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O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO
O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO — 11 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
ÍNDICE
O SENHOR CONSOLA OS NÚBIOS, NÃO DESTINADOS À FILIAÇÃO DIVINA 44
ROKLUS PROCURA FUNDAMENTAR O ATEÍSMO COMO FILOSOFIA VERDADEIRA 62
ROKLUS APONTA O CORAÇÃO COMO RECEPTÁCULO DA DIVINDADE VERDADEIRA 80
ROKLUS FALA SOBRE A IMPORTÂNCIA DUM INTELECTO DESENVOLVIDO .114
RAPHAEL REVELA OS PENSAMENTOS DE ROKLUS QUANTO AO SENHOR 118
O PODER DO CONHECIMENTO PROVINDO DO AMOR. DEFICIÊNCIA DE RACIOCÍNIO E INTELECTO 121
A EXPLICAÇÃO DA PALAVRA “SHEOULA” (INFERNO). A CLARIVIDÊNCIA 138
A MANEIRA PELA QUAL SE CONSEGUE AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS 140
O DESENVOLVIMENTO DA VONTADE. PREJUÍZOS DO ZELO EXCESSIVO 149
ALUSÃO DO SENHOR QUANTO À SUA ÚLTIMA CEIA E CRUCIFICAÇÃO 151
ESPIRITUAIS. FILHOS DE DEUS E CRIATURAS DE DEUS 207
INSUFICIÊNCIA DO CONHECIMENTO HUMANO. CONSOLO PELO AMOR DIVINO 215
O CONHECIMENTO DA DIVINDADE DE JESUS, CONDIÇÃO PARA O VERDADEIRO AMOR A DEUS 216
MORAL TEMPLÁRIA. OS MILAGRES DE MOYSÉS SOB ELUCIDAÇÃO FARISAICA 278
PROSSEGUIMENTO DA EXPLICAÇÃO DOS MILAGRES NO VELHO TESTAMENTO 281
O SENHOR E OS DISCÍPULOS NA ALDEIA DE PESCADORES, PERTO DE CESAREIA 313
COBIÇA DE JUDAS. O BENEFÍCIO DO REPOUSO EM ESPREGUIÇADEIRAS 354
COMPREENSÃO HUMANA ACERCA DE SUA DOUTRINA 384
ACEITAÇÃO DA VONTADE DIVINA 387
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. AoladodaBíblia omundojamaisconheceuObraSemelhante,sendona Alemanha considerada “Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
Evangelho de Matheus Cap. 16 (continuação)
AMILAGROSA REFEIÇÃO
Digo Eu: “Já passou uma hora de meio-dia; Marcus, trata dum bom almoço. Raphael poderá auxiliar-te, após ter tirado da mesa os montões de pedra, a fim de que todos possam tomar lugar.”
Rápido, o anjo obedece e em seguida diz a Marcus: “Como desejas que te ajude: materialmente ou a meu modo? No primeiro caso não despertaríamos a atenção dos demais, enquanto no segun- do pouparíamos muito tempo! Farei o que quiseres e não terás quei- xa de meu serviço!”
Diz Marcus: “Amigo celeste, teu auxílio especial de levar as refeições às mesas seria bastante vantajoso, pois a criadagem de Cire- nius muito tempo levaria para isto! Existe um outro senão: os pratos nem estão prontos para tanta gente! Se puderes ajudar-me nisto, pouparíamos meia hora para servir o almoço!”
Diz Raphael, bondoso: “Concordo, quanto mais rápido o preparo da refeição, tanto mais ligeiro poderemos servir! Basta ape- nas quereres — e dentro dum instante tudo se achará arrumado nas mesas!”
Obtempera o velho guerreiro: “Seria ótimo; as pessoas — mormente os negros — haveriam de tomar isto como feitiçaria ce- leste. Talvez se enchessem de pavor e não se animassem a almoçar.”
Diz o anjo: “Ora, justamente os núbios não se importam, pois estão habituados a coisas excepcionais! Além disto, já é tarde e o Senhor certamente planeja algo de importante para depois, de sorte que será melhor eu agir a meu gosto! E sendo este o último al- moço que Ele tomará aqui, não fará mal se for um tanto milagroso! Concordas?”
Diz Marcus: “Perfeitamente, pois como arcanjo saberás me- lhor o que se aplica no momento!”
Ambos se dirigem à cozinha onde, como sempre, os familia- res de Marcus e mais alguns empregados de Cirenius se acham ata- refados, porquanto o almoço ainda estava pela metade. Diz o velho: “Oh, isto leva uma hora!” Responde sua mulher: “Meu caro, não sabemos fazer milagres; portanto, paciência até que terminemos!”
Diz ele: “Sabes duma coisa? Deixa isto tudo, que Raphael resolverá o problema, na qualidade de cozinheiro nonplusultra!” Como o pessoal já estivesse cansado, retira-se satisfeito e Raphael então diz: “Podeis sentar-vos às mesas, onde os hóspedes já sabo- reiam o almoço! Vem, velho Marcus, prova, como ajudante meu, os pratos que fiz e dize-me se sei cozinhar! Tua família e a criadagem de Cirenius estão se servindo à mesa diante da casa, com os mesmos quitutes!”
Saindo da cozinha, todos deparam lá fora as centenas de hóspedes que se servem alegremente; Marcus, admirado, diz: “Como é isto possível? Não saíste de perto de mim — e todas as mesas estão servidas com fartura! Além disto, não preparaste os pratos e mui- to menos os levaste daqui! Compreendo tudo, com exceção de tua velocidade inexplicável, mormente em situações que se prendem a certa ordem terrena! Dize-me como fizeste isto tudo?”
Responde Raphael: “Não prestaste bem atenção, pois todo o teu estoque está esgotado! Certifica-te disto!” Achando confirma- das as palavras do anjo, Marcus, cuja estupefação cresce, exclama: “Isto não aguento! Não poderei comer se não me deres explicação!”
Diz o anjo: “Vamos à mesa, lá poderemos trocar algumas ideias!” Ambos se sentam à nossa mesa, onde as palestras estão
bem animadas. Raphael serve-se de pronto, deita um bom peixe no prato de Marcus e o anima a comer. Este, porém, relembra a explicação prometida, ao que Raphael diz, sorrindo: “Agora, ami- go, come e bebe! Quando tivermos adquirido o necessário conforto pelos alimentos abençoados, nos dedicaremos à palestra sobre o as- sunto acima!”
COMOSEOPERAM MILAGRES
Passada uma hora, diz Marcus: “Então, amigo celeste, fala- rás comigo?”
Diz Raphael: “Tenho vontade de dar-te explicação, o que to- davia não tirará o cunho milagroso, enquanto não fores batizado pelo Espírito Santo dos Céus! Tão logo o Espírito do Senhor tiver surgido e se unido à tua alma, assimilarás tudo sem explicação algu- ma, enquanto que, por ora, a mais profunda explicação pouca luz te trará! Pois até mesmo a alma mais perfeita não compreende o que seja puramente espiritual; isto só pode o espírito — e a alma atra- vés dele! Desejando, porém, uma elucidação, observa o ambiente e transmite-me o que vês!”
Estonteado, Marcus se vira para todos os lados e depara a cada mesa uma quantidade de jovens semelhantes a Raphael servindo aos numerosos hóspedes; alguns até vão buscar peixes frescos do mar, que são rapidamente levados à cozinha e daí às mesas. Os núbios mani- festam bom apetite, ainda estimulado pelo bom paladar dos pratos.
Vira-se Raphael para Marcus: “Compreendes agora ser possível, e até muito fácil, certas coisas, mormente considerando que um espírito, como princípio penetrante de seres e coisas, pode manobrar a matéria de modo mais acertado e poderoso dentro de sua vontade, sem que algo se lhe possa opor? Além disto possuo, como arcanjo, miríades de auxiliares que dependem, a cada ins- tante, de minha vontade. Se, portanto, algo quero de acordo com o Senhor, esta projeção se transmite aos inúmeros servos sujeitos a mim, que imediatamente se põem na maior atividade e, assim,
facilmente executam uma tarefa numa velocidade inimaginável! Pessoalmente, nada faço; à minha vontade onipotente, milhões são obrigados à atividade movida de seu ser intrínseco, operando uma ação exigida, de modo vertiginoso; isto tanto mais positivo quanto pelo Senhor — e consequentemente por nós — de há muito tudo foi previsto e preparado para determinada ocorrência que, em caso de necessidade, surge na matéria como algo recente.
Recorda-te da maneira pela qual surgiu um jumento na montanha; desta forma tudo se cria quando a nossa vontade incen- tiva os elementos primitivos da Natureza, emanados de nossos pen- samentos, a executarem determinada atividade! Isto, amigo, te sirva de explicação; um acréscimo não é possível, em virtude dos termos mundanos e linguísticos reduzidos! Não adianta prosseguires nas in- dagações; tua compreensão será limitada enquanto tua alma não se tiver tornado espírito! Criatura alguma poderá penetrar na sabedoria e conhecimento do espírito puro! Compreendeste?”
Plenamente satisfeito, Marcus diz: “Agradeço-te por explica- ção tão boa; agora, concatenando tudo que assisti, sei a maneira pela qual, amigo celeste, efetuas teus milagres, principalmente a veloci- dade de tuas ações. Posso afirmar abertamente existir sempre algo de natural nos milagres, dependendo duma conjugação de forças, quando um acontecimento deverá se processar de modo rápido ou em períodos. Até mesmo deparo uma leve analogia entre vossos mi- lagres e as feitiçarias dos magos, que consiste no que denominaste de previsão e preparação!
Falo, como penso, o seguinte: sem preparo e previsão devi- dos, ser-vos-ia tão difícil a realização dum fenômeno, quanto a um mago sem o aparelhamento e a prévia combinação com seus ajudan- tes. Naturalmente, ninguém disto deve ter conhecimento, do con- trário nada feito com a magia! Resumo: todas as coisas são possíveis ao Senhor e a vós, através Dele, nunca de modo imprevisto, senão preparado talvez desde eternidades e espiritualmente já efetuado em etapas! Aquilo que se apresenta na matéria já fora previsto e prepa- rado espiritualmente!
Por isto, não pode um planeta como o nosso surgir por uma ordem poderosa, mas somente após longos preparos, como base de seu aparecimento. Pelo mesmo motivo, não é possível coisa alguma surgir numa vida rápida, perfeita e consistente, pois todas as criações desta ordem desaparecem tão rápidas como surgiram. Haja vista o raio. Em compensação, algo que tenha vida consistente jamais pode- rá desvanecer-se de modo rápido, e sim somente em períodos. Con- clusão: o que jamais foi previsto e preparado não pode — nem pela ordem emitida pela vontade poderosa — surgir ou perecer de modo abrupto. Deve, pois, tudo ser considerado como milagre temporá- rio, e cada acontecimento, a consequência de preparos inúmeros e periódicos!
Vê, meu amigo celeste, pelo que me parece, assimilei tua expli- cação mais profundamente do que esperavas! Os romanos em absolu- to são tapados, conforme opinião de alguns; estou certo?”
PREVIDÊNCIADIVINAELIVREARBÍTRIO HUMANO
Responde Raphael, sorrindo: “Tens uma leve ideia; todavia, te enganas com tuas ‘consequências necessárias’, ‘indispensáveis pre- visões’ e ‘longos preparos’; disto te darei alguns exemplos eviden- tes! Determina qualquer local e exige de mim, de acordo com tua vontade, quantidade e qualidade de árvores frutíferas carregadas de frutos maduros! Fala, pois, que permanecerão sem serem previstas e preparadas e daqui a mil anos seus vestígios não estarão apagados!”
Diz Marcus: “Pois não, amigo, caso me pudesses dar a con- vicção plena estar a minha vontade sob meu domínio! Tal coisa tal- vez ser-te-ia muito mais difícil do que a aparição de diversas quali- dades de árvores frutíferas! Implantaste uma grande dúvida à minha afirmação de que mesmo vós, os espíritos mais poderosos, não sois capazes de fazer surgir um ato milagroso sem previsão e preparo! Não quero descartá-lo totalmente, mas considerando tudo aquilo que sucede na Terra, é difícil aceitar-se tal hipótese, porquanto a Onisciência Se poderia manifestar e não seria possível afirmar-se que
Deus Se esforçasse em algo que não fosse de Sua Vontade e Conheci- mento. Se Ele, desde eternidades, neste ponto não podia Se manter alheio que em certa época Seu anjo, Raphael, produzisse algumas árvores a pedido dum mortal — difícil será provar que tal milagre já não fosse previsto e preparado desde sempre! Espiritualmente, tal criação já existia!”
Diz Raphael: “Isto não tem a menor importância, uma vez não sendo preparada até o momento da concatenação! Além disto, é a vontade do homem, livre de tal forma que nem o Senhor, nem nós a podemos perturbar e pô-la em ação através duma previsão e muito menos pelo preparo. Podes, portanto, estar certo de que teu livre arbítrio individual não foi previsto e muito menos preparado! Por isto, pede o que quiseres e verás que o Senhor, por Ele Mesmo ou por mim, Seu velho servo, fará surgir, sem qualquer preparo, as árvores frutíferas para uma existência permanente!”
Marcus reflete e diz em seguida: “É preciso que sejam árvo- res? Não poderia pedir outra coisa?”
Diz Raphael: “Naturalmente, seja o que for, o trabalho será o mesmo! Externa teu desejo, que serás atendido!”
A esta afirmação, Marcus medita sobre um meio de confun- dir o anjo. Como nada mais lhe ocorra, ele lhe diz: “Pois bem, pro- duze uma casa mais confortável e sólida, isto é, um bom albergue para estrangeiros e nacionais; uma horta cercada e provida de varia- das qualidades de árvores frutíferas — não esquecendo a tamareira
— e, além disto, uma fonte cristalina!”
Obtempera o anjo: “Amigo, não será isto tudo algo demasia- do para uma só vez?”
Diz Marcus: “Estás vendo? Não disse que seria impossível sem previsão e preparo?! No entanto, a coisa alguma te obrigo! Faze o que puderes; o resto não tem importância!”
Reage Raphael: “Será tudo feito conforme desejaste, em Nome do Senhor! Vai, analisa tudo e dize-me se é de teu agrado! Caso queiras alguma alteração, poderás externá-la, porquanto ainda está em tempo. Amanhã será tarde, porque teremos seguido viagem.”
Olhando ao seu redor, Marcus queda perplexo diante daqui- lo que surgiu de momento: uma bonita casa construída de tijolos, a nordeste da cabana de pescador, cuja frente sudoeste beira a praia. Munida de um andar e duma varanda em volta, contém uma enor- me cozinha no térreo, despensa e cinco salas de estar, além de treze recintos grandes para fins de lavoura, como depósito de cereais, de carne, de legumes, frutos, feijões e verduras. Uma área de vinte bra- ças, revestida de mármore branco e de seis pés de profundidade, está cheia de água até a altura de quatro pés e meio, para a conservação de peixes de qualidade.
Esse aquário interno é provido de água cristalina, de fonte re- cente, que se infiltra através de inúmeros pequenos orifícios até atin- gir certa altura. Dali, um cano leva a água até o mar; pode ser tapado quando é preciso encher o aquário d’água. A seu redor se vê uma galeria de mármore trabalhado, de dois pés e meio de altura, e dum lado se acha um pequeno canal de escoamento atravessando a parede da casa, dando também para o mar. Paredes e solo também são re- vestidos de mármore; o teto, porém, é de cedro. As janelas, de cinco por três pés, têm lajes em cristal, podendo ser abertas ou fechadas.
Vê-se uma porta de aço, com brilho semelhante a ouro, e outras trabalhadas em cedro e munidas de trincos e fechaduras. O primeiro andar é revestido da mesma qualidade de madeira e cada quarto apresenta aspecto agradável. Em suma, a casa não só cor- responde ao castelo no ar de Marcus, mas também está fartamente provida de alimentos variados, para longos anos.
Nos fundos, ainda se acham estábulos para diversas espécies de animais e uma série de cabanas munidas de todos os apetrechos de pescaria; em volta dessas construções estende-se um vasto jar- dim — anteriormente uma estepe arenosa — provido das melhores qualidades de árvores frutíferas. Além disto, vê-se uma boa vinha abarrotada de uvas maduras e uma horta especial.
No centro do jardim, uma fonte térmica, com um templo de mármore; compreende duas piscinas, cujas fontes, pelo poder de Raphael e dentro de Minha Vontade, haviam sido trazidas do centro do orbe; uma com água quente para a cura dos doentes de artritismo; outra, de temperatura morna, fonte alcalina e sulfurosa para leprosos. Mais adiante, está um porto construído de grandes lajes, comportando cinco navios enormes e bem construídos, com velas e remos; o porto mede seis braças e, à noite, pode ser trancado por correntes. Tudo isto corresponde à ideia muitas vezes planejada por Marcus, que só pode esfregar os olhos, julgando estar vendo tal coisa em sonho.
Após ter visto tudo, no que leva cerca de uma hora, ele volta quase tonto e diz: “Será isto realidade, ou talvez esteja sonhando? Muitas vezes imaginei e sonhei com um albergue, e tu, amigo celes- te, certamente me fizeste cair em sonho, onde deparo com as minhas próprias ideias!”
Diz Raphael: “Como tua fé é fraca, romano! Se fosse uma visão, já se teria esvanecido — e não hás de querer afirmar que dor- mes e sonhas?! Envia tua mulher e teus filhos para analisarem tudo e ajudar-te-ão a sair do sonho!”
Virando-se novamente para a casa nova, Marcus exclama: “Realmente, é verdade! Mas... será consistente?!”
OSFILHOSDOMUNDOEOSFILHOSDO SENHOR
Diz Raphael: “Não te afirmei que esta construção nem daqui a um milênio será apagada?! As plantações e os cinco navios não resistirão por tanto tempo; o fundamento, porém, fá-lo-á. Até após dois mil anos, ainda haverá vestígios; todavia, ninguém os tomará por obra sobrenatural. Mesmo na época de hoje, os vizinhos dirão que os romanos foram os construtores, porquanto muitas mãos ha- bilidosas farão milagres! Eis a opinião das pessoas mundanas; pois, havendo num país milhões de habitantes, não encontrarás cinco mil que aceitem a verdade dentro duma explicação razoável. Uma fé
cega não seria útil a ti, muito menos a nós, espíritos celestes. Tam- bém não importa o número de crentes; pois o Senhor só veio ao mundo por causa dos Seus poucos filhos — e não pelos filhos mun- danos. E assim será até o fim deste mundo e suas épocas!
Sempre que o Senhor Se manifestar neste planeta, seja pela Palavra somente ou, por momentos, em Pessoa, fá-lo-á apenas para Seus verdadeiros filhos, que são do Alto! O mundo e seus filhos serão pouco, ou mesmo nada, considerados por Ele! Basta-lhes a Eternidade, a fim de levar-lhes uma noção mesmo inferior.
Não penses que a Luz Suprema dos Céus venha algum dia penetrar todas as criaturas da Terra! Somente os filhos verdadeiros
— sempre em minoria — serão por ela ricamente aquinhoados; os do mundo erigirão templos e casas de ídolos dos próprios detritos e cercá-los-ão com leis férreas e regras tolas sem, todavia, poderem pre- judicar aos verdadeiros, porquanto o Senhor os protegerá. Por este motivo, não deverá entre os mundanos um ‘Jeremias’ entoar suas queixas! Agora vai e agradece ao Senhor por dádiva tão excepcional!”
Marcus aproxima-se de Mim e tenta expressar sua gratidão por palavras suntuosas. Eu, porém, digo: “Poupa o esforço de tua língua, dispensável para Mim, porquanto já ouvi a gratidão de teu coração! Acaso o hospedeiro honesto não tem mérito? Tu o és e já nos hospedaste oito dias, da melhor maneira possível; não podemos aceitá-lo gratuitamente. Por isto, este albergue será uma garantia para ti e teus descendentes! Trata que Meu Nome seja por eles man- tido com firmeza, pois excluindo-O de seus corações, terão perdido tudo! Quem, todavia, tudo perdesse no mundo e mesmo assim con- servasse o Meu Nome, nada teria perdido, mas ganho tudo; e quem perdesse o Meu Nome tudo teria perdido — mesmo possuidor de todos os bens terrenos!”
(O Senhor): “Antes de mais nada, trata da conservação do Meu Nome no coração! Quem guardá-Lo, tudo terá; assim não sen- do, estará abandonado por tudo!
Quem Me ama verdadeiramente, e ao próximo como a si mesmo, traz em verdade o Meu Nome no coração, um tesouro que todas as eternidades não lhe poderão tirar; pois amar a Deus pela ação importa mais do que ser possuidor de todos os tesouros, não só deste mundo, mas do próprio Universo!
Não basta, porém, professar-Me pela sabedoria, senão pelo Amor verdadeiro do coração.
Muitos pobres hão de te procurar; o que lhes fizeres sem re- muneração terás feito a Mim, e Meu Amor te recompensará.
Quem abordar-te desprovido de roupas, vestirás! Quem vier sem dinheiro, deves suprir, porquanto o necessita no mundo!
Seria do Meu Agrado que todos os homens vivessem como irmãos, sem o uso do dinheiro, tão pernicioso; como, no entanto, foi por eles instituído, como criaturas mundanas, para maior co- modidade de intercâmbio, deixá-lo-ei ficar — mas somente trará bênção através do Meu Amor!
Não vejas nele outro cunho senão o Meu Amor — e ele te trará Meu Próprio Amor e Minha Bênção! A quem precisar de uma dracma, darás duas ou três, e Meu Amor te recompensará de outra forma, dez e trinta vezes!
Em suma, seja a pobreza qual for e tu a suprindo com o cora- ção alegre e por Amor a Mim — poderás sempre contar com Minha recompensa, que não tardará!
Suponhamos que um rico venha aqui atacado pelo artritis- mo; cobra-lhe, pois, hospedagem e manutenção; o banho será livre!
Aquele que vier apenas por prazer tomar alguns banhos terá que pagar por tudo, e mais caro que qualquer outro! Pedindo orientação quanto à Doutrina, fá-lo-ás de graça, porquanto nisto é ele pobre!
Um intelectual te procurando por esse motivo terá de pagar uma dracma por palavra, pois para pesquisadores dessa ordem, a Verdade só tem valor quando adquirida por muito dinheiro!
Ao pobre, faminto, dá de comer e beber e não deixes seguir como necessitado; outro, que sentir prazer em sentar-se à tua mesa, pagará também a despesa do pobre! Deves suprir os pobres e fazer-te pagar pela distração! Compreendeste?”
Diz Marcus, chorando de alegria: “Sim, Senhor!” Prossigo: “Então vai, e mostra tudo aos teus!”
Contentíssimo, o velho leva a família a percorrer todas as dependências; esta nem sabe como dar vazão à sua alegria. Os sen- tados à Minha mesa perguntam se também podem passar uma vista nessa obra milagrosa.
Digo Eu: “Caros amigos! Ela permanecerá e tereis tempo de fitá-la à vontade. Eu, porém, não ficarei, a não ser em vosso co- ração. Ficai, pois, Comigo, enquanto estou convosco; sou mais que esta criação milagrosa que poderia repetir, num momento, inúme- ras vezes!”
Exclamam todos: “Sim, ó Senhor, ficaremos Contigo; pois Tu és mais que todas as obras maravilhosas que preenchem o Infini- to com Teu Poder, Sabedoria e Bondade!”
O SUMO SACERDOTE DE ROMA. CRÍTICA AOSACERDÓCIO PAGÃO
Diz Cirenius: “Senhor, conheces minha profissão governa- mental, importante e difícil; tenho agora a impressão nada depen- der da mesma, cuidando ela de si, sem minha própria interferência! Sinto como se eu fosse a quinta roda dum carro, pois sei que Tu, Senhor, provês todos os meus negócios e jamais houve tanta ordem nos meus problemas!
Ó Império feliz! Oh, Roma, minha casa paternal, como de- vias alegrar-te em segredo, por ter o Senhor dirigido Seu Semblante em tua direção, pois tenciona educar os filhos de teus velhos burgos e
cabanas! Senhor, minha vida garante a seguinte afirmação: se tivesses feito tal milagre em Roma, não haveria umque não Te rendesse ho- menagem divina! És, todavia, Conhecedor de Teus Planos e Cami- nhos, portanto está tudo bem, de acordo com Tuas Determinações!”
Manifesta-se Yarah, que até então se calara qual peixe: “No- bre Prefeito, não te apoquentes por causa de Roma, onde alguns filhos merecem consideração. Além desses, lá vivem muitos sacer- dotes idólatras, todos sujeitos ao tal Pontifex Maximus! Dominam a consciência do povo com toda sorte de castigos infernais, que devem ser considerados de efeito eterno! Ai de quem se atrevesse mexer nesse ninho de maribondos! Creio serem vossos sacerdotes mil vezes piores que nossos templários, os quais trazem Moysés e os profetas nas costas e no peito, se bem que externamente. Os de Roma nem isto fazem: todos os seus atos visam apenas o egoísmo e a tendência incontida pelo domínio.
Haja vista que dois sacerdotes romanos, hospedados em nos- sa casa, me contaram ser o Pontífice uma entidade tão elevada que o próprio Zeus — que certamente o procura uma vez ao ano — se curva diante dele, até sete vezes, antes de se dirigir ao seu máximo representante na Terra, para transmitir-lhe, com todo respeito, al- gumas leis novas para o povo mortal. Claro é que Zeus não venera o Pontífice por sua própria causa, mas em virtude dos tolos deste mundo, a fim de reconhecerem a majestade inexpressível que envol- ve o máximo representante do Deus Supremo!
Seria ele soberano na Terra dos imperadores, reis, príncipes, marechais e outras sumidades. Além disto, domina todos os elemen- tos; quando seu santo pé bate com força, o solo treme como vara ao vento e as montanhas cospem fogo, ajudando o Pontífice enraiveci- do, que deste modo satisfaz sua justa vingança, em nome de Zeus!
Dele também dependem as safras: abençoando a Terra, ela prontamente produzirá colheitas abundantes; não o fazendo, o re- sultado será de acordo; caso pronuncie u’a maldição, tudo estará perdido, pois viriam guerra, fome, peste e outros flagelos! Além de Zeus, todos os outros deuses lhe obedecem; em caso de desobediên-
cia, ele os poderia banir da Terra por cem anos — caso impossível, porquanto todos estão convictos da indizível majestade do Ponti- fex Maximus.
Possui ele tríplice poder: primeiro, sobre todos os deuses, com exceção de Zeus, da mesma categoria; segundo, sobre a Terra e seus elementos; terceiro, sobre as criaturas, flora e fauna. Além dis- to, emite ordens ao mundo cósmico, manobrando nuvens, ventos, raios, trovões, chuvas, saraiva e neve, e o próprio mar treme diante de seu poder infinito!
Nesse crescendo, os dois sacerdotes romanos se extasiavam diante do poderio de seu superior. Por certo tempo, pensei que es- tivessem fazendo chiste; mas logo me convenci de estarem os to- los falando seriamente. Quando lhes relatei do Verdadeiro Deus de Abraham, Isaac e Jacob e de Suas Ações, desataram a rir, asseguran- do-me, com vivacidade, que eu estava totalmente errada e tinham até mesmo mil provas para isto.
Então perguntei-lhes se o Pontifex Maximus era mortal, ao que um deles se precipitou, dizendo que tal personagem teria de morrer. Nesse caso, Zeus o conduziria ao Elysium, onde faria parte na refeição de sua mesa durante cem anos, o que lhe facultaria tor- nar-se um verdadeiro deus no reino dos deuses. Esse relato não foi do agrado do colega, que emendou: ‘Que tolice acabas de proferir?! Desde quando o Pontifex Maximus é mortal?! Tua afirmativa se apli- ca apenas a nós, sacerdotes subalternos, mormente se não conquis- taram as graças do Pontifex Maximus. Ele jamais morrerá, porque Zeus lhe facultou a imortalidade! Eu mesmo já conheço o quarto, e nenhum morreu, entretanto só existe umimortal no trono e não quatro; embora sejam imortais, tampouco podem perder os direitos do trono pontifical na Terra!’
Interrompi: ‘Mas isto é um absurdo! Como podem quatro ser um e umser quatro? Vosso Pontifex é por nós classificado de doido varrido, e tão mortal quanto nós, e seu poder consiste, antes de mais nada, nas armas do Imperador, na grande tolice e ignorância do povo maltratado, e finalmente numa espécie de feitiçaria; pois
diante de tolos e ignorantes, fácil é fazer-se milagres! Deixai-me em paz com vossas estultices! Basta que sejais tão ignorantes; por que deveria eu fazer o mesmo?!’
Minha reação fez com que se enraivecessem comigo e final- mente entre si; começaram a discutir acaloradamente até que acaba- ram por se espancar, porta afora. Observando-os pela janela, como se atracavam qual cães, perguntei se isto constituía uma lei de Zeus, vinda do Elysium. Felizmente não me ouviram, e provaram, pela ação dos punhos, a imortalidade de Zeus, até que alguns emprega- dos os apartaram.
Agora te pergunto, nobre Cirenius, que figura teria feito o Senhor em Roma, em virtude duma ignorância tão fanática? Uma bem triste, sem fogo e chuva de enxofre! O nosso Senhor já sabia desde Eternidades onde, nesta época, haveria maior compreensão para Sua Doutrina; por isso veio aqui e não a outra parte! Eis minha opinião; qual é a tua? Que me dizes do Pontifex Maximus?”
CONDIÇÃORELIGIOSAEMROMANAÉPOCADE JESUS
Diz Cirenius: “Tens razão, filhinha; e nada se poderá alterar entre o Pontifex Maximus e o povo! Todavia, posso te assegurar que somente a ralé nisto acredita, não se dando o mesmo com a classe mais culta!
Por certo surgirão, na plebe, lutas desenfreadas em virtude desta Doutrina, mas também não faltarão os confessores que, den- tro do hábito romano, sacrificarão bens e vida por esta causa! Não haverá outro povo tão destemido qual o romano!
Nossos sacerdotes são apenas a quinta roda no carro, e seus festins e sermões só servem para distrair o povo, pois seus costumes em nada se alteram com isto. A moral é contida por uma jurispru- dência de grande projeção, de certo modo um extrato dos mais afa- mados filósofos de nosso planeta.
O Pontifex Maximus é mantido pelo Estado em virtude do povo, e é hoje mui restrito em sua atividade. Há alguns séculos atrás,
era ele uma espécie de divindade entre os homens! Devia possuir grande cabedal de conhecimentos para alcançar ofício tão elevado: tinha de conhecer a fundo os oráculos e seus segredos e os mistérios do Egito. Além disto, era um mago perfeito, para cuja finalidade era examinado rigorosamente, diante dum colégio secreto e dos mais antigos patrícios de Roma. Cumprindo as exigências, era-lhe con- ferido o pontificado com todas as suas prerrogativas, vantagens e prejuízos.
Deste modo, podia assumir certas atitudes diante do povo, mas tinha também de obedecer secretamente aos patrícios. Caso estes desejassem guerra, deveria ele organizar as condições proféti- cas, de tal forma que o povo compreendesse esta necessidade como vontade dos deuses. Os próprios deuses, porém, eram representados pelos regentes em conjunto com artistas e poetas, defensores da tese de ser preciso dar-se à fantasia humana uma direção variada, todavia fiscalizada, a fim de evitar as piores aberrações.
Toda pessoa tem uma fantasia inata; quando for descuidada, torna-se responsável pela transformação de um homem de sentimen- tos nobres, em uma fera selvagem. Sua fantasia, sendo equilibrada e dirigida a formas mais elevadas, começará a criá-las, modificando o próprio pensar e agir, vivificando a vontade para o mais sublime de suas criações internas.
Assim, é a doutrina politeísta nada mais que uma projeção da fantasia equilibrada, e posta em prática por todos os meios huma- nos. Para nós, patrícios cultos, surgiu a necessidade de aparentarmos aquilo que exigíamos do povo.
Deste modo ainda hoje andam as coisas, apenas com a diferen- ça de ser o próprio proletariado iniciado em coisas que anteriormente só era posse dos intelectuais, motivo pelo qual o pontificado pouco crédito merece. Alguns creem num Ser Supremo, outros em nada acreditam e a classe culta é adepta de Platon, Sócrates e Aristóteles.
Sacerdotes como os que te relataram o Pontifex Maximus são em parte tão tolos, que acreditam em tudo que lhes é inculcado; diante do povo se apresentam mui importantes, como se fossem
familiares dos deuses! Eles próprios creem nas seguintes palavras de Epicúrio: Come, bebe e goza! Após a morte não existe prazer, pois que ela é o fim das coisas!
Se tu, adorável Yarah, nos considerares de acordo com aqueles sacerdotes, farias uma injustiça; somos tal qual acabo de re- latar-te. Todo resto é apenas expressão dum leigo, que tanto conhece o regime romano quanto tu, até há bem pouco. Que tal, terás mais condescendência para com os romanos?”
OSENHORPREDIZODESTINODEROMAE JERUSALÉM
Diz Yarah: “Naturalmente, uma vez que a situação é confor- me acabas de revelar. Se tiverdes boa vontade, seu efeito só pode ser bom, mesmo não se apresentando desta forma diante do mundo. Por mim, não me deixo enganar pelas aparências; compreendo, no entanto, ser mais fácil chegar-se a uma boa vontade que à mais pura verdade, que só então se torna um fanal de vida, verdadeiro e ativo. A boa vontade foi, pois, sempre vossa firme tendência; algumas in- fluências pouco ou mesmo nada alteraram vosso princípio.
Agora recebestes um acréscimo à boa vontade, isto é, a Luz Puríssima da Verdade Eterna, pelo que vossa disposição inicial re- ceberá a justa orientação e os meios para a final conquista dos me- lhores resultados — e assim, só pode se aguardar de vós o que de melhor existe! Senhor, abençoa essas minhas simples palavras, para que permaneçam verdadeiras para sempre!”
Digo Eu: “Minha mil vezes querida Yarah; sim, tuas belas e maravilhosas palavras serão abençoadas! Roma será por muito tempo o melhor local para Minha Doutrina e Minhas Graças Es- peciais, e essa metrópole imperial alcançará uma idade como ra- ras no Egito, tampouco de modo tão inalterado. Inimigos exter- nos lhe trarão prejuízo relativo, e seu possível dano será apenas consequência do tempo!
No futuro, nela se cairá numa verdadeira idolatria com Mi- nha Doutrina; não obstante, lá se conservará o Meu Verbo e a me-
lhor compreensão dos hábitos. Em futuro longínquo, desaparecerá o espírito de Minha Doutrina, e as criaturas mastigarão a casca exter- na, tomando-a por pão espiritual da Vida; saberei, então, aplicar os meios justos e reconduzi-las ao bom caminho! Mesmo se perdendo pela impudicícia e adultério — Eu as purificarei em tempo!
No mais, permanecerá a anunciadora do amor, humildade e paciência, razão por que muita coisa ser-lhe-á perdoada em todas as épocas, e os potentados a rodearão para ouvirem de sua boca as palavras de salvação.
De modo geral, nada se conservará totalmente puro nesta Terra, tampouco o Meu Verbo; mas, como finalidade de vida e relí- quia histórica — somente em Roma! Faço-te tal promessa, Meu caro Cirenius, como plena e verdadeira Bênção das palavras sublimes e verdadeiras de nossa amada Yarah!
Um milênio após outro, testemunharão o pleno cumpri- mento desta Minha Afirmação referente à posição e permanên- cia de Roma!
Jerusalém, no entanto, será tão dizimada, de modo a ser impossível determinar-se a sua localização. Se bem que, posterior- mente, as criaturas lá edificarão uma pequena cidade com o mesmo nome — local e construção não serão os mesmos. Ela terá de sofrer por inimigos estrangeiros e permanecerá, sem dignidade e impor- tância, um antro de malandros que desfrutarão a existência miserá- vel do musgo das pedras atuais.
Era da Minha Vontade fazer a velha Cidade de Deus a pri- meira da Terra; ela, porém, não Me reconheceu e tratou-Me qual assassino e ladrão! Por isto, cairá no abismo e jamais se levantará das cinzas da velha maldição bem merecida, que preparou ela mesma e pessoalmente pronunciou. Minha amada Yarah, estás satisfeita com Minha Bênção?”
Responde ela, comovida: “Ó Senhor, meu amor único! Quem poderia não estar satisfeito com aquilo que expressas, mor- mente numa promessa de projeção para futuro longínquo?! Meu caro Cirenius também parece contente e seus amigos Cornélio,
Fausto e Julius! Se isto se dá com os filhos de Jerusalém sentados a essas mesas — é uma questão duvidosa, pois suas fisionomias ex- pressam tristeza!”
Após esta boa observação, alguns moradores de Jerusalém, levantando-se, dizem: “Enquanto a casa paterna não for habitação de ladrões e assassinos, não se deve desejar sua destruição; uma vez que atinja esse ponto, não pode ser poupada! O próprio descendente terá o direito — sem cometer pecado — de dizimá-la de tal forma que apague todo e qualquer vestígio de sua existência.
Possuindo a fiel convicção de ser Jerusalém um ninho de salteadores, por que deveríamos nos entristecer caso o Senhor lhe faça advir o castigo merecido?! A maior decepção consiste em ter esta cidade, tão abençoada por Deus, conseguido, não obstante to- das as advertências, ser pela terceira vez castigada por Ele Mesmo! Mas Sua Paciência e Indulgência são a prova insofismável do quanto merece punição tão rigorosa, razão por que não temos compaixão.
Quem, de vontade própria, se atira à cova em plena luz so- lar, por certo não será lastimado! Jamais sentimos comiseração para com os ignorantes, mormente quando pretendem brilhar como sá- bios perante o mundo; e muito menos tal merecem ao querer posi- tivar sua ignorância por maldades e astúcias.
Não deixa de ser justo que uma alma fraca necessite mais compaixão do que um físico doentio. Se, porém, um médico cons- ciencioso procurar o doente, ainda senhor de sua razão, e reconhe- cer sua enfermidade, poderá curá-lo; mas se um outro, ao invés de aceitar o conselho salutar, expulsar o médico — quem poderia ter compaixão por tal psique doentia?! Por isto, deve esta criatura ser acometida de enfermidade dolorosa, a fim de aprender quão tola foi sua atitude para com o médico tão competente!
A ignorância por si só merece pena, porquanto uma pessoa não tem culpa de ter nascido e permanecido assim; mas existem criaturas — haja vista os templários — que, não sendo tolas, se fa- zem passar por tal a fim de poderem se aproveitar da Humanidade, por elas cegada para fins egoísticos! Suas almas não são doentias, mas
lobos fortes e sadios em pele de cordeiro, e nada mais merecem do que serem aniquiladas!
Quem, na Terra, poderia apiedar-se da noite, só porque o Sol a afugenta?! Qual o tolo que chorasse pelo inverno incômodo, por uma tempestade, uma epidemia que passou, ou por más colhei- tas?! Quem poderia chorar pelos condenados em Sodoma e Gomor- ra, que de há muito jazem no fundo do Mar Morto?! Da mesma forma, ninguém lastimará o destino de Jerusalém. Por isto, julgamos ser uma tolice muito maior entristecer-nos, se o Senhor, em breve, nos cumular com Sua Maior Graça!
Por aí vês, adorável Yarah, que teu critério a nosso respeito foi falho! A aparência nem sempre traduz a verdade e nos engana vez por outra! Não achas?”
Diz a menina: “Senhor, meu amor verdadeiro, por que não sou capaz de julgar as criaturas? Quase me aborreço por isto! Ainda há pouco Cirenius me fez uma admoestação — e agora recebo uma quantidade! Todos têm razão, dentro da verdade, somente eu não! Senhor, dá-me noção melhor, para não fazer sempre um fiasco!”
UMEVANGELHOPARAOSEXO FEMININO
Digo Eu: “Devagar, Minha filhinha! Deves retrair-te e não te adiantar perante homens experimentados! Jamais deves formar qual- quer critério, mas esperar a opinião de pessoas geralmente vividas! Caso alguma se tenha desviado, é chegado o momento de lembrá-la, com meiguice, onde e quando cometeu um erro — mas nunca antes!
Não ficaria bem se as meninas fossem ensinar a verdade aos homens; quando eles, porém, derem um passo errado, estará em tempo que a mulher se aproxime, dizendo com meiguice: Cuidado, meu amigo; encetaste uma trilha errada! O assunto é assim, assim...! Isto alegrará o homem e com prazer seguirá a voz carinhosa.
Com a precipitação feminina, ele facilmente se aborrecerá e muitas vezes nem considerará a meiga voz da companheira amorosa. Eis, também, um Evangelho, mas só para o teu sexo! A mulher que o
respeitar viverá bons dias na Terra; não o fazendo, será culpada caso os homens não a considerem.
A mulher justa é o símbolo do mais elevado Céu; uma injus- ta, teimosa e dominadora é a cópia de Satanás, idêntica ao inferno mais tenebroso.
Além disto, deve jamais a mulher justa aborrecer-se com alguém, pois em sua natureza deve prevalecer a maior paciência, meiguice e humildade! Nela deve ele achar a calma justa de seu tem- peramento impetuoso e tornar-se, também, meigo e paciente! Se, no final, a mulher começar a se irritar com o marido, qual a atitude deste, sendo seu temperamento já mais alterado do que pacífico?! Por isto, Minha adorável filhinha, não te excedas — do contrário, terás motivo para te aborreceres, caso alguém te admoestar! Com- preendeste-Me bem?”
Diz ela: “Compreendi, sim; meu coração agora sente um peso por ter eu sido tola e precipitada! Durante várias horas me calei e tudo ia bem; mal segui o desejo de falar, reconheço ter sido melhor o meu silêncio! Agora minha língua será contida como nenhuma até hoje!”
Digo Eu: “Querida, não é preciso ser tão rigorosa; basta te calares quando não fores convidada, pois do contrário o outro classi- ficará tua atitude de teimosia, maldade e astúcia, afastando de ti seu coração. Em suma, falar e calar em época oportuna e sempre com meiguice, amor e dedicação — eis a mais formosa joia feminina, e uma chama amorosa, apta de vivificar o coração de qualquer ho- mem e torná-lo também meigo e bondoso!
Não raro mantêm as moças um defeito preponderante, que se chama vaidade, como forte semente do orgulho. A criatura que permitir sua germinação terá perdido sua feminilidade celeste e se aproximado de Satanás. Uma vaidosa nem merece ser ridicularizada, enquanto que a orgulhosa é algo putrefato entre as criaturas, e será desprezada por todos.
Por isto, sê tu, Minha filha, nem um pouco vaidosa e muito menos orgulhosa e altiva, que trilharás entre muitas qual estrela ful- gurante no Céu! Compreendeste e assimilaste tudo?”
Diz Yarah: “Oh, sim; não Te aborreças comigo em virtude de minha tolice!” Digo Eu: “Não te aflijas por isto! Eis Marcus e sua família, certamente cheia de novidades!”
Enquanto Yarah medita mormente sobre a vaidade, o ve- lho guerreiro e seus familiares se aproximam de Mim e começam a louvar-Me sobremaneira. Eu os abençoo, mando que se levantem e digo à mulher e aos filhos: “Já sabeis, especialmente Marcus, como assegurar-vos de Meu Agrado e Auxílio caso algo necessiteis. Como vos dedicastes tão carinhosamente, por todo esse tempo, ao nosso bem-estar, Eu vos presenteei com tudo que vistes, organizando-o de tal forma a suprir-vos temporária e eternamente. Deixai que Rapha- el vos demonstre o uso de tudo, pois tal posse também necessita de conhecimento quanto ao seu emprego!”
Chamo, pois, o anjo e lhe digo: “Ensina-lhes a maneira pela qual tudo deve ser utilizado e os cinco barcos à vela, para aprovei- tarem todo e qualquer vento! Assim se tornarão os primeiros e me- lhores navegadores neste grande mar, e os romanos tirarão proveito deste meio de transporte.”
Virando-Me para Cirenius, digo: “Manda alguns emprega- dos mais inteligentes ouvirem as explicações para aprenderem algo das necessidades terrenas, pois quero que os que Me seguem sejam adestrados e orientados em tudo!” Cirenius obedece Meu Conselho e faz Josoé acompanhar os outros, porquanto muito se interessa pela navegação.
CRITÉRIODONÚBIOQUANTOAOS MILAGRES
Em seguida, Oubratouvishar se aproxima de Mim e diz: “Senhor Onipotente! Eu e meu grupo vimos a salvação de todos os homens de boa vontade e bons sentimentos, que consideram o desenvolvimento do campo emotivo, e não de prematuro zelo ao intelecto, que deveria apenas ser um guia para o coração. É e será o caminho único da vida verdadeira e a sua salvação, fator que nós, negros, compreendemos de modo lúcido.
Com todo o nosso aperfeiçoamento e noção vitais, esse mila- gre nos estonteia e, após longas conjecturas, alguns afirmam que um homem perfeito, através de Teu Espírito, também poderia operá-lo; outros, porém, acham que tais coisas apenas a Deus seriam possíveis, pois seria preciso a Onipotência Divina, jamais facultada a um espí- rito criado e limitado.
Observam eles tal fato nas criaturas desta Terra: quanto maiores, tanto maior força e poder apresentam, e vice-versa. Fala-se dos antigos elefantes gigantescos, pois os atuais lhes podem ser com- parados a pequenos macacos! Sua força era tamanha que podiam arrancar, com a tromba, as árvores mais poderosas. Se já existe ex- cepcional diferença entre irracionais, qual não seria, então, entre os espíritos?! Aquilo, portanto, que Te é possível como Espírito Eterno, não é viável a um espírito criado, logo não pode fazer surgir do nada isto que acabas de presentear a Marcus! A meu ver, é mais fácil para Deus criar, num momento, uma obra que também as criaturas fos- sem capazes de fazer — embora com muito esforço e tempo — do que outra que fugisse à capacidade humana!
Assim conseguem elas edificar construções maravilhosas; mas toda a população do orbe não seria capaz de criar uma plantinha de musgo que crescesse, florescesse e desse semente para reprodução — muito menos um irracional de inteligência própria!
Tais coisas apenas competem a Deus pela Onipotência; ou- tras, temporariamente criadas, seriam possíveis a uma criatura re- nascida projetá-las de momento! Resta saber se devem perdurar, ou somente surgir numa oportunidade em que se deseja — sem vestígio de amor-próprio — facultar aos ignorantes uma luz para a glorifica- ção do Teu Nome! Não seria do Teu Agrado elucidar-nos neste pon- to?! Não Te teria importunado com tal indagação caso não tivesse observado a Tua Vontade!”
Digo Eu: “Meu caro amigo, ser-Me-á difícil fazer justiça à tua opinião e à de teus amigos. Imagina um pau ligeiramente finca- do no solo, que necessita de algumas marteladas para que se lhe pu- desse pendurar algo. Dois pretensos carpinteiros passam por perto e, como um se julga mais competente, diz ao outro: ‘Nossa capacidade é a mesma; no entanto, dá-me o martelo para que dê a primeira pan- cada, pois sempre acertei no alvo!’ Dito e feito, ele assenta um forte golpe na estaca. Atingindo-a apenas pelo lado esquerdo, ela conti- nua balançando. O amigo ri, dizendo: ‘Deixa-me ver o martelo, pois desta forma a estaca nunca ficará firme!’ Pega, pois, do instrumento e vibra um forte golpe — do lado direito! Eis que se forma uma contenda acerca do mais feliz na operação. É claro que não entram num acordo; os dois começam a brigar e a discussão termina depois que um, mais forte e entendido, demonstra a maneira pela qual se usa o martelo.
O mesmo acontece com vossa disputa, e Eu devo ser o ter- ceiro que a finalize por um golpe acertado, do contrário chegaríeis a travar uma luta sangrenta, somente para descobrir qual dos dois golpes seria melhor!
Nem tu nem teus amigos encontrastes a verdade quanto ao milagre, e se este também era possível a um renascido, apenas passas- tes de raspão! Antes que Eu venha resolver o problema, deves dizer aos outros que nenhum partido tem razão, porquanto só beirou a verdade. Deveis colocar-vos em pé de igualdade, não saberdes e não entenderdes algo de tal assunto. Só então dir-te-ei o que seja justo e verdadeiro pensar e saber!”
O núbio transmite o recado aos outros, que dizem, bastante inteligentes: “É justo e bom o Senhor nos ter feito tal advertência, que não só serve para agora, como para sempre. Quantas vezes não sucederam sérias divergências entre nós? Como ninguém andasse certo, era finalmente preciso que um conselho geral julgasse pela maioria de vozes; e, então, acontecia que aquele, completamente
errado, era considerado vitorioso. Se, naquela época, já tivéssemos recebido ensino tão sábio, muitas discussões teriam sido evitadas.
Tais constantes querelas, no entanto, tinham seu lado bom, porquanto despertaram nossa sede pela verdade. Se assim não fos- se, jamais teríamos te encontrado, Oubratouvishar; sem ti também não teríamos chegado a Memphis, e muito menos até aqui, onde podemos ouvir a mais Pura Verdade, da Boca Daquele que é a Base Eterna de todo Ser e Vida. Vai, pois, e expressa nossa gratidão mais sincera pelo ensinamento tão sábio, que honraremos pela ação, transmitindo-o aos nossos descendentes de modo vivo e verdadeiro. Por isto, nada de discussão entre irmãos incontestáveis!”
APOSSIBILIDADEDEMAIORESFEITOSQUEO SENHOR
Com tal recado, o núbio, acompanhado de seu servo, volta a Mim e quer Me expor as ideias dos outros. Eu o interrompo, dizen- do: “Amigo, Aquele que perscruta o íntimo das criaturas não neces- sita ser orientado: sei das conclusões de teus colegas, e saberás agora o que é justo no assunto por vós discutido. Ouve-Me, pois! Quando, na Terra ou no Além — o que sucederá na maioria dos casos — a criatura tiver alcançado a máxima perfeição espiritual, poderá, pelo livre arbítrio, não só fazer o que faço diante de vossos olhos e o que existe em todas as esferas da Criação, senão coisas muito mais grandiosas! O homem perfeito está, primeiro, como filho Meu, uno Comigo em tudo e não somente em fatores isolados, e tem de ser capaz de realizar o que Eu Mesmo faço, porquanto Minha Vontade foi por ele aceita.
Segundo, não perde o homem mais perfeito sua própria von- tade por tê-la submetido a Mim, e por isto não só agirá por Mim, mas por ele mesmo, de modo independente, o que na certa será mais do que aquilo que Eu faço. Isto te soa algo fantástico; entretanto, é e será eternamente como te falei. A fim de que o possas compreen- der melhor, relembrar-te-ei um fato que, desde Memphis, não te é estranho.
Observaste, na casa do sábio Justus Platônicus, várias espé- cies de espelhos, em cuja superfície extremamente lisa se refletia tua imagem. Finalmente, ele mostrou-te um tal espelho mágico, onde te vias em tamanho aumentado. Além disto, fez ele com que o Sol lá se refletisse, incendiando várias coisas no ponto central da reflexão, que se projetava de todos os lados e que te fez extasiar.
Agora te pergunto: como podia o raio, refletido naquele espelho, produzir efeito muito maior que o próprio Sol, com sua projeção direta? Todavia, era ele o mesmo que se projetava sobre o espelho, que continuava inalterável! De onde absorveu o raio efeito tão excessivo? Já tens algum conhecimento e saberás dar o motivo por que, ao menos pela explicação do sábio!”
Responde o negro: “Senhor, conheces realmente tudo! Ele me deu explicação um tanto confusa, pois me parece ter, nem de longe, acertado o golpe. A única sugestão aceitável foi que tal es- pelho côncavo tivesse a capacidade de concentrar os raios solares de modo muito mais potente que muitos espelhos simples que re- fletissem o Sol em tamanho natural. Tal concentração da luz solar demonstra também maior grau de calor, e Justus Platônicus alegava não ser possível calcular tal elevação.
Eis tudo, Senhor, que dele ouvi; as deduções que daí poderia concluir ultrapassam as forças de conhecimento de minha alma e Te peço uma verdadeira luz nesse assunto, do contrário ela será tão escura quanto minha pele negra!”
MILAGRESEFETUADOSPELORENASCIDOEM ESPÍRITO
Digo Eu: “Ouve-Me, pois: Eu sou o Sol de todos os sóis, dos mundos espirituais e dos seres variados que neles habitam. Assim como o Sol terráqueo influi com sua luz e o calor dela derivante, à certa distância, sobre todos os planetas e seus habitantes, vivifican- do-os de modo natural, Eu também influo, dentro duma Ordem imutável e rigorosamente medida, em tudo que criei; não pode, por isto, ser a Terra mais Terra do que é, a figueira aumentar sua espécie,
nem tampouco o leão, e assim não há um ser que possa tornar-se mais do que é, em seu gênero.
Somente o homem poderá, psíquica e espiritualmente, tor- nar-se mais e mais humano, porque lhe foi por Mim conferida a capacidade indestrutível de assimilar sempre maior quantidade de Minha Luz Espiritual, pelo cumprimento de Minha Vontade a ele transmitida, podendo conservá-la para toda Eternidade.
Bem, quando o homem vive dentro da lei e não se deixa tentar para uma ação inferior, porém não aspira algo mais elevado, assemelha-se à imagem que o espelho reflete do Sol, nem diminuin- do, nem aumentando. Sua compreensão das coisas será natural e, portanto, alcançará, em tudo, êxito comum.
Alguém, no entanto, que em virtude dum pequeno conheci- mento que captou em qualquer parte, faz-se de entendido entre os ignorantes como se fosse o inventor da Sabedoria original, declara os outros tolos, pavoneia-se e se enche qual bola, cuja superfície é muito polida, formando uma base espelhante de forma convexa.
Nela também verás a imagem do Sol, porém mui pequena e nada sentirás de calor, e deste reflexo nublado nunca algo se inflama- rá, mesmo se fosse éter inflamável! Eis o orgulho da alma, quando se envaidece com elementos sem valor. Quanto mais eleva sua pre- sunção, tanto mais pontiagudo se torna seu espelho, e tanto menor o reflexo do Sol espiritual em tal superfície de conhecimento e saber. Estas duas categorias jamais aumentarão sua espécie humana, e a última até mesmo a diminuirá.
Existe, porém, uma terceira, que se tornou um tanto rara! É excessivamente prestativa, útil, paciente, meiga, modesta e cheia de humildade e amor para com todos que dela necessitem. Assemelha-
-se ao espelho mágico de forma côncava. Quando a Luz da Vida e do Conhecimento, provinda de Mim, cai sobre tal espelho da alma, sua luz refletida em sua vida de ação incendeia o sentimento e a livre vontade para tudo que é bondade, amor, beleza, verdade e sa- ber; tudo que é tocado pelo foco da luz espiritual concentradíssima é prontamente iluminado e se desenvolve pelo alto grau do calor
interno. A criatura dotada de tal espelho logo reconhece coisas na maior clareza, as quais o homem comum jamais poderá sonhar.
Tal pessoa se torna sempre mais humana, isto é: mais seme- lhante a Mim como Homem Perfeito, progredindo na perfeição. E quando, após justo tempo, o diâmetro de seu espelho psíquico se tiver dilatado mais e mais, e se aprofundado em direção ao cen- tro vital (espírito), o foco concentrado que se projeta no exterior poderá efetuar coisas mais grandiosas do que Minha Luz Solar es- tritamente limitada, onde jamais se poderá aguardar um aumento extraordinário pelo caminho equilibrado e natural. Não é admissí- vel que a luz do nosso astro-rei projetada à Terra venha a derreter um diamante, enquanto isto bem pode o foco concentrado de tal espelho mágico.
Eis a possibilidade que assiste ao homem perfeito, capaz de fazer coisas maiores do que Eu. Ajo somente dentro da Ordem medida desde eternidades, e a Terra tem de respeitar seus trâmites numa determinada distância, onde comumente se acha sempre num certo grau de luz. Eis por que não posso, nem para satisfazer vosso conhecimento nem como simples divertimento, colocar este ou ou- tro planeta qualquer junto do Sol pela Minha Onipotência; pois tal experiência o transformaria de pronto num vapor azulado.
Vós, criaturas, podeis, com tais espelhos, concentrar a luz so- lar num só ponto e experimentar sua força em pequenas partes da Terra, onde fazeis, do ponto de vista natural, coisas mais grandiosas do que Eu — quanto mais munidas com Minha Luz Espiritual, sur- gidas do mais perfeito espelho da humildade de vossa alma!
Meus verdadeiros filhos conseguirão realizar coisas em seus territórios pequenos que, por si só, têm de ser evidentemente maio- res em relação às Minhas Ações, porque podem agir, unindo sua vontade à Minha, onde Minha Luz se pode concentrar a uma po- tência inexprimível. Deste modo, conseguem realizar num pequeno âmbito, pelo fogo intensivo de Minha Vontade, ações que Eu jamais poderei efetuar, em virtude da conservação da Criação total, muito embora o pudesse.
Em suma, Meus filhos verdadeiros poderão até mesmo brin- car com aquelas forças de Meu Coração e Vontade que Eu jamais apliquei numa relação mais íntima, assim como nunca aproximei a Terra do Sol a fim de derreter, por divertimento, os picos de algumas montanhas num calor por vós incalculável — coisa impossível sem dissolver a Terra toda em éter original. Aquilo, pois, que não posso fazer em grande ou pequena escala, Meus Próprios Filhos podem efetuar com o espelho mágico, de modo natural e muito mais es- piritualmente! Compreendes agora, Meu caro amigo, o que acabo de te esclarecer? Estarás satisfeito, ou talvez ainda alimentas alguma dúvida sob tua pele preta?!”
OSENHORCONSOLAOSNÚBIOS,NÃODESTINADOSÀFILIAÇÃO DIVINA
Diz o chefe núbio: “Senhor, tudo me é claro e minha alma se acha equilibrada; agradeço-Te, pois, tais ensinamentos, que condi- zem com meu campo emotivo. Observo, porém, que Teus discípu- los não os compreenderam e isto é-me extremamente desagradável, porquanto são destinados à Filiação Divina!”
Digo Eu: “Tu o compreendendo, que te importam os ou- tros?! Entendê-lo-ão quando chegar o seu tempo; pois ainda ficarão Comigo, enquanto vós seguireis amanhã à vossa pátria.
Consiste num hábito antigo de todos os povos considerar-se o hóspede antes dos filhos da casa, que nem por isso são despres- tigiados! O assunto foi para vós mais fácil porque já conhecíeis a natureza dos espelhos; entre Meus verdadeiros filhos e discípulos, até hoje nenhum avistou um, senão o da superfície serena dum lago. Caso tencione elucidá-los mais concretamente, saberei arranjar os ditos espelhos, de modo idêntico ao da criação do cérebro humano e esta casa nova de Marcus.
Não te preocupes, pois, com Meus discípulos, pois te assegu- ro, Pessoalmente, que todos serão considerados. Os estranhos vêm e vão; os filhos ficam em casa! Compreendeste também isto?”
Diz o chefe: “Como não! Todavia, minha alma não se ale- grou, pois que nos classificaste de ‘estranhos’! Não poderemos mo- dificar o que já determinaste desde eternidades, e Te somos imensa- mente gratos pelas graças imerecidas que nos proporcionaste!” Tanto o chefe quanto o servo desatam a chorar e Yarah me diz, em surdina: “Senhor e Pai de todas as criaturas, vê, os negros estão chorando!”
Digo Eu: “Não importa, Minha filhinha, pois justamente por isto se tornam filhos de Meus filhos, que tampouco serão ex- pulsos da casa do avô!” Ouvindo Minhas Palavras, eles caem de jo- elhos e soluçam de alegria. Em seguida, o chefe diz: “Ó Deus cheio de Justiça, Sabedoria, Amor, Poder e Misericórdia, tomado da mais profunda contrição, agradeço-Te, em nome de meu povo, que, ao menos, nos conferes o nome de ‘filhos de Teus filhos’!”
Digo Eu: “Acalma-te, Meu amigo; quem é por Mim aceito deixa de ser um estranho! Vês a Terra cheia de montanhas, altas e baixas. As elevadas são as primitivas filhas do orbe, e as menores, que surgiram pouco a pouco, são seus filhotes; enquanto que as pri- meiras enfeitam seus picos com neve e gelo eternos, sua prole suga constantemente o leite do amor do seio da grande mãe!
Afirmo-vos: Quem possui amor e age por amor — é Meu filho, Minha filha, Meu amigo e Meu irmão; desprovido de amor, portanto não agindo dentro dele, será um estranho e tratado como tal. Se Eu te chamo de Meu amigo, já não és estranho, mas pertences à Minha casa através de Minha Palavra, que aceitaste em teu cora- ção. Transmite isto aos teus irmãos e vai em paz!”
O núbio assim faz e todos eles exultam de alegria por consolo tão grande. Cirenius, porém, que não havia bem compreendido a explicação dos espelhos, muito embora tivesse noção das qualidades diversas, pergunta se Eu não posso orientá-lo mais de perto. Eu lhe recomendo paciência, porquanto teríamos de enfrentar uma delega- ção de Cesareia Philippi.
Mal termino de falar, aparecem doze homens por detrás da casa velha; eram seis judeus e seis gregos. Os cesarenses, acomodados em algumas cabanas, foram informados pelos pastores e pescado- res de que o Prefeito de Roma havia doado a Marcus um grande terreno que fora protegido por um muro intransponível. Conside- ravam aquela área ao redor da cidade como posse comum, e agora pretendem ouvir de Cirenius com que direito havia ele se apossado daquele terreno, porquanto a cidade sempre havia pago o imposto a Roma e a Jerusalém. Anteriormente, Eu havia orientado Cirenius pela intuição, de sorte que já sabia do que se tratava antes que um dos representantes dessa delegação infeliz pudesse manifestar-se.
Após as costumeiras reverências, um grego esperto chamado Roklus diz: “Justo, severo e ilustríssimo senhor! Há uma hora pas- sada soubemos, pelos pastores entristecidos, que uma considerável parte das terras do Município, fortemente tributado, foi doada ao velho guerreiro Marcus através de tua generosidade! As ruínas ainda fumegantes e a infelicidade que nos atingiu provam, como cesaren- ses bem situados, que somos, na acepção da palavra, os mais mise- ráveis mendigos do mundo. Feliz quem pôde salvar alguns trastes, pois isto não nos foi possível em virtude da rapidez com que o fogo se propagou. Nós, e muitos outros, agradecemos aos deuses por nos terem salvo as vidas! Restam-nos apenas algumas cabeças de gado; como, porém, mantê-las, quando tua generosidade com romanos natos entregou-lhes a melhor área como bem definitivo?
Por este motivo, pedimos explicação se o feliz Marcus é ou não obrigado a nos indenizar! Sem qualquer indenização, nossa situ- ação deprimente seria inédita na história. Que poderemos aguardar de ti, nobre senhor?”
Diz Cirenius: “Que atrevimento é este?! O terreno pertence, há quinhentos anos, ao monte e à cabana de pescador, e era inteira- mente desvalorizado em virtude do solo arenoso. Além disto, dele
ainda faz parte um lote de vinte fangas, não cercado e entregue à comunidade para uso comum. Apresentai-vos como inteiramente pobres, desprovidos de qualquer bem! Que direi a essa mentira infa- me?! Sei que vossas residências foram destruídas pelo fogo e também sou informado de quanto monta vosso prejuízo; mas também não ignoro vossas grandes propriedades em Tyro e Sidon, e das enormes riquezas que tu, Roklus, possuis e que poderias concorrer comigo!
Vosso grupo é tão rico que poderia reconstruir a cidade, no mínimo, dez vezes; e, precisamente vós, vos queixais de pobreza e pretendeis acusar-me de injustiça porque a propriedade de Marcus
em todos os momentos de sua vida um homem de bem — foi isolada da vossa?! Dizei-me como classificar vossa atitude.
Ide analisar o terreno, que se estende atrás do muro por vin- te fangas! Estou a vendê-lo por dez dracmas; caso julgardes que o mesmo valha, poderemos fechar negócio! Não existe pior solo, com exceção do Sahara; pois, além de areia, pedregulho e alguns cardos, nada encontrareis.
Vós, porém, sois ricos e podeis mandar trazer, de longe, terra boa para cobrir este deserto, a fim de que se torne fértil. Também tendes os meios de mandar fazer uma enorme canalização que vos facilite irrigar, no verão, esta área, dando-vos direito sobre a mesma. Contudo, nada conseguireis comigo, pois provarei que, pela presente reclamação injusta, sempre cabe o direito ao mais forte! Que fareis?”
Responde Roklus, fortemente embaraçado pelas palavras enérgicas do Prefeito: “Senhor, não procuramos defesa própria, e sim somos representantes dos que passam verdadeira miséria na ci- dade destruída. Muito fizemos por eles, de sorte que a Comunidade empobrecida nos conferiu, por gratidão, todos os terrenos circunja- centes e nos garantiu também estes, à beira-mar.
Assim sendo, não nos pode ser indiferente quando alguém se apossa duma parte, a cultiva e cerca até com muro sólido, numa rapidez verdadeiramente miraculosa, o que somente é possível aos romanos, que não raro levantam um acampamento para cem mil homens em poucos minutos!
O caso, porém, sendo outro, desistimos de nossa exigên- cia! Poderá o velho Marcus anexar à propriedade as restantes vinte fangas de terra além da amurada, e declaramos com isto não ser ele incomodado por nós, ou pela própria Comunidade. No entanto, julgamos dever ele pagar o dízimo, em virtude do direito único que lhe assiste na pescaria.”
Diz Cirenius: “Como não? Mas tereis de provar em que época foi conferido tal direito à cidade! Desconheço documento desta ordem, porquanto durante minha função de Prefeito, que exerço perto de trinta e cinco anos, jamais me foi demonstrado. Este lugarejo adquiriu o nome de ‘cidade’ em homenagem a meu irmão, que há mais de quarenta anos rege em Roma. Sou ciente das meno- res ocorrências e ignoro tal dízimo de pescaria; sei positivamente que foi exigido de Marcus de modo ilegal, pelo que ele — caso fosse mal- doso — vos poderia reclamar a integral devolução da importância. Marcus nada disto fará, por ser honesto e sincero; garanto, porém, que no futuro não mais pagará tal imposto.
Ao invés de vos facultar qualquer direito, informo-vos, como deputados desta cidade, que nomearei o velho Marcus para prefeito da mesma e seus arrabaldes, em virtude do poder que me é conferido pelo Imperador. Ele unicamente julgará todas as vossas questões, enquanto vos obriga a pagar-lhe o referido imposto. Para este fim, receberá ele documentação imperial, válida pelo bastão, a espada e a balança dourada da justiça! Somente em casos excepcio- nais será necessária minha presença; do resto ele tudo julgará! Estais satisfeitos?”
A SÁBIA LEGISLAÇÃO NO REINADO DE MATHAEL, NO PONTUS
Diz Roklus: “Satisfeitos ou não, que poderíamos fazer con- tra vossa força?! Aos vermes no pó só cabe concordar; pois, caso se manifestem, os pássaros os devoram! O fraco tem de obedecer ao mais forte se quiser subsistir, e assim somos obrigados a obedecer ao
‘senhor’ Marcus, se pretendemos viver. Falando sinceramente, isto não nos é agradável, pois jamais vimos pessoa tão disparatada! Não se lhe pode contestar seu senso de justiça, em virtude de suas lon- gas experiências; de resto, é insociável e destituído de compreensão humanitária! Podemo-nos congratular à vista de sua nomeação e melhor seria emigrar — mas, para onde?”
Levanta-se Mathael e diz: “Muito bem, se tal é vosso desejo, imigrai para o Pontus, que irei governar! É um grande reinado entre dois mares: no Leste o Pontus, e no Oeste o Mar Cáspio. Lá podereis viver segura e calmamente sob leis rigorosas. Advirto-vos, porém, que não admito nem a aparência duma ação injusta, e a mentira é punida sem indulgência; o cidadão justo, honesto e filantrópico desfrutará de vida agradável!
Ninguém será isento do imposto, pois, podendo trabalhar, também ganhará; este lucro justifica um tributo ao rei, incumbido do bem do reinado, portanto necessita de proventos para manter um exército forte, que enfrente qualquer inimigo. Tem de manter escolas e penitenciárias, munir as fronteiras com fortalezas intrans- poníveis, no que necessita de muito dinheiro.
Por aí vedes a razão dum rei exigir o imposto individual, e caso vos agradem os deveres de meu país, podeis emigrar para o Pontus! Dou-vos com isto minha concessão; o jugo de Roma vos pesando demais sob a organização do velho Marcus — sabeis para onde vos dirigir!
A fim de vos orientar em mais alguns pontos, sabei que não permito o direito de posse absoluta. Todos poderão fazer fortuna que não deve ultrapassar dez mil libras, sob risco de morte. O exces- so terá de ser encaminhado aos cofres do Estado; em caso contrário
que, pela minha organização, facilmente será provado — o infra- tor de lei, tão salutar ao bem comum, será destituído de seus bens e, além disto, cumulado com outras punições.
Além do mais, não é permitido possuir-se fortuna acima ci- tada em curto tempo, pois prova sua aquisição ilegal, a não ser por doação, herança ou descoberta. Para essas três possibilidades rege,
no meu país, uma determinação pela qual a metade é entregue ao Estado, donde se provê a educação de menores e incapacitados para o trabalho. Em suma, tudo é de tal forma organizado, que ninguém venha a passar necessidades, e tampouco haverá supérfluo desme- dido! Somente se houver uma pessoa bondosa, justa e sábia poderá dispor de vinte mil libras — além disto, somente eu e meus fun- cionários confidentes e militares! Se tal ordem vos agrada, podeis arrumar vossos trastes e vos dirigir ao Pontus!”
Diz Roklus: “Ó sábio Rei do Pontus e do Mar Cáspio, dese- jamos-te muita felicidade para o teu reino — sem aceitar teu amável convite! Acaso haverá mais algum rei por aqui, com proposta tão atraente?! Teu regime pode ser bom quando a pessoa a ele se acostu- mar, qual boi na canga! Prefiro vinte Marcus e te digo: passa bem!”
DISCUSSÃOENTRECIRENIUSE ROKLUS
Novamente Roklus se dirige a Cirenius e diz: “Senhor, onde está Marcus, nosso patrão, para lhe rendermos nossa homenagem?”
Diz Cirenius: “Nada disto é preciso; uma homenagem de palavras vãs não lhe é útil e ele dispensa outras dádivas, porquanto as possui em abundância.
Melhor será se o procurardes sempre de corações honestos e sinceros ao expor-lhe vossas diferenças, pois vos atenderá com toda justiça! Qualquer mentira, porém, será imediatamente puni- da, porquanto sua perspicácia de pronto a descobre. É do desejo do Imperador, e também minha intenção rigorosa, banir do país mentira e traição para que a pura verdade, a par do amor desin- teressado, reine sobre as criaturas sujeitas a Roma, pois somente o cetro da verdade e do amor trará a felicidade aos povos. Quiçá algum dia não venha eu adotar as sábias diretrizes do Governo de Mathael para nossa terra; pois as achei muito sensatas para o pro- gresso individual e comum.
Tal orientação fará com que verdade e amor se tornem a segunda natureza das pessoas. A meu ver, não existe outro fator a
permitir mentira, embuste e egoísmo como o lucro ilimitado. Uma sábia restrição nesse sentido não tem preço, e na primeira oportuni- dade a submeterei ao parecer do Imperador, enquanto induzirei tais normas em meus domínios governamentais.”
Diz Roklus: “Não deixam de ser sábias quando já exercidas há alguns séculos; não será, porém, tão fácil em países arrendados a vários príncipes e tetrarcas. Nem tudo se conseguirá pelo poder absoluto, porquanto um imperador não pode revogar, de hoje para amanhã, contratos firmados com regentes também providos de certo poder, e terá de respeitá-los até que escoe o prazo fixado ou quando os contraentes não tenham cumprido as condições preestabelecidas, fator que susta, em parte ou completamente, o contrato. Enquan- to o Imperador arrendar determinadas terras a príncipes com di- reito de legislação — por eles bem pago — ele terá de considerar tais direitos facultados. De certo modo, todos nós vivemos sob leis romanas quando cometemos alguma infração contra o Estado; de resto, nos assiste a proteção do regente arrendatário contra o despo- tismo imperial.
Conhecemos bem nossa situação e dispensamos comentá- rios, pois necessitando de orientação, não vamos a Roma, e sim a quem nos rege. Por isto, não será tão fácil induzir na Palestina as normas governamentais do Rei do Pontus!”
Diz Cirenius, um tanto alterado: “Em parte tens razão de ser preciso considerar-se os contratos; no entanto, esqueceste ter-se o Imperador reservado o direito de revogação imediata quando o acha necessário a bem do Governo. Nesse caso, cabe ao arrendatário a petição de indenização referente ao pagamento anual, enquanto o regime daquelas terras volta ao Imperador, a cujas leis todos têm de se submeter. Assiste ao arrendatário um especial direito de pro- por a Roma a desistência de qualquer privilégio jurídico caso deseje continuar como regente, prosseguindo seu regime dentro das leis do Estado. O imperador resolverá a aceitação de tal proposta.
Com referência à Palestina, cabem-me as prerrogativas con- tra qualquer arrendatário, e posso sustar todo compromisso dessa
ordem. Estás, portanto, enganado ao julgar que o Monarca venha prejudicar a si próprio; pois sabe conferir apenas aqueles direitos que possa revogar em determinadas circunstâncias. Um Imperador pode tudo o que quer; somente não lhe é possível fazer milagres. Afora isto, pode revogar as leis antigas, criar novas e até mesmo destruir os templos e deuses pagãos e erigir um maravilhoso, destinado ao Deus Único e Verdadeiro — e ninguém terá o direito de inquiri-lo por tal motivo! Deste modo, bem pode amanhã proclamar as leis sábias de Mathael para todo o seu reinado. Quem teria coragem de se lhe opor, sem ser atingido pela reação do Monarca?!”
INTENÇÕESDEROKLUSESEUS COMPANHEIROS
Diz Roklus: “Creio não ter ofendido Roma e ao velho Mar- cus por preferir as leis de Augusto, ao invés das do rei nórdico, que absolutamente considero impróprias e cruéis. Sei que aquele reinado, de acordo com um mito, vai até ao fim do mundo, sendo, portanto, o maior da Terra. É, pois, questão duvidosa se for capaz de divulgar suas leis a todos aqueles povos! Permita-me uma ob- servação inofensiva; pois sendo obrigado a falar, prefiro fazê-lo de modo íntegro.
Afirmaste, há pouco, ser impossível ao Imperador fazer mi- lagres. Este teu axioma não me parece bem aplicado, pois a nova mansão do velho Marcus, a grande amurada, onde no mínimo cem pedreiros teriam de trabalhar durante cinco anos, considerando-se o transporte das enormes pedras de granito, a transformação do ter- reno numa área cultivada e, finalmente, a construção dum porto seguro, com vários navios a vela, que pela nossa observação dum morro da cidade, surgiu dum momento para outro — se isto não é um milagre, declino de minha natureza humana!
Tendo, pois, mencionado minha dúvida sem naufragar, con- fesso, em nome de meus onze companheiros, que minha anterior exigência de indenização foi apenas pretexto para descobrir este enigma! Chegamos à conclusão de que: ou um deus ou um mago da
era primária deve estar presente, porquanto as forças do homem não realizam tais coisas. Por isto, nos decidimos a vir aqui quanto antes.
Imploramos-te, pois, uma pequena explicação: Nada quere- mos tirar do velho Marcus, e sim nos prontificamos a cultivar, por conta própria, o restante do terreno; permite, porém, sabermos este mistério!”
Diz Cirenius: “Bem, a coisa muda de feição e pode tornar-se mais vantajosa do que a anterior exigência!”
Interrompe Roklus: “Isto sabíamos, pois há mais de trinta anos és nosso soberano justo e bondoso, e conhecemos teu fraco: é preciso transmitir-te certa vibração, caso se tencione saber algo inco- mum. Queira, pois, perdoar nossa atitude, não maldosa!”
Diz Cirenius: “Mas, em que se baseia vossa suposição ter isto surgido de modo milagroso? Descobriste-o hoje, sem observar que meus soldados e guerreiros trabalharam durante sete dias?”
Diz Roklus: “Mas... senhor! Desde que aqui te encontras, com exército considerável, não abandonamos nosso posto de obser- vação, para nos orientar sobre vossas intenções. Hoje cedo, a aurora maravilhosa nos despertou e não perdemos de vista esta zona. Até bem pouco, nada de extraordinário se nos deparou; de repente, o quadro se muda para o que ora vemos, como caído do Céu! Fisca- lizamos todos os movimentos, inclusive dos negros, e vossa desci- da do morro! Deu-se, portanto, um milagre colossal, que pedimos explicar!”
Diz Cirenius: “Pois bem, querendo sabê-lo melhor do que eu, que seja milagre! O ‘como’ e ‘por quem’ não necessitais saber; para tanto, é exigido mais do que vir aqui e bisbilhotar!
Se um estadista fosse relatar a todo mundo os segredos do Governo, sua política seria de curta duração e os subalternos com ele agiriam a bel prazer! Sendo obrigado a reger reinado e povo pela polí- tica, porquanto incapazes de reconhecerem as necessidades diversas, os setores, por si só, não se prestariam para função tão importante.
Um regente equilibrado deve ser dono de certo poder, de ci- ências e inteligência, tornando-se benfeitor e dirigente sábio de mi-
lhões de ignorantes, que mal sabem dar valor a ele! Que tal homem, por motivos sérios, não deixe que os súditos venham a se orientar sobre seus planos, é compreensível; assim, também compreendereis por que razão não vos revelo esse mistério. Pela minha explicação, deve o dirigente ter mais poderes que qualquer um; do contrário, os outros não lhe renderiam o devido respeito! Ide, portanto, analisar o milagre, e depois veremos se é possível esclarecer-vos algo mais! Agora basta!”
ROKLUSANALISAO MILAGRE
Em seguida, Roklus e seus companheiros se dirigem rápidos ao jardim e à casa, onde tudo lhes é mostrado por Marcus; sua ad- miração passa os limites do concebível. Decorrida meia hora, eles se juntam a nós, sem terem recebido explicação do velho guerreiro, pois tanto ele quanto Cirenius e Mathael haviam sido por Mim ins- pirados no que dizer, dando assim oportunidade de se converterem à verdade esses homens estapafúrdios.
Raphael, após ter dado a Marcus explicação do uso de tudo que lhe fora por Mim presenteado, vira-se para o guerreiro e diz em surdina: “Poupa tua gratidão verbal ao Senhor, porquanto se trata agora de converter esses ateístas da Escola de Epicúrio, fundador da agremiação dos essênios.
Seu grupo se compõe de seis gregos e seis judeus, todos de convicção uníssona e pertencentes à Ordem essênia. São astutos e não fáceis de se tratar. Além disto, riquíssimos, razão pela qual se dirigem a Cirenius como se fora um seu igual. Se for possível con- vencê-los pela palavra, a vitória será grande; pois cada um desses doze dispõe, como soberano, de cem mil criaturas. Por enquanto, o Senhor deve ficar oculto; a atração central será o Prefeito e a seguir tua pessoa, caso necessário. Só depois poderei surgir e, finalmente, o Próprio Senhor! Agora silêncio, que a discussão será acalorada!”
Nisto, Cirenius se dirige a Roklus: “Então, a construção mi- lagrosa vos agradou? Acaso podeis apresentar coisa idêntica?”
Diz Roklus: “Deixa-me em paz com esse assunto, como se fosse obra tua! És poderoso pelo grande número de soldados e armas; na criação da nova posse de Marcus cooperaste tão pouco quanto nós!
Ser-te-ia possível realizá-lo com inúmeros operários no de- correr de dez anos, pois o poder das armas e do dinheiro é grande neste mundo. Horácio, um de vossos célebres sábios, disse o seguin- te: Nada é por demais difícil aos mortais; pretendem até galgar o céu com sua intrepidez! Basta que o homem tenha os meios, poder e tempo para demover montanhas, secar mares e lagos e desviar o leito de rios.
Mas esta casa, o jardim tão ricamente cultivado, a amurada que o circunda como se fosse um bloco de mármore, o enorme mo- lhe do cais, que em certos pontos deve ter a profundidade da altura de dez a vinte homens, os cinco navios a vela com seu cordame completo — meu senhor, não haverá feiticeiro, nem da Pérsia, que criasse tudo isto de modo tão evidente!
Das centenas de milagres por mim presenciados, jamais vi um que subsistisse! Todas as magias surgem e se desvanecem como bolhas de ar. E aposto todos os meus bens não seres tu capaz de criar ou fazer desaparecer esta obra!”
CONFISSÃOATEÍSTADE ROKLUS
(Roklus): “De há muito deixei de acreditar numa Divindade, e sim creio numa força da Natureza, oculta e puramente espiritual, que se apresenta por toda parte num certo rigor, todavia amável, agindo numa determinada ordem pelas leis em que se baseia e nunca se preocupando com as atitudes humanas. Desconhece o bem e o mal, porquanto derivam do próprio homem.
Consiste numa grande desgraça ser ele escravo; mas quem o condenou para tanto? A santa Natureza, por certo que não; é obra do mais forte, que por egoísmo reduziu o mais fraco a animal de carga. O mesmo faz ele com o irracional: atira a canga pesada sobre
a nuca do boi, sobrecarrega burro, camelo, cavalo e até mesmo cons- trói pequenas torres nas costas do elefante! Quem inventou a espada, as correntes, o cárcere e a cruz ultrajante onde vós, romanos, atais os teimosos, que também querem dominar e assassinar, deixando-os morrer sob dores atrozes?! Toda essa miséria deriva do homem!
Na grande Natureza tudo é livre; só o homem se tornou u’a maldição para si e as demais obras da grande mestra, a Natureza. Pessoas ociosas começaram a inventar deuses, que imaginavam pro- vidos de fraquezas humanas. Construíram-lhes templos e se lhes tornaram seus representantes, munidos de vários meios para pro- vocar pavor e pragas, e induziam, além de seu domínio sobre os mais fracos, a mais inclemente tirania dos seres, por eles inventados. Existem eles até hoje para o sofrimento dos pobres, e em benefício dos poderosos que, por esse meio, mantêm a Humanidade em cega obediência. Pode-se usar o raciocínio mais apurado e a conclusão será sempre que o poderoso domina, pela espada, como represen- tante dos deuses!
Tal foi, até então, minha crença, que por esse milagre ficou fortemente abalada, pois começo a acreditar num Ser Supremo, por não ser possível a um mortal realizar tais coisas. É obra de Deus, que também só pode ser um homem dotado de poderes sobre a Nature- za. É de meu desejo conhecer aqui esse homem-deus! Tu, Cirenius, não o és; do contrário, de há muito terias circundado o Império Romano com muro tão elevado a assustar o próprio condor! Queira, pois, orientar-nos, a fim de que retornemos à casa!”
Diz Cirenius: “Estaria tudo muito bem, caso fosse tão fácil como pensas. Podeis indagar as horas a um guarda das searas e ele vos responderá pelos raios solares que caem sobre sua estaca fincada na terra, pelo que lhe pagareis u’a moeda de cobre. Aqui tal não se dá, por isto tende paciência, quiçá ainda recebereis explicação, que todavia vos custará mais!”
Diz Roklus: “Ora, em tal assunto estamos prontos a pagar uma libra de ouro e dez de prata!”
Diz Cirenius: “Asseguro-vos não ser possível adquiri-lo por todos os tesouros do mundo! Deveis primeiro ser orientados sobre o real valor e purificar-vos por várias provas. Penetrados pela in- credulidade dum Deus Pessoal e educados na ideologia politeísta, quereis — a fim de nos ridicularizar — receber informação Daquele que seria capaz de tudo criar pela vontade, numa rapidez inimagi- nável! Meus caros, veremos primeiro se sois capazes dum ato de fé; se esta não vos for induzida, jamais recebereis orientação a respeito! Compreendestes?”
Diz Roklus: “Claro, pois não somos tolos! Por ora, tua exi- gência é inaceitável pelos motivos que já expusemos e, caso desejes, os dilataremos!”
Diz Cirenius, movido pela Minha Inspiração: “Pois bem, ve- reis então o quanto vos afastastes da verdade e se sois capazes duma educação espiritual, que possibilite satisfazer vosso desejo. Se tiver- des dificuldade na educação de vossa alma, podeis seguir em paz e viver pelos ditames de Epicuro, por mim classificado um dos últi- mos sábios.
Suas máximas são aplicáveis a um rico cheio de saúde, pois o princípio: Deve-se ser honesto em virtude de sua própria pessoa e condescendente para com todas — todavia usar a máxima sinceri- dade consigo mesmo!, é aceitável dentro do mundo; mas a alma des- perta pelo Hálito Divino se apavora com isto, porquanto tal homem não deixa de ser forte egoísta, que trata somente de si! Os outros, acaso o preocupam? Podem ser fulminados pelo raio, tão logo não lhe deem vantagem!
Eis os traços principais dum adepto de Epicuro. Qualquer cego verá o quanto sua índole endurecida aceitará da fonte espiritual. Seus ensinamentos se prestam para enriquecer a criatura, mormente quando empregados com cinismo estoico, como acontece convosco. Para a riqueza espiritual não servem, por excluírem o puro amor a Deus e ao próximo! Isto vos sirva para o conhecimento de vós pró- prios. Agora, externai o motivo de vossas atitudes ateístas!”
Diz Roklus: “Tens razão, somos reais representantes de Epi- curo e passamos muito bem como tais. Quanto ao ateísmo, temos tantas provas concludentes, que poderíamos encher o mar. Acrescen- tarei mais algumas às mencionadas e, sem o quereres, me darás razão!
Tudo que existe se manifesta em épocas, duma forma evi- dente para todos. Se um ser for dotado de certa inteligência, esta se apresentará através de suas obras.
A mais simples plantinha de musgo, por exemplo, busca sua própria forma e desenvolve seu organismo, de onde se provê de flores, sementes e da capacidade reprodutora. Na flora mais adian- tada, a inteligência maior e mais definida se evidencia dentro de certa evolução.
Muito mais ela se manifesta nos irracionais, cujas ações — se bem que reduzidas em número e variedades — ultrapassam as do homem. As obras humanas provam sua vasta inteligência; mas nun- ca se nota uma perfeição provinda do interior, fato que não se pode negar nos animais, cujas atitudes estão mais ligadas à sua natureza e caráter do que no homem.
Suas obras são apenas cópias, modulações externas e isentas de qualquer valor interno. Pode ele imitar certa espécie de cera de abelha, desenhá-la e pintá-la — mas que trabalho grosseiro apresen- ta! Parece que a Natureza serviu-se do homem para ridicularizá-lo; é inteligente e sente existir a perfeição, sem contudo alcançá-la!
Na hipótese de possuírem todos os seres uma alma como princípio de ação, tal suposição pode ser elevada à evidente verdade pelo fato de se concluir do efeito à causa ou das ações à força, que denominamos de alma. Pelo grau de perfeição e ordem das obras duma alma, se conclui sua existência e capacidade. Deparando um conglomerado caótico sem manifestação e movimento, isto é, sem vestígios de vida, afirmamos reger aí a morte de modo inconsciente, cuja ação é destruição completa — fator que se observa no outono, em árvores e arbustos, cuja folhagem, anteriormente viçosa e orde-
nada, cai da alma vegetal, na maior desordem, seca e se desintegra durante o inverno.
Quem seria capaz de observar uma psique ativa numa desor- ganização total?! Sua evasão e destruição, mas nunca um novo ou mais perfeito surgir! Se bem que a folhagem deteriorada alimente o solo e o capacita, pela umidade do ar, a se tornar mais fértil, nunca mais ela surgirá como tal, porquanto sua alma se evaporou.
Pode-se, pois, afirmar: quanto mais ordenada e perfeita uma obra, tanto mais potente a força criadora, chamada ‘alma’ ou ‘espíri- to’, que nos prova sua capacidade pelo que realiza.
Onde, porém, estariam aquelas obras e sua ordem pelas quais deduziríamos a existência dum Ser Supremo, sábio e onipotente?! Bem conhecida é a tese de todos os teístas e teosofistas: Observa a Terra, suas montanhas, seus campos, mares, lagos, rios e inúmeras criaturas que nela habitam! Tudo isto prova a existência de entidades superiores; ou, como alegam os judeus tolos, a evidência de Um só Deus, o que não deixa de ser mais razoável e prático, do que servir-se a muitos senhores invisíveis, onde forçosamente se faz inimigos pela adoração de alguns. Desejava, por exemplo, conhecer alguém que se entendesse com Juno e Vênus a um só tempo, ou com Marte e Jano, ou com Apolo e Pluto!
Nesse ponto os judeus estão de parabéns; pois têm Jehovah, que domina Pluto, por eles denominado Satanás. É este muito tolo, porquanto maltrata seus servos ao invés de condecorá-los e premi- á-los. Todo verdadeiro judeu não se perturba por desprezar Satanás o quanto pode, tornando-se agradável a Jehovah. Ai dos romanos e gregos que assim agissem com Pluto, pois os sacerdotes os casti- gariam de modo inclemente! Convém fazer oferendas tanto a Zeus quanto a Pluto, pois do contrário o último monta à nuca do pobre pecador e Zeus não o poderá socorrer, sem expor-se ao perigo de colisão com os demais deuses.”
(Roklus): “Possuímos, descontando alguns poucos desvios, duas noções da Divindade, que despertam o riso dum raciocínio um tanto lúcido! Entre os egípcios, gregos e romanos superabundam os deuses pequenos, grandes, bons e maus; nos judeus, existe umno tronco, mui severo e justo, todavia bondoso e misericordioso. Só não deve ser aborrecido pelo seu povo, pois, quando perde a paciên- cia, fá-lo submergir na água por um ano, e depois de escoar — não se sabe aonde — milhões são curados e não se queixam de dores de cabeça! Ou então ele manda chover, durante um mês, raios, piche e enxofre sobre o povo pervertido, que desaparece com seu vício! Jehovah é, além disto, muito generoso com outras pragas e, quando começa a vibrar o açoite, não para tão cedo! Vê-se, portanto, que, para os judeus, o bem e o mal derivam da mesma divindade, en- quanto, para nós, vários deuses efetuam uma ou outra tarefa, e seria difícil dizer-se quem leva vantagem.
Mas todos os deuses, no céu ou no orkus e tártaro, são apenas imaginação! Os preguiçosos sacerdotes são os deuses, e o deus único dos judeus é o Sumo Pontífice em Jerusalém! Tais pessoas são provi- das de vastas noções e ciência, de onde nada deixam transparecer ao povo, por eles mantido na ignorância. Somente na sua casta maldosa são guardados os conhecimentos seculares, artes e ciências variadas, como segredos inatingíveis e santos. Tais segredos eles lançam em jogo contra os homens, obrigados a fazerem ricas oferendas, a fim de que sejam mais facilmente enganados e maltratados. Ofereço toda minha fortuna e a própria vida a quem me provar o contrário!
Podem ter existido, em épocas remotas, pessoas honestas e simples desde nascença, dotadas de especial perspicácia, que, enri- quecidas com o tempo por experiências vastíssimas, partilhavam, com amor, as aquisições espirituais com os menos felizes, onde finalmente viam seus esforços coroados de pleno êxito. A vida, em tal comunidade, deveria ter sido mui feliz, pois ninguém ocul-
tava segredos egoístas e todos eram iniciados na posse do mais experimentado.
Tal benfeitor e seus descendentes eram tratados com todo carinho; isto despertou inveja entre alguns menos esforçados, que também procuraram angariar experiência que ocultavam com certo misticismo, para se tornarem importantes perante outros. Sendo in- quiridos com insistência pelos curiosos, da razão por que andavam tão calados e sisudos, respondiam: Se soubésseis o que vimos e assis- timos, andaríeis ainda mais circunspectos do que nós!
Quando os incautos ouvem falar dum trapaceiro astucioso, não mais sossegam até que este lhes diga as condições em que esta- ria disposto a relatar algo de seu fundo traiçoeiro. As condições são prontamente aceitas e o esperto eleva-se a profeta e sacerdote, co- meçando a elaborar coisas místicas que ninguém entende, inclusive ele próprio; elas existem somente em seu cérebro rico em fantasias, conseguindo assim fazer calar os próprios sábios pela convicção que transmite ao povo de entender ele mais que os outros.
A fim de conseguir penetrar definitivamente na alma do povo, basta acrescentar algumas peças de magia — e as criaturas se deixam ludibriar pelos deuses astutos e poderosos! Ai do honesto e simples que dissesse, por amor desinteressado: Não creiais nesse falso profeta; cada palavra proferida é uma mentira, demonstrando apenas amor-próprio e domínio tirânico, que em breve algemar-vos-
-ão! Incutir-vos-á leis insuportáveis, sob o título de ‘vontade dos deuses’, determinando castigos pesados e a morte na cruz pela in- fração! Então, começareis a gemer e clamar com vossos filhos sob o jugo do falso doutrinador; tudo isto será em vão, porquanto não podereis reagir contra uma criatura isenta de amor!
Poderia o raciocínio justo ter argumentos contra tal ensino contrário? O povo, porém, deixou-se enganar e acreditava num ou vários deuses, preferindo ser maltratado pelos seus representantes orgulhosos e vaidosos, do que refletir e voltar à antiga razão natural! Conhecendo — como meus companheiros — esse assunto a fundo, compreender-se-á por que sou ateísta!”
(Roklus): “Se deste modo surgiram incontestavelmente to- dos os deuses e seus sacerdotes, tornando-se poderosos soberanos sobre vida e morte de seus irmãos, compreenderás o motivo que nos levou ao ateísmo. Nós, poucos, encontramos o caminho simples para o raciocínio puro e antigo e voltamos à grande Natureza, divin- dade sempre visível e ativa dentro duma ordem milagrosa, enquanto todas as divindades manifestas pelo homem nada mais são do que a fantasia enferma dum preguiçoso, que aprendeu algumas magias e tenta apresentá-las como vontade de Deus.
A Natureza jamais precisou de representantes, tampouco o Sol teve tal ideia, porquanto age individualmente, irradia e aquece tudo de modo inconfundível! O próprio homem, como a espécie mais perfeita entre os símios, nada deixa a desejar quanto à forma e natureza.
Ele, um animal munido da capacidade da fala, possui raciocí- nio e intelecto livres, que lhe facultam o domínio sobre os demais se- res. Isto, porém, não lhe é suficiente: pretende pisar o próximo, em sua presunção mental. E eis o ponto crítico em que o homem deixa de ser criatura, e se eleva a um deus. Não lhe sendo possível um estado perfeito, porquanto ainda compartilha dos mesmos defeitos do próximo, satisfaz-se ele com o posto de representante divino, que uma vez inteligentemente iniciado, tem duração secular.
Neste caso, conviria adicionar-se à representação divina al- gumas determinações evidentemente sábias e úteis, e o êxito se es- tenderá por um milênio sobre a Humanidade meiga e infantil! Para umalei sábia, pode-se acrescentar milhares de mentiras e tolices ab- surdas, e os supersticiosos as aceitarão cheios de respeito.
Quem quiser enfadar os homens, basta expor-lhes verdades de fácil compreensão e tal pregador, em breve, se verá abandonado. Ao passo que, mentindo e inventando ter visto, por exemplo, ani- mais na Índia cujo tamanho desafiava montanhas, possuindo cem
cabeças, cada qual semelhante a um animal diferente, e tendo no centro uma enorme cabeça humana que falava todos os idiomas com voz de trovão, e até mesmo determinava leis a serem respeita- das para com o grande exército das outras cabeças, a tais absurdos poderá juntar ainda outros que serão também aceitos; ai de quem se atrevesse a induzir dúvidas; pois seria obrigado a calar-se, enquanto o outro dominaria o campo!
Por acaso será de estranhar que em tais condições existam outros de minha convicção? Pois não haverá um deus verdadeiro que exigisse as coisas mais tolas para sua glorificação, como a aquisição do estrume do Templo, bênção necessária de campos, hortas e pas- tos, conforme pede o deus único dos judeus — não mencionando outras coisas ridículas: oferendas, usos e hábitos que desonram a dignidade humana, exigidas com rigor dos nossos múltiplos deuses!
Ai de quem se arriscasse a dar um piparote num deus de simples categoria, feito de madeira; seria tratado como sacrílego e amaldiçoado por parte dos representantes divinos! A destruição ou a simples ofensa a u’a mentira, talhada em madeira, era punida pela espada como crime máximo; se, no entanto, milhares de mistifica- dores preguiçosos pisam a pura verdade e a honra humana, perse- guem-nas e abafam a semente do Bem por todos os meios cruéis, tais absurdos são justificados e agradáveis aos deuses poderosos. Podes, como regente verdadeiramente sábio, aborrecer-te por eu me sentir enojado quando ouço falar de deus ou deuses?!
Quando voltei pela terceira vez à Índia, deparei com muita coisa boa e apreciável, ao lado de tolices tão absurdas que me dei- xaram irritado. De acordo com a teosofia da Índia, o supremo deus Dalai-Lama manifesta a máxima honra a seu maior representante
— também imortal — e aos demais sacerdotes, por sua apresentação anual no pico duma montanha elevada! Ele, o representante, é então obrigado a evacuar num pano branco, deixar secar os excrementos e pulverizá-los. Tal ‘pó divino’, como é chamado pelos hindus, é depo- sitado em quantidades diminutas dentro de pequenas caixas de ma- deira e enviado aos regentes dos povos contra considerável resgate.
Após penitência prescrita, essa dádiva nojenta deve ser ingerida com o máximo respeito. Outros tantos absurdos são provas que qualquer viajante poderá observar.
Qual seria o critério dum homem de raciocínio equilibrado quando ouve tal imundície do deus máximo da Índia?! É de se de- sesperar diante da tolice humana onde criaturas se ataram, talvez há vários milênios, tornando-se impossível dela se desapegarem!
Deixa-me travar conhecimento com um deus razoável — e renunciarei ao ateísmo; pois o fato aqui ocorrido muito me intriga e me poderia despertar a crença de existir, realmente, uma Divindade que corresponda à exigência do intelecto. Se, porém, for tão pre- sunçosa quanto as que vi, poderá repetir tais milagres, que não lhe renderei homenagem! Eis como sou, penso e ajo! Podes, portanto, esclarecer-me a maneira pela qual surgiu a casa de Marcus!”
OSENHORESCLARECEAÍNDOLEDE ROKLUS
Com as palavras de Roklus, Cirenius tornou-se pensativo e não sabe o que responder; por isso dirige-se a Mim e diz: “Senhor, no todo este homem não deixa de ter razão e parece possuir bons sentimentos, descontando-se o ateísmo. Se fosse possível induzi-lo ao contrário, seria uma pérola para Tua Justa Causa, em virtude de seu intelecto apurado e experiências variadas. Precisamente es- ses motivos me dificultam resposta que garanta êxito. Se Tu falares, será melhor!”
Digo Eu: “Analisaste-o bem; ninguém dentre vós é dotado de tais faculdades como Roklus e, através dele, seus onze colegas. Pos- suidor de tesouros consideráveis, descobriu, seguidamente, astúcia e falsidades, vendo a Divindade representada por afamados trapacei- ros, e não é de se estranhar sua tese.
Procurou Deus com insistência e, por isso, empreendeu gran- des viagens; quanto mais se afastava, maiores mistificações, fraudes e tolices se lhe deparavam. Finalmente, iniciou-se na Ordem essênia, que lhe agradou, porque suas mistificações eram organizadas a bem
da Humanidade; seus adeptos são pessoas boas e inteligentes, irmãos entre si. O princípio dessa seita é: Sabemos, possuímos e somos to- dos pela igualdade; não desvendamos ao leigo o segredo contido em nossas muralhas protetoras, de onde jamais advirá desgraça, senão a salvação dos homens!
Tudo isto é bem louvável; a fé em Deus, porém, é duvidosa, porquanto positivam não existir Poder Supremo além da Nature- za. Eis o motivo que dificulta a conversão dum verdadeiro essênio. Deve Roklus ter oportunidade de se externar a respeito de tudo; somente após se ter revelado será possível algo a seu favor. Por en- quanto ainda não está amadurecido para tal, porque oculta muita coisa em virtude de vossa justiça romana.
Enquanto a pessoa não tiver absoluta confiança no próximo, nunca se tornará seu amigo, tampouco se abrirá inteiramente. Assim não sendo, não poderá se desfazer de seus complexos. Por isso, deves te fazer amigo de Roklus e ele então te revelará coisas curiosas.
Transforma tua expressão e virtude romanas em manifesta- ções amistosas, de modo sincero; isto alcançado, poderás com ele negociar para que Eu dele Me aproxime. Pois, se agora o fizesse, nem Me daria atenção, alegando conhecer apenas o Prefeito, no que Eu seria obrigado a lhe dar razão. Trata-o, pois, com amabilidade e, em seguida, podes apresentar-Me!”
Diz Cirenius: “Tentá-lo-ei, mas pressinto que não obterei pleno êxito!” Digo Eu: “Age com jeito, e tudo irá bem!”
OMOTIVODAQUEDADO SACERDÓCIO
De novo Cirenius se dirige a Roklus: “Amigo, ponderei pro- fundamente tuas palavras; achei teus motivos justos e confirmo teres razão em vários pontos; no seu todo, porém, contêm uma falha, porquanto te prendes ao presente, e constróis um edifício sem base sólida, podendo ser destruído por qualquer tempestade.
Tens razão em afirmar serem os sacerdotes de projeção, na maioria, pessoas egoísticas e seus subalternos obrigados a dançarem
conforme tocam, quando exercem sua função junto àqueles; toda- via, nem tudo é fraude, como alegas.
Considera apenas a diferença entre a linguagem de hoje e a de épocas remotas, quando se falava por comparações e parábolas. Era mais poesia, motivo por que os antigos tudo escreviam em ver- sos, e deste modo também palestravam, pois a simples prosa surgiu apenas quando as criaturas haviam se integrado na vida carnal.
Portanto, terão os antigos profetas e videntes demonstrado o verdadeiro e único Deus, no que tinham maior entendimento que nós; pelo rigoroso cumprimento das sábias Leis Divinas, os primeiros descendentes se tornaram abastados. Esse estado, porém, tornou-os atrevidos, sensuais e brutos; de tal forma inclinados, em breve nada mais entendiam da linguagem psíquica cheia de poesia.
Começou-se a estudar a letra que mata e perdeu-se a semente luminosa da Verdade. Todos nós, com exceção de dois, nada mais sabíamos da Verdade Espiritual e nos parecia tolice o que ouvíamos a respeito dos videntes e oráculos. As duas pessoas, mormente uma, apontaram-nos o grande erro cometido.
De tal incompreensão, tinham que surgir princípios falsos e, desses, outras tolices, e as próprias Leis Divinas só podiam ter o cunho das ações do homem.
Uma vez a Humanidade tendo chegado a tais baixezas em sua esfera psíquica e sentindo-se totalmente abandonada de influên- cia superior, o egoísmo aumentou e começou a se defender com ar- mas contra possíveis ataques, qual homem surpreendido pela noite em floresta densa, que de tudo lança mão para enfrentar inimigos.
Alguns se excedem no seu receio, a ponto de negarem a exis- tência dum Ser protetor, isolam-se de todos, e tornam-se avarentos e impedem o progresso do vizinho. Circundam suas habitações de muros possantes e enterram seus tesouros em locais dificilmente encontrados.
Nesta situação, o homem se torna dominador e procura tudo açambarcar de modo inescrupuloso, com medo de uma possível ne- cessidade. Indaga de um avarento para que acumula tanta fortuna,
porquanto não pode gastar em mil anos o que juntou. Ele nem res- posta te dará, pois te considera um inimigo. Em tal estado espiri- tual se encontram os sacerdotes. Possuem as tradições proféticas, que leem e estudam a toda hora; precisamente por isso caem num emaranhado de dúvidas, de onde não conseguem se desvencilhar. Sua posição sacerdotal lhes obriga a aparentarem como se algo en- tendessem; sua noção única e real consiste precisamente em nada saberem! Por isso, empregam seu tempo em ocultar sua ignorância completa diante do povo, e enganá-lo por todos os meios.
Alguns conseguem certo conhecimento por mero acaso; não podem, no entanto, arrasar sua construção religiosa, embora fictícia, em virtude da multidão obtusa, e são obrigados a nadar com a maré, talvez conservando, em seu íntimo, convicção mais acertada.
Afirmo-te que, entre os sacerdotes de todos os credos, exis- tem alguns cientes de suas falsas interpretações, possuindo bons conhecimentos do Deus Único e Verdadeiro ao Qual dedicam seu culto. Como nada consigam na modificação dos templos mistifica- dores, entregam-nos com paciência àquele que tem Poder para arras- tá-los quando quiser. Por certo terá Seus motivos, por ter permitido sua construção e salvaguarda por muralhas e armas!
Considerando minhas palavras, confessarás que, não obs- tante teu raciocínio apurado e as muitas experiências como ate- ísta perfeito, não tens razão em tudo e te achas mui distante da pura Verdade!
Chegou a tua vez de falar sem rodeios, porquanto te consi- dero meu amigo, que procurarei levar ao justo caminho, não como Prefeito de Roma e juiz supremo, senão como irmão teu!”
O SANTÍSSIMO NO TEMPLO DE JERUSALÉM.ABERRAÇÕESDEPENITÊNCIASNA ÍNDIA
Diz Roklus: “Senhor, tua réplica foi boa e sábia, e por mim ponderada; descobri seres até um perfeito cosmopolita, que infeliz- mente são raros em teu meio social.
A hipótese dum deus único, sábio e humano é aceitável; mas onde existe, senão como ideia duma alma poética?! Pois se fosse real, manifestar-se-ia de forma extraordinária! Assim, pode a criatura fa- zer o que quiser, procurar e pesquisar no mundo inteiro, que tudo será baldado!
Por todos os cantos se enfrenta um homem fantasiado de in- dumentária peculiar, como acontece no Templo de Jerusalém, onde se postam guardas diante do precioso reposteiro, a fim de que nenhum leigo aí penetre. Nós outros o conseguimos, não sendo judeus, pa- gando uma taxa considerável, e encontramos no Santíssimo apenas produções humanas: uma urna, idêntica a um sarcófago, feita de ma- deira preta e marrom, em cujo centro estava uma vasilha de cobre, projetando uma chama de nafta, representando o Ser Supremo!
Quanta ignorância e tolice não são precisas para acreditar-
-se nisto! Onde estaria o deus que inventasse tal ardil para iludir as criaturas, privando-as, sob risco de morte, de qualquer conheci- mento verdadeiro para continuarem em tal estado; devem trabalhar dia e noite, facilitando aos preguiçosos representantes de deus vida folgada e nababesca. Têm de estar prontos, a cada momento, para oferecer sua vida na conservação de tais sacerdotes.
Amigo — se é que assim te posso chamar — observa as cria- turas da Índia, e ficarás de cabelos arrepiados, pois encontrarás peni- tentes que nunca sonhaste! Aqui se aplicam punições determinadas por juízes que se prolongam no máximo por um dia; lá o menor castigo dura um a dois anos, aplicado pelo próprio criminoso, sendo o mais leve tão cruel, que a crucifixão nada representa.
Certo dia, vi tal penitência suave: o homem havia perfurado suas pernas com três pregos e, mesmo assim, tinha de puxar conside- rável peso ao redor duma árvore. Mal sentia as forças se lhe esgota- rem, ele se aplicava fortes golpes com chicote cravejado de estilhaços de ferro! Sua alimentação de penitente consistia em sete figos e um jarro d’água. Tal castigo já durava dois anos, e ele continuava vivo.
Outro, vi com o corpo semeado de espinhos, encravados duas polegadas, aproximadamente, dentro da carne. Esses espinhos,
de madeira, osso ou aço, o penitente era obrigado a introduzi-los de próprio punho, por ordem do sacerdote, acrescentando diariamente um espinho, no decorrer dos dois anos, de sorte a poder contar os dias decorridos. Continuando vivo após tal curso, inicia-se, então, a penitência do mérito diante dos olhos de Lama; pois a primeira parte é destinada ao perdão, a segunda ao mérito.
Perguntei ao sacerdote amável em que consistia a segunda, e ele respondeu: De duas ou três formas. O penitente pode ficar com os espinhos na carne até o fim de sua vida, coisa muito incômoda durante o sono; pois tal só lhe será possível em areia movediça ou n’água, preso a odres cheios de ar. Segundo, pode ele tirar os espi- nhos, um por dia, no que leva tanto tempo quanto durou a primeira parte do castigo. Terceiro, pode tirá-los duma só vez e tomar um ba- nho balsâmico que curará as feridas e capacitará o penitente tornar-
-se útil ao trabalho. Em compensação tem de fazer rica oferenda ao lama, ou ser escravo dum sacerdote durante quatro anos, cuidando de campos, hortas e pastos. Sua manutenção é paga por ele mesmo. É fácil imaginar não ser tal estado agradável!
Perguntei em seguida qual teria sido a culpa daquele homem, e o outro disse: Nem sempre existe crime; pode advir da vontade insondável do Lama eterno, que a transmite ao sumo sacerdote; este a comunica aos subalternos que instruem o povo, obrigado à cega obediência. Não obstante sermos ínfimos diante do Lama, nossa posição perante a plebe é potente! Basta uma palavra nossa e, qual lei imutável, o povo a aceita como vinda do Dalai Lama!
Perguntei então se o Lama nunca externava razões que de- terminassem penitências tais, e ele respondeu com humildade: Aca- so ele esclarece os motivos das moléstias que manda aos homens?! Lama é mui sábio, poderoso e justo. Faz o que quer; jamais pede conselhos e despreza opiniões humanas! Quem poderia opor-se à sua vontade? Seria coisa tremenda despertar sua ira! Por isto, con- vém mais ao homem submeter-se aos piores martírios neste mundo passageiro, do que padecer no outro, no fogo da ira de Lama! — Perguntei, ainda, ao amável sacerdote capaz de assistir aos tormentos
de outros, anos afora, por que nunca se achava u’a jovem ou um clérigo naquele meio; sempre se deparava com pessoas idosas, geral- mente negros, e mulheres velhas e feias. Disse-me ele: Estrangeiro curioso, toda explicação se baseia na vontade do Lama; assim sendo, desiste de outras perguntas!”
OSACERDÓCIO HINDU
(Roklus): “Tal resposta me aborreceu, como cidadão roma- no, tanto que lhe disse: Responder-me-ias desta forma caso estivesse dirigindo um forte exército e te ordenasse sustar penitência tão ab- surda nesses pobres coitados? — O sacerdote quedou perplexo, sem saber o que dizer.
Prossegui com seriedade: Podes fitar-me com atenção, para me reconheceres facilmente quando destruir essa fortaleza perigosa, dum deus cruel e seus sacerdotes! — Eis que ele reagiu com raiva, e nem de longe parecia o mesmo homem dócil, dizendo: Desvairado, seria mais fácil dizimares a Lua, do que as muralhas protetoras do Lama! Onde se acha teu glorioso exército?
Respondi-lhe: Não serei tão tolo em revelar-te; basta um ace- no meu e poderás localizá-lo! Se não me relatares a plena verdade sobre o Dalai-Lama, vossa união secreta e o motivo das crueldades praticadas em homens indefesos, far-te-ei martirizar com tudo que a minha fantasia me inspirar, durante vinte anos, para saberes o que sofrem os outros!
Como visse não estar eu gracejando, ele começou a relatar os fatos verídicos, sob condição de poder fugir comigo, porquan- to teria arriscado sua vida, e disse-me: Nossa seita possui Escritura que consta se originar dos patriarcas. Os autores, chamados Kenan, Jared e Henoch, a confeccionaram por ordem do Deus Supremo, cujo Nome só é conhecido pelo Sumo Sacerdote. No Grande Livro de todos os livros, consta extenso relato de Noé e Mihihal; desco- nhecemos seu conteúdo e nem nos podemos atrever a estudá-lo, porquanto seria crime mortal.
Entre nós, sacerdotes subalternos, jamais algum viu o Lama e já consiste uma imensa graça quando nos é permitido ver em vida o Sumo Sacerdote. Possui conhecimentos da vida particular de cada súdito e dos regentes a ele sujeitos; basta emitir uma ordem aos povos, que nele acreditam cegamente e contam com seu bem-
-estar através de sua pessoa, para se levantarem aniquilando seus superiores com o maior prazer do mundo, pois assim se tornam agradáveis aos olhos do Lama. Cientes disto, os regentes sobrecar- regam de honrarias o Sumo Sacerdote e lhe oferecem anualmente somas vultosas de ouro e prata; além disto, o enriquecem com as manadas mais fortes.
Se determinar qualquer penitência, dentre as quais os pró- prios regentes não são excluídos, podem esses resgatá-la com ouro e pedrarias, ou então pedir permissão para algum outro, mui beato e que jamais tenha sido penitente, fazê-lo em seu lugar; depende de sua livre vontade, como também pode fixar a taxa que lhe compete e que, em tais casos, não é pequena. Os representantes beatos se in- formam antes com o incumbido da penitência e podem transformar um castigo pesado num leve, que é aceito pelo Sumo Sacerdote em benefício do regente, caso este pague ao substituto soma bastante elevada e da qual dois terços nos cabem.
Geralmente é observada norma secreta que raramente de- termina penitência a pessoas pobres, e caso isso suceda, são elas leves. Grandes penitências são impostas somente aos ricos e abas- tados, que podem isentar-se em parte ou totalmente caso o quei- ram. Além destes, ninguém consegue resgate completo, que lhe custaria toda fortuna. O avarento fá-lo por si, porquanto não quer perder seus tesouros. Se o penitente possui filha bonita ou rapaz culto, pode oferecê-los ao Sumo Sacerdote em lugar de ouro e pe- drarias, junto com pequeno dote e regiamente vestidos; pois ele e seus inúmeros servos precisam de tais jovens para serviços diversos. Seu território é tão imenso nas montanhas, que uma pessoa teria de caminhar anos afora para ver as terras que o Lama ofertou ao seu representante.”
(Roklus): “A cidade que habita não tem nome, é enorme e construída para a eternidade. Acha-se no pico de u’a montanha, cir- cundada por cordilheiras intransponíveis, porquanto todo o territó- rio, incluindo uma imensa planície, é rodeado por tríplice muralha, galgável somente por escadas de corda.
Mesmo conseguindo passar deste modo pelas três muralhas, estaciona-se diante das rochas escalvadas. Pode-se levar um dia e meio marchando em volta da montanha, à procura dum possível acesso, que não existe. Somente os guardas da muralha interna po- dem abrir uma passagem na rocha, que também só se alcança por escadas de corda. Nada, porém, ter-se-á conseguido atingindo a ro- cha, afastada do solo na altura de doze homens, caso os guardas não abram a passagem e levem o visitante através dum labirinto subter- râneo até ao cume, com auxílio de archotes.
Em lá chegando, após uma hora de zigue-zague, a visão se extasia diante das maravilhas da Natureza. A enorme planície con- siste em jardins exuberantes, em cujo centro há um lago imenso, não muito fundo, todavia contém água cristalina que abastece todos os habitantes da cidade santa.
Pode-se passar horas a fio sem perceber vestígios da própria metrópole; pois, para lá chegar, preciso é passar por floresta densa até atingir outra muralha de enorme circunferência, transponível por portais e pontes movediças. Então, entra-se na cidade após gran- des dificuldades e peripécias, deparando-se coisas tão maravilhosas, que nenhum mortal poderá imaginar. Tudo pode ser visto, com ex- ceção do palácio pontifical.
Encontra-se no meio da cidade, numa rocha de circunferên- cia de três mil pés, e se eleva numa altura de trinta homens, sobre todas as outras construções. Ao santo palácio se penetra por meio de escadas subterrâneas. Não conheço seu interior, porquanto nunca lá estive e, além dos servos do Sumo Sacerdote, ninguém pode se aproximar da entrada.
Às vezes, ele desce à cidade, incógnito, passeia no jardim e palestra com outros sacerdotes, únicos habitantes da mesma; nin- guém deve cumprimentá-lo como tal. Mostra-se quatro vezes ao ano, em pleno ornato; tais dias são feriados. Três noites antes e de- pois, a montanha é inteiramente iluminada, causando grande des- lumbramento.
Não penses ser fácil chegar-se a tal planalto; é preciso pas- sar dias e dias por vastas montanhas, vales, grutas e penhascos; no final, chega-se a uma garganta terrível e, para subir, necessita-se de escadas, como já foi dito. Ser-te-á, portanto, impossível vencer tais fortalezas naturais por exército mais poderoso. Talvez conseguirias interromper as comunicações entre os povos e o Sumo Sacerdote; cortá-las, jamais! Para tal fim, tem ele a proteção dos regentes pode- rosos, cada qual podendo duplicar teu exército. Aconselho-te, pois, não te arriscares! — Em seguida ele silenciou e eu tive tempo para meditar. Cheguei à conclusão de que o deus hindu também era ho- mem, entendido na proteção de si mesmo.”
ROKLUSCRITICAOSISTEMARELIGIOSOHINDUE JUDEU
(Roklus): “Anteriormente já disse que um Deus, único, no qual habitasse a máxima inteligência, sabedoria e vontade podero- sas, seria o mais elevado ideal. A noção a respeito de tal Entidade perfeita lhe deveria corresponder, caso manifestasse uma realidade de fundo transcendental! No entanto, divulga-se a Divindade dum modo tão absurdo e material, obrigando às criaturas adoração e ve- neração completas!
A pessoa que a isto reagisse ouviria o seguinte: É necessário um deus, seja agradável ou horrendo, pois aos ignorantes isso não importa. O intelecto não se conforma, porquanto se baseia numa ordem matemática e, com toda imposição, não pode imaginar que um mestre, cujas obras demonstrem conhecimento e experiência, seja estúpido e ignorante! E não é preciso ir longe para se provar o que acabo de afirmar! Analisamos apenas os mandamentos de divin-
dades conhecidas e as impressões que delas derivam — e dispense- mos comentários.”
Intervém Cirenius: “Não farás objeções contra as Leis de Moysés?” Diz ele: “Realmente são as melhores; a unificação de Deus é aceitável e as Leis, se bem que não completas, são humanas, com grande semelhança às do Egito; somente desconsiderou Moysés umalei dos antigos: Enquanto orientou as crianças quanto à atitude para com seus pais, Ísis também deu aos progenitores um mandamento de conduta para com os filhos, aos quais assistem certos direitos. Foram postos no mundo em situações penosas, sem que fossem con- sultados. Posteriormente, deu Moysés certas ordens a respeito das Leis recebidas no Monte Sinai, porém nada disto foi mencionado!”
ROKLUSPREZAOATEÍSMOEONÃO SER
(Roklus): “Muito lidei com judeus e conheço suas leis como talvez poucos. Diz o provérbio: Quem procura acha!, mas tal não se deu comigo, pois só encontrei o que não queria.
Procurei a Verdadeira Divindade com muito zelo, sacrifícios monetários e físicos, de espírito abnegado e desembaraçado — e só encontrei fraudes humanas de toda espécie, onde nem de longe ha- via vestígios de Deus. Na melhor das hipóteses, deparava com uma fé autoritária de origem patriarcal, envolta num matagal de mística, ou, em caso contrário, uma superstição desvairada e imposta por questões políticas, onde nem ao espírito dotado de muita luz era possível manter-se no lodo dos piores absurdos. Tornar-se-á hipócri- ta e monstro no conceito de si mesmo; pois não haverá coisa mais abjeta contra a dignidade do espírito do que aceitar, por exemplo, uma lei sancionada por tirano poderoso que afirme caber à Lua a criação do dia, e ao Sol iluminar a noite! Furar-se-á os olhos, cortar-
-se-ão nariz e orelhas e arrancar-se-á a língua a quem não acreditar em tais absurdos.
Eis o primeiro grau de castigo para a descrença. Se, desta forma mutilado, o homem não crer no que lhe é exposto, é ele cru-
cificado, nu, seu ventre retalhado horizontal e verticalmente, e os cães esfaimados poderão saciar sua voracidade nas vísceras da vítima ainda viva! Quem duvidar de minhas palavras poderá viajar à Índia, onde encontrará coisas piores, na autoflagelação a que são obrigados a se submeter. E ai de quem se opuser a tal penitência — morrerá de morte crudelíssima! Amigo, acaso poderia ocultar-se a Divindade justa e sábia atrás de tais horrores?!
Por isto, deixai-me em paz com essas ideias! Os homens não necessitam dum Deus, senão duma filosofia filantrópica e humani- tária, tornando-os deuses perfeitos. Providos do raciocínio puro e duma tendência pesquisadora, em breve se integrarão dos segredos da Natureza e realizarão coisas extraordinárias. Viverão, assim, feli- zes, e a própria morte, onde não os aguarda nem o Elysium tampou- co o tártaro, menor pavor lhes incutirá do que pela compreensão teosófica, pela qual essa calamidade seria eterna.
Por longas eternidades não tive existência; teria por isto me entristecido?! Muito menos sentirei um futuro estado de inconsciên- cia completa, que a meu ver é o mais feliz. A noção da vida, mesmo feliz, é ainda pior, porque surge o receio de sua curta duração, ou que a morte a interrompa em definitivo.
A não existência não tem a felicidade do prazer, nem de las- timar sua perda. Filósofo como eu não será atemorizado pela morte natural, mas unicamente pelo martírio! Pois a sábia Natureza não terá produzido o homem dum elemento provindo do húmus, para que fosse martirizado por seu semelhante! Vejo em a Natureza muita coisa sábia, se bem que não em todas as suas manifestações; jamais, porém, farei uma reclamação a respeito.”
FILOSOFIADE ROKLUS
(Roklus): “As forças brutas e poderosas da Natureza só po- dem ter ação violenta e precisa, pois despertam as reações eletro- magnéticas que só então criam forma, pela recíproca atração e repul- são. Começam a desenvolver-se e surgem para a vida independente,
enquanto conseguem reagir contra outra força mais poderosa. Tão logo esta a domine, aquela manifestação terá chegado ao fim. A pró- pria forma se desintegra e tudo é tragado pela energia mais potente, como foi demonstrado por sábio da antiguidade, quando Cronos
criador dos deuses — traga os próprios filhos. O tempo e as for- ças que nele agem representam o dito deus Cronos da mitologia. O tempo tudo produz: campos verdejantes e estepes ressequidas; surgir e desvanecer, vida e morte, ser e não ser caminham de mãos dadas. Não há descanso nem sossego; uma onda desperta outra — entre elas jaz a sepultura! Quem traz o cunho da vida, tem no reverso o da morte!
Tudo isto é, para o observador zeloso, a consequência ne- cessária da constante ação recíproca das variadas energias dentro da Natureza. Despertam-se mutuamente, e se destroem pela luta que as fez surgir. Vejo em tudo o permanente jogo de ondas, e as formações fantásticas das nuvens no éter nos dão a prova evidente da maneira por que as forças diversas se condensam em variadas formas. Ora surge um leão, um dragão, pássaro, peixe, cão, a cabeça e até a ca- ricatura humana! Mas, quanto tempo duram? Apenas até que um outro poder destrua a forma, às vezes perfeita!
Acaso dá-se coisa diferente com nossa formação e existência? Que mudança não ocorre no homem entre o nascimento e a velhice
se é que a alcança! Onde está o orgulhoso que pretendia conquis- tar a Terra há mil anos? Lá onde existe o floco de neve que, com seus irmãos, se esforçou por transformar o orbe em gelo! Onde se acha o tufão que ainda ontem pretendia arrasar os cedros gigantescos? Um poder mais violento o tragou, como fez Cronos a seus filhos! Perdura apenas em nossa memória; na realidade deixou de rugir com fragor!
Quando viajei pela Pérsia, fui testemunha dum fenômeno curioso: o dia estava quentíssimo e nossa caravana procurava pro- teção dos raios solares debaixo de árvores frondosas. Poucas horas antes do pôr do sol, observamos no Oeste imensas nuvens negras que vinham para nossa direção. O guia nos anunciou uma violen- ta tempestade e conviria não deixarmos a floresta até que tivesse
passado. Dentro de meia hora, desabou o temporal por cima de nós. As árvores eram vergastadas e muitos galhos caíram por terra. Começou a chover suavemente e a escuridão se acentuava cada vez mais. De repente, milhões de sapos caíram com a própria chuva; os que caíam n’água logo começaram a nadar; dos outros, poucos se salvaram sobre a terra escaldante. Alguns minutos após a tempes- tade, que durou talvez um quarto de hora, e o Sol ainda no ocaso, projetando seus raios fortes, os sapos desapareceram, ficando apenas alguns montes de mofo misturado com limo.
Pergunto, de onde surgiram aqueles batráquios e quem os criou? Ninguém mais senão as forças da Natureza, que casualmen- te projetaram sapos pela atração recíproca. Os que caíram n’água por certo acharam nutrição naquele elemento; enquanto os outros foram dissolvidos no solo quente, onde encontraram forças antagô- nicas à sua composição. Como se pode observar de modo nítido, a Natureza age sempre cegamente e sem cálculo econômico; produz coisas em escala tão descontrolada, que nem a centésima parte al- cança existência sólida e duradoura. Quem poderia contar as flores que a árvore produz na primavera?! Se alguns dias mais tarde para ali se voltar, grande quantidade estará no chão, inclusive a haste; tal queda perdura, até o amadurecimento do próprio fruto.”
ODEUSDOS NATURALISTAS
(Roklus): “Se houvesse um Deus sábio e bom, Criador de árvores e de seus frutos, certamente agiria de modo mais econômico, porquanto a economia faz parte da sabedoria! Pelo surgir das coisas, muitas vezes desencontradas, nota-se que os produtos que surgiram das forças brutas da Natureza, na luta que se repete constantemente, alcançam sua perfeição apenas enquanto as energias não se tiverem exterminado reciprocamente; pois estacionamento tal só finaliza o efeito do surgir e conservar, portanto a própria existência. Ao passo que, perdurando a luta ora iniciada, a obra persistirá, progredindo e se aperfeiçoando.
Seria possível que uma Divindade, consciente de todas as ações, assim agisse com sabedoria e vontade imutável? Digo: não; tampouco poderia imaginar soberano inteligente que construísse palácios e cidades com grandes gastos, para destruí-los em seguida! Talvez houvesse quem o chamasse de sábio?! Como então poderia um homem inteligente e culto assim classificar um deus que isso fizesse, de modo mais complicado, pois faria surgir obras de máxima perfeição interna, apenas para destruí-las em seguida!
Tanto para um deus sábio quanto a um matemático, dois mais dois são quatro! Se a Divindade alegasse que, para ela, dois mais dois são cinco ou mesmo sete, seria por mim taxada de lou- ca, pois com tal cálculo ela dificilmente construiria um mundo! Antes um cego se tornar esmerado pintor, do que um deus ser capaz de produzir um cogumelo com tal loucura! Nosso artista Apeles pintava homens e animais de modo tão perfeito a ultrapas- sarem a própria Natureza; naturalmente calculou os traços a serem dados; enquanto que tal suposto deus nisto se excedeu, alegando cálculo acima!
Quantas vezes a colheita se apresenta radiante e promissora; todos se alegram por verem premiados os seus esforços e sacrifícios, e agradecem de antemão a um ser invisível que adoram pela fé im- plantada desde a infância, como Deus ou deuses. Mas, precisamente algumas semanas antes da colheita, surge uma tempestade tremen- da, arrasando todo o país! Tal fato ocorre ano por ano, em diversas partes do mundo.
As criaturas ignorantes e supersticiosas então se dirigem aos sacerdotes ambiciosos para saberem a razão dessa calamidade. Uma vez que esses representantes divinos nada tenham a obstar contra a conduta por eles determinada, expressam um conforto qualquer e estimulam o povo à paciência, explicando, ainda, que apenas foram postos à prova na força de sua fé duma vida após a morte!
Em tais ocasiões são os judeus lembrados da vida de prova- ção de Job, enquanto que os pagãos se podem conformar com fatos idênticos em seus livros de fábulas. Desta forma consolados, todos
voltam aos lares e se submetem, cheios de esperanças num futuro mais feliz, à vontade de um ser superior.”
ROKLUSCOMPARAASAÇÕESHUMANASÀSDE DEUS
(Roklus): “Levanto apenas a seguinte questão: qual seria uma determinação jurídica com pessoa que, por simples maldade, destru- ísse os campos de uma zona pequena, com auxílio de outros? Creio que, pelo menos, os romanos crucificariam tal homem dez vezes, ou o enclausurariam para sempre numa casa de loucos, após determina- ção da junta médica. A um ser divino, porém, ainda se rende vene- ração, julgando-o mui sábio! Caso isso nos proporcione felicidade, como não! Pois a sabedoria dos deuses tem o privilégio de cometer os mais variados desatinos: pode roubar, assassinar e destruir sem que alguém venha a fazer-lhe críticas. As criaturas só se arriscam a afirmar conter o flagelo nada de bom, pois do contrário não teriam elas procurado os sacerdotes.
Que acontece se alguém incendeia a casa do vizinho e lhe destrói todos os seus bens? Ao que me consta, a lei prescreve a cru- cificação para tais criminosos; se Zeus atira um raio às moradas dos homens, selando com isto sua mendicância — tal coisa é boa e justa! Ai de quem não externar essa convicção! O Pontifex Maximus fá-lo-
-ía sentir a ira divina de tal forma que, comparada ao incêndio, este ainda seria benefício!
Penso o seguinte: a sabedoria e o bem verdadeiros devem permanecer como tais, não obstante o autor! Como os astutos re- presentantes de Zeus — assim como entre nós, os essênios — sabem não existirem deuses, mas sim uma força da Natureza, de origem bruta e de ação ocasional, e só no decorrer de sua manifestação se apresentando em formas mais perfeitas, eles personificam tal potên- cia através de alegorias, apresentadas aos homens para veneração.
Esse deus surgido de sua fantasia tinha de se manifestar, na- turalmente, de forma milagrosa; uma vez que o povo obtivesse al- guns benefícios, também tinha de suportar leis severas. E ai dos in-
fratores! A fim de evitar que a pobre Humanidade atemorizada por tal deus milagroso não caísse em desespero por pecado qualquer, os sacerdotes inventaram um meio de reconciliação através de oferen- das e penitências. Desta forma, existem em toda parte, além das leis terrenas, as divinas, onde a criatura mais casta e virtuosa as infringe, no mínimo, dez vezes por dia, perdendo a graça e benevolência de Zeus. Por isso, tem de se purificar antes do pôr do sol por meios prescritos, senão contrairia erro maior.
Não considero prejudicial se a pessoa pratica o exame de consciência e a higiene. Incuti-las como determinação dum deus — nunca se conseguirá comigo e meus confrades. Possuímos noções especiais, e pessoa alguma poderá alegar que quiséssemos catequizar alguém. Como amigos de todos, nunca melindramos quem quer que fosse, no entanto não queremos ser molestados! Por que motivo nos atacam os sacerdotes de Jerusalém? Que sejam o que são — e nós o que somos; diante da pura razão ninguém supera o próximo. Assim, não os amaldiçoamos, mas os lastimamos em virtude de sua ignorância! Quem lhes deu o direito de nos praguejarem, quando seguimos à risca o difícil problema de jamais julgarmos e prejudicar- mos alguém, e sim querermos auxiliar a todos?!
Se praticamos falsos milagres — porquanto nunca houve ver- dadeiros — é para ajudarmos à Humanidade que quer permanecer na ignorância, pois não nos é possível socorrê-la por outros meios. Esse ponto de vista tinha de ser aceito pelos escribas, que deveriam juntar-
-se a nós, e em poucos anos a Humanidade teria mudado de aspecto.”
ROKLUS APONTA O CORAÇÃO COMO RECEPTÁCULO DA DIVINDADE VERDADEIRA
(Roklus): “Tais representantes divinos de Jerusalém são, no entanto, excessivamente tolos, intemperados, ciumentos, domina- dores e brutos! Quem poderá viver em paz com tais pessoas? E não seria justo que qualquer um contra eles testemunhasse? Pois ainda faria uma caridade ao próximo, ao desvendar-lhe sua ignorância!
É fácil imaginar-se não ser isso do agrado dos descendentes de Abraham de almas e corações endurecidos; não nos cabe a cul- pa disto, pois está em tempo de se limpar aquele antro pervertido! Classificam-nos de ateus e sacrílegos do Altíssimo! Onde estaria tal deus e sua arca?! Quiçá seja o Templo com o reposteiro e toda mis- tificação reinante com a chama de nafta! Talvez seja o Altíssimo re- presentado pelos enormes querubins, o antigo maná dentro da arca, a vara de Aaron, as antigas sacabuxas de chifre de boi, que fizeram ruir as muralhas de Jericó, a harpa dourada e a coroa de David, ou talvez a Santa Escritura que os fariseus não podem ler, mas apenas adorar?! Em suma, desejava ver o Deus Jehovah e seu Santíssimo não localizado em ferros-velhos, produzidos por egípcios, cuja arte dista do divino tanto quanto o Céu da Terra! Condenando-se o que é evidente mentira — que mal há nisto?!
Um essênio honesto jamais louvará a divindade judaica que, idêntica a Zeus, nada é! Conhecemos algo como Santíssimo e este algo é um coração bom e honesto! Lá reside a Verdadeira Divindade! Ela deve ser reconhecida dentro de si mesmo e do próximo! Quem isto fizer, honrará a dignidade humana; caso contrário, dá um tes- temunho péssimo de si mesmo e se reduz a um animal. Pode existir um Deus, mas que o homem só encontra na verdadeira profundeza de seu coração, e seu nome é ‘amor’! Além desta, não existe outra divindade, e quem a tiver encontrado será possuidor do princípio da vida e talvez ainda ache a vida eterna e indestrutível!
Deve-se acumular o amor no coração pelo próprio amor, que o tornará sempre mais poderoso! Através desta força vital, concen- trada, será fácil enfrentar potências inimigas; e, assim vitoriosa, a criatura positivará sua existência em meio de elementos perigosos, se bem que não física, mas espiritualmente, como prova da força do espírito. Pois tudo aquilo que vemos não é a própria força, e sim sua ação. Ao analisarmos as obras da Natureza em si, descobriremos que quaisquer elementos como partes da força original se devem ter consolidado em determinadas condições, do contrário não se- riam capazes de produzir os mesmos efeitos, que subentendem as
mesmas causas. Uma potência que se manifesta de modo imitável deve possuir plena consciência e uma inteligência lúcida, proporcio- nando-lhe as armas indispensáveis para sair vitoriosa na luta contra elementos ainda inconscientes. Se fosse possível ser ela vencida e dissolvida, jamais se evidenciariam os efeitos de sua ação! Em tal hipótese a figueira deixaria de produzir figos!
Se, por tais observações, somos obrigados a reconhecer uma quantidade enorme de forças a projetarem efeitos repetidos, isto é: numa consolidação indestrutível — assim como nós próprios nos reproduzimos pela espécie — certo é que aquela potência que nos fez surgir também se consolidou como princípio eterno. Assim sen- do, pode a criatura, quando tiver achado sua causa primária e a cul- tivando por meios justificáveis, consolidar-se para uma vida eterna. Penso que um elemento consciente que se tenha descoberto em seu foco, bem como seu ambiente, não terá dificuldade em achar meios onde desafiará outra força de ação inconsciente e bruta, conforme demonstram as próprias criaturas. Quem lhes ensinou isto? A expe- riência, o raciocínio e a necessidade! Se disto é capaz o homem in- culto, quanto mais não fará como entidade espiritualmente consoli- dada?! A própria razão nos dá, pelo caminho científico, a certeza da continuidade do espírito após a morte física e declinamos da ajuda dum Zeus, do Dalai-Lama e do próprio Jehovah.
Desta forma, nobre amigo, demonstrei-te as razões do ate- ísmo que professo; não pretendo com isto excluir-me do teísmo; dá-me provas convincentes — e eu serei teísta!”
ROKLUSÉENCAMINHADOPARA RAPHAEL
Cirenius tão admirado está com as experiências de Roklus, de seu critério acertado das condições de vida de fundo moral e político dos povos, de seus variados hábitos e costumes, dos cultos religiosos, bem como as aparições atmosféricas de outros países, que não sabe responder; pois tudo se baseia em experiências que dispensam argu- mentos. O sacerdócio era bem conhecido por Cirenius; além disto,
descobriu no grego um homem bom e filantrópico, que apenas se tornara essênio para ajudar os sofredores por todos os meios que não colidissem com o amor ao próximo. Em suma, Cirenius se inclina sempre mais à pessoa de Roklus.
Também os demais hóspedes se empolgam com sua inteli- gência e lastimam não ter ele entrado em contato Comigo. Anseiam ouvir o Meu ponto de vista; todavia, ainda não chegara o momento de Eu entrar em ação, porquanto Roklus ocultava algo em seu ínti- mo que não queria pôr a descoberto. Cirenius, porém, não mais era indicado para enfrentá-lo.
Despercebidamente chamei Raphael e avisei Cirenius para apresentá-lo ao grego, pois que ele mesmo não teria base para argu- mentar com Roklus, enquanto que Raphael saberia desempenhar tal papel. Assim informado, o grego diz a Cirenius: “Caro e nobre amigo, se tu, como sábio ancião de origem régia, tendo dirigido teu Governo há tanto tempo, não te atreves a discutir comigo, que fará esse jovem de seus vinte anos? Acaso consideras meu ponto de vista demasiado fraco para me responderes?”
Diz Cirenius: “Em absoluto, o fato é tal qual te expliquei! Ouve primeiro o jovem — e depois julga!” Diz Roklus: “Está bem, veremos onde achou a pedra filosofal!” e, virando-se para Raphael: “Se puderes desfazer minhas experiências ou cegar o meu intelecto, ser-te-á fácil dobrar-me qual vara ao vento; do contrário, não me po- derás modificar por tuas experiências! Além de Roma e daquilo que deparaste ao chegares aqui, certamente nada mais viste. Nunca es- tiveste no Egito, no país da sabedoria antiga, e desconheces as múl- tiplas crenças num ou vários deuses e queres enfrentar-nos, como gigantes experimentados?! Está bem; anima-te e desfaz o ateísmo, mostra-me um deus acessível a um intelectual que aceite o princípio de vida, ou seja — o amor. Desiste, porém, de outra entidade, que não aceitaria!”
Diz Raphael: “Meu amigo, procuraste reduzir minhas facul- dades dialéticas, sem saberes se realmente sou o que pensas! Acabas de me proibir impingir-te outro Deus, senão um que fosse aceito pelo teu raciocínio; acontece, porém, que eu mesmo compartilho de teu ponto de vista. A única diferença entre nós é que almejas um Ser Supremo, a quem tenho a mais sublime honra de conhecer Pessoal- mente, sendo Seu Servo devoto.
Este Deus Único e Verdadeiro é puro Amor, e somente pelo amor é Ele a Plena Sabedoria e, através desta, Onipotente. É igual- mente a máxima Ordem, Justiça, Luz e Vida. Todos os seres e coisas nesta Terra, bem como ela própria com todos os seus elementos, a Lua, o Sol e as inúmeras estrelas, que também são corpos celestes, colossais, algumas muito maiores que nosso planeta, que tanto é uma esfera quanto a Lua e o Sol, que sempre viste nesse formato, sendo ele milhões de vezes maior que a Terra, tudo isto é obra de Um Só Deus, que em Seu Ser Intrínseco é tal como teu raciocínio
— aliás bem esclarecido — O almeja.
Conhece todas as falsas concepções que se fazem a Seu res- peito e, por isso, inspira constantemente as criaturas, a fim de rece- berem noção verdadeira. A teu ver, um Deus Verdadeiro não poderia permitir crueldades humanas por tanto tempo, porquanto Lhe seria fácil arrasar todas essas loucuras. No fundo tens razão, pois eu mes- mo também penso como tu, e ainda sofro mais, porque tenho o poder, como entidade de há muito consolidada, de fazer desaparecer num momento todas aquelas montanhas de além-mar; ter o poder, sem permissão para agir, é pior do que querer e não poder!
Este impedimento se baseia em depender de cada criatura deste mundo — conforme expuseste a Cirenius — sua consolida- ção total, do contrário dificilmente se poderia manter, para sempre, como indivíduo emancipado e livre contra a constante influência de poderosas forças negativas. Se bem que não usaste minhas palavras, o sentido foi o mesmo.
Agora também compreenderás não ser possível uma reação violenta, em se tratando do aperfeiçoamento individual de todos os homens. Enquanto as criaturas descobrem tal ordem de vida por conta própria, garantindo existência moral ou física, é-lhes permiti- da sua ação. Caso se transviem, o Senhor de Céus e Terra as recon- duzirá à justa ordem, como ora acontece aos judeus.”
FINALIDADEDASPENITÊNCIASNA ÍNDIA
(Raphael): “Observaste, na Índia, certos abusos, mormente as horríveis penitências, que, para o puro raciocínio, se apresentam como tolice, ligadas ao aparente despotismo da casta sacerdotal. A verdade, porém, é outra: aquele povo habita um país possuidor da maior capacidade de vegetação, tanto para irracionais, quanto para homens. Podes caminhar dias e dias, por florestas e montanhas, sem encontrares uma árvore ou um galho seco, e se deitares um ramo, até mesmo em solo arenoso, encontrá-lo-ás, após um ano, tão verde como antes, ou talvez com raízes novas dentro da terra.
Uma ferida aplicada a qualquer ser vivo produzirá uma dor diminuta, porque o ar de lá já é mais salutar que, aqui, qualquer emplastro. Se hoje alguém te der algumas chicotadas, sentirás a dor por vários dias; na Índia, nem sentirás a próxima pancada. Experi- menta enfiar um prego no pé — e não suportarás tal violência, pois inchará, produzirá forte inflamação e pode até gangrenar ou pro- duzir pus. Nas regiões centrais da Índia, nada disco acontece! Anos afora poderás manter um prego na carne, que mal sentirás após o teres fincado, porquanto o ar é tão balsâmico, a evitar inflamações de feridas. Mesmo isto acontecendo, não se pode falar em dor, mor- mente insuportável.
Além disto, são os hindus excitáveis, porque são animados por excessos de elementos naturais, e se transviariam na esfera do ato procriador, em aberrações inéditas sobre a Terra. Precisamente as penitências, em que a carne é mortificada, e o constante temor do fogo infernal, que os sacerdotes sabem interpretar de modo tão
convincente a lhes proporcionar até ardor, evitam tal coisa. Teme o hindu, acima de tudo, o fogo por provocar-lhe maior sensação. Pelas fortes penitências que Deus, o Senhor, permitiu e ainda permitirá, a alma dos hindus é conservada na forma humana e se torna apta à perfeição no eterno Além.
Talvez objetarás: ‘Deve-se educar tal povo para evitar as aber- rações sexuais!’ Não é bem isso, meu amigo! Para povos cuja fantasia é por demais ativada pela Natureza, a ciência se torna um veneno mortal! Suponhamos que a Índia possuísse as ciências da Grécia, Roma e Alexandria — e o mundo não estaria seguro! Tudo isto ape- nas lhe daria os meios de se tornar o povo mais pervertido da Terra, produzindo coisas que superariam as produções de Babel, Nínive, todo o Egito, Atenas e Roma. As montanhas teriam de se submeter a seu desvario, construiriam cidades por cima de zonas fertilíssimas, secariam riachos e rios com diques até formarem lagos enormes. Em suma, se os hindus fossem orientados em todas as ciências, se transformariam num povo terrível, muito embora apresentem ín- dole meiga!”
PERIGOSDUMAEDUCAÇÃO CIENTÍFICA
(Raphael): “Além disto, um povo provido de exuberante fan- tasia não pode ser educado cientificamente, porquanto sua imagi- nação nisto o impede. Prefere extasiar-se com imagens tolas de seu mundo quimérico, do que refletir logicamente sobre qualquer as- sunto. De mais a mais, não sucedem com frequência as penitências severas que observaste. Um rico consegue o resgate, e um pobre só é condenado quando realmente infringiu as leis em vigor. Existe até hoje uma ordem patriarcal na Índia, não tão facilmente derrubada. Há considerável influência supersticiosa, que deve ser combatida, mas também se baseia na fantasia das pessoas e só poderia ser venci- da pouco a pouco.
É preferível deixar os hindus na superstição, do que iniciá-los em várias ciências; o primeiro estado os prende ao solo, enquanto o
segundo lhes daria asas que tentariam dominar o mundo. Se fosse possível incutir-lhes as ciências de um só golpe sem esforço próprio, eles, por certo, se admirariam quanto à sua tolice professada por tan- to tempo. Em seguida encher-se-iam de ódio contra o sacerdócio e outras personagens cultas de povos vizinhos, de tal forma a fazerem uma carnificina; em breve o planeta estaria banhado em sangue, e qual seria o resultado? Os ignorantes seriam massacrados e dos cul- tos teriam surgido verdadeiras feras!
Tu mesmo disto dás prova, como homem razoável, pela gran- de irritação que manifestas contra todas as divindades, mormente seus representantes. Se fosses senhor de meu poder, quão rápido não aniquilarias todos os sacerdotes da Terra! Qual seria o destino dos que deles dependessem de alma e corpo, deixando-se guiar como cordeirinhos?! Serias talvez capaz de levá-los ao raciocínio claro através dum mando? Garanto-te ser difícil tal tarefa; pois se todos fossem de cultura semelhante, cada qual teria idênticos meios de subsistência, caso não quisesse morrer de fome. Na hipótese que oferecesse seus préstimos ao vizinho, este o dispensaria, porquanto sabe defender-se para suas necessidades.
Se um pai obrigasse os filhos a estudarem certas matérias, eles se negariam, alegando saber as mesmas, portanto nada precisa- vam aprender.
Se tu, na velhice, onde todos se tornam mais fracos e alque- brados, oferecesses bom pagamento e mesmo uma herança a alguém para que te servisse, receberias uma resposta negativa, porquanto o outro não necessita de emprego, por ser tão rico quanto tu! Eis a situação do Egito, que durou muitos séculos: todos se tornaram sábios e abastados.”
COMOSURGIUA ESCRAVIDÃO
1. (Raphael): “A consequência disto foi que ninguém mais que- ria servir ao próximo, e cada qual trabalhava para si; finalmente, ve- rificaram que tal vida equilibrada era insuportável, e os mais velhos
foram os primeiros a observar a calamidade e a conjecturar acerca dos meios a seguir. O mais sábio opinou ser a Terra imensa, e con- viria viajar em busca de pobres, prontos a trabalharem por dinheiro. Assim, foram à Ásia e em breve acharam o que queriam. Quando os povos de lá perceberam a carência dos Egípcios, eles mesmos en- cetaram viagens pelo país, compravam os servos e os vendiam por bom preço ao Egito. Dessa forma surgiu a escravatura, infelizmente em voga até hoje! Acaso poderás elogiar tal fruto da sabedoria antiga, comum aos velhos egípcios?!
A experiência os impediu de orientarem os escravos em sua sabedoria, que em breve os teria tornado ricos, e os egípcios nova- mente ficariam desprovidos de seus servos.
Acaso viste escravos também na Índia?! Por certo que não! Existem-nos presos à superstição, que todavia não é tão prejudicial quanto a própria escravidão. Os escravos comprados só servem para animais de carga e ficam excluídos do ensino intelectual. Têm de obedecer cegamente e sofrer calados as piores crueldades, sem que lhes assista um julgamento responsável! A própria morte dum escra- vo, a mando de seu senhor, não é sujeita à responsabilidade da lei! So- mente alguém matando um escravo teu será obrigado a indenizar-te!
Essa miséria humana é a consequência daquela época onde os egípcios, de modo geral, eram cultos e ricos, e ninguém era subme- tido à lei por crime qualquer, porquanto não havia necessidade para tanto, uma vez que todos dispensavam da ajuda alheia. Quando sur- giu a escravatura, inventaram-se leis pelas quais o dono jamais podia martirizar seus escravos, muito embora fosse cruel. E para que fim haveriam de existir penitências quando não se cometem pecados?!”
AORGANIZAÇÃOEGOÍSTICADOS EGÍPCIOS
(Raphael): “Quando mais tarde, pelo trabalho dos escravos, os diversos regentes se tornaram mais ou menos abastados, porquan- to o resultado nem sempre era igual, de pronto as criaturas manifes- taram inveja, desentendimento e contendas, fazendo-se necessário
criar leis, das quais o próprio faraó não era excluído. Começou-se a educar os escravos, incutindo-lhes noções veladas da Divindade, cuja ação diversa era representada por individualidades alegóricas. Isto tornou os escravos, rebeldes, mais cordatos e meigos, suportan- do seu destino com mais paciência; temiam eles as potências invisí- veis, porque chegaram à convicção, através do misticismo egípcio, de existirem realmente tais deuses severos.
Se a casta dos escravos não tivesse se tornado poderosa, pela aquisição que se efetuava duas vezes ao ano e pela própria procria- ção, os antigos não lhes teriam ensinado qualquer definição religio- sa; somente o medo da força física dos servos obrigou seus donos a agir em tal sentido.
A situação dos antigos egípcios era difícil: eram sábios e ricos, quase não havendo diferença entre eles, no que diz respeito à cultura e riqueza; cada qual cuidava de si e seus filhos. Esta organi- zação doméstica era apreciável, enquanto moços e fortes; quando vinha a velhice, fazia-se sentir a necessidade de ajuda. Quem deve- ria servi-los? Os filhos não vinham ao caso, porque Moysés ainda não havia transmitido os Mandamentos aos homens que os obri- gassem a socorrer os velhos, como também uma casa nada deve ao seu construtor. Caso a construção fosse falha e deficiente, ela nada teria a ver com isso.
Pela educação prática, a prole se tornou egoística e os velhos se viram obrigados a procurar fora de casa quem lhes servisse. A fim de evitarem que os escravos desertassem, não eram iniciados na cultura de seus donos, continuando ignorantes, sendo apenas adestrados como serviçais. Uma vez, porém, aumentando em nú- mero, ensinou-se-lhes a fé nos deuses, que efetuavam certos milagres diante dos olhos admirados dos incautos. Desta forma intimidados, serviram com zelo desdobrado, e os egípcios alcançaram um apogeu que atraiu muitos estrangeiros, entre eles alguns invejosos e traido- res, que mais tarde trouxeram grande perturbação. Eis as obras da pura razão, comparáveis a um homem cuja descida dum morro se finaliza numa carreira desabalada.”
1. (Raphael): “Nesse ponto os hindus foram mais espertos: o povo continua na superstição mais ou menos inofensiva, no entanto acredita num Ser Supremo e em seus representantes no mundo, in- cumbidos da manutenção da ordem estereotípica. Evitam qualquer alteração nos antigos livros. Desta forma, o hindu será, em mil anos, o que é e foi há milênios. O pior defeito é a penitência e ele se tornar seu próprio juiz, mantendo a máxima severidade contra si mesmo, porquanto depende de sua vontade; tal compreensão evita até a prá- tica da calúnia e traição: ninguém faz queixa do próximo, e entre vários milhões não há umperverso! Eis a razão por que os hindus são um povo tão antigo, que ainda irá longe quanto à idade. Quan- do outros povos para lá forem, a fim de lhes incutir outra religião e hábitos, tornar-se-ão mais descontentes e inquietos, deixando de praticar penitências. Em compensação, outros os condenarão e per- seguirão, para impor-lhes castigos rigorosos. Em breve, serão quais fariseus em Jerusalém, que sobrecarregam os crentes com pesos in- suportáveis, julgando a todos; só não toleram juízes e cargas — que não tocam nem de longe!”
AUNIÃORELIGIOSAENTREÍNDIAE CHINA
(Raphael): “Muito além da Índia, acima dos montes mais elevados da Terra, existe um grande Império que conta, no mínimo, cinco vezes mais habitantes que Roma. Possuem quase a mesma re- ligião que os hindus. Vivem na maior paz e ordem, são temperados, simples, trabalhadores incansáveis, e duma obediência cega para com seus professores e guias. O Imperador é soberano supremo e zela pela não penetração de estrangeiros em seu grande país. Por esse motivo, o isolou com uma enorme muralha nas zonas mais baixas, intransponível para qualquer exército. A muralha é provida de tor- res, onde uma forte guarda defende uma possível invasão.
Somente o mensageiro de Bramah (Brau ma — tem direito), vindo da Índia pode anualmente penetrar como portador de louvor ou crítica do Dalai Lama, que entrega pessoalmente ao Imperador numa caixinha de ouro maciço. Quando se aproxima com séquito enorme e deslumbrante, em época determinada, posta-se em certo local da muralha e começa a fazer alarido. Então, faz-se descer um cesto, pelo qual é ele içado, enquanto os acompanhantes aguardam sua volta.
Em seguida, o mensageiro faz o longo trajeto à cidade duran- te vinte dias dentro duma liteira, donde só pode vislumbrar o Céu. Chegando ao centro da metrópole, que conta mais habitantes que toda a Palestina, pode saltar a fim de ser conduzido com todas as honras ao Imperador. Entrega-lhe a caixinha, transmite os desejos do Lama e, em seguida, é regiamente condecorado e despedido; en- ceta a viagem de volta tal qual a ida.
Em tais ocasiões, em que o mensageiro divino é transportado de Império a Império, grande multidão aflui às ruas, sem contudo poder avistá-lo ou falar-lhe dentro da liteira.
Se indagares do povo por que não lhe é permitido isso, res- ponderá com humildade que tal desejo seria pecado imperdoável. Já é graça imensa ver de longe o mensageiro do grande deus ser carregado, que tanta satisfação traz, de modo a contentar milhões do grande Império, que alegam encontrar-se no centro da Terra. Isto é ensinado ao povo, que cegamente o acredita.
O mensageiro também sabe disto e mais ainda, que não pode ver o país e sua organização, sob pena de morte, pois poderia traí-lo. A traição é o crime máximo, que por coisa pouca é severamente pu- nida. Muito embora seja tolo, o povo é fiel e obediente. Não achas isso tudo parecido com vossa ordem essênia?! Acaso Deus é injusto por permitir tais coisas, enquanto o povo permanece paciente e hu- milde — e também vos tolera?! Externa-me tuas possíveis objeções!”
Quanto mais se prolonga o relato de Raphael, Roklus arre- gala os olhos e acaba exclamando em êxtase: “Será possível, rapaz?... Tens, no máximo, dezesseis anos e me enfrentas com experiências e conhecimentos somente possíveis a um ancião muito viajado! Não me refiro à tua capacidade de me teres convencido na aceitação dum Deus Verdadeiro, conforme sempre o almejei; falo somente da ma- neira por que chegaste a tão vasto conhecimento.
Conheces até o Império além da Índia, do qual um hindu me havia contado coisas curiosas, que me levaram a boas gargalhadas. Através de teu relato, posso fazer uma ideia mais acertada daquele país, cujos filhos consta possuírem a maior cultura na indústria, ar- tes e ofícios. Além disto, também pareces ter conhecimento e prá- tica na magia, do contrário não terias mencionado certo poder que te assiste.
Percebo, embora não nitidamente, que a Divindade permite todas as ocorrências na Terra visando apenas a formação da alma, e não o bem-estar do corpo. Não se trata, porém, do meu entendi- mento em tal assunto, e sim meu maior interesse gira em torno de tua pessoa, e como te foi possível chegar a tais noções elevadas.
Já não mais precisas explicar-me o milagre ocorrido com os bens de Marcus, pois tu mesmo és evidentemente o construtor mila- groso, e compreendo que tuas palavras apenas deviam provar se sou de fato bastante inteligente para tirar as deduções precisas.
O campo da magia é imenso, e o maior mago sempre será diletante. Nós, essênios, somos entendidos na matéria, porque te- mos ao nosso dispor magos persas e egípcios, cujas ações nos es- tonteiam, não obstante não sermos leigos. Haja vista o mago real de Thebas, que eu teria indenizado com mil libras caso me tivesse ensinado algumas magias formidáveis; mas ele não se deixou tentar por coisa alguma.
Deste modo, também podes possuir segredos que nunca so- nhei, e talvez empregas teus auxiliares invisíveis a teu gosto, por-
tanto te foi fácil a criação da casa de Marcus. Pois eu mesmo vi como o mencionado mago de Thebas transformou, num instante, uma vasta planície num lago imenso, de onde surgiram várias ilhas e navegava uma série de botes. Vimos tudo perfeitamente durante alguns minutos; em seguida, ele fez um gesto — e a planície estava diante de nós.
Antes disto, nos havia conduzido a um gabinete escuro e nos fez olhar, pela janela, a zona que também se via do lado de fora. De- pois fechou a janela, fez alguns movimentos, abriu-a de novo — e diante de nós se estendia o lago azul. Percebi apenas uma estranha ardência nos olhos, certamente ocasionada pela surpresa.
O mago afirmou ser-lhe possível criar ainda outras zonas fan- tásticas — mas que custariam muito dinheiro, por isto desistimos. Indaguei-lhe se era capaz de fixar aquela paisagem; respondendo que sim, ele súbito se ocultou e, quando saímos, o lago havia de- saparecido.
Cheguei à conclusão de que aquele egípcio devia ser enten- dido no manejo das forças da Natureza; pois poderia ter fixado a zona mágica e não o fez, porque a anterior, de há muito fertilíssima, era de maior utilidade para o povo. Ofereci-lhe duzentas libras de ouro, que rejeitou.
De modo idêntico também efetuaste tua obra milagrosa, cuja aparição aqui nos atraiu, e presumo que tampouco estarás incli- nado a revelar teu segredo. Também não pretendo decifrá-lo; apenas queria saber onde conseguiste tal sabedoria e a arte mágica, já que nos convenceste em aceitarmos o Ser Supremo!”
RAPHAELEXPLICAASFEITIÇARIASDO MAGO
Diz Raphael: “És realmente um homem curioso! Tuas vastas experiências te tontearam de tal forma, que és incapaz de discernir entre o verdadeiro e o falso! Se tivesses exigido do mago apresentar-
-te uma zona aquática sem auxílio do gabinete e janela, não o teria realizado por todo ouro do mundo!
Por que não fez surgir uma vivenda real, dentro da Natureza? Por não lhe ter sido possível. Eis por que esta aqui é uma Obra de Deus — a outra, dum homem comum. Por tal razão, minha sabe- doria também é divina, como tudo que descobrirás em mim! Agora não mais me perguntes pela origem!
Para os olhos humanos podem as criaturas efetuar coisas aparentemente milagrosas; entretanto, nada contêm de milagre e sim apenas coisas naturais, que para o leigo, se apresentam extra- ordinárias. Tão logo se lhe ensine os meios a serem empregados, ele fará o mesmo.”
Diz Roklus: “Também a magia do egípcio?”
Afirma Raphael: “Certo, muito embora seja difícil conseguir os meios, por ele mesmo inventados. Como não os demonstrou, ser-te-á impossível imitá-lo.
Se fosses entendido na fundição da areia siliciosa, preparando assim o vidro que deveria ser polido como diamante — arte bem conhecida na Índia — compreenderias aquele milagre, mormente se fosses uma espécie de Apeles, capaz de pintar a água tão genuina- mente, de modo a enganar os próprios pássaros.
Teu mago nada mais é que exímio lapidário, sabe fazer o vi- dro e, além disso, é um dos melhores pintores de seu país, especia- lizado em cópias. Construiu um mecanismo onde se pode avistar os quadros por ele pintados através dum espelho, conseguindo tal ilusão de ótica.
Trata-se duma ciência remota dos fenícios, mais tarde desco- berta pelos egípcios, que aplicam-na secretamente para suas magias excepcionais. Em alguns milênios, todos os povos disto terão noção perfeita, e não haverá pessoa inteligente que aceite tal fenômeno como milagre.”
(Raphael): “Afirmo-te que, no futuro, as pessoas se movi- mentarão qual flechas sobre estradas de ferro; falarão com rapidez do raio dum polo a outro e voarão como pássaros sobre mares e pa- íses, mas ninguém os tomará por magos e, muito menos, deuses! O sacerdócio naturalmente tudo fará para impedir tais esclarecimen- tos; todavia, seu esforço será baldado!
Quanto mais se empenha a levar o povo à ignorância, tanto maior será a reação dos espíritos iluminados, que espargirão luz cada vez mais intensiva entre a multidão, até que os próprios sacerdotes sejam obrigados a se tornarem apóstolos da Luz. Demandará isto, naturalmente, de muita luta.
Acontecerá que os magos serão perseguidos, e a semente des- sa perseguição já existe em parte no sacerdócio farisaico — contrário aos magos — e também entre vós, que pretendeis comprar todas as possíveis magias do mundo. Com inveja, observais secretamente todo benfeitor milagroso, mormente se pratica algo por vós adotado como negócio oculto em vossa seita.
É, porém, da Vontade de Deus permitir que não só os sacer- dotes, mas pessoas simples façam descobertas extraordinárias, pro- porcionando às criaturas cultura elevada. A casta sacerdotal reagirá por todos os meios, sem algo conseguir; pois quanto maior a rea- ção, tanto mais nítidos se tornam seus desejos de domínio diante do povo, perdendo assim toda confiança e fé.
Quando alguém percebe que o outro pretende enganá-lo, não mais terá confiança, mesmo se lhe apresentar algo de verídico; pois sempre estará de sobreaviso duma atitude traiçoeira. Por isso, o sacerdócio perderá terreno quando se expuser em demasia, num zelo absurdo.
A Ordem Divina previu, desde sempre, que o mal e a fal- sidade se destroem a si próprios; à medida que tentem o domínio absoluto, terão selado seu fim.
A maldade das criaturas desta Terra se assemelha a um me- canismo inferior, que se desgasta à medida que é usado constante- mente. Assim sucede com o corpo, que se aniquila à proporção que se entrega às paixões.
Eis por que um filósofo não crê num Deus Verdadeiro, por- quanto observa como o sacerdócio de todas as religiões pratica mal- dades. O Senhor isto permite, primeiro para que o raciocínio claro cedo seja desperto para uma atividade real; segundo, a fim de que a perversidade se destrua quanto antes.
Durante o dia, ninguém procura luz e nem lhe dá o real va- lor, pois não lhe perturba o peso da noite. Facilmente se pode ca- minhar e desviar-se das valas, pedras e abismos. Tal não se dá numa noite de breu, onde a pessoa se adianta somente com cuidado. Quão grato não se torna o viajante diante da menor luz que lhe aclare o caminho, apenas a alguns passos, e quanta saudade da aurora não sente o solitário no deserto!
O mesmo acontece aos amigos da luz espiritual, em meio da ignorância completa, que na maior parte foi induzida às criaturas de fé fraca pelo egoísmo e domínio dos sacerdotes; à medida que a ignorância se propaga, mais intensiva se torna a necessidade e o valor pleno do conhecimento espiritual.
Pessoas que, pela própria educação, se acham em completa ignorância, não percebem a falta de luz espiritual e se sentem bem amparadas com os consolos fúteis de seus sacerdotes; relatam eles uma quantidade de historietas de pessoas beatas, falecidas há muito. Isto comove os fiéis até às lágrimas, e satisfaz aos sacerdotes. Tais ignorantes sentem tão pouco seu estado trevoso, quanto um cego observa o peso duma noite de breu; para ele não existe aurora nem crepúsculo! Outra coisa sucede com aquele habituado a caminhar na Luz do eterno Dia da Verdade quando é obrigado a uivar com os lobos, de medo de arriscar sua pele!
Imagina uma comunidade na qual apenas alguns enxer- guem, porquanto os outros são inteiramente cegos. Um dos videntes então começa a descrever a grande maravilha da luz e de suas cores;
imediatamente, os cegos o obrigariam a se calar, classificando-o de mentiroso atrevido, enquanto ele está convicto da verdade evidente! Qual seria tua atitude, como intelectual, sabendo que os de boa visão ainda possuem os melhores meios para transmitir o conheci- mento aos demais?!”
OSFRUTOSDANOITEEDALUZ ESPIRITUAL
Diz Roklus: “Em tal situação, seria melhor não existir do que viver como vidente entre cegos, cheios de desconfiança, presunção e orgulho! Tens toda razão, meu caro jovem; o mundo é tal qual, e melhor seria, a meu ver, abandonar os cegos, para evitar qualquer atrito. Uma vez sem guia, aproximar-se-ão ainda mais do abismo, que os devorará. Seu fim será bem triste, mas não pode ser evitado!”
Aduz Raphael: “Agora julgaste bem, pois desta forma age o Senhor com as criaturas, dentro de Sua Ordem! Sempre que uma comunidade ou mesmo um povo se indispõe, por maldades, com a Luz e a Verdade Divinas, Ele permite que se integre na completa treva da vida. Nesse estado, o povo comete um desatino após outro, demonstrando aos mais esclarecidos sua própria cegueira e mentira, manifestas pela vontade, inclinação e atitude. Desta forma, se apro- ximará da beira do abismo, que o devorará sem dó nem piedade. Os esclarecidos começarão a se estender e abençoar a Terra com seu conhecimento espiritual.
Enquanto um povo mantiver apenas um vislumbre da Luz Verdadeira, o Senhor não o deixará chegar à beira do precipício, por- quanto persiste, no vislumbre, uma advertência contra a perdição.
Quando, porém, as criaturas manifestam verdadeiro ódio con- tra a Luz do Espírito e perseguem com os sacerdotes as que Nela acre- ditam — conforme acontece de há muito com os judeus — a Paci- ência Divina chega a um fim, e o povo não escapa do aniquilamento. Em tal caso, o Senhor de todos os Céus desce, Pessoalmente, à Terra e procede ao julgamento dos vilipendiadores — o que sucede, no momento, no país maravilhoso dos judeus, antigo povo do Senhor!
Ele reunirá os poucos fiéis e esclarecidos para lhes transmitir a Plena Luz do Céu, que não permitirá a existência das trevas da ignorância, atirando-as ao abismo inevitável. Assim sendo, de nada adianta um milagre falso aos olhos dos esclarecidos, mas um, surgi- do realmente do Poder de Deus, por Ele depositado no coração de cada criatura verdadeira.
Assim como a fé errônea e cega, de certo modo a superstição, se manifesta por obras místicas e fictícias, e por uma crescente falta de amor, a fé verdadeira e viva se apresenta pela Verdade Plena em tudo, sem restrição, e por um amor intensivo ao próximo e a Deus; através desta inclinação, avoluma-se o Poder Divino que o Pai dei- tou no coração de todas as pessoas sinceras.
De que adiantam ao homem todos os conhecimentos e ciên- cias ocultos, quando os próprios pardais denunciam o falso profeta diante de todo mundo: És um mistificador maldoso e fazes teus mi- lagres enganando os ignorantes! Isto, porém, não conseguirás com os verdadeiros filhos de Deus, capazes de outras coisas pelo Poder Divino em seus corações, que é o Espírito do Amor Eterno, des- cobrindo tua má intenção e fraude. Atira para longe os teus meios enganosos e torna-te um homem ciente do Poder de Deus — do contrário, nós, pardais, açambarcaremos teu fraco brilho! Acaso te poderias aborrecer, por isto, com os pássaros? Não há coisa pior para os trapaceiros do que serem enfrentados pela Luz da Verdade, que terão de aceitar, queiram ou não!
És um essênio e, além disto, um mago especial: vivificas os mortos, atrais a Lua diante do nariz dos incautos, fazes falar árvores, capim, água, rochas e paredes. Que dirás se ‘esses’ pardais de criatu- ras de todas as raças e classes esclarecerem a maneira pela qual fazes tais coisas, e talvez ainda tragam um morto para que tu o ressuscites? Que diria teu intelecto puro e o raciocínio aguçado?”
Diz Roklus: “Não teria argumentos, porquanto a verdade sempre será verdade e não vem ao caso se me prejudica ou beneficia! Deduzi de tuas palavras considerares nossa Ordem secreta algo de nocivo e sujeito à desintegração, à medida que a Luz Celeste, pro- vinda de Deus, ilumine os corações humanos. Contra isto, nada há que dizer — pois se todos ou, no mínimo, uma grande parte forem por Deus orientados em nossos segredos, nosso ofício terá chegado a um fim; todavia, jamais se poderá afirmar que tivéssemos agido atra- vés dum vislumbre de egoísmo, porquanto apenas visamos o bem das criaturas, sendo nosso claustro nada mais que um Instituto de amor e caridade.
Nunca aplicamos ummeio maldoso! Poderia se afirmar ser o próprio embuste algo de nocivo; eu, no entanto, responderia, até mesmo a Deus, que tal apenas seria verdade caso fosse movido por intenção maldosa e egoística! Observando não ser possível curar-se alguém senão pela fraude, e eu aplicar esse único meio por amor ao próximo, a pior mistificação será somente um meio justo e bom, contra o qual nem Deus poderá objetar. Dar-te-ei exemplo de mi- nhas experiências como essênio e tu mesmo me darás razão!
Certo dia fui procurado por um homem desesperado, cuja esposa, jovem e realmente boa, contraíra moléstia unicamente curá- vel por remédio de mim conhecido. Outro qualquer recurso teria provocado a morte, e tornado o esposo a criatura mais infeliz deste mundo. Acontecia, porém, que ela tinha tal aversão ao remédio que preferia morrer a tomá-lo, e não adiantava insistir, fato que levou o marido ao desespero! Tive, então, a seguinte inspiração; virei-me para ela e disse, na frente do marido: ‘Não te aflijas; conheço cen- tenas de outros remédios que curam tua moléstia, ainda mais rapi- damente!’ Externei assim u’a mentira capital, em favor da doente.
A segunda, e maior, foi que mudei o nome do remédio, jun- tei-lhe algo inofensivo, modificando forma, cor e gosto; e, elevando seu preço a três libras de ouro, ninguém poderia suspeitar da fraude.
A enferma aceitou de pronto o remédio e salvou-se dentro de poucas horas. Mal contive um sorriso e, até hoje, nenhum dos dois soube do embuste salvador! Pergunto se foi bom ou nocivo — e tu te calas, por não teres argumento! Relatarei mais outro exemplo, pedindo tua opinião a respeito.
Há um ano atrás faleceu, de lepra, a filha única de pais ricos e conceituados. Casualmente, soube do caso e me dirigi para lá: os velhos estavam inconsoláveis! Quando fitei mais prolongadamente as feições da morta, lembrei-me de u’a moça muito parecida, que se achava em nosso Instituto de Criação humana.
Chamei o pai e lhe disse: Não chores! Sou um verdadeiro essênio e te afirmo poder ressuscitar tua filha em nosso claustro, por intermédio de meu arcanum! Manda transportá-la para lá com tudo que possuía, e dá-me uma descrição de seu caráter, inclinação pes- soal, em suma: de tudo que a rodeava, e garanto que t’a devolverei dentro de dois meses!
Compreende-se que os genitores não hesitaram em obede- cer-me, porquanto me achavam incapaz de qualquer embuste. Tudo que pertencia à moça, desde o berço até a morte, foi levado ao claus- tro. Havendo frequentado, por muito tempo, aquela família e segu- ro da capacidade assimiladora da outra moça, que muito se parecia com a falecida, a troca foi fácil. Decorridos alguns meses, achava-se ela no meio dos pais esperançosos.
Eu mesmo a levei ao novo lar; quando os velhos nos viram de longe, correram de braços abertos para receber a pseudofilha que, por mim instruída, fez o mesmo. Devias ter visto a alegria dos pais!
Por essa fraude colossal, três pessoas ficaram completamente felizes: os velhos, por terem encontrado a filha, e a moça pobre, que achou um ambiente que nunca esperava. E eu? Confesso que tive apenas a certeza agradável de ter cooperado na felicidade de outrem!
Teria aquela fraude algo de nocivo? Considero apenas de condenáveis, embustes praticados por ganância; se, no entanto, lan- çar mão de meios fraudulentos inofensivos, tendo a certeza de curar um infeliz, tal mistificação nem por Deus pode ser classificada de
maldosa, e deveria até se agradecer nossa seita, que abriga pessoas com intenções tão felizes!
Não agiu Jehovah da mesma forma contra o velho e cego Isaac pelo embuste praticado por Jacob, a fim de proporcionar aos judeus um patriarca mais competente do que Esaú?! Concordo que toda mistificação maldosa, quando atinge seu ponto culminante, aniquila-se de modo próprio — enquanto uma que vise o bem da Humanidade, nunca o fará. Considero mil vezes mais reprovável o amigo da verdade que denuncia nossa Ordem, do que o pior em- busteiro de nosso claustro! Refuta os meus argumentos, pois estou pronto a vencer esta contenda!”
DIFERENÇAENTREPRUDÊNCIAE EMBUSTE
Diz Raphael: “Caro amigo, tenho de confessar ser difícil dis- cutir-se contigo! Partes do princípio de que todo meio é justo pela intenção e finalidade; e eu apenas te posso afirmar que, com toda tua boa vontade e intelecto apurado, estás errado, porquanto nada assimilaste daquilo que te falei!
Consideras apenas vantagens e felicidades terrenas, porquan- to não podes imaginar as do espírito. É fácil se fazer alguém feliz através de mistificações; contudo, nada de bom ter-se-á feito para alma e espírito, que muitas vezes são realmente prejudicados.
Relataste-me alguns casos na tua vida; nada tenho a contra- por ao primeiro, pois o tratamento da enferma não foi ludíbrio, mas simples prudência.
Diante de Deus, toda atitude e tentação ocultas representam traição contra as criaturas, onde forçosamente sofrem dano físico e moral. Se ocultares, porém, tuas palavras e gestos para auxiliares teu próximo, muitas vezes cheio de fraquezas e inacessível por via direta
— ages por prudência mui recomendável.
Se em todas as tuas atitudes, palavras e tentativas, se baseia uma boa intenção, terás empregado a prudência, e o prêmio do Céu não faltará. O primeiro exemplo que relataste pertence a essa cate-
goria; enquanto o segundo, muito embora de caráter benevolente, é bem diverso; terás, com isto, dado um testemunho falso de vosso claustro para o futuro da Humanidade, quando, pela cegueira co- mum, todas as fontes de ouro se abrirão, e vosso Instituto alcançará riquezas fabulosas.
Qual o efeito dos bens terrenos? Fazem com que as criaturas se tornem altivas, dominadoras, frias, egoístas e orgulhosas, despre- zando, odiando e perseguindo o próximo. Há pouco te externaste contra todas as diversas organizações religiosas e seu sacerdócio; de- monstraste como castigam a Humanidade de forma incrível, sendo representantes dum deus e deixam que os outros para eles trabalhem; entregam-se ao ócio completo, forçando os leigos a viver, trabalhar e morrer para seu bem, através de mortificações físicas e morais! Deste um colorido verdadeiro às circunstâncias deprimentes, e o vergo- nhoso efeito dessa casta!
Digo-te, porém, sem rodeios: todos os sacerdócios de hoje se encontram em bases mais limpas que vosso claustro, pois seu fundamento se baseia na verdade pura e divina, no entanto foi tão deturpada, que avistas somente mentiras e fraude. Que, então, será de vosso Instituto, construído desde o início em embuste e traição?!
Achas que vossos sucessores cumprirão estritamente as nor- mas por vós criadas?! Daqui a cinquenta anos tudo terá outro as- pecto! As fraudes e feitiçarias serão ainda mais sutis e dilatadas, e arriscar-vos-eis na ressurreição de pessoas idosas, onde nem sempre tereis o efeito desejado.
Imporeis castigos cruéis e irrevogáveis ao delator de vossos segredos: até mesmo à pergunta sobre qualquer milagre, será casti- gado! Vosso lema será: Povo, nada tens a perguntar; cabe-te somente crer! Vem, caso necessites de ajuda, que receberás mediante oferenda prescrita! O resto, não te diz respeito!
Essa atitude irritará pessoas curiosas, que farão investigações variadas, descobrindo vossos segredos. Sereis tomados de ira, jurareis vingança aos vilipendiadores de vosso culto mistificador, que talvez até será posta em prática.”
(Raphael): “Criticaste as penitências hindus; em cinquenta anos agireis de modo dez vezes pior; pois assim que a maioria do povo vos der crédito — em virtude de vossos falsos milagres — venha o que vier, que ele a tudo se submeterá! Em sua ignorância, só pode tomar-vos por servos de deuses munidos de forças ocultas, contra as quais não haverá poder humano.
Chegados a esse ponto, podeis dizer a alguém: Miserável pe- cador! Tudo que pensaste e fizeste, e ainda projetares no próximo ano, todos os teus pensamentos e desejos pecaminosos nos são reve- lados, e sabemos que, por isso, atrairás a condenação e ira divinas! Advertimos-te, pois, para que te abstenhas de tais pecados, e faças um sacrifício vultoso a fim de abrandar a ira dos deuses; além disto, conviria tua flagelação diária durante três anos, com corda forte so- bre as costas nuas. E ai de ti se não cumprires tal penitência!
O pobre coitado, que realmente nunca teve pensamentos e atos condenadores, acreditar-vos-á ser um pecador que merece toda condenação, prontificando-se àquilo que vós — servos de deuses poderosos e oniscientes — lhe incutistes. Será isto justo e bom, pelo teu critério equilibrado, e o meio — será abençoado pela finalidade que visa?!”
Diz Roklus: “Nunca foi essa nossa intenção, porquanto con- sideramos somente a pobre Humanidade sofredora; desta forma, não vejo por que meu recurso na troca da moça falecida possa ser condenável! Não tenho ideia de como o mal se possa infiltrar em nosso Instituto, uma vez que visamos apenas o Bem!”
Diz Raphael: “Amigo, experimenta lançar o trigo selecionado num campo inteiramente limpo — e quando germinar, verás quan- tidade de joio entre o mesmo! Se tu e teus colegas semeais apenas o joio na terra — como pretendeis colher o trigo?!
Em todos os tempos e em todos os países da Terra foi pregada a Verdade pura provinda de Deus, através dos profetas inspirados por Ele. Que aspecto tem hoje? Na maior parte se depara com leis
humanas, mentiras e extorsões incríveis! Vosso Instituto foi por vós fundado apenas em mentiras e pretendeis, desta forma, despertar a verdade nos corações humanos?
De que te adianta abrires um grande buraco em plena rua, sem teres intenção de provocar acidentes?! Se à noite as pessoas por aí passarem, acaso não cairão na cova, prejudicando-se? Assim como fazes, atrairás as criaturas ao abismo psíquico!
Se um doente, cuja moléstia desconheces, te procura, entre- tanto lhe dás um remédio contraindicado, que lhe traz a morte — poderás ser considerado bom, conquanto tiveste a melhor intenção, como profissional?!
Os que abriram uma vala, sem no entanto protegê-la com uma ponte munida de gradil, ainda tinham em mente secar a rua; todavia, não foram tão precavidos em reconhecerem o perigo para as pessoas que por ali passassem.
O meio de secar o terreno foi, portanto, nocivo, não obs- tante a boa intenção, pois se tivessem enchido o brejo com pedras e paus, ou então feito ponte sólida, o móvel de sua ação seria justo.
Desta forma, é vosso Instituto de milagres falsos um meio pernicioso para o bem da Humanidade, porque não calculastes os prejuízos que daí adviriam. Que te adiantaria a suposta ressurreição da filha de teu amigo caso ele viesse a saber que ela fora enterrada, enquanto acolhera uma estranha?! Pensas contentar-se ele com tal fato? Ou não te é possível imaginares que tal denúncia desclassifica- ria vossa seita, ficando destituída de toda fé e confiança?”
OSVERDADEIROSEOSFALSOS TAUMATURGOS
Diz Roklus: “Para nós, pensadores, existe naturalmente uma grande diferença, enquanto para o leigo tudo é bom! Uma vez que um verdadeiro taumaturgo age pelo poder do espírito, não nos de- nunciando perante o povo, apontando nossa magia comum, a meu ver, ambas as categorias de benfeitores podem agir independente- mente, caso o outro não for impulsionado pela inveja!”
Diz Raphael: “Teu critério é bem interessante! Julgas que o verdadeiro benfeitor, movido pelo Poder Divino, também vise hon- ras humanas e lucro monetário?! Acaso não haverá outra finalida- de, mais elevada e sublime, do que a manutenção física e a hon- ra pessoal?!
Ouve bem: Cada criatura possui uma alma imortal, onde se oculta o espírito eterno. A fim de que a alma, como elemento espiritual surgido da matéria, se una ao Espírito Divino, chamado ‘Amor’, deve ela dirigir todas as suas ações de tal forma a se afastar da matéria e de suas exigências variadas, dedicar-se unicamente ao espírito que ela abriga dentro de si, e ao Espírito Puro do Amor Divino, porquanto Ele Mesmo é o Puro Amor em Sua Natureza Intrínseca.
Como poderia a criatura saber se sua alma se uniu ao espírito divino dentro dela? Mui facilmente: quando não mais sentires or- gulho, ambição, vaidade, tendência para a luxúria e amor-próprio. Em compensação, teu íntimo é invadido pelo amor ao próximo e a Deus, constituindo imensa felicidade comovedora teres dividido to- dos os teus bens entre irmãos necessitados, e sentires mágoa imensa não podendo auxiliar algum pobre. Ainda mais quando Deus for tudo para ti, e o mundo com seus tesouros nada representarem para teu coração — então tua alma, completamente unida à centelha divina, terá alcançado a vida eterna e perfeita, se tornando sábia e, quando preciso, poderá fazer milagres pela vontade!
A fim de levar as almas a esta finalidade, Deus proporciona o poder milagroso de modo preponderante a certas pessoas, que já alcançaram tal evolução, para que deem testemunho aos fracos e vacilantes na fé, ensinando-lhes a razão de sua vida e a maneira pela qual devem viver e agir.
Um verdadeiro taumaturgo nunca fará milagres para extasiar os tolos ou tirar proveito monetário, senão para demonstrar ao pró- ximo o verdadeiro caminho da vida e proporcionar-lhe coragem e confiança para a luta contra as paixões mundanas, apontando ainda a verdadeira base, valor e destino da encarnação, conduzindo-o pela
via mais curta para o que Deus o convocou, isto é: a verdadeira e eterna vida e sua máxima bem-aventurança.
Indaga de ti e de teus colegas se praticastes vossos milagres com essa intenção! Sois prudentes e de modo algum maldosos; a conquista dos bens terrenos, porém, tornou-vos cegos na vossa es- fera psíquica. O mundo e sua felicidade vos representam tudo. A fim de conquistá-los é preciso, antes de mais nada, angariar a maior estima por meios adequados e convincentes. A arma nem sempre dá bom resultado, enquanto algumas feitiçarias proporcionam vis- lumbre divino, apropriado na conquista das criaturas. Basta que tais falsos milagres ainda prodigalizem benefícios materiais — embora aparentes — e a vitória estará ganha!
Vosso lema é: Como pessoas viajadas, fizemos a experiência não existir vida além da morte; por isto, convém viver-se da melhor maneira possível! Para consegui-lo, é preciso inventar-se algo que nos torne indispensáveis ao povo, através de meios aparentemente fáceis. Ele, então, fará por nós os trabalhos pesados, julgando ter prestado serviço a Deus — e nós passaremos bem. Em compen- sação, nos exibimos como representantes perpétuos dos deuses na Terra, em virtude de nosso poder milagroso! Se conseguirmos nos manter durante cinquenta anos, sem traição de algum membro, to- dos os reis e seus súditos rastejarão no pó diante de nós!
A fim de causarmos impressão, não devemos temer despesas no início; além disto, apresentar-nos como pessoas bondosas, cari- dosas e compenetradas dos deuses! Os antigos fundadores de religi- ões agiram com prudência ao prepararem o povo conforme o que- riam; nós, essênios, ricos em experiências, formaremos uma religião, que finalmente será procurada por todos os povos, inclusive seus regentes! Conhecemos a fraqueza humana e sabemos como melho- rar nossa Instituição excepcional, enriquecendo-a com tudo que seja necessário e tornando-a invulnerável para todos os inimigos!
Se, desta forma, os verdadeiros benfeitores, provindos de Deus, ainda a vós se unissem, vossa seita mistificadora realmente seria invencível, e seríeis donos de todos os tesouros do mundo.
Acontece, porém, serem eles o que foram e sempre serão: os maiores inimigos de toda falsidade e mentira, e nunca se juntarão a vós, e sim denunciar-vos-ão por toda parte, demonstrando aos povos toda organização falsária de vosso Instituto! Com isto, vossas esperanças promissoras em breve se extinguirão, perdendo seu suposto valor. Será que ainda afirmais coadunar-se vossa ação fraudulenta com a dos verdadeiros benfeitores de Deus?! Eu mesmo seria capaz de abalar vosso Instituto com uma única ação milagrosa, de sorte que ninguém mais vos pediria conselho! Acreditas-me?!”
DÚVIDASDEROKLUSQUANTOAOPODERDE RAPHAEL
Roklus: “Pode ser, caso tuas ações sejam tão poderosas quan- to tuas palavras; até hoje, porém, verifiquei sempre o contrário: Quem muito fala, pouco faz. Confesso, portanto, não me atemori- zares com teu poder ostentado! Aliás, podes procurar os pais daquela moça e relatar-lhes não ser ela a genuína e verás se te dão crédito! Serás convidado a te retirar, mas nunca hás de convencê-los, mesmo apresentando-lhes uma cópia ainda mais semelhante. A ressurreição da verdadeira, por certo, não te será possível; pois ignoras onde foi enterrada e, além disto, os vermes já terão destruído o cadáver.
Isto seria, a meu ver, o único meio de deixar os pais perplexos por algum tempo; na melhor das hipóteses, adotarão a ressuscitada como filha de criação, em virtude da grande semelhança. Deixemos, porém, esta troca de palavras e dirijamo-nos a outro assunto!
Fazes parte desta assembleia? Qual a finalidade de vossa pre- sença aqui? Acaso o Prefeito dá audiências populares, como já tem acontecido, ou trata-se duma espécie de julgamento? Pois vejo re- presentantes de todos os cantos da Terra, inclusive persas, armênios, tauros, gregos, romanos e egípcios! Não teria feito tal pergunta, por modéstia e respeito diante do idoso Cirenius; mas, como estamos palestrando cerca de duas horas, peço-te me esclareceres quanto à origem da casa, do jardim etc. Não esqueci o que me disseste a respei- to; todavia, não é possível conseguir-se isto tudo pelo poder divino
dentro da criatura. Esta força bem pode apontar os meios adequados para a realização, entretanto devem existir alhures e não surgiram da própria brisa. Vem, meu amigo, relata-me algo a respeito!”
Diz Raphael: “Um pouco de paciência, pois ainda não ter- minamos nossa discussão, e seria prematuro dizer-te o motivo que justifique tantas raças aqui presentes. Mais tarde serás informado de tudo; por enquanto, temos de resolver se sou ou não capaz de aba- lar vosso Instituto, sem ajeitar uma segunda cópia da pseudofilha! Poderia dar-te uma prova, neste momento, que faria teus cabelos ficarem em pé! Que dirias?”
ROKLUSJUSTIFICAAFUNDAÇÃODAORDEM ESSÊNIA
Diz Roklus, um tanto perplexo: “Sempre vivi dentro da lei e ignoro o que poderia me fazer arrepiar! Já que nossa Seita é um hor- ror aos olhos de Deus — cuja existência não mais posso negar de- pois que falaste comigo — deveria Ele possuir meios de evitar a cria- ção de tais instituições. Nós e nossos predecessores jamais sentimos empecilhos na fundação, e o próprio Estado, a quem fora submetido o plano, concordou e até prometeu sigilo e proteção contra qualquer perigo externo. Não houve, portanto, impedimento espiritual ou por parte do Governo em nossa organização; assim sendo, também não havia possibilidade de contrariarmos a vontade alheia; posso até mesmo enfrentar Deus de consciência tranquila e, realmente, não sei por que forma me deixarás de cabelos eriçados!
A julgar por tuas palavras, te assiste excepcional poder; talvez és o criador desse milagre e consegues ressuscitar alguém pela vonta- de e pela palavra, de acordo com o boato que corre nesta cidade re- ferente a um tal Nazareno, capaz de fazer coisas excepcionais, o que não ponho em dúvida. Dentro das criaturas habitam espíritos de grandeza diversa e facilmente pode alguém inventar algo, talvez por casualidade, que milhões não suspeitem. Eis por que nosso Instituto é tão louvável, porquanto procura pessoas assim dotadas, a fim de beneficiar a Humanidade por tais invenções.
Os essênios nunca perseguirão ou impedirão as ações de criaturas extraordinárias; pelo contrário, procuramos incentivá-las e conquistá-las para nossa Ordem, o que já conseguimos várias vezes. E toda a Congregação garante o futuro de tal homem. Eis nosso modo de pensar e agir, sem que visemos recompensa aqui ou no Além! Qual seria, pois, o juiz que teríamos de enfrentar?
Acaso és tu mesmo o mencionado Nazareno? Tanto melhor, pois teremos travado conhecimento com pessoa tão falada! Mas pa- reces mui jovem, porquanto deve ele contar seus trinta anos, pela descrição feita! Não importa se não fores célebre taumaturgo; tam- bém és dono de espírito ativo e aplicado e viajaste por muitos países, onde angariaste experiências diversas. Assim, podes ter chegado à capacidade cujo vulto desconheço. Em absoluto te invejo, tampou- co nego poderem existir verdadeiros milagres ao lado dos nossos, fictícios; pois é preciso que os falsos sejam precedidos pelos reais, do contrário não poderiam ser inventados. Contesto somente qui- séssemos por eles alcançar alguma ação maldosa. Ignorávamos que, por tais milagres falsos, é aniquilada totalmente a esfera psicomoral da criatura, o que constitui grande dano; éramos, no entanto, todos ateístas e apenas podíamos visar a felicidade terrena, porquanto não acreditávamos na vida de além-túmulo. Expus de modo dilatado os motivos que nos incentivaram à incredulidade dum Ser Supremo, e julgo estar livre diante de ti, como se foras Deus Mesmo.
Não oculto qualquer ponto negativo em minha consciência; não temo a morte, muito embora não seja amigo de dores e sofri- mentos. Repito, pois, não saber a maneira pela qual pretendas as- sustar-me! Prefiro sermos amigos e auxiliarmo-nos em tudo que seja bom e verdadeiro, sem com isto conseguirmos modificar o mundo em geral! De mais a mais, tenho vontade de afastar-me com meus colegas, pois acabo de observar alguns fariseus, cujo contato sempre procuro evitar, por serem contra qualquer progresso! Abstém-te de futuras explicações; já sei como agir para alcançar a Vida Eterna de Deus. Por ora, é só o que me interessa, e desisto até da explicação referente ao milagre, muito embora me preocupasse fundamental-
mente. Mas, todos esses fariseus, inclusive o reitor de Cesareia Phi- lippi... — não, meu amigo, prefiro afastar-me!”
Diz Raphael: “Não te preocupes; são tão pouco fariseus quanto tu! Todos que aqui se acham são inofensivos, com exceção de um, tolerado em virtude das Escrituras. Mencionaste há pouco certos boatos do célebre Nazareno; conta-me o que sabes, e eu dei- xarei de te fazer arrepiar! Está bem?”
ROKLUSFALADE JESUS
Após curta pausa, Roklus diz a Raphael: “Caríssimo e jo- vem amigo, com prazer relatarei o que ouvi de alguns comerciantes de Nazareth e Capernaum, nos quais acredito fielmente, por serem pessoas sérias. Na cidade de Nazareth, situada no Norte do Jordão, vivia um carpinteiro cuja segunda mulher lhe dera um filho, a quem chamou ‘Jesus’. Exerceu o mesmo ofício de seu pai, era calado e cal- mo; nunca discutia, nem era amigo de Vênus ou Bachus.
Suas tendências predominantes eram: simplicidade única, humildade e benevolência para com os pobres. Embora perito como carpinteiro, só aceitava pagamento reduzido, que sempre entregava aos pais. No dia em que fez trinta anos, largou as ferramentas para nunca mais trabalhar. Inquirido pelo irmãos e a mãe, respondeu de modo místico: Chegou a hora em que devo cumprir a Vontade de Meu Pai Celeste, motivo por que vim ao mundo!
Em seguida deixou a casa paterna, dirigindo-se ao pequeno deserto não longe do local onde o Jordão sai do Mar Galileu, anga- riou adeptos e ensinou o amor a Deus e ao próximo; advertiu-os do antigo fermento dos fariseus — o que muito apreciei, embora não tivesse a felicidade de conhecê-lo pessoalmente; pois um adversário dos fariseus é nosso amigo, e pode contar com nosso auxílio.
Une ele a ensinamentos tão elevados, uma vontade podero- sa e opera milagres inéditos. Consta ressuscitar qualquer indivíduo, sem recursos materiais, e apenas pela vontade expressa; não obstante soar isto incrível e fantástico, é a pura verdade!
Seus numerosos adeptos, que sempre o acompanham, to- mam-no por Deus, porquanto Este não poderia realizar coisas mais grandiosas, com todos os Seus predicados. Deixemos, porém, isto; pois um deus, conforme o projetamos de modos diversos, não deixa de ser o produto da fantasia humana, que nada de real apresenta.
Sendo essa a realidade, não vejo por que não tomá-lo por um deus, pois penso o seguinte: é o Nazareno, através de suas faculdades pessoais, o único capacitado nesta Terra, tendo encontrado o centro de sua vida emotiva pela dedicação ao próximo, cujo foco tão cari- nhosamente cuidou, alimentou e desenvolveu. Por essa verdadeira vida, que o penetra completamente, une-se ele ao poder comum da Natureza, dirigindo deste modo não só seu próprio organismo, como também toda vida orgânica, porquanto reúne em si, pelo seu modo de viver, os fios psíquicos de todos os seres, podendo com eles agir à vontade.
Anteriormente, quando ainda ateísta, havia eu feito a obser- vação da maneira pela qual o homem pode conseguir a vida eterna e a realização divina, pela descoberta do princípio da vida dentro de si; alguns já o alcançaram em tempos remotos, e outros assim farão no futuro. E eis que aparece tal homem em Nazareth, que absoluta- mente é um conto fantástico e justifica minha afirmação! Pensei nele quando me externei daquela forma e tudo daria para encontrá-lo! Tornar-me-ia um seu discípulo; considerá-lo-ia sem vacilar um deus verdadeiro, amando-o e adorando-o de toda alma, mesmo se tu me apresentasses mil Jehovahs e Zeus!
Digo mais: Todas as divindades egípcias, gregas, romanas e hindus nada são perto do Nazareno, único, que os essênios de modo algum temem, pois vários são seus discípulos, dando-nos notícias a seu respeito! Se ele aqui se encontrasse, nem mais perguntaria pelo autor do milagre, porquanto só poderia ser ele!
Um deus verdadeiro pode até criar um mundo, porque man- tém todas as forças da Natureza em suas mãos; basta algo querer, para fazê-lo surgir dentro de sua inteligência mais elevada. Archi- medes, o grande sábio e entendido nas forças naturais, afirmou:
Dai-me um ponto fixo fora da Terra, que eu a desconjuntarei! Tal expressão foi um tanto atrevida, porquanto seus gonzos não tinham força tamanha.
O Nazareno não necessita de ferramentas, basta um pensa- mento — e todo o orbe se dissolverá em átomos! De certo modo faz ele parte de nosso Instituto, isto é, da Congregação do verdadeiro e desinteressado amor ao próximo; por isso, não precisamos temer outra personalidade maior, porquanto ninguém teria coragem para desafiá-lo.
Talvez tenhas vontade para tanto, pois pretendias fazer-me arrepiar os cabelos?! Levarás vantagem se fores mais modesto, caso o encontrares; mas, talvez já o conheças!”
Diz Raphael: “Ora, essa é boa! Pois de há muito me acho a Seu serviço!”
OMILAGREDERAPHAELEXIGIDOPOR ROKLUS
Diz Roklus, rindo: “Seu paspalhão! Se até hoje nunca men- tiste, acabas de fazê-lo! Pedes que te faça um relato do Nazareno — e declaras servi-lo de há muito! Agora te convido a provares isto, senão eu te farei arrepiar, ouviste?”
Diz Raphael: “Não consegues me atemorizar e farei o que quiseres, visto tratar-se de algo razoável e possível; para tolices e loucuras não tenho poder. Externa-me o problema, que de pronto executarei!”
Lançando um olhar duvidoso para Raphael, Roklus diz: “Pois bem, meu jovem! Eis aqui uma pedra de granito de cinco li- bras. Transforma-a em ouro de igual peso!”
Diz Raphael: “Tolo, em ouro será três vezes mais pesada, por- tanto têm de ser mudadas forma e tamanho!”
Responde Roklus: “Nesse caso, transforma o peso em bene- fício do milagre!”
Replica Raphael: “Então segura-a bem, a fim de que não te caia das mãos com o peso triplicado; sentirias o súbito aumen-
to, como se o dobro caísse do ar em tuas mãos, e poderias levar uma queda!”
Protesta Roklus: “Tal acidente não me atingirá!” Afirma ele isto apenas levado por certa dúvida desta prova. Nesse momento, Raphael transforma a pedra em ouro e Roklus cai por terra com tal violência, que mal consegue erguer-se. Quando de pé, começa a se queixar da diabrura do anjo, dizendo: “Ouve, dez de tais pedras não merecem tal queda dolorosa! Não me poderias ter avisado o mo- mento preciso da transformação? Sinto tanta dor como se tivesse ca- ído duma árvore! Cura-me, para maior prova, desta dor de cabeça!”
Raphael dirige o sopro por cima de Roklus, que prontamente se restabelece, enquanto o anjo lhe manda verificar se a pedra era de ouro maciço. Chamando por seus onze companheiros, Roklus os convida para analisá-la.
OSESSÊNIOSCONJECTURAMARESPEITODE RAPHAEL
Dizem os outros: “Isto é ouro puro e o bloco deve ter valor ele- vadíssimo! E este jovem, de feições tão lindas, o realizou apenas pela vontade? Jamais seria isto possível a um mago! Trata-se dum verdadei- ro milagre, somente realizável por Deus; portanto, merece ele ser ado- rado, e devemos ofertar-lhe tudo que temos para que não se afaste!”
Declara Roklus: “Afirma ele ser apenas discípulo e servo do Nazareno, cuja pessoa se torna cada vez mais célebre e faz ressal- tar sua divindade! Assim sendo, cabe-nos somente encontrá-lo, que teremos tudo!” Em seguida, ele se dirige novamente a Raphael e diz: “Ouve, meu caro! Nossa contenda terminou; eu e meus com- panheiros te pedimos, portanto, que nos informes onde podemos encontrar o Nazareno!”
Diz Raphael: “Agora já posso adiantar-te encontrar-se Ele aqui, e ser-te-á fácil achá-Lo entre as centenas de hóspedes, em vir- tude de tua perspicácia! Se não fosses tão inteligente, já teria te de- monstrado Sua Pessoa; assim, vejo-me impedido por Ele; vai, por- tanto, à Sua procura!”
Responde Roklus: “Continuas a desafiar-me; mas, não im- porta. Meu intelecto não é de todo depreciado; e o que ele não achar, ficará por conta do coração. Por isso, não te preocupes, jovem amigo: em breve acharei o que desejo!”
ROKLUS FALA SOBRE A IMPORTÂNCIA DUMINTELECTO DESENVOLVIDO
Nisto, Raphael recomenda a Roklus guardar o bloco de ouro, pois deve considerá-lo como presente do anjo. O grego se irrita, dizendo: “Amigo, achando-me à procura da maior dádiva concedida ao homem, nem de longe cogito tocar este montão de matéria in- fecta, e podes transformá-lo no que foi! Julgas-me ávido pelo ouro, porque sou grego e essênio?! Enganas-te redondamente; primeiro, por contar com herança cem vezes maior do que o valor deste bloco; segundo, meu coração jamais se prendeu à matéria, pois se assim fizesse, nunca teria chegado a tal sagacidade de intelecto. Bem sei não ser ele suficiente na pesquisa das coisas elevadas; todavia, a com- pleta carência dificultará ao homem alcançar as verdades profundas da vida! Um intelecto bem formado é, a meu ver, caminho andado para a plenitude da Verdade Divina; portanto, de considerável valor, e não é justo tu desprezares a minha sagacidade!
Na cidade em ruínas vagueiam muitas pessoas de cujo inte- lecto não terias queixa; por que não vêm até aqui, procurar a verdade profunda da vida? Certamente também descobriram o milagre, sem contudo se impressionarem! Qual seria o assunto que despertasse o interesse dum ignorante? Nenhum, com exceção dum bom repasto; uma vez satisfeita sua fome, podes até operar milagres, que não o impressionarão. Isto só se dá com pessoa inteligente, não descansan- do até ter compreendido sua causa.
Se a situação é realmente esta, não compreendo por que des- prezas meu intelecto, com observações dúbias! Neste ponto estás errado, com todo teu poder milagroso!
À procura de Deus tenho, antes de mais nada, de pensar e depois sentir! O que poderia despertar um sentimento elevado, caso sou ignorante completo? Mandaste que eu procurasse o Nazareno através de minha sagacidade intelectual; eu assim agirei para provar-
-te ter ele, também, sua utilidade. Em suma, agradeço-te o ensina- mento do Deus Verdadeiro, conferindo-me um tesouro que montes de ouro não poderão pagar — no entanto, não me agrada tua crítica ao intelecto. Até mesmo Deus só poderia confirmar ser o intelecto, no conhecimento individual e divino, tão indispensável quanto os olhos para a visão. Sei perfeitamente existir muita coisa determinada pela Sabedoria Divina que o intelecto mais culto não consegue abar- car; sem ele, porém, o homem nada compreenderá!
Afirma-se ser a fé a visão da criatura; mas que valor terá ela sem o intelecto? Idêntica à das crianças que pretendem alcançar a Lua, julgando que seja um pão-de-ló! Que benefício teríamos nós e Deus com tal fé? Não é preferível, e mais digno do espírito humano e do Espírito de Deus, meditar-se até se compreender o que em verdade seja a Lua?
Defendo o seguinte princípio: Analisar tudo e conservar o bem e a verdade até que se receba esclarecimento melhor. Numa noite trevosa, um simples vagalume é de grande utilidade; do mes- mo modo é a Luz da alma — chamada intelecto — melhor que a superstição, isenta de qualquer base verdadeira!
No caso em que eu deva acreditar num fato verídico sem me poder certificar de sua genuinidade, porquanto me faltam intelec- to e experiências — não seria tal crença mera superstição?! De que me adianta uma verdade caso não a entenda nem possa convencer-
-me de sua fonte? Se, portanto, o homem acredita em algo, deve ao menos assimilá-lo pela razão; do contrário, mentira e verdade serão idênticas!
Se tu afirmares existir atrás dos montes uma cidade constru- ída de pedras preciosas, e seus moradores serem gigantes, acreditar-
-te-ei, caso seja tão ignorante quão tolo.
Se algum outro vier, alegando ser tudo aquilo mentira, eu, como ignorante, serei a favor do primeiro, muito embora tenha pro- ferido mentira! Poderia Deus não ligar a tal conduta?!
O Nazareno sendo um deus pleno da máxima sabedoria — o que não mais duvido, porquanto o aceitei pelo intelecto — agi- ria ele tolamente caso ensinasse às criaturas mentira e mistificação, exigindo aceitarem a Luz da Verdade e o Bem sem análise intelec- tual! Vês, portanto, não te ser possível contestar-me, mesmo por milhões de milagres; queira, pois, desistir da crítica ao meu intelecto e demonstra-me onde se acha o divino Nazareno, para que o pos- sa adorar!”
AINFLUÊNCIADOAMORSOBREO RACIOCÍNIO
Diz Raphael: “Exaltas-te sobre algo que pretendes incutir-
-me; como podes julgar ser eu adversário do raciocínio equilibrado?! Se te aconselhei deveres procurar o Nazareno pelo teu intelecto agu- çado, queria apenas apontar ser ele — ainda mesmo o mais lúcido
— insuficiente, porquanto compete à alma, isto é, ao amor, ini- ciar a procura e o conhecimento Daquele que é o mais Puro Amor em Pessoa!
Nem a Personalidade do Nazareno, ainda mesmo tu queren- do elevá-Lo a um Deus, em virtude de teu entusiasmo de mago, tem a menor importância, e sim a voz de teu coração!
Se possuísses o justo grau afetivo já O terias encontrado sem perguntar-me, pois o amor facilmente descobre o amor. Den- tro de ti ainda predomina o intelecto frio, embora equilibrado, razão por que ainda procuras Aquele, tão junto de ti! Julgas ser eu a favor da superstição tão cultivada por vós, essênios? Enga- nas-te! Se falo da insuficiência do raciocínio externo, é porque lhe deve ser acrescido — mesmo em sua esfera mais pura — um conhecimento elevado e espiritual, a fim de se poder assimilar o mais sublime. Se foi esta minha intenção, como podes alegar ser eu oponente do intelecto, e considerar apenas os ignorantes como
aptos a um conhecimento superior?! Não te apercebes a que erro tua pura razão te levou?!
Vê inventarem os homens para todas as situações importan- tes leis justas que foram sancionadas; entre elas algumas rigorosas, como, por exemplo, as leis criminais. Suponhamos que um indiví- duo qualquer infringiu a lei, em parte por desconhecê-la, e o braço da Justiça prontamente o levou diante do Juiz; se este julgá-lo apenas pela pura razão, condená-lo-á à morte pelo Código Criminal. Se, porém, o Juiz também possuir um coração cheio de amor, ele fará a seguinte objeção ao intelecto: A Lei criada, talvez por tendência tirânica, não pode ser aplicada neste caso, porquanto deve ser consi- derada a evidente ignorância do infrator.
Pois se alguém se atira sobre um outro a fim de matá-lo ou, no mínimo, feri-lo brutalmente, merece ser castigado pela evidente maldade! A queda, no entanto, se dando por descuido, e mesmo assim provocando a morte dum transeunte, o causador é inocente, e cabe ao juiz discernir o móvel pelo qual alguém se torna criminoso!
Um estrangeiro, desconhecendo nosso idioma e as leis vigen- tes, pode facilmente infringi-las, e compete a nós orientá-lo através dum intérprete. Só depois de as ter transgredido será sujeito à puni- ção; não é justo alegar-se estar alguém sujeito à punição apenas por desconhecimento das Leis do país, pois não é possível respeitar-se aquilo que se desconhece. Qual dos dois juízes terá, a teu ver, agido com justiça: o primeiro, agindo pela letra e com o raciocínio frio; ou o segundo, que no coração apiedou-se do infrator, demonstrando as deficiências da lei?”
Diz Roklus: “Evidentemente o segundo!” Acrescenta Rapha- el: “Bem! Qual foi o móvel que elevou sua compreensão e intelecto?” Responde Roklus: “O amor, que despertou a misericórdia para com o outro! Não quis condená-lo e assim, analisando melhor, chegou a certas conclusões favoráveis ao criminoso!”
Diz Raphael: “Muito bem! Deduzimos, portanto, que um intelecto desenvolvido por conhecimento e experiência em todas as circunstâncias só recebe a justa sagacidade quando aquecido pelo
amor, cuja chama o iluminará mais e mais! Ainda me consideras adversário do raciocínio, apenas por ter despertado tua atenção à carência de certa agudez de teu intelecto? Compete-te aumentá-la pelo justo amor Àquele que procuras só agora, pois nunca o fizeste, conforme afirmas!”
RAPHAEL REVELA OS PENSAMENTOS DE ROKLUS QUANTO AO SENHOR
(Raphael): “Ouviste realmente certas coisas do célebre Naza- reno, que julgavas incríveis, e tinhas vontade de encontrá-Lo, caso isto fosse fácil. Nunca, porém, foste à Sua procura, pois pretendias ouvir notícias pelos confrades, que por vós foram enviados. Estes, todavia, tornaram-se Seus adeptos, sem mais se comunicarem con- vosco, o que vos atemorizou e aumentou a curiosidade de conhecer- des pessoalmente o Nazareno.
Tal inclinação ainda não é amor, e podes confessar se não é comparável àquilo que leva o vencido a entregar-se ao vencedor, por mera fraqueza e com atitude amável, a fim de que o outro não venha a desafiá-lo novamente! No fundo, temes o Nazareno e simulas o desejo dum contato com Ele, enquanto dizes no teu íntimo: Que calamidade! Precisamente agora, que nosso Instituto se acha bem equipado, aparece este homem! Opera milagres que em breve trairão e reduzirão nossos feitos! Convém, no entanto, manter as aparências e evitar que se torne nosso inimigo invencível. Nem de longe po- deremos manifestar malquerença, e sim tratá-lo com amabilidade, para que nos deixe em paz!
Eis tuas conjecturas, que não poderás contrapor, a não ser que pretendas declará-las puras invencionices; em tal caso, me obrigarias a apresentar-te certos documentos por ti escritos e de conteúdo obsce- no, que provocaria escândalo neste meio e poderia eriçar teus cabelos bastante grisalhos! Acaso não tinha eu razão quando te disse que po- dias procurar o Nazareno pelo intelecto aguçado, para veres o êxito?”
Diz Roklus, perplexo: “Caro amigo, já te sendo possível ana- lisares os meus sentimentos mais íntimos, inútil prosseguirmos nos- sa controvérsia, e sou obrigado a me ajoelhar a teus pés, pedindo que me perdoes tudo que proferi!”
Diz Raphael: “Era preciso que assim falasses, para poderes ser encaminhado ao Nazareno! Segue-me, pois!”
Excessivamente encabulado, Roklus diz: “Tal seria muito bom e sublime, pois contém — como direi — uma dignidade e honra elevadíssimas a pessoa ser apresentada ao homem mais pode- roso de toda a Terra! Se, além disto, ele ainda possuir a capacidade de penetração psíquica pela qual poderia relatar, por exemplo, toda minha vida passada, tal conhecimento deixa de ser agradável! Prefi- ro fugir, a continuar aqui! Além disto, a noite está se aproximando e temos ainda vários assuntos a liquidar em casa — por isto, me perdoarás rejeitar eu teu convite. Se, contudo, prevês um benefício para nós, claro é que não nos oporemos; falando com sinceridade, acho desagradável enfrentar uma potência tão elevada, pois destaca minha nulidade de modo doloroso!”
Diz Raphael: “Se não O conhecerdes, tereis perdido a Vida Eterna de vossa alma! Aliás, tu mesmo afirmaste: bastaria receberes o Nazareno, para tudo possuíres! Tens agora esta oportunidade — mas só até a aurora, quando Se despedirá irrevogavelmente! Só Ele sabe para onde vai; por isto, não percas tempo!”
Diz Roklus: “Pois bem, leva-me até lá, porquanto não nos custará a vida!”
Diz Raphael: “Dar-vos-á a Vida verdadeira, sem vos afetar a atual, fictícia! Vem, pois!”
ANATUREZADO AMOR
Eis que Roklus resolve deixar-se levar por Raphael para junto de Mim. Como Eu esteja ainda à mesa, falando com Cirenius sobre medidas de Governo, Roklus para a uns dez passos e diz: “Pretendes
conduzir-me ao Prefeito, com quem já terminei o assunto?! Por cer- to não será ele o Nazareno?!”
Diz Raphael: “Claro que não; mas seu vizinho à direita e de aspecto simples! Achega-te a Ele!”
Aduz o grego: “Como não — mas que direi e como o tratarei?”
Admira-se Raphael: “Não vejo dificuldade, provido que és de tão vasta cultura! Vai e dize: Senhor e Mestre, eis aqui um faminto e sedento, sacia sua alma! — e receberás resposta apropriada!”
Roklus assim faz com forte receio, enquanto Eu Me viro com olhar amável, dizendo: “Amigo, o trajeto de Tyro a Sidon, de lá até Cesareia Philippi e até aqui, é evidentemente mais curto do que daqui à Índia, onde os sihinitas edificaram uma poderosa muralha acima dos montes mais elevados! Lá procuraste a Verdade; mas, se a tivesses encontrado, não teria sido possível reconhecê-la! E mesmo assim fazendo, ela não seria do teu agrado; pois quando a Verdade não se une ao amor, assemelha-se à luz nórdica: se bem que ilumine a Terra, não a frutifica, permanecendo tudo inerte por falta de calor!
Um juiz também procura a verdade; o criminoso é forçado, por todos os meios, à confissão e as testemunhas fazem juramento rigoroso. Finalmente, estabelece-se a verdade; mas, em benefício de quem? Como se trata duma verdade sem amor — uma luz isenta de calor — sua finalidade visa a morte! O mesmo também fizeste: encontraste tal verdade — mas não para tua vivificação, senão para a morte do espírito, ou seja: o amor no teu coração!
O espírito oprimido pela massa da verdade inerte e material te fez perder toda e qualquer noção da Existência de Deus, porquan- to Deus, em sua Natureza, é puro Amor, só podendo ser compreen- dido pelo próprio amor!
Pressentias vagamente ser o amor o elemento básico de todos os seres e coisas; no seu todo, porém, não o conhecias, porquanto teu sentimento e os sentidos psíquicos nunca por ele foram tocados.
Teu conhecimento quanto ao amor era idêntico ao que tinhas das estrelas: se bem que brilham, não produzem calor
e te é impossível saber, pelo intelecto, se sua luz talvez prove- nha do fogo.
Quanto ao Sol, não alimentas dúvidas, porque sentes seu calor, presumindo ser ele um fogo incalculavelmente poderoso, pois, desconhecendo tamanho e distância, pode aquecer a Terra.
Da Lua afirmas o contrário, porque não transmite quentura alguma; dos astros, não tens opinião formada, em virtude de teres apenas noção de sua luz fraca e nunca foste convidado a refletir so- bre a causa da mesma, e se se trata de corpos cósmicos ou apenas de pontos luminosos, sem calor e peso.
A fim de se conseguir uma noção de qualquer objeto, preci- so é meditar a respeito, e mesmo isto só é possível quando se lhe dá valor — que sempre depende do amor que se dedica.”
OPODERDOCONHECIMENTOPROVINDODOAMOR.DEFICIÊNCIADERACIOCÍNIOE INTELECTO
(O Senhor): “O amor é a consequência do impulso da vida interior, desperta por fator qualquer. A vida intrínseca é amor, um fogo cheio de vibração. Quando este fogo for alimentado pela in- fluência de algo que também impulsiona — qual fogo material pelo acréscimo de lenha — começa a projetar mais vibração e estímulo pelo objetivo. As chamas se tornam mais densas, sua luz mais forte, e a alma recebe vasto esclarecimento sobre assunto desconhecido. Desta forma, aumenta a afeição para o assunto, e a criatura não desistirá até que conheça a fundo o seu real valor. Isto só é possível quando o amor se torna mais intenso.
Se a alma não é estimulada por alguma coisa, permanece fria e não se preocupa por assunto, por mais interessante que seja — as- sim como a chama não atinge a lenha distante.
É, pois, preciso que o homem seja incentivado por algo, a fim de formular pensamentos mais vivos. Pela verdade fria, idêntica ao brilho dos astros longínquos, nunca será possível avivar-se a alma, porquanto seu calor interno não recebe acréscimo, senão diminuição.
Até hoje procuraste tudo pelo raciocínio frio, e o móvel foi teu intelecto frio, da mesma forma que nada aceitava que não fosse assimilável pelos sentidos.
Procuraste Deus de cartilha na mão, e te empenhaste por en- contrar a letra Asem, ao menos, achar as linhas básicas. Nas gélidas regiões do Norte foste à procura de plantas, sem algo encontrares, não obstante a claridade da neve te cegasse. Refiro-me ao teu inte- lecto e raciocínio de julgamento frios, incapazes duma percepção espiritual, pois sendo de fundo material, não podem ser estimulados pelo espírito.
Deparaste vários fenômenos, como por exemplo a repetição de formas em a Natureza criadora, projetando a consolidação per- manente duma potência consciente e de inteligência elevada, que podendo em tudo penetrar, faz surgir formas similares das forças primitivas. Consideravas Terra, Lua, Sol e estrelas como templos ha- bitados por magos invisíveis. A própria Índia proporcionou-te apa- rente confirmação, dando motivo para te tornares inventor duma câmara mágica em Esseia.
Como agias apenas pelo intelecto frio e nunca deixaste des- pertar tua alma, não encontraste a base da vida, muito embora dela te tivesses aproximado consideravelmente — enterrando-te na ma- téria fria e morta, onde procuravas tua salvação e a da Humanidade!
Teu plano progrediu por certo tempo; pois foste e ainda és chefe daquele Instituto, apropriado para afundar os leigos na supers- tição trevosa, e os cultos, no pior materialismo. Já destruíste vários templos pagãos, sem no entanto repor coisa melhor. Dentro de ti estava a morte, e a aceitavas como hóspede agradável, pois o não ser era por ti considerado acima de qualquer grandeza vital.
Por que se deu tudo isto contigo? Porque nunca fizeste surgir a centelha do amor em teu coração! Não incendiaste teu fogo de vida, nem sequer para uma chama medíocre! Se já nem ativaste as bases externas de teu coração, como poderias estimular as internas e muito menos as intrínsecas do sentimento espiritual, onde todo o coração começa a pulsar na chama da Vida Verdadeira, iluminan-
do tua consciência num conhecimento claro de ti mesmo e daí — de Deus?!”
OAMORESUALUZDE CONHECIMENTO
(O Senhor): “Certamente já deduziste não ser possível ao homem assimilar qualquer noção espiritual através da pura razão e do intelecto mais apurado. Não pode compreender a vida e sua finalidade principal, pois a razão e o intelecto se baseiam no cérebro e no sangue, que o mantém numa certa tensão ativa, facultando ao cérebro assimilar impressões e quadros do mundo natural, compará-
-los pela forma e efeito e, finalmente, formar uma série de deduções.
Tudo isto são reflexos da matéria, onde os sentidos cerebrais jamais encontrarão algo espiritual. Como a vida só pode ser de origem espiritual, compreende-se ser apenas assimilada pelo espí- rito. Devem, pois, existir no homem ainda outros sentidos, pelos quais consegue sentir, vislumbrar e compreender gradativamente o elemento espiritual da vida em todas as suas profundezas, ligações e relações.
Quais são esses sentidos internos? Ouve: na realidade só exis- te um único, chamado ‘amor’, que habita no coração. Deve ele, an- tes de mais nada, ser fortificado, desenvolvido e purificado, e tudo que a criatura faz, deseja, pensa e julga deve ser iluminado pela chama quente da vida, provinda do fogo do puro amor, a fim de que despertem todos os espíritos na aurora do Dia da Vida, dentro do coração.
Quando todos os espíritos despertarem em pensamentos, pa- lavras, ações e obras, de pronto começam a se manifestar, e a criatura plena da luz interior facilmente os percebe, porquanto desde o início se apresentam por formas diversas. Tais formas não são ocasionais e ocas, pois correspondem a qualquer atividade espiritual e visível, da esfera da Ordem Divina.
Tudo isto não é facultado ao homem pelo intelecto ou racio- cínio fúteis, senão somente pela visão flamejante da vida espiritual,
ou seja: seu amor. Por isto, podes aceitar como norma inabalável não poder o intelecto externo assimilar e perceber o que se acha dentro da criatura, pois isto cabe apenas ao seu espírito. Assim sendo, nin- guém consegue conhecer a Deus, a não ser o Espírito Divino des- perto e plenamente ativo no coração, que, idêntico a Deus Mesmo, é o puro amor e um eterno Dia de Graça.
Esta parte mais nobre em teu coração nunca foi por ti cui- dada, tampouco tinhas uma ideia de seu valor; portanto, é compre- ensível teres te tornado ateísta, e não obstante teu empenho, jamais descobriste a Divindade Eterna, que tudo cria, penetra e conserva! Não será, portanto, fácil reconheceres a fundo Deus em Sua Na- tureza Verdadeira e Sua Ordem, por teres endurecido teu cérebro com toda sorte de impressões. Seria preciso fazer surgir um fogo poderoso de amor no teu coração, renunciar à Ordem essênia, e te humilhares em todas as situações e relações da vida, tornando-te um homem totalmente novo; pois todas as tuas teorias e princípios são, em face da Verdade íntima e única, errôneos e fictícios, de sorte a jamais poderes penetrar senão no átrio de tua vida espiritual!
Todavia, nada se perdeu e ainda poderias alcançar coisas grandiosas; mas seria preciso quereres, de livre e espontânea von- tade, tornar-te outro e cooperar, pela convicção íntima, na disso- lução de vosso Instituto, do contrário ser-te-á impossível alcançar a verdadeira vida do espírito. A vida verdadeira no homem é a mais sublime Verdade, onde terás de ingressar; nunca, porém, poderá progredir pela prática da mentira, e ser alimentada pela mistificação mais grosseira.
Cada passo teu deverá ser acompanhado da Verdade mais pura no pensar, querer, falar e agir, se é que tua vida íntima se deva tornar Verdade luminosa; se tal não se der — do Alpha ao Ômega
— teu centro vital é plena mentira!
Sabes agora a quantas andam teu intelecto e raciocínio. De- pende de ti, se queres atingir a vida ou a morte eterna! Sou Quem Sou! Posso proporcionar-te a Vida Eterna, mas também deixar-te na morte sem fim! Disto que acabo de falar, nem uma vírgula será
modificada! Esta Terra e o Céu visível se desvanecerão na forma e natureza — Minhas Palavras, jamais! Faze o que te agradar; perma- necerei aqui por algum tempo!”
ROKLUSESEUSCOMPANHEIROS CONJECTURAM
Roklus e seus companheiros não sabem o que responder; fi- nalmente, ele lhes diz: “Já esperava por esta, quando o jovem me in- dicou o Nazareno: quer por força a desintegração de nosso Instituto humanitário, pois parece incomodá-lo sobremaneira! Todavia, não nos assustará com todas as suas frases teosóficas! Tenho a impressão de conterem elas verdades inconfundíveis; nosso Claustro, porém, ele não conseguirá desmembrar por pouco! Não quero prescrever-
-vos quaisquer medidas; sois, tanto quanto eu, senhores!”
Diz um outro, chegado há pouco de Cesareia Philippi: “Ami- go Roklus, assisti, de alma atenta, às negociações desde o começo; observei tudo que se passou e devo confessar serem tuas afirmações injustas e podia se enlouquecer diante de tua cegueira! Falas de um modo, e pensas de outro! Perante o jovem, enaltecias o célebre Naza- reno, enquanto o consideras um mago da escola mais antiga e oculta do Egito! Sabemos perfeitamente em que pé se acham todos os ma- gos e oráculos! Reflete um pouco se conheces um meio de se trans- formar uma pedra de granito em ouro puro! Apenas este milagre susta todos os nossos efeitos, baseados em mistificações! Além disto, o que se deu com este terreno arenoso: há quatro horas atrás era um deserto, e agora? Acaso seria possível realizar isto pela feitiçaria? Se, no futuro, quisermos enfrentar este Homem-deus, temos de obede- cer em tudo que nos propôs com tanta amabilidade! Não faço parte de vosso Conselho Secreto e aqui cheguei há pouco; posso, porém, afiançar-vos estarmos perdidos com nosso Instituto mistificador, e seria tolice usar de teimosia contra o Nazareno!
Além disto, somos testemunhas de que todos os dignitários de Roma são seus amigos; basta ele dizer: Arrasai aquele Claustro! — e estaremos perdidos! Além disto, foi tudo suposição maldosa atri-
buir ao Nazareno querer a dissolução de nossa Seita, por considerá-
-la um empecilho à sua causa. Isto é sumamente ridículo! Digo-vos a todos: Tampouco podemos perturbar a Lua em seu trâmite através duma forte gritaria, como nosso Claustro obstar os caminhos deste homem divino! Basta apenas querer — e todos os nossos apetrechos de feitiçaria, as catacumbas e outras construções se desvanecerão! E depois? Urge, portanto, mudarmos de rumo!
Vai e dize-lhe sinceramente que todos estamos de acordo com seu conselho! Nada perderemos nesta troca, caso organizemos o Instituto a seu gosto; assim ele será o senhor e mestre, e nós, seus discípulos. Concordais?”
Responde a maioria: “Perfeitamente, basta ele nos aceitar!” Diz o último orador, chamado Ruban: “Sua expressão, extremamen- te bondosa, nos garante isso! Que te parece, Roklus?”
RUBANDEFENDEO SENHOR
Diz Roklus: “Sim, tens razão! Mas se ele somente o fizer sob condição de revelarmos nossas fraudes ao povo e indenizarmos os danos por ele sofridos?! Quem entre vós tiver vontade de se deixar estraçalhar pela multidão, poderá fazê-lo; eu, por mim, não sinto coragem para tanto! Contudo, falarei com ele mais uma vez para sondar o terreno!”
Diz Ruban: “Certamente não fará tal exigência; pois sabe, melhor do que nós, que tudo tem de ser feito de modo natural. Se aplicamos meios drásticos em nosso Instituto, não quer dizer que ele faça o mesmo! Vai e faze abertamente o que acabo de te aconselhar!”
Responde Roklus: “Fá-lo-ei porque eu assim quero, e não por sugestão vossa!”
Replica Ruban: “Não vem ao caso o móvel de tua ação, quando esta for justa! Usas ainda a mesma empáfia orgulhosa como primeiro diretor e organizador das relações exteriores do Instituto, alegando a todos que os conselhos recebidos já tinham passado por
tua cabeça, e que tais ideias irias pôr em prática por determinação própria! Duvido que o Nazareno fique satisfeito com tal atitude; pois parece inimigo do menor vestígio de orgulho. Nunca me van- gloriei de minha inteligência; todavia, tenho o dom da intuição, que me faculta a percepção da índole do próximo.
Assim, presumo conhecer a vontade do Nazareno: dá pre- ferência à humildade, único meio a nos proporcionar o amor e a verdade plena. Nosso ponto de partida é precisamente inverso, pois cada olhar, passo, palavra e ação dirigidos ao semelhante, nada mais são que fraude e mentira dentro da organização essênia, que afirma dever todo mundo ser enganado porque assim o quer.
Tal, porém, não é o lema do Nazareno, pois certamente afir- mará: Acima de tudo estão a Verdade pura e perfeita, e sua justiça! Por isto, tem cuidado! Estás diante dum juiz cuja visão abrange os teus mais íntimos pensamentos!”
Diz Roklus: “Já que és tão entendido, vai em meu lugar e combina tudo com o Nazareno, pois não é possível nadar-se contra maré tão forte! Vai, que te serei grato!”
Diz Ruban: “Por que não? Se todos vós me autorizais, de- sincumbir-me-ei de tal tarefa com prazer maior, do que continuar sendo reles mistificador!”
Concordam todos: “Tudo que ajustares com o Nazareno será de nosso agrado; Roklus é bom dirigente e político. As esferas da Verdade, porém, nunca foram de seu feitio e poderia prejudicar ao invés de nos beneficiar!”
RUBANDIANTEDO SENHOR
Desta forma, autorizado, Ruban se aproxima de Mim e diz: “Senhor e Mestre pleno do Poder Divino! Como Roklus não se atreveu a Te falar, por motivos que certamente não desconheces, meus confrades me pediram resolver tudo Contigo, quanto ao nos- so deplorável Instituto. Tudo será feito conforme determinares e, se possível, pretendemos entregar-Te o mesmo, para nos tornarmos
Teus discípulos! Caso queiras sua completa dissolução, também nos submeteremos!”
Digo Eu: “És uma alma honesta, razão por que tua casa foi protegida contra o fogo! Vê, se Eu quisesse a desintegração de vosso Instituto, poderia fazer o mesmo que faço com aquela rocha no mar, onde tantos navios soçobraram! Vês a rocha?”
Responde Ruban: “Sim e conheço-a bem, pois quase me aci- dentou certa vez!”
Declaro Eu: “Que desapareça, para não mais causar perigo aos navegantes!” No mesmo instante, a rocha — cujo peso era de aproximadamente dez mil toneladas — é de tal forma dissolvida até o fundo do mar, de modo a não deixar o menor vestígio na água, de uma possível turvação. Notava-se naquele lugar uma forte agitação das ondas, porquanto a água era atraída ao imenso vácuo surgido.
Excessivamente assustado, Ruban diz com voz trêmula: “És tal qual eu falei a Roklus; não existe magia, senão a pura Verdade! O que acabas de fazer à maldita rocha, poderias repetir com a própria Terra! Por isto, digo apenas: Senhor e Mestre, Tua Vontade se faça! Não és simples homem — o Espírito Divino habita em Ti! Sê, pois, misericordioso para com todos nós, pobres pecadores! Mas, que fa- remos com nossa instituição fraudulenta?”
CONSELHODOSENHORAOS ESSÊNIOS
Digo Eu: “Deveis completá-la pelo Amor e a Verdade, crer em Meu Nome e seguir Minha Doutrina! Assim agindo, sereis úteis ao mundo; quanto aos instrumentos de magia, têm de ser excluídos. Elec- tróforos e outros aparelhos semelhantes, de aplicação natural, podem ser usados equilibradamente e deveis ensinar ao povo sua natureza, efeito e construção, onde podereis proporcionar grandes benefícios!
Jamais considerai o critério mundano; o mundo é e será mal- doso, e a mentira, a mistificação e o orgulho são seus elementos básicos! Afirmo-vos serdes capazes de demover montanhas e efetuar coisas mais grandiosas do que Eu, em Meu Nome; nunca, porém,
deve se manifestar a ideia de terdes agido pela própria vontade e força. Isto não existe neste mundo! Somente pelo poder do Espírito de Deus podereis fazer tudo que redunda em benefício de outrem!
Uma alma verdadeiramente devota será dotada de toda força, enquanto não se exceder; no momento em que aceitar por isto hon- ra ou lucro por egoísmo, terá perdido a faculdade de origem divina! Nada vos seja tão desprezível como a fortuna e seus adoradores; pois não existe criatura pior em todo orbe do que aquela que, na ânsia pelos lucros monetários, aplica a cobiça e avareza. Terá, deste modo, amaldiçoado o amor e toda verdade do coração, provinda de Deus.
Se tais pessoas vos procurarem, apontai-lhes a porta, de- monstrando não ser possível atirar-se o Verbo e o Poder Divinos como alimento de porcos! Não deveis maldizê-los e detestá-los — pois toda ira e vingança não merecem o Espírito de Deus; receberão suficiente castigo por lhes negardes vossa amizade!
Não atentais aos que vos procurem em virtude duma des- graça financeira; pois o socorro não melhorará seu coração — pelo contrário: serão ainda mais precavidos e cuidadosos, em benefício de seu dinheiro. Em compensação, sereis ridicularizados e vosso auxílio será classificado de simples bazófia! Isto não pode ser; pois a Força Divina, em vós, só deve ser conferida por palavras e ações a quem isto merece, pela humildade do coração!
A fim de que saibais como agir futuramente em Meu Nome, procurai aquele jovem, que vos entregará um livro que tudo isto contém! Transmite a Roklus que Me procure, porquanto muito te- nho que lhe dizer!”
Quando Ruban lhe dá Meu recado, Roklus não expressa sa- tisfação, no entanto se aproxima com profundo respeito. Fitando-
-o com amabilidade, digo-lhe: “Então, Meu amigo, que pensas de Mim? Que teria descoberto teu intelecto aguçado em Minha Pessoa, e o que sente teu coração? Anteriormente, quando ainda Me procu- ravas, confessaste ao jovem ser Eu Deus Verdadeiro e que Me amavas sem conhecer-Me e sentias o desejo vivo de ajoelhar-te diante de Mim, para adorar-Me como Divindade Única!
Agora Me conheces e não duvidarás ser Eu o célebre Naza- reno, conforme te expressaste! Ainda não dobraste teus joelhos — coisa que jamais exigiria — e teu coração parece sentir pouco afeto por Mim! Por que, sendo amigo da Verdade, falaste algo que não lhe corresponda?”
ROKLUSPROCURAJUSTIFICARSUA FALSIDADE
Diz Roklus: “Nobre Senhor! Enquanto não podia acreditar em Deus, minha atitude foi idêntica àquela que motivou a Histó- ria da Humanidade e se chama: política. Exige ela que não se deve externar as ideias mais íntimas a pessoa desconhecida. O móvel des- ta precaução nem sempre é maldade; todavia, convém ocultar-se a Verdade pura, porquanto a experiência já provou ser seu efeito mais prejudicial que benéfico.
Antes de se orientar alguém em todo conhecimento, preciso é conhecê-lo a fundo, por vias indiretas; do contrário, não é possível saber-se em que ponto é acessível à Verdade. Pois não existe criatu- ra amiga da verdade plena, principalmente no que diz respeito ao próprio ‘eu’! Prefere uma atitude dúbia, razão por que retive minha índole verdadeira perante o jovem. Além disto, é fato conhecido se- rem as crianças levadas à verdade através de inverdades, por medida de prudência dos pais; pois se lhes fossem relatar o conhecimento integral, surgiria uma educação imoral.
Confesso que me apresentei ao jovem diferente do que sou; como não tive intenção de prejudicá-lo, creio não ter pecado. Se, po- rém, errei, os genitores também pecam quando afirmam aos filhos que, nas montanhas, existem certas árvores que produzem crianças pequeninas. Certas pessoas as colhiam para vendê-las no mundo. Às vezes, até vinham nadando em rios e riachos, onde também eram apanhadas.
Eis u’a mentira vergonhosa e tola; os pais certamente visam apenas preservar os pequeninos de pensamentos impudicos e condu- zi-los à maturidade de corpo e alma sadios. Por isso, sou de opinião
que a mentira sem maldade, e visando somente o bem do próximo, é antes virtude do que pecado!
No fundo é nossa Instituição cheia de mentira e fraude, toda- via não lhe ligamos intenção má e dominadora, no que diz respeito aos nossos conhecimentos. O que se der, talvez, no futuro escapa à nossa percepção e não podemos afiançar se nossos descendentes serão tão benévolos quanto nós.
Penso até que todos os organizadores de religiões, que se ba- seavam na moral do povo, sempre foram levados pela melhor inten- ção; os seguidores, mormente os não convocados para tal fim, os sacerdotes por autocriação, começaram a explicar as teses não com- preendidas de modo errôneo, adicionando seus próprios princípios, que muito prejudicaram a multidão! Basta para tanto analisarmos os relatos dos Templos de Jerusalém e de Roma, e teremos provas concludentes da deturpação das Leis de Moysés e da sabedoria do antigo Egito! Não quero me tornar mau profeta; no entanto, atrevo-
-me a afirmar que tua doutrina divina e pura, cujos pontos básicos o jovem soube tão rapidamente transmitir aos meus colegas, dentro de poucos séculos terá mudado de feição!
Teus adeptos serão adestrados na sua divulgação; não lhes sendo possível viajar pelo mundo afora, designarão outros para tal fim, com que terão deitado raízes para o sacerdócio e a superstição.
Por que deveria nosso Instituto ser uma exceção? Enquanto as criaturas tiverem um Deus Verdadeiro para guia espiritual, per- manecerão dentro da ordem; mal sejam postas à prova do livre arbí- trio, adorarão o bezerro de ouro como fizeram os israelitas, quando Moysés subiu ao Sinai a fim de receber as Leis do Altíssimo.”
OSACERDÓCIOCOMOMAIOREMPECILHONA DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA
(Roklus): “Tu, como Profeta mais perfeito e pleno de todos os espíritos divinos, dotado de força e poder inéditos, certamente já prevês tal fato! Mas que fazer? Enquanto as criaturas forem pos-
suidoras do livre arbítrio, permanecerão em sua índole, organizan- do suas condições de vida de acordo com o clima; isto deparamos quanto mais nos distanciamos da pátria, o que notei em minhas viagens. Quais não serão as minhas experiências futuras, depois de ter recebido tua orientação?!
É justo não existir treva tão densa, que não fosse possível dissipar por uma luz correspondente. Se isto também consegue a luz espiritual — eis outra questão! Minha cegueira nesse ponto foi considerável, e o jovem conseguiu dispersá-la em poucas palavras; todavia, enfrentou ele em mim pessoa orientada em várias noções e experiências.
Basta, porém, imaginarmos um povo enterrado na pior su- perstição! Não haverá explicação espiritual e é até mesmo um mila- gre evidente que consigam produzir alguma luz em sua alma! Ficará ainda mais revoltado contra qualquer orientação, declarando-se ini- migo do conhecimento elevado. Ao dirigirmos nossa atenção para o Templo de Jerusalém, avistaremos uma ignorância espiritual tão pronunciada na organização farisaica, que nos poderia tontear! Ex- perimenta orientá-la conforme o jovem agiu comigo, e em breve serás morto!
O que não foi por aqueles servos das trevas empreendido contra nossa organização! Se nossa proteção não fosse integral, de há muito não mais existiríamos! Se hoje aparecessem Moysés e Aaron para difundirem a Verdade, seriam presos e apedrejados; ou então obrigados a tomarem a água maldita, isto é: a genuína! Possuem duas qualidades: uma venenosa e outra inofensiva. Caso pretendam castigar aparentemente alguém, porquanto não é do interesse do Templo que seja aniquilado o infrator, dão-lhe de beber a maldita água fictícia. Em caso contrário, é a pessoa obrigada a saciar sua sede por toda eternidade. Tal fato é tão conhecido a não causar admira- ção; pergunto apenas de que modo a luz da verdade poderia clarear tal treva farisaica!
O mesmo ocorre em toda parte onde existe qualquer sacer- dócio. Basta as criaturas aceitarem um conhecimento que lhes traga
benefício, o sacerdócio se oporá por todos os meios, porquanto não poderá reconhecer o Bem através do orgulho e da presunção. En- quanto ele for tolerado por Deus e o Governo, nada se conseguirá com a luz espiritual. Eis por que opino que se arrase tudo que se assemelhe ao sacerdócio, para depois fazer surgir o Sol do Espírito sobre todos os povos; do contrário, é abafada toda semente antes que consiga deitar raízes no solo da vida.
Reconheço em ti, nobre Mestre, a Onipotência Divina, sem a qual não poderias efetuar obras somente possíveis a Deus, por- quanto Nele se concretizam as inúmeras inteligências específicas, como ponto de origem eterna, donde tudo surgiu. Desta forma, também te asseguro honrar-te e amar-te, fato que vislumbrarás pelos olhos do espírito em meu coração e cérebro, de modo mais evidente que aquele jovem.
Digo-te, sem rodeios, que todo teu esforço e sacrifício serão baldados, enquanto houver na Terra vestígio de sacerdotes! Nin- guém melhor do que eu conhece os fariseus, porque muito lutei com eles na defesa de nosso Instituto. Nada podem fazer contra nós, não obstante toda sua revolta; nossas muralhas são mais fortes que as do Templo; os enfermos de todos os recantos procuram salvação conosco, que lhes proporcionamos saúde por meios reais, enquanto que os templários pretendem curá-los através de parábolas, sinais místicos e relíquias, sem produzirem efeito. Eis minha confissão in- tegral, Senhor e Mestre. Faze o que te agradar — somente não liqui- des nossa Organização antes do Templo de Jerusalém! Eis meu único pedido; no mais, preferiríamos que tu te tornasses nosso maioral e dirigente!”
OVERDADEIROCAMINHODA VIDA
Digo Eu: “Possuís Minha Doutrina; se agirdes dentro Dela, serei vosso Mestre e Superior! Não necessitais de Minha Pessoa den- tro do Claustro, senão de Minha Palavra e Meu Nome — não ape- nas escrito e pronunciado com indiferença, mas pela ação cheia de
fé e amor para com Deus e o próximo. Eu estarei entre vós e tudo que fizerdes em Meu Nome far-se-á, e ainda coisas mais grandiosas do que Eu.
Tudo que faço diante de vós é um testemunho de Minha Pes- soa, para reconhecerdes que Sou, desde Eternidades, o Mesmo Envia- do pelo Pai, de acordo com as profecias de todos os sábios e patriarcas.
Ireis testemunhar de Mim perante todas as criaturas cegas e surdas, no que necessitais mais do que Eu! Vossas obras mistificado- ras têm de ser excluídas do Instituto; pois todo embuste é mais ou menos sugestão de Satanás e nunca alcançará um efeito verdadeira- mente bom! Enquanto se lançar mão dum meio enganoso dentro duma organização humanitária, não pode ser realizado um milagre em Meu Nome. Se quiserdes agir em Meu Nome, Eu terei de Me encontrar em vós em plena Verdade, pelo amor e a fé viva. Em tal caso, podereis dizer àquela montanha: Atira-te no mar! — e vos- sa vontade será executada! Guardai bem: Sem Mim, nada podereis fazer! Ficarei para sempre convosco, enquanto conservardes Meu Verbo, Meu Amor e a Fé Verdadeira em Mim, caminhando sem falsidade em vossa alma! Compreendeste?”
Diz Roklus: “Não inteiramente, pois falaste algo da influên- cia de Satanás, o mesmo espírito do mal e da perdição aceito pela religião judaica. Sempre tomei isto por alegoria e me admiro teres pronunciado este nome! Considero-te o homem mais sábio deste mundo, e seres portador principal do Espírito Divino; e agora me vens com tal fábula judaica de Satanás e, quiçá, do inferno?! Acaso existe tal coisa?!”
ANATUREZADESATANÁSEDA MATÉRIA
Digo Eu: “A maneira pela qual devem ser interpretados tais assuntos, encontrarás no Livro que o jovem te fez entregar por Ru- ban; além disto, acharás explicação no confronto de espírito e ma- téria, vida e morte, amor e ódio, verdade e mentira, que têm base original, do contrário não poderiam se tornar evidentes.
Se o mal não tivesse origem, como poderia manifestar-se no homem?! Hás de perceber — através de tua inteligência — não ser possível responsabilizar-se Deus de tais extremos! Ou julgas que Deus, a mais pura e elevada Verdade, tenha deitado a tendência da mentira no coração da criatura, a fim de que venha pecar contra a Ordem Divina e se tornar obscena em palavras e ações? Deus criou o homem espiritualmente como Sua Imagem, isto é: puro, verda- deiro e bom.
Uma vez que o espírito forçosamente tinha de passar pela encarnação, a fim de consolidar sua existência futura, teve de su- prir-se da matéria telúrica dentro da Ordem do Espírito Divino. No corpo humano foi dado ao espírito um equilíbrio de provação, que se chama ‘tentação’! Ela não só está no corpo, mas em toda matéria; como a matéria não é o que parece, torna-se ela ao homem em pro- va, mentira e engano, quer dizer: um elemento aparente. Ele existe, porque a matéria tentadora existe para o corpo; ao mesmo tempo não existe, por não ser a matéria aquilo que aparenta. Esse espírito mistificador, personificando a própria mentira, concentra em si a matéria do mundo, que se chama ‘Satanás’ ou ‘Chefe de todos os demônios’. Estes são os elementos maldosos que ele emite.
A pessoa que se apega à matéria e age nessa tendência peca contra a Ordem de Deus, que lhe deu o mundo material somente para lutar com ele, fortificando-se para a imortalidade pelo uso do livre arbítrio. A consequência do pecado é a morte ou o aniquila- mento de tudo que a alma conquistou da matéria, porquanto toda matéria nada é no que apresenta.
Se amas o mundo e sua vibração e queres enriquecer-te com seus tesouros, assemelhas-te a um tolo a quem se apresenta uma noi- va bonita; ele, porém, não a quer. Atira-se, no entanto, à sua som- bra com o ímpeto dum fanático, cego, acariciando-a sobremaneira! Quando a noiva o deixar, sua sombra a acompanhará! O que ficará para o tolo? Evidentemente nada! Como se lastimará por ter perdi- do o que tanto amava! Alguém então lhe dirá: Tolo cego, por que não te apegaste à plena verdade, ao invés de sua sombra?! — Pois a
sombra é apenas carência de luz, projetada por qualquer forma que se interponha à mesma, uma vez que o raio luminoso não consegue transpassar o corpo compacto.
Aquilo que representa tua sombra para teu corpo quando te achas na luz ocorre com a matéria e seus tesouros em confronto com o espírito! É um engano e mentira em si, porquanto não é o que parece aos sentidos físicos.
Consiste numa condenação de mentira e engano serem eles obrigados a se revelar diante do espírito como algo perecível e como caricatura externa, correspondente a uma verdade profunda e inte- rior, enquanto prefeririam — pelo cego amor mundano da alma — permanecer em realidade o que aparentemente são.”
DESTINODUMAALMAMATERIALISTANO ALÉM
(O Senhor): “Assim sendo, de que adianta à alma caso con- quiste todos os tesouros do mundo em benefício do corpo, onde se enterra em sua volúpia animal, enquanto sofreria prejuízo na esfera do espírito, perdendo a realidade da vida verdadeira?! Como se su- prirá no Além, a fim de se tornar algo verdadeiro, uma vez que, pela nulidade da matéria, condenou-se ao próprio nada?!
Meu amigo: a quem tem, toda dádiva se torna um prêmio que aumenta sua posse! Outra coisa acontece àquilo que nada é e nada possui! Como dar-se algo a quem deixou-se prender e aniquilar pela matéria?!
Acaso poderias deitar um líquido num receptáculo existente apenas em tua ideia, ou — na hipótese de teres um vasilhame ver- dadeiro — com tantos furos, a se tornar difícil contá-los?! Ser-te-á possível acumular algumas gotas?
Se a matéria fosse uma realidade constante e imutável, ela seria uma verdade e quem a conquistasse, senhor da mesma, e caso a alma nela se integrasse, também passaria a uma realidade efetiva!
A matéria, porém, é apenas um julgamento do espírito, julgamento este que não pode e não deve subsistir, senão o tempo
suficiente para que o elemento espiritual nele se condense e se re- conheça como tal, e após angariar a correspondente força, consiga dissolver a matéria e transformá-la em potência espiritual. É eviden- te que uma alma mundana e materialista, no final, compartilhe da sorte da matéria.
Quando a matéria é dissolvida, também se desintegra a alma. É na maior parte dissolvida nos átomos substanciais de origem psi- coetérea, restando à própria alma, após a morte, nada mais que um ou outro tipo primitivo de animal esquelético, sem noção e quase morto, que não tem a menor semelhança dum homem.
Essa alma se acha num estado que os patriarcas, munidos da visão espiritual, denominavam com justiça de Sheoula (Inferno — Sede pela vida). Assim, é toda a Terra e tudo que percebes com teus sentidos físicos um verdadeiro inferno. É a morte da alma, que em si se deve tornar espírito; pois quem deixou de ser o que foi — morreu. Deste modo, a alma também está morta após o desencarnar quando, pelos motivos acima, perdeu sua natureza humana, dela restando, no máximo, um esqueleto animal. Passarão épocas inimagináveis para tua fantasia, até que uma psique enterrada na matéria se torne um ser de semelhança humana. E quanto ainda levará até se tornar criatura perfeita!
Julgas ser isto possível para Deus em um minuto apenas, e Eu concordo; caso Ele pretenda criar bonecos e autômatos, bastaria um segundo para encher o Espaço Infinito! Esses seres, no entanto, não teriam livre arbítrio, vida própria e independente. Movimentar-
-se-iam apenas pela Vontade Divina, que os insuflaria. Sua visão e pensamentos seriam os de Deus; pois tais criaturas seriam idênticas aos membros isolados de teu corpo, que não se movem sem teu co- nhecimento e vontade.
Não se dá o contrário com teus filhos, surgidos de tua carne e teu sangue? Já não esperam a tua vontade; possuem vida, conhe- cimento e desejos independentes. Obedecerão, aceitando teus ensi- namentos e mandos; todavia, executarão sua própria vontade, sem a qual não os poderias ensinar, tampouco uma estátua ou pedra!
Vê, criaturas de conhecimento e vontade próprias destina- das à determinação e perfeição individuais, a fim de permanecerem eternamente livres e independentes — têm de ser criadas por Deus de tal forma a lhes possibilitar esta finalidade!
Da parte de Deus, só pode ser criada a semente, dotada das mais variadas capacidades de expressão, enfeixadas como nu’a mem- brana; o subsequente desenvolvimento e educação cabem à própria semente. Deve atrair a aura divina que a envolve, iniciando, deste modo, uma vida independente. Tal evolução não se faz tão rápida como pensas, uma vez que a vida embrionária não pode ser tão forte e ativa quanto a Vida Perfeita de Deus desde Eternidades!
Já que toda alma, por mais pervertida que seja, terá sem- pre a mesma finalidade, não é possível socorrê-la no Além, para sua salvação, de modo diverso do que pelos meios escassos que lhe as- sistem, dentro da Ordem Eterna de Deus, pela qual terá de fazê-lo por si mesma. Penso ter-te explicado claramente o que são Satanás, Inferno e a morte eterna. Caso ainda tenhas dúvidas, externa-te; o Sol está no ocaso e teremos de tomar a ceia!”
A EXPLICAÇÃO DA PALAVRA “SHEOULA” (INFERNO). A CLARIVIDÊNCIA
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, vejo que tua sabedoria e penetração em todas as coisas são de profundezas tais, a provarem não te ser possível isto como simples criatura, caso não tenhas, es- piritualmente, compartilhado na Criação total — o que me escla- receu em muitos pontos anteriormente incompreensíveis! Já que tens a bondade de transmitir conhecimentos tão extraordinários, peço-te estenderes, também, acerca da expressão ‘Sheoula’ e a mor- te eterna!”
Digo Eu: “Pois bem! She, Shei ou Shea significa: sede; oul ou voul, quer dizer: o homem abandonado; poderia se dizer: o homem animal. A, significa: pela consistência daquilo que perfazem sabedo- ria e conhecimentos internos.
A letra A prova isto pela forma antiga das pirâmides egíp- cias, cópia em proporção gigantesca das pirâmides cerebrais, cuja finalidade era servir de escolas científicas. Seu nome e organização interna ainda hoje provam isto; pois Piramidaiquer dizer: Dá-me sabedoria! Sua construção interior era tal que o homem, lá se refu- giando, forçosamente tinha de praticar a introspecção, encontrando a luz de seu espírito. Por isso existia nos labirintos de tais pirâmides escuridão tamanha, a fim de levar a criatura à análise própria, conse- guindo, deste modo, iluminar tudo com sua luz interior.
Isto te soa algo estranho, todavia é assim; pois ao se abrir a luz psíquica do homem, não mais existem na Terra noite e treva para ele. Prova evidente disto fornecem todas as pessoas sensitivas em estado de êxtase, onde enxergam muito mais de olhos fechados, que milhares de outras de visão perfeita. Elas conseguem penetrar a matéria mais opaca, a própria Terra, e as estrelas mais distantes são inteiramente analisadas.
A maneira por que se alcança esse arrebatamento psíquico a qualquer hora foi precisamente ensinado e praticado no interior das pirâmides, que receberam o nome mui apropriado de Sheoula. Os antigos hebreus o reduziram a ‘Sheol’; o grego formou ‘Scole’, o romano ‘Schola’, o persa e o hindu ‘Shehol’.
Cientes — através das visões obtidas — do estado lastimável das almas no Além, que amavam o mundo e a si próprias, os antigos sábios denominavam tal situação de Sheoula, inferno! Evidente- mente é ela, em confronto com o estado feliz dum sábio, dentro da Ordem de Deus, muito bem classificada com a palavra ‘morte’, que, como constante qualidade de tudo que seja ‘mundo’ e ‘matéria’, é claro merecer o nome de ‘morte eterna’!
Enquanto uma alma, aqui ou no Além, persiste em tal esta- do, acha-se na morte eterna, donde dificilmente se livrará! Algumas levarão a idade do orbe até que consigam se tornar algo à própria custa! Estás bem informado?”
Diz Roklus: “Perfeitamente, Senhor e Mestre de tudo! Ape- nas desejava saber, ainda, como se pode chegar ao estado de clarivi-
dência; pois tudo faria para consegui-lo!” Digo Eu: “As Escolas do Egito de há muito não mais existem, pois começaram a falhar desde a época de Moysés, quando se começou a transmitir apenas um en- sino externo. Platon e Sócrates foram os últimos a terem pequeno vislumbre da Escola de Conhecimento Interno.
Por isto vim Eu ao mundo, a fim de vos proporcionar me- lhor orientação para a vida, pela qual cada um consegue a máxima sabedoria. Eis a diretriz: Ama a Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo! Quem isto fizer em verdade assemelha-se a Mim, sendo introduzido em toda sabedoria, força e poder. Pois quem for pleno de amor de Deus, já tem em si Sua Presença, Seu Amor Infinito e Sua Luz mais sublime. Alma e espírito banhar-se-ão na Luz da Sabedoria Divina, e terão de ver e reconhecer tudo aquilo que vê e reconhece a Luz de Deus. Como a Onipotência e Força Divinas consistem em Seu Infinito Amor, basta a alma querer, em conjunto com a Vontade do Amor Divino nela reinante, e tudo se fará conforme deseja! Não é suficiente, no entanto, sabê-lo e acredi- tá-lo; necessário é pô-lo em prática a toda hora e em cada situação, por mais difícil que se apresente. Somente o exercício constante fará do discípulo um Mestre!”
A MANEIRA PELA QUAL SE CONSEGUE AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, como fazer a fim de amar Deus, o Espírito Santo e Infinito, com todas as forças de minha alma? Parece-me ser o coração humano demasiado pequeno e in- capaz para tanto, enquanto o amor ao próximo seria fácil! Como, pois, agir?”
Digo Eu: “No mundo inteiro não existe coisa mais fácil! Aprofunda-te nas Obras de Deus, Sua Bondade e Sabedoria; cum- pre conscienciosamente Suas Leis; ama o teu próximo como a ti mesmo — e terás amado o Senhor! Não te sendo possível criar uma concepção de Deus, olha-Me e assim terás, diante de ti, a forma
eternamente aceitável pela qual apenas poderás imaginar teu Cria- dor! Deus também é um Homem, o mais Perfeito por Sua Própria Projeção! Ao Me veres, terás visto tudo! Compreendeste?”
Diz Roklus: “Senhor e Mestre sobre tudo que existe! Inteirei-
-me de tudo e desejo tornar-me Teu servo! Deixa-me, porém, partir; pois não mereço permanecer Contigo!”
Digo Eu: “Quem possuir a paz interna poderá se dirigir para onde quiser, que a paz estará com ele! Como também a alcançaste agora, levá-la-ás contigo; entretanto, poderias ficar com teus colegas por algum tempo, para aprenderes certas orientações. O Sol, após ter irradiado sua luz o dia todo sobre a Terra, alcançou as fraldas dos montes e dentro em pouco desaparecerá. Podemos afirmar que aproveitamos e trabalhamos, emhoras, o que mãos humanas não teriam conseguido em anos! Agora também merecemos nos refazer; ficai, pois, para a ceia!”
Diz Roklus: “Senhor, que teria eu e meus companheiros fei- to para ser classificado de trabalho? Apenas palestramos e trocamos ideias e experiências!”
Digo Eu: “Sempre que a criatura se tiver dedicado à salvação da alma, terá trabalhado com afinco, de modo real e desinteressado; a justa atividade para o Bem da própria alma exclui toda e qualquer ação egoística, porquanto amor-próprio e egoísmo impedem intei- ramente o amor a Deus e ao próximo.
Quem cuida do bem-estar do corpo e procura os tesouros do mundo se enfronha na matéria, e enterra sua alma no julgamento e na morte. Mesmo tendo trabalhado o dia inteiro no campo com arado e foice, de modo a ficar banhado em suor, foi ele, perante aquilo que chamo de trabalho, um ladrão e servo preguiçoso para o campo do Reino de Deus.
Quem não trabalha na finalidade por Deus imposta, den- tro da justiça e na Ordem Divinas, também não o terá feito em prol, temporário e eterno, de seu próximo, achando não valer a pena procurar e conhecer a Deus mais de perto. A pessoa que não se interessar pela procura e o conhecimento de Deus, muito me-
nos o fará em benefício do próximo; e mesmo o fazendo, será por sua própria causa, a fim de que o outro lhe possa dobrar o servi- ço prestado.
Procuraste a Deus e a ti mesmo — e tiveste pleno êxito; tal atividade foi justa e te garanto que, em poucas horas, fizeste mais que em toda tua vida! Por isto, podes ficar para descansares e com- partilhar de nossa ceia!”
INDAGAÇÕESACERCADEMOLÉSTIASESUAS CURAS
Diz Roklus: “Senhor, cada palavra Tua é mais que puro ouro, e uma verdade reveza outra; nenhuma caiu, para mim, em solo es- téril, e sinto que surgirão os frutos mais abençoados para os celeiros da Vida. Tendo eu a Graça de me dirigir a Ti, desejava um esclareci- mento: se no futuro devemos prosseguir a cura de moléstias através de nossos remédios naturais, ou se convém curarmos apenas pela fé convicta em Teu Nome. Veio-me a ideia de não estar sempre dentro de Tua Vontade salvarmos todos os doentes; pois existem os que fo- ram acometidos de males físicos e psíquicos para melhorar sua alma, através de Teu Amor e Sabedoria Divinos.
É fato conhecido serem as pessoas de saúde forte nem sempre as mais virtuosas; tornam-se não raro petulantes, egoístas e intempe- radas, enquanto que enfermas, especialmente de moléstias crônicas, pouco se queixam, são humildes e desconhecem inveja! Acaso não se transformaria sua boa índole se fossem de súbito curadas?
Além disto, todos nós temos de morrer — e se assim não fosse, as criaturas da época de Adão ainda viveriam. Se, no entanto, curarmos a todos e até a nós mesmos, a morte neste planeta se tor- nará rara, mormente se, com o tempo, as guerras forem inócuas, em virtude de Tua Doutrina. Ao nos negarmos socorrer os enfermos, seremos taxados de impiedosos; caso não permitires a cura defini- tiva, não obstante nossa boa vontade e dedicação, de alguém que por nove vezes tenha sido ajudado — a Força de Teu Nome, ou nossa própria confiança no mesmo, será duvidosa e a fé do povo
fraquejará. Pois não é possível se convencer a Humanidade, presa à matéria, a considerar a vida terrena tão insignificante na conquista duma existência mais elevada no Além, de sorte a nada fazer para a cura de suas enfermidades! O próprio macróbio prefere lançar mão de remédios para prolongar sua vida, mesmo ciente de ser a morte um benefício imenso para sua alma. Ensina a experiência ser a ânsia de viver — até em situações difíceis — insaciável; e caso souberem, em geral, ser possível se curar pelo Teu Nome qualquer moléstia e, sendo preciso, até ressuscitar os desencarnados, os povos iniciarão um estado de sítio após outro!
Um ensinamento para tais casos seria de grande proveito. Ou terias sustado a morte física a partir de agora, para as pessoas que viverem dentro de Tua Ordem, assim que possam continuar num corpo transfigurado, constituindo a morte apenas dom dos infrato- res de Teu Ensino e Mandamento?
Senhor e Mestre, os últimos raios de Sol douram a abóbada celeste, enquanto Lua e Vênus tudo fazem para substituir a luz do dia! Tuas Obras luminosas nos extasiam; infinitamente mais subli- me, porém, é a projeção da Tua Luz Espiritual, iluminando todos os nossos recônditos de vida! Se ainda houver tempo, explica-me, antes da ceia, os pontos acima!”
DOR,MOLÉSTIAE MORTE
Digo Eu: “Meu amigo, investigas um assunto cuja orientação nem tu nem algum outro necessita saber, porquanto cabe unica- mente a Mim, isto é: Trata-se dum problema do Eterno Pai no Céu, duma Ordem que Eu Mesmo não posso e não farei exceção, no tocante ao físico!
O que pela carne foi atraído terá de ser expulso, com ou sem dor, isto não vem ao caso; após a desencarnação, cessa a dor física. O ar que a alma humana sorverá no Além será bem diverso deste mun- do. Onde não existe morte, termina propriamente a dor, por ser esta apenas consequência da sucessiva libertação da alma, da matéria.
Não quero com isto dizer ser a alma insensível em estado livre — pois assim seria morta; apenas não encontrará, no mundo correspondente à sua natureza, algo que lhe produza pressão ou in- flamação qualquer, portanto dor.
Acaso seria uma pessoa cheia de saúde isenta de dor, porque nunca teve a desdita de adoecer ou ser ferida por alguém?! Faltou-lhe apenas o motivo doloroso. O móvel principal da dor, que é apenas registrado pela alma e nunca pelo corpo, se baseia na pressão que um órgão inerte, portanto pesado, exerce sobre qualquer sentido vital da psique.
Eis por que é possível se curar, temporariamente, todas as moléstias, quando se entende aliviar o peso da massa física; na idade não se pode cogitar desse desafogo, muito embora uma criatura que sempre viveu dentro da ordem pouco terá para relatar de estados do- lorosos. Seu organismo permanecerá flexível e ágil até a última hora, e a alma se desvencilhará pouco a pouco da matéria, dentro dum equilíbrio perfeito. Não será propriamente seu desejo separar-se do corpo, mesmo em idade avançada; quando, porém, receber a cha- mada celeste, audível e venturosa: Deixa o teu cárcere e ingressa na vida verdadeira e eterna!, nem um segundo hesitará em abandonar sua morada rota e penetrar nas regiões luminosas da Vida Eterna!
Não vos será possível impedir tal fato com sucos de ervas, tampouco pelo Poder de Meu Nome, porquanto não é da Vontade de Meu Espírito. Sereis apenas capazes de efetuar milagres pelo Po- der de Meu Nome, que se pronunciará claramente em vosso coração
— nunca, porém, contra o mesmo. Por tal motivo, deveis aceitar a Minha Vontade, ou seja, a Vontade de Deus, que vos garantirá pleno êxito em tudo que fareis por Mim e por Minha Ordem Eterna.
Não é, pois, admissível que jamais alguém venha a morrer pela força curadora provinda de Meu Nome. Não deveis sustar a cura caso Meu Espírito vos diga no coração: Ajudai-o!; se Ele afir- mar: Deixai-o no castigo da carne, a fim de que a alma se sacie em sua volúpia!, não o cureis, pois o sofrimento é benefício para a alma! Vês, portanto, ter sido baldada tua preocupação. Integra-te
na Minha Ordem Justa, que te esclarecerá em tudo. Desejas mais alguma coisa?”
OLIVRE ARBÍTRIO
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, se nos for permitido efetu- ar somente o milagre que estiver dentro de Tua Vontade e Ordem Primitiva e Eterna, nosso livre arbítrio de nada vale, e as provas em Teu Nome serão dependentes da nossa. Sol, Lua e estrelas vêm e vão sem a nossa interferência; a terra viceja e produz frutos; as nuvens se estendem pelo horizonte; os ventos erguem as ondas do mar — tudo isto sem a nossa vontade! Como agir, caso seja necessário operar-se milagres?”
Respondo Eu: “Caro Roklus, é difícil entrar-se num acordo contigo, porquanto reinam ainda considerações e pareceres terre- nos em tua alma! Vê, quem põe mão no arado e continua olhando para trás, não possui aptidões para o Reino de Deus! Julgas ser Ele, em Seu Pensar e Querer Luminoso, tão monótono quanto o gelo do Norte?!
Criatura, reconhece primeiro Deus e Sua Onipotência, e ve- rás se o homem, cujo coração é pleno do Espírito Divino, nada mais pode e quer senão deixar passar dia a dia, calado e paciente com a Vontade do Senhor, observando o surgir, florescer e perecer das flores?! Se tal fosse a intenção de Deus, não precisaria Ele dotar as criaturas duma livre vontade, e bastaria fazê-las surgir quais pólipos em forma humana, munidas de trombas de sucção; poderiam assim observar como as estrelas vêm e vão, ao menos aparentemente, e quão forte viceja a grama a seu redor! Não necessitariam de movi- mentação independente, pois destituídas de vontade própria, pode- riam muito melhor perceber a Vontade de Deus do que qualquer pessoa beata!
Mas o homem, dotado de livre vontade e movimentação, poderia, não obstante seu sentimento de estética, ter a ideia de dar alguns passos sobre um gramado viçoso; em tal caso, infalivelmente
pisaria a erva que nasce ereta dentro da Ordem Divina, e também liquidaria, antes do tempo, uma pequena lesma.
Considera, porém, que o homem, a fim de se manter, ingere uma quantidade de frutas e animais, saboreando-os com volúpia! Vez por outra, escolhe certas planícies, anteriormente ricas em flo- restas e ervas curadoras, arrasa tudo, para depois mandar construir casas e cidades! Acaso isto estaria dentro da Ordem Divina, con- forme tu a consideras? Ou se cortas unhas, barba e cabelos — não ages contra Sua Determinação, porquanto não querem permanecer dentro do comprimento que a tesoura estipula?!
Se Deus não quisesse que um homem de livre pensamento e vontade agisse contra a inflexibilidade de Sua Vontade Criadora, intervindo nos variados planos, teria Ele agido sabiamente em criar seres que, em virtude de sua existência, são obrigados a agir dessa forma, contra a Sabedoria Eterna?!
Se Deus, Senhor e Criador de todas as coisas e seres, permite que, mormente o homem, dotado de livre arbítrio, destrua florestas, deitando por terra incontáveis árvores centenárias, que em parte são queimadas e em parte utilizadas para construções; mandando cor- tar o capim para empregá-lo como alimento do gado, sem jamais intervir em tais medidas, quanto menos o fará em se tratando de transformar o pequeno livre arbítrio num divino!
Acaso não viste como o jovem, no fundo também uma cria- ção de Deus, transformou a pedra em ouro, não obstante a Vontade Divina? Seria talvez chamado à responsabilidade por tal motivo?! Pelo contrário, aquilo foi o resultado da Vontade Divina em união com a dele!
Ao cumprires os fáceis Mandamentos de Deus, amando-O sobre todas as coisas, integrar-te-ás evidentemente no Conhecimen- to e na Vontade Divina; tornar-te-ás sempre mais sábio e, na mes- ma proporção, mais poderoso e compreensivo no querer. Tua luz interna, vinda de Deus, será elevada à visão integral, onde não só a sentirás na anterior inconsciência, como também vislumbrarás as forças ativas da Vida, cuja ação poderás determinar, em virtude da
conquista da Vontade Libérrima de Deus. Justamente pela faculdade de poderes ver e classificar, especial e individualmente, os elemen- tos incontáveis surgidos de Deus poderás, como senhor da Vontade Divina, captá-los e determinar sua concatenação para qualquer fim, e eles, de pronto, começarão a agir do mesmo modo, como se Deus os tivesse ordenado.
Todas as energias emanadas por Deus pelo Espaço Infinito são quais inúmeros braços da Divindade Poderosa, e jamais conse- guirão agir senão pela emissão da Vontade Divina, de certo modo Sua Própria Projeção.
Quando o homem unir seu diminuto livre arbítrio à Oni- potência Divina — dize-me se é admissível ser ele mero expectador da Vontade Divina, ou se a criatura, individualmente emancipada, não seria capaz de operar coisas extraordinárias!”
OZELOJUSTOE INJUSTO
Diz Roklus: “Senhor e Mestre de todas as criaturas e coisas, por esta explicação maravilhosa, tudo para mim mudou de aspecto, pois solucionou-me segredos anteriormente insolúveis. Começo a compreender o que realmente é o homem, e o que lhe compete procurar e realizar no mundo! Deste modo, torna-se fácil cumprir-se Teus Mandamentos e executar-se Tua Vontade, o que nos facultará a conquista de tudo que Teu Amor comporta!
Só posso agradecer-Te, do fundo de meu coração, e tornar-
-me Teu discípulo consciencioso; tudo farei para afastar de nosso Instituto o que não se coadune com Teus Ensinamentos. Já começo a sentir dentro de mim uma força extraordinária, diante da qual to- das as dificuldades serão afastadas na confiança em Ti, capaz de fazer ressuscitar todos os mortos! Qual será a consequência se minha vida futura for a expressão de Tua Vontade, e a que potência se elevará nossa Instituição quando todos os membros se tiverem unificado numa só vontade?! Por isso — mãos à obra! Toda demora seria peca- do na salvação do próximo!”
Digo Eu: “Louvável é teu zelo, que trará o resultado espera- do; no entanto, assemelha-se ao fogo de palha, causando impressão de poder incendiar, em poucos minutos, a Terra toda. Sua duração é, porém, curta e mal se percebe onde queimara!
O zelo justo cresce como a luz e o calor do Sol pela manhã; caso surgisse numa intensidade abrasadora idêntica à da África ao meio-dia, seria destruidor sobre plantas e animais, experiência feita por qualquer lavrador.
Acontece, por exemplo, que durante a trovoada se projeta um raio solar sobre o solo, embora o firmamento carregado e a chu- va caia — de repente as nuvens são rasgadas por uma corrente de ar, dando passagem à luz e ao calor do Sol. O prejuízo que produzem na fauna e flora é maior do que se tivesse caído forte saraiva! Dou-
-te apenas este exemplo, para provar-te ser um zelo fora de época, prejudicial.
Por isso, não queiras abater todas as árvores velhas e deterio- radas de vossa Ordem de um só golpe, mas pouco a pouco, dentro duma dedicação fraternal, e ter-lhe-ás trazido a verdadeira bênção! Para tal fim, tornam-se indispensáveis várias conferências, acertos e orientações, quanto aos milagres a serem operados em Meu Nome! Só depois de todos terem sido levados a essa nova luz poder-se-á exterminar as ideias antigas com êxito completo!
Quando um lavrador experimentado percebe que o joio se espalha entre o trigo puro, ele espera até a colheita, onde manda separá-los, aproveitando o trigo integral, enquanto o joio é secado e queimado no campo para adubar o solo. Tal atitude até mesmo Eu classifico de justa e sábia!
Creia que ser-Me-á tão fácil acabar com Jerusalém e os fa- riseus, como fiz à rocha dentro do Mar! Tal zelo, no entanto, trar-
-Me-ia maus resultados! Muito embora todos se convencessem de Minha Onipotência, não teriam aderido a Mim pela convicção ín- tima, senão pelo caminho do julgamento. Ninguém se atreveria a uma ação qualquer, de medo e pavor, que os levariam a agir qual autômatos, dentro de Minha Vontade!
Acaso seria isto o desenvolvimento do livre arbítrio, como dádiva principal de cada alma, e sua elevação à potência máxima do Poder Divino, se tal unicamente constitui a mais sublime bem-a- venturança?”
O DESENVOLVIMENTO DA VONTADE. PREJUÍZOS DOZELO EXCESSIVO
(O Senhor): “Os próprios egoístas e as pessoas dominadoras dão a prova mais evidente de ser a livre vontade, e sua efetiva execu- ção, a maior felicidade da vida. Quantos não arriscam suas posses, apenas para alcançarem um posto prepotente?! Quem despreza co- roa, cetro e trono, mormente quando os pode conquistar por conta própria? Por que têm valor tão desmedido diante dos olhos dos ho- mens? A resposta se acha dentro da natureza das coisas; aquele que ocupa o trono pode fazer uso de sua vontade livre, entre milhões de criaturas!
Os outros já se sentem felizes quando ele lhes dá incumbência qualquer, que também lhes faculte a função dum pequeno soberano; embora recalquem sua própria vontade, aceitando a do superior, eles assim agem somente para poderem usar duma função dominadora. Mormente em meio de cargos governamentais, cada qual procura satisfazer sua vontade, submetendo-se ao outro.
Que vem a ser tal felicidade comparada àquela que surgi- rá para toda Eternidade pela união da vontade humana com a de Deus?! Para alcançar este ponto, compreenderás ser preciso uma orientação mui sábia, no desenvolvimento da vontade individual, por todos os estados da vida; do contrário, seria perigoso prover-se o livre arbítrio com poderes efetivos! A fim de capacitar a vontade para tanto, é preciso que o homem se encaminhe de modo próprio à Luz, marchando nessa trilha com todo amor e renúncia ao mundo, até que alcance a meta pela ação e determinação próprias. Não pode haver obrigação interna ou externa — ambas uma condenação — onde jamais um espírito consegue libertar-se; enquanto ele isso não
conseguir, não é possível se falar duma união de sua vontade com a de Deus!
Devem as criaturas ser levadas ao conhecimento de si mesmas e de Deus através dum sábio ensino, com toda bondade, paciência e meiguice; somente caracteres renitentes, que no íntimo ocultam maldade e perversidade diabólica, devem ser castigados pela lei, mas nunca por milagre punidor.
Convém considerar ser o criminoso também uma criatura que deve ser ensinada no justo emprego de sua vontade, e é bem possível que um demônio astucioso domine sua natureza, fazendo dum homem inofensivo, um verdadeiro monstro!
Por isso, convém reter todo e qualquer zelo exagerado, mes- mo numa causa justa, até que tenha atingido a maturação modesta que se empenha em executar, com firme persistência, tudo dentro duma reflexão calma e amorosa, com os meios ao seu alcance, e isto, considerando sempre ambiente e circunstâncias do indivíduo em apreço.
Certamente compreenderás não Me agradar vosso Institu- to em sua atual situação; mesmo se se baseasse em princípios mais errôneos, seria imprudente condená-lo e exterminá-lo de modo re- pentino, como se fosse possível fazer desaparecer Jerusalém e Roma.
Trata, pois, de exterminar pouco a pouco os erros mantidos em vossa Seita, que ela e o povo simpatizante melhorarão dentro da Verdade! Se fosses virar, com teus colegas, tudo de cabeça para baixo, os confrades te classificariam de doido e perigoso, procuran- do, por todos os meios, teu afastamento dessa Congregação por eles otimamente organizada, sem que tivesses oportunidade de trocar, despercebidamente, as fraudes pela Verdade plena.”
(O Senhor): “Tens o melhor exemplo em Minha Pessoa! Conheces Minha Doutrina e Sua Verdadeira Tendência Vital; sabes também de Meu Poder, pelo qual poderia dizimar rápida e facil- mente toda a Terra como fiz à rocha! Neste caso, teria Eu Mesmo de conjecturar: Teria sido melhor não teres projetado Tua Criação, caso nada quisesses além dum mundo repleto de filhos queridos, dotados de natureza e constituição peculiares! Tudo isto, porém, existe e urge conservá-lo com amor e paciência, guiando-os pela Sabedoria Divi- na, a fim de que não se perca nenhum átomo!
Afirmo-te serem evidentemente os fariseus e escribas, em Je- rusalém, as criaturas mais repelentes e maldosas aos Meus Olhos; antes, porém, de julgá-las e mandá-las crucificar, prefiro que assim façam na Minha Pessoa!”
Dando um salto, Roklus reage: “Não, não, Senhor e Mestre! Isto seria estender em excesso Tua Paciência! Não é possível que o Reino de Deus na Terra, e muito menos no Além, venha soçobrar por causa dum punhado de perversos em Jerusalém! Por isso, fora com essa raça de víboras — e Tu, ficas!”
Digo Eu: “Falas dentro de tua atual compreensão! Daqui a três anos, teu próprio espírito te ensinará coisa diferente e melhor; por isso, deixemos tal assunto para prepararmo-nos à ceia. Esta mesa será aumentada e vós, incluindo Ruban, ao todo treze pessoas, nela tomareis lugar, representando o quadro de Minha última ceia nesta Terra!”
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, por que falas de modo tão místico?”
Respondo Eu: “Amigos, muita coisa teria que vos dizer; no entanto, ainda não o suportaríeis! Após aquela última Ceia, o Es- pírito Santo inundará vossos corações e levar-vos-á à plenitude da Verdade Viva, sabendo o motivo destas Minhas Palavras! Mas, eis
Marcus com os pratos e vossa mesa já está posta! Saboreemos com alegria nossa refeição!”
Roklus se curva respeitosamente diante de Mim, junta-se aos outros e diz: “Não é possível afastarmo-nos agora, pois temos de com- partilhar da mesa dos dignitários! O Próprio Senhor assim o quer! Va- mos, pois!” Diz Ruban: “Que papel faremos perto daqueles senhores!”
Responde Roklus: “Seja lá como for! Obedeceremos com alegria! Além do mais, sinto um bom apetite, ao ver como o jovem tratou com carinho de nossa mesa!”
RAPHAEL,O “GLUTÃO”
Todos se encaminham à mesa determinada, fazem três re- verências diante do grupo selecionado, e Raphael lhes indica seus lugares, sentando-se como décimo quarto à mesa. Diante de si Roklus depara com seu prato predileto, consistindo de carneiro as- sado acompanhado de laranjas maduras, e não compreende como era possível saber-se, na cozinha, dessa sua preferência. Lembra-se, porém, em que companhia se acha e aceita tudo como natural. De modo idêntico, cada um dos treze convivas é servido daquilo que mais aprecia; somente Raphael se entretém com oito grandes pei- xes, bem preparados, que rapidamente são ingeridos. Roklus, não se contendo, pergunta com amabilidade como isto lhe é possível e se ainda poderia comer algo mais.
Sorri o anjo: “Como não? Poderia ingerir dez vezes mais, sem o menor esforço; entretanto, estou satisfeito!”
Diz Roklus: “Teu estômago deve ter sido dilatado na infân- cia, do contrário não se explicaria o fenômeno! Acaso poderás me ajudar a terminar com o carneiro? Satisfaço-me com a oitava parte!” Tirando um quarto para si, Roklus entrega o resto ao anjo, que o faz desaparecer no mesmo instante. Isto excede a paciência de Roklus, que exclama: “Não é possível, de modo natural, o que acabo de ver! Não me refiro aos peixes; tens de explicar como consegues devorar um carneiro, inclusive os ossos!”
Diz o anjo: “Ora, dá-me uma pedra, e ficarás surpreso!” Roklus assim faz, enquanto Raphael leva a pedra à boca, onde desa- parece! O grego e seus companheiros ficam horrorizados, e ele diz: “Amigo, é um tanto perigoso a pessoa sentar-se à mesa contigo, pois poderias ter ensejo de devorá-la! Tua voracidade anormal nos assus- ta, conquanto não seja de nossa conta; todavia, não pretendemos assistir a outros excessos, ouviste?”
INDIVIDUALIDADEDE RAPHAEL
Diz Raphael: “Meu amigo, falas deste modo por não me conheceres; do contrário, acharias meu apetite tão natural quanto o teu, que saciaste apenas com um quarto do carneiro! Sou, tanto quanto tu, criatura, dotada de todos os sentidos e órgãos; meu cor- po, porém, é diverso, por ser imortal. Não te é possível, como alma e espírito, despir o teu físico e dissolvê-lo rapidamente num elemento espiritual. Para mim, isto é fácil, porquanto sou puro espírito, não obstante apresentar um corpo, aparente; tu, no entanto, és apenas matéria e muito terás de lutar para começares a sentir tua alma, amadurecida e livre.
A fim de assimilares o alimento, teu corpo necessita de tem- po e nem te apercebes da maneira pela qual se dá esta transformação, pois desconheces a construção orgânica, nas menores funções. Para mim, não existe coisa mais nítida do que cada átomo, tanto do meu, quanto de teu corpo. Tenho de formar e conservar meu corpo atual de átomo a átomo, de nervo em nervo, de fibra em fibra e de mem- bro para membro; tu, entretanto, desconheces a constituição origi- nal de teu físico, e quem o desenvolve e conserva constantemente.
O teu é gerado, nascido e desenvolvido afora teu conheci- mento e vontade; o meu é criado dentro de minha noção e querer! Tua consciência da vida é mais um sono, e teu saber, assimilar e dese- jar, um sonho! Eu, porém, acho-me na vida mais lúcida e verdadeira da Perfeição do Dia Eterno! Eu sei o que falo, conhecendo sua ori- gem verdadeira e profunda; tu, até mesmo desconheces como e por
que surgem teus pensamentos! Assim sendo, também sei do motivo por que preciso de mais alimento que tu e teus colegas em conjunto, enquanto caminho entre os mortais. Época virá em que assimilarás tudo isto, que no momento não te poderia explicar melhor.
Tua suposição de querer eu devorar-te, qual lobo ou hiena, é bem tola! Penso terem minha educação espiritual e evidente sa- bedoria provado coisa diversa! Sou capaz de assimilar não só uma pedra; sim, teria poder de sobra para executar essa manobra com montanhas inteiras, e até corpos cósmicos! Caso meu poder fosse acompanhado de tolice, eu agiria dentro dum ímpeto inconsciente
— e vossa existência correria perigo! A Eterna Sabedoria de Deus, Causadora de minha natureza, ordena-me, antes de tudo, a con- servação de todas as coisas criadas pela Sua Onipotência, das quais nem um átomo se pode perder, porquanto a Vontade Divina e Sua Visão Onipresente abrangem e penetram o Imenso Espaço Infinito. É, portanto, tola a tua preocupação com minha suposta voracidade! Assimilaste alguma coisa de minhas palavras?”
Diz Roklus: “Não posso afirmá-lo; concluo, no entanto, não ser preciso eu temer tua presença — e isto já é algo! Onde, porém, depositas tais massas? Acaso tens estômago de avestruz, capaz de digerir as pedras mais duras? Seja como for, és um ser curioso!
Falam os judeus de certos mensageiros celestes; gregos e ro- manos mencionam os gênios e semideuses; farás parte duma dessas categorias? Tua aparência é mui delicada e sutil para ser humana, e já atraíste minha atenção anteriormente, sentindo que ora apresen- tavas uma individualidade, ora outra; no fundo, és o reflexo patente duma Entidade Suprema, proporcionando-te forma, consistência, sabedoria e poder, por determinado tempo. Uma vez que Ela não mais necessita de ti, tua existência terá chegado a um término.”
Diz Raphael: “Chegaste bem perto da verdade, com exceção de minha desintegração; pois muito antes que um planeta girasse e iluminasse pelo Espaço Infinito, já era eu servo perfeito do Espírito Sublime de Deus! Ainda sou o mesmo e o serei para sempre, se bem que talvez algo modificado através do Exemplo dado pelo Senhor,
que todos os espíritos, os mais perfeitos, terão de seguir. Entretanto, permanecerei o que sou, apenas em maior perfeição, razão pela qual me integrei nesta escola preparatória da vida material, pela Graça do Senhor. Já me compreendeste melhor?”
Diz Roklus, arregalando os olhos: “Ah, sim! Bem! É isto mes- mo! Tal qual eu imaginava! És um espírito celeste temporariamente incorporado, a fim de servires ao Senhor da Glória e executares Sua Vontade! Isto estabelece uma diferença colossal entre nós, e não mais é possível falar-se contigo!” Indaga Raphael: “Por quê?”
Com feição séria, o grego responde: “Tua sabedoria ilimita- da dar-te-á explicação mais precisa do que eu; como, porém, exiges uma resposta dum pobre mortal, sou obrigado a me externar, mui- to embora saibas de antemão o que direi! Ouve-me, pois: Existem nesta Terra condições de vida que dificilmente se harmonizam; haja vista um montão de areia ao lado do Ararate; uma pocilga perto do Palácio Imperial em Roma; uma casa de lesma junto de uma pirâ- mide etc. No entanto, ainda são mais admissíveis do que a relação entre nós! De que vale meu pronunciamento? Pois tudo que falo já o sabias, palavra por palavra! Não falo, no entanto, por tua causa, senão por mim e meus colegas, a fim de que saibam meu ponto de vista. Deste modo me harmonizo com eles, enquanto não te podes polarizar conosco.
De acordo com as Escrituras judaicas, és um dos maiores anjos no Céu; ao passo que nós ainda beiramos o berço, e muito nos falta para alcançarmos a maturação espiritual. Por isto, pedimos-te que te afastes, porquanto tua presença redunda em nossa completa nulidade! Nada lucrarás conosco, nem nós contigo no que diz res- peito à tua individualidade e poder!”
OPODERMILAGROSODE RAPHAEL
Diz Raphael: “O fato de eu me encontrar em vossa com- panhia não é minha vontade, senão a do Senhor, que não só nós, anjos, mas todos os seres têm de obedecer. Existe somente uma pe-
quena diferença: seguirmos a Sua Vontade não como ignorantes, e sim conscientemente — enquanto todas as criaturas Lhe obedecem cegamente. Além disto, aceitei a Vontade do Senhor de modo pleno, não obstante possuir eu, como espírito, vontade independente; vós, porém, mal reconhecestes a Existência de Deus. É, pois, impossível mencionardes o Conhecimento da Sua Vontade, que assimilareis apenas pela leitura daquele Livro por mim compilado e entregue.
Se, deste modo, vos integrardes da Vontade Divina, aceitan- do-A em vossos corações e pondo em prática os Ensinamentos, não mais haverá diferença entre nós; pelo contrário, sereis capazes de realizações mais grandiosas, porque já encarnastes, condição que me cabe efetuar mais uma vez, onde terei trocado minha função de servo divino em filho de Deus. Preferiria ser o que sois; todavia, tenho de respeitar os Desígnios do Pai, no tocante ao ‘como, que e quando’!
Não o exijo, muito embora o deseje; sou imensamente feliz e só posso cantar Glórias Àquele Que aceitou, como Homem, a encarnação para transformar todas as criaturas desta Terra e todos os habitantes dos Céus em filhos Seus; isto é, caso estes o queiram e pe- çam tal Graça ao Senhor! Pois também nos Céus inúmeros corações palpitam por Ele, e são atendidos em seus desejos.
Não te esqueças, porém! Quanto mais tiveres aceito pelo co- ração a Vontade Divina como norma de tua vida, tanto mais pode- rosos serão os efeitos de tua vontade aplicada!
Conhecimento e louvor da Divina Vontade de nada adian- tam; pois tudo isto é apenas um aplauso fútil a respeito dum acon- tecimento maravilhoso; reconheces o Bem, a beleza e a sublimidade, e sabes que emanam do conhecimento e da vontade dum artista. Suponhamos que também tivesses a mesma noção, sem contudo possuíres a vontade do artista; acaso poderias realizar algo apenas pela noção? Ou, se fosses capaz da vontade do outro, sem teres al- cançado sua compreensão e destreza, através de muita dedicação e zelo — poderias fazer o mesmo que ele?
Afirmo-te serem precisos verdadeiro conhecimento, vontade inabalável provinda de Deus e grande prática na execução da mes-
ma! Em tal caso, poderias dizer a u’a montanha: Atira-te no mar profundo! — que isto se fará! Pelo conhecimento e pela vontade firme, apenas, nada ou pouco se conseguirá! A prática da Vontade Divina dentro do coração se atinge somente pelo puro amor a Deus e ao próximo; este amor, unicamente justo, cria na alma uma fé viva e uma confiança firme, sem a qual o homem mais evoluído nada conseguirá.”
PERFEIÇÃODAVIDAEPODER MILAGROSO,
ALCANÇADOSPELOAMORADEUSEAO PRÓXIMO
(Raphael): “Se, por exemplo, quiseres restituir a um cego a luz dos olhos pelo poder da Vontade Divina em ti, no entanto ali- mentas pequena dúvida quanto ao êxito — já terás feito tudo para o insucesso. Se, porém, te empolgares pelo amor a Deus, este fogo sublime do amor e da vida não somente vivificará tua alma, mas irradiar-se-á espiritualmente além de tua esfera psíquica por um po- der irresistível, agindo de modo concentrado, quando, com toda sabedoria e prudência, tua vontade sublimada tiver atingido um necessitado. O cego, sendo alcançado por esta tua força espiritua- lizada, onde se torna o centro do Poderoso Amor na Luz e no Fogo do máximo Amor e Vida de Deus, a morte terá de recuar, portanto também será afastada dos olhos isentos de luz, portanto mortos, assim como o corpo morre sem respiração e pulsação. Desta forma, se torna possível a ressurreição de alguém, uma vez que a Vontade Divina e Sua Sabedoria em teu coração não sejam contrárias a que se dê este milagre; basta projetares teu amor a Deus sobre o falecido, que retornará à vida.
Tal coisa demanda um esforço concentrado e prática cons- tante; deve o coração submeter-se ao máximo, de sorte a se poder atirar a cada momento na Plenitude do Amor a Deus. Isto alcan- çado, o homem é perfeito, e tudo o que deseja terá de acontecer, dentro da Vontade de Deus! Adestrado desta forma e querendo criar um mundo, ele terá de surgir pela tua vontade submetida a Deus e
pelo poder do Amor Divino, cuja Plenitude transforma teu coração num poderoso fogo de vida, e tua aura exterior numa luz fortíssima e de ação vital. O que então teu conhecimento vindo de Deus ex- puser à tua vontade, concatenar-se-á numa forma por ti elaborada e aceita através da substância de tua poderosa luz emanada pelo amor
— e, em poucos minutos, o mundo surgirá diante de ti, podendo fixá-lo e conservá-lo — caso estiveres no pleno poder da Vontade e do Amor de Deus!
Naturalmente, não podes, desde o início, alcançar a posse plena da Vontade Divina se não tiveres aceito Deus em teu coração, através dum amor puro e verdadeiro, que exclua toda e qualquer outra inclinação pessoal; pois se Deus não estiver em ti de modo íntegro, Ele também não poderá agir de modo pleno.
Amá-Lo sobre todas as coisas não é tão fácil como pensas! Antes de tudo, é preciso uma conduta de vida impecável, dentro das Leis de Moysés; quando essa conduta for viciada por toda sorte de pecados, as energias indispensáveis à vida sofrerão dano, porque estão integradas na matéria, que as aniquila.
A criatura desta forma aleijada não pode amar Deus com todas as suas energias, que na maior das vezes estão exterminadas por dois terços. Torna-se necessária a completa renúncia de todas as suas tendências e hábitos, para vivificar as forças perdidas e, pouco a pouco, integrar-se no possível amor a Deus — coisa não fácil para a criatura mundana!
Pois se alguém de plena saúde já sente dificuldade ao galgar u’a montanha, quanto mais um artrítico que, nas planícies, mal consegue locomover-se com muletas. Se mesmo assim tivesse a firme vontade de alcançar o cume, necessitaria dum guia forte e cheio de saúde que o amparasse — e assim lucraria muito pelo empreendimento realizado.
À medida que subisse, aumentariam seu esforço e suor, que no entanto libertariam das toxinas os membros entrevados, vivifi- cando as células amortecidas e atingiria o pico após dias de marcha exaustiva, porém completamente curado. Que resolução fantástica não seria a um reumático subir o Ararate! Contudo, ainda seria mais
fácil do que a escalada da cordilheira espiritual, isto é: humildade plena e total renúncia!
Isto te causa admiração e pensas serem problemáticas as pro- babilidades da perfeição completa nesta Terra, e nada se poder fazer por milagres! De certo modo tens razão; nesta época, porém, exis- tem os guias competentes, e com sua ajuda não será difícil deixar-se levar, como aleijado da alma, ao pico mais alto do Ararate espiritual.
Agora é fácil, para todos de boa vontade, integrarem-se na perfeição da Vida; pois o Senhor achou por bem não só convocar, nesta época, os guias fortes dos Céus para prepararem e conduzirem as criaturas, mas Ele Mesmo encarnou e veio para curar os artríticos e demonstrar Sua Vontade Divina, ensinando-lhes o amor a Deus e ao próximo.
Ninguém mais poderá alimentar dúvidas quanto à Vonta- de de Deus, e também saberá da maneira pela qual deve amá-Lo, purificando assim o seu coração. Os caminhos são claramente de- monstrados, e quem quiser palmilhá-los não se perderá. Em tempos vindouros, será mais difícil a criatura harmonizar-se com a Vontade Pura de Deus; pois, ao lado dos profetas justos, surgirão os falsos, operando milagres comuns a vós, incutindo assim noções errôneas de Deus e de Sua Vontade. Isto provocará grande atribulação entre os homens, e ninguém poderá se tornar guia seguro de outrem, por- quanto todos se dirão possuidores da Verdade. Todavia, os que assim gritarem estarão na plena mentira!
O Senhor, no entanto, inspirará, de tempos em tempos, Seus servos destinados a indicarem a Vontade de Deus aos de boa índole, conforme ora agimos convosco. Felizes os que viverem de acordo; pois conseguirão aquilo que vos é facultado de modo tão simples. A ação milagrosa será reduzida; pois o Espírito do Senhor ensinará aos Seus filhos a devida precaução, a fim de evitar o desafio dum verdadeiro exército de falsos profetas, onde seria preciso lutar com a espada contra o inferno.
Os verdadeiros profetas serão pelo Senhor inspirados em completa solidão, e eles não farão alarde de sua incumbência. Todos
os que fizerem propaganda de sua condição privilegiada não serão donos da Verdade e do Verbo Divino.
Os profetas verdadeiros serão capazes de operar milagres, sem que o mundo algo venha a saber, senão os verdadeiros amigos de Deus para o seu próprio conforto.
Atualmente se dão milagres por causa dos judeus e pa- gãos empedernidos, a fim de que ninguém possa afirmar não ha- ver tido provas durante a Revelação desta Nova Doutrina Celeste. Posteriormente, as criaturas procurarão mais a Verdade plena, de- clinando dos milagres, dos quais os sábios afirmam não ser pos- sível pintar-se o branco de preto, e a Verdade continuar Verdade, sem milagres.
Disto deduzirás não ser eu um monstro em virtude de meu apetite incomum e tampouco existir diferença tão enorme entre nós, como julgavas; pelo contrário, encontramo-nos quase no mesmo grau, porquanto tua encarnação é um privilégio, que por ora não me assiste. Acaso ainda faço, perto de ti, papel de elefante junto ao mosquito? E devo realmente afastar-me, ou posso, como décimo quarto, ficar entre vós como professor?”
AIMPORTÂNCIADAFILIAÇÃODIVINANESTA TERRA
Diz Roklus, cujo coração começa a palpitar pelo anjo: “Oh, fica, fica! Se quiseres, poderás devorar um planeta diante de nós, que isto não diminuirá nosso amor, nem aumentará o medo de ti; sabemos quem és e o que lucramos contigo.
Agora mudemos de assunto! Embora saiba seres ciente do que vou falar, externar-me-ei por causa de meus colegas: não seria possível te tornares membro de nosso Instituto, ao menos pelo tem- po que necessitamos para alcançar a perfeição da vida, indispensável para socorrermos a Humanidade?!”
Diz Raphael: “Por enquanto isto não pode ser, em virtude de outros compromissos com o Senhor e as criaturas. Mas, num caso de necessidade, estarei em vosso meio como se me tivesses chamado.
Além disto, tendes a promessa do Senhor em poderdes agir em Seu Nome — mais Poderoso que incontáveis arcanjos idênticos a mim! Apoiai-vos neste Nome que Se chama: Jesus — Força de Deus — e as montanhas recuarão, tempestades e tufões se acalmarão, na hi- pótese ser tal vossa conduta a terdes mérito para tanto. Pois Este é o Nome Verdadeiro de Deus em Seu Amor Eterno, diante do Qual tudo se curva no Céu, na Terra e debaixo da mesma!
Não me refiro ao solo deste planeta, uma esfera como outra qualquer e toda ela feita de continentes, montanhas, lagos e mares; tampouco falo do interior do mesmo, em si um organismo animal de colossal proporção, destinado ao desenvolvimento da vida natu- ral dum corpo cósmico; sob a expressão ‘debaixo da Terra’ aponto o estado moral dos racionais providos de instinto, nos inúmeros ou- tros planetas habitados; tais criaturas têm apenas finalidade reduzi- da, comparada à vossa.
Pertencem também ao Infinito Todo e representam, de certo modo, os elos duma corrente; vós, porém, sois os elos, pela finalida- de de verdadeiros filhos de Deus, a carregarem com Ele e conosco a Infinita Criação Total! Por esta razão vos classifiquei acima desta Terra, logo a seguir de nós, habitantes dos Céus!
Se considerardes isto a fundo, deveis tanto mais respeitar o Nome do Altíssimo de Eternidades, concluindo ser Deus vosso Pai e vós, Seus filhos; se assim não fosse, acaso teria Ele descido dos Céus junto de vós, educando-vos, Pessoalmente, para finalidades grandio- sas, que desde sempre previu e destinou aos Seus filhos?!
Por isto, regozijai-vos, sobretudo ter o Pai Eterno vindo jun- to de vós, a fim de vos tornar aquilo para que fostes determinados desde sempre! Se sois, portanto, indiscutivelmente Seus filhos e Ele ter vindo sem O chamardes, Ele, a partir de agora, fá-lo-á tanto mais certo quando Lhe pedirdes cheio de amor: Pai, Querido Pai, vem! Necessitamos de Ti! — Esta promessa já vos foi dada, vinda de Sua Boca e Seu Coração, e não necessito repeti-la. Podeis, por isto, renunciar à minha pessoa em vosso Instituto; pois onde o Senhor Mesmo age, Seus Mensageiros Celestes são dispensáveis.
Se, além disto, me desejais entre vós como amigo, basta chamardes e eu estarei presente, caso permanecerdes no Amor e na Ordem de Deus! Se algum dia abandonardes esta Ordem por con- siderações mundanas, não viria, ainda que me chamásseis mil vezes, e o Próprio Nome Poderoso do Pai seria sem efeito! — Caso ainda tiverdes uma dúvida, pronunciai-vos, que sereis orientados!”
GRADUAÇÕESNOREINODOSESPÍRITOSDA NATUREZA
No momento em que Raphael concede a Roklus e seus ami- gos prosseguirem nas indagações, levanta-se, de súbito, um vento forte do Mar, experimentando sua força nas ricas tendas de Ouran, à beira da praia. Ouve-se também o crocitar duma quantidade de grous, a voarem em grande confusão.
Os navios novos, ancorados no cais recém-criado, também começam a estalar com forte ruído, pois o vento, muito embora o tempo claro, torna-se sempre mais violento, e Cirenius Me diz: “Se- nhor, se esta ventania continuar, seremos obrigados a nos mudar! Os grous agitados nada de bom anunciam; devem ter sido assustados, do contrário não teriam abandonado seus ninhos! Que frio! Não seria melhor entrarmos?”
Digo Eu: “Enquanto estiver convosco, não precisais temer vento, frio e aves barulhentas! Existe uma quantidade de espíritos da Natureza não destilados que, em determinadas épocas, se manifes- tam em sua espécie, a fim de se capacitarem a uma esfera superior de atividade.
Tais períodos de transmutação têm sempre aspecto tempes- tuoso, e são tão indispensáveis à conservação e reprodução, como necessitas da respiração para manteres tua vida física. Após rápida caminhada, terás excitado os elementos de tua carne, que se unem e passam a um grau mais alto de sua existência; em compensação, os graus abaixo ficam, de certo modo, inativos, e caso não fossem imediatamente ocupados por novos elementos, perderias os sentidos num estado contínuo e rápido de inércia, até caíres morto.
Vê, pela luz e o calor diários, miríades de elementos da Na- tureza, libertos da matéria, passam ao reino vegetal e animal num grau mais alto e num excesso de temperatura, às vezes em número maior do que podiam se libertar da matéria bruta, em sua evolu- ção primitiva. Isto notarás pela paralisação e inércia, onde a flora se apresenta murcha e até mesmo seca. O motivo disto é que o número dos elementos a ingressar num grau superior é maior do que os que puderam ocupar seus lugares numa ação contínua.
Dá-se mais ou menos o que ocorre com um rio, que nada mais é senão um acúmulo fluente de milhares de fontes pequeni- nas. Se te fosse possível secar as quinhentas mil fontes do Eufrates, encontrarias o seu leito vazio, e em breve completamente seco. Na realidade, um elemento impulsiona outro, e somente no homem completo todos os espíritos da Natureza surgidos da matéria en- contram seu destino final, isto é: no que diz respeito à alma e es- pírito; a carne é e será matéria por muito tempo e, finalmente, se desintegrará em variadas formas de vida, que novamente subirão até alcançarem sua meta.
Refletindo sobre isto, não te admirarás deste vento impetu- oso, tampouco do crocitar das aves, que já se acham num grau de inteligência mais apurada e são as primeiras a observar serem poucos os elementos primitivos a se integrarem nelas.
O calor de hoje projetou grande quantidade destes espíritos, mormente nesta parte da Terra, provocando carência importante e sensível nas partes inferiores; em compensação, deu-se um verdadei- ro acúmulo de elementos da Natureza no Nordeste pelo dia de hoje, de ontem e anteontem. Na zona onde foram projetados e libertos, não podem cogitar de pouso, por isto afluem aos terrenos despro- vidos de elementos. As aves de arribação, especialmente os grous, possuem um sentido extraordinariamente apurado e sensível neste ponto, e são as primeiras, entre todos os animais, a perceberem tanto o acúmulo quanto a carência dos elementos primitivos; ficam in- quietas, esvoaçam, e cada uma procura camadas no ar onde encontre a abundância, que absorve por forte respiração, manifestando, pelos
gritos, ter encontrado o que precisava. O crocitar é prova de agrado, mas também de mal-estar.
Este vento, que durará uma hora, vem do Nordeste e é sa- turado dos elementos primitivos de que aqui carecem, e que os químicos chamam de oxigênio. A frescura a ninguém prejudica, porquanto anima e fortalece, de modo agradável, nossos membros cansados. Em seguida, todos estareis alegres e satisfeitos, apreciando pão e vinho.”
ANATUREZADODIAMANTEEDO RUBI
Inteiramente satisfeito com esta explicação, Cirenius indaga pelos núbios, cuja falta lhe ocorreu há muito tempo, e Eu lhe digo: “Partiram há uma hora atrás, providos do necessário, e já se acham bem distantes. Deixei que assim acontecesse por causa dos essênios, que não vacilariam em convidar alguns núbios para o seu Instituto, considerando seu poder milagroso. Teriam, deste modo, impedido o Bem que pretendo com essa Seita. Raphael assumiu o papel de al- guns que Roklus de pronto teria conquistado; assim foi ele entretido pelo anjo, que ainda o mantém numa controvérsia em seu benefício, a bem do Instituto e da Humanidade sofredora!”
Diz Cirenius: “Sinto a ausência de Oubratouvishar, verdadei- ro compêndio de saber humano, e tinha vontade de assistir sua che- gada a Memphis, onde certamente tudo relatará a Justus Platônicus!”
Digo Eu: “Tens razão; será fielmente transmitido ao sábio o que aqui ocorreu; essas pessoas têm forte memória, e principalmen- te desconhecem mentira e subterfúgio. Por isto, nada ocultarão ao chefe de Memphis. Além do mais, tens dele uma lembrança deslum- brante e valiosa no grande diamante. Já que o mencionei, explicar-
-te-ei suas particularidades: possuindo essa pedra uma superfície ex- tremamente polida, desenvolve-se constante fogo eletromagnético, ou expressando-Me dentro de tua atual compreensão: uma quanti- dade de elementos da Natureza de qualidade mais nobre se agrupa, em grande movimentação, rodeia-o por todos os lados, produzindo
por tal constante atividade um especial fulgor na superfície, o que lhe dá valor tão considerável aos olhos do homem.
Valor quase idêntico tem o Urim (Rubi), derivado do dia- mante; apenas é este um conglomerado dificilmente solúvel de inú- meros elementos inteligentes da Natureza, motivando sua dureza excessiva — enquanto o rubi é um acúmulo de espíritos de atração, ou seja: de amor. Por tal motivo é ele vermelho, menos duro e em sua superfície, mormente quando bem polido, agrupa-se grande quantidade de elementos amorosos, produzindo especial fulgor que, até mesmo numa noite escura, é visível como fraca incandescência.
Se pendurares no peito estas duas qualidades de pedras, pro- vocarás uma polarização mecânica entre elementos inteligentes e amorosos em tua própria esfera exterior de projeção; são eles ativa- dos pelo aroma de tua aura, e produzem em tua alma luz mais forte, onde as partículas inteligenciadas dos elementos da Natureza provo- cam um reflexo espelhante, fazendo com que a alma, de momento, penetre num saber mais profundo, tornando-se clarividente.
Por este motivo, ordenou Moysés ao sumo sacerdote, através de seu irmão Aaron, o uso de placas de Thummim e Urim durante o ofício religioso, capacitando-o a predizer.
De agora em diante, o verdadeiro amor a Deus e sua sabedoria tomarão lugar das referidas placas, numa forma mais elevada e viva; dei-te esta explicação apenas para enriquecer o teu conhecimento.”
ASJOIASDOS SOBERANOS
(O Senhor): “Tal particularidade e efeito poderiam ser alcan- çados com outras pedras, caso fosse possível levá-las a um polimento para tal finalidade. Cientes disto, os velhos egípcios, sábios e faraós usavam-nos sobre o peito e na cabeça, cravejados em aros de ouro.
Quem, naquela época, usasse tais pedras era pelo povo con- siderado patriarca ou sábio; portanto, tinha o uso de joias reais um motivo verdadeiro e genuíno; hoje em dia, representa apenas a os- tentação fútil da riqueza terrena, do orgulho, da luxúria, do egoísmo
e do domínio condenável. Não obstante os imperadores, reis, prínci- pes e militares se enfeitem com esses antigos emblemas da sabedoria
— nada de verdadeiro apresentam! Razão por que aquilo que na an- tiguidade era virtude principal tornou-se, hoje, vício preponderante!
Do mesmo modo, era a regência uma qualidade de destaque, pois o número de pessoas sábias e experimentadas não era excessivo, e quem fosse incumbido de governar um país assumia encargo pesa- do e, além disto, era orientador e conselheiro de milhares!
Ninguém se empenhava para conseguir tal cargo e o povo, convencido da necessidade dum guia inteligente, construía-lhe um palácio deslumbrante, ornamentando os aposentos de várias pedras preciosas, ouro, pérolas e conchas magníficas, e provia o regente de todo conforto, aceitando sua palavra como lei. Nisto se baseia até hoje a especial projeção dos dignitários — apenas com a grande diferença: Antigamente, o rei não necessitava de armas, pois bastava sua palavra.
Seus conselhos e desejos eram prontamente executados, com boa vontade e amor de todos. Caso alguém achasse um tesouro ou produzisse algo artístico, entregá-lo-ia ao rei. O critério dos antigos chegou ao hábito sábio de ofertar tudo ao regente que pudesse au- mentar sua sabedoria, pois esta representava a ordem e a felicidade dos povos!
Tudo isto, porém, desapareceu; e, no lugar da antiga virtude, implantou-se a pior mentira da Humanidade. Onde estão os pa- triarcas? Ó Babel, imensa meretriz do mundo, empestaste a Terra! Por isto, Eu vim para salvar as criaturas da antiga herança, impondo u’a maldição a todos os tesouros da Terra, e abençoando os corações de boa vontade.
A partir de agora, Meu Verbo será a primeira pedra preciosa dos homens, e Minha Doutrina — ouro puro e verdadeiro; cada coração, um palácio genuíno e um templo vivo; uma vez que es- teja pleno do puro amor a Deus, donde resulta o afeto ao próxi- mo, aquele cujo coração comportar maior amor será verdadeiro rei no Meu Céu!
Por isto, nem o dinheiro, tampouco o diamante mais polido, ser-vos-ão mais úteis para a coroa da vida do que Meu Verbo e a ação que ensina! De hoje em diante, matéria alguma deve ter valor para vossos corações, senão unicamente Minha Palavra e a livre e espon- tânea ação que ela aconselha!
Bem podem imperadores e reis se enfeitarem com as joias antigas; querendo ser sábios e poderosos, não devem considerá-las, e dar apenas valor à Minha Palavra! Os que assim não fizerem serão, em breve, sitiados por muitos adversários!
Quem der valor às pedras preciosas e ao ouro, que o faça em suas qualidades especiais, baseadas em sua natureza e realidade, nunca porém no valor imaginativo, que representa mentira!
Se um regente mandasse forrar as paredes de sua sala de estar com placas de ouro polido, a fim de conseguir um estado vi- sionário e profético pela influência dos espíritos da Natureza que se originam da luz e se acumulam no ouro, mormente em sua super- fície luzidia, percebendo muita coisa em seus difíceis negócios de Governo impossíveis de serem descobertos por qualquer espião — ainda agiria bem; pois este metal contém esse poder, no que consiste seu real valor.
Naturalmente, tal ornamentação teria de se basear num conhecimento claro e compreensivo, e nunca somente em boatos, inclinando-se à superstição. Por isto recebeu o homem a razão, de Deus, para analisar tudo e certificar-se do verdadeiro motivo, e só então conservar o Bem e o útil na melhor intenção para todos. Quem assim age, fá-lo dentro de Minha Ordem, e nunca se desviará em suas ações.
Se, porém, alguém, fundamentando-se em comentários e na fé cega, de certo modo superstição, determinasse tal organização em seu aposento, também haveria de sentir alguns efeitos, sem saber de sua origem e de seu raio de ação, e quais seus limites. Tal homem consideraria — de acordo com a formação de sua vida originária, que lhe faculta a receptividade de tais influências sutis — suas fan- tasias fúteis e materiais e imaginações de vários matizes como efei-
tos de espíritos da Natureza, elevando-se a profeta tremendamente falso, produzindo graves erros, mormente se tem em mãos os meios violentos, como soberano. Em tal caso, se tornam fáceis milhares de desvios condenáveis.”
FÉE RACIOCÍNIO
(O Senhor): “Por esse motivo, jamais deve um adepto de Mi- nha Doutrina aceitar algo levianamente, sem exame rigoroso. Só de- pois de ter conseguido em tudo noção e convicção integrais convém aceitar o Bem e a Verdade como base fundamental de sua conduta; deste modo, obterá resultados tais que com justiça poderão ser clas- sificados como vindos do Céu.
Sou o Senhor e Mestre de Eternidades e Me reconheceis como Tal; muito bem poderia afirmar ser isto ou aquilo certo ou errado, preto ou branco — e Me acreditaríeis, sabendo no vosso íntimo Quem Sou. Acaso seria justa esta fé autoritária? Mas quem poderia alegar ter Eu jamais exigido ação idêntica? Exijo fé, mas não cega e inconsciente, senão uma inteiramente viva! Transmito-vos verdades que o mundo jamais sonhou; no entanto, não pergunto: Credes?, mas: Ter-Me-eis compreendido? E caso digais: Senhor, este e aquele ponto não nos são claros!, prossigo na Minha Explicação, com os meios a Meu alcance, até que a tenhais assimilado em suas bases — e só então dou outro passo.
Com facilidade poderia transmitir elucidação tal, que faci- litasse a cada um plena compreensão de modo imediato; conheço-
-vos, entretanto, e sei o quanto podeis assimilar de momento, per- mitindo que a semente germine e crie raízes, e Me limito a isto, até que possais compreender algo novo; dou-vos o tempo necessário para analisardes o Ensinamento recebido!
Eu Mesmo vos recomendo: Examinai tudo e conservai o Bem e a Verdade! Agindo Eu deste modo — quanto mais a vós cabe tal atitude, porquanto não podeis penetrar os pensamentos do próximo, como Eu!
Jamais reclameis uma fé cega, porém explicai sempre sua base! Caso o outro não for capaz de assimilá-la pelo intelecto, não desanimeis em conduzi-lo, degrau por degrau, com todo amor e paciência, até que possa compreender o ensinamento; pois nunca alguém se deve tornar vosso discípulo em Meu Nome dentro da ignorância! Transmitindo-vos Eu uma Luz clara e Vida Plena, nunca deveis ser apóstolos da ignorância e da morte!