gen- te? Serão capazes de comer o velho Marcus, inclusive sua cabana!”
Diz Raphael: “Deixa disto! A Terra e seus habitantes neces- sitam a cada instante de muito mais, entretanto o Senhor sacia a todos. Que vem a ser a Terra diante do Sol, milhões de vezes maior e que necessita de alimento incalculável para a manutenção de sua luz e suas criaturas? No entanto, o Senhor cuida delas, como também de ti!
Imagina o jamais calculável Espaço infinito, repleto de sóis e planetas de dimensões muito maiores que o globo e seu Sol. Todos são fartamente providos de tudo pelo Senhor; não existe escassez, mas a maior fartura. Assim sendo, como te podes preocupar com o pão para essa gente?”
Diz Ouran: “Tens razão; mas não sou sábio e sim um ho- mem simples, esquecendo-me, às vezes, onde me encontro.” Apro- xima-se Hebram e diz: “Esse movimento nos trará grande desordem num sábado, pois se o incêndio tivesse lavrado em dia comum, fácil seria socorrer aos prejudicados; assim, será tarefa difícil até para o grande Mestre.”
Diz Raphael: “Já viste algum dia o Sol, a Lua, as estrelas, o vento, a chuva, todos os elementos naturais comemorarem o sába-
do? Por que não o fazem? Porque a Vontade Divina constantemente ativa jamais o considera!
Como podes atribuir a Deus uma lei inconveniente, dada às criaturas para sua melhoria, apenas pelo tempo que achou neces- sário?! Se Deus é indulgente quanto à conservação do sábado, que pretendes com esta sujeição? Acaso tencionas também sujeitar-me a esse dia, pelo ócio com que costumam honrá-lo? Esperai! Precisa- mente hoje vos havereis comigo, pois que vos hei de deixar uma boa recordação por meses afora!”
Diz Hebram: “Ó amigo celeste, não deves tomar a mal a pergunta! Lembra-te que somos humanos, sujeitos a recair, em oca- siões excepcionais, nos preceitos antigos, não obstante a melhor boa vontade. Tu, como servo poderoso do Senhor, protege-nos dessas recaídas, pois somos criaturas fracas.”
Diz Raphael: “Vai para junto de teus irmãos e acalma-os, preocupados que estão com a mesma tolice.” — Hebram assim faz. Voltando tudo ao normal, Ebahl desperta e indaga a Ouran por Yarah, sendo informado ter ela, em companhia de Helena, ido à procura do Senhor.
Diz o pai da menina: “Ora, não deviam ter feito isso! A floresta deve estar cheia de pessoas fugidas do incêndio, e não seria de se admirar que algo lhes sucedesse!”
Diz Raphael: “Também achaste o que te preocupe? Estão bem encaminhadas e quando vier o Senhor, elas estarão perto Dele!” Diz Ouran: “Quanto tempo temos de esperar pelo romper do dia?” Responde Raphael: “Meia hora.”
125.DIFICULDADESNACONVERSÃODOS SACERDOTES
Todos se acalmam no monte, separado da cordilheira por um pequeno vale. À beira-mar há grande vozerio e vários grupos já che- garam à casa de Marcus, onde se queixam em altos brados da desdita imerecida que os atingiu. Na cozinha acham-se o velho guerreiro com dois filhos, ocupados no preparo da comida.
Algumas pessoas procuram escalar o monte; quando avistam os romanos, dão para trás, crentes de serem guardas incumbidos de obrigá-los a voltar, a fim de ajudarem na extinção do fogo, o que, em absoluto, é do agrado dos arquijudeus. Além disto, estando-se na Lua nova, tal dia era mais rigorosamente considerado.
Raphael sorri e diz a Mathael: “Observaste como bateram em retirada à vista dos romanos? Todavia, dar-nos-ão o que fazer!”
Diz Mathael: “Amigo, com amor, sabedoria e paciência tudo se fará, mormente com a ajuda do Senhor. Tenho pena deles: cegos de coração, desprovidos de inteligência, acham-se enterrados na es- tultice! Talvez os curemos.”
Diz Raphael: “Sendo o homem apenas tolo, a coisa ainda é fácil; quando a tolice estabelece uma fusão com orgulho, tendência de domínio e gozo, a melhoria se torna difícil, e pior ainda com o sacerdócio de alta classe.
Toma, como exemplo, a posição dum marechal ou dum con- selheiro do Imperador. Enquanto em sua posição, exigirá o devido respeito e honra que lhe serão conferidos; com o tempo poderá se tornar incapaz, motivo por que será aposentado. A partir daí nada mais representa, tampouco se importa com seu antigo prestígio! O sacerdote, porém, mantém seu brilho até a sepultura, e seus su- cessores honram-no com um monumento, em virtude da própria consideração que desfrutam. Assim, o sacerdócio sabe conservar sua dignidade por todos os tempos e em todas as situações.
Procura te achegares a um deles, enraizado — no qual já de longe observas as mistificações — e nada conseguirás. Julga-se acima do Imperador e um representante de Deus na Terra; resultado: não troca sua dignidade por outra.
Oferecendo-se-lhe em compensação ouro e prata, respon- derá: ‘Tenho-os de sobra e minha posição vale mais que todos os tesouros do mundo. Sou funcionário de Deus e não dum prínci- pe mundano — meu ofício é perpétuo.’ Com tal resposta não tens outra arma em mãos e, finalmente, terás de dançar de acordo com o assobio do sumo pontífice. Por isso, digo nada se poder alcançar
com esses judeus. Além do mais, teu ponto de vista é perfeitamente equilibrado dentro das Leis Divinas, pois para Deus é possível muita coisa que para anjos e criaturas não o parece!”
Diz Mathael: “Agradeço-te as palavras; eis que surge o Sol e devemos preparar os corações para a Chegada do Senhor.”
Responde o anjo: “Tens razão, pois Ele é o Verdadeiro Sol de todos os sóis! Quando surge no coração, leva-lhe a vida! — Aca- so O vês chegando da floresta, por estares fixando o olhar naque- la direção?”
Diz Mathael: “O Sol já subiu acima do horizonte, mas sinal algum há do Senhor e das duas moças. Parece-me que, desta vez, tua profecia celeste não foi bem calculada. Como devo interpretá-la?”
Aduz o outro: “Apenas dirigindo teu olhar na direção de onde Ele vem; vira-te e te convencerás que não errei!”
126.AJUSTAPROCURADE DEUS
Ouran, Ebahl, Mathael e seus quatro colegas se voltam rápi- dos — e Me veem subir o Monte em companhia do velho Marcus. Todos vêm ao Meu encontro, agradecendo-Me amavelmente a vin- da; como Yarah e Helena não estejam Comigo, atemorizam-se, e Ebahl Me pergunta se Eu não as encontrei na floresta. Talvez ainda lá estivessem, e seria aconselhável mandar Raphael em sua busca.
Digo Eu: “Por que vos preocupais com os que Me procuram? Julgais que protejo contra os perigos apenas aquele em cuja proximi- dade Me acho fisicamente? Quando tu, Ouran, estavas em grande perigo, quem Me avisou, a fim de que Eu te olhasse e salvasse? Acaso não sei onde se encontram ambas? Deixai-as, voltarão!
Elas Me acharam em seus corações, coisa fácil para todos. Quem o fizer externamente, embora saiba que apenas deve fazê-lo em seu íntimo, tem de receber a lição de que tal atitude não o ca- pacitará para tanto, mas, ao contrário, perder-Me-á cada vez mais. Assimilai-o nesta manhã! Além disto, elas descobriram Meu rasto e em breve estarão aqui.”
Diz Ebahl: “Nesse caso tudo está em ordem. Certamente te- riam ficado aqui se não fossem levadas pelo anjo a tal decisão, que nunca desaconselha alguém num propósito, mesmo com resulta- do contraproducente, pois pretende, pelas más experiências, levar a criatura ao bom caminho. Muito bem feito à minha filha, que deveria conhecer essa mania de Raphael! Ele que se prepare, pois receberá dela um sermão em boas condições!”
Neste instante aparece o anjo, que despertara os outros, e Ebahl lhe diz: “És causador dum empreendimento mal sucedido de Yarah e Helena, e confesso que teu modo de lidar com as pessoas não me agrada! Se um teu discípulo tenciona algo fazer que não esteja dentro da ordem, deves persuadi-lo do contrário, através de conselhos e ações, ao invés de reforçá-lo em seu erro, para se isentar de futuros pecados pela própria experiência! Tal sistema educativo pode ser útil para espíritos como tu, mas não se presta para nós.”
Diz Raphael: “És um judeu honesto e justo; no que diz res- peito aos caminhos ocultos do Senhor, és tão ignorante como um peixe! Julgas que faço algo de própria iniciativa?! Sou apenas um Dedo do Senhor e faço o que o Seu Espírito manda. Saberias disto se tivesses maior compreensão. Ao ver, porém, até onde se estende teu entendimento, perdoo-te a fraqueza. Yarah e Helena não se perde- ram, pois que acabam de subir o monte em companhia duma filha de Marcus, que nos chamará para o desjejum.”
Indaga Ebahl: “Mas..., como não as vimos subir?”
Responde Raphael: “O Senhor não havia afirmado terem elas descoberto Seu rasto?” Diz Ebahl: “Bem, calo-me, pois já se acham aqui!”
127.MOTIVODADESTRUIÇÃODECESAREIA PHILIPPI
Em seguida descemos para o desjejum, ao qual ninguém fal- ta. Diz, então, Ouran à sua filha: “Pudeste observar lá embaixo se nossas tendas estão de pé e em ordem? E os servos e animais — estão sendo bem tratados?”
Vira-se Mathael para o sogro: “Em Presença do Senhor toda preocupação é fútil. Pensa apenas Nele, que Se preocupa por nós e por todo o Infinito!”
Enquanto nos assentamos à mesa, indaga Cirenius: “Senhor, devo mandar à cidade uma divisão de guerreiros para ajudarem na extinção do incêndio? Do contrário, à noite estará reduzida a um montão de escombros!”
Digo-lhe: “Amigo, se tal fosse de Minha Vontade, há muito já teria enviado Raphael e o fogo seria extinto num momento; Eu, porém, quero que essa cidade má, tanto para Deus quanto para o Imperador, seja humilhada, deixando incólume apenas as moradas dos pobres e dos de bom senso. O resto será reduzido a cinzas! Fu- turamente se estabelecerão ali criaturas mais sensatas — e os descen- dentes de Marcus hão de governar toda essa zona com permissão do Imperador, pertencendo-lhe como herança até aos netos. Esquecen- do-se de Deus, sofrerão o mesmo que esses habitantes.
Se o incêndio tivesse irrompido num dia comum sobre esse depravado antro, há muito teria sido apagado; num sábado, mor- mente na Lua nova, não há arquijudeu que toque em algo mesmo com a ponta do dedo, pelo pavor de se ter profanado diante de Deus. Nesse assunto sua consciência é mui sutil, enquanto a omis- são de boas obras não os preocupa, tampouco o adultério físico e mental, e toda sorte de fraudes.
Alegam até que um pecado contra o Mandamento de Deus, em dia comum, não seja considerado, podendo a pessoa se purificar até o anoitecer. Num Sábado, porém, preciso é permanecer limpo até à noite, quando começa o domínio do príncipe das trevas, pois seria facílimo a vinda dum mensageiro de Satanás que levaria consi- go uma alma impura!
O pecado prejudica o homem apenas durante a noite, isto é, até meia-noite, prazo conferido a Satanás à captura de almas. Durante o dia não tem poder e pode-se pecar à vontade; apenas deve-se obser- var a purificação antes do pôr-do-sol, de acordo com o ritual de Moy- sés — e tais pecados diurnos não podem atemorizar a pessoa à noite.
Deus, para esses cegos, nada representa, mesmo se tenham pecado inúmeras vezes ao dia. Fazem questão de não cair nas garras de Satanás e como tal fato pode suceder com facilidade num sábado, em que não se abatem bode, carneiro ou novilho, sendo até proibido aos homens lavarem-se sete vezes ao dia — tudo fazem para se man- ter limpos e impedir a Satanás um assalto após o ocaso.
Isso explica por que esses supersticiosos preferem deixar que suas casas sejam reduzidas a cinzas. Futuramente um militar romano, ao qual essa estultícia não seja desconhecida, terá jogo fá- cil em dispersar essa geração num sábado invernal, transformando sua grande cidade em um montão de pedras. — Agora, deixai-nos tomar o desjejum, do contrário seremos importunados por quanti- dade de visitantes.”
Todos saboreiam o bom desjejum, dirigindo um especial elogio a Marcus, inclusive Ouran e Helena. Aquele, apontando-Me, diz: “Eis o sal e o melhor tempero de todo alimento e bebida; mere- ce, pois, justo louvor.”
Não há um entre os hóspedes que não haja entendido as palavras do velho, louvando-Me em seus corações. Mathael, en- tão, diz: “Sim, velho Marcus, quando o Senhor de toda a Vida é o Mestre em tudo, a existência se torna agradabilíssima, pois tanto espírito quanto alma e corpo recebem a melhor alimentação. Fizes- te bem em estender teu elogio ao Senhor; por isto, teu nome não se extinguirá no coração daqueles que te conheceram como amigo Dele.” Comovido, Marcus agradece pela honra que Eu lhe pro- porcionara com Minha Presença, declarando-se sem mérito ante as palavras de Mathael.
128.CIRENIUSEADELEGAÇÃODOS ARQUIFARISEUS
Após o desjejum Cirenius e Julius indagam que deviam fazer. Digo-lhes Eu: “Esperai um pouco. Lá na margem aproxima-se, qual formação nebulosa, um grupo de fariseus e adeptos. Sabem que tu, Cirenius, achas-te aqui e presumem estejas inspecionando as vilas
do Mar Galileu, pela confirmação obtida nas tendas de Ouran. Ape- nas estão de olho aberto para observar de onde irás aparecer: dum navio ou duma das tendas, pois tencionam te abordar com um pe- dido de indenização, alegando terem sido os pagãos os responsáveis pelo incêndio.
Dentro em pouco serão informados de tua presença aqui, de sorte que podes imaginar o trabalho que enfrentaremos. Uma coisa vos digo a todos: não Me denuncieis antes do tempo! Devem, pri- meiro, ser intimidados para, em seguida, sentirem maior pavor, isto é: Minha Própria Pessoa. Constatarás que raça adúltera represen- tam! — Mathael e o anjo nos prestarão bons serviços; ainda assim, libertar-nos-emos dessa camarilha só depois de meio-dia. Fiquemos calados e tu, concentra-te, pois sabes o que te aguarda.”
Com exceção dos soldados e serviçais, todos silenciam. Após certo tempo Mathael Me pergunta se poderá falar aos fariseus sem rodeios. Digo Eu: “Como não? Terás, todavia, de te precaver, pois esses heróis das trevas são armados até os dentes!” Eis que também Meus discípulos indagam que atitude deveriam assumir.
Respondo: “Nada tendes de fazer ou falar; observai a ques- tão, e caso algum dentre eles vos faça perguntas, apontai-lhe Ci- renius, confessando que nada sabeis, pois Eu Mesmo tomarei essa atitude no início.”
Após esta orientação aguardamos a chegada dos visitantes importunos. Dentro de meia hora um judeu, vindo da cidade, in- forma os fariseus na praia de que Cirenius se encontra no jardim do velho guerreiro. Incontinenti todos dão meia volta e se encaminham em nossa direção. Mathael, então, diz: “Agora, amigo Cirenius, pre- para-te, que a tempestade está se aproximando!” Diz este: “Confesso não me alegrar com este encontro, pois basta lhes dar o dedo míni- mo para que se apoderem de toda a mão.”
Nisto os peticionários e o reitor da sinagoga à frente nos abordam, e este, reconhecendo o Prefeito, diz: “Nobre plenipoten- ciário, senhor Prefeito da Judeia, da Ásia e África! Por certo não ignoras a grande infelicidade que nos atingiu esta noite, que somos
habitantes de Cesareia Philippi e devotos de Deus e do Imperador. Se fosse possível nos atribuir a menor das culpas, poderíamos amal- diçoar e chorar nosso desleixo, suportando com resignação o que Deus, o Onipotente, permitiu que acontecesse. Tal, porém, não se dá, e a responsabilidade recai sobre os pagãos maldosos. Eis a razão de nossa presença, pois te pedimos indenização adequada!
Terás tanto mais motivo para nos fazer justiça porque somos: primeiro, súditos de Roma, como os pagãos; segundo, sacerdotes e servos do Único e Verdadeiro Deus, com maior influência sobre o povo na causa imperial que qualquer exército. Uma vez levados a uma ação contra Roma, nossa verbosidade mais fará que uma legião, num ano! Neste caso, u’a mão lava outra!
Atende ao nosso pedido: liberta-nos da momentânea mendi- cância e manda reconstruir, às custas do Estado, nossas casas e sina- gogas. Isto feito, não encontrarás ingratos, pois nos prontificaremos até à devolução desse adiantamento e mais os juros, após vinte anos. Reflete sobre nossas reivindicações, que não terás prejuízo nem o Imperador, sabendo-se quem somos e qual nosso poder! Tendo-nos como amigos, terá ele facilidade em seu regime; caso contrário, co- roa e cetro se lhe tornariam, em breve, um peso insuportável!”
Responde Cirenius, mal contendo sua íntima revolta: “Antes de me pronunciar, farei examinar minuciosamente a forma pela qual se deu o incêndio. Não creio em vossa inocência completa, pois fui informado esta noite como atemorizastes o povo pelo eclipse total ontem ocorrido, pelo desaparecimento do sol fictício e o julgamen- to de Deus, predito por um profeta — no que os sacerdotes gregos também influenciaram. Tanto vós quanto eles abusastes do fenôme- no a fim de obrigar os incautos a sacrifícios incríveis como proteção contra a ira de Deus, que pretendíeis amenizar por preces. E o povo por vós cegado tudo fez para fugir do julgamento anunciado.
Por sorte achou-se um homem calmo e experimentado, que orientou os outros sobre a naturalidade do fato. Não deixou, porém, de frisar que os sacerdotes em nada disto acreditaram, pois seriam os primeiros a querer salvar a pele! Dentro em pouco o povo foi
tomado de revolta intensa e vos aplicou uma boa lição. Assim, de- veis compreender que, em absoluto, posso satisfazer vosso pedido, mas sim, como Vice-rei, vos obrigar a uma completa indenização pelo dano causado, que farei averiguar cautelosamente. Falei! Qual a vossa defesa?”
Durante o discurso os fariseus empalidecem e fácil é se observar o ódio que alimentam, tanto que nada conseguem dizer. Cirenius espera uns instantes e, como continuem calados, irrita-se com as fisionomias enraivecidas e diz, num tom todo peculiar a um romano: “Falai depressa, do contrário ver-me-ei obrigado a aceitar vossa atitude odiosa como plena confissão e assim condenar-vos imediatamente!”
Manifesta-se o chefe dos fariseus: “Senhor, a calúnia é forte demais! Não é possível se achar palavras apropriadas para nossa defe- sa. Quem provará termos coagido o povo, obrigando-o a sacrifícios?! Dizíamos aquilo que pensávamos e sentíamos! Acaso os sinais não estavam de acordo? A História não nos aponta provas sobejas de ter Deus perdido a paciência, permitindo um julgamento tenebroso para a Humanidade?! De igual modo também se sabe que sustava Ele o castigo no caso duma verdadeira penitência e arrependimento de Seus filhos.
Se aquele homem culto era honesto — por que não nos procurou convencer de suas ideias? Somente uma pessoa desconhe- cedora da sublime Doutrina de Deus, do Poder do Verbo pela boca dum profeta e de sua ação numa época de perigo pode nos caluniar tão vilmente! E o Prefeito de Roma seria capaz de dar mais crédito às suas palavras do que às nossas?! Talvez dirás: Se tal homem vos quisesse instruir, não lhe teríeis prestado atenção e até teria sido ape- drejado! Mas quem pode tal afirmar sem as provas necessárias? Pela nossa atitude fazemos jus à Doutrina; quem nos poderia provar o contrário?! Não obstante a afirmação de tua testemunha, declaramos sua acusação nula até nos provar que: primeiro, agimos contra nossa convicção; segundo, não teríamos prestado ouvidos àquele sábio que conseguiu instigar o povo contra nós!
Compartilhávamos verdadeiramente do pavor geral, e se o povo nos trouxe quantidade de oferendas, crente de que Deus as tomasse como penitência de seus pecados — acaso não deveríamos aceitá-las? Onde se acha escrita tal determinação?!
Nobre Prefeito, considera estares lidando com verdadeiros servos de Deus, e não com sacerdotes novatos que muito bem en- tendem virar o manto de acordo com o vento. O Templo não nos estima em virtude disto; nossa fé, entretanto, é segura e não fraqueja por tão pouco. Temos hoje um radioso Dia do Senhor e não há vestígio dum castigo do Alto, a não ser o incêndio, obra dos pagãos nefastos. Quem poderia afirmar não possuir Deus Poder para repetir o que fez em Sodoma e Gomorra? Não queremos dizer tenha Ele protegido esta zona dum julgamento em virtude de nossas preces; todavia, poderia ter agraciado um fiel desconhecido, cujas orações se unissem às nossas e alcançassem o Trono de Jehovah. Falei em nome dos meus. Poderás fazer um julgamento justo perante Deus e os homens!”
129.MARCUSACUSAODIRIGENTEDOS FARISEUS
Sem esperar tal resposta, Cirenius não sabe o que alegar. Por isto chama por Mathael e lhe diz, em surdina: “Fala tu; meu latim se esgotou! Vejo que são ungidos de muitos óleos!”
Diz Mathael: “Nobre amigo, será difícil lhes provar algo que teriam feito em certas circunstâncias. Mesmo se houvessem tido a intenção de uma possível maldade, não existem provas para tan- to. Quais não seriam os pensamentos duma criatura que se visse assolada por todos os lados?! Não há quem consiga purificar seus pensamentos precipitados quando a tempestade assola o coração; depois de tudo serenado, difícil é a pessoa se recordar do que pensou durante o vendaval de suas paixões.
Se esses homens forem verdadeiros crentes e alegam ter par- tilhado do mesmo pavor — o que teremos de aceitar enquanto não tivermos provas em contrário — deve-se satisfazer seu pedido, na
hipótese de que o Imperador consinta em tal proceder. Enquanto não se apresentarem outros indícios, podemos somente formar jul- gamento daquilo que vemos, pois nossos pensamentos nunca servi- rão de prova contrária.”
Estas palavras são apenas sussurradas aos ouvidos de Cire- nius, que, coçando-se atrás da orelha, Me diz: “Qual é Tua opinião?”
Digo Eu: “Meu Tempo ainda não chegou, por isso continua a peleja. Todavia, podes ainda consultar Marcus, Ebahl e Julius, que os conhecem melhor, e ouvirás outra linguagem!” Imediatamente Cirenius manda chamar os três amigos, expondo-lhes o requerido e a consequente defesa do chefe dos fariseus.
Ouvindo com atenção, Marcus se externa admirado quan- to ao chefe: “Como te sabes apresentar tão honesto e sabiamente! Há quanto espero que venhas cair em minhas redes! Lembras-te do trabalho que te deste quando há três anos atrás me querias conven- cer para tua crença?! Chegaste até a desistir da circuncisão incômo- da e dolorosa para pessoas de idade, pois bastaria que eu aderisse com todos os meus. Prometeste-me muitas vantagens no comércio, quando aleguei ser honesto e não querer trocar a religião de meus antepassados por outra, cujos princípios e deveres eu desconhecia. Confessei-te abertamente não ser contra minha vontade adotar uma doutrina mais esclarecida, necessitando apenas conhecê-la a fundo.
Eis que me respondeste tal não ser preciso, pois toda religião nada mais é que uma filosofia infantil e deve ser mantida em virtu- de mesmo das crianças. Que, uma vez dono duma razão formada, o homem de nada disto precisaria, sendo tolo quem a tomasse a sério. Por certo não me seria difícil reconhecer mais inteligência em professar externamente uma crença que proporcionasse os melhores meios para o progresso material.
Consenti em tudo, aderindo com minha família à tua reli- gião. Só depois se me abriram os olhos, pois fui por vós condenado a toda sorte de impostos e constatei mais e mais a péssima troca que fizera. Antes de mais nada, obrigaste-me a vos pagar o dízimo e a primeira colheita de todos os frutos. Várias vezes fazia queixa disto
às autoridades romanas, sem nada conseguir, pois sempre me per- guntavam por que motivo me deixara levar, sendo romano. Teria, então, de pagar minha tolice! Externando-te minhas dificuldades, não me deste ouvidos, dizendo apenas: Assim consta na Lei! — e eu que voltasse aborrecido!
Quando tencionava tomar conhecimento de vossa doutrina, era informado de que vós mesmos representáveis a Escritura e o Verbo Vivo de Deus! Por isso ninguém devia fazer indagações, mas aceitar o que ensináveis! Eis tuas palavras e atitudes, oráculo nefasto dos judeus de Cesareia Philippi! E agora queres inocentar-te?! Juro por tudo que me é sagrado: não sairás daqui antes de me indenizares todo dano injustamente praticado. Com minha autorização o nobre Prefeito te poderá pregar na cruz — e não se terá feito injustiça! Ouviste?”
Diz Cirenius: “Ah, as coisas estão neste pé?! Ótimo! Já acha- mos um caminho! — E tu, tenebroso opressor do povo, que dizes?”
Responde o chefe: “Conheces Moysés e todos os profetas?”
Diz Cirenius: “O primeiro, sim; os outros, só de nome.”
Retruca o fariseu: “Muito bem; então vai e estuda primeiro todas as minhas obrigações difíceis, castigando-me após se puderes provar não ter eu cumprido uma sequer! Queres ler a Escritura? Nós a temos aqui, pois é a única posse que podemos carregar hoje, o dia sagrado do Senhor, e apenas se existir perigo de ser destruída.”
130.NEGOCIAÇÕESCOMOS FARISEUS
Diz Mathael secretamente a Cirenius: “Eis um assunto difícil a ser resolvido. Marcus falou bem, mas que fazer se não lhes pode- mos provar uma infração de suas Leis? Vejamos os argumentos de Ebahl e Julius, que também pouca importância terão, pois o chefe é capaz de justificar toda ação condenável.”
Diz Cirenius: “Nesse caso condeno, como plenipotenciário, todas as passagens da Escritura que rezam contra a razão salutar do homem!”
Replica Mathael: “Não será tão fácil, pois ele dirá: A razão humana exige que se forme e sancione uma lei antes que se con- dene. — Quais serão teus argumentos? É preciso pegá-los de outra forma! Dentro em pouco estarão aqui Cornélius, Fausto, Kisjonah e Philopoldo de Kis, que nos poderão ajudar.” Após alguns instan- tes, Cirenius propõe a Ebahl apresentar algo de concludente contra os fariseus.
Este se levanta e diz: “Nobre amigo! Difícil é a captura de raposas, pois sempre tem duas saídas. Por isto, opino: já que não podes duvidar da declaração daquela testemunha honesta, que co- nheces tanto quanto eu, mas por outro lado, como juiz terreno, só te é possível formar um critério acerca daquilo que ouves e vês
demite esses pedintes importunos, sem a mínima consideração à sua exigência e sem lhes dar qualquer castigo. Terás assim feito jus à verdade e ao mundo.
Poder-te-ia relatar centenas de fatos fraudulentos e extorsões inescrupulosas a que assisti pessoalmente; que adiantaria isto? Ha- veriam de achar um meio de se inocentar. A fim de evitarem o mais leve resfriado, cobrem-se com a tríplice coberta de Moysés, o manto de Aaron e os profetas!
Sabemos perfeitamente o que se consegue fazer pela inter- pretação racional das Escrituras: presta-se para muita coisa errônea, enquanto se lhe desconhece o verdadeiro sentido espiritual — e disso essa gente se sabe valer. Assim, penso que só poderás fazer o que sugeri.”
Diz Cirenius: “Sim, tens razão; entretanto, julgo haver um ponto criminal por onde poderiam ser condenados.”
Intervém Ebahl: “Qual o quê! Tudo, menos isto! Esses sujei- tos conhecem todas as letras do Código Romano e são peritos em contornar as leis melhor que qualquer advogado. Na certa terão pra- ticado as infrações de tal forma, que dificilmente pudessem levá-los ao tribunal. Talvez isto fosse possível a Kisjonah, Cornélius, Fausto e Philopoldo. Entre nós — apenas o Senhor e o anjo os dominarão.”
Cirenius meneia a cabeça: “Contudo, fá-los-ei vigiar como suspeitos; talvez isto os abale um pouco!”
Diz Ebahl: “Podes experimentá-lo; garanto, porém, que os primeiros protestos do chefe te obrigarão a retroceder. Não pos- suímos base para uma causa criminal, pois não havendo queixoso, não há juiz! A afirmação secreta do Senhor não podemos considerar como queixa; primeiro, por carecer de caráter persuasivo; segundo, o Senhor seria considerado diante do mundo como fraca testemunha, pois não é possível, por ora, nos referirmos no Foro à Sua Divinda- de, muito menos à Sua Integridade Profetizadora. Nós sabemos a quantas andamos; a Vara Criminal de Roma O desconhece, de sorte que podes condená-los apenas naquilo que toca à lei. Para este fim seria preciso um queixoso, e em seguida as testemunhas. Ou será que para vós o pronunciamento dum profeta ou oráculo teria valor, caso não pertencesse à vossa religião?”
Diz Cirenius: “Em casos excepcionais, sim, mormente se o profeta provou seu mérito diante dum júri, porquanto apenas ao juiz compete aceitar a integridade da testemunha.”
Diz Ebahl: “Bem, mas se o profeta não pode figurar nem como uma coisa, nem como outra? Como irás obrigá-lo? Talvez o consigas para testemunha; para queixoso, nunca! Aqui existe um; mas como forçá-Lo — e a seu anjo — a fim de que apareçam como tais?”
Diz Cirenius: “Tens razão! Esperaremos, pois me parece ver um barco à grande distância.”
Diz Mathael: “Já o percebi há meia hora; em que pé estão as negociações?” Responde Cirenius: “No mesmo; reconheço que, com todo o poder mundano, pouco alcançaremos com esses homens.”
131.CIRENIUSCONVOCATESTEMUNHASEM CESAREIA
Diz Cirenius: “Neste momento me ocorre uma ideia: envia- rei um mensageiro ao delegado, a fim de que convoque alguns quei- xosos nesta causa contra os fariseus.”
Diz Mathael: “Ótimo, assim ao menos tens o pretexto de mandá-los vigiar. Mas é preciso agir com presteza.”
Imediatamente Cirenius executa seu plano. Percebendo esta manobra, o chefe dos fariseus lhe indaga: “Senhor, por que motivo mandaste dois mensageiros a cavalo para a cidade? Acaso tencionas neutralizar nossos direitos legais, por vós sancionados? Isto será difí- cil, pois temos Deus e a lei a nosso favor. A não ser que criasses novas leis, que no momento de nada adiantariam.”
Responde Cirenius, aborrecido: “Falai quando inquiridos! Tenho de conferenciar com meus conselheiros para verificar se vossa petição merece apoio do Imperador! Caso afirmativo, sereis atendi- dos; do contrário, não haverá complacência, mas sim punição, em virtude do atrevimento de quererdes exigir cobertura para vossos pecados! Considerai bem isto: o Prefeito de Roma não julga pela aparência, senão pela lei formada.
Agi, pois, de acordo com vossa consciência, que de vós se exige muito mais que do povo inculto, mal conhecedor das leis e de sua própria índole. Como iniciados em todo conhecimento, deveis compreender o motivo que me leva a vos julgar com o maior rigor: ou sois tão puros como o Sol, ou jamais merecestes vosso ofício! Por isso não vos deve interessar o que farei, seja para vossa sentença condenatória ou para absolvição. Convém, portanto, fazer um re- querimento como comprovante de vossa exigência.”
Diz o chefe: “Nobre senhor, hoje é sábado de Lua nova e somos proibidos de qualquer atividade. Podemos falar; escrever, só depois do ocaso, pois neste santo dia convém a criatura se ocupar unicamente de Deus. À noitinha faremos o que acabas de nos pedir.”
Indaga Cirenius: “Essa especial lei de Lua nova vos foi dada por Moysés?”
Diz o outro: “Não por ele, mas por seu sucessor, através do qual também Se fazia ouvir, algumas vezes, o Espírito de Deus.”
Diz Cirenius: “Duvido, pois as Leis daquele grande profeta traduziam nitidamente o Espírito Divino; quanto à comemoração de um tal dia, revela apenas o cúmulo da estultícia humana. Des-
conheceis a origem da Lua nova e nos rimos de vós. Nossos sábios se admiram da possibilidade de haver vizinhos de gregos, romanos e egípcios alheios a esse conhecimento! Dize-me, qual vosso parecer sobre esse assunto?”
Responde o chefe: “Prefiro te ouvir primeiro, para depois me externar.”
132.NATUREZADATERRAEDA LUA
Diz Cirenius: “Ouvi, pois: A Lua é um planeta, mais ou me- nos cinquenta vezes menor que a Terra, acompanhando-a em sua trajetória ao redor do Sol. Enquanto a Terra necessita de trezentos e sessenta e cinco dias para tal tarefa, a Lua gira treze vezes em tor- no da mesma.
Nessa caminhada passa a Lua por diversas fases, pois, sendo desprovida de luz própria, como a Terra, é iluminada pelo Sol. Quando o globo se acha entre ela e o Sol, sua fase é a do pleni- lúnio. Se depois de mais ou menos quatorze dias se acha entre o Sol e a Terra, pouco se vê de sua superfície — e a isto chamamos de Lua nova.
No caso de se postar a Lua diretamente entre a Terra e o Sol
o que observamos ontem — ela cobre o astro-rei. Isto impede que a luz solar atinja a parte de onde se poderia traçar uma linha reta, o que ocasiona um eclipse; as zonas não atingidas por tal traço nada disto percebem, mormente as que se acham do lado oposto de nosso planeta. Tanto este quanto o Sol e a Lua têm forma esférica, criando a Terra o dia e a noite pela rotação em vinte e quatro horas, tempo em que todos os países, desde o Polo Norte ao Sul, são ilumi- nados e aquecidos pelo astro.
Eis a verdade bem calculada pelos sábios, da qual, natural- mente, o leigo nada sabe, porquanto lhe falta a base de que vós, instrutores, também careceis. Não se pode transmitir a outrem aqui- lo que se ignora. E mesmo donos de tais conhecimentos nunca os
haveríeis de propalar, porque a ignorância alheia vos traz maiores benefícios! Eis minha explicação prometida; qual é a vossa?”
Responde o chefe: “O que acabas de dizer, já o sabíamos por vias secretas, e eu nunca me opus a tal conhecimento; considera, porém, a Gênesis de Moysés — e nada disto lá encontrarás. Como principais professores e divulgadores entre o povo, não podemos propagar um conhecimento contrário às suas leis. Se algum de nós tentasse a disseminação doutro ensino que não o mosaico — garan- to-te que seria apedrejado!
Existem os que afirmam conterem as palavras de Moysés senti- do oculto, o que, absolutamente, haveria eu de contestar. Como, po- rém, ensinar a um povo supersticioso algo de que o próprio professor não tem ideia precisa?! Por tal motivo nada se pode fazer senão dei- xá-lo em sua crença antiga, considerando fielmente as Leis recebidas. Quando longe da multidão, pode-se praticar e crer na verdade plena. Falei e aguardo tua reprimenda, caso tenha proferido uma inverdade.”
133.AREBELIÃOEMCESAREIA PHILIPPI
Admirado pela inteligência do chefe fariseu, Cirenius diz a Mathael: “Amigo, com este sabichão não convém discutir, pois sabe tirar partido da situação atual, que defende às maravilhas! Jamais assisti a semelhante polêmica! — Talvez os mensageiros já estejam se aproximando e nos possam ajudar nesta peleja!”
Diz Mathael, sorrindo: “Qual nada! Esses tratantes são por demais espertos e sempre encontrarão uma saída; para que se ren- dam, necessário é outro poder que não o humano. Arriscar-me-ia a curar centenas de gregos e romanos de sua tolice, pois minha ex- posição lhes seria novidade, que procurariam aceitar com gratidão. O mesmo não se dá com esses entendidos em todas as ciências, que sabem aproveitar em seu próprio benefício. Penso ser este o motivo da retirada do Senhor, pois previa não ser possível falar-lhes, fanáti- cos como são.”
Diz Cirenius: “Pois bem, em tal caso teremos negociações que, nessas circunstâncias, serão inéditas na Terra! Se ao menos o delegado já viesse...!”
Neste mesmo momento se aproxima, ofegante, um mensa- geiro, dirigindo-se ao grupo sem perceber a presença de Cirenius: “Amigos, fugi o mais depressa possível, pois irrompeu tremenda re- volução! Todos andam à procura dos fariseus trapaceiros, e os pagãos matam todos que se assemelham a judeus. Sou grego pobre e apa- nhei hoje esta vestimenta judaica por falta de roupa, e aqui vim com risco da própria vida!”
Diz Cirenius: “Sou o Prefeito! Explica-te melhor: como e por que irrompeu a revolução?”
Responde o grego, um pouco encabulado pela presença da autoridade: “Nobre senhor! O assunto é o seguinte: em vez de os sa- cerdotes judaicos explicarem claramente o simples fenômeno do Sol artificial, aproveitaram-no para divulgação dum possível castigo de Deus, bastando para aplacá-lo que o povo se prontificasse a grandes oferendas. Tal sugestão foi imediatamente aceita pelos ignorantes.
Os sacerdotes pagãos, não menos inteligentes, deram o exem- plo; essa ideia, entretanto, não lhes rendeu o mesmo lucro. Um gre- go bem intencionado começou a elucidar os mais calmos no sentido de não acreditarem naquelas profecias engendradas pelos sacerdotes, pois só se poderia concretizar uma delas: ou a judaica ou a pagã. Desta forma foi possível orientar os pagãos. Os judeus nada disto aceitaram, acusando aqueles como causadores do castigo esperado.
Em pouco tempo chegaram às vias de fato, e os pagãos come- çaram por incendiar as casas dos judeus, exigindo ainda a devolução dos sacrifícios extorquidos. Como não fossem atendidos usaram de meios drásticos, mormente com os sacerdotes judaicos, que bateram em retirada da cidade em chamas.
O delegado romano, bastante inteligente, ajudou em larga escala no sentido de provar ao povo a culpabilidade dos sacerdotes judaicos. Isto incentivou a reação por parte dos pagãos, de sorte que na cidade corre mais sangue que vinho e leite.
Pelo que me parece, acham-se debaixo daquele cipreste os mencionados fugitivos. Se não tratarem de fugir, passarão mal! E esta lança destinada à minha morte ainda servirá para aniquilar al- guns responsáveis. Os dois mensageiros que encontrei na entrada para a cidade não terão fácil tarefa para chegar ao delegado. Agora, senhor, sabes de tudo, e é a pura verdade.”
Diz Cirenius: “Agradeço-te a informação e desempenhaste bem o teu papel! Por ora fica aqui e serve-te de pão e vinho. Enquan- to isto ordenarei a algumas coortes para dominarem a revolta, no que prestarás testemunho contra os judeus!” Em seguida Cirenius chama Julius, cientificando-o de sua incumbência.
134.RELATODOMENSAGEIRO HERMES
Mal as coortes se põem em marcha, voltam os dois men- sageiros confirmando as palavras do grego. Além disto, transmi- tem uma nota do delegado, que viria relatar os fatos ocorridos ao Prefeito, tão logo a tempestade se tivesse abrandado um pouco. Cirenius os despede e, em seguida, interpela o grego a respeito de quem o enviara.
Diz ele, com mais coragem: “A necessidade, senhor! Sou ci- dadão de Cesareia e perdi todas as posses durante o incêndio. Este manto que mal me cobre, tirei-o dum judeu massacrado; do contrá- rio, estaria tão desprovido de vestes quanto minha mulher e minhas três filhas maiores, que se ocultam atrás da cabana de Marcus.
Externei o convite à fuga apenas por reconhecer aqui os ju- deus fugidos, podendo, deste modo, usar de vingança. Sua evasão efetiva somente se poderia efetuar por via marítima, pois na cidade os guardas não os tratarão com carinho! Entendo algo de estratégia, senhor, e julgo ser aconselhável postar alguns vigias à beira-mar para impedir que se evadam.”
Diz Cirenius: “Não te apoquentes, pois já se tomou tal medi- da!”, e virando-se para Mathael: “Que dizes a estas notícias?! Aguar- darei a vinda do delegado e anseio por ouvir a defesa destes patifes.”
Diz Mathael: “Não lucrarás muito com isto, desconhecendo os milhares de subterfúgios de que se valem. Todavia, tua posição melhorou. Antes de mais nada é preciso cuidar da família do gre- go. Helena por certo terás alguns vestidos caseiros de que poderá abrir mão!”
Ela prontamente manda apanhar quatro túnicas e saias bor- dadas à moda grega, dizendo à serva: “Pede ao mensageiro que te conduza aonde se acham sua mulher e filhas, veste-as e trá-las até cá!”
Com os olhos rasos de lágrimas, o grego acompanha a serva de Helena e, aproximando-se das mulheres que se haviam enrolado em lençóis, diz: “Não mais choreis, queridas, pois encontramos no Prefeito Cirenius um verdadeiro benfeitor, e essa roupa certamente vos é ofertada por sua filha!” Com imensa alegria elas se vestem e ele as conduz para junto de Helena, a quem externam sua gratidão. Assentam-se a seu lado e saciam sede e fome. Ouran e sua filha ouvem horrorizados os relatos sobre a opressão farisaica. Cirenius, então, diz ao grego: “Amigo, tratei-te um pouco bruscamente e me arrependo desta minha atitude, por isto serás recompensado.”
Em seguida manda trazer uma vestimenta romana de hon- ra, composta de uma fina camisa pregueada que dá até os joelhos, uma toga de seda azul, da Índia, com bordados a ouro, botas e um turbante egípcio, com enfeite de plumas e um broche com esmeral- da. Além disto, entrega-lhe mais sete camisas de interior, brancas e cem libras de prata. Louco de alegria, o mensageiro nem sabe como agradecer.
Sorrindo de satisfação, Cirenius lhe diz: “Hermes, entra nes- ta casa de meu amigo Marcus, lava-te e veste-te como romano, pois estará na hora de citarmos os fariseus para depoimento e, desta vez, não escaparão! E tu, amigo Hermes, ajudar-me-ás.”
Diz aquele: “Na maior boa vontade! Esses homens, porém, são por demais astutos mesmo para com as Fúrias, quanto mais num depoimento comum. A fim de condená-los, deve-se basear apenas nas declarações de testemunhas confiáveis, pois quem ouvi-los fi- cará confuso, finalmente considerando-os inocentes e cedendo às
suas demandas. Assim, opino que sejam atirados para alimento dos peixes — e como magistrado terás feito jus à justiça. Se apresenta- rem-se numa zona animais selvagens que prejudiquem e assustem a Humanidade, dever-se-á entrar em negociações com tais feras?! Não!, digo eu. Sua maldade é por demais conhecida, por isso devem ser exterminados! Permite-me uma pergunta, senhor!” Diz Cirenius: “Pois não, fala.”
135.PROSSEGUIMENTODASNEGOCIAÇÕESDE CIRENIUS
Diz Hermes: “Senhor, a dez passos desta mesa vejo u’a me- nina em palestra com um homem de aparência extremamente sim- pática e tudo que diz desperta nela uma sensação de êxtase! Quem é ele? Seu físico é duma dignidade e nobreza que atraem todos os olhares, e quanto mais o fito maior sinto sua atração. Não posso recriminar minha mulher e filhas se mal conseguem desviar os olhos dele. Aposto ser um homem bom, nobre e sábio. Mas..., quem é?”
Responde Cirenius: “Amigo, posso afiançar-te que O consi- deramos Deus! Por ora é médico de Nazareth — mas, que médico! Nunca houve igual! Mais tarde saberás o resto; cuidaremos, primei- ro, de nossos assuntos e não me trates mais de senhor, mas sim de amigo e irmão.”
Diz Hermes: “Muito bem, agradeço-te por esta atitude hu- manitária. Dize-me apenas: quem é o jovem tão lindo em compa- nhia do médico? Serão ele e a menina seus filhos?”
Diz Cirenius: “Sim, julgaste bem; agora, mãos à obra.” Em seguida manda chamar o chefe dos fariseus e lhe pergunta se conhe- ce o grego.
Responde esse: “Quem não conhece o afamado cantor e ci- tarista? Por várias vezes nos deleitamos com sua voz; pena não ser possível convertê-lo para nossa religião, pois sobrepujaria o gran- de David! É honesto e de bons sentimentos; apenas não simpatiza conosco, o que lhe levamos em conta por não se poder exigir que assimile e aceite nossas leis, aparentemente desumanas.”
Diz Cirenius: “Acontece ser justamente ele vosso declarado acusador, tendo afirmado, pela segunda vez, o que se positivara por uma testemunha oculta! Sois classificados como reles criminosos — e tendes a incrível ousadia de me pedir indenização por algo que vos tornou os incendiários mais astutos! Que me dizeis?”
Responde o fariseu, calmo: “No que diz respeito ao Hermes não guardamos rancor, pois sabemos que uma pessoa desprovida do verdadeiro conhecimento de causa só pode formar juízo errado. Se ele também deseja se tornar nosso inimigo, que o seja; nunca seguiremos seu exemplo. No fundo, tudo que depôs contra nós é verdade. Na Europa existem duas zonas perigosas no mar, chamadas Szylla e Charibdis; quem consegue passar pela primeira, é tragado pela outra! E nesta noite encontrávamo-nos numa real encruzilhada e perguntamos: que atitude deveremos assumir que mereça o apoio integral dos romanos?”
Indaga Cirenius: “Por que não destes a explicação verdadeira do fenômeno ontem havido, a fim de acalmar os ânimos de vossos fiéis?! Por que mentistes, dando motivo à maior confusão que pro- vocou o levante? Por que extorquistes, de modo tirânico, sacrifícios do povo, enquanto sabíeis que a Fata Morgana nada tinha a ver com a profecia de Daniel?”
Diz o chefe: “Não pareces ter compreendido minhas pala- vras! — Quando, ontem, o Sol iluminou por tempo inesperado esta zona, muitos de nossos irmãos na fé me procuraram na sinagoga, dizendo que todos os judeus andavam alarmados. Procurei dar-lhes uma explicação razoável. Em seguida, meus colegas tentaram escla- recer o povo, sem êxito, pois afirmava ter visto caírem estrelas do Espaço, recordando aos superiores as palavras de Daniel. Após certo tempo aquele Sol desapareceu repentinamente, fazendo-se escuridão completa. Agora já não mais havia possibilidade de acalmá-los: o fim do mundo para eles havia chegado e uma palavra em contrário nos traria a morte certa.
Eis a Szylla! Forçados pelas circunstâncias, tivemos de pre- gar Daniel e exigir, de acordo com o momento, os meios de penitên-
cia, a fim de conservar no povo a esperança na Indulgência Divina. Compreendemos perfeitamente que hoje haveríamos de enfrentar a Charibdis — e quando se é obrigado a escolher entre dois males, fatalmente a decisão cairá no menor. Por aí vês que não havia outra medida a tomar. Como nos tencionas julgar como romano justo?”
Diz Cirenius: “Bem, talvez fosse assim como dizes; resta saber o destino que foi dado às oferendas, pois o fim do mundo que lhes deu motivo ainda não se apresentou. Teriam sido devolvidas?”
Diz o chefe: “Nobre senhor, eis uma pergunta inteiramente desnecessária; todavia, a devolução teria de ser efetuada com grande precaução, em virtude da ignorância do povo. Convém fazeres tal indagação ao fogo, que destruiu todas as oferendas e víveres!
Não era preciso ele, o fogo, deixar-se levar pela divulga- ção forçada referente à profecia de Daniel, e destruir nossas casas e escolas. Disto apenas tem culpa teus conterrâneos, que muito nos odeiam. Assim sendo, não vimos aqui para pedir por nós, e sim também pelo povo. Como podes nos querer castigar, ao invés de socorrer?! Considera nossa situação e, por certo, nos isentarás de qualquer culpa!”
136.OPINIÃODOCHEFEFARISAICOACERCADO SALVADOR
Diz Cirenius: “Longe de mim tal atitude; apenas faço ques- tão de melhorardes. Fácil é vos encobrirdes com palavras bem me- didas, e para isto o momento é tanto mais propício porquanto as circunstâncias vos são favoráveis, não podendo alguém positivar vossa atitude caso o fogo não tivesse destruído as oferendas. Mas pergunto-vos: teríeis dito o que me dissestes, de consciência limpa e tranquila, perante um profeta Elias ou um anjo de Deus, que pene- tra a fundo em vosso coração?
Dou-vos minha palavra de honra: neste meio existem pes- soas que podem ler os pensamentos mais sutis como se fossem es- critos. Caso vos arguissem — teríeis tido a mesma atitude, saben- do que, embora não me falte inteligência e perspicácia, careço de
onipotência? Analisei rigorosamente tais pessoas e achei que não se lhes podia enfrentar com gracejos! Sereis por elas examinados. Caso a situação seja tal qual foi exposta, recebereis até mais do que pe- distes; assim não sendo, o irmão e o tio do atual Imperador saberão o que fazer!”
Diz o chefe: “De que modo nos poderás positivar que teus amigos sábios não sejam contra nós, fazendo mau uso de seu conhe- cimento? Como fariseus somos odiados na Galileia, por seguirmos estritamente os ditames de Moysés e os profetas, enquanto quase todo o país confessa a filosofia greco-egípcia. Sendo as mencionadas pessoas galileias, não nos terão em bom conceito, de sorte que de an- temão não aceitamos tal exame! Além disto, consta não poder surgir profeta de tal país, por ser o povo sacrílego e muito afastado da sabe- doria mosaica. Se forem da Judeia estaremos prontos para ouvi-los.”
Diz Cirenius: “Considero tais criaturas de tal modo que cada palavra delas, para mim, é vinda dos Céus, porquanto não restrinjo a verdade do Alto, acho que também pode ser encontrada na Terra! Uma pera é pera, tanto aqui quanto lá.
Outra pergunta: manifestastes certa reserva contra possíveis sábios da Galileia, e presumo haver outro motivo para tanto que não apenas a filosofia grega. Dizem ter surgido em Nazareth um homem que realiza verdadeiros milagres, positivando uma Nova Doutrina, aparentemente vinda do Céu. Nada ouvistes a respeito?” Diz Ma- thael em surdina: “Deste um passo acertado, pois mudarão de cor e palavras.”
Responde o chefe: “Então as imposturas daquele charlatão malquisto — ao qual o serviço de carpintaria se tornou por demais pesado e preferiu sua manutenção no ócio — já chegaram a teus ouvidos? Vê, queres nos condenar, sacerdotes creditados, a qualquer custo, o que deduzimos de tuas palavras e modos; todavia, um tal ga- lileu revolucionário munido de feitiçaria oriental recebe livre passa- gem. Pode fazer o que quiser e suas palavras serão mais consideradas que as nossas, por cuja veracidade tanto o intelecto quanto a razão se batem! Conheço muito bem tal homem e já te informei de tudo!”
Diz Cirenius, visivelmente agitado: “Ótimo! Externastes opi- nião sobre Alguém como pior não o poderíeis em vosso prejuízo. Todavia, falastes a verdade, demonstrando vossa índole. Estou agora bem informado, tanto sobre Ele quanto a vosso respeito, e provo que não aceito quem quer que seja antes de analisá-lo a fundo!
Vedes aqui o atual Vice-rei do Pontus. Ainda ontem era cri- minoso e quase condenado à morte; analisei sua questão, certifican- do-me de sua inocência e fiz dele, que é sábio, o que acabo de relatar. Sou mais severo que outro juiz qualquer, mas ajo com justiça. Se durante o julgamento se aplicou uma pena injusta ao réu, sei trans- formá-la em benefício e alegria, como no caso que ora narrei.
Muito mais rigor tive de aplicar no exame do nazareno, cons- tatando ao fim ser um homem tão perfeito como nenhum outro que pisou ou pisará a Terra. Por isso, é pleno do Espírito Divino e age de acordo, isto é, dentro do Poder e da Onipotência de Deus. Desta forma travei conhecimento com ele e considero-o com o máximo respeito e amor, embora seja judeu, na acepção da palavra.
Os romanos também apreciam o judaísmo quando traduz o que manifestaram Moysés e outros: transbordando o espírito da força, do amor, da verdade e da sabedoria. Conforme por vós é apli- cado — para usar as mesmas palavras de Daniel — é um horror de devastação! Eis meu testemunho sobre o por vós tão odiado nazare- no. Que me dizeis?”
137.OSPRÓPRIOSSACERDOTESJULGAMSEU CHEFE
Os fariseus arregalam os olhos e um deles diz, em voz baixa: “Como é possível nosso chefe ser tão estúpido, a ponto de não per- ceber que o Prefeito simpatiza com o galileu? Redu-lo como se fosse convencido de seus crimes, embora nunca o tenha visto! Este chefe não serve! Se continuar assim, seremos pregados à cruz! O Prefeito é por demais severo!”
Dizem os outros: “Vai e pede a palavra; talvez ainda nos seja possível salvar a pele e a ti tomar o lugar do chefe!” Responde ele:
“Farei uma tentativa — mesmo sem tencionar esse posto.” Em se- guida se adianta e pede a Cirenius licença para falar.
Diz este: “Aguardo outro critério de vosso chefe quanto ao nazareno.” Replica o fariseu, cuja perspicácia é notável: “Nobre se- nhor, sua inteligência foi águas abaixo! Emaranhou-se de tal forma que não sabe qual saída tomar. Tu, por certo, já percebeste de longe sua ignorância! Se eu ou um outro tivesse podido depor, esse proces- so de há muito estaria terminado; não mais lhe prestes a atenção e deixa-me falar.” Diz Cirenius: “Pois bem, fala!”
Prossegue o outro: “Nobre senhor, no que diz respeito à cul- pabilidade do incêndio, talvez seja aceitável o que argumentou, con- quanto eu confesse não sermos tão inocentes como alega, pois foi ele quem exigiu as oferendas. Ignoro ter sido necessário tirar tudo aos fiéis, com exceção da camisa, a fim de estabelecer a ordem! Eis outra dúvida: a devolução dos sacrifícios extorquidos! Certamente teriam emprestado dinheiro e objetos a juros, porém a restituição, por ele alegada como certa, é uma utopia! Suas palavras tolas nos deixaram revoltados e sem poder reagir, em virtude de estarmos num sábado, dia em que somente o chefe tem direito a tal.
Falo com sinceridade: no tocante ao mencionado nazareno não nos podemos externar, nem a favor, nem contra, pois ouvimos apenas alguns comentários. Certas coisas soaram louváveis; outras, certamente divulgadas por seus inimigos, mui fantásticas. Consta, por exemplo, ter ele ressuscitado pessoas realmente mortas. Não o assistimos; entretanto, considerando o que representa tal fenômeno, deve ser compreensível a criatura manifestar dúvidas.
Também consta ter o profeta Elias coberto de carne e vivifi- cado esqueletos, mas isso apenas é boato, pois não se encontra nem na parte apócrifa da Escritura. Os essênios, por sua vez, realizam o mesmo milagre, aliás por alto preço! Todos, porém, já se inteiraram deste ‘segredo’. Como dás testemunho tão favorável do nazareno, considerando tua cultura e experiência, não posso — inclusive ou- tros colegas — deixar de fazer jus a ele.”
Diz Cirenius: “Teu depoimento me agrada mais que de teu superior, o qual, finalmente, provou ser grande mentiroso. Todavia, poder-se-á reabilitar por uma confissão plena, pois não vim aqui para exercer função judicial, mas ajudar aos pecadores a encetarem o caminho do Bem.
Agora, fala tu, chefe, a plena verdade, porquanto teus com- panheiros ainda não o fizeram; desejaram apenas salvar a pele à tua custa e tal atitude não posso louvar. Sei o que sei e de nada te adian- taria me quereres iludir!”
138.DISCURSOSEVERODE CIRENIUS
Indeciso, o chefe reluta em falar a verdade plena; depois de alguns instantes, diz: “Nobre soberano! Muitos cães acabam por ma- tar o coelho! Convenço-me mais e mais de que as testemunhas con- tra mim aumentam. Para que fim iria procurar argumentos contra tua própria convicção?! Não posso dizer ‘sim’ contrário ao que estou convicto, e o ‘não’ de nada me adianta. Por isso podes aceitar as provas contra mim; nada mais farei para minha defesa. Julgando-me culpado, tens poderes de sobra para me condenares!”
Diz Cirenius: “Em vossos livros consta: Ai de quem atentar contra um por Deus ungido! — e saberei observar tal mandamento enquanto for possível. Saul, vosso primeiro rei, foi finalmente um criminoso e David, que na mesma época recebera a unção, com facilidade poderia ter aniquilado o outro, desejoso de sua morte. O Espírito de Deus, entretanto, manifestava-Se no coração de David, dizendo: Ai de ti, se atentares contra Meu ungido!
Não obstante pagão, ouço a Mesma Voz que me adverte: É-te permitido arguires cada um, e caso se tenham desviado para atalhos, reconduze-os ao caminho justo; ai de ti, porém, se fores julgá-los! Se o próprio arcanjo Miguel não se atreveu a condenar Satanás em virtude da luta improfícua que durou três dias, preferindo entre- gá-lo ao julgamento do Senhor, como poderia eu me arrogar tal
direito em Sua Presença? Assim sendo, deverias usar de sinceridade para comigo!”
Responde o chefe farisaico: “Já que de tudo sabes, não vejo razão para exigires plena confissão de minha parte. Observando tua simpatia pelo nazareno, nada tenho a acrescentar. Além disto, minha opinião a seu respeito se baseia noutra experiência que não a tua. Acaso poderia alguém obrigar-me a depor em benefício de uma pessoa da qual só me houvessem contado coisas que a desa- bonassem? Como és o primeiro a julgar o nazareno de modo dife- rente, aceito teu parecer, embora não tenha tido a mesma prova. Estás satisfeito?”
Diz Cirenius: “Estaria, se o coração fosse o inspirador de tuas palavras; todavia, sei que em nada credes, tal como os essênios, e obrigais o povo a acreditar em tudo que vos possa trazer algum pro- veito. Quando aparece um homem possuidor duma luz verdadeira e divina, demonstrando às criaturas perdidas nas trevas o justo ca- minho da vida — que infalivelmente descobrirá vossas conhecidas traficâncias — revoltai-vos contra ele procurando exterminá-lo, pois cabe-vos a desonra de terdes apedrejado os profetas, com exceção de Elias e Samuel, convencendo o povo de que Se comprazia Deus com vossos atos horripilantes.
Somente depois de decorrido um século lhes prestastes lou- vor, enfeitando seus sepulcros, em virtude de se terem realizado suas profecias, situação que soubestes aproveitar no domínio sobre as massas. Se esta é a verdade, como poderei dar crédito às tuas pala- vras? Acaso acreditaste numa vírgula sequer daquilo que pregaste aos crentes?” (Nota: Estas palavras de Cirenius são-lhe inspiradas por Minha Influência; apenas são externadas a seu modo.)
139.CARÁTERDOCHEFE FARISEU
Após certo tempo de reflexão, diz o chefe: “Como irás me provar que penso de modo diferente e não creia de acordo com o que professo? Se meus antepassados atentaram contra os profetas —
o que não posso negar — que culpa me cabe, se sempre louvei os santos videntes de Deus?! Se milhares de colegas não acreditam no que dizem, porventura será isto uma prova de fazer eu o mesmo?!”
Responde Cirenius: “A prova concludente consiste em seres demasiado culto para aceitar um absurdo como de origem divina. Como bom calculista, não tomarás um mosquito por elefante!”
Diz o fariseu: “A que absurdo te referes?”
Responde Cirenius: “Acaso acreditas de fato no efeito mila- groso do estrume templário, que enaltecias pessoalmente, ano por ano?! Crês na influência curadora da Lua nova?! E que Jehovah ha- bite na nova Arca conforme fez na de Moysés, por vós de há muito reprovada?! Crês na semelhança da chama de nafta com a coluna extraordinariamente santa acima da Arca que iluminava Moysés?! Achas ser mais útil ao homem fazer sacrifícios no Templo ao invés de amar seus pais e obedecer-lhes em tudo que seja bom, conforme
o Mandamento?!
Confessa abertamente se crês nisto, como em outras tantas tolices que divulgam vossos princípios. Se o fizeres de modo concre- to — o que acho impossível — és em verdade mais ignorante que um animal e te prestas para tudo, exceto para teu ofício. Não crendo e divulgando tal absurdo, és um traidor do povo e mereces ser preso por consideração política! Assim finalizo tua Szylla e Charibdis e dou-te u’a medalha imperial se fores capaz de me apresentar outro argumento!”
O chefe se vê tão enrascado que nada sabe dizer. Eis que se manifesta Hermes, o cantor: “Nobre Cirenius, agora não há mais saída para este tirano. Se não fosse tão mau poderia apiedar-me dele; asseguro-te, porém, ser perverso dos pés à cabeça! Vossa jurisprudên- cia condena à morte na cruz pessoas cuja índole não pode ser com- parada a deste patife, e me alegro por ter ele caído em tuas teias!”
Diz Mathael, sorrindo: “Cuida que não venha romper tua armadilha e, finalmente, zombar de nossa esperteza! Até então falou moderadamente; deixa que reaja — e verás suas armas! Só agora conheço suas verdadeiras tendências, embora tenha com ele privado
no Templo, pois é o mesmo que há trinta anos assassinou o Sumo Pontífice Zacharias, entre o Altar e o Santíssimo!”
Diz Hermes: “Oh, Conheço outras ‘pecinhas’ suas; mas, como não podem ser provadas, nada se poderá fazer.”
Diz Cirenius, admirado com a afirmação de Mathael: “Que me dizes..., este teria posto fim à vida do sábio e bom Zacharias?! Esta orientação vem a propósito!” Em seguida o prefeito dá ordem a Julius para formar uma forte guarda que impeça a fuga dos fari- seus. Estranhando tal movimento, o chefe diz: “A quem se destina esta guarda?”
Responde Cirenius: “Não é de tua conta, pois monstros humanos de tua categoria não merecem resposta! Aguardo apenas o relatório do delegado e a chegada de Cornélius, Julius e Jonah de Kis, para depois te responder.”
Diz o chefe: “Bem, nesse caso também justificarei minha presença!”, e tirando um pergaminho do manto, pergunta: “Conhe- ces tal selo e assinatura?” Surpreso, diz Cirenius: “São do Imperador! Que finalidade têm?”
Retruca o outro: “Sendo preciso, serás inteirado do conte- údo! Eis por que te aconselho sustares toda e qualquer pesquisa, do contrário este pergaminho te trará grandes aborrecimentos. Consi- dero-te, por ora, como cavalheiro; não te excedas, pois poderia dele fazer uso que não seria do teu agrado!
Não te teria mostrado esta arma terrível se tu não me tives- ses obrigado; urge provar-te não seres o único senhor deste territó- rio! Acho, pois, melhor recolheres os soldados, porque seria forçado a juntar os meus, não obstante ser hoje sábado! Lastimo que minha linguagem te incomode, assim como não me agradou a tua. Resu- mo: tu me conheces e vice-versa! Faze o que achas bom e justo que farei o mesmo! Compreendes?”
Em seguida o chefe vira as costas a Cirenius como se fora soberano e dirige-se com seus colegas à praia, numa atitude de quem está munido de poderes imperiais. O velho Cirenius, no entanto, acha-se num grande embaraço, sem saber como agir.
Diz Mathael: “Vês, meu caro, a proteção física e moral de que esse judeu é dotado?! Por esta razão é sumamente difícil e, a bem dizer, infrutífero fazer-se um julgamento, porquanto eles — só Deus sabe como — souberam conseguir os privilégios mais elevados e secretos!”
Diz Cirenius: “Como se admite, Mathael, que essa hidra humana obtivesse um documento da mão do Imperador sem minha autorização?! Neste caso, só resta apresentar uma atitude de condes- cendência e estou curioso por ouvir a opinião do Senhor!” Responde Mathael: “Por certo também não Se externará, pois sabia com quem te irias haver. Não parece ter prestado atenção à contenda.” Diz Ci- renius: “Mas é preciso Lhe pedirmos conselho!” Acrescenta Mathael: “Não resta dúvida!”
140.ODOCUMENTO FALSIFICADO
Na praia, porém, diz o chefe dos fariseus aos colegas: “De- sempenhastes bem vosso papel, pois a aparente reação contra mim foi por vós manifestada no momento em que dei o sinal de silêncio! Agora, não sabem o que fazer. Se ao menos os três anunciados não viessem; talvez até tragam o nazareno! Nesse caso estaríamos perdi- dos! Por isto opino: ao desembarcarmos iremos diretamente para Jerusalém, já que Cirenius retirou a guarda. Vamos praia acima, até conseguirmos uma embarcação grega, onde estaremos seguros.”
Diz o primeiro fariseu: “Mas como iremos escapar dos guar- das do povo, que se devem ter ocultado por detrás dos arbustos?”
Diz o chefe: “É verdade! Mas..., que tal se exigíssemos atrevi- damente uma escolta de Cirenius?! Não nos poderá negá-la, à vista do pergaminho imperial. Vai e faze isto!” Enquanto urdem esta tra- ma, Cirenius é por Mim informado, sabendo o que fazer no mo- mento oportuno.
Quando o fariseu apresenta sua exigência, o Prefeito diz: “Amigo, o tal documento me abalou um tanto, pois ignorava fos- se falsificado. Agora, esclarecido que sou, em absoluto atenderei ao
pedido de teu chefe. Transmite-lhe que me faça entrega imediata do pergaminho, do contrário ser-lhe-á tirado à força e, tentando des- truí-lo, será crucificado ainda hoje!”
O fariseu se curva e se afasta, trêmulo de grande medo. Quando perto do superior diz, gaguejando: “Estamos perdidos! O maldito documento — falsificado — coroou nossas traficâncias! Entrega-o imediatamente ao Prefeito, senão serás supliciado, pois sabe de tudo!” As asas negras reconhecem a seriedade do momento e o chefe entrega o pergaminho ao orador, lastimando: “Toma, com isto perdemos o último baluarte!”
Voltando para junto de Cirenius, diz o fariseu: “Nobre sobe- rano, ei-lo aqui! Somos todos reais criminosos e apelamos para teu coração magnânimo!” Cirenius o analisa e diz: “Que obra bem feita! Confessa em que ocasião conseguiu esta carta-branca?”
Diz o outro: “Não te posso informar, sei que ele o trouxe de Jerusalém.” Diz Cirenius: “Tens plena certeza disto?” Respon- de o fariseu: “Certo, pois no-lo mostrou, esclarecendo-nos do seu conteúdo.” Prossegue Cirenius: “Qual seu comportamento como homem?” Diz o outro: “Desempenhou seu cargo com severidade e dentro do espírito judaico. É sabido que o confisco de rendas não é efetuado de modo complacente; ignoro, porém, se tenha sido bru- tal. Possível é ter certas culpas no cartório que nunca relatou. Ontem apenas se tornou por demais exigente na coleta das oferendas, fato para o qual o próprio povo deu maior motivo!”
Indaga Cirenius: “Teria ele já feito uso deste documento?” Responde o judeu: “Até hoje nada a respeito vimos.” Diz o Prefeito: “Bem, dize a teu superior que lhe desejo falar para ver o que possa fazer.” Recebendo tal recado, diz ele: “Nada nos resta senão obede- cer, pois é melhor perder algo que tudo.”
Decidido, o chefe dos fariseus se encaminha para junto de Cirenius e diz: “Eis um vencido que, por certo tempo, ousou fazer uso dos direitos dados às criaturas; embora matemático, errei em meus cálculos, convencendo-me de que os maiorais não admitem semelhantes. Eis por que agora desejo ser um dos menores, tornan- do-me talvez agradável aos superiores.”
Diz Cirenius: “Farás bem assim. Dize-me, o que te levou àquela atitude, pois te ofereci a mão amiga e não a aceitaste. Qual era teu fito?”
Responde o fariseu: “Basta considerares minha posição ele- vada, portadora de honra e poder. Tal conceito orgulhoso em breve leva a criatura ao erro, que a cega e ensurdece à medida que aumenta seu cabedal de pecados. Nesse crescendo chega-se ao ponto culmi- nante — e tudo paralisa! Eis minha situação: conto setenta e oito anos, e nada mais espero a não ser dedicar-me às coisas divinas, caso queiras conservar-me a vida.”
Diz Cirenius: “Junto à cabana encontrarás u’a mesa com pão e vinho; sacia-te para ajustarmos nossa causa antes da chegada de nossos amigos.”
Satisfeito e grato, o velho aceita o convite, enquanto Eu Me dirijo a Cirenius: “Agiste bem e o testemunho dado do nazareno foi louvável; todavia, seria precipitado informar essas pessoas a Meu res- peito. Se prosseguires nesta atitude, talvez seja possível conquistá-las.
Colocarei Raphael à tua disposição; fará o que quiseres, cui- dado, porém, com os milagres. Pela reconstrução da cidade em bra- sas nada faças, não obstante ser coisa de instantes para o anjo! Quero que essa zona permaneça em situação humilde, sendo mais tarde dada a Marcus e sua família oportunidade para sua reedificação. De resto, poderá fazer o que pedires — observando certa precaução.”
Diz Cirenius: “Senhor, que farás durante esse tempo?”
Digo Eu: “Ficarei perto de ti como se fora um estranho. Quando, ao meio-dia, vires a aproximação dum navio, deves diri-
gir-te à praia para receber os visitantes em Meu Nome. Adverte-os no sentido de não Me denunciarem, o que impediria o bom anda- mento da questão em curso. Hermes deve procurar Meus discípulos a fim de receber o devido ensinamento. De Minha parte orientarei Ouran sobre seu futuro Governo. Agora sabes o que fazer.”
Diz Cirenius: “Como saberei se esses cinquenta arquifariseus estarão aptos para Te conhecer?”
Digo Eu: “Sabê-lo-ás no momento preciso após o almoço, que hoje será tomado uma hora mais tarde. Portanto, não te preocupes e faze tudo dentro de Minha Ordem.” Esta orientação é de muito agra- do de Cirenius e Eu coloco Raphael a seu serviço; e o anjo diz: “Aqui estou a fim de servir a Deus, a ti e a todas as criaturas de boa vontade. Cuidado com tuas ordens, que prontamente serão executadas.”
Retruca Cirenius: “Amigo celeste! Se me movesse unica- mente a razão, surgiriam apenas tolices. O bom êxito na questão farisaica compete apenas ao Senhor, que me deu o bom entendi- mento e inspirou as palavras. Sob tais auspícios podemos arriscar o prosseguimento; que me dizes?”
Diz o anjo: “Dentro de tal compreensão não é possível pe- car. Vamos reiniciar a tarefa pelo Poder Divino, em conjunto.” En- quanto isto, Stahar, o chefe, chega-se a Cirenius e agradece o con- forto recebido.
142.STAHARREVELA SEUSPRINCÍPIOS DE FÉ
Cirenius, não aceitando a gratidão manifestada pelo chefe, diz: “Unicamente ao Senhor compete todo louvor e reconhecimen- to. Agora, como Iniciado, esclarecer-me-ás o que seja um ‘anjo’ e como desempenha seu auxílio junto a Deus e às criaturas.”
Diz Stahar: “Nobre soberano, eis uma pergunta difícil, mor- mente porque ainda não ficou evidenciada a existência de anjos. A Escritura lhes faz menção, sem definir sua natureza. De acordo com o Talmud, se devem interpretá-los como forças emanadas do Ser Divino em forma de jatos de fogo, que se movem numa velocidade
incrível — do Centro de Deus em todas as direções — como raios solares. Julgo tal definição aceitável; se corresponde à verdade, difi- cilmente um mortal o poderá positivar.
Consta também terem sido vistos os anjos como adolescen- tes de beleza extraordinária, servindo aos homens. É possível; mas nenhum de nós viu coisa semelhante e bem pode ser uma interpre- tação lírica, pela qual se tenham personificado as forças espirituais, atribuindo-lhes essa forma. Nunca se fez menção à existência dum anjo feminino, certamente por não ser possível se imaginar uma jovem munida de poder incomum.
Vês, pois, as mais variadas opiniões e em tudo parece haver algo de real; a pura verdade não se pode conceber. Por isso é melhor deixar-se o povo em sua crença, enquanto não se possua coisa me- lhor para suplantá-la. Eis tudo que sei, pois não iria te ensinar o que se diz às massas.”
Diz Cirenius: “Quer dizer: não crês inteiramente na aparição real dum anjo?”
Responde Stahar: “De modo algum, pois nunca tive o prazer de ver coisa idêntica em sonho, muito menos na realidade. Do mes- mo modo meus colegas se externaram por diversas vezes. Não quero pôr em dúvida tal hipótese, mas uma coisa é certa: um espírito an- gelical não se poderá apresentar sem intermédio da Natureza, assim como o raio de luz não se torna visível enquanto não encontrar um ponto de refração. O raio solar traspassa o éter antes de atingir a Terra; no éter, como elemento reduzido, não se pode tornar uma erva; no solo, porém, é-lhe possível a transformação em tudo que a matéria lhe oferece.
Deste modo, sou contra a possível aparição dum espírito, seja anjo ou demônio, Deus ou seu polo oposto, em virtude de haver em a Natureza das coisas uma ordem imperativa. Nunca se vislumbra nelas o surgir de algo sem que lhe preceda uma base aceitável, isto é, para se conseguir um efeito, necessário é um intermediário pres- tável. Um espírito elevado poderá se manifestar apenas em carne e osso; o que passa daí é pura fantasia ou mentira.
É de lastimar que nós, de há muito reconhecendo a verda- de, sejamos obrigados ao papel de divulgadores e conservadores da mentira e superstição. Somos forçados a feições beatas, en- quanto temos desejo de estourar de raiva sobre tal tolice! Existem, porém, Moysés e os profetas, criaturas com tendências dominado- ras que, de início, tinham de ludibriar o povo com toda sorte de fantasmagorias, para que fossem coroados soberanos com direitos de tirania.
Uma vez cega a plebe pelos milagres, basta que lhe dês uma verdadeira luz — e ela te estraçalhará qual tigre. Assim é melhor se deixe tal povo na crença antiga, refrescando e vivificando-a por fal- sos milagres, porquanto não é possível esclarecê-lo.
Tempos houve em que assaltei e até cheguei a matar a pes- soa que se esforçava por cegar ainda mais a Humanidade tola; só aos poucos me convenci de que tal empreendimento era improfícuo, e injusto invectivar contra todos que reforçassem a cegueira alheia.
Demonstrei-te com sinceridade minha índole e compreen- derás ter sido necessário meu proceder para com o povo. Os tauma- turgos não me impressionam, apenas não devem agir contra pessoas esclarecidas como eu; ao contrário, se nos auxiliarem, todos pas- saremos bem.
Nunca se deve deixar perceber que nada de maior somos, e sim conservar os outros na opinião de sermos donos de segredos impenetráveis, que apenas podem ser entendidos por um sacerdote pleno do Espírito Divino. É bastante que alguns reconheçam serem todas as doutrinas concernentes ao Ser Divino velhos mitos, basea- dos na fantasia humana.”
143.RAPHAELE STAHAR
Diz Cirenius: “Em absoluto concordo contigo, pois creio convictamente existir um Deus que criou tanto o mundo dos es- píritos quanto o dos sentidos, através de Sua Própria Onipotência. Apenas terá levado períodos muito mais longos que os mencionados
por Moysés. Entre nós, entretanto, há quem entenda melhor o pro- feta que tu.
Também creio na vida eterna e feliz de todas as criaturas que cumprem de boa vontade o Mandamento de Deus; creio plenamen- te na individualidade formal dos espíritos e anjos, na real Revela- ção Divina pela boca dos profetas e até mesmo na Personalidade do Homem-Deus. Nisto tudo eu acredito, não apenas porque me fosse relatado, mas de convicção íntima, e me surpreende tua completa descrença! Que dirias se te afirmasse ser este jovem lindo um anjo, e te pode dar provas patentes de tal?”
Responde Stahar: “Nobre senhor, apenas isto: alegras-te em ridicularizar-me diante dos outros! Esse moço certamente é teu filho e lhe terás feito ensinar artes e ciências desde a infância; não seria, pois, de estranhar que possuísse certas habilidades por nós jamais sonhadas. Fosse eu um tolo de fé fácil e me poderias confundir! Todavia, sabendo o que sei, nada conseguirás; podes apenas subme- ter-me a uma prova.”
Diz Cirenius: “Se esta é tua opinião, faze uma experiência em Nome do Senhor e veremos se te falei a verdade.”
Diz Stahar: “Bem, neste caso suspenderei a tríplice coberta de Moysés da face do teu anjo e verás o resultado. Vem cá, jovem anjo!”
Raphael se aproxima, indagando: “Descrente, que desejais que te faça?” Responde Stahar: “Vê, neste mar existe uma grande quantidade de peixes; serias capaz de apanhar um dos melhores, já frito e arrumado numa travessa?” Nem bem o fariseu formula este pedido, Raphael o convida a saborear o peixe desejado, que apresen- ta numa baixela. Completamente atônito, Stahar não sabe que dizer a esta prova extraordinária.
O anjo, então, convida Cirenius a experimentar o peixe, que é partido em pedaços. Este se serve e confirma o bom paladar. Stahar o acompanha, justifica as palavras do romano e, finalmente, outros hóspedes lhe seguem o exemplo. Em seguida Stahar se dirige, hu- milde, a Raphael, perguntando: “És realmente um anjo do Senhor ou, talvez, um mago da Europa, África ou Ásia? Teu ato é incompre-
ensível e inédito; existem, porém, prestidigitadores que facilmente iludem os leigos. Por isto, dize-me quem és!”
Retruca Raphael: “De que te adiantaria minha resposta, se quem duvida precisa de provas? Argui-me e verás se o que faço pode ser feito por um mago.”
Diz Stahar: “Sim, como não? Se ao menos soubesse o que te pedir, pois meu desejo ora realizado é tão incomum que dissipa todas as dúvidas. Por tua aparência atraente, pareces antes um anjo que um mago; todavia, tens um corpo real, o que torna incerta a presença dum espírito. Deixa que te toque!”
O anjo o permite e o fariseu constata sua estrutura compac- ta. Em seguida dá de ombros e diz: “Hum, esse corpo tão perfeito nada contém de espiritual e, confessando com sinceridade, até seria possível alguém se apaixonar por ti, sendo isto outro ponto pura- mente material! A não ser que fosses assistido — como o jovem Tobias — por um anjo invisível, isto é: caso fosses qual Samuel um menino mui beato, desde teu nascimento!
Assim não sendo, no entanto, poderias também ter ligação oculta com Satanás, o que, por sua vez, não creio, em virtude de tua aparência maravilhosa e mesmo, para dizer a verdade, por nunca ter eu acreditado no anjo do mal. Já tinha dificuldade numa fé comple- ta em Deus, quanto mais na pessoa daquela entidade.
Eis por que sou naturalista ajuizado e não aceito qualquer aparição como espiritual enquanto me for possível explicá-lo den- tro da matéria. Tua ação recente não permite explicação natural; também nunca me outorguei o direito de compreender tudo que se apresentasse no vasto campo da Natureza. Tua arte milagrosa bem pode ter base natural, conhecida por ti e alguns outros. Por certo não ma revelarás; isto não importa, porquanto muita coisa acontece em a Natureza que em si é milagre, mas que não compreendo. De- veríamos, então, interpretá-lo como miraculoso?!”
144.EXPERIÊNCIADESTAHARCOMMAGOSDA ÍNDIA
(Stahar): “Vê, jovem perito na magia, há uns três anos che- garam à cidade alguns orientais — como os chamavam, da Índia
onde consta haver montanhas tão elevadas que seus picos quase tocam a Lua. Pode ser, pois aqueles homens tudo exageravam para causar impressão.
Mas isto não vem ao caso; a questão é que eles — de aparên- cia estranha — pediram permissão para realizar seus milagres diante do povo, a preço módico. Com ajuda dum intérprete lhes mandei dizer que os permitiria, mas não antes de me certificar particular- mente em que consistiam seus atos e se era admissível efetuá-los diante dos ignorantes, apesar de ser eu amigo de tudo que toca ao excepcional.
Os magos se deram por satisfeitos, porquanto lhes assegurei um bom honorário pelo espetáculo a realizar diante de mim e mais alguns colegas interessados. Voltaram ao albergue e, após uma hora, traziam uma quantidade de apetrechos nunca vistos: varas, pedras, metais estranhos, redomas de todos os feitios. Perguntei ao chefe para que fim servia aquilo tudo e ele respondeu: ‘Realmente para nada, necessitava apenas de algo de minha pátria a fim de poder agir.’ Em seguida perguntou-me o que desejava ver ou saber.
Respondi-lhe: ‘Bem, se apenas preciso pedir, tuas magias não irão longe.’ Em seguida perguntei-lhe o que estava eu pensando no momento, enquanto me concentrava em Roma e em seu Imperador. Pousando ambas as mãos sobre o peito, externou-me o que eu pen- sava. Podes facilmente imaginar que tal coisa não me causou menos espanto que tua ação.
Entregando-lhe um cântaro com água, disse: ‘Transforma esta água em vinho!’ Ele passou as mãos sobre o jarro e disse: ‘Se- nhor, prova-o!’ Assim fazendo verifiquei o milagre, que me eston- teou ainda mais. Depois apanhou uma vasilha de barro, vazia, e despejou o resto do vinho, como afirmava, para a viagem de volta à pátria. Analisei, mais tarde, a ânfora e vi que nem estava úmida:
apenas exalava um forte cheiro do líquido, observando o mago que preferia levá-lo em estado concentrado, pois facilmente poderia en- tornar na viagem.
Indaguei se era capaz de transformar o cheiro em vinho e ele, por sua vez, perguntou-me e a meus colegas se ainda tínha- mos vontade de beber. Afirmamos que sim; ele pegou na vasilha, menor que meu cântaro, enchendo-a até transbordar. Tal fato fez com que nossos cabelos ficassem em pé e sem saber eu o que dizer. Pusemo-nos a tomar o bom vinho e — novo milagre! — o cântaro permanecia cheio!
Percebendo nosso entusiasmo, o mago disse: ‘Ora, senhores, vinho sem pão não tem graça! Que tal se transformasse essas pedras em pão?’ Respondi-lhe: ‘Fá-lo!’ Repetindo o gesto sobre as pedras, ordenou-me: ‘Toma duma faca e corta o pão.’ Assim fiz e verifiquei que era de ótimo sabor! Em seguida opinei: ‘Amigo, se és capaz de tais coisas, desejaria saber para que fim ainda necessitas de pagamen- to para tua arte?!’ Respondeu o mago: ‘Apenas para ter o sustento material em lugares onde não seja possível agirmos.’
Satisfeito com tal resposta, entreguei-lhe duas libras de prata, que aceitou com gratidão. Não me foi possível permitir-lhe realizar um espetáculo comum, em virtude do grau extraordinariamente ele- vado, o que poderia levar o povo a lhe render homenagem divina, mormente os pagãos.
Afirmou ele ainda ser capaz de outros milagres mais trans- cendentes. Eu já nada queria ver, pois o sucedido me esquentara a cabeça e só desejava que partissem. No final indaguei se era capaz de me explicar um de seus feitos. Ele não se negou diretamen- te; apenas exigiu tanto dinheiro, que fiquei tonto e o despedi de bom grado.
Meu jovem, aquele homem foi tão pouco um anjo de Jeho- vah quanto eu; entretanto, fez o que acabo de relatar. Por que razão deverias tu sê-lo, pela mesma hipótese?! Preciso é que me dês pro- vas espirituais de tua origem celeste, do contrário não te aceitarei como anjo, não obstante maiores milagres que o comprovado. Penso
não ser possível uma pessoa sensata me apresentar argumentos con- vincentes.”
145.STAHARRELATAOASSASSINATODE ZACHARIAS
Diz Raphael: “Trata-se apenas de saber se falaste a verdade; de minha parte só te posso afirmar que tu, a fim de me arguir num sentido espiritual, mentiste descabidamente, não contendo uma sí- laba de verdade em tudo aquilo que narraste.
Alegas ter o mago adivinhado teu pensamento — eu agora descobri que nos pregaste uma boa peça, de sorte que a mentira do suposto mago se tornou, para mim, verdade!
Afirmas ter ele transformado água em vinho; também te pos- so provar esta ação. Manda encher este cântaro de água! Pois bem, nem sequer o toquei, todavia a água se tornou o melhor vinho! Pro- va-o, se te agrada!”
Stahar assim faz e constata a verdade. Prossegue o anjo: “O tal mago fez desaparecer o vinho num outro vasilhame; vê, não toco o cântaro, mesmo assim não contém uma gota mais! Ele teria feito apenas do cheiro novamente vinho; observa este aqui: nem mais cheiro tem, no entanto quero que se torne outra vez cheio do me- lhor vinho! — Eis aqui a prova!
Não tens o necessário pão e não gostas de tomar o vinho puro! Teu mago precisou de várias pedras para transformá-las em alimento; eu emprego somente minha vontade — e já tens uma quantidade de pão na tua frente! Prova, se não é melhor que o teu, inventado! A seguir pagaste a teu mago honorários de duas libras de prata, falsa; eu crio do éter duzentas libras de prata verdadeira, como pagamento à tua mentira. Estás satisfeito?”
Os olhos de Stahar quase saltam das órbitas e ele diz, após certo tempo: “Isto não se pode dar com forças naturais! Oculta-se aqui a onipotente Vontade de Deus e tu és, ou um anjo personifica- do, ou um dos maiores profetas, como Samuel ou Elias! Sim, agora creio que tenhas vindo, como mensageiro do Céu, para junto de
nós, pobres criaturas pecadoras, a fim de nos reconduzir ao cami- nho do Bem!
Minha história de magos foi realmente inventada, todavia dentro dos moldes pelos quais me fora relatada. Contei-a para te experimentar, constatando que vislumbras o íntimo da criatura e alcanças o inconcebível, apenas pela vontade. Assim creio sejas um anjo de Deus, o que me alegra, pois tive a prova daquilo que os pa- triarcas viram de vez em quando!”
Diz o anjo: “Esta não é a primeira prova que recebes: há trin- ta anos passaste por uma idêntica, no Templo, tendo sido, em segui- da, o Sumo Sacerdote abatido por tuas próprias mãos, entre o Altar e o Santíssimo! Por que não deste crédito àquele milagre visível e por que te tornaste até implacável para com ele?”
Diz Stahar: “Querido e poderoso mensageiro do Senhor, não me lembres uma época em que vi a Luz do mundo apenas por u’a maldição, e um ato do qual profundamente me arrependi mil vezes! A índole e o conhecimento que possuía naquele tempo não permi- tiam outra atitude.
Tornara-me, secretamente, erudito na filosofia grega e sabia por que me fizera homem. Preferia Platon, Sócrates e Aristóteles aos profetas obscuros e místicos, que até hoje não entendi nem nunca entenderei, porquanto não são interpretáveis; mormente os Cânti- cos de Salomon se assemelham antes à obra dum louco que dum sábio. Por isso sentia ojeriza por tudo que estivesse no menor desa- cordo com a pura razão de Euclides, por cujas obras, de certo modo, tornara-me professor de aritmética.
Amigo poderoso e celeste, se alguém me diz: dois e dois são quatro e que o dia contém luz, a noite, trevas — terá falado a pura verdade e abraçá-lo-ei como amigo. Vindo uma pessoa afirmar com teimosia que dois e dois são cinco, que o dia é treva e a noite, luz, não vacilo em abater esse idiota, pois o assassino espiritual é pior que todo ladrão, assaltante e criminoso! Tal era a situação no Templo! Começou-se a afirmar o mais absurdo — e impunham-se castigos àquele que se atrevesse a contestar um axioma de sabedoria obtusa.
O mencionado Sumo Sacerdote era um verdadeiro adepto de Salomon e considerava rigorosamente o mais místico saber; até começou a dirigir ovações a uma luz radiosa, prestes a vir ao mundo. Ela deveria iluminar as trevas da noite de forma tão poderosa que até os mais profundos abismos sob a Terra resplandeceriam mais fortemente que o Sol a pino. O dia do mundo, porém, tornar-se-ia noite trevosa, sendo a escuridão tão intensa que aniquilaria homens e animais. A luz da noite, todavia, já teria chegado e iluminava as trevas noturnas, de sorte que até mesmo os cegos de nascença passa- vam a ver como um vidente no dia mais radioso!
O que eu disse até agora é apenas uma pequena introdução, que claramente é a maior invencionice desde o Alpha ao Ômega, porquanto nesses trinta anos não vi outra luz noturna a não ser a da Lua cheia — excluindo o prolongamento da iluminação de ontem, que muito bem podia ter sido evitada, considerando-se a desgraça que provocou. Ninguém podia indagar a Zacharias o sentido de suas palavras; entretanto, exigia fé integral.
Tê-lo-ia eu suportado em Nome de Jehovah, pois um acrés- cimo de tolice não prejudica, por ainda se poder pensar dentro da verdade. Eis que começou por afirmar o seguinte: Os sete (7) se tor- nam um (1), os seiscentos e sessenta e seis (666) serão cento e onze (111), e setecentos e setenta e sete (777) e um meio (1/2) e um terço (1/3) e um quarto (1/4). Quem souber calcular, que o faça de modo diferente, pois o antigo será julgado e condenado!
Tal absurdo atirou-me e a vários alunos de Euclides na maior preocupação, pavor e ira; conspiramos contra o Sacerdote, pondo um fim à estultícia insultuosa através de algumas pedradas bem dirigidas! Todavia, não lucramos muito com isto, porquanto os sucessores do assassinado eram cem vezes piores. Nossa permanência no Templo com isto tornou-se insustentável; resolvi fazer papel de hipócrita, o que resultou em minha transferência para cá com todos os direitos de sumo sacerdote. Aqui não me privei de coisa alguma, fazendo-me passar por severo, enquanto no íntimo nada me preocupava. Agora sabes do motivo que nos levou a matar Zacharias. Que me dizes?”
146.RAPHAELEXPLICAASPROFECIAS MESSIÂNICAS
Diz Raphael: “Ora, o sentido de suas palavras era apenas es- piritual, referindo-se à Vinda ao mundo do Messias naquela época, do Qual todos os profetas, até mesmo Adam e Henoch, testemu- nharam, como também contou entusiasticamente Kenan.
Chegou o tempo em que todas as profecias se cumpriram. Zacharias predisse como último profeta, em sentido espiritual, a Chegada real do Prometido — e vós o assassinastes por isso, selando novamente um pacto fiel com o inferno, que fora iniciado por Caim na luta contra o devoto Abel, em detrimento da Humanidade cega, tola e má.
Não se deve reputar em demasia a cegueira humana quando comete toda sorte de atrocidades; portanto, também não deves ser julgado pela morte de Zacharias, e isto por te haveres arrependido sinceramente, o que será levado em conta. A questão é saber o que tu e teus cinquenta colegas faríeis na Presença do Messias, que há trinta anos vive e doutrina entre judeus! Render-Lhe-íeis a devida honra, reconhecendo-O em vossos corações?”
Responde Stahar: “Poderoso amigo, eis outra pergunta cuja resposta levaria alguém a quebrar a cabeça. Quem vem a ser tal Mes- sias tão misticamente prometido? Onde está? Que deseja e ensina? Antes desta informação não é possível se responder definitivamente.”
Diz Raphael: “Ele é Aquilo que David cantou: ‘Levantai, ó portas, vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, para que entre o Rei da Glória! Quem é este Rei da Glória? É Jehovah Ze- baoth! (Salmo 24, 9–10). Eis o testemunho que dá do Messias, ora Pessoalmente na Terra como Santo, Santo, Santo! Com isto tens a explicação que pediste e sabes o que pensar do Messias; portanto, exijo-te resposta decisiva.”
Diz Stahar: “Assim sendo — o que em absoluto quero pôr em dúvida em minha esfera subjetiva — pergunto: Que faremos com Moysés, o qual categoricamente afirmou: Ninguém pode ver Jehovah e permanecer com vida!? Além disto lemos em seu Livro
proibição formal, por parte de Jehovah, onde ninguém deveria ima- giná-Lo em figura, por mais elevada que fosse. Tu, porém, alegas que o Messias, de acordo com David, caminha como homem entre nós. Como agir, portanto?! É preciso que se renegue, ou Moysés, ou o Messias, pois é inadmissível que o profeta e David tenham razão.”
Diz Raphael: “Nenhum deles será renegado, porquanto reve- lam às criaturas a Justiça, o Bem e a Verdade. Jehovah não proibiu a Moysés a divulgação de Sua Futura Vinda como Homem entre os homens; apenas proibiu se fizesse Dele uma figura esculpida como fizeram ao bezerro de ouro. Assim, Jehovah também falou a Moysés que pessoa alguma O poderia ver como Deus ou Espírito e conti- nuar vivo; entretanto, acrescentou: Cobrir-te-ei com Minha Mão, até que Eu haja passado; e havendo tirado Minha Mão, ver-Me-ás pelas costas, pois Minha Face não poderás ver. — Qual o sentido disto? Vê, as costas de Jehovah, vistas por Moysés, representam o Físico Humano de Deus, com o Qual Se apresentaria, no futuro, aos homens, sendo Ele Próprio o Homem Perfeito! Como, pois, renegar Moysés, quando se aceita o testemunho de David?
Há trinta anos pusestes de lado a velha Arca da União, porque dela havia desaparecido a coluna de fogo e a nuvem de fumaça, repondo-a por uma nova, inteiramente material. Isto é um testemunho — embora não o entendais — para esta época, significando que Jehovah agora não mais paira apenas como Espí- rito Elevado sobre a matéria, como o fizera sobre as águas da noite, mas sim que Ele Próprio abandonou tal posição, pela qual dificil- mente Se dava a conhecer aos filhos, como Criador e Pai, através do profeta iluminado.
Não percebes ser isto uma nova Arca da nova União, da qual a recente e morta no Templo é um símbolo bem sugestivo? O Espí- rito de Jehovah, que outrora pairava sobre a velha Arca, foi por Ele Próprio depositado há trinta anos no Homem-Deus, que agora Se acha no mundo, ensinando as criaturas a reconhecê-Lo! Se esta é a realidade, acaso ainda poderás afirmar ser preciso renegar Moysés ou David para aceitá-la?
Além disto consta: Em tal época os Céus estarão abertos e os anjos descerão para junto das criaturas de boa vontade, testemunhan- do-lhes o Verbo Eterno que Se tornou carne, isto é: Deus Mesmo!
Tal se dá neste momento diante de teus olhos e ouvidos. Como podes prosseguir nas indagações?! Acaso ainda me julgas humano?”
Diz Stahar, pensativo: “Hum, sinto algo de extraordinário e de cada palavra tua resplandece a verdade. Estou convertido; trata-se agora de persuadir meus colegas e acharmos o Grande Messias, a fim de ouvi-Lo!”
Diz Raphael: “Fala com teus irmãos, para que também pos- sam crer e se tornarem felizes; depois sabereis onde vos é dado ver e ouvir o mais Santo dos santos!” Prontamente Stahar se encaminha para junto dos outros, ainda descrentes.
147.STAHARCONVERTESEUS COLEGAS
Como o grupo dos judeus se ache disperso à beira-mar e no pátio, Stahar convoca todos à praia e lhes diz: “Amigos, percebestes como aquele jovem falou e agiu?”
Dizem os colegas: “Alguma coisa, pois nos parecia se tratar dum ardil engendrado pelo Prefeito, a fim de nos fazer cair em suas teias! Por isto nos afastamos. Já perdemos tudo e, além do mais, a cidade continua ardendo! Que faremos? Os romanos sabem da consideração que o povo nos dedica, e o Vice-rei Cirenius, que tem à sua disposição as riquezas de três continentes, tudo pode! Fornece-
-nos quantidade de ouro e prata e também nos tornaremos milagro- sos, talvez não do mesmo quilate desse jovem — contudo faremos milagres!”
Diz Stahar: “Sois doidos assim falando, pois nem sabeis dife- renciar entre um milagre verdadeiro e um falso! Eu mesmo usei de todos os argumentos plausíveis e tive de me render quando o jovem começou a descobrir meus pensamentos mais ocultos. Só então re- conheci meu grande erro, o que me levou a vos transmitir o que vi e ouvi.
O jovem é incontestavelmente um anjo de Deus e testemu- nha de que o Messias Prometido já Se acha no mundo, fazendo ver os cegos, ouvir os surdos, sendo até possível que O possamos ver e falar aqui. Acredito em tudo e vós fareis o mesmo! Não sou um que facilmente aceita e crê em algo antes de se ter convencido de sua veracidade; uma vez, porém, chegado a esse ponto, minha convicção se torna uma rocha que ninguém poderá abalar! Se tal fato se deu comigo, me podeis dar crédito sem vacilar, pois não sois capazes de apresentar maiores dúvidas nesse caso como o fiz!”
Dizem os outros: “Está tudo bem; trata-se, no entanto, de saber o que devemos crer!”
Responde Stahar: “Acaso sois surdos? Não vos disse ser tal jo- vem em verdade um anjo de Deus, que o Messias já chegou e que em breve O poderemos ver e ouvir?! Apenas isto vos compete aceitar.”
Dizem os colegas: “Muito bem, neste caso não podemos ter dúvidas; convém, entretanto, considerar serem os melhores nadado- res os primeiros a se afogar, os mais destemidos alpinistas a se preci- pitar no abismo — e os tais firmes na fé, finalmente, mais rápidos caem em ceticismo!
Sabemos que nunca foste de crença fácil — mas um pouco de precaução não prejudica. A própria Escritura nos conta fatos em que alguns profetas miraculosos se tornaram criaturas fracas no fim da vida. A consequência demonstrou a origem daqueles inspirados, o que no caso presente deve ser considerado.”
Replica Stahar: “Assumo plena responsabilidade. Sei perfei- tamente não ser possível enfrentarmos o Templo com tal convicção, e convém protegermo-nos nesse sentido. Externamente continua- remos os mesmos e pagaremos o devido tributo. Em nosso íntimo, todavia, deve-se dar grande modificação, pois, com o tempo, o povo também será melhor orientado. Se concordais, poder-nos-emos di- rigir para junto do Prefeito e do anjo, onde receberemos maiores esclarecimentos.”
Como todos consintam, o grupo se dirige a Cirenius, e Stahar lhe diz: “Aqui estamos a teu dispor; faremos o que for de
tua vontade. Queira o mensageiro poderoso de Deus reforçar estes meus irmãos em sua fé e em tudo aquilo que eu próprio tive dificul- dade de crer.”
Diz Cirenius: “Vês não serem os romanos tão implacáveis juízes como julgavas; apenas queremos um direito integral e a ver- dade plena. Quem satisfizer tal exigência tornar-se-á nosso amigo, recebendo a cidadania romana — e não pode haver outra justiça para ele que não essa. O primeiro benefício que vos concedo é um certificado de cidadão romano. Incluindo o chefe, sois cinquenta ao todo e cada um terá sua certidão individual. Veremos, depois, que mais se poderá fazer por vós.”
Em seguida Cirenius manda trazer os rolos de pergaminho. Stahar, então, indaga: “Nobre amigo, certamente será preciso citar- mos nossos nomes?”
Apontando para Raphael, diz Cirenius: “Eis meu secretá- rio ultrarrápido! Já sabe o que lhe compete e também vos conhece. Preencherá os documentos à vossa vista.” Neste sentido Cirenius se dirige ao anjo. Célere, este se aproxima da mesa onde espalha os pergaminhos, toma duma pena cheia de tinta, passa-a velozmente sobre os papiros e diz a Cirenius: “Aqui tens, amigo, os documentos em romano, grego e hebraico; distribui-os aos interessados!”
Cirenius assim faz e os fariseus se sentem tomados de pavor, reconhecendo, trêmulos, estarem na proximidade de Deus. Como- vidos, agradecem a Cirenius, sem contudo encorajarem-se a fazer perguntas.
148.HEBRAMDISCURSAACERCADA“NOVA LUZ”
Este fato é observado pelos outros fariseus, entre eles He- bram e Risa, alegres pelo sucesso de Cirenius na conversão daque- les teimosos. Aproximando-se de Stahar, Hebram toma da palavra: “Aqui somos trinta enviados pelo Templo na conquista de pagãos. Mau negócio esse, porquanto os gentios possuem cultura muito mais adiantada que a nossa; competia-nos, então, fazer ignorantes
aos inteligentes e pô-los sob o domínio da água maldita! Nosso co- ração compreensível nos fez reconhecer a impossibilidade de tal em- preendimento, o que resultou em nos tornarmos romanos, e nosso testemunho contra o Templo servirá de prova para muitos. Além disto, recebemos aqui comprovante enorme e santificado. Projeta uma claridade mais intensa que mil sóis, é uma Luz de Eternidade, que já antes da Criação dos mundos iluminou os anjos como cha- mas vivas da Chama Eterna em Deus, o Amor.
Essa Luz Primária de toda Luz, Esse Eterno Amor aqui en- contramos; vós também A achastes, em parte, e ainda mais vos inte- grareis Nela! Sentimos uma alegria imensa por tal fato, embora vos custe a antiga existência de conforto.
O fogo tudo destrói, igualando vossa situação à nossa. Sem- pre foi a Vontade de Deus que, se as criaturas realmente desejam Dele se achegar, alimentando a vontade firme de que o Pai lhes pro- veja em tudo, devem, pelo grande amor e a confiança inabalável no Todo-Poderoso, afastar-se inteiramente do mundo e perder tudo que nele lhes seja caro; só então Deus, o Senhor e Pai, prontifica-Se em aceitá-las como abandonadas e desprezadas, cuidando-as de tal forma que por toda Eternidade se saciarão. Uma vez sustentadas por Deus, verificarão quão pessimamente o mundo as saciara.
De que adiantam ao homem todos os bens terrenos, os quais não poderá levar quando daqui partir? Os tesouros de Deus, espiri- tualmente por Ele criados em benefício de alma e espírito, levaremos ao Além, onde se tornarão alimento, morada, vestimenta e vida per- feita e eterna, cheia de luz e de máxima ventura!
Eis por que não deveis lastimar as perdas ontem sofridas, pois o Senhor já vos supriu antes de O terdes conhecido. Deveis ofertar-
-Lhe tal sacrifício por amor Dele, que vos recompensará mil vezes em Espírito o que perdestes materialmente.”
Diz Stahar: “Agradeço-te em nome de todos meus colegas e irmãos por este consolo oportuno! Vê lá em cima da mesa o montão de prata pura que o anjo produziu do éter. Seu valor já seria sufi- ciente para nossa indenização; mas tanto eu quanto meus amigos
pouca importância lhe damos, pois nunca mais seremos aquilo que fomos, em virtude dos planos do sábio Prefeito. Este, por certo, não nos deixará morrer de fome — o resto não nos interessa. Essa pepita de prata de duzentas libras entregaremos ao hospedeiro Marcus, em pagamento da despesa já havida e futura.
Desejamos apenas apurar uma coisa: se o Prometido Messias Se acha nestas paragens! Vê-Lo e talvez ouvir uma Palavra Sua seria a maior felicidade imaginável! Falando entre nós: temos uma pequena suposição a respeito de alguém que dizem fazer coisas incríveis, mas admissíveis após termos visto os atos do anjo.
Parece-nos ser tal homem — de certo modo Deus Mesmo em forma humana — o falado nazareno Jesus, do qual se divul- gam feitos miraculosos, feitos que nos confundem desde quando se pedia informações a seu respeito. O próprio Prefeito me fez uma pergunta embaraçosa que me esquentou a cabeça! Assim, presumo ser tal Jesus, infalivelmente, o pelo anjo confirmado Messias; talvez até aqui Se encontre, sem entretanto fazer-Se conhecer até que nos tornemos mais meritosos de Sua Presença! Digo-vos abertamente: se tal fato for real, daremos as costas ao Templo e seu fútil Santíssimo, aderindo ao Messias com todas as fibras de nossa alma. Qual vos- sa opinião?”
Dizem os outros: “A mesma; seguiremos teu exemplo, pois conhecemos a natureza do sinédrio, cujas paredes não mais contém salvação, pela predominância ali do orgulho, domínio, ira, vingan- ça, mentira, intemperança e toda sorte de depravação moral.
Durante teu discurso refletimos acerca do assunto e deci- dimos renegar o Templo, porquanto não aceitamos tão facilmente algo de novo. Integrando-nos da plena verdade, não podemos deixar de aceitá-la — pois veio dos Céus — mormente numa época em que as circunstâncias e o regímen romano nos são tão favoráveis. Ansiamos por ver o Messias de Nazareth! Não será aquele de rou- pa avermelhada e manto azul, cujos cabelos são os mais lindos que se viram?!”
Diz Stahar: “Sim, talvez tenhais razão, pois também já observei que tanto o anjo quanto Cirenius, em todas as atitudes a tomar, requerem sua aquiescência! Outros também lhe rendem ho- menagem discreta, que não me passou despercebida. Se não for um príncipe de Roma, aposto ser o Próprio Messias!”
Dizem os outros: “Com tais cabelos louros não pode ser ro- mano. Que nos poderia suceder se lhe indagássemos diretamente?” Diz Stahar: “Vamos dirigir-nos primeiro ao anjo ou ao Prefeito, pois agora possuímos tal privilégio como súditos romanos.”
149.ARESPONSABILIDADEDO HOMEM
Em seguida todos se dirigem calmamente para junto de Ci- renius e indagam como agir. Diz ele: “Convém esperardes mais um pouco e Dele vos aproximardes em vosso coração, o que O atrairá, podendo Ele Próprio vos dizer Quem é e o que vos compete fazer. De antemão vos asseguro que estais na pista certa, pois pudestes deduzir que o Homem-Deus aqui Se encontra, pela nossa própria permanência. Um assunto de somenos importância não nos haveria de prender neste local.
Ele, portanto, está aqui; mas, se Dele vos achegardes intima- mente com a firme resolução de vos despirdes de todos os antigos hábitos e pecados, Ele vos procurará em breve, a fim de vos fixar as atitudes futuras. É Aquele que supúnheis ser o Messias — e ao ob- servá-Lo, pensai: Eis Jehovah em Pessoa, Homem entre os homens! É o criador de tudo que existe!
Afirmo-vos, Ele é a Causa Eterna de todo Ser e Vida! Na in- concebível Onipotência de Sua Vontade repousa o Infinito; todo o poder dos anjos é apenas um suave hálito de Sua Boca e Dele surge toda a Luz! Em suma: refleti ser realmente o Mesmo que deu no Sinai, a Moysés, as Leis para o povo de Israel; esse povo O esqueceu e recaiu em todos os vícios! Eis por que veio a fim de reerguê-lo, libertando-o de todos os males da alma.
Por tal motivo, demonstra pela veste avermelhada o quanto ainda ama a Seu povo! Pelo vasto manto azul, que também veio para junto dos pagãos, a fim de torná-los Seus filhos. Seu manto abrange o mundo inteiro, do qual nós também fazemos parte. Refleti sobre minhas palavras e em breve tereis a prova de que a verdade foi dita.”
Stahar e seus colegas agradecem tal orientação inesperada por parte de Cirenius e se retiram respeitosos. Chegando novamen- te à beira-mar, o chefe se dirige aos outros: “Estranho, durante a explanação de Cirenius quanto ao Messias senti-me extremamente confortado! Apoderou-se de mim um sentimento de amparo como se daqui por diante nada nos pudesse faltar no mundo. Ao mesmo tempo abate-me receio esquisito e pavor do Senhor Onipotente, pois não é possível duvidar de Sua Integridade. Uma palestra com Ele nos proporcionará uma sensação toda especial — e nossa língua tão ágil, por certo quedará muda!”
Diz um outro, mais corajoso: “Falaste bem; sou, aliás, da seguinte opinião: Não temos culpa das circunstâncias que nos for- maram tal qual somos. Filhos de pobres camponeses, teríamos sido como nossos genitores; Deus, porém, quis que fôssemos descenden- tes de judeus ricos e conceituados, que nos fizeram educar e consa- grar ao Templo. Certamente a Vontade do Alto assim o quis. Cabe-
-nos culpa se infringimos as Leis; entretanto, fomos levados a tais ações devido a tendências herdadas de nossos pais.
Se o Messias, portanto, aqui viesse, falar-Lhe-ia sem susto; pois não posso ser menos que sou, nem Ele mais que é desde toda Eternidade. Dize-me sinceramente: É a árvore culpada se a tempes- tade a atira de um lado para outro? Ou poderia o mar acusar os ven- tos poderosos, se revolvessem seu espelho plácido, obrigando uma vaga a enterrar outra como um animal selvagem?
Não possuímos onipotência e dependemos de toda sorte de forças que agem ocultamente. De que te adianta a firme vontade de não cair, se uma ponte que deves atravessar apodreceu sem tu o saberes, ruindo no momento em que a pisas? Que vem a ser a vida, quais seriam os alicerces capazes de suportar para sempre um edi-
fício?! Quem conhece as bases do pensamento e do desejo? A vida se forma através dum ato animal, isento, muitas vezes, de um pen- samento qualquer! Nem o irracional e nem o homem possuem um vislumbre de consciência de como um organismo vivo é gerado pelo ato carnal; a parte de sua matéria é tão artisticamente constituída, que um sábio levaria mil anos para estudar, apenas superficialmente, suas partículas isoladas e suas ligações básicas. Com isto teria apenas o maquinismo diante de si; onde, porém, o princípio vital, como age dentro desse engenho e como usa suas inúmeras partículas?
Sabemos de nossa existência, de nosso pensar e querer, além disto registramos as mais variadas tendências e ímpetos; de que ma- neira surgem, quem os desperta e para onde seguem, uma vez satis- feitos? Tais reflexões são lógicas e desculpam, no mínimo, três quar- tas partes de nossa existência diante de qualquer entidade elevada; assim, não temo nem espírito, nem Deus! Nunca pratiquei maldade alguma; apenas no terreno sexual sempre constatei a insatisfação do desejo, despertado por u’a moça sensual — e disto minha nature- za é única responsável, pois não depositei em mim essa tendência carnal. Quem despertou dentro do homem o sentimento do amor insatisfeito? Quem me despertou fome e sede? Tudo isto são forças poderosas, às quais não podemos impor uma lei positiva.
É-nos apenas possível renunciar até certo ponto! Assim sen- do, quais seriam a razão e o conhecimento capazes de me condenar em virtude de minha posição e atitudes? Um ser humano igual a mim não teria esta competência — muito menos um elevadíssimo e divino! Por que, então, o pavor fútil de Deus?”
Diz Stahar: “Consta, todavia, que o homem deva temê-Lo por ser Onipotente e o homem fraco, incapaz, portanto, de se ante- por ao Poder Divino.”
Diz o orador: “Muito certo. Isto, porém, é aplicável ape- nas ao homem moral — não à criatura íntegra em todas as funções equilibradas! Esse mesmo terror de Deus é, melhor dizendo, um sentimento de amor dado ao homem moral como meio de con- duta, considerando seu livre arbítrio, qual amor filial. Seria Deus
capaz de criar uma lei pela qual te proibisse a respiração, o pulsar, o crescimento de cabelos e unhas, o olfato, o sabor, a sensação de dor e alegria?! Onde estaria a medida pela qual se afirmasse segura- mente ter o homem alcançado um ponto de vista positivo em todas as direções de pensamentos, desejos e atitudes — em sua absoluta liberdade moral?!
Quem conhece a ligação entre a vida da Natureza com a do espírito, e de que modo consegue se movimentar independente- mente?! Vê-se que o homem é, de certo modo, livre, pois pode usar seus sentidos nas mais variadas ações; fá-lo, contudo, dentro duma necessidade provinda da restrição em a Natureza. A questão é saber onde se baseia o ponto de vista moral, considerando-se a necessária vida da matéria e a independência do ser espiritual. Enquanto não for localizado, impossível se falar em pecado e virtude.”
150.FLORAN FALAACERCADE DEUS
Diz Stahar: “Amigo, sei que és um grande sábio do mundo e difícil é argumentar-se contigo. Contudo, não é possível que te passassem despercebidos os atos extraordinários do anjo. Tê-los-ia praticado em benefício de nossa vida natural ou da espiritual?”
Responde o orador: “Foram observados por nós e não pelos habitantes de Jerusalém! Nesse caso também não acreditarão quando informados, o que nos impede de condená-los. Esclarece-me onde se inicia o ponto moral, excluindo a capacidade visual da criatura!”
Diz Stahar: “Amigo, vejo ser difícil concordarmos, sendo preciso que te esclareças por um espírito iluminado. Eis que vem o anjo; deves lhe falar e estarei curioso por ouvir vossa controvérsia.”
Diz o outro, com a mesma calma: “Meu caro, ele não me interessa mais que tu e falar-lhe-ei da mesma forma; é um espírito feliz e se regozija da máxima perfeição, enquanto rastejamos qual vermes no pó da nulidade, sobre o solo duro e sujo da Terra! Existe apenas uma verdade, que tanto toca um anjo quanto o mais reles andarilho.”
Mal termina estas palavras, chega o anjo, que diz: “Floran, então não me temes?”
Responde o orador: “Se sabes o meu nome, também saberás os motivos que me impedem de temer a Deus, tampouco a ti, mes- mo se praticasses uma quantidade de milagres assombrosos. Posso de igual modo imaginar coisas extraordinárias, sem contudo poder realizá-las; neste caso teus feitos não mais me impressionariam. Sa- tisfaço-me como espectador! Deveria, por acaso, entristecer-me por não poder brilhar como o Sol, ou não ter a capacidade de voar qual pássaro?! Estou satisfeito com o que sei, sou e posso — além disto, nada preciso! Minha individualidade é uma dádiva de Deus, pela qual Lhe sou grato; nada mais necessito e não invejo quem maiores bens possua.
Dever-te-ia temer por seres infinitamente mais poderoso que eu? Em absoluto! Se fosses mais ignorante não terias poder; se bru- tal, poder-te-ia enfrentar pelo raciocínio, tão bem quanto a uma tempestade. Como teu poder é equilibrado pela sabedoria, sinto-me seguro: não me aplicarás malefício, pela razão de também eu não poder fazê-lo. Caso me quisesses pregar uma peça não me zangaria, tampouco teria motivo para louvar teu saber. Deus, todavia, é infi- nitamente mais Sábio e Poderoso que tu, por isso ainda menos O temo que a ti.”
Diz o anjo: “Não sabes que Ele te poderá aniquilar para sem- pre ou te impor uma pena máxima e eterna se não considerares Sua Lei?! Não terias que temê-Lo em tais circunstâncias?”
Responde Floran: “Embora não queira contestar tua sabe- doria, devo confessar que tua pergunta não contém valor celestial. Duvidar que Deus, o Ser Supremo, possa me aniquilar seria tolice maior do que tua lembrança sobre minha nulidade subjetiva e obje- tiva. Que diferença fará tornando-me eu novamente um ‘nada’?! O nada — nada é, nada necessita e por coisa alguma tem de se preocu- par. Por isso, vamos à eterna destruição de minha nulidade, e eu te asseguro de antemão que, como tal, jamais te acusarei em juízo. Se fosse um prazer para Deus, o Ser de máxima Sabedoria, martirizar-
-me e punir eternamente — Sua Sabedoria seria nula, pois tal desejo nem se encontraria num tirano.
A História não nos fala dum déspota sábio; e que poderíeis, tu e Deus, responder-me, provando eu que sois sumamente tolos?! Tal, porém, ninguém poderá afirmar da Divindade se lançou um olhar à construção sábia de todos os seres! Eis por que Deus é eleva- damente Sábio e Bom. Munido dessas qualidades perfeitas, impossí- vel ter Ele criado um ente, sequer, para o suplício eterno. Coisa bem diferente é quando se trata da purificação duma criatura por toda sorte de experiências amargas e dolorosas, aqui ou no Além, pois o homem é uma Obra de Deus e se deve aperfeiçoar dentro de Sua Ordem Sábia até mesmo na esfera moral, a fim de se tornar aquilo a que foi destinado pelo Criador.
Porém, o Criador apenas permite que tais fases curtas de melhoria ocorram, e não as cria para atormentar a pessoa que co- meteu um erro, mas sim para reconduzi-la à plena consciência da Ordem e facilitar-lhe, com isto, o desenvolvimento próprio. Jamais poderias considerar as medidas de precaução puramente divinas como castigo tirânico, pois traduzem apenas o Amor e a Máxima Benevolência. Assim, não poderás acusar Deus de modo tão injusto, ou apresentá-Lo como déspota. Por mim posso somente amá-Lo acima de todas as coisas e adorá-Lo como o Ser mais Santo e Sábio; temê-Lo — jamais!”
Sorrindo, o anjo bate nos ombros de Floran e diz: “Como te saíste bem! Não creias que deseje discutir contigo, tens razão tanto quanto eu. Apenas te quis dar oportunidade — através de minhas perguntas dúbias — de externares teus conceitos diante de todos, de modo mais honesto que até então, e te digo: estás apto para falar ao Senhor! Vem, eu mesmo te levarei para junto Dele!”
Diz Floran: “Então realizou-se em verdade a velha profe- cia?” Responde o anjo: “Sim! É a plena verdade da qual sou uma testemunha celeste. Segue-me, pois, apenas tu!”
Diz Floran: “Mas por que não me devem acompanhar Stahar e os demais irmãos? Acaso são menos humanos que eu? Vai tu, sozi- nho! Se eles não merecem ser apresentados ao Senhor do Universo
eu muito menos, por não ser tão bom quanto eles!
Grava bem isto, ó anjo — se é que podes algo gravar — sou inimigo declarado de qualquer privilégio. Quero me alegrar com as prerrogativas de meus irmãos e permanecer como o mais simples en- tre todos. Em verdade amo as criaturas; e este sentimento nos leva a outorgar todas as preferências a outrem, o que aumenta a felicidade. Pergunta-lhes se alguma vez agi de modo diferente. Deveria agora, em sua presença, deixar-me cumular de privilégios? Não e não! Le- giões de espíritos poderosos como tu e dez Jehovahs Onipotentes serão incapazes de modificar meu modo de agir, enquanto tiver li- berdade de pensamento e ação. Vê, meu amigo influente, também isto é uma Ordem, a qual nenhuma tentação, mesmo provinda dos Céus, tampouco o pavor do inferno poderão abalar.
Vai tu sozinho para junto do Senhor! Jamais te seguirei de livre vontade! Estranho que, espírito onisciente, não deparasses esta minha convicção ao me dares preferência! Persisto no que disse! Po- derás me levar fisicamente, pleno que és de força e poder; mas a índole de meu coração jamais modificarás, a não ser que mo tires, dando-me outro em substituição. Com isto não terás transformado meu estado atual, mas o destruído, depositando um outro nesta má- quina frágil!”
Diz o anjo com expressão amável: “Mas, caro amigo e irmão, quem te disse ter eu te preferido se, de acordo com a Vontade do Senhor, sou incumbido de levar-te para junto Dele, como o mais apto entre vós? Acaso tens ciência de que todos os frutos — por mais nobres que sejam — amadurecessem a um só tempo? Quem teria a ideia de cumular de privilégios uma pera, em virtude de ser a primeira a se tornar madura?! Se bem que seja saboreada antes das outras, não merece por isto preferência especial. Neste caso Moysés
mereceria mais que o Próprio Senhor, porquanto foi convocado mil anos antes Dele! Tal não te dá privilegio — pelo contrário! Quem, no seguinte caso, deveria ser privilegiado: aquele que construiu uma estrada, ou o capitão e seu regimento que por ela passassem?
Amigo, com todo o teu intelecto, esta percepção te fugiu! Conheço bem a índole teimosa de teu coração, por isto lhe impus uma prova externa e verifiquei: no fundo, ele alimenta orgulho ocul- to, que considera a justa humildade dentro de si como privilégio de seu ‘ego’, a fim de ser o único e inimitável! Finalmente se torna duvi- doso: quem, entre os dois, é mais orgulhoso: aquele que entre todos deseja ser o último e mais simples, ou o primeiro e mais elevado?!
Conheces a história grega do Rei Alexandre da Macedônia e do tal Diógenes? Este, anos afora, viveu num tonel por ele próprio colocado na praia para sua morada. Um belo dia o grande herói e Rei, ciente da situação em que se encontrava esse homem esdrúxulo e único, foi visitá-lo e, postando-se diante do tonel, perguntou-lhe: Que desejas que te faça? — E Diógenes respondeu, súplice: Que te afastes desse lado, de onde os raios benéficos do Sol me aquecem! — Essa fleuma bem agradou ao grande herói; entretanto, disse: Se não fosse Alexandre, preferiria ser um Diógenes!
Qual o sentido das palavras do Rei? Ei-lo: ‘Todo o mundo me homenageia; mas, quanto isto não me custou?! Este desfruta duma consideração quase superior à minha, que o tornará também imortal — e isto lhe custou apenas um velho tonel!’ Não achas que entre o orgulho de Alexandre e o de Diógenes não haja grande dife- rença?! Pelo contrário, o deste ainda superava o do Rei!
É justo querer a criatura ser a última por amor verdadeiro e humildade; ambas as virtudes, porém, enfeixam a obediência, mor- mente para com o Supremo Senhor de Céus e Terra. Por isto, se fo- res de bons sentimentos, faze o que é da Vontade Dele e serás justo, pois o Senhor sabe melhor o porquê!”
Diz, finalmente, Floran: “Sim, agora te sigo, porque me con- venceste amavelmente de minha injustiça evidente.” — E assim di- zendo acompanha o anjo, que o traz para junto de Mim.
Quando ambos se acham perto de Mim, o anjo diz, curvan- do-se até o solo: “Senhor, eis um fruto amadurecido! Sua carne é semelhante à de todas as criaturas; seu espírito, porém, poderoso e cheio de força incorrupta. Assim, cabe a Ti todo louvor e honra, de Eternidades em Eternidades!”
Digo Eu: “Bem, Meu Raphael, tais frutos Me são agradá- veis e valiosos. Este descende da escola de Moysés e Aaron, tendo cursado também a de Platon, Sócrates, Pitágoras e Aristóteles; por isto não é um ramo delgado que o vento enverga, mas um cedro do Líbano capaz de enfrentar tempestades. É sereno e calmo; e quando vêm os tufões, ele não se curva! Deixarei esta árvore até a construção da Nova Jerusalém, onde fornecerá teto e cumeeira em Minha Casa! Dize-Me, Floran: Alegras-te Comigo?”
Responde ele: “Senhor de toda Vida, quem não teria prazer em Ti! Eu sou, porém, um pecador e Tua Santidade me diz: Afasta-
-te de Mim! — Eis o ponto que não me satisfaz. Desejaria encon- trar-me sem pecados em Tua Presença; tal, porém, é impossível e me envergonho perante Tua Santidade! Meu coração sente um grande arrependimento, que impede minha alegria. Contudo, sou homem inteligente, sei desculpar meus erros, consciente de que uma criatu- ra, constituída de múltiplos elementos, apenas alcança a perfeição quando tais elementos se houverem purificado através da fermenta- ção pecaminosa, qual vinho novo que se torna puro e saboroso por esse processo.
Tu és o Senhor, e o homem o fruto de Tua luta eterna, de certo modo somente uma luta do positivo contra o negativo, a fim de surgir, posteriormente, numa vida nova pela emanação de ambos, qual fênix que nasce da cinza de seu fogo destruidor — Vida esta que, embora unificada, permanece externamente uma luta eterna!
Por isso, Senhor, não me perdoes os pecados, necessários que foram para despertar em mim a luta objetiva de modificação pesso-
al; perdoa-me, sim, a vergonha de minhas constantes recaídas — e eu me alegrarei Contigo, ó Senhor!”
Digo Eu aos apóstolos: “Vede aqui um homem cuja alma não tem dolo! De há muito o amava!”
Diz Simon Judá: “Senhor, parece um segundo Mathael!”
Respondo: “Julgas existir apenas o saber que esse possui? Flo- ran é seu polo oposto, entretanto tão sábio quanto ele. Mathael é entendido em assuntos da Natureza e línguas mortas; Floran, co- nhecedor de todas as religiões e ciências antigas. Por isso é mais di- fícil se falar com este; já que o conquistamos para Nossa Causa, será em breve um instrumento útil contra a heterodoxia existente entre as criaturas da Terra; lutará com grande habilidade e bom êxito sem necessidade de milagres. Tal será melhor para Meus filhos, a fim de não serem ainda mais algemados na alma pelo julgamento! Para os filhos do Alto os milagres constituem uma Graça; o mesmo não se dá com os da Terra.
Conscientes no coração de Quem sou, vossas almas conti- nuam livres ao Me verem produzir as Obras de Deus. Os filhos do mundo serão por elas obrigados a crer, não mais possuindo pensa- mentos ou sentidos independentes. Quando trabalhados cientifica- mente por Floran, alcançarão certa luz intelectual que iluminará os degraus do templo do coração; uma vez lá penetrando, serão con- quistados por toda a Eternidade! Todos vós em conjunto não sois tão inteligentes quanto Floran.”
Destas Minhas Palavras o elogiado não se apercebe, por- quanto Eu Me havia dirigido aos corações dos apóstolos. Por isto indaga o que deveria fazer. E Eu lhe digo: “Vai e avisa teus irmãos que em breve os procurarei!” Ele nada diz, curva-se e vai depressa para perto dos outros.
153.FLORANCONFABULACOMOS COLEGAS
Quando alcança aquele grupo, Stahar indaga: “Então, esta- mos na pista certa?”
Responde Floran: “Inteiramente, não resta a mínima dúvida! Ele é homem como nós; Sua Natureza, porém, manifesta algo que apenas se pode sentir, mas nunca descrever. Quando fala, parece que toda palavra tem valor eterno. Percebe-se que a repetição do ‘Assim seja!’ faria surgir um mundo cheio de maravilhas!
Não pode ocultar Sua Divindade, e se Dele me tivesse apro- ximado sem preparo prévio, de pronto dir-Lhe-ia: Não és uma cria- tura comum, em Teu Peito deve habitar a Plenitude do Espírito Divino! — O preparo, tão sabiamente dirigido, foi propício para que pudéssemos compreender então com Quem lidamos. Ele pro- meteu-me não demorar, e tereis oportunidade de vos convencer de minhas palavras.
Agora também sei quem delatou a Cirenius nossa atitude pouco louvável na cidade! O acaso — se é que existe — libertou-
-nos do velho jugo da ignorância, o que muito nos deve alegrar. O Templo ainda engendrará futuras estultices perniciosas, para cuja execução teríamos de prestar nossa cooperação. Que venham! Serão informados de nossa cidadania romana, de tal forma que os fará estremecer!
Temos a nosso favor, primeiro, o Messias e um anjo do Céu, mais poderoso, segundo parece, que aquele que guiou o jovem To- bias; segundo, o Prefeito da Ásia e África, tio do atual Imperador de Roma. Se o inferno inteiro de Jerusalém nos desafiasse, tornar-nos-
-íamos vencedores, qual leão que abate a raposa mais astuciosa. Que me dizeis?”
Diz Stahar: “Nada, a não ser que estamos de parabéns! Tam- bém não mais temo quem quer que seja! É fácil e agradável lutar por Deus, pois Seu Poder é u’a muralha intransponível. Apenas desejava um esclarecimento: qual será nosso futuro destino? Que te pare- ce, Floran?”
Diz ele: “Julgo que em tais circunstâncias não vale a pena perder um pensamento sequer com este problema. Estamos com Deus, portanto nada nos falta, temporária e eternamente! Tal per- gunta foi fútil, irmão! De hoje em diante nada mais me preocupa no
mundo, pois Aquele que aqui encontramos é, para mim, tudo por tudo! Sua Vontade será meu futuro; somente Ele sabe bem o que so- mos e o que devemos fazer, a fim de nos tornarmos o que Ele deseja. Por isso toda preocupação de nossa parte é tolice; somente quando nos disser: Faze isto ou aquilo!, devemos cuidar de pôr estritamente em execução o que Sua Santa Vontade nos mandou que fizéssemos. Eis, Stahar, minha opinião.
Agora sosseguemos, pois vejo que o Senhor Se dirige para cá em companhia de Cirenius. Urge que nos concentremos no coração, do contrário não suportaremos Sua Presença. O anjo e u’a menina
por certo um ente celeste — também O seguem!”
Diz Stahar: “Ora, a menina não pode ser anjo; nunca houve e jamais haverá anjos femininos. A Escritura nunca os mencionou. Poderá ser filha dum rico judeu e, se a observares bem, verás ser ela mui inteligente; para tanto seu olhar firme e expressivo é prova flagrante. O menino ao lado de Cirenius é certamente romano e, talvez, seu filho mais jovem.”
Diz Floran: “Podes ter razão; não concordo, porém, com tua assertiva referente aos anjos. Evidentemente, não haverá diferen- ça de sexo; todavia, deve haver a da índole, que corresponde ao tra- tamento de marido e mulher na Terra. Analisa o anjo e confirmarás ser mais semelhante a u’a moça que a um adolescente. Basta cobri-lo de vestes femininas — e terás uma jovem linda à tua frente. Agora, chega de conversa! Já estão perto!”
154.CONFISSÃODE FLORAN
De passos lentos alcançamos os cinquenta fariseus, que se curvam respeitosos. Mando, então, que fiquem eretos qual homens e eles obedecem. A seguir, indago: “Credes que sou Aquele, Predito por todos os profetas?”
Respondem-Me: “Senhor, nenhum de nós o duvida; mas, Tu O sendo — como nos podes ainda perguntar, se conheces nossos pensamentos mais ocultos, antes de os termos?”
Digo Eu: “Nenhum de vós deve, por tal razão, aborrecer-se Comigo; não se trata aqui daquilo que sei de toda Eternidade, senão da vossa externação. Não vos será possível Me compreender antes que vosso íntimo se tenha externado.
Sois capazes de ver-Me e ouvir-Me com vossos sentidos; vos- so coração, porém, não Me poderá ouvir e entender em Espírito e Verdade! Eis por que vos faço perguntas; a resposta que Me dais tem efeito para toda vida, e completamente diverso daquela dada a vosso semelhante! Por tal motivo, repito: credes indubitavelmente ser Eu Aquele, do Qual Moysés e todos os profetas predisseram?! Falai sem receio o que pensais no coração.”
Diz Floran: “Senhor, compreendes melhor nossa natureza que nós. Tudo se passou de modo tão brusco! O Sol artificial e seu desaparecimento abrupto; as consequências ainda cobrem essa zona de fumaça! Nosso prejuízo, o destino de nossas famílias! Fugimos para cá, fomos presos e julgados! A seguir os milagres do anjo — e agora, Tu Mesmo! E tudo isto no decorrer de dezoito horas. Tanto para mim quanto para meus colegas parece um sonho! Jamais po- deremos contestar os fatos; são, todavia, tão extraordinários que se tornam de difícil assimilação.
Não se pode abater uma árvore de um só golpe e nossa com- preensão não se fará de um momento; entretanto, esforçar-nos-e- mos por merecer tudo isto que, de certo modo, deu-se por nos- sa causa! Não haverá criatura na Terra que possa assistir a coisas mais sublimes!
Assim, cremos convictamente seres o Messias Prometido, não obstante Tua Origem Simples. Teus genitores terrenos são pobres: teu pai, carpinteiro, e a origem de Tua Mãe nos é desconhecida; de sorte que é tanto mais extraordinário viesse o Salvador da Humani- dade ao mundo em tal situação de pobreza, enquanto Lhe assistiam em Espírito todas as vantagens dum nascimento hierárquico.
Se tivesses nascido filho duma Imperatriz e realizasses tais milagres, não haveria povo que não Te adorasse! Vir, porém, como a Própria Divindade em forma humana e de modo tão despretensioso
é algo que aborrecerá a muitos. Mormente aos hierosolimitanos orgulhosos e aos templários! Conhecemo-los bem: consideram ape- nas a si mesmos — o resto é desprezível!
Se fosses hoje a Jerusalém, Senhor, eles Te matariam em três dias, caso não Te protegesses. Entre si cada templário dedica ódio mortal ao colega; mas como a união lhes é útil na obtenção de seus propósitos egoístas, aturam-se mutuamente sob a máscara da amizade.
Simulam entre si uma confiança incondicional, mas não há quem confie no outro, exigindo uma caução elevada para qual- quer negócio. Se, porém, após realizá-lo, o intermediário vê possi- bilidade de outras tantas vantagens, desiste da caução e embolsa o lucro maior.
Haveria muita coisa para relatar entre as criaturas, mas como és conhecedor de tudo, Senhor, cada palavra nesse sentido seria tolice. Afirmo, pois: cremos em Ti, porquanto era preciso que viesses, a fim de acabar para sempre com tais abusos.”
155.RECURSOSDEDEUSPARASALVARAS CRIATURAS
Digo Eu: “Caro Floran, expuseste-Me tua índole de modo mais completo do que exigira; todavia, tal não importa. Por certo porei um término aos horrores em Jerusalém e noutras cidades; ne- cessário é que haja maior número de pessoas de tua compreensão. Por ora muitas existem que, em sua grande cegueira, acham-se pre- sas ao Templo e aguardam toda a salvação e socorro de seus átrios. Se tais ignorantes se vissem subitamente desprovidos dessa proteção, em absoluto o tomariam por uma bênção do Alto, mas sim por um castigo horrendo, caindo num desespero furioso, que lhes traria consequências piores que as atuais. Até então fostes para o povo os representantes do Templo, os distribuidores da salvação, da qual seus átrios se acham repletos.
Sabeis o que vos quero dizer com isto? Deveis demonstrar aos crentes, pouco a pouco e quando houver aceitação, de modo mais
enfático, o que vem a ser o sinédrio e seus servos! Ao mesmo tempo cabe-vos chamar a atenção sobre aquilo que vistes e ouvistes, o que fará desmoronar dentro da melhor ordem seu sistema depravado e, finalmente, cair num completo descrédito, deixando de ser o que foi. Em seu lugar surgirão os novos templos do Espírito de Deus, sobre os quais será construída a Nova Jerusalém, no Céu. Natural- mente tereis de iniciar essa boa tarefa de modo imperceptível; isto vos será tanto mais fácil porque sois cidadãos romanos, vendo-se impossibilitado o Templo de vos atacar, por proteger-vos a espada de Roma. Com isto já tendes u’a missão que vos confio. Cumpri-a e vos garanto o prêmio! Estais de acordo?”
Diz Stahar: “Senhor, assumiremos nossa antiga posição em Cesareia Philippi, ou iremos para outras zonas?”
Respondo: “Continuareis aqui em Cesareia, sob direção de nosso hospedeiro Marcus, o qual receberá, de Mim e de Cirenius, poder sobre toda essa zona, aliás já de certo modo lhe conferido. Esse distrito conta várias mil pessoas; quando tiverem recebido a orientação devida, ela por si só se propagará. No entanto, será in- cumbência vossa a realização desta tarefa.”
Conjectura Stahar: “Senhor, estou de pleno acordo; acontece que a cidade é um verdadeiro montão de escombros: não temos onde morar e a sinagoga foi uma das primeiras construções devora- das pelas chamas. Onde, pois, ficaremos?”
Digo Eu: “Não vos preocupeis; se o quiser, criarei num mo- mento um mundo completo; quanto mais fácil não será a criação duma cidadezinha! Aliás, Cirenius usará de meios — amparado pela Minha Graça — para vossa estada, e os mencionados hóspedes es- tarão em breve aqui, o que facilitará as determinações adequadas.”
Stahar se curva respeitoso e diz, à meia voz, em direção de Floran: “Agrada-me ver o Onipotente falar de modo tão humano; entretanto, poderia destruir com um pensamento tanto o sinédrio quanto a orgulhosa Jerusalém! Para que essa morosa destruição?”
Responde Floran: “Vê, amigo, tal se dá pelo motivo de ainda pertencermos ambos àquela raça de animais que está longe de enten-
der a Ordem Divina. Quando, na primavera, deparas com os frutos verdes e empedrados, prontamente se manifesta o desejo duma oni- potência. Tens vontade de exclamar: Que assim seja!, para que todos os frutos estejam maduros! O Criador Onipotente tudo organizou de modo diferente, como nos é demonstrado pela experiência de todos os anos. Deveríamos, nesse caso, também indagar: Ele bem conhece as necessidades dos homens; por que hesita no amadureci- mento dos frutos?
De modo idêntico a criatura passa ignorante quando criança, tornando-se pouco a pouco adulta, enquanto o pardal é semelhante aos pais no decorrer de duas semanas. A maior parte dos animais recebe, com o nascimento, educação suficiente para subsistir — e o homem precisa de quase vinte anos para se iniciar no mundo. Ele, o senhor da Natureza, necessita dum período mais longo a fim de se tornar aquilo a que foi destinado! Não poderíamos também indagar: Senhor, por que não cuidaste melhor do homem, Teu filho querido? Por que tem de esperar tanto tempo para alcançar tal destino?
Tudo isso se baseia na Ordem Divina, portanto temos de aceitá-la no assunto em apreço! A destruição repentina do Templo atiraria os ignorantes no maior desespero — consequência pior que a atual mistificação de seus servos!
Compreendo o sentido das Palavras do Senhor e me admi- ro de que não o tenhas percebido, bem como Lhe indagado acerca de nosso futuro paradeiro. Não basta Ele determinar que devemos fazer isto ou aquilo?! É sabido que, quem me dá trabalho, proverá meu sustento. Se as próprias criaturas egoísticas agem desta forma, quanto mais não fará o Senhor de Céus e Terra, sem que precisemos pedir-Lhe! — Tua atitude ainda se prende ao mundo, pois com tua pergunta demonstraste incredulidade que terás de abandonar o mais depressa possível!”
156.ENSINAMENTOPARAOSTRABALHADORESNAVINHADO SENHOR
Digo Eu a Floran: “Amigo! Recebestes estas palavras de teu espírito, que é do Alto! Se bem que Stahar também possua um, acha-se ele ainda adormecido, de sorte que sua carne se pronun- cia mais preponderante. Cada criatura se preocupa, antes de mais nada, com aquilo que lhe é mais afim. Se nela se manifesta o espírito despertado, toda sua preocupação se dirige para ele. Quem, entre- tanto, vive de acordo com o seu ‘eu’, pensando e desejando dentro de suas tendências, considera mais próxima a sua carne, deixando a preocupação pelo espírito na retaguarda. Eis o estado das criaturas deste mundo.
Quando nosso amigo Stahar conseguir despertar o espírito, tratará apenas daquilo que dele lhe vem. A verdadeira preocupação pelo espírito consiste em que vosso coração se compenetre do amor a Deus e do próximo. Fácil é se amar e lidar com pessoas boas e ho- nestas; procurar os pecadores e levá-los ao bom caminho — é obra que exige muita renúncia.
Se caminhares em companhia duma prostituta ou adúltera, os homens te apontarão e aplicarão aquilo que não te trará honra mundana; quando, porém, tiveres conseguido levá-la ao caminho da regeneração, receberás de Deus grande recompensa, cuja menor partícula tem mais valor que um mundo cheio de glórias fúteis.
Quem reconduzir um perdido a Meu Aprisco receberá paga maior que aquele que apascentar cem carneiros num pasto cercado. Manter um homem honesto dentro da honra e da virtude é tra- balho fácil; elevar a prestígio um desprezado por todos e transfor- mar um pecador empedernido em virtuoso, representa muito mais! Apenas isto é por Mim considerado — a outra tarefa só serve para preguiçosos!
Sou o Altíssimo e só procuro e aceito o desprezado e perdido aos olhos do mundo, pois os sãos não necessitam de médicos. Se
portanto quiserdes vos tornar Meus discípulos e servos perfeitos, deveis ser em tudo o que Eu sou.
Se virdes um cego num caminho inseguro, não ireis ampa- rá-lo, dizendo: ‘Amigo, essa estrada é muito perigosa; deixa que te guie para que não caias no abismo.’ E se ele em vós confiar, acaso vos envergonhareis de guiá-lo? Por certo que não!
Um pecador é geralmente muito mais cego espiritualmente que o de cegueira física; quem, portanto, se poderia envergonhar de ajudar um cego de espírito?! Para o futuro não deve haver pe- cador, por mais empedernido que seja, que não se torne digno de vossa proteção!
Meditai sobre este ensinamento e andareis pelos caminhos claros da vida, o que vos facultará visão mais profunda das coisas!
Eis, porém, que se aproximam os navios com nossos hóspedes, portadores de maiores conhecimentos!”
157.ONAVIOCOMOS HÓSPEDES
Marcus e seus filhos também observam a chegada e, como bons práticos, correm à praia para ver se sua ajuda é necessária. Ci- renius e todos os gregos e romanos os acompanham. Os navios, po- rém, ainda se acham a uma hora de distância, o que torna impossível avistar-se os passageiros. Cirenius indaga a respeito dos amigos e Eu lhe digo: “Encontram-se a bordo! Tiveram de enfrentar vento con- trário e a maré alta, o que os obrigou a atracar num porto do lado oposto. Eis o motivo de seu atraso. Como necessitariam de mais uma hora para aqui chegarem iremos socorrê-los.”
Diz Cirenius: “Senhor, não poderíamos mandar Raphael para ajuda idêntica à dada a Ouran?”
Respondo: “Isto não é preciso, pois nenhum perigo os ame- aça. Marcus e os seus darão conta da tarefa com essas embarcações de tamanho médio e em meia hora estarão aqui.” Insiste Cirenius: “Mas, Senhor, não irás fazer milagre no dia de hoje?”
Digo Eu: “Acaso não chegaste a ler no Livro de Moysés: No sétimo dia o Espírito Criador de Deus descansou, fazendo com que esse se tornasse um sábado? — Portanto faço bem em manter certo repouso, pois trabalhei intensamente durante seis dias. Pos- suo, além disto, quantidade de servos que poderão agir em Meu Nome e Poder.”
Diz Cirenius: “Senhor, isto tem outra significação que não entendo.”
Digo Eu: “Bem, então indaga de qualquer um que serás elu- cidado. Não Me entrego a este curto repouso por Minha Causa, mas por vós, a fim de vos dar oportunidade de ação — deste modo ajo também em vosso íntimo. Não o compreendes?”
Diz Cirenius: “Como não? E também imagino o porquê.”
Prossigo: “Vossa tarefa não é difícil, porquanto vo-la predisse hoje cedo. Pessoalmente nada farei antes do almoço; mais tarde, te- remos ocasião para qualquer coisa. Se vos falo, no entanto, também não deixo de fazer algo. — Agora urge avisar Marcus que mande os filhos ao encontro da esquadra, enquanto ele próprio trate da refei- ção, pois os hóspedes estarão cansados e famintos, bem como todos os tripulantes.”
Em seguida faço um sinal a Marcus, que entende Minha Or- dem e prontamente a executa. Nas tendas de Ouran também há grande movimento; pois Mathael, sua esposa e o Rei Ouran per- ceberam a chegada das embarcações. Haviam-se fixado nas tendas com a família de Hermes, pois precisavam mudar de roupas e ajudar Mathael a trajar-se com vestes reais, a fim de receber as visitas como novo dignitário.
Humilde, Ouran Me indaga: “Senhor, será que os ilustres hóspedes se acham a bordo?”
Respondo: “Que pergunta cortês! Em nossa presença não existem pessoas de posição alta ou baixa, mas apenas irmãos, de A até Z. Se deixo que Me chameis de irmão e amigo, por que deveria haver, entre vós, homens de diferentes classes? Digo-te: Unicamente
o Senhor é Onipotente — vós, porém, sois irmãos e servos dum só Senhor!
Julgas que os reis mereçam maior consideração de Minha parte que seus serviçais? Absolutamente! Apenas o coração tem de- cisão a tomar: o rei deverá saber intimamente por que foi ungido e o servo, o motivo de sua posição, do contrário estarão, aos Meus Olhos, no mesmo grau evolutivo. Por isso, grava bem: Para Mim não existem hóspedes ilustres, mas filhos e irmãos!” Satisfeito com esta admoestação, Ouran se cala.
158.OPERIGODO ORGULHO
Quando junto de Mathael, Ouran diz: “Hoje não convém falar com o Senhor! Perguntei-Lhe com modéstia se os ilustres hós- pedes estavam para chegar — e recebi em virtude desse adjetivo uma lição tão rude que jamais esquecerei! Ontem foi o Amor e a Simpli- cidade em Pessoa; hoje está completamente mudado e todo aquele que se Lhe aproximar será assim recebido! Não consigo entendê-Lo!”
Diz Mathael: “Eu O entendo perfeitamente! Como poderias ter tido a ideia de indagar ao Senhor Onipotente tal absurdo?! Que somos nós — e Quem é Ele? Perante nós é cheio de Amor e Humil- dade — e nos atrevemos a Lhe falar de pessoas importantes?! Isto, meu caro sogro, foi demasiado forte! Ele não te poderia responder de modo diverso, e se me tivesses feito a mesma pergunta — não sei se não te responderia de maneira mais brusca! O Senhor sendo
o mais Meigo entre todos, apenas chama a atenção dum erro para que o reconheçamos. Vai e te penitencia — que ouvirás outras pa- lavras Suas!”
Diz Ouran: “Novamente tens razão e se errei, tenho de me corrigir!” Assim dizendo ele se aproxima de Mim e pede: “Senhor, perdoa-me a grande falta cometida — não por vontade — mas ins- pirada em minha velha tolice, o que, por certo, sabes!”
Digo Eu: “Meu amigo, quem reconhece seu erro e se corrige já terá sido perdoado para sempre — e quando em seguida se voltar
para Mim será remido duplamente! Quem, entretanto, reconhece a falta, mas a mantém em sua natureza — não terá perdão, ainda que Me procure cem vezes!
Afirmo-te: Quem de Mim se aproximar e disser: Senhor, Se- nhor!, estará longe de ser Meu amigo! Sê-lo-á apenas aquele que fizer a Minha Vontade. E esta quer que não vos superestimeis em virtu- de da posição social. Se bem que devais executar vosso ofício fiel e justamente — nunca deveis esquecer por um momento que vossos inferiores são vossos semelhantes. O justo amor ao próximo isto vos ensina, pelo sentimento que Me dedicais como filhos.
Quando seja preciso, deixai valer a consideração e a honra de vosso cargo, permanecendo, todavia, cheios de humildade e amor, e vosso julgamento sobre os irmãos desviados será sempre justo e dentro de Minha Ordem. Disse-te aquilo apenas para te demonstrar Minha Ordem e Vontade, pois aquele que não desistir do menor átomo de orgulho não receberá a revelação de Meu Reino, onde somente penetrará depois de se haver despojado de todo orgulho!
— Vai, pois, e transmite isto a todos em que descobrires um traço de tal tendência!”
Novamente Ouran se curva, como de seu hábito, e volta para junto de seu grupo. Mathael, então, indaga como fora recebido e o grego diz: “O Senhor Se mostrou misericordioso e me fez ver a Ver- dade, a Ordem e a Justiça dentro da real humildade. Sinto-me agora mais feliz que antes.”
Acrescenta Mathael: “Realmente. Ele é Pai e Irmão na hu- mildade verdadeira! Nossa incumbência é elevada perante milhares de irmãos — todavia mui difícil em face da Onipotência Divina! É preciso extremo cuidado para não nos deixarmos arrastar pela subli- midade de nossa tarefa; isto nos tornaria vaidosos e altivos, julgan- do-nos superiores aos outros, enquanto apenas destinados por Deus a servir ao próximo da melhor maneira.
Quem de nós se elevar será humilhado, conforme se tem vis- to com todos os reis da Judeia. Assim será até o fim do mundo! É mui difícil andar em vestimenta dourada e recoberto de joias e per-
manecer mais humilde no coração que qualquer súdito! Somente a Graça e Misericórdia do Senhor poderão manter um soberano em sua pompa terrena, no equilíbrio da Ordem Celeste!”
Apoia Ouran: “Tens plena razão. Eis, porém, que se apro- ximam os navios da praia; vamos cumprimentar os recém-vindos!” Com isto todos se dirigem ao porto.
159.ALEGRIACOMACHEGADADOS AMIGOS
Ao desembarcarem, os viajantes logo Me descobrem e cor- rem de braços abertos ao Meu encontro, chorando de alegria. Em seguida Cornélius cumprimenta seu irmão Cirenius e diz: “Eis que nada me resta a não ser me regozijar em vossa companhia!” Faus- to, Kisjonah e Philopoldo nada conseguem dizer de tantas emo- ções, e os próprios servos se admiram de Minha Presença. Cirenius, então, indaga de Cornélius quando recebera a notícia do incêndio da cidade.
Responde Ele: “Não fui propriamente informado, mas o sus- peitei. Ontem tivemos um dia espetaculoso: o eclipse total, que nos proporcionou por alguns instantes a noite densa; depois, quando se esperava pela escuridão natural, o Sol resolveu permanecer umas horas mais no horizonte, o que causou espanto indescritível entre judeus, gregos e romanos.
Se o atual chefe farisaico de Capernaum — ora grande amigo do velho Jairo — não fosse homem calmo e inteligente, bem como seu vizinho de Nazareth, também essas duas cidades facilmente se teriam tornado presas do fogo. Assim, conseguiram acalmar a popu- lação, que aceitou as explicações por eles dadas. Os mais exaltados mandei prender, orientei-os e hoje cedo lhes dei a liberdade.
Após ter restabelecido a ordem em Capernaum e Fausto ha- ver feito o mesmo em Nazareth, procurou-me, todo afobado: des- cobrira um clarão avermelhado no horizonte e supunha tivesse ha- vido um imprevisto em Capernaum. Em lá chegando verificou que tudo estava em paz e deu-me notícia de sua observação. Eu e muitos
servos o acompanhamos até um monte próximo onde se deparava distintamente um clarão enorme sem, contudo, ser possível localizá-
-lo. Só de manhã, quando o Sol permitia visão mais nítida, vi que a fumaça se estendia sobre a zona de Cesareia Philippi e resolvi vir por mar até cá, em companhia de Fausto.
Já próximo do desembarque chegaram justamente Kisjonah e Philopoldo, confirmando minha suspeita. A esta notícia, positiva- da pela mediunidade de Philopoldo, rápido embarcamos e durante a viagem mais comprovei o fato, e aflito estava por ver o que aqui se passava.
Agora, todavia, após este encontro imprevisto e abençoa- do pelo Senhor de toda Glória, Seus discípulos e contigo — toda aflição se dissipou! Jesus, meu melhor amigo, Santo Mestre desde Eternidade! Agora não Te adianta a Onipotência contra meu grande amor para Contigo! Deves permitir que Te abrace a torto e a direito! Em espírito já o fazia diariamente — agora chegou a vez de fazê-lo em realidade!”
Com estas palavras Cornélius Me abraça, efusivo, e cobre-
-Me a Face de beijos e lágrimas de alegria. Após ter satisfeito o ímpe- to de seu nobre coração, solta-Me de seu amplexo e diz, comovido: “Senhor, Mestre, Deus e Criador do Infinito! Ordena o que Te possa fazer de bem, pois conheces meu íntimo!”
Digo Eu: “Também tu sabes do Meu; faze, pois, em Meu Nome o que teu sentimento diz, e terás feito tudo para nós am- bos! Como Me impuseste, pelo sentimento afetivo, certo domínio até hoje por pessoa alguma exercido — far-te-ei, em futuro pró- ximo, também uma imposição após Minha Elevação, pela qual nem tu, nem qualquer membro de tua família vereis e sentireis a morte física!
A demonstração amorosa de tua parte alegrou-me até o âmago, pois Me conferiste algo que desde Eternidades até hoje não encontrei similar — com exceção das criancinhas que mais rapida- mente reconhecem o Pai que os adultos. Deixa, portanto, que Eu também te abrace!”
Diz Cornélius, chorando de alegria: “Senhor, Mestre e Deus, jamais merecerei tal Graça abençoada!”
Digo-lhe: “Pois bem, então dar-te-ei este mérito. Vem cá!” Ele vem — e Eu abraço-o. Então começa a chorar e soluçar copiosa- mente e muitos pensam que esteja se sentindo mal. Dominando-se mais, diz: “Ficai calmos, pois nada me falta; ao contrário, recebi demais e a alegria me soltou o pranto!”
Nisto se aproxima Kisjonah e Me indaga, tristonho: “Se- nhor, acaso Te lembras de mim e não me queres mal?”
Digo Eu: “Como podes, Meu irmão, formular tal pergun- ta?! Amas-Me acima de tudo e Eu a ti da mesma forma — que mais desejas? Não te recordas de Eu te haver dito, confidencialmente, que seríamos amigos e irmãos para sempre?! O que afirmo vale para a Eternidade; se continuares conforme és, tal afirmativa terá a mesma duração para ti, e assim será! — Estás satisfeito?”
Diz Kisjonah: “Ó Senhor, estou indescritivelmente satisfei- to e venturoso por ouvir novamente uma Palavra Santa de Tua Boca Abençoada!”
Digo-lhe Eu: “Ainda muitas hás de ouvir! Observa, porém, os cinquenta fariseus e encontrarás alguns que tomaram parte no roubo em tuas terras.” Kisjonah, Cornélius e Fausto analisa-lhes me- lhor e o primeiro, de boa memória, logo descobre cinco que parti- ciparam do grande transporte nas montanhas, pelo que diz: “Que fazem aqui? Acaso são prisioneiros por terem talvez sido pegos em novo roubo?”
Digo Eu: “Nada disso! Deram aqui em virtude do Sol arti- ficial, e no incêndio que irrompeu cabe-lhes a maior culpa. Agora, porém, são nossos adeptos e cidadãos romanos. Já estou aqui há uma semana, e isto em virtude da boa pescaria, pois aqui se encontram os mais nobres peixes, da Natureza e do espírito. Durante este tempo já conseguimos quantidade vultosa e importante!
Eis o grupo dos cinquenta como pesca de hoje — e não há um falso sequer em seu meio; lá, outro grupo de trinta, todos sadios
resultado de ontem! Naquela mesa se acham doze, perfeitamente
sãos; perto das tendas, mais cinco de qualidade especial — todos também de ontem! — Dize-Me, não trabalhamos honestamente?”
Diz Kisjonah: “Realmente, se todos esses representam uma conquista, o Reino de Deus por Ti anunciado tomou um avanço importante, em se tratando de sacerdotes dos quais os mais velhos dificilmente se modificam! Uma vez que se hajam regenerado, serão mais persistentes. Além desses vejo o velho hospedeiro de Genezare- th com uma das filhas; fazem parte dos que foram pescados?”
Respondo: “Por certo; mas isto já se havia dado na grande pescaria feita naquela cidade, e a menina é um dos peixinhos mais nobres! Ainda terás oportunidade de conhecê-la mais de perto, o que te proporcionará grande satisfação. Em relação à mais pura sa- bedoria da alma e à pureza do coração, haverá poucas iguais a ela. Eis Meu testemunho; desejas outro, mais convincente?”
Diz Kisjonah: “Ó Senhor, o Teu sobrepuja todos, e eu an- seio por falar com esta menina!” Interrompe Fausto: “Mas..., aquelas tendas reais, o velho em vestes de rei, o jovem que ora palestra com aquela senhora — também fazem parte da conquista para o Céu de todo Amor e Luz?”
Respondo: “Exatamente; é o Rei do Pontus. Seu reino é vasto e o povo é por ele sabiamente conduzido por leis benignas, mas severamente observadas. Não demorou e ele percebeu ser pre- ciso conhecer a verdade e o Deus Único para alcançar a completa ventura dos súditos. Assim, pôs-se a caminho do Sul, pois obtivera informação de que tal intuito apenas poderia ser realizado em Jeru- salém. Nessa trajetória deu a esta enseada, que esperava atravessar para aquela cidade. O eclipse, porém, ameaçou-o de grande perigo, do qual Meu anjo o salvou. Ele e sua filha conseguiram deste modo aqui chegar com uma pequena criadagem.
O jovem Rei foi anteriormente templário talentoso e en- viado como missionário a correr mundo. Na fronteira entre Judeia e Samaria, ele e seus quatro colegas caíram nas mãos de assaltantes e foram obrigados a seguir a mesma carreira. Submersos na mais profunda tristeza e desespero, suas almas se ocultaram na proteção
do espírito, enquanto o físico se tornou posse ativa dos piores demô- nios. Somente uma poderosa coorte conseguiu dominá-los. Assim escoltados e devidamente agrilhoados, foram trazidos anteontem à noite. Pelas leis severas de Roma os esperava em Sidon o julga- mento final.
Eu, todavia, percebendo a aflição de suas almas, purifiquei sua carne daquela influência diabólica, e agora podeis lhes falar, a fim de conhecer sua verdadeira índole. Mormente Mathael — vi- ce-rei e esposo da filha de Ouran — merece toda consideração da parte de seus semelhantes.
Ele é — à medida das possibilidades até então proporciona- das — completamente renascido em espírito, e ser-Me-á um instru- mento hábil na conversão dos gentios do Norte. Num intercâmbio de ideias, conhecereis seu espírito.”
Indaga Cornélius: “Senhor, quem é aquele moço — não o Josoé que conhecemos de Nazareth — e sim o outro, que ora pales- tra com a menina?”
Digo Eu: “É precisamente o anjo de quem vos falei haver salvo o velho Rei e sua filha. Há três semanas se acha entre os mor- tais e foi por Mim expressamente destacado como mentor de Yarah; entretanto, também está a serviço de todos os Meus.”
Diz Philopoldo: “Como se chama o hospedeiro?”
Respondo: “Marcus, veterano de Roma, uma alma extre- mamente fiel e amante da Verdade. Tem ao todo seis filhos: dois ho- mens e quatro moças simpáticas, além de uma esposa exemplar, que apenas conhece a vontade do marido. Este foi o motivo que Me le- vou a Me hospedar com esta família, antigamente mui pobre. Vereis agora como essas oito pessoas aprontarão um almoço para centenas, o que vos alegrará sobremaneira. Vede, o velho está se aproximando para nos anunciar o que acabo de dizer.”
160.ASPROFECIASCONCERNENTESÀENCARNAÇÃODO SENHOR
Realmente, mal Me calo, Marcus nos aborda, a fim de saber se deve mandar servir o almoço, pois já é a nona hora do dia (três horas da tarde). Digo-lhe Eu: “Pois não, os amigos já se acham aqui e tudo está em ordem.”
Nisto Cornélius o chama: “Então, velho companheiro de ar- mas, não me reconheces? Não te recordas do tempo que passamos na Ilíria e Panônia? Era eu, naquela época, mais adolescente que guerreiro; desde então se passaram quarenta e cinco anos e hoje con- to quase sessenta.”
Diz Marcus: “Nobre senhor, como não me haveria de lem- brar?! Foi preciso muito rigor para manter aqueles contendores den- tro duma ordem razoável. Às margens do Danúbio, perto de Vin- dobona (Viena) as coisas não andavam boas, no início; alguns anos mais tarde a situação melhorou consideravelmente.
Os costumes e hábitos dos germanos eram bem rudes, e só com o tempo conseguiu-se melhoria através duma educação mais liberal. O vinho que cultivavam era fraco e ácido, entretanto nos acostumamos a bebê-lo.
Certa vez, durante a caça aos javalis em que havíamos abatido perto de quarenta, encontramos um sacerdote germânico, vidente, sentado à sombra de um carvalho. Falava um pouco o romano e nos disse, enquanto nos entretínhamos com um javali morto: Gravai bem, jovens destemidos! Na Ásia, no país além das águas, aguarda-
-vos algo de grandioso. Lá vereis o que jamais foi dado ao mortal vislumbrar. Aqui rege a morte que tudo abate, como abatestes o poderoso javali com lança e espada. Na Ásia, porém, floresce a vida
e quem lá estiver, jamais verá a morte!
Em seguida calou-se; insistimos para que nos explicasse o sentido de suas palavras. Ele, no entanto, nada mais disse. Assim, continuamos nossa caçada. Vê, o velho germano profetizou e nós assistimos à concretização de tudo!”
Aduz Cornélius: “É verdade, agora me recordo desse perso- nagem; oportunamente falaremos a seu respeito.”
Enquanto Marcus arruma as travessas com ajuda dos servos de Cirenius e Julius, Cornélius Me diz: “Senhor, que achas da predi- ção do germano feita há tanto tempo na Europa a mim e a Marcus, o qual conta dez anos mais que eu?”
Digo-lhe: “Todos os povos espalhados neste orbe receberam uma que, igualmente dada ao primeiro habitante, trata de Mim e de Minha atual Descida para junto dos homens. Os sacerdotes souberam abrir caminho, através de lendas e inspirações diretas, até alcançarem uma percepção espiritual; profetizavam, às vezes, em quadros tão bizarros que, finalmente, eles mesmos não sabiam in- terpretar. Somente em estado de êxtase conseguiram esclarecer suas visões passadas.
Tal fato se deu com aquele germano: a exalação do carvalho, o medo de vossas armas lhe proporcionou tal estado — e começou a profetizar. Voltando a si, nada sabia daquilo que havia dito e vossa insistência não frutificou.
Eis o motivo de tais predições. Se quiserdes aceitá-lo, a feiti- ceira de Endor se achava em estado de vidência elevada quando Saul a forçou a conjurar o espírito de Samuel, embora estivesse ela ge- ralmente em contato com espíritos maus, proferindo, deste modo, apenas mentiras, astúcias e torpezas.
Não existe criatura tão ignorante e má que não consiga pro- nunciar, em tempo oportuno, uma profecia certa; entretanto, isso não significa que toda profecia sua será verdadeira. De modo idênti- co, os oráculos de Dodona e Delfos proferiram muita coisa acertada; todavia, as verdadeiras eram seguidas por mil falsas.
Também não se pode negar que certos videntes e profe- tas fizessem até milagres; em compensação outros inventavam, pela sugestão de maus espíritos que ativavam seu intelecto mundano, quantidade de fantasmagorias; ludibriaram povos inteiros durante milênios e viveram folgadamente até que foram nisso impedidos por videntes mais iluminados.
Essa tarefa, porém, não era fácil, pois um povo inculto não se deixa orientar por pouco, e seus sacerdotes mistificadores ainda menos, porque com isso seus privilégios mundanos correm perigo.
Todos vós tendes agora oportunidade de vos convencer da dificuldade que se Me depara, não obstante Eu usar de linguagem até hoje não usada por profeta algum, e Meus Atos serem inéditos. Os Céus estão abertos, os anjos descem à Terra, servem-Me e dão testemunho de Mim; entretanto, existem até alguns discípulos, que Me rodeiam e ouvem constantemente, cuja fé se assemelha a uma ventoinha e a um ramo frágil que o vento consegue dobrar em todas as direções. Que não esperar das criaturas mundanas?!”
161.EDUCAÇÃODE POVOS
(O Senhor): “Através de Meu Verbo Onipotente, poderia num momento transformá-las todas; onde, porém, ficaria a capaci- dade vital e a liberdade do espírito, apenas conseguidas pelo próprio esforço? Vedes, portanto, não ser fácil enfrentar os conceitos errône- os dos povos de modo eficaz e sem prejuízo do livre arbítrio e sua determinação independente.
De igual modo também é impossível evitar que tais erros se criem; preciso é que se apresentem à parte espiritual da criatura (alma) a verdade e a mentira, o bem e o mal para a livre pesqui- sa, conhecimento e escolha, do contrário jamais chegará a meditar e refletir.
Deve-se encontrar numa luta constante para não adormecer; sua vida tem de buscar novas oportunidades para se exercitar, assim se mantendo e fortalecendo até conseguir a perfeição.
Se Eu não permitisse a insuflação de enganos entre as criatu- ras, e sim apenas a verdade com seus efeitos determinados e inteira- mente necessários, elas se assemelhariam aos libertinos e dissolutos, que só cuidam de satisfazer gula e intemperança.
Se provêssemos todas as pessoas de suas necessidades físicas, asseguro-te que em breve não mais haveria sacerdote, rei, soldado,
cidadão, camponês, trabalhador e operário; para quem deveriam se pôr em ação quando nada lhes faltasse?! A miséria é necessária, bem como a dor e o sofrimento moral, a fim de que o homem não su- cumba no ócio.
Tudo isso o leva à atividade, portanto seria nocivo evitar a infiltração de erros, bem como exterminar sua divulgação. As consequências dolorosas desses enganos são, finalmente, os meios adequados para o seu extermínio e a propagação da verdade.
O homem necessita sentir profundamente — através de pri- vações e misérias surgidas da mentira e da mistificação — a necessi- dade gritante da verdade; começará, assim, a procurá-la com rigor, como fez o velho Ouran do Pontus. Só então encontrá-la-á, aliás, dificultosamente, podendo fazer dela uso eficaz. Se fosse descoberta tão fácil como o Sol no zênite, em breve não mais teria valor — e a Humanidade, para se distrair, seguiria a mentira qual andarilho à procura da sombra, que, quanto mais densa, tanto melhor. O habi- tante deste planeta é como deve ser, a fim de se tornar homem, pelo que necessita de circunstâncias externas.
A verdade plena e pura não pode ser dada por Mim de modo completo, será apenas oculta em parábolas e quadros, a fim de que a criatura venha a desvendá-la. Falo somente convosco sem restrições; numa transmissão a outrem não deveis desvendá-la inteiramente — e terão oportunidade para livre interpretação e atitude. A fim de que vós próprios não vos torneis mornos, ouvi:
Muita coisa teria para vos dizer, mas que por ora não su- portaríeis; quando o espírito da Verdade vier sobre vós e vossos fi- lhos, conduzir-vos-á à plena verdade. Deste modo estareis, para esta Terra, na plena Luz e por ela recebereis a chave para as inúmeras verdades dos Céus, por cujas revelações futuras e mais profundas vossa atividade aumentará ao Infinito! — Eis que agora Marcus nos chama à mesa, e isto não deixa de ser uma verdade que seguiremos.”
162.OALMOÇOEMCONJUNTO,EMCASADE MARCUS
Mal termino Minhas Palavras, Cornélius Me abraça e diz, comovido: “Somente Deus pode Se expressar desta forma!”
Digo Eu: “Sim, dás-Me testemunho justo, que te trará os melhores frutos! Não foram tua carne e teu sangue os inspiradores, e sim teu espírito, que tal como o Meu, é de Deus, motivo por que és Meu verdadeiro amigo e irmão. Agora, sigamos à chamada da carne, porquanto ainda temos corpo físico!” Todos nos encami- nhamos para as mesas onde nos aguardam os melhores peixes, bem preparados.
À Minha direita se acha Cirenius, a seu lado Cornélius, e à nossa frente, Fausto, Kisjonah, Julius e Philopoldo. À Minha esquer- da está Yarah, Raphael, Josoé e Ebahl. A ala esquerda está ocupada pelos discípulos e a direita pela família real de Ouran com Mathael, Rob, Boz, Micha e Zahr.
Na outra mesa, paralela à Minha, assentam-se os cinquenta fariseus, Stahar e Floran no centro, de sorte que podem ver Meu Semblante. Atrás se acham os trinta jovens levitas e templários; seus oradores Hebram e Risa com as faces viradas para Minhas Costas.
Por detrás de Meus discípulos há outra mesa, menor, com o grupo dos doze, cuja direção está com Suetal e Bael. Perto de Ouran se acomodaram Hermes, o mensageiro de Cesareia Philippi, sua esposa já bem vestida, três filhas e uma enteada. Assim, todos que a Mim pertencem acham-se bem acomodados. A criadagem está sendo servida em mesa mais afastada, enquanto as várias centenas de soldados se provêm no acampamento, como de praxe romana.
Satisfeitos pela fartura de alimentos, todos Me louvam, pois as mesas estão repletas de peixe, pão, figos, peras, maçãs, ameixas e mesmo uvas; o vinho é servido com abundância e não há quem não sinta bom apetite; Marcus e seus filhos se desdobram para que nada falte.
A bebida solta, pouco a pouco, as línguas, rompendo os recalques. Até os que Me estão mais próximos externam opiniões
entusiásticas, e a própria Yarah não se contém em elogiar as uvas saborosas, se bem que extemporâneas.
Entre os discípulos, excepcionalmente loquazes, Judas é o único silencioso; entretém-se com um bom peixe e o conteúdo dum grande cálice, de sorte que não tem tempo para palestrar. Por diver- sas vezes Thomaz o toca; ele, porém, felizmente nada percebe, pois na certa ter-se-ia externado de modo inconveniente.
Yarah só aguarda uma oportunidade para jogar uma indireta a esse discípulo que lhe é extremamente antipático; mas desta vez Judas não se deixa abalar em sua intemperança. Quando, finalmen- te, termina o grande peixe, faz menção de se servir de mais um. Raphael, no entanto, mais ligeiro, antecede-o. É natural que isto desperte a hilaridade de todos e Minha Yarah não consegue conter uma gargalhada. Eis que indago da menina o que se passa.
E ela diz: “Ó Senhor, meu amor eterno, como podes per- guntar algo a uma criatura, cujo íntimo Te é mais conhecido que a forma externa deste cálice?! Não percebeste como Judas escolheu o maior peixe — de cinco quilos — e o mais volumoso cálice?! Além disto, também fez desaparecer no estomago boa quantidade de pão. Não satisfeito, quis se servir uma segunda vez, no que Raphael o impediu. Eis o motivo de meu riso.
Bem sei que não se deve rir, a não ser por amor e amabilida- de; este caso, porém, foi tão humorístico que mal me contive. Penso não ser errado a pessoa se alegrar com a intenção egoística frustrada dum glutão.”
Digo Eu: “Não é propriamente pecado; todavia, será me- lhor evitá-lo. Vê, quando se observa tal egoísta com certo rigor, ele se contém e desiste de sua gula; ridicularizando-o, enraivecer-
-se-á, fazendo tudo para duplicar sua intenção. Judas Iscariotes é avarento e ladrão, pois quem sempre procura enganar o próximo, também furta.
Vendo que suas atitudes egocêntricas despertam o riso alheio, julga que lhes agrada sua trapaça xistosa, aplicando-a mais intensivamente. Se, como já disse, vê-se observado com seriedade
por todos os lados, protela seu intento, pois não se pode alimentar esperanças de sua completa regeneração. Todavia, convém impedi-lo sempre que possível; assim perderá mais e mais sua coragem ver- gonhosa, deixando de praticar a maldade — não por asco, mas de raiva. Eis por que é melhor a pessoa não se rir da frustrada trapaça do próximo.”
163.CONTRASTEENTREVONTADEE AÇÃO
Diz Yarah: “Senhor, estaria tudo muito bem se a pessoa ti- vesse a cada hora um ensinamento tão divino à mão! Acontece ser- mos criaturas mui cegas — mormente nos instantes mais precisos. Quando mais necessitamos, a verdadeira sabedoria nos deixa no ‘mato sem cachorro’. Noutras ocasiões, estamos cheios de ideias e pensamentos elevados.
Nada dentro de mim parece-me tão equilibrada como a vontade; entretanto, não convém louvá-la em demasia, pois que na maioria das vezes lhe falta a força para a execução. De quando em quando sou levada a uma boa ação e não a realizo, ou faço justamen- te o contrário. Não sei disto a causa mas é um fato.
Jesus, meu amor, com Tua Imensa Graça me foi dado lançar um olhar em Tuas Criações Imensuráveis e sei, por isso, mais que to- dos os sábios desta Terra. Conheço o que jaz na profundeza de Teus Céus — por que não chego a conhecer a mim mesma?”
Digo Eu: “Por seres uma criação muito mais extraordinária que todos os astros e mundos, em conjunto! No coração do homem repousa um Céu de maior deslumbramento que esse que ora avistas.
Vê, toda matéria é um julgamento e um imperativo êneo! Podes pesquisar sua consistência interna e externa; alguns farma- cêuticos possuem até a ciência de desintegrar a matéria em seus ele- mentos básicos. Tal saber chama-se a ‘química’, que será mais e mais aperfeiçoada.
Deste modo poderás analisar tanto uma pedra como um mundo completo, em todos os aspectos. Mathael é perito nessa ci-
ência, e André, que foi adepto dos essênios, aprendeu-a no Egito. Ambos serão capazes de te explicar com muita precisão e habili- dade a consistência dum planeta. Todavia, contém a matéria algo que jamais poderá ser analisado por um químico, porquanto seus elementos — que em si encerram causas espirituais — só poderão ser penetrados por um espírito puro.
Se os elementos já são portadores de segredos infinitos — muito mais tal se dá com alma e espírito humanos! Esta ciência não se aprende pela química, por isto Eu vim Pessoalmente ensinar às criaturas o que jamais teriam descoberto por si próprias.
Vês, portanto, terem sido dificuldades como a tua que Me trouxeram do Céu, dando-te a noção ser possível não agires de acor- do com tua vontade, e sim levada por motivos externos, desconhe- cidos, pois a exigência da carne determina não raro tua atitude, con- trária a teu espírito. A vontade não faz parte da alma que criou carne e sangue, deles absorvendo o alimento para sua formação — é parte integrante do amor, Meu Espírito dentro de vós, razão pela qual não sois apenas criaturas, mas Meus verdadeiros filhos, e governareis Comigo todo o Infinito. Para tanto necessitais, primeiro, dum com- pleto renascimento espiritual, do contrário nada será conseguido. Compreendeste?”
164.O RENASCIMENTO
Diz Yarah: “Não inteiramente, pois não consigo perceber com clareza o que venha a ser o renascimento em espírito. Como deve ser interpretado?”
Digo Eu: “Isso ainda não podeis assimilar, pois falando de coisas terrenas não Me compreendeis inteiramente — como pode- ríeis fazê-lo se trato de assuntos puramente celestes?! Afirmo-vos que, se começasse a discorrer sobre as coisas divinas, aborrecer-vos-
-íeis, dizendo: Este homem é doido, pois fala contrariando a razão e a Natureza! Como, pois, aceitar seu testemunho?
Eis por que compreendereis o renascimento pelo espírito e no espírito, apenas quando Eu, como Filho dos homens e do ho- mem, for elevado da Terra, qual Elias! Só então espargirei dos Céus Meu Espírito pleno de verdade e força sobre todos os Meus — e isto vos possibilitará o renascimento espiritual, trazendo-vos a verdadei- ra compreensão. Até lá ninguém poderá renascer, completamente, no espírito, incluindo Adam, Moysés e os profetas.
Através de Minha Ascensão, todos nascidos nesta Terra que demonstraram boa vontade, embora nem sempre agissem de acor- do, poderão alcançar esse estado. Pois muitos existem possuidores da melhor boa vontade para realizar algo de bom; faltam-lhes, porém, totalmente os meios, forças externas e habilidades tão necessárias como os olhos para a visão. Nesse caso a boa vontade vale tanto, para Mim, como o ato realizado.
Se porventura vês alguém cair num rio, tens vontade de aju- dar o infeliz — embora sabendo que não és nadador; num ímpeto de socorro serias tragada pela água junto com ele, por isso procuras alguém que possa salvá-lo. Assim, Minha filha, a boa vontade vale tanto quanto a própria ação — e isto em milhares de casos, onde aceito a intenção como se fora a obra.
Dar-te-ei outro exemplo. Sentes vontade de ajudar um po- bre, embora não possuas os meios necessários; vais, então, pedir aos ricos, implorando-lhes caridade para teu tutelado. O egoísmo dos bem situados, porém, não permite que abram mão de algum dinhei- ro e és obrigada a deixar o pobre seguir caminho. Triste e chorosa, apenas podes pedir a Deus que o favoreça. Eis outro caso em que tua boa vontade é idêntica à ação.
Pessoas dessa índole muitas houve, há e ainda haverá; todas elas tomarão parte do renascimento espiritual em suas almas! Assim, proporcionei-vos a todos a razão por que ainda não podeis compre- ender o que venha a ser o renascimento do espírito; somente quan- do tiverdes alcançado este grau sabereis por que não o assimiláveis anteriormente. Percebes o motivo que te impede a compreensão?”
Diz Yarah: “Sim, Senhor, meu único amor! Esclareces o as- sunto de forma tão clara como o Sol no zênite ilumina a Terra.” Em seguida ela promete não mais rir no futuro da ação tola do próximo.
165.CORNÉLIUSE YARAH
Entrementes, tanto Cornélius quanto Fausto e Philopoldo não se conformam com a inteligência da menina, e o primeiro Me pede licença para se dirigir a Yarah. Naturalmente lha concedo, com a recomendação de fazer perguntas inteligentes; todos à mesa aguar- dam com alegria a predita controvérsia.
Quando, porém, quer iniciar a palestra, Cornélius procura um assunto propício, por saber que em nossa assembleia só se espera ouvir coisas profundas. Quanto mais reflete, maior dificuldade co- meça a sentir, pois não descobre um tema de real valor. Finalmente, vira-se para Mim e diz: “Julgava tal empreendimento bem mais fácil; quanto mais medito, maior se torna a dificuldade.”
Digo Eu: “Bem, se nada de extraordinário te ocorre, indaga-
-lhe uma coisa qualquer.”
Responde ele: “Pois não, entretanto não é possível tocar em algo banal.”
Yarah, percebendo-lhe o embaraço, diz: “Caro amigo, per- mite que te faça a pergunta, pois as tenho às dúzias.” Diz ele: “Seria ótimo! Que acontecerá, porém, se não me for possível responder à altura?”
Responde ela: “Nada de mais! Eu mesma terei as respostas; tu farás o juiz! Para mim nada impede fazê-lo, e o Senhor, como meu amor eterno, não me impõe restrições, porquanto entre Sua Sabedo- ria Infinita e a nossa, limitada, não há possibilidade de comparação.
Coisa alguma altera nossas relações para com Ele se falarmos mais ou menos inteligentemente; nada somos a Seu lado, e se algo existe dentro de nós de real valor — é Ele Mesmo em nossos cora- ções pela Sua Graça.
A esta mesa estão alguns que me impõem o máximo respeito e não convém desafiá-los. Sei de muita coisa que, até então, além do Senhor e Raphael, não há mais quem a saiba, porquanto lhe faltam as experiências. De que me adianta, porém, o conhecimento sideral, quando sou estranha na Terra?”
Diz Cornélius: “A quem, em nossa companhia, dedicas tanto respeito?”
Responde Yarah: “A Mathael, o Vice-rei do Pontus. Creio que, a cem perguntas suas, não poderia responder uma sequer.”
Intervém este: “Ó filhinha, tornaste-te de repente tão mo- desta! Em absoluto ser-me-ia possível confundir-te, pois conheço tua penetrante perspicácia. Se o próprio Raphael já se previne, quan- to mais nós! E o nobre Cornélius bem faz em acautelar-se contigo: és uma rara exceção de teu sexo. Não sou inculto, no entanto não haveria de querer arriscar um desafio intelectual com teu saber. Dei- xar-me ensinar por ti — seria grande satisfação!”
Diz Yarah: “Eis o que acontece quando u’a menina possui alguns conhecimentos: ninguém se atreve a falar-lhe! Quase seria preferível ter menos cultura — e não me tornaria desagradável para os amigos inteligentes. Que farei? Não posso saber menos que sei, por não ser possível enfraquecer a Luz de meu coração. Esta Luz aumenta meu amor para com o Pai mais Santo de todos os pais! Se pudesse abrandar este meu único amor, prontamente me tornaria tola! O conhecimento que me vem deste sentir não é meu, e sim do Senhor dentro de meu coração, o que, em absoluto, poderá impor uma barreira entre mim e meu semelhante. Por isto, Cornélius e Mathael, podereis falar-me.”
Diz o primeiro: “Como não? Todavia, é difícil palestrar contigo por conteres tamanho saber em tua alma. És muito querida e amorosa; perguntar-te algo e pedir-te que externes um problema
seria arriscar muito! Além disto, possuo certo grau de presunção e nada mais me é tão vergonhoso que ver a descoberto essa fra- queza. Fui educado assim e será difícil livrar-me desta tendência.
Peço-te agora um pouco de paciência para que possa perguntar-te algo de valor.”
166.O PROBLEMA
Yarah se cala, aguardando que Cornélius se lhe dirija. Ele, por sua vez, revista a memória sem achar algo de apreciável. Por fim, alguma coisa lhe ocorre e ele começa: “Bem, dize-me o que vem a ser o Sol, pois irradia luz e calor tão intensos sobre a Terra, e também o que vem a ser seus elementos. Recompensarei regiamente teus pos- síveis esclarecimentos.”
Diz ela, meio irônica: “Nobre senhor, deste modo se procura tirar dum lago os peixes deteriorados que o infestam! Compreendes, senhor capitão Cornélius?! Se possuíres tesouros supérfluos, terás oportunidade de socorrer os pobres desta cidade. Eu, porém, não necessito de recompensa da Terra, pois tenho o amor divino, que representa o único e mais elevado prêmio!
Responderei à tua pergunta, porquanto não fico devendo resposta a quem quer que seja. Um pagamento material seria um dos maiores pecados, primeiro por tirá-lo dos pobres, segundo por impedir que fizesses algo verdadeiramente bom, em virtude de ser eu mesma possuidora de tesouros imensos, que não serias capaz de pagar com todo Império. Eu, no entanto, necessito deles tão pouco como de tua oferta.
Não julgues que esteja externando tendência orgulhosa, mas sim a verdade pura e inofensiva; se alimentasse uma partícula de orgulho não estaria ao lado do Senhor e Mestre! A tentativa não te saiu bem, caro Cornélius!
Criaturas iguais a mim, possuidoras duma graça — embora imerecida — devem ser julgadas e tratadas por pessoas mundanas de modo diferente. Pensavas que eu, garota de catorze anos, fosse tão vaidosa como as outras, devendo sentir satisfação enorme em me trajar com vestes de princesa; tal vaidade dista tanto de mim como a
menor estrela, da Terra! Assim, desiste de tua oferenda, do contrário não te responderei.”
Diz Cornélius: “Pois bem, faze como o desejas; aguardo teu ensinamento.”
A menina concentra-se e diz: “Desejas desvendar os segredos do Sol, a causa de sua luz e calor intensos, bem como de seus ele- mentos. Bem, poder-te-ia responder de modo completo; de que te adiantaria? Poderias crer como o cego, a quem se afirma uma flor ser vermelha. Teria ele meios de certificar-se disto? Nesta vida, difi- cilmente, e no Além, a alma liberta pouco ligará a tal afirmação. Lá será capaz de abarcar de um só golpe muito mais do que aquilo que aprendeu em vida durante cinquenta anos.”
Confirma Cornélius: “Realmente, tens razão. Jamais poderei comprovar tuas afirmações sobre o Sol. Sabendo-te, porém, incapaz de proferir mentira, porquanto teu saber se origina no Senhor — aceitarei tudo que me disseres como plena verdade.” Diz ela: “Vere- mos se não irás dar de ombros! Ouve-me, pois!”
167.OSOL NATURAL
(Yarah): “O Sol é, tanto quanto nossa Terra, completamente habitado; apenas diverge em tamanho, que é mais de um milhão de vezes maior. A luz que emana daquele planeta imenso deriva da at- mosfera que o envolve. Sua superfície mui lisa se acha num constan- te atrito com o éter, produzindo quantidade incalculável de fortes coriscos e assimilando, ao mesmo tempo, em seu espelho esférico, a luz de eões de sóis, que projeta em todas as direções. Através desta iluminação solar, a Terra e demais planetas recebem luz e calor. Este, porém, não se faz pela luz; é produzido lá onde caem seus raios.
A luz tem sua origem distante; o calor, no entanto, é gerado aqui, em virtude da grande atividade a que são levados certos ele- mentos do ar, da água e do solo (elementos atômicos). Precisamente essa atividade dá causa à tepidez, que atinge o máximo calor pela
acentuada ação desses elementos. À medida que a luz é levada ao Infinito, a calidez aumenta.
Certamente perguntar-me-ás: Quem poderia habitar o Sol, nessas condições? Se lá a luz é tão forte, o calor não será menos! — Tal, porém, não se dá. No centro do mundo solar, propriamente dito, não penetra nem a milionésima parte do potencial luminoso do Sol, de sorte que, em seus continentes, a luz e o calor não diver- gem muito dos da Terra, permitindo às criaturas de Deus muito bem lá se manterem. Apenas não existe noite, porquanto no Sol tudo se encontra em luz própria e indestrutível.
Se bem que seus habitantes desconheçam a noite — podem perfeitamente localizar as estrelas e astros que giram em torno da Terra. Esse fenômeno é causado pela atmosfera rarefeita que o en- volve numa espessura de mil e duzentas horas, a qual somente em determinada época é turvada por nuvens densas. Extinta essa turva- ção, fácil é observar tudo aquilo que gira em torno do Sol.
Ele efetua a rotação no decorrer de vinte e nove dias, poden- do seus habitantes, para mim os mais sábios e belos, deste modo observar o Céu estrelado, mormente os da esfera central. Os seres dos outros anéis correspondem aos demais planetas.
Quanto à organização interna desse imenso mundo solar, te- nho a intuição de que é constituído por vários sóis — uns dentro dos outros — e separados numa distância de duas, três a quatro mil horas. Essa distância está sujeita a variações, porquanto os sóis inter- nos muitas vezes se dilatam, para depois voltarem ao estado normal. Os espaços entre uns e outros são cheios de água ou oxigênio. Ignoro a causa disto tudo. Se desejares maiores esclarecimentos, deves te dirigir ao Senhor e Mestre, a meu lado.”
Responde Cornélius: “Agradeço-te, menina adorável, pela ex- plicação dada e que aceito desde o Alpha ao Ômega, pois não encon- tro nela algo de irrazoável. Mas... qual não será a distância do Sol para a Terra, porquanto, apesar de tão imenso, parece tão pequenino?!”
Diz Yarah: “Por ora, não existe cálculo neste sentido; os egíp- cios o possuíam e seus descendentes na Europa inventarão um novo.
Contudo, posso te afirmar: a flecha que fosse daqui projetada com a máxima força levaria vinte anos para lá chegar.
Podes fazer o cálculo: mede o tempo que uma flecha leva para alcançar mil passos e verificarás necessitar ela de dois instan- tes. Uma hora possui mil e oitocentos instantes duplicados; um dia contém vinte e quatro horas e um ano, trezentos e sessenta e cinco dias. Ciente disto e sabendo contar, terás a distância do Sol até nós. Nada te posso informar além disto, pois faltam-me medida e núme- ro suficientes. Calcula quarenta vezes um milhão de horas e terás, aproximadamente, o cálculo desejado.”
Cornélius arregala os olhos e diz: “Quem teria imaginado tal capacidade nesta menina?! Ultrapassa o próprio Euclides! Senhor, dize-me Tu, se devo aceitar suas afirmações. Tenho a impressão de serem acertadas.”
168.ASDUASFONTESDE CONHECIMENTO
Digo Eu: “Não são propriamente um Evangelho, mas não deixam de ser verdades que, com o tempo, trarão seu benefício para a cura da superstição, pois neste terreno não existe esfera mais pro- pícia que o Céu estelar. Por enquanto não é chegado o momento de proporcionar ao homem uma orientação completa; trata-se, antes de mais nada, de transformar as larvas humanas em reais criaturas.
Isto só pode ser conseguido pelo conhecimento que vão ten- do de si mesmas e consequentemente de Deus, amando-O acima de tudo e com toda a força de suas almas. Uma vez firmadas neste princípio e capazes de receber o Espírito Divino, estarão aptas à aceitação das verdades ocultas e compreendê-las. Se fosse o cérebro humano abarrotado de tais revelações, não seria capaz de as assimi- lar, podendo o homem até enlouquecer.
Por isto é preciso considerar o seguinte princípio: é impe- rioso aos homens se tornarem verdadeiras criaturas antes de lhes ser ministrada qualquer ciência, pois que se lhes tornaria prejudicial. Todas as ciências entretêm o intelecto localizado no cérebro. O co-
ração, como base vital, continua desajeitado, rude e selvagem qual fera, e pode até praticar maldades com auxílio da ciência. Num co- ração ateu, o saber é um fanal para toda sorte de atrocidades.
Por isto, Meus amigos e irmãos, tratai primeiro da verdadeira luz vital para os corações dos ignorantes, fazei com que o intelecto psíquico seja iluminado — e toda sabedoria se tornará uma bên- ção divina!
Não deixa de ser apreciável vasto conhecimento, pois permite aconselhar a muitos; melhor, porém, é um coração amoroso e since- ro. O amor anima e vivifica, enquanto a ciência apenas corresponde temporariamente às expectativas, para depois se entregar ao ócio.
Nesta época, a ciência poderia ser de alguma utilidade à criatura; entretanto, prejudicá-la-ia no despertar do espírito. Se o conhecimento surge pela luz espiritual como acréscimo justo, já se torna pleno do sentimento vital, que, como a luz solar, não somente ilumina, mas vivifica e produz.
Crede-Me: os inúmeros milagres que giram no Espaço Infi- nito se encontram ocultos no espírito de cada um. Tratai, pois, que ele seja completamente despertado e sereis capazes de ver e sentir em vós mesmos, com máxima clareza, o que jamais alguém viu e sentiu.
Aqueles que em Mim, o Filho do homem, reconhecem e amam a Deus, já desfrutarão em vida inúmeras felicidades, de cujas maravilhas até então o sentido humano não se apercebeu. Pelo ca- minho da ciência jamais alguém o conseguirá! Compreendes isto, Cornélius?”
169.OFUTURODAREVELAÇÃO DIVINA
Diz Cornélius: “Senhor, Tuas Palavras contêm uma pleni- tude de verdades até então inéditas dentro da vida humana; pois se já houvessem sido externadas, certamente alguns as teriam aceito e praticado, não passando o efeito despercebido.
Assim, merecem Sócrates, Plotino e Phrygius toda nossa ad- miração como espíritos elevados, bem como vários intelectuais de
Roma que descobriram a pista do Deus Único e Verdadeiro, através dum esforço heroico na luta contra as leis politeístas.
Platon já afirmou que o Deus Único, embora desconheci- do, deveria ser o amor. Quanto mais sobre Ele meditava, mais ca- lor sentia em seu coração; percebendo que tal agradável fenômeno aumentava e o médico lhe dizia que era doença, o sábio se rira, afirmando: ‘Se isto é moléstia desejo que se agrave, pois é-me in- comparavelmente mais agradável que a saúde tão louvada por ti.’ E Platon continuava a amar cada vez mais o Grande Desconhecido, contando que, em momentos de êxtase, chegou a vê-Lo como se a Ele se houvesse integrado, sentindo uma felicidade indescritível.
Fatos idênticos foram também relatados por outros sábios; seus ensinamentos por certo teriam trazido grandes benefícios às criaturas, se na divulgação os tais servos de Deus não se lhes houves- sem anteposto com toda sorte de atrocidades.
Sempre foi assim e certamente perdurará tal estado de coi- sas, impedindo que a verdade pura jamais encontre aceitação geral; seus sacerdotes, levados por interesses egoísticos, interceptam-na, ocultando-a num labirinto e desviando o caminho reto num sem número de atalhos, que circundados de muralhas tenebrosas, jamais permitem ao pesquisador encontrar o centro da verdade.
Senhor, Tua Própria Doutrina não terá futuro diverso, desde que um sacerdote nela se venha sobressair! Não resta dúvida de que os doutrinadores são indispensáveis, mas entre dez certamente se en- contra um perverso que contaminará os colegas — e adeus, verdade!
Moysés, o sábio de Cairo, adotado desde criança pela filha do Faraó e iniciado em todas as ciências, gravou a Verdade Divina em quadros de mármore, que mandou transmitir ao povo com a recomendação de seguir os Mandamentos, sob risco de castigos se- veros. Ainda não se passaram mil anos — e qual o efeito de todo esse esforço?! Além de seu nome — nada mais há a registrar! Onde está a Arca da União, tão milagrosa e vivificadora? Onde as pedras usadas pelo profeta, que deveriam durar por eternidades? Seus sucessores as destruíram em virtude de seus próprios interesses!
Por isso afirmo, sem ser profeta: Tua Doutrina terá o mesmo destino se a entregares nas mãos dos homens. Daqui a mil anos esta- rá terrivelmente deturpada e as criaturas terão de procurar a verdade em plena luz do dia, sem encontrá-la, qual Diógenes.
Persistirá ocultamente nos corações de alguns; a maioria, porém, apenas lhe conhecerá o nome e as cerimônias, fatores que se nos deparam com os próprios filhos de Abraham. Quem, hoje em dia, entende algo do espírito contido nas Leis mosaicas? Re- afirmo: os homens sempre foram e continuarão os mesmos, com poucas exceções.
Sempre se entusiasmam pelas novidades; uma vez que a elas se habituem, as coisas mais elevadas se tornam corriqueiras, sem valor e de pouco interesse! Talvez, para serem animados, preciso seja que se lhes ministre a doutrina com matizes variadas que não prejudiquem a boa causa; do contrário a Humanidade criará, por enfado, novamen- te um bezerro de ouro, e dançará alegremente em torno de seu ídolo.
Assim, até se devem desculpar certos sacerdotes por ven- derem ao povo lantejoulas ao invés da verdadeira joia, pois quando a avalanche das trevas se torna por demais poderosa, não mais é possível à criatura lutar contra ela, ficando até o sacerdote bem in- tencionado e possuidor de pequena luz verdadeira, obrigado a agir desse modo, caso não queira sucumbir. Senhor, não seria possível curar a Humanidade desse mal? Não vejo razão por que deva perecer constantemente!”
170.ADIGNIDADEDOLIVRE ARBÍTRIO
Digo Eu: “Meu caríssimo amigo! Eis o fator de maior neces- sidade para o planeta cujos habitantes são destinados a se tornarem verdadeiros filhos de Deus, por si próprios! A menor restrição espiri- tual por Mim imposta à livre vontade destruiria esta Minha Intenção!
Eis por que é permitido o livre desenvolvimento nesta Terra, a integração em todos os vícios imagináveis, até aos mais profundos infernos, bem como a aceitação das máximas virtudes que ultrapas-
sem os Céus — do contrário, nada feito com a formação dos filhos de Deus neste orbe a tal fim destinado.
Nisto se baseia o motivo oculto pelo qual até a mais subli- me Doutrina de Deus pode ser atirada ao lodo! Ninguém poderá afirmar que ela contenha algo de anormal, injusto ou inadmissível; entretanto, apresentar-se-ão com o tempo tais asperezas e impratica- bilidades, não possíveis de plena execução.
Num zelo exagerado até se abaterão centenas de milhares, de modo mais horrendo por que o fazem às bestas selvagens, defenden- do a opinião de se haver realizado serviço agradável a Deus.
Eu Mesmo terei de Me deixar prender pelas criaturas e até matar — se o quiserem — a fim de lhes facultar a máxima liberdade de ação. Só através dessa independência os habitantes da Terra terão a capacidade de se elevar a filhos verdadeiros, semelhantes ao Pai, isto é, a semideuses.
Assim como Eu Próprio sou Deus apenas pela Minha Força de Vontade irrestrita, de Eternidades em Eternidades — também vos deveis tornar filhos de Meu Amor! A fim de consegui-lo, preciso é a educação espiritual que, absolutamente, é de teu agrado. Reflete e verificarás não ser possível de modo diverso. Para que consiga al- cançar a máxima perfeição, forçoso é que passe a criatura pelo mais ínfimo grau do pecado!”
Diz Cornélius, após ter refletido um pouco: “Senhor, está se fazendo pequena luz no meu peito; entretanto, ainda existem al- gumas nuvens que impedem a penetração da luz completa. Certos momentos há em que compreendo as coisas tão profundamente que não resta a menor dúvida. Todavia, não posso afirmar que esteja plenamente equilibrado na esfera da verdade. Ó Senhor, poderias depositar claridade mais intensa em meu coração?”
Digo Eu: “Como não? Acontece, porém, que isto não seria obra tua, e sim Minha, portanto algo de heterogêneo dentro de ti. Não necessitarias procurar, pedir e bater em portas alheias.
Quero — e tenho de querê-lo — que cada criatura evolua no caminho por Mim traçado, conquistando pelo próprio esforço
e sacrifício aquilo de que necessita aqui e no Além; de outro modo, jamais se tornaria independente. A independência plena é um dos fatores mais indispensáveis para a máxima bem-aventurança.
Vê a situação dum servo imperial: possui quase tudo que seu senhor e come e bebe as mesmas iguarias. Acompanha-o em seus passeios, usufruindo as mesmas vantagens. Todavia, a felicidade de ambos é diversa. Muitas vezes o lacaio conjectura: Tenho um patrão que nada de injusto me exige, sou bem tratado e considerado. Se, no entanto, eu me excedesse, poderia alegar: Tratei-te como filho e exigi-te um serviço leve e justo; tu, porém, querias ultrapassar-me e começaste a fazer o senhor; por isso não mais necessito de ti. Deixa a minha casa! — Então teria de abandonar meu emprego e tornar-me mendigo, enquanto ele continuaria senhor de suas posses.
Tal pensamento, Meu amigo, turva muitas vezes a felicida- de do lacaio. O patrão é realmente feliz, pois ainda que ame o fiel empregado, não precisa temer que este o abandone, porquanto com facilidade arranjaria outros. Continua sendo dono independente de suas terras e tesouros. Sua felicidade não pode ser turvada, enquanto a do servo, ocasional, periclita a cada momento.
O mesmo se dá aqui. Enquanto for preciso que Eu, o Se- nhor de toda Vida e Luz, vos insufle constantemente o conhe- cimento e a compreensão, sois apenas meus servos, pois poderei manter-vos na Luz e Vida o tempo que Me aprouver. Donde have- ríeis de querer buscá-las?! Não desperta em ti forte temor apenas o pensamento desta possibilidade?! Enquanto ainda houver na alma qualquer receio, medo, pavor — impossível é à criatura falar em bem-aventurança!”
171.INCLINAÇÃOEDESTINODO HOMEM
(O Senhor): “Justamente por este motivo Eu vim Pesso- almente a esta Terra, destinada a gerar Meus verdadeiros filhos, e para vos libertar dos elos da necessidade criadora e vos demonstrar o caminho da real liberdade da vida, através da Palavra e da Ação,
aplainando-o pelo Meu exemplo. Unicamente por essa estrada será possível ingressar na Glória imensurável de Deus, Meu e vosso Pai!
Como Homem sou vosso semelhante; dentro de Mim, no entanto, habita a Plenitude Original da Glória Divina do Pai, que em Si é o Amor Puro. Não vos digo isto como Homem, pois o Verbo que vos dirijo é o Verbo do Pai dentro de Mim e que Eu bem co- nheço, enquanto isto não se dá convosco. Se O conhecêsseis, Minha Missão seria inútil. Justamente por nunca O terdes reconhecido, Eu vim Pessoalmente para vo-Lo mostrar e apresentar.
É da Vontade do Pai que todos que creem em Mim, o Filho do homem por Ele enviado, possuam a Vida Eterna e a Glória de Deus, a fim de se tornarem verdadeiros filhos do Altíssimo e perma- necerem como tais para sempre.
Para que isto seja possível, Céu e inferno devem habitar de- baixo de um só teto. Sem luta não haverá vitória! Existindo opor- tunidade de alcançar o máximo, mister se torna fazer uso da maior atividade; para atingir um extremo, é preciso se desprender do polo oposto.
Como, porém, imaginar qualquer extremo sublime sem o polo contrário?! Acaso algum de vós seria capaz de imaginar mon- tanhas sem os vales que as separam?! Não são os cumes calculados pela profundeza dos baixios?! Devem, portanto, existir vales mui profundos — e quem neles habita terá de lutar com muitas dificul- dades para alcançar os picos, onde descortinará um panorama des- lumbrante. Se não houvesse vales também não haveria montanhas, e pessoa alguma poderia galgar as alturas.
Esta comparação não deixa de ser material, entretanto contém uma similar e correspondente da imensa realidade espiritual, e para quem possa e queira refletir, esta se apresentará sempre poderosa.
Na esfera psíquica sois convocados e escolhidos para alcan- çar o mais sublime — portanto também deve haver o mais ínfimo. Recebestes a vontade libérrima e a força de vencer a baixeza dentro de vós, através da Onipotência Divina contida no espírito. Vê, Meu caro Cornélius, assim andam as coisas e condições de vida sobre a
Terra, porque não podem ser diferentes. Espero que não apresentes outra indagação a respeito!
Poder-te-ia levar, em espírito, a outros planetas onde encon- trarias tudo tão perfeito como as obras realizadas pelos animais; que lhes adianta tal monótona perfeição? Satisfaz unicamente suas ne- cessidades restritas e fastidiosas. Passando disto não vês uma varie- dade sequer.
Seria possível educar filhos de Deus nessas condições de vida?! Em vós, criaturas, repousam possibilidades infinitas, apenas não desenvolvidas. Por isso a criança recém-nascida é tão desabri- gada e muito mais atrasada que qualquer animal nessas condições. Precisamente por ser tão fraca, completamente inconsciente como um receptáculo vazio — pode galgar a máxima consciência divina e se tornar apta à perfeição.
Guardai bem o que vos acabo de falar e agi assim que al- cançareis, infalivelmente, aquilo para que fostes convocados e esco- lhidos para todo o sempre! Dize-Me, amigo Cornélius, que pensas a respeito da Terra, suas criaturas em luz e trevas?”
172.CORNÉLIUSRECORDAONASCIMENTODO SALVADOR
Depois de meditar um pouco o romano diz: “Senhor, re- almente é assim mesmo! Persisto, porém, na afirmação de que ja- mais seria merecedor de Tua Presença em minha casa. És Aquele de Quem David, o grande Rei dos judeus, cujos salmos li quando menino, predisse: Levantai, ó portas, vossas cabeças para que possa entrar o Rei da Glória! Quem é o Rei da Glória? O Senhor Zebaoth!
Como já disse, sabia disso desde minha infância e, coisa ex- traordinária: fui testemunha de Teu Nascimento em Bethlehem, onde mostrei a teus pais terrenos um meio de fuga à perseguição cruel do velho Herodes.
Contava eu naquela época vinte e cinco anos. Hoje tenho mais de cinquenta, tendo nesses trinta anos passado por muitas vi- cissitudes; entretanto, as palavras de David e Teu Nascimento com
todas as aparições milagrosas perduram vivos na minh’alma como se fosse hoje.
Mentalmente repeti sempre o salmo em Bethlehem e quan- do curaste meu servo, tendo ainda a grande Graça do Teu Encon- tro posterior! Agora também testemunho que Tu, unicamente, és o Grande Eterno Rei da Glória! E se não fosses o Rei Zebaoth — como poderias Te expressar como há pouco?!
Se ao menos pudesse gravar na memória Tuas Palavras San- tificadas! Essa capacidade sempre foi meu desejo, mas guardo-lhes apenas o sentido. Teus Ensinamentos ultrapassam todas as concep- ções humanas e, embora as entenda, perduram somente como um sonho nítido; terei dificuldade de repeti-los em casa.”
Digo Eu: “Ora, nada mais fácil que isto, pois temos o anjo Raphael. Faze-lhe entrega de alguns papiros, que prontamente ano- tará todo o Meu Discurso, aliás de grande importância.”
Com enorme satisfação, Cornélius manda trazer os papiros, a tinta e uma caneta dourada. Levemente o anjo toca os papéis com a pena — e no mesmo instante as vinte páginas estão completas. Em seguida os entrega a Cornélius, que muito se admira de sua agi- lidade, pois nunca assistira à escrita veloz de Raphael, efetuada até em grego e latim. Até mesmo Kisjonah, Fausto e Philopoldo ficam estupefatos, e o último indaga ao anjo da possibilidade.
Responde Raphael: “Amigo, isto nos é muito fácil com ajuda do Senhor — todavia não te posso explicar o porquê. Trata-se duma capacidade comum a todos os anjos puros, a qual não se prende apenas à escrita, mas a qualquer ação poderosa. Se desejasse destruir u’a montanha ou até uma extensa cordilheira, secar um lago ou criar um continente onde ora existe o mar, exterminar um planeta ou um Sol, milhões de vezes maior; se me quisesses enviar ao astro mais dis- tante, exigindo uma prova evidente de minha viagem aérea — tudo isto faria num só momento, e ser-te-ia impossível perceber minha ausência. O ‘como’ só é compreensível para um espírito puro.
Quando fores completamente renascido pelo espírito, com- preendê-lo-ás e farás o mesmo; antes disto não te será dado reconhe-
cer tais faculdades, mesmo se te fossem inteiramente reveladas. Per- gunta-te de que modo teu pensamento pode se encontrar de modo tão veloz ora em Roma, ora em Jerusalém, e novamente onde agora te encontras! Se o puderes explicar, também compreenderás o que se dá comigo.”
Diz Philopoldo: “Sim, criatura celeste, o pensamento hu- mano se move tão rápido que é impossível registrar-se-lhe a celerida- de, mas ele nada representa além dum quadro efêmero. Caso alguém o queira pôr em execução, terá de despender muito esforço e tempo; contigo, porém, de modo milagroso ele já se torna uma obra. Eis a grande diferença entre os meus e os teus pensamentos.”
173.NATUREZAEDESTINODOS ANJOS
Diz o anjo: “Não tens razão! Deixa que teu espírito alcance o renascimento e teu pensamento se apresentará como obra perfeita e milagrosa em tudo que se baseia na Ordem Divina!
Não venhas a pensar seja eu o autor, pois tudo é feito pelo Espírito Divino, que, de certo modo, perfaz e preenche minha na- tureza intrínseca; nós, anjos, no fundo nada mais somos que emana- ções desse Espírito! Somos Sua Vontade personificada e onipotente; nossa boca externa o Seu Verbo, e nossa beleza é um pequeno reflexo de Sua Glória e Majestade jamais concebidas!
Embora Deus, o Senhor, seja Infinito em Sua Sabedoria e Onipotência, no Amor Paterno Ele Se acha entre vós como Homem limitado. E justamente este Amor que vos demonstra como Criatura também nos proporciona a possibilidade de nos mostrarmos como vós, pois fora disto somos apenas luz e fogo, projetados em Pensa- mentos criadores pelo Espaço Infinito, plenos do Verbo, Poder e Vontade Eternos!
O Espírito, porém, ou seja, a Verdadeira Chama de Amor do Coração de Deus, pelo qual vos tornais Seus verdadeiros filhos, é-vos dado, como criaturas deste orbe, apenas agora e vos privilegia
enormemente, tanto que teremos de palmilhar a mesma trilha para nos igualar a vós.
Enquanto permanecermos anjos, somos apenas os braços e dedos do Senhor e nos movimentamos somente quando Ele nos inspira, assim como levais mãos e pés à ação. Tudo que vês em nós a Ele pertence; tudo que demonstramos e somos é o Próprio Senhor.
Todos vós fostes convocados e destinados a vos tornar- des aquilo que é Ele, em completa independência, pois que ainda vos dirá: Deveis em tudo ser tão perfeitos como é Perfeito vosso Pai no Céu!
Se Ele assim diz a Suas criaturas, deveis compreender plena- mente que sois destinados para algo Grandioso e a diferença infinita que existe entre nós! Por ora ainda sois qual embrião no corpo ma- terno, incapazes de construir um edifício com a força diminuta que tendes; quando fordes renascidos no verdadeiro corpo materno do espírito, sereis aptos de agir como o Senhor!
Acrescentarei mais isto, que o Senhor vos dirá se permane- cerdes na fé viva e em todo amor: Faço coisas grandiosas diante de vós; entretanto, ainda fareis outras, mais elevadas, diante do mun- do! — Acaso Ele também nos fala assim? Por certo que não, pois somos justamente Sua Vontade e Ação, perante as quais Ele prediz como se o fizesse a Si Próprio. Com o tempo, a Graça, o Amor e a Misericórdia de Deus determinarão um caminho para nós, espíritos angelicais, pelo qual nos tornaremos a vós plenamente idênticos.
O caminho por Ele Próprio ora encetado, sê-lo-á também por todos os espíritos primários (arcanjos) — isto, porém, não de hoje para amanhã, mas pouco a pouco, no decorrer da Eternidade, durante a qual descemos e subimos num âmbito infinito sem jamais atingir o limite desse círculo. Embora requeira isto tempo imenso, um dia se realizará, porquanto assim foi determinado na Ordem fiel e verdadeira do Senhor, e o que lá se acha estabelecido tem de acon- tecer — o ‘quando’ não vem ao caso! Uma vez em evidência também dará a impressão de já existir de todo o sempre.
Tu, amigo Philopoldo, há cem anos atrás não havias nasci- do, não tendo, portanto, a atual existência; não tens a impressão de sempre teres vivido? O cálculo frio de teu intelecto te demonstra não ser isto possível; teu sentimento e a viva impressão provam precisa- mente o contrário.
De modo idêntico, a razão pura te diz que morrerás um dia — e tudo aquilo que ora és desaparecerá de sobre esta Terra. Indaga-o à tua impressão e ao sentimento, e ambos nada sabem nem querem saber dum estado de morte e decomposição.
Quem estaria dentro da justiça e verdade: a razão ou o sen- timento? Digo-te: tanto a primeira quanto o segundo, consciente da vida! A razão, como biblioteca ordenada da alma, abandoná-la-á com a morte física. Tendo, tal como os membros e órgãos do corpo, a sensação e o cálculo materiais, deve possuir também a noção do perecível. Outra coisa, todavia, acontece com a alma e sua cons- ciência própria; esta última, provinda de Deus, nunca teve início, portanto jamais terá fim!
Por este motivo, não pode a alma — mesmo em seu mais pronunciado estado material — imaginar-se perecível e sem existên- cia. Possuidora desse conhecimento, ela se torna mais e mais lúcida, e uma vez completamente unida a seu espírito, provindo de Deus, a noção da vida se manifesta tão clara e poderosa a ponto de fazê-la perder o sentimento da morte, como cálculo frio do intelecto, sem importância e força.
A razão disto se baseia no espírito do Senhor, que penetra não só todas as forças vitais da alma, como também as partes psíqui- cas do corpo, tirando-lhes totalmente a noção do perecível. Esse pro- cesso se dá pelo espírito; através dele, todos os humores físico-etéreos são, finalmente, imortalizados junto às substâncias vitais da alma.
Tu, amigo Philopoldo, que também és do Alto, compreen- derás com facilidade ser possível a um espírito esperar por tudo e nada lhe representar tempo imenso, pois algum dia chegará sua vez abençoada, dentro da Ordem Divina. Resta saber qual será o perío- do mais longo: o passado ou o futuro?!
Por enquanto ainda sou o que sou, e este corpo fictício está longe de ser uma alma substancial repleta de carne e sangue, gerada e surgida por via natural; contudo, já é uma aproximação impor- tante, da qual a realização de tal Graça não dista muito — e então serei o que és!
Por isto não me ressaltes por me veres fazer milagres; ainda não possuo um ‘eu’ individual — porquanto sou apenas a Vontade do Senhor. Unicamente Ele Próprio merece todo louvor pelos fatos milagrosos, pois realizaria coisas mui sublimes mesmo sem esta mi- nha aparente presença.
É Aquele que fez o discurso imponente a Cirenius, e que tive a incumbência de anotar. Conheces-Lo de Kis e terás oportu- nidade de conhecê-Lo mais profundamente. Agora basta, pois Ele pronunciará uma vez mais Palavras cheias de Vida.”
174.AMANEIRAPELAQUALPHILOPOLDOINTERPRETAA CRIAÇÃO
Philopoldo vira-se para Kisjonah, sentado a seu lado, e diz: “Compreendeste, finalmente, a natureza dos anjos? Sempre defendi a tese de não possuírem personalidade, já que são apenas ideias re- pletas da Vontade do Criador e somente visíveis quando Ele o julga necessário. Como Deus, forçosamente, projeta uma quantidade in- finita de grandes e pequenas ideias, é claro estarem plenas do Poder e Força da Onipotência Divinas quando se devem tornar evidentes, do contrário jamais se poderiam manifestar.
Todas as criaturas que se acham numa forma visível, tem- porária ou não — como, por exemplo, num planeta com todo o conteúdo de seres e consistência própria — são ideias projetadas por Deus dentro duma vida independente. A fim de produzi-la, ne- cessário se torna que emanem de Deus, constantes, ideias livres e informes, munidas de Sua Vontade. Estas, porém, apenas devem ter a incumbência de agir e criar. Indispensáveis, no entanto, são-lhes força e inteligência, a fim de poderem influenciar — como Deus
Mesmo — do próprio centro ao objetivo visado. Prestam-se, assim, à criação de formas úteis dentro duma ordem planejada — sem pos- suírem, contudo, forma própria, conforme o sábio Platon afirmou da origem da alma humana.
Este anjo, porém, que entre nós se encontra, não deixa de ter alguma forma; mas está prestes a se tornar independente da Ideia Básica de Deus como um grande espírito livre, que age por conta própria, parte dentro de suas capacidades isoladas, parte pelo que lhe é insuflado constantemente pela Força Divina.
Nisto, parece-me, consiste a ideia grandiosa da verdadeira Fi- liação Divina. Porque, enquanto uma ideia é idêntica a Deus, não existe possibilidade de ação própria e individual; apenas quando for equivalente às criaturas terrenas poderá se tornar aquilo para que fomos convocados. Que achas, minha interpretação é certa?”
Responde Kisjonah: “Sim, pois nada encontro de inaceitável. Sou tudo, menos sábio; entretanto, meu raciocínio natural me diz que falaste mui sabiamente e me alegra contar-te entre meus ami- gos. Quando em casa, continuaremos a palestrar; agora, anseio pela Palavra do Senhor! O anjo o tinha anunciado mas, pelo que vejo, o Senhor adormeceu durante nossa conversa.
O mesmo faz aquela menina, e muito deu que pensar a Cor- nélius, o próprio Prefeito e mais alguns outros, enquanto nas demais mesas os ânimos se alteraram. Teria essa sonolência sido provocada pela controvérsia intelectual entre ti e Raphael?!
Sabes, caro Philopoldo, muito aprecio quando discorres so- bre assuntos transcendentais; aqui, porém, na Presença do Oniscien- te, te excedeste um pouco, pois se o anjo fala é o mesmo que ouvir Seus Próprios Ensinamentos. Externaste apenas tua opinião acerca daquilo que Raphael te havia dito. E isto, penso, provocou o sono dos outros. Não achas?”
Responde Philopoldo: “Sim, talvez tenhas razão e me arre- pendo seriamente de ter-me deixado levar pelo intelecto. Não posso, no entanto, desfazer o que fiz, embora convicto de não ter praticado uma injustiça!”
Nisto Me ergo animado e digo amavelmente a Philopoldo: “Em absoluto! Tuas reflexões quanto à diferença entre um anjo e um homem verdadeiro desta Terra são plenamente aceitáveis. De- senvolveste o assunto de modo conciso. Meu cochilo foi somente a consequência do cansaço físico, pois trabalhamos durante duas noites seguidas.
Já que és um sábio platônico, explica-nos a razão verdadei- ra de Minha Encarnação neste orbe! Sabes o que Sou e Fui desde Eternidade, em Espírito; também sabes, tanto quanto os presentes, possuir Eu um corpo de carne e osso.
Qual foi o motivo que Me levou a usar esta vestimenta tem- porária? Por que a Causa de todo Ser e Vida Se teria coberto com o invólucro da evidente mortalidade? Tal era preciso ou apenas é um capricho do Eterno Espírito Divino que vive e age dentro de Mim? Se te saíres bem nesta explanação receberás, já em vida, um prêmio de Sabedoria Celeste!”
Diz Philopoldo: “Senhor, confesso pressenti-lo; na noite de minha alma se faz pequena luz, como uma aurora, evidentemente pela insuflação de Tua Graça, ó Senhor! Sim, percebo a grandiosa sublimidade do porvir — todavia, faltam-me palavras!
Com milhões de frases inteligentes não será possível discorrer sobre tal assunto, que requer o auxílio da linguagem peculiar do espírito. Fosse esta comum a todos, não se falaria a surdos! Donde, porém, poder-se-á buscar tal linguagem e a precisa compreensão? Vê, Senhor, eis a meu ver fator imprescindível a um desenvolvimen- to elevado no campo da sabedoria!
Sinto dentro de mim a verdade imensa e santa e, ao mesmo tempo, a incapacidade de externá-la condignamente. Por certo acei- tarás esta justificativa, desistindo de que eu venha a desenvolver de modo tão esclarecido uma tese espiritual!”
Digo Eu: “Ora, não é preciso tanto quanto pensas! Dificil- mente encontrarás no cérebro, onde a alma costuma fazer a colheita
de seu conhecimento, as palavras adequadas; muito mais, porém, fá-lo-ás no coração como receptáculo do Espírito provindo do Co- ração de Deus.
Tenta pesquisá-lo e verás que elevadíssima sabedoria pode ser desenvolvida de modo mais compreensível com palavras sim- ples e singelas! Que utilidade, por exemplo, tem o Cântico de Sa- lomon, se o compreendes tão pouco da primeira como da milio- nésima leitura?!
Tinha ele de escrever deste modo, porquanto ainda não ha- via chegado o tempo de revelar os segredos mais ocultos do Céu ao homem inepto, cuja alma presa à Lei de Moysés não possuía livre ascendência sobre seu coração. O próprio Salomon entendia tanto do Cântico quanto tu, do contrário não se teria tornado pecador, idólatra e adúltero.
Aquilo que escreveu inspirado pelo Espírito Divino — que bafejava, em certos momentos, sua alma — é o puro Verbo de Deus, não dado ao entendimento cerebral, mas ao espírito capacitado para tanto no coração. Essa faculdade de entendimento é depositada na época atual, isto é, desde Minha Encarnação, no coração de alguns, a fim de que Me reconheçam, entendam e compreendam, por sua e pela causa de muitos que dela carecem.
Essa aptidão espiritual também já foi depositada em teu peito como um feto no colo materno; basta que o pesquises e des- cobrirás o Espírito de Deus dentro de ti. Este, então, facultar-te-á a oratória necessária para que aclares diante desta assembleia o proble- ma que te apresentei.”
Antepõe Philopoldo: “Senhor, é bem possível que venha a descobrir a chave em meu coração; a Ti, todavia, isto seria coisa fa- cílima, fazendo nós auditório atento e grato. Para mim não deixa de ser difícil, arriscando-me, finalmente, a ser ridicularizado!”
Digo Eu: “Em absoluto; primeiro por se basear em Minha Ordem que deveis desenvolver um assunto dentro da plena liberda- de caso vos seja útil; segundo, por não apresentar tanta dificuldade o que ora está em discussão.
Poder-vos-ia transmiti-lo e Me entenderíeis mal e mal; no entanto, vossa alma o conservaria — como tudo — em seu palácio cerebral, sem proveito para o espírito. O que lá for guardado pela alma morre e se desvanece com o tempo; assim, que utilidade teria para o espírito aquilo que deixou de existir?!
Tudo que desenvolveres pelo sentimento dum coração justo perdurará no espírito, e por ser ele eterno torna-se posse eterna da alma; o que, porém, for assimilado pelo cérebro logo se dissipa, nada ficando na alma do conhecimento intelectual, quando ela deixar o corpo. Por isso deveis tudo assimilar e desenvolver no coração, pois o que é criado pelo intelecto só se presta para a vida passageira deste mundo e para o físico perecível.
Alma e espírito de nada disto necessitam: nem vestes, nem casa, tampouco campos e vinhas. Todas as preocupações provindas do conhecimento cerebral são dirigidas para o provimento físico; in- felizmente alcançaram grau tão elevado que difícil será enumerá-las e, muito menos, supri-las.
É impossível ao intelecto a assimilação de algo puramente espiritual, por ter sido dado ao homem para o suprimento da maté- ria. Possuindo somente a centelha divina no coração a possibilidade de assimilar qualquer noção espiritual, necessário é que entre em prática desde cedo. Uma vez alcançada certa firmeza, a justa ordem dentro da alma se terá estabelecido. Assim sendo, tenta desenvolver o tema que te expus e tua alma terá com isto recebido um grande privilégio!”
176.MOTIVODAENCARNAÇÃODO SENHOR
Diz Philopoldo: “Em Teu Santo Nome, farei uma tentativa para externar o que sinto dentro de mim. Penso, já que o homem mais inculto deva ter um móvel para qualquer ação — muito mais concludente supor-se haver tido Deus um motivo sumamente im- portante para submeter-Se, como Único Espírito Onipotente, a to- mar carne, pelo que Se tornou Semelhante a Suas criaturas.
Do mesmo modo que o amor nos leva a uma ação qualquer, foi também ele o fator que obrigou Deus a agir de modo tão subli- me, conforme Tu, ó Senhor, nos tens ensinado a reconhecer Tua Vontade e aceitá-la livremente.
Percebo nitidamente em meu coração: Desde eternidades vens transformando Tuas Ideias em Pensamentos concretos. Essas formas, no princípio, eram hirtas, inflexíveis, como tudo que ainda hoje se nos apresente inerte. De período em período são transforma- das em outras, mais maleáveis e de consciência e ação mais ou me- nos livre. Isto, porém, apenas é uma escola preparatória para a vida independente da criatura posteriormente surgida, à qual, ó Senhor, proporcionaste a forma básica do Teu Próprio Ser.
O homem, pois, havia surgido, reconhecia sua liberdade divina, alegrava-se de sua existência, sua forma e pôde discernir e analisar as coisas que o rodeavam. Em breve começou a pesquisar a causa de sua origem; vendo isto, Teu Coração, Senhor, rejubilou-Se e lhe deste oportunidade de sentir-Te sempre mais intensamente.
Através da revelação oculta e íntima, o homem, em tudo Tua Semelhança, foi levado pelo Teu Espírito Eterno a reconhecer ser ele e tudo que o rodeia a obra dum Ser Onipotente, mui Sábio e Bom. Desta forma inspirada e iluminada a criatura, não só se sentia ple- na da máxima veneração e respeito, como transbordou dum amor intenso, num desejo ardente de vê-Lo, falar-Lhe, a fim de constatar que a noção destes sentimentos não era apenas fantasia. Esse imenso desejo aumentava e crescia mais e mais no coração incorrupto do primeiro casal.
Se bem que se amassem intensamente, não conheciam sua própria natureza, nem podiam concentrar seu amor em Ti, ó Se- nhor. Todavia, este sentimento lhes testemunhava mais convicta- mente dever existir um Criador Onipotente e Santo que havia desig- nado o homem como soberano sobre a Terra e as coisas, porquanto lhe obedeciam os próprios animais.
Quando o desejo de Te conhecer Pessoalmente havia atingi- do o ponto culminante, Teu Divino Coração Se apiedou e abriu a
visão interna do homem: criaste para aquele momento uma forma humana, etérea, e Te apresentaste diante da criatura sequiosa de Ti. Só então viu o homem a verdade santa e a realização plena de seu pressentimento, o que muito o alegrou, mas também despertou um temor justo de Ti, que lhe deste a vida, bem como a todas as coisas.
Naquela época ele era bom e puro como o Sol; nada lhe tur- vava os sentidos — e o que hoje se denomina paixão, longe estava de seu entendimento. Entretanto, ó Senhor, bem sabias que apenas a forma humana havia sido animada pelo Hálito de Tua Vontade e, por isto, ele era capaz de iniciar sua própria educação interna, a fim de alcançar a emancipação.
Orientaste-lhe, demonstrando-lhe dois caminhos: um que leva à independência divina; outro, a uma existência extremamente tolhida e condenada. Um mandamento estabeleceu, precisamente, o guia trágico e o próprio caminho dúbio. A fim de que tal manda- mento surtisse efeito, preciso era que associasses ao homem um ele- mento tentador que o instigasse a não respeitar a lei, ou a cumprisse pelo próprio livre arbítrio.
Assim foi por certo tempo; no entanto, Tu Mesmo obser- vaste que o homem, através do cumprimento severo daquela única lei, finalmente não podia alcançar o elevado grau de independência que lhe fora por Ti imposto.
Para atingi-lo, teria o homem de ser afastado de Ti do modo mais profundo e distante; teria de errar e cair no pecado, para então poder iniciar — em tal isolamento completo de Ti e sujeito a toda sorte de tentações e dificuldades — sua redenção pela procura justa de Teu Amor, de coração arrependido e opresso.
Após o homem caído ter assomado de sua perdição, de modo tão difícil, foste a seu encontro, apresentaste-Te numa For- ma bem mais sólida e aplicaste, igualmente, uma Revelação mais concisa. Até lhe fizeste a grande promessa que ora realizas em toda a plenitude: também tornar-Te-ias Homem entre os homens, para que ele Te pudesse encarar livremente, por toda a Eternidade. Tal fato proporcionar-Te-ia a grande e maravilhosa satisfação de poderes
enfrentar Teus filhos, não como Deus e Criador Invisível, mas sim como Pai Amoroso que pode ser amado, conduzindo-os Pessoal- mente a Teus Céus Maravilhosos.
Se assim não fosse, que felicidade poderia sentir um Deus Infinito de ver Seus filhos amados, quando eles somente O vislum- brariam num Mar Imenso de Luz? Assim, proporcionaste a máxima ventura, não só aos homens, mas a Ti Próprio, como Pai Verdadeiro, Único e Amoroso! — Ou poderias Te alegrar com os filhos mais pu- ros e bondosos na plena certeza de que jamais Te veriam e ouviriam? Por Tua e por nossa causa tudo isto fizeste, isto é, para que os puros fossem venturosos pelo Teu Convívio, o que também Te traz a má- xima bem-aventurança! E se agora todos os anjos descessem do Céu e apresentassem outro motivo para Tua Encarnação plena e formal, desistiria de minha humanidade, rejeitando o raciocínio!
Se Tu, ó Senhor, não possuísses o Amor dentro de Ti, jamais terias realizado uma de Tuas Ideias Maravilhosas; como, porém, Tu Mesmo encontravas a maior alegria, em Teu Coração, nas Tuas Ideias grandiosas e sublimes, amando-as antes de Tua Sabedoria e Onipotência Infinitas as fixarem numa existência formal — Teu Amor, que Se tornou mais potente e ativo, Te forçou a vivificá-las em liberdade e dar-lhes vida subsequente. Esta vida nada mais é que Teu Amor Elevado, Poderoso e Divino!
Todas as criaturas respiram Nele e através Dele, pois todo ser e todas as formas O representam! Tudo que ouvimos, vemos, perce- bemos, sentimos e saboreamos — é somente Teu Amor, sem o qual nunca um Sol teria iluminado um planeta e aquecido suas plagas.
Se tudo isto é obra sua em conjunto com Tuas Ideias Mara- vilhosas, deveria Ele nada fazer em benefício próprio, a fim de alcan- çar pelas criaturas, em plenitude, o que em eras remotas Se impôs a Si Mesmo, isto é, proporcionou às Ideias forma e vida libérrimas?!
Creio ter falado a plena verdade, de onde se deduz clara- mente que Tu, Deus de Eternidade, terias de Te tornar Homem pela Própria Imposição! — Com isto julgo ter satisfeito, de modo com-
pleto, Tua Pergunta, à medida da sabedoria humana. Peço-Te, pois, Senhor, externares Teu Parecer!”
177.ALINGUAGEMDO CORAÇÃO
Todos os presentes se admiram da elevada compreensão e sabedoria de Philopoldo. Kisjonah observa-o dos pés à cabeça, não se conformando que este homem simples consiga causar tal estu- pefação geral, e o próprio Mathael diz: “Também sou possuidor de vastos conhecimentos — nunca, porém, meu espírito penetrou em tais profundezas. É preciso que sua alma e espírito já tenham fre- quentado escolas em outros mundos, superiores!” Yarah, igualmen- te, não consegue dominar seu desapontamento.
Eu, todavia, viro-Me para Philopoldo e lhe digo: “Vês, Meu caro, como te saíste bem, pois conseguiste pela maravilhosa resposta desenvolver a pergunta que fiz a teu coração!
Afirmo-te que revelaste a plena verdade, em Meu Nome, a todos os discípulos, amigos e irmãos, de modo fiel, verdadeiro e compreensível, tendo Eu somente de acrescentar: Assim é e assim andam as coisas desde Eternidades!
Nisto reside mais sabedoria que em todo o Cântico de Salo- mon, que o entendeu tão pouco como qualquer um, pois se o tivesse assimilado não teria caído nos vícios, e perecido! Por isto deveis, todos, procurar a sabedoria e a justa Revelação dada por Mim em vosso íntimo, e vos será fácil compreendê-la e guardá-la em vida e por toda Eternidade!”
Diz, a seguir, Pedro: “Mas, Senhor, já Te acompanhamos há nove meses; por que não podemos nos expressar como esse amigo de Caná, em Kis?”
Digo Eu: “Os romanos usam o seguinte provérbio (aliás mui acertado): Ex trunco non statim fit Mercurius!(Dum tronco não se faz de pronto um Mercúrio). O mesmo se dá, mais ou menos, con- vosco, e Eu Próprio teria vontade de vos inquirir: Quanto tempo
vos terei de suportar, até que assimileis e compreendais algo pelo entendimento do coração?
Já não vos disse tantas vezes que deveríeis projetar nele vossos pensamentos, e não no cérebro, para atingirdes a plenitude da ver- dade que vos libertará verdadeiramente?! Por que não o fazeis, pre- ferindo permanecer na matéria que nada tem, portanto nada pode dar?! Fazei o que vos ensino, que falareis como Philopoldo, dentro da verdadeira sabedoria!”
Diz Pedro: “Senhor, já o tentamos por várias vezes, sem ne- nhum progresso. De vez em quando sinto, não propriamente pensa- mentos, mas reais palavras no coração, porquanto me parece serem lá pronunciadas após sido elaboradas no cérebro.”
Digo Eu: “Eis o início; exercitai-vos, que em breve estareis aptos para pensamentos mais profundos e livres no coração!”
Diz Pedro: “Nosso reconhecimento, eterno e bom Mestre; assim sendo, progrediremos em breve!”
Digo Eu: “Sim, sim; na perfeição, porém, apenas após Meu Retorno!” Como ninguém Me entendesse, perguntam pelo sentido de Minhas Palavras. Eu, no entanto, digo: “Acaso julgais que o Filho do homem caminhará até o fim do mundo em carne e osso, para ensinar as criaturas e operar milagres?!
Sim, permanecerei até o final entre os de boa vontade, con- solando, fortalecendo, vivificando, doutrinando, agindo milagrosa- mente, e virei e Me revelarei a todos que Me amem verdadeiramente e cumpram Meus Mandamentos — isto, porém, não neste físico perecível, mas num transfigurado e imortal! Quem tiver o devido entendimento, compreendê-lo-á.”
Dizem os discípulos: “Senhor, com todos os nossos sentidos não nos é possível entendê-lo!”
Digo Eu: “Por tal razão também não vos responsabilizo! Todo aprendiz necessita de certo tempo para se tornar apto em sua profissão; uma vez que o seja, recebe diploma, sendo daí em diante responsável pelos futuros erros. Por isso, não errais por não entenderdes certas coisas; mais tarde, porém, será diferente! Agora,
urge que nos concentremos, pois algo se dará que nos vai exigir toda a calma!”
178.O NIMBO
Como houvesse Eu falado em alta voz, de sorte a ser ouvido pelos outros hóspedes, Stahar, reitor de Cesareia Philippi, levanta-se circunspecto e dirige-se a Mim, dizendo: “Senhor, tudo que foi co- mentado nesta mesa venerável, eu ouvi: coisas milagrosas, elevadas, profundas, verdadeiras e absolutamente incontestáveis! Em tudo resplandecia Tua Divindade Suprema como o Sol no zênite, e não haverá anjo celeste capaz de o contestar. Entretanto, senti falta de algo: aquela Glória Divina, que se apresenta ainda hoje no Templo, mormente no Santíssimo, mal se pisa o primeiro degrau!
Aquele silêncio misterioso e beatífico, o perfume de incen- so — aqui completamente ausentes — têm efeito comovedor de grande benefício para a criatura! Que abismo intransponível existe lá entre Deus e o homem! Quão reduzido este se sente ante à Ma- jestade Divina e Eterna, como reconhece em seu aniquilamento o Grande Poderoso! Tal, porém, é de muita utilidade para humilhação do homem presunçoso!
Em suma: em minha opinião, o homem não se devia sentir tão à vontade em Presença de seu Deus e Criador! Noto, pois, a completa carência desta auréola santificada! Encontramo-nos numa assembleia de amigos e irmãos, e se alguém fala, expressa coisas mui sábias, mas sem o mencionado nimbo. Quando conclui seu discurso, termina-o simplesmente, e nós o acompanhamos no que diz respeito à especial veneração que o homem deveria manter dian- te de Deus!
Em Tua Presença sentimo-nos bem à vontade, e até mesmo o sábado, que proporcionava uma paz profunda ao coração, já não nos causa impressão diversa dum dia comum. E agora está prestes a acontecer algo que, por certo, em nada nos abalará, e isto — num sábado de Lua nova! Não seria possível Tua Onipotência impedir
que as duas horas restantes fossem completamente vilipendiadas, pois que assim exterminariam toda consideração divina?”
Digo Eu: “Uma árvore velha dificilmente se deixa vergar; um cão sempre retorna àquilo que rejeitou, bem como os porcos procu- ram o charco cheio de excrementos!
De que vale a auréola fútil e inteiramente ateísta do Templo? Quando teria Eu criado o homem em virtude da consideração exter- na ou para o amor venturoso?
Tiranos e opressores violentos costumam enlear-se com a dita auréola, mas deitam areia nos olhos daqueles que ainda pos- suem visão, estrangulando os pobres e fracos, a fim de aumentar a consideração horrenda que lhes é tributada — e tudo isto ainda classificas de bom e útil para a alma? Ó tolo, cego!
Que proveito tiraríeis se Eu Me achasse entre vós como fogo devorador?! Aumentaria vosso amor e confiança para Comigo? Ou ser-te-ia possível amar aquele que te ameaçasse constantemente es- trangular como Poderoso, de olhos irados, se cometesses o menor deslize?! Acaso tu e o sinédrio tenebroso sabeis melhor que Eu por que Deus criou os homens e qual a relação entre ambos?!
Que vem a ser nimbo ou consideração externos? Vê, é a pior e mais venenosa exalação do inferno mais profundo, com a qual Satanás envolve seus servos fiéis e a ele semelhantes, a fim de que desfrutem diante de todo mundo duma consideração horrenda para a conquista de inúmeras almas para o reino infernal! Consta, porém: tudo que no mundo venha a desfrutar certo prestígio ostensivo — é um horror para Deus!
Acaso já viste duas criaturas que se amem verdadeiramente tratarem-se de modo altivo, sem dispensarem um ao outro um olhar amoroso e, muito menos, uma palavra carinhosa?! Tens conheci- mento de que uma noiva apaixonada recebesse seu escolhido com a maior displicência e o noivo tentasse ultrapassá-la?! Julgas que deste modo se tornariam um casal? Sim, tal seria possível pela força da lei e para este mundo! Para o Céu, porém, jamais! Onde não existe amor, não existe Céu!
Eis a maldição do inferno, sem luz, sem orientação, sem ver- dade e por isto também sem vida independente — uma eterna conde- nação que amordaça e subjuga os que se amaldiçoaram a si próprios!
Julgas que nosso ambiente seja menos divino e digno de Deus por deparares nada do inferno e sua depravação! A que ponto chega a Humanidade tola! Acredita prestar algo de justo e digno de Deus através do inferno! Não seria possível ultrapassar tal ignorân- cia, tolice e maldade! Se o reino de Satanás te parece tão venerável e digno de Deus — volta para lá e serve ao deus de tua imaginação ‘elevada’, comprazendo-te com tal nimbo!”
A estas palavras Stahar cai de joelhos e diz: “Senhor, per- doa-me que sou um velho tolo, ignorante e Te agradeço por esta admoestação! Estou plenamente curado! Fui deste modo educado e as impressões de berço dificilmente são extraídas da alma. Agora, porém, surgiu-me o Sol — e percebo toda corrupção do Templo! Venha o que vier, continuarei feito rocha no mar desta Doutrina nova e pura de Tua Boca Santificada.”
Digo Eu: “Levanta-te, irmão, e transmite aos colegas o que acabas de ouvir, pois também eles se acham presos ao mesmo erro! Explica-lhes o que vem a ser o nimbo, Quem sou Eu sem tal nimbo e o que realmente quero!”
Stahar se curva respeitoso, dirige-se para junto dos outros e começa a doutriná-los — e naquela mesa, anteriormente tão calma, os ânimos se alteram, tendo Stahar dificuldade de acalmar os irmãos excitados pelo vinho. Floran, o principal orador, assiste-o da melhor maneira e em pouco todos se aquietam.
Philopoldo, porém, diz a Cirenius: “Nobre senhor, é real- mente estranho que muitas pessoas não vejam um palmo adiante de seu nariz!”
Responde este: “O hábito é uma base poderosa para a toli- ce. Na Europa existe um povo que é castigado, pelo menor deslize, com açoite e relho. Meu irmão, César Augusto, tentou abolir essa medida drástica, designando educadores que defenderiam os direi- tos humanos e, se preciso, até levando alguns habitantes para Roma;
todavia, essas criaturas se encheram de nostalgia, apesar de haverem sido sempre surradas, no mínimo uma vez por mês!
Se um inferno físico já se torna hábito, de sorte a fazer falta no estrangeiro, quanto mais o espiritual que tantos benefícios causa às criaturas! Por isto, não me surpreendi com as afirmações de Stahar
que se sentiu por anos afora mui satisfeito dentro da considera- ção e do ritual templários — e tinha a intenção de dirigir-lhe mais algumas palavras. Agora, no entanto, está tudo bem!”
179.PRECAUÇÕESCONTRA A TEMPESTADE
Entrementes, Hermes sobe ao monte para ver o estado da cidade em cinzas e percebe ainda labaredas esparsas; além disto pres- sente, naquela direção, a iminência dum temporal tremendo. Retor- nando para junto de Marcus anuncia o que acaba de observar e diz: “Caro irmão, não levará meia hora e estaremos dentro duma terrível tempestade! Terás abrigo para todos? Não seria agradável alguém enfrentar raios e saraiva!”
Responde Marcus: “Enquanto Aquele que aqui Se encontra nada determinar, por certo não haverá perigo! Ele é nosso melhor refúgio; se desejar qualquer medida preventiva, nós a executaremos prontamente. Por isto não te aflijas, amigo; tudo se fará da melhor maneira possível!”
Nisto convoco ambos e digo a Marcus: “O temporal nos trará grande atropelo! Por tal razão seria aconselhável o preparo de alguns abrigos, conforme sugeriu o amigo Hermes. Careces, porém, de material; donde nos proveremos nesta pressa?”
Afirma ele: “Senhor, já lhe disse: Tu és nosso melhor abrigo e não necessitamos de outro, terreno!”
Suas palavras são repetidas por muitos, cheios de confiança, e Eu acrescento: “Muito bem! Que será se vier forte chuva de granizo, acompanhada de raios e trombas d’água?”
Afirmam todos: “Senhor, podes juntar a isto um terremoto que nivele as montanhas, fazer ainda caírem estrelas — que em Tua
Presença riremos de tudo! Que poderia suceder, protegidos que so- mos por Tua Mão Onipotente?!”
Digo Eu: “Vossas palavras também devem ser pronunciadas durante a tormenta e no perigo — mas no íntimo, não apenas pela boca — e Minha Proteção vos será útil por vossa fé e confiança demonstradas; se, porém, começardes a fraquejar ante as situações perigosas, Ela não vos trará grande benefício!”
Positivam todos: “Ó Senhor, quem poderia esmorecer em tais sentimentos por Ti?! Acima de tudo, no entanto, fazemos ques- tão de Teu Amor e Vontade Onipotente, pois se sustasses Tua Oni- potência, estaríamos mal com toda nossa fé e confiança. Tu és suma- mente bom e justo, e não deixarás sem efeito a manifestação dessas virtudes!”
Digo Eu: “Em absoluto — deveis precisamente nesta noite conhecer e sentir o Poder e a Glória de Deus! Além disto, forçoso é que uma tempestade desabe sobre a cidade ardente, do contrário o incêndio perduraria por mais tempo. Será um temporal inédito com duração de três horas, portador, porém, de maior benefício que prejuízo.
Vamos à praia, onde nossa presença será de maior utilidade que aqui. Além do mais, podereis lá observar melhor os elementos em fúria — e a Glória de Deus Se manifestará mais evidentemente que debaixo dum teto!”
Todos se encaminham para o mar sereno. Entretanto, já se fazem notar nuvens pesadas que, unindo-se às provindas do Oeste e Sul, dão demonstração clara do temporal fantástico que se anuncia. Sobre o mar esvoaça quantidade de gaivotas. Ouran, temeroso pelo destino de suas tendas preciosas, pede-Me que também proteja esse tesouro, pois o temporal bem o poderia prejudicar.
Digo Eu: “Não vos afirmei que, justamente aqui, a Glória Divina ir-Se-ia manifestar com a máxima evidência? Ainda te podes preocupar com tuas miseráveis tendas, como se delas dependesse a salvação do mundo?! Vê, são grandes e espaçosas; se a tempestade se desencadear sobre nós, manda que ali se refugiem as mulheres e os
homens demasiadamente apavorados, pois não será brincadeira o que vem aí! Tuas tendas apenas ficarão molhadas!”
Diz Ouran: “Agradeço-Te a promessa, que aceito como reali- zação. Minhas barracas, que não deixam passar uma gota d’água, esta- rão ao dispor de todos. Eu mesmo ficarei Contigo, Senhor, ao ar livre.”
Indago: “Não temes a chuva de pedras?”
Responde ele: “Já externei minha opinião com os outros e repito o ditado romano: Si totus illabatur orbis, impavidum ferient ruinae!”(Mesmo se o globo todo caísse em frangalhos, os destroços carregariam o intrépido!)
Digo Eu: “Muito bem; eis que as nuvens de ambos os lados se estendem as mãos úmidas e não demora a chuva cair! Também no mar surgem as ondas da ressaca e está em tempo dos medrosos se recolherem!”
Os peixes saltam fora d’água, agarrando insetos que esvoa- çam baixinho, no que têm a concorrência do número crescente de gaivotas e andorinhas marítimas. Em alguns pontos o mar começa a agitar-se, e no alto as nuvens se condensam mais e mais. À Leste troveja constantemente — e a borrasca inicia sua luta tremenda.
180.A TEMPESTADE
Quando o fragor da tormenta, que rápida se vinha aproxi- mando, torna-se mais ameaçador, e uma escuridão quase total se estende sobre o mar e toda a zona, os mais medrosos se dirigem às tendas de Ouran, pois perdem a vontade de permanecer a Meu lado. Também os discípulos manifestam alguns temores — e dos cinquenta nenhum fica ao ar livre quando veem pedras de gelo de meio quilo caírem por terra.
Ebahl adverte Yarah para se recolher numa das tendas; ela, porém, é irredutível e diz: “Como pode alguém se apavorar de tal forma na Presença Plena do Senhor?! Poderia este temporal ter mais força que Seu Amor e Onipotência?”
Diz Ebahl: “Em absoluto; mas, saraivando de tal forma, bem pode a pessoa estar sujeita a ficar com a cabeça esmagada! Creio que nem eu nem tu seremos atingidos, mesmo se caíssem pedras em maior profusão; entretanto, o velho temor toca pessoas como eu. Não obstante, agora não mais o sentirei, porquanto não poderei demonstrar fraqueza junto de minha Yarah.”
Eis que o granizo se torna mais forte: pedras caem como pu- nhos fechados e com estrondo sobre a terra, o mar levanta ondas enormes, um raio segue outro e chuva torrencial se derrama, inun- dando a cidade.
Diante disto Hebram, Risa e seus trinta companheiros se escondem debaixo das mesas; Suetal, Ribar, Bael, os doze ex-crimi- nosos, Meus discípulos, exceto Judas Iscariotes, continuam firmes. Os soldados procuram abrigo na casa, nas cabanas de Marcus e no interior das grutas.
Os mais próximos de Mim são: Cirenius, Cornélius, Julius, Fausto, Philopoldo, Kisjonah, Ebahl com Yarah, Raphael e Josoé, o velho Marcus com dois filhos, Mathael e Ouran, Rob, Boz, Micha e Zahr. Helena, esposa de Mathael, refugia-se com a mulher e as filhas de Hermes dentro das tendas; o mensageiro, no entanto, fica ao Meu lado.
Embora nos encontremos desprotegidos, à beira-mar, a nin- guém atinge a violência da saraiva e da chuva: o lugar onde estamos permanece inteiramente seco. Os raios caem tanto na nossa frente como às costas, mas apenas nos conseguem molestar os ouvidos por seu forte estrondo. Eis que a borrasca também começa a agir no mar com tamanho fragor, que as ondas se elevam qual montes aos olhos estarrecidos dos espectadores.
Diz, então, Marcus: “Senhor! Já sou velho e tenho assistido a temporais tremendos na Calábria e Sicília; nunca vi um semelhante a este! Esta saraiva destruirá os campos por vários anos, e a inunda- ção levará a boa terra para o mar. Pobres lavradores! E a coisa ainda não acabou; ao contrário, aumenta cada vez mais! Os que se refu-
giaram debaixo das mesas se afogarão, porquanto estas já estão em frangalhos! Senhor, quanto tempo isto ainda durará?”
Digo Eu: “Nem bem começou e já lhe queres ver o fim?! Verás sua força quando o temporal mudar de direção. Mas não te preocupes! Se não fosse necessário, teria de acalmar com um aceno Meu; é imprescindível para a conservação da terra como os olhos para tua visão — deixemos que se expanda!
Além do mais, os tais amigos da consideração divina deve- rão sentir aquilo cuja falta lastimavam em Minha Presença. Vê só, como espreitam furtivamente pelos orifícios das tendas, e não com- preendem como podemos suportar com tanto prazer a tempestade devastadora. Todavia, não se atrevem a sair; quão diminuta é sua fé!”
Diz Marcus: “É verdade; mas de que viverão os pobres coitados?! Vês que a constante saraiva e a ressaca carregam todo o humo. Milhares de homens e animais são mortos — e os que salvam sua vida serão expostos à fome! Isto é demasiado duro, uma prova- ção penosa pelo açoite mais feroz do mundo!”
181.OCASTIGOQUECAIUSOBRECESAREIA PHILIPPI
Digo Eu: “Sabes, caro Marcus, cada qual fala como enten- de, e isto fazes agora. Afirmo-te: o Senhor custa a usar da vassoura; quando o faz, é para uma limpeza geral! Conheces essa zona? Pois bem, sabes ser ela uma das mais férteis e posse exclusiva de gregos ricos; os pobres judeus têm de trabalhar penosamente, em troca de um miserável pagamento, em benefício desses usurários — e levar-
-lhes todos os frutos para os celeiros. Tais produtos são vendidos pelos gregos para todas as partes do mundo, no que auferem grandes lucros, enquanto os judeus têm de mendigar e pescar no inverno, caso queiram subsistir. A pescaria poderá ser por eles repetida, que o mar continuará rico em peixes!
Teria um judeu, algum dia, recebido um pedaço de pão dum grego? Nunca! Sempre foi preciso atravessar o mar e pedi-lo aos con-
terrâneos. Kisjonah e Ebahl vos poderão atestar quantos milhares de pobres dessa zona se abasteceram com eles de pão, no inverno!
De há muito venho observando tais abusos criminosos; agora a medida se encheu, e Eu castigarei esses usurários inclementes e infiéis de tal forma que jamais se esquecerão!
Examina tua horta e pequena lavoura: não foram prejudica- das pela chuva e a saraiva; observa o restante da zona e constatarás destruição que jamais imaginaste! Por esse castigo os exploradores gregos serão afugentados daqui, pois não será possível colherem nas pedras trigo, grão, cevada, milho, lentilhas e feijões; por isso deixa- rão o solo deserto, emigrando para a Europa.
Mormente este motivo Me levou a permitir que quase toda a cidade fosse transformada em montão de cinzas e escombros, pois quando o homem perde morada e lavoura, em breve abandona o local árido e deserto.
Quanto aos naturais daqui, acharão à beira da praia o solo fértil para o plantio — e a cidade será reconstruída para os judeus verdadeiros — isto, num estilo mais sadio e justo que até então! Cesareia Philippi ainda não conta setenta anos de edificada, pois an- teriormente era apenas um lugarejo sem importância; não mais será denominada cidade, permanecerá como aldeia de pescadores. A os- tentação dos gregos deve desaparecer — enquanto a Glória do Céu será aqui revelada, conforme está acontecendo. Estás, velho Marcus, de acordo com Minha Organização Doméstica?”
Responde ele: “Assim sendo, Senhor, revigora dez vezes mais Teu Açoite! É verdade, não mais era possível se falar a gregos abasta- dos de amor ao próximo, que neles de há muito não havia vestígio! Tudo era preciso ser-lhes pago em prata e ouro, mas no caso de de- sejarem comprar algo nosso, tínhamos de aceitar como pagamento o que lhes conviesse. Oh, como me alegro com a tempestade que bem podia ser mais forte!”
Digo Eu: “Deixa estar, tudo acontece na justa medida!”
Indaga Cirenius: “Esta zona ficará deserta?”
Respondo-lhe: “Não propriamente; mas é preciso que os gregos a deixem. Com esta tempestade serão expulsas, no mínimo, mil famílias das mais abastadas, pois já o previra há muito tempo! Todavia, continuarão súditos de Roma!”
Pergunta Cirenius: “Acaso não é favorável a uma zona ou cidade ter habitantes ricos?”
Digo Eu: “Quando forem como Meus amigos Kisjonah e Ebahl, serão verdadeiros regentes paternais para todos os pobres, e cada país se poderá dizer abençoado se possuir muitos de tal índole.
Esses ricos gregos são verdadeiras sanguessugas do país, jul- gando que os pobres judeus se deveriam considerar felizes por lhes ser permitido partilhar da comida de porcos como pagamento de trabalhos pesados! Para Mim não são mais homens, mas diabos per- feitos, cheios de maldade, pelos quais não sinto pena nem compai- xão, e seu físico é miserável e orgulhoso! Quando a trovoada tiver passado, dentro de uma hora, poderão deitar sua fortuna de prata e ouro sobre as pedras, semeando por cima o trigo — e veremos se nasce uma erva sequer!
Deste modo abati quantidade de moscas perversas de um só golpe: os sacerdotes mistificadores tiveram de fugir e agora os gre- gos usurários farão o mesmo! Seus palácios estão reduzidos a cinzas e os grandes campos, hortas e pastos, completamente inundados. Quando, depois de tudo serenado, inspecionarem seus terrenos e se convencerem de que um futuro reparo seria inútil, começarão a se aprontar para a viagem; em seguida ainda terei meios suficientes para tornar esta zona novamente fértil.”
A tempestade começa a serenar e, embora não mais saraive, a chuva cai com tanta impetuosidade, que a água se eleva a uns dois metros, para depois se precipitar no mar, o qual também parece aumentar de volume, fato que não representa pouco. Casas, chou- panas, árvores e mil e outras coisas são para lá arrastadas. Quanti- dade de galinhas, aves de toda espécie abatidas pela saraiva, suínos, burros, gado, carneiros, cabras e lebres, corças e veados são tragados pelo mar, com que inúmeros espécimens de peixes se refestelarão,
tornando-se produtivos. Serão assim um bom substituto na alimen- tação dos pobres judeus, os quais, de qualquer maneira, pouco te- riam de perder. Os raros abastados entre eles já se haviam tornado egoístas e insensíveis; assim, suas almas não sofrem prejuízo por se dedicarem à pesca e mendicância com os demais.
Como a chuva se torne mais impetuosa, todos que se ha- viam refugiado debaixo das mesas se dirigem, completamente en- charcados, para junto de Mim, admirando-se de Me verem — como todos em Minha Companhia — de roupas secas, bem como do lo- cal, onde não se vê uma gota sobre as ervas.
Após se ter aproximado, Hebram diz: “Senhor, como é pos- sível que com tal dilúvio este lugar e todos vós permanecêsseis secos, enquanto demos a impressão de termos caído no mar e sentimos frio como no inverno?! Aqui nada disto se passa! Como pôde suceder?”
Digo Eu: “Como o constataste! Não te posso responder de modo diferente, pois já devias saber com tudo que viste e assististe Quem e o Que estão aqui! Se o assimilas com tua alma — como Me podes fazer tal pergunta?!
Começastes bem a manhã; a noite, porém, parece tornar-se noite também para vossas almas! Ó Humanidade sumamente cega! Acontece seres iluminada por momentos; a luz, no entanto, não per- dura por não ter sido criada no próprio solo! Em poucos minutos as trevas substituem a aurora psíquica!”
Indaga Hebram: “Senhor, que tencionavas com isto dizer a mim e a meus vinte e nove colegas?”
Digo Eu: “Nada, além de que sois todos peixes cegos num lago turvo! Dizei-Me: o que vos impeliu a vos abrigardes debaixo de mesas e bancos?”
Respondem os encharcados: “Senhor, o medo instintivo, que nos ficou da infância, de tempestades fortes! Neste cego temor esquecemos onde e com Quem estamos; agora reconhecemos nossa tolice e quão ignorantes e pecadores fomos diante de Teu Semblante Santificado! Nada podemos fazer além de Te pedir perdão, Senhor, de corações verdadeiramente contritos!”
Digo Eu: “Já vos perdoei de há muito e nunca abri um livro de débito para alguém em virtude de sua tolice. Cada tolo é culpado de seu próprio prejuízo. Quando, noutra ocasião, não Me tiverdes em vosso meio, lembrai-vos de Meu Nome, numa fé justa e viva, e isto vos protegerá melhor que qualquer tábua frágil!”
Com esta admoestação os trinta se satisfazem e pedem para permanecer neste lugar protegido. Digo Eu: “Mas, isto é claro! Fi- cai e enxugai-vos, pois a chuva ainda continuará por meia hora!” Contentes os fariseus aceitam o convite, conseguindo secarem-se rapidamente.
182.ONAVIOEM PERIGO
Eis que chamo o anjo e lhe digo em voz alta para que todos Me ouçam: “Um grande navio se debate em alto mar, tendo a bor- do vinte passageiros de ambos os sexos, além de oito marujos. No início do temporal a embarcação estava ancorada na outra margem, perto de Genezareth; quando a borrasca mudou de direção e o vento soprou com maior violência, o navio, que ultimava os preparativos da partida, foi arremessado intempestivamente para alto mar. Tanto os passageiros quanto a tripulação tudo fizeram, e se lhes esgotaram as energias na luta contra tamanho risco. Agora correm perigo de serem tragados pelas vagas descomunais; por isto, vai e salva-os — mas não de modo milagroso. Toma dum bote e, como bom prático, socorre o navio e reboca-o até aqui, porquanto seu destino é Cesa- reia Philippi!”
Imediatamente Raphael toma dum barco cheio d’água, es- vazia-o e vai, qual flecha, ao encontro da borrasca, alcançando em poucos instantes a embarcação ameaçada. Quando os passageiros o avistam, caem de joelhos e agradecem a Deus, dizendo: “Oh, este salvador não é um homem comum, é um anjo enviado por Jehovah a fim de nos socorrer!” Raphael, então, indaga proforma: “Para onde quereis ir com este temporal?”
Dizem eles: “Tencionávamos navegar para Cesareia, após a borrasca. Nossa embarcação, porém, foi impelida e não sabemos onde estamos, porquanto a forte chuva nos dificulta a visão. Estare- mos longe da cidade?”
Responde Raphael: “Não muito; no entanto, perder-vos-íeis ao atravessar a baía, por isto trouxe-vos meu auxílio. O navio está fazendo água?”
Dizem os marujos: “Sim, embora não em demasia!” Dentro de alguns instantes a última gota desaparece e a tripulação diz ao amável prático: “Isto é realmente estranho! Enganamo-nos, pois não há uma gota d’água a bordo. Certamente fomos levados a este erro pelo grande pavor. Tudo que o Senhor ordena é milagre: com todo este dilúvio o navio está seco e teu próprio bote nem está úmido!”
Dizem os passageiros à tripulação: “Não faleis tanto! Nisto tudo está a Visível Graça de Deus, pelo que Lhe tributaremos um sacrifício digno! E o jovem prático veio do Céu, porque vede: cho- ve torrencialmente, as vagas nos circundam qual montanhas; nosso navio e o bote, porém, deslizam como sobre um espelho e tudo con- tinua enxuto! Assim também os raios explodem a nosso redor sem nos atingir! Eis uma Graça imerecida!”
Aduzem os marinheiros: “Sim, tendes razão! Com a Bênção do Alto estamos salvos! Já se percebe a margem próxima, e um gran- de número de pessoas está na praia, não obstante a chuva, acenan- do-nos com um amável ‘Sede bem-vindos!’ Ó Deus e Senhor! Quão glorioso e benigno és também na tempestade para com aqueles que Te honraram e louvaram fielmente, ofertando-Te com alegria o tri- buto prescrito. Honra eterna a Teu Santo Nome!” Após estas pala- vras eles navegam devagar em direção à margem, e Eu ordeno em silêncio ao temporal que se acalme inteiramente.
Logo tudo serena como se não tivesse havido manifestação furiosa dos elementos; o navio é atracado e os passageiros desembar- cam, sem conseguirem compreender o que se passa: a superfície do mar é lisa qual espelho e alguns pequenos cirros enfeitam a abóbada
celeste. O Sol já desaparecera atrás das montanhas, despedindo-se por um maravilhoso crepúsculo.
A praia está plenamente seca; os viajantes são bem recebidos por Marcus, que lhes pergunta se desejam tomar alguma coisa, por- quanto a viagem tormentosa os deveria ter extenuado. Em suma, tudo isto age de modo tão especial sobre os viajores, que não perce- bem, de estupefação, o que se passa em seu redor.
183.OSCOMERCIANTESJUDEUSDA PÉRSIA
Após certo tempo de perplexidade, diz um dos recém-vin- dos: “Onde está o prático? Precisamos indagar-lhe da remuneração merecida, pois não foi brincadeira como se expôs ao perigo para nos salvar.”
Nisto a tripulação se aproxima a fim de saber se deve aguar- dar a partida ou voltar à outra margem, que dista em linha reta cinco a seis horas. São, pois, informados de que deveriam esperar até os passageiros haverem resolvido seus negócios em Cesareia Philippi.
Ouvindo isto, Marcus intervém, dizendo: “Amigos, podeis poupar o caminho à cidade, da qual só restam poucas cabanas ju- daicas e um montão de ruínas. Nas últimas horas tornou-se presa merecida do fogo, que ninguém conseguiu dominar. Podeis resolver vossos assuntos aqui em minha casa, onde se acham autoridades ter- renas e espirituais.”
A notícia do incêndio deixa-os bastante desapontados, pois dizem: “Neste caso nada temos a liquidar. Estávamos em relações comerciais com os gregos ali estabelecidos, e estes nos devem todo o fornecimento de mercadorias. Como, agora, reaver nosso dinheiro?
Somos especializados na confecção de seda e pelo de camelo, fornecemos tecidos de lã fina em todas as cores, sedas estampadas para indumentárias do Templo, cuja última remessa vai a um mon- tante de dez mil libras de prata; somos judeus, sujeitos a Jerusalém, e vivemos na Pérsia, onde possuímos grandes fábricas, nada constan- do que nos desabone.
Consideramos as Leis de Moysés mais rigorosamente que os de Jerusalém e sempre fizemos ricas oferendas no Templo; mante- mos uma sinagoga que, em grandiosidade e luxo, não deve muito ao Templo. Somos bons e caridosos para com os pobres de fé judaica e todo o mundo nos sabe cumpridores das Leis mosaicas. Por que Jehovah nos teria castigado tão cruelmente?! Estávamos dispostos a depositar cinquenta por cento no sinédrio e até a fazer caridade aos fiéis daqui com o restante da importância, se nos fosse possível entrar na posse daquilo que nos cabe!”
Diz Marcus: “Meus caros amigos, tal promessa vos será difícil cumprir. Enfim, dirigi-vos ao Prefeito Cirenius, que aqui está com mais três dignitários romanos.”
Dizem os viajores: “Onde se encontra, para que lhe possamos expor nossa miséria? Talvez também se dê um milagre neste caso, já que nosso salvamento pelo jovem prático o foi, evidentemente, e nos deixou o desejo de indenizá-lo à altura. Onde estará ele?”
Diz Marcus: “No pequeno monte à beira-mar, onde também se acham os dignitários. Podeis para lá vos dirigir sem susto. Além desses, encontra-Se ali certa Pessoa usando um manto azul e sem costura que envolve uma veste avermelhada. Seus Cabelos louros e ondulados caem-Lhe por sobre os ombros. Se pudésseis conquistar Sua Amizade, considerar-vos-íeis mui felizes. Nada Lhe é impossí- vel, no entanto será difícil mencionar-Lhe o assunto que vos toca.”
Indagam os outros: “Quem é? Talvez seja parente do Im- perador de Roma ou soberano de algum vasto reino?” Diz Marcus: “Nem isto, nem aquilo; ide, e facilmente descobrireis Quem se acha envolto pelo manto azul!”
184.OSVIAJORESTRAVAMCONHECIMENTOCOMO SENHOR
Com isto, Marcus deixa os judeus persas e vai providenciar a ceia. Entrementes, os outros conjecturam se deveriam, todos, di- rigir-se ao monte, mas resolvem afinal enviar dois dos mais sábios.
Quando nos alcançam, curvam-se respeitosos e se encaminham para Raphael, ao qual pedem determinar o preço do auxílio dado.
Ele, porém, afirma: “Sou apenas um servo do Senhor que me provê de forças; por tal razão não aceito recompensa, pois esta cabe unicamente a Ele!” Indagam os outros: “Quem é teu feliz senhor?” Apontando-Me, diz Raphael: “Ei-Lo; perguntai-Lhe e vos dirá o que Lhe deveis!”
Ambos se curvam diante do anjo e, em seguida, encami- nham-se para Mim, jogando-se, de acordo com o hábito persa, com as faces à terra, e assim deitados, dizem: “Senhor, cuja face luminosa não nos atrevemos a fitar! Enviaste-nos teu prático ousado e des- temido na maior aflição. Sendo ricos, nunca ficamos devendo um favor; este, então, muito menos! Qual é nosso débito para contigo, que nos salvaste da morte?”
Digo Eu: “Em primeiro lugar, levantai-vos como de uso em nosso meio; não somos dignitários vaidosos e orgulhosos do escravi- zado reino persa. Só então poderemos trocar umas palavrinhas refe- rentes à taxa de salvamento.”
Ambos assim fazem e aguardam Minha Determinação. Pros- sigo, pois: “Sei de vossa procedência e a razão da viagem; sei que sois tão ricos em ouro, prata e pedras preciosas como poucos judeus em Jerusalém; que pagaríeis tanto quanto é o crédito que tendes nesta cidade arrasada com os comerciantes gregos — importância esta que jamais cairá em vossas mãos.
Assim, o preço que vos poderia exigir — como persas e ir- mãos em fé — equivaleria ao prejuízo havido com esses comercian- tes que ora procuram abrigo em choupanas de palha. Que resultaria daí? Iríeis lá receber para aqui depositar, e em seguida voltaríeis à pátria conforme viestes.
Todavia, nada vos peço pelo salvamento, e ainda vos assegu- ro: tanto a estada aqui, a travessia e a volta para Genezareth não vos custará uma dracma. (O navio era posse de Ebahl, bem como lhe era sujeita a tripulação.) Estais satisfeitos?”
Respondem os dois: “Senhor, que ainda estás na flor da ida- de, mas pleno de sabedoria salomônica — era nossa intenção dividir essa importância igualmente entre o Templo e os pobres judeus des- ta zona, caso os comerciantes nos pagassem a vultosa soma.
Já que sofreram golpe tão forte, nosso prejuízo nada repre- senta, e nos prontificamos a socorrê-los com o dobro, sem resgate e juros, ofertando-te, além disto, as mencionadas dez mil libras pela ajuda prestada. Somos mui ricos e não seria possível transportar para aqui nossa fortuna em cem mil camelos, mesmo se cada um carre- gasse quatro mil moedas. Além disto, possuímos vastos terrenos e numeroso gado. Exige, portanto, o que quiseres e teremos prazer em satisfazer-te, pois em Jerusalém ainda temos grandes somas a rece- ber. Dar-te-emos o dinheiro ou uma ordem de pagamento.
Sabemos ser a abastança uma dádiva que Deus bem poderá proporcionar ao homem um dia e tirá-la no outro. Somos apenas os administradores e Ele o Senhor, Deus de Abraham, Isaac e Jacob. Por aí poderás deduzir com quem estás lidando; ordena, que cum- priremos tuas ordens.”
Digo Eu: “Persisto naquilo que determinei! Conheço-vos e vossa situação financeira; portanto, fazeis o suficiente cumprin- do o que exigi, e se quiserdes fazer mais aos pobres, ninguém vos impedirá. Aqui, porém, pode-se conseguir algo de valor infinita- mente mais elevado que todos os vossos tesouros. Mais tarde tra- taremos disto.”
Dizem os dois: “Pareces um sábio estranho, para quem os bens espirituais valem mais que todo o ouro terreno, não sendo tam- bém amigo declarado de caridade excessiva! Em tudo isto tens plena razão, pois os tesouros do espírito duram eternamente, enquanto os da Terra se findam com a morte. Assim, sábio senhor, dá-nos os te- souros da sabedoria, que nos serão mais agradáveis que toda a nossa fortuna. — Agora iremos informar os irmãos de tudo que ouvimos!”
Digo Eu: “Sim, ide e trazei-os, pois sois apenas vinte — sem a tripulação — e vos podeis aqui acomodar.”
Aduzem eles: “Sim, terás espaço; resta saber, entretanto, se também terás a bondade de nos transmitir alguns sábios ensinamen- tos. Em nossa pátria a sabedoria se torna cada vez mais rara, pois em seu lugar se estende mais e mais a magia dos sacerdotes pagãos, que certamente acabará com o saber dos judeus lá estabelecidos — mormente se os servos dominadores e egoístas da casta sacerdotal receberem poder do rei, que assediam de toda forma.
Até então pudemos lhes fazer frente em virtude de nossa riqueza; eles, no entanto, também sabem como açambarcar tesou- ros, prestando ajuda financeira ao rei sempre que necessário. Assim, acontecerá talvez que darão fim à tolerância do soberano bem in- tencionado. Mais tarde entraremos em pormenores; urge agora que falemos aos outros.” — Retiram-se após, e transmitem a seu grupo tudo que havíamos falado.
185.BÊNÇÃOEMALDIÇÃODA RIQUEZA
Cirenius, então, Me diz: “Senhor e Mestre, realmente, jamais vi criaturas tão generosas e benévolas; tenho de protegê-las contra a usurpação dos sacerdotes — custe o que custar! O rei da Pérsia, sendo também vassalo de Roma, está sob meu comando, e esses velhacos hão de haver-se comigo! E Tu, Senhor, deverias cumulá-los duma Graça especial, bem merecida.”
Digo Eu: “Por certo, do contrário não os teria salvo, por Meu anjo, da morte certa. Quando determino algo de milagroso, sem- pre haverá motivo concludente! Grandes fortunas em mãos de tais pessoas é uma verdadeira bênção do Céu para o país; se, além disto, ainda possuem saber mais profundo, podem até fazer milagres para o bem da Humanidade.
Riqueza em mãos de usurários é maldição do inferno para todo um reinado, pois trata ele apenas de tudo açambarcar à custa alheia! Não se compadece com a miséria, aflição e lágrimas de pobres viúvas e órfãos! Diante do olhar glacial do avarento, milhares podem enfrentar a morte por inanição, pois jamais a procurará evitar!
Por isto vos asseguro: mais fácil é a prostituta, a adúltera, o ladrão e o assaltante entrarem no Reino do Céu do que a alma dum usurário; é ele incorrigível, e ótimo material aproveitado por Sata- nás na construção dum núcleo infernal! É mais ainda: verdadeiro engenho satânico erigido para a destruição da Humanidade, que permanecerá, eternamente, posse plena do inferno!
Dá-lhe coroa, cetro, espada e exército poderoso — e terás um diabo como regente tirânico, sem piedade da última gota de sangue de seus súditos! Antes fará estrangular todo e qualquer devedor de apenas uma dracma! Por isto, seja amaldiçoado por Mim todo ava- rento e usurário!
Aqueles que se tenham tornado ricos pelo próprio esforço e através da Influência da Graça Celeste representam um fruto bom e nobre da terra. Colhem constantemente para os fracos e pobres, constroem moradas para os desabrigados e tecem roupas para os irmãos desnudos. Eis por que seu mérito será grande no Além, pois já trazem em vida o Céu mais elevado e maravilhoso dentro de si!
Quando a alma um dia deixar o corpo, projetar-se-á de seu coração o Céu e ela permanecerá no centro, qual Sol na aurora espe- lha claridade e brilha no ponto central da própria luz projetada, que tudo cria e vivifica.
Outras pessoas, cuja caridade não alcance este nível, serão fe- lizes apenas como os planetas, que se alegram dos raios acolhedores do Sol, mantendo, entretanto, uma face noturna.
Meu caro Cirenius, ser rico nesta Terra e gastar apenas o im- prescindível para seu sustento, isto é: ser desprendido para consigo mesmo, a fim de poder aplicar a maior generosidade ao próximo
eis a mais elevada Semelhança com Deus, em vida! Quanto mais pronunciada for essa verdadeira e única Igualdade, tanto mais inten- sas serão as bênçãos e graças emanadas do Alto!
Tal criatura é qual Sol: quanto mais luz irradia por sobre a terra, tanto maior é seu brilho; e quando, no inverno, mais econô- mica se torna com sua projeção luminosa — mesmo aparente —
também menos brilho apresentará, embora aparentemente! Quem muito dá com amor e alegria, muito receberá em troca!
É o mesmo que depositares uma forte luz no centro dum quarto: ela será refletida em todas as paredes, voltando ao ponto central que envolve de uma glória potente, tornando-se a luz pri- mária mais forte, fulgurante e ativa. Ao passo que, se colocares uma lamparina no centro dum recinto, o reflexo das paredes ligeiramen- te aclaradas é mui fraco, nada se podendo perceber da glória da luz original.
Por isto aconselho-vos, que sois providos de bens materiais: sede generosos como o Sol é liberal com sua luz — e a ele vos asse- melhareis e bons frutos colhereis! Impossível seria se, depositando uma boa semente em solo fértil, ele não te retribuísse colheita cen- tuplicada. Boas obras dum coração bondoso representam a melhor semeadura, e a Humanidade, o solo mais fecundo; nunca deixeis que ele permaneça sem cultivo! Semeai fartamente e obtereis uma safra abundante na Terra, e no Além, mil vezes mais, do que sou Testemunha fiel!”
186.BASEDAÍNDOLE HUMANA
(O Senhor): “Certamente haverá quem diga e julgue da se- guinte maneira: ‘Sim, não deixa de ser louvável pregar-se a virtude da generosidade e classificar a avareza como vício desprezível; quem, entretanto, é responsável por uma criatura sentir forte tendência para a generosidade excessiva, enquanto outra defende, como base vital, a avareza declarada?! É a manifestação externa do sentimento mais íntimo, de onde surge uma sensação de felicidade, que cada qual guarda para si. A primeira se entristece quando não possui aquilo que poderia constituir a alegria do próximo — a outra, por não ganhar o que deseja, ou que, talvez, ainda venha a perder! Isto tudo deveria se basear em a Natureza humana e, no fundo, não pode haver vício ou virtude verdadeira. Para o avarento a generosidade é um vício, e para o generoso a avareza é defeito. Poderia, acaso, ter a
água algum mérito por sua natureza maleável e branda, e a pedra ser responsável por sua dureza?! Ambas têm de ser o que são.’
Em parte, é justo: a natureza do liberal o leva à caridade, en- quanto a do avarento faz o contrário. Realmente, a situação é esta: Toda criatura nasce com tendência para o egoísmo e a avareza, e sua alma contém, muitas vezes, o elemento mais animalizado, mor- mente naquelas provindas da Terra e não do Alto. Todavia, mesmo as que procederem dos astros não são completamente livres de tais elementos.
Se tal criança é educada de acordo com seus elementos ani- mais e egoísticos, pouco a pouco transforma-os numa base indispen- sável à vida, isto é: torna-se-lhe seu amor! Com esta inclinação ani- mal, a criatura é apenas humana pela forma, a capacidade de falar, pela construção ordenada do cérebro, do conhecimento equilibrado, que, entretanto, é instigado sucessivamente pelos elementos animais a uma ação desprezível. Apenas reconhece de bom e venturoso o que lhe advém daquela esfera.
Aquele que afirma, de modo geral, não existir virtude nem tampouco vício, e que seria injusto condenar a avareza perante a ge- nerosidade, receba este Meu Ensinamento, considerando-o a fundo!
Se um jardineiro planta duas árvores frutíferas e lhes dedica o cuidado necessário — ser-lhe-á indiferente que uma dê frutos, e a outra, da mesma espécie e plantada no mesmo solo, alimentada pela mesma chuva, orvalho, éter e luz, não produza nem mesmo a folha- gem suficiente para uma sombra acolhedora? Ele dirá: ‘Esta árvore é doentia e de má índole, pois absorve todos os humores em benefício exclusivo; vejamos se não é possível ajudá-la!’ Experimentará todos os meios conhecidos de longa prática, e caso não surtam efeito, ex- trairá o vegetal inútil, replantando um novo.
Por tal motivo, um homem avarento e egoísta é uma criatura completamente corrupta, e não produzirá frutos de caridade, por- quanto absorve toda a manifestação de amor apenas em seu próprio benefício. Em compensação, um homem liberal já se acha na justa ordem de sua vida, por produzi-los com fartura.
Uma árvore, todavia, não é responsável por sua produção farta ou negativa, pois não se forma independentemente; é criada pelos elementos que surgem em seu organismo através do reino da Natureza, pela força e inteligência mui simples e restritas que neles habitam. O homem, no entanto, é capaz de formar a si próprio e transformar-se numa árvore portadora de abundantes frutos de amor, pela inteligência ilimitada de sua alma.
Fazendo-o, para o que dispõe de todos os meios, torna-se homem justo na Ordem Eterna e Verdadeira de Deus; agindo in- versamente, permanecerá um animal sem vida de amor, portanto também impossibilitado de transmiti-la ao semelhante por obras de caridade.
Por tal motivo, esses judeus da Pérsia são criaturas perfeita- mente equilibradas, sendo fácil guiá-las à sabedoria mais elevada. Quando uma lâmpada está repleta de óleo e transborda, e também possui um pavio sólido e bem posto, basta acendê-lo para que a lâmpada tudo ilumine a seu redor. E esses persas — alguns, ali- ás, acompanhados de suas esposas — são como lâmpadas cheias de óleo, pouco precisando para se tornarem plenos de luz.”
Diz Cirenius: “Senhor, eis um ensinamento muitíssimo ele- vado, que deveria ser anotado para uso posterior.”
Digo Eu: “Fazes bem em te preocupares com isso, motivo por que já tratei que o mais importante se ache escrito em teus pa- piros. Tais anotações têm o mesmo efeito que uma seta indicadora para o viajor nas estradas e atalhos deste mundo. Todavia, aquilo que for útil a cada um e lhe dê sabedoria, força e vida, acha-se escrito em seu coração de modo indelével. Tal escrita da eterna justiça da vida e suas relações internas e externas é lida automaticamente em todas as ações contrárias à Ordem Divina, animando a alma a voltar para lá.
Quem seguir essa voz íntima sempre estará no caminho cer- to; não o fazendo, isto é, seguindo à paixão desenfreada da carne, terá de agradecer a si mesmo quando for devorado pela própria con- denação. — Agora vejo que os persas se encaminham para cá; vamos recebê-los com prazer!”
Enquanto palestro com Cirenius, os persas conjecturam acerca do mistério de Minha Pessoa. Uns opinam ser Eu profeta; ou- tros, um sábio que tivesse cursado todas as escolas do Egito, Grécia e Jerusalém; alguns há que presumem ser Eu um príncipe de Roma, conhecedor de todos os assuntos governamentais e de vasto saber. Destarte seria preciso muito cuidado Comigo, pois do contrário o próprio Cirenius, Prefeito de toda a Ásia, não adotaria atitude hu- milde. Finalmente, um deles objeta: “Seja como for, é um homem excepcional e nos poderá ensinar muita coisa de que, no momento, mais carecemos!” Todos concordam e se encaminham para o monte, embora já comece a anoitecer.
Ao mesmo tempo aproxima-se o velho Marcus e pede orien- tação quanto à ceia, às mesas quebradas pela saraiva e que providên- cias tomar contra a forte umidade reinante.
Aponto-lhe os persas e digo: “Eis um manjar farto e suma- mente saboroso; devem ser consumidos pelo Meu Amor ainda antes da ceia! Até lá acharás tempo para organizar tudo; as mesas, apenas algumas sofreram avarias e poderão ser consertadas. Manda fazer luz para que não caminhem no escuro.” Satisfeito, Marcus volta aos afazeres.
Os persas de Mim se aproximam, curvam-se até ao solo, de acordo com seu uso, levantando-se em seguida. Um dos dois que já Me haviam falado toma da palavra: “Senhor, grande amigo dos homens de boa vontade — aqui estamos! Conheces o motivo que nos trouxe a esta zona. Entretanto, consideramo-lo como milagrosa determinação do Alto, dizendo como Job: ‘Senhor, Céu e Terra, ar e água, tudo é Teu! Tu dás e tomas, quando e como Te agrada: ao mendigo podes facultar coroa e cetro, e fazer curvar a cabeça dos reis no pó da completa nulidade!’ Eis por que nada nos faz sofrer, pois o homem compenetrado fielmente da Vontade Poderosa de Deus jamais se entristece, a não ser que tenha pecado diante da Face do Onisciente. Assim, também não lastimamos nosso considerável pre-
juízo, pois se a Vontade do Supremo não estivesse soberana em tão espetacular acontecimento, estaríamos agora de posse de nosso di- nheiro, conforme antes se dava, ano por ano. Com alegria ofertamos essa bagatela e faríamos maiores sacrifícios se o Onipotente o exigis- se, pois Ele unicamente é o Senhor, e nós Seus servos obedientes.
Assim, nós O amamos e tememos, e se algum dia nos fez passar vergonha diante dos homens, teve Seu justo motivo para tan- to! Com muita facilidade e levianamente o homem peca diante de Deus, prejudicando sua alma; eis que então Ele vem com o bom açoite e ajuda a criatura a volver ao bom caminho!
Disto, senhor e amigo, deduzirás não O havermos esquecido! És possivelmente um pagão sábio e entendido no poder da Natu- reza; nós, no entanto, aceitamos apenas um Poder, que está com Deus. Além disto, não admitimos outra doutrina. Se, portanto, pre- tendes nos transmitir sabedoria acertada, não esqueças que somos professantes conscientes da Doutrina de Moysés! Passando daí, nada aceitamos, ainda que mui sábio! Preferimos ser considerados tolos diante do mundo intelectual, que pecadores perante Deus!”
Digo-lhes: “Muito bem, achai-vos no caminho justo! Toda- via, existem passagens em Moysés e noutros profetas que, por certo, não compreendeis. Quero, pois, esclarecer-vos, para que venhais a saber, todos vós, o que ora se passa!
Quando Elias se achava oculto numa caverna, o espírito lhe anunciou que ele deveria ali permanecer até que Jehovah houvesse passado. E Elias postou-se na entrada, à espreita. Eis que se fez sentir um vento forte, soprando com tanta violência que fez estremecer a montanha, e o profeta julgou que Deus houvesse passado. O espíri- to, porém, disse: Jehovah não Se acha na tempestade!
E Elias continuou a espreitar. De repente, um fogo podero- so por ali passou com estrondo ensurdecedor, e as paredes ficaram transparentes pelo calor intenso. E o profeta acreditou que então Deus houvesse passado. Mas o espírito de novo lhe disse: Tampouco neste fogo Ele Se achava! E Elias deduziu: Portanto, o Amor de Jeho- vah não Se acha manifesto na tempestade, nem no poder do fogo!
Enquanto assim meditava, um sussurro delicado e suave passou à frente da caverna, e o espírito lhe disse: ‘Elias, justamente agora seguiu Jehovah no sussurro delicado, e que te sirva de prova! Podes deixar a caverna onde tinhas de esperar por tua libertação!’ E o profeta de lá saiu alegre, estando livre o caminho para a pátria (1Reis 19, 9–15). — Julgando-vos tão firmes na Escritura, explicai-
-Me esse quadro singular!”
188.OSENHOREXPLICAUMTEXTODA ESCRITURA
A esta Minha Pergunta e precedente explanação, todos arre- galam os olhos, sem saberem o que dizer, pois quanto mais refletem mais confusos se tornam. Um daqueles dois observa após algum tempo: “Elevado e sábio amigo! Pareces ser entendido na Escritura, embora romano ou grego, e tua explicação sobre o profeta Elias foi bem clara; todavia, até hoje ninguém a entendeu. Seria realmente estranho sermos esclarecidos por um pagão, mas pedimos-te que o faças, pois já de certa feita, um sábio gentio do Oriente me aclarou algumas dúvidas em Isaías. E aqui se parece repetir tal fato.”
Digo Eu: “Atender-vos-ei! Antes de mais nada, devo escla- recer-vos não ser Eu pagão, mas judeu de nascimento; entretanto, também sou tudo com todos, a fim de conquistá-los para o Reino da Luz e da Verdade Eterna. Quem tem ouvidos, que ouça, e quem tem olhos, que veja!
Elias representa a alma pura do homem; a caverna na qual se ocultava é o mundo e, mais propriamente, sua carne e sangue. O espírito que fala a Elias, ou melhor, à alma humana, é o Espírito de Deus, com o qual ela se deve unir. Isto, porém, ainda não é possível, porquanto Jehovah ainda não passou diante da caverna da carne, ou seja, a do mundo.
A tempestade representa a época de Adam a Noé; o fogo, o transcurso de Noé até o momento atual.
A era do sussurro delicado, que está precisamente diante de nós, dará plena libertação espiritual e verdadeira a toda alma de boa
vontade, e — guardai bem — igualmente estais na iminência de receberdes a liberdade conferida a Elias!
O navio que vos trouxe foi qual dita caverna: encontrava-se, no início, sob o poder da tempestade, que vos fez passar grandes aflições e pavor, e quando fostes por ela impelida ao cimo do mar, revolto, um fogo de mil raios projetou-se sobre vosso pequeno mun- do de tábuas soltas. Jehovah, porém, não Se achava no fogo, embora vos trouxesse salvamento e conservação com Seu Braço! (O anjo). Agora encontrai-vos precisamente na situação em que o sussurro delicado vos bafeja; quem estará diante e próximo de vós neste sus- surro delicado?!”
Os persas se admiram profundamente e um deles diz: “Es- tranho! Eis um quadro perfeitamente idêntico ao de Elias! Nosso salvamento foi deveras milagroso, e neste monte sinto o tal sussur- ro peculiar e misterioso mencionado pelo espírito ao profeta, onde Jehovah estaria Presente! — Que me dizeis a isto, meus irmãos?”
Respondem em uníssono: “Sentimos o mesmo que tu, sem todavia chegarmos à real compreensão. Deixemos, pois, que este ho- mem sábio fale por nós!”
Diz o outro: “Sim, seria melhor; no entanto, não podemos exigir isto ou aquilo numa assembleia formada pelos maiorais de Roma. Compete-nos pedir licença para tanto.”
Digo Eu: “Amigo, isto não é preciso. Tal uso persa é inú- til em nosso meio! Diante de Deus, Meu amigo, uma humildade que rebaixa a alma é tão tola como qualquer outra praticada entre a raça pagã — quanto mais uma exagerada diante de seu próximo. Tal expressão de humildade rastejante entre duas criaturas prejudica a ambas: a uma porque geralmente simula, fazendo com que a outra se torne orgulhosa, e a esta, pelo fato de cair realmente no erro.
Apenas a humildade surgida do amor puro é justa e verda- deira, pois respeita e ama o próximo como irmão sem elevar-se, tam- pouco o torna um ídolo, diante do qual se deva ajoelhar e adorar.
Tudo que quiseres ou desejares, pede-o como homem ao homem, como irmão ao irmão; jamais alguém deve rastejar-se no pó
perante o próximo. O que Deus não exige da criatura, muito menos esta deve exigir de seu semelhante! Eis justa sabedoria na Ordem Plena de Deus; guardai-a e segui-a, que vos tornareis agradáveis a Deus e aos homens.
Agora mudemos de assunto. A fim de que possais reco- nhecer mais profundamente o sussurro delicado diante da ca- verna do profeta, dar-vos-ei outro problema, já que sois judeus verdadeiros.”
189.AINDAGAÇÃODOSENHORQUANTOAO MESSIAS
(O Senhor): “Qual vossa opinião a respeito do Messias Pro- metido, o Qual, de acordo com as predições de todos os profetas, deveria vir nesta época para salvação dos judeus? Ligais alguma importância a tal fato, como criaturas inteligentes, ou, como tan- tas, julgai-o inócuo para o raciocínio humano, em virtude de seu teor místico?”
Diz um deles: “Prezado amigo, eis um assunto delicado! Ambas as interpretações são arriscadas, porquanto não o considerar seria audacioso por parte dum judeu verdadeiro — e tomá-lo a sé- rio, o mesmo que abrir portas à mais profunda mistificação. Prefiro entregar tal decisão a sábios mais eruditos, embora meu simples ra- ciocínio me diga ser a ausência de fé preferível à superstição.
O primeiro estado se assemelha a uma criança recém-nascida ou a um campo no qual nunca se tenha lançado uma semente. Por uma boa educação, pode a criança se tornar um homem sábio, e um campo sem cultivo pode ser aproveitado para produzir vários frutos. Uma vez, porém, invadido pela erva daninha, e um adoles- cente instruído em toda sorte de tolices, nada feito ou, em melhor hipótese, conseguir-se-á algum efeito com muita dificuldade. Todo lavrador sabe o quanto custa limpar um campo invadido pelo mato. Eis, amigo, minha opinião.
No que diz respeito ao Messias Prometido, não temos ideia formada; se, todavia, algum sábio entendido na Escritura nos qui-
sesse esclarecer, ser-lhe-íamos muito gratos. Tu mesmo, se souberes algo de conciso, transmite-o!”
“Julgaste bem!”, digo Eu, “a ausência de fé sempre é melhor que a superstição tenebrosa; entretanto, também possui disparida- des perniciosas que, se endurecidas, são tão difíceis de curar como difícil se torna a limpeza dum campo. Um terreno cheio de matagal ainda demonstra ter solo fértil, do contrário nem isto produziria, como se dá com um completamente estéril.
Sabes, quando o intelecto mundano é matematicamente deter- minado e firma sua base na criatura, bem árduo se torna aplicar a fé
por mais elevada e sábia que seja — em algo puramente espiritual. Tal homem intelectual exige, finalmente, prova matemática para tudo, e das coisas que não pode ver e medir não quer tomar conhecimento. Julga tu mesmo se poderias aceitar algo de puramente espiritual?”
Responde o judeu persa: “Tens plena razão, nobre amigo; entretanto, pode-se também afirmar existirem poucos homens dessa índole, e algumas andorinhas ainda não fazem verão. Além disto, são os intelectuais mais acessíveis à verdade que todos os adeptos da superstição, mormente quando lhes fornece esta o sustento material. Nesse caso nada há que fazer, porquanto perseguem todos que se lhes antepõem, com fogo e espada! Isto deparamos na casta sacer- dotal, que usa de todos os meios para proteger o livre curso de suas fraudes escabrosas.
Em absoluto quero garantir acreditarem os sacerdotes naqui- lo que obrigam os outros a aceitar, pois seu móvel é o conforto, ouro, prata e pedras preciosas. A Humanidade frequentemente cega aceita-os, e isto, num fanatismo revoltante e cruel.
Diante dessas aberrações no campo da superstição, mil vezes preferível é um intelectual enraizado. Ao menos é amigo duma ver- dade real, enquanto o outro rejeita toda e qualquer manifestação so- bre o assunto. Um amigo da verdade é acessível dum modo razoável, enquanto o supersticioso não aceita sugestões lógicas.
É fato sabido que pessoas de raciocínio calculista dificil- mente são levadas à fé absoluta; se, porém, tal coisa for alcançada,
mesmo aceitando algo como hipótese, tudo farão para prová-la de modo matemático. Acaso um supersticioso faria isto?! Para ele, de- trito e ouro são idênticos, e eu persisto em afirmar que fé alguma seja melhor que aquilo que se crê em nossa pátria.
Informaram-nos, contudo, não divergirem muito os nossos sacerdotes dos de Jerusalém. A tal maravilhosa Arca da Aliança é uma simples fraude, pois bem sabemos quando e onde foi constru- ída, isto é — nos confins da Pérsia, para que não fosse denunciada. Isto, porém, não adiantou muito: tiveram de pagar pelo silêncio, aos artistas marceneiros, dez vezes mais que o próprio valor da Arca, o que não os impediu de comentarem a novidade com os nativos e mesmo conosco, judeus. Por tal razão, prezado amigo, consideramos fielmente a Doutrina de Moysés, embora também lhe reconheçamos certas coisas inteiramente ilógicas. Como ninguém consiga inter- pretá-las, também não se dão ao trabalho de meditar. No que diz respeito à lei e à moral, é insuperavelmente sábia. Denominamos esta parte da Doutrina como divina; o resto não nos toca, mormente a parte profética, incompreensível.
Tua explanação sobre o texto de Elias é acertada e sublime; mas o que a respeito dizem os outros profetas é sumamente místico. Requer explicações concisas e fé equilibrada. Esta, felizmente, não mais existe em nossa pátria. Preferimos pouca ou nenhuma fé em coisas extravagantes — enquanto a em Deus Verdadeiro que falou por Moysés a Seus filhos é mantida com fidelidade.
Além do mais, devemos muito a Platon, cujos axiomas apreciamos. Moysés é prático e delineia o caminho com traços mar- cantes. Platon é apenas espírito e alma, e demonstra a ambos sua própria índole. Todos em conjunto: Moysés, Platon, Sócrates e al- guns profetas, bem interpretados, denominamos o próprio Messias que virá do Alto, donde emana toda luz à Terra, às criaturas de boa vontade. Demonstrei com isto, prezado e sábio amigo, nossa verda- deira índole; cabe a ti orientar-nos sobre algo melhor, caso te seja possível. Qual seria, por exemplo, teu parecer quanto aos profetas e ao Messias Prometido?”
190.DIFICULDADESNACONVERSÃODOS PERSAS
Digo Eu: “Não chegou a vossa pátria a notícia de ter nascido duma virgem, há trinta anos, em Bethlehem, a velha cidade de Da- vid, um Rei dos judeus, numa estrebaria?
Três sábios do Oriente depararam com uma grande estrela e indagaram a seus próprios espíritos a significação. E eles lhes orde- naram que lhe seguissem o rastro, pois conduzi-los-ia ao recém-nas- cido Rei dos Judeus, o qual iria construir um Reino na Terra que jamais teria fim.
Eis que os sábios apanharam ouro, incenso e mirra, monta- ram seus animais e, acompanhados de grande e suntuoso séquito, seguiram a trajetória do astro até alcançarem o lugar do Nascimento. Na pesquisa pelo recém-nascido chegaram até Herodes, o qual, não lhes podendo informar, sugeriu a volta a Bethlehem, onde a estrela quedava fixa. Recomendou-lhe ainda uma busca mais intensa, pe- dindo ao mesmo tempo orientá-lo do possível êxito para que pudes- se render ao Mencionado as devidas homenagens.
Quando, mais tarde, encontraram-No e Lhe ofertaram seus presentes, um espírito celeste lhes preveniu que não comunicassem a descoberta a Herodes, motivo por que voltaram à pátria por outro caminho. Dizei-Me o que sabeis a respeito.”
Diz um dos persas: “Estás nos lembrando um fato que foi di- vulgado em toda a Pérsia e até na Índia, pois os três sábios — como os há nas fronteiras hindus — fizeram tanto alarde, que o próprio rei se tornou ciente do ocorrido, sem contudo ligar-lhe importân- cia. Sabia da tendência dos magos em fazerem um elefante dum mosquito. Tais fatos não nos impressionam muito, porquanto nos meios mais cultos já se está bem informado sobre eles. Pode a pessoa assistir a magias bem apresentadas quando se sentir disposta, achan- do até graça numa situação cômica — em síntese, nada de valioso representam.
De nossa parte, apenas consideramos verdades matemati- camente comprováveis; é bem possível que o fanatismo contenha
algumas, tão ocultas no misticismo que é difícil ao raciocínio huma- no descobri-las. Tu, nobre amigo, compreenderás ser mais razoável dirigir a atenção exclusivamente à verdade pura, que homenagear um culto místico.”
Diz Cirenius, virando-se para Mim: “Senhor, parece-me im- praticável a conquista dessas pessoas honestas, porquanto são contra tudo que se classifica de fé. Além disto, são inimigas de qualquer milagre, recurso de que lanças mão em casos extremos como prova irrefutável de Tua Divindade.
Não os poderás convencer através duma atitude milagrosa para não lhes despertar a completa rejeição. De igual modo, as expli- cações dos profetas concernentes a Ti não terão efeito, por não lhes darem crédito. Assim, não vejo outra saída.”
Digo Eu, em surdina: “Deixa isto por Minha conta; por que não deveria poder conquistá-los se tive pleno êxito com Mathael e Floran? O mais teimoso de todos foi Stahar, que também já se equilibrou na Ordem — muito mais fácil, pois, levar essas criaturas honestas ao caminho justo.”
Replica Cirenius: “Não duvido, pois todas as coisas Te são possíveis, mas para minha compreensão humana não vejo pos- sibilidade.”
Digo-lhe: “É preciso que se lhes dê ocasião de se externarem completamente; só depois de terem demonstrado o que lhes vai no íntimo poder-se-á depositar um fruto novo no jardim purificado de seu coração.”
Enquanto trocamos estas palavras, os persas também cochi- cham e o principal orador, chamado Schabbi, diz aos colegas: “Te- nho a impressão de estar pisando em brasas! Os romanos, espertos, certamente tiveram conhecimento da predita vinda do Messias e pesquisam todos os cantos da Terra a fim de prendê-Lo, pois que pre- tende fundar um Reino indestrutível, sem considerar os potentados. Por isso — muita cautela para não cairmos na armadilha romana!
O homem que se dirigiu a Cirenius deve ser um perito de Roma. Bastaria que manifestássemos fé no Messias — e estaríamos
perdidos! Tal examinador é instruído em todas as Escrituras e nos quer armar uma cilada; isto não lhe será possível porque também somos espertos. Manteremos nossa firme opinião para salvar a pele!” Todos concordam com Schabbi e lhe prometem não denunciar com uma sílaba sequer o que pensam do Messias.
Eis que deles Me aproximo e digo: “Schabbi, por que ali- mentas pensamentos maldosos em teu coração, contra Mim e os inocentes romanos? Julgas não ter Eu percebido o que combinaste em segredo com teus colegas? Nenhuma sílaba Me escapou, pois Aquele que viu e soube do grande perigo que enfrentáveis — do contrário não poderia ter enviado auxílio — vê também o fundo de vossos corações. Se Ele tem boas e sinceras pretensões para convos- co, por que não confiais Nele?”
Responde Schabbi: “És inteligente e sábio; poderíamos, porém, lucrar algo com isto? Entre nós ninguém é ignorante e co- nhecemos tuas intenções: os maiorais romanos a teu lado, o destaca- mento militar não longe daqui, por certo destinado a nos prender... Podes desistir duma busca, porquanto nada irás encontrar!”
Vira-se Cirenius novamente para Mim: “Que homens estranhos! Agora até recorrem à simulação. Que fazer com eles? Têm conceito formado contra nós, de sorte que se torna difícil contestá-los.”
Digo-lhe: “Não é bem isto; acham-se mais perto do destino que antes. Desde início usaram tal precaução em virtude de vossa presença. De algum tempo para cá, divulga-se o seguinte: o Messias apareceu em verdade na Judeia, operando grandes milagres; cientes disto, os romanos O perseguem, não só Lhe fazendo caça, como a todos que manifestam um vislumbre de fé neste fato. Eis a causa da simulação, que em breve dominaremos.”
191.DISCURSODEADVERTÊNCIADE SCHABBI
Não obstante integrado da situação com os persas, Cirenius não compreende quem teria divulgado essa infâmia entre eles. Di- go-lhe: “Acaso o Templo não Me considera, há nove meses, como agitador?! Vai até lá e informa-te. Dali surgem todos os boatos fal- sos e maus sobre Minha Pessoa, Minha Atitude e também sobre vós, romanos, sabendo-se que não sois contra Mim. O próprio João Baptista ainda estaria vivo se o Templo não o tivesse intrigado com a bonita Herodíades.
Tudo é engendrado pelo sinédrio e seus braços abrangem a Terra distante; todavia, ser-lhe-ão cortados em breve. Assim andam as coisas: será difícil tratar com essas pessoas, porém não inútil. De- vem receber a verdadeira luz, do contrário Eu, Minha Doutrina e vós sofreríamos uma decepção.
Certamente começas a compreender o motivo por que salvei esses persas da morte certa: a fim de lhes conservar a vida física, não seria preciso mandar um anjo para a salvação. Como exercem grande influência em seu vasto país e seu grande povo, tinha de sal- vá-los, porquanto sem eles não teria meios adequados para livrar os habitantes dos falsos conceitos.”
Diz Cirenius: “Todo louvor se deve, Senhor, unicamente a Ti! Compreendo perfeitamente que podemos e devemos aguardar pleno êxito.”
Nesse ínterim, os persas conjecturam de modo diverso, e Schabbi diz aos outros: “Vede só, como os dois falam em segredo sobre a maneira possível de prender-nos. Urge que tenhamos caute- la, porquanto sua tática agora será mais ostensiva. O tal examinador quis me assustar com a afirmação de conhecer nossos pensamentos; quando viu que isto nada adiantou, virou-se para o Prefeito para combinar outro estratagema.”
Diz um deles: “Como pôde saber teu nome, se nenhum de nós lho disse?!”
Concorda Schabbi: “É realmente um tanto estranho, mas isto não nos deve confundir; os meios usados por pessoas tão esper- tas para conseguirem informações desejadas são inúmeros. Somente Deus é Onipotente — o homem, apenas quando chamado pelo Es- pírito Divino a revelar o que jamais alguém sonhou. Tal privilégio é raro neste mundo egoísta e inteiramente impossível encontrar-se entre pagãos ignorantes.
Aqueles, porém, que tenham contato com os sábios do mun- do são atilados por se tornarem conhecedores de segredos. Empre- gam bondade, rigor, generosidade, paciência e até a iniciação em seus mistérios, a fim de conquistarem plena confiança e, assim, apossarem-se dos pensamentos alheios.
Amigos, encontramo-nos frente a juízes inclementes. O tema em jogo, tão odiado pelos pagãos, é o Messias, cuja Vinda já se deu, conforme fomos informados de modo irrefutável. Eis por que eles O perseguem, e a simples crença em Seu Aparecimento é crime mortal entre os gentios. Sabeis, portanto, o que fazer!”
192.PALESTRAENTREOSDOIS PERSAS
Diz o outro: “Foste sempre a precaução em pessoa; desta vez, não pareces aplicá-la com justiça. Quanto mais observamos o examinador, tanto mais se esvanece o pensamento de ser ele mal intencionado. Durante nossa palestra com ele, captei palavras suas dirigidas a Cirenius que apenas revelavam certo cuidado em nos afastar do erro. Percebera que nosso temor pelo Messias se baseava em informações capciosas oriundas do Templo.
Durante nossa viagem tivemos oportunidade de observar os romanos, sem jamais lhes descobrirmos um ato cruel. Assim, penso ser teu receio um pouco exagerado, mormente no que diz respeito ao examinador. Percebo algo mui diferente e me admiro que tal coi- sa não fosse por ti observada.”
Indaga Schabbi: “Que seria? Tenho visão ampla e estranho tua afirmação.”
Diz o outro, chamado Jurah: “Ora, não notaste que as expla- nações feitas sobre o profeta Elias referiam-se, evidentemente, a ele mesmo?” Diz Schabbi: “Em que sentido?” Responde Jurah: “Nada mais do que ser ele próprio o Messias Prometido, diante do Qual até os potentados têm de se curvar! Além disto, também ouvi como o Prefeito o cognominava ‘senhor’, algo inédito partindo dum digni- tário romano. Tudo isto não pode ser desconsiderado, pois, que seria se tal homem fosse realmente o Prometido?”
Diz Schabbi: “Só poderia estar satisfeito com minha precau- ção, que pretende proteger a Santidade de nossa Doutrina contra a usurpação dos gentios. Em todo caso convém um exame rigoroso, pois tuas observações bem podem ser disfarce!”
193.ACONFIANÇA PREMATURA
Novamente deles Me acerco e digo a Schabbi: “Então, o que combinastes? Acaso ainda Me considerais uma raposa ladina, com fito único de vos fazer entregar às autoridades romanas, em virtude do temido Messias? Assemelho-Me realmente a um delator traiçoeiro?”
Responde Schabbi: “Bom amigo! A fisionomia é muitas ve- zes o espelho da alma — mas nem sempre. Conheci pessoalmente um homem cuja aparência era idêntica a dum anjo, meigo e simples; no entanto, tudo não passava de máscara perfeita, pois era um diabo escrito! Favorito da corte e entendido em artes e ciências, possuía uma alma muito mais tenebrosa que o Estígio pagão! Ai dos que tra- vassem relações com ele, pois estariam perdidos! As mulheres se lhe tornavam vítimas através de lábia perversa. Ele, no entanto, sempre se fazia passar por inocente, pois as circunstâncias o favoreciam de estranho modo! Servo fiel do rei, mas um diabo perfeito para com todos os inferiores!
Naquela cidade vivia um grego rico que se convertera à nossa religião; sua esposa, jovem e bonita, era-lhe mui fiel e dedicada. Não demorou muito e o perverso homem foi informado da existência
daquela beldade, e todo empenho fez para conhecê-la. O acaso quis que o grego se visse obrigado a fazer queixa dum persa em virtude da negação do pagamento de uma dívida, pois o devedor tinha como juízes seus próprios conterrâneos. Assim, o grego se via logrado na- quilo que lhe assistia de direito. Eis que um dia sua esposa — saben- do que o favorito por diversas vezes lhe havia demonstrado admi- ração — disse-lhe: ‘Que tal se pedíssemos ao cortesão interferência junto ao Rei?’ Respondeu-lhe o marido: ‘Sei que te olha com cobiça e talvez conseguisse algo em meu favor! Fala-se, entretanto, nada de bom a seu respeito e seria até melhor tê-lo como inimigo ao invés de amigo, pois quem até hoje privou com ele sempre foi alvo duma desgraça. Assim, penso que a perda da importância seja o menor dos males e faremos bem se a ofertarmos ao Senhor!’
A jovem e bonita esposa com ele concordou. Não tardou, porém, que o cortesão fosse em pessoa comprar uma joia na casa do grego, que era ourives. Portou-se de modo cortês e gentil, procuran- do despertar-lhe confiança; a mulher, no entanto, perturbou-se pela maneira insinuante daquele homem de atitude tão generosa, que pagara o preço marcado sem regatear.
O grego, animado por isto, disse: ‘Ah, esse homem deve ser muito invejado na corte por sua aparência atraente e simples; não acho possível ser maldoso.’ Dias depois, o cortesão voltou para com- prar um grande diamante encrustado em ouro e que deveria enfeitar seu turbante, oferta do Rei. O preço estipulado era de cem libras de ouro, que ele queria pagar imediatamente, pois andava sempre acompanhado de grande séquito. O grego, porém, lhe disse: ‘Bom amigo, ajuda-me a reaver a importância que fulano me deve — e esta joia estará paga! Tens grande influência junto do Rei e te se- rei grato!’
Respondeu o outro: ‘Amanhã mesmo ser-te-á feita justiça; não obstante, aceita o pagamento da joia! Como te presto um fa- vor sem interesse próprio, exijo-te um pequeno obséquio: dentro de sete dias celebrarei, no aniversário real, uma grande festa no jardim paradisíaco. Convido-te e a tua esposa, pedindo que vos apresenteis
condignamente. Conduzir-vos-ei à mesa do soberano, onde pode- reis externar vossos pedidos.’
O grego sentiu-se lisonjeado, pois de há muito desejava se tornar ourives da corte. A esposa, porém, observou: ‘Não podemos voltar atrás; no entanto, nada pressinto de bom para nós. É bem possível que sofras algum revés a meu lado. Melhor seria arrumar- mos nossos trastes e fugir antes que venha tal dia tenebroso!’
O marido, porém, lhe disse: ‘Querida, sempre é bom ser pre- cavido. Contudo, alimentar desconfiança contra uma pessoa que nunca deu motivo para tanto e da qual apenas se sabe o que as más línguas inventaram — fato que acontece até a um cavalheiro — é tão tolo quanto leviano.’ Com isto a esposa se calou, e o devedor, já no dia seguinte, veio pagar sua dívida ao grego.
A data marcada para a festa se aproximou como um destino inclemente, e ambos se dirigiram ao palácio. Tudo estava rigorosa- mente engalanado: ouro e pedras preciosas brilhavam como estrelas na abóbada celeste, música e cantos perdiam-se entre as alamedas do vasto jardim. Mal entraram, foram descobertos pelo favorito, que os conduziu ao pavilhão real, onde receberam boa acolhida do Rei. No centro havia quantidade de bancos estofados de seda; sobre as mesas, grandes baixelas douradas com as melhores iguarias e, em cálices de cristal, fulguravam vinhos saborosos e outras bebidas aromáticas.
O grego tinha de assentar-se à mesa ao lado do Rei, en- quanto sua bonita esposa ficava na companhia real. Comeu-se e be- beu-se à vontade. Súbito, o grego começou a sentir-se mal, pois lhe haviam dado uma bebida envenenada, sendo preciso levá-lo a casa. Ela, porém, foi conduzida aos aposentos do soberano, onde teve de suportar a volúpia de instintos animais desenfreados. O grego não chegou a morrer, apenas ficou paralítico! Mas de que maneira a pobre mulher voltou ao lar após sete dias — bem se pode ter ideia!
Tal foi o fruto duma confiança prematura numa pessoa cuja aparência despertava esse sentimento, enquanto seu coração era ha- bitado por um bando de demônios. O casal que passou por essa prova, não faz muito, acha-se sentado aí ao lado em virtude de sua
extrema fraqueza, e poderá atestar minhas palavras. Amigo, quando se tem provas tais, sabe-se por que se aplica a precaução!”
194.ADIFERENÇAENTREOSENHOREOS MAGOS
Digo-lhe: “Apresenta-Me esse casal!” — Schabbi assim faz. Então lhes pergunto se desejam tornar-se novamente sadios e fortes.
Responde o grego: “Oh, senhor, se tal fosse possível! Acho-
-me completamente aleijado pelo estranho veneno, de sorte que mal posso me locomover; e vê minha esposa, cujo físico ficou todo vili- pendiado! Ó Jehovah, por que era preciso que passássemos por tal provação?”
Digo-lhes: “Quero que sejais tão sadios e alegres como na época em que vos casastes!” Mal acabo de falar, ambos se sentem como que abrasados por forte chama, e tão jovens e sãos como se nunca tivessem padecido: seu físico era talvez mais pujante que quando noivos. Naturalmente começam a se admirar, pois nunca se dera tal fato na Pérsia.
O próprio Schabbi arregala os olhos e julga estar sonhando; Jurah, porém, toca-o e lhe diz em surdina: “Ouve, penso encon- trarmo-nos no endereço certo, e não estamos longe Daquele que pretendes negar! Julga por ti próprio.”
Diz Schabbi: “Terás talvez atingido o alvo, pois essa cura rá- pida apenas pela palavra ultrapassa o que a sabedoria humana pode conceber. Agora também compreendo nosso próprio salvamento. Um homem cuja vontade contém tal poder de subjugar a matéria bruta, certamente é mais elevado que todas as pessoas comuns. Nele deve habitar a Plenitude da Onipotência Divina, sendo sua alma a expressão viva da Vontade de Deus — ou a Divindade Mesma. Tal- vez tenha sido exagerado em minha cautela, entretanto não cometi pecado; quis apenas proteger o divino da deturpação pagã.
Segundo me parece, não são os gentios tão rudes como no-
-los classificaram na Pérsia, sendo impossível imaginar-se que o alti- vo Prefeito Cirenius não soubesse quem realmente é o taumaturgo.
Assim sendo e ainda o chamando ‘senhor’, deve ter seu justo motivo, pois contra o poder de tal Vontade até as armas romanas de nada adiantariam.
Não se tratou de magia e curas conforme as fazem nossos magos e sacerdotes, os quais levam pessoas sadias a fazerem papéis de surdas, mudas e aleijadas — contra pagamento — e deste modo peregrinam para implorar o milagre do ídolo dum imundo templo. Lá, a um sinal combinado, tornam-se sãs. Deste modo se ludibria quantidade de ignorantes, pois se realmente viessem enfermos que pedissem e fizessem sacrifícios, nada alcançariam. Apenas são infor- mados de que pouca era sua fé, e a oferenda não agradara a Deus. Sabes que nossos magos até fazem ressuscitar filhos de pais ricos
mas nós sabemos de que maneira; além disto, nunca são paren- tes consanguíneos. Este aqui certamente será capaz de ressuscitar os letárgicos!”
Aproximando-Me, digo: “Isto mesmo, ajo sem oferendas, óleos e ervas! Observai a praia, onde se encontram três afogados, um homem e duas moças, que dois filhos do nosso hospedeiro acabam de retirar do mar! Trata-se dum pobre judeu com duas filhas, a espo- sa salvou-se num tronco dentro d’água; ele e as filhas, ao tentarem socorrê-la, foram arrastados pelas ondas e pereceram. Eis que agora são trazidos à praia pela correnteza e retirados, mortos.
É de Minha Vontade que a infeliz mulher também chegue até aqui, pois ainda se encontra agarrada ao tronco, gritando por socorro. Para tal fim empregarei novamente meu prático; só então devereis ver a Glória de Deus e crer Naquele que vos salvou a todos!” Chamo, pois, Raphael e faço-lhe um simples aceno, que entende e executa de pronto: em menos dum minuto transporta a mulher desesperada para junto de Mim.
Eu, então, toco-a de leve e digo: “Acalma-te, filha, crê e confia, pois para Deus todas as coisas são possíveis!”
Ela se aquieta e responde: “Sei disto muito bem; mas não ignoro, igualmente, que, como pecadora, não mereço a Graça de Deus! Quão puro deve ser o coração da criatura para merecer a me-
nor Graça Divina! Essa porta, porém, de há muito cerrou-se para mim. Agora, Deus certamente não me considerará em minha afli- ção, porquanto Dele não me lembrei quando feliz; assim, já é uma Graça o fato de ter Ele me castigado!”
Digo Eu: “Que acharias se Eu te devolvesse marido e fi- lhas?!” Diz ela: “Somente no Dia do Juízo Final poderá Deus resti- tuir-nos, pois que jazem no fundo do mar! Poderias devolver-me os mortos, caso fossem retirados da água!”
Digo Eu a Raphael: “Traze os três cadáveres!” E o anjo exe- cuta Minha Ordem. Reconhecendo os seus, a mulher começa a cho- rar amargamente. Digo-lhe: “Acalma-te, mulher; deves perceber que estão apenas dormindo!”
Diz ela: “Sim, o sono eterno do qual ninguém desperta.”
Insisto: “Enganas-te; não existe sono eterno como julgas, porquanto não crês inteiramente na vida do Além. Despertarei estes três a fim de que tu e outros vos torneis mais fortes na fé e confiança no Nome Vivo de Deus.” Em seguida digo em voz alta aos mor- tos: “Levantai-vos do sono mortal!” No mesmo instante os defuntos começam a se mexer, para logo se levantarem admirados, de olhos arregalados, pois ignoravam seu paradeiro.
Digo então à mulher: “Explica-lhes onde estão e que acon- teceu! Quando vos tiverdes reconhecido e refeito, palestraremos.” Ela, porém, cai à Minha frente sem conseguir dizer palavra. Depois de certo tempo se levanta para Me louvar com ênfase, pois se con- vence pouco a pouco que o marido e as filhas estão perfeitamente sãos e alegres.
Oriento-a para que se dê a conhecer perante eles. Então en- caminha-se para lá, e Eu Me afasto por motivos apenas conhecidos por Mim, como sempre faço quando ressuscito ou curo alguém. Naturalmente a alegria é imensa quando a reconhecem como esposa e mãe. Além disto, proíbo-lhe denunciar-Me como Salvador dos recém-conscientes, pois seria prejudicial a uma vida nova; só depois que recebesse um aviso poderia fazê-lo. Ela respeita essa ordem, em- bora o marido insista que lhe aponte o Benfeitor.
195.EFEITODOSATOSDO SENHOR
Tal ocorrência causa profunda impressão nos persas: estão completamente fora de si, e Schabbi ora Me fita, ora aos ressusci- tados, apalpa-lhes o pulso, indagando se realmente haviam estado mortos e se de nada se lembravam.
O homem, então, diz: “Dirige-te a esta pedra e te dirá o mes- mo que eu! Sei apenas que uma onda fortíssima me arrastou para o mar, perdendo eu os sentidos. Minha alma se recorda que, logo após termos sucumbido, encontrávamo-nos tristes, num grande prado, sem saber do motivo de nosso desalento. De repente envolveu-nos uma nuvem luminosa, que nos causou um bem estar indefinível! Ninguém mais vimos além de nós, e nesse enlevo caímos num sono suave, do qual só despertamos aqui. Agora sabes de tudo e podes julgar de modo direto. Que estive realmente morto é tão exato como agora estou vivo! Experimenta ficar duas horas no fundo do mar e te garanto morte infalível!”
Confirma Schabbi: “É isto mesmo: estavas morto, e o ho- mem milagroso te despertou apenas pela palavra. Isto nunca foi vis- to! Mas... que será agora?!” Nisto Jurah chama o amigo e lhe diz: “Então, Schabbi, que me dizes?”
Responde aquele: “Que poderei dizer? Jehovah está agindo, nada mais! Ultrapassa o horizonte das experiências humanas, e não há ciência que haja galgado tais alturas. Tudo isto me deixa confuso.”
Digo-lhe Eu: “Então, amigo, qual tua opinião a respeito da história do Messias, que há trinta anos foi divulgada em vosso país pelos três magos? Ainda a consideras um conto astrológico?
Pois vê: Aquele Homem nascido em Bethlehem de uma vir- gem, num estábulo, e ao Qual os três sábios, que chamais de reis dos astros, ofereceram ouro, incenso e mirra — sou Eu Pessoalmente! Naquela época era uma criança recém-nascida; hoje, um homem! Que te parece a coincidência dos fatos?
Para provar Minha Identidade existem aqui duas testemu- nhas: o comandante Cornélius, irmão mais moço do Imperador Au-
gusto, e o Prefeito Cirenius, que organizou Minha fuga para o Egito e é um mano mais velho do Imperador. Ciente disto, dize-Me o que pensas do Messias. Há algo verídico nisto?”
Diz Schabbi: “Ah, agora sim! Mas naquela época parecia mesmo um mito. Basta se conhecer os reis astrólogos para saber-
-se como interpretam toda aparição celeste em seu favor. Primeiro, são entendidos em todos idiomas; conhecem os profetas judeus e hindus; os livros ‘Senscrit’e ‘Sentaveista’dos persas e birmaneses conhecem tanto quanto os nossos. Possuem igualmente noção dos ensinamentos pagãos e de seus livros. Ademais, não existe astro que não conheçam e cognominem.
Caso surja um cometa, é prontamente aproveitado para in- terpretações proféticas. Quando não são aplicáveis ao próprio país, vão ao estrangeiro para ver onde é possível fazer-se alarde do fato. Nisto se baseia nosso receio quanto à história do Messias que divul- gam pomposamente, pois adotamos o ditado: Quem muito mente não leva crédito, mesmo se um dia fale a verdade! — Quem poderia imaginar que os magos conseguissem descobrir algo de verdadeiro? Agora tudo está esclarecido e tu, por certo, não nos condenarás pela incredulidade manifestada.”
196.OBENEFÍCIODAATIVIDADEEOPREJUÍZODO ÓCIO
Digo Eu: “Claro que não; no entanto, é fato sabido que os comerciantes costumam passar levianamente por cima de assuntos espirituais, o que se deu convosco. Tenho razão?”
Responde Schabbi: “Prezado amigo, pleno da Onipotência, infelizmente é verdade que os negócios e os tesouros da terra, sua aquisição e administração dão muito trabalho. Pelo bom emprego da riqueza, porém, conquistam-se ótimas experiências e o despertar do espírito na criatura, dando-lhe oportunidade para várias ocupa- ções. Deste modo é afastada do ócio, causador de vícios e pecados.
Basta observares o sacerdócio de quase todos os países. En- quanto tais homens foram obrigados a trabalhar para seu sustento,
permaneceram amigos da verdade e descobriram coisas que até hoje merecem aplausos. Harmonizaram a maneira de pensar e erigiram escolas para formação justa do intelecto humano e do conhecimento de si próprios. Naquele tempo os sacerdotes encontravam o cami- nho para Deus e conduziam o semelhante de boa vontade à mesma compreensão.
Quando, mais tarde, os homens descobriram o grande bene- fício dos esforços inauditos dos representantes do Templo, tomaram a si o trabalho pesado e inventaram o pagamento do dízimo, deter- minando que os Ministros da Igreja deviam apenas cuidar do bem espiritual da Humanidade. Isso bastou para que o sacerdócio come- çasse a se tornar preguiçoso, indolente e enterrasse seus conhecimen- tos em catacumbas tenebrosas, oferecendo aos incautos toda sorte de contos e fábulas. Deste modo o ócio dos padres foi o verdadeiro motivo da deturpação dos ensinamentos mais sublimes e divinos do grande sacerdote Moysés.
Basta ler-se o que ele e os profetas escreveram e compará-lo com as traficâncias de seus seguidores em Jerusalém, para logo se descobrir que não lhe davam crédito, sem crer muito menos em Deus. Do contrário, não se teriam tornado impostores e traidores do povo, que dominam material e espiritualmente. Eis a meu ver a consequência inevitável do ócio, enquanto que a fortuna em mãos de pessoas sábias e benévolas, que a revertem em benefício dos neces- sitados, é mais um templo de Deus que o salomônico em Jerusalém!
Naturalmente nós, comerciantes, não dispomos de tempo para nos entregarmos à leitura dos escritos poéticos dos ociosos pri- vilegiados; ensinamos, porém, ao povo a fugir da indolência, edu- cando-o para criaturas úteis. Assim, creio corrigirmos o pequeno erro de não nos dedicarmos ao estudo espiritual, pois julgo ser me- lhor fazer o bem, que escrever a respeito dos ensinamentos mais sublimes — sem nunca os praticar.
De que nos adianta toda meditação simplesmente, embora sincera? Nenhum mortal conseguirá com ela desvendar a Verdadeira Sabedoria de Deus, nem sequer rasgar o véu mais tênue! Se tal, po-
rém, for preciso, a Graça Divina escolherá um verdadeiro Messias, conforme pareces sê-lo. Esse nos ensinará a Verdade Plena, que acei- taremos de bom grado, como mercadoria celeste. Dize-me, nobre amigo, se nosso princípio de vida é bom, útil e justo e se és capaz de nos cumular doutro melhor!”
197.NATUREZADAREVELAÇÃO VERDADEIRA
Digo-lhes: “Em absoluto! O Bem e a Verdade são idênticos, se descobertos pela pesquisa ativa ou se Deus os transmite à pessoa; a conquista duma verdade também é revelação do Alto, direta, e o meio para tal foi a pesquisa incessante.
Por esse empreendimento a alma se liberta dos elos grosseiros da matéria, desperta, por momentos, o espírito divino dentro de si, ou então penetra mais profundamente no âmago do coração, onde flui constantemente a Luz e a Misericórdia de Deus. Estas criam vida e crescimento espirituais para a alma, assim como a luz e o calor do Sol penetram nos sulcos da terra, lá despertando a vida e a forma- ção das plantas, mantendo-as e incrementando-as até que surja fruto livre, independente e maduro, cuja existência não mais depende do vegetal, mas de si mesmo.
Quando a alma, nesses momentos de real manifestação, atin- ge o mencionado centro, terá, ipso facto, alcançado a Revelação do Espírito de Deus no coração, onde não encontrará senão a Verdade Eterna de Deus. Esta é uma Revelação indireta e diverge da direta pelo fato de despertar Deus — em povos mui ignorantes — criatu- ras que nada fazem para tanto, conduzindo suas almas para o centro de vida, a fim de criar a luz despertadora para os semelhantes.
É a seguinte a diferença entre a revelação indireta e a direta: a primeira esclarece a criatura apenas naquilo que deseja ser orientada e se assemelha à boa luz de candeeiro, com a qual se consegue, fra- camente, iluminar qualquer recinto escuro; a segunda é qual Sol ao meio-dia, cuja luz poderosa esplendece em todo o mundo nos mais variados recônditos.
Esta última revelação comparável ao Sol não é destinada ape- nas a quem a pediu, mas a todos, mormente ao povo em cujo meio surgir tal profeta. Existindo, porém, profetas verdadeiros, provindos de Deus, fácil é de se compreender que também os há falsos, pelo seguinte motivo: o verdadeiro deve desfrutar de certa consideração por parte do próximo, pois suas predições e até suas atitudes com- provadas de origem divina impõem certo respeito a pessoas comuns
caso agrade o que lhes é dito e esteja de acordo com seus interes- ses materiais.
As pessoas mais compreensivas elevam tal profeta a um gigante inatingível, que não mais se pode esquivar das manifestações beatífi- cas, não obstante sua índole humilde. Tal fato não passa despercebido a criaturas mundanas, cuja mente, às vezes, é bastante engenhosa, por serem vítimas da astúcia da serpente. Eis por que também almejam consideração especial e vantagens fáceis. Começam então a procurar meios — com auxílio de Satanás — para inventar coisas e proferir discursos aparentemente profundos, de sorte que os leigos nem mais sabem diferenciar o que seja verdadeiro e genuíno, ou falso e nocivo.
Como, pois, distinguir o falso do verdadeiro profeta? Facil- mente: por suas obras! De cardos e abrolhos não se colhem uvas e fi- gos! O verdadeiro jamais será egoísta e acessível ao orgulho. Aceitará com reconhecimento o que lhe for ofertado por corações bondosos e leais; nunca exigir-lhes-á taxa onerosa, pois sabe que isto é um horror para Deus, que bem pode suprir Seus servos.
O falso profeta far-se-á pagar por cada passo dado e por toda ação a serviço da Divindade — conforme diz — em benefício si- mulado da Humanidade. Trovejará os julgamentos de Deus, con- denando em Seu Nome com fogo e espada, enquanto o verdadeiro, abstendo-se de julgar, advertirá sem interesse próprio os pecadores à penitência, sem distinção entre grandes e pequenos, conceituados e simples. Para ele só existe Deus e Seu Verbo — todo o resto lhe representando tolice.
O discurso do verdadeiro profeta não conterá contradição, ao passo que o outro disso estará repleto. O primeiro nunca se sen-
tirá ofendido: suportará como cordeiro tudo que o mundo lhe im- puser, reagindo apenas com fervor contra a mentira e o orgulho, combatendo-os sempre.
O falso profeta é inimigo de qualquer verdade e todo pro- gresso intelectual e humanitário. Além dele ninguém mais deverá saber ou desfrutar de alguma experiência, a fim de que todos sejam obrigados a lhe pedir conselho. Pensa apenas em si; Deus e Sua Or- dem são para ele coisas importunas e ridículas, que não lhe desper- tam vislumbre de fé, motivo por que consegue fazer um deus de madeira e pedra, a seu gosto. É compreensível que tal deus com fa- cilidade consiga operar ‘milagres’ diante do mundo ignorante, pelas mãos de falsos profetas!”
Conclui Schabbi: “Oh, nobre amigo, bem sabemos de que maneira esses mistificadores conseguem enganar os incautos: são verdadeiras feras! Não existe maior ultraje à Doutrina, no terre- no espiritual, que tal astuto falsificador obrigar seus semelhantes a acreditarem em algo que ele próprio considera ridículo, e mal compreendo como pode a Humanidade aceitar tais baboseiras como ouro real.
Tudo que acabas de falar conheço-o a fundo. Ignorava de que maneira se faz uma revelação direta e me alegro saber que aquilo que o homem de boa vontade descobriu pelo próprio esforço é, fi- nalmente, também uma revelação do Alto. Claro não ser admissível que toda pessoa se possa tornar profeta para seu povo; se, porém, tiver descoberto algo de útil em esfera particular — ainda que ape- nas para vantagens físicas, mas que com o tempo se torna benefício para a coletividade — tal profeta anônimo poderá um dia ser um benfeitor comum.
Consideremos, por exemplo, a invenção do arado, por certo antediluviana. Não resta dúvida ter sido obra de pessoa ativa e inte- ligente através da revelação indireta. Ignora-se-lhe a identidade, no entanto proporcionou ao mundo um benefício incalculável. Assim, existe um sem número de invenções úteis de instrumentos variados. Seus autores certamente foram homens ativos, porém modestos e
desprendidos, do contrário seus nomes teriam sido anotados como os daqueles que regeram os povos sem, geralmente, lhe terem feito grandes doações.
Sou de opinião que os maiores benfeitores da Humanida- de são os que a ensinam a pensar dentro da Ordem da Verdade, enriquecendo-a com invenções úteis. Os benefícios dos profetas comuns, puramente espirituais, até o momento são imprecisos. Cri- ticavam os vícios enraizados do povo e castigavam os criminosos inveterados. Transmitiam geralmente o Verbo de Deus, Sua Ação, Vontade e Intenções, em palavras místicas; como não os entendes- sem, as criaturas continuavam a viver de acordo com seus apetites, menosprezando Deus e Seus profetas dedicados.
Deste modo surgiu o paganismo caótico, acompanhado de tenebrosas variações no campo da superstição. O arado, porém, con- tinuou arado, assim como o serrote e o machado — e tanto o pagão quanto o judeu deles se servem. Finalmente resta saber que espécie de profetas são e se de real valor para a Humanidade!
Os homens muito estudam e entendem; nada adianta querer compreender Daniel, Isaías ou Jeremias, que só é possível a Deus, a um anjo ou profeta expressamente escolhido para tal. De que serve, pois, uma sabedoria tão elevada, se incompreensível ao simples mortal?”
198.AIGNORÂNCIA HUMANA
Digo-lhe: “Amigo, ergue teu olhar para as estrelas! Acaso as conheces e sabes o que são? Talvez não deveriam existir só porque até hoje ninguém as penetrou? Sabes o que são Terra e Lua, e porque não as podes classificar, dispensá-las-ias?!
Saberás definir o vento, o raio, o trovão, a chuva, a geada, a neve e o gelo? Dize-Me se tudo isto não deveria existir, apenas por- que tu e ninguém mais sabe explicá-los!
Conheces os mil espécimens de animais, sua forma e cons- tituição, o mundo das plantas e sua natureza? Acaso sabes o que
venham a ser luz e calor? Dize-Me se não deveriam também ter existência por não se lhes conhecer a causa!
Compreenderás tua própria vida e de que forma consegues ver, ouvir, sentir, saborear e cheirar? Deveria o homem de nada disto ter noção, por ignorar sua procedência?! Já havendo no mundo da matéria tanta coisa que a Humanidade jamais compreenderá a fun- do — vai e medita um pouco, para depois Me dares resposta!”
Diz Schabbi: “Senhor e Mestre de Poder Divino! Compreen- do o que me querias sugerir. Foi tua intenção demonstrar-me que a pesquisa nas esferas da sabedoria elevada é idêntica à da criação ma- terial. Nós, criaturas, nada compreendemos além da forma externa e daquilo que percebemos pelos sentidos. Quão pouco entende o homem para julgar-se importante pelo saber, que no fundo nada é.
As criaturas tão tolas são, que nem sabem de sua ignorância! A erva nasce e o homem se alegra por isso; quem, todavia, seria ca- paz de criá-la e mantê-la?
Adam, Henoch, Noé, Isaac, Jacob, Moysés e Elias foram os seres mais sábios que pisaram a Terra, pois possuíam a Luz Divina dentro de si. A maneira pela qual se fez a erva, crescendo e dando se- mentes que reproduzem numa quantidade infinita — isto nenhum deles conseguiu desvendar! Se, portanto, ignoramos como surge o mais simples musgo e como consegue o verme movimentar-se no pó — para que então falarmos dos elementos e dos astros?
Assim, grande e soberano Mestre, querias apontar minha completa ignorância, dizendo: Deus, o Onipotente, demonstra muita coisa aos sentidos internos e psíquicos da criatura a fim de forçá-la a pensar. Deve ela apenas procurar a explicação por conta própria, pois se Deus também lha fornecesse, tornar-se-ia preguiço- sa, indolente.
Sua natureza inerte não se interessa pelo próprio conheci- mento interno, fato que já foi provado inúmeras vezes. Do mesmo modo o homem se apresentaria na esfera puramente espiritual, caso entendesse a fundo o que foi transmitido aos profetas por Deus. En- tregar-se-ia à preguiça, sem dar-se ao trabalho de meditar, pois que
tudo lhe seria compreensível. Deus muito bem sabe como manter as criaturas para que venham a pensar, querer e agir.
Percebo agora que o caso do Messias não me teria impres- sionado se todos os textos a Ele concernentes estivessem bem claros. Os três magos — caso me tivessem procurado com suas explanações místicas — teriam sido recebidos com um sorriso de piedade!
Como tudo isto permaneceu até então dentro de mim numa penumbra de fé, minha alegria é tanto maior. Aquilo que me era tão difícil de crer, ora se estende maravilhosamente diante de meus olhos, vendo Aquele tão ansiosamente esperado por todos os judeus! — Senhor e Mestre, ter-Te-ia compreendido?”
199.SCHABBIRECONHECEO SENHOR
“Sim, sim”, respondo-lhe e prossigo: “Caro amigo, te mostras inteligente segundo o critério humano e sabes definir muitas coisas acertadamente; qual tua opinião acerca do Messias, por Mim representado? Qual será a finalidade de Seu Atual Apa- recimento?”
Responde ele: “Nobre amigo, eis uma pergunta difícil, não pelo que anteriormente receava do poderio romano — mas apenas pelo que diz respeito à Personalidade mística do Prometido, do Qual Isaías diz coisas estranhas e intraduzíveis. Ora é Ele filho dum rei, ora um herói forte e poderoso, ora um Filho de Deus, ora o duma virgem! Diz ele literalmente (Isaías 25, 6–9):
O Senhor Zebaoth preparará farta refeição no monte para todos os povos; levará vinho puro, banha, tutano gordo e vinho não fermentado. E neste monte tirará a venda que cega os povos e a coberta que cobre os gentios. Devorará a morte, e o Senhor Jehovah enxugará as lágrimas de todos os rostos e tirará o opróbrio de Seu povo em todos os países, porque Ele assim o disse. E em tal época se dirá: Vê, eis nosso Deus, a Quem aguardávamos, Ele nos ajudará. Eis o Senhor, a Quem esperávamos, a fim de que nos alegrássemos em Sua Salvação!
Tais, Senhor e Mestre, são as palavras significativas do profe- ta; mas, que fazer com elas? Onde está o monte no qual o Senhor nos preparará farta refeição de vinho puro e não fermentado, banha e tu- tano? O apreciador desses manjares tem de dispor de bom estômago!
Nisso tudo só pode estar oculto um sentido espiritual, mas Quem é, qual o monte e tal refeição gordurosa? Ora, isto é querer fazer passar a Humanidade por tola! Na dita montanha o Senhor — na minha compreensão, o Messias — tirará as vendas dos povos e as cobertas dos gentios. Isto é admissível; mas... o monte, onde está ou quem é?
Que Lhe seja possível devorar a morte e afastar o opróbrio de Seu povo em todos os países, portanto, também em nossa pátria — isto me é claro, por ter assistido como despertaste os mortos.
E o povo exclama, de acordo com o profeta: ‘Eis nosso Deus, nosso Senhor!’ Será Ele Deus de Abraham, Isaac e Jacob? Nesse caso serás o Mesmo que no monte Sinai deu as Leis a Moysés e que tro- vejou: ‘Eu somente sou teu Deus e teu Senhor, não deves crer nem considerar outro Deus além de Mim!’ Se Isaías concordava com as Leis de Moysés, não podia mencionar outra Divindade — logo, de- ves Tu ser o Mesmo Deus que lhe falou no Monte Sinai! Que me dirás se eu, concluindo as profecias, ajoelhar-me diante de Ti e ado- rar-Te como Deus de Abraham, Isaac e Jacob?”
200.AVERDADEIRAADORAÇÃODE DEUS
Digo-lhe: “Se cresses integralmente e possuísses convicção íntima, Eu nada poderia contrapor caso Me adorasses como teu Deus de modo justo; mas como — ao menos psiquicamente — ainda não possuis uma condição espiritual, far-Me-ias uma idolatria idêntica à dirigida a qualquer pessoa ou imagem.
Quem deseja adorar Deus de modo verdadeiro e útil deve primeiro reconhecê-Lo em seu coração, aprofundar-se espiritual- mente na Verdade e no Amor, para então dar-Lhe honra e adorá-Lo
em plenitude. Do contrário, usará idolatria horrenda com a Própria Divindade!
Como pode alguém adorar o Deus Único e Verdadeiro com dignidade e eficiência se apenas O conhece por ouvir falar?! Que diferença haverá nesse caso entre a adoração de Deus e dum ídolo? A verdadeira, do Deus Único, consiste no amor para com Ele e para com o próximo. Quem, no entanto, poderia amá-Lo sem jamais tê-Lo conhecido?
Poderia um jovem apaixonar-se por u’a moça que nunca vis- se? E mesmo imaginando-a e se esforçando por amá-la, é um tolo e empregará o amor-próprio no último grau — o que representa um horror para Deus!
Por isso, toda adoração dum ídolo é a maior tolice e ceguei- ra dos homens, que finalmente também se julgam merecedores de culto alheio, deixando-se homenagear e adular — com que Satanás triunfa em seus corações! Ai, porém, dos idólatras presunçosos! Seu destino será mui triste, pois tal orgulho é verme que nunca morre e fogo que jamais se apaga!
Afirmo-te constituir prazer para Satanás a possibilidade de afastar os ignorantes da Ordem Divina através do orgulho neles en- raizado; quando um dia chegarem ao Além como discípulos seus, ele os desprezará, enfileirando-os no grupo dos servos mais ínfimos e desprestigiados, onde terão de permanecer eternamente, segundo a má vontade do chefe. Ele, como príncipe das trevas, faz com que as criaturas aqui sejam exaltadas a deuses para humilhá-las no Além como monstros abjetos.
Deus, no entanto, exige aqui um coração compreensivo e humilde, a fim de exaltá-lo e fazê-lo feliz. Contudo, tal poder será tirado de Lúcifer, e as criaturas poderão agir em completa indepen- dência, pelo que as boas resplandecerão, enquanto as más se hão de aprofundar mais e mais no inferno. Assim, sua maldade não será creditada a Satanás, mas em sua própria conta, e a perseguição por parte dos demônios será pior.
Por isso constitui primordial dever do homem procurar a Deus em espírito e verdade, de coração humilde, e só quando O ti- ver achado poderá adorá-Lo, também em espírito e verdade. A prece mais importante consiste em que uma criatura humilde permaneça humilde e ame o próximo pela ação, mais do que a si mesma; a Deus, porém — como Pai Verdadeiro de todas as criaturas e anjos
acima de todas as coisas!
Ninguém, entretanto, poderá amá-Lo em sua carne pecami- nosa odiando seu irmão; pois poderia ele amar Deus, a quem não vê, não amando o próximo, que lhe é visível?! Não basta afirmar-se: Amo meu semelhante e trato-o com amabilidade! — pois o verda- deiro e único amor meritoso diante de Deus deve consistir em obras espirituais ou materiais. Tal amor é a chama milagrosa para a Luz Divina no próprio coração.
Digo-te bem como a teus colegas: se não tivésseis encon- trado a chave dourada e a aceitado em vosso coração, nunca teríeis chegado aqui! Começais a pressentir o que isto representa, embora enfrentando o temporal da Natureza, mas o futuro vos conduzirá à Luz Verdadeira! Quando Me tiverdes reconhecido plenamente, sa- bereis se Me deveis adorar ou não!”
201.VENERAÇÃODOSPERSASÀSANTIDADEDO SENHOR
A estas palavras meus interlocutores se quedam pensativos; em seguida, Jurah diz aos colegas, enquanto Me dirijo aos três res- suscitados para lhes dar socorro físico: “Amigo, a fala deste homem é bem mais extraordinária que suas ações, porquanto milagre é mila- gre, embora nunca o tivéssemos realizado, de forma que o leigo nada entende, por mais que se esforce! A cura do ourives foi surpreenden- te, no entanto talvez não de todo impossível de modo natural; não que saibamos imitá-lo, todavia somos cientes da maneira por que os hindus curam a picada da serpente venenosa, sem ervas e óleos. O mesmo aconteceu aqui.
Os três afogados foram novamente chamados à vida; no en- tanto, dever-se-ia provar se realmente estavam mortos ou se o si- mularam. Em suma, suas ações nada provam. Muito mais o fazem a meu ver suas palavras poderosas, pois de modo tão sábio e verda- deiro jamais um mortal se expressou! Schabbi, medita apenas sobre o que disse quanto à verdadeira adoração e perceberás nela existir sabedoria profunda, revelando algo tão excepcional, que nem ouso pronunciar!”
Indaga Schabbi, admirado: “Mas, que seria?”
Responde o outro: “Medita primeiro e estou convencido de que concordarás com minha percepção!” O amigo assim faz, sem saber a que conclusão chegar. Finalmente, vira-se para Jurah e diz: “Poderia dizer-te algo extremamente absurdo: Imagina se este for o Messias, pois não é somente um homem comum, mas, de acordo com sua alma, Deus Mesmo, Único e Verdadeiro de Eternidade! Se assim for..., que faremos? De que modo O enfrentar?!”
Diz Jurah: “Eis também minha preocupação e pressinto que aqui surgirá qualquer coisa de deslumbrante. Apenas não compre- endo os ilustres romanos, que dão a impressão de dependerem suas vidas unicamente Dele.”
Diz Schabbi: “Não te recordas das palavras de Isaías: Afastará a coberta dos pagãos!? — Isto quer dizer que Ele já Se lhes revelou, portanto rendem-Lhe o máximo respeito! Certamente já se conven- ceram de que Ele, o Onipotente, poder-lhes-ia dizimar com um Há- lito, deste modo os romanos são vencidos e nós, judeus, livres!
Além disto, o profeta promete que o Senhor enxugará as lá- grimas de todos e sustará o opróbrio de Seu povo em todos os países. Portanto, não seremos os primeiros, mas chegou nossa vez. Desfru- tamos de uma situação tão vantajosa, que não vertemos lágrimas de miséria no estrangeiro; no entanto, vivem em nossa pátria milhares de irmãos passando privações. Uma vez que Ele nos salvou, foi para que nos tornássemos Seus instrumentos, ajudando a quem de nós necessite. Qual é tua opinião?”
Afirma Jurah: “A meu ver acertaste o alvo, deve ser as- sim mesmo. Repito, porém, a pergunta: de que maneira Dele nos aproximarmos, tão cheios de pecados? Onde nos poderemos purificar? Quem aceitaria um justo sacrifício para nos isentar das culpas?”
202.A PRECE
Aproximando-Me deles, digo: “Eu mesmo; assim como pude dizer aos mortos: Ressuscitai e vivei!, também e eficazmente vos digo: Sede puros, e perdoados todos vossos pecados!, com isto vos purificareis diante de Mim! Podeis crer-Me?”
Respondem ambos: “Senhor, cremo-lo! Já que agiste dentro de Tua Sabedoria Eterna, em favor de judeus e pagãos, sê misericor- dioso e benigno para conosco e permanece em espírito com todos aqueles que despertaste para a Vida Eterna! Como Te reconhecemos e nossos corações vibram de amor intenso, permite que Te adoremos com fervor e de almas contritas!”
Digo-lhes: “É inútil, Meus caros amigos e irmãos! Vós mesmos lestes que Meu Espírito falou pela boca do profeta: Esse povo Me honra com os lábios, enquanto seu coração se acha longe de Mim! — E vos repito: Toda e qualquer prece mecânica é-Me um horror!
Sede razoáveis e tende um coração compreensivo, fazei o bem a todos que necessitam! Sim, fazei-o até aos vossos inimigos e abençoai a quem vos amaldiçoa! Assim, tornar-vos-eis semelhantes a Mim, que deixo irradiar o Meu Sol sobre bons e maus, pois Meus piores inimigos são diariamente cumulados de benefícios por Mi- nha Mão Poderosa. Apenas os delinquentes empedernidos sentirão Meu Açoite. Digo-vos: sois todos filhos de Meu Coração e irmãos de Minha Alma. Por isso, se orardes, não o façais com os lábios, como os pagãos e fariseus, através de palavras ocas, e sim como vos ensinei, em espírito e verdade, por obras e ações de amor aplicadas ao próximo — e tudo que então disserdes em Meu Nome será uma
prece verdadeira, que atenderei constantemente. Os suspiros labiais, porém, nunca! Compreendestes?”
Diz Schabbi: “Ó Senhor, como és diferente daquilo que ima- ginávamos! Como não Te amar acima de tudo, conhecendo-Te? És o Amor e a maior Meiguice personificada e quão luminosa é Tua Doutrina Santa e Compreensível! Sim, agora cremos plenamente seres, em verdade, o Messias Prometido!”
Digo-lhes: “Muito bem, Meus amigos! Conheci-vos, e o ca- minho indicado por Elias trouxe-vos até cá: na tempestade poderosa estava Minha Vontade; no fogo, Meu Poder; na brisa suave, porém, Eu Mesmo, de sorte que teríeis de passar pela tempestade, o fogo e a água, até chegardes junto de Mim. Tendes, portanto, encontrado Aquele que muito procuráveis; se isto já é difícil, muito mais será alguém perder-Me após ter-Me achado! Quem se tiver apegado a Mim de coração será também por Mim conquistado, e mesmo se al- gum dia Me abandonar, Eu jamais o deixarei. Meu Amor não é tem- porário, é eterno, e quem o aceitar em seu coração nunca se poderá desprender de Mim! Meu Amor há de mantê-lo em Suas rédeas, de forma que em tempo algum se poderá perder. O mesmo acontecerá convosco! Enfrentareis momentos e situações que vos tornarão difí- cil professar Meu Nome e Minha Doutrina, pois dar-se-ão em breve fatos indispensáveis que vos farão vacilantes; virei, porém, em tem- po, fortalecer e iluminar plenamente o recôndito de vosso coração. Após isto não mais sereis tentados por defenderdes Minha Causa e Nome; permanecereis no Meu Amor e Poder.
Agora, outra coisa: Partireis em breve para a Pérsia, onde de- veis divulgar fielmente, sem aditamento, o que aqui encontrastes e sucedeu para salvação de todas as criaturas na Terra! Transmiti-o ao soberano, a fim de que se oriente. Deve desistir do paganismo tene- broso e jamais prestar ouvidos às palavras sedutoras dos magos, que se dizem sacerdotes de Deus, enquanto são servos do inferno. Ou- trossim, urge que expulse ele os nefastos missionários de Jerusalém, os quais atravessam mares e terras para converter os gentios em ju- deus. Tais convertidos serão adeptos do inferno, mil vezes piores que
quando pagãos. Além dessas conversões, aqueles maldosos divulgam boatos alegando crueldades por parte dos romanos, e isto vos levou à precaução exagerada para Comigo.
A fim de fazer frente a tais maledicências, convoquei-vos en- tre milhares e vos incumbi desta pequena tarefa, para cuja execução possuís força e meios em abundância. Vossa recompensa no Além, no Meu Reino Eterno, não será diminuta. Sabeis agora o que vos cabe fazer em Meu Nome e dos romanos, tão difamados; agi de boa vontade, com diligência e persistência, que também não vos esquecerei. — Eis que agora vem Marcus nos chamar para a ceia, que hoje se atrasou por algumas horas em virtude da tempestade. A saraiva danificou alguns bancos que requereram reparo. Agora tudo se acha na melhor ordem e a refeição está bem preparada; assim, passemos a ela.”
203.OFUTURODE YARAH
Eis que Marcus positiva Minhas Palavras, perguntando se pode mandar servir. Digo-lhe: “Como não? Pois hoje até Eu estou com apetite para saborear um bom peixe com pão e vinho. Enquan- to isto, teus filhos poderão dar uma busca à beira-mar, onde verão boiando mais alguns cadáveres. Trata-se duns pobres judeus com mulheres e filhos. Não quero que, durante Minha Permanência aqui, alguém venha a morrer. Como as águas estejam calmas e a noite serena, teus filhos poderão resolver a tarefa com ajuda dos ma- rujos de Kisjonah, Ebahl e Cornélius. São nove corpos que se acham dispersos nas margens, numa distância de hora e meia e devem ser trazidos até cá, deitados de bruços num terreno inclinado e assim ficarão até de manhã cedo, quando os ressuscitarei!”
Diz Marcus: “Por que somente amanhã?”
Digo-lhe: “Amigo Marcus, isto não te diz respeito! Sei a razão pela qual a erva, que tingirá os campos de verde no próximo ano, não nasceu no atual, pois entendo a Ordem de maneira mais acerta- da que tu, caro Marcus. Vai e faze o que te recomendei.”
O velho manda servir o jantar e aos filhos transmite a incum- bência. Estes logo partem num grande bote, pedindo auxílio aos demais marinheiros. Sentamo-nos às mesas dentro da ordem esta- belecida. Os três ressuscitados e a mãe são levados à casa de Marcus, onde recebem alimento e bom leito, com que se fortalecem para o dia seguinte. Só então os moradores das tendas de Ouran aparecem à procura de seus lugares.
Nisto Yarah Me toca e diz: “Senhor, meu amor intenso, vê como os lutadores heroicos de Teu Reino saem de seu esconderijo, levados pela fome. Com exceção de Mathael existem poucos de co- ragem, e me diverti bastante quando os cinquenta fariseus bateram em retirada ao cair a forte saraiva.
Sabiam tanto quanto eu seres o Protetor mais potente con- tra qualquer desgraça, todavia procuraram proteção material. Agora parecem envergonhar-se e receiam vir para junto de Ti! Quanto a Mathael, teve de acompanhar a jovem esposa que se amedrontara, do contrário teria ficado aqui. Assim, será o único que, a meu ver, poderá ser perdoado.”
Digo-lhe: “Tens razão, filhinha; mas deixemo-los, que ainda sentem fraquezas diversas; com o tempo e obtendo maiores experi- ências, tornar-se-ão mais destemidos. Lembra-te o quanto já viste em Minha Companhia e te aumentou a coragem. Eles poucas pro- vas tiveram e, assim, o medo foi maior que a confiança. Futuramen- te serão menos temerosos. Compreendes?”
Diz Yarah: “Como não? Sei, porém, que em Genezareth to- dos tiveram as mesmas provas que eu; ainda assim ninguém, no início, encorajou-se, além de mim, a Te seguir sobre as águas, nem mesmo teus apóstolos. No que se baseava aquela falta de confiança?”
Digo-lhe: “No fato de que não tiveram as mesmas experi- ências, isto é, não foram transportados, como tu, àqueles astros em companhia do anjo, experiências até então irrealizadas. Além disto, tinhas o maior e mais poderoso amor para Comigo, onde reside também a máxima fé. Por isso, não te admires tanto por ser tua con- fiança mais forte que a dos outros, pois se deriva de teu grande amor.
Mas, como já te disse em Genezareth, terás de passar dentro de alguns anos por várias tentações, contra as quais terás de lutar, não obstante tua máxima confiança em Mim. Com a força e o poder de Meu Nome, todavia, hás de dominá-las todas e só daí em diante caminharás em Minha Luz.
Aquilo que alguém deseja possuir livremente, tê-lo-á de conquistar pelo próprio esforço. Tu, querida filhinha, ainda não en- frentaste uma luta sequer, pois a época e a oportunidade para tal não haviam chegado; tudo isto se dará com todos, quando Minha Missão sobre esta Terra estiver terminada.
Sou apenas um Semeador e deposito o bom grão de trigo no solo vivo dos corações. Lá ele germinará produzindo ricos frutos, e só então tereis de cuidar, em benefício próprio, do fruto no solo vital, com muito esforço e renúncia. Feliz daquele que trouxer a colheita pura e abundante do que semeei em seu coração aos Meus Celeiros, ali erigidos pelo Meu Espírito. Jamais sentirá fome e sede!
Querida Yarah, o que ora possuis é apenas a semente lança- da em teu âmago. Em alguns anos ter-se-á transformado num cam- po superabundante, mas sujeito a toda sorte de lutas. Eis que urgirá protegê-lo com firmeza e confiança, pronunciando Meu Nome e, por um grande amor para Comigo, renunciar ao mundo, impedin- do, assim, a destruição daquilo que Eu Mesmo cultivei. Uma vez que os elementos se desencadeiem sobre tal campo fértil, quase im- possível se tornará sustá-los.
Certamente ainda te recordas da horta que te preparei há poucas semanas, em Genezareth? As plantas estão se desenvolven- do bem, no entanto é preciso que sejam tratadas e a horta limpa do possível mato; na época estival não se pode dispensar o regador. Vê, quintal idêntico organizei em teu coração, lá depositando várias plantas úteis; o tratamento e cuidado estão agora a teu critério. De- dica-lhe toda a atenção e zelo, que farás em breve uma boa colheita. Compreendes este quadro?”
Diz ela: “Sim, Senhor, meu único amor; entendo-o per- feitamente, todavia me entristece o fato de ter de enfrentar tantas
provações antes de chegar à colheita. Creio, porém, e espero que não deixarás sucumbir Tua serva quando Te chamar na aflição; pois ouviste e atendeste minha súplica quando ainda não Te vira nem conhecera como agora.”
Digo-lhe: “Jamais passarão vergonha ou prejuízo aqueles que Me reconhecem e pedem em seus corações, confiando no Poder de Meu Nome, disto podes ter plena certeza! No momento, porém, trata-se de tomarmos assento à mesa e saborearmos o que Marcus nos oferece.”
204.INTERPRETAÇÃODOQUARTO MANDAMENTO
Rápidos nos sentamos e jantamos sem que se inicie uma pa- lestra; só depois de tomado o vinho a assembleia se torna animada. Em Minha Companhia se acham: Cirenius, Cornélius, Fausto e Ju- lius, Meus discípulos, Ebahl, Yarah, Kisjonah, Philopoldo, Ouran e Helena, Mathael e seus companheiros, o anjo Raphael e o menino Josoé — havendo ao nosso lado u’a mesa especial para os persas. Os restantes se acham acomodados como de costume.
Todos se admiram da noite agradável que sucede àquele tem- poral, e muito mais de achar-se o solo inteiramente seco, já que pou- co antes tudo estivera inundado. Ouran vira-se para Mim e indaga das condições de pernoite para tanta gente; com prazer acolherá o que suas tendas comportem, no entanto não será possível atender a várias centenas de pessoas.
Digo Eu: “Amigo, Adam e seus primeiros descendentes não possuíam tendas, choupanas nem, talvez, moradias comodamente arrumadas; o solo e uma árvore frondosa eram-lhes tudo; dormiam muitas noites ao relento e eram fortes e sadios. Nem lhes ocorria a ideia de confeccionar uma coberta, apenas se valiam de um ramo de figueira. Deste modo alcançaram a idade de várias centenas de anos. Hoje em dia os homens inventaram toda sorte de conforto, criando milhares de paraísos mundanos por um, perdido — e vê, cem anos de idade já se tornaram um milagre!
Disto apenas é culpada a tendência das criaturas para o ócio, e estranham até a Natureza do planeta, que em tudo tem a finali- dade de alimentá-las, conservando-as fortes e com saúde. Por isto, Meu Ouran, não te preocupes com a pousada; o solo bom e sadio abrigá-los-á a todos. Aquele que for vencido pelo sono descansará num travesseiro de pedra; se a pedra incomodar sua cabeça, também já não mais terá sono e dispensará o repouso, podendo-se levantar e trabalhar.
Leitos macios enfraquecem as pessoas e tiram a força de seus membros; um sono prolongado debilita a alma e os músculos. A natureza humana é qual recém-nascido, que apenas é bem nutrido com leite materno: os que por longo tempo forem assim alimenta- dos — mormente se a mãe for tão sadia e incorrupta como Eva — tornam-se fortes como gigantes e a própria luta com um leão não os cansará.
De igual modo a natureza terrena é um verdadeiro seio ma- terno para as criaturas, quando dele não se afastam por toda sorte de conforto. Se assim fizerem, isolando-se de sua influência fortale- cedora, sentirão o mesmo que um homem se obrigado a beber leite materno: o asco o fará vomitar! Aquilo que o alimentava e fortalecia tão beneficamente quando criança, fá-lo doente e enfraquece seu estômago quando homem. Não é possível que venha sempre haurir para seus músculos força e saúde do seio maternal; mas do seio da Mãe Terra ele nunca se deve apartar, caso queira ser sadio, forte e alcançar idade avançada.
Disse Moysés: Honra pai e mãe que passarás bem na terra! — Com isto ele não só queria apontar os pais legítimos, mas o próprio planeta e sua força criadora. Não lhe deve o homem voltar as costas, mas honrá-lo deveras, que receberá a bênção física prometida por Moysés. Manter a honra dos genitores é bom e útil quando as con- dições o permitem; mas, se aquilo que Moysés prometeu é a Palavra Divina, deve — qual luz solar — ter efeito geral e ininterrupto.
Se a promessa mosaica apenas se baseasse numa longa vida para aqueles que honrassem seus pais, os que na infância
se tornaram órfãos teriam motivo de se lastimar, pois muitas vezes são criados por estranhos! Como deveriam cumprir tal Mandamento?!
Muitos são encontrados expostos em ruas, concebidos por mães desnaturadas que deles se desfazem tão logo hajam nascido. Tais expostos são apanhados e cuidados por pessoas caridosas, às quais devem todo amor e honra. Moysés, porém, só fala dos verda- deiros pais e não dos adotivos.
Impossível ao exposto honrar seus genitores; primeiro, por não os ter conhecido. Segundo, mesmo que os conhecesse não teria tal obrigação diante de Deus e dos homens, porquanto o geraram em sua volúpia e, mal nascera, entregaram-no à morte. Por essa cria- tura — de acordo com o que diz o profeta — não poder amar e honrar seus genitores, não deveria ter direito à promessa? Seria tal hipótese bem ridícula, como expressão da Sabedoria Divina.
Além disto, existem pessoas que educam os filhos para tudo que é mau: desde o berço lhes implantam orgulho satânico e exemplificam uma atitude fria e insensível para com todos. Esses pais animalizados ensinam as crianças pequenas a serem temerárias, mentirosas e traiçoeiras. Teria Moysés feito sua boa promessa para os que honram os genitores maldosos com toda sorte de perversidades, porque esses mesmos lhes exigem tal atitude?
Qual seria a obrigação dos filhos de ladrões, assaltantes de caravanas e assassinos perante seus pais? A única maneira de honrá-
-los seria agir de modo todo especial naquilo que fazem os velhos, isto é, roubar, assaltar e matar os viajantes! — Poderia a promessa de Moysés se estender eficazmente sobre eles?
O raciocínio simples e claro te dirá que tal interpretação e o próprio Mandamento seriam um ultraje de primeira ordem a toda Sabedoria Divina. Como pode Deus, o Ser Supremo, dar um Mandamento que obrigue um espírito angelical, encarnado, a dedi- car amor e honra aos pais, surgidos do inferno mais tenebroso?! Por aí vês que o Mandamento de Moysés, considerado deste ponto de vista, seria o maior e mais completo absurdo.
Por um lado é claro e mais que evidente: tudo que Moysés falou e determinou é o Verbo puro de Deus e jamais pode conter absurdos; doutro lado, interpretado e cumprido sem compreensão conforme foi feito até agora, deve ser no julgamento dum intelecto esclarecido tolice sem nome!
Qual o motivo de ter sido a Lei de Moysés — conforme foi aplicada — uma tolice, embora tivesse origem divina? Apenas na tremenda incompreensão daquilo que ele realmente apontou, os ge- nitores comuns da grande Natureza Divina, isto é: este planeta des- tinado a produzir o Gênero Humano, o pai; o seio da terra, no qual inúmeros filhos de toda espécie são constantemente gerados, a ver- dadeira mãe! Esses genitores remotos deve o homem honrar e amar, sem jamais lhes mostrar as costas de modo pouco entusiástico, pois terá longa vida num físico sadio e, com isto, um bem-estar justo.
Desses velhos genitores pode a pessoa zelosa aprender o má- ximo de bom, grandioso e verdadeiro, daí construindo aquela gran- de escada, por onde o patriarca Jacob viu os anjos descerem e subi- rem. Quem pesquisa com dedicação e redobrado rigor a Natureza descobrirá grandes bênçãos em benefício próprio e de seus irmãos. Por isso, Meu caro Ouran, não tenhas receio de passar uma noite no seio de tua velha genitora — que nada te sucederá!”
205.INOVAÇÃOFARISAICADO4º MANDAMENTO
Ouran está todo alegre e afirma jamais ter ouvido algo tão prático e que sempre haveria de considerar. Maior admiração manifestam os persas. Jurah, então, diz: “Isto é verdadeira luz do Alto, pois jamais foi interpretado deste modo e eu tinha vontade de ouvir os restantes Mandamentos. Apenas desejava fazer uma pergunta.”
Diz Schabbi: “Não sei como podes ainda alimentar dúvidas!”
Responde Jurah: “Não sabes que, com relação aos deveres filiais, de há muito existe uma nova lei, pela qual os filhos agem melhor depositando um óbolo no Templo, do que honrando pai e
mãe?! Não revoga a lei antiga; cria apenas melhor meio para alcan- çar a promessa de Moysés. Por isto, já que a ocasião é tão propícia, desejava ouvir do Próprio Legislador opinião a respeito.
Dum lado, parece-me justa sua aplicação quando os pais são maus e corruptos. Se, porém, uma criança voluntariosa tem pais bons e dignos, merecedores diante de Deus e dos homens de todo respeito, amor e honra, essa lei do egoísmo templário é contra a jus- tiça. Baseia-se somente no interesse humano e nada tem de divino. Todavia, existe outra, que diz: Deveis sempre ouvir e obedecer aos que se acham nos assentos de Moysés e Aaron.
Esta lei, no entanto, também representa um animal de carga, no qual os fariseus levaram muita mercadoria falsa e ruim como verdadeira para o interior do Templo, e o povo é obrigado a pagar por ela o preço elevado de sua liberdade moral. Isto é condenável, e me parece que uma lei dada apenas para privilégio de certas pessoas é qual brecha por onde Satanás sempre consegue penetrar no San- tíssimo. Tais privilegiados beatos se enaltecem, ornam-se, no início, com uma auréola santa de profetas num orgulho beatífico; mais tar- de transformam essa tendência em verdadeira tirania — entretanto ocupam os lugares de Moysés e Aaron. Por mim, acho que o proce- der de Satanás seria igual! E por esses representantes muitas leis per- versas substituíram as divinas, tendo nós que respeitá-las porquanto são divulgadas. E ninguém se atreve a romper esse jugo! Finalmente o raciocínio claro indaga se Deus o ignora, ou se na verdade existe um que seja capaz de tolerar tal horror em Seu Santuário! Um es- clarecimento Dele Mesmo nos demonstraria a situação verdadeira, tendo eu próprio vontade de Lhe dirigir tal pergunta. Achas que devo aventurar-me?”
206.OSENHORELUCIDAALEI FARISAICA
Respondo-lhe Eu, em lugar de Schabbi: “Meu amigo Jurah, tua pergunta é justa e de grande importância. Não precisas repeti-la, pois já sei onde vos ‘aperta o sapato’.
É verdade existir uma Lei, dada na época dos Juízes, onde um vidente determina obediência àqueles que ocupam os lugares de Moysés e Aaron, e a fazer-se o que ordenam através do Espírito do Senhor, mas somente quando sejam boas suas ações. Caso contrário, devem ser de lá expulsos pelos descendentes mais dignos de Levi.
Os que ocupavam os lugares dos profetas sabiam encobrir suas obras quais lobos vorazes em pele de carneiro e atiraram leis entre o povo como dadas pela Vontade Divina, diante das quais o mundo fica estarrecido.
Relembrai quantas vezes fiz advertir severamente esses falsos descendentes de Moysés e Aaron pela boca dos profetas abençoados e quantas vezes os castiguei com açoite inclemente! Que adiantou? Melhoraram por algum tempo; em seguida tornaram-se piores que dantes, a ponto de não permitir mais um acréscimo: encheram a medida das perversidades — e bastam algumas gotas para que trans- borde, inundando-os como no Dilúvio de Noé! Isto Te asseguro!
Como muitas, também a Lei da oferenda no Templo subs- tituiu a de Moysés referente às obrigações filiais. No início dava boa impressão e se reportava apenas àquelas crianças cujos pais
como frequentemente acontece — representavam a escória da Humanidade. Tinham eles, singularmente, não raro filhos bons e obedientes, que bem lhes reconheciam a maldade. Suas exigências causavam arrepios; a Lei mosaica mandava, porém, honrá-los pela obediência.
Esse é o motivo de tais filhos infelizes perguntarem no siné- drio o que deviam fazer, alegando o seguinte: Realmente Moysés ordenou obedecer aos pais, honrá-los e amá-los para que tal proce- der proporcionasse aos filhos longa vida; ao mesmo tempo proibiu matar, furtar, mentir, praticar obscenidades com as virgens e, muito menos, cobiçar a mulher do próximo. Tudo isto era-lhes imposto pelos pais perversos! Que fazer para não caírem no pecado?
Eis que falava o sumo sacerdote, compenetrado do Espírito Divino: Renunciai a tais genitores, fazei uma oferenda ao invés de cumprirdes uma obediência nociva e orai a Deus, que isso vos será
melhor e, pela Graça do Alto, também um benefício para vossos pais! — Assim aconteceu que abandonavam os velhos, ofereciam ao Templo um óbolo e procuravam serviço com pessoas bondosas, a fim de levarem vida agradável a Deus.
Até aí essa Lei tinha plena origem divina. Com o tempo, os lobos em pele de cordeiro, detentores dos assentos de Moysés e Aaron, generalizaram-na de modo que também os filhos degene- rados, porém de pais bons e honestos, isentavam-se da obediência através de oferendas, para depois poderem pecar livre e desemba- raçadamente.
Assim, a Lei dupla de Deus foi repelida duas vezes, para ce- der lugar a determinações humanas que, contrárias à Sua Ordem, eram-lhe um verdadeiro horror! Qualquer pessoa com um pouco de raciocínio deve reconhecer que não podiam ser divinas, mas sim ba- seadas no inferno satânico. Todavia, essas discordâncias terminarão em breve, não mais havendo matéria a discutir.
Fundamenta-se na ordem plena o conceito de que o fraco seja guiado por um mais forte. Os pais, portanto, sempre superam os filhos nesse sentido e é justo que assim façam; se o fraco, porém, percebe que o forte quer atirá-lo num tremendo abismo, fará bem em se desvencilhar dele e procurar um lugar seguro. Além do mais, cumpre apenas a Lei de Moysés o que age conforme demonstrei ao velho Rei Ouran. Compreendestes isto?”
207.QUEÉ IMPUDICÍCIA?
Diz Jurah: “Quanta luz, amor e sabedoria a um só tempo! Senhor e Mestre de Eternidades, desejaria explicações desse teor so- bre tudo que Moysés disse — e a criatura se habilitaria a viver inte- gralmente dentro de Tua Ordem Eterna! E Satanás não mais acharia oportunidade para penetrar no Teu Santíssimo!”
Digo-lhe: “Meu amigo, ainda não chegou a hora para o jul- gamento do príncipe tenebroso do mundo; no entanto, não tarda muito. E, mesmo depois de julgado, haverá seres que aplicarão Mi-
nhas Leis Puras de modo mais criminoso que o próprio Satanás, pois na Terra a Luz lutará sempre contra as trevas!”
Diz Jurah: “Por quê, Senhor? Se todas as criaturas reconhe- cessem a Verdade como eu, ele e seus vassalos teriam um feriado eterno, pois é indubitável que nossos descendentes serão educados na mesma compreensão, e isto — até o fim dos séculos. O esclareci- mento do Decálogo torna cada Mandamento um axioma matemá- tico; quem poderia ter dúvidas acerca de tais verdades?!
Reconhecendo isto, a pessoa também terá de agir de acordo, do contrário teria de confessar-se tola ou submeter-se a tal crítica de seu próximo. Se as verdades mais santas forem dadas de modo oculto, que permita ao homem ação livre, haverá mistificadores bas- tantes, pelos quais Satanás e seu séquito consigam se infiltrar na sociedade.
Assim, Senhor e Mestre, dá-nos a Verdade pura e clara, a fim de que a penetração do mal seja impedida! Mencionando, por exemplo, o Mandamento que proíbe a impudicícia, desejaria orien- tação a respeito. Consiste a impudicícia no fato dum homem não se lavar, nem antes nem depois do ato carnal? Ou refere-se ao desejo voluptuoso, ao ato praticado com uma virgem, prostituta, concubi- na ou viúva?
Fará parte desse pecado o vício da masturbação, o do sodo- mita, ou talvez quando um homem procura conquistar u’a mulher sensual e casada? É preciso que se refreie esse instinto mais forte, a fim de ser pudico? Nesse caso o leito matrimonial nada mais é que uma oficina impudica que deseja passar por moral, pois quem ga- rante que um homem não venha praticar o ato mais vezes do que o necessário para gerar um filho?!
Conheci pessoas verdadeiramente excepcionais no que diz res- peito à bondade, caridade, paciência, meiguice e indulgência, mas que no ponto em questão eram fracas. Embora muito fizessem para vencer essa inclinação, não o conseguiram mesmo após a impotência comple- ta, pois uma jovem atraente sempre lhes despertava o mesmo desejo.
Outras houve que não se perturbavam diante da beleza femi- nina. Verdadeiros exemplos de castidade, mas eram, de igual modo, insensíveis a tudo. Nada lhes tocava! Sofrimento e miséria dos po- bres eram para eles banalidades; lágrimas dos enfermos, apenas um ardil para despertar compaixão. A mulher apresentava-se-lhes como algo desprezível e dispensável, com a finalidade idêntica à de um campo de semeadura de qualquer espécie. O matrimônio — uma das instituições mais ridículas da sociedade! Na sua opinião, dever-
-se-iam aprisionar todas as mulheres bonitas e sadias para que fos- sem fecundadas por homens fortes, assim gerando criaturas bonitas e sãs. As feias e fracas deveriam ser exterminadas ou, então, empre- gadas como animais em serviços pesados, fazendo-as trabalhar até que sucumbissem. São essas minhas experiências pessoais!
Agora pergunto se o homem fraco em tal questão não tem mérito aos olhos glaciais dos heróis da castidade! Eu assim penso. Ignoro, Senhor, qual Teu parecer. A fim de alcançarmos justa ordem nesse ponto e não cairmos num pavor constante de termos praticado um ato pecaminoso diante de Deus, por certo terás um meio eficaz, pelo qual se possa afastar o desejo e a necessidade, como se cura um resfriado. Não existe coisa mais deprimente para um homem hones- to que se ver atraído constantemente para o pecado; a natureza obri- ga a carne de modo impetuoso para a realização, e depois — ter-se-á cometido um pecado mortal! Isto é demais humilhante para quem sempre procurou usar cabeça e coração dentro da justiça; por isso, peço-Te pequena elucidação.”
208.OPECADOCONTRAA CASTIDADE
Digo-lhe: “A vida do homem não é um gracejo, mas um rigor abençoado; o ato de sua origem não pode ser uma coisa banal, senão algo mui sério. Compenetra-te da causa, que tudo se te tornará cla- ro. As sensações não devem ser sua finalidade, e sim apenas motivo para dar vida a um rebento.
Compreendendo isso, também deduzirás serem as sensações unicamente fatores secundários, pelos quais a obra da encarnação em a natureza da carne é possibilitada. Se fores levado pelo motivo principal — então vai e age, que não terás pecado. Todavia, é forço- so considerar vários pontos.
Esse ato não deve ter realização fora da esfera do verdadeiro amor ao próximo, cujo princípio diz: Fazei a outrem aquilo que desejais que vos façam!
Suponhamos que tenhas uma filha na flor da idade que re- presenta tudo para teu coração de pai; nada, por certo, preocupar-
-te-á tanto quanto a felicidade justa e benéfica para tal filha adorada. Sendo moça feita poderia tornar-se mãe. Que pensarias se aparecesse um homem sadio, tentado pelo desejo de gerar um filho com uma virgem, e a quisesse forçar para tal ato?! Serias levado a uma vingança tremenda contra o vilipendiador, não descansando até que lhe tives- ses aplicado um castigo severo!
Admitamos que tu mesmo te achasses num país estrangeiro, onde num arrabalde encontrasses u’a mulher, conseguindo conven- cê-la, por dinheiro e palavras sedutoras, a ceder a teu desejo; abso- lutamente terias pecado contra a castidade, muito menos cometido adultério, se ela fosse casada. Tivesses, porém, refletido sobre as per- seguições e aborrecimentos que ela teria de enfrentar caso o marido lhe dissesse: Mulher, confessa quem te fecundou, porquanto não te toco desde tal época! — então terias destruído a paz do lar, o que representa grave pecado contra o amor ao próximo, pois poderias ter guardado teu desejo, muito embora não voluptuoso, para época mais propícia.
Por aí vês que um homem — em atitudes que não con- trariam propriamente a verdadeira castidade — deve dirigir sua atenção a uma série de circunstâncias, caso não queira agir contra qualquer Lei.
De modo idêntico e talvez pior, pode o homem praticar a impudicícia com sua esposa, como também com uma prostituta. Nesta nada se pode perverter, porquanto já tudo está pervertido; a
mulher casada, no entanto, pode se tornar excessivamente sensual e cair numa exigência exagerada, pelo que se tornaria pior que a outra.
Quem pratica o ato carnal com uma solteira peca contra a castidade por ser apenas seu móvel a satisfação da volúpia e não a geração dum ente, pois a razão lhe deve dizer que não se semeia trigo nas estradas.
Além do pecado contra a castidade, aquele que pratica o ato com uma prostituta alia o ultraje à sua dignidade ao da mulher, pois aplica à sua natureza grande prejuízo, fazendo ainda que a infeliz se positive mais na obsessão oculta e impede-lhe a cura, que é outro crime contra o amor ao próximo.
Quem pratica o ato com u’a mulher que se tenha prostituí- do peca duas e quatro vezes, e se for casado, terá cometido adultério. Julgo, pois, que por seres racional, este ensinamento seja bastante para saberes o que se presta para um homem justo.”
Diz Jurah: “Sim, Senhor e Mestre, agora tudo me é claro e também sei para onde levam as aberrações da impudicícia. Em tudo só existe uma Verdade válida perante Deus, baseada na Ordem Eter- na — sendo todo o restante prejudicial!”
Digo-lhe: “Sim, assim é e sempre será. — Eis que agora vêm os marujos com os cadáveres recolhidos e Meu servo (Raphael) tem de deitá-los de modo que amanhã possam ser ressuscitados.” Imediatamente o anjo executa sua tarefa e os remadores vão à ceia.
209.CONTENDADOSFARISEUSACERCADADIVINDADEDO SENHOR
Com tudo que se tinha dado, poder-se-ia considerar por ter- minada a tarefa daquele dia; mas no Céu nunca se para de fazer o Bem, como no inferno não se descansa em criar o mal, e assim esse sábado guardava algo de especial que tinha de ser resolvido antes de meia-noite.
Entre os cinquenta fariseus — cujos dirigentes eram Stahar e Floran — havia irrompido uma discussão. Esses recém-convertidos
haviam alimentado uma série de dúvidas durante o temporal em que se ocultaram nas tendas de Ouran, e Minha Ordem referente à posição que os cadáveres deviam tomar confirmava suas opiniões duvidosas a Meu respeito. Divergiam num ponto: os mais bem in- tencionados admitiam que Eu fosse um profeta excepcional, seme- lhante a Elias; para os outros, muito embora de vastos conhecimen- tos na Escritura, Eu devia ser apenas um aluno das catacumbas do Egito, tendo aprendido a verdadeira magia no Templo de Karnac. Por isso, julgavam, era tão bem aceito pelos romanos, que conside- ravam os magos verdadeiros mais que seus deuses e até os tomavam pelos dedos de Zeus, agindo milagrosamente e simpatizando com os maiorais. Os romanos eram muito inteligentes e sabiam ser impossí- vel confiar nos judeus, até que se tivessem tornado romanos de cor- po e alma. Isto seria alcançado influenciando tal mago no sentido de os judeus o aceitarem como se fosse ele Moysés e os profetas, perso- nificados. Tal se estava dando agora com o melhor êxito do mundo, pois quem não se convencesse por palavras e milagres seria forçado pelas coortes romanas. Não se deixava passar uma oportunidade em criticar o Templo de Jerusalém, ressaltando o que tinha de ruim e desconsiderando a caridade que ali se praticava constantemente, o que todos bem sabiam.
Stahar e Floran, como tivessem compreensão mais acertada de Mim, pois enalteciam-Me como profeta qual Elias, esforçavam-
-se por desviar seus colegas de tais pensamentos, sem grande êxito. A parte contrária continuava afirmando: “Vede como os afogados foram deitados de bruços, como fazem os médicos. Por quê? Um deus seria bastante onipotente para poder vivificá-los. Já com os três primeiros foi preciso levá-los ao quarto, a fim de que o sereno não os prejudicasse e apresentassem um aspecto mais sadio. Isto não deixa dúvidas?!”
Floran então os inquire a respeito de Raphael, que havia ope- rado milagre incrível — e nada sabem responder. Um deles, final- mente, externa-se: “Amigo, poucos conhecimentos possuímos; no entanto, é de se supor haver em a Natureza forças ocultas, com as
quais nunca sonhamos. Se aquele jovem nos mostrasse a origem, os meios e benefícios, também poderíamos fazer tais milagres. Que faça uma tentativa para criar um novo mundo com tudo que nele existe, e garanto que não terá sucesso. Manobrar aquilo que já possui vida não é difícil; criar do nada uma erva, apenas, sem semente, ou uma criatura — isto só cabe à Onipotência Divina.”
Antepõe Floran: “Amigo, não me arriscaria a afirmar que es- ses dois não fossem capazes de criar um mundo, do nada!”
Acrescenta Stahar: “Nem eu; além disto, revelam sabedoria tão elevada que deita por terra toda a minha experiência; e quando se apresenta tal manifestação, o Espírito de Deus, ao Qual nada é impossível, está agindo. Recordemos as ações de Elias e Moysés e sa- beremos que aqui se deram os milagres através do Mesmo Potencial.
Em suma: sabendo-se que apenas o Espírito Divino pode operar coisas impossíveis a todas as criaturas, logo o Mesmo Poder que criou a Terra do nada está em ação e também de modo milagro- so agindo pelos profetas.
Além disto, percebo o seguinte: Onde teria existido um povo, pertencente aos círculos dos filhos de Israel, que em sabedoria e for- ça houvesse estado mais atrasado que nós, descendentes legítimos de Abraham, Isaac e Jacob?! Sei algo a respeito da escola do ocultismo egípcio, onde mal se pode chegar ao peristilo; no Santíssimo, po- rém, jamais!
A esses dois o Santíssimo parece ser tão familiar como a des- pensa para a dona de casa. Nesta, a fisionomia alegre demonstra que está bem provida. E eles revelam a mesma calma feliz e de completa despreocupação. Quem for munido de tal saber e força pode enfren- tar o mundo serenamente; quem não for atingido pelo mais impetu- oso temporal — assim como não nos preocupamos com o primeiro inverno que Adam assistiu — é um Santo, um Senhor e Soberano! Não mais necessita da escola de Karnac, porquanto o Espírito de Deus lhe erigiu outra melhor, no coração. Eis minha convicção e fé; esta só pode ser boa, pois também começo a sentir uma serenidade plena, antes não percebida.
Como ex-reitor não vos posso decretar tais sentimentos, é verdade, por jamais poderem ser exigidos; apenas afirmo como an- dam as coisas e que estais nas trevas com a dita escola de ocultismo!”
Diz o outro, a quem as palavras de Stahar reduziram a em- páfia: “Falaste acertadamente, amigo. Nossa única dúvida consiste na posição dada aos corpos inertes; essa, sempre empregada por na- vegantes e médicos, elimina a água dos pulmões e, caso o coração não esteja parado, faz retornar a vida ao corpo. Consta que a alma de afogados permanece no corpo durante três dias, de sorte que a experiência ensinou ser possível a revivificação após a permanência n’água por quarenta e oito horas. Se, portanto, neste profeta, idên- tico a Elias, habita o Verdadeiro Espírito Divino — para que esse pormenor material?!
Quando aquele vivificou um montão de esqueletos — con- forme consta — e os cobriu de carne, não necessitou de preparo algum, bastaram sua palavra e vontade. E essa foi a única ação mi- lagrosa de Elias; por que esta preocupação com os nove afogados, como se a força do Espírito Divino tivesse enfraquecido?!
Amigo, se acresces u’a mancha a um pano sujo ninguém a perceberá, enquanto num limpo um pontinho será bem visível. O mesmo se dá com os profetas: decepciona a menor incongruên- cia, que não se coadune com a compreensão elevada de Deus. Se não fosse tal precaução, tê-lo-ia considerado o Próprio Jehovah, pois tudo nele era divino; agora perdeu para mim seu antigo prestígio.”
Replica Stahar: “Nesse caso me admiro que tua fé em Jeho- vah não se tenha abalado com o crescimento moroso de plantas, animais e homens! Para que necessitaria Seu Espírito de preparativos tão incômodos?! Basta Ele querer e os frutos cairão do Céu! Para que um campo de trigo? Seria melhor que Deus permitisse chuva deste cereal, ou talvez, de pães saborosos. Para que fim a fecundação entre o reino animal?! Por que precisa a criança nascer fraca e desprotegi- da? Deveria chegar ao mundo forte, sábia e provida de tudo.
Não achas ser este processo preferível ao outro, demorado, pelo qual não raro uma criança faminta se vê obrigada a fitar duran-
te semanas uma árvore, até que um fruto venha a amadurecer?! Que prazer teriam os genitores se os filhos nascessem tão sábios como Samuel?! Nascem provocando sofrimentos e requerem no mínimo doze anos para se habilitarem ao ensino superior; mesmo adultos têm de aplicar todo zelo para se firmarem numa arte ou ciência. Achas que isto esteja de acordo com a máxima Sabedoria Divina?! Se Ela com tudo isto não sofre abalo, como podes criticar esse profeta só porque ordenou recebessem os afogados um tratamento usual?”
Diz o antagonista, chamado Murel: “Amigo Stahar, reco- nheço o absurdo de minha observação; todavia, contém algo de jus- to no que diz respeito à morosidade de Deus, nem sempre aceitá- vel. Existem momentos em que deveria ser mais aplicada; num raio destruidor, por exemplo, e nos dias curtos do inverno; a Lua cheia também poderia conservar sua luz por mais algum tempo. Se o raio não fosse tão veloz, poderia alguém dele se desviar, e o tufão também soprar com mais calma, evitando grandes prejuízos. Encontra-se na Criação, geralmente, uma presteza da Onipotência Divina onde é prejudicial à vida; quando, ao meu ver, uma demora teria utilidade, quase não há movimentação.
Todos sabem que assim é, mas qual o motivo, e por que não posso aprovar que assim seja, tornando-me impaciente e aborrecido? Por que, muitas vezes, costuma chover, se pela experiência dos cam- poneses os raios solares seriam um benefício, e por que o Sol vem torrar os campos durante semanas sem que a chuva o reveze? Quem me responderá todas estas perguntas?”
Diz Stahar: “O Grande Mestre que ali está! Indaga-Lhe e te garanto elucidação. Tuas perguntas são para mim demasiado com- plicadas e tão transcendentes que as poderia classificar de tolas; não que na verdade o sejam, mas minha ignorância assim as classifica.”
Diz Murel: “Oh, tu és fino e muito mais inteligente que eu, e me fazes tal proposta?! Como poderia inquirir o mais sábio?”
Diz Stahar: “Se reconheces isto, não deves indagar pelo mo- tivo de tais fenômenos, que a Sabedoria Divina determinou desde eternidades. Nós nada sabemos, pois nosso intelecto é, em confron-
to com a Sabedoria Suprema, nem um átomo; entretanto, o homem exige esclarecimentos que justifiquem a Determinação Divina! Nem alcançamos a divisa do Alpha e já queremos saber da natureza do Ômega! Quanta ignorância!
Talvez isso fosse admissível na escola de ocultismo, mas entre os filhos de Israel tais indagações não deveriam surgir. Se os ignorantes desconhecem sua natureza, nós ao menos deveríamos ter concluído que nosso saber nada representa perto duma centelha de Sabedoria Divina!
Bem que o espírito pesquisador do homem encontra nas criações de Deus muita coisa inaceitável para seu bem-estar; basta, porém, relembrar sua infância, em que seus pais esclarecidos o pri- vavam daquilo que o prejudicava. Se Amor e Misericórdia de Deus nos privam de conhecimentos prejudiciais à nossa alma, resta-nos apenas louvá-Lo por isso. Desde que estejamos aptos para assimilar uma noção profunda, Ele no-la facultará!”
210.PALESTRAENTREOSENHORE CIRENIUS
Eis que Cirenius, havendo acompanhado a discussão, vira-se para Mim e diz: “Senhor e Mestre, nosso reitor Stahar está se reve- lando, pois nunca suspeitei nele tamanha inteligência. Com facili- dade conseguiu que a oposição se calasse, inclusive Murel, que co- nheço como orador de classe e também possuidor do maior cabedal de experiências. Procurava-me sempre como delegado do sinédrio, e sabia expor sua petição de modo tão convincente, que tornava difícil não a satisfazer.
Por certo inspiraste Stahar, Senhor, do contrário teria perdido a partida. As alegações de Murel eram bem fundadas, no entanto Stahar conseguiu rebatê-lo. Além do mais, confesso existirem entre os judeus
mesmo nesta época tão corrupta — homens duma inteligência in- confundível, o que me impede de considerá-los nossos inimigos. Para Stahar designarei nova ocupação, em que seu conhecimento tenha oportunidade de manifestar-se, pois já é todo a Teu favor.”
Digo-lhe: “É sim, e Eu já sabia há muito que alcançaria este grau; Murel, porém, é mais importante. Seu espírito possui grande firmeza e sua alma é conhecedora de muitas experiências úteis, o que lhe facilita diferenciar entre a verdade e a mentira, o Bem e o mal. É preciso que seja mais esclarecido e se lhe mostre a Ordem Única do Espírito Divino, pois ser-lhe-á fácil transmiti-la a outrem com grande verbosidade.”
Diz Cirenius: “O que estranho entre Teus discípulos é sua atitude silenciosa; ouvem, com muita atenção, sem nunca darem um aparte. Por que são tão passivos?”
Respondo-lhe: “Por saberem o que fazer — com exceção de um! Quem ouve e cala, colhe constantemente; quem fala, dispersa e nunca terá um tesouro de conhecimentos. Quando Meus discípu- los primitivos tiverem fartura falarão também, pelo que a salvação por eles será transmitida aos povos da Terra. Existem em seu meio homens dum saber profundo, embora sejam pobres pescadores. — Voltemos a Murel, que nos aguarda com alguns problemas, para depois passar a uma verdadeira e gigantesca força espiritual, através da própria evolução.”
Concorda Cirenius: “Isto me alegra sobremaneira, pois sinto-
-me feliz quando um cego se torna vidente e um mudo vem a falar.”
211.ASEXPERIÊNCIASDE MUREL
Enquanto Cirenius faz esta observação, aproxima-se Murel, cumprimenta-Me e diz: “Senhor e Mestre, há pouco Stahar e Floran falaram por nós; como concordasse em certos pontos, silenciei e, quanto a algumas dúvidas, o primeiro já me esclareceu. Todavia, existem ainda outros senões e, como agora penso de modo diferente a teu respeito, desejaria que me informasses.
Fui fariseu como os demais apenas na medida em que os estatutos templários se coadunavam com meus conhecimentos mais adiantados, e sei que antipatizas com esses profetas tenebrosos. En- tretanto, há entre eles alguns cuja boa índole ainda não se evaporou
completamente, tendo-me na conta de um deles. Assim, atrevo-me a te abordar como simples homem experimentado, indagando de ti o que seja útil para todos. — Antes de tudo tenho uma pergunta preliminar: Sou pecador e tu, um santo de Deus; dignar-te-ás res- ponder-me?”
Digo-lhe: “Quem reconhece seu pecado e o despreza pela ação, ama a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo
deixa de ser pecador perante Mim. Amar a Deus sobre todas as coisas significa cumprir seus Mandamentos e não querer viver fora de Sua Ordem; se isto se dá contigo, fala, que te responderei!”
Diz Murel: “Então, amigo, adeus! Pois que me adianta re- conhecer e desprezar meus erros?! Chegado o momento da tenta- ção, a pessoa cai mil vezes no mesmo pecado! Os Mandamentos são considerados com boa vontade! Quando chega a hora de agir
nada feito.
Sempre amei meu próximo quando não era ladrão e vaga- bundo; pois do contrário já não o amava, nem era seu amigo. Sabes, portanto, qual minha índole. Fala-me se me queres honrar com uma resposta, pois também me satisfarei com tua negativa.
Orgulho e teimosia me são estranhos, bem como o medo, por não ser amigo da vida. Prezo-a tanto quanto a última tábua da Arca de Noé. Por que, finalmente, sou obrigado a viver? Teria al- gum dia pedido a Deus que ma facultasse?! Fui gerado contra minha vontade, vivo sem querer e tenho de suportar uma série de leis e desgraças, com a promessa obscura duma vida eterna após esta, mi- serável. A fim de poder dela participar, devo aqui ser desmoralizado por fortes tentações e apresentar-me puro como o Sol ao meio-dia, condição inaplicável, a não ser que tivesse uma natureza tão divina quanto a tua!
Mas..., para que tudo isso? Terminemos com esta vida, que, tão miserável, pode ser dispensada. Recuso-a, mesmo temporária, e assim também uma eterna, talvez melhor! O nada em si é a ver- dadeira felicidade, pois saberia como e por que deveria agir para alcançá-la com plena confiança!
Em todas as escolas, no entanto, depara-se com a fé cega li- gada à esperança, sem base, ao invés duma clara perspectiva. Assim, as criaturas vieram a criar leis com as quais se martirizam, numa confiança surgida de sua fé.
Viajei por todo Egito à procura duma convicção para a vida do Além. Que encontrei após todos os sofrimentos da Iniciação? Nada, a não ser uma capacidade mais lúcida de sonhar — artificial- mente provocada — e o ensino da interpretação de tais sonhos, a qual, de caráter profético, servia para todos os acontecimentos.
Fosse eu igual a muitos outros de índole fraca, e tal misti- ficação me teria impressionado; logo descobri a origem das coisas, dei-me como ludibriado, reconhecendo nos mestres da escola de ocultismo impostores que em nada acreditavam de seu próprio en- sino. Essas pessoas ainda são as mais inteligentes; as outras que sus- tentavam alguma fé são ignorantes, pois não reconhecem a verdade simples e baseada em inúmeros fatos repetidos.
Paguei na escola de Karnac a taxa de Iniciação, voltando à pátria convencido de ter feito tal despesa inutilmente. Durante a viagem encontrei um homem que se juntou à minha caravana; vinha da Pérsia e tivera contato com os velhos crentes (birmaneses), dos quais me relatou coisas extraordinárias. Após três dias de con- vívio, resolvemos voltar para a Birmânia, o que nos requereu cinco semanas acidentadas. Descobri então um povo que vivia numa pe- nitência rigorosa, mas bastante hospitaleiro. Como não entendesse seu idioma, meu guia fez o intérprete, e assim facilitou-me o con- tato com os célebres crentes antigos, que descendiam diretamente de Noé. Em breve aprendi o suficiente para uma conversação, no intuito de pesquisar algo de positivo sobre a vida no Além.
Sua resposta foi: De tal assunto apenas sabia o sumo sacer- dote imortal, que falava constantemente com Deus e a quem tam- bém era lícito vislumbrar o outro mundo e seus habitantes. Nin- guém poderia dele se achegar nem se aproximar de sua residência a não ser uma vez por ano e isto somente à distância de meia hora da rocha dourada, na qual ele se apresentava por alguns minutos nu’a
manhã de sábado, ao nascer do Sol. Todos eles tinham de crer e es- perar, cumprindo penosas leis; se, porém, caíssem no pecado, teriam de penitenciar-se de modo tal que até apavoraria ao próprio Satanás!
Apresentaram-se tais penitentes e suas aparências me fize- ram estarrecer! Aquilo que se faz no Egito apenas para despertar medo e pavor, lá se aplica em verdade. E por que o fazem esses tolos? Somente pela esperança duma vida melhor após a morte. Firmam-se nessa imaginação de tal modo, que aceitam a mistificação mais te- nebrosa como verdade real! Os sacerdotes, infelizmente, tudo fazem nesse sentido, pois tal fraude lhes proporciona vida folgada. A mim não conseguiram enganar: quero certeza absoluta — ou morte certa.
Após um ano de martírio, deixei os birmaneses e voltei com uma caravana para Jerusalém, fiz-me fariseu e fui mandado para aqui, onde há onze anos presto serviços. Nada fiz para tornar as criaturas mais tolas que são, tampouco contribuí para aumentar sua inteligência.
Se as leis humanas — dificilmente cumpridas — decidem se o homem é justo ou criminoso, sou evidentemente pecador dian- te de teu caráter puro e não posso palestrar contigo. Se, para nós ambos, as leis nada representam, mas sim apenas a própria criatu- ra, poderíamos entrar em contato, não obstante tua santidade que não me diz respeito. Não deves por isso aguardar agradecimento nem veneração — mesmo se fosses o Próprio Jehovah! Nesse caso, seria eu tua obra e não vejo motivo por que te deveria temer ou amar e honrar!
Se te pudesse pedir uma nova existência, a questão seria diversa, mas se fosse amigo da vida; tornei-me seu inimigo por ver penarem pobres e honestas criaturas sob o jugo miserável de leis tolas. Só são felizes aqueles que souberam enganar seu semelhante, pois se sobrepunham às leis.
Ludibriavam os outros com toda sorte de promessas, a fim de levarem vida mais confortável. Tais fraudes conheço de perto e sei o que esperar duma existência futura. Eis por que não tenho medo
nem diante de Deus e, muito menos, dum soberano poderoso.
Não temo a Deus por ser Ele mui Sábio e não Lhe ser pos- sível sentir prazer em martirizar um verme no pó. Assim também não deve aguardar amor e veneração de minha parte, porquanto me impõe uma vida absurda.
Por aí vês que nem a fé, nem a esperança me conseguem con- vencer. Dá-me a verdade que poderia sentir com a vida física. Não te teria falado de modo tão leal se não tivesse percebido seres também amante da verdade e mui sincero de coração. Se, no entanto, teu fito for outro que não este — deixa-me seguir com aquilo que já sei.”
212.ONDESEDEVEPROCURARA VERDADE
Digo Eu: “Amigo, se algo tiveres perdido e o procurares num lugar errado, lastimando-te por não o encontrares e admirando-te do teu insucesso, não obstante todo o zelo e mil sacrifícios — mesmo sendo um homem inteligente e sóbrio — nesse ponto terás falhado!
Logo no início de teus estudos espirituais, achaste as palavras de Moysés e todos os profetas sem nexo, sem inspiração nem ver- dade; consideravas, como a tudo que lhe apresentassem, obra inútil aos homens, sem te dares ao trabalho de penetrar no sentido da Escritura, preferindo gastar tempo e dinheiro em busca da verdade onde jamais seria encontrada.
Assim te vias, infalivelmente, ludibriado em toda parte, de- parando apenas com a mentira, a bajulação e a mistificação grossei- ras. Por isso tuas experiências eram amargas e até hoje improfícuas, e só te levaram a odiar a vida, tornando-te isento de todo amor, respeito e veneração a Deus.
Se tivesses procurado a verdade no lugar certo, de há mui- to a terias encontrado, conforme se deu com outros pesquisadores. Crê-me, ela não exige fé da maneira que tu a interpretas, tampouco uma esperança vã e sem base, mas cria dentro de teu âmago uma certeza absoluta sobre a vida após a morte. No teu espírito habita a convicção plena e palpável, uma vez que desperte pelo amor a Deus e ao próximo.
De modo algum encontravas tal coisa na escola pagã de Kar- nac, no Egito, e muito menos entre tolos anciãos da Índia. Tudo isto está bem perto da criatura e facilmente será encontrado; portanto, é onde deve ser procurado — do contrário todo esforço e trabalho são inúteis. De cardos e abrolhos não se colhem uvas, e nas poças e brejos o trigo não progride.
Afirmaste também não seres obrigado a amar, temer ou ser grato a Deus, por jamais Lhe teres pedido esta existência. Se teu es- pírito já fosse desperto, ter-te-ia demonstrado claramente quais teus deveres para com Ele, o Pai de todas as criaturas! Tua carne e sangue disto sabem tanto quanto tua túnica te percebe a fome.
Nesta mesa encontrarás um tal Philopoldo de Caná, da Sa- maria, que há poucas semanas pensava como tu e empregava fra- ses idênticas. Palestra com ele, que receberás alguns ensinamentos; em seguida, dar-te-ei Luz justa e então veremos se Deus merece teu amor verdadeiro e fiel! Aí, à Minha frente, está ele, de quem te falei. Vai e segue Meu Conselho; ser-te-á de maior benefício que a escola de Karnac.”
Rodeando a mesa, Murel se dirige a Philopoldo, dizendo: “O Mestre mandou que te pedisse orientação certa num assunto que me aflige; peço-te que me atendas!”
Diz Philopoldo: “Amigo, ouvi tua palestra com Ele e me lem- brei de ter eu externado as mesmas ideias, que se baseavam totalmen- te em minha índole. Também procurei onde nunca havia perdido algo, desconsiderando a busca no local exato. Somente quando o Se- nhor e Mestre Divino chegou a visão se me abriu. Reconheci quem sou e por que existo, e qual o objetivo a atingir. Tudo é luz dentro de mim e não alimento a menor dúvida em minha existência esclareci- da. Em breve, por certo, também alcançarás a iluminação interna!”
213.ADECADÊNCIADASABEDORIAEGÍPCIAEDA HINDU
Eis que Murel pede esclarecimento mais completo, e Philo- poldo diz: “Amigo e irmão! Dispões de vastas experiências e viajaste pela Índia, nos países além do Ganges até às montanhas virgens; no Egito chegaste até as cataratas do Nilo. Conheceste o velho Templo no interior da rocha chamado Jabusimbile até te foi dado ouvir, numa aurora, o som das colunas de Mem’n’on. Dedicaste-te aos estu- dos da escrita persa, meda e assíria.
Os mestres em Karnac deviam te esclarecer sobre todas as coisas, pois lhes havias pago soma vultosa; contudo, não o fizeram por não terem base para tanto. Os atuais sábios e eruditos do Egito não chegam aos pés daqueles que, na época dos velhos faraós, funda- ram tais escolas e templos. Enfrentam mais dificuldades na busca do conhecimento antigo que os levitas e fariseus em Jerusalém, os quais enveredaram por um ascetismo vergonhoso. Tal seita nada mais é que a prova dum orgulho desmedido e, em virtude disso mesmo, uma tolice ilimitada.
Houve época em que as criaturas eram donas da sabedoria justa, como a teve Noé; quando das famílias, pouco a pouco, se for- maram povos de necessidades maiores, as forças físicas eram usadas em excesso, de sorte a impossibilitarem a dedicação exclusiva à ciên- cia absoluta. Por isso os povos escolhiam os mais sábios, entregando-
-lhes a tarefa elevada de zelarem apenas pelo culto do conhecimento divino, a fim de que fosse conservado entre seus descendentes. Ao mesmo tempo o povo outorgou a esses conservadores da sabedoria o direito de criar leis, por cuja sanção todos deviam responder, sendo os infratores severamente punidos.
No início de tal instituição tudo correu bem, com pleno êxi- to. Pouco a pouco a casta sacerdotal foi aumentando e exigindo cada vez mais para seu sustento. Logo criaram-se novas leis e determi- nações sob o título místico ‘Leis provindas de Deus!’ Começaram a chover punições, penitências e outros meios enganosos para ex- torsão de resgate. Os ricos se isentavam deste modo, enquanto os
pobres deviam suportar o castigo. É fácil se imaginar o vulto que assumiu essa previdência social.
Vê, meu amigo, justamente lá foste à procura da verdade e da máxima sabedoria! É compreensível que não a tenhas encontrado, o que te tornou verdadeiro inimigo da vida. Apenas não percebo como podias, sendo entendido na Escritura, deixar de procurar nes-safonte, e se não haveria possibilidade de se alcançar um princípio sólido de vida pelas regras da escola dos profetas.
Em parte, eu mesmo passei por tais experiências, pois meu conhecimento se alicerçava na filosofia grega, embora considerasse os escritos divinos dos judeus — faltava-me, porém, a base, razão pela qual não obtive resultados positivos.”
214.ASENCARNAÇÕES PASSADAS
(Philopoldo): “Quando há pouco tempo tive a felicidade in- calculável de conhecer este Mestre Divino, todas as dúvidas se dissi- param e o Sol da Vida esplendeceu-me n’alma. Somente nesta Luz sagrada reconheci minha natureza e o Ser Supremo, vendo também o que devo a Deus, nosso Único Pai, o Amor Eterno.
Cheguei à conclusão de haver firmado um contrato especial com o Espírito Divino antes de minha encarnação, a fim de poder alcançar a filiação divina nesta Terra, que em todo o Infinito, uni- camente tem a finalidade de abrigar os filhos de Deus dentro da Ordem Eterna do Seu Amor.
Observa as inúmeras estrelas: são mundos imensos e mais des- lumbrantes que o nosso; em cada um existem criaturas de forma idênti- ca à terrena, dum saber profundo e não completamente isentas de amor. Nascem perfeitas, como os animais terráqueos, e não necessitam apren- der, desde o início, o que desejam saber. O idioma é quase o mesmo em todos aqueles mundos, seu conhecimento tem limites prescritos, sendo a noção do Supremo Espírito de Deus mais um pressentimento.
Em suma, encontras lá criaturas idênticas aos gentios de melhor índole, de quem apenas diferem num sentido: eles nada de
novo descobrem, mas o que existe é perfeito, enquanto os pagãos poderão descobrir e inventar coisas diversas, o que lhes abre o cami- nho ao aperfeiçoamento ilimitado.
Naquelas imensas esferas há sábios que, às vezes, entram em contato com espíritos elevados e se orientam no conhecimento mais profundo de Deus. Então acontece que alguns mais esclarecidos são tomados do desejo de ingressar na filiação divina.
Os sábios de todos os mundos vêm a saber, pelos espíritos puros, existir no Espaço Infinito um planeta que abriga os filhos de Deus, e que uma alma desencarnada numa estrela pode ali no- vamente encarnar, porém num corpo grosseiro. Desde o momento em que alguém externa tal desejo, é-lhe minuciosamente explicado o que terá de sofrer.
Desprovida de toda recordação do estado primitivo, a alma encarna neste mundo num corpo imperfeito, quase inconsciente e idêntico ao irracional, não se dando conta da atual existência. Só pouco a pouco, mais ou menos após um ano, começa a se desen- volver uma consciência nova através das percepções e quadros exter- nos. Essas recordações tornam-se, pois, os únicos guias e meios na trajetória a encetar. Não são espíritos elevados, enviados por Deus, que conduzem a criança a um entendimento mais profundo, mais os próprios pais, que se devem esforçar nesse sentido dentro de suas experiências. Em seguida a criatura é obrigada a aprender várias coi- sas, determinar suas vontades, indagar e pedir, suportar medo, fome, sede, dores e privações, deixar-se humilhar até o último hálito e, finalmente, contrair moléstia grave que extermine sua vida.
Havendo o homem cumprido as exigências acima expostas, se tiver amado a Deus acima de todas as coisas e ao próximo mais do que a si próprio — mesmo que seja perseguido como adversário atroz
então terá vivificado a centelha divina no coração de sua alma, despertando-a para o crescimento. Daí por diante Deus toma posse da alma, penetra-a, fá-la idêntica ao espírito e, deste modo, transforma a criatura de antanho num filho de Deus, que nesse estado se pode vangloriar de possuir todas as perfeições existentes na Divindade.
Vê, amigo Murel, deste modo são expostas as condições de vida terrena a um ser de outros mundos; caso o deseje com serieda- de, desprende-se num momento de seu corpo fluídico, e rápido, in- conscientemente, é transportado para a encarnação neste orbe. As- sim sendo, poderás deduzir por conta própria se não firmamos um contrato voluntário com Deus, o Senhor, antes de aqui chegarmos.
Deus cumpre Sua Palavra dentro da Ordem Imutável; resta saber se nós também a cumprimos de acordo com as Leis dadas a Moysés e aos patriarcas e, além disto, gravadas no coração de todas as criaturas. Daqui por diante certamente a manteremos; nisto não há mérito, pois age unicamente a Misericórdia de Deus. — Dize-me se te agrada minha pequena explanação.”
215.AVENTURASDEPHILOPOLDONO ALÉM
Responde Murel: “Amigo, acabas de me revelar coisas que jamais alguém sonhou. Não deve ser uma fantasia engenhosa de tua parte, pois assemelham-se a fábulas pagãs. Todavia, não posso jul- gar por não possuir conhecimento necessário de astronomia. Quem teria imaginado serem os astros, esses pontos diminutos, mundos imensos, maiores que o nosso, cujo limite pessoa alguma até hoje viu?! Peço-te que me positives tal hipótese, pois despertaste ânsia de me aprofundar neste assunto! Moysés nem sequer faz alusão a respeito e ninguém compreende o sentido da Gênesis.”
Diz Philopoldo: “Amigo, quem entende a Escritura descobre muita coisa; isto naturalmente exige algo, além duma boa memória na retenção de textos. A pessoa que houvesse amado a Deus acima de tudo teria recebido pelo Espírito Divino o justo esclarecimento de que a Gênesis não representa a Criação dos mundos, propria- mente dita, mas a educação e formação espiritual. Poder-te-ia pro- vá-la; o tempo, porém, não o permite.
Pela Graça do Senhor, tenho outra prova dada por Ele, que ora Se encontra em nosso meio, tal qual os profetas O anuncia- ram. Naquela época também se achava presente um anjo em corpo
etéreo, que tirou a venda dos olhos de minha alma, por ordem do Senhor, e isto me facultou a plena consciência de todas as encarna- ções passadas.
Incontinenti reconheci aquele grande astro onde vivera antes de aqui encarnar; vi até mesmo meus familiares ainda vivos, e o anjo me apresentou alguns utensílios que constatei de minha proprieda- de. Assim iluminado, percebi também meu grande débito para com Deus, o Senhor e Pai!
Soube então do valor inestimável da própria existência e de todos, e não acho palavras que expressem meu amor e veneração a Ele. Antes desse milagre era inimigo da vida como tu; certo está, po- rém, que em breve pensarás como eu. Tudo que acabo de relatar foi testemunhado por quase todos que se acham nesta mesa. A Maior Testemunha é o Senhor em Pessoa, que te mandou falar comigo para que soubesses se realmente não Lhe deves amor e gratidão.”
216.AORDEM CÓSMICA
Diz Murel: “Agradeço-te com sinceridade, meu amigo Phi- lopoldo! Acabas de me fazer revelações que o próprio Salomon ja- mais sonhou. O caso em si é tão extraordinário que leva qualquer pensador a duvidar, porquanto nossa razão não comporta nem um vislumbre de tais conhecimentos. Todavia, já não mais posso ter dú- vidas, pois se não fossem baseadas em tuas experiências próprias não mas poderias relatar. Não há quem as pudesse ter inventado: são revelações do Alto, que aceito como se fossem dadas a mim. Con- ta-me algo mais sobre as estrelas, pois custa-me crer que sejam esses pontinhos luminosos verdadeiros mundos.”
Diz Philopoldo: “Caro amigo, isto será difícil, porquanto não tens ideia do que seja nossa Terra, a fim de compará-la com as outras. Eis por que te darei uma pequena explicação a respeito.” As- sim, o grego começa a discorrer sobre nosso planeta como verdadei- ro professor de geografia, provando suas afirmações através das ex- periências que Murel havia feito em suas viagens. Demonstrou-lhe
as razões da noite e do dia, a natureza da Lua, sua distância de nós e finalidade, e de outros planetas que perfazem nosso sistema solar.
Em seguida passa às estrelas fixas, dizendo: “Penso que não podes alimentar a menor dúvida acerca de minhas palavras, e só te- nho a acrescentar que todos os pontos luminosos, grandes e peque- nos, na abóbada celeste são imensos mundos solares, havendo-os de tamanho tão colossal, que deixa para trás nosso próprio Sol.
Devido à sua posição distante, apresenta-se ele pequeno. Se te for possível calcular quatrocentas mil vezes a distância que o se- para da Terra, terás mais ou menos o que esses astros distam da mais próxima estrela fixa. Então compreenderás por que se apresentam tão diminutas, já que nosso Sol, que comportaria um milhão de outros planetas, apenas exibe o tamanho da palma de nossa mão. Outras estrelas fixas, embora visíveis, ficam tão longe que não pode- mos apurar sua distância. Terás compreendido isto?!”
217.MURELFAZUMDISCURSODE GRATIDÃO
Diz Murel: “Estou plenamente orientado sobre aquilo que me parecia tão incompreensível; reconheço que pessoa alguma teria chegado a tais conclusões sem o auxílio excepcional de Deus. Ape- nas Seu Espírito pode tudo abranger e transmitir esses conhecimen- tos aos homens de boa vontade. Estes, se guiados exclusivamente pelo intelecto, só expressariam tolices; Deus, o Senhor, porém, pro- vê Seus filhos sedentos de saber.
Por isso, todo louvor e gratidão sejam a Ele dirigidos, ao Úni- co e Verdadeiro Benfeitor da Humanidade! Quão sublime e elevado é o pensamento que ora ilumina meu coração! Todos nós somos irmãos e o Pai Santíssimo e Bondoso nos conduz a um destino san- tificado, através de Sua Ordem!
Amigo Philopoldo, tornaste-me teu maior devedor; como re- compensar-te? Se não foras tu, poderia viver a idade de Mathusalém, tendo todos os templos e catacumbas da sapiência humana a meu dispor — e saberia tanto quanto no início de tua explanação! Em
menos de uma hora vejo-me qual Moysés, no Monte Sinai, plena- mente iluminado da Sabedoria Divina que também cobriu o sem- blante daquele profeta.
Que bem-estar indefinível sinto nesta Luz santificada, e como deveria louvar e honrar Aquele que te inspirou de tal forma?! Seria possível o idioma humano expressar as palavras que o dignifi- cassem?! Não, jamais! Nossa boca deve calar quando o Verbo Vivo começa a projetar-Se em todas as chamas dum novo amor a Deus!
Quão infinitamente elevado e sublime Te apresentas diante de nós, Mestre Querido e Santo! Quem Te assimilará, quem Te com- preenderá?! Como Tu, Divino Mestre, sabes daquilo que apenas o Criador conhece, afirmo: Embora oculto na Carne, meu coração Te reconhece, Santo Pai! És o Mesmo que deu no Sinai ao povo esco- lhido as Leis de Vida através de Moysés, e também falou pela boca dos profetas iluminados. És o por Ti Mesmo Prometido e cumpres o Verbo Divino de Teu Eterno Amor Paternal em Teus filhos fracos e pequeninos. Permite que em breve nos tornemos adultos e fortes, para que Te possamos render louvor de bocas e corações purificados, como os Céus jamais Te renderam!
Ó Terra, se bem que insignificante junto aos mundos gi- gantescos que giram em órbitas imensas no Espaço Infinito — quão abençoada ora és por abrigares Aquele que todos eles não compreendem!
Meus irmãos, por que hesitais em levantar-vos e honrá-Lo acima de tudo, quando sabeis, como eu, Quem Se acha diante de vós?! Caso não o saibais, afirmo-vos: Eis o Senhor, o Pai de Eterni- dade! Céus e Terra são plenos de Sua Glória Grandiosa e Eterna! Louvai-O comigo e auxiliai, que já sois fortes por Sua Graça e Mise- ricórdia, aqueles que ainda não sejam tão felizes!”
Eis que o interrompo: “Basta, basta, Meu caríssimo amigo Murel! De há muito te conheço e sei de tua índole, que te ajudará na compreensão futura! Agora vem e bebe o vinho puro da taça que usei; em seguida te aguardam coisas bem diversas às do conhecimen- to de Philopoldo. Vem junto de Mim!”
Diz Murel: “Ó chamada sublime, voz maravilhosa, Palavra Divina, que reconheço pela primeira vez em minha ignorância! Quem poderia opor-se a Ti, quando Te sente no coração?! Quão elevada, sublime, santa, suave e tão agradável soas da Boca Paterna, dirigindo-Te ao filho há tanto tempo exilado de Teu Coração! São infinitas as bênçãos que me acariciam pelo Hálito Daquele que tro- vejou o ‘Que assim seja’ nos Espaços Infinitos, dando origem àquilo que Seu Amor criou!
Que tudo aquilo que me proporcionou forças para uma ação pecaminosa se atemorize! Tu, meu coração recém-nascido, re- jubila-te! Teu Criador, Deus e Pai chamou-te! Segue à Voz que so- prou vida em tuas fibras! Voz Paternal, que som sublime repercute no ouvido de teu filho, no coração do ente ressuscitado!”
218.APREDIÇÃODEISAÍASSE REALIZA
Após ter pronunciado palavras tão sublimes, Murel se dirige a Mim chorando de alegria, e quando passa perto de Stahar e Floran lhes diz: “Vinde também vós e abri vossos olhos anuviados! Pene- trastes no peristilo do Templo antes de mim, atraindo-me para lá com regozijo; acontece termos alcançado não somente o peristilo, mas o Verdadeiro Santíssimo!”
Digo Eu: “Seja o que for; toma do cálice e bebe! Muito falas- te, tornando seca tua garganta. Umedece, pois, o peito com o vinho da verdade e do amor, a fim de que te tornes um instrumento útil no combate às trevas e seus efeitos! Vê, a noite aqui já se transformou num dia radioso, mas ao nosso redor a obscuridade persiste. Será preciso um sem número de fortes luzes para eliminá-la, e tu serás um archote a Meu serviço!”
Cheio de alegria, Murel apanha a taça repleta e bebe todo conteúdo. Admirado pela qualidade excepcional do vinho, exclama: “Eis o néctar mais delicioso que já provei! Certamente não terá sido extraído desta Terra e fermentado num odre, pois foi criado no Céu para o Senhor de toda a Glória! Pai Amoroso e Santíssimo — quão
sublimes devem ser Teus Céus! Que merecemos nós para nos cumu- lares de Graças tão imensas?”
Digo Eu: “A razão disto se baseia no elo que liga o Pai a Seus filhos, idêntico à união entre noivo e noiva! No Meu Espírito Eterno sou vosso Pai de todo sempre; nesta Carne, no entanto, sou qual Noivo e todos vós, Minha noiva, à medida que aceitais Palavra e Doutrina, acreditando vivamente nos corações ser Eu o Prometido que deverá libertar todas as criaturas do antigo pecado — criação do inferno — e demonstrar-lhes o Caminho para a Vida Eterna e verdadeira Filiação Divina.
Em verdade vos digo: Quem crê em Mim e cumpre Meu Verbo pela ação está dentro de Mim qual noiva celeste e Eu com ela, um Verdadeiro Noivo da Vida Eterna! Nesta União ninguém verá, sentirá ou provará a morte!
Quem crê em Mim e Me ama, cumprindo deste modo o fá- cil Mandamento do puro amor, reconhecer-Me-á como Pai na Luz plena de seu coração! Procurá-lo-ei Pessoalmente e Me revelarei, en- sinando e guiando-o, e sua vontade receberá a força de subjugar os elementos, em ocasiões de verdadeira necessidade!
No mundo propriamente dito os Meus não poderão celebrar triunfos, pois nem todas as criaturas desta Terra são filhos Meus, mas do príncipe da mentira, das trevas e da cegueira. Não conside- ram Minha Luz e não poderão amar aos que procurem levar-lhes Meus Ensinamentos. Meus filhos, porém, não se devem escandalizar com isto, pois aguarda-lhes a vitória no Meu Reino!
Afirmo-vos que tereis sempre de suportar, pelo Meu Nome, toda perseguição e desprezo por parte do mundo; no Além, toda- via, dar-se-á o reverso da medalha e vosso poder de vontade ainda cobrirá aqui os maus de vergonha, podendo-vos então regozijar in- timamente de Meu Nome! Sabeis Quem sou e o que somente Eu vos posso facultar; o mundo, o oponente maldoso da Luz e de Meu Amor, ignora-o, e nunca mesmo o saberá!
Vosso conhecimento é a confirmação das palavras de Isaías que mencionaste acima: Moab (Jerusalém e sua constituição nefas-
ta) será trilhada como se trilha a palha no monturo. O Senhor esten- derá as Mãos sobre seu povo como as estende o nadador para nadar, e fará curvar a fortaleza elevada de vossos muros (amor-próprio e orgulho), rebaixando-a e abatendo ao pó (à máxima humilhação). (Isaías 25, 10–12).
Vê, aquilo que o profeta predisse neste local e neste mesmo monte à beira-mar, quando a caminho da Galileia — cumpre-se ple- namente diante de vossos olhos. Conta os diferentes povos aqui reu- nidos, aos quais será tirada a grossa venda dos olhos e cada um rece- berá vinho puríssimo, sem fermento; quem o beber e assimilar com sua alma o espírito nele contido terá aceito a Vida Eterna. Assim, todos aqui presentes que sorvem Meu Verbo como o Vinho Puro dos Céus, e aqueles a quem fordes ofertá-lo e também o tomarão em largos haustos — jamais sentirão a morte, que foi por Mim vencida!
Esta Sabedoria é um farto manjar que preparei para os po- vos terrenos — sois realmente alimentados e saciados com o tutano da mais profunda Sabedoria e Verdade Eterna! Ide, pois, já que nun- ca mais carecereis da fartura celeste, aos quatro cantos da Terra, pro- curai vossos irmãos abandonados, as viúvas e órfãos, enxugai-lhes as lágrimas e dai-lhes fartamente de beber deste Vinho puríssimo, que vos dei em abundância.
A época propícia para cumprirdes vossa missão ser-vos-á demonstrada pelo Meu Espírito! Se agirdes verdadeira e fielmente em Meu Nome, Meu Espírito, Meu Eu, permanecerá convosco para todo sempre. Daqui por diante não necessitais pensar no que dizer, pois no momento ser-vos-á dada a intuição.
O espírito deste Vinho que vos acabo de oferecer jamais se evaporará de vossas almas, pois é a Verdade Eterna, que impedirá a infiltração da mentira. Esta é a morte, a destruição e um julgamento constante, enquanto aquele é a própria vida, que sou Eu Mesmo dentro de vós, pois Eu sou a Verdade, a Luz, o Caminho e a Vida Mes- ma!Quem, por conseguinte, conservar-Me no coração tudo terá; pois, além de Mim, não existem outra verdade e outra vida! — Di- ze-Me, Murel, se tudo isto te é claro.”
Responde Murel: “Ó Senhor, como não deveria entendê-lo? Tanto o vinho que sorvi quanto Tua Doutrina estavam isentos de fermento e confesso que entendi Isaías pela primeira vez em minha vida. Moab está completamente trilhada, o que causa imensa alegria à minha alma anteriormente tão pobre, sedenta de verdade; aqui foi regiamente compensada de todos os sacrifícios que sofreu na busca da verdade única! Senhor, Tu somente és nosso Deus! Todo louvor Te seja rendido! E tu, caro Philopoldo, recebe minha gratidão por me teres aberto os olhos àquilo que procurei pelo mundo afora!
Eis que tenho um grande pedido a fazer em nome de todos, Senhor: já que Te deixaste encontrar não mais nos abandones, a fim de que nossos descendentes não necessitem mil anos para poderem dizer: Reencontramos-Te, Senhor!”
Digo Eu: “Em Meu Verbo, que representa Meu Espírito e Amor, permanecerei com as criaturas de boa vontade até o fim dos séculos. Não mais, porém, neste físico material, pois que será trans- formado, em breve, de acordo com a Determinação do Eterno.
Por este Corpo assumi todo o julgamento e morte; eis por que a esta deve ser entregue durante três dias, a fim de que vossas almas possam desfrutar da Vida Eterna. É ele o representante de vossas almas, e para que consigam existir, Meu Corpo tem de deixar a vida, vida ofertada em holocausto eterno à vossa salvação.
No terceiro dia Meu Corpo retomará a vida sublimada, e a Plenitude do Meu Espírito Eterno penetrar-vos-á, conduzindo-vos à verdade integral. Somente nesta verdade sereis transformados, como foi Meu Corpo em vossos corações e almas, podendo vós mesmos adquirir a Vida Eterna da Plenitude de Meu Espírito livre e inde- pendentemente, tornando-vos para sempre filhos de Deus.
Por ora estais sendo apenas adestrados para tal. Ouvi, pois, Minha Voz e Meu Verbo. Jamais alguém chegará ao Reino dos Céus se não for atraído pelo Meu Espírito. Quem é Este? O Pai Eterno, que vos levará junto de Mim!
Este Espírito não tem nome; Sua Natureza é o Amor. Se ti- verdes o Amor, também tereis o Espírito — possuindo Este, tereis a Mim, pois Eu, o Pai e o Espírito somos Unos!
Por isto, aplicai o Amor a Deus e ao próximo, aos pobres e necessitados de corpo e alma, e assim despertareis com esse amor, o amor a Deus principalmente, não considerando o mundo e sua crítica fácil; quem se envergonhar e fugir dos pobres, a fim de me- recer crédito no mundo, não será tampouco por Mim considerado e aceito. Quem, no entanto, considerar o Meu Espírito igualmente manifesto no pobre será por Mim aceito como Meu filho. Guardai bem isto! — Agora descansemos por três horas, aqui mesmo!”
220.ANATUREZADOSENHOREA HUMANIDADE
Meus discípulos são os primeiros a adormecer e os próprios romanos estão sonolentos; cada um faz da mão um travesseiro, en- costa-se à mesa e adormece como num leito macio. Somente Murel e Philopoldo se retiram, a fim de palestrar sobre os acontecimentos.
Mathael os acompanha e diz: “Impossível dormir depois de tudo aquilo que assisti. Imaginai que há três dias atrás ainda era pos- suído duma legião de demônios e, embora inconscientemente, um dos mais temidos assaltantes. Não havia caravana que passasse pela estrada na qual me houvesse escondido, pois quem caía em minhas mãos não deixava de sentir seu prejuízo. E agora sou genro do Rei Ouran e vice-rei do vasto país no Pontus até ao reino dos skythos. Não é isto um milagre? Sim, aqui se passam coisas que em parte alguma da Terra poderão ser imaginadas.
A única dúvida a resolver é a seguinte: As criaturas irão com- preender e conservar a Doutrina pura, tanto as que vivem distantes daqui como aquelas que ainda viverão? Na melhor das hipóteses será tomada pela expressão dum grande profeta — admitir, porém, que Deus Mesmo, Encarnado, tenha ensinado os homens será uma tese difícil de aceitar, muito mais por ser Ele Filho Natural duma tal Maria, posteriormente esposa de José.
Nós outros estamos convencidos de que, além da forma externa, Nele nada há de humano; tanto Corpo, como Alma e Espírito são Deus. Até se pode afirmar: também no Seu Físico Se acha a Plenitude da Divindade, pois basta apenas querer para fazer algo surgir!
A prova maior e mais evidente reside em Sua Palavra e no anjo a Seu serviço, que executa, em momentos, coisas mais incom- preensíveis que a explanação de Philopoldo acerca do mundo estelar. Em síntese: para nós que somos testemunhas torna-se o extraordi- nário coisa simples.
Mas isto não será o mesmo com todos, pois já notei que mui- tas pessoas aqui presentes não conseguem assimilar e compreender a Natureza Divina do Senhor. Observei, outrossim, que a palavra esclarecedora tem uma ação mais surpreendente quanto ao conheci- mento da Glória Divina do Senhor que o maior dos milagres. Hoje em dia estamos tão habituados a assisti-los que nem mais nos cau- sam admiração.
Mormente nesses últimos sessenta anos em que os romanos se tornaram nossos senhores, os magos e taumaturgos aumentaram de forma considerável. O leigo, carecendo de conhecimento de cau- sa, não diferencia entre o verdadeiro e o falso.”
221.ODESTINODADOUTRINADE JESUS
(Mathael): “Para nós são as ações extraordinárias também um fator poderoso, por sabermos discernir de pronto entre o genuíno e o fictício. Os milagres aqui realizados exigem mais que os apetrechos de magia: requerem Onipotência e Sabedoria Divinas jamais pene- tradas, a Prioridade do Espírito Divino, cuja vontade mantém todos os espíritos e mundos, como o bom cocheiro sustém sua carruagem de acordo com o ímpeto dos animais.
Aqui, pois, é visível a Ação Plena da Divindade, enquanto nos magos não se evidencia. Contudo, podemos supor que nossos patriarcas agissem através da Força Divina que estava com eles. No
momento presenciamos coisas assombrosas; dentro de alguns sécu- los, haverá maior número de mistificações.
Tudo isto se baseia nos Desígnios de Deus; uma coisa é certa: o Senhor não permanecerá para sempre em Corpo entre nós, tam- pouco nos assistirá com auxílio e conselhos; além disto, não obs- tará a vontade livre das criaturas a partir desta época eternamente marcante para nossa Terra, que futuramente será o ponto central de todo o Cosmos.
Um planeta por Ele Próprio pisado prosseguirá sempre numa espécie de transfiguração. Se as criaturas continuarem de posse do livre arbítrio, nascendo completamente ineptas e dependendo seus futuros conhecimentos do primeiro ensino externo — só é possível se esperar que a ignorância de novo se alastre e elas transformem esta Doutrina pura e celeste num paganismo desenfreado.
Fisicamente não o assistiremos, mas sim como habitantes dum mundo espiritual até então desconhecido. Constataremos as mistificações, mentiras, orgulho, amor-próprio, pavor, bajulação, simulação, perseguição, crítica, vingança e crueldades variadas.
O Senhor Mesmo afirma ser preciso que tais coisas aconte- çam, em virtude da emancipação e verdadeira formação da vida de cada indivíduo, sem o que ninguém poderá se tornar um verdadeiro filho de Deus e penetrar na Glória Eterna do Pai. Se Ele já nos faz esse prognóstico, só nos resta aguardar os fatos. Um meio preventivo contra esse estado de coisas é e será uma linguagem clara, pois uma prova matemática não está sujeita à destruição do tempo e serve para todas as raças.”
222.PREOCUPAÇÃOQUANTOÀ DOUTRINA
Diz Murel: “Bom amigo, eis uma particularidade desta Doutri- na: sua clareza é mais que evidente e creio não ser possível deturpá-la.”
Responde Mathael: “Seria de se desejar; entretanto, será di- ferente, pois não é tão matematicamente firmada, conforme crês, em virtude de sua natureza espiritual. Recorda-te quanto te custou
conseguir apenas um vislumbre de sua verdade e alcançar, finalmen- te, a plena luz.
Achavas-te preparado e enriquecido por uma quantidade de ciências e fatos, teu intelecto bem esclarecido — no entanto, não compreendias Moysés e Isaías. Imagina alguém sem grande cultura e experiência, abordado por um adepto da Nova Doutrina, a fim de lhe transmitir o Evangelho verdadeiro. Que atitude adotará? Por isso julgo que deveríamos pedir ao Senhor que nos demonstre como deve ser divulgada eficazmente, para que possa despertar nos ouvin- tes uma nova vida!”
Intervém Philopoldo: “Nobre amigo de vestes reais! Falaste bem e certo; todavia, o Senhor Mesmo acaba de prometer não ser preciso pensarmos no que falar em Seu Nome, pois no momento oportuno será depositado em nosso coração. Assim, não sei por que O deveríamos molestar. Opino, como futuro divulgador desta Dou- trina, ser indispensável certo poder milagroso, a fim de agir contra a força bruta das criaturas. Sendo ainda muito animalizadas, devem primeiro ser levadas a refletir por um milagre antes que se lhes fale sobre Deus e o destino do homem.
A pessoas de algum conhecimento bastará uma palavra sábia; as outras foram reduzidas a semi-irracionais pela influência de seus governantes e da casta sacerdotal. Por não compreenderem uma ex- plicação, só um milagre as convencerá, e uma vez conquistadas por esse meio poderão iniciar o ensino adequado.
Afirmo até que mesmo com pessoas inteligentes um milagre surte mais efeito que um discurso vibrante, isto porque o homem intelectual vive de certos conceitos falsos e impossíveis de afas- tar da alma.
Lembremo-nos que só as Obras do Senhor nos tiraram de nossas concepções errôneas. Por isto deveríamos pedir-Lhe o poder de efetuar milagres em caso de necessidade.”
223.AINUTILIDADEDA PREOCUPAÇÃO
Aduz Murel: “Caros amigos, não vos querendo contradizer ou afirmar que vossos desejos não estejam dentro da Ordem Divina, afirmo apenas que estamos nos preocupando com um fio de cabelo, quando o Senhor certamente já tudo proveu.
Nosso Sol espiritual por certo será obscurecido com o tempo, assim como as densas nuvens encobrem nosso astro de tal forma que impossibilita localizá-lo, obrigando-nos, além disto, acender uma vela. Todavia, originam as nuvens uma benéfica chuva, e no dia se- guinte os campos vicejam de bênçãos celestes.
Creio, pois, que o Amor e a Sabedoria do Pai permitirão que o nevoeiro venha, vez por outra, cobrir a face santa do Sol de nosso espírito, no zênite do conhecimento e saber humano, a fim de au- mentar nossa sede espiritual. Somente na ausência da luz sabemos aquilatar seu real valor.
As criaturas começam então a indagar com receio: Onde está a Luz da Vida? — Suspiram e choram e as lágrimas como chuva es- piritual caem nos sulcos do coração oprimido, vivificando as raízes quase ressequidas da palavra divina dentro da alma. Assim reani- mados percebemos, com visão fortalecida, o Sol da vida em nosso coração iluminado, regozijando-nos sobremaneira da nova luz de que nos privamos durante discussões e revolta.
Afirmo-vos: o Senhor sabe o que ainda virá sobre nosso pla- neta natural e espiritual, e o porquê. Por isso considero baldadas nossas conjecturas. Com toda a certeza receberemos Dele o Verbo e o Poder, quando os julgar necessários; jamais poder-Lhe-emos pres- crever Suas Ações. Se ignorássemos Quem é, poderíamos tratá-Lo como semelhante; já que o sabemos, provaríamos apenas grande es- tultícia! Refleti e dizei-me se tenho razão.”
Responde Mathael: “Não resta a menor dúvida. Apenas quis acentuar os meios necessários para proporcionar Luz vital à Hu- manidade. Confesso com sinceridade que ambos, principalmente Murel, julgou melhor que eu. Agora mudemos de assunto.”
(Mathael): “Que impressão causará isto tudo em Jerusalém? Conhecemos a ignorância do sinédrio, sua volúpia de domínio e a ini- mizade oculta aos romanos. Qual será a reação do Templo e de Herodes caso o Senhor Se dirigir algum dia para lá, conforme já mencionou?
Creio que há de provocar uma irritação tremenda, e talvez seja preciso fazer chover fogo do Céu ou fugir dessa cidade per- vertida — mas isso mesmo sem grande efeito. Satanás será sempre Satanás até a existência do último grão de areia. Não concordais?”
Responde Philopoldo: “Isto está acima de meu horizonte de conhecimento. Não achas que tudo é possível ao Espírito Onipo- tente e Sábio de Deus? Vê a orgulhosa Cesareia Philippi! Onde está a presunção que a induziu a calçar suas ruas com ouro e pedras pre- ciosas? Só resta hoje um miserável montão de cinzas. Não admites que o Senhor aplique a mesma medida em Jerusalém?
Asseguro-te: em cem anos não se poderá fixar seu antigo lo- cal. Deixemos isto a critério Dele — para usar os mesmos termos de Murel. Devemos tratar apenas de permanecer, nós próprios, na Luz do Senhor. Não é isto?”
Confirma o outro: “Exatamente; falei-vos deste modo por saber algo que Ele Mesmo me disse e que por certo ignorais. Em determinada época Ele seguirá para Jerusalém a fim de doutrinar e operar milagres. Com isto o Templo será grandemente prejudicado, irritar-se-á e procurará detê-Lo e matá-Lo. E ouvi: o Senhor Se dei- xará prender e matar! São estas Suas Próprias Palavras!
Permanecerá, então, fisicamente morto por três dias para de- pois ressuscitar, destruindo as trevas e seus efeitos. A partir daí Seus apóstolos receberão o verdadeiro Poder, pois provê-los-á da força de Seu Espírito, Sabedoria e Amor. Os primeiros doze discípulos, testemunhas de tudo, certamente serão enviados aos quatro cantos da Terra, para a Divulgação do Santo Evangelho.
Mas que será de nós que não assistimos Seus Feitos desde o início? Vós ambos sabeis de vosso futuro; eu tenho de partir dentro
em breve para as zonas frias do Pontus a fim de guiar e reger os povos atrasados, sem poder presenciar os futuros Atos do Senhor. Quem me dará notícias e me informará se meu regímen vigora de acordo com a Vontade Divina?”
225.ACONSCIÊNCIAHUMANAEAINFLUÊNCIADOS ANJOS
Nisto Raphael também se aproxima do grupo e diz a Matha- el: “Julgas que os inúmeros anjos, mormente eu, estejamos à dispo- sição do Senhor apenas neste monte? Preciso é que saibas estarmos constantemente a Seu Serviço e transmitimos Sua Vontade de uma Eternidade à outra. Podes estar certo que te acharemos nas zonas do Pontus para informar-te de tudo que necessitas saber, dentro da Or- dem do Senhor. Seja o que for — saberás num momento de tudo, caso tua boa vontade persista.
Se, porém, te revestires do orgulho de soberano, afastando-te com isso do Senhor e, consequentemente, também de nós, nada mais te será dado saber do Reino de Deus e de Sua Graça Imensu- rável! Preocupa-te apenas com a permanência na Graça e no Pleno Amor Divino — que tudo te será dado por acréscimo. Mesmo que te seja permitido assistir aos futuros Atos do Senhor, de nada isto te valerá, deixando-te seduzir pelo mundo.
Continuando na Graça e no Amor do Pai, amando-O so- bre tudo e ao próximo como a ti mesmo — à medida que fores impedindo que o mundo te ofusque — serás cientificado do que Ele fizer, mesmo se te encontrares no país mais longínquo. Isto, de acordo com a necessária salvação de tua alma, pois nem tudo que Ele quer e ordena no Espaço Infinito auxiliar-te-á no progresso espiritual.
Deus sempre está determinando algo nos inúmeros mundos, de forma adequada. De modo idêntico há de ordenar muita coisa para a manutenção deste planeta que não te diz respeito. Quanto às Suas Ordens sobre a salvação dos homens, em nada serás privado. Estás satisfeito?”
Responde Mathael: “Amigo celeste! Claro que estou, e so- mente precisarei ser advertido por ti se, por certas circunstâncias, afastar-me do Senhor e de Sua Ordem. Tal chamada em tempo oportuno vale mais que um tesouro mundano.”
Diz Raphael: “Também isto se dará sempre que o peças. Toda criatura possui um órgão espiritual no coração, cujo acesso nos é constantemente permitido. Registra tal órgão as noções do Bem e do mal, verdade e mentira, justiça e parcialidade.
Se aplicas sempre o Bem, a verdade e a justiça, a parte posi- tiva e boa é por nós tocada, o que desperta em ti o sentimento feliz de teres agido e falado de modo virtuoso. Se ages de forma contrá- ria, agita-se o polo oposto daquele órgão, serás tomado de terror e confessarás o completo afastamento da Ordem Divina. Tal órgão chama-se na linguagem moral: a Consciência.
Poderás confiar plenamente nessa voz que jamais te trairá. A não ser que se permita tornar-se tão insensível que não mais registre a influência dos anjos — pelo que a parte espiritual da criatura es- taria quase perdida. Isto jamais poderá acontecer contigo por teres feito um progresso enorme pela Graça e o Amor do Pai, que te trans- formou e reorganizou, bem como a teus companheiros. Tua alma é a mesma de antanho e o Amor Divino, ou seja, Seu Espírito, nela já começou a agir poderosamente; tua carne pecaminosa, no entanto, foi por Ele transformada, a fim de não te oprimir a alma.
Se em teu coração se positivasse a vontade de abandonar o Senhor, tua carne se tornaria indômita como a de Esaú, que preferiu a caça de animais selvagens ao invés da vigilância sobre o rebanho pacífico de seu genitor. Além do mais, tal embrutecimento seria impossível, porquanto tua alma já está fortemente penetrada pelo Espírito do Amor Divino.
Dentro em breve teu amor para com Ele se transformará, pela ação da caridade, em manifestação intensiva, unindo-se intei- ramente à tua alma; terás então realizado o verdadeiro renascimento em espírito, contraindo matrimônio espiritual com o Amor Primá- rio em Deus.
Deste modo o Amor Divino tomará forma e poderás ver e falar a Deus constantemente. Ele será teu Guia e Doutrinador tal como hoje: visível e audível. Então não mais haverá possibilidade de te afastares do Senhor, no coração e no conhecimento, pois tua vontade e discernimento unir-se-ão ao Pai, como filho verdadeiro e justo. Compreendes?” — Diz Mathael: “Perfeitamente, e esta com- preensão também me acalmou.”
226.O METEORO
Enquanto Mathael procura prosseguir a palestra iniciada, um luminoso e grande meteoro atravessa velozmente o Espaço pro- vocando um chiado singular, que a altura de apenas quatrocentas braças permite ouvir. Seguia-lhe, aparentemente, longa cauda. Os três muito se espantam e indagam do anjo o que havia sido aquilo.
Este, em vez de responder, segue o meteoro, trá-lo em poucos instantes qual bola informe de uma braça de circunferência, deposi- ta-o em frente dos três e diz: “Aproximai-vos e observai-o sem susto, pois nem um fio de cabelo ser-vos-á queimado!”
Cheios de precaução, eles se encaminham para o bólide, que exala forte odor de enxofre e de perto se assemelha bem à pedra-
-pomes. De seus grandes poros ainda chispam fagulhas azuladas, algumas de luz forte, outras mais apagadas, que produzem ruído singular. Só então Mathael se dirige ao anjo e diz: “Que vem a ser isto e donde veio? Parece uma forma compacta de peso considerável. Explica-nos, por favor, sua origem.”
E o anjo responde: “Este bólide há meia hora atrás pertencia ao Sol e foi expelido duma grande cratera de fogo, onde os ele- mentos se convulsionavam. Junto a muitos outros foi arremessado para o Espaço Infinito com uma impetuosidade incrível. Casual- mente aproximou-se da Terra, pois com a velocidade dum raio voou pelo éter, alcançando a esfera telúrica nas mediações da Europa, que apenas tocou de leve. Achegando-se mais, encontrou forte resistên- cia na atmosfera densa do globo, o que diminuiu sua velocidade.
Para chegar a esta região percorreu em quatro átimos o percurso equivalente a vinte horas de marcha comum. No momento em que o alcancei, achava-se próximo da Ásia e poderia cair nas águas do Pacífico. O Senhor, porém, quis que recebêsseis orientação nesse sentido, dispersando-vos a crença de que um espírito mau esteja sobrevoando a Terra para prejudicar as criaturas. Tendes, portanto, oportunidade de verificar tratar-se dum fenômeno natural entre os corpos cósmicos.”
Indaga Murel: “Por que era tão luminoso durante o voo e aqui se torna mais e mais opaco?”
Responde o anjo: “Sua forte irradiação é provocada pela imensa rapidez com que corta o Espaço, pois dá-se um atrito nas pe- quenas partículas do ar, que não lhe podem fugir. Quando a atmos- fera telúrica é por demais oprimida, incendeia-se e assim se torna sua passagem luminosa: o vácuo que produz em tal velocidade apresen- ta-se como cauda incandescente, mas na realidade não existe.
Apalpai sua massa em brasa e tereis a prova de minha expla- nação. Proporcionar-vos-ei ainda outra: apanho uma pedra comum, jogo-a com a velocidade dum raio pelo Espaço e os espíritos a meu serviço terão de trazê-la de volta, ficando esta pedra de várias libras tão luminosa quanto o meteoro há pouco.”
Dito e feito: Raphael atira o bloco de pedra com força extra- ordinária para o ar e os espíritos a impelem, por alguns instantes, num movimento giratório, na altura de algumas braças. A pedra, além de produzir estrondo formidável, brilha tão fortemente que toda a zona se aclara como à luz do Sol, e os três amigos, apenas, vislumbram um círculo luminoso, porquanto o movimento é por demais veloz para ser percebido.
Em breves instantes a pedra, numa forte incandescência, é posta pelos espíritos diante dos três judeus, e Raphael diz: “Eis a prova fácil e rapidamente efetuada; constatais alguma diferença en- tre o meteoro artificial e o natural?”
Responde Mathael: “De modo algum, apenas o volume é diverso. Surge agora uma dúvida: que esta prova te seja possível, já
que, sendo um dos maiores arcanjos, podes também fazer joguete com o Sol, atirando-o numa distância tamanha, que um raio reque- reria milhões de anos para alcançá-lo — não me admiro! Como, po- rém, pode o próprio Sol, como simples corpo cósmico, desenvolver tal força?”
227.ANATUREZADA MATÉRIA
Diz Raphael: “Ora, acaso julgas não haver espíritos serviçais no Sol? Afirmo a vós três: Nem no Sol nem na Terra algo é feito sem seu auxílio, pois tudo que vês é, no fundo, espírito. Até a matéria mais densa é espírito e alma — se bem que num estado de prisão. Se ofenderes esses espíritos inertes em profundo julgamento, através do ar, terra ou água, far-te-ão em breve sentir seu poder e força.
O ar é, por certo, algo muito ameno e delicado; quando, porém, posto fora de seu equilíbrio por um golpe ou pressão ex- cessiva, extrai do solo as árvores mais imponentes, faz estremecer a terra e se incendeia por milhares de raios destruidores, tornando-se um elemento terrível. Quem seria o autor dessa ira atmosférica? Os espíritos ali contidos e as almas condenadas.
Toma de duas pedras, experimenta batê-las com força — e os elementos aprisionados se manifestarão de pronto, dizimando a massa por mais dura que seja em seus átomos, onde poderás obser- var as reações inflamáveis.
Expõe certa quantidade de águas a uma pressão fortíssima e transformá-la-ás numa pedra de gelo, que embora sólida e inerte, fará estourar o vasilhame resistente; se te fosse possível submeter o gelo a uma pressão ainda maior, dissolver-se-ia, rápido, em vapor quente, destruindo tudo que tentasse contê-lo, com terrível estrondo.
Enquanto elementos da Natureza e almas desencarnadas e de retardada evolução contidos na matéria não forem desafiados, permanecem inertes e se deixam manipular; uma vez despertos com violência — ai de quem se encontra nas imediações! Com facilidade são descobertos na matéria, pois sendo forçados a uma atividade
extraordinária, verificareis uma irradiação à altura de sua força e im- petuosidade: quanto maior luz emanam, tanto maior sua ação.
Prova isto a forte luz do Sol, mormente na superfície onde os espíritos etéreos são grandemente ativos. Daí também podeis fa- cilmente deduzir a impetuosidade com que aqueles elementos são expelidos num bólide por ocasião duma grande erupção. Asseguro-
-vos: no seio do grande astro se dão, não raro, erupções tão colossais que com facilidade arremessariam no Espaço vosso orbe qual jogue- te, como aqui o vento brinca com um fio de palha. Daí podereis deduzir a velocidade desenvolvida por esse bólide para chegar aqui.”
Concorda Murel: “Nesse caso é ele, finalmente, dum valor incalculável e deveria ser levado a um museu.”
Antepõe Raphael: “Então teria de transportar para lá a Terra toda, que teve sua origem no Sol.”
Diz Murel: “Mas..., e a História da Criação de Moysés?” As- segura-lhe o anjo: “Nesse sentido deves procurar os amigos Mathael e Philopoldo; ambos têm vastos conhecimentos no assunto.”
228.INTERPRETAÇÃODA GÊNESIS
O persa repete sua pergunta a Mathael, que lhe diz: “O que Moysés diz da Criação nada tem a ver com o surgimento do mundo, mas unicamente com a formação do homem, desde o berço até a perfeição; do mesmo modo refere-se à fundação da Igreja de Deus sobre a Terra até o fim dos tempos.
Céu e Terra representam o homem terreno, desde seu nasci- mento. O Céu, suas capacidades internas, ocultas e espirituais, e a Ter- ra vazia e deserta, o homem da natureza, recém-surgido, quase incons- ciente de sua própria vida. Tal é o primeiro estado evolutivo da criatura.
Com o tempo a criança chega à consciência própria e começa a sonhar e pensar. Eis o conhecido ‘Que se faça luz’, isto é, o segun- do estado, a noção de sua existência. E assim se passam os sucessivos dias da Criação até ao estado de calma, de perfeição do homem. — Dize-me, estás compreendendo algo?”
Responde Murel, admirado de seu saber em assuntos bíbli- cos: “Nobre amigo, jamais te teria suposto senhor de conhecimento tão profundo. Como chegaste a esse ponto?”
Sorri Mathael: “Meu amigo, esta pergunta não é aplicável neste meio, diante do Senhor e dum anjo celeste, o qual certamen- te foi testemunha da Criação natural. Desde jovem fui entendido nas Escrituras, razão por que me mandaram visitar os samaritanos como missionário; antes de conseguir meu intuito, porém, Jehovah interveio: caí em mãos de terríveis assaltantes e me vi obrigado a imitá-los, a fim de subsistir.
Quando me vi abandonado de tal modo por Deus, sem achar dentro de mim motivo justificável, revoltei-me profundamente. Co- mecei a descrer de tudo e reputei a Bíblia obra humana. Em breve um acontecimento me fez pensar de forma diversa.
Durante uma noite em que vigiava a sós a entrada da caverna dos ladrões, um homem de expressão severa me abordou. Imediata- mente fiz minha espada atravessar-lhe o corpo. Ele, no entanto, dis- se: ‘Não te canses com tua arma miserável, pois um espírito imortal é invulnerável. Sou o espírito de Abraham e te pergunto por que abandonaste e persegues a Deus!’
Cheio de ódio, reagi: ‘Qual o motivo de Deus me perseguir se fui enviado em Seu Nome para converter os samaritanos?! Minha intenção foi honesta e justa diante de Deus e dos homens, pois se fun- damentava em minha consciência. Foi-me dada por Ele desde o início de minha vida como único juiz, que sempre considerei fielmente. Não me incumbi dessa missão por conta própria, mas porque o Sumo Pon- tífice, como representante de Moysés e Aaron, assim determinou. Se minha ação foi injusta, a Sabedoria Divina não me deveria punir, mas sim ao único responsável. Já que me castigou, inocente, declaro-me Seu pior inimigo e de Seu apostolado, que pareces disseminar!’
Retrucou o espírito, ainda mais sério: ‘Acaso conheces o Po- der e a Ira de Deus? De que maneira te pretendes opor à Onipotên- cia Divina, verme do pó?! Não te poderia aniquilar como se nunca tivesses existido?!’
Respondi: ‘Como não? Pois esta minha vida só poderei amaldiçoar! Uma vez não existindo mais, a raiva e o ódio terminarão!’
Opôs ele: ‘Não podes obrigar a Deus que te extermine! Ele te poderia martirizar por eternidades com dores físicas e psíquicas, que determinariam quanto tempo reagirias.’
Gritei, então, tomado de revolta tremenda: ‘Se Deus sentir prazer especial em martirizar uma criatura apenas para lhe demons- trar Sua Onipotência — que o faça! Uma coisa te afirmo: mesmo se fosse mil vezes mais poderoso, Deus não poderia modificar minha índole com toda sorte de sofrimentos!
Com bondade, meiguice e justiça faria de mim um cordei- ro; com Sua Ira, um diabo perfeito! Até então apenas me facultou uma vida detestável, pela qual jamais Lhe serei grato! O dia que resolver Se tornar misericordioso e apagar o mal que me fez volun- tariamente — ser-Lhe-ei reconhecido. Do modo como andam as coisas, sou inimigo declarado de Jehovah! Em Seu Nome fui para Samaria, a fim de anunciar Sua Honra e Louvor; em compensação permitiu que os demônios me subjugassem.
Bem pode ser que minha missão não fosse de Seu Agrado, mas se pôde dar orientação ao falso profeta Bileam através de seu burro, por que deixou que caíssemos nas garras dos diabos?! Dá-me resposta ou minha boca soltará u’a maldição jamais ouvida!’ — Eis que o espírito desapareceu — e eu cai por terra, sem sentidos.”
229.OPORQUÊDASPROVAÇÕES.AÍNTIMARELAÇÃOCOMO SENHOR
(Mathael): “A partir daí perdi a noção de mim próprio; con- servei apenas uma leve recordação de ter sido meu corpo vítima de elementos maus, tornando-me o pavor da zona! Não havia lança ou espada que me atravessasse, e as algemas mais fortes eram quebradas por minhas mãos qual palha. Podia lutar com uma ou contra mil pessoas — o resultado era o mesmo, todas eram aniquiladas! Minha alma nada disto sabia.
Os Desígnios de Deus, no entanto, determinaram que eu fosse preso com outros quatro e trazidos anteontem para aqui, onde o Senhor nos libertou do tremendo suplício. Minha alma tornou-se novamente moradora única desta carne e o Senhor iluminou todos os labirintos de meu coração, facultando-me a compreensão integral dos profetas.
Se fosse agora abordado pelo espírito de Abraham, recebê-
-lo-ia com outras palavras que não as de mais ou menos cinco anos atrás, pois não te posso precisar a época exata. Sabes, portanto, como cheguei à compreensão da Escritura.
Não desejo que alguém necessite passar pelas minhas expe- riências, pois existe um meio mais fácil para alcançar tal fim. Este é apenas a Graça do Senhor, que em poucos minutos te poderá facul- tar o que consegui num caminho espinhoso. Aqui está o anjo que te confirmará a veracidade de meu relato. Que me dizes?”
Concorda Murel: “Oh, amigo Mathael, deves ter passado horrores, no entanto tinhas uma coragem inaudita. Eras um demô- nio; teu coração, porém, incorrupto e desejoso da verdade, justiça e amor. Como o Senhor não deixa sucumbir um coração honesto, cumulou-te de felicidade! Mas por que teria Ele permitido que fos- ses tão duramente castigado? Vossa convocação como missionário não podia ter sido o único motivo?”
Confirma Mathael: “Realmente, até hoje nada sei e, para falar com sinceridade, não me preocupei por isso. Talvez Raphael pudesse nos orientar, caso esteja de bom humor!”
Responde o anjo: “Isto nunca depende de mim, mas da Von- tade Divina, pois minha existência é apenas a manifestação dessa Pura Vontade. Dirige-te no coração a Ele, que satisfará teu desejo!”
Diz Mathael: “Estaria bem se o Senhor não estivesse dormindo.”
Contesta Raphael: “Que falta de compreensão a tua! Ele dor- me; Sua Alma e Seu Espírito Santo e Eterno, jamais! Que seria da criação se fosse por Ele esquecida apenas por um minuto?! Num átimo deixaria de existir: não mais haveria Sol, Lua, Terra e estrelas, tampouco anjos e criaturas.
Tudo que existe é constantemente mantido pela Vontade Onipotente e Imutável de Deus, sem a qual não se admite mani- festação de vida. Como, pois, concebes a ideia de poder Ele estar adormecido e assim não saber das necessidades do Cosmos?!
O Senhor sabe perfeitamente o que pensas e desejas, por- tanto também o sei. Tudo de que nós, anjos, temos ciência e co- nhecimento nos vem Dele. Sei de todas as tuas provações penosas; quem as poderia transmitir senão Ele? Ninguém, nem tu, nem outro espírito qualquer, pois que não percebo coisa alguma sem a Vontade do Senhor. Assim, também te podes inteirar de tudo, caso teu cora- ção esteja aparelhado para tanto. Indaga ao Senhor, no teu coração, e veremos se não te responderá!”
230.MOTIVODASPROVAÇÕESDE MATHAEL
Eis que Mathael assim faz e Eu lhe respondo no íntimo aqui- lo que ele logo após transmite aos outros, dizendo: “O Senhor pro- tegia os samaritanos, porquanto se haviam separado da perniciosa doutrina de Jerusalém, voltando à verdadeira, de Moysés e Aaron. Tu, Mathael, eras orador experimentado, imponente e de índole in- domável. Sabendo disto e prevendo que irias aplicar prejuízo tre- mendo aos crentes da Samaria, o Senhor deixou que tu e teus colegas caísseis nas garras de salteadores temidos, ciente de que não te livra- rias daquela influência antes de ser teu temperamento domado. En- quanto partilhavas de plena consciência dos crimes daquela horda, não estavas inclinado a te modificar; pelo contrário, engendraste um plano audaz no sentido de converter os cinquenta ladrões e respec- tivas famílias à doutrina falsificada de Jerusalém, onde até achariam asilo e permissão para a prática condenável.
Quando conseguiste convencê-los de, sob teu comando, in- vadirem no dia seguinte a Samaria, a fim de lá introduzir com o máximo rigor a tal doutrina, determinando que cada oponente fosse aniquilado por tua espada — o Senhor fez com que o espírito do velho Abraham te advertisse.
Como essa aparição também não te demovesse da intenção escabrosa, Jehovah permitiu que tua alma fosse obrigada a se ocultar na carne, enquanto teu corpo caía nas garras de vários demônios. A partir dali, tu e teus amigos vos tornastes o pavor da zona.
O primeiro grupo de ladrões fugiu e se regenerou, pois viu a desgraça que vos atingira, desistindo, outrossim, do plano de con- versão ao Templo. Deste modo o Senhor interceptou teus cálculos condenáveis e deixou que fosses presa do julgamento infernal, até que a alma revelasse inclinação mais acessível. Ele bem sabia de tua origem e a razão daquela teima, por isso permitiu que tua natureza enfrentasse a pior das provações, porquanto não se submeteria de maneira diversa.
Em distâncias longínquas existe um planeta pertencente ao vosso sistema solar que até então não foi descoberto pelos astrô- nomos. Lá — no Uranos — vivem pessoas tão teimosas que não desistem dum plano até que o tenham executado. Muitas almas lá desencarnadas são trazidas aqui a fim de alcançar a Filiação Divina, conservando muita coisa de sua índole. Como ex-habitante de Ura- nos, és hoje um estranho neste nosso mundo e manifestavas tama- nha obstinação.
A fim de que fosse maleada e se transformasse tua natureza psíquica na aceitação da Verdade justa e livre de Deus e para in- gressares no Amor Divino e daí te tornares um filho do Pai — tal caminho era o único e eficaz.
Tinhas de passar pela mesma e infernal maturação por que passam os espíritos e almas desta Terra, isto é, tinhas de ingressar pela porta estreita para depois ascender às regiões elevadas da Vida como sumo vital enobrecido. Eis por que te encontras diante de Deus, o Senhor de toda Vida.”
231.AVOZINTERNA.MOTIVODAENCARNAÇÃODO SENHOR
Quando cessa de captar a resposta no coração, Mathael se admira do fenômeno jamais sentido. Raphael, então, lhe diz: “Viste como o Senhor está acordado, embora fisicamente adormecido, e permitiu que percebesses Suas Palavras?! De modo idêntico, regis- tramos tão potentemente Seu Verbo e Vontade dentro de nós, que nos tornamos aquilo que Ele pensa e quer, isto é: somos Sua Ação realizada! — Compreendes bem este processo?”
Responde Mathael: “Muito embora se esteja convicto de ter uma noção clara de todas as coisas, há de aparecer algo imprevisto. Daí deduzo que na Sabedoria Divina reside uma plenitude e pro- fundeza tais, que um espírito não consegue delas se apossar.
Também não estaria satisfeito se possuidor da Onisciência Divina, pois se no Infinito nada mais houvesse a descobrir, em bre- ve minha vida se tornaria enfadonha. Assim, há uma quantidade de coisas ocultas que jamais poderemos assimilar. Confesso que a Bem-aventurança Divina não deveria ser invejada caso as criaturas fossem do mesmo modo esclarecidas, porém Sua Eterna e Infinita Sabedoria tornar-se-ia um enfado horrível se fosse desfrutá-la a Sós.
Eis a razão por que preencheu o Espaço Infinito de inúme- ras obras, que correspondem a Seu Poder e Onisciência, e também criou seres inteligentes e dotados de vasto saber. Compenetrados de tal Profundeza e Onipotência em Deus, eles admiram o Criador, pesquisando Seus Milagres.
Como Criador e Pai de anjos e criaturas, deve Lhe repre- sentar a maior felicidade aumentá-la naqueles que O reconhecem e amam cada vez mais. Para este fim Ele veio Pessoalmente, como Ho- mem, à Terra, revelando-Se como se fora simples criatura. Não o fez somente para os anjos e nós, mas também por Sua Própria Causa; pois deveria com o tempo extenuar-Se de tédio quando verificasse que, como Inteligência informe e eterna, embora perfeita, jamais poderia ser visto ou abordado por Suas criaturas.
Não seria sumamente desconsolador para um pai terreno se tivesse vinte filhos atraentes, mas cegos e surdos, portanto incapazes de entrar em contato com ele?! Não faria tudo para fazê-los ver e ouvir? Todavia, somos normais e sentimos prazer — às vezes em ex- cesso — nessa relação mútua, de sorte que até chegamos a esquecer o Criador. Ele, porém, deveria desistir dessa felicidade? Em absoluto isto poderia acontecer ao Pai Eterno! Seu maior desejo consiste em nos sentir aptos a vê-Lo, amá-Lo e a comunicar-nos com Ele sem prejuízo para nossa vida.
Por isso, penso não estar errado em minha afirmação de ter Deus Se revestido de carne não só por nossa causa, mas para Sua maior felicidade. Isto estava determinado desde eternidades, e so- mos testemunhas do Plano Eterno! Tenho razão, Raphael?”
232.SUPOSIÇÃODOTÉDIO DIVINO
Diz o anjo: “O parecer que externaste foi-te inspirado pelo Próprio Senhor, portanto falaste certo.”
Aparteia Murel: “É incrível o que se chega a ouvir aqui; toda- via, se fôssemos tão sábios e oniscientes como Deus, não poderíamos contestar a ideia do nosso tédio, em confronto com o Seu — se assim me posso expressar — por nunca ser sentido e ouvido pelos filhos e anjos. Embora queira reagir contra este pensamento, não me é possí- vel, conquanto a expressão ‘Tédio Divino’ soe estranha. Até me vem um exemplo aceitável para tal noção nova, que vos desejo transmitir.”
Diz Mathael: “Ótimo, pois tuas experiências variadas só po- dem aumentar nosso cabedal de conhecimentos.”
Defende-se Murel: “Fá-lo-ei, não por esse motivo, mas para vos demonstrar como interpretei o assunto. Imagino um homem dotado de todo saber, encontrando-se sozinho neste orbe. Natural- mente tem o desejo de se comunicar com outrem, e assim procura em todos os recantos encontrar um ser vivo e pensante. Sua enorme sabedoria se lhe torna um peso, pois tudo que faz deixa de ser obser-
vado ou criticado por alguém. Que se passaria com tal homem no decorrer do tempo? O tédio não o aniquilaria?
Que prazer, porém, caso encontrasse mesmo uma criatura mui simples? Com que amor não haveria de tratá-la?! Aí se demons- tra o valor do próximo e a felicidade em lhe fazer o Bem. Por isso é o amor um elemento de vida puramente celestial, e a impossibilidade de relação entre as criaturas seria uma desdita!
Que adiantaria ao cantor o som comovente de sua voz, de que serviria o eco duma harpa melodiosa caso ninguém o ouvisse?! Um pássaro que em uma floresta pulasse sozinho de árvore em árvore, buscando com voz tristonha seu semelhante, caso não o encontrasse atemorizar-se-ia, emudecendo e abandonando a floresta deserta.
Se os próprios animais possuem tanto amor que lhes desper- ta a saudade pela espécie, quanto mais tal não se dá com a criatura dotada de sentimento e inteligência?! Sim, pois de que lhe serviriam as faculdades e talentos diversos, não os podendo pôr à disposição do próximo?!
Destarte, baseando-se nas próprias percepções, deduzo que Deus, o Senhor, deveria sentir tédio tremendo — muito embora rodeado de mundos maravilhosos — caso não houvesse um ser ca- paz de reconhecê-Lo e amá-Lo, comprazendo-se com Suas Obras Maravilhosas. Para que isto fosse possível, preciso seria que Ele, o Pai, Se encaminhasse para Seus filhos, revelando-Se de modo que os capacitasse para tanto.
Caso essa condição não fosse cumprida, Deus teria em vão projetado Sua Criação: continuaria eternamente a Sós, e Suas cria- turas — se bem que extraordinárias — tanto Dele saberiam quanto o capim sabe do ceifador.
Deus, no entanto, revelou-Se de modo decisivo na verda- deira liberdade, preparando-os para Sua Chegada. Com ela cum- priu-se toda promessa: as criaturas podem vê-Lo em Carne, lidam com Ele como simples homem, pois lhes ensina como Pai Eterno sua grande e sublime finalidade.
Deste modo tudo se acha na melhor ordem, dependendo mais de nós a execução consciente das leis vitais, que finalizam o duplo destino: o filho reconhece e fita o Santo e Terno Pai num êxtase sublime, alegrando-se sobremaneira; o Pai, por Sua vez, re- gozija-Se por não mais estar Só, e sim no centro iluminado de Seus Filhos, bem-aventurança indizível para ambos! Estou certo em meu parecer?”
233.INDAGAÇÃODERAPHAELQUANTOÀMISSÃO INDIVIDUAL
Diz o anjo: “Falaste dentro da verdade; todavia, não se ori- ginou tal conhecimento em teu intelecto, mas no Verbo do Senhor. Deveis guardá-lo, pois a completa assimilação só se dá em almas como as vossas. Às outras basta reconhecer e amar a Deus acima de todas as coisas. Caso encontreis almas verdadeiramente elevadas, po- dereis transmitir-lhes o que discutimos durante duas horas. Agora, amigos, tratemos de outro assunto.
Como cooperadores no Reino de Deus, sereis futuramente abordados por vossos adeptos da seguinte maneira: Vossa Doutrina é muito elevada e comovente; no entanto, não se realiza o que pro- metestes, isto é, que iríamos ouvir a Voz do Pai dentro de nós e O poderíamos ver e falar; até então nada disto se realizou. Observamos tudo que ensinais, e se vossa Doutrina for verdadeira não pode fa- lhar nesse ponto. Dizei-nos sinceramente o motivo desse fracasso.
Qual seria a resposta a dar?”
Os três se entreolham admirados e Murel diz: “Amigo, se fizermos promessas baseadas no Verbo do Senhor e nossos adeptos cumprirem os ensinamentos, Ele não nos poderá faltar; do contrá- rio, seria preferível não divulgar a Doutrina.
Ouso até dizer que tal fator sempre foi o móvel mais pro- nunciado na queda das religiões. As promessas, muitas vezes, não se cumpriam de modo eficaz, razão pela qual os divulgadores aplica- vam meios artificiais a fim de não sentirem a reação do povo. Deste
modo, as criaturas se inclinavam a fatos externos, disso resultando a impossibilidade de reconduzi-las a algo espiritual.
Isto em absoluto poderá ser repetido pelo Mestre; não nos deve abandonar nos momentos em que Suas Promessas realizadas sejam a prova evidente de Sua Divindade. Por mim, preferiria ser simples varredor de ruas, do que um Jeremias atormentado! Se ao menos fosse possível alcançar um benefício por tal martírio!”
Interrompe Raphael com bondade: “Meu caro amigo, no teu excesso de zelo estás te desviando de minha indagação. O Senhor sempre cumprirá o que prometeu, depende apenas de conhecerdes as condições que se prendem à promessa. Pode, às vezes, depender duma insignificância que impeça sua realização; por isto, deveis es- tar bem orientados como doutrinadores verdadeiros, a fim de saber- des o que é preciso ao adepto para se tornar mestre.”
234.OREINODEDEUSNOCORAÇÃO HUMANO
(Raphael): “Como vejo que não estais à altura de me res- ponder, fá-lo-ei por vós; deveis gravar minhas palavras no fundo de vossos corações, pois tudo depende de conhecerdes as condições imprescindíveis ao pleno êxito na filiação divina.
Sabeis que cada criatura tem de se educar e formar por conta própria, independentemente da Onipotência da Vontade Divina, para se tornar um filho de Deus.
O mais poderoso meio é o amor a Deus e ao próximo, se- jam sexo e idade quais forem. O amor é assistido pela humildade, meiguice e paciência, pois sem essas virtudes jamais será amor puro e verdadeiro. Como pode a criatura saber se realmente se encontra dentro do amor puro?
Basta que analise se é levada a dar e auxiliar espontaneamente, a ponto de esquecer a si própria, quando depara com algum necessitado. Caso note essa tendência nu’a manifestação plena e viva, a filiação se terá completada, e as promessas começarão a se realizar milagrosamen- te em palavra e ação, justificando-a como doutrinadora verdadeira.
Aqueles que não evidenciam tais fatos são os únicos culpa- dos da própria deficiência, pois ainda não terão aberto o coração à pobre Humanidade. O amor a Deus e o livre cumprimento de Sua Vontade Manifesta são os elementos adequados para a realização do Céu na criatura. Tornam-se a morada do Espírito do Amor em cada coração, cuja porta é o amor ao próximo.
Essa entrada deve estar bem aberta para que ali penetre a Ple- nitude Divina; humildade, meiguice e paciência são as três janelas franqueadas à Luz Celeste que ilumina a Santa Habitação de Deus, aquecendo o coração do homem.
Tudo depende do amor ao próximo, livre e sincero; e a má- xima renúncia é a revelação da promessa. — Eis a resposta à minha pergunta; meditai e agi dentro dela, que sereis justificados perante vós, o próximo e Deus Mesmo. Aquilo que Ele faz, também devem fazer as criaturas para se Lhe tornarem idênticas e Seus filhos. — Compreendestes?”
235.AVERDADEIRAVIDA ESPIRITUAL
Os três amigos silenciam, pensativos. Finalmente, Mathael diz: “Pela primeira vez entendi o salmo de David: Levantai, ó portas, vossas cabeças, para que possa entrar o Rei da Glória. Mas..., a reali- zação? O que não é preciso para se pôr em prática tal ensinamento?!
Muitas vezes é-se levado a dar esmola a um pobre sem ar- rependimento; no entanto, é o intelecto o móvel dessa ação. Meu Deus, quão afastado se acha o homem do verdadeiro destino, através de sua crítica fria e desprovida de amor! Quem dá ao pobre com dedicação sentindo uma alegria humilde nessa atitude, por amor a Jehovah, alimentando o desejo de prosseguir fazendo feliz o próxi- mo com atitudes conselheiras, consoladoras e reais — acha-se com alma e espírito diante do Senhor. Onde, porém, estamos nós de corações endurecidos?
Ó amigo celeste! Demonstraste nossa situação precária. Se- nhor, desperta nossos corações e incendeia-os no verdadeiro amor
ao próximo, do contrário Tua Doutrina tão sublime será apenas um trocadilho moral e sem efeito!
Analisando meu trajeto de vida, vejo que foi de ponta a pon- ta errado, razão pela qual não atingia o alvo! Só agora começo a reconhecer o verdadeiro caminho e sei do que depende a promissão. Sinto o que falta a mim e aos outros, os quais, embora aceitem a Doutrina, não podem registrar algum êxito; além disto, não descon- sidero o que me falta para realizar em mim a ordem plena.
Bem temos um grande privilégio no campo da fé, porquanto o Senhor caminha Pessoalmente entre nós e nos ensina pela palavra e ação; o Céu se acha aberto e os anjos nos apontam a Sabedoria Celeste e a Ordem Eterna provinda de Deus; todavia, é-nos entre- gue a formação do sentimento! O Senhor, por certo, ajudar-nos-á também nesse sentido.
Saber e sentir são assuntos bem diversos! Para alcançar o sa- ber basta o estudo, e para a noção das coisas, a experiência; para o verdadeiro sentir é preciso mais que estudar e experimentar.
Um vasto conhecimento por si só não leva o coração a sentir e querer, e as experiências nos ajudam tanto para o Bem quanto para o mal; apenas um sentimento completo tudo vivifica, ordena e transmite calma e felicidade. Por isso, dever-se-ia desde cedo cuidar duma verdadeira educação do sentimento.
No preparo do intelecto, o coração se torna endurecido e orgulhoso pelas exigências da razão. Um coração orgulhoso dificil- mente aceita a educação do sentimento; somente provações, miséria e sofrimento o abrandam para que venha a ter compreensão do es- tado aflitivo do próximo.
Agradecemos-te e ao Senhor por esse ensinamento impor- tantíssimo, pelo qual sei o que fazer futuramente por mim e pelos que receberão por meu intermédio a Luz puríssima de Deus.”
236.OSPRINCIPAISEMPECILHOSNAREALIZAÇÃODE PROMESSAS
Diz Raphael: “Não me cabem gratidão e honra, mas sim e unicamente ao Senhor! Contudo, sereis beneficiados por terdes com- preendido o ensinamento; ele vos capacitará a entender todos que vos abordarem deste modo: ‘Amigo, acreditei e fiz tudo o que me en- sinaste, mas até hoje sem êxito! Que farei? Abandonei minha crença antiga, onde encontrava conselho e auxílio em minhas atribulações, enquanto que esta me deixa tão só quanto um órfão. Onde se acha teu Deus extraordinário, do qual alegas provir toda felicidade?’
Então responder-lhe-eis: ‘Não responsabilizes a Doutrina, mas a ti unicamente. Aceitaste-a com teu raciocínio e experimentas- te aplicá-la, certo do sucesso; todavia, agiste tendo em mira apenas o resultado, e não o próprio Bem. Foi o raciocínio o teu móvel, ao invés do coração, que continuava frio e duro como antes.
Desperta teu sentimento, faze tudo movido pela verdadeira causa da vida! Ama a Deus por Ele Mesmo e a teu próximo como a ti mesmo! Faze o Bem pelo Bem provindo de teu amor e não indagues
em virtude de tua fé e ação — pelo cumprimento da promessa. Esta será sempre a consequência de tua crença, sentimento e ação, dentro de tua alma. Conforme creste e agiste até então, assemelhaste a alguém que em sonho lavrou a terra e lançou a semente, querendo colher quando acordado.
O conhecimento, a crença e ação intelectuais são apenas um sonho fútil, sem base. É preciso que a criatura assimile tudo com o co- ração, onde reside a vida única e onde germinam os frutos almejados.
Quem não soube compreender e ordenar sua vida desta forma, tornando-se egoísta pelo que crê e sabe — jamais chegará a desfrutar da promessa, que, em síntese, é a consequência da atividade afetiva!’
Se bem orientardes vossos discípulos, eles não mais vos im- portunarão, e procurarão ativar seu coração. Assim fazendo, em bre- ve demonstrarão não ser a promessa da Doutrina Divina algo de fútil; se, porém, prosseguirem consultando o raciocínio e com ele
agirem de acordo, serão os únicos responsáveis de, em vida, não terem o êxito esperado, e muito menos no Além. Dize-me se com- preendestes isto a fundo.”
Manifesta-se, finalmente, Philopoldo: “Ó amigo celeste, quem não o entenderia? Quem, como tu, pensa e age mais pelo coração, com facilidade entende todas as suas condições de vida; quem orienta-se apenas pelo intelecto, pouco se impressiona com elas. Nosso assunto foi, portanto, bem esclarecido, por isso podemos passar a outro.”
237.ALIVREVONTADEDUM ANJO
Diz Murel: “Ótimo; que tal se nosso amigo celeste nos rela- tasse algo sobre a estrela d’alva, já que, tornando-nos doutrinadores do Senhor, nunca saberemos em demasia? Se não formos capazes de orientar, os discípulos hão de fugir e nos desprezar; caso contrário, aceitarão também o Evangelho. Que dirias tu, Philopoldo, ao que te perguntasse a respeito de tal estrela?”
Responde este: “Amigo, orientá-lo-ia de forma que tivesse em si a percepção exata de tudo, caso houvesse organizado sua vida dentro da Doutrina Celeste; de outro modo, minha explicação de nada adiantaria, porquanto não se convenceria. Uma fé cega a nin- guém beneficia, pois facilmente pode ser contestada.
É preciso que o homem vislumbre dentro de si a natureza de todas as coisas de modo consciente. Alcançado este estado — o que não é inteiramente impossível — já não mais precisa de nosso ensino.
A meu ver fazemos o bastante indicando aos outros o caminho justo e claro da vida, pois todo o resto far-se-á por si só. Segundo Ra- phael, é preciso apenas deitar a semente no campo para que germine e progrida. Quanto a nós próprios, esse mensageiro celeste poderá abrir a visão para observarmos a estrela d’alva, assim como curou os olhos do velho Tobias com o fel dum peixe, pois me parece o mesmo anjo.”
Diz Mathael: “Bem podes ter razão. Nosso amigo celeste tal- vez seja um verdadeiro oculista, que nos pode esclarecer sobre aquele planeta se assim desejar, apesar de não ter vontade própria como nós.”
Observa Raphael: “Falaste bem; todavia, minha vontade não é tão tolhida como pensas. Também sou um receptáculo e não so- mente a pura irradiação da Vontade Divina. Sinto muito bem o que quero e aquilo que é a Vontade do Senhor.
Apenas a registro de modo mais fácil, pronunciado e rápido que vós, submeto minha vontade à Dele e assim sou qual emanação da Sua Onipotência; contudo, tenho vontade própria e poderia agir como vós. Tal não pode acontecer porque possuo sabedoria num grau tão elevado que reconheço — na qualidade de luz individual
a Justiça eterna e intangível da Vontade Divina como a dádiva maior de todos os seres e mundos.
Se, portanto, quiserdes a revelação sobre a estrela d’alva, que os pagãos denominam Vênus, posso satisfazer-vos caso o Senhor não Se oponha. Tudo que vos falo vem de meu conhecimento e saber, que só podem ser divinos.” — Aduzem os três: “Faze-nos este favor!”
238.AESTRELA VÊNUS
Com isto Raphael pousa as mãos na testa e no peito de cada um, e no mesmo instante suas almas são projetadas no planeta Vê- nus, onde analisam solo e criaturas. Deparam precisamente com uma assembleia destinada à adoração do Maior dos espíritos. Eis que um diz: “Criaturas deste maravilhoso planeta, criado pelo Gran- de Espírito na medida do Seu Olho, encontramo-nos aqui reunidos a fim de Lhe ofertar nosso louvor e veneração! Sendo Ele Onipo- tente e Sábio, podemos honrá-Lo unicamente usando em tudo a sabedoria. A verdadeira sabedoria consiste na máxima ordem, cujo grau mais elevado é o equilíbrio. Observando-nos como ponto cul- minante da Criação: que harmonia existe na construção de nosso físico! Quem poderia contestar nossa semelhança fisiológica? Se não houvesse diversidade de caráter e temperamento, não nos seria pos- sível registrar diversidade individual.
Daí deduzimos — como de outras coisas mais — sentir a Sabedoria do Grande Espírito o maior prazer na simetria, razão por
que devemos antes de tudo considerá-la. Ninguém deve construir sua morada um palmo mais alto que a de seu vizinho, tampouco ex- ceder-se na forma, proporção e delineamento. A inobservância des- sas regras desagradaria ao Grande Espírito, que deixaria de abençoar tal casa irregular.
Assim, também observamos que Ele prefere a forma arredon- dada, pois quanto mais perfeita a criatura, mais extraordinárias são as curvas de sua forma. Consideremos, pois, tal forma em tudo que fizermos; quem usa da pontuda ou quinada sem necessidade ou per- missão prévia atrai sobre si o desagrado e a ira do Grande Espírito.
Além disto, vemos que a cor branca — de quando em quan- do algo rosada — é-lhe a mais agradável, por nos tê-la proporciona- do como Suas criaturas excepcionais. Eis por que é obrigação nossa considerar tal cor em nossas vestimentas.
Cabe-nos usar a linha reta somente quando preciso, pois Ele também considera essa regra, a fim de nos tornarmos semelhantes a Ele, que em tudo emprega a linha curva.
Todavia, sabemos que isto só é possível alcançar pela noção exata do cálculo e da medida; logo, é dever rigoroso praticar essa ci- ência, pois que sem ela o homem se apresentaria, muitas vezes num dia, de modo repulsivo e desprezível. O Grande Espírito tudo sabe e vê a cada instante; caso descubra displicência contra Sua Ordem, afasta Seu Olhar, portanto sua Bênção, sem a qual nada progride!
Estando nos pontos principais em plena ordem, entende-se estarem equilibrados nossos pensamentos e desejos, pois a harmo- nia externa tem como consequência a da alma, fator significan- te para Ele.
Quão facilmente infiltrar-se-iam orgulho, desprezo, pobreza, miséria e carência de meios entre as criaturas, caso não respeitassem essas diretrizes. Pela rigorosa observância da simetria em tudo, tais perigos de nós são afastados e vivemos felizes, porquanto ninguém tem motivo de se julgar melhor que o próximo.
Onde o Próprio Grande Espírito ordena uma irregularidade, esta não traz prejuízo, mas benefício. Haja vista não podermos alcan-
çar, todos a mesma idade. Não deixa de ser um erro dentro da ordem, que Ele no entanto compensa, dando à velhice, mais rica em conhe- cimentos e experiências, permissão de transmiti-los à juventude.
Existem ainda outras faltas na harmonia: servem para nos ensinar existirem ao lado de máxima ordem certas falhas — não abençoadas, mas permitidas — e nos facultam a noção do mal. Nin- guém deve andar de vestes rotas, mas cerzi-las quando não puder confeccionar outra.
Já foi por diversas razões observado que alguns se utilizam dum bordão se obrigados a caminhada longa. Tal hábito é descon- certante e deveria ser abolido. Quem necessitar de apoio, que tome um em cada mão, para não desconsiderar a simetria e não sensibili- zar a Vista do Grande Espírito.
Igualmente se viu que alguns organizavam seus jardins fora da ordem comum. Isto em absoluto é de Seu Agrado, porque também poderia despertar a inveja — verdadeiro horror para Ele. Mantende tal ordem em vossas casas, pois se o vizinho ali penetrar, sentir-se-á como em sua própria; sois todos uma só família diante Dele e não deveis vos diferenciar uns dos outros. Se aqui chegasse alguém do fim do mundo, deveria ter a impressão de estar em sua própria casa. Isso é muito bem visto pelo Grande Espírito, que vos cumulará de bênçãos.
À beira dum grande rio houve quem se atrevesse a construir edifícios esquisitos para ornamentar a zona; como tal, porém, não Lhe agrade, também não o devemos apreciar.
Os animais caseiros merecem ser bem tratados, pois igual- mente são obra Sua e destinados a nos serem úteis; por este motivo honremo-los. De modo idêntico, ninguém pode destruir uma plan- tinha, por menor que seja, pois Lhe demonstraria ingratidão. As ruas devem ser conservadas limpas e sem grama, a fim de que não venha a ser pisada. Observai tudo isto, e jamais passareis miséria.
Aceitai minhas palavras como provindas do mais Sábio e Onipotente Espírito, agi dentro delas, que sereis felizes aqui e no Além, naquele mundo do qual as almas desencarnadas dizem ser
sobremaneira maravilhoso e onde também avistaremos o Grande Espírito e Seus servos.
Finalmente ainda vos tenho a dizer algo que um espírito iluminado já por duas vezes me revelou. Certamente já observastes à noite a grande e luminosa estrela acompanhada por outra menor e sabeis que ela se chama Kapra (assim denominam os habitantes de Vênus o nosso planeta). Todos nós desconhecemos sua natureza. Aquele espírito, porém, demonstrou-ma em sonho e vi que é idêntica ao nosso mundo. A pequena estrela que a rodeia também é um pla- neta, porém deserto e, dum lado, completamente destituído de seres.
Em Kapra o espírito mostrou-me um homem, dizendo: ‘Eis o Senhor! Nele habita a Plenitude do Espírito Eterno, que de agora em diante Se apresentará às criaturas como seu igual. Aque- les habitantes são, na maior parte, Seus filhos, que receberão poder divino quando cumprirem Sua Vontade. Os que assim não agirem continuarão ignorantes, fracos e rejeitados como filhos; hão de per- manecer como animais até aceitarem a Vontade do Grande Espírito que Nele habita.’
Por tal motivo, deveríamos sempre ter um excepcional res- peito ao grande Kapra. Além disto, amar o Grande Espírito, que ora ali Se encontra, como aqui amamos nossos entes queridos, pois tal nos facultaria ver e falar-Lhe no futuro. Isto aumentaria muito nossa felicidade, sendo-nos até possível alcançar a evolução daquelas criaturas.
Cientificados disto tudo por um mentor honesto e sincero, manifestai intimamente respeito àquele astro, a fim de que sua luz nos irradie as bênçãos e graças!”
239.PRIVILÉGIOS DE VÊNUS
Mal o guia e doutrinador de Vênus concluíra sua disserta- ção, os três amigos são despertados pelo anjo. Também já começa a clarear e a aurora não tarda. Mathael conta seu sonho, causando admiração entre Murel e Philopoldo, que viram o mesmo.
Raphael então lhes diz: “Qual vossa impressão acerca da es- trela d’alva?”
Responde Mathael: “Já não duvido que lá estivéssemos e confesso que muito me agradou; os habitantes, em absoluto, são néscios e se mantêm numa constante pureza moral. Para mim, no entanto, não serviria, pois tal monotonia e estagnação devem ser insuportáveis. Penso que uma lesma e um venusiano sentem a mes- ma necessidade. Amigo Raphael, ela brilha de modo maravilhoso, contudo não a aprecio, bem como a seus habitantes.
Certo é que com tal instituição jamais poderá irromper uma guerra, porquanto lá não existe pecado. Apesar disso, prefiro um pecador aqui; tal pureza de hábitos não pode ter valor porque não existe a seu lado a perfeição espiritual, que estagnaria diante da ação harmoniosa e simétrica daquelas criaturas.
Um homem evoluído em Vênus assemelhar-se-ia a uma ár- vore capaz de pensar e querer, no entanto obrigada a permanecer no solo com suas raízes. Dize-nos, amigo celeste, não têm espírito, amor, vontade e desejo? Devem saber, pensar e calcular, pois seu mestre lhes recomenda a matemática; assim sendo, pode existir um progresso espiritual?”
Responde Raphael: “Por certo — mas eles não cogitam do progresso externo, e sim do interno; sabem que o primeiro será um empecilho ao outro. Deve-se fazer as coisas exteriores dentro de moldes preestabelecidos e de acordo com as exigências físicas. Além daí, nem mais um passo, pois todo e qualquer progresso externo e material é um retrocesso às faculdades espirituais.
Nas criaturas que cultivam o externo em demasia, domina no íntimo a barbárie inescrupulosa. Dotado dum privilégio espiritual, jamais um povo desafiou seu vizinho. Manifestando, porém, sua gran- deza interna por obras facilmente realizáveis, de pronto desperta a inveja — e a guerra é iminente. Isso nunca será possível com os habi- tantes de Vênus, e por isso deveriam ser menos privilegiados que vós?
Lá ninguém possui vantagens exteriores no físico, na vesti- menta e habitação; eis por que tudo é taxado pelo valor intrínseco.
De acordo com sua educação idêntica, todos têm a mesma forma, ainda mais acentuada pela igual roupagem.
Pessoas não carcomidas por paixões diversas assemelham-se como irmãos. Quanto mais a forma externa diverge, tanto maior prova dá a respeito da inquietação interna; pois o interior se dirige às tendências exteriores, que jamais se poderão assemelhar em virtude da ganância, inveja, desprezo, orgulho, altivez e domínio.
Se vestes um manto verde, teu vizinho um vermelho e o outro, um azul — em breve discutireis a vantagem de cada cor. Ao passo que se tiverdes todos um manto igual em cor e feitio, nenhum de vós pensará em perder tempo na apreciação. Observastes em Vê- nus a completa semelhança entre um homem e outro, o mesmo se dando com uma mulher ou criança; sempre a mesma forma, no entanto linda e perfeita. Não deixa de ter seu proveito.
Aqui, não raro, a diversidade de forma, de acordo com o grau de beleza imaginária, constitui a base da discórdia, do amor, do ódio, do desprezo ou da dedicação excessiva e atração. Lá nada disto existe. As criaturas se amam em proporção ao seu grau de sabedoria; quanto mais alguém souber contar da bondade, força e saber do Grande Espírito e quanto mais dócil e meigo se tornar, tanto maior consideração e respeito lhe serão tributados pela comunidade. Di- zei-me, tal não é uma sábia instituição por parte do Senhor?”
Responde Mathael: “Perfeitamente, e desejaria que também houvesse a mesma ordem aqui. Agora, eis que Ele se levanta, seguido de todos. Urge prestar atenção para o que vier! — Talvez os nove afogados...?”
FinaldoTerceiroVolume Amém
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