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O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO
O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO — 11 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
ÍNDICE
O SENHOR CONSOLA OS NÚBIOS, NÃO DESTINADOS À FILIAÇÃO DIVINA 44
ROKLUS PROCURA FUNDAMENTAR O ATEÍSMO COMO FILOSOFIA VERDADEIRA 62
ROKLUS APONTA O CORAÇÃO COMO RECEPTÁCULO DA DIVINDADE VERDADEIRA 80
ROKLUS FALA SOBRE A IMPORTÂNCIA DUM INTELECTO DESENVOLVIDO .114
RAPHAEL REVELA OS PENSAMENTOS DE ROKLUS QUANTO AO SENHOR 118
O PODER DO CONHECIMENTO PROVINDO DO AMOR. DEFICIÊNCIA DE RACIOCÍNIO E INTELECTO 121
A EXPLICAÇÃO DA PALAVRA “SHEOULA” (INFERNO). A CLARIVIDÊNCIA 138
A MANEIRA PELA QUAL SE CONSEGUE AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS 140
O DESENVOLVIMENTO DA VONTADE. PREJUÍZOS DO ZELO EXCESSIVO 149
ALUSÃO DO SENHOR QUANTO À SUA ÚLTIMA CEIA E CRUCIFICAÇÃO 151
ESPIRITUAIS. FILHOS DE DEUS E CRIATURAS DE DEUS 207
INSUFICIÊNCIA DO CONHECIMENTO HUMANO. CONSOLO PELO AMOR DIVINO 215
O CONHECIMENTO DA DIVINDADE DE JESUS, CONDIÇÃO PARA O VERDADEIRO AMOR A DEUS 216
MORAL TEMPLÁRIA. OS MILAGRES DE MOYSÉS SOB ELUCIDAÇÃO FARISAICA 278
PROSSEGUIMENTO DA EXPLICAÇÃO DOS MILAGRES NO VELHO TESTAMENTO 281
O SENHOR E OS DISCÍPULOS NA ALDEIA DE PESCADORES, PERTO DE CESAREIA 313
COBIÇA DE JUDAS. O BENEFÍCIO DO REPOUSO EM ESPREGUIÇADEIRAS 354
COMPREENSÃO HUMANA ACERCA DE SUA DOUTRINA 384
ACEITAÇÃO DA VONTADE DIVINA 387
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. AoladodaBíblia omundojamaisconheceuObraSemelhante,sendona Alemanha considerada “Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
Evangelho de Matheus Cap. 16 (continuação)
AMILAGROSA REFEIÇÃO
Digo Eu: “Já passou uma hora de meio-dia; Marcus, trata dum bom almoço. Raphael poderá auxiliar-te, após ter tirado da mesa os montões de pedra, a fim de que todos possam tomar lugar.”
Rápido, o anjo obedece e em seguida diz a Marcus: “Como desejas que te ajude: materialmente ou a meu modo? No primeiro caso não despertaríamos a atenção dos demais, enquanto no segun- do pouparíamos muito tempo! Farei o que quiseres e não terás quei- xa de meu serviço!”
Diz Marcus: “Amigo celeste, teu auxílio especial de levar as refeições às mesas seria bastante vantajoso, pois a criadagem de Cire- nius muito tempo levaria para isto! Existe um outro senão: os pratos nem estão prontos para tanta gente! Se puderes ajudar-me nisto, pouparíamos meia hora para servir o almoço!”
Diz Raphael, bondoso: “Concordo, quanto mais rápido o preparo da refeição, tanto mais ligeiro poderemos servir! Basta ape- nas quereres — e dentro dum instante tudo se achará arrumado nas mesas!”
Obtempera o velho guerreiro: “Seria ótimo; as pessoas — mormente os negros — haveriam de tomar isto como feitiçaria ce- leste. Talvez se enchessem de pavor e não se animassem a almoçar.”
Diz o anjo: “Ora, justamente os núbios não se importam, pois estão habituados a coisas excepcionais! Além disto, já é tarde e o Senhor certamente planeja algo de importante para depois, de sorte que será melhor eu agir a meu gosto! E sendo este o último al- moço que Ele tomará aqui, não fará mal se for um tanto milagroso! Concordas?”
Diz Marcus: “Perfeitamente, pois como arcanjo saberás me- lhor o que se aplica no momento!”
Ambos se dirigem à cozinha onde, como sempre, os familia- res de Marcus e mais alguns empregados de Cirenius se acham ata- refados, porquanto o almoço ainda estava pela metade. Diz o velho: “Oh, isto leva uma hora!” Responde sua mulher: “Meu caro, não sabemos fazer milagres; portanto, paciência até que terminemos!”
Diz ele: “Sabes duma coisa? Deixa isto tudo, que Raphael resolverá o problema, na qualidade de cozinheiro nonplusultra!” Como o pessoal já estivesse cansado, retira-se satisfeito e Raphael então diz: “Podeis sentar-vos às mesas, onde os hóspedes já sabo- reiam o almoço! Vem, velho Marcus, prova, como ajudante meu, os pratos que fiz e dize-me se sei cozinhar! Tua família e a criadagem de Cirenius estão se servindo à mesa diante da casa, com os mesmos quitutes!”
Saindo da cozinha, todos deparam lá fora as centenas de hóspedes que se servem alegremente; Marcus, admirado, diz: “Como é isto possível? Não saíste de perto de mim — e todas as mesas estão servidas com fartura! Além disto, não preparaste os pratos e mui- to menos os levaste daqui! Compreendo tudo, com exceção de tua velocidade inexplicável, mormente em situações que se prendem a certa ordem terrena! Dize-me como fizeste isto tudo?”
Responde Raphael: “Não prestaste bem atenção, pois todo o teu estoque está esgotado! Certifica-te disto!” Achando confirma- das as palavras do anjo, Marcus, cuja estupefação cresce, exclama: “Isto não aguento! Não poderei comer se não me deres explicação!”
Diz o anjo: “Vamos à mesa, lá poderemos trocar algumas ideias!” Ambos se sentam à nossa mesa, onde as palestras estão
bem animadas. Raphael serve-se de pronto, deita um bom peixe no prato de Marcus e o anima a comer. Este, porém, relembra a explicação prometida, ao que Raphael diz, sorrindo: “Agora, ami- go, come e bebe! Quando tivermos adquirido o necessário conforto pelos alimentos abençoados, nos dedicaremos à palestra sobre o as- sunto acima!”
COMOSEOPERAM MILAGRES
Passada uma hora, diz Marcus: “Então, amigo celeste, fala- rás comigo?”
Diz Raphael: “Tenho vontade de dar-te explicação, o que to- davia não tirará o cunho milagroso, enquanto não fores batizado pelo Espírito Santo dos Céus! Tão logo o Espírito do Senhor tiver surgido e se unido à tua alma, assimilarás tudo sem explicação algu- ma, enquanto que, por ora, a mais profunda explicação pouca luz te trará! Pois até mesmo a alma mais perfeita não compreende o que seja puramente espiritual; isto só pode o espírito — e a alma atra- vés dele! Desejando, porém, uma elucidação, observa o ambiente e transmite-me o que vês!”
Estonteado, Marcus se vira para todos os lados e depara a cada mesa uma quantidade de jovens semelhantes a Raphael servindo aos numerosos hóspedes; alguns até vão buscar peixes frescos do mar, que são rapidamente levados à cozinha e daí às mesas. Os núbios mani- festam bom apetite, ainda estimulado pelo bom paladar dos pratos.
Vira-se Raphael para Marcus: “Compreendes agora ser possível, e até muito fácil, certas coisas, mormente considerando que um espírito, como princípio penetrante de seres e coisas, pode manobrar a matéria de modo mais acertado e poderoso dentro de sua vontade, sem que algo se lhe possa opor? Além disto possuo, como arcanjo, miríades de auxiliares que dependem, a cada ins- tante, de minha vontade. Se, portanto, algo quero de acordo com o Senhor, esta projeção se transmite aos inúmeros servos sujeitos a mim, que imediatamente se põem na maior atividade e, assim,
facilmente executam uma tarefa numa velocidade inimaginável! Pessoalmente, nada faço; à minha vontade onipotente, milhões são obrigados à atividade movida de seu ser intrínseco, operando uma ação exigida, de modo vertiginoso; isto tanto mais positivo quanto pelo Senhor — e consequentemente por nós — de há muito tudo foi previsto e preparado para determinada ocorrência que, em caso de necessidade, surge na matéria como algo recente.
Recorda-te da maneira pela qual surgiu um jumento na montanha; desta forma tudo se cria quando a nossa vontade incen- tiva os elementos primitivos da Natureza, emanados de nossos pen- samentos, a executarem determinada atividade! Isto, amigo, te sirva de explicação; um acréscimo não é possível, em virtude dos termos mundanos e linguísticos reduzidos! Não adianta prosseguires nas in- dagações; tua compreensão será limitada enquanto tua alma não se tiver tornado espírito! Criatura alguma poderá penetrar na sabedoria e conhecimento do espírito puro! Compreendeste?”
Plenamente satisfeito, Marcus diz: “Agradeço-te por explica- ção tão boa; agora, concatenando tudo que assisti, sei a maneira pela qual, amigo celeste, efetuas teus milagres, principalmente a veloci- dade de tuas ações. Posso afirmar abertamente existir sempre algo de natural nos milagres, dependendo duma conjugação de forças, quando um acontecimento deverá se processar de modo rápido ou em períodos. Até mesmo deparo uma leve analogia entre vossos mi- lagres e as feitiçarias dos magos, que consiste no que denominaste de previsão e preparação!
Falo, como penso, o seguinte: sem preparo e previsão devi- dos, ser-vos-ia tão difícil a realização dum fenômeno, quanto a um mago sem o aparelhamento e a prévia combinação com seus ajudan- tes. Naturalmente, ninguém disto deve ter conhecimento, do con- trário nada feito com a magia! Resumo: todas as coisas são possíveis ao Senhor e a vós, através Dele, nunca de modo imprevisto, senão preparado talvez desde eternidades e espiritualmente já efetuado em etapas! Aquilo que se apresenta na matéria já fora previsto e prepa- rado espiritualmente!
Por isto, não pode um planeta como o nosso surgir por uma ordem poderosa, mas somente após longos preparos, como base de seu aparecimento. Pelo mesmo motivo, não é possível coisa alguma surgir numa vida rápida, perfeita e consistente, pois todas as criações desta ordem desaparecem tão rápidas como surgiram. Haja vista o raio. Em compensação, algo que tenha vida consistente jamais pode- rá desvanecer-se de modo rápido, e sim somente em períodos. Con- clusão: o que jamais foi previsto e preparado não pode — nem pela ordem emitida pela vontade poderosa — surgir ou perecer de modo abrupto. Deve, pois, tudo ser considerado como milagre temporá- rio, e cada acontecimento, a consequência de preparos inúmeros e periódicos!
Vê, meu amigo celeste, pelo que me parece, assimilei tua expli- cação mais profundamente do que esperavas! Os romanos em absolu- to são tapados, conforme opinião de alguns; estou certo?”
PREVIDÊNCIADIVINAELIVREARBÍTRIO HUMANO
Responde Raphael, sorrindo: “Tens uma leve ideia; todavia, te enganas com tuas ‘consequências necessárias’, ‘indispensáveis pre- visões’ e ‘longos preparos’; disto te darei alguns exemplos eviden- tes! Determina qualquer local e exige de mim, de acordo com tua vontade, quantidade e qualidade de árvores frutíferas carregadas de frutos maduros! Fala, pois, que permanecerão sem serem previstas e preparadas e daqui a mil anos seus vestígios não estarão apagados!”
Diz Marcus: “Pois não, amigo, caso me pudesses dar a con- vicção plena estar a minha vontade sob meu domínio! Tal coisa tal- vez ser-te-ia muito mais difícil do que a aparição de diversas quali- dades de árvores frutíferas! Implantaste uma grande dúvida à minha afirmação de que mesmo vós, os espíritos mais poderosos, não sois capazes de fazer surgir um ato milagroso sem previsão e preparo! Não quero descartá-lo totalmente, mas considerando tudo aquilo que sucede na Terra, é difícil aceitar-se tal hipótese, porquanto a Onisciência Se poderia manifestar e não seria possível afirmar-se que
Deus Se esforçasse em algo que não fosse de Sua Vontade e Conheci- mento. Se Ele, desde eternidades, neste ponto não podia Se manter alheio que em certa época Seu anjo, Raphael, produzisse algumas árvores a pedido dum mortal — difícil será provar que tal milagre já não fosse previsto e preparado desde sempre! Espiritualmente, tal criação já existia!”
Diz Raphael: “Isto não tem a menor importância, uma vez não sendo preparada até o momento da concatenação! Além disto, é a vontade do homem, livre de tal forma que nem o Senhor, nem nós a podemos perturbar e pô-la em ação através duma previsão e muito menos pelo preparo. Podes, portanto, estar certo de que teu livre arbítrio individual não foi previsto e muito menos preparado! Por isto, pede o que quiseres e verás que o Senhor, por Ele Mesmo ou por mim, Seu velho servo, fará surgir, sem qualquer preparo, as árvores frutíferas para uma existência permanente!”
Marcus reflete e diz em seguida: “É preciso que sejam árvo- res? Não poderia pedir outra coisa?”
Diz Raphael: “Naturalmente, seja o que for, o trabalho será o mesmo! Externa teu desejo, que serás atendido!”
A esta afirmação, Marcus medita sobre um meio de confun- dir o anjo. Como nada mais lhe ocorra, ele lhe diz: “Pois bem, pro- duze uma casa mais confortável e sólida, isto é, um bom albergue para estrangeiros e nacionais; uma horta cercada e provida de varia- das qualidades de árvores frutíferas — não esquecendo a tamareira
— e, além disto, uma fonte cristalina!”
Obtempera o anjo: “Amigo, não será isto tudo algo demasia- do para uma só vez?”
Diz Marcus: “Estás vendo? Não disse que seria impossível sem previsão e preparo?! No entanto, a coisa alguma te obrigo! Faze o que puderes; o resto não tem importância!”
Reage Raphael: “Será tudo feito conforme desejaste, em Nome do Senhor! Vai, analisa tudo e dize-me se é de teu agrado! Caso queiras alguma alteração, poderás externá-la, porquanto ainda está em tempo. Amanhã será tarde, porque teremos seguido viagem.”
Olhando ao seu redor, Marcus queda perplexo diante daqui- lo que surgiu de momento: uma bonita casa construída de tijolos, a nordeste da cabana de pescador, cuja frente sudoeste beira a praia. Munida de um andar e duma varanda em volta, contém uma enor- me cozinha no térreo, despensa e cinco salas de estar, além de treze recintos grandes para fins de lavoura, como depósito de cereais, de carne, de legumes, frutos, feijões e verduras. Uma área de vinte bra- ças, revestida de mármore branco e de seis pés de profundidade, está cheia de água até a altura de quatro pés e meio, para a conservação de peixes de qualidade.
Esse aquário interno é provido de água cristalina, de fonte re- cente, que se infiltra através de inúmeros pequenos orifícios até atin- gir certa altura. Dali, um cano leva a água até o mar; pode ser tapado quando é preciso encher o aquário d’água. A seu redor se vê uma galeria de mármore trabalhado, de dois pés e meio de altura, e dum lado se acha um pequeno canal de escoamento atravessando a parede da casa, dando também para o mar. Paredes e solo também são re- vestidos de mármore; o teto, porém, é de cedro. As janelas, de cinco por três pés, têm lajes em cristal, podendo ser abertas ou fechadas.
Vê-se uma porta de aço, com brilho semelhante a ouro, e outras trabalhadas em cedro e munidas de trincos e fechaduras. O primeiro andar é revestido da mesma qualidade de madeira e cada quarto apresenta aspecto agradável. Em suma, a casa não só cor- responde ao castelo no ar de Marcus, mas também está fartamente provida de alimentos variados, para longos anos.
Nos fundos, ainda se acham estábulos para diversas espécies de animais e uma série de cabanas munidas de todos os apetrechos de pescaria; em volta dessas construções estende-se um vasto jar- dim — anteriormente uma estepe arenosa — provido das melhores qualidades de árvores frutíferas. Além disto, vê-se uma boa vinha abarrotada de uvas maduras e uma horta especial.
No centro do jardim, uma fonte térmica, com um templo de mármore; compreende duas piscinas, cujas fontes, pelo poder de Raphael e dentro de Minha Vontade, haviam sido trazidas do centro do orbe; uma com água quente para a cura dos doentes de artritismo; outra, de temperatura morna, fonte alcalina e sulfurosa para leprosos. Mais adiante, está um porto construído de grandes lajes, comportando cinco navios enormes e bem construídos, com velas e remos; o porto mede seis braças e, à noite, pode ser trancado por correntes. Tudo isto corresponde à ideia muitas vezes planejada por Marcus, que só pode esfregar os olhos, julgando estar vendo tal coisa em sonho.
Após ter visto tudo, no que leva cerca de uma hora, ele volta quase tonto e diz: “Será isto realidade, ou talvez esteja sonhando? Muitas vezes imaginei e sonhei com um albergue, e tu, amigo celes- te, certamente me fizeste cair em sonho, onde deparo com as minhas próprias ideias!”
Diz Raphael: “Como tua fé é fraca, romano! Se fosse uma visão, já se teria esvanecido — e não hás de querer afirmar que dor- mes e sonhas?! Envia tua mulher e teus filhos para analisarem tudo e ajudar-te-ão a sair do sonho!”
Virando-se novamente para a casa nova, Marcus exclama: “Realmente, é verdade! Mas... será consistente?!”
OSFILHOSDOMUNDOEOSFILHOSDO SENHOR
Diz Raphael: “Não te afirmei que esta construção nem daqui a um milênio será apagada?! As plantações e os cinco navios não resistirão por tanto tempo; o fundamento, porém, fá-lo-á. Até após dois mil anos, ainda haverá vestígios; todavia, ninguém os tomará por obra sobrenatural. Mesmo na época de hoje, os vizinhos dirão que os romanos foram os construtores, porquanto muitas mãos ha- bilidosas farão milagres! Eis a opinião das pessoas mundanas; pois, havendo num país milhões de habitantes, não encontrarás cinco mil que aceitem a verdade dentro duma explicação razoável. Uma fé
cega não seria útil a ti, muito menos a nós, espíritos celestes. Tam- bém não importa o número de crentes; pois o Senhor só veio ao mundo por causa dos Seus poucos filhos — e não pelos filhos mun- danos. E assim será até o fim deste mundo e suas épocas!
Sempre que o Senhor Se manifestar neste planeta, seja pela Palavra somente ou, por momentos, em Pessoa, fá-lo-á apenas para Seus verdadeiros filhos, que são do Alto! O mundo e seus filhos serão pouco, ou mesmo nada, considerados por Ele! Basta-lhes a Eternidade, a fim de levar-lhes uma noção mesmo inferior.
Não penses que a Luz Suprema dos Céus venha algum dia penetrar todas as criaturas da Terra! Somente os filhos verdadeiros
— sempre em minoria — serão por ela ricamente aquinhoados; os do mundo erigirão templos e casas de ídolos dos próprios detritos e cercá-los-ão com leis férreas e regras tolas sem, todavia, poderem pre- judicar aos verdadeiros, porquanto o Senhor os protegerá. Por este motivo, não deverá entre os mundanos um ‘Jeremias’ entoar suas queixas! Agora vai e agradece ao Senhor por dádiva tão excepcional!”
Marcus aproxima-se de Mim e tenta expressar sua gratidão por palavras suntuosas. Eu, porém, digo: “Poupa o esforço de tua língua, dispensável para Mim, porquanto já ouvi a gratidão de teu coração! Acaso o hospedeiro honesto não tem mérito? Tu o és e já nos hospedaste oito dias, da melhor maneira possível; não podemos aceitá-lo gratuitamente. Por isto, este albergue será uma garantia para ti e teus descendentes! Trata que Meu Nome seja por eles man- tido com firmeza, pois excluindo-O de seus corações, terão perdido tudo! Quem, todavia, tudo perdesse no mundo e mesmo assim con- servasse o Meu Nome, nada teria perdido, mas ganho tudo; e quem perdesse o Meu Nome tudo teria perdido — mesmo possuidor de todos os bens terrenos!”
(O Senhor): “Antes de mais nada, trata da conservação do Meu Nome no coração! Quem guardá-Lo, tudo terá; assim não sen- do, estará abandonado por tudo!
Quem Me ama verdadeiramente, e ao próximo como a si mesmo, traz em verdade o Meu Nome no coração, um tesouro que todas as eternidades não lhe poderão tirar; pois amar a Deus pela ação importa mais do que ser possuidor de todos os tesouros, não só deste mundo, mas do próprio Universo!
Não basta, porém, professar-Me pela sabedoria, senão pelo Amor verdadeiro do coração.
Muitos pobres hão de te procurar; o que lhes fizeres sem re- muneração terás feito a Mim, e Meu Amor te recompensará.
Quem abordar-te desprovido de roupas, vestirás! Quem vier sem dinheiro, deves suprir, porquanto o necessita no mundo!
Seria do Meu Agrado que todos os homens vivessem como irmãos, sem o uso do dinheiro, tão pernicioso; como, no entanto, foi por eles instituído, como criaturas mundanas, para maior co- modidade de intercâmbio, deixá-lo-ei ficar — mas somente trará bênção através do Meu Amor!
Não vejas nele outro cunho senão o Meu Amor — e ele te trará Meu Próprio Amor e Minha Bênção! A quem precisar de uma dracma, darás duas ou três, e Meu Amor te recompensará de outra forma, dez e trinta vezes!
Em suma, seja a pobreza qual for e tu a suprindo com o cora- ção alegre e por Amor a Mim — poderás sempre contar com Minha recompensa, que não tardará!
Suponhamos que um rico venha aqui atacado pelo artritis- mo; cobra-lhe, pois, hospedagem e manutenção; o banho será livre!
Aquele que vier apenas por prazer tomar alguns banhos terá que pagar por tudo, e mais caro que qualquer outro! Pedindo orientação quanto à Doutrina, fá-lo-ás de graça, porquanto nisto é ele pobre!
Um intelectual te procurando por esse motivo terá de pagar uma dracma por palavra, pois para pesquisadores dessa ordem, a Verdade só tem valor quando adquirida por muito dinheiro!
Ao pobre, faminto, dá de comer e beber e não deixes seguir como necessitado; outro, que sentir prazer em sentar-se à tua mesa, pagará também a despesa do pobre! Deves suprir os pobres e fazer-te pagar pela distração! Compreendeste?”
Diz Marcus, chorando de alegria: “Sim, Senhor!” Prossigo: “Então vai, e mostra tudo aos teus!”
Contentíssimo, o velho leva a família a percorrer todas as dependências; esta nem sabe como dar vazão à sua alegria. Os sen- tados à Minha mesa perguntam se também podem passar uma vista nessa obra milagrosa.
Digo Eu: “Caros amigos! Ela permanecerá e tereis tempo de fitá-la à vontade. Eu, porém, não ficarei, a não ser em vosso co- ração. Ficai, pois, Comigo, enquanto estou convosco; sou mais que esta criação milagrosa que poderia repetir, num momento, inúme- ras vezes!”
Exclamam todos: “Sim, ó Senhor, ficaremos Contigo; pois Tu és mais que todas as obras maravilhosas que preenchem o Infini- to com Teu Poder, Sabedoria e Bondade!”
O SUMO SACERDOTE DE ROMA. CRÍTICA AOSACERDÓCIO PAGÃO
Diz Cirenius: “Senhor, conheces minha profissão governa- mental, importante e difícil; tenho agora a impressão nada depen- der da mesma, cuidando ela de si, sem minha própria interferência! Sinto como se eu fosse a quinta roda dum carro, pois sei que Tu, Senhor, provês todos os meus negócios e jamais houve tanta ordem nos meus problemas!
Ó Império feliz! Oh, Roma, minha casa paternal, como de- vias alegrar-te em segredo, por ter o Senhor dirigido Seu Semblante em tua direção, pois tenciona educar os filhos de teus velhos burgos e
cabanas! Senhor, minha vida garante a seguinte afirmação: se tivesses feito tal milagre em Roma, não haveria umque não Te rendesse ho- menagem divina! És, todavia, Conhecedor de Teus Planos e Cami- nhos, portanto está tudo bem, de acordo com Tuas Determinações!”
Manifesta-se Yarah, que até então se calara qual peixe: “No- bre Prefeito, não te apoquentes por causa de Roma, onde alguns filhos merecem consideração. Além desses, lá vivem muitos sacer- dotes idólatras, todos sujeitos ao tal Pontifex Maximus! Dominam a consciência do povo com toda sorte de castigos infernais, que devem ser considerados de efeito eterno! Ai de quem se atrevesse mexer nesse ninho de maribondos! Creio serem vossos sacerdotes mil vezes piores que nossos templários, os quais trazem Moysés e os profetas nas costas e no peito, se bem que externamente. Os de Roma nem isto fazem: todos os seus atos visam apenas o egoísmo e a tendência incontida pelo domínio.
Haja vista que dois sacerdotes romanos, hospedados em nos- sa casa, me contaram ser o Pontífice uma entidade tão elevada que o próprio Zeus — que certamente o procura uma vez ao ano — se curva diante dele, até sete vezes, antes de se dirigir ao seu máximo representante na Terra, para transmitir-lhe, com todo respeito, al- gumas leis novas para o povo mortal. Claro é que Zeus não venera o Pontífice por sua própria causa, mas em virtude dos tolos deste mundo, a fim de reconhecerem a majestade inexpressível que envol- ve o máximo representante do Deus Supremo!
Seria ele soberano na Terra dos imperadores, reis, príncipes, marechais e outras sumidades. Além disto, domina todos os elemen- tos; quando seu santo pé bate com força, o solo treme como vara ao vento e as montanhas cospem fogo, ajudando o Pontífice enraiveci- do, que deste modo satisfaz sua justa vingança, em nome de Zeus!
Dele também dependem as safras: abençoando a Terra, ela prontamente produzirá colheitas abundantes; não o fazendo, o re- sultado será de acordo; caso pronuncie u’a maldição, tudo estará perdido, pois viriam guerra, fome, peste e outros flagelos! Além de Zeus, todos os outros deuses lhe obedecem; em caso de desobediên-
cia, ele os poderia banir da Terra por cem anos — caso impossível, porquanto todos estão convictos da indizível majestade do Ponti- fex Maximus.
Possui ele tríplice poder: primeiro, sobre todos os deuses, com exceção de Zeus, da mesma categoria; segundo, sobre a Terra e seus elementos; terceiro, sobre as criaturas, flora e fauna. Além dis- to, emite ordens ao mundo cósmico, manobrando nuvens, ventos, raios, trovões, chuvas, saraiva e neve, e o próprio mar treme diante de seu poder infinito!
Nesse crescendo, os dois sacerdotes romanos se extasiavam diante do poderio de seu superior. Por certo tempo, pensei que es- tivessem fazendo chiste; mas logo me convenci de estarem os to- los falando seriamente. Quando lhes relatei do Verdadeiro Deus de Abraham, Isaac e Jacob e de Suas Ações, desataram a rir, asseguran- do-me, com vivacidade, que eu estava totalmente errada e tinham até mesmo mil provas para isto.
Então perguntei-lhes se o Pontifex Maximus era mortal, ao que um deles se precipitou, dizendo que tal personagem teria de morrer. Nesse caso, Zeus o conduziria ao Elysium, onde faria parte na refeição de sua mesa durante cem anos, o que lhe facultaria tor- nar-se um verdadeiro deus no reino dos deuses. Esse relato não foi do agrado do colega, que emendou: ‘Que tolice acabas de proferir?! Desde quando o Pontifex Maximus é mortal?! Tua afirmativa se apli- ca apenas a nós, sacerdotes subalternos, mormente se não conquis- taram as graças do Pontifex Maximus. Ele jamais morrerá, porque Zeus lhe facultou a imortalidade! Eu mesmo já conheço o quarto, e nenhum morreu, entretanto só existe umimortal no trono e não quatro; embora sejam imortais, tampouco podem perder os direitos do trono pontifical na Terra!’
Interrompi: ‘Mas isto é um absurdo! Como podem quatro ser um e umser quatro? Vosso Pontifex é por nós classificado de doido varrido, e tão mortal quanto nós, e seu poder consiste, antes de mais nada, nas armas do Imperador, na grande tolice e ignorância do povo maltratado, e finalmente numa espécie de feitiçaria; pois
diante de tolos e ignorantes, fácil é fazer-se milagres! Deixai-me em paz com vossas estultices! Basta que sejais tão ignorantes; por que deveria eu fazer o mesmo?!’
Minha reação fez com que se enraivecessem comigo e final- mente entre si; começaram a discutir acaloradamente até que acaba- ram por se espancar, porta afora. Observando-os pela janela, como se atracavam qual cães, perguntei se isto constituía uma lei de Zeus, vinda do Elysium. Felizmente não me ouviram, e provaram, pela ação dos punhos, a imortalidade de Zeus, até que alguns emprega- dos os apartaram.
Agora te pergunto, nobre Cirenius, que figura teria feito o Senhor em Roma, em virtude duma ignorância tão fanática? Uma bem triste, sem fogo e chuva de enxofre! O nosso Senhor já sabia desde Eternidades onde, nesta época, haveria maior compreensão para Sua Doutrina; por isso veio aqui e não a outra parte! Eis minha opinião; qual é a tua? Que me dizes do Pontifex Maximus?”
CONDIÇÃORELIGIOSAEMROMANAÉPOCADE JESUS
Diz Cirenius: “Tens razão, filhinha; e nada se poderá alterar entre o Pontifex Maximus e o povo! Todavia, posso te assegurar que somente a ralé nisto acredita, não se dando o mesmo com a classe mais culta!
Por certo surgirão, na plebe, lutas desenfreadas em virtude desta Doutrina, mas também não faltarão os confessores que, den- tro do hábito romano, sacrificarão bens e vida por esta causa! Não haverá outro povo tão destemido qual o romano!
Nossos sacerdotes são apenas a quinta roda no carro, e seus festins e sermões só servem para distrair o povo, pois seus costumes em nada se alteram com isto. A moral é contida por uma jurispru- dência de grande projeção, de certo modo um extrato dos mais afa- mados filósofos de nosso planeta.
O Pontifex Maximus é mantido pelo Estado em virtude do povo, e é hoje mui restrito em sua atividade. Há alguns séculos atrás,
era ele uma espécie de divindade entre os homens! Devia possuir grande cabedal de conhecimentos para alcançar ofício tão elevado: tinha de conhecer a fundo os oráculos e seus segredos e os mistérios do Egito. Além disto, era um mago perfeito, para cuja finalidade era examinado rigorosamente, diante dum colégio secreto e dos mais antigos patrícios de Roma. Cumprindo as exigências, era-lhe con- ferido o pontificado com todas as suas prerrogativas, vantagens e prejuízos.
Deste modo, podia assumir certas atitudes diante do povo, mas tinha também de obedecer secretamente aos patrícios. Caso estes desejassem guerra, deveria ele organizar as condições proféti- cas, de tal forma que o povo compreendesse esta necessidade como vontade dos deuses. Os próprios deuses, porém, eram representados pelos regentes em conjunto com artistas e poetas, defensores da tese de ser preciso dar-se à fantasia humana uma direção variada, todavia fiscalizada, a fim de evitar as piores aberrações.
Toda pessoa tem uma fantasia inata; quando for descuidada, torna-se responsável pela transformação de um homem de sentimen- tos nobres, em uma fera selvagem. Sua fantasia, sendo equilibrada e dirigida a formas mais elevadas, começará a criá-las, modificando o próprio pensar e agir, vivificando a vontade para o mais sublime de suas criações internas.
Assim, é a doutrina politeísta nada mais que uma projeção da fantasia equilibrada, e posta em prática por todos os meios huma- nos. Para nós, patrícios cultos, surgiu a necessidade de aparentarmos aquilo que exigíamos do povo.
Deste modo ainda hoje andam as coisas, apenas com a diferen- ça de ser o próprio proletariado iniciado em coisas que anteriormente só era posse dos intelectuais, motivo pelo qual o pontificado pouco crédito merece. Alguns creem num Ser Supremo, outros em nada acreditam e a classe culta é adepta de Platon, Sócrates e Aristóteles.
Sacerdotes como os que te relataram o Pontifex Maximus são em parte tão tolos, que acreditam em tudo que lhes é inculcado; diante do povo se apresentam mui importantes, como se fossem
familiares dos deuses! Eles próprios creem nas seguintes palavras de Epicúrio: Come, bebe e goza! Após a morte não existe prazer, pois que ela é o fim das coisas!
Se tu, adorável Yarah, nos considerares de acordo com aqueles sacerdotes, farias uma injustiça; somos tal qual acabo de re- latar-te. Todo resto é apenas expressão dum leigo, que tanto conhece o regime romano quanto tu, até há bem pouco. Que tal, terás mais condescendência para com os romanos?”
OSENHORPREDIZODESTINODEROMAE JERUSALÉM
Diz Yarah: “Naturalmente, uma vez que a situação é confor- me acabas de revelar. Se tiverdes boa vontade, seu efeito só pode ser bom, mesmo não se apresentando desta forma diante do mundo. Por mim, não me deixo enganar pelas aparências; compreendo, no entanto, ser mais fácil chegar-se a uma boa vontade que à mais pura verdade, que só então se torna um fanal de vida, verdadeiro e ativo. A boa vontade foi, pois, sempre vossa firme tendência; algumas in- fluências pouco ou mesmo nada alteraram vosso princípio.
Agora recebestes um acréscimo à boa vontade, isto é, a Luz Puríssima da Verdade Eterna, pelo que vossa disposição inicial re- ceberá a justa orientação e os meios para a final conquista dos me- lhores resultados — e assim, só pode se aguardar de vós o que de melhor existe! Senhor, abençoa essas minhas simples palavras, para que permaneçam verdadeiras para sempre!”
Digo Eu: “Minha mil vezes querida Yarah; sim, tuas belas e maravilhosas palavras serão abençoadas! Roma será por muito tempo o melhor local para Minha Doutrina e Minhas Graças Es- peciais, e essa metrópole imperial alcançará uma idade como ra- ras no Egito, tampouco de modo tão inalterado. Inimigos exter- nos lhe trarão prejuízo relativo, e seu possível dano será apenas consequência do tempo!
No futuro, nela se cairá numa verdadeira idolatria com Mi- nha Doutrina; não obstante, lá se conservará o Meu Verbo e a me-
lhor compreensão dos hábitos. Em futuro longínquo, desaparecerá o espírito de Minha Doutrina, e as criaturas mastigarão a casca exter- na, tomando-a por pão espiritual da Vida; saberei, então, aplicar os meios justos e reconduzi-las ao bom caminho! Mesmo se perdendo pela impudicícia e adultério — Eu as purificarei em tempo!
No mais, permanecerá a anunciadora do amor, humildade e paciência, razão por que muita coisa ser-lhe-á perdoada em todas as épocas, e os potentados a rodearão para ouvirem de sua boca as palavras de salvação.
De modo geral, nada se conservará totalmente puro nesta Terra, tampouco o Meu Verbo; mas, como finalidade de vida e relí- quia histórica — somente em Roma! Faço-te tal promessa, Meu caro Cirenius, como plena e verdadeira Bênção das palavras sublimes e verdadeiras de nossa amada Yarah!
Um milênio após outro, testemunharão o pleno cumpri- mento desta Minha Afirmação referente à posição e permanên- cia de Roma!
Jerusalém, no entanto, será tão dizimada, de modo a ser impossível determinar-se a sua localização. Se bem que, posterior- mente, as criaturas lá edificarão uma pequena cidade com o mesmo nome — local e construção não serão os mesmos. Ela terá de sofrer por inimigos estrangeiros e permanecerá, sem dignidade e impor- tância, um antro de malandros que desfrutarão a existência miserá- vel do musgo das pedras atuais.
Era da Minha Vontade fazer a velha Cidade de Deus a pri- meira da Terra; ela, porém, não Me reconheceu e tratou-Me qual assassino e ladrão! Por isto, cairá no abismo e jamais se levantará das cinzas da velha maldição bem merecida, que preparou ela mesma e pessoalmente pronunciou. Minha amada Yarah, estás satisfeita com Minha Bênção?”
Responde ela, comovida: “Ó Senhor, meu amor único! Quem poderia não estar satisfeito com aquilo que expressas, mor- mente numa promessa de projeção para futuro longínquo?! Meu caro Cirenius também parece contente e seus amigos Cornélio,
Fausto e Julius! Se isto se dá com os filhos de Jerusalém sentados a essas mesas — é uma questão duvidosa, pois suas fisionomias ex- pressam tristeza!”
Após esta boa observação, alguns moradores de Jerusalém, levantando-se, dizem: “Enquanto a casa paterna não for habitação de ladrões e assassinos, não se deve desejar sua destruição; uma vez que atinja esse ponto, não pode ser poupada! O próprio descendente terá o direito — sem cometer pecado — de dizimá-la de tal forma que apague todo e qualquer vestígio de sua existência.
Possuindo a fiel convicção de ser Jerusalém um ninho de salteadores, por que deveríamos nos entristecer caso o Senhor lhe faça advir o castigo merecido?! A maior decepção consiste em ter esta cidade, tão abençoada por Deus, conseguido, não obstante to- das as advertências, ser pela terceira vez castigada por Ele Mesmo! Mas Sua Paciência e Indulgência são a prova insofismável do quanto merece punição tão rigorosa, razão por que não temos compaixão.
Quem, de vontade própria, se atira à cova em plena luz so- lar, por certo não será lastimado! Jamais sentimos comiseração para com os ignorantes, mormente quando pretendem brilhar como sá- bios perante o mundo; e muito menos tal merecem ao querer posi- tivar sua ignorância por maldades e astúcias.
Não deixa de ser justo que uma alma fraca necessite mais compaixão do que um físico doentio. Se, porém, um médico cons- ciencioso procurar o doente, ainda senhor de sua razão, e reconhe- cer sua enfermidade, poderá curá-lo; mas se um outro, ao invés de aceitar o conselho salutar, expulsar o médico — quem poderia ter compaixão por tal psique doentia?! Por isto, deve esta criatura ser acometida de enfermidade dolorosa, a fim de aprender quão tola foi sua atitude para com o médico tão competente!
A ignorância por si só merece pena, porquanto uma pessoa não tem culpa de ter nascido e permanecido assim; mas existem criaturas — haja vista os templários — que, não sendo tolas, se fa- zem passar por tal a fim de poderem se aproveitar da Humanidade, por elas cegada para fins egoísticos! Suas almas não são doentias, mas
lobos fortes e sadios em pele de cordeiro, e nada mais merecem do que serem aniquiladas!
Quem, na Terra, poderia apiedar-se da noite, só porque o Sol a afugenta?! Qual o tolo que chorasse pelo inverno incômodo, por uma tempestade, uma epidemia que passou, ou por más colhei- tas?! Quem poderia chorar pelos condenados em Sodoma e Gomor- ra, que de há muito jazem no fundo do Mar Morto?! Da mesma forma, ninguém lastimará o destino de Jerusalém. Por isto, julgamos ser uma tolice muito maior entristecer-nos, se o Senhor, em breve, nos cumular com Sua Maior Graça!
Por aí vês, adorável Yarah, que teu critério a nosso respeito foi falho! A aparência nem sempre traduz a verdade e nos engana vez por outra! Não achas?”
Diz a menina: “Senhor, meu amor verdadeiro, por que não sou capaz de julgar as criaturas? Quase me aborreço por isto! Ainda há pouco Cirenius me fez uma admoestação — e agora recebo uma quantidade! Todos têm razão, dentro da verdade, somente eu não! Senhor, dá-me noção melhor, para não fazer sempre um fiasco!”
UMEVANGELHOPARAOSEXO FEMININO
Digo Eu: “Devagar, Minha filhinha! Deves retrair-te e não te adiantar perante homens experimentados! Jamais deves formar qual- quer critério, mas esperar a opinião de pessoas geralmente vividas! Caso alguma se tenha desviado, é chegado o momento de lembrá-la, com meiguice, onde e quando cometeu um erro — mas nunca antes!
Não ficaria bem se as meninas fossem ensinar a verdade aos homens; quando eles, porém, derem um passo errado, estará em tempo que a mulher se aproxime, dizendo com meiguice: Cuidado, meu amigo; encetaste uma trilha errada! O assunto é assim, assim...! Isto alegrará o homem e com prazer seguirá a voz carinhosa.
Com a precipitação feminina, ele facilmente se aborrecerá e muitas vezes nem considerará a meiga voz da companheira amorosa. Eis, também, um Evangelho, mas só para o teu sexo! A mulher que o
respeitar viverá bons dias na Terra; não o fazendo, será culpada caso os homens não a considerem.
A mulher justa é o símbolo do mais elevado Céu; uma injus- ta, teimosa e dominadora é a cópia de Satanás, idêntica ao inferno mais tenebroso.
Além disto, deve jamais a mulher justa aborrecer-se com alguém, pois em sua natureza deve prevalecer a maior paciência, meiguice e humildade! Nela deve ele achar a calma justa de seu tem- peramento impetuoso e tornar-se, também, meigo e paciente! Se, no final, a mulher começar a se irritar com o marido, qual a atitude deste, sendo seu temperamento já mais alterado do que pacífico?! Por isto, Minha adorável filhinha, não te excedas — do contrário, terás motivo para te aborreceres, caso alguém te admoestar! Com- preendeste-Me bem?”
Diz ela: “Compreendi, sim; meu coração agora sente um peso por ter eu sido tola e precipitada! Durante várias horas me calei e tudo ia bem; mal segui o desejo de falar, reconheço ter sido melhor o meu silêncio! Agora minha língua será contida como nenhuma até hoje!”
Digo Eu: “Querida, não é preciso ser tão rigorosa; basta te calares quando não fores convidada, pois do contrário o outro classi- ficará tua atitude de teimosia, maldade e astúcia, afastando de ti seu coração. Em suma, falar e calar em época oportuna e sempre com meiguice, amor e dedicação — eis a mais formosa joia feminina, e uma chama amorosa, apta de vivificar o coração de qualquer ho- mem e torná-lo também meigo e bondoso!
Não raro mantêm as moças um defeito preponderante, que se chama vaidade, como forte semente do orgulho. A criatura que permitir sua germinação terá perdido sua feminilidade celeste e se aproximado de Satanás. Uma vaidosa nem merece ser ridicularizada, enquanto que a orgulhosa é algo putrefato entre as criaturas, e será desprezada por todos.
Por isto, sê tu, Minha filha, nem um pouco vaidosa e muito menos orgulhosa e altiva, que trilharás entre muitas qual estrela ful- gurante no Céu! Compreendeste e assimilaste tudo?”
Diz Yarah: “Oh, sim; não Te aborreças comigo em virtude de minha tolice!” Digo Eu: “Não te aflijas por isto! Eis Marcus e sua família, certamente cheia de novidades!”
Enquanto Yarah medita mormente sobre a vaidade, o ve- lho guerreiro e seus familiares se aproximam de Mim e começam a louvar-Me sobremaneira. Eu os abençoo, mando que se levantem e digo à mulher e aos filhos: “Já sabeis, especialmente Marcus, como assegurar-vos de Meu Agrado e Auxílio caso algo necessiteis. Como vos dedicastes tão carinhosamente, por todo esse tempo, ao nosso bem-estar, Eu vos presenteei com tudo que vistes, organizando-o de tal forma a suprir-vos temporária e eternamente. Deixai que Rapha- el vos demonstre o uso de tudo, pois tal posse também necessita de conhecimento quanto ao seu emprego!”
Chamo, pois, o anjo e lhe digo: “Ensina-lhes a maneira pela qual tudo deve ser utilizado e os cinco barcos à vela, para aprovei- tarem todo e qualquer vento! Assim se tornarão os primeiros e me- lhores navegadores neste grande mar, e os romanos tirarão proveito deste meio de transporte.”
Virando-Me para Cirenius, digo: “Manda alguns emprega- dos mais inteligentes ouvirem as explicações para aprenderem algo das necessidades terrenas, pois quero que os que Me seguem sejam adestrados e orientados em tudo!” Cirenius obedece Meu Conselho e faz Josoé acompanhar os outros, porquanto muito se interessa pela navegação.
CRITÉRIODONÚBIOQUANTOAOS MILAGRES
Em seguida, Oubratouvishar se aproxima de Mim e diz: “Senhor Onipotente! Eu e meu grupo vimos a salvação de todos os homens de boa vontade e bons sentimentos, que consideram o desenvolvimento do campo emotivo, e não de prematuro zelo ao intelecto, que deveria apenas ser um guia para o coração. É e será o caminho único da vida verdadeira e a sua salvação, fator que nós, negros, compreendemos de modo lúcido.
Com todo o nosso aperfeiçoamento e noção vitais, esse mila- gre nos estonteia e, após longas conjecturas, alguns afirmam que um homem perfeito, através de Teu Espírito, também poderia operá-lo; outros, porém, acham que tais coisas apenas a Deus seriam possíveis, pois seria preciso a Onipotência Divina, jamais facultada a um espí- rito criado e limitado.
Observam eles tal fato nas criaturas desta Terra: quanto maiores, tanto maior força e poder apresentam, e vice-versa. Fala-se dos antigos elefantes gigantescos, pois os atuais lhes podem ser com- parados a pequenos macacos! Sua força era tamanha que podiam arrancar, com a tromba, as árvores mais poderosas. Se já existe ex- cepcional diferença entre irracionais, qual não seria, então, entre os espíritos?! Aquilo, portanto, que Te é possível como Espírito Eterno, não é viável a um espírito criado, logo não pode fazer surgir do nada isto que acabas de presentear a Marcus! A meu ver, é mais fácil para Deus criar, num momento, uma obra que também as criaturas fos- sem capazes de fazer — embora com muito esforço e tempo — do que outra que fugisse à capacidade humana!
Assim conseguem elas edificar construções maravilhosas; mas toda a população do orbe não seria capaz de criar uma plantinha de musgo que crescesse, florescesse e desse semente para reprodução — muito menos um irracional de inteligência própria!
Tais coisas apenas competem a Deus pela Onipotência; ou- tras, temporariamente criadas, seriam possíveis a uma criatura re- nascida projetá-las de momento! Resta saber se devem perdurar, ou somente surgir numa oportunidade em que se deseja — sem vestígio de amor-próprio — facultar aos ignorantes uma luz para a glorifica- ção do Teu Nome! Não seria do Teu Agrado elucidar-nos neste pon- to?! Não Te teria importunado com tal indagação caso não tivesse observado a Tua Vontade!”
Digo Eu: “Meu caro amigo, ser-Me-á difícil fazer justiça à tua opinião e à de teus amigos. Imagina um pau ligeiramente finca- do no solo, que necessita de algumas marteladas para que se lhe pu- desse pendurar algo. Dois pretensos carpinteiros passam por perto e, como um se julga mais competente, diz ao outro: ‘Nossa capacidade é a mesma; no entanto, dá-me o martelo para que dê a primeira pan- cada, pois sempre acertei no alvo!’ Dito e feito, ele assenta um forte golpe na estaca. Atingindo-a apenas pelo lado esquerdo, ela conti- nua balançando. O amigo ri, dizendo: ‘Deixa-me ver o martelo, pois desta forma a estaca nunca ficará firme!’ Pega, pois, do instrumento e vibra um forte golpe — do lado direito! Eis que se forma uma contenda acerca do mais feliz na operação. É claro que não entram num acordo; os dois começam a brigar e a discussão termina depois que um, mais forte e entendido, demonstra a maneira pela qual se usa o martelo.
O mesmo acontece com vossa disputa, e Eu devo ser o ter- ceiro que a finalize por um golpe acertado, do contrário chegaríeis a travar uma luta sangrenta, somente para descobrir qual dos dois golpes seria melhor!
Nem tu nem teus amigos encontrastes a verdade quanto ao milagre, e se este também era possível a um renascido, apenas passas- tes de raspão! Antes que Eu venha resolver o problema, deves dizer aos outros que nenhum partido tem razão, porquanto só beirou a verdade. Deveis colocar-vos em pé de igualdade, não saberdes e não entenderdes algo de tal assunto. Só então dir-te-ei o que seja justo e verdadeiro pensar e saber!”
O núbio transmite o recado aos outros, que dizem, bastante inteligentes: “É justo e bom o Senhor nos ter feito tal advertência, que não só serve para agora, como para sempre. Quantas vezes não sucederam sérias divergências entre nós? Como ninguém andasse certo, era finalmente preciso que um conselho geral julgasse pela maioria de vozes; e, então, acontecia que aquele, completamente
errado, era considerado vitorioso. Se, naquela época, já tivéssemos recebido ensino tão sábio, muitas discussões teriam sido evitadas.
Tais constantes querelas, no entanto, tinham seu lado bom, porquanto despertaram nossa sede pela verdade. Se assim não fos- se, jamais teríamos te encontrado, Oubratouvishar; sem ti também não teríamos chegado a Memphis, e muito menos até aqui, onde podemos ouvir a mais Pura Verdade, da Boca Daquele que é a Base Eterna de todo Ser e Vida. Vai, pois, e expressa nossa gratidão mais sincera pelo ensinamento tão sábio, que honraremos pela ação, transmitindo-o aos nossos descendentes de modo vivo e verdadeiro. Por isto, nada de discussão entre irmãos incontestáveis!”
APOSSIBILIDADEDEMAIORESFEITOSQUEO SENHOR
Com tal recado, o núbio, acompanhado de seu servo, volta a Mim e quer Me expor as ideias dos outros. Eu o interrompo, dizen- do: “Amigo, Aquele que perscruta o íntimo das criaturas não neces- sita ser orientado: sei das conclusões de teus colegas, e saberás agora o que é justo no assunto por vós discutido. Ouve-Me, pois! Quando, na Terra ou no Além — o que sucederá na maioria dos casos — a criatura tiver alcançado a máxima perfeição espiritual, poderá, pelo livre arbítrio, não só fazer o que faço diante de vossos olhos e o que existe em todas as esferas da Criação, senão coisas muito mais grandiosas! O homem perfeito está, primeiro, como filho Meu, uno Comigo em tudo e não somente em fatores isolados, e tem de ser capaz de realizar o que Eu Mesmo faço, porquanto Minha Vontade foi por ele aceita.
Segundo, não perde o homem mais perfeito sua própria von- tade por tê-la submetido a Mim, e por isto não só agirá por Mim, mas por ele mesmo, de modo independente, o que na certa será mais do que aquilo que Eu faço. Isto te soa algo fantástico; entretanto, é e será eternamente como te falei. A fim de que o possas compreen- der melhor, relembrar-te-ei um fato que, desde Memphis, não te é estranho.
Observaste, na casa do sábio Justus Platônicus, várias espé- cies de espelhos, em cuja superfície extremamente lisa se refletia tua imagem. Finalmente, ele mostrou-te um tal espelho mágico, onde te vias em tamanho aumentado. Além disto, fez ele com que o Sol lá se refletisse, incendiando várias coisas no ponto central da reflexão, que se projetava de todos os lados e que te fez extasiar.
Agora te pergunto: como podia o raio, refletido naquele espelho, produzir efeito muito maior que o próprio Sol, com sua projeção direta? Todavia, era ele o mesmo que se projetava sobre o espelho, que continuava inalterável! De onde absorveu o raio efeito tão excessivo? Já tens algum conhecimento e saberás dar o motivo por que, ao menos pela explicação do sábio!”
Responde o negro: “Senhor, conheces realmente tudo! Ele me deu explicação um tanto confusa, pois me parece ter, nem de longe, acertado o golpe. A única sugestão aceitável foi que tal es- pelho côncavo tivesse a capacidade de concentrar os raios solares de modo muito mais potente que muitos espelhos simples que re- fletissem o Sol em tamanho natural. Tal concentração da luz solar demonstra também maior grau de calor, e Justus Platônicus alegava não ser possível calcular tal elevação.
Eis tudo, Senhor, que dele ouvi; as deduções que daí poderia concluir ultrapassam as forças de conhecimento de minha alma e Te peço uma verdadeira luz nesse assunto, do contrário ela será tão escura quanto minha pele negra!”
MILAGRESEFETUADOSPELORENASCIDOEM ESPÍRITO
Digo Eu: “Ouve-Me, pois: Eu sou o Sol de todos os sóis, dos mundos espirituais e dos seres variados que neles habitam. Assim como o Sol terráqueo influi com sua luz e o calor dela derivante, à certa distância, sobre todos os planetas e seus habitantes, vivifican- do-os de modo natural, Eu também influo, dentro duma Ordem imutável e rigorosamente medida, em tudo que criei; não pode, por isto, ser a Terra mais Terra do que é, a figueira aumentar sua espécie,
nem tampouco o leão, e assim não há um ser que possa tornar-se mais do que é, em seu gênero.
Somente o homem poderá, psíquica e espiritualmente, tor- nar-se mais e mais humano, porque lhe foi por Mim conferida a capacidade indestrutível de assimilar sempre maior quantidade de Minha Luz Espiritual, pelo cumprimento de Minha Vontade a ele transmitida, podendo conservá-la para toda Eternidade.
Bem, quando o homem vive dentro da lei e não se deixa tentar para uma ação inferior, porém não aspira algo mais elevado, assemelha-se à imagem que o espelho reflete do Sol, nem diminuin- do, nem aumentando. Sua compreensão das coisas será natural e, portanto, alcançará, em tudo, êxito comum.
Alguém, no entanto, que em virtude dum pequeno conheci- mento que captou em qualquer parte, faz-se de entendido entre os ignorantes como se fosse o inventor da Sabedoria original, declara os outros tolos, pavoneia-se e se enche qual bola, cuja superfície é muito polida, formando uma base espelhante de forma convexa.
Nela também verás a imagem do Sol, porém mui pequena e nada sentirás de calor, e deste reflexo nublado nunca algo se inflama- rá, mesmo se fosse éter inflamável! Eis o orgulho da alma, quando se envaidece com elementos sem valor. Quanto mais eleva sua pre- sunção, tanto mais pontiagudo se torna seu espelho, e tanto menor o reflexo do Sol espiritual em tal superfície de conhecimento e saber. Estas duas categorias jamais aumentarão sua espécie humana, e a última até mesmo a diminuirá.
Existe, porém, uma terceira, que se tornou um tanto rara! É excessivamente prestativa, útil, paciente, meiga, modesta e cheia de humildade e amor para com todos que dela necessitem. Assemelha-
-se ao espelho mágico de forma côncava. Quando a Luz da Vida e do Conhecimento, provinda de Mim, cai sobre tal espelho da alma, sua luz refletida em sua vida de ação incendeia o sentimento e a livre vontade para tudo que é bondade, amor, beleza, verdade e sa- ber; tudo que é tocado pelo foco da luz espiritual concentradíssima é prontamente iluminado e se desenvolve pelo alto grau do calor
interno. A criatura dotada de tal espelho logo reconhece coisas na maior clareza, as quais o homem comum jamais poderá sonhar.
Tal pessoa se torna sempre mais humana, isto é: mais seme- lhante a Mim como Homem Perfeito, progredindo na perfeição. E quando, após justo tempo, o diâmetro de seu espelho psíquico se tiver dilatado mais e mais, e se aprofundado em direção ao cen- tro vital (espírito), o foco concentrado que se projeta no exterior poderá efetuar coisas mais grandiosas do que Minha Luz Solar es- tritamente limitada, onde jamais se poderá aguardar um aumento extraordinário pelo caminho equilibrado e natural. Não é admissí- vel que a luz do nosso astro-rei projetada à Terra venha a derreter um diamante, enquanto isto bem pode o foco concentrado de tal espelho mágico.
Eis a possibilidade que assiste ao homem perfeito, capaz de fazer coisas maiores do que Eu. Ajo somente dentro da Ordem medida desde eternidades, e a Terra tem de respeitar seus trâmites numa determinada distância, onde comumente se acha sempre num certo grau de luz. Eis por que não posso, nem para satisfazer vosso conhecimento nem como simples divertimento, colocar este ou ou- tro planeta qualquer junto do Sol pela Minha Onipotência; pois tal experiência o transformaria de pronto num vapor azulado.
Vós, criaturas, podeis, com tais espelhos, concentrar a luz so- lar num só ponto e experimentar sua força em pequenas partes da Terra, onde fazeis, do ponto de vista natural, coisas mais grandiosas do que Eu — quanto mais munidas com Minha Luz Espiritual, sur- gidas do mais perfeito espelho da humildade de vossa alma!
Meus verdadeiros filhos conseguirão realizar coisas em seus territórios pequenos que, por si só, têm de ser evidentemente maio- res em relação às Minhas Ações, porque podem agir, unindo sua vontade à Minha, onde Minha Luz se pode concentrar a uma po- tência inexprimível. Deste modo, conseguem realizar num pequeno âmbito, pelo fogo intensivo de Minha Vontade, ações que Eu jamais poderei efetuar, em virtude da conservação da Criação total, muito embora o pudesse.
Em suma, Meus filhos verdadeiros poderão até mesmo brin- car com aquelas forças de Meu Coração e Vontade que Eu jamais apliquei numa relação mais íntima, assim como nunca aproximei a Terra do Sol a fim de derreter, por divertimento, os picos de algumas montanhas num calor por vós incalculável — coisa impossível sem dissolver a Terra toda em éter original. Aquilo, pois, que não posso fazer em grande ou pequena escala, Meus Próprios Filhos podem efetuar com o espelho mágico, de modo natural e muito mais es- piritualmente! Compreendes agora, Meu caro amigo, o que acabo de te esclarecer? Estarás satisfeito, ou talvez ainda alimentas alguma dúvida sob tua pele preta?!”
OSENHORCONSOLAOSNÚBIOS,NÃODESTINADOSÀFILIAÇÃO DIVINA
Diz o chefe núbio: “Senhor, tudo me é claro e minha alma se acha equilibrada; agradeço-Te, pois, tais ensinamentos, que condi- zem com meu campo emotivo. Observo, porém, que Teus discípu- los não os compreenderam e isto é-me extremamente desagradável, porquanto são destinados à Filiação Divina!”
Digo Eu: “Tu o compreendendo, que te importam os ou- tros?! Entendê-lo-ão quando chegar o seu tempo; pois ainda ficarão Comigo, enquanto vós seguireis amanhã à vossa pátria.
Consiste num hábito antigo de todos os povos considerar-se o hóspede antes dos filhos da casa, que nem por isso são despres- tigiados! O assunto foi para vós mais fácil porque já conhecíeis a natureza dos espelhos; entre Meus verdadeiros filhos e discípulos, até hoje nenhum avistou um, senão o da superfície serena dum lago. Caso tencione elucidá-los mais concretamente, saberei arranjar os ditos espelhos, de modo idêntico ao da criação do cérebro humano e esta casa nova de Marcus.
Não te preocupes, pois, com Meus discípulos, pois te assegu- ro, Pessoalmente, que todos serão considerados. Os estranhos vêm e vão; os filhos ficam em casa! Compreendeste também isto?”
Diz o chefe: “Como não! Todavia, minha alma não se ale- grou, pois que nos classificaste de ‘estranhos’! Não poderemos mo- dificar o que já determinaste desde eternidades, e Te somos imensa- mente gratos pelas graças imerecidas que nos proporcionaste!” Tanto o chefe quanto o servo desatam a chorar e Yarah me diz, em surdina: “Senhor e Pai de todas as criaturas, vê, os negros estão chorando!”
Digo Eu: “Não importa, Minha filhinha, pois justamente por isto se tornam filhos de Meus filhos, que tampouco serão ex- pulsos da casa do avô!” Ouvindo Minhas Palavras, eles caem de jo- elhos e soluçam de alegria. Em seguida, o chefe diz: “Ó Deus cheio de Justiça, Sabedoria, Amor, Poder e Misericórdia, tomado da mais profunda contrição, agradeço-Te, em nome de meu povo, que, ao menos, nos conferes o nome de ‘filhos de Teus filhos’!”
Digo Eu: “Acalma-te, Meu amigo; quem é por Mim aceito deixa de ser um estranho! Vês a Terra cheia de montanhas, altas e baixas. As elevadas são as primitivas filhas do orbe, e as menores, que surgiram pouco a pouco, são seus filhotes; enquanto que as pri- meiras enfeitam seus picos com neve e gelo eternos, sua prole suga constantemente o leite do amor do seio da grande mãe!
Afirmo-vos: Quem possui amor e age por amor — é Meu filho, Minha filha, Meu amigo e Meu irmão; desprovido de amor, portanto não agindo dentro dele, será um estranho e tratado como tal. Se Eu te chamo de Meu amigo, já não és estranho, mas pertences à Minha casa através de Minha Palavra, que aceitaste em teu cora- ção. Transmite isto aos teus irmãos e vai em paz!”
O núbio assim faz e todos eles exultam de alegria por consolo tão grande. Cirenius, porém, que não havia bem compreendido a explicação dos espelhos, muito embora tivesse noção das qualidades diversas, pergunta se Eu não posso orientá-lo mais de perto. Eu lhe recomendo paciência, porquanto teríamos de enfrentar uma delega- ção de Cesareia Philippi.
Mal termino de falar, aparecem doze homens por detrás da casa velha; eram seis judeus e seis gregos. Os cesarenses, acomodados em algumas cabanas, foram informados pelos pastores e pescado- res de que o Prefeito de Roma havia doado a Marcus um grande terreno que fora protegido por um muro intransponível. Conside- ravam aquela área ao redor da cidade como posse comum, e agora pretendem ouvir de Cirenius com que direito havia ele se apossado daquele terreno, porquanto a cidade sempre havia pago o imposto a Roma e a Jerusalém. Anteriormente, Eu havia orientado Cirenius pela intuição, de sorte que já sabia do que se tratava antes que um dos representantes dessa delegação infeliz pudesse manifestar-se.
Após as costumeiras reverências, um grego esperto chamado Roklus diz: “Justo, severo e ilustríssimo senhor! Há uma hora pas- sada soubemos, pelos pastores entristecidos, que uma considerável parte das terras do Município, fortemente tributado, foi doada ao velho guerreiro Marcus através de tua generosidade! As ruínas ainda fumegantes e a infelicidade que nos atingiu provam, como cesaren- ses bem situados, que somos, na acepção da palavra, os mais mise- ráveis mendigos do mundo. Feliz quem pôde salvar alguns trastes, pois isto não nos foi possível em virtude da rapidez com que o fogo se propagou. Nós, e muitos outros, agradecemos aos deuses por nos terem salvo as vidas! Restam-nos apenas algumas cabeças de gado; como, porém, mantê-las, quando tua generosidade com romanos natos entregou-lhes a melhor área como bem definitivo?
Por este motivo, pedimos explicação se o feliz Marcus é ou não obrigado a nos indenizar! Sem qualquer indenização, nossa situ- ação deprimente seria inédita na história. Que poderemos aguardar de ti, nobre senhor?”
Diz Cirenius: “Que atrevimento é este?! O terreno pertence, há quinhentos anos, ao monte e à cabana de pescador, e era inteira- mente desvalorizado em virtude do solo arenoso. Além disto, dele
ainda faz parte um lote de vinte fangas, não cercado e entregue à comunidade para uso comum. Apresentai-vos como inteiramente pobres, desprovidos de qualquer bem! Que direi a essa mentira infa- me?! Sei que vossas residências foram destruídas pelo fogo e também sou informado de quanto monta vosso prejuízo; mas também não ignoro vossas grandes propriedades em Tyro e Sidon, e das enormes riquezas que tu, Roklus, possuis e que poderias concorrer comigo!
Vosso grupo é tão rico que poderia reconstruir a cidade, no mínimo, dez vezes; e, precisamente vós, vos queixais de pobreza e pretendeis acusar-me de injustiça porque a propriedade de Marcus
em todos os momentos de sua vida um homem de bem — foi isolada da vossa?! Dizei-me como classificar vossa atitude.
Ide analisar o terreno, que se estende atrás do muro por vin- te fangas! Estou a vendê-lo por dez dracmas; caso julgardes que o mesmo valha, poderemos fechar negócio! Não existe pior solo, com exceção do Sahara; pois, além de areia, pedregulho e alguns cardos, nada encontrareis.
Vós, porém, sois ricos e podeis mandar trazer, de longe, terra boa para cobrir este deserto, a fim de que se torne fértil. Também tendes os meios de mandar fazer uma enorme canalização que vos facilite irrigar, no verão, esta área, dando-vos direito sobre a mesma. Contudo, nada conseguireis comigo, pois provarei que, pela presente reclamação injusta, sempre cabe o direito ao mais forte! Que fareis?”
Responde Roklus, fortemente embaraçado pelas palavras enérgicas do Prefeito: “Senhor, não procuramos defesa própria, e sim somos representantes dos que passam verdadeira miséria na ci- dade destruída. Muito fizemos por eles, de sorte que a Comunidade empobrecida nos conferiu, por gratidão, todos os terrenos circunja- centes e nos garantiu também estes, à beira-mar.
Assim sendo, não nos pode ser indiferente quando alguém se apossa duma parte, a cultiva e cerca até com muro sólido, numa rapidez verdadeiramente miraculosa, o que somente é possível aos romanos, que não raro levantam um acampamento para cem mil homens em poucos minutos!
O caso, porém, sendo outro, desistimos de nossa exigên- cia! Poderá o velho Marcus anexar à propriedade as restantes vinte fangas de terra além da amurada, e declaramos com isto não ser ele incomodado por nós, ou pela própria Comunidade. No entanto, julgamos dever ele pagar o dízimo, em virtude do direito único que lhe assiste na pescaria.”
Diz Cirenius: “Como não? Mas tereis de provar em que época foi conferido tal direito à cidade! Desconheço documento desta ordem, porquanto durante minha função de Prefeito, que exerço perto de trinta e cinco anos, jamais me foi demonstrado. Este lugarejo adquiriu o nome de ‘cidade’ em homenagem a meu irmão, que há mais de quarenta anos rege em Roma. Sou ciente das meno- res ocorrências e ignoro tal dízimo de pescaria; sei positivamente que foi exigido de Marcus de modo ilegal, pelo que ele — caso fosse mal- doso — vos poderia reclamar a integral devolução da importância. Marcus nada disto fará, por ser honesto e sincero; garanto, porém, que no futuro não mais pagará tal imposto.
Ao invés de vos facultar qualquer direito, informo-vos, como deputados desta cidade, que nomearei o velho Marcus para prefeito da mesma e seus arrabaldes, em virtude do poder que me é conferido pelo Imperador. Ele unicamente julgará todas as vossas questões, enquanto vos obriga a pagar-lhe o referido imposto. Para este fim, receberá ele documentação imperial, válida pelo bastão, a espada e a balança dourada da justiça! Somente em casos excepcio- nais será necessária minha presença; do resto ele tudo julgará! Estais satisfeitos?”
A SÁBIA LEGISLAÇÃO NO REINADO DE MATHAEL, NO PONTUS
Diz Roklus: “Satisfeitos ou não, que poderíamos fazer con- tra vossa força?! Aos vermes no pó só cabe concordar; pois, caso se manifestem, os pássaros os devoram! O fraco tem de obedecer ao mais forte se quiser subsistir, e assim somos obrigados a obedecer ao
‘senhor’ Marcus, se pretendemos viver. Falando sinceramente, isto não nos é agradável, pois jamais vimos pessoa tão disparatada! Não se lhe pode contestar seu senso de justiça, em virtude de suas lon- gas experiências; de resto, é insociável e destituído de compreensão humanitária! Podemo-nos congratular à vista de sua nomeação e melhor seria emigrar — mas, para onde?”
Levanta-se Mathael e diz: “Muito bem, se tal é vosso desejo, imigrai para o Pontus, que irei governar! É um grande reinado entre dois mares: no Leste o Pontus, e no Oeste o Mar Cáspio. Lá podereis viver segura e calmamente sob leis rigorosas. Advirto-vos, porém, que não admito nem a aparência duma ação injusta, e a mentira é punida sem indulgência; o cidadão justo, honesto e filantrópico desfrutará de vida agradável!
Ninguém será isento do imposto, pois, podendo trabalhar, também ganhará; este lucro justifica um tributo ao rei, incumbido do bem do reinado, portanto necessita de proventos para manter um exército forte, que enfrente qualquer inimigo. Tem de manter escolas e penitenciárias, munir as fronteiras com fortalezas intrans- poníveis, no que necessita de muito dinheiro.
Por aí vedes a razão dum rei exigir o imposto individual, e caso vos agradem os deveres de meu país, podeis emigrar para o Pontus! Dou-vos com isto minha concessão; o jugo de Roma vos pesando demais sob a organização do velho Marcus — sabeis para onde vos dirigir!
A fim de vos orientar em mais alguns pontos, sabei que não permito o direito de posse absoluta. Todos poderão fazer fortuna que não deve ultrapassar dez mil libras, sob risco de morte. O exces- so terá de ser encaminhado aos cofres do Estado; em caso contrário
que, pela minha organização, facilmente será provado — o infra- tor de lei, tão salutar ao bem comum, será destituído de seus bens e, além disto, cumulado com outras punições.
Além do mais, não é permitido possuir-se fortuna acima ci- tada em curto tempo, pois prova sua aquisição ilegal, a não ser por doação, herança ou descoberta. Para essas três possibilidades rege,
no meu país, uma determinação pela qual a metade é entregue ao Estado, donde se provê a educação de menores e incapacitados para o trabalho. Em suma, tudo é de tal forma organizado, que ninguém venha a passar necessidades, e tampouco haverá supérfluo desme- dido! Somente se houver uma pessoa bondosa, justa e sábia poderá dispor de vinte mil libras — além disto, somente eu e meus fun- cionários confidentes e militares! Se tal ordem vos agrada, podeis arrumar vossos trastes e vos dirigir ao Pontus!”
Diz Roklus: “Ó sábio Rei do Pontus e do Mar Cáspio, dese- jamos-te muita felicidade para o teu reino — sem aceitar teu amável convite! Acaso haverá mais algum rei por aqui, com proposta tão atraente?! Teu regime pode ser bom quando a pessoa a ele se acostu- mar, qual boi na canga! Prefiro vinte Marcus e te digo: passa bem!”
DISCUSSÃOENTRECIRENIUSE ROKLUS
Novamente Roklus se dirige a Cirenius e diz: “Senhor, onde está Marcus, nosso patrão, para lhe rendermos nossa homenagem?”
Diz Cirenius: “Nada disto é preciso; uma homenagem de palavras vãs não lhe é útil e ele dispensa outras dádivas, porquanto as possui em abundância.
Melhor será se o procurardes sempre de corações honestos e sinceros ao expor-lhe vossas diferenças, pois vos atenderá com toda justiça! Qualquer mentira, porém, será imediatamente puni- da, porquanto sua perspicácia de pronto a descobre. É do desejo do Imperador, e também minha intenção rigorosa, banir do país mentira e traição para que a pura verdade, a par do amor desin- teressado, reine sobre as criaturas sujeitas a Roma, pois somente o cetro da verdade e do amor trará a felicidade aos povos. Quiçá algum dia não venha eu adotar as sábias diretrizes do Governo de Mathael para nossa terra; pois as achei muito sensatas para o pro- gresso individual e comum.
Tal orientação fará com que verdade e amor se tornem a segunda natureza das pessoas. A meu ver, não existe outro fator a
permitir mentira, embuste e egoísmo como o lucro ilimitado. Uma sábia restrição nesse sentido não tem preço, e na primeira oportuni- dade a submeterei ao parecer do Imperador, enquanto induzirei tais normas em meus domínios governamentais.”
Diz Roklus: “Não deixam de ser sábias quando já exercidas há alguns séculos; não será, porém, tão fácil em países arrendados a vários príncipes e tetrarcas. Nem tudo se conseguirá pelo poder absoluto, porquanto um imperador não pode revogar, de hoje para amanhã, contratos firmados com regentes também providos de certo poder, e terá de respeitá-los até que escoe o prazo fixado ou quando os contraentes não tenham cumprido as condições preestabelecidas, fator que susta, em parte ou completamente, o contrato. Enquan- to o Imperador arrendar determinadas terras a príncipes com di- reito de legislação — por eles bem pago — ele terá de considerar tais direitos facultados. De certo modo, todos nós vivemos sob leis romanas quando cometemos alguma infração contra o Estado; de resto, nos assiste a proteção do regente arrendatário contra o despo- tismo imperial.
Conhecemos bem nossa situação e dispensamos comentá- rios, pois necessitando de orientação, não vamos a Roma, e sim a quem nos rege. Por isto, não será tão fácil induzir na Palestina as normas governamentais do Rei do Pontus!”
Diz Cirenius, um tanto alterado: “Em parte tens razão de ser preciso considerar-se os contratos; no entanto, esqueceste ter-se o Imperador reservado o direito de revogação imediata quando o acha necessário a bem do Governo. Nesse caso, cabe ao arrendatário a petição de indenização referente ao pagamento anual, enquanto o regime daquelas terras volta ao Imperador, a cujas leis todos têm de se submeter. Assiste ao arrendatário um especial direito de pro- por a Roma a desistência de qualquer privilégio jurídico caso deseje continuar como regente, prosseguindo seu regime dentro das leis do Estado. O imperador resolverá a aceitação de tal proposta.
Com referência à Palestina, cabem-me as prerrogativas con- tra qualquer arrendatário, e posso sustar todo compromisso dessa
ordem. Estás, portanto, enganado ao julgar que o Monarca venha prejudicar a si próprio; pois sabe conferir apenas aqueles direitos que possa revogar em determinadas circunstâncias. Um Imperador pode tudo o que quer; somente não lhe é possível fazer milagres. Afora isto, pode revogar as leis antigas, criar novas e até mesmo destruir os templos e deuses pagãos e erigir um maravilhoso, destinado ao Deus Único e Verdadeiro — e ninguém terá o direito de inquiri-lo por tal motivo! Deste modo, bem pode amanhã proclamar as leis sábias de Mathael para todo o seu reinado. Quem teria coragem de se lhe opor, sem ser atingido pela reação do Monarca?!”
INTENÇÕESDEROKLUSESEUS COMPANHEIROS
Diz Roklus: “Creio não ter ofendido Roma e ao velho Mar- cus por preferir as leis de Augusto, ao invés das do rei nórdico, que absolutamente considero impróprias e cruéis. Sei que aquele reinado, de acordo com um mito, vai até ao fim do mundo, sendo, portanto, o maior da Terra. É, pois, questão duvidosa se for capaz de divulgar suas leis a todos aqueles povos! Permita-me uma ob- servação inofensiva; pois sendo obrigado a falar, prefiro fazê-lo de modo íntegro.
Afirmaste, há pouco, ser impossível ao Imperador fazer mi- lagres. Este teu axioma não me parece bem aplicado, pois a nova mansão do velho Marcus, a grande amurada, onde no mínimo cem pedreiros teriam de trabalhar durante cinco anos, considerando-se o transporte das enormes pedras de granito, a transformação do ter- reno numa área cultivada e, finalmente, a construção dum porto seguro, com vários navios a vela, que pela nossa observação dum morro da cidade, surgiu dum momento para outro — se isto não é um milagre, declino de minha natureza humana!
Tendo, pois, mencionado minha dúvida sem naufragar, con- fesso, em nome de meus onze companheiros, que minha anterior exigência de indenização foi apenas pretexto para descobrir este enigma! Chegamos à conclusão de que: ou um deus ou um mago da
era primária deve estar presente, porquanto as forças do homem não realizam tais coisas. Por isto, nos decidimos a vir aqui quanto antes.
Imploramos-te, pois, uma pequena explicação: Nada quere- mos tirar do velho Marcus, e sim nos prontificamos a cultivar, por conta própria, o restante do terreno; permite, porém, sabermos este mistério!”
Diz Cirenius: “Bem, a coisa muda de feição e pode tornar-se mais vantajosa do que a anterior exigência!”
Interrompe Roklus: “Isto sabíamos, pois há mais de trinta anos és nosso soberano justo e bondoso, e conhecemos teu fraco: é preciso transmitir-te certa vibração, caso se tencione saber algo inco- mum. Queira, pois, perdoar nossa atitude, não maldosa!”
Diz Cirenius: “Mas, em que se baseia vossa suposição ter isto surgido de modo milagroso? Descobriste-o hoje, sem observar que meus soldados e guerreiros trabalharam durante sete dias?”
Diz Roklus: “Mas... senhor! Desde que aqui te encontras, com exército considerável, não abandonamos nosso posto de obser- vação, para nos orientar sobre vossas intenções. Hoje cedo, a aurora maravilhosa nos despertou e não perdemos de vista esta zona. Até bem pouco, nada de extraordinário se nos deparou; de repente, o quadro se muda para o que ora vemos, como caído do Céu! Fisca- lizamos todos os movimentos, inclusive dos negros, e vossa desci- da do morro! Deu-se, portanto, um milagre colossal, que pedimos explicar!”
Diz Cirenius: “Pois bem, querendo sabê-lo melhor do que eu, que seja milagre! O ‘como’ e ‘por quem’ não necessitais saber; para tanto, é exigido mais do que vir aqui e bisbilhotar!
Se um estadista fosse relatar a todo mundo os segredos do Governo, sua política seria de curta duração e os subalternos com ele agiriam a bel prazer! Sendo obrigado a reger reinado e povo pela polí- tica, porquanto incapazes de reconhecerem as necessidades diversas, os setores, por si só, não se prestariam para função tão importante.
Um regente equilibrado deve ser dono de certo poder, de ci- ências e inteligência, tornando-se benfeitor e dirigente sábio de mi-
lhões de ignorantes, que mal sabem dar valor a ele! Que tal homem, por motivos sérios, não deixe que os súditos venham a se orientar sobre seus planos, é compreensível; assim, também compreendereis por que razão não vos revelo esse mistério. Pela minha explicação, deve o dirigente ter mais poderes que qualquer um; do contrário, os outros não lhe renderiam o devido respeito! Ide, portanto, analisar o milagre, e depois veremos se é possível esclarecer-vos algo mais! Agora basta!”
ROKLUSANALISAO MILAGRE
Em seguida, Roklus e seus companheiros se dirigem rápidos ao jardim e à casa, onde tudo lhes é mostrado por Marcus; sua ad- miração passa os limites do concebível. Decorrida meia hora, eles se juntam a nós, sem terem recebido explicação do velho guerreiro, pois tanto ele quanto Cirenius e Mathael haviam sido por Mim ins- pirados no que dizer, dando assim oportunidade de se converterem à verdade esses homens estapafúrdios.
Raphael, após ter dado a Marcus explicação do uso de tudo que lhe fora por Mim presenteado, vira-se para o guerreiro e diz em surdina: “Poupa tua gratidão verbal ao Senhor, porquanto se trata agora de converter esses ateístas da Escola de Epicúrio, fundador da agremiação dos essênios.
Seu grupo se compõe de seis gregos e seis judeus, todos de convicção uníssona e pertencentes à Ordem essênia. São astutos e não fáceis de se tratar. Além disto, riquíssimos, razão pela qual se dirigem a Cirenius como se fora um seu igual. Se for possível con- vencê-los pela palavra, a vitória será grande; pois cada um desses doze dispõe, como soberano, de cem mil criaturas. Por enquanto, o Senhor deve ficar oculto; a atração central será o Prefeito e a seguir tua pessoa, caso necessário. Só depois poderei surgir e, finalmente, o Próprio Senhor! Agora silêncio, que a discussão será acalorada!”
Nisto, Cirenius se dirige a Roklus: “Então, a construção mi- lagrosa vos agradou? Acaso podeis apresentar coisa idêntica?”
Diz Roklus: “Deixa-me em paz com esse assunto, como se fosse obra tua! És poderoso pelo grande número de soldados e armas; na criação da nova posse de Marcus cooperaste tão pouco quanto nós!
Ser-te-ia possível realizá-lo com inúmeros operários no de- correr de dez anos, pois o poder das armas e do dinheiro é grande neste mundo. Horácio, um de vossos célebres sábios, disse o seguin- te: Nada é por demais difícil aos mortais; pretendem até galgar o céu com sua intrepidez! Basta que o homem tenha os meios, poder e tempo para demover montanhas, secar mares e lagos e desviar o leito de rios.
Mas esta casa, o jardim tão ricamente cultivado, a amurada que o circunda como se fosse um bloco de mármore, o enorme mo- lhe do cais, que em certos pontos deve ter a profundidade da altura de dez a vinte homens, os cinco navios a vela com seu cordame completo — meu senhor, não haverá feiticeiro, nem da Pérsia, que criasse tudo isto de modo tão evidente!
Das centenas de milagres por mim presenciados, jamais vi um que subsistisse! Todas as magias surgem e se desvanecem como bolhas de ar. E aposto todos os meus bens não seres tu capaz de criar ou fazer desaparecer esta obra!”
CONFISSÃOATEÍSTADE ROKLUS
(Roklus): “De há muito deixei de acreditar numa Divindade, e sim creio numa força da Natureza, oculta e puramente espiritual, que se apresenta por toda parte num certo rigor, todavia amável, agindo numa determinada ordem pelas leis em que se baseia e nunca se preocupando com as atitudes humanas. Desconhece o bem e o mal, porquanto derivam do próprio homem.
Consiste numa grande desgraça ser ele escravo; mas quem o condenou para tanto? A santa Natureza, por certo que não; é obra do mais forte, que por egoísmo reduziu o mais fraco a animal de carga. O mesmo faz ele com o irracional: atira a canga pesada sobre
a nuca do boi, sobrecarrega burro, camelo, cavalo e até mesmo cons- trói pequenas torres nas costas do elefante! Quem inventou a espada, as correntes, o cárcere e a cruz ultrajante onde vós, romanos, atais os teimosos, que também querem dominar e assassinar, deixando-os morrer sob dores atrozes?! Toda essa miséria deriva do homem!
Na grande Natureza tudo é livre; só o homem se tornou u’a maldição para si e as demais obras da grande mestra, a Natureza. Pessoas ociosas começaram a inventar deuses, que imaginavam pro- vidos de fraquezas humanas. Construíram-lhes templos e se lhes tornaram seus representantes, munidos de vários meios para pro- vocar pavor e pragas, e induziam, além de seu domínio sobre os mais fracos, a mais inclemente tirania dos seres, por eles inventados. Existem eles até hoje para o sofrimento dos pobres, e em benefício dos poderosos que, por esse meio, mantêm a Humanidade em cega obediência. Pode-se usar o raciocínio mais apurado e a conclusão será sempre que o poderoso domina, pela espada, como represen- tante dos deuses!
Tal foi, até então, minha crença, que por esse milagre ficou fortemente abalada, pois começo a acreditar num Ser Supremo, por não ser possível a um mortal realizar tais coisas. É obra de Deus, que também só pode ser um homem dotado de poderes sobre a Nature- za. É de meu desejo conhecer aqui esse homem-deus! Tu, Cirenius, não o és; do contrário, de há muito terias circundado o Império Romano com muro tão elevado a assustar o próprio condor! Queira, pois, orientar-nos, a fim de que retornemos à casa!”
Diz Cirenius: “Estaria tudo muito bem, caso fosse tão fácil como pensas. Podeis indagar as horas a um guarda das searas e ele vos responderá pelos raios solares que caem sobre sua estaca fincada na terra, pelo que lhe pagareis u’a moeda de cobre. Aqui tal não se dá, por isto tende paciência, quiçá ainda recebereis explicação, que todavia vos custará mais!”
Diz Roklus: “Ora, em tal assunto estamos prontos a pagar uma libra de ouro e dez de prata!”
Diz Cirenius: “Asseguro-vos não ser possível adquiri-lo por todos os tesouros do mundo! Deveis primeiro ser orientados sobre o real valor e purificar-vos por várias provas. Penetrados pela in- credulidade dum Deus Pessoal e educados na ideologia politeísta, quereis — a fim de nos ridicularizar — receber informação Daquele que seria capaz de tudo criar pela vontade, numa rapidez inimagi- nável! Meus caros, veremos primeiro se sois capazes dum ato de fé; se esta não vos for induzida, jamais recebereis orientação a respeito! Compreendestes?”
Diz Roklus: “Claro, pois não somos tolos! Por ora, tua exi- gência é inaceitável pelos motivos que já expusemos e, caso desejes, os dilataremos!”
Diz Cirenius, movido pela Minha Inspiração: “Pois bem, ve- reis então o quanto vos afastastes da verdade e se sois capazes duma educação espiritual, que possibilite satisfazer vosso desejo. Se tiver- des dificuldade na educação de vossa alma, podeis seguir em paz e viver pelos ditames de Epicuro, por mim classificado um dos últi- mos sábios.
Suas máximas são aplicáveis a um rico cheio de saúde, pois o princípio: Deve-se ser honesto em virtude de sua própria pessoa e condescendente para com todas — todavia usar a máxima sinceri- dade consigo mesmo!, é aceitável dentro do mundo; mas a alma des- perta pelo Hálito Divino se apavora com isto, porquanto tal homem não deixa de ser forte egoísta, que trata somente de si! Os outros, acaso o preocupam? Podem ser fulminados pelo raio, tão logo não lhe deem vantagem!
Eis os traços principais dum adepto de Epicuro. Qualquer cego verá o quanto sua índole endurecida aceitará da fonte espiritual. Seus ensinamentos se prestam para enriquecer a criatura, mormente quando empregados com cinismo estoico, como acontece convosco. Para a riqueza espiritual não servem, por excluírem o puro amor a Deus e ao próximo! Isto vos sirva para o conhecimento de vós pró- prios. Agora, externai o motivo de vossas atitudes ateístas!”
Diz Roklus: “Tens razão, somos reais representantes de Epi- curo e passamos muito bem como tais. Quanto ao ateísmo, temos tantas provas concludentes, que poderíamos encher o mar. Acrescen- tarei mais algumas às mencionadas e, sem o quereres, me darás razão!
Tudo que existe se manifesta em épocas, duma forma evi- dente para todos. Se um ser for dotado de certa inteligência, esta se apresentará através de suas obras.
A mais simples plantinha de musgo, por exemplo, busca sua própria forma e desenvolve seu organismo, de onde se provê de flores, sementes e da capacidade reprodutora. Na flora mais adian- tada, a inteligência maior e mais definida se evidencia dentro de certa evolução.
Muito mais ela se manifesta nos irracionais, cujas ações — se bem que reduzidas em número e variedades — ultrapassam as do homem. As obras humanas provam sua vasta inteligência; mas nun- ca se nota uma perfeição provinda do interior, fato que não se pode negar nos animais, cujas atitudes estão mais ligadas à sua natureza e caráter do que no homem.
Suas obras são apenas cópias, modulações externas e isentas de qualquer valor interno. Pode ele imitar certa espécie de cera de abelha, desenhá-la e pintá-la — mas que trabalho grosseiro apresen- ta! Parece que a Natureza serviu-se do homem para ridicularizá-lo; é inteligente e sente existir a perfeição, sem contudo alcançá-la!
Na hipótese de possuírem todos os seres uma alma como princípio de ação, tal suposição pode ser elevada à evidente verdade pelo fato de se concluir do efeito à causa ou das ações à força, que denominamos de alma. Pelo grau de perfeição e ordem das obras duma alma, se conclui sua existência e capacidade. Deparando um conglomerado caótico sem manifestação e movimento, isto é, sem vestígios de vida, afirmamos reger aí a morte de modo inconsciente, cuja ação é destruição completa — fator que se observa no outono, em árvores e arbustos, cuja folhagem, anteriormente viçosa e orde-
nada, cai da alma vegetal, na maior desordem, seca e se desintegra durante o inverno.
Quem seria capaz de observar uma psique ativa numa desor- ganização total?! Sua evasão e destruição, mas nunca um novo ou mais perfeito surgir! Se bem que a folhagem deteriorada alimente o solo e o capacita, pela umidade do ar, a se tornar mais fértil, nunca mais ela surgirá como tal, porquanto sua alma se evaporou.
Pode-se, pois, afirmar: quanto mais ordenada e perfeita uma obra, tanto mais potente a força criadora, chamada ‘alma’ ou ‘espíri- to’, que nos prova sua capacidade pelo que realiza.
Onde, porém, estariam aquelas obras e sua ordem pelas quais deduziríamos a existência dum Ser Supremo, sábio e onipotente?! Bem conhecida é a tese de todos os teístas e teosofistas: Observa a Terra, suas montanhas, seus campos, mares, lagos, rios e inúmeras criaturas que nela habitam! Tudo isto prova a existência de entidades superiores; ou, como alegam os judeus tolos, a evidência de Um só Deus, o que não deixa de ser mais razoável e prático, do que servir-se a muitos senhores invisíveis, onde forçosamente se faz inimigos pela adoração de alguns. Desejava, por exemplo, conhecer alguém que se entendesse com Juno e Vênus a um só tempo, ou com Marte e Jano, ou com Apolo e Pluto!
Nesse ponto os judeus estão de parabéns; pois têm Jehovah, que domina Pluto, por eles denominado Satanás. É este muito tolo, porquanto maltrata seus servos ao invés de condecorá-los e premi- á-los. Todo verdadeiro judeu não se perturba por desprezar Satanás o quanto pode, tornando-se agradável a Jehovah. Ai dos romanos e gregos que assim agissem com Pluto, pois os sacerdotes os casti- gariam de modo inclemente! Convém fazer oferendas tanto a Zeus quanto a Pluto, pois do contrário o último monta à nuca do pobre pecador e Zeus não o poderá socorrer, sem expor-se ao perigo de colisão com os demais deuses.”
(Roklus): “Possuímos, descontando alguns poucos desvios, duas noções da Divindade, que despertam o riso dum raciocínio um tanto lúcido! Entre os egípcios, gregos e romanos superabundam os deuses pequenos, grandes, bons e maus; nos judeus, existe umno tronco, mui severo e justo, todavia bondoso e misericordioso. Só não deve ser aborrecido pelo seu povo, pois, quando perde a paciên- cia, fá-lo submergir na água por um ano, e depois de escoar — não se sabe aonde — milhões são curados e não se queixam de dores de cabeça! Ou então ele manda chover, durante um mês, raios, piche e enxofre sobre o povo pervertido, que desaparece com seu vício! Jehovah é, além disto, muito generoso com outras pragas e, quando começa a vibrar o açoite, não para tão cedo! Vê-se, portanto, que, para os judeus, o bem e o mal derivam da mesma divindade, en- quanto, para nós, vários deuses efetuam uma ou outra tarefa, e seria difícil dizer-se quem leva vantagem.
Mas todos os deuses, no céu ou no orkus e tártaro, são apenas imaginação! Os preguiçosos sacerdotes são os deuses, e o deus único dos judeus é o Sumo Pontífice em Jerusalém! Tais pessoas são provi- das de vastas noções e ciência, de onde nada deixam transparecer ao povo, por eles mantido na ignorância. Somente na sua casta maldosa são guardados os conhecimentos seculares, artes e ciências variadas, como segredos inatingíveis e santos. Tais segredos eles lançam em jogo contra os homens, obrigados a fazerem ricas oferendas, a fim de que sejam mais facilmente enganados e maltratados. Ofereço toda minha fortuna e a própria vida a quem me provar o contrário!
Podem ter existido, em épocas remotas, pessoas honestas e simples desde nascença, dotadas de especial perspicácia, que, enri- quecidas com o tempo por experiências vastíssimas, partilhavam, com amor, as aquisições espirituais com os menos felizes, onde finalmente viam seus esforços coroados de pleno êxito. A vida, em tal comunidade, deveria ter sido mui feliz, pois ninguém ocul-
tava segredos egoístas e todos eram iniciados na posse do mais experimentado.
Tal benfeitor e seus descendentes eram tratados com todo carinho; isto despertou inveja entre alguns menos esforçados, que também procuraram angariar experiência que ocultavam com certo misticismo, para se tornarem importantes perante outros. Sendo in- quiridos com insistência pelos curiosos, da razão por que andavam tão calados e sisudos, respondiam: Se soubésseis o que vimos e assis- timos, andaríeis ainda mais circunspectos do que nós!
Quando os incautos ouvem falar dum trapaceiro astucioso, não mais sossegam até que este lhes diga as condições em que esta- ria disposto a relatar algo de seu fundo traiçoeiro. As condições são prontamente aceitas e o esperto eleva-se a profeta e sacerdote, co- meçando a elaborar coisas místicas que ninguém entende, inclusive ele próprio; elas existem somente em seu cérebro rico em fantasias, conseguindo assim fazer calar os próprios sábios pela convicção que transmite ao povo de entender ele mais que os outros.
A fim de conseguir penetrar definitivamente na alma do povo, basta acrescentar algumas peças de magia — e as criaturas se deixam ludibriar pelos deuses astutos e poderosos! Ai do honesto e simples que dissesse, por amor desinteressado: Não creiais nesse falso profeta; cada palavra proferida é uma mentira, demonstrando apenas amor-próprio e domínio tirânico, que em breve algemar-vos-
-ão! Incutir-vos-á leis insuportáveis, sob o título de ‘vontade dos deuses’, determinando castigos pesados e a morte na cruz pela in- fração! Então, começareis a gemer e clamar com vossos filhos sob o jugo do falso doutrinador; tudo isto será em vão, porquanto não podereis reagir contra uma criatura isenta de amor!
Poderia o raciocínio justo ter argumentos contra tal ensino contrário? O povo, porém, deixou-se enganar e acreditava num ou vários deuses, preferindo ser maltratado pelos seus representantes orgulhosos e vaidosos, do que refletir e voltar à antiga razão natural! Conhecendo — como meus companheiros — esse assunto a fundo, compreender-se-á por que sou ateísta!”
(Roklus): “Se deste modo surgiram incontestavelmente to- dos os deuses e seus sacerdotes, tornando-se poderosos soberanos sobre vida e morte de seus irmãos, compreenderás o motivo que nos levou ao ateísmo. Nós, poucos, encontramos o caminho simples para o raciocínio puro e antigo e voltamos à grande Natureza, divin- dade sempre visível e ativa dentro duma ordem milagrosa, enquanto todas as divindades manifestas pelo homem nada mais são do que a fantasia enferma dum preguiçoso, que aprendeu algumas magias e tenta apresentá-las como vontade de Deus.
A Natureza jamais precisou de representantes, tampouco o Sol teve tal ideia, porquanto age individualmente, irradia e aquece tudo de modo inconfundível! O próprio homem, como a espécie mais perfeita entre os símios, nada deixa a desejar quanto à forma e natureza.
Ele, um animal munido da capacidade da fala, possui raciocí- nio e intelecto livres, que lhe facultam o domínio sobre os demais se- res. Isto, porém, não lhe é suficiente: pretende pisar o próximo, em sua presunção mental. E eis o ponto crítico em que o homem deixa de ser criatura, e se eleva a um deus. Não lhe sendo possível um estado perfeito, porquanto ainda compartilha dos mesmos defeitos do próximo, satisfaz-se ele com o posto de representante divino, que uma vez inteligentemente iniciado, tem duração secular.
Neste caso, conviria adicionar-se à representação divina al- gumas determinações evidentemente sábias e úteis, e o êxito se es- tenderá por um milênio sobre a Humanidade meiga e infantil! Para umalei sábia, pode-se acrescentar milhares de mentiras e tolices ab- surdas, e os supersticiosos as aceitarão cheios de respeito.
Quem quiser enfadar os homens, basta expor-lhes verdades de fácil compreensão e tal pregador, em breve, se verá abandonado. Ao passo que, mentindo e inventando ter visto, por exemplo, ani- mais na Índia cujo tamanho desafiava montanhas, possuindo cem
cabeças, cada qual semelhante a um animal diferente, e tendo no centro uma enorme cabeça humana que falava todos os idiomas com voz de trovão, e até mesmo determinava leis a serem respeita- das para com o grande exército das outras cabeças, a tais absurdos poderá juntar ainda outros que serão também aceitos; ai de quem se atrevesse a induzir dúvidas; pois seria obrigado a calar-se, enquanto o outro dominaria o campo!
Por acaso será de estranhar que em tais condições existam outros de minha convicção? Pois não haverá um deus verdadeiro que exigisse as coisas mais tolas para sua glorificação, como a aquisição do estrume do Templo, bênção necessária de campos, hortas e pas- tos, conforme pede o deus único dos judeus — não mencionando outras coisas ridículas: oferendas, usos e hábitos que desonram a dignidade humana, exigidas com rigor dos nossos múltiplos deuses!
Ai de quem se arriscasse a dar um piparote num deus de simples categoria, feito de madeira; seria tratado como sacrílego e amaldiçoado por parte dos representantes divinos! A destruição ou a simples ofensa a u’a mentira, talhada em madeira, era punida pela espada como crime máximo; se, no entanto, milhares de mistifica- dores preguiçosos pisam a pura verdade e a honra humana, perse- guem-nas e abafam a semente do Bem por todos os meios cruéis, tais absurdos são justificados e agradáveis aos deuses poderosos. Podes, como regente verdadeiramente sábio, aborrecer-te por eu me sentir enojado quando ouço falar de deus ou deuses?!
Quando voltei pela terceira vez à Índia, deparei com muita coisa boa e apreciável, ao lado de tolices tão absurdas que me dei- xaram irritado. De acordo com a teosofia da Índia, o supremo deus Dalai-Lama manifesta a máxima honra a seu maior representante
— também imortal — e aos demais sacerdotes, por sua apresentação anual no pico duma montanha elevada! Ele, o representante, é então obrigado a evacuar num pano branco, deixar secar os excrementos e pulverizá-los. Tal ‘pó divino’, como é chamado pelos hindus, é depo- sitado em quantidades diminutas dentro de pequenas caixas de ma- deira e enviado aos regentes dos povos contra considerável resgate.
Após penitência prescrita, essa dádiva nojenta deve ser ingerida com o máximo respeito. Outros tantos absurdos são provas que qualquer viajante poderá observar.
Qual seria o critério dum homem de raciocínio equilibrado quando ouve tal imundície do deus máximo da Índia?! É de se de- sesperar diante da tolice humana onde criaturas se ataram, talvez há vários milênios, tornando-se impossível dela se desapegarem!
Deixa-me travar conhecimento com um deus razoável — e renunciarei ao ateísmo; pois o fato aqui ocorrido muito me intriga e me poderia despertar a crença de existir, realmente, uma Divindade que corresponda à exigência do intelecto. Se, porém, for tão pre- sunçosa quanto as que vi, poderá repetir tais milagres, que não lhe renderei homenagem! Eis como sou, penso e ajo! Podes, portanto, esclarecer-me a maneira pela qual surgiu a casa de Marcus!”
OSENHORESCLARECEAÍNDOLEDE ROKLUS
Com as palavras de Roklus, Cirenius tornou-se pensativo e não sabe o que responder; por isso dirige-se a Mim e diz: “Senhor, no todo este homem não deixa de ter razão e parece possuir bons sentimentos, descontando-se o ateísmo. Se fosse possível induzi-lo ao contrário, seria uma pérola para Tua Justa Causa, em virtude de seu intelecto apurado e experiências variadas. Precisamente es- ses motivos me dificultam resposta que garanta êxito. Se Tu falares, será melhor!”
Digo Eu: “Analisaste-o bem; ninguém dentre vós é dotado de tais faculdades como Roklus e, através dele, seus onze colegas. Pos- suidor de tesouros consideráveis, descobriu, seguidamente, astúcia e falsidades, vendo a Divindade representada por afamados trapacei- ros, e não é de se estranhar sua tese.
Procurou Deus com insistência e, por isso, empreendeu gran- des viagens; quanto mais se afastava, maiores mistificações, fraudes e tolices se lhe deparavam. Finalmente, iniciou-se na Ordem essênia, que lhe agradou, porque suas mistificações eram organizadas a bem
da Humanidade; seus adeptos são pessoas boas e inteligentes, irmãos entre si. O princípio dessa seita é: Sabemos, possuímos e somos to- dos pela igualdade; não desvendamos ao leigo o segredo contido em nossas muralhas protetoras, de onde jamais advirá desgraça, senão a salvação dos homens!
Tudo isto é bem louvável; a fé em Deus, porém, é duvidosa, porquanto positivam não existir Poder Supremo além da Nature- za. Eis o motivo que dificulta a conversão dum verdadeiro essênio. Deve Roklus ter oportunidade de se externar a respeito de tudo; somente após se ter revelado será possível algo a seu favor. Por en- quanto ainda não está amadurecido para tal, porque oculta muita coisa em virtude de vossa justiça romana.
Enquanto a pessoa não tiver absoluta confiança no próximo, nunca se tornará seu amigo, tampouco se abrirá inteiramente. Assim não sendo, não poderá se desfazer de seus complexos. Por isso, deves te fazer amigo de Roklus e ele então te revelará coisas curiosas.
Transforma tua expressão e virtude romanas em manifesta- ções amistosas, de modo sincero; isto alcançado, poderás com ele negociar para que Eu dele Me aproxime. Pois, se agora o fizesse, nem Me daria atenção, alegando conhecer apenas o Prefeito, no que Eu seria obrigado a lhe dar razão. Trata-o, pois, com amabilidade e, em seguida, podes apresentar-Me!”
Diz Cirenius: “Tentá-lo-ei, mas pressinto que não obterei pleno êxito!” Digo Eu: “Age com jeito, e tudo irá bem!”
OMOTIVODAQUEDADO SACERDÓCIO
De novo Cirenius se dirige a Roklus: “Amigo, ponderei pro- fundamente tuas palavras; achei teus motivos justos e confirmo teres razão em vários pontos; no seu todo, porém, contêm uma falha, porquanto te prendes ao presente, e constróis um edifício sem base sólida, podendo ser destruído por qualquer tempestade.
Tens razão em afirmar serem os sacerdotes de projeção, na maioria, pessoas egoísticas e seus subalternos obrigados a dançarem
conforme tocam, quando exercem sua função junto àqueles; toda- via, nem tudo é fraude, como alegas.
Considera apenas a diferença entre a linguagem de hoje e a de épocas remotas, quando se falava por comparações e parábolas. Era mais poesia, motivo por que os antigos tudo escreviam em ver- sos, e deste modo também palestravam, pois a simples prosa surgiu apenas quando as criaturas haviam se integrado na vida carnal.
Portanto, terão os antigos profetas e videntes demonstrado o verdadeiro e único Deus, no que tinham maior entendimento que nós; pelo rigoroso cumprimento das sábias Leis Divinas, os primeiros descendentes se tornaram abastados. Esse estado, porém, tornou-os atrevidos, sensuais e brutos; de tal forma inclinados, em breve nada mais entendiam da linguagem psíquica cheia de poesia.
Começou-se a estudar a letra que mata e perdeu-se a semente luminosa da Verdade. Todos nós, com exceção de dois, nada mais sabíamos da Verdade Espiritual e nos parecia tolice o que ouvíamos a respeito dos videntes e oráculos. As duas pessoas, mormente uma, apontaram-nos o grande erro cometido.
De tal incompreensão, tinham que surgir princípios falsos e, desses, outras tolices, e as próprias Leis Divinas só podiam ter o cunho das ações do homem.
Uma vez a Humanidade tendo chegado a tais baixezas em sua esfera psíquica e sentindo-se totalmente abandonada de influên- cia superior, o egoísmo aumentou e começou a se defender com ar- mas contra possíveis ataques, qual homem surpreendido pela noite em floresta densa, que de tudo lança mão para enfrentar inimigos.
Alguns se excedem no seu receio, a ponto de negarem a exis- tência dum Ser protetor, isolam-se de todos, e tornam-se avarentos e impedem o progresso do vizinho. Circundam suas habitações de muros possantes e enterram seus tesouros em locais dificilmente encontrados.
Nesta situação, o homem se torna dominador e procura tudo açambarcar de modo inescrupuloso, com medo de uma possível ne- cessidade. Indaga de um avarento para que acumula tanta fortuna,
porquanto não pode gastar em mil anos o que juntou. Ele nem res- posta te dará, pois te considera um inimigo. Em tal estado espiri- tual se encontram os sacerdotes. Possuem as tradições proféticas, que leem e estudam a toda hora; precisamente por isso caem num emaranhado de dúvidas, de onde não conseguem se desvencilhar. Sua posição sacerdotal lhes obriga a aparentarem como se algo en- tendessem; sua noção única e real consiste precisamente em nada saberem! Por isso, empregam seu tempo em ocultar sua ignorância completa diante do povo, e enganá-lo por todos os meios.
Alguns conseguem certo conhecimento por mero acaso; não podem, no entanto, arrasar sua construção religiosa, embora fictícia, em virtude da multidão obtusa, e são obrigados a nadar com a maré, talvez conservando, em seu íntimo, convicção mais acertada.
Afirmo-te que, entre os sacerdotes de todos os credos, exis- tem alguns cientes de suas falsas interpretações, possuindo bons conhecimentos do Deus Único e Verdadeiro ao Qual dedicam seu culto. Como nada consigam na modificação dos templos mistifica- dores, entregam-nos com paciência àquele que tem Poder para arras- tá-los quando quiser. Por certo terá Seus motivos, por ter permitido sua construção e salvaguarda por muralhas e armas!
Considerando minhas palavras, confessarás que, não obs- tante teu raciocínio apurado e as muitas experiências como ate- ísta perfeito, não tens razão em tudo e te achas mui distante da pura Verdade!
Chegou a tua vez de falar sem rodeios, porquanto te consi- dero meu amigo, que procurarei levar ao justo caminho, não como Prefeito de Roma e juiz supremo, senão como irmão teu!”
O SANTÍSSIMO NO TEMPLO DE JERUSALÉM.ABERRAÇÕESDEPENITÊNCIASNA ÍNDIA
Diz Roklus: “Senhor, tua réplica foi boa e sábia, e por mim ponderada; descobri seres até um perfeito cosmopolita, que infeliz- mente são raros em teu meio social.
A hipótese dum deus único, sábio e humano é aceitável; mas onde existe, senão como ideia duma alma poética?! Pois se fosse real, manifestar-se-ia de forma extraordinária! Assim, pode a criatura fa- zer o que quiser, procurar e pesquisar no mundo inteiro, que tudo será baldado!
Por todos os cantos se enfrenta um homem fantasiado de in- dumentária peculiar, como acontece no Templo de Jerusalém, onde se postam guardas diante do precioso reposteiro, a fim de que nenhum leigo aí penetre. Nós outros o conseguimos, não sendo judeus, pa- gando uma taxa considerável, e encontramos no Santíssimo apenas produções humanas: uma urna, idêntica a um sarcófago, feita de ma- deira preta e marrom, em cujo centro estava uma vasilha de cobre, projetando uma chama de nafta, representando o Ser Supremo!
Quanta ignorância e tolice não são precisas para acreditar-
-se nisto! Onde estaria o deus que inventasse tal ardil para iludir as criaturas, privando-as, sob risco de morte, de qualquer conheci- mento verdadeiro para continuarem em tal estado; devem trabalhar dia e noite, facilitando aos preguiçosos representantes de deus vida folgada e nababesca. Têm de estar prontos, a cada momento, para oferecer sua vida na conservação de tais sacerdotes.
Amigo — se é que assim te posso chamar — observa as cria- turas da Índia, e ficarás de cabelos arrepiados, pois encontrarás peni- tentes que nunca sonhaste! Aqui se aplicam punições determinadas por juízes que se prolongam no máximo por um dia; lá o menor castigo dura um a dois anos, aplicado pelo próprio criminoso, sendo o mais leve tão cruel, que a crucifixão nada representa.
Certo dia, vi tal penitência suave: o homem havia perfurado suas pernas com três pregos e, mesmo assim, tinha de puxar conside- rável peso ao redor duma árvore. Mal sentia as forças se lhe esgota- rem, ele se aplicava fortes golpes com chicote cravejado de estilhaços de ferro! Sua alimentação de penitente consistia em sete figos e um jarro d’água. Tal castigo já durava dois anos, e ele continuava vivo.
Outro, vi com o corpo semeado de espinhos, encravados duas polegadas, aproximadamente, dentro da carne. Esses espinhos,
de madeira, osso ou aço, o penitente era obrigado a introduzi-los de próprio punho, por ordem do sacerdote, acrescentando diariamente um espinho, no decorrer dos dois anos, de sorte a poder contar os dias decorridos. Continuando vivo após tal curso, inicia-se, então, a penitência do mérito diante dos olhos de Lama; pois a primeira parte é destinada ao perdão, a segunda ao mérito.
Perguntei ao sacerdote amável em que consistia a segunda, e ele respondeu: De duas ou três formas. O penitente pode ficar com os espinhos na carne até o fim de sua vida, coisa muito incômoda durante o sono; pois tal só lhe será possível em areia movediça ou n’água, preso a odres cheios de ar. Segundo, pode ele tirar os espi- nhos, um por dia, no que leva tanto tempo quanto durou a primeira parte do castigo. Terceiro, pode tirá-los duma só vez e tomar um ba- nho balsâmico que curará as feridas e capacitará o penitente tornar-
-se útil ao trabalho. Em compensação tem de fazer rica oferenda ao lama, ou ser escravo dum sacerdote durante quatro anos, cuidando de campos, hortas e pastos. Sua manutenção é paga por ele mesmo. É fácil imaginar não ser tal estado agradável!
Perguntei em seguida qual teria sido a culpa daquele homem, e o outro disse: Nem sempre existe crime; pode advir da vontade insondável do Lama eterno, que a transmite ao sumo sacerdote; este a comunica aos subalternos que instruem o povo, obrigado à cega obediência. Não obstante sermos ínfimos diante do Lama, nossa posição perante a plebe é potente! Basta uma palavra nossa e, qual lei imutável, o povo a aceita como vinda do Dalai Lama!
Perguntei então se o Lama nunca externava razões que de- terminassem penitências tais, e ele respondeu com humildade: Aca- so ele esclarece os motivos das moléstias que manda aos homens?! Lama é mui sábio, poderoso e justo. Faz o que quer; jamais pede conselhos e despreza opiniões humanas! Quem poderia opor-se à sua vontade? Seria coisa tremenda despertar sua ira! Por isto, con- vém mais ao homem submeter-se aos piores martírios neste mundo passageiro, do que padecer no outro, no fogo da ira de Lama! — Perguntei, ainda, ao amável sacerdote capaz de assistir aos tormentos
de outros, anos afora, por que nunca se achava u’a jovem ou um clérigo naquele meio; sempre se deparava com pessoas idosas, geral- mente negros, e mulheres velhas e feias. Disse-me ele: Estrangeiro curioso, toda explicação se baseia na vontade do Lama; assim sendo, desiste de outras perguntas!”
OSACERDÓCIO HINDU
(Roklus): “Tal resposta me aborreceu, como cidadão roma- no, tanto que lhe disse: Responder-me-ias desta forma caso estivesse dirigindo um forte exército e te ordenasse sustar penitência tão ab- surda nesses pobres coitados? — O sacerdote quedou perplexo, sem saber o que dizer.
Prossegui com seriedade: Podes fitar-me com atenção, para me reconheceres facilmente quando destruir essa fortaleza perigosa, dum deus cruel e seus sacerdotes! — Eis que ele reagiu com raiva, e nem de longe parecia o mesmo homem dócil, dizendo: Desvairado, seria mais fácil dizimares a Lua, do que as muralhas protetoras do Lama! Onde se acha teu glorioso exército?
Respondi-lhe: Não serei tão tolo em revelar-te; basta um ace- no meu e poderás localizá-lo! Se não me relatares a plena verdade sobre o Dalai-Lama, vossa união secreta e o motivo das crueldades praticadas em homens indefesos, far-te-ei martirizar com tudo que a minha fantasia me inspirar, durante vinte anos, para saberes o que sofrem os outros!
Como visse não estar eu gracejando, ele começou a relatar os fatos verídicos, sob condição de poder fugir comigo, porquan- to teria arriscado sua vida, e disse-me: Nossa seita possui Escritura que consta se originar dos patriarcas. Os autores, chamados Kenan, Jared e Henoch, a confeccionaram por ordem do Deus Supremo, cujo Nome só é conhecido pelo Sumo Sacerdote. No Grande Livro de todos os livros, consta extenso relato de Noé e Mihihal; desco- nhecemos seu conteúdo e nem nos podemos atrever a estudá-lo, porquanto seria crime mortal.
Entre nós, sacerdotes subalternos, jamais algum viu o Lama e já consiste uma imensa graça quando nos é permitido ver em vida o Sumo Sacerdote. Possui conhecimentos da vida particular de cada súdito e dos regentes a ele sujeitos; basta emitir uma ordem aos povos, que nele acreditam cegamente e contam com seu bem-
-estar através de sua pessoa, para se levantarem aniquilando seus superiores com o maior prazer do mundo, pois assim se tornam agradáveis aos olhos do Lama. Cientes disto, os regentes sobrecar- regam de honrarias o Sumo Sacerdote e lhe oferecem anualmente somas vultosas de ouro e prata; além disto, o enriquecem com as manadas mais fortes.
Se determinar qualquer penitência, dentre as quais os pró- prios regentes não são excluídos, podem esses resgatá-la com ouro e pedrarias, ou então pedir permissão para algum outro, mui beato e que jamais tenha sido penitente, fazê-lo em seu lugar; depende de sua livre vontade, como também pode fixar a taxa que lhe compete e que, em tais casos, não é pequena. Os representantes beatos se in- formam antes com o incumbido da penitência e podem transformar um castigo pesado num leve, que é aceito pelo Sumo Sacerdote em benefício do regente, caso este pague ao substituto soma bastante elevada e da qual dois terços nos cabem.
Geralmente é observada norma secreta que raramente de- termina penitência a pessoas pobres, e caso isso suceda, são elas leves. Grandes penitências são impostas somente aos ricos e abas- tados, que podem isentar-se em parte ou totalmente caso o quei- ram. Além destes, ninguém consegue resgate completo, que lhe custaria toda fortuna. O avarento fá-lo por si, porquanto não quer perder seus tesouros. Se o penitente possui filha bonita ou rapaz culto, pode oferecê-los ao Sumo Sacerdote em lugar de ouro e pe- drarias, junto com pequeno dote e regiamente vestidos; pois ele e seus inúmeros servos precisam de tais jovens para serviços diversos. Seu território é tão imenso nas montanhas, que uma pessoa teria de caminhar anos afora para ver as terras que o Lama ofertou ao seu representante.”
(Roklus): “A cidade que habita não tem nome, é enorme e construída para a eternidade. Acha-se no pico de u’a montanha, cir- cundada por cordilheiras intransponíveis, porquanto todo o territó- rio, incluindo uma imensa planície, é rodeado por tríplice muralha, galgável somente por escadas de corda.
Mesmo conseguindo passar deste modo pelas três muralhas, estaciona-se diante das rochas escalvadas. Pode-se levar um dia e meio marchando em volta da montanha, à procura dum possível acesso, que não existe. Somente os guardas da muralha interna po- dem abrir uma passagem na rocha, que também só se alcança por escadas de corda. Nada, porém, ter-se-á conseguido atingindo a ro- cha, afastada do solo na altura de doze homens, caso os guardas não abram a passagem e levem o visitante através dum labirinto subter- râneo até ao cume, com auxílio de archotes.
Em lá chegando, após uma hora de zigue-zague, a visão se extasia diante das maravilhas da Natureza. A enorme planície con- siste em jardins exuberantes, em cujo centro há um lago imenso, não muito fundo, todavia contém água cristalina que abastece todos os habitantes da cidade santa.
Pode-se passar horas a fio sem perceber vestígios da própria metrópole; pois, para lá chegar, preciso é passar por floresta densa até atingir outra muralha de enorme circunferência, transponível por portais e pontes movediças. Então, entra-se na cidade após gran- des dificuldades e peripécias, deparando-se coisas tão maravilhosas, que nenhum mortal poderá imaginar. Tudo pode ser visto, com ex- ceção do palácio pontifical.
Encontra-se no meio da cidade, numa rocha de circunferên- cia de três mil pés, e se eleva numa altura de trinta homens, sobre todas as outras construções. Ao santo palácio se penetra por meio de escadas subterrâneas. Não conheço seu interior, porquanto nunca lá estive e, além dos servos do Sumo Sacerdote, ninguém pode se aproximar da entrada.
Às vezes, ele desce à cidade, incógnito, passeia no jardim e palestra com outros sacerdotes, únicos habitantes da mesma; nin- guém deve cumprimentá-lo como tal. Mostra-se quatro vezes ao ano, em pleno ornato; tais dias são feriados. Três noites antes e de- pois, a montanha é inteiramente iluminada, causando grande des- lumbramento.
Não penses ser fácil chegar-se a tal planalto; é preciso pas- sar dias e dias por vastas montanhas, vales, grutas e penhascos; no final, chega-se a uma garganta terrível e, para subir, necessita-se de escadas, como já foi dito. Ser-te-á, portanto, impossível vencer tais fortalezas naturais por exército mais poderoso. Talvez conseguirias interromper as comunicações entre os povos e o Sumo Sacerdote; cortá-las, jamais! Para tal fim, tem ele a proteção dos regentes pode- rosos, cada qual podendo duplicar teu exército. Aconselho-te, pois, não te arriscares! — Em seguida ele silenciou e eu tive tempo para meditar. Cheguei à conclusão de que o deus hindu também era ho- mem, entendido na proteção de si mesmo.”
ROKLUSCRITICAOSISTEMARELIGIOSOHINDUE JUDEU
(Roklus): “Anteriormente já disse que um Deus, único, no qual habitasse a máxima inteligência, sabedoria e vontade podero- sas, seria o mais elevado ideal. A noção a respeito de tal Entidade perfeita lhe deveria corresponder, caso manifestasse uma realidade de fundo transcendental! No entanto, divulga-se a Divindade dum modo tão absurdo e material, obrigando às criaturas adoração e ve- neração completas!
A pessoa que a isto reagisse ouviria o seguinte: É necessário um deus, seja agradável ou horrendo, pois aos ignorantes isso não importa. O intelecto não se conforma, porquanto se baseia numa ordem matemática e, com toda imposição, não pode imaginar que um mestre, cujas obras demonstrem conhecimento e experiência, seja estúpido e ignorante! E não é preciso ir longe para se provar o que acabo de afirmar! Analisamos apenas os mandamentos de divin-
dades conhecidas e as impressões que delas derivam — e dispense- mos comentários.”
Intervém Cirenius: “Não farás objeções contra as Leis de Moysés?” Diz ele: “Realmente são as melhores; a unificação de Deus é aceitável e as Leis, se bem que não completas, são humanas, com grande semelhança às do Egito; somente desconsiderou Moysés umalei dos antigos: Enquanto orientou as crianças quanto à atitude para com seus pais, Ísis também deu aos progenitores um mandamento de conduta para com os filhos, aos quais assistem certos direitos. Foram postos no mundo em situações penosas, sem que fossem con- sultados. Posteriormente, deu Moysés certas ordens a respeito das Leis recebidas no Monte Sinai, porém nada disto foi mencionado!”
ROKLUSPREZAOATEÍSMOEONÃO SER
(Roklus): “Muito lidei com judeus e conheço suas leis como talvez poucos. Diz o provérbio: Quem procura acha!, mas tal não se deu comigo, pois só encontrei o que não queria.
Procurei a Verdadeira Divindade com muito zelo, sacrifícios monetários e físicos, de espírito abnegado e desembaraçado — e só encontrei fraudes humanas de toda espécie, onde nem de longe ha- via vestígios de Deus. Na melhor das hipóteses, deparava com uma fé autoritária de origem patriarcal, envolta num matagal de mística, ou, em caso contrário, uma superstição desvairada e imposta por questões políticas, onde nem ao espírito dotado de muita luz era possível manter-se no lodo dos piores absurdos. Tornar-se-á hipócri- ta e monstro no conceito de si mesmo; pois não haverá coisa mais abjeta contra a dignidade do espírito do que aceitar, por exemplo, uma lei sancionada por tirano poderoso que afirme caber à Lua a criação do dia, e ao Sol iluminar a noite! Furar-se-á os olhos, cortar-
-se-ão nariz e orelhas e arrancar-se-á a língua a quem não acreditar em tais absurdos.
Eis o primeiro grau de castigo para a descrença. Se, desta forma mutilado, o homem não crer no que lhe é exposto, é ele cru-
cificado, nu, seu ventre retalhado horizontal e verticalmente, e os cães esfaimados poderão saciar sua voracidade nas vísceras da vítima ainda viva! Quem duvidar de minhas palavras poderá viajar à Índia, onde encontrará coisas piores, na autoflagelação a que são obrigados a se submeter. E ai de quem se opuser a tal penitência — morrerá de morte crudelíssima! Amigo, acaso poderia ocultar-se a Divindade justa e sábia atrás de tais horrores?!
Por isto, deixai-me em paz com essas ideias! Os homens não necessitam dum Deus, senão duma filosofia filantrópica e humani- tária, tornando-os deuses perfeitos. Providos do raciocínio puro e duma tendência pesquisadora, em breve se integrarão dos segredos da Natureza e realizarão coisas extraordinárias. Viverão, assim, feli- zes, e a própria morte, onde não os aguarda nem o Elysium tampou- co o tártaro, menor pavor lhes incutirá do que pela compreensão teosófica, pela qual essa calamidade seria eterna.
Por longas eternidades não tive existência; teria por isto me entristecido?! Muito menos sentirei um futuro estado de inconsciên- cia completa, que a meu ver é o mais feliz. A noção da vida, mesmo feliz, é ainda pior, porque surge o receio de sua curta duração, ou que a morte a interrompa em definitivo.
A não existência não tem a felicidade do prazer, nem de las- timar sua perda. Filósofo como eu não será atemorizado pela morte natural, mas unicamente pelo martírio! Pois a sábia Natureza não terá produzido o homem dum elemento provindo do húmus, para que fosse martirizado por seu semelhante! Vejo em a Natureza muita coisa sábia, se bem que não em todas as suas manifestações; jamais, porém, farei uma reclamação a respeito.”
FILOSOFIADE ROKLUS
(Roklus): “As forças brutas e poderosas da Natureza só po- dem ter ação violenta e precisa, pois despertam as reações eletro- magnéticas que só então criam forma, pela recíproca atração e repul- são. Começam a desenvolver-se e surgem para a vida independente,
enquanto conseguem reagir contra outra força mais poderosa. Tão logo esta a domine, aquela manifestação terá chegado ao fim. A pró- pria forma se desintegra e tudo é tragado pela energia mais potente, como foi demonstrado por sábio da antiguidade, quando Cronos
criador dos deuses — traga os próprios filhos. O tempo e as for- ças que nele agem representam o dito deus Cronos da mitologia. O tempo tudo produz: campos verdejantes e estepes ressequidas; surgir e desvanecer, vida e morte, ser e não ser caminham de mãos dadas. Não há descanso nem sossego; uma onda desperta outra — entre elas jaz a sepultura! Quem traz o cunho da vida, tem no reverso o da morte!
Tudo isto é, para o observador zeloso, a consequência ne- cessária da constante ação recíproca das variadas energias dentro da Natureza. Despertam-se mutuamente, e se destroem pela luta que as fez surgir. Vejo em tudo o permanente jogo de ondas, e as formações fantásticas das nuvens no éter nos dão a prova evidente da maneira por que as forças diversas se condensam em variadas formas. Ora surge um leão, um dragão, pássaro, peixe, cão, a cabeça e até a ca- ricatura humana! Mas, quanto tempo duram? Apenas até que um outro poder destrua a forma, às vezes perfeita!
Acaso dá-se coisa diferente com nossa formação e existência? Que mudança não ocorre no homem entre o nascimento e a velhice
se é que a alcança! Onde está o orgulhoso que pretendia conquis- tar a Terra há mil anos? Lá onde existe o floco de neve que, com seus irmãos, se esforçou por transformar o orbe em gelo! Onde se acha o tufão que ainda ontem pretendia arrasar os cedros gigantescos? Um poder mais violento o tragou, como fez Cronos a seus filhos! Perdura apenas em nossa memória; na realidade deixou de rugir com fragor!
Quando viajei pela Pérsia, fui testemunha dum fenômeno curioso: o dia estava quentíssimo e nossa caravana procurava pro- teção dos raios solares debaixo de árvores frondosas. Poucas horas antes do pôr do sol, observamos no Oeste imensas nuvens negras que vinham para nossa direção. O guia nos anunciou uma violen- ta tempestade e conviria não deixarmos a floresta até que tivesse
passado. Dentro de meia hora, desabou o temporal por cima de nós. As árvores eram vergastadas e muitos galhos caíram por terra. Começou a chover suavemente e a escuridão se acentuava cada vez mais. De repente, milhões de sapos caíram com a própria chuva; os que caíam n’água logo começaram a nadar; dos outros, poucos se salvaram sobre a terra escaldante. Alguns minutos após a tempes- tade, que durou talvez um quarto de hora, e o Sol ainda no ocaso, projetando seus raios fortes, os sapos desapareceram, ficando apenas alguns montes de mofo misturado com limo.
Pergunto, de onde surgiram aqueles batráquios e quem os criou? Ninguém mais senão as forças da Natureza, que casualmen- te projetaram sapos pela atração recíproca. Os que caíram n’água por certo acharam nutrição naquele elemento; enquanto os outros foram dissolvidos no solo quente, onde encontraram forças antagô- nicas à sua composição. Como se pode observar de modo nítido, a Natureza age sempre cegamente e sem cálculo econômico; produz coisas em escala tão descontrolada, que nem a centésima parte al- cança existência sólida e duradoura. Quem poderia contar as flores que a árvore produz na primavera?! Se alguns dias mais tarde para ali se voltar, grande quantidade estará no chão, inclusive a haste; tal queda perdura, até o amadurecimento do próprio fruto.”
ODEUSDOS NATURALISTAS
(Roklus): “Se houvesse um Deus sábio e bom, Criador de árvores e de seus frutos, certamente agiria de modo mais econômico, porquanto a economia faz parte da sabedoria! Pelo surgir das coisas, muitas vezes desencontradas, nota-se que os produtos que surgiram das forças brutas da Natureza, na luta que se repete constantemente, alcançam sua perfeição apenas enquanto as energias não se tiverem exterminado reciprocamente; pois estacionamento tal só finaliza o efeito do surgir e conservar, portanto a própria existência. Ao passo que, perdurando a luta ora iniciada, a obra persistirá, progredindo e se aperfeiçoando.
Seria possível que uma Divindade, consciente de todas as ações, assim agisse com sabedoria e vontade imutável? Digo: não; tampouco poderia imaginar soberano inteligente que construísse palácios e cidades com grandes gastos, para destruí-los em seguida! Talvez houvesse quem o chamasse de sábio?! Como então poderia um homem inteligente e culto assim classificar um deus que isso fizesse, de modo mais complicado, pois faria surgir obras de máxima perfeição interna, apenas para destruí-las em seguida!
Tanto para um deus sábio quanto a um matemático, dois mais dois são quatro! Se a Divindade alegasse que, para ela, dois mais dois são cinco ou mesmo sete, seria por mim taxada de lou- ca, pois com tal cálculo ela dificilmente construiria um mundo! Antes um cego se tornar esmerado pintor, do que um deus ser capaz de produzir um cogumelo com tal loucura! Nosso artista Apeles pintava homens e animais de modo tão perfeito a ultrapas- sarem a própria Natureza; naturalmente calculou os traços a serem dados; enquanto que tal suposto deus nisto se excedeu, alegando cálculo acima!
Quantas vezes a colheita se apresenta radiante e promissora; todos se alegram por verem premiados os seus esforços e sacrifícios, e agradecem de antemão a um ser invisível que adoram pela fé im- plantada desde a infância, como Deus ou deuses. Mas, precisamente algumas semanas antes da colheita, surge uma tempestade tremen- da, arrasando todo o país! Tal fato ocorre ano por ano, em diversas partes do mundo.
As criaturas ignorantes e supersticiosas então se dirigem aos sacerdotes ambiciosos para saberem a razão dessa calamidade. Uma vez que esses representantes divinos nada tenham a obstar contra a conduta por eles determinada, expressam um conforto qualquer e estimulam o povo à paciência, explicando, ainda, que apenas foram postos à prova na força de sua fé duma vida após a morte!
Em tais ocasiões são os judeus lembrados da vida de prova- ção de Job, enquanto que os pagãos se podem conformar com fatos idênticos em seus livros de fábulas. Desta forma consolados, todos
voltam aos lares e se submetem, cheios de esperanças num futuro mais feliz, à vontade de um ser superior.”
ROKLUSCOMPARAASAÇÕESHUMANASÀSDE DEUS
(Roklus): “Levanto apenas a seguinte questão: qual seria uma determinação jurídica com pessoa que, por simples maldade, destru- ísse os campos de uma zona pequena, com auxílio de outros? Creio que, pelo menos, os romanos crucificariam tal homem dez vezes, ou o enclausurariam para sempre numa casa de loucos, após determina- ção da junta médica. A um ser divino, porém, ainda se rende vene- ração, julgando-o mui sábio! Caso isso nos proporcione felicidade, como não! Pois a sabedoria dos deuses tem o privilégio de cometer os mais variados desatinos: pode roubar, assassinar e destruir sem que alguém venha a fazer-lhe críticas. As criaturas só se arriscam a afirmar conter o flagelo nada de bom, pois do contrário não teriam elas procurado os sacerdotes.
Que acontece se alguém incendeia a casa do vizinho e lhe destrói todos os seus bens? Ao que me consta, a lei prescreve a cru- cificação para tais criminosos; se Zeus atira um raio às moradas dos homens, selando com isto sua mendicância — tal coisa é boa e justa! Ai de quem não externar essa convicção! O Pontifex Maximus fá-lo-
-ía sentir a ira divina de tal forma que, comparada ao incêndio, este ainda seria benefício!
Penso o seguinte: a sabedoria e o bem verdadeiros devem permanecer como tais, não obstante o autor! Como os astutos re- presentantes de Zeus — assim como entre nós, os essênios — sabem não existirem deuses, mas sim uma força da Natureza, de origem bruta e de ação ocasional, e só no decorrer de sua manifestação se apresentando em formas mais perfeitas, eles personificam tal potên- cia através de alegorias, apresentadas aos homens para veneração.
Esse deus surgido de sua fantasia tinha de se manifestar, na- turalmente, de forma milagrosa; uma vez que o povo obtivesse al- guns benefícios, também tinha de suportar leis severas. E ai dos in-
fratores! A fim de evitar que a pobre Humanidade atemorizada por tal deus milagroso não caísse em desespero por pecado qualquer, os sacerdotes inventaram um meio de reconciliação através de oferen- das e penitências. Desta forma, existem em toda parte, além das leis terrenas, as divinas, onde a criatura mais casta e virtuosa as infringe, no mínimo, dez vezes por dia, perdendo a graça e benevolência de Zeus. Por isso, tem de se purificar antes do pôr do sol por meios prescritos, senão contrairia erro maior.
Não considero prejudicial se a pessoa pratica o exame de consciência e a higiene. Incuti-las como determinação dum deus — nunca se conseguirá comigo e meus confrades. Possuímos noções especiais, e pessoa alguma poderá alegar que quiséssemos catequizar alguém. Como amigos de todos, nunca melindramos quem quer que fosse, no entanto não queremos ser molestados! Por que motivo nos atacam os sacerdotes de Jerusalém? Que sejam o que são — e nós o que somos; diante da pura razão ninguém supera o próximo. Assim, não os amaldiçoamos, mas os lastimamos em virtude de sua ignorância! Quem lhes deu o direito de nos praguejarem, quando seguimos à risca o difícil problema de jamais julgarmos e prejudicar- mos alguém, e sim querermos auxiliar a todos?!
Se praticamos falsos milagres — porquanto nunca houve ver- dadeiros — é para ajudarmos à Humanidade que quer permanecer na ignorância, pois não nos é possível socorrê-la por outros meios. Esse ponto de vista tinha de ser aceito pelos escribas, que deveriam juntar-
-se a nós, e em poucos anos a Humanidade teria mudado de aspecto.”
ROKLUS APONTA O CORAÇÃO COMO RECEPTÁCULO DA DIVINDADE VERDADEIRA
(Roklus): “Tais representantes divinos de Jerusalém são, no entanto, excessivamente tolos, intemperados, ciumentos, domina- dores e brutos! Quem poderá viver em paz com tais pessoas? E não seria justo que qualquer um contra eles testemunhasse? Pois ainda faria uma caridade ao próximo, ao desvendar-lhe sua ignorância!
É fácil imaginar-se não ser isso do agrado dos descendentes de Abraham de almas e corações endurecidos; não nos cabe a cul- pa disto, pois está em tempo de se limpar aquele antro pervertido! Classificam-nos de ateus e sacrílegos do Altíssimo! Onde estaria tal deus e sua arca?! Quiçá seja o Templo com o reposteiro e toda mis- tificação reinante com a chama de nafta! Talvez seja o Altíssimo re- presentado pelos enormes querubins, o antigo maná dentro da arca, a vara de Aaron, as antigas sacabuxas de chifre de boi, que fizeram ruir as muralhas de Jericó, a harpa dourada e a coroa de David, ou talvez a Santa Escritura que os fariseus não podem ler, mas apenas adorar?! Em suma, desejava ver o Deus Jehovah e seu Santíssimo não localizado em ferros-velhos, produzidos por egípcios, cuja arte dista do divino tanto quanto o Céu da Terra! Condenando-se o que é evidente mentira — que mal há nisto?!
Um essênio honesto jamais louvará a divindade judaica que, idêntica a Zeus, nada é! Conhecemos algo como Santíssimo e este algo é um coração bom e honesto! Lá reside a Verdadeira Divindade! Ela deve ser reconhecida dentro de si mesmo e do próximo! Quem isto fizer, honrará a dignidade humana; caso contrário, dá um tes- temunho péssimo de si mesmo e se reduz a um animal. Pode existir um Deus, mas que o homem só encontra na verdadeira profundeza de seu coração, e seu nome é ‘amor’! Além desta, não existe outra divindade, e quem a tiver encontrado será possuidor do princípio da vida e talvez ainda ache a vida eterna e indestrutível!
Deve-se acumular o amor no coração pelo próprio amor, que o tornará sempre mais poderoso! Através desta força vital, concen- trada, será fácil enfrentar potências inimigas; e, assim vitoriosa, a criatura positivará sua existência em meio de elementos perigosos, se bem que não física, mas espiritualmente, como prova da força do espírito. Pois tudo aquilo que vemos não é a própria força, e sim sua ação. Ao analisarmos as obras da Natureza em si, descobriremos que quaisquer elementos como partes da força original se devem ter consolidado em determinadas condições, do contrário não se- riam capazes de produzir os mesmos efeitos, que subentendem as
mesmas causas. Uma potência que se manifesta de modo imitável deve possuir plena consciência e uma inteligência lúcida, proporcio- nando-lhe as armas indispensáveis para sair vitoriosa na luta contra elementos ainda inconscientes. Se fosse possível ser ela vencida e dissolvida, jamais se evidenciariam os efeitos de sua ação! Em tal hipótese a figueira deixaria de produzir figos!
Se, por tais observações, somos obrigados a reconhecer uma quantidade enorme de forças a projetarem efeitos repetidos, isto é: numa consolidação indestrutível — assim como nós próprios nos reproduzimos pela espécie — certo é que aquela potência que nos fez surgir também se consolidou como princípio eterno. Assim sen- do, pode a criatura, quando tiver achado sua causa primária e a cul- tivando por meios justificáveis, consolidar-se para uma vida eterna. Penso que um elemento consciente que se tenha descoberto em seu foco, bem como seu ambiente, não terá dificuldade em achar meios onde desafiará outra força de ação inconsciente e bruta, conforme demonstram as próprias criaturas. Quem lhes ensinou isto? A expe- riência, o raciocínio e a necessidade! Se disto é capaz o homem in- culto, quanto mais não fará como entidade espiritualmente consoli- dada?! A própria razão nos dá, pelo caminho científico, a certeza da continuidade do espírito após a morte física e declinamos da ajuda dum Zeus, do Dalai-Lama e do próprio Jehovah.
Desta forma, nobre amigo, demonstrei-te as razões do ate- ísmo que professo; não pretendo com isto excluir-me do teísmo; dá-me provas convincentes — e eu serei teísta!”
ROKLUSÉENCAMINHADOPARA RAPHAEL
Cirenius tão admirado está com as experiências de Roklus, de seu critério acertado das condições de vida de fundo moral e político dos povos, de seus variados hábitos e costumes, dos cultos religiosos, bem como as aparições atmosféricas de outros países, que não sabe responder; pois tudo se baseia em experiências que dispensam argu- mentos. O sacerdócio era bem conhecido por Cirenius; além disto,
descobriu no grego um homem bom e filantrópico, que apenas se tornara essênio para ajudar os sofredores por todos os meios que não colidissem com o amor ao próximo. Em suma, Cirenius se inclina sempre mais à pessoa de Roklus.
Também os demais hóspedes se empolgam com sua inteli- gência e lastimam não ter ele entrado em contato Comigo. Anseiam ouvir o Meu ponto de vista; todavia, ainda não chegara o momento de Eu entrar em ação, porquanto Roklus ocultava algo em seu ínti- mo que não queria pôr a descoberto. Cirenius, porém, não mais era indicado para enfrentá-lo.
Despercebidamente chamei Raphael e avisei Cirenius para apresentá-lo ao grego, pois que ele mesmo não teria base para argu- mentar com Roklus, enquanto que Raphael saberia desempenhar tal papel. Assim informado, o grego diz a Cirenius: “Caro e nobre amigo, se tu, como sábio ancião de origem régia, tendo dirigido teu Governo há tanto tempo, não te atreves a discutir comigo, que fará esse jovem de seus vinte anos? Acaso consideras meu ponto de vista demasiado fraco para me responderes?”
Diz Cirenius: “Em absoluto, o fato é tal qual te expliquei! Ouve primeiro o jovem — e depois julga!” Diz Roklus: “Está bem, veremos onde achou a pedra filosofal!” e, virando-se para Raphael: “Se puderes desfazer minhas experiências ou cegar o meu intelecto, ser-te-á fácil dobrar-me qual vara ao vento; do contrário, não me po- derás modificar por tuas experiências! Além de Roma e daquilo que deparaste ao chegares aqui, certamente nada mais viste. Nunca es- tiveste no Egito, no país da sabedoria antiga, e desconheces as múl- tiplas crenças num ou vários deuses e queres enfrentar-nos, como gigantes experimentados?! Está bem; anima-te e desfaz o ateísmo, mostra-me um deus acessível a um intelectual que aceite o princípio de vida, ou seja — o amor. Desiste, porém, de outra entidade, que não aceitaria!”
Diz Raphael: “Meu amigo, procuraste reduzir minhas facul- dades dialéticas, sem saberes se realmente sou o que pensas! Acabas de me proibir impingir-te outro Deus, senão um que fosse aceito pelo teu raciocínio; acontece, porém, que eu mesmo compartilho de teu ponto de vista. A única diferença entre nós é que almejas um Ser Supremo, a quem tenho a mais sublime honra de conhecer Pessoal- mente, sendo Seu Servo devoto.
Este Deus Único e Verdadeiro é puro Amor, e somente pelo amor é Ele a Plena Sabedoria e, através desta, Onipotente. É igual- mente a máxima Ordem, Justiça, Luz e Vida. Todos os seres e coisas nesta Terra, bem como ela própria com todos os seus elementos, a Lua, o Sol e as inúmeras estrelas, que também são corpos celestes, colossais, algumas muito maiores que nosso planeta, que tanto é uma esfera quanto a Lua e o Sol, que sempre viste nesse formato, sendo ele milhões de vezes maior que a Terra, tudo isto é obra de Um Só Deus, que em Seu Ser Intrínseco é tal como teu raciocínio
— aliás bem esclarecido — O almeja.
Conhece todas as falsas concepções que se fazem a Seu res- peito e, por isso, inspira constantemente as criaturas, a fim de rece- berem noção verdadeira. A teu ver, um Deus Verdadeiro não poderia permitir crueldades humanas por tanto tempo, porquanto Lhe seria fácil arrasar todas essas loucuras. No fundo tens razão, pois eu mes- mo também penso como tu, e ainda sofro mais, porque tenho o poder, como entidade de há muito consolidada, de fazer desaparecer num momento todas aquelas montanhas de além-mar; ter o poder, sem permissão para agir, é pior do que querer e não poder!
Este impedimento se baseia em depender de cada criatura deste mundo — conforme expuseste a Cirenius — sua consolida- ção total, do contrário dificilmente se poderia manter, para sempre, como indivíduo emancipado e livre contra a constante influência de poderosas forças negativas. Se bem que não usaste minhas palavras, o sentido foi o mesmo.
Agora também compreenderás não ser possível uma reação violenta, em se tratando do aperfeiçoamento individual de todos os homens. Enquanto as criaturas descobrem tal ordem de vida por conta própria, garantindo existência moral ou física, é-lhes permiti- da sua ação. Caso se transviem, o Senhor de Céus e Terra as recon- duzirá à justa ordem, como ora acontece aos judeus.”
FINALIDADEDASPENITÊNCIASNA ÍNDIA
(Raphael): “Observaste, na Índia, certos abusos, mormente as horríveis penitências, que, para o puro raciocínio, se apresentam como tolice, ligadas ao aparente despotismo da casta sacerdotal. A verdade, porém, é outra: aquele povo habita um país possuidor da maior capacidade de vegetação, tanto para irracionais, quanto para homens. Podes caminhar dias e dias, por florestas e montanhas, sem encontrares uma árvore ou um galho seco, e se deitares um ramo, até mesmo em solo arenoso, encontrá-lo-ás, após um ano, tão verde como antes, ou talvez com raízes novas dentro da terra.
Uma ferida aplicada a qualquer ser vivo produzirá uma dor diminuta, porque o ar de lá já é mais salutar que, aqui, qualquer emplastro. Se hoje alguém te der algumas chicotadas, sentirás a dor por vários dias; na Índia, nem sentirás a próxima pancada. Experi- menta enfiar um prego no pé — e não suportarás tal violência, pois inchará, produzirá forte inflamação e pode até gangrenar ou pro- duzir pus. Nas regiões centrais da Índia, nada disco acontece! Anos afora poderás manter um prego na carne, que mal sentirás após o teres fincado, porquanto o ar é tão balsâmico, a evitar inflamações de feridas. Mesmo isto acontecendo, não se pode falar em dor, mor- mente insuportável.
Além disto, são os hindus excitáveis, porque são animados por excessos de elementos naturais, e se transviariam na esfera do ato procriador, em aberrações inéditas sobre a Terra. Precisamente as penitências, em que a carne é mortificada, e o constante temor do fogo infernal, que os sacerdotes sabem interpretar de modo tão
convincente a lhes proporcionar até ardor, evitam tal coisa. Teme o hindu, acima de tudo, o fogo por provocar-lhe maior sensação. Pelas fortes penitências que Deus, o Senhor, permitiu e ainda permitirá, a alma dos hindus é conservada na forma humana e se torna apta à perfeição no eterno Além.
Talvez objetarás: ‘Deve-se educar tal povo para evitar as aber- rações sexuais!’ Não é bem isso, meu amigo! Para povos cuja fantasia é por demais ativada pela Natureza, a ciência se torna um veneno mortal! Suponhamos que a Índia possuísse as ciências da Grécia, Roma e Alexandria — e o mundo não estaria seguro! Tudo isto ape- nas lhe daria os meios de se tornar o povo mais pervertido da Terra, produzindo coisas que superariam as produções de Babel, Nínive, todo o Egito, Atenas e Roma. As montanhas teriam de se submeter a seu desvario, construiriam cidades por cima de zonas fertilíssimas, secariam riachos e rios com diques até formarem lagos enormes. Em suma, se os hindus fossem orientados em todas as ciências, se transformariam num povo terrível, muito embora apresentem ín- dole meiga!”
PERIGOSDUMAEDUCAÇÃO CIENTÍFICA
(Raphael): “Além disto, um povo provido de exuberante fan- tasia não pode ser educado cientificamente, porquanto sua imagi- nação nisto o impede. Prefere extasiar-se com imagens tolas de seu mundo quimérico, do que refletir logicamente sobre qualquer as- sunto. De mais a mais, não sucedem com frequência as penitências severas que observaste. Um rico consegue o resgate, e um pobre só é condenado quando realmente infringiu as leis em vigor. Existe até hoje uma ordem patriarcal na Índia, não tão facilmente derrubada. Há considerável influência supersticiosa, que deve ser combatida, mas também se baseia na fantasia das pessoas e só poderia ser venci- da pouco a pouco.
É preferível deixar os hindus na superstição, do que iniciá-los em várias ciências; o primeiro estado os prende ao solo, enquanto o
segundo lhes daria asas que tentariam dominar o mundo. Se fosse possível incutir-lhes as ciências de um só golpe sem esforço próprio, eles, por certo, se admirariam quanto à sua tolice professada por tan- to tempo. Em seguida encher-se-iam de ódio contra o sacerdócio e outras personagens cultas de povos vizinhos, de tal forma a fazerem uma carnificina; em breve o planeta estaria banhado em sangue, e qual seria o resultado? Os ignorantes seriam massacrados e dos cul- tos teriam surgido verdadeiras feras!
Tu mesmo disto dás prova, como homem razoável, pela gran- de irritação que manifestas contra todas as divindades, mormente seus representantes. Se fosses senhor de meu poder, quão rápido não aniquilarias todos os sacerdotes da Terra! Qual seria o destino dos que deles dependessem de alma e corpo, deixando-se guiar como cordeirinhos?! Serias talvez capaz de levá-los ao raciocínio claro através dum mando? Garanto-te ser difícil tal tarefa; pois se todos fossem de cultura semelhante, cada qual teria idênticos meios de subsistência, caso não quisesse morrer de fome. Na hipótese que oferecesse seus préstimos ao vizinho, este o dispensaria, porquanto sabe defender-se para suas necessidades.
Se um pai obrigasse os filhos a estudarem certas matérias, eles se negariam, alegando saber as mesmas, portanto nada precisa- vam aprender.
Se tu, na velhice, onde todos se tornam mais fracos e alque- brados, oferecesses bom pagamento e mesmo uma herança a alguém para que te servisse, receberias uma resposta negativa, porquanto o outro não necessita de emprego, por ser tão rico quanto tu! Eis a situação do Egito, que durou muitos séculos: todos se tornaram sábios e abastados.”
COMOSURGIUA ESCRAVIDÃO
1. (Raphael): “A consequência disto foi que ninguém mais que- ria servir ao próximo, e cada qual trabalhava para si; finalmente, ve- rificaram que tal vida equilibrada era insuportável, e os mais velhos
foram os primeiros a observar a calamidade e a conjecturar acerca dos meios a seguir. O mais sábio opinou ser a Terra imensa, e con- viria viajar em busca de pobres, prontos a trabalharem por dinheiro. Assim, foram à Ásia e em breve acharam o que queriam. Quando os povos de lá perceberam a carência dos Egípcios, eles mesmos en- cetaram viagens pelo país, compravam os servos e os vendiam por bom preço ao Egito. Dessa forma surgiu a escravatura, infelizmente em voga até hoje! Acaso poderás elogiar tal fruto da sabedoria antiga, comum aos velhos egípcios?!
A experiência os impediu de orientarem os escravos em sua sabedoria, que em breve os teria tornado ricos, e os egípcios nova- mente ficariam desprovidos de seus servos.
Acaso viste escravos também na Índia?! Por certo que não! Existem-nos presos à superstição, que todavia não é tão prejudicial quanto a própria escravidão. Os escravos comprados só servem para animais de carga e ficam excluídos do ensino intelectual. Têm de obedecer cegamente e sofrer calados as piores crueldades, sem que lhes assista um julgamento responsável! A própria morte dum escra- vo, a mando de seu senhor, não é sujeita à responsabilidade da lei! So- mente alguém matando um escravo teu será obrigado a indenizar-te!
Essa miséria humana é a consequência daquela época onde os egípcios, de modo geral, eram cultos e ricos, e ninguém era subme- tido à lei por crime qualquer, porquanto não havia necessidade para tanto, uma vez que todos dispensavam da ajuda alheia. Quando sur- giu a escravatura, inventaram-se leis pelas quais o dono jamais podia martirizar seus escravos, muito embora fosse cruel. E para que fim haveriam de existir penitências quando não se cometem pecados?!”
AORGANIZAÇÃOEGOÍSTICADOS EGÍPCIOS
(Raphael): “Quando mais tarde, pelo trabalho dos escravos, os diversos regentes se tornaram mais ou menos abastados, porquan- to o resultado nem sempre era igual, de pronto as criaturas manifes- taram inveja, desentendimento e contendas, fazendo-se necessário
criar leis, das quais o próprio faraó não era excluído. Começou-se a educar os escravos, incutindo-lhes noções veladas da Divindade, cuja ação diversa era representada por individualidades alegóricas. Isto tornou os escravos, rebeldes, mais cordatos e meigos, suportan- do seu destino com mais paciência; temiam eles as potências invisí- veis, porque chegaram à convicção, através do misticismo egípcio, de existirem realmente tais deuses severos.
Se a casta dos escravos não tivesse se tornado poderosa, pela aquisição que se efetuava duas vezes ao ano e pela própria procria- ção, os antigos não lhes teriam ensinado qualquer definição religio- sa; somente o medo da força física dos servos obrigou seus donos a agir em tal sentido.
A situação dos antigos egípcios era difícil: eram sábios e ricos, quase não havendo diferença entre eles, no que diz respeito à cultura e riqueza; cada qual cuidava de si e seus filhos. Esta organi- zação doméstica era apreciável, enquanto moços e fortes; quando vinha a velhice, fazia-se sentir a necessidade de ajuda. Quem deve- ria servi-los? Os filhos não vinham ao caso, porque Moysés ainda não havia transmitido os Mandamentos aos homens que os obri- gassem a socorrer os velhos, como também uma casa nada deve ao seu construtor. Caso a construção fosse falha e deficiente, ela nada teria a ver com isso.
Pela educação prática, a prole se tornou egoística e os velhos se viram obrigados a procurar fora de casa quem lhes servisse. A fim de evitarem que os escravos desertassem, não eram iniciados na cultura de seus donos, continuando ignorantes, sendo apenas adestrados como serviçais. Uma vez, porém, aumentando em nú- mero, ensinou-se-lhes a fé nos deuses, que efetuavam certos milagres diante dos olhos admirados dos incautos. Desta forma intimidados, serviram com zelo desdobrado, e os egípcios alcançaram um apogeu que atraiu muitos estrangeiros, entre eles alguns invejosos e traido- res, que mais tarde trouxeram grande perturbação. Eis as obras da pura razão, comparáveis a um homem cuja descida dum morro se finaliza numa carreira desabalada.”
1. (Raphael): “Nesse ponto os hindus foram mais espertos: o povo continua na superstição mais ou menos inofensiva, no entanto acredita num Ser Supremo e em seus representantes no mundo, in- cumbidos da manutenção da ordem estereotípica. Evitam qualquer alteração nos antigos livros. Desta forma, o hindu será, em mil anos, o que é e foi há milênios. O pior defeito é a penitência e ele se tornar seu próprio juiz, mantendo a máxima severidade contra si mesmo, porquanto depende de sua vontade; tal compreensão evita até a prá- tica da calúnia e traição: ninguém faz queixa do próximo, e entre vários milhões não há umperverso! Eis a razão por que os hindus são um povo tão antigo, que ainda irá longe quanto à idade. Quan- do outros povos para lá forem, a fim de lhes incutir outra religião e hábitos, tornar-se-ão mais descontentes e inquietos, deixando de praticar penitências. Em compensação, outros os condenarão e per- seguirão, para impor-lhes castigos rigorosos. Em breve, serão quais fariseus em Jerusalém, que sobrecarregam os crentes com pesos in- suportáveis, julgando a todos; só não toleram juízes e cargas — que não tocam nem de longe!”
AUNIÃORELIGIOSAENTREÍNDIAE CHINA
(Raphael): “Muito além da Índia, acima dos montes mais elevados da Terra, existe um grande Império que conta, no mínimo, cinco vezes mais habitantes que Roma. Possuem quase a mesma re- ligião que os hindus. Vivem na maior paz e ordem, são temperados, simples, trabalhadores incansáveis, e duma obediência cega para com seus professores e guias. O Imperador é soberano supremo e zela pela não penetração de estrangeiros em seu grande país. Por esse motivo, o isolou com uma enorme muralha nas zonas mais baixas, intransponível para qualquer exército. A muralha é provida de tor- res, onde uma forte guarda defende uma possível invasão.
Somente o mensageiro de Bramah (Brau ma — tem direito), vindo da Índia pode anualmente penetrar como portador de louvor ou crítica do Dalai Lama, que entrega pessoalmente ao Imperador numa caixinha de ouro maciço. Quando se aproxima com séquito enorme e deslumbrante, em época determinada, posta-se em certo local da muralha e começa a fazer alarido. Então, faz-se descer um cesto, pelo qual é ele içado, enquanto os acompanhantes aguardam sua volta.
Em seguida, o mensageiro faz o longo trajeto à cidade duran- te vinte dias dentro duma liteira, donde só pode vislumbrar o Céu. Chegando ao centro da metrópole, que conta mais habitantes que toda a Palestina, pode saltar a fim de ser conduzido com todas as honras ao Imperador. Entrega-lhe a caixinha, transmite os desejos do Lama e, em seguida, é regiamente condecorado e despedido; en- ceta a viagem de volta tal qual a ida.
Em tais ocasiões, em que o mensageiro divino é transportado de Império a Império, grande multidão aflui às ruas, sem contudo poder avistá-lo ou falar-lhe dentro da liteira.
Se indagares do povo por que não lhe é permitido isso, res- ponderá com humildade que tal desejo seria pecado imperdoável. Já é graça imensa ver de longe o mensageiro do grande deus ser carregado, que tanta satisfação traz, de modo a contentar milhões do grande Império, que alegam encontrar-se no centro da Terra. Isto é ensinado ao povo, que cegamente o acredita.
O mensageiro também sabe disto e mais ainda, que não pode ver o país e sua organização, sob pena de morte, pois poderia traí-lo. A traição é o crime máximo, que por coisa pouca é severamente pu- nida. Muito embora seja tolo, o povo é fiel e obediente. Não achas isso tudo parecido com vossa ordem essênia?! Acaso Deus é injusto por permitir tais coisas, enquanto o povo permanece paciente e hu- milde — e também vos tolera?! Externa-me tuas possíveis objeções!”
Quanto mais se prolonga o relato de Raphael, Roklus arre- gala os olhos e acaba exclamando em êxtase: “Será possível, rapaz?... Tens, no máximo, dezesseis anos e me enfrentas com experiências e conhecimentos somente possíveis a um ancião muito viajado! Não me refiro à tua capacidade de me teres convencido na aceitação dum Deus Verdadeiro, conforme sempre o almejei; falo somente da ma- neira por que chegaste a tão vasto conhecimento.
Conheces até o Império além da Índia, do qual um hindu me havia contado coisas curiosas, que me levaram a boas gargalhadas. Através de teu relato, posso fazer uma ideia mais acertada daquele país, cujos filhos consta possuírem a maior cultura na indústria, ar- tes e ofícios. Além disto, também pareces ter conhecimento e prá- tica na magia, do contrário não terias mencionado certo poder que te assiste.
Percebo, embora não nitidamente, que a Divindade permite todas as ocorrências na Terra visando apenas a formação da alma, e não o bem-estar do corpo. Não se trata, porém, do meu entendi- mento em tal assunto, e sim meu maior interesse gira em torno de tua pessoa, e como te foi possível chegar a tais noções elevadas.
Já não mais precisas explicar-me o milagre ocorrido com os bens de Marcus, pois tu mesmo és evidentemente o construtor mila- groso, e compreendo que tuas palavras apenas deviam provar se sou de fato bastante inteligente para tirar as deduções precisas.
O campo da magia é imenso, e o maior mago sempre será diletante. Nós, essênios, somos entendidos na matéria, porque te- mos ao nosso dispor magos persas e egípcios, cujas ações nos es- tonteiam, não obstante não sermos leigos. Haja vista o mago real de Thebas, que eu teria indenizado com mil libras caso me tivesse ensinado algumas magias formidáveis; mas ele não se deixou tentar por coisa alguma.
Deste modo, também podes possuir segredos que nunca so- nhei, e talvez empregas teus auxiliares invisíveis a teu gosto, por-
tanto te foi fácil a criação da casa de Marcus. Pois eu mesmo vi como o mencionado mago de Thebas transformou, num instante, uma vasta planície num lago imenso, de onde surgiram várias ilhas e navegava uma série de botes. Vimos tudo perfeitamente durante alguns minutos; em seguida, ele fez um gesto — e a planície estava diante de nós.
Antes disto, nos havia conduzido a um gabinete escuro e nos fez olhar, pela janela, a zona que também se via do lado de fora. De- pois fechou a janela, fez alguns movimentos, abriu-a de novo — e diante de nós se estendia o lago azul. Percebi apenas uma estranha ardência nos olhos, certamente ocasionada pela surpresa.
O mago afirmou ser-lhe possível criar ainda outras zonas fan- tásticas — mas que custariam muito dinheiro, por isto desistimos. Indaguei-lhe se era capaz de fixar aquela paisagem; respondendo que sim, ele súbito se ocultou e, quando saímos, o lago havia de- saparecido.
Cheguei à conclusão de que aquele egípcio devia ser enten- dido no manejo das forças da Natureza; pois poderia ter fixado a zona mágica e não o fez, porque a anterior, de há muito fertilíssima, era de maior utilidade para o povo. Ofereci-lhe duzentas libras de ouro, que rejeitou.
De modo idêntico também efetuaste tua obra milagrosa, cuja aparição aqui nos atraiu, e presumo que tampouco estarás incli- nado a revelar teu segredo. Também não pretendo decifrá-lo; apenas queria saber onde conseguiste tal sabedoria e a arte mágica, já que nos convenceste em aceitarmos o Ser Supremo!”
RAPHAELEXPLICAASFEITIÇARIASDO MAGO
Diz Raphael: “És realmente um homem curioso! Tuas vastas experiências te tontearam de tal forma, que és incapaz de discernir entre o verdadeiro e o falso! Se tivesses exigido do mago apresentar-
-te uma zona aquática sem auxílio do gabinete e janela, não o teria realizado por todo ouro do mundo!
Por que não fez surgir uma vivenda real, dentro da Natureza? Por não lhe ter sido possível. Eis por que esta aqui é uma Obra de Deus — a outra, dum homem comum. Por tal razão, minha sabe- doria também é divina, como tudo que descobrirás em mim! Agora não mais me perguntes pela origem!
Para os olhos humanos podem as criaturas efetuar coisas aparentemente milagrosas; entretanto, nada contêm de milagre e sim apenas coisas naturais, que para o leigo, se apresentam extra- ordinárias. Tão logo se lhe ensine os meios a serem empregados, ele fará o mesmo.”
Diz Roklus: “Também a magia do egípcio?”
Afirma Raphael: “Certo, muito embora seja difícil conseguir os meios, por ele mesmo inventados. Como não os demonstrou, ser-te-á impossível imitá-lo.
Se fosses entendido na fundição da areia siliciosa, preparando assim o vidro que deveria ser polido como diamante — arte bem conhecida na Índia — compreenderias aquele milagre, mormente se fosses uma espécie de Apeles, capaz de pintar a água tão genuina- mente, de modo a enganar os próprios pássaros.
Teu mago nada mais é que exímio lapidário, sabe fazer o vi- dro e, além disso, é um dos melhores pintores de seu país, especia- lizado em cópias. Construiu um mecanismo onde se pode avistar os quadros por ele pintados através dum espelho, conseguindo tal ilusão de ótica.
Trata-se duma ciência remota dos fenícios, mais tarde desco- berta pelos egípcios, que aplicam-na secretamente para suas magias excepcionais. Em alguns milênios, todos os povos disto terão noção perfeita, e não haverá pessoa inteligente que aceite tal fenômeno como milagre.”
(Raphael): “Afirmo-te que, no futuro, as pessoas se movi- mentarão qual flechas sobre estradas de ferro; falarão com rapidez do raio dum polo a outro e voarão como pássaros sobre mares e pa- íses, mas ninguém os tomará por magos e, muito menos, deuses! O sacerdócio naturalmente tudo fará para impedir tais esclarecimen- tos; todavia, seu esforço será baldado!
Quanto mais se empenha a levar o povo à ignorância, tanto maior será a reação dos espíritos iluminados, que espargirão luz cada vez mais intensiva entre a multidão, até que os próprios sacerdotes sejam obrigados a se tornarem apóstolos da Luz. Demandará isto, naturalmente, de muita luta.
Acontecerá que os magos serão perseguidos, e a semente des- sa perseguição já existe em parte no sacerdócio farisaico — contrário aos magos — e também entre vós, que pretendeis comprar todas as possíveis magias do mundo. Com inveja, observais secretamente todo benfeitor milagroso, mormente se pratica algo por vós adotado como negócio oculto em vossa seita.
É, porém, da Vontade de Deus permitir que não só os sacer- dotes, mas pessoas simples façam descobertas extraordinárias, pro- porcionando às criaturas cultura elevada. A casta sacerdotal reagirá por todos os meios, sem algo conseguir; pois quanto maior a rea- ção, tanto mais nítidos se tornam seus desejos de domínio diante do povo, perdendo assim toda confiança e fé.
Quando alguém percebe que o outro pretende enganá-lo, não mais terá confiança, mesmo se lhe apresentar algo de verídico; pois sempre estará de sobreaviso duma atitude traiçoeira. Por isso, o sacerdócio perderá terreno quando se expuser em demasia, num zelo absurdo.
A Ordem Divina previu, desde sempre, que o mal e a fal- sidade se destroem a si próprios; à medida que tentem o domínio absoluto, terão selado seu fim.
A maldade das criaturas desta Terra se assemelha a um me- canismo inferior, que se desgasta à medida que é usado constante- mente. Assim sucede com o corpo, que se aniquila à proporção que se entrega às paixões.
Eis por que um filósofo não crê num Deus Verdadeiro, por- quanto observa como o sacerdócio de todas as religiões pratica mal- dades. O Senhor isto permite, primeiro para que o raciocínio claro cedo seja desperto para uma atividade real; segundo, a fim de que a perversidade se destrua quanto antes.
Durante o dia, ninguém procura luz e nem lhe dá o real va- lor, pois não lhe perturba o peso da noite. Facilmente se pode ca- minhar e desviar-se das valas, pedras e abismos. Tal não se dá numa noite de breu, onde a pessoa se adianta somente com cuidado. Quão grato não se torna o viajante diante da menor luz que lhe aclare o caminho, apenas a alguns passos, e quanta saudade da aurora não sente o solitário no deserto!
O mesmo acontece aos amigos da luz espiritual, em meio da ignorância completa, que na maior parte foi induzida às criaturas de fé fraca pelo egoísmo e domínio dos sacerdotes; à medida que a ignorância se propaga, mais intensiva se torna a necessidade e o valor pleno do conhecimento espiritual.
Pessoas que, pela própria educação, se acham em completa ignorância, não percebem a falta de luz espiritual e se sentem bem amparadas com os consolos fúteis de seus sacerdotes; relatam eles uma quantidade de historietas de pessoas beatas, falecidas há muito. Isto comove os fiéis até às lágrimas, e satisfaz aos sacerdotes. Tais ignorantes sentem tão pouco seu estado trevoso, quanto um cego observa o peso duma noite de breu; para ele não existe aurora nem crepúsculo! Outra coisa sucede com aquele habituado a caminhar na Luz do eterno Dia da Verdade quando é obrigado a uivar com os lobos, de medo de arriscar sua pele!
Imagina uma comunidade na qual apenas alguns enxer- guem, porquanto os outros são inteiramente cegos. Um dos videntes então começa a descrever a grande maravilha da luz e de suas cores;
imediatamente, os cegos o obrigariam a se calar, classificando-o de mentiroso atrevido, enquanto ele está convicto da verdade evidente! Qual seria tua atitude, como intelectual, sabendo que os de boa visão ainda possuem os melhores meios para transmitir o conheci- mento aos demais?!”
OSFRUTOSDANOITEEDALUZ ESPIRITUAL
Diz Roklus: “Em tal situação, seria melhor não existir do que viver como vidente entre cegos, cheios de desconfiança, presunção e orgulho! Tens toda razão, meu caro jovem; o mundo é tal qual, e melhor seria, a meu ver, abandonar os cegos, para evitar qualquer atrito. Uma vez sem guia, aproximar-se-ão ainda mais do abismo, que os devorará. Seu fim será bem triste, mas não pode ser evitado!”
Aduz Raphael: “Agora julgaste bem, pois desta forma age o Senhor com as criaturas, dentro de Sua Ordem! Sempre que uma comunidade ou mesmo um povo se indispõe, por maldades, com a Luz e a Verdade Divinas, Ele permite que se integre na completa treva da vida. Nesse estado, o povo comete um desatino após outro, demonstrando aos mais esclarecidos sua própria cegueira e mentira, manifestas pela vontade, inclinação e atitude. Desta forma, se apro- ximará da beira do abismo, que o devorará sem dó nem piedade. Os esclarecidos começarão a se estender e abençoar a Terra com seu conhecimento espiritual.
Enquanto um povo mantiver apenas um vislumbre da Luz Verdadeira, o Senhor não o deixará chegar à beira do precipício, por- quanto persiste, no vislumbre, uma advertência contra a perdição.
Quando, porém, as criaturas manifestam verdadeiro ódio con- tra a Luz do Espírito e perseguem com os sacerdotes as que Nela acre- ditam — conforme acontece de há muito com os judeus — a Paci- ência Divina chega a um fim, e o povo não escapa do aniquilamento. Em tal caso, o Senhor de todos os Céus desce, Pessoalmente, à Terra e procede ao julgamento dos vilipendiadores — o que sucede, no momento, no país maravilhoso dos judeus, antigo povo do Senhor!
Ele reunirá os poucos fiéis e esclarecidos para lhes transmitir a Plena Luz do Céu, que não permitirá a existência das trevas da ignorância, atirando-as ao abismo inevitável. Assim sendo, de nada adianta um milagre falso aos olhos dos esclarecidos, mas um, surgi- do realmente do Poder de Deus, por Ele depositado no coração de cada criatura verdadeira.
Assim como a fé errônea e cega, de certo modo a superstição, se manifesta por obras místicas e fictícias, e por uma crescente falta de amor, a fé verdadeira e viva se apresenta pela Verdade Plena em tudo, sem restrição, e por um amor intensivo ao próximo e a Deus; através desta inclinação, avoluma-se o Poder Divino que o Pai dei- tou no coração de todas as pessoas sinceras.
De que adiantam ao homem todos os conhecimentos e ciên- cias ocultos, quando os próprios pardais denunciam o falso profeta diante de todo mundo: És um mistificador maldoso e fazes teus mi- lagres enganando os ignorantes! Isto, porém, não conseguirás com os verdadeiros filhos de Deus, capazes de outras coisas pelo Poder Divino em seus corações, que é o Espírito do Amor Eterno, des- cobrindo tua má intenção e fraude. Atira para longe os teus meios enganosos e torna-te um homem ciente do Poder de Deus — do contrário, nós, pardais, açambarcaremos teu fraco brilho! Acaso te poderias aborrecer, por isto, com os pássaros? Não há coisa pior para os trapaceiros do que serem enfrentados pela Luz da Verdade, que terão de aceitar, queiram ou não!
És um essênio e, além disto, um mago especial: vivificas os mortos, atrais a Lua diante do nariz dos incautos, fazes falar árvores, capim, água, rochas e paredes. Que dirás se ‘esses’ pardais de criatu- ras de todas as raças e classes esclarecerem a maneira pela qual fazes tais coisas, e talvez ainda tragam um morto para que tu o ressuscites? Que diria teu intelecto puro e o raciocínio aguçado?”
Diz Roklus: “Não teria argumentos, porquanto a verdade sempre será verdade e não vem ao caso se me prejudica ou beneficia! Deduzi de tuas palavras considerares nossa Ordem secreta algo de nocivo e sujeito à desintegração, à medida que a Luz Celeste, pro- vinda de Deus, ilumine os corações humanos. Contra isto, nada há que dizer — pois se todos ou, no mínimo, uma grande parte forem por Deus orientados em nossos segredos, nosso ofício terá chegado a um fim; todavia, jamais se poderá afirmar que tivéssemos agido atra- vés dum vislumbre de egoísmo, porquanto apenas visamos o bem das criaturas, sendo nosso claustro nada mais que um Instituto de amor e caridade.
Nunca aplicamos ummeio maldoso! Poderia se afirmar ser o próprio embuste algo de nocivo; eu, no entanto, responderia, até mesmo a Deus, que tal apenas seria verdade caso fosse movido por intenção maldosa e egoística! Observando não ser possível curar-se alguém senão pela fraude, e eu aplicar esse único meio por amor ao próximo, a pior mistificação será somente um meio justo e bom, contra o qual nem Deus poderá objetar. Dar-te-ei exemplo de mi- nhas experiências como essênio e tu mesmo me darás razão!
Certo dia fui procurado por um homem desesperado, cuja esposa, jovem e realmente boa, contraíra moléstia unicamente curá- vel por remédio de mim conhecido. Outro qualquer recurso teria provocado a morte, e tornado o esposo a criatura mais infeliz deste mundo. Acontecia, porém, que ela tinha tal aversão ao remédio que preferia morrer a tomá-lo, e não adiantava insistir, fato que levou o marido ao desespero! Tive, então, a seguinte inspiração; virei-me para ela e disse, na frente do marido: ‘Não te aflijas; conheço cen- tenas de outros remédios que curam tua moléstia, ainda mais rapi- damente!’ Externei assim u’a mentira capital, em favor da doente.
A segunda, e maior, foi que mudei o nome do remédio, jun- tei-lhe algo inofensivo, modificando forma, cor e gosto; e, elevando seu preço a três libras de ouro, ninguém poderia suspeitar da fraude.
A enferma aceitou de pronto o remédio e salvou-se dentro de poucas horas. Mal contive um sorriso e, até hoje, nenhum dos dois soube do embuste salvador! Pergunto se foi bom ou nocivo — e tu te calas, por não teres argumento! Relatarei mais outro exemplo, pedindo tua opinião a respeito.
Há um ano atrás faleceu, de lepra, a filha única de pais ricos e conceituados. Casualmente, soube do caso e me dirigi para lá: os velhos estavam inconsoláveis! Quando fitei mais prolongadamente as feições da morta, lembrei-me de u’a moça muito parecida, que se achava em nosso Instituto de Criação humana.
Chamei o pai e lhe disse: Não chores! Sou um verdadeiro essênio e te afirmo poder ressuscitar tua filha em nosso claustro, por intermédio de meu arcanum! Manda transportá-la para lá com tudo que possuía, e dá-me uma descrição de seu caráter, inclinação pes- soal, em suma: de tudo que a rodeava, e garanto que t’a devolverei dentro de dois meses!
Compreende-se que os genitores não hesitaram em obede- cer-me, porquanto me achavam incapaz de qualquer embuste. Tudo que pertencia à moça, desde o berço até a morte, foi levado ao claus- tro. Havendo frequentado, por muito tempo, aquela família e segu- ro da capacidade assimiladora da outra moça, que muito se parecia com a falecida, a troca foi fácil. Decorridos alguns meses, achava-se ela no meio dos pais esperançosos.
Eu mesmo a levei ao novo lar; quando os velhos nos viram de longe, correram de braços abertos para receber a pseudofilha que, por mim instruída, fez o mesmo. Devias ter visto a alegria dos pais!
Por essa fraude colossal, três pessoas ficaram completamente felizes: os velhos, por terem encontrado a filha, e a moça pobre, que achou um ambiente que nunca esperava. E eu? Confesso que tive apenas a certeza agradável de ter cooperado na felicidade de outrem!
Teria aquela fraude algo de nocivo? Considero apenas de condenáveis, embustes praticados por ganância; se, no entanto, lan- çar mão de meios fraudulentos inofensivos, tendo a certeza de curar um infeliz, tal mistificação nem por Deus pode ser classificada de
maldosa, e deveria até se agradecer nossa seita, que abriga pessoas com intenções tão felizes!
Não agiu Jehovah da mesma forma contra o velho e cego Isaac pelo embuste praticado por Jacob, a fim de proporcionar aos judeus um patriarca mais competente do que Esaú?! Concordo que toda mistificação maldosa, quando atinge seu ponto culminante, aniquila-se de modo próprio — enquanto uma que vise o bem da Humanidade, nunca o fará. Considero mil vezes mais reprovável o amigo da verdade que denuncia nossa Ordem, do que o pior em- busteiro de nosso claustro! Refuta os meus argumentos, pois estou pronto a vencer esta contenda!”
DIFERENÇAENTREPRUDÊNCIAE EMBUSTE
Diz Raphael: “Caro amigo, tenho de confessar ser difícil dis- cutir-se contigo! Partes do princípio de que todo meio é justo pela intenção e finalidade; e eu apenas te posso afirmar que, com toda tua boa vontade e intelecto apurado, estás errado, porquanto nada assimilaste daquilo que te falei!
Consideras apenas vantagens e felicidades terrenas, porquan- to não podes imaginar as do espírito. É fácil se fazer alguém feliz através de mistificações; contudo, nada de bom ter-se-á feito para alma e espírito, que muitas vezes são realmente prejudicados.
Relataste-me alguns casos na tua vida; nada tenho a contra- por ao primeiro, pois o tratamento da enferma não foi ludíbrio, mas simples prudência.
Diante de Deus, toda atitude e tentação ocultas representam traição contra as criaturas, onde forçosamente sofrem dano físico e moral. Se ocultares, porém, tuas palavras e gestos para auxiliares teu próximo, muitas vezes cheio de fraquezas e inacessível por via direta
— ages por prudência mui recomendável.
Se em todas as tuas atitudes, palavras e tentativas, se baseia uma boa intenção, terás empregado a prudência, e o prêmio do Céu não faltará. O primeiro exemplo que relataste pertence a essa cate-
goria; enquanto o segundo, muito embora de caráter benevolente, é bem diverso; terás, com isto, dado um testemunho falso de vosso claustro para o futuro da Humanidade, quando, pela cegueira co- mum, todas as fontes de ouro se abrirão, e vosso Instituto alcançará riquezas fabulosas.
Qual o efeito dos bens terrenos? Fazem com que as criaturas se tornem altivas, dominadoras, frias, egoístas e orgulhosas, despre- zando, odiando e perseguindo o próximo. Há pouco te externaste contra todas as diversas organizações religiosas e seu sacerdócio; de- monstraste como castigam a Humanidade de forma incrível, sendo representantes dum deus e deixam que os outros para eles trabalhem; entregam-se ao ócio completo, forçando os leigos a viver, trabalhar e morrer para seu bem, através de mortificações físicas e morais! Deste um colorido verdadeiro às circunstâncias deprimentes, e o vergo- nhoso efeito dessa casta!
Digo-te, porém, sem rodeios: todos os sacerdócios de hoje se encontram em bases mais limpas que vosso claustro, pois seu fundamento se baseia na verdade pura e divina, no entanto foi tão deturpada, que avistas somente mentiras e fraude. Que, então, será de vosso Instituto, construído desde o início em embuste e traição?!
Achas que vossos sucessores cumprirão estritamente as nor- mas por vós criadas?! Daqui a cinquenta anos tudo terá outro as- pecto! As fraudes e feitiçarias serão ainda mais sutis e dilatadas, e arriscar-vos-eis na ressurreição de pessoas idosas, onde nem sempre tereis o efeito desejado.
Imporeis castigos cruéis e irrevogáveis ao delator de vossos segredos: até mesmo à pergunta sobre qualquer milagre, será casti- gado! Vosso lema será: Povo, nada tens a perguntar; cabe-te somente crer! Vem, caso necessites de ajuda, que receberás mediante oferenda prescrita! O resto, não te diz respeito!
Essa atitude irritará pessoas curiosas, que farão investigações variadas, descobrindo vossos segredos. Sereis tomados de ira, jurareis vingança aos vilipendiadores de vosso culto mistificador, que talvez até será posta em prática.”
(Raphael): “Criticaste as penitências hindus; em cinquenta anos agireis de modo dez vezes pior; pois assim que a maioria do povo vos der crédito — em virtude de vossos falsos milagres — venha o que vier, que ele a tudo se submeterá! Em sua ignorância, só pode tomar-vos por servos de deuses munidos de forças ocultas, contra as quais não haverá poder humano.
Chegados a esse ponto, podeis dizer a alguém: Miserável pe- cador! Tudo que pensaste e fizeste, e ainda projetares no próximo ano, todos os teus pensamentos e desejos pecaminosos nos são reve- lados, e sabemos que, por isso, atrairás a condenação e ira divinas! Advertimos-te, pois, para que te abstenhas de tais pecados, e faças um sacrifício vultoso a fim de abrandar a ira dos deuses; além disto, conviria tua flagelação diária durante três anos, com corda forte so- bre as costas nuas. E ai de ti se não cumprires tal penitência!
O pobre coitado, que realmente nunca teve pensamentos e atos condenadores, acreditar-vos-á ser um pecador que merece toda condenação, prontificando-se àquilo que vós — servos de deuses poderosos e oniscientes — lhe incutistes. Será isto justo e bom, pelo teu critério equilibrado, e o meio — será abençoado pela finalidade que visa?!”
Diz Roklus: “Nunca foi essa nossa intenção, porquanto con- sideramos somente a pobre Humanidade sofredora; desta forma, não vejo por que meu recurso na troca da moça falecida possa ser condenável! Não tenho ideia de como o mal se possa infiltrar em nosso Instituto, uma vez que visamos apenas o Bem!”
Diz Raphael: “Amigo, experimenta lançar o trigo selecionado num campo inteiramente limpo — e quando germinar, verás quan- tidade de joio entre o mesmo! Se tu e teus colegas semeais apenas o joio na terra — como pretendeis colher o trigo?!
Em todos os tempos e em todos os países da Terra foi pregada a Verdade pura provinda de Deus, através dos profetas inspirados por Ele. Que aspecto tem hoje? Na maior parte se depara com leis
humanas, mentiras e extorsões incríveis! Vosso Instituto foi por vós fundado apenas em mentiras e pretendeis, desta forma, despertar a verdade nos corações humanos?
De que te adianta abrires um grande buraco em plena rua, sem teres intenção de provocar acidentes?! Se à noite as pessoas por aí passarem, acaso não cairão na cova, prejudicando-se? Assim como fazes, atrairás as criaturas ao abismo psíquico!
Se um doente, cuja moléstia desconheces, te procura, entre- tanto lhe dás um remédio contraindicado, que lhe traz a morte — poderás ser considerado bom, conquanto tiveste a melhor intenção, como profissional?!
Os que abriram uma vala, sem no entanto protegê-la com uma ponte munida de gradil, ainda tinham em mente secar a rua; todavia, não foram tão precavidos em reconhecerem o perigo para as pessoas que por ali passassem.
O meio de secar o terreno foi, portanto, nocivo, não obs- tante a boa intenção, pois se tivessem enchido o brejo com pedras e paus, ou então feito ponte sólida, o móvel de sua ação seria justo.
Desta forma, é vosso Instituto de milagres falsos um meio pernicioso para o bem da Humanidade, porque não calculastes os prejuízos que daí adviriam. Que te adiantaria a suposta ressurreição da filha de teu amigo caso ele viesse a saber que ela fora enterrada, enquanto acolhera uma estranha?! Pensas contentar-se ele com tal fato? Ou não te é possível imaginares que tal denúncia desclassifica- ria vossa seita, ficando destituída de toda fé e confiança?”
OSVERDADEIROSEOSFALSOS TAUMATURGOS
Diz Roklus: “Para nós, pensadores, existe naturalmente uma grande diferença, enquanto para o leigo tudo é bom! Uma vez que um verdadeiro taumaturgo age pelo poder do espírito, não nos de- nunciando perante o povo, apontando nossa magia comum, a meu ver, ambas as categorias de benfeitores podem agir independente- mente, caso o outro não for impulsionado pela inveja!”
Diz Raphael: “Teu critério é bem interessante! Julgas que o verdadeiro benfeitor, movido pelo Poder Divino, também vise hon- ras humanas e lucro monetário?! Acaso não haverá outra finalida- de, mais elevada e sublime, do que a manutenção física e a hon- ra pessoal?!
Ouve bem: Cada criatura possui uma alma imortal, onde se oculta o espírito eterno. A fim de que a alma, como elemento espiritual surgido da matéria, se una ao Espírito Divino, chamado ‘Amor’, deve ela dirigir todas as suas ações de tal forma a se afastar da matéria e de suas exigências variadas, dedicar-se unicamente ao espírito que ela abriga dentro de si, e ao Espírito Puro do Amor Divino, porquanto Ele Mesmo é o Puro Amor em Sua Natureza Intrínseca.
Como poderia a criatura saber se sua alma se uniu ao espírito divino dentro dela? Mui facilmente: quando não mais sentires or- gulho, ambição, vaidade, tendência para a luxúria e amor-próprio. Em compensação, teu íntimo é invadido pelo amor ao próximo e a Deus, constituindo imensa felicidade comovedora teres dividido to- dos os teus bens entre irmãos necessitados, e sentires mágoa imensa não podendo auxiliar algum pobre. Ainda mais quando Deus for tudo para ti, e o mundo com seus tesouros nada representarem para teu coração — então tua alma, completamente unida à centelha divina, terá alcançado a vida eterna e perfeita, se tornando sábia e, quando preciso, poderá fazer milagres pela vontade!
A fim de levar as almas a esta finalidade, Deus proporciona o poder milagroso de modo preponderante a certas pessoas, que já alcançaram tal evolução, para que deem testemunho aos fracos e vacilantes na fé, ensinando-lhes a razão de sua vida e a maneira pela qual devem viver e agir.
Um verdadeiro taumaturgo nunca fará milagres para extasiar os tolos ou tirar proveito monetário, senão para demonstrar ao pró- ximo o verdadeiro caminho da vida e proporcionar-lhe coragem e confiança para a luta contra as paixões mundanas, apontando ainda a verdadeira base, valor e destino da encarnação, conduzindo-o pela
via mais curta para o que Deus o convocou, isto é: a verdadeira e eterna vida e sua máxima bem-aventurança.
Indaga de ti e de teus colegas se praticastes vossos milagres com essa intenção! Sois prudentes e de modo algum maldosos; a conquista dos bens terrenos, porém, tornou-vos cegos na vossa es- fera psíquica. O mundo e sua felicidade vos representam tudo. A fim de conquistá-los é preciso, antes de mais nada, angariar a maior estima por meios adequados e convincentes. A arma nem sempre dá bom resultado, enquanto algumas feitiçarias proporcionam vis- lumbre divino, apropriado na conquista das criaturas. Basta que tais falsos milagres ainda prodigalizem benefícios materiais — embora aparentes — e a vitória estará ganha!
Vosso lema é: Como pessoas viajadas, fizemos a experiência não existir vida além da morte; por isto, convém viver-se da melhor maneira possível! Para consegui-lo, é preciso inventar-se algo que nos torne indispensáveis ao povo, através de meios aparentemente fáceis. Ele, então, fará por nós os trabalhos pesados, julgando ter prestado serviço a Deus — e nós passaremos bem. Em compen- sação, nos exibimos como representantes perpétuos dos deuses na Terra, em virtude de nosso poder milagroso! Se conseguirmos nos manter durante cinquenta anos, sem traição de algum membro, to- dos os reis e seus súditos rastejarão no pó diante de nós!
A fim de causarmos impressão, não devemos temer despesas no início; além disto, apresentar-nos como pessoas bondosas, cari- dosas e compenetradas dos deuses! Os antigos fundadores de religi- ões agiram com prudência ao prepararem o povo conforme o que- riam; nós, essênios, ricos em experiências, formaremos uma religião, que finalmente será procurada por todos os povos, inclusive seus regentes! Conhecemos a fraqueza humana e sabemos como melho- rar nossa Instituição excepcional, enriquecendo-a com tudo que seja necessário e tornando-a invulnerável para todos os inimigos!
Se, desta forma, os verdadeiros benfeitores, provindos de Deus, ainda a vós se unissem, vossa seita mistificadora realmente seria invencível, e seríeis donos de todos os tesouros do mundo.
Acontece, porém, serem eles o que foram e sempre serão: os maiores inimigos de toda falsidade e mentira, e nunca se juntarão a vós, e sim denunciar-vos-ão por toda parte, demonstrando aos povos toda organização falsária de vosso Instituto! Com isto, vossas esperanças promissoras em breve se extinguirão, perdendo seu suposto valor. Será que ainda afirmais coadunar-se vossa ação fraudulenta com a dos verdadeiros benfeitores de Deus?! Eu mesmo seria capaz de abalar vosso Instituto com uma única ação milagrosa, de sorte que ninguém mais vos pediria conselho! Acreditas-me?!”
DÚVIDASDEROKLUSQUANTOAOPODERDE RAPHAEL
Roklus: “Pode ser, caso tuas ações sejam tão poderosas quan- to tuas palavras; até hoje, porém, verifiquei sempre o contrário: Quem muito fala, pouco faz. Confesso, portanto, não me atemori- zares com teu poder ostentado! Aliás, podes procurar os pais daquela moça e relatar-lhes não ser ela a genuína e verás se te dão crédito! Serás convidado a te retirar, mas nunca hás de convencê-los, mesmo apresentando-lhes uma cópia ainda mais semelhante. A ressurreição da verdadeira, por certo, não te será possível; pois ignoras onde foi enterrada e, além disto, os vermes já terão destruído o cadáver.
Isto seria, a meu ver, o único meio de deixar os pais perplexos por algum tempo; na melhor das hipóteses, adotarão a ressuscitada como filha de criação, em virtude da grande semelhança. Deixemos, porém, esta troca de palavras e dirijamo-nos a outro assunto!
Fazes parte desta assembleia? Qual a finalidade de vossa pre- sença aqui? Acaso o Prefeito dá audiências populares, como já tem acontecido, ou trata-se duma espécie de julgamento? Pois vejo re- presentantes de todos os cantos da Terra, inclusive persas, armênios, tauros, gregos, romanos e egípcios! Não teria feito tal pergunta, por modéstia e respeito diante do idoso Cirenius; mas, como estamos palestrando cerca de duas horas, peço-te me esclareceres quanto à origem da casa, do jardim etc. Não esqueci o que me disseste a respei- to; todavia, não é possível conseguir-se isto tudo pelo poder divino
dentro da criatura. Esta força bem pode apontar os meios adequados para a realização, entretanto devem existir alhures e não surgiram da própria brisa. Vem, meu amigo, relata-me algo a respeito!”
Diz Raphael: “Um pouco de paciência, pois ainda não ter- minamos nossa discussão, e seria prematuro dizer-te o motivo que justifique tantas raças aqui presentes. Mais tarde serás informado de tudo; por enquanto, temos de resolver se sou ou não capaz de aba- lar vosso Instituto, sem ajeitar uma segunda cópia da pseudofilha! Poderia dar-te uma prova, neste momento, que faria teus cabelos ficarem em pé! Que dirias?”
ROKLUSJUSTIFICAAFUNDAÇÃODAORDEM ESSÊNIA
Diz Roklus, um tanto perplexo: “Sempre vivi dentro da lei e ignoro o que poderia me fazer arrepiar! Já que nossa Seita é um hor- ror aos olhos de Deus — cuja existência não mais posso negar de- pois que falaste comigo — deveria Ele possuir meios de evitar a cria- ção de tais instituições. Nós e nossos predecessores jamais sentimos empecilhos na fundação, e o próprio Estado, a quem fora submetido o plano, concordou e até prometeu sigilo e proteção contra qualquer perigo externo. Não houve, portanto, impedimento espiritual ou por parte do Governo em nossa organização; assim sendo, também não havia possibilidade de contrariarmos a vontade alheia; posso até mesmo enfrentar Deus de consciência tranquila e, realmente, não sei por que forma me deixarás de cabelos eriçados!
A julgar por tuas palavras, te assiste excepcional poder; talvez és o criador desse milagre e consegues ressuscitar alguém pela vonta- de e pela palavra, de acordo com o boato que corre nesta cidade re- ferente a um tal Nazareno, capaz de fazer coisas excepcionais, o que não ponho em dúvida. Dentro das criaturas habitam espíritos de grandeza diversa e facilmente pode alguém inventar algo, talvez por casualidade, que milhões não suspeitem. Eis por que nosso Instituto é tão louvável, porquanto procura pessoas assim dotadas, a fim de beneficiar a Humanidade por tais invenções.
Os essênios nunca perseguirão ou impedirão as ações de criaturas extraordinárias; pelo contrário, procuramos incentivá-las e conquistá-las para nossa Ordem, o que já conseguimos várias vezes. E toda a Congregação garante o futuro de tal homem. Eis nosso modo de pensar e agir, sem que visemos recompensa aqui ou no Além! Qual seria, pois, o juiz que teríamos de enfrentar?
Acaso és tu mesmo o mencionado Nazareno? Tanto melhor, pois teremos travado conhecimento com pessoa tão falada! Mas pa- reces mui jovem, porquanto deve ele contar seus trinta anos, pela descrição feita! Não importa se não fores célebre taumaturgo; tam- bém és dono de espírito ativo e aplicado e viajaste por muitos países, onde angariaste experiências diversas. Assim, podes ter chegado à capacidade cujo vulto desconheço. Em absoluto te invejo, tampou- co nego poderem existir verdadeiros milagres ao lado dos nossos, fictícios; pois é preciso que os falsos sejam precedidos pelos reais, do contrário não poderiam ser inventados. Contesto somente qui- séssemos por eles alcançar alguma ação maldosa. Ignorávamos que, por tais milagres falsos, é aniquilada totalmente a esfera psicomoral da criatura, o que constitui grande dano; éramos, no entanto, todos ateístas e apenas podíamos visar a felicidade terrena, porquanto não acreditávamos na vida de além-túmulo. Expus de modo dilatado os motivos que nos incentivaram à incredulidade dum Ser Supremo, e julgo estar livre diante de ti, como se foras Deus Mesmo.
Não oculto qualquer ponto negativo em minha consciência; não temo a morte, muito embora não seja amigo de dores e sofri- mentos. Repito, pois, não saber a maneira pela qual pretendas as- sustar-me! Prefiro sermos amigos e auxiliarmo-nos em tudo que seja bom e verdadeiro, sem com isto conseguirmos modificar o mundo em geral! De mais a mais, tenho vontade de afastar-me com meus colegas, pois acabo de observar alguns fariseus, cujo contato sempre procuro evitar, por serem contra qualquer progresso! Abstém-te de futuras explicações; já sei como agir para alcançar a Vida Eterna de Deus. Por ora, é só o que me interessa, e desisto até da explicação referente ao milagre, muito embora me preocupasse fundamental-
mente. Mas, todos esses fariseus, inclusive o reitor de Cesareia Phi- lippi... — não, meu amigo, prefiro afastar-me!”
Diz Raphael: “Não te preocupes; são tão pouco fariseus quanto tu! Todos que aqui se acham são inofensivos, com exceção de um, tolerado em virtude das Escrituras. Mencionaste há pouco certos boatos do célebre Nazareno; conta-me o que sabes, e eu dei- xarei de te fazer arrepiar! Está bem?”
ROKLUSFALADE JESUS
Após curta pausa, Roklus diz a Raphael: “Caríssimo e jo- vem amigo, com prazer relatarei o que ouvi de alguns comerciantes de Nazareth e Capernaum, nos quais acredito fielmente, por serem pessoas sérias. Na cidade de Nazareth, situada no Norte do Jordão, vivia um carpinteiro cuja segunda mulher lhe dera um filho, a quem chamou ‘Jesus’. Exerceu o mesmo ofício de seu pai, era calado e cal- mo; nunca discutia, nem era amigo de Vênus ou Bachus.
Suas tendências predominantes eram: simplicidade única, humildade e benevolência para com os pobres. Embora perito como carpinteiro, só aceitava pagamento reduzido, que sempre entregava aos pais. No dia em que fez trinta anos, largou as ferramentas para nunca mais trabalhar. Inquirido pelo irmãos e a mãe, respondeu de modo místico: Chegou a hora em que devo cumprir a Vontade de Meu Pai Celeste, motivo por que vim ao mundo!
Em seguida deixou a casa paterna, dirigindo-se ao pequeno deserto não longe do local onde o Jordão sai do Mar Galileu, anga- riou adeptos e ensinou o amor a Deus e ao próximo; advertiu-os do antigo fermento dos fariseus — o que muito apreciei, embora não tivesse a felicidade de conhecê-lo pessoalmente; pois um adversário dos fariseus é nosso amigo, e pode contar com nosso auxílio.
Une ele a ensinamentos tão elevados, uma vontade podero- sa e opera milagres inéditos. Consta ressuscitar qualquer indivíduo, sem recursos materiais, e apenas pela vontade expressa; não obstante soar isto incrível e fantástico, é a pura verdade!
Seus numerosos adeptos, que sempre o acompanham, to- mam-no por Deus, porquanto Este não poderia realizar coisas mais grandiosas, com todos os Seus predicados. Deixemos, porém, isto; pois um deus, conforme o projetamos de modos diversos, não deixa de ser o produto da fantasia humana, que nada de real apresenta.
Sendo essa a realidade, não vejo por que não tomá-lo por um deus, pois penso o seguinte: é o Nazareno, através de suas faculdades pessoais, o único capacitado nesta Terra, tendo encontrado o centro de sua vida emotiva pela dedicação ao próximo, cujo foco tão cari- nhosamente cuidou, alimentou e desenvolveu. Por essa verdadeira vida, que o penetra completamente, une-se ele ao poder comum da Natureza, dirigindo deste modo não só seu próprio organismo, como também toda vida orgânica, porquanto reúne em si, pelo seu modo de viver, os fios psíquicos de todos os seres, podendo com eles agir à vontade.
Anteriormente, quando ainda ateísta, havia eu feito a obser- vação da maneira pela qual o homem pode conseguir a vida eterna e a realização divina, pela descoberta do princípio da vida dentro de si; alguns já o alcançaram em tempos remotos, e outros assim farão no futuro. E eis que aparece tal homem em Nazareth, que absoluta- mente é um conto fantástico e justifica minha afirmação! Pensei nele quando me externei daquela forma e tudo daria para encontrá-lo! Tornar-me-ia um seu discípulo; considerá-lo-ia sem vacilar um deus verdadeiro, amando-o e adorando-o de toda alma, mesmo se tu me apresentasses mil Jehovahs e Zeus!
Digo mais: Todas as divindades egípcias, gregas, romanas e hindus nada são perto do Nazareno, único, que os essênios de modo algum temem, pois vários são seus discípulos, dando-nos notícias a seu respeito! Se ele aqui se encontrasse, nem mais perguntaria pelo autor do milagre, porquanto só poderia ser ele!
Um deus verdadeiro pode até criar um mundo, porque man- tém todas as forças da Natureza em suas mãos; basta algo querer, para fazê-lo surgir dentro de sua inteligência mais elevada. Archi- medes, o grande sábio e entendido nas forças naturais, afirmou:
Dai-me um ponto fixo fora da Terra, que eu a desconjuntarei! Tal expressão foi um tanto atrevida, porquanto seus gonzos não tinham força tamanha.
O Nazareno não necessita de ferramentas, basta um pensa- mento — e todo o orbe se dissolverá em átomos! De certo modo faz ele parte de nosso Instituto, isto é, da Congregação do verdadeiro e desinteressado amor ao próximo; por isso, não precisamos temer outra personalidade maior, porquanto ninguém teria coragem para desafiá-lo.
Talvez tenhas vontade para tanto, pois pretendias fazer-me arrepiar os cabelos?! Levarás vantagem se fores mais modesto, caso o encontrares; mas, talvez já o conheças!”
Diz Raphael: “Ora, essa é boa! Pois de há muito me acho a Seu serviço!”
OMILAGREDERAPHAELEXIGIDOPOR ROKLUS
Diz Roklus, rindo: “Seu paspalhão! Se até hoje nunca men- tiste, acabas de fazê-lo! Pedes que te faça um relato do Nazareno — e declaras servi-lo de há muito! Agora te convido a provares isto, senão eu te farei arrepiar, ouviste?”
Diz Raphael: “Não consegues me atemorizar e farei o que quiseres, visto tratar-se de algo razoável e possível; para tolices e loucuras não tenho poder. Externa-me o problema, que de pronto executarei!”
Lançando um olhar duvidoso para Raphael, Roklus diz: “Pois bem, meu jovem! Eis aqui uma pedra de granito de cinco li- bras. Transforma-a em ouro de igual peso!”
Diz Raphael: “Tolo, em ouro será três vezes mais pesada, por- tanto têm de ser mudadas forma e tamanho!”
Responde Roklus: “Nesse caso, transforma o peso em bene- fício do milagre!”
Replica Raphael: “Então segura-a bem, a fim de que não te caia das mãos com o peso triplicado; sentirias o súbito aumen-
to, como se o dobro caísse do ar em tuas mãos, e poderias levar uma queda!”
Protesta Roklus: “Tal acidente não me atingirá!” Afirma ele isto apenas levado por certa dúvida desta prova. Nesse momento, Raphael transforma a pedra em ouro e Roklus cai por terra com tal violência, que mal consegue erguer-se. Quando de pé, começa a se queixar da diabrura do anjo, dizendo: “Ouve, dez de tais pedras não merecem tal queda dolorosa! Não me poderias ter avisado o mo- mento preciso da transformação? Sinto tanta dor como se tivesse ca- ído duma árvore! Cura-me, para maior prova, desta dor de cabeça!”
Raphael dirige o sopro por cima de Roklus, que prontamente se restabelece, enquanto o anjo lhe manda verificar se a pedra era de ouro maciço. Chamando por seus onze companheiros, Roklus os convida para analisá-la.
OSESSÊNIOSCONJECTURAMARESPEITODE RAPHAEL
Dizem os outros: “Isto é ouro puro e o bloco deve ter valor ele- vadíssimo! E este jovem, de feições tão lindas, o realizou apenas pela vontade? Jamais seria isto possível a um mago! Trata-se dum verdadei- ro milagre, somente realizável por Deus; portanto, merece ele ser ado- rado, e devemos ofertar-lhe tudo que temos para que não se afaste!”
Declara Roklus: “Afirma ele ser apenas discípulo e servo do Nazareno, cuja pessoa se torna cada vez mais célebre e faz ressal- tar sua divindade! Assim sendo, cabe-nos somente encontrá-lo, que teremos tudo!” Em seguida, ele se dirige novamente a Raphael e diz: “Ouve, meu caro! Nossa contenda terminou; eu e meus com- panheiros te pedimos, portanto, que nos informes onde podemos encontrar o Nazareno!”
Diz Raphael: “Agora já posso adiantar-te encontrar-se Ele aqui, e ser-te-á fácil achá-Lo entre as centenas de hóspedes, em vir- tude de tua perspicácia! Se não fosses tão inteligente, já teria te de- monstrado Sua Pessoa; assim, vejo-me impedido por Ele; vai, por- tanto, à Sua procura!”
Responde Roklus: “Continuas a desafiar-me; mas, não im- porta. Meu intelecto não é de todo depreciado; e o que ele não achar, ficará por conta do coração. Por isso, não te preocupes, jovem amigo: em breve acharei o que desejo!”
ROKLUS FALA SOBRE A IMPORTÂNCIA DUMINTELECTO DESENVOLVIDO
Nisto, Raphael recomenda a Roklus guardar o bloco de ouro, pois deve considerá-lo como presente do anjo. O grego se irrita, dizendo: “Amigo, achando-me à procura da maior dádiva concedida ao homem, nem de longe cogito tocar este montão de matéria in- fecta, e podes transformá-lo no que foi! Julgas-me ávido pelo ouro, porque sou grego e essênio?! Enganas-te redondamente; primeiro, por contar com herança cem vezes maior do que o valor deste bloco; segundo, meu coração jamais se prendeu à matéria, pois se assim fizesse, nunca teria chegado a tal sagacidade de intelecto. Bem sei não ser ele suficiente na pesquisa das coisas elevadas; todavia, a com- pleta carência dificultará ao homem alcançar as verdades profundas da vida! Um intelecto bem formado é, a meu ver, caminho andado para a plenitude da Verdade Divina; portanto, de considerável valor, e não é justo tu desprezares a minha sagacidade!
Na cidade em ruínas vagueiam muitas pessoas de cujo inte- lecto não terias queixa; por que não vêm até aqui, procurar a verdade profunda da vida? Certamente também descobriram o milagre, sem contudo se impressionarem! Qual seria o assunto que despertasse o interesse dum ignorante? Nenhum, com exceção dum bom repasto; uma vez satisfeita sua fome, podes até operar milagres, que não o impressionarão. Isto só se dá com pessoa inteligente, não descansan- do até ter compreendido sua causa.
Se a situação é realmente esta, não compreendo por que des- prezas meu intelecto, com observações dúbias! Neste ponto estás errado, com todo teu poder milagroso!
À procura de Deus tenho, antes de mais nada, de pensar e depois sentir! O que poderia despertar um sentimento elevado, caso sou ignorante completo? Mandaste que eu procurasse o Nazareno através de minha sagacidade intelectual; eu assim agirei para provar-
-te ter ele, também, sua utilidade. Em suma, agradeço-te o ensina- mento do Deus Verdadeiro, conferindo-me um tesouro que montes de ouro não poderão pagar — no entanto, não me agrada tua crítica ao intelecto. Até mesmo Deus só poderia confirmar ser o intelecto, no conhecimento individual e divino, tão indispensável quanto os olhos para a visão. Sei perfeitamente existir muita coisa determinada pela Sabedoria Divina que o intelecto mais culto não consegue abar- car; sem ele, porém, o homem nada compreenderá!
Afirma-se ser a fé a visão da criatura; mas que valor terá ela sem o intelecto? Idêntica à das crianças que pretendem alcançar a Lua, julgando que seja um pão-de-ló! Que benefício teríamos nós e Deus com tal fé? Não é preferível, e mais digno do espírito humano e do Espírito de Deus, meditar-se até se compreender o que em verdade seja a Lua?
Defendo o seguinte princípio: Analisar tudo e conservar o bem e a verdade até que se receba esclarecimento melhor. Numa noite trevosa, um simples vagalume é de grande utilidade; do mes- mo modo é a Luz da alma — chamada intelecto — melhor que a superstição, isenta de qualquer base verdadeira!
No caso em que eu deva acreditar num fato verídico sem me poder certificar de sua genuinidade, porquanto me faltam intelec- to e experiências — não seria tal crença mera superstição?! De que me adianta uma verdade caso não a entenda nem possa convencer-
-me de sua fonte? Se, portanto, o homem acredita em algo, deve ao menos assimilá-lo pela razão; do contrário, mentira e verdade serão idênticas!
Se tu afirmares existir atrás dos montes uma cidade constru- ída de pedras preciosas, e seus moradores serem gigantes, acreditar-
-te-ei, caso seja tão ignorante quão tolo.
Se algum outro vier, alegando ser tudo aquilo mentira, eu, como ignorante, serei a favor do primeiro, muito embora tenha pro- ferido mentira! Poderia Deus não ligar a tal conduta?!
O Nazareno sendo um deus pleno da máxima sabedoria — o que não mais duvido, porquanto o aceitei pelo intelecto — agi- ria ele tolamente caso ensinasse às criaturas mentira e mistificação, exigindo aceitarem a Luz da Verdade e o Bem sem análise intelec- tual! Vês, portanto, não te ser possível contestar-me, mesmo por milhões de milagres; queira, pois, desistir da crítica ao meu intelecto e demonstra-me onde se acha o divino Nazareno, para que o pos- sa adorar!”
AINFLUÊNCIADOAMORSOBREO RACIOCÍNIO
Diz Raphael: “Exaltas-te sobre algo que pretendes incutir-
-me; como podes julgar ser eu adversário do raciocínio equilibrado?! Se te aconselhei deveres procurar o Nazareno pelo teu intelecto agu- çado, queria apenas apontar ser ele — ainda mesmo o mais lúcido
— insuficiente, porquanto compete à alma, isto é, ao amor, ini- ciar a procura e o conhecimento Daquele que é o mais Puro Amor em Pessoa!
Nem a Personalidade do Nazareno, ainda mesmo tu queren- do elevá-Lo a um Deus, em virtude de teu entusiasmo de mago, tem a menor importância, e sim a voz de teu coração!
Se possuísses o justo grau afetivo já O terias encontrado sem perguntar-me, pois o amor facilmente descobre o amor. Den- tro de ti ainda predomina o intelecto frio, embora equilibrado, razão por que ainda procuras Aquele, tão junto de ti! Julgas ser eu a favor da superstição tão cultivada por vós, essênios? Enga- nas-te! Se falo da insuficiência do raciocínio externo, é porque lhe deve ser acrescido — mesmo em sua esfera mais pura — um conhecimento elevado e espiritual, a fim de se poder assimilar o mais sublime. Se foi esta minha intenção, como podes alegar ser eu oponente do intelecto, e considerar apenas os ignorantes como
aptos a um conhecimento superior?! Não te apercebes a que erro tua pura razão te levou?!
Vê inventarem os homens para todas as situações importan- tes leis justas que foram sancionadas; entre elas algumas rigorosas, como, por exemplo, as leis criminais. Suponhamos que um indiví- duo qualquer infringiu a lei, em parte por desconhecê-la, e o braço da Justiça prontamente o levou diante do Juiz; se este julgá-lo apenas pela pura razão, condená-lo-á à morte pelo Código Criminal. Se, porém, o Juiz também possuir um coração cheio de amor, ele fará a seguinte objeção ao intelecto: A Lei criada, talvez por tendência tirânica, não pode ser aplicada neste caso, porquanto deve ser consi- derada a evidente ignorância do infrator.
Pois se alguém se atira sobre um outro a fim de matá-lo ou, no mínimo, feri-lo brutalmente, merece ser castigado pela evidente maldade! A queda, no entanto, se dando por descuido, e mesmo assim provocando a morte dum transeunte, o causador é inocente, e cabe ao juiz discernir o móvel pelo qual alguém se torna criminoso!
Um estrangeiro, desconhecendo nosso idioma e as leis vigen- tes, pode facilmente infringi-las, e compete a nós orientá-lo através dum intérprete. Só depois de as ter transgredido será sujeito à puni- ção; não é justo alegar-se estar alguém sujeito à punição apenas por desconhecimento das Leis do país, pois não é possível respeitar-se aquilo que se desconhece. Qual dos dois juízes terá, a teu ver, agido com justiça: o primeiro, agindo pela letra e com o raciocínio frio; ou o segundo, que no coração apiedou-se do infrator, demonstrando as deficiências da lei?”
Diz Roklus: “Evidentemente o segundo!” Acrescenta Rapha- el: “Bem! Qual foi o móvel que elevou sua compreensão e intelecto?” Responde Roklus: “O amor, que despertou a misericórdia para com o outro! Não quis condená-lo e assim, analisando melhor, chegou a certas conclusões favoráveis ao criminoso!”
Diz Raphael: “Muito bem! Deduzimos, portanto, que um intelecto desenvolvido por conhecimento e experiência em todas as circunstâncias só recebe a justa sagacidade quando aquecido pelo
amor, cuja chama o iluminará mais e mais! Ainda me consideras adversário do raciocínio, apenas por ter despertado tua atenção à carência de certa agudez de teu intelecto? Compete-te aumentá-la pelo justo amor Àquele que procuras só agora, pois nunca o fizeste, conforme afirmas!”
RAPHAEL REVELA OS PENSAMENTOS DE ROKLUS QUANTO AO SENHOR
(Raphael): “Ouviste realmente certas coisas do célebre Naza- reno, que julgavas incríveis, e tinhas vontade de encontrá-Lo, caso isto fosse fácil. Nunca, porém, foste à Sua procura, pois pretendias ouvir notícias pelos confrades, que por vós foram enviados. Estes, todavia, tornaram-se Seus adeptos, sem mais se comunicarem con- vosco, o que vos atemorizou e aumentou a curiosidade de conhecer- des pessoalmente o Nazareno.
Tal inclinação ainda não é amor, e podes confessar se não é comparável àquilo que leva o vencido a entregar-se ao vencedor, por mera fraqueza e com atitude amável, a fim de que o outro não venha a desafiá-lo novamente! No fundo, temes o Nazareno e simulas o desejo dum contato com Ele, enquanto dizes no teu íntimo: Que calamidade! Precisamente agora, que nosso Instituto se acha bem equipado, aparece este homem! Opera milagres que em breve trairão e reduzirão nossos feitos! Convém, no entanto, manter as aparências e evitar que se torne nosso inimigo invencível. Nem de longe po- deremos manifestar malquerença, e sim tratá-lo com amabilidade, para que nos deixe em paz!
Eis tuas conjecturas, que não poderás contrapor, a não ser que pretendas declará-las puras invencionices; em tal caso, me obrigarias a apresentar-te certos documentos por ti escritos e de conteúdo obsce- no, que provocaria escândalo neste meio e poderia eriçar teus cabelos bastante grisalhos! Acaso não tinha eu razão quando te disse que po- dias procurar o Nazareno pelo intelecto aguçado, para veres o êxito?”
Diz Roklus, perplexo: “Caro amigo, já te sendo possível ana- lisares os meus sentimentos mais íntimos, inútil prosseguirmos nos- sa controvérsia, e sou obrigado a me ajoelhar a teus pés, pedindo que me perdoes tudo que proferi!”
Diz Raphael: “Era preciso que assim falasses, para poderes ser encaminhado ao Nazareno! Segue-me, pois!”
Excessivamente encabulado, Roklus diz: “Tal seria muito bom e sublime, pois contém — como direi — uma dignidade e honra elevadíssimas a pessoa ser apresentada ao homem mais pode- roso de toda a Terra! Se, além disto, ele ainda possuir a capacidade de penetração psíquica pela qual poderia relatar, por exemplo, toda minha vida passada, tal conhecimento deixa de ser agradável! Prefi- ro fugir, a continuar aqui! Além disto, a noite está se aproximando e temos ainda vários assuntos a liquidar em casa — por isto, me perdoarás rejeitar eu teu convite. Se, contudo, prevês um benefício para nós, claro é que não nos oporemos; falando com sinceridade, acho desagradável enfrentar uma potência tão elevada, pois destaca minha nulidade de modo doloroso!”
Diz Raphael: “Se não O conhecerdes, tereis perdido a Vida Eterna de vossa alma! Aliás, tu mesmo afirmaste: bastaria receberes o Nazareno, para tudo possuíres! Tens agora esta oportunidade — mas só até a aurora, quando Se despedirá irrevogavelmente! Só Ele sabe para onde vai; por isto, não percas tempo!”
Diz Roklus: “Pois bem, leva-me até lá, porquanto não nos custará a vida!”
Diz Raphael: “Dar-vos-á a Vida verdadeira, sem vos afetar a atual, fictícia! Vem, pois!”
ANATUREZADO AMOR
Eis que Roklus resolve deixar-se levar por Raphael para junto de Mim. Como Eu esteja ainda à mesa, falando com Cirenius sobre medidas de Governo, Roklus para a uns dez passos e diz: “Pretendes
conduzir-me ao Prefeito, com quem já terminei o assunto?! Por cer- to não será ele o Nazareno?!”
Diz Raphael: “Claro que não; mas seu vizinho à direita e de aspecto simples! Achega-te a Ele!”
Aduz o grego: “Como não — mas que direi e como o tratarei?”
Admira-se Raphael: “Não vejo dificuldade, provido que és de tão vasta cultura! Vai e dize: Senhor e Mestre, eis aqui um faminto e sedento, sacia sua alma! — e receberás resposta apropriada!”
Roklus assim faz com forte receio, enquanto Eu Me viro com olhar amável, dizendo: “Amigo, o trajeto de Tyro a Sidon, de lá até Cesareia Philippi e até aqui, é evidentemente mais curto do que daqui à Índia, onde os sihinitas edificaram uma poderosa muralha acima dos montes mais elevados! Lá procuraste a Verdade; mas, se a tivesses encontrado, não teria sido possível reconhecê-la! E mesmo assim fazendo, ela não seria do teu agrado; pois quando a Verdade não se une ao amor, assemelha-se à luz nórdica: se bem que ilumine a Terra, não a frutifica, permanecendo tudo inerte por falta de calor!
Um juiz também procura a verdade; o criminoso é forçado, por todos os meios, à confissão e as testemunhas fazem juramento rigoroso. Finalmente, estabelece-se a verdade; mas, em benefício de quem? Como se trata duma verdade sem amor — uma luz isenta de calor — sua finalidade visa a morte! O mesmo também fizeste: encontraste tal verdade — mas não para tua vivificação, senão para a morte do espírito, ou seja: o amor no teu coração!
O espírito oprimido pela massa da verdade inerte e material te fez perder toda e qualquer noção da Existência de Deus, porquan- to Deus, em sua Natureza, é puro Amor, só podendo ser compreen- dido pelo próprio amor!
Pressentias vagamente ser o amor o elemento básico de todos os seres e coisas; no seu todo, porém, não o conhecias, porquanto teu sentimento e os sentidos psíquicos nunca por ele foram tocados.
Teu conhecimento quanto ao amor era idêntico ao que tinhas das estrelas: se bem que brilham, não produzem calor
e te é impossível saber, pelo intelecto, se sua luz talvez prove- nha do fogo.
Quanto ao Sol, não alimentas dúvidas, porque sentes seu calor, presumindo ser ele um fogo incalculavelmente poderoso, pois, desconhecendo tamanho e distância, pode aquecer a Terra.
Da Lua afirmas o contrário, porque não transmite quentura alguma; dos astros, não tens opinião formada, em virtude de teres apenas noção de sua luz fraca e nunca foste convidado a refletir so- bre a causa da mesma, e se se trata de corpos cósmicos ou apenas de pontos luminosos, sem calor e peso.
A fim de se conseguir uma noção de qualquer objeto, preci- so é meditar a respeito, e mesmo isto só é possível quando se lhe dá valor — que sempre depende do amor que se dedica.”
OPODERDOCONHECIMENTOPROVINDODOAMOR.DEFICIÊNCIADERACIOCÍNIOE INTELECTO
(O Senhor): “O amor é a consequência do impulso da vida interior, desperta por fator qualquer. A vida intrínseca é amor, um fogo cheio de vibração. Quando este fogo for alimentado pela in- fluência de algo que também impulsiona — qual fogo material pelo acréscimo de lenha — começa a projetar mais vibração e estímulo pelo objetivo. As chamas se tornam mais densas, sua luz mais forte, e a alma recebe vasto esclarecimento sobre assunto desconhecido. Desta forma, aumenta a afeição para o assunto, e a criatura não desistirá até que conheça a fundo o seu real valor. Isto só é possível quando o amor se torna mais intenso.
Se a alma não é estimulada por alguma coisa, permanece fria e não se preocupa por assunto, por mais interessante que seja — as- sim como a chama não atinge a lenha distante.
É, pois, preciso que o homem seja incentivado por algo, a fim de formular pensamentos mais vivos. Pela verdade fria, idêntica ao brilho dos astros longínquos, nunca será possível avivar-se a alma, porquanto seu calor interno não recebe acréscimo, senão diminuição.
Até hoje procuraste tudo pelo raciocínio frio, e o móvel foi teu intelecto frio, da mesma forma que nada aceitava que não fosse assimilável pelos sentidos.
Procuraste Deus de cartilha na mão, e te empenhaste por en- contrar a letra Asem, ao menos, achar as linhas básicas. Nas gélidas regiões do Norte foste à procura de plantas, sem algo encontrares, não obstante a claridade da neve te cegasse. Refiro-me ao teu inte- lecto e raciocínio de julgamento frios, incapazes duma percepção espiritual, pois sendo de fundo material, não podem ser estimulados pelo espírito.
Deparaste vários fenômenos, como por exemplo a repetição de formas em a Natureza criadora, projetando a consolidação per- manente duma potência consciente e de inteligência elevada, que podendo em tudo penetrar, faz surgir formas similares das forças primitivas. Consideravas Terra, Lua, Sol e estrelas como templos ha- bitados por magos invisíveis. A própria Índia proporcionou-te apa- rente confirmação, dando motivo para te tornares inventor duma câmara mágica em Esseia.
Como agias apenas pelo intelecto frio e nunca deixaste des- pertar tua alma, não encontraste a base da vida, muito embora dela te tivesses aproximado consideravelmente — enterrando-te na ma- téria fria e morta, onde procuravas tua salvação e a da Humanidade!
Teu plano progrediu por certo tempo; pois foste e ainda és chefe daquele Instituto, apropriado para afundar os leigos na supers- tição trevosa, e os cultos, no pior materialismo. Já destruíste vários templos pagãos, sem no entanto repor coisa melhor. Dentro de ti estava a morte, e a aceitavas como hóspede agradável, pois o não ser era por ti considerado acima de qualquer grandeza vital.
Por que se deu tudo isto contigo? Porque nunca fizeste surgir a centelha do amor em teu coração! Não incendiaste teu fogo de vida, nem sequer para uma chama medíocre! Se já nem ativaste as bases externas de teu coração, como poderias estimular as internas e muito menos as intrínsecas do sentimento espiritual, onde todo o coração começa a pulsar na chama da Vida Verdadeira, iluminan-
do tua consciência num conhecimento claro de ti mesmo e daí — de Deus?!”
OAMORESUALUZDE CONHECIMENTO
(O Senhor): “Certamente já deduziste não ser possível ao homem assimilar qualquer noção espiritual através da pura razão e do intelecto mais apurado. Não pode compreender a vida e sua finalidade principal, pois a razão e o intelecto se baseiam no cérebro e no sangue, que o mantém numa certa tensão ativa, facultando ao cérebro assimilar impressões e quadros do mundo natural, compará-
-los pela forma e efeito e, finalmente, formar uma série de deduções.
Tudo isto são reflexos da matéria, onde os sentidos cerebrais jamais encontrarão algo espiritual. Como a vida só pode ser de origem espiritual, compreende-se ser apenas assimilada pelo espí- rito. Devem, pois, existir no homem ainda outros sentidos, pelos quais consegue sentir, vislumbrar e compreender gradativamente o elemento espiritual da vida em todas as suas profundezas, ligações e relações.
Quais são esses sentidos internos? Ouve: na realidade só exis- te um único, chamado ‘amor’, que habita no coração. Deve ele, an- tes de mais nada, ser fortificado, desenvolvido e purificado, e tudo que a criatura faz, deseja, pensa e julga deve ser iluminado pela chama quente da vida, provinda do fogo do puro amor, a fim de que despertem todos os espíritos na aurora do Dia da Vida, dentro do coração.
Quando todos os espíritos despertarem em pensamentos, pa- lavras, ações e obras, de pronto começam a se manifestar, e a criatura plena da luz interior facilmente os percebe, porquanto desde o início se apresentam por formas diversas. Tais formas não são ocasionais e ocas, pois correspondem a qualquer atividade espiritual e visível, da esfera da Ordem Divina.
Tudo isto não é facultado ao homem pelo intelecto ou racio- cínio fúteis, senão somente pela visão flamejante da vida espiritual,
ou seja: seu amor. Por isto, podes aceitar como norma inabalável não poder o intelecto externo assimilar e perceber o que se acha dentro da criatura, pois isto cabe apenas ao seu espírito. Assim sendo, nin- guém consegue conhecer a Deus, a não ser o Espírito Divino des- perto e plenamente ativo no coração, que, idêntico a Deus Mesmo, é o puro amor e um eterno Dia de Graça.
Esta parte mais nobre em teu coração nunca foi por ti cui- dada, tampouco tinhas uma ideia de seu valor; portanto, é compre- ensível teres te tornado ateísta, e não obstante teu empenho, jamais descobriste a Divindade Eterna, que tudo cria, penetra e conserva! Não será, portanto, fácil reconheceres a fundo Deus em Sua Na- tureza Verdadeira e Sua Ordem, por teres endurecido teu cérebro com toda sorte de impressões. Seria preciso fazer surgir um fogo poderoso de amor no teu coração, renunciar à Ordem essênia, e te humilhares em todas as situações e relações da vida, tornando-te um homem totalmente novo; pois todas as tuas teorias e princípios são, em face da Verdade íntima e única, errôneos e fictícios, de sorte a jamais poderes penetrar senão no átrio de tua vida espiritual!
Todavia, nada se perdeu e ainda poderias alcançar coisas grandiosas; mas seria preciso quereres, de livre e espontânea von- tade, tornar-te outro e cooperar, pela convicção íntima, na disso- lução de vosso Instituto, do contrário ser-te-á impossível alcançar a verdadeira vida do espírito. A vida verdadeira no homem é a mais sublime Verdade, onde terás de ingressar; nunca, porém, poderá progredir pela prática da mentira, e ser alimentada pela mistificação mais grosseira.
Cada passo teu deverá ser acompanhado da Verdade mais pura no pensar, querer, falar e agir, se é que tua vida íntima se deva tornar Verdade luminosa; se tal não se der — do Alpha ao Ômega
— teu centro vital é plena mentira!
Sabes agora a quantas andam teu intelecto e raciocínio. De- pende de ti, se queres atingir a vida ou a morte eterna! Sou Quem Sou! Posso proporcionar-te a Vida Eterna, mas também deixar-te na morte sem fim! Disto que acabo de falar, nem uma vírgula será
modificada! Esta Terra e o Céu visível se desvanecerão na forma e natureza — Minhas Palavras, jamais! Faze o que te agradar; perma- necerei aqui por algum tempo!”
ROKLUSESEUSCOMPANHEIROS CONJECTURAM
Roklus e seus companheiros não sabem o que responder; fi- nalmente, ele lhes diz: “Já esperava por esta, quando o jovem me in- dicou o Nazareno: quer por força a desintegração de nosso Instituto humanitário, pois parece incomodá-lo sobremaneira! Todavia, não nos assustará com todas as suas frases teosóficas! Tenho a impressão de conterem elas verdades inconfundíveis; nosso Claustro, porém, ele não conseguirá desmembrar por pouco! Não quero prescrever-
-vos quaisquer medidas; sois, tanto quanto eu, senhores!”
Diz um outro, chegado há pouco de Cesareia Philippi: “Ami- go Roklus, assisti, de alma atenta, às negociações desde o começo; observei tudo que se passou e devo confessar serem tuas afirmações injustas e podia se enlouquecer diante de tua cegueira! Falas de um modo, e pensas de outro! Perante o jovem, enaltecias o célebre Naza- reno, enquanto o consideras um mago da escola mais antiga e oculta do Egito! Sabemos perfeitamente em que pé se acham todos os ma- gos e oráculos! Reflete um pouco se conheces um meio de se trans- formar uma pedra de granito em ouro puro! Apenas este milagre susta todos os nossos efeitos, baseados em mistificações! Além disto, o que se deu com este terreno arenoso: há quatro horas atrás era um deserto, e agora? Acaso seria possível realizar isto pela feitiçaria? Se, no futuro, quisermos enfrentar este Homem-deus, temos de obede- cer em tudo que nos propôs com tanta amabilidade! Não faço parte de vosso Conselho Secreto e aqui cheguei há pouco; posso, porém, afiançar-vos estarmos perdidos com nosso Instituto mistificador, e seria tolice usar de teimosia contra o Nazareno!
Além disto, somos testemunhas de que todos os dignitários de Roma são seus amigos; basta ele dizer: Arrasai aquele Claustro! — e estaremos perdidos! Além disto, foi tudo suposição maldosa atri-
buir ao Nazareno querer a dissolução de nossa Seita, por considerá-
-la um empecilho à sua causa. Isto é sumamente ridículo! Digo-vos a todos: Tampouco podemos perturbar a Lua em seu trâmite através duma forte gritaria, como nosso Claustro obstar os caminhos deste homem divino! Basta apenas querer — e todos os nossos apetrechos de feitiçaria, as catacumbas e outras construções se desvanecerão! E depois? Urge, portanto, mudarmos de rumo!
Vai e dize-lhe sinceramente que todos estamos de acordo com seu conselho! Nada perderemos nesta troca, caso organizemos o Instituto a seu gosto; assim ele será o senhor e mestre, e nós, seus discípulos. Concordais?”
Responde a maioria: “Perfeitamente, basta ele nos aceitar!” Diz o último orador, chamado Ruban: “Sua expressão, extremamen- te bondosa, nos garante isso! Que te parece, Roklus?”
RUBANDEFENDEO SENHOR
Diz Roklus: “Sim, tens razão! Mas se ele somente o fizer sob condição de revelarmos nossas fraudes ao povo e indenizarmos os danos por ele sofridos?! Quem entre vós tiver vontade de se deixar estraçalhar pela multidão, poderá fazê-lo; eu, por mim, não sinto coragem para tanto! Contudo, falarei com ele mais uma vez para sondar o terreno!”
Diz Ruban: “Certamente não fará tal exigência; pois sabe, melhor do que nós, que tudo tem de ser feito de modo natural. Se aplicamos meios drásticos em nosso Instituto, não quer dizer que ele faça o mesmo! Vai e faze abertamente o que acabo de te aconselhar!”
Responde Roklus: “Fá-lo-ei porque eu assim quero, e não por sugestão vossa!”
Replica Ruban: “Não vem ao caso o móvel de tua ação, quando esta for justa! Usas ainda a mesma empáfia orgulhosa como primeiro diretor e organizador das relações exteriores do Instituto, alegando a todos que os conselhos recebidos já tinham passado por
tua cabeça, e que tais ideias irias pôr em prática por determinação própria! Duvido que o Nazareno fique satisfeito com tal atitude; pois parece inimigo do menor vestígio de orgulho. Nunca me van- gloriei de minha inteligência; todavia, tenho o dom da intuição, que me faculta a percepção da índole do próximo.
Assim, presumo conhecer a vontade do Nazareno: dá pre- ferência à humildade, único meio a nos proporcionar o amor e a verdade plena. Nosso ponto de partida é precisamente inverso, pois cada olhar, passo, palavra e ação dirigidos ao semelhante, nada mais são que fraude e mentira dentro da organização essênia, que afirma dever todo mundo ser enganado porque assim o quer.
Tal, porém, não é o lema do Nazareno, pois certamente afir- mará: Acima de tudo estão a Verdade pura e perfeita, e sua justiça! Por isto, tem cuidado! Estás diante dum juiz cuja visão abrange os teus mais íntimos pensamentos!”
Diz Roklus: “Já que és tão entendido, vai em meu lugar e combina tudo com o Nazareno, pois não é possível nadar-se contra maré tão forte! Vai, que te serei grato!”
Diz Ruban: “Por que não? Se todos vós me autorizais, de- sincumbir-me-ei de tal tarefa com prazer maior, do que continuar sendo reles mistificador!”
Concordam todos: “Tudo que ajustares com o Nazareno será de nosso agrado; Roklus é bom dirigente e político. As esferas da Verdade, porém, nunca foram de seu feitio e poderia prejudicar ao invés de nos beneficiar!”
RUBANDIANTEDO SENHOR
Desta forma, autorizado, Ruban se aproxima de Mim e diz: “Senhor e Mestre pleno do Poder Divino! Como Roklus não se atreveu a Te falar, por motivos que certamente não desconheces, meus confrades me pediram resolver tudo Contigo, quanto ao nos- so deplorável Instituto. Tudo será feito conforme determinares e, se possível, pretendemos entregar-Te o mesmo, para nos tornarmos
Teus discípulos! Caso queiras sua completa dissolução, também nos submeteremos!”
Digo Eu: “És uma alma honesta, razão por que tua casa foi protegida contra o fogo! Vê, se Eu quisesse a desintegração de vosso Instituto, poderia fazer o mesmo que faço com aquela rocha no mar, onde tantos navios soçobraram! Vês a rocha?”
Responde Ruban: “Sim e conheço-a bem, pois quase me aci- dentou certa vez!”
Declaro Eu: “Que desapareça, para não mais causar perigo aos navegantes!” No mesmo instante, a rocha — cujo peso era de aproximadamente dez mil toneladas — é de tal forma dissolvida até o fundo do mar, de modo a não deixar o menor vestígio na água, de uma possível turvação. Notava-se naquele lugar uma forte agitação das ondas, porquanto a água era atraída ao imenso vácuo surgido.
Excessivamente assustado, Ruban diz com voz trêmula: “És tal qual eu falei a Roklus; não existe magia, senão a pura Verdade! O que acabas de fazer à maldita rocha, poderias repetir com a própria Terra! Por isto, digo apenas: Senhor e Mestre, Tua Vontade se faça! Não és simples homem — o Espírito Divino habita em Ti! Sê, pois, misericordioso para com todos nós, pobres pecadores! Mas, que fa- remos com nossa instituição fraudulenta?”
CONSELHODOSENHORAOS ESSÊNIOS
Digo Eu: “Deveis completá-la pelo Amor e a Verdade, crer em Meu Nome e seguir Minha Doutrina! Assim agindo, sereis úteis ao mundo; quanto aos instrumentos de magia, têm de ser excluídos. Elec- tróforos e outros aparelhos semelhantes, de aplicação natural, podem ser usados equilibradamente e deveis ensinar ao povo sua natureza, efeito e construção, onde podereis proporcionar grandes benefícios!
Jamais considerai o critério mundano; o mundo é e será mal- doso, e a mentira, a mistificação e o orgulho são seus elementos básicos! Afirmo-vos serdes capazes de demover montanhas e efetuar coisas mais grandiosas do que Eu, em Meu Nome; nunca, porém,
deve se manifestar a ideia de terdes agido pela própria vontade e força. Isto não existe neste mundo! Somente pelo poder do Espírito de Deus podereis fazer tudo que redunda em benefício de outrem!
Uma alma verdadeiramente devota será dotada de toda força, enquanto não se exceder; no momento em que aceitar por isto hon- ra ou lucro por egoísmo, terá perdido a faculdade de origem divina! Nada vos seja tão desprezível como a fortuna e seus adoradores; pois não existe criatura pior em todo orbe do que aquela que, na ânsia pelos lucros monetários, aplica a cobiça e avareza. Terá, deste modo, amaldiçoado o amor e toda verdade do coração, provinda de Deus.
Se tais pessoas vos procurarem, apontai-lhes a porta, de- monstrando não ser possível atirar-se o Verbo e o Poder Divinos como alimento de porcos! Não deveis maldizê-los e detestá-los — pois toda ira e vingança não merecem o Espírito de Deus; receberão suficiente castigo por lhes negardes vossa amizade!
Não atentais aos que vos procurem em virtude duma des- graça financeira; pois o socorro não melhorará seu coração — pelo contrário: serão ainda mais precavidos e cuidadosos, em benefício de seu dinheiro. Em compensação, sereis ridicularizados e vosso auxílio será classificado de simples bazófia! Isto não pode ser; pois a Força Divina, em vós, só deve ser conferida por palavras e ações a quem isto merece, pela humildade do coração!
A fim de que saibais como agir futuramente em Meu Nome, procurai aquele jovem, que vos entregará um livro que tudo isto contém! Transmite a Roklus que Me procure, porquanto muito te- nho que lhe dizer!”
Quando Ruban lhe dá Meu recado, Roklus não expressa sa- tisfação, no entanto se aproxima com profundo respeito. Fitando-
-o com amabilidade, digo-lhe: “Então, Meu amigo, que pensas de Mim? Que teria descoberto teu intelecto aguçado em Minha Pessoa, e o que sente teu coração? Anteriormente, quando ainda Me procu- ravas, confessaste ao jovem ser Eu Deus Verdadeiro e que Me amavas sem conhecer-Me e sentias o desejo vivo de ajoelhar-te diante de Mim, para adorar-Me como Divindade Única!
Agora Me conheces e não duvidarás ser Eu o célebre Naza- reno, conforme te expressaste! Ainda não dobraste teus joelhos — coisa que jamais exigiria — e teu coração parece sentir pouco afeto por Mim! Por que, sendo amigo da Verdade, falaste algo que não lhe corresponda?”
ROKLUSPROCURAJUSTIFICARSUA FALSIDADE
Diz Roklus: “Nobre Senhor! Enquanto não podia acreditar em Deus, minha atitude foi idêntica àquela que motivou a Histó- ria da Humanidade e se chama: política. Exige ela que não se deve externar as ideias mais íntimas a pessoa desconhecida. O móvel des- ta precaução nem sempre é maldade; todavia, convém ocultar-se a Verdade pura, porquanto a experiência já provou ser seu efeito mais prejudicial que benéfico.
Antes de se orientar alguém em todo conhecimento, preciso é conhecê-lo a fundo, por vias indiretas; do contrário, não é possível saber-se em que ponto é acessível à Verdade. Pois não existe criatu- ra amiga da verdade plena, principalmente no que diz respeito ao próprio ‘eu’! Prefere uma atitude dúbia, razão por que retive minha índole verdadeira perante o jovem. Além disto, é fato conhecido se- rem as crianças levadas à verdade através de inverdades, por medida de prudência dos pais; pois se lhes fossem relatar o conhecimento integral, surgiria uma educação imoral.
Confesso que me apresentei ao jovem diferente do que sou; como não tive intenção de prejudicá-lo, creio não ter pecado. Se, po- rém, errei, os genitores também pecam quando afirmam aos filhos que, nas montanhas, existem certas árvores que produzem crianças pequeninas. Certas pessoas as colhiam para vendê-las no mundo. Às vezes, até vinham nadando em rios e riachos, onde também eram apanhadas.
Eis u’a mentira vergonhosa e tola; os pais certamente visam apenas preservar os pequeninos de pensamentos impudicos e condu- zi-los à maturidade de corpo e alma sadios. Por isso, sou de opinião
que a mentira sem maldade, e visando somente o bem do próximo, é antes virtude do que pecado!
No fundo é nossa Instituição cheia de mentira e fraude, toda- via não lhe ligamos intenção má e dominadora, no que diz respeito aos nossos conhecimentos. O que se der, talvez, no futuro escapa à nossa percepção e não podemos afiançar se nossos descendentes serão tão benévolos quanto nós.
Penso até que todos os organizadores de religiões, que se ba- seavam na moral do povo, sempre foram levados pela melhor inten- ção; os seguidores, mormente os não convocados para tal fim, os sacerdotes por autocriação, começaram a explicar as teses não com- preendidas de modo errôneo, adicionando seus próprios princípios, que muito prejudicaram a multidão! Basta para tanto analisarmos os relatos dos Templos de Jerusalém e de Roma, e teremos provas concludentes da deturpação das Leis de Moysés e da sabedoria do antigo Egito! Não quero me tornar mau profeta; no entanto, atrevo-
-me a afirmar que tua doutrina divina e pura, cujos pontos básicos o jovem soube tão rapidamente transmitir aos meus colegas, dentro de poucos séculos terá mudado de feição!
Teus adeptos serão adestrados na sua divulgação; não lhes sendo possível viajar pelo mundo afora, designarão outros para tal fim, com que terão deitado raízes para o sacerdócio e a superstição.
Por que deveria nosso Instituto ser uma exceção? Enquanto as criaturas tiverem um Deus Verdadeiro para guia espiritual, per- manecerão dentro da ordem; mal sejam postas à prova do livre arbí- trio, adorarão o bezerro de ouro como fizeram os israelitas, quando Moysés subiu ao Sinai a fim de receber as Leis do Altíssimo.”
OSACERDÓCIOCOMOMAIOREMPECILHONA DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA
(Roklus): “Tu, como Profeta mais perfeito e pleno de todos os espíritos divinos, dotado de força e poder inéditos, certamente já prevês tal fato! Mas que fazer? Enquanto as criaturas forem pos-
suidoras do livre arbítrio, permanecerão em sua índole, organizan- do suas condições de vida de acordo com o clima; isto deparamos quanto mais nos distanciamos da pátria, o que notei em minhas viagens. Quais não serão as minhas experiências futuras, depois de ter recebido tua orientação?!
É justo não existir treva tão densa, que não fosse possível dissipar por uma luz correspondente. Se isto também consegue a luz espiritual — eis outra questão! Minha cegueira nesse ponto foi considerável, e o jovem conseguiu dispersá-la em poucas palavras; todavia, enfrentou ele em mim pessoa orientada em várias noções e experiências.
Basta, porém, imaginarmos um povo enterrado na pior su- perstição! Não haverá explicação espiritual e é até mesmo um mila- gre evidente que consigam produzir alguma luz em sua alma! Ficará ainda mais revoltado contra qualquer orientação, declarando-se ini- migo do conhecimento elevado. Ao dirigirmos nossa atenção para o Templo de Jerusalém, avistaremos uma ignorância espiritual tão pronunciada na organização farisaica, que nos poderia tontear! Ex- perimenta orientá-la conforme o jovem agiu comigo, e em breve serás morto!
O que não foi por aqueles servos das trevas empreendido contra nossa organização! Se nossa proteção não fosse integral, de há muito não mais existiríamos! Se hoje aparecessem Moysés e Aaron para difundirem a Verdade, seriam presos e apedrejados; ou então obrigados a tomarem a água maldita, isto é: a genuína! Possuem duas qualidades: uma venenosa e outra inofensiva. Caso pretendam castigar aparentemente alguém, porquanto não é do interesse do Templo que seja aniquilado o infrator, dão-lhe de beber a maldita água fictícia. Em caso contrário, é a pessoa obrigada a saciar sua sede por toda eternidade. Tal fato é tão conhecido a não causar admira- ção; pergunto apenas de que modo a luz da verdade poderia clarear tal treva farisaica!
O mesmo ocorre em toda parte onde existe qualquer sacer- dócio. Basta as criaturas aceitarem um conhecimento que lhes traga
benefício, o sacerdócio se oporá por todos os meios, porquanto não poderá reconhecer o Bem através do orgulho e da presunção. En- quanto ele for tolerado por Deus e o Governo, nada se conseguirá com a luz espiritual. Eis por que opino que se arrase tudo que se assemelhe ao sacerdócio, para depois fazer surgir o Sol do Espírito sobre todos os povos; do contrário, é abafada toda semente antes que consiga deitar raízes no solo da vida.
Reconheço em ti, nobre Mestre, a Onipotência Divina, sem a qual não poderias efetuar obras somente possíveis a Deus, por- quanto Nele se concretizam as inúmeras inteligências específicas, como ponto de origem eterna, donde tudo surgiu. Desta forma, também te asseguro honrar-te e amar-te, fato que vislumbrarás pelos olhos do espírito em meu coração e cérebro, de modo mais evidente que aquele jovem.
Digo-te, sem rodeios, que todo teu esforço e sacrifício serão baldados, enquanto houver na Terra vestígio de sacerdotes! Nin- guém melhor do que eu conhece os fariseus, porque muito lutei com eles na defesa de nosso Instituto. Nada podem fazer contra nós, não obstante toda sua revolta; nossas muralhas são mais fortes que as do Templo; os enfermos de todos os recantos procuram salvação conosco, que lhes proporcionamos saúde por meios reais, enquanto que os templários pretendem curá-los através de parábolas, sinais místicos e relíquias, sem produzirem efeito. Eis minha confissão in- tegral, Senhor e Mestre. Faze o que te agradar — somente não liqui- des nossa Organização antes do Templo de Jerusalém! Eis meu único pedido; no mais, preferiríamos que tu te tornasses nosso maioral e dirigente!”
OVERDADEIROCAMINHODA VIDA
Digo Eu: “Possuís Minha Doutrina; se agirdes dentro Dela, serei vosso Mestre e Superior! Não necessitais de Minha Pessoa den- tro do Claustro, senão de Minha Palavra e Meu Nome — não ape- nas escrito e pronunciado com indiferença, mas pela ação cheia de
fé e amor para com Deus e o próximo. Eu estarei entre vós e tudo que fizerdes em Meu Nome far-se-á, e ainda coisas mais grandiosas do que Eu.
Tudo que faço diante de vós é um testemunho de Minha Pes- soa, para reconhecerdes que Sou, desde Eternidades, o Mesmo Envia- do pelo Pai, de acordo com as profecias de todos os sábios e patriarcas.
Ireis testemunhar de Mim perante todas as criaturas cegas e surdas, no que necessitais mais do que Eu! Vossas obras mistificado- ras têm de ser excluídas do Instituto; pois todo embuste é mais ou menos sugestão de Satanás e nunca alcançará um efeito verdadeira- mente bom! Enquanto se lançar mão dum meio enganoso dentro duma organização humanitária, não pode ser realizado um milagre em Meu Nome. Se quiserdes agir em Meu Nome, Eu terei de Me encontrar em vós em plena Verdade, pelo amor e a fé viva. Em tal caso, podereis dizer àquela montanha: Atira-te no mar! — e vos- sa vontade será executada! Guardai bem: Sem Mim, nada podereis fazer! Ficarei para sempre convosco, enquanto conservardes Meu Verbo, Meu Amor e a Fé Verdadeira em Mim, caminhando sem falsidade em vossa alma! Compreendeste?”
Diz Roklus: “Não inteiramente, pois falaste algo da influên- cia de Satanás, o mesmo espírito do mal e da perdição aceito pela religião judaica. Sempre tomei isto por alegoria e me admiro teres pronunciado este nome! Considero-te o homem mais sábio deste mundo, e seres portador principal do Espírito Divino; e agora me vens com tal fábula judaica de Satanás e, quiçá, do inferno?! Acaso existe tal coisa?!”
ANATUREZADESATANÁSEDA MATÉRIA
Digo Eu: “A maneira pela qual devem ser interpretados tais assuntos, encontrarás no Livro que o jovem te fez entregar por Ru- ban; além disto, acharás explicação no confronto de espírito e ma- téria, vida e morte, amor e ódio, verdade e mentira, que têm base original, do contrário não poderiam se tornar evidentes.
Se o mal não tivesse origem, como poderia manifestar-se no homem?! Hás de perceber — através de tua inteligência — não ser possível responsabilizar-se Deus de tais extremos! Ou julgas que Deus, a mais pura e elevada Verdade, tenha deitado a tendência da mentira no coração da criatura, a fim de que venha pecar contra a Ordem Divina e se tornar obscena em palavras e ações? Deus criou o homem espiritualmente como Sua Imagem, isto é: puro, verda- deiro e bom.
Uma vez que o espírito forçosamente tinha de passar pela encarnação, a fim de consolidar sua existência futura, teve de su- prir-se da matéria telúrica dentro da Ordem do Espírito Divino. No corpo humano foi dado ao espírito um equilíbrio de provação, que se chama ‘tentação’! Ela não só está no corpo, mas em toda matéria; como a matéria não é o que parece, torna-se ela ao homem em pro- va, mentira e engano, quer dizer: um elemento aparente. Ele existe, porque a matéria tentadora existe para o corpo; ao mesmo tempo não existe, por não ser a matéria aquilo que aparenta. Esse espírito mistificador, personificando a própria mentira, concentra em si a matéria do mundo, que se chama ‘Satanás’ ou ‘Chefe de todos os demônios’. Estes são os elementos maldosos que ele emite.
A pessoa que se apega à matéria e age nessa tendência peca contra a Ordem de Deus, que lhe deu o mundo material somente para lutar com ele, fortificando-se para a imortalidade pelo uso do livre arbítrio. A consequência do pecado é a morte ou o aniquila- mento de tudo que a alma conquistou da matéria, porquanto toda matéria nada é no que apresenta.
Se amas o mundo e sua vibração e queres enriquecer-te com seus tesouros, assemelhas-te a um tolo a quem se apresenta uma noi- va bonita; ele, porém, não a quer. Atira-se, no entanto, à sua som- bra com o ímpeto dum fanático, cego, acariciando-a sobremaneira! Quando a noiva o deixar, sua sombra a acompanhará! O que ficará para o tolo? Evidentemente nada! Como se lastimará por ter perdi- do o que tanto amava! Alguém então lhe dirá: Tolo cego, por que não te apegaste à plena verdade, ao invés de sua sombra?! — Pois a
sombra é apenas carência de luz, projetada por qualquer forma que se interponha à mesma, uma vez que o raio luminoso não consegue transpassar o corpo compacto.
Aquilo que representa tua sombra para teu corpo quando te achas na luz ocorre com a matéria e seus tesouros em confronto com o espírito! É um engano e mentira em si, porquanto não é o que parece aos sentidos físicos.
Consiste numa condenação de mentira e engano serem eles obrigados a se revelar diante do espírito como algo perecível e como caricatura externa, correspondente a uma verdade profunda e inte- rior, enquanto prefeririam — pelo cego amor mundano da alma — permanecer em realidade o que aparentemente são.”
DESTINODUMAALMAMATERIALISTANO ALÉM
(O Senhor): “Assim sendo, de que adianta à alma caso con- quiste todos os tesouros do mundo em benefício do corpo, onde se enterra em sua volúpia animal, enquanto sofreria prejuízo na esfera do espírito, perdendo a realidade da vida verdadeira?! Como se su- prirá no Além, a fim de se tornar algo verdadeiro, uma vez que, pela nulidade da matéria, condenou-se ao próprio nada?!
Meu amigo: a quem tem, toda dádiva se torna um prêmio que aumenta sua posse! Outra coisa acontece àquilo que nada é e nada possui! Como dar-se algo a quem deixou-se prender e aniquilar pela matéria?!
Acaso poderias deitar um líquido num receptáculo existente apenas em tua ideia, ou — na hipótese de teres um vasilhame ver- dadeiro — com tantos furos, a se tornar difícil contá-los?! Ser-te-á possível acumular algumas gotas?
Se a matéria fosse uma realidade constante e imutável, ela seria uma verdade e quem a conquistasse, senhor da mesma, e caso a alma nela se integrasse, também passaria a uma realidade efetiva!
A matéria, porém, é apenas um julgamento do espírito, julgamento este que não pode e não deve subsistir, senão o tempo
suficiente para que o elemento espiritual nele se condense e se re- conheça como tal, e após angariar a correspondente força, consiga dissolver a matéria e transformá-la em potência espiritual. É eviden- te que uma alma mundana e materialista, no final, compartilhe da sorte da matéria.
Quando a matéria é dissolvida, também se desintegra a alma. É na maior parte dissolvida nos átomos substanciais de origem psi- coetérea, restando à própria alma, após a morte, nada mais que um ou outro tipo primitivo de animal esquelético, sem noção e quase morto, que não tem a menor semelhança dum homem.
Essa alma se acha num estado que os patriarcas, munidos da visão espiritual, denominavam com justiça de Sheoula (Inferno — Sede pela vida). Assim, é toda a Terra e tudo que percebes com teus sentidos físicos um verdadeiro inferno. É a morte da alma, que em si se deve tornar espírito; pois quem deixou de ser o que foi — morreu. Deste modo, a alma também está morta após o desencarnar quando, pelos motivos acima, perdeu sua natureza humana, dela restando, no máximo, um esqueleto animal. Passarão épocas inimagináveis para tua fantasia, até que uma psique enterrada na matéria se torne um ser de semelhança humana. E quanto ainda levará até se tornar criatura perfeita!
Julgas ser isto possível para Deus em um minuto apenas, e Eu concordo; caso Ele pretenda criar bonecos e autômatos, bastaria um segundo para encher o Espaço Infinito! Esses seres, no entanto, não teriam livre arbítrio, vida própria e independente. Movimentar-
-se-iam apenas pela Vontade Divina, que os insuflaria. Sua visão e pensamentos seriam os de Deus; pois tais criaturas seriam idênticas aos membros isolados de teu corpo, que não se movem sem teu co- nhecimento e vontade.
Não se dá o contrário com teus filhos, surgidos de tua carne e teu sangue? Já não esperam a tua vontade; possuem vida, conhe- cimento e desejos independentes. Obedecerão, aceitando teus ensi- namentos e mandos; todavia, executarão sua própria vontade, sem a qual não os poderias ensinar, tampouco uma estátua ou pedra!
Vê, criaturas de conhecimento e vontade próprias destina- das à determinação e perfeição individuais, a fim de permanecerem eternamente livres e independentes — têm de ser criadas por Deus de tal forma a lhes possibilitar esta finalidade!
Da parte de Deus, só pode ser criada a semente, dotada das mais variadas capacidades de expressão, enfeixadas como nu’a mem- brana; o subsequente desenvolvimento e educação cabem à própria semente. Deve atrair a aura divina que a envolve, iniciando, deste modo, uma vida independente. Tal evolução não se faz tão rápida como pensas, uma vez que a vida embrionária não pode ser tão forte e ativa quanto a Vida Perfeita de Deus desde Eternidades!
Já que toda alma, por mais pervertida que seja, terá sem- pre a mesma finalidade, não é possível socorrê-la no Além, para sua salvação, de modo diverso do que pelos meios escassos que lhe as- sistem, dentro da Ordem Eterna de Deus, pela qual terá de fazê-lo por si mesma. Penso ter-te explicado claramente o que são Satanás, Inferno e a morte eterna. Caso ainda tenhas dúvidas, externa-te; o Sol está no ocaso e teremos de tomar a ceia!”
A EXPLICAÇÃO DA PALAVRA “SHEOULA” (INFERNO). A CLARIVIDÊNCIA
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, vejo que tua sabedoria e penetração em todas as coisas são de profundezas tais, a provarem não te ser possível isto como simples criatura, caso não tenhas, es- piritualmente, compartilhado na Criação total — o que me escla- receu em muitos pontos anteriormente incompreensíveis! Já que tens a bondade de transmitir conhecimentos tão extraordinários, peço-te estenderes, também, acerca da expressão ‘Sheoula’ e a mor- te eterna!”
Digo Eu: “Pois bem! She, Shei ou Shea significa: sede; oul ou voul, quer dizer: o homem abandonado; poderia se dizer: o homem animal. A, significa: pela consistência daquilo que perfazem sabedo- ria e conhecimentos internos.
A letra A prova isto pela forma antiga das pirâmides egíp- cias, cópia em proporção gigantesca das pirâmides cerebrais, cuja finalidade era servir de escolas científicas. Seu nome e organização interna ainda hoje provam isto; pois Piramidaiquer dizer: Dá-me sabedoria! Sua construção interior era tal que o homem, lá se refu- giando, forçosamente tinha de praticar a introspecção, encontrando a luz de seu espírito. Por isso existia nos labirintos de tais pirâmides escuridão tamanha, a fim de levar a criatura à análise própria, conse- guindo, deste modo, iluminar tudo com sua luz interior.
Isto te soa algo estranho, todavia é assim; pois ao se abrir a luz psíquica do homem, não mais existem na Terra noite e treva para ele. Prova evidente disto fornecem todas as pessoas sensitivas em estado de êxtase, onde enxergam muito mais de olhos fechados, que milhares de outras de visão perfeita. Elas conseguem penetrar a matéria mais opaca, a própria Terra, e as estrelas mais distantes são inteiramente analisadas.
A maneira por que se alcança esse arrebatamento psíquico a qualquer hora foi precisamente ensinado e praticado no interior das pirâmides, que receberam o nome mui apropriado de Sheoula. Os antigos hebreus o reduziram a ‘Sheol’; o grego formou ‘Scole’, o romano ‘Schola’, o persa e o hindu ‘Shehol’.
Cientes — através das visões obtidas — do estado lastimável das almas no Além, que amavam o mundo e a si próprias, os antigos sábios denominavam tal situação de Sheoula, inferno! Evidente- mente é ela, em confronto com o estado feliz dum sábio, dentro da Ordem de Deus, muito bem classificada com a palavra ‘morte’, que, como constante qualidade de tudo que seja ‘mundo’ e ‘matéria’, é claro merecer o nome de ‘morte eterna’!
Enquanto uma alma, aqui ou no Além, persiste em tal esta- do, acha-se na morte eterna, donde dificilmente se livrará! Algumas levarão a idade do orbe até que consigam se tornar algo à própria custa! Estás bem informado?”
Diz Roklus: “Perfeitamente, Senhor e Mestre de tudo! Ape- nas desejava saber, ainda, como se pode chegar ao estado de clarivi-
dência; pois tudo faria para consegui-lo!” Digo Eu: “As Escolas do Egito de há muito não mais existem, pois começaram a falhar desde a época de Moysés, quando se começou a transmitir apenas um en- sino externo. Platon e Sócrates foram os últimos a terem pequeno vislumbre da Escola de Conhecimento Interno.
Por isto vim Eu ao mundo, a fim de vos proporcionar me- lhor orientação para a vida, pela qual cada um consegue a máxima sabedoria. Eis a diretriz: Ama a Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo! Quem isto fizer em verdade assemelha-se a Mim, sendo introduzido em toda sabedoria, força e poder. Pois quem for pleno de amor de Deus, já tem em si Sua Presença, Seu Amor Infinito e Sua Luz mais sublime. Alma e espírito banhar-se-ão na Luz da Sabedoria Divina, e terão de ver e reconhecer tudo aquilo que vê e reconhece a Luz de Deus. Como a Onipotência e Força Divinas consistem em Seu Infinito Amor, basta a alma querer, em conjunto com a Vontade do Amor Divino nela reinante, e tudo se fará conforme deseja! Não é suficiente, no entanto, sabê-lo e acredi- tá-lo; necessário é pô-lo em prática a toda hora e em cada situação, por mais difícil que se apresente. Somente o exercício constante fará do discípulo um Mestre!”
A MANEIRA PELA QUAL SE CONSEGUE AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, como fazer a fim de amar Deus, o Espírito Santo e Infinito, com todas as forças de minha alma? Parece-me ser o coração humano demasiado pequeno e in- capaz para tanto, enquanto o amor ao próximo seria fácil! Como, pois, agir?”
Digo Eu: “No mundo inteiro não existe coisa mais fácil! Aprofunda-te nas Obras de Deus, Sua Bondade e Sabedoria; cum- pre conscienciosamente Suas Leis; ama o teu próximo como a ti mesmo — e terás amado o Senhor! Não te sendo possível criar uma concepção de Deus, olha-Me e assim terás, diante de ti, a forma
eternamente aceitável pela qual apenas poderás imaginar teu Cria- dor! Deus também é um Homem, o mais Perfeito por Sua Própria Projeção! Ao Me veres, terás visto tudo! Compreendeste?”
Diz Roklus: “Senhor e Mestre sobre tudo que existe! Inteirei-
-me de tudo e desejo tornar-me Teu servo! Deixa-me, porém, partir; pois não mereço permanecer Contigo!”
Digo Eu: “Quem possuir a paz interna poderá se dirigir para onde quiser, que a paz estará com ele! Como também a alcançaste agora, levá-la-ás contigo; entretanto, poderias ficar com teus colegas por algum tempo, para aprenderes certas orientações. O Sol, após ter irradiado sua luz o dia todo sobre a Terra, alcançou as fraldas dos montes e dentro em pouco desaparecerá. Podemos afirmar que aproveitamos e trabalhamos, emhoras, o que mãos humanas não teriam conseguido em anos! Agora também merecemos nos refazer; ficai, pois, para a ceia!”
Diz Roklus: “Senhor, que teria eu e meus companheiros fei- to para ser classificado de trabalho? Apenas palestramos e trocamos ideias e experiências!”
Digo Eu: “Sempre que a criatura se tiver dedicado à salvação da alma, terá trabalhado com afinco, de modo real e desinteressado; a justa atividade para o Bem da própria alma exclui toda e qualquer ação egoística, porquanto amor-próprio e egoísmo impedem intei- ramente o amor a Deus e ao próximo.
Quem cuida do bem-estar do corpo e procura os tesouros do mundo se enfronha na matéria, e enterra sua alma no julgamento e na morte. Mesmo tendo trabalhado o dia inteiro no campo com arado e foice, de modo a ficar banhado em suor, foi ele, perante aquilo que chamo de trabalho, um ladrão e servo preguiçoso para o campo do Reino de Deus.
Quem não trabalha na finalidade por Deus imposta, den- tro da justiça e na Ordem Divinas, também não o terá feito em prol, temporário e eterno, de seu próximo, achando não valer a pena procurar e conhecer a Deus mais de perto. A pessoa que não se interessar pela procura e o conhecimento de Deus, muito me-
nos o fará em benefício do próximo; e mesmo o fazendo, será por sua própria causa, a fim de que o outro lhe possa dobrar o servi- ço prestado.
Procuraste a Deus e a ti mesmo — e tiveste pleno êxito; tal atividade foi justa e te garanto que, em poucas horas, fizeste mais que em toda tua vida! Por isto, podes ficar para descansares e com- partilhar de nossa ceia!”
INDAGAÇÕESACERCADEMOLÉSTIASESUAS CURAS
Diz Roklus: “Senhor, cada palavra Tua é mais que puro ouro, e uma verdade reveza outra; nenhuma caiu, para mim, em solo es- téril, e sinto que surgirão os frutos mais abençoados para os celeiros da Vida. Tendo eu a Graça de me dirigir a Ti, desejava um esclareci- mento: se no futuro devemos prosseguir a cura de moléstias através de nossos remédios naturais, ou se convém curarmos apenas pela fé convicta em Teu Nome. Veio-me a ideia de não estar sempre dentro de Tua Vontade salvarmos todos os doentes; pois existem os que fo- ram acometidos de males físicos e psíquicos para melhorar sua alma, através de Teu Amor e Sabedoria Divinos.
É fato conhecido serem as pessoas de saúde forte nem sempre as mais virtuosas; tornam-se não raro petulantes, egoístas e intempe- radas, enquanto que enfermas, especialmente de moléstias crônicas, pouco se queixam, são humildes e desconhecem inveja! Acaso não se transformaria sua boa índole se fossem de súbito curadas?
Além disto, todos nós temos de morrer — e se assim não fosse, as criaturas da época de Adão ainda viveriam. Se, no entanto, curarmos a todos e até a nós mesmos, a morte neste planeta se tor- nará rara, mormente se, com o tempo, as guerras forem inócuas, em virtude de Tua Doutrina. Ao nos negarmos socorrer os enfermos, seremos taxados de impiedosos; caso não permitires a cura defini- tiva, não obstante nossa boa vontade e dedicação, de alguém que por nove vezes tenha sido ajudado — a Força de Teu Nome, ou nossa própria confiança no mesmo, será duvidosa e a fé do povo
fraquejará. Pois não é possível se convencer a Humanidade, presa à matéria, a considerar a vida terrena tão insignificante na conquista duma existência mais elevada no Além, de sorte a nada fazer para a cura de suas enfermidades! O próprio macróbio prefere lançar mão de remédios para prolongar sua vida, mesmo ciente de ser a morte um benefício imenso para sua alma. Ensina a experiência ser a ânsia de viver — até em situações difíceis — insaciável; e caso souberem, em geral, ser possível se curar pelo Teu Nome qualquer moléstia e, sendo preciso, até ressuscitar os desencarnados, os povos iniciarão um estado de sítio após outro!
Um ensinamento para tais casos seria de grande proveito. Ou terias sustado a morte física a partir de agora, para as pessoas que viverem dentro de Tua Ordem, assim que possam continuar num corpo transfigurado, constituindo a morte apenas dom dos infrato- res de Teu Ensino e Mandamento?
Senhor e Mestre, os últimos raios de Sol douram a abóbada celeste, enquanto Lua e Vênus tudo fazem para substituir a luz do dia! Tuas Obras luminosas nos extasiam; infinitamente mais subli- me, porém, é a projeção da Tua Luz Espiritual, iluminando todos os nossos recônditos de vida! Se ainda houver tempo, explica-me, antes da ceia, os pontos acima!”
DOR,MOLÉSTIAE MORTE
Digo Eu: “Meu amigo, investigas um assunto cuja orientação nem tu nem algum outro necessita saber, porquanto cabe unica- mente a Mim, isto é: Trata-se dum problema do Eterno Pai no Céu, duma Ordem que Eu Mesmo não posso e não farei exceção, no tocante ao físico!
O que pela carne foi atraído terá de ser expulso, com ou sem dor, isto não vem ao caso; após a desencarnação, cessa a dor física. O ar que a alma humana sorverá no Além será bem diverso deste mun- do. Onde não existe morte, termina propriamente a dor, por ser esta apenas consequência da sucessiva libertação da alma, da matéria.
Não quero com isto dizer ser a alma insensível em estado livre — pois assim seria morta; apenas não encontrará, no mundo correspondente à sua natureza, algo que lhe produza pressão ou in- flamação qualquer, portanto dor.
Acaso seria uma pessoa cheia de saúde isenta de dor, porque nunca teve a desdita de adoecer ou ser ferida por alguém?! Faltou-lhe apenas o motivo doloroso. O móvel principal da dor, que é apenas registrado pela alma e nunca pelo corpo, se baseia na pressão que um órgão inerte, portanto pesado, exerce sobre qualquer sentido vital da psique.
Eis por que é possível se curar, temporariamente, todas as moléstias, quando se entende aliviar o peso da massa física; na idade não se pode cogitar desse desafogo, muito embora uma criatura que sempre viveu dentro da ordem pouco terá para relatar de estados do- lorosos. Seu organismo permanecerá flexível e ágil até a última hora, e a alma se desvencilhará pouco a pouco da matéria, dentro dum equilíbrio perfeito. Não será propriamente seu desejo separar-se do corpo, mesmo em idade avançada; quando, porém, receber a cha- mada celeste, audível e venturosa: Deixa o teu cárcere e ingressa na vida verdadeira e eterna!, nem um segundo hesitará em abandonar sua morada rota e penetrar nas regiões luminosas da Vida Eterna!
Não vos será possível impedir tal fato com sucos de ervas, tampouco pelo Poder de Meu Nome, porquanto não é da Vontade de Meu Espírito. Sereis apenas capazes de efetuar milagres pelo Po- der de Meu Nome, que se pronunciará claramente em vosso coração
— nunca, porém, contra o mesmo. Por tal motivo, deveis aceitar a Minha Vontade, ou seja, a Vontade de Deus, que vos garantirá pleno êxito em tudo que fareis por Mim e por Minha Ordem Eterna.
Não é, pois, admissível que jamais alguém venha a morrer pela força curadora provinda de Meu Nome. Não deveis sustar a cura caso Meu Espírito vos diga no coração: Ajudai-o!; se Ele afir- mar: Deixai-o no castigo da carne, a fim de que a alma se sacie em sua volúpia!, não o cureis, pois o sofrimento é benefício para a alma! Vês, portanto, ter sido baldada tua preocupação. Integra-te
na Minha Ordem Justa, que te esclarecerá em tudo. Desejas mais alguma coisa?”
OLIVRE ARBÍTRIO
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, se nos for permitido efetu- ar somente o milagre que estiver dentro de Tua Vontade e Ordem Primitiva e Eterna, nosso livre arbítrio de nada vale, e as provas em Teu Nome serão dependentes da nossa. Sol, Lua e estrelas vêm e vão sem a nossa interferência; a terra viceja e produz frutos; as nuvens se estendem pelo horizonte; os ventos erguem as ondas do mar — tudo isto sem a nossa vontade! Como agir, caso seja necessário operar-se milagres?”
Respondo Eu: “Caro Roklus, é difícil entrar-se num acordo contigo, porquanto reinam ainda considerações e pareceres terre- nos em tua alma! Vê, quem põe mão no arado e continua olhando para trás, não possui aptidões para o Reino de Deus! Julgas ser Ele, em Seu Pensar e Querer Luminoso, tão monótono quanto o gelo do Norte?!
Criatura, reconhece primeiro Deus e Sua Onipotência, e ve- rás se o homem, cujo coração é pleno do Espírito Divino, nada mais pode e quer senão deixar passar dia a dia, calado e paciente com a Vontade do Senhor, observando o surgir, florescer e perecer das flores?! Se tal fosse a intenção de Deus, não precisaria Ele dotar as criaturas duma livre vontade, e bastaria fazê-las surgir quais pólipos em forma humana, munidas de trombas de sucção; poderiam assim observar como as estrelas vêm e vão, ao menos aparentemente, e quão forte viceja a grama a seu redor! Não necessitariam de movi- mentação independente, pois destituídas de vontade própria, pode- riam muito melhor perceber a Vontade de Deus do que qualquer pessoa beata!
Mas o homem, dotado de livre vontade e movimentação, poderia, não obstante seu sentimento de estética, ter a ideia de dar alguns passos sobre um gramado viçoso; em tal caso, infalivelmente
pisaria a erva que nasce ereta dentro da Ordem Divina, e também liquidaria, antes do tempo, uma pequena lesma.
Considera, porém, que o homem, a fim de se manter, ingere uma quantidade de frutas e animais, saboreando-os com volúpia! Vez por outra, escolhe certas planícies, anteriormente ricas em flo- restas e ervas curadoras, arrasa tudo, para depois mandar construir casas e cidades! Acaso isto estaria dentro da Ordem Divina, con- forme tu a consideras? Ou se cortas unhas, barba e cabelos — não ages contra Sua Determinação, porquanto não querem permanecer dentro do comprimento que a tesoura estipula?!
Se Deus não quisesse que um homem de livre pensamento e vontade agisse contra a inflexibilidade de Sua Vontade Criadora, intervindo nos variados planos, teria Ele agido sabiamente em criar seres que, em virtude de sua existência, são obrigados a agir dessa forma, contra a Sabedoria Eterna?!
Se Deus, Senhor e Criador de todas as coisas e seres, permite que, mormente o homem, dotado de livre arbítrio, destrua florestas, deitando por terra incontáveis árvores centenárias, que em parte são queimadas e em parte utilizadas para construções; mandando cor- tar o capim para empregá-lo como alimento do gado, sem jamais intervir em tais medidas, quanto menos o fará em se tratando de transformar o pequeno livre arbítrio num divino!
Acaso não viste como o jovem, no fundo também uma cria- ção de Deus, transformou a pedra em ouro, não obstante a Vontade Divina? Seria talvez chamado à responsabilidade por tal motivo?! Pelo contrário, aquilo foi o resultado da Vontade Divina em união com a dele!
Ao cumprires os fáceis Mandamentos de Deus, amando-O sobre todas as coisas, integrar-te-ás evidentemente no Conhecimen- to e na Vontade Divina; tornar-te-ás sempre mais sábio e, na mes- ma proporção, mais poderoso e compreensivo no querer. Tua luz interna, vinda de Deus, será elevada à visão integral, onde não só a sentirás na anterior inconsciência, como também vislumbrarás as forças ativas da Vida, cuja ação poderás determinar, em virtude da
conquista da Vontade Libérrima de Deus. Justamente pela faculdade de poderes ver e classificar, especial e individualmente, os elemen- tos incontáveis surgidos de Deus poderás, como senhor da Vontade Divina, captá-los e determinar sua concatenação para qualquer fim, e eles, de pronto, começarão a agir do mesmo modo, como se Deus os tivesse ordenado.
Todas as energias emanadas por Deus pelo Espaço Infinito são quais inúmeros braços da Divindade Poderosa, e jamais conse- guirão agir senão pela emissão da Vontade Divina, de certo modo Sua Própria Projeção.
Quando o homem unir seu diminuto livre arbítrio à Oni- potência Divina — dize-me se é admissível ser ele mero expectador da Vontade Divina, ou se a criatura, individualmente emancipada, não seria capaz de operar coisas extraordinárias!”
OZELOJUSTOE INJUSTO
Diz Roklus: “Senhor e Mestre de todas as criaturas e coisas, por esta explicação maravilhosa, tudo para mim mudou de aspecto, pois solucionou-me segredos anteriormente insolúveis. Começo a compreender o que realmente é o homem, e o que lhe compete procurar e realizar no mundo! Deste modo, torna-se fácil cumprir-se Teus Mandamentos e executar-se Tua Vontade, o que nos facultará a conquista de tudo que Teu Amor comporta!
Só posso agradecer-Te, do fundo de meu coração, e tornar-
-me Teu discípulo consciencioso; tudo farei para afastar de nosso Instituto o que não se coadune com Teus Ensinamentos. Já começo a sentir dentro de mim uma força extraordinária, diante da qual to- das as dificuldades serão afastadas na confiança em Ti, capaz de fazer ressuscitar todos os mortos! Qual será a consequência se minha vida futura for a expressão de Tua Vontade, e a que potência se elevará nossa Instituição quando todos os membros se tiverem unificado numa só vontade?! Por isso — mãos à obra! Toda demora seria peca- do na salvação do próximo!”
Digo Eu: “Louvável é teu zelo, que trará o resultado espera- do; no entanto, assemelha-se ao fogo de palha, causando impressão de poder incendiar, em poucos minutos, a Terra toda. Sua duração é, porém, curta e mal se percebe onde queimara!
O zelo justo cresce como a luz e o calor do Sol pela manhã; caso surgisse numa intensidade abrasadora idêntica à da África ao meio-dia, seria destruidor sobre plantas e animais, experiência feita por qualquer lavrador.
Acontece, por exemplo, que durante a trovoada se projeta um raio solar sobre o solo, embora o firmamento carregado e a chu- va caia — de repente as nuvens são rasgadas por uma corrente de ar, dando passagem à luz e ao calor do Sol. O prejuízo que produzem na fauna e flora é maior do que se tivesse caído forte saraiva! Dou-
-te apenas este exemplo, para provar-te ser um zelo fora de época, prejudicial.
Por isso, não queiras abater todas as árvores velhas e deterio- radas de vossa Ordem de um só golpe, mas pouco a pouco, dentro duma dedicação fraternal, e ter-lhe-ás trazido a verdadeira bênção! Para tal fim, tornam-se indispensáveis várias conferências, acertos e orientações, quanto aos milagres a serem operados em Meu Nome! Só depois de todos terem sido levados a essa nova luz poder-se-á exterminar as ideias antigas com êxito completo!
Quando um lavrador experimentado percebe que o joio se espalha entre o trigo puro, ele espera até a colheita, onde manda separá-los, aproveitando o trigo integral, enquanto o joio é secado e queimado no campo para adubar o solo. Tal atitude até mesmo Eu classifico de justa e sábia!
Creia que ser-Me-á tão fácil acabar com Jerusalém e os fa- riseus, como fiz à rocha dentro do Mar! Tal zelo, no entanto, trar-
-Me-ia maus resultados! Muito embora todos se convencessem de Minha Onipotência, não teriam aderido a Mim pela convicção ín- tima, senão pelo caminho do julgamento. Ninguém se atreveria a uma ação qualquer, de medo e pavor, que os levariam a agir qual autômatos, dentro de Minha Vontade!
Acaso seria isto o desenvolvimento do livre arbítrio, como dádiva principal de cada alma, e sua elevação à potência máxima do Poder Divino, se tal unicamente constitui a mais sublime bem-a- venturança?”
O DESENVOLVIMENTO DA VONTADE. PREJUÍZOS DOZELO EXCESSIVO
(O Senhor): “Os próprios egoístas e as pessoas dominadoras dão a prova mais evidente de ser a livre vontade, e sua efetiva execu- ção, a maior felicidade da vida. Quantos não arriscam suas posses, apenas para alcançarem um posto prepotente?! Quem despreza co- roa, cetro e trono, mormente quando os pode conquistar por conta própria? Por que têm valor tão desmedido diante dos olhos dos ho- mens? A resposta se acha dentro da natureza das coisas; aquele que ocupa o trono pode fazer uso de sua vontade livre, entre milhões de criaturas!
Os outros já se sentem felizes quando ele lhes dá incumbência qualquer, que também lhes faculte a função dum pequeno soberano; embora recalquem sua própria vontade, aceitando a do superior, eles assim agem somente para poderem usar duma função dominadora. Mormente em meio de cargos governamentais, cada qual procura satisfazer sua vontade, submetendo-se ao outro.
Que vem a ser tal felicidade comparada àquela que surgi- rá para toda Eternidade pela união da vontade humana com a de Deus?! Para alcançar este ponto, compreenderás ser preciso uma orientação mui sábia, no desenvolvimento da vontade individual, por todos os estados da vida; do contrário, seria perigoso prover-se o livre arbítrio com poderes efetivos! A fim de capacitar a vontade para tanto, é preciso que o homem se encaminhe de modo próprio à Luz, marchando nessa trilha com todo amor e renúncia ao mundo, até que alcance a meta pela ação e determinação próprias. Não pode haver obrigação interna ou externa — ambas uma condenação — onde jamais um espírito consegue libertar-se; enquanto ele isso não
conseguir, não é possível se falar duma união de sua vontade com a de Deus!
Devem as criaturas ser levadas ao conhecimento de si mesmas e de Deus através dum sábio ensino, com toda bondade, paciência e meiguice; somente caracteres renitentes, que no íntimo ocultam maldade e perversidade diabólica, devem ser castigados pela lei, mas nunca por milagre punidor.
Convém considerar ser o criminoso também uma criatura que deve ser ensinada no justo emprego de sua vontade, e é bem possível que um demônio astucioso domine sua natureza, fazendo dum homem inofensivo, um verdadeiro monstro!
Por isso, convém reter todo e qualquer zelo exagerado, mes- mo numa causa justa, até que tenha atingido a maturação modesta que se empenha em executar, com firme persistência, tudo dentro duma reflexão calma e amorosa, com os meios ao seu alcance, e isto, considerando sempre ambiente e circunstâncias do indivíduo em apreço.
Certamente compreenderás não Me agradar vosso Institu- to em sua atual situação; mesmo se se baseasse em princípios mais errôneos, seria imprudente condená-lo e exterminá-lo de modo re- pentino, como se fosse possível fazer desaparecer Jerusalém e Roma.
Trata, pois, de exterminar pouco a pouco os erros mantidos em vossa Seita, que ela e o povo simpatizante melhorarão dentro da Verdade! Se fosses virar, com teus colegas, tudo de cabeça para baixo, os confrades te classificariam de doido e perigoso, procuran- do, por todos os meios, teu afastamento dessa Congregação por eles otimamente organizada, sem que tivesses oportunidade de trocar, despercebidamente, as fraudes pela Verdade plena.”
(O Senhor): “Tens o melhor exemplo em Minha Pessoa! Conheces Minha Doutrina e Sua Verdadeira Tendência Vital; sabes também de Meu Poder, pelo qual poderia dizimar rápida e facil- mente toda a Terra como fiz à rocha! Neste caso, teria Eu Mesmo de conjecturar: Teria sido melhor não teres projetado Tua Criação, caso nada quisesses além dum mundo repleto de filhos queridos, dotados de natureza e constituição peculiares! Tudo isto, porém, existe e urge conservá-lo com amor e paciência, guiando-os pela Sabedoria Divi- na, a fim de que não se perca nenhum átomo!
Afirmo-te serem evidentemente os fariseus e escribas, em Je- rusalém, as criaturas mais repelentes e maldosas aos Meus Olhos; antes, porém, de julgá-las e mandá-las crucificar, prefiro que assim façam na Minha Pessoa!”
Dando um salto, Roklus reage: “Não, não, Senhor e Mestre! Isto seria estender em excesso Tua Paciência! Não é possível que o Reino de Deus na Terra, e muito menos no Além, venha soçobrar por causa dum punhado de perversos em Jerusalém! Por isso, fora com essa raça de víboras — e Tu, ficas!”
Digo Eu: “Falas dentro de tua atual compreensão! Daqui a três anos, teu próprio espírito te ensinará coisa diferente e melhor; por isso, deixemos tal assunto para prepararmo-nos à ceia. Esta mesa será aumentada e vós, incluindo Ruban, ao todo treze pessoas, nela tomareis lugar, representando o quadro de Minha última ceia nesta Terra!”
Diz Roklus: “Senhor e Mestre, por que falas de modo tão místico?”
Respondo Eu: “Amigos, muita coisa teria que vos dizer; no entanto, ainda não o suportaríeis! Após aquela última Ceia, o Es- pírito Santo inundará vossos corações e levar-vos-á à plenitude da Verdade Viva, sabendo o motivo destas Minhas Palavras! Mas, eis
Marcus com os pratos e vossa mesa já está posta! Saboreemos com alegria nossa refeição!”
Roklus se curva respeitosamente diante de Mim, junta-se aos outros e diz: “Não é possível afastarmo-nos agora, pois temos de com- partilhar da mesa dos dignitários! O Próprio Senhor assim o quer! Va- mos, pois!” Diz Ruban: “Que papel faremos perto daqueles senhores!”
Responde Roklus: “Seja lá como for! Obedeceremos com alegria! Além do mais, sinto um bom apetite, ao ver como o jovem tratou com carinho de nossa mesa!”
RAPHAEL,O “GLUTÃO”
Todos se encaminham à mesa determinada, fazem três re- verências diante do grupo selecionado, e Raphael lhes indica seus lugares, sentando-se como décimo quarto à mesa. Diante de si Roklus depara com seu prato predileto, consistindo de carneiro as- sado acompanhado de laranjas maduras, e não compreende como era possível saber-se, na cozinha, dessa sua preferência. Lembra-se, porém, em que companhia se acha e aceita tudo como natural. De modo idêntico, cada um dos treze convivas é servido daquilo que mais aprecia; somente Raphael se entretém com oito grandes pei- xes, bem preparados, que rapidamente são ingeridos. Roklus, não se contendo, pergunta com amabilidade como isto lhe é possível e se ainda poderia comer algo mais.
Sorri o anjo: “Como não? Poderia ingerir dez vezes mais, sem o menor esforço; entretanto, estou satisfeito!”
Diz Roklus: “Teu estômago deve ter sido dilatado na infân- cia, do contrário não se explicaria o fenômeno! Acaso poderás me ajudar a terminar com o carneiro? Satisfaço-me com a oitava parte!” Tirando um quarto para si, Roklus entrega o resto ao anjo, que o faz desaparecer no mesmo instante. Isto excede a paciência de Roklus, que exclama: “Não é possível, de modo natural, o que acabo de ver! Não me refiro aos peixes; tens de explicar como consegues devorar um carneiro, inclusive os ossos!”
Diz o anjo: “Ora, dá-me uma pedra, e ficarás surpreso!” Roklus assim faz, enquanto Raphael leva a pedra à boca, onde desa- parece! O grego e seus companheiros ficam horrorizados, e ele diz: “Amigo, é um tanto perigoso a pessoa sentar-se à mesa contigo, pois poderias ter ensejo de devorá-la! Tua voracidade anormal nos assus- ta, conquanto não seja de nossa conta; todavia, não pretendemos assistir a outros excessos, ouviste?”
INDIVIDUALIDADEDE RAPHAEL
Diz Raphael: “Meu amigo, falas deste modo por não me conheceres; do contrário, acharias meu apetite tão natural quanto o teu, que saciaste apenas com um quarto do carneiro! Sou, tanto quanto tu, criatura, dotada de todos os sentidos e órgãos; meu cor- po, porém, é diverso, por ser imortal. Não te é possível, como alma e espírito, despir o teu físico e dissolvê-lo rapidamente num elemento espiritual. Para mim, isto é fácil, porquanto sou puro espírito, não obstante apresentar um corpo, aparente; tu, no entanto, és apenas matéria e muito terás de lutar para começares a sentir tua alma, amadurecida e livre.
A fim de assimilares o alimento, teu corpo necessita de tem- po e nem te apercebes da maneira pela qual se dá esta transformação, pois desconheces a construção orgânica, nas menores funções. Para mim, não existe coisa mais nítida do que cada átomo, tanto do meu, quanto de teu corpo. Tenho de formar e conservar meu corpo atual de átomo a átomo, de nervo em nervo, de fibra em fibra e de mem- bro para membro; tu, entretanto, desconheces a constituição origi- nal de teu físico, e quem o desenvolve e conserva constantemente.
O teu é gerado, nascido e desenvolvido afora teu conheci- mento e vontade; o meu é criado dentro de minha noção e querer! Tua consciência da vida é mais um sono, e teu saber, assimilar e dese- jar, um sonho! Eu, porém, acho-me na vida mais lúcida e verdadeira da Perfeição do Dia Eterno! Eu sei o que falo, conhecendo sua ori- gem verdadeira e profunda; tu, até mesmo desconheces como e por
que surgem teus pensamentos! Assim sendo, também sei do motivo por que preciso de mais alimento que tu e teus colegas em conjunto, enquanto caminho entre os mortais. Época virá em que assimilarás tudo isto, que no momento não te poderia explicar melhor.
Tua suposição de querer eu devorar-te, qual lobo ou hiena, é bem tola! Penso terem minha educação espiritual e evidente sa- bedoria provado coisa diversa! Sou capaz de assimilar não só uma pedra; sim, teria poder de sobra para executar essa manobra com montanhas inteiras, e até corpos cósmicos! Caso meu poder fosse acompanhado de tolice, eu agiria dentro dum ímpeto inconsciente
— e vossa existência correria perigo! A Eterna Sabedoria de Deus, Causadora de minha natureza, ordena-me, antes de tudo, a con- servação de todas as coisas criadas pela Sua Onipotência, das quais nem um átomo se pode perder, porquanto a Vontade Divina e Sua Visão Onipresente abrangem e penetram o Imenso Espaço Infinito. É, portanto, tola a tua preocupação com minha suposta voracidade! Assimilaste alguma coisa de minhas palavras?”
Diz Roklus: “Não posso afirmá-lo; concluo, no entanto, não ser preciso eu temer tua presença — e isto já é algo! Onde, porém, depositas tais massas? Acaso tens estômago de avestruz, capaz de digerir as pedras mais duras? Seja como for, és um ser curioso!
Falam os judeus de certos mensageiros celestes; gregos e ro- manos mencionam os gênios e semideuses; farás parte duma dessas categorias? Tua aparência é mui delicada e sutil para ser humana, e já atraíste minha atenção anteriormente, sentindo que ora apresen- tavas uma individualidade, ora outra; no fundo, és o reflexo patente duma Entidade Suprema, proporcionando-te forma, consistência, sabedoria e poder, por determinado tempo. Uma vez que Ela não mais necessita de ti, tua existência terá chegado a um término.”
Diz Raphael: “Chegaste bem perto da verdade, com exceção de minha desintegração; pois muito antes que um planeta girasse e iluminasse pelo Espaço Infinito, já era eu servo perfeito do Espírito Sublime de Deus! Ainda sou o mesmo e o serei para sempre, se bem que talvez algo modificado através do Exemplo dado pelo Senhor,
que todos os espíritos, os mais perfeitos, terão de seguir. Entretanto, permanecerei o que sou, apenas em maior perfeição, razão pela qual me integrei nesta escola preparatória da vida material, pela Graça do Senhor. Já me compreendeste melhor?”
Diz Roklus, arregalando os olhos: “Ah, sim! Bem! É isto mes- mo! Tal qual eu imaginava! És um espírito celeste temporariamente incorporado, a fim de servires ao Senhor da Glória e executares Sua Vontade! Isto estabelece uma diferença colossal entre nós, e não mais é possível falar-se contigo!” Indaga Raphael: “Por quê?”
Com feição séria, o grego responde: “Tua sabedoria ilimita- da dar-te-á explicação mais precisa do que eu; como, porém, exiges uma resposta dum pobre mortal, sou obrigado a me externar, mui- to embora saibas de antemão o que direi! Ouve-me, pois: Existem nesta Terra condições de vida que dificilmente se harmonizam; haja vista um montão de areia ao lado do Ararate; uma pocilga perto do Palácio Imperial em Roma; uma casa de lesma junto de uma pirâ- mide etc. No entanto, ainda são mais admissíveis do que a relação entre nós! De que vale meu pronunciamento? Pois tudo que falo já o sabias, palavra por palavra! Não falo, no entanto, por tua causa, senão por mim e meus colegas, a fim de que saibam meu ponto de vista. Deste modo me harmonizo com eles, enquanto não te podes polarizar conosco.
De acordo com as Escrituras judaicas, és um dos maiores anjos no Céu; ao passo que nós ainda beiramos o berço, e muito nos falta para alcançarmos a maturação espiritual. Por isto, pedimos-te que te afastes, porquanto tua presença redunda em nossa completa nulidade! Nada lucrarás conosco, nem nós contigo no que diz res- peito à tua individualidade e poder!”
OPODERMILAGROSODE RAPHAEL
Diz Raphael: “O fato de eu me encontrar em vossa com- panhia não é minha vontade, senão a do Senhor, que não só nós, anjos, mas todos os seres têm de obedecer. Existe somente uma pe-
quena diferença: seguirmos a Sua Vontade não como ignorantes, e sim conscientemente — enquanto todas as criaturas Lhe obedecem cegamente. Além disto, aceitei a Vontade do Senhor de modo pleno, não obstante possuir eu, como espírito, vontade independente; vós, porém, mal reconhecestes a Existência de Deus. É, pois, impossível mencionardes o Conhecimento da Sua Vontade, que assimilareis apenas pela leitura daquele Livro por mim compilado e entregue.
Se, deste modo, vos integrardes da Vontade Divina, aceitan- do-A em vossos corações e pondo em prática os Ensinamentos, não mais haverá diferença entre nós; pelo contrário, sereis capazes de realizações mais grandiosas, porque já encarnastes, condição que me cabe efetuar mais uma vez, onde terei trocado minha função de servo divino em filho de Deus. Preferiria ser o que sois; todavia, tenho de respeitar os Desígnios do Pai, no tocante ao ‘como, que e quando’!
Não o exijo, muito embora o deseje; sou imensamente feliz e só posso cantar Glórias Àquele Que aceitou, como Homem, a encarnação para transformar todas as criaturas desta Terra e todos os habitantes dos Céus em filhos Seus; isto é, caso estes o queiram e pe- çam tal Graça ao Senhor! Pois também nos Céus inúmeros corações palpitam por Ele, e são atendidos em seus desejos.
Não te esqueças, porém! Quanto mais tiveres aceito pelo co- ração a Vontade Divina como norma de tua vida, tanto mais pode- rosos serão os efeitos de tua vontade aplicada!
Conhecimento e louvor da Divina Vontade de nada adian- tam; pois tudo isto é apenas um aplauso fútil a respeito dum acon- tecimento maravilhoso; reconheces o Bem, a beleza e a sublimidade, e sabes que emanam do conhecimento e da vontade dum artista. Suponhamos que também tivesses a mesma noção, sem contudo possuíres a vontade do artista; acaso poderias realizar algo apenas pela noção? Ou, se fosses capaz da vontade do outro, sem teres al- cançado sua compreensão e destreza, através de muita dedicação e zelo — poderias fazer o mesmo que ele?
Afirmo-te serem precisos verdadeiro conhecimento, vontade inabalável provinda de Deus e grande prática na execução da mes-
ma! Em tal caso, poderias dizer a u’a montanha: Atira-te no mar profundo! — que isto se fará! Pelo conhecimento e pela vontade firme, apenas, nada ou pouco se conseguirá! A prática da Vontade Divina dentro do coração se atinge somente pelo puro amor a Deus e ao próximo; este amor, unicamente justo, cria na alma uma fé viva e uma confiança firme, sem a qual o homem mais evoluído nada conseguirá.”
PERFEIÇÃODAVIDAEPODER MILAGROSO,
ALCANÇADOSPELOAMORADEUSEAO PRÓXIMO
(Raphael): “Se, por exemplo, quiseres restituir a um cego a luz dos olhos pelo poder da Vontade Divina em ti, no entanto ali- mentas pequena dúvida quanto ao êxito — já terás feito tudo para o insucesso. Se, porém, te empolgares pelo amor a Deus, este fogo sublime do amor e da vida não somente vivificará tua alma, mas irradiar-se-á espiritualmente além de tua esfera psíquica por um po- der irresistível, agindo de modo concentrado, quando, com toda sabedoria e prudência, tua vontade sublimada tiver atingido um necessitado. O cego, sendo alcançado por esta tua força espiritua- lizada, onde se torna o centro do Poderoso Amor na Luz e no Fogo do máximo Amor e Vida de Deus, a morte terá de recuar, portanto também será afastada dos olhos isentos de luz, portanto mortos, assim como o corpo morre sem respiração e pulsação. Desta forma, se torna possível a ressurreição de alguém, uma vez que a Vontade Divina e Sua Sabedoria em teu coração não sejam contrárias a que se dê este milagre; basta projetares teu amor a Deus sobre o falecido, que retornará à vida.
Tal coisa demanda um esforço concentrado e prática cons- tante; deve o coração submeter-se ao máximo, de sorte a se poder atirar a cada momento na Plenitude do Amor a Deus. Isto alcan- çado, o homem é perfeito, e tudo o que deseja terá de acontecer, dentro da Vontade de Deus! Adestrado desta forma e querendo criar um mundo, ele terá de surgir pela tua vontade submetida a Deus e
pelo poder do Amor Divino, cuja Plenitude transforma teu coração num poderoso fogo de vida, e tua aura exterior numa luz fortíssima e de ação vital. O que então teu conhecimento vindo de Deus ex- puser à tua vontade, concatenar-se-á numa forma por ti elaborada e aceita através da substância de tua poderosa luz emanada pelo amor
— e, em poucos minutos, o mundo surgirá diante de ti, podendo fixá-lo e conservá-lo — caso estiveres no pleno poder da Vontade e do Amor de Deus!
Naturalmente, não podes, desde o início, alcançar a posse plena da Vontade Divina se não tiveres aceito Deus em teu coração, através dum amor puro e verdadeiro, que exclua toda e qualquer outra inclinação pessoal; pois se Deus não estiver em ti de modo íntegro, Ele também não poderá agir de modo pleno.
Amá-Lo sobre todas as coisas não é tão fácil como pensas! Antes de tudo, é preciso uma conduta de vida impecável, dentro das Leis de Moysés; quando essa conduta for viciada por toda sorte de pecados, as energias indispensáveis à vida sofrerão dano, porque estão integradas na matéria, que as aniquila.
A criatura desta forma aleijada não pode amar Deus com todas as suas energias, que na maior das vezes estão exterminadas por dois terços. Torna-se necessária a completa renúncia de todas as suas tendências e hábitos, para vivificar as forças perdidas e, pouco a pouco, integrar-se no possível amor a Deus — coisa não fácil para a criatura mundana!
Pois se alguém de plena saúde já sente dificuldade ao galgar u’a montanha, quanto mais um artrítico que, nas planícies, mal consegue locomover-se com muletas. Se mesmo assim tivesse a firme vontade de alcançar o cume, necessitaria dum guia forte e cheio de saúde que o amparasse — e assim lucraria muito pelo empreendimento realizado.
À medida que subisse, aumentariam seu esforço e suor, que no entanto libertariam das toxinas os membros entrevados, vivifi- cando as células amortecidas e atingiria o pico após dias de marcha exaustiva, porém completamente curado. Que resolução fantástica não seria a um reumático subir o Ararate! Contudo, ainda seria mais
fácil do que a escalada da cordilheira espiritual, isto é: humildade plena e total renúncia!
Isto te causa admiração e pensas serem problemáticas as pro- babilidades da perfeição completa nesta Terra, e nada se poder fazer por milagres! De certo modo tens razão; nesta época, porém, exis- tem os guias competentes, e com sua ajuda não será difícil deixar-se levar, como aleijado da alma, ao pico mais alto do Ararate espiritual.
Agora é fácil, para todos de boa vontade, integrarem-se na perfeição da Vida; pois o Senhor achou por bem não só convocar, nesta época, os guias fortes dos Céus para prepararem e conduzirem as criaturas, mas Ele Mesmo encarnou e veio para curar os artríticos e demonstrar Sua Vontade Divina, ensinando-lhes o amor a Deus e ao próximo.
Ninguém mais poderá alimentar dúvidas quanto à Vonta- de de Deus, e também saberá da maneira pela qual deve amá-Lo, purificando assim o seu coração. Os caminhos são claramente de- monstrados, e quem quiser palmilhá-los não se perderá. Em tempos vindouros, será mais difícil a criatura harmonizar-se com a Vontade Pura de Deus; pois, ao lado dos profetas justos, surgirão os falsos, operando milagres comuns a vós, incutindo assim noções errôneas de Deus e de Sua Vontade. Isto provocará grande atribulação entre os homens, e ninguém poderá se tornar guia seguro de outrem, por- quanto todos se dirão possuidores da Verdade. Todavia, os que assim gritarem estarão na plena mentira!
O Senhor, no entanto, inspirará, de tempos em tempos, Seus servos destinados a indicarem a Vontade de Deus aos de boa índole, conforme ora agimos convosco. Felizes os que viverem de acordo; pois conseguirão aquilo que vos é facultado de modo tão simples. A ação milagrosa será reduzida; pois o Espírito do Senhor ensinará aos Seus filhos a devida precaução, a fim de evitar o desafio dum verdadeiro exército de falsos profetas, onde seria preciso lutar com a espada contra o inferno.
Os verdadeiros profetas serão pelo Senhor inspirados em completa solidão, e eles não farão alarde de sua incumbência. Todos
os que fizerem propaganda de sua condição privilegiada não serão donos da Verdade e do Verbo Divino.
Os profetas verdadeiros serão capazes de operar milagres, sem que o mundo algo venha a saber, senão os verdadeiros amigos de Deus para o seu próprio conforto.
Atualmente se dão milagres por causa dos judeus e pa- gãos empedernidos, a fim de que ninguém possa afirmar não ha- ver tido provas durante a Revelação desta Nova Doutrina Celeste. Posteriormente, as criaturas procurarão mais a Verdade plena, de- clinando dos milagres, dos quais os sábios afirmam não ser pos- sível pintar-se o branco de preto, e a Verdade continuar Verdade, sem milagres.
Disto deduzirás não ser eu um monstro em virtude de meu apetite incomum e tampouco existir diferença tão enorme entre nós, como julgavas; pelo contrário, encontramo-nos quase no mesmo grau, porquanto tua encarnação é um privilégio, que por ora não me assiste. Acaso ainda faço, perto de ti, papel de elefante junto ao mosquito? E devo realmente afastar-me, ou posso, como décimo quarto, ficar entre vós como professor?”
AIMPORTÂNCIADAFILIAÇÃODIVINANESTA TERRA
Diz Roklus, cujo coração começa a palpitar pelo anjo: “Oh, fica, fica! Se quiseres, poderás devorar um planeta diante de nós, que isto não diminuirá nosso amor, nem aumentará o medo de ti; sabemos quem és e o que lucramos contigo.
Agora mudemos de assunto! Embora saiba seres ciente do que vou falar, externar-me-ei por causa de meus colegas: não seria possível te tornares membro de nosso Instituto, ao menos pelo tem- po que necessitamos para alcançar a perfeição da vida, indispensável para socorrermos a Humanidade?!”
Diz Raphael: “Por enquanto isto não pode ser, em virtude de outros compromissos com o Senhor e as criaturas. Mas, num caso de necessidade, estarei em vosso meio como se me tivesses chamado.
Além disto, tendes a promessa do Senhor em poderdes agir em Seu Nome — mais Poderoso que incontáveis arcanjos idênticos a mim! Apoiai-vos neste Nome que Se chama: Jesus — Força de Deus — e as montanhas recuarão, tempestades e tufões se acalmarão, na hi- pótese ser tal vossa conduta a terdes mérito para tanto. Pois Este é o Nome Verdadeiro de Deus em Seu Amor Eterno, diante do Qual tudo se curva no Céu, na Terra e debaixo da mesma!
Não me refiro ao solo deste planeta, uma esfera como outra qualquer e toda ela feita de continentes, montanhas, lagos e mares; tampouco falo do interior do mesmo, em si um organismo animal de colossal proporção, destinado ao desenvolvimento da vida natu- ral dum corpo cósmico; sob a expressão ‘debaixo da Terra’ aponto o estado moral dos racionais providos de instinto, nos inúmeros ou- tros planetas habitados; tais criaturas têm apenas finalidade reduzi- da, comparada à vossa.
Pertencem também ao Infinito Todo e representam, de certo modo, os elos duma corrente; vós, porém, sois os elos, pela finalida- de de verdadeiros filhos de Deus, a carregarem com Ele e conosco a Infinita Criação Total! Por esta razão vos classifiquei acima desta Terra, logo a seguir de nós, habitantes dos Céus!
Se considerardes isto a fundo, deveis tanto mais respeitar o Nome do Altíssimo de Eternidades, concluindo ser Deus vosso Pai e vós, Seus filhos; se assim não fosse, acaso teria Ele descido dos Céus junto de vós, educando-vos, Pessoalmente, para finalidades grandio- sas, que desde sempre previu e destinou aos Seus filhos?!
Por isto, regozijai-vos, sobretudo ter o Pai Eterno vindo jun- to de vós, a fim de vos tornar aquilo para que fostes determinados desde sempre! Se sois, portanto, indiscutivelmente Seus filhos e Ele ter vindo sem O chamardes, Ele, a partir de agora, fá-lo-á tanto mais certo quando Lhe pedirdes cheio de amor: Pai, Querido Pai, vem! Necessitamos de Ti! — Esta promessa já vos foi dada, vinda de Sua Boca e Seu Coração, e não necessito repeti-la. Podeis, por isto, renunciar à minha pessoa em vosso Instituto; pois onde o Senhor Mesmo age, Seus Mensageiros Celestes são dispensáveis.
Se, além disto, me desejais entre vós como amigo, basta chamardes e eu estarei presente, caso permanecerdes no Amor e na Ordem de Deus! Se algum dia abandonardes esta Ordem por con- siderações mundanas, não viria, ainda que me chamásseis mil vezes, e o Próprio Nome Poderoso do Pai seria sem efeito! — Caso ainda tiverdes uma dúvida, pronunciai-vos, que sereis orientados!”
GRADUAÇÕESNOREINODOSESPÍRITOSDA NATUREZA
No momento em que Raphael concede a Roklus e seus ami- gos prosseguirem nas indagações, levanta-se, de súbito, um vento forte do Mar, experimentando sua força nas ricas tendas de Ouran, à beira da praia. Ouve-se também o crocitar duma quantidade de grous, a voarem em grande confusão.
Os navios novos, ancorados no cais recém-criado, também começam a estalar com forte ruído, pois o vento, muito embora o tempo claro, torna-se sempre mais violento, e Cirenius Me diz: “Se- nhor, se esta ventania continuar, seremos obrigados a nos mudar! Os grous agitados nada de bom anunciam; devem ter sido assustados, do contrário não teriam abandonado seus ninhos! Que frio! Não seria melhor entrarmos?”
Digo Eu: “Enquanto estiver convosco, não precisais temer vento, frio e aves barulhentas! Existe uma quantidade de espíritos da Natureza não destilados que, em determinadas épocas, se manifes- tam em sua espécie, a fim de se capacitarem a uma esfera superior de atividade.
Tais períodos de transmutação têm sempre aspecto tempes- tuoso, e são tão indispensáveis à conservação e reprodução, como necessitas da respiração para manteres tua vida física. Após rápida caminhada, terás excitado os elementos de tua carne, que se unem e passam a um grau mais alto de sua existência; em compensação, os graus abaixo ficam, de certo modo, inativos, e caso não fossem imediatamente ocupados por novos elementos, perderias os sentidos num estado contínuo e rápido de inércia, até caíres morto.
Vê, pela luz e o calor diários, miríades de elementos da Na- tureza, libertos da matéria, passam ao reino vegetal e animal num grau mais alto e num excesso de temperatura, às vezes em número maior do que podiam se libertar da matéria bruta, em sua evolu- ção primitiva. Isto notarás pela paralisação e inércia, onde a flora se apresenta murcha e até mesmo seca. O motivo disto é que o número dos elementos a ingressar num grau superior é maior do que os que puderam ocupar seus lugares numa ação contínua.
Dá-se mais ou menos o que ocorre com um rio, que nada mais é senão um acúmulo fluente de milhares de fontes pequeni- nas. Se te fosse possível secar as quinhentas mil fontes do Eufrates, encontrarias o seu leito vazio, e em breve completamente seco. Na realidade, um elemento impulsiona outro, e somente no homem completo todos os espíritos da Natureza surgidos da matéria en- contram seu destino final, isto é: no que diz respeito à alma e es- pírito; a carne é e será matéria por muito tempo e, finalmente, se desintegrará em variadas formas de vida, que novamente subirão até alcançarem sua meta.
Refletindo sobre isto, não te admirarás deste vento impetu- oso, tampouco do crocitar das aves, que já se acham num grau de inteligência mais apurada e são as primeiras a observar serem poucos os elementos primitivos a se integrarem nelas.
O calor de hoje projetou grande quantidade destes espíritos, mormente nesta parte da Terra, provocando carência importante e sensível nas partes inferiores; em compensação, deu-se um verdadei- ro acúmulo de elementos da Natureza no Nordeste pelo dia de hoje, de ontem e anteontem. Na zona onde foram projetados e libertos, não podem cogitar de pouso, por isto afluem aos terrenos despro- vidos de elementos. As aves de arribação, especialmente os grous, possuem um sentido extraordinariamente apurado e sensível neste ponto, e são as primeiras, entre todos os animais, a perceberem tanto o acúmulo quanto a carência dos elementos primitivos; ficam in- quietas, esvoaçam, e cada uma procura camadas no ar onde encontre a abundância, que absorve por forte respiração, manifestando, pelos
gritos, ter encontrado o que precisava. O crocitar é prova de agrado, mas também de mal-estar.
Este vento, que durará uma hora, vem do Nordeste e é sa- turado dos elementos primitivos de que aqui carecem, e que os químicos chamam de oxigênio. A frescura a ninguém prejudica, porquanto anima e fortalece, de modo agradável, nossos membros cansados. Em seguida, todos estareis alegres e satisfeitos, apreciando pão e vinho.”
ANATUREZADODIAMANTEEDO RUBI
Inteiramente satisfeito com esta explicação, Cirenius indaga pelos núbios, cuja falta lhe ocorreu há muito tempo, e Eu lhe digo: “Partiram há uma hora atrás, providos do necessário, e já se acham bem distantes. Deixei que assim acontecesse por causa dos essênios, que não vacilariam em convidar alguns núbios para o seu Instituto, considerando seu poder milagroso. Teriam, deste modo, impedido o Bem que pretendo com essa Seita. Raphael assumiu o papel de al- guns que Roklus de pronto teria conquistado; assim foi ele entretido pelo anjo, que ainda o mantém numa controvérsia em seu benefício, a bem do Instituto e da Humanidade sofredora!”
Diz Cirenius: “Sinto a ausência de Oubratouvishar, verdadei- ro compêndio de saber humano, e tinha vontade de assistir sua che- gada a Memphis, onde certamente tudo relatará a Justus Platônicus!”
Digo Eu: “Tens razão; será fielmente transmitido ao sábio o que aqui ocorreu; essas pessoas têm forte memória, e principalmen- te desconhecem mentira e subterfúgio. Por isto, nada ocultarão ao chefe de Memphis. Além do mais, tens dele uma lembrança deslum- brante e valiosa no grande diamante. Já que o mencionei, explicar-
-te-ei suas particularidades: possuindo essa pedra uma superfície ex- tremamente polida, desenvolve-se constante fogo eletromagnético, ou expressando-Me dentro de tua atual compreensão: uma quanti- dade de elementos da Natureza de qualidade mais nobre se agrupa, em grande movimentação, rodeia-o por todos os lados, produzindo
por tal constante atividade um especial fulgor na superfície, o que lhe dá valor tão considerável aos olhos do homem.
Valor quase idêntico tem o Urim (Rubi), derivado do dia- mante; apenas é este um conglomerado dificilmente solúvel de inú- meros elementos inteligentes da Natureza, motivando sua dureza excessiva — enquanto o rubi é um acúmulo de espíritos de atração, ou seja: de amor. Por tal motivo é ele vermelho, menos duro e em sua superfície, mormente quando bem polido, agrupa-se grande quantidade de elementos amorosos, produzindo especial fulgor que, até mesmo numa noite escura, é visível como fraca incandescência.
Se pendurares no peito estas duas qualidades de pedras, pro- vocarás uma polarização mecânica entre elementos inteligentes e amorosos em tua própria esfera exterior de projeção; são eles ativa- dos pelo aroma de tua aura, e produzem em tua alma luz mais forte, onde as partículas inteligenciadas dos elementos da Natureza provo- cam um reflexo espelhante, fazendo com que a alma, de momento, penetre num saber mais profundo, tornando-se clarividente.
Por este motivo, ordenou Moysés ao sumo sacerdote, através de seu irmão Aaron, o uso de placas de Thummim e Urim durante o ofício religioso, capacitando-o a predizer.
De agora em diante, o verdadeiro amor a Deus e sua sabedoria tomarão lugar das referidas placas, numa forma mais elevada e viva; dei-te esta explicação apenas para enriquecer o teu conhecimento.”
ASJOIASDOS SOBERANOS
(O Senhor): “Tal particularidade e efeito poderiam ser alcan- çados com outras pedras, caso fosse possível levá-las a um polimento para tal finalidade. Cientes disto, os velhos egípcios, sábios e faraós usavam-nos sobre o peito e na cabeça, cravejados em aros de ouro.
Quem, naquela época, usasse tais pedras era pelo povo con- siderado patriarca ou sábio; portanto, tinha o uso de joias reais um motivo verdadeiro e genuíno; hoje em dia, representa apenas a os- tentação fútil da riqueza terrena, do orgulho, da luxúria, do egoísmo
e do domínio condenável. Não obstante os imperadores, reis, prínci- pes e militares se enfeitem com esses antigos emblemas da sabedoria
— nada de verdadeiro apresentam! Razão por que aquilo que na an- tiguidade era virtude principal tornou-se, hoje, vício preponderante!
Do mesmo modo, era a regência uma qualidade de destaque, pois o número de pessoas sábias e experimentadas não era excessivo, e quem fosse incumbido de governar um país assumia encargo pesa- do e, além disto, era orientador e conselheiro de milhares!
Ninguém se empenhava para conseguir tal cargo e o povo, convencido da necessidade dum guia inteligente, construía-lhe um palácio deslumbrante, ornamentando os aposentos de várias pedras preciosas, ouro, pérolas e conchas magníficas, e provia o regente de todo conforto, aceitando sua palavra como lei. Nisto se baseia até hoje a especial projeção dos dignitários — apenas com a grande diferença: Antigamente, o rei não necessitava de armas, pois bastava sua palavra.
Seus conselhos e desejos eram prontamente executados, com boa vontade e amor de todos. Caso alguém achasse um tesouro ou produzisse algo artístico, entregá-lo-ia ao rei. O critério dos antigos chegou ao hábito sábio de ofertar tudo ao regente que pudesse au- mentar sua sabedoria, pois esta representava a ordem e a felicidade dos povos!
Tudo isto, porém, desapareceu; e, no lugar da antiga virtude, implantou-se a pior mentira da Humanidade. Onde estão os pa- triarcas? Ó Babel, imensa meretriz do mundo, empestaste a Terra! Por isto, Eu vim para salvar as criaturas da antiga herança, impondo u’a maldição a todos os tesouros da Terra, e abençoando os corações de boa vontade.
A partir de agora, Meu Verbo será a primeira pedra preciosa dos homens, e Minha Doutrina — ouro puro e verdadeiro; cada coração, um palácio genuíno e um templo vivo; uma vez que es- teja pleno do puro amor a Deus, donde resulta o afeto ao próxi- mo, aquele cujo coração comportar maior amor será verdadeiro rei no Meu Céu!
Por isto, nem o dinheiro, tampouco o diamante mais polido, ser-vos-ão mais úteis para a coroa da vida do que Meu Verbo e a ação que ensina! De hoje em diante, matéria alguma deve ter valor para vossos corações, senão unicamente Minha Palavra e a livre e espon- tânea ação que ela aconselha!
Bem podem imperadores e reis se enfeitarem com as joias antigas; querendo ser sábios e poderosos, não devem considerá-las, e dar apenas valor à Minha Palavra! Os que assim não fizerem serão, em breve, sitiados por muitos adversários!
Quem der valor às pedras preciosas e ao ouro, que o faça em suas qualidades especiais, baseadas em sua natureza e realidade, nunca porém no valor imaginativo, que representa mentira!
Se um regente mandasse forrar as paredes de sua sala de estar com placas de ouro polido, a fim de conseguir um estado vi- sionário e profético pela influência dos espíritos da Natureza que se originam da luz e se acumulam no ouro, mormente em sua super- fície luzidia, percebendo muita coisa em seus difíceis negócios de Governo impossíveis de serem descobertos por qualquer espião — ainda agiria bem; pois este metal contém esse poder, no que consiste seu real valor.
Naturalmente, tal ornamentação teria de se basear num conhecimento claro e compreensivo, e nunca somente em boatos, inclinando-se à superstição. Por isto recebeu o homem a razão, de Deus, para analisar tudo e certificar-se do verdadeiro motivo, e só então conservar o Bem e o útil na melhor intenção para todos. Quem assim age, fá-lo dentro de Minha Ordem, e nunca se desviará em suas ações.
Se, porém, alguém, fundamentando-se em comentários e na fé cega, de certo modo superstição, determinasse tal organização em seu aposento, também haveria de sentir alguns efeitos, sem saber de sua origem e de seu raio de ação, e quais seus limites. Tal homem consideraria — de acordo com a formação de sua vida originária, que lhe faculta a receptividade de tais influências sutis — suas fan- tasias fúteis e materiais e imaginações de vários matizes como efei-
tos de espíritos da Natureza, elevando-se a profeta tremendamente falso, produzindo graves erros, mormente se tem em mãos os meios violentos, como soberano. Em tal caso, se tornam fáceis milhares de desvios condenáveis.”
FÉE RACIOCÍNIO
(O Senhor): “Por esse motivo, jamais deve um adepto de Mi- nha Doutrina aceitar algo levianamente, sem exame rigoroso. Só de- pois de ter conseguido em tudo noção e convicção integrais convém aceitar o Bem e a Verdade como base fundamental de sua conduta; deste modo, obterá resultados tais que com justiça poderão ser clas- sificados como vindos do Céu.
Sou o Senhor e Mestre de Eternidades e Me reconheceis como Tal; muito bem poderia afirmar ser isto ou aquilo certo ou errado, preto ou branco — e Me acreditaríeis, sabendo no vosso íntimo Quem Sou. Acaso seria justa esta fé autoritária? Mas quem poderia alegar ter Eu jamais exigido ação idêntica? Exijo fé, mas não cega e inconsciente, senão uma inteiramente viva! Transmito-vos verdades que o mundo jamais sonhou; no entanto, não pergunto: Credes?, mas: Ter-Me-eis compreendido? E caso digais: Senhor, este e aquele ponto não nos são claros!, prossigo na Minha Explicação, com os meios a Meu alcance, até que a tenhais assimilado em suas bases — e só então dou outro passo.
Com facilidade poderia transmitir elucidação tal, que faci- litasse a cada um plena compreensão de modo imediato; conheço-
-vos, entretanto, e sei o quanto podeis assimilar de momento, per- mitindo que a semente germine e crie raízes, e Me limito a isto, até que possais compreender algo novo; dou-vos o tempo necessário para analisardes o Ensinamento recebido!
Eu Mesmo vos recomendo: Examinai tudo e conservai o Bem e a Verdade! Agindo Eu deste modo — quanto mais a vós cabe tal atitude, porquanto não podeis penetrar os pensamentos do próximo, como Eu!
Jamais reclameis uma fé cega, porém explicai sempre sua base! Caso o outro não for capaz de assimilá-la pelo intelecto, não desanimeis em conduzi-lo, degrau por degrau, com todo amor e paciência, até que possa compreender o ensinamento; pois nunca alguém se deve tornar vosso discípulo em Meu Nome dentro da ignorância! Transmitindo-vos Eu uma Luz clara e Vida Plena, nunca deveis ser apóstolos da ignorância e da morte!
Quem procura há de achar; quem pergunta e pede deve rece- ber resposta clara; e quem bater à porta trancada deverá ser recebido!
Não existe coisa mais inútil que uma resposta mal dada, e é preferível não responder de todo! Assim também, torna-se imprati- cável uma explicação pela metade sobre um assunto de cujo conhe- cimento depende uma orientação na vida.
Por isto, deve o doutrinador saber a fundo o que pretende ensinar, do contrário um cego guiará outro e, quando chegarem à beira do abismo, ambos tombarão.”
OPERIGODO OURO
(O Senhor): “Conheces, portanto, o real valor do ouro e das pedras preciosas; usa-os conforme te ensinei, que estarás em Minha Ordem, qual patriarca da era remota!
Também eles os conheciam e usavam com justiça; quando alguns começaram a empregá-los pelo valor imaginativo, em breve foram perseguidos pela desgraça. Precisamente por tal compreensão fictícia do ouro, pedrarias e pérolas surgiram ladrões e salteadores, e os reis se tornaram inimigos, por saberem que o vizinho havia acu- mulado em excesso aquele metal amarelo.
É, pois, a tolice dos homens provocadora da perseguição recíproca; surgem, finalmente, todos os vícios imagináveis: inveja, avareza, ganância, orgulho, altivez, domínio, intemperança, gula, impudicícia etc., e, no fim, crueldades variadas, crimes e assassínios! Cabe a culpa disto tudo, na maioria, à compreensão errônea que se tem do ouro, pedras preciosas e pérolas! As criaturas começaram a
se classificar entre si de acordo com sua posse do ouro: o mais forte angariava maior quantidade, fazendo grande número de amigos in- teressados, enquanto o fraco, desprovido, era no mínimo considera- do quase ladrão, não merecendo confiança! Acaso será milagre ele se tornar real ladrão em situação tal?!
Não quero prosseguir neste assunto desagradável, porquanto já podes imaginar o resto, caro amigo Cirenius! Acrescento apenas: Caso quiserdes ficar livres de inimigos, ladrões, salteadores e assassi- nos, considerai os tesouros da Terra apenas pelo valor qualificativo, pois agindo de modo sábio, muitos vos seguirão, reconhecendo em tudo a Ordem de Deus! Desse modo, tornar-se-ão simpáticos e no- bres e não mais precisareis temê-los.
Se vós, ou vossos descendentes, começardes a incutir o va- lor imaginativo, surgirão as antigas situações de inimizades que ora deparais. Afirmo-te: Em circunstâncias verdadeiras, tudo na Terra é bom e traz benefícios para justo uso de corpo, alma e espírito, e ao puro tudo é puro, e para aquele que se tornou luminoso não mais existe treva. Através dum uso tolo, errôneo, portanto nocivo, até mesmo o Bem se torna prejudicial, trazendo maldição e desgraça, ao invés de bênção e salvação!
Sabes que a água possui as melhores e variadas qualidades, e que para a vida física dos homens, animais e plantas é o elemento in- dispensável; caso o homem pretendesse construir uma habitação no fundo do mar, para lá viver com os peixes — em breve morreria. De modo idêntico, é o fogo um elemento mui necessário à vida; quem nele se atirasse, julgando assim atrair maior quantidade de vibração vital, perderia, como cinza, toda fagulha de vida!
Assim ocorre com todas as coisas; até as plantas e animais venenosos contêm grandes benefícios para esta Terra, porque sugam o prejudicial elemento venenoso do ar; sua natureza é de tal forma constituída, que o veneno existente nos elementos não fermentados da Natureza não lhes causa dano.”
(O Senhor): “Deixai, pois, essas coisas em seu campo de ação útil para esta Terra; tratai antes de tudo de tornar-vos perfeitos — sim, tão perfeitos quanto vosso Pai — e todo veneno de plantas e animais não vos prejudicará!
Voltai a ser aquilo que foram os patriarcas, respeitados por todos os seres; tornai-vos senhores da Criação de vosso Pai, em Sua Ordem, pelo cumprimento de Minha Doutrina, no que os núbios vos deram pequena prova, e em tais circunstâncias não existirá ad- versidade, nem entre vós, tampouco entre vós e as criações inferio- res! Afastando-vos, porém, dessa Ordem, tereis que vos submeter à antiga maldição e discórdia.
Nesta época, Meu Reino na Terra necessitará de grande vio- lência, e quem assim não fizer não o conquistará. Mais tarde será menos difícil; mas sem luta, ao menos consigo mesmo, não será possível consegui-lo. Pois se a vida terrena já é luta, quanto mais a verdadeira e espiritual vinda do Além, que se deve manifestar aqui. Entretanto, será ela fácil para todos que ouvem a Deus, pois assegu- ro a todos os Meus amigos ser Meu jugo suave e Minha carga, leve!
Vejo que todos vós compreendestes Minhas Palavras; por isto, vos afirmo estardes providos de tudo que necessitais na divulga- ção de Minha Vontade e Verbo. De acordo com a predição de Isaías, tudo aqui se completou em poucos dias, finalizando uma obra.
Quem isto tudo reconhecer e considerar fielmente alcançará a perfeição da vida e jamais sentirá ou perceberá a morte; pois quem já em vida despertou a eterna, do espírito, perceberá, ao desencar- nar, nada mais que uma libertação feliz na plena consciência de sua existência perfeita, e seu âmbito de visão se estenderá ao Infinito. Os imperfeitos passarão por situação mui diversa na hora do desprendi- mento: primeiro, terão de suportar fortes dores que aumentarão até o final; segundo, manifestar-se-ão na alma pavor, medo e até mesmo desespero, afligindo-a ainda mais do que o sofrimento físico. Uma vez liberta no Além, levará anos para chegar a alguma consciência
humana, e duma completa espiritualização não será possível se falar em eões de anos terráqueos.
Por isto, fareis uma caridade enorme aos vossos irmãos ao aplicardes o mesmo desvelo e paciência que Eu manifestei convos- co. Felizes vós e eles caso no fim lhes disserdes: Irmãos, completei minha tarefa convosco; agi de acordo e aperfeiçoai-vos dentro da Ordem demonstrada de Deus, desde Eternidades o Senhor de toda Vida e Existência!”
TUDOTEMOSEUDEVIDO TEMPO
(O Senhor): “Dediquei um dia inteiro à vossa salvação, no que fui levado pelo Meu Grande Amor para convosco. Lembrai-vos disto e fazei o mesmo, caso um irmão vos diga: Mensageiro ilumi- nado do Senhor, fica mais um pouco; pois meu coração sente um consolo poderoso e um encorajamento grande e feliz pela tua pre- sença! — Nesse caso ficai, mesmo se o prazo ultrapassasse o tempo determinado pelo espírito! Pois em verdade vos digo: Tal caridade espontânea do amor ao próximo muito é levada em conta por Mim!
Subentende-se poder-se fazer isto a um amigo somente uma, duas ou três vezes; se, após isto, ainda pedir uma repetição, convém conformá-lo com a promessa duma breve visita, animando-o à ati- vidade constante dentro de Meu Ensinamento e abençoando-o em Meu Nome; em seguida, continuai vossa trajetória pela intuição do espírito que em vós habita como palavra audível, conduzindo-vos pessoalmente à vida eterna!”
Diz Cirenius: “Senhor, como é isso? Ontem à noite disseste que irias partir! Acaso está isso determinado, ou ser-Te-ia possível conceder-nos mais um dia?”
Respondo Eu: “Afirmou Salomão que tudo tem o seu tempo; assim sendo, também Eu tenho o Meu Tempo bem dividido, e não Me será possível satisfazer o teu desejo. No grande país dos judeus existem muitas cidades, lugarejos e aldeias habitadas onde não sou conhecido; entretanto, são também Meus filhos, já esperam a Che-
gada do Pai Celeste e muito se alegrarão quando O reconhecerem. Não deve teu desejo, Meu amigo, ser inteiramente desconsiderado! Em virtude de vosso grande afeto, ficarei ainda esta noite e três horas do dia de amanhã, porque também Me sinto feliz em vosso meio. Passadas as três horas, não ficarei um minuto a mais, pois como já disse: Tudo neste mundo tem seu tempo e sua ordem!” Obtempera Cirenius: “Como Senhor do Tempo, poderás retê-lo ou sustá-lo!”
Afirmo: “Falaste bem! Apenas convém considerar ser Eu Mesmo, de certo modo, o Tempo, justamente por ser seu Senhor e tendo-o dividido e determinado, sendo ele nada mais que Minha Própria Ordem Imutável, contra a qual não Me é possível agir. Pois se Eu assim fizesse, em breve nada mais verias de todos os seres, cuja existência depende de Minha Ordem.
Susta por um momento a condição da existência de algo, e terás chegado ao término! Imagina um sólido castelo em cima duma rocha, da qual afirmas ainda ser esse burgo construído para a eterni- dade. Se Eu permitisse que a rocha amolecesse qual manteiga, acaso tua afirmação se justificaria? Ao navegares sobre o mar num bom navio, poderiam ele e o melhor vento te serem úteis se Eu fizesse secar a água? Não duvidarás ser-Me isto possível! Por aí vês que a condição estabelece o efeito!
Ordeno ao tempo e sou seu julgamento eterno; na esfera abençoada do amor, porém, não mais existe tempo e poderei fazer concessões em prol do amor. Fica estabelecido o que disse! Agora convém Marcus trazer mais algum vinho para melhor suportarmos a frescura da noite, que passaremos ao ar livre!”
OS FARISEUS SE ESCANDALIZAM COM A ALEGRE REFEIÇÃO DO SENHOR
Nem bem Marcus ouve de longe o Meu Desejo, e já se dirige rápido com seus filhos à adega, onde enche várias ânforas. Os copos são servidos, e todos fazem um brinde ao bom sucesso da Doutrina Nova dos Céus, louvando ao mesmo tempo a boa qualidade do vinho.
Subentende-se que Roklus e seus companheiros, sentados à nossa mesa aumentada, como também os outros hóspedes, são ser- vidos do mesmo vinho e pão.
Na mesa ao lado os cinquenta fariseus, com seu orador Flo- ran e o reitor Stahar de Cesareia Philippi percebem que até mesmo Eu Me sirvo com fartura.
De pronto, Stahar faz a seguinte observação a Floran: “Vê só: como pode este profeta, que se diz pleno do Espírito Divino, ser glutão desta marca! Além disto, não parece inimigo do sexo femini- no; pois aquela garota atraente se agarra a ele de modo escandaloso! Consideremos apenas os princípios morais instituídos por Moysés, e quanta coisa vilipendia o homem! Se for realmente inspirado por Deus, não poderá agir contra as leis mosaicas.
Ensinamentos e ações provam, evidentemente, ter Deus lhe proporcionado maiores faculdades que aos outros, e quem viver dentro de sua doutrina não se perderá; manifestando, porém, tama- nha intemperança, dificilmente ingressará no Paraíso após o Dia do Juízo Final, de que fala David! Que te parece, Floran?”
Diz este: “Tal bebedeira também me parece estranha e isto tudo dá impressão de algo diabólico! Hum — novamente enche o seu copo! Aguardemos o ensinamento quando ele estiver embriagado!”
Diz Stahar: “Tua observação da influência diabólica é bem justificada, e em tal circunstância conviria desistirmos da honra de sermos seus adeptos; pois Daniel se expressa claramente que, em determinada época, surgirá um poderoso adversário de Deus dando provas capazes de tentar os próprios anjos, caso Ele o permitisse! Quiçá é precisamente ele o mencionado inimigo? Neste caso, vamo-
-nos quanto antes, do contrário Satanás nos carrega de vez!” Com tais conjecturas e demonstrações se entretêm os fariseus, desde que tomei o primeiro copo de vinho.
Roklus, plenamente convicto de Minha Divindade, não su- porta tais absurdos, levanta-se, encorajado pelo vinho, e diz: “Numa assembleia tão selecionada onde Deus, anjos e nós, criaturas razoá- veis, nos encontramos quais irmãos, os suínos não deveriam tomar parte! Que palestra doida e atrevida! Quando suínos esfaimados co- meçam a grunhir, manifestam mais sabedoria do que tal baboseira! Em suma, o fariseu é o sujeito mais ignorante, repelente e maldoso e sempre o será, mormente quando é chefe dos escribas.
Tais monstros em tudo supõem o diabo! Ensinam mesmo que os demônios fazem caça constante às almas da Terra, e convi- ria que cada criatura usasse fetiches consagrados pelo Templo, que deveriam ser renovados, no mínimo, duas vezes ao ano; no entanto, não se apercebem serem eles mesmos os ditos demônios!
Tu, Raphael, há pouco fizeste sumir aquela pedra; não te se- ria possível dar sumiço a esses cinquenta suínos?! Considera o que se atrevem a externar: Ele, o Criador do vinho e do pão está pecando, porque dele Se serviu e além disto por ter a Seu lado uma menina inocente! Compreenderás não poder eu permitir isto! Têm de ser afastados! A tantas coisas assistiram, entretanto alegam ser possível tratar-se aqui du’a maquinação infernal! Amigo celeste, não tenho tua origem; mas não permitirei, à custa de minha vida, que esses animais venham enlamear a Face do Santíssimo!”
Só então os fariseus percebem o rompante de Roklus, e o chefe, Stahar, levanta-se e diz, de cenho cerrado: “Roklus, acaso te referes a nós?”
Responde este: “A quem mais?! Precisamente vós sois a corja nefasta de Satanás, razão por que não suportais a Luz! Como vos atreveis a ultrajar o Senhor e Mestre com vossa sanha nojenta, após vos ter dado tantas provas inconfundíveis?! Não temeis que o próprio solo se vingue? Quem poderia dizer à rocha no Mar: Desaparece!, e no mesmo instante isto se dá? Poderia um demônio pregar a máxima humildade e amor a Deus e ao próximo?! Em que estado confuso
não deve se achar vosso cérebro, para não reconhecerdes que um demônio — caso exista em vossa compreensão — é o mais ínfimo e inepto diante de Deus, à proporção que se afasta de Sua Ordem?!
Se, de acordo com as Palavras sábias e verdadeiras do Senhor, toda força e poder apenas residem no amor a Deus — qual seria o poderio de Beelzebub, cheio de ódio contra o Criador?! Se nós, criaturas, estamos cheias de fraquezas em consequência da falta de conhecimento e amor a Ele — quanto mais o são vossos demônios, que embora conhecendo a Deus, odeiam-No sobre tudo?
Amo a Deus, o Senhor, mais que tudo neste mundo, não obstante meu conhecimento fraco, e sinto que meu amor ao Al- tíssimo aumenta pela compreensão, incentivando minha força de ação! Desafio mesmo milhões de fariseus diabólicos, e me alegro ter finalmente travado conhecimento com esta raça!”
RAPHAEL DÁ EXPLICAÇÃO ACERCA DE “SATANÁS” E “DIABO”
Diz Raphael: “Caríssimo amigo Roklus, acalma-te! Esses ho- mens já foram fariseus; agora se tornaram nossos discípulos e reco- nhecerão seu engano! Acerca dos demônios, não tens conhecimento para poderes falar com justiça sobre sua influência nas criaturas.
Vê, ‘Satanás’ e ‘demônio’ representam o mundo, com todo o seu brilho tentador. Se bem que toda matéria de que é forma- do o mundo seja apenas Obra de Deus, ocultando origem divina, contém, ao mesmo tempo, mentira, mistificação e tentação, don- de surgem inveja, avareza, ódio, orgulho, perseguição e toda sorte de vícios.
Precisamente todo este cotejo de mentira e fraude é, espiri- tualmente, ‘Satanás’, e os vícios que produz, aquilo que se chama de ‘demônio’. Cada alma que se fundamenta em um dos inúmeros ví- cios é um demônio em pessoa e a expressão ativa du’a maldade qual- quer, mantendo o instinto, dificilmente apagável, de fazer o mal, de maneira por que se positiva na presente encarnação.
Continuando a viver após a morte e se mantendo nas regi- ões da Terra, não raro acontece dirigir-se a alma às esferas exterio- res das criaturas; procura nelas incentivar uma tendência maldosa, através de qualquer inclinação da pessoa, onde encontra afinidade, porque alimenta a mesma fraqueza, em virtude de uma educação descuidada.
Tais almas muitas vezes se apossam do próprio corpo e afli- gem, deste modo, uma psique ainda fraca; o Senhor isto permite, a fim de corrigir uma falha psíquica. Pois a alma em sofrimento se sente enojada da fraqueza de seu físico, empenhando-se em criar forças contra sua tendência, no que a Graça do Senhor lhe assiste na hora precisa.
Vê, isto é tudo verdadeiro e deveria ser assim compreendido pelo judeu; como não tem tal compreensão, ele entende por ‘Sata- nás’ e ‘demônio’ um poder maldoso espiritualmente personificado, que sente imenso prazer em desviar as criaturas que caminham na Ordem Divina.
Tais almas negativas não alimentam intenções contrárias a Deus; primeiro, por não O conhecerem; segundo, são demasiado ignorantes e tolas para poderem tomar uma decisão. Além de si mes- mas, não cogitam de necessidades e agem por simples egoísmo; apo- deram-se apenas daquilo que satisfaz seu amor-próprio e são, entre si, muito desconfiadas. Não podem cogitar duma força conjunta, e tens razão em afirmar ser nulo seu poder.
Realmente, nada conseguem com pessoas integradas no amor e na vontade de Deus; às vacilantes, cujas inclinações tanto es- pirituais quanto materiais se equilibram, um acréscimo vindo dum demônio de mesmas tendências pesa consideravelmente na balança moral, dificultando à alma dirigir-se novamente ao espírito.
Permanecendo ela na atração material, o acúmulo de elemen- tos afins se faz sentir mais prepotente, diminuindo a influência espiri- tual. Assim se demonstra que os ‘diabos’ dos judeus ou os ‘demônios’ dos gregos, finalmente, conseguem prejudicar uma alma em época de sua emancipação, sem que tivessem tido intenção de fazê-lo!”
Diz Roklus: “Como pode um ser inteligente prejudicar al- guém sem querê-lo?! Um demônio deve ao menos ter bastante cons- ciência para saber o que deseja, e neste caso merece castigo pela inclinação maldosa. Não acho, tampouco, dentro da ordem a per- missão de tais influências ocultas de maus elementos sobre uma alma inofensiva; se, contudo, é permitido, por motivos que desconheço, não cabe culpa à pobre criatura quando for pervertida!
Se os demônios não possuem inteligência e vontade livres, também não podem perturbar a alma, e ainda mesmo o fazendo, não se pode responsabilizá-la, e sim a quem isto permite! Eis minha opinião, que não temo externar!
Possuindo os maus elementos inteligência apurada — o que é de se supor, porquanto observam de pronto a fraqueza da alma — também lhes assiste vontade em prejudicá-la; neste caso, fica ela isen- ta de culpa, que cabe apenas aos demônios e àquele que isto admite!
Dá-me armas e mostra-me o inimigo, que eu saberei evitar seu ataque! Mas desconhecendo-o, será capaz de me causar conside- rável dano, porque pode tentar-me despercebidamente para todos os vícios, e eu ainda devo responder e suportar as consequências penosas — agradecendo por tal vida!
Seria o mesmo que se despir alguém e atirá-lo entre animais ferozes; se for estraçalhado, o que é de se esperar, é ele culpado e, por isto, será condenado pelo juiz, porquanto permitiu que os verdugos o levassem ao relento, onde seu destino se consumou!
Qual o parecer de tua sabedoria celeste?! Amigo, se isto for realidade, e a pobre alma a única responsável da ação dos maus ele- mentos, então não existe um Deus Sábio e Bondoso, senão um des- tino que, como os romanos, se alegra nas caças humanas!
Se tuas palavras são a expressão da Verdade, os fariseus têm razão! Eu mesmo, porém, já ouvi o Senhor por várias vezes e posso afirmar que, desta vez, meu amigo celeste, deste um passo em falso!
Persisto em poder vencer os demônios farisaicos apenas pelo amor que dedico ao Mestre!”
OSDEMÔNIOSESUA INFLUÊNCIA
Diz Raphael, sorrindo com meiguice: “Vê, meu amigo, teu cérebro está sob o efeito do vinho, tornando-te ainda mais crítico que anteriormente! Tens razão em afirmar não poderem os demô- nios — ainda mesmo em grande número — exercer poder sobre uma criatura que se encontre inteiramente no amor a Deus; não tendo força conjunta devido ao seu egoísmo, não cogitam de auxi- liar seu vizinho por medo de poder este desfrutar vantagem, levando o primeiro ao arrependimento inútil.
Quando vão à caça em grupos, nenhum revela seus planos se- cretos, e ao chegarem ao local, muitas vezes começam a se guerrear, pois cada qual é inimigo do outro, que poderia se apossar da presa. Um terceiro aproveita essa oportunidade e se entrega ao roubo; o quarto faz o mesmo, desafiando o terceiro; enquanto o quinto tem livre ação. Aproximando-se um sexto, desencadeia-se nova luta, e o sétimo poderá agir à vontade, até que venha o oitavo. Todos se atiram à luta e nenhum cede terreno ou vítima.
Vês por aí que um demônio não ajuda ao outro, mas através de seu ataque, aumenta a influência sobre a vítima. Dá-se o mesmo ao depositares dois pesos iguais nos pratos duma balança, que assim não apresentam diferença. Basta untares um peso com pequena gota de mel, cujo odor atrairá milhares de abelhas, efetuando a diferença mencionada.
Acaso poderás acusar Deus de imprevidente por ter faculta- do à abelha o olfato e o desejo pelo mel, e a este, aroma e doçura?! Ou porque Ele não só formou Suas criaturas de modo útil, mas também proporcionou-lhes beleza individual?! Ou teria Deus agido sem Sabedoria por ter dado à moça uma forma atraente e graciosa, de modo a ter o maior valor neste mundo aos sentidos do homem,
geralmente rude, que assim abandona pai e mãe para dedicar-se in- teiramente à jovem esposa?!
Se, já no mundo exterior, um ser atrai outro, quanto mais no dos espíritos; e se assim não fosse, como poderia existir o mundo cósmico?! Um átomo atrai outro pela simpatia, e deste modo agem incontáveis elementos, onde finalmente surge um mundo, confor- me foi demonstrado pelo Senhor na noite passada, cujo relato en- contrarás no Grande Livro.
Assim sendo, não será sábio da parte do Senhor quando fa- culta a cada alma a imprescindível liberdade de vontade e conheci- mento e, além disto, a deixa passar pelas consequências necessárias?! Ou talvez considerarias sábio que Deus impedisse alguém que pre- tendesse caminhar para Jerusalém, onde teria de resolver negócios importantes, não permitindo assim que viesse usufruir os efeitos de sua vontade, e o encaminhasse, ao invés, a Damasco?! Ou achas in- congruente o fato de seres atacado por abelhas, vespas e toda sorte de moscas ao te dirigires ao mato untado de mel?!
Se tua psique esparge o odor de qualquer tendência peca- minosa sobre sua irradiação exterior, e as almas desencarnadas, ainda presas à mesma vibração, percebem tal emanação negativa, para lá se atiram e se saciam em tua abundância, sem realmente saberem o que fazem, tal permissão do Criador não é, em absolu- to, condenável, porquanto Ele nada mais respeita tão imperiosa- mente quanto a liberdade incondicional de cada alma. Pois cada qual tem meios de sobra para se livrar dos hóspedes indesejáveis, tão logo o queira!
Se pretendes não ser molestado ao ar livre pelos insetos, basta lavares o mel que se aderiu a ti; e se não quiseres alimentar demô- nios que enfraquecem e perturbam tua alma, aceita como máxima de vida a Ordem de Deus e te garanto que não serás perturbado por qualquer elemento!
Crê-me, se não atraíres os demônios por qualquer fraqueza psíquica, jamais conseguirão persuadir ou tentar-te; caso os tiveres chamado à tua esfera, serás o único culpado se positivarem e en-
durecerem tua alma numa tendência predominante através de sua atração, sem que isto seja seu desejo.”
OLIVREARBÍTRIOEAGRAÇA DIVINA
Diz Raphael: “Afirmo-te que cada criatura se desvia da Ordem Divina de modo próprio, no que geralmente é levada por uma educa- ção errônea, inclinando-se a várias paixões e pecados verdadeiros. Por este meio, abre ela as portas às influências nocivas, podendo perder-se até às bases da vida psíquica, onde permanecerá o tempo que quiser.
Caso pretenda modificar-se, o Senhor não lhe obsta o ca- minho, pois basta um aflito externar o menor desejo, para que seja imediatamente socorrido. Se, porém, está satisfeito e feliz em sua maldade, nunca mencionando vontade para melhorar, não se lhe poderá influir de maneira alguma.
É claro que a ação do Bem lhe é insuflada na zona sensitiva do coração, que se chama consciência, como também recebe, vez por outra, sérias advertências de nossa parte. Uma vez que preste ouvidos, não mais corre perigo de se perder, pois o auxílio invisível do Alto insufla constantemente compreensão e força à alma, para se desvencilhar do grande emaranhado. É suficiente apenas um pouco de boa vontade para progredir, ao menos até que o homem se ca- pacite para uma revelação mais elevada, sendo insuflado por Deus Mesmo, Que o conduz à Verdadeira Luz da Vida.
Se ele, naturalmente, não dá a menor atenção às advertências suaves que lhe transmitimos no coração, em virtude de sua grande cegueira e volúpia dos sentidos, agindo como se fosse senhor do mundo — ninguém é culpado do estado lastimável da alma, senão ela mesma!
Crê-me e presta atenção ao que te digo: Não existem, em todo mundo natural e espiritual, os ditos demônios primitivos, e sim somente os que viveram como criaturas viciadas e incorrigivel- mente maldosas, onde não só tentaram as outras para todos os vícios e perversidades, mas também as obrigaram para tanto através de
meios incisivos a seu alcance — no que preparam sua própria con- denação, donde dificilmente se libertarão! Podes conjecturar à von- tade, sem nunca te ser possível nisto incutir a menor culpa a Deus!
Bem podes imaginar que Ele também permitiu que, no Além, ocorram fatos indispensáveis e dentro de Sua Ordem para se curar uma alma pervertida, pois Ele não as criou para a perdição, mas para a perfeição da vida; no entanto, não existe umano Espa- ço Infinito que possa alcançá-la por mera misericórdia, mas sempre pela própria vontade! O Senhor faculta ao homem os mais variados meios de cura; urge, então, que ele os reconheça, aceite pela vontade e aplique de modo próprio!
Se ele, por acaso, exclamar em sua aflição íntima: Senhor, sou demasiado fraco para salvar-me com os meios por Ti auferidos: dá-me Tua Mão! — então ele mesmo exigiu o socorro do Alto pelo livre arbítrio, o conhecimento próprio e a percepção da insuficiência de sua força! Neste caso, pode o Senhor influir com todo poder e força necessários e socorrer, num momento, a alma fraca.
Deve, porém, tanto a vontade quanto seu conhecimento e confiança serem acompanhados da resolução plena; do contrário, continuará aquelaordem, pela qual cada alma tem de salvar-se a si própria, porquanto toda influência estranha na organização do livre arbítrio teria como consequência a evidente desintegração de sua natureza. Pois se lhe cabe a formação individual dentro da Ordem estabelecida pelo Senhor, preciso é que faça uso dos meios à sua dis- posição para se aperfeiçoar, assim como o homem da Terra necessita procurar, conhecer e ingerir o alimento, caso queira subsistir.
Nem Deus nem um anjo descerá à Terra para transmitir a todos: Saciai-vos disto e daquilo caso sentirdes fome!, mas sim deixa que a criatura prove os frutos que encontre. Sentindo sede, recorrerá à fonte cristalina; e o frio a incomodando, saberá tecer as fibras que lhe proporcionarão os meios para confeccionar sua roupa. À procura de proteção contra os animais, em breve terá construído sua cabana. Para onde se dirigir, sempre achará os mais variados recursos e, com eles, as forças necessárias.”
(Raphael): “Se o Senhor deixa que o homem cuide de suas necessidades externas, a fim de exercitar a alma no conhecimento e na atividade própria, quanto mais se torna isto necessário para ela mesma!
Nas próprias almas animais é implantado um instinto, pelo qual agem de acordo com sua espécie. Seria absurdo supor-se que esses seres, aparentemente sem fala e razão, executassem suas ações qual máquinas movidas por força exterior. Se assim fosse, nem um animal caseiro poderia ser adestrado, tampouco obedeceria à cha- mada do homem.
Pelo motivo de possuir todo irracional psique própria, dona duma força em si enfeixada, donde a alma movimenta seu corpo dentro do livre arbítrio, pode-se ensinar o animal. Um ser apenas vi- vificado pelo exterior não tem memória nem qualquer critério. Toda sua vida é mecânica, e sua aspiração tão medida e classificada, de sorte a não se cogitar dum aperfeiçoamento através de qualquer en- sino; em tal caso, deve este também ser apenas externo e mecânico.
Durante anos poderás dizer a uma árvore dever ela mudar de direção e de frutos — que isto nada adiantará! Terás de movimentar faca e serrote, tirar-lhe os brotos, fazer uma cuidadosa incisão no tronco, onde depositarás galho fresco, fazendo um enxerto mecâni- co que produzirá, com o tempo, frutos mais nobres.
Um animal poderás ensinar por palavras e certos manejos, tornando-o útil pela obediência; isto dá a prova inconfundível de possuírem os irracionais uma espécie de livre arbítrio, pelo qual te obedecem e servem.
Se os irracionais já possuem alma enfeixada, dotada de algum conhecimento e livre arbítrio, que tem de se determinar dentro de sua espécie, quanto mais a psique humana! E não se pode cogitar de influências estranhas vindas do exterior, boas ou não.
A alma já possui tudo que necessita ao seu primeiro lance na vida. Tão logo se tenha projetado numa luz mais intensa de vida,
pela própria força de vontade e o amor espontâneo a Deus, em breve sentirá o que lhe falta; tudo fará para alcançar, pelas próprias forças, aquilo de que carece, reconhecendo os caminhos e meios, exigindo-
-os para si, e deles se apoderará para enriquecer-se com os tesouros da vida mais elevada, espiritual e perfeita.
Aquilo que ela conquista por este caminho justo, pela Or- dem de Deus, é e será sempre sua posse, não havendo eternidade que a consiga tirar. O que ela, porém, jamais alcançou pessoalmente, pela vontade e pelo conhecimento, como, por exemplo, o corpo físico e, por ele, umas tantas vantagens externas, não perdurará, mas ser-lhe-á tirado conforme o recebeu.
Se isto tudo é tal qual nos ensina a experiência diária, não se pode cogitar de atos violentos provindos de maus espíritos, que de- terminem a ação da alma; tudo depende de sua vontade e conheci- mento, e finalmente de sua inclinação. Terás aquilo que reconheces, desejas e amas!
Se desejares e amares o justo pela Ordem de Deus, chegarás a realidades neste caminho; ao agires de modo contrário, asseme- lhar-te-ás a um homem que pretenda colher num campo onde nun- ca foi lançada uma semente, e serás culpado se, no final, tua colheita da vida for nula! Dize-me se agora estás orientado!”
FLORAN REPREENDE AOS FARISEUS SUA CRÍTICA CONDENÁVEL AO SENHOR
Diz Roklus: “Por certo, pois me demonstraste tudo de modo tão simples; acontece, porém, eu me aborrecer ainda mais com os fa- riseus, que aumentam sua animosidade à medida que nosso Senhor Se serve de vinho e quanto mais expansivo palestra com Cirenius e Cornélio! Tantas provas tiveram de Sua Pessoa, comem à Sua mesa
— entretanto, O criticam quais víboras! Que dizes?”
Responde Raphael: “Deixa estar; podes crer-me que o Senhor o percebe e, no momento preciso, os admoestará; uma reprimenda Sua torna-se bem amarga, mormente a pessoa merecendo-a desta
forma. Também Cirenius e Cornélio, Julius e Fausto o notaram, assim como eu; no entanto, a Vontade do Senhor recomendou-me, secretamente, paciência; por isto, faço como se não visse sua atitude! Dentro em pouco serão abordados; tem, pois, calma!” Roklus se cala e espera pelos fatos; os fariseus, porém, prosseguem nas conjecturas.
Floran, o orador, não concorda com o torpe parecer do che- fe Stahar e diz: “O apetite e a sede do Mestre não contestam Sua Divindade! Sua Atitude parece-me, antes, uma prova para nossa fé!
Como Messias, Jehovah, Zebaoth — conforme é louvado por David, de modo tão maravilhoso — pode fazer o que quiser, que tudo estará bem; como poderíamos nós, fracos mortais, impor diretrizes Àquele Que criou Céus e mundos, se nossa vida Dele de- pende?! Que temos a ver com Seu Apetite e Sede mais pronuncia- dos? Tua observação, Stahar, é a meu ver torpe e até mesmo perigosa! É Ele Criador do pão e vinho! Isto em absoluto me altera; pelo con- trário, alegro-me de Sua Atitude Magnânima entre nós.
Falando com sinceridade, acho imprudente nos apresentar- mos diante dos dignitários mundanos como se sua salvação depen- desse de nossa simpatia. Que somos? Nada mais que vermes raste- jantes perante Aquele Que ordena aos elementos!
O vinho esquentou-vos a cabeça e turvou vossa razão, moti- vo por que produzis opiniões imensamente tolas! Acaso pretendeis provar que, de acordo com Moysés, exista a proibição de tomar-se vinho? Podeis afirmar ter pecado Noé porque tomou o dito em de- masia?! A atitude do filho foi condenável e mereceu a maldição por ter exposto o pai à vergonha; o outro, que procurou cobri-lo, rece- beu sua bênção!
Por isto afirmo: Tudo que faz o Senhor é e será sempre justo! Mesmo Ele tomando cem odres de vinho, isto não nos diz respeito; tampouco se fosse rodeado por mil moças, de quaisquer origem e fama! Ele as criou como também a nós! Por que nos alteramos, caso Ele Se aproxime de Suas Obras variadas e cure suas falhas e enfermi- dades?! Pelo amor de Jehovah — sede modestos e gratos em vossas opiniões!”
Indaga Stahar: “Pelo que vejo, crês em Sua Divindade?”
Diz Floran: “Por que não? Acaso Deus teria feito maiores milagres na época de Moysés? Se um homem, dotado de máxima sa- bedoria, realiza feitos somente possíveis à Onipotência Divina — o que poderia impedir-me de considerá-lo pleno do Espírito Divino, portanto Deus Mesmo?! Minha fé, baseada nesta convicção, está mais sólida que as pirâmides do Egito!
Nesse ponto, nem tu me poderás alterar, pois sei o que vejo e creio, e não sou qual vara ao vento. Tornei-me uma rocha de már- more no mar, onde os tufões poderão espatifar-se!”
Diz Stahar: “E os julgamentos do Templo em Jerusalém?”
Responde Floran: “Quem tiver como escudo o Senhor e Mestre e os dignitários de Roma não precisa temer os tais julga- mentos de Deus, jamais impostos por Ele. Realmente, não sinto o menor temor das ameaças de Jerusalém, inclusive as maldições do sumo sacerdote! Pois quem caminha em plena luz do dia não precisa temer os horrores da noite!
Comparando-se esta Doutrina claríssima com as leis do Tem- plo, vê-se, num momento, existir nesse Ensinamento do Espírito o Dia radioso, e no Templo de Deus noite trevosa. Os que a ela pertencerem muita coisa terão de temer, principalmente a morte de sua alma; eu apenas aguardo a morte física, que de certo modo não é morte!
A Vida eterna de minha alma ninguém me poderá roubar, pois vejo-a e sinto-a vivamente dentro de mim, com privilégios incalculáveis. Se, portanto, não tenho o menor receio da morte, como poderia senti-lo dos ditos julgamentos do Templo?! Por isto, repito: Quem caminha de dia não precisa recear os horrores da noite!”
Diz Stahar, com severidade templária: “Como podes classificar de noite o local onde se ensinam as Escrituras e a Palavra de Deus?!”
Responde Floran: “As Escrituras que nós ambos, como es- cribas, entendemos tão pouco como quem nunca as viu, e o dito ‘Verbo de Deus’, compilado de interesses materiais — conheço-os bem! Portanto, não me fales nisso! Que mais poderíamos apresentar, de plena consciência, senão as sacolas e caixas cheias de oferendas espontâneas, taxadas e extorquidas por violência, procurando por todos os meios abafar o menor vislumbre dum conhecimento mais adiantado?!
Não é uma vergonha que brada aos Céus que nós, o antigo povo de Deus, recebamos leis e normas governamentais por parte de pagãos?! Se isto não fizessem, para introduzir uma jurisprudência mais humana entre nosso povo, ele se acharia em tal desordem a não poder ser comparado com a dos irracionais!
Qual era o nosso direito antes da vigência romana? Nada mais que despotismo, por parte de quem se havia outorgado qual- quer direito! Se alguém ontem tivesse feito uma proposta, hoje se arrependeria, porquanto se veria logrado no lucro. Aborrecido por isto, recriminaria primeiro seu conselheiro e, em seguida, todos que haviam respeitado a lei anterior. Deveriam ter procurado o legisla- dor e lhe chamado a atenção, por ter sido a mesma a favor deles, e não em seu próprio benefício! Quem, no entanto, tivesse declarado ao poderoso não ser possível cumprir-se tal lei, e caso entrasse em vigor, traria a desgraça para ele e seus súditos, porquanto sua elabo- ração provinha dum conselheiro traidor e astucioso, e certamente comprado por oponente do soberano, tal homem era punido por atrevimento tão desmedido! O conselheiro fatídico também era cas- tigado e aqueles que haviam seguido a lei, chamados à responsabili- dade; e isto, às vezes antes de ter sido decretada nova lei! Que tal este sistema de Governo?
Anteriormente à Lei romana, tinha a Judeia uma quantida- de desses soberanos, cada qual tirano verdadeiro de seus pequenos povos, que viviam na maior miséria física e moral, pois eram dia- riamente açulados, sem que alguém os protegesse. Não foram os romanos verdadeiros mensageiros celestes, quando enxotaram esses
pequenos tiranos?! Elaboraram, em seguida, leis razoáveis, dando di- reito de posse individual a cada um; tinha-se de pagar impostos mo- derados, e podia-se negociar à vontade, dentro das leis estabelecidas.
Sabemos não ser o Templo amigo dos romanos e também conhecemos o motivo; também dele exigiam o tributo, enquanto antigamente os pequenos déspotas o pagavam ao Sinédrio, a fim de que os sacerdotes mantivessem o povo na ignorância, pregando-lhe obediência cega.
Quando se teria pregado subserviência dos judeus ao poder romano?! Dizia-se ao povo ser Roma um açoite na Mão de Deus e conviria submeter-se; mas as centenas de tiranos que martirizavam a multidão de modo mais inclemente que os demônios não eram açoites, e sim anjos de provação enviados por Deus! Quem se lhes opusesse seria declarado inimigo de Jehovah e condenado!
Foi aquela época muito feliz para o Templo, e queira Deus nos preservar de sua volta! O julgamento templário é ainda um páli- do reflexo daquela era, mas que eu — Graças ao Senhor — de modo algum receio! Sou discípulo Dele e súdito de Roma, e isto basta para não tremer diante das ameaças do Sinédrio! Estás satisfeito com esta explicação?!”
ROKLUSEFLORANPALESTRAMARESPEITODE STAHAR
Stahar continua de cara fechada, sem algo responder; pois as palavras de Floran conseguiram, de leve, modificar sua têmpera. Roklus, assistindo à controvérsia com a máxima atenção, dirige-se a Floran, bate-lhe no ombro e diz: “Meus parabéns! És o homem que preciso, e levar-te-ei ao nosso Instituto de agora em diante, sob proteção de Deus e de Roma. Foste insuflado pelo Alto, e tuas pala- vras me fizeram grande bem! Somente não compreendo que Stahar, em absoluto ignorante, possa alimentar dúvidas acerca do Senhor, depois de tantas provas e ensinamentos!
Para mim, que aqui me encontro há poucas horas, já se torna demasiado o que assisti — e ele ainda é capaz de acusar o Senhor
de maquinações diabólicas! Também tomei do vinho e percebo ter aumentado minha coragem; minhas convicções íntimas, porém, não vacilariam mesmo se meus pés ficassem trôpegos. Com o velho Stahar poderia se empregar o ditado: Invinoveritas1, pois o vinho tem a particularidade de soltar ao homem a língua contra si mesmo e, nessas ocasiões, chega-se a saber o que, por motivos egoísticos e prudentes, a pessoa teria levado à sepultura.
Anteriormente, ele se viu perdido com seus princípios fari- saicos e entregou a partida; mas, no íntimo, continuou o velho e teimoso escriba. Agora cometeu a imprudência de exceder-se com o vinho, que o fez sair de sua toca, denunciando sua verdadeira índole; tão logo passe o efeito alcoólico, arrepender-se-á.
Com razão se dizia que as bacantes, quando sob o efeito do vinho, não raro profetizavam. Assim também David escreveu e can- tou muitos salmos, após ter tomado vinho. Sendo este seu efeito, é de se supor que o velho reitor dos fariseus se tenha manifestado na índole anterior, não obstante sua pretensa conversão, tornando-se perigoso para os incautos!”
Diz Floran: “De certo modo tens razão; existe, porém, um ponto a ser considerado. Se quiseres endireitar uma árvore nova, em breve obterás resultado; com um tronco velho serás obrigado a em- pregar toda sorte de ferramentas, e além disto necessitarás de muita paciência, porquanto só poderás exercer, dia a dia, uma pressão di- minuta, até que se tenha submetido. Caso quisesses fazê-lo de uma só vez, o tronco se partiria, sem obteres o êxito desejado. Parece-me ser esta a intenção do Senhor, pelo amor e sabedoria que aplica no caso atual.
Stahar foi levado a uma posição de revolta em virtude de seu zelo judaico! Quanta coisa não é considerada pecado através de sua superstição, quando pelo raciocínio claro não o é diante de Deus e dos homens! De acordo com sua moral, é pecado um pequeno abuso de vinho e a palestra com uma jovem, que a seu ver ainda
1. No vinho está a verdade.
é um tanto infantil! Isto tudo, no entanto, não merece perdermos tempo! Amanhã, após uma noite bem dormida, será outro — pois se assim não fosse, o Senhor já o teria abordado. Uma vez Ele e os nobres de Roma ignorando o caso, nada nos compete dizer. Quanto ao teu convite à tua Organização Essênia, agradeço com sinceridade e te prometo fazer uso dele. Pois não pode haver coisa mais sublime para um homem honesto do que agir e viver dentro duma Sociedade cujo lema é: Verdade e Amor; onde o valor da criatura é plenamen- te reconhecido como filho de Deus, e todos os membros amam o Senhor sobre todas as coisas, expressando em uníssono: O Senhor é tudo em tudo, e nós somos irmãos, entre os quais nenhum tem a pretensão de ser mais importante do que o outro; e se for preciso haver diferenciação, deve consistir somente no amor mais intenso que cada um procura aplicar, tratando de ser útil com todas as suas forças! — Amigo Roklus, eis a profissão verdadeiramente celeste na Terra: socorrer a todos os aflitos e necessitados, tanto física quanto espiritualmente! Nisto se baseia a Vontade expressa do Senhor e que todos devem seguir! Concordas?!”
ROKLUSELUCIDAO FARISAÍSMO
Diz Roklus: “Mencionaste o que até hoje foi minha vida: sentir, pensar e agir — quanto mais agora, reconhecendo o Senhor e Sua índole Divina! Também estou inclinado a formar um critério mais condescendente acerca de Stahar, pois quem caminha na luz pode facilmente falar da noite. Se bem que existam sombras durante o dia, não podem ser igualadas às trevas. O mesmo se dá com o espírito: quando na criatura se faz a luz em coração e alma, pode ela aborrecer-se da ignorância do próximo, e tais pensamentos de revolta ainda são luminosos em comparação às ideias mais lúcidas dum verdadeiro fariseu.
Os gregos chegaram até a criar o seguinte ditado: Tal homem é mais tolo que um fariseu! — Não pretendo generalizar essa opi- nião; no entanto, aplica-se à maioria. O pior de tudo é sua maldade e
o espírito vingativo, o que provam as inúmeras experiências doloro- sas e irrefutáveis. Eis o motivo por que sou inimigo declarado dessas pessoas, pois em seu convívio não pode haver união e intercâmbio!
Os samaritanos e saduceus são tratáveis, embora também cumpram as Leis de Moysés! Dos fariseus só se pode esperar con- sideração quando a pessoa se deixa dominar por eles. Dá-lhes tudo que possuis a ponto de te tornares mendigo, que serás um verdadei- ro filho de Deus, enaltecido por aquela casta! Ai de quem manifestar alguma inteligência; será olhado com suspeita e jamais conseguirá vencer na vida em virtude da inveja farisaica; a não ser que fizesse oferenda vultosa, deixando empregar seu intelecto a serviços des- classificados, em benefício do Sinédrio! Isto tudo é claro a quem procura orientação acerca dos arquijudeus, intitulados de ‘fariseus’; tive pessoalmente prova disto através duma palestra que ouvi entre dois, bem nutridos. Disse, pois, o primeiro de voz rouca: ‘Amigo, a fábula tola de Moysés, que nunca existiu, é realmente estupenda; não contém verdade; Jehovah é apenas uma ideia fantástica; e tudo que se encontra na Escritura é obra dos homens, e estes, criação da Natureza, que gera e destrói constantemente.
Deus e deuses são somente aqueles com bastante energia para elevarem-se para tal. O início é difícil; uma vez bem estudado e apli- cado durante anos, torna-se mera brincadeira e, com alguns milagres aparentes, se convence o mundo inteiro. Convém construir-se tem- plos suntuosos, enfeitando-os por fora e internamente com tolices místicas, mostrando, à Humanidade ignorante, um Deus Onipo- tente que habita alhures e cujos servos e executores de sua vontade só podem ser os sacerdotes!
A fim de aumentar seu prestígio, deve-se impor ao povo leis dificilmente observadas e sancionadas por castigos inclementes! Deste modo se consegue obediência, medo e fraqueza entre a multi- dão e torna-se fácil aparentar atitudes divinas.
Preciso é dirigir-se toda a atenção de modo a impedir quais- quer esclarecimentos, pois basta que o homem saiba se expressar; um passo além — e surgirão investigadores querendo saber de tudo!
Sacerdotes e pessoas esclarecidas não combinam! O povo nem deve supor nosso profundo saber; pois se isto acontecer, nossa existên- cia correrá perigo! Eis por que urge, nesta época em que aparecem toda sorte de doutrinadores, fazer com que sejam impedidos! Muito embora uma andorinha só não faça verão, prova ela que em breve haverá muitas. Aliás, poderão aparecer à vontade, que só se tornarão perigosas aos pardais; enquanto os doutrinadores o são para nós; por isso devem ser liquidados quanto antes!’
Eis o discurso louvável do fariseu, recebendo aplausos do co- lega. Todavia afirmou: ‘Teu projeto será dificilmente executado, em virtude dos romanos espertos, que muito influenciaram nossos con- terrâneos. Além disto, ainda estamos sendo vigiados pelos essênios, protegidos por Roma! Caso não soubermos nos insinuar no povo, por meio de fraudes astuciosas, nosso prestígio ter-se-á evadido!
Convém nos munirmos de efeitos milagrosos que consigam até mesmo convencer um homem esclarecido, porém devem ser se- lecionados e inéditos, do contrário os malditos magos nos denun- ciam e ridicularizam — mormente agora que surgiu um taumaturgo na Galileia, fazendo tudo para nos destronar! Tanto ele quanto o batizador no Jordão devem ser aniquilados! Que te parece?’
Respondeu o outro: ‘Estaria de acordo, caso os chefes do Templo, excessivamente avarentos, quisessem soltar parte de suas riquezas fabulosas! Sua situação, porém, é de tal forma amparada que será difícil se convencer as criaturas a nosso favor. Fácil seria se os romanos estivessem de nosso lado; assim, só podemos contar com Herodes. Com Pilatus não se pode falar, em virtude de seu orgulho romano, que não deixa chegar à sua presença o mais digno judeu, a não ser em questões jurídicas — onde sempre perdemos a causa!’
Essa palestra ainda foi longe e me positivou no ateísmo, pois vi que aqueles que eu julgava com fé somente visavam o poderio da casta.”
(Roklus): “Só aqui cheguei a conhecer um Deus Verdadeiro num Homem perfeito e sábio, que unicamente merece tal privilégio; pois Nele se unem todas as faculdades inerentes a Deus. Reconheço isto como pagão e antigo ateísta — e esse velho e rigoroso servo do Templo não o faz! Por quê? Precisamente em virtude de jamais ter procurado a Verdade e o Ser Supremo!
Viajei por quase toda a Terra à procura de Deus, sem que meus sacrifícios fossem coroados de êxito. Desisti então e atirei-me à filosofia, onde encontrei satisfação e um conhecimento valioso nos princípios de Sócrates, Platon e Aristóteles; cheguei à conclusão de que o homem só consegue criar vida transcendental pelo amor e pela sabedoria espiritual dificilmente destrutíveis, ao contrário do que ocorre à vida física.
Pela Boca do Senhor de toda Vida ouvi a confirmação desse ensinamento, ora iluminado pela Luz Celeste! Ele Mesmo veio ao nosso encontro, dando-me, na minha pátria, o que procurei pelo mundo afora!
Se isto se deu comigo — o que impede Stahar, sendo escriba e entendido de tudo? Porque nunca procurou a verdade para seu benefício, e muito menos para outrem, conforme age a maioria dos fariseus. Dominado por tendências egoísticas, foi sempre inimigo de qualquer ensinamento esclarecedor para o povo, e aqui chegou, encontrando um verdadeiro oceano de sabedoria mais profunda. Externamente ele tudo aceitou; o vinho, porém, despertou sua ver- dadeira índole, demonstrando ser ele ainda fariseu enraizado! Claro é ser mais difícil endireitar-se um tronco velho; com este, todo cui- dado e zelo serão infrutíferos! Além disto, convém ele não se exceder com as bebidas, que denunciarão sua verdadeira índole!”
Aborrecido, Stahar se levanta e diz a Roklus: “Em seu todo, teu parecer acerca do farisaísmo não é errado; quanto à minha pessoa — enganas-te! Também procurei a Verdade sobre a vida e, como tu, aqui a encontrei e talvez ninguém se alegrasse tão profundamente quanto eu! Tornou-se para mim uma joia que não trocarei pelo mundo inteiro!
Senti-me imensamente feliz; apresentou-se, porém, pequena dúvida quando vi o Senhor servir-se do vinho. Floran soube afastar essa nuvem fazendo-me grande caridade, que jamais esquecerei! Tu, Roklus, criticaste-me sem piedade e, além disto, injustamente!
A fim de que vejas não ser eu fariseu enraizado, conforme pensas, perdoo-te o erro e te peço aceitares a mim e ao Floran em vosso Instituto! Aproveito a oportunidade para dizer que, por várias vezes, tomei no Templo a defesa de vossa Seita, que por isto muito me deve. Pois se todos os recursos tivessem sido empregados, não mais existiria; meus argumentos incisivos conseguiram finalmente permitir-se sua função. Fiz ver ao Sinédrio ser o Instituto Essênio mais favorável que prejudicial ao mesmo, porque muitos, que já haviam perdido a crença em Jehovah, voltavam os olhos para Jeru- salém, sabendo pelas Escrituras os fatos extraordinários, ocorridos dentro e fora do Templo.
Do mesmo modo o adverti de criticar vossos milagres, pois isto lançaria suspeita sobre os do Sinédrio. Tudo isto foi aceito e não po- derás afirmar o contrário! Se, como arquijudeu, me porto deste modo, minha atitude como vosso membro também não será contra vós, mor- mente após termos todos encontrado a maior Verdade da Vida e Um Só Senhor! Dize-me se minha proposta te agrada — e serei um dos vossos, em Nome do Senhor, com todos os meus tesouros vultosos!”
Roklus se levanta comovido, estende a mão a Stahar e diz: “Sê bem-vindo, irmão! Dirigirás o Instituto a meu lado!”
Diz aquele: “Farei tudo de acordo com minhas forças; mas, como vês, já passei a casa dos setenta; sinto-me ainda forte, mas
somente em dias de sol. Por isso, não deves esperar muito auxílio de minha parte.
Quanto às minhas experiências e bens materiais, serão teus e de grande proveito; pois contas apenas cinquenta e és ainda jovem perto de mim!
No princípio também fui esforçado na procura da Verdade; muito viajei e confesso não ter sido baldado meu zelo, pois tive mo- mentos de grande iluminação. Mas deu-se comigo o que acontece a todos: hoje a pessoa se extasia diante dum conhecimento profundo, e amanhã apresentam-se as preocupações terrenas, obscurecendo a alma e já não adianta qualquer meditação. O mundo irrompe sem consideração sobre nosso campo emotivo e destrói frequentemente uma luz espiritual. E se a pessoa se analisa após tais tempestades ex- ternas, depara no coração um quadro idêntico ao grande deserto do Sahara: toda e qualquer aspiração mais elevada está como que mor- ta, e caso se queira reiniciá-la, tem-se a impressão duma tentativa de lavoura numa estepe. Não sendo propriamente impossível transfor- mar-se um solo arenoso num campo fértil, requer isso um imenso trabalho e paciência! Primeiro, seria preciso cavar poços profundos e cobrir a areia com terra estrumada; segundo, fazer canalizações para todos os lados, a fim de irrigar o terreno. Mas quem teria tempo, vontade e meios para tarefa desta ordem?!
O mesmo acontece com a pessoa cujo coração tornou-se qual deserto em virtude das tempestades passionais e mundanas por que passou! Não é de todo impossível alcançar-se a luz do espírito; onde, porém, estariam as energias, a paciência e os meios, mormente es- tando só?! Atualmente tal não seria milagre em consideração à Oni- potência do Senhor, capaz de transformar água em vinho, e pedras em pão saboroso!
Durante cinquenta anos me esforcei na espiritualização e nada consegui; desisti, então, e nada mais fiz nesse sentido; foi quan- do o Senhor me deu além daquilo que procurei. Transformou-se deste modo minha vida, anteriormente estéril, num éden exuberan-
te, fato que ocorreu com meus quarenta e nove companheiros, sem que algo fizéssemos para tanto.
Muitas vezes observei que as pessoas não encontram aquilo que mais procuram. Quando se perde algo no caminho, volta-se pelo mesmo, na esperança de encontrar o objeto; geralmente, acha-
-se muita coisa, menos aquilo que se queria. Um outro, passando pelo mesmo trajeto, depara com a determinada coisa. Por que se dá isto? Nesse ponto os pagãos têm motivo ao se referirem à maldade do destino!”
OSCAMINHOSINSONDÁVEISDA PROVIDÊNCIA
(Stahar): “Assim, um jovem procura uma noiva. Trava rela- ções com muitas moças e também lhes propõe casamento, mas só recebe respostas negativas! Tomando a resolução de desistir de seu projeto e cuidar ele mesmo de suas roupas e comida, as candidatas se apresentam às dúzias!
Um outro vai à pesca para ganhar o suficiente para o seu sustento, e perde uma noite inteira, sem resultado. Aborrecido, de manhã, ele joga pela última vez sua rede, certo do insucesso — e pesca tantos peixes de boa qualidade, que quase arrebentam a rede!
Do mesmo modo as criaturas se consomem durante séculos sob o jugo da superstição! Milhões procuravam a Religião verdadei- ra — e que encontravam? Nada! O que restava fazer a mim, a ti e a milhares de outros?! Nada mais do que permanecermos com aquilo que tínhamos angariado! Agora, no fim da vida, quando nada mais procurávamos, abriu-se, como por encanto, a porta à antiga Luz de Deus, podendo nos fortificar com Suas Irradiações! Por que não se deu isto mais cedo? Somente o Senhor o sabe!
Lá, àquela mesa, se acham Seus apóstolos! Conheço-os a to- dos: são pescadores, honestos e bons, sem contudo possuírem cul- tura, e alguns mal sabem ler e escrever! Dentre eles, certamente, nenhum foi à procura da Verdade profunda, como nós! Entretanto, receberam antes de nós a Luz Completa! Crê-me: nossos nomes de-
saparecerão qual estrela cadente, enquanto os seus iluminarão até o final dos tempos. Quem levará vantagem: aquele que apenas viveu honestamente, ou o outro, que dedicou toda a sua vida à pesquisa das verdades profundas?!
5. A organização do Senhor será sempre um enigma para o ho- mem, que só pode aceitá-la com paciência, pois nada pode fazer. Acaso algo fizemos, por ter atualmente recebido ensinamento de tão grande vulto? À medida que procurávamos a Verdade, ela se afasta- va, até que vivíamos sem concepção de Deus. Tu eras um essênio, e eu um mago perfeito; todavia, continuava fariseu enraizado, efetu- ando verdadeiros milagres, de beatitude aparente. Assim passamos muitos anos.
Muitas vezes fizemos o trajeto para a cabana de Marcus; nun- ca nos ocorreu que haveríamos de encontrar aqui a Luz do Céu, conhecendo, Pessoalmente, o Verdadeiro Deus — de cuja Existência não alcançáramos a menor noção, não obstante todo esforço — e isto, duma forma a não deixar dúvidas. Assim se dão as coisas vindas do Alto. Tão logo se desista do objetivo, depara-se com coisas mil vezes mais sublimes!
Fizeste, anteriormente, alusões quando externei dúvidas acerca da Divindade do Senhor; no íntimo, me alegrei de teu rigor, e caso minha opinião fosse positiva, teria base para responder-te à altura. Admirei-me não teres percebido a impassividade do Senhor, e que tampouco assimilaste a fundo as palavras de Raphael. Por isso, repito, terem grande valor minhas variadas experiências.
Escolhe vinte de teus amigos sinceros, e podes estar certo de haver entre eles um traidor, que demonstrará, na primeira oportu- nidade, sua verdadeira natureza. Encabeço um grupo de quarenta e nove homens; poderás supor não haver um falso?! Por isto, levan- tei-me para aqui falar mais abertamente contigo. Podes contar com Floran; dos outros é preciso te certificares de sua índole, antes de iniciar sua doutrinação!
Tu e eu fomos ateístas; entre eles alguns nem têm inteligência para tanto, pois creem nas fraudes templárias e são, portanto, fanáti-
cos, ignorantes e supersticiosos! Convém usar sempre de prudência em seu convívio! Mas, pelo que vejo, minha aparente reação contra o Senhor teve bom efeito; pois a maioria está com Floran, o resto, comigo. Julga tu mesmo, amigo Roklus, se agi com justiça e se me- reço tua amizade, como Floran!”
A LIMITADA PENETRAÇÃO DOS ANJOS NOS PENSAMENTOS DE DEUS
Diz Roklus: “Prezado Stahar, não precisavas proferir tantas palavras, pois estou convicto que ambos, ao servirmos à mesma fi- nalidade, teremos os mais abençoados efeitos. Voltemos, pois, aos nossos lugares. O vento está serenando e o Firmamento continua limpo com suas inúmeras estrelas. Se não me engano, o Senhor Se prepara para falar — convém, portanto, sermos atentos!”
Diz Stahar: “Tens razão; e Cirenius parece indagar-Lhe a res- peito, mas Ele não dá impressão de querer responder. É preciso que o Prefeito se lembre ser Deus algo mais que o Imperador de Roma!”
Diz Roklus: “Ainda não te conformas com os romanos; de certo modo, estou contigo, porque gostam de se fazer senhores do mundo!” Ambos voltam aos seus lugares, onde alguns indagam do chefe dos escribas qual havia sido a discussão com o grego. Stahar, porém, condena sua curiosidade e nada diz. Enquanto isto, Raphael pergunta a Roklus se está satisfeito com seu antigo adversário.
Responde ele: “Plenamente, pois vi concordar ele que não há sacerdote — seja qual for sua crença — que acredite naquilo que professa! Agora, basta deste assunto! Não sabes, amigo celeste, qual o propósito do Senhor?”
Diz Raphael: “Ora, verás na hora o que surgirá; nem sempre Ele revela Suas Intenções, muito embora sejamos a expressão personi- ficada de Sua Vontade. Como emanação de Sua Vida, Vontade e Índo- le Divinas, Lhe somos mais próximos, e na realidade, nada mais somos que a expressão ativa de Sua Vontade e Onipotência, assim como a luz projetada pelo Sol, que tudo vivifica, forma, cria e faz amadurecer.
Ao colocares um espelho em direção do Sol, ele é perfeita- mente refletido, e a luz que se projeta sobre ti aquecer-te-á tanto quanto o raio direto, e se o captares por um espelho côncavo, o raio refletido manifestará uma potência de luz e calor ainda maiores. Es- piritualmente falando, os arcanjos são tais espelhos côncavos, e cada criatura espiritualizada, sê-lo-á num grau mais elevado!
Como, porém, nenhum espelho, mesmo côncavo, consegue assimilar aquilo que se acha em todo o Sol — também não pos- so perceber o que o Senhor pensa e resolve. Em época oportuna, Sua Vontade Se projetará, e eu e todos os arcanjos a assimilaremos prontamente para levá-la ao Infinito; por esta razão, também somos classificados de ‘arquimensageiros’, porquanto distribuímos e execu- tamos a Vontade Divina. Acontece que, neste momento, o Senhor está tomando uma resolução; não sei do que se trata, porque Ele ainda a retém e não a projetou!
Existe muita coisa que desconhecemos e jamais saberemos; somente quando Ele o quiser, integrar-nos-emos para agirmos. Ali- ás, podes prestar atenção ao que vier!” Assim orientado, Roklus se cala; admira-se ter o anjo conhecimento do espelho côncavo que ele havia visto no Egito, onde comprara um para o Instituto Essênio.
OSENHORPREDIZAEMIGRAÇÃODOS POVOS
Perto de meia-noite, com o céu estrelado, dá-se uma grande calmaria. A atenção de todos converge para Mim, aguardando algo de Minha parte; deixo-os, porém, em tal expectativa, benéfica para suas almas. Decorrida meia hora, levanto-Me rápido e digo com voz alta: “Meus filhos, amigos e irmãos! Vejo vossa grande atenção acerca de Minha Atitude; realmente vos digo que nada mais tenho a fazer e falar entre vós, porquanto abarquei, no período de sete dias, tudo que necessitais para a futura aceitação do Meu Reino dentro de vossos corações. Vossa ânsia enorme, porém, Me obriga a prosseguir nas explicações, muito embora também esteja cansado. Mas o que o amor não faria ao amor?! Ouvi-Me, pois, com atenção!
Pela manhã, nos separaremos por muito tempo, e será difícil Eu aqui voltar durante um ano; tendo, no entanto, obtido tão gran- de vitória nesta zona, motivo por que erigi um monumento, pelas termas e novo cais, que será difícil destruir completamente — a não ser numa época em que desaparecerá a fé em Mim e, com ela, o amor — ainda algo farei. Tão logo a fé e o amor deixarem de existir entre as criaturas, as hordas de bárbaros invadirão este país e destrui- rão todos os monumentos da grande época que, desde Moysés até a Minha Vinda, foram erigidos nessas terras.
Bem poderia ser evitado; no entanto, não o será. As termas não atingirão quinhentos anos, e o cais resistirá quando Jerusalém for arrasada. Com aquela cidade se fará o início da destruição; os homens, porém, não prestarão ouvidos a essa advertência, caindo na astúcia, profanismo, maldade, orgulho, mentira, egoísmo, do- mínio, impudicícia e adultério. Então será instigado um povo do Extremo Oriente, que invadirá essas terras qual imensa nuvem de gafanhotos, destruindo homens, animais, cidades, aldeias, lugarejos e habitações, subjugando os povos da Ásia, África e Europa, até que um julgamento grande e comum atinja todos os ímpios!
Todos, porém, que continuarem fiéis a Mim na fé e no amor ficarão ilesos do julgamento, pois Eu Mesmo tomarei da espada e a dianteira no campo de batalha! À Minha Espada todo inimigo terá que debandar, pois o seu nome será ‘Emanuel’ (Deus, o Senhor, conosco); sua agudez será a Verdade, e seu grande peso, o Amor de Deus, Pai de Seus filhos fiéis. Quem quiser lutar, que o faça com a penetração da Verdade de Deus, e com a severidade do amor pro- vindo do Coração do Pai Eterno! Com esta arma, vencerá em Meu Nome todos os inimigos da Vida e da Verdade!”
ERADA TÉCNICA
(O Senhor): “Finalmente, virá uma época em que as criaturas alcançarão grande inteligência e destreza em todas as coisas: cons- truirão máquinas que executarão serviços humanos e animais; com
isto, muitas pessoas ficarão sem trabalho e passarão fome, e a miséria humana atingirá um estado incrível. Em tal época, inspirarei nova- mente criaturas que anunciarão a Verdade de Meu Nome, durante duzentos anos. Felizes os que a aceitarem, embora sejam poucos!
Quando o número dos puros e bons diminuir consideravel- mente, como em tempos de Noé, a Terra será outra vez atingida por julgamento generalizado, onde não serão poupados homens, flora e fauna. De nada adiantarão as armas mortíferas dos orgulhosos, suas fortalezas e caminhos de aço, por onde se movimentarão com a ve- locidade duma flecha; pois virá um inimigo pelos ares, aniquilando todos que praticarem maldades. Será esta uma verdadeira época de usurários e cambistas.
Aquilo que fiz, não faz muito, no Templo de Jerusalém, aos agiotas e vendilhões, farei em grande escala sobre a Terra toda, des- truindo todas as casas de comércio e agiotagem, pelo inimigo que enviarei através do Espaço com grande estrondo e furor e com vio- lência dum raio. Em vão lutarão contra ele todos os exércitos da Terra; aos Meus poucos amigos, o grande adversário invencível nada fará, poupando-os para uma nova sementeira, donde surgirão cria- turas melhores!
Assimilai-o bem, mas não acrediteis querer Eu tudo isto e que seja assim determinado! Nunca! Acontecerá o mesmo como na época de Noé: os homens farão uso cada vez mais maldoso dos muitos conhecimentos e habilidades angariados, atraindo, de modo próprio, toda sorte de castigos das profundezas de Minha Criação sobre si e, finalmente, sobre toda a Terra. Em tal caso, digo como os romanos: Volentinonfitiniuria2 !
Dentro duma justa medida, podem as criaturas possuir tudo e inventarem todo conforto para sua vida, e poupar suas mãos de trabalhos pesados a fim de terem mais tempo na educação e eno- brecimento de coração e alma, vivendo cheios de alegria, em Meu Nome; não deve, porém, haver entre elas sofredoras e tristes, a não
2. Não se faz injúria àquele que consente.
ser tratando-se dum pecador renitente contra a boa Ordem que exis- te em Meu Nome!
Se, com a habilidade crescente, aumentarem egoísmo, ga- nância e domínio das criaturas, obscurecendo suas almas, deve-se contar com as piores consequências! Se puserdes, rápido, um pé diante do outro, o efeito será uma corrida; quem, no entanto, he- sitar na marcha será alcançado por uma lesma. Deixar-se cair no abismo é morte certa. Como classificar-se as pessoas que isto fazem conscientemente? São simplesmente astuciosas, e o efeito prejudi- cial não está na Minha Vontade, e sim na Lei Imutável de Minha Ordem Eterna, impossível de ser sustada de modo isolado ou geral! Acaso julgais dever Eu tirar o calor destruidor do fogo a fim de que o tolo, ao atirar-se nele, não se queime?! Ou deveria isolar da água o elemento primordial, de sorte que o homem não sufoque nela caso sofra um acidente na mesma?!”
CONDENAÇÃOPRÓPRIADAS CRIATURAS
(O Senhor): “Observai as montanhas! Como a flora suga os elementos afins (eletricidade) na medida ajustada! Se fordes cortar todas as florestas, em breve sentireis amargamente seu efeito: enor- mes massas de elementos brutos, em estado livre, começarão a en- cher o ar que envolve a Terra. Como não encontrem acolhida para sua atividade, serão atraídos para grandes núcleos, provocando tem- pestades devastadoras pela irritação, fome e sede (tendência de assi- milação); deste modo, arrasarão países inteiros, de sorte que em cem e até mil anos somente surgirá uma plantinha de musgo, conforme ainda hoje existem grandes territórios tão isentos de vegetação quan- to uma rocha calcária às margens do Mar Morto na Baixa Palestina, onde corre o Jordão.
Seria, acaso, esta Minha Vontade? Não! Pois se as criaturas devem empregar sua vontade livremente, para se tornarem espiritu- alizadas, nada quero para Mim — ainda que elas cometam loucuras. Permito, sim, que alcancem aquilo que almejaram tão avidamente,
como se disso dependesse sua felicidade. Para Mim, não importam as consequências: boas ou más! A pessoa só colherá aquilo que se- meou! Mesmo Eu sabendo o que acontecerá no futuro, não posso intervir com Minha Onipotência; pois se assim fizesse, o homem deixaria de ser criatura. Seria u’a máquina animada, e não teria valor para si, nem para Mim. Assemelhar-se-ia a um analfabeto, cuja mão tem de ser guiada caso deva escrever; se deste modo tiver concluído uma composição, nada disto entenderá. Seria tanto o autor de cem mil cartas, quanto o instrumento que usou. Tampouco o homem desta Terra seria homem caso seu livre arbítrio e sua ação lhe fossem manietados.
Bem pode a vontade ser equilibrada por vários ensinamentos e leis; todavia, não podem ser impedimento na ação. Se a vontade do homem quiser aceitar ensino e lei para diretriz de suas ações, ele se inclinará sem obrigação interna; não o querendo, não existe po- der humano ou divino que o levem a isto. Em suma: sem vontade própria, a criatura não é mais criatura, mas u’a máquina movida pela Natureza, que posteriormente será inventada, realizando tra- balhos que hoje ninguém seria capaz de fazer. Tal engenho não será homem, nem pela forma, muito menos na sua livre função; pois não possuindo livre arbítrio, também jamais terá ação independen- te. Fará somente aquilo que a vontade do homem determinou — e nada mais.
O homem, porém, pode tudo o que quer, sem que alguém o possa impedir. Assim sendo, ele poderá agir com a Terra que o sustenta, e terá de aprender, pelas consequências, se sua vontade foi boa ou má.
Por isso, cada criatura tem a razão e, derivando desta, o intelecto, podendo aprender pelo ensino, por leis externas e va- riadas experiências, escolhendo o Bem, o justo e verdadeiro, e em consequência disto determinar sua ação.
Vemos diariamente que os homens, por interesses terrenos, espezinham o Bem, a Justiça e a Verdade, pelo que deduzimos não ser possível fazer periclitar ou tolher o livre arbítrio. Deste modo,
existe a possibilidade de as criaturas inventarem grandes coisas no decorrer dos tempos; se começarem a influir sobre a Natureza do orbe a ponto de prejudicá-la, as consequências não serão agradáveis, mas sim um castigo ao livre arbítrio mal aplicado, que jamais consi- derou a Minha Vontade.
Caso queiram um outro Dilúvio, basta reduzirem e per- furarem as montanhas — e terão aberto as comportas das águas subterrâneas! Querendo ver a Terra em fogo, convém destruir as florestas, pois os elementos da Natureza (eletricidade) aumentarão de tal modo, que o planeta ficará de repente envolto num mar de labaredas! Acaso foi o castigo imposto por Mim?! Por isso, ensinai aos homens a serem prudentes, do contrário terão conjurado os jul- gamentos! Sei que isto acontecerá, todavia não posso intervir pela Minha Onipotência, senão através da Doutrina. Compreendestes?”
FUTURA PROVAÇÃO DA TERRA E A PROTEÇÃO DOS FILHOS DE DEUS
Diz Cirenius: “Compreendemos, sim! Todavia, não contém esta noção conforto para os habitantes do orbe! De que adianta o melhor ensinamento caso eles, com o tempo, se desviem por ata- lhos, contribuindo para a destruição total?! Se nós e nossos futuros adeptos tivéssemos uma existência que se estendesse por milênios, seria possível manter pura Tua Doutrina! Se — a julgar por Tuas Próprias Palavras — deixarás fisicamente este planeta e, além disto, os milagres também se tornarão mais escassos, não sei a quem cabe a culpa, caso ele seja destruído pela ignorância das criaturas!”
Respondo Eu: “Amigo, ainda mesmo não assistindo em cor- po, viverás espiritualmente, em épocas futuras, muito mais cons- ciente e poderoso, e serás testemunha dos acontecimentos por Mim permitidos. Concordarás até mesmo com tudo, ajudando ainda na punição dos homens, e clamarás, com milhões de outros espíritos, para que Eu proporcione nova forma e organização à Terra! Eu, po- rém, sempre vos aconselharei paciência e amor!
E quando na Terra tudo entrar em convulsões, sentirás gran- de satisfação no Meu Reino, dizendo: Finalmente o Senhor permite que os homens da Terra venham a sentir Seu açoite, em virtude das injustiças por eles praticadas! Não esqueças ter Eu sempre en- viado criaturas dotadas de Meu Espírito, mesmo entre os pagãos. Nem bem haviam passado cinquenta anos — e novamente surgiram homens destinados a indicarem o justo caminho aos outros! Atu- almente, Eu Mesmo encarnei nesta Terra, cujo destino é imenso! Após Minha passagem, outros virão, até o Fim dos Tempos, para converterem os filhos à Luz Verdadeira.
Desta Doutrina não se perderá uma vírgula; no entanto, não será isto de grande importância para a Humanidade em geral, por- quanto estará em constante luta com o espírito, sempre que houver matéria. Ninguém se atemorize por isto, pois haverá muitos chama- dos e, entre eles, alguns escolhidos! Aos que a esses seguirem, a Terra proporcionará um refúgio; os demasiado cegos e surdos no coração serão, de tempos em tempos, isolados qual joio do trigo puro.
Por isto, a Terra subsistirá, do mesmo modo que existiu após Noé, e acolherá Meus filhos mais lúcidos; somente o detrito exces- sivo será dela afastado e levado a um outro ambiente de purificação, tão inúmeros em Meu Reino Eterno, que nisto jamais sofrerá ca- rência. Tais criaturas, porém, nunca serão Meus filhos; para tanto é preciso que Me reconheçam e amem sobre tudo.
Neste momento, não Se pronuncia o médico milagroso de Nazareth, mas sim Aquele Que habita em Mim, desde Eternidades, como Pai cheio de Amor e Misericórdia e Deus Único, que diz: Eu sou o Alpha e o Ômega, o Eterno Princípio e o Fim de todo o Infi- nito; não existe outro Deus, senão Eu!”
OFIMDAMATÉRIA TELÚRICA
(O Senhor): “Por isto vos digo: Quem Me procurar, achar, reconhecer e amar sobre todas as coisas, e a seu próximo, com toda paciência, como a si mesmo, em vida ou ao menos no Além —
será Meu filho e Minha filha! Quem, no entanto, não Me procurar, achar, reconhecer e, portanto, não Me amar, sendo, por tal motivo, cheio de animosidade contra seu semelhante — jamais alcançará Minha Filiação! Pois Meus filhos têm de ser tão perfeitos quanto Eu, Seu Verdadeiro Pai!
Os filhos do mundo, possivelmente purificados em épocas vindouras, serão habitantes, em espírito, daqueles mundos e de seus correspondentes núcleos onde evoluíram; não frequentarão a Casa do Pai Eterno, no Centro do mais Elevado Céu, como Meus filhos verdadeiros, que Comigo regerão o Infinito por todo o sempre.
Este planeta acolherá, após a predita grande e última puri- ficação, criaturas semelhantes às de hoje, que todavia serão muito mais bondosas, possuindo para sempre o Meu Verbo Vivo.
Quando a Terra, após épocas incontáveis, tiver soltado todos os seus prisioneiros, será transformada num corpo espiritual no mar luminoso do Sol. Pois o mais ínfimo resíduo de seu folhelo, onde anteriormente habitavam espíritos e almas, será qual pedra-pomes que, conquanto não seja elemento de vida, ainda é matéria orgâ- nica, grosseira e dilacerada, que contém a mais baixa qualidade de elementos condenados.
Que fazer do substrato, uma vez que toda vida intelectiva se tenha libertado dele? Acaso deve navegar no Espaço Infinito como pedra-pomes, de certo modo consumida pelo fogo e, assim, incapaz para qualquer outra finalidade? Quiçá poderia representar algo nas esferas dos espíritos vivos e de mais variado aperfeiçoamento? Claro! Pois nada pode existir inteiramente morto e sem finalidade no Es- paço Infinito, que também é Meu Reino e Minha Morada Eterna! Tratando-se duma finalidade, só pode ser ela eternamente espiritual, porquanto não existe uma eternamente material.
Toda matéria, limitada pelo espaço e pelo tempo, só pode ter fim temporário; tão logo o tiver concluído dentro de certo período, e tendo-se alcançado o objetivo para destino mais elevado, onde o in- vólucro útil e salutar se tenha tornado oco, poroso e frouxo, portan- to imprestável para qualquer destino — que fazer com seu resíduo?
Observai um balde: que será feito dele após longos anos de uso? Acaso poderá ser empregado para colher água, inteiramente danificado e furado? Não; por isto será queimado e dissolvido em fumaça, ar e um pouco de cinza, que, com o tempo, também será desfeita pela umidade do ar num simples elemento vaporoso, para só então servir de base aproveitável ao elemento espiritual. Mesmo não mais se formando o antigo balde, pode, todavia, ser criado um invólucro delicado e sutil, como portador da Água Viva, provin- da de Mim.”
POSTERIORTRANSFORMAÇÃODOSCORPOSCÓSMICOS EM ESPIRITUAIS. FILHOS DE DEUS E CRIATURAS DE DEUS
(O Senhor): “Aquilo que ocorre com o velho balde, através da lógica humana, acontecerá futuramente com todo o Cosmos, e até mesmo aos primitivos sóis centrais, deles surgindo mundos espi- rituais e perfeitos, para acolhida dos espíritos felizes.
Tais mundos não só serão habitados externamente, como também, e muito mais, no interior, em todos os seus templos de vida, correspondentes às suas antigas formas orgânicas.
Só então poderão as criaturas — como espíritos perfeitos
— conhecer a fundo a construção interna dos planetas que ante- riormente habitaram, alegrando-se sobremaneira de sua complicada organização interior, desde os menores aos maiores órgãos.
Os pequenos planetas sem luz própria, como a Terra, Lua, Vênus, Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno, e outros tantos perten- centes a este Sol, inclusive os inúmeros meteoros — que, mais tar- de, também se tornarão planetas habitados, em parte através duma possível união com um corpo já habitado, e em parte devido à sua emancipação planetária — todos eles serão dissolvidos no Sol, em épocas inimagináveis.
O Sol, seus incontáveis companheiros e seus sóis centrais de considerável idade — porquanto, para eles, um eon (dez milhões
de vezes dez milhões) de anos terráqueos é tanto quanto para esta Terra um ano — encontrarão sua desintegração nos Sóis centrais dos enxames globulares, naturalmente milhões de vezes milhões maiores que os outros! Esses sóis centrais encontrarão sua dissolução nos su- per-sóis centrais, e esses, finalmente, no primeiro e único Sol, cujo tamanho é, para vossa compreensão, incalculável.
Mas, onde achará este sua final desintegração? No fogo de Minha Vontade, onde todos os corpos cósmicos voltarão à antiga or- dem e serviço espirituais, existindo eternamente em todo seu fulgor, maravilha e imensidade.
Não deveis pensar que isto ocorra amanhã ou depois; se cal- culardes um ano para cada grão de areia, na hipótese de ser a Terra cheia de grãos, tal período não comportaria a sua existência mate- rial. Muito menos poderíeis imaginar a existência de nosso Sol, do Sol central de primeira, segunda e terceira categorias, e finalmente do primeiro Sol; e isto porque os sóis comuns gerarão novos corpos cósmicos, os centrais, novos sóis planetares e os sóis primários, exér- citos inteiros de sóis de toda espécie.
Muito embora a incalculável existência dos imensos corpos cósmicos, seu tempo algum dia terá chegado a um fim e, com isto, terminado um período da Criação; em seguida, iniciar-se-á uma nova Criação num território infinitamente longínquo no Espaço, onde, assim como em inúmeros outros a surgirem, tereis vossa parte na cooperação, dotados dum crescente poder de perfeição — mas somente como Meus verdadeiros filhos!”
OSHABITANTESDASESTRELASEAFILIAÇÃODE DEUS
(O Senhor): “Afirmo-vos existirem no Espaço Infinito inúme- ros enxames globulares, cada um ocupando um espaço jamais por vós calculável, porque portador de eões vezes eões de sóis e regiões sola- res, e habitados por incontáveis criaturas, em corpo ou já espirituali- zadas, que têm a seu modo uma lógica mui lúcida e intelecto profun- damente pesquisador, atingindo tal agudez que vos obrigaria a calar.
Esses seres, vez por outra, divagam em pressentimentos, sen- tindo existirem alhures filhos do Espírito Supremo e Eterno, e em certas ocasiões alimentam no íntimo o forte desejo de se tornarem Meus filhos, a todo preço. Isto é geralmente impossível; pois tudo tem de continuar dentro de sua organização, idêntica à do homem, cujas partes do joelho não podem ser transformadas em olhos, tam- pouco os dedos dos pés em orelhas. Todos os membros físicos têm de continuar o que são; mesmo se as mãos tivessem vontade de en- xergar, de nada lhes adiantaria, todavia continuam felizes e cegos instrumentos, recebendo bastante luz pelos olhos.
Do mesmo modo a Terra não necessita ser um Sol a fim de iluminar seu solo escuro, porquanto recebe claridade suficiente do astro-rei. Do alimento ingerido pelo homem, todos seus órgãos têm de ser nutridos, individualmente, assim como olhos e cora- ção. Somente as partículas mais puras com afinidade luminosa são elevadas à nutrição dos olhos, e as partículas psíquicas de paren- tesco amoroso são assimiladas pela substância vital do coração; as partes mais grosseiras passam como alimento correspondente aos diversos órgãos físicos. Seria, portanto, de grande prejuízo aos olhos caso neles fossem levadas as partes que somente se destinam aos ossos.
Assim sendo, o resultado seria de considerável dano à ordem geral da Criação caso permitisse o ingresso de criaturas de outros mundos ao adestramento de Meus filhos do Coração. Pode ser per- mitido, de quando em quando; todavia, são precisos grandes puri- ficações e extensos preparativos. Na maioria recebem tal Graça as almas deste Sol ou os arcanjos, a quem cabe a tarefa de organizar, guiar e dominar enxames globulares. Não obstante serem imensa- mente enormes no todo, têm de se submeter à maior simplicidade como Eu, suportando todas as humilhações.
Do próprio Sol Central de nosso sistema solar podem al- mas ingressar neste planeta para a conquista de Minha Filiação, bem como dos sóis centrais de segunda e terceira categoria. Somen- te do mesmo núcleo solar que deu origem à Terra; nunca, porém,
do primitivo Sol Central, porquanto suas almas gigantescas contêm quantidade tão enorme de substâncias, de sorte a não poderem ser assimiladas pelo pequeno físico duma criatura terráquea.
Muito embora existam, em alguns continentes daqueles sóis gigantescos, criaturas tão enormes que a cabeça é, no mínimo, mil vezes maior que a Terra — o Meu filho mais fraco é infinitamente mais poderoso, pelo Meu Espírito no coração de sua alma, do que miríades daqueles gigantes do Sol central.
Por isto, meditai sobre vossa finalidade como filhos do Altís- simo e qual a prova do livre arbítrio, mais elevada e independente, é preciso a fim de que a alma se una ao Meu Espírito em vós, condição única para vos tornardes perfeitamente Meus filhos!”
OIMENSOHOMEMCÓSMICOEA TERRA
(O Senhor): “Com justiça podeis indagar pelo motivo por que precisamente este ínfimo planeta e suas pequeninas criaturas alcançaram tal honra e Graça, porquanto existe no Espaço Infinito uma quantidade incalculável de mundos luminosos, imensos e exta- siantes, muito mais apropriados a acolherem, nutrirem e prepararem os filhos de Deus. As criaturas de tamanho cósmico do primitivo Sol Central seriam mais vistosas como Seus Filhos do que os vermes poeirentos de nossa simples Terra! Aparentemente, tal pergunta não poderia ser contestada; no que diz respeito às condições internas da vida, porém, seria mesmo impossível.
Cada organismo humano tem seu nervo vital no centro do coração, um grumo diminuto, donde é vivificado o físico todo. As partículas desse grumo são de tal forma organizadas a atraírem o éter vital do sangue e do oxigênio aspirado, de modo a se manterem vivas e transmitirem essa vitalidade ao corpo.
Caso te fosse decepado um pé ou um braço continuarias vivo, conforme já observaste em soldados, mutilados durante a guerra; o menor ferimento no coração, onde se encontra o pequenino nervo vital, provoca a morte física.
Tal organização no corpo humano e nos animais de sangue quente é idêntica em todo Universo: todos os incontáveis enxames globulares representam, no seu todo, um homem de proporções ini- magináveis. Nesse homem, a nossa galáxia representa o coração; e a Terra é o mencionado grumo, que não se encontra bem no centro, mas sim um pouco mais para a esquerda.
No centro do coração existe um grande complexo de nervos; todavia, não é a morada principal da vida, senão a oficina de re- cepção e acúmulo da substância alimentadora da vida, provinda do sangue e da atmosfera. Lá é assimilada pelo grumo, que a fecunda, ou abençoa, para se tornar substância prestável à vida, isto é: à vida da alma, por enquanto dependente, pois ela não poderia entrar em contato com o organismo sem esse nervo.
É, portanto, o mencionado nervo vital uma verruga dimi- nuta do lado esquerdo do coração, semelhante à verruguinha num dedo mindinho do pé. Tais verruguinhas, somente cobertas pela epi- derme, são os principais condutores de sensação dos pés; quem, no entanto, dá-lhes atenção e sabe que existem?!
Caso alguém tivesse a infelicidade de perder os dedinhos dos pés, teria muito maior dificuldade para andar do que se fosse lesado nos grandes dedos. Quem poderia dizer: Mas, Senhor, por que dei- taste o maior peso de ação nas coisas mais ínfimas de Tua Criação Infinita? — Pois Eu lhe responderia: Por que motivo é o funda- mento de vossas casas, não raro, mil vezes menor que toda ela, que precisamente lá encontra seu ponto de apoio? Por que existem tantas mentiras, enquanto no Reino da Verdade só há uma verdade básica? Por que é o carvalho tão grande e o gérmen de sua glande — que comporta inúmeros carvalhos de tamanho gigantesco — quase tão pequeno qual grão de areia?
Existem, Meus caros filhinhos e agora amigos, na Imensa Criação, muitas coisas cuja constituição e destino haveríeis de classi- ficar de estranhas, caso as conhecêsseis. Na hipótese de vos apontar apenas algumas, exclamareis: Mas, Senhor, não é possível que tal seja desta forma, porquanto contradiz um raciocínio algo esclarecido!
— Em suma: não o compreenderíeis, e para enumerar apenas uma pequena parte, seria preciso maior número de milênios do que os grãos de areia do mar!
Quando fordes receber o Meu Espírito após Minha Despe- dida Final, Ele vos encaminhará a todas as verdades, tornando-se óbvio perguntardes pelo ‘porquê’ das coisas! Ser-vos-á tirada a venda dos olhos, podendo ver na luz claríssima, que ora apenas vagamente pressentis. Por isto, satisfazei-vos com aquilo que acabais de ouvir! Trata-se duma semente depositada em vosso coração, cujos frutos colhereis amadurecidos quando dentro de vós mesmos tiver surgido o Sol do Meu Espírito.
Tereis compreendido algo do que vos falei? Sede sinceros e falai abertamente, porquanto ainda ficarei convosco durante sete horas! Manifestai vossas dúvidas, que pretendo levar-vos à luz mais clara, se bem que não à plena luz da Vida do Espírito.”
NATUREZAECONSISTÊNCIADUMENXAME GLOBULAR
Manifesta-se Mathael: “Senhor, isso tudo são enigmas para nós, que mal sabemos o tamanho e forma de nosso planeta. Em minha fantasia exuberante, compreendi alguma coisa, mas apenas como se pressente algo de grandioso num sonho. Muitos de meus companheiros o tomam por uma espécie de contrassenso, jamais aceitável por um raciocínio equilibrado. Pois, para se compreender tais assuntos, seria preciso se possuir base matemática, astronomia e seu sistema numérico. Faltando-nos quase inteiramente os ele- mentos científicos, Tua Explicação grandiosa não nos pode ser com- preensível.
Não é a primeira vez que nos permites um olhar em Teu Es- paço Infinito, e agora nos facultaste um vislumbre na parte material; todavia, não podemos penetrar no seu todo. No mínimo seria pre- ciso termos conhecimento do que venha a ser um enxame globular, as variadas categorias de sóis centrais e planetares; pois tendo ideia dum enxame globular, seria mais fácil compreendermos os outros,
e os sistemas de sóis centrais, cada qual com sua finalidade diversa. Qual é, por exemplo, a função dos sóis planetares, dos sistemas de sóis centrais, regiões de sóis centrais, super-sóis centrais e, finalmen- te, os primeiros sóis centrais, nunca sonhados por Ptolomeu e Julius César, merecedor do título de astrônomo?”
Digo Eu: “Meu caro Mathael, vejo-te um tanto aborrecido; primeiro: por vos ter demonstrado coisas que pouco ou quase nada entendeis; segundo: te irritas contigo mesmo por faltar-te a compre- ensão, porquanto possuis vasto conhecimento e cultura. Tudo isto não é justo de tua parte; pois o homem não só se torna sábio daquilo que ouve e de pronto compreende a fundo, e sim, geralmente, da- quilo que não assimila!
Aquilo que a pessoa entendeu não mais será objeto de refle- xão e pesquisa, pois o que se tem, não se procura conquistar noutra parte, descansando na posse adquirida, enquanto que se empenha para alcançar aquilo de que carece, mormente no campo dos valores supra, até que tenha ao menos uma pequena posse.
Vê, se fosse Minha intenção fazer-vos criaturas dotadas de preguiça mental, facilmente poderia desenhar um enxame globular à vossa frente, de sorte que o entenderíeis do mesmo modo que sabeis serem dois mais dois, quatro! Quero-vos, porém, intelectualmente ativos; por isso, vos demonstrei algo que vos tira o sono. Pela mesma razão, não compreendestes o que anteriormente relatei a respeito, sabendo que somente o entenderíeis em ocasiões oportunas, isto é: em noites estreladas.
A fim de vos facilitar a meditação sobre o assunto, chamarei vossa atenção para fatos idênticos nesta Terra: observai uma organi- zação militar — e tereis mais ou menos um enxame globular à vossa frente, com seus sóis centrais e primários! Aqui está um capitão com dez a trinta soldados; lá, um outro, maior, que comanda dez capitães de primeira categoria. Este último é qual Sol planetário, e os dez a trinta soldados rasos são os planetas que giram ao redor dum sol. O segundo e mais elevado, guia dos dez mencionados capitães, já é idêntico a um sol central, com seu sistema rodeado por uma quan-
tidade de sóis planetares e seus inúmeros planetas. Esses sóis plane- tares, que se movimentam em torno dum sol central, formam com ele uma região solar; não esqueçais este ponto para melhor compre- ensão do que se segue.
Passemos agora a um capitão de terceira classe! Tem ele sob seu comando mais ou menos dez capitães das categorias anteriores, e lhe compete organizar e guiá-los. As ordens desse terceiro che- fe — que denominaremos de general — são transmitidas apenas aos sub-chefes das coortes, que as passam aos subalternos e esses, aos soldados. Falamos há pouco duma região solar, e subentende-se haver no Espaço várias dessas regiões, que por sua vez têm um chefe ainda maior.
Classificaremos a tropa sujeita a um general de ‘sociedade’, e imaginemos dez a vinte sociedades sob o mando dum superior que, geralmente, comanda uma legião, que representa parte importan- te dum exército. Uma legião pode, portanto, ser comparada a um aglomerado de sóis. Estando várias legiões sujeitas ao comando dum superior, os aglomerados de sóis obedecem a um sol central maior e mais poderoso, que denominaremos de Sol Central de enxames globulares, para distingui-los dos anteriores.
Todos os exércitos são sujeitos a um só monarca, assim como os incontáveis enxames do Sol Central Principal, de dimensões co- lossais, a fim de atrair todos os enxames, assim como os sóis plane- tares atraem seus planetas e suas luas respectivas, girando em órbitas vastíssimas. Tal monarquia solar é por Mim denominada de ‘globo membranáceo’. ‘Globo’ em virtude de sua forma redonda; ‘membra- na’ são todos os corpos cósmicos dentro dele, porque enfeixa vida espiritual em julgamento e finalmente tal Globo é uma membrana universal, que comporta eões vezes eões de sóis para a manutenção do equilíbrio determinado. Dize-Me, Mathael, se Me compreendes- te melhor!”
Diz Mathael: “Agradeço-Te, Senhor, por mais esta explica- ção, pois facultou-me noção mais nítida dum enxame globular, sa- tisfazendo-me inteiramente. Quanto aos inúmeros vizinhos do Es- paço Imenso, não me dizem respeito; julgo que o espírito humano com um só enxame terá o suficiente para toda a Eternidade.
Admitamos essa nossa pequena Terra: quanto tempo seria preciso ao homem para viajar de ponta a ponta?! Creio que nem em cinco a seis mil anos poderia afirmar não mais haver um ponto que não fosse por ele pisado! Acrescentando o percurso necessário da pesquisa rigorosa, as horas de lazer indispensáveis na contemplação de Tuas Obras Milagrosas, tentando a criatura permanecer mais pro- longadamente em zonas aprazíveis — necessitar-se-ia de um tempo incalculável!
Que dizer ainda do percurso que um cientista levaria para es- tudar o interior deste planeta?! Nem um milhão de anos seriam sufi- cientes, mormente na observação das enormes oficinas da Natureza e seus elementos, e a maneira pela qual surgiram e posteriormente passaram a outras formas!
Considerando tudo isto e a dificuldade que se prende a espa- ço e tempo — nem eões seriam suficientes para analisá-lo em toda sua natureza orgânica! Ao lado da Terra se teria de considerar a Lua, que a fim de pesquisá-la em seu todo, requereria vários milênios. A seguir, viriam os grandes e pequenos planetas, que em virtude de sua construção peculiar, por certo são mais deslumbrantes que o nosso, e não seria possível ao pesquisador deles se separar em incon- táveis milênios.
Só depois viria o Sol, com suas planícies de grandiosidade luminosa! Creio que a criatura seria tentada em lá permanecer uma eternidade — todavia, haveria de descobrir sempre algo de novo! Levando-se em conta serem seus habitantes excessivamente lindos, sábios e amáveis, não seria possível cogitar-se duma separação. O
imenso sistema numérico da Arábia nem teria base para expressar as épocas necessárias na pesquisa do grande Sol!
Isto, todavia, seria um sol planetário! Ainda restariam eões vezes eões de sóis centrais! Basta, pois! Para se entrar no conheci- mento completo com este enxame globular, seria preciso eternidades sem fim! Quem, neste caso, poderia cogitar dum outro, quando este já me causa tonteiras?!
Ó Senhor, Teu Amor é-me o maior consolo, onde me posso equilibrar; a Imensidade de Tua Onipotência e Sabedoria me devora qual enorme guelra a tragar um verme, que deixa de existir! Em Tua Grandiosidade, Senhor, és um Mar de fogo aterrador! No Teu Amor Te manifestas qual favo de mel! Por isto me agarro a Ele, que arreba- ta o meu coração e alegra minha vida!
Sei que compreendo coisas grandiosas; quem, mais tarde, entendê-las-á? Prevendo não serem Tuas Explicações acessíveis a bi- lhões de criaturas, nem me posso alegrar, em virtude do grau inferior da evolução espiritual da Humanidade!
Pressinto vagamente ser possível levar-se aos homens a noção de Tua Divindade, começando eles a amar-Te e adorar-Te; além dis- to, porém, nada mais compreenderão! Quando se pretende construir um edifício, necessita-se dum solo firme; pois em areia ou no brejo não se levantará uma construção. Por esse motivo, prefiro ficar no amor — também para o meu povo, porque aquilo que o meu sen- timento me revelar, será aceito pelo meu intelecto! Tenho razão?!”
OCONHECIMENTODADIVINDADEDEJESUS,CONDIÇÃOPARAOVERDADEIROAMORA DEUS
Digo Eu: “Certo — pois quem estiver no amor estará em tudo que emana de Mim! Mas através do Meu Amor somente, não poderás reconhecer-Me em Verdade! Vê, podes amar de todo coração tua espo- sa querida, e vice-versa; entretanto, não sereis um deus reciprocamente.
Se tu Me amares apenas como simples homem, conquanto mui bondoso e compreensivo, e Eu corresponder a teu afeto da mes-
ma forma, poderíamos caminhar lado a lado por eões de anos, sem que Me tomasses e tratasses como Deus, por seres apenas uma obra do Criador.
Se quiseres reconhecer-Me conforme no momento estou à tua frente, sou obrigado a Me fazer entender como Tal, pela Palavra e Ação. Se, deste modo, Me tiveres verdadeiramente assimilado e deduzido, pelo Meu Poder e Sabedoria, ser Eu evidentemente mais que um simples Homem, bom e compreensivo — teu coração hu- milde se prosternará no pó diante de Mim, podendo então, por tal justa humildade, incendiar-se no pleno amor; nele encontrarás fiel e verdadeiramente a razão viva de Teu Deus e Criador. Isto não só ocorre contigo, mas com todas as criaturas.
Quem não Me reconhecer como Deus não poderá amar-
-Me de todo coração! Acaso ser-te-ia possível amar-Me como Ser Supremo se tivesses apenas observado ações e palestras puramente mundanas? Certo que não! Teu amor se teria tornado tão poderoso, na hipótese que não tivesses descoberto o divino dentro de Mim? Se Eu de ti Me tivesse aproximado somente pela dedicação e pelo amor, qual noivo com sua noiva, não terias descoberto o Espírito do Ser Supremo, que Se manifesta em Mim pelo Conselho, Doutrina e Ação, pois isto te foi facultado pela Minha Sabedoria e Onipo- tência; não é, portanto, justo classificares Minha Grandiosidade na Sabedoria e Força de mar de fogo aterrador, julgando terem as cria- turas nada a ver com isto. Dá-se justamente o contrário! Devem elas procurar o Meu Reino com toda ânsia possível, em tudo e acima de tudo, começando a se habituar a cada espera e relação na Grande Casa do Pai. Só assim aumentarão no verdadeiro amor e na humil- dade, alegrando-se com o Pai, assim como Ele o faz com Seus filhos!
Quando as criaturas viverem deste modo uma vida verda- deira, através de Minha Sabedoria, Amor e Onipotência, serão em tudo aquilo que devem ser. Tornar-se-ão, como Meus Filhos, tão perfeitos como Eu, jamais achando Minha Sabedoria, Onipotência e Amor Divinos qual mar de fogo aterrador! Penso ser-te isto bem claro! Acrescento, ainda, não vos competir, por ora, ensinardes aos
povos tudo aquilo que vos demonstrei. Ensinai-lhes, antes de tudo, reconhecerem a Deus, acreditarem vivamente Nele e amá-Lo sobre tudo. Todo o resto ser-lhes-á revelado pelo próprio espírito, dentro de suas necessidades.”
IMPORTANTES DIRETRIZES À DIVULGAÇÃO DO EVANGELHO
(O Senhor): “Atualmente repousa a Humanidade numa ig- norância completa, qual sono dos mortos; todo o seu saber é ape- nas fútil fantasia e ninguém sabe orientar o próximo. Se bem que exista quantidade de doutrinadores e guias dos mais variados ma- tizes — de que adianta?! São todos tão cegos quanto seus adeptos; quando se aproximarem da vala, ambos cairão, sem conseguirem sair do abismo.
Isto não nos deve levar a crer que os homens não se entre- gariam à orientação dum guia justo! Que mais poderia almejar um cego do que um guia de boa visão, sobretudo se este, de boa consci- ência, afirmar que o cego brevemente ficará curado, caso lhe siga de modo fiel e confiante?! E se ele caminhar por certo tempo ao lado do outro e dentro em pouco seus olhos puderem vislumbrar a claridade do dia — quão feliz se sentirá seu coração!
Afirmo-te não ser tão difícil como pensas tornar-se um guia justo de um cego sedento de luz! A dificuldade só começa a sur- gir quando o ignorante julga ser orientador, através da presunção manifesta pela compreensão errônea. Nessa categoria se enquadram fariseus e escribas, e muitos sacerdotes pagãos. Que fazer, então? Um exemplo vos trará orientação para tais casos!
Suponhamos que um general pretenda lutar contra um re- gente vizinho, maldoso, cujo território estivesse bem defendido com fortalezas, exército e armas. Ao se aproximarem da fronteira, os ofi- ciais e comandantes viram-se para o general, dizendo: Excelência, nada poderemos conseguir nessa campanha; pois o inimigo está ar- mado até os dentes e toda nossa força bélica será aniquilada diante
de tal poderio! Seria, pois, razoável desistirmos dessa vez, aguardan- do oportunidade mais favorável!
Responde o general: Para aquele homem nunca virá época melhor; pois todas as advertências não lhe tocaram ouvidos e cora- ção. Urge, portanto, demonstrar-lhe não ser o único com direitos sobre as terras. Seus regimentos e fortalezas não nos dizem respeito! Invadiremos o território, que está isento de proteção, atraindo com facilidade o povoado insatisfeito e orientando-o por conhecimentos e sábias leis — e de nada lhe servirão suas defesas. Caso nos ataque, bem preparados que somos e sabendo usar nossas armas, dizimá-lo-
-emos pela supremacia, coragem e habilidade estratégica.
Integrando-se do sábio plano de ataque, os oficiais e coman- dantes não só se convenceram ser este o melhor caminho a seguir, como também se encheram de coragem e convicção pelo bom êxito do projeto. Invadiram a fronteira, onde não havia defesa, sem fa- zerem uso de armas e o povo os recebeu às centenas, com bandeira branca, saudando-os como salvadores.
Quando os guerreiros do regente tirano observaram a aglo- meração do povo ao redor do exército vizinho, começaram a con- jecturar acerca das medidas a serem tomadas. O tirano mandou que tudo fizessem para expulsarem o inimigo; os generais, porém, obs- taram: ‘Já não é mais possível! O povo confraterniza-se com ele, aumentando consideravelmente seu poderio! Nossa luta seria de um para mil! Estamos vencidos e nossos burgos de nada adiantam; pois a fortaleza mais poderosa é o próprio povo — em mãos do inimigo!’ Resta-nos apenas capitular! Se bem que a contragosto, o regente teve de seguir o conselho dos militares.
O mesmo deveis fazer como prudentes divulgadores de Mi- nha Doutrina! Deixai os templos e as residências sacerdotais; prepa- rai apenas o povo! Se, após pequeno esforço, estiver ao vosso lado, os antigos templos pagãos logo perderão o seu valor, ruindo pouco a pouco. Seus servos, levados pela própria convicção ou pela força das circunstâncias, aderirão a vós, aceitando a Nova Doutrina e vivendo de acordo.
Por essa explicação, Mathael, certamente compreenderás não ser tão difícil a divulgação de Meu Verbo quando se age com pru- dência. Aplicando a violência, o efeito corresponderá à mesma! Será que todos vós compreendestes a lição?!”
DIFERENÇA ENTRE UM DOUTRINADOR VERDADEIRO E UM FALSO
Diz Mathael: “Sim, meu Senhor e Deus; tudo me é com- preensível, como também assimilei ser preciso crer-se primeiro em Deus, para se poder amá-Lo! A fé não pode ser cega e ignorante, mas cheia de luz, isto é: preciso se torna saber Quem é Deus. Só atra- vés de uma noção clara e racional de Sua Sabedoria, Onipotência e Grandiosidade se poderá ingressar no pleno amor a Ele.
Não é tarefa mui fácil para quem se fundamentou em con- ceitos errados; mas tão logo se tenha uma noção verdadeira, pode-se transmiti-la aos que dela carecem; e torna-se coisa diversa aprender-
-se algo com uma pessoa profundamente entendida no assunto, do que com alguém que tenha a pretensão de orientar, não obstante tenha apenas ouvido ‘o galo cantar’, onde finalmente o professor entende tanto quanto o aluno.
O doutrinador de profundos conhecimentos saberá elucidar facilmente o assunto complicado por quadros e parábolas, enquan- to que o pretenso doutrinador, a fim de apresentar sabedoria, tudo fará para encobrir o mesmo com frases místicas, levando o discípulo à confusão.
Tenho a impressão do seguinte: O primeiro se assemelha a alguém munido duma grande lanterna fechada, oferecendo-se ao viajor que pretenda caminhar à noite para evitar o calor do dia. De pronto ele indaga ao guia como poderiam achar o caminho do de- serto sem luz! Pois os camelos e cavalos hão de se assustar na escuri- dão e não será possível fazê-los correr!
O guia então responde: Não te perturbes por isso! Nesta lan- terna se acha uma luz tão poderosa que, ao abrir as vidraças, pro-
jetará tanta claridade como a luz do sol, e nenhum dos animais se amedrontará!
Confiantes, os dois encetam a viagem. No início, o guia abre apenas uma fresta e imediatamente é irradiada tanta luz a se poder evitar as pedras de escândalo. E o viajor confessa ser bem prática tal lanterna, tornando fácil a viagem pelo deserto.
Qual não será sua surpresa quando o guia abrir todas as ja- nelas da lanterna, espargindo, num momento, uma verdadeira luz solar, que amedronta até mesmo os animais ferozes, despertando, em compensação, os pássaros pacíficos dos céus, que começam a cantar como se o sol tivesse realmente surgido?! Eis a luz dum guia entendido!
Em seguida, vem um doutrinador fictício, munido duma lamparina, e se prontifica a guiar um viajante pelo deserto; este, todavia, expõe seu receio em virtude da fraca iluminação. O outro, porém, protesta dizendo: Amigo, minha lamparina parece irradiar um vislumbre fraco; trata-se, no entanto, duma luz mágica, que fa- culta a melhor orientação numa noite trevosa!
Inicia-se a viagem. A cada momento os animais se assustam e não querem prosseguir, pois com essa luz seus olhos são cegados de tal forma a nada mais enxergarem. Assim, deitam-se e não é possível fazê-los caminhar.
Exclama, então, o viajante: ‘Sabia de antemão não ser possí- vel caminhar-se pelo deserto com luz dessa espécie! Que faremos no caminho difícil?’ Diz o guia, com ares de importância: ‘Os animais estão cansados e farejaram algumas feras distantes; para nossa feli- cidade, não querem prosseguir!’ Intervém o outro, tremendo: ‘Mas que fazer, caso sejamos atacados?’ Responde o guia, ainda mais me- droso: ‘Ora, a escuridão nos protegerá, pois nunca se viu um assalto numa noite como essa!’ Por sorte, nada de mais acontece e ambos aguardam a aurora, confortando-se reciprocamente.
Penso suceder o mesmo na orientação espiritual enceta- da por parte dum doutrinador fictício. No deserto e na treva da vida terrena, onde nada podem vislumbrar, o pretenso orienta-
dor consola seu discípulo, prometendo-lhe serem desvendadas, no Além, todas as coisas misteriosas. Isto, porém, não impede sentir ele maior pavor da morte que o adepto inexperiente, que ao menos possui uma fé cega, enquanto que o outro até mesmo essa de há muito perdeu.”
OFUTURODADOUTRINADO SENHOR
(Mathael): “Estou, pois, plenamente convicto não termos muita dificuldade na divulgação da Tua Doutrina provinda de Deus, mormente nós, soberanos e potentados; outra pergunta de grande importância consiste na maneira pela qual poderá ser mantida para a Humanidade sem qualquer aditamento ou omissão. Formamos um grupo considerável de pessoas incumbidas da transmissão de Teu Verbo, que todavia será propagado por cada um, individualmente. Será preciso falar-se de modo diverso aos judeus, gregos, romanos, persas, hindus, egípcios e aos próprios skythos, porquanto cada raça tem seus conceitos formados. Assim sendo, dar-se-ão evidentes in- fluências e matizes. Se daqui a alguns séculos se for comparar os en- sinamentos de variadas nações — acaso terão alguma semelhança?! Os judeus não afirmarão em breve possuírem a Doutrina pura e ver- dadeira? Enquanto os gregos responderão estarem eles de posse da Mesma, tal qual jorrou da Boca do Senhor! E os romanos e armênios
— não dirão o mesmo? Espero não divergirem em demasia em sua síntese; no que diz respeito à análise, poderão se apresentar as maio- res variedades, em virtude do livre arbítrio! Sendo este o prognósti- co, acho que deveriam ser tomadas precauções quaisquer para evitar que surja um verdadeiro caos. Qual seria Tua Opinião, Senhor?”
Respondo: “Caro amigo, muito embora derive tua preocu- pação dum coração honesto, observo ser ela prematura! É certo que a Doutrina não será mantida tão pura conforme a recebestes entre todas as nações.
Daqui a alguns anos surgirá uma quantidade de Evangelhos, cada qual mantendo a afirmação de conter a pura Verdade, e mesmo
assim não serão idênticos. Acontecerá algo muito pior: Apresentar-
-se-á o príncipe da mentira, testemunhando contra Mim e fazendo grandes milagres, não obstante falsos! Lançará no campo, por Mim semeado com sementes puríssimas, o gérmen maldoso da erva dani- nha para sufocar o trigo puro.
Tudo isto, porém, não prejudicará Meu Verbo da Verdade; pois Ele será por vós transmitido oralmente, sem contudo usardes das mesmas palavras que Eu. Também não será preciso, porque o espírito intrínseco perdurará.
Quem crer em Mim e for batizado em Meu Nome, pela água e pelo espírito, receberá o Meu Espírito, caminhando na Luz da Verdade Pura, temporal e eternamente. Com tal pessoa a Doutri- na se manterá em toda sua pureza. Quem não alcançar essa Graça, também não assimilará a Luz Pura da Verdade Eterna, e de nada adiantará ir à procura de outros conhecimentos, que apenas sobre- carregarão sua alma.
Acredita-Me: se alguém soubesse de cor cada Palavra por Mim proferida, sem receber o Espírito, para com Ele poder penetrar às profundezas onde agem Luz, Força e Vida — Minhas Palavras lhe seriam de tão pouca utilidade quanto as longas preces dos fariseus!
Quem possuir o Espírito de Meu Verbo não mais necessitará da letra, pois terá a Doutrina Pura. E Eu permanecerei em Espírito com os poucos, mas verdadeiros confessores, até o Fim dos Tempos desta Terra. Deste modo, Mathael, a Doutrina é mantida inteira- mente pura!”
SEM APLICAÇÃO DA DOUTRINA NÃO HAVERÁ CONHECEDORES DA MESMA
(O Senhor): “Aquilo que o homem necessita saber e crer é, além disto, anotado no momento por João e Matheus. Quem acei- tá-lo como norma de sua vida, preparar-se-á para receber o Espírito.
Continuando, porém, inerte após tudo isto que de Mim ou- viu e não se empenhando em viver conforme ensinam os Manda-
mentos, será dono da letra ora anotada pelos Meus escrivães e por Raphael, que a escreveu para ti e alguns outros, jamais, porém, pe- netrará no espírito da mesma.
De nada adiantará alguém exclamar com fé: Senhor, Senhor!; pois tais confessores estarão diante de Mim como criaturas que não Me conhecem, e também não chegarão a tal ponto.
Afirmo-vos em verdade e para todas as eternidades: Quem não se tornar perfeito na aplicação da Minha Doutrina, permane- cendo apenas ouvinte e, vez por outra, admirador e elogiador da Mesma, não receberá o Meu Espírito, e todo Meu Ensinamento pouco ou mesmo nada lhe adiantará! Pois, em seguida à morte, esta- rá com a alma desnuda e lembrar-se-á tanto de Mim e de Meu Verbo como se jamais tivesse tido informação a respeito, fato mui natural.
Por exemplo: Certa pessoa muito ouviu falar da grande Roma; é informada do caminho para lá; tem os meios e oportunida- de para visitar aquela metrópole e conhecê-la inteiramente, por ter sido várias vezes convidada por amigos que lá estiveram. Entretanto, por não dispor de tempo e por ser muito comodista, receia os trope- ços da viagem e, finalmente, acha tal desnecessário, pois seus amigos tantas vezes e tão minuciosamente a descreveram, que em sua fanta- sia se apresenta como se lá estivesse muitas vezes!
Eis a ideia de tal homem. Se lhe apresentássemos um quadro autêntico da dita cidade, sem título, ele o fitaria como o boi olha para uma nova porteira; e se o deixássemos adivinhar, levaria muito tempo para afirmar ser o quadro, realmente, a cidade de Roma.
Digo mais: Admitamos que ele, casualmente, passe por lá, sozinho e todos lhe afiancem achar-se em outra cidade qualquer — ele acabará por acreditá-lo!
Não é, portanto, suficiente a criatura procurar conhecimen- tos, seja do que for, através de relatos e leituras, pois todas essas noções permanecem mudas e sem valor para a vida, caso não sejam postas em contato com a vida da alma por meio da ação.
A criatura que encetasse a viagem para Roma, da qual muita coisa extraordinária lhe contaram, e lá chegando tudo analisasse,
teria a plena verdade gravada no fundo de sua alma, tal qual a exis- tência da metrópole.
Caso nunca a tivesse visto, sua imaginação se modificaria por um relato novo e diferente; pois um quadro fantástico revezaria outro, até que finalmente a pessoa não consegue mais fazer uma ideia razoável sobre o assunto.
Ao passo que, tendo tido a experiência pessoal, centenas de conversadores poderiam dar-lhe novas e estranhas descrições de sua situação, que ela se rirá e talvez se aborreça com as mentiras atrevi- das de alguns que pretendam fazer-se importantes, expulsando-os de casa; pois nela vive a Roma verdadeira e não pode ser apagada por uma descrição imaginária.
E isto porque se gravou a verdade plena, através de muito esforço e trabalho, em sua alma e não somente no cérebro! Assimi- lou, assim, o verdadeiro espírito do assunto, pela alma; o quadro fiel e verdadeiro vive, pois, dentro dela e não mais pode ser anulado por outro, fantástico.
Por esse exemplo demonstrou-se a diferença existente entre aparência enganadora e verdade plena, em todas as relações. O que não se tornou quadro vivo na alma poderá ser facilmente substituí- do. O mesmo sucede com Minha Doutrina.”
IMPORTÂNCIADAATITUDE CRISTÃ
(O Senhor): “Podereis anotar a Doutrina, palavra por pala- vra, com sinais indeléveis para todos os tempos, de sorte a impedir se venha perder uma só virgula, prepará-la a todos os povos, que exclamarão, uníssonos: ‘Eis um Ensinamento maravilhoso, digno de Deus!’ Se ninguém pusesse mãos à obra, agindo dentro de seus princípios e exigências — acaso seria ela de utilidade? Em absoluto! Poderá um medicamento curar um enfermo se ele não o tomar de acordo com a prescrição do médico?!
Se, porém, a pessoa pouco souber deste Meu Verbo, e no entanto agir prontamente conforme ensina, terá benefício maior e
mais vivo que o outro que, embora fale de Mim e de Minha Dou- trina com o máximo respeito, jamais se decide à ação corresponden- te. O primeiro verificará em sua alma o reduzido conhecimento, e da pequena semente surgirá, em breve, uma grande colheita vinda do espírito, impossível de ser destruída por um poder maldoso; en- quanto o elogiador e conservador fiel de Minha Doutrina, instigado pela fome espiritual, açambarcará todos os outros ensinamentos — e mesmo assim, morrerá de fome. Seria possível uma alma reconhe- cer-me no Além se ela não se tiver apossado, pela ação, do Espírito Verdadeiro de Minhas Palavras em toda sua plenitude?!
Admitamos que alguém apenas soubesse ser preciso amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, e chegas- se a meditar o seguinte: Que Ensinamento grandioso! Deve existir um Ser Supremo que, pelas Suas Obras, Se manifesta cheio de Bon- dade e Sabedoria; por isso deve ser considerado, respeitado, honrado e amado muito mais que tudo na Terra. O meu próximo é, tanto quanto eu, uma criatura de Deus e vive neste mundo com os mes- mos direitos. Não pode ser menosprezado, mas em virtude de meu raciocínio, sou até mesmo obrigado a fazer-lhe o que espero ele me faça. Pela desconsideração, igualmente me desconsideraria, porque também sou apenas um homem e nada mais. Reconheço isto como máximo princípio de vida e respeitá-lo-ei rigorosamente!
Ele, então, começa a agir, a fim de convencer os que o ro- deiam através do exemplo e ensino simples e modesto, educando sua família como modelo de criaturas verdadeiras e devotas. Quais serão os efeitos de tal empreendimento louvável? Viverão em paz, e nenhum se elevará acima do outro. O compreensivo se dá ao tra- balho, com toda paciência e amor, a educar os incompreensivos, chamando-lhes a atenção para os milagres da Criação Divina, e se alegra por ter fortificado o fraco. Isto se dando pela ação, também é assimilado pela vida da alma, que assim se torna mais forte e ativa.”
(O Senhor): “Quanto mais ativa a alma, tanto mais lúcida se torna, pois o fogo é o elemento básico da vida psíquica; quanto mais poderosamente esse elemento começar a agir, tanto maior luz espargirá. A alma se tornando plena de fogo, aumenta também sua irradiação, podendo, através de tal elevada luz de vida, penetrar mais e mais nos segredos internos do espírito.
Essa percepção e compreensão mais apurada estimulam a alma no amor e na admiração mais profunda de Deus, e tal senti- mento é a primeira fagulha do Espírito Divino dentro da psique; ela cresce de modo poderoso e, em breve, a alma e o Espírito de Deus serão unidos, e ela será por Ele levada a toda Verdade e Sabedoria.
Uma vez alcançado tal saber profundo, como vos falei e exem- plifiquei durante vários dias, dizei-Me se nisto cabe a responsabilida- de de ter o homem recebido Minhas Palavras exatas e inalteradas?! Não! Ouviu apenas as duas Leis do Amor; o resto foi sua própria conquista, obtida pelo vivo e consciente cumprimento das mesmas!
Alguns dentre vós se perguntam, no íntimo, não obstante ter Eu Me explicado de modo compreensivo: Como pode o sim- ples cumprimento de duas Leis elevar a alma a tamanhas alturas de Sabedoria? E Eu respondo: Por ser a alma, desde o início, assim organizada!
De que modo amadurece uma uva, apesar de ser simples planta?! Pelo efeito de luz e calor, que despertam e acionam os ele- mentos da Natureza dentro da videira. Pela ação cada vez mais efe- tiva, onde se dá um atrito constante, tornam-se eles mais fogosos e luminosos, estimulando sua inteligência individual; quanto mais esta se aclara, tanto mais eles se reconhecem como pertencentes à mesma ordem, começando então a organizar-se e a unir-se. Quando tiver alcançado a justa medida — a uva estará madura e saborosa.
Se o suco for bem guardado num vasilhame, os elementos equilibrados não mais permitirão a invasão dum corpo estranho, que contenha elementos de ordem diversa, podendo perturbar o
equilíbrio do mosto. Tão logo perceba algo de heterogêneo, ele fer- menta e se agita até que tenha expelido o elemento estranho ou este se tenha submetido à sua ordem. Isto feito, desperta o espírito da nova luz e calor pela ordem de todos os elementos do mosto puri- ficado, transformando-o num vinho espiritualmente forte e puro.
Eis o efeito do Sol, isto é: de sua luz e calor. O mesmo acon- tece com a criatura e sua alma! Podendo levar sua alma à maior atividade pelo cumprimento duma Lei da Ordem Divina, todas as suas esferas de vida se tornam mais claras e calorosas. Isto lhe facul- ta maior compreensão e pureza, reconhecendo a Força Divina, que nela Se esparge mais e mais, produzindo sensação de vida espiritual.
Uma vez que reconheça esse Poder, terá aceito Deus, de onde emana tal Força; assim a alma será levada a amá-Lo cada vez mais. Este amor expele tudo que seja estranho à sua ordem vital mais pura e perfeita, unificando-se com a Ordem do Espírito Divino dentro dela. Sendo este o efeito lógico e seguro, subentende-se que tal psi- que aumente em força e poder provindos de Deus, tornando-se, assim, um Verdadeiro Filho do Ser Supremo.
Quando um dia deixar seu corpo, ingressando no Além em plena consciência, de pronto reconhecerá Deus, porque em vida já se unira a Ele, elevando-O à consciência plena e lúcida pela simples razão de ter a Consciência do Espírito de Deus Se tornado consciên- cia perfeita da própria alma.”
OPROFUNDOSABER,SEM AÇÃO
(O Senhor): “Se isto tudo só pode se dar conforme acabo de explicar, torna-se fútil a preocupação de se querer conservar puro o que vos foi transmitido. Necessita o homem apenas uma semente pequenina, qual grão de mostarda; se ele a depositar no solo da vida de seu coração e a cuidar ativamente, surgirá uma árvore cujos ga- lhos os pássaros celestes poderão habitar.
Acaso os fariseus não possuem os Livros de Moysés e dos pro- fetas, completos?! Que lhes adiantam? Pois mesmo assim são lobos
vorazes com pele de cordeiro, para melhor devastarem as manadas pacíficas.
Afirmo-vos: Todo exterior, por mais puro que seja, mata; so- mente o espírito possui vida e vivifica tudo que penetra; por isto, reduzireis Minha Doutrina de modo acessível, de acordo com as necessidades gerais dos homens. Quem agir dentro dela despertará em si o espírito de Deus, à medida de sua atividade, e este então vivificará a alma na luz e no fogo da Verdade Plena; deste modo, a psique será levada a todas as profundezas da Sabedoria Divina, integrando-se daquilo que vos falei, e ainda de outras coisas mais.
Calculai Eu vos querer revelar, de modo analítico, toda Mi- nha Criação, do mais sublime ao mais ínfimo, para cuja finalidade convocaria muitos milhares de anjos, a fim de anotarem tal Reve- lação. Para tanto, necessitaríamos quantidade tão enorme de per- gaminho, a não caber num enxame globular; e ainda mesmo todo ele escrito, dizei-Me: quando teríeis concluído tal leitura? Presumo compreenderdes vossa tolice!
Viajai para Memphis, Thebas, Karnag e Alexandria, onde encontrareis bibliotecas genuínas; mas vos garanto não haver pessoa que as lesse em quinhentos anos. Necessário para tanto seria, no mínimo, a idade de Mathusalém. E qual o benefício de tal leitura? Sua memória começaria a falhar de dia para dia, de hora em hora e de minuto em minuto — portanto não tiraria o menor proveito para sua vida.
Percebei agora o caminho diverso que vos demonstro com a Minha Doutrina, pelo qual se consegue, em curto tempo, o ingresso em toda a Sabedoria Celeste?!
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida! Quem Me tiver aceito na alma, com amor — não só pela fé derivante da leitura, mas pela ação perfeita — será por Mim procurado em Espírito, e Eu revelar-
-lhe-ei e o iluminarei qual Sol nado aclara os vales obscuros da Terra.
Com um só golpe de vista do espírito, ele perceberá mais — em suas bases profundas — do que pela leitura de milhares de anos, na hipótese de ele viver tanto tempo.
Vós mesmos muita coisa ouvistes e assististes há vários dias, enquanto passei ensinando e agindo em vosso meio, e vossas almas se tornaram mais alertas e em vosso coração penetraram amor, fé e confiança plenas. Se, porém, assim permanecerdes, pouca utilidade teríeis lucrado para vossa psique e vosso conhecimento e saber es- tacionariam.
Deveis, de agora em diante, tornar-vos ativos dentro de Meu Verbo; isto animará e iluminará vossa alma, permitindo ao Meu Espírito nela habitar, para levá-los à Sabedoria Completa.
Nisto se baseia a Nova Escola da Vida Verdadeira e os Úni- cos Conhecimentos de Deus e de si mesmo; denomina-se Minha Doutrina um Verdadeiro Evangelho, porque ensina as criaturas ca- minharem na trilha justa e genuína para alcançarem a Vida Eterna, o Amor Único e a Sabedoria de Deus.
A Doutrina é curta, e quando compilada num livro, pode ser lida em poucas horas. A leitura cuidadosa somente trará o conhe- cimento externo à pessoa — fato necessário no princípio.
Este ato é idêntico ao primeiro passo duma viagem; pois se devo Me encaminhar para Damasco sem dar o primeiro passo, su- bentende-se não poder efetuar os seguintes. Ainda mesmo dando até o quarto, de nada Me adianta caso estacione, achando mui cansativo prosseguir até chegar àquela cidade.
Demonstrei-vos nitidamente o que vos cabe fazer para al- cançardes realmente a Vida Eterna e toda a sua justiça. Agi deste modo, que Minha Promessa se cumprirá em todos; pois de tudo aquilo que até hoje revelei, istoé o mais importante para a vossa vida!
Pela revelação dos inúmeros milagres de Minhas Criações, muito haveis aprendido; contudo sabeis apenas o que ouvistes e assististes, nada mais. Por esta explicação vos apontei, minuciosa- mente, o que todos devem fazer a fim de alcançarem a ilimitada contemplação de todos os milagres das Criações Infinitas de Deus, que perdurarão eternamente.”
(O Senhor): “Agi, portanto, neste sentido e analisai-vos mi- nuciosamente se não omitis qualquer coisa, a fim de que não sejais finalmente obrigados a confessar: Durante dez a vinte anos fiz tudo o que a Doutrina prescreve; entretanto, encontro-me no mesmo ponto; nada sinto duma especial inspiração, e muito menos dum vestígio da tal ‘Vida Eterna’. Que mais me falta?
Por isso vos aconselho: Examinai-vos cuidadosamente se pensamentos de vantagens mundanas não se infiltram em vosso co- ração; se um orgulho passageiro, uma economia excessiva, irmã da avareza, a ambição, o juízo temerário, a tendência para contestação, a inclinação voluptuosa etc. não prendem vosso coração e alma. En- quanto uma dessas tendências ainda existir dentro de vós, não é possível cogitar-se do cumprimento da promessa que vos dei.
Analisai o mosto dentro dum vasilhame; enquanto contiver partículas brutas e heterogêneas, ele fermentará sem conseguir uma pureza; tão logo as tiver expelido, ele se tornará transparente, puro e espirituoso.
Haverá muitos não mui distantes da plena conquista do Rei- no do Céu em sua alma; no entanto, não o conseguirão porque não se examinam suficientemente para descobrirem o que de matéria ainda se prende às suas almas. Se prestarem atenção, perceberão se- rem ainda mui suscetíveis, podendo ser ofendidos com facilidade.
Alguém poderia então indagar se o homem não deve ter brio, e Eu responderia: Sim, pode; deve, porém, ser da mais nobre qua- lidade. Alguém te ofendendo em virtude de sua fraqueza espiritual, não te deves zangar, mas dizer-lhe: Amigo, não me podes insultar, pois te amo, bem como a todas as criaturas. Abençoo a quem me maldiz e faço a caridade a quem me prejudica. Todavia, não é justo ofender-se o próximo; por isso, não mais o faças em teu próprio benefício. Nesta tua crescente tendência de magoar alguém, pode- rias dar com uma pessoa irritadiça, e serias o próprio culpado pelo aborrecimento que surgiria.
Caso puderdes falar deste modo com alguém que vos ofen- der, sem o menor rancor no coração, tereis justificado o brio nobre e divino em vós. Enquanto, porém, ainda perceberdes o menor res- sentimento, apresentando-vos com amargura e descortesia, provais um pequeno orgulho oculto na alma, bastante para impedir a união de vossa alma com o Meu Espírito de Luz.
Suponhamos ser um de vós várias vezes abordado pelo mes- mo mendigo, pedindo um óbolo considerável. Sois tão felizes em poder-lhe dar mais que mil vezes; sua ousadia vos melindra e por isto lhe pedis que se afaste e não repita tanto suas exigências, supon- do dever sempre ser atendido.
Tal admoestação se aplica para uma criatura mundana, e o mendigo bem a merece; mas quem deste modo tratar um pobre ain- da não está amadurecido para o Meu Reino, pois deixo surgir Meu Sol todos os dias, irradiando sobre bons e maus, e a bem de todas as criaturas.
O mesmo raio que glorifica os palácios dourados dos reis e destila, amadurece e adoça na videira o suco mais puro ilumina tam- bém poças e valas, sem se aborrecer com o coaxar das rãs e o ciciar do grilo. A parcimônia contém algo de mesquinho; a mesquinhez e a economia não distam muito da avareza, e perturbam o mosto vital da alma; enquanto esse estado perdurar, ela não se poderá tornar um vinho destilado e puro.
Quem sentir grande prazer em dar, sem se aborrecer com o pobre que o tenha abordado por várias vezes, será capaz de ingressar no Meu Reino, caso não descubra outro pequeno defeito em sua alma. Por isto, recomendei a análise própria, elevando-vos àquele princípio de vida onde percebeis, com nitidez, estardes livres de to- das as máculas terrenas.”
(O Senhor): “Um dentre vós conjectura ser realmente ne- cessário o exame próprio; onde, porém, buscar a justa medida do sentimento e da consciência? Desde o nascimento a criatura se habi- tua a sentimentos e hábitos do povo, achando tudo certo o que faz dentro de tais normas, e caso agisse contrariamente, sua atitude seria classificada de pecado. Consta ser a economia indispensável à nação, pois quem guardar quando jovem não sofrerá privações na velhice, e quem não trabalha e economiza também não come.
Meus caros amigos, conheço bem tais princípios, em si, de modo algum condenáveis. Devem existir e serem considerados, mas sempre num sentido elevado. A fim de que perdurem sob tal aspec- to, e nunca se desviando para baixo e para cima, preciso é propor- cionar-lhes um regulador seguro e equilibrado. Que vem a ser tal regulador? Nada mais que o verdadeiro e puro amor ao próximo, cujo axioma consiste na pessoa desejar e fazer ao semelhante o que espera que lhe faça, dentro da razão e do equilíbrio.
Quem considerar tal ponto de vista perceberá não haver ou- tro que leve todas as criaturas a certa aplicação e economia verdadei- ra e nobre; pois se acho desagradável alguém ser preguiçoso enquan- to trabalho, devo respeitar a mesma diretriz.
Se isto todos fizerem por amor ao próximo, puro e nobre, dentro em breve haverá poucos pobres numa comunidade. Excetu- ando-se os aleijados, enfermos, cegos, surdos e leprosos, não haverá quem pese a ela; todavia, devem eles ser tratados convenientemente e de boa vontade.
Também existirão os professores, cuja profissão não lhes dará tempo para suprirem-se pela lavoura. Em tais casos convém ao Conse- lho cuidar deles, no que também consiste um ato de amor ao próximo, de grande valor. Pois quem vos supre evidentemente com tesouros es- pirituais, portanto verdadeiros, não deveis deixar passar necessidades.
Quem, todavia, tiver recebido tal Graça por Mim e foi cha- mado a doutrinar em Meu Nome, convém considerar que a recebeu gratuitamente, e não deve se fazer pagar pela transmissão. Aliás, será esta a atitude do justo professor. Os beneficiados devem recebê-lo com carinho espontâneo, evitando, por amor a Mim, que venha a passar qualquer privação; pois entende-se que aquilo que fizerem a um enviado por Mim terá o mesmo valor como se Me tivessem favorecido Pessoalmente.
Todos os seus atos deverão ser feitos com grande alegria, a fim de que o coração do professor não se entristeça quanto à dureza de sentimento dos membros da comunidade, observando com sa- tisfação que Minha Palavra por ele pronunciada já começa a dar os frutos nobres da vida verdadeira e espiritual.
Vedes, portanto, ser o amor ao próximo, razoável e nobre, o mediador indispensável à vida terrena, a fim de analisar a pureza da própria alma. Empregai-o antes de tudo, que obtereis, em breve, a colheita abençoada para os Celeiros da Vida Eterna, na luz de Meu Espírito em vós. Que te parece, Mathael, é possível conservar-se Mi- nha Doutrina inteiramente pura em todas as criaturas, até o Fim dos tempos?”
Responde ele, comovido pelo Ensinamento: “Senhor, deixa-
-me meditar, para depois Te agradecer por esclarecimento tão impor- tante para todas as minhas preocupações. Tenho de expandir-me; no momento, porém, meu coração ainda se acha demasiado comovido!”
OAMOR,ÚNICOEVERDADEIROLOUVORA DEUS
Após certo tempo, Mathael se acalma um pouco, e pretende iniciar um louvor entusiástico à Minha Pessoa. Eu, porém, lhe digo: “Irmão, sei desde já o que desejas dizer desde o Alpha ao Ômega; portanto, desiste. Não sou amigo de tais discursos efusivos e prefiro que Me ames com toda profundeza de teu coração.
Quando estiveres com teu povo, poderás fazer-Me um gran- dioso elogio, e Eu te recompensarei com toda sorte de dádivas para
o teu coração, alma e espírito; em Minha Presença, isto não é neces- sário, porquanto os presentes Me conhecem tanto quanto tu, dedi- cando-Me o mesmo respeito.
Acredita-Me, nunca se escreveu coisa mais grandiosa, eleva- da e digna de Deus do que os Salmos de David e o Cântico de Salomon; com isto, todavia, não se tornaram mais meritosos, pois Salomon perdeu Minha Graça por culpa própria, e David não foi por isto um homem de acordo com o desejo de Deus, e sim por ter aceito Minha Vontade. Por aí vês o que diante de Mim tem real valor. Faze o mesmo e ter-Me-ás honrado para Minha Alegria e em benefício real de tua alma.
Vejo que Roklus guarda algo em seu íntimo, desejando expli- cação mais minuciosa. Vem, Meu amigo!” Solícito, Roklus aproxi- ma-se e diz: “Senhor e Mestre, eis diante de Ti Teu servo mais ínfi- mo e inútil. Ordena, que prontamente agirei; ouvi Tuas Palavras e as analisei no fogo de meu coração, onde tudo teve um eco real. Saber e conhecimento devem ser o início — em seguida tem de vir a ação; estou tão convencido disto, que nem todos os sábios do mundo me poderiam abalar.”
Digo Eu: “Temos diante de nós uma tarefa enorme, e há poucos trabalhadores. A colheita poderia ser rica, pois os grãos estão maduros; os ceifadores e colhedores, porém, são escassos. Por isto, urge pôr mãos à obra e recolher o trigo a Meu Celeiro antes que venham as tempestades, espalhando a nobre semente e atraindo os pássaros para saciarem sua fome voraz.
Ainda existem alguns cedros no Líbano, à cuja sombra orou Samuel. Naquela época as árvores eram jovens, cheias de força e viço, e as tempestades enraivecidas procuravam nelas saciar sua impetuosidade, sem consegui-lo. Mas a idade abate e enrijece os tendões da vida; por tal motivo, aqueles cedros mantêm certa for- ça em alguns galhos, e desafiam a tempestade; mais de dois terços dos galhos, porém, já ruíram e o resto só em parte é forte, dando acolhida precária aos macacos. Tens agora um trigal maduro para ser colhido e poderás replantar o Líbano com jovens cedros, como
guarda florestal. Mas que fazer, para concluir a tarefa antes da época das intempéries? Entendeste-Me?”
Roklus arregala os olhos e diz: “Senhor, sei que falaste em grego perfeito, mas não entendi uma sílaba sequer. Onde tens tal campo, cheio de trigo maduro? Basta mo dizeres, que amanhã mes- mo o farei recolher com mil ceifeiros! Que nos importa o Líbano, desprovido de cedros? Os que lá vivem poderão cuidar de seu cul- tivo, a fim de que os macacos possam pular à vontade. Julgo ser mais útil interessar-se pela cultura humana, e deixar o Líbano em paz. Quanto ao Teu campo em Nazareth, tomá-lo-ei a meu encar- go e amanhã à noite, não mais haverá um grão de trigo exposto à ventania!”
SENTIDOESPIRITUALDA PARÁBOLA
Digo Eu: “Meu amigo, os pássaros têm seus ninhos e as ra- posas seus covis; Eu, como Filho do homem, não tenho, nesta Terra, uma pedra que pudesse, como posse legítima, pôr debaixo de Minha Cabeça — muito menos um trigal maduro!
O ‘campo’ de que falei é este mundo; seu ‘trigo’ maduro são as criaturas, e os ‘ceifeiros’ os que chamo de Meus discípulos. De- vem se espalhar pelo mundo, converter os homens e levar ao bom caminho todos que se desviaram por atalhos à procura dum refúgio seguro, com tríplice venda nos olhos.
Acham-se amadurecidos, porque neles despertou e se vivi- ficou o zelo por destino mais elevado. Todos procuram a paz viva, coroada pela bem-aventurança, nas trilhas errôneas — e por isto alcançam somente a morte física, não obstante todo zelo. Quanto ao Além, permanecem na treva completa!
Enquanto a criatura não sentir tal necessidade e vivendo como animal, despreocupado em sua esfera, alimentando-se qual pólipo no fundo do mar — não existe amadurecimento para uma revelação superior. Homens, atualmente em grande número, até mesmo entre pagãos, no todo quase um terço da Humanidade, que
anseiam por uma felicidade embora sonhada, mas ainda se achando enterrados em várias paixões — representam o ‘trigo’ amadurecido, apto para uma visão mais elevada para a Verdade de Meu Reino. Necessitam eles de muitos ceifeiros, isto é, doutrinadores de Minha Escola, providos de muito amor, paciência, meiguice, saber e força.
Existem poucos e, além de vós, somente os núbios que aqui vieram buscar a Luz necessária para sua raça, onde terão bom êxito. Por isto, deveis, vós poucos, não descansar senão trabalhar dia e noi- te, a fim de que aumente o número de trabalhadores no vasto campo de Meu Trigal. Eis o sentido das Minhas Palavras quando Me referi ao Meu Campo, ao trigo e aos poucos ceifeiros.
Quanto ao antigo ‘Líbano’, com seus cedros, deve ser inter- pretado como a Escritura de Moysés até a época de hoje. Se bem que ainda exista, seus quadros se tornaram ocos e velhos como os cedros anteriormente tão maravilhosos que forneceram a madeira para a construção interior do velho Templo de Jerusalém, bem como à Arca da União.
Os cedros apontam as palavras e as Leis da Escritura. Anti- gamente, quando ainda novos e fortes, eram de grande utilidade aos homens, e o Juiz Samuel podia, realmente, orar à sombra de seus galhos. A ganância dos homens desarborizou quase todo o Líbano, e no lugar dos velhos cedros, em breve, nasceram arbustos e mato; os cedros restantes com seus galhos secos só servem de proteção ocasio- nal aos macacos, pois eles não podem dar real valor àquelas árvores.
O mesmo acontece às antigas Escrituras e aos profetas. Ve- nera-se cega e tolamente o antigo Livro em cima dum Altar, como se fora uma divindade, sem preocupar-se com seu conteúdo, que de modo algum é aceito para diretriz na vida. Tal homem assemelha-se ao macaco que salta alegremente de galho em galho, atirando-os a quem o pretenda enxotar, porquanto esse animal usa aquela árvore de valor para finalidade diversa da que a natureza o exige.
Deste modo, a Escritura é nada mais aos homens que um ce- dro velho ao símio, e todo Líbano é coberto de vegetação abundante e venenosa. Tais arbustos são comparáveis às instituições perniciosas,
tomando lugar das Leis Divinas e, além disto, parecem-se aos sepul- cros dos profetas, artisticamente caiados; no interior, estão cheios de podridão, mofo e mau cheiro, enquanto a palavra viva dos profetas, anotada nas Escrituras, continua sem consideração. São adoradas qual Santíssimo, e as mãos de quem as tocar de modo profano são esfregadas com sal até sangrarem — mas nunca se cogitou de aplicar os Ensinamentos. Que vem a ser em tal caso a Santa Escritura? Nada mais que o Líbano coberto de erva daninha, uma habitação para macacos, ao invés de pessoas de entusiasmo espiritual.
Pode acontecer com o tempo ser Minha Doutrina adorada qual ídolo, sem ao menos despertar interesse seu sentido intrínseco, e assim seguir-se-ão as leis do mundo, dizendo: Que mais precisamos?
Terá, então, chegado a época de que falou Daniel quando se achava no local sagrado: Virá naquele tempo uma atribulação entre os homens como jamais houve, desde o início do mundo! Penso teres compreendido os dois quadros.”
AMADURECIMENTO ESPIRITUAL DOS COOPERADORESDO SENHOR
Diz Roklus: “Senhor, entendo-o plenamente, todavia sinto certa tristeza. Quanto ao número pequeno de ceifeiros, dispões de enorme quantidade de ‘Raphaéis’, que poderiam converter as criatu- ras, como fez ele comigo — e em poucas horas, a situação mundial seria outra. Assim como não levei prejuízo através deste ensino, ou- tros tampouco ou talvez ainda menos serão prejudicados.”
Respondo: “Está muito bem, Meu amigo. Isto será feito com pessoas de teus conhecimentos, experiências e providas de teu senso de justiça equilibrado. Contudo, existem poucas, e as mais prestá- veis e puras de todo orbe se acham todas aqui; pois Eu assim quis que viessem de longe unir-se a Mim.
Eu Mesmo preparei as circunstâncias de longa data e de tal forma a chegarem nesta época aqui, a fim de serem ensinados por Mim e Meus anjos. Todos receberam, como tu, o Ensino em li-
nha reta dos Céus; mas como já disse, somente vós sois capazes de assimilá-lo.
Para os restantes, tal meio de ensino mais elevado e espiri- tualmente forçado não serviria, prejudicando mais do que os be- neficiando, porque seriam obrigados a aceitar tudo o que aqui foi ensinado como efeito dos milagres ocorridos, onde o conhecimento e o livre arbítrio estariam impedidos para sempre ou, no mínimo, por muito tempo. Convosco se torna desnecessária tal preocupação, em virtude de vosso conhecimento bem fundado e as inúmeras ex- periências em variados assuntos.
Dize-Me se ao menos ummilagre conseguiu perturbar-te! Em tuas próprias ações milagrosas, partias do ponto de vista não existir um feito sobrenatural no mundo inteiro; havia apenas pes- soas que, através de seus talentos e capacidades, sabiam aproveitar as forças ocultas da Natureza, extasiando outras que nem de longe suspeitavam ser possível realizar-se um milagre por via natural.
Para criaturas de tua compreensão, não há milagres preju- diciais; pois perguntarão pelas possibilidades, como também o fi- zeste. O momentâneo aparecimento da casa nova, do jardim, do cais e seus cinco navios pouco te alterou, pois havias presenciado um mago na Índia que projetava até mesmo zonas completas. Por que não poderia haver aqui alguém que efetuasse o milagre ocorrido com a propriedade de Marcus?!
Raphael pelejou para te convencer de algo melhor; ainda as- sim insatisfeito, continuaste a pesquisar e fizeste questão de saber a base espiritual que facultasse tal realização pelo emprego da vontade do espírito. Esse meio foi a todos vós demonstrado, e ficaste ple- namente satisfeito; do contrário, não terias confessado, após todas as explicações, ser-te tudo evidentemente claro. Nunca terias aceito algo de místico e misterioso. Muitos aqui presentes são como tu; não se satisfizeram apenas com a superfície do mar, mas pediam orienta- ção daquilo que oculta sua profundeza.
Assim está bem; pois somente os de raciocínio mais lúcido e vigilante podem assimilar uma revelação da vida mais profun-
da, continuando livres na aceitação e vontade, e se prestam para verdadeiros ceifadores no Grande Campo de Meu Viveiro Huma- no. Podes contá-los pessoalmente — e não encontrarás muitos nesta Terra.
Se, portanto, afirmo estar a colheita madura e grande e os trabalhadores serem poucos, compreenderás o motivo. Para vós, ap- tos, nada ocultei, demonstrando e revelando o Universo e a Eter- nidade em seus traços gerais, de modo profundo e dentro de vossa assimilação não mui aguçada, apontando-vos nitidamente que Meu Espírito vos revelará o Todo.
Repito, só Me foi possível fazê-lo convosco, porque as cria- turas, em geral, não possuem capacidades livres de preconceitos e muito tempo levarão para chegar a tal ponto; primeiro, por estarem presas a muitas superstições; segundo, por se enterrarem em inte- resses egoísticos de lucros monetários, tomando por desnecessárias as aparições espirituais, que se apresentam como algo incômodo e embaraçoso na livre ação de seus negócios.
Acaso pretendes enviar-lhes o anjo Raphael? Digo-te, com sinceridade, não possuírem tais pessoas, para fatos tão extra- ordinários, capacidade intuitiva e inclinação, e além disto seriam prejudicadas.
As de fé supersticiosa e fraca acreditariam de modo rápido; ao mesmo tempo, fariam imagens de Mim, Raphael e até mesmo de vós, Meus amigos, construindo-nos templos onde seríamos ado- rados como ídolos. As criaturas do mundo nos enxotariam como trapaceiros e preguiçosos. E caso as tratássemos pelo Poder e a For- ça Divinas, não nos dariam atenção, mas procurariam matar-nos e extinguir-nos como inimigos da sociedade — fato que ainda ocor- rerá Comigo.
Vês, portanto, de quantos cooperadores dispomos. Só nos resta pôr mãos à obra e trabalhar com afinco, enquanto a luz do dia o permite; pois uma vez a noite tendo chegado, será difícil traba- lhar-se. Assim estando reunidos, iniciaremos todos juntos a grande Obra, tão logo o Sol aponte.”
(O Senhor): “Não quero, desde já, afirmar que nosso em- preendimento terá este ou aquele resultado; pois se a Grande Obra deve ser coroada de êxito, nem Eu Mesmo posso lançar um olhar no futuro distante, a fim de que nada se interponha entre Mim e as criaturas capaz de influir sobre seu livre arbítrio.
De nossa parte só nos cabe informá-las da Vinda do Reino de Deus, do puro Amor e da Verdade, e caso preciso, acrescentar um milagre que só pode redundar num benefício e jamais numa puni- ção ou vingança irada, ainda mesmo se sofrermos a maior desdita, em virtude da cegueira dos ignorantes. Quem assim agisse produ- ziria o mal em vez do Bem, e Eu Me veria forçado a lhe tirar toda Minha Graça e, finalmente, fitá-lo com irritação.
Minha Doutrina deve, portanto, ser transmitida a todos os povos da Terra sem qualquer coação externa e muito menos interna, e os milagres só podem ser efetuados onde as pessoas tiverem fé viva, que convença o coração incapaz de se deixar influenciar por dúvidas externas, e além disto possuírem muitos conhecimentos e experiências.
São impraticáveis quaisquer feitos milagrosos diante de cria- turas supersticiosas e de fé vacilante, porquanto lhes tirariam todo vestígio duma vontade já fraca. Neste caso, Minha Doutrina vinda dos Céus não lhes seria mais útil que sua antiga superstição; come- çariam, dentro em pouco, a imputar às Palavras do Céu certo efeito de magia divina, deixando-se por ele influenciar e se manter passivas em todas as situações, sem considerarem a aplicação da mesma.
No final se tornariam tão preguiçosas, como existem hoje em dia muitos judeus abastados que pagam os fariseus a fim de que orem por eles, e outros tantos também o fazem, alegando não dispo- rem de tempo e, além disto, acham incômodo lerem aquelas preces compridas.
Se isto acontecer à Minha Doutrina, não distará muito um julgamento geral, que conduza tudo ao antigo estado de Verdade,
como na época de Noé. Por isto ensinai a todos a Verdade pura e atirai para longe todo misticismo e magia, se não quiserdes errar. Pois se alguém sair da atividade de seu livre arbítrio, passando a uma espécie de indolência beata, deixa de ser homem, classificando-se abaixo da dignidade dum irracional e assemelha-se a um arbusto silvestre, que vegeta apenas pela influência externa da luz solar e seu calor, incapacitando-se para qualquer atitude própria.
Para tais criaturas, até mesmo o amor esfria e o pobre se tor- na finalmente u’a mosca incômoda, a perturbar seu sono egoísta. No que diz respeito ao amor de Deus, elas pretendem comprá-Lo através de oferendas e preces. Dize-Me, que aspecto terá o Reino de Deus nesses corações? Não quero afirmar ser de se esperar tal estado nos posteriores adeptos de Minha Doutrina; mas pode assim acon- tecer em época não mui distante, caso não fordes bastante prudentes como disseminadores.
Fiz de vós mensageiros livres e não dependentes na divulga- ção do Reino de Deus na Terra. Se bem que recebais de Mim orien- tação sobre o que deveis falar — é ela jamais uma imposição, por serdes, antes de tudo, Meus queridos e primeiros filhinhos! Jamais imporei Minha Vontade dentro da Sabedoria, senão a transmitirei por ensino e conselho; só então deveis aceitá-la pela vossa vontade e ação, e isto através de muita renúncia nas coisas do mundo.
Já sabeis que todo mundo e sua matéria existem em virtude do espírito, e não o espírito por causa da matéria; portanto, seria extremamente tolo de vossa parte caso vos decidísseis por ela, quan- do já integrastes mais da metade de vossa vida ao espírito. Nunca haverá de Minha parte uma imposição na vossa integral determina- ção; pois toda e qualquer obrigação é questão pessoal de cada um, porque dela depende sua vida eterna.
O saber e a fé somente a ninguém ajudam, senão a ação dentro desses conceitos. Por isto deveis recomendar, antes de mais nada, a atividade a quem fordes transmitir Meu Verbo. Porque sem ela, as promessas que Ele contém não poderiam ser cumpridas, tam- pouco quanto um homem jamais chegará a Damasco — mesmo
conhecendo o caminho e possuído de fé que o levaria em linha reta até lá — caso não encetar a marcha ou, na hipótese de realizar tal empreendimento, for impedido por pequenos senões.”
A ATITUDE DENTRO DA DOUTRINA E AS PROMESSAS DEDEUS.ASCERIMÔNIAS RELIGIOSAS
(O Senhor): “Deveis, pois, relembrar vossos futuros adeptos a não se tornarem eles apenas ouvintes e crentes da Nova Doutrina, mas executores tenazes dentro de seus princípios; somente quando cada um perceber a realização de suas promessas ela se tornará Ver- dade Plena que os obriga a confessar: O Evangelho é realmente de Deus, porque começam a se cumprir uma promessa após outra, à medida que se aplicam suas normas.
Isto alcançado, a vitória será ganha, servindo de exemplo para outros, ainda no princípio das experiências, onde não conseguiram efeito algum. Serão deste modo animados a trabalharem com mais energia, condição indispensável à colheita de resultados, se bem que escassos no início.
Sede, por isto, prudentes como as serpentes e raposas, contu- do meigos como as pombas, cujo arrulho de ira aparente nada mais é que amor oculto, razão por que os antigos as consideravam um símbolo de amor.
Tudo depende de vós, pois dareis início à propagação que continuará em vossos moldes. Se cometerdes o menor erro, surgirá em alguns séculos u’a montanha de pecados contra a justa ordem.
Não vos deixeis tentar por qualquer hábito venerável. Nem o sábado, tampouco a Lua nova, a Escritura, o Templo, os túmulos dos profetas, os locais onde Eu Pessoalmente trabalhei convosco, a influência de Meu Nome, as residências dos patriarcas ou determi- nadas horas do dia e outras tolices externas vos afastem da Verdade aqui aceita.
Tudo aquilo foi até então apenas um quadro correspondente disto que ora está diante de vós na Luz claríssima e como Verdade
pura e revelada. Era apenas uma imensa Escritura traçada sobre o arco da Terra e uma extensa Carta do Pai no Céu aos Seus filhos neste planeta, ora desvendadas diante de vós, que todos leram. Essa carta não tem mais valor, tampouco uma importância imprescindí- vel à vida.
Tudo se concretiza no amor a Deus e ao próximo, não so- mente na teoria, mas na ação verdadeira, no que não se precisam dum sábado, tampouco de Lua nova, do Templo, duma determi- nada época, duma vestimenta ornamentada, de longas preces ab- surdas, de sacrifícios, de contrição, de bois, vitelos e bodes para a matança e incineração — mas unicamente do amor tantas vezes por Mim revelado.
Não vos torneis negativos e fracos como divulgadores do Meu Verbo, seja em que conceito for, nem mesmo na escolha do ali- mento, pois aquilo que entra pela boca dentro da justa medida não vilipendia a criatura, senão o que por ela for proferido em prejuízo do próximo. Deste modo, patenteareis por esta Doutrina a Bênção e a salvação verdadeiras aos homens, de sorte que até mesmo em dois mil anos resistirá pura como a recebestes por Mim.
Tão logo ligardes a ela qualquer cerimônia antiga, mantendo certas datas e qualquer relíquia do Templo, tal erro aumentará ano a ano, desenvolvendo-se em alguns séculos para um estábulo de detri- tos, que finalmente será preciso purificar por um julgamento geral.”
SALVAÇÃODOJUGOCERIMONIALEDA LEI
(O Senhor): “Com isto vos transmito uma Doutrina de Deus e da Vida, que dista de qualquer ofício religioso tanto quanto um polo celeste do outro; nela se dispensam: sábado, templo, casa de oração, jejum, vara e vestimentas de Aarão, ornato de cabeça com dois cornos, da Arca, do braseiro de incenso, da água benta e muito menos da maldita. Nesta Doutrina, a criatura é tudo em tudo, e nada precisa além de si mesma.
Nas antigas doutrinas preparatórias, era o homem completa- mente material e foi-se apenas desenvolvendo e sublimando pouco a pouco, até se espiritualizar, de sorte que era necessário apresen- tar-lhe diversas formas, apetrechos e cerimônias correspondentes ao espírito.
Na Boa Nova, ele concentra tudo em si mesmo, assim como Eu — unido à Minha Divindade Eterna e Infinita — ora estou diante de vós, e afirmo não ser preciso procurar-se o Reino de Deus e Sua Justiça no Templo de Jerusalém ou no Garizim, e sim em toda parte onde haja uma criatura.
O coração será o Templo vivo do Deus Verdadeiro e Único, e o amor ativo, o exclusivo ato cerimonioso; e o amor a Deus, Sua Verdadeira adoração.
Como o verdadeiro amor de Deus não é realizável sem a ca- ridade e vice-versa, essas duas manifestações de afeto são realmente uma só, portanto a mesma veneração divina. Quem assim agir terá unido em seu coração todas as Leis e as determinações proféticas, e nada mais necessita.
Com isto, revogo toda Antiguidade, inclusive a Lei de Moy- sés, não por falta de consideração — isto nunca —, mas somente porque até hoje foi uma obrigação sancionada por castigo externo; assim a lei, na qual impunha o jugo na nuca do homem, é uma condenação a que ele não podia fugir. A criatura oprimida pelo peso da lei acha-se evidentemente numa constante condenação, e deste modo é espiritualmente morta e amaldiçoada pela liberdade da vida interna e divina.
Somente quando a lei se tornar sua posse e se submeter à liberdade da vontade própria e livre todo julgamento, condenação e morte chegarão a um fim; vim especialmente a este mundo para trazer a todos a libertação do jugo da lei, da condenação, da maldi- ção e da morte, razão por que afasto de vós tudo quanto é externo, devolvendo-vos a vós mesmos e assim vos torno filhos verdadeiros de Deus e senhores da lei e do julgamento.
Se vós e vossos adeptos continuardes dentro dessas normas, jamais sereis atingidos por um julgamento, porque estais acima do mesmo; tão logo vos submeterdes a uma antiga lei externa prenden- do-vos a cerimônias religiosas, ter-vos-eis submetido à condenação, e a morte vos açambarcará na mesma proporção.”
RELAÇÃO ENTRE OS FILHOS DE DEUS E AS LEIS POLÍTICAS
Manifesta-se Roklus, dizendo: “Senhor, como neste caso in- terpretar as leis de Estado? Não devem ser respeitadas, não obstante a pessoa ter alcançado o domínio próprio — ou seria possível agir-se com tais leis como se fez aos Mandamentos de Moysés?”
Digo Eu: “Mas, como podes classificar de leis as organizações de Estado?! Leis contêm apenas a Vontade manifesta de Deus; as determinações governamentais são somente expressão da vontade vacilante dum homem, e só podem ter relação com assuntos diver- sos, de ordem material. Sendo boas, aceitá-las-ás pelo livre arbítrio, tornando-te senhor das mesmas, sem poderes por elas ser condena- do. Quando prejudiciais, tens a liberdade de te afastar e mudar para zonas que facultem organizações mais sábias, ou então chamares a atenção do legislador pela falta de critério em alguns pontos, dando-
-lhe um conselho acertado. Ele o aceitando, tereis vosso benefício; não o fazendo, em virtude de seu orgulho dominador, segui cami- nho, pois a Terra é grande e há muitos países e regentes.
Quando vosso íntimo estiver purificado, tudo vos será puro; pois ao puro todas as coisas são puras, porque penetra na base de tudo. Com outras palavras: quem tem boa visão vê tudo iluminado como a luz do dia, e até mesmo a noite não é inteiramente escura; enquanto ao cego tudo é treva, sem haver diferença entre dia e noite.
Quem, portanto, tiver seu íntimo na ordem plena será tam- bém senhor da desordem que surge por qualquer motivo dentro do mundo. Já não mais havendo possibilidade de cair numa desordem
psíquica, bem pode resistir em qualquer sociedade política, seja sua base qual for, pois vê nitidamente onde deve colocar seus pés.
Eu Mesmo Me acho nesta Terra e Me submeto externamente à ordem prevista pelo Imperador de Roma, e não Me rebelo nem pela aparência. Acaso saio, por isto, fora de Minha Ordem Divina? Em absoluto! Eu sou Quem sou, invariável, e Meu Conselho tam- bém é aceito por aqueles com o poder absoluto em mãos. Justamen- te por tal motivo sou Mestre e Senhor sobre eles, sem que alguém pergunte: Senhor, como podes agir deste modo?
Acredita ser fácil alguém se tornar senhor dum povo quan- do realmente chegou a dominar a si próprio, sem ser inquirido da possibilidade; pois os próprios homens o elegerão e lhe pedirão con- selho, em massa. Que vem a ser um sábio conselheiro, senão um legislador precavido? Quem elabora leis, por certo será senhor sobre os que as aceitarem. Acaso não são plenipotenciários Ouran, Ma- thael, Meu nobre amigo Cirenius, Cornélio, Fausto e Julius, muito embora tivessem aceito Leis de Mim, chamando-Me de Senhor?! Por quê? Porque puderam conhecer a fundo a Verdade, sua força e poder! O que ora falo e faço também fareis dentro em breve, e ainda mais, podendo realizar os mesmos feitos sobre a Terra toda.
Sem dúvida nenhuma é preciso, para tanto, uma coragem decisiva que não tema a morte. Como poderia alimentar tal temor quem tem dentro de si a Vida Eterna na maior clareza e tornou-se senhor perfeito da vida, sabendo que aqueles capazes de matar o cor- po não mais poderão prejudicar a alma e seu espírito eterno? Além disto, a psique ganha, pela morte física, um prêmio indescritível, que todos os tesouros da Terra não poderão compensar.
Quem isto sentir numa certeza perfeita e profunda não mais pode recear a morte, e se assim fizesse assemelhar-se-ia a um tolo que se queixa por alguém lhe tirar a camisa de força, para revesti-lo com a vestimenta da liberdade mais elevada e sublime da Vida Eterna. Isto não sendo possível, também não vos faltará a coragem necessá- ria na justa época.
Tratai de vos tornardes senhores de vós mesmos, que tam- bém o sereis sobre todas as leis e condenação, e afastados da mal- dição duma lei tola do mundo. Cuidai, também, que outros vos imitem pelo conhecimento interno da vida, para se tornarem vos- sos verdadeiros amigos e irmãos, deixando de elaborar outras leis, porquanto também reconhecerão que a lei do espírito sobrepuja e revoga todas.”
TRAÇOSBÁSICOSNAEDUCAÇÃO INFANTIL
Diz Roklus: “Senhor, esta Verdade que acabas de proferir é evidente, e deste modo Tua Doutrina terá de permanecer pura como diamante, pelo que eu garanto dentro de meu Instituto. Apenas de- sejava a explicação dum pormenor, isto é, quanto à educação dos filhos. Conviria evitar-se a possível projeção de quadros, quando se lhes pretenda aplicar um ensino?”
Digo Eu: “Claro, pois precisamente a alma da criança a con- serva de modo indelével, onde dificilmente apagar-se-á. Ensinai-lhes primeiro a ler, escrever e contar; em seguida, revelai-lhes a forma da Terra, demonstrando em tudo sua base verdadeira, de acordo com sua compreensão. Enriquecei-as de conhecimentos variados, deixan- do que façam pequenas experiências, incentivando-as para tudo que é bom e verdadeiro.
Acredita-Me, as crianças aprendem muito mais facilmente o Bem e o verdadeiro, que todas as repetidas troças onde devem deci- frar algum sentido profundo, que as cansa e desanima. Aliás, perce- bereis isto tudo na maior clareza quando Meu Espírito vos conduzir a todas as verdades. Alguém mais tem qualquer dúvida? Então fale, pois aproxima-se a aurora de Minha partida, e Marcus começa a tratar do desjejum.”
Diz Roklus: “Senhor e Mestre desde Eternidades! Falando sinceramente, não sei com que dúvida deveria molestar-Te! Claro haver muita coisa insondável que poderias esclarecer, mas Tua Pro- messa garante meu futuro conhecimento. O mais importante de
tudo é o Caminho que devemos trilhar para chegarmos ao desejado domínio de nós mesmos. Isto alcançado, teremos tudo; assim não sendo, de nada nos adiantam as noções.
Agradeço-Te, Senhor, a Luz imensa que nos proporcionaste; rendemos-Te todo Amor e Honra! Com Tua Permissão voltarei ao meu grupo, para com ele estudar os meios de regeneração de nos- so Instituto, onde Teu Verbo será disseminado.” Enquanto Roklus tenciona afastar-se, Eu lhe digo: “Espera, tenho ainda alguma coisa a combinar.”
DIFICULDADESDOINSTITUTO ESSÊNIO
Diz Roklus: “Ó Senhor, por certo não haveria outro que per- manecesse ao Teu lado com tanto prazer quanto eu! Seja o que for, tudo que emana de Teu Coração é para o meu a maior ventura, e estou ansioso por saber mais alguns pormenores na reestruturação de nosso grêmio.”
Respondo: “Amigo, adivinhaste-o. Existem certos pontos que te perturbariam nos trabalhos, provocando dissensões no Con- selho; por isto, orientar-te-ei Pessoalmente.
Antes de tudo dou-te a confirmação da ajuda temporária de Raphael, Meu Servo. Para outras oportunidades ele já tem ordens delineadas e sabe o que lhe cabe fazer e onde deve estar durante Minha Passagem na Terra. Minha Promessa acima se refere apenas a casos excepcionais, que porventura poderiam surgir durante a reor- ganização do Instituto.
Dar-te-ei, em poucas palavras, as diretrizes a serem respeita- das: Existe ainda o Sanatório destinado às ressurreições, inteligen- temente por vós organizado, onde atualmente se encontram cento e sete crianças de três a quatorze anos, na maioria meninas. Estais numa grande dificuldade, porque não tendes nem vinte sósias em todos os institutos de criação humana, motivo por que enviastes mensageiros com cópias pintadas a todas as regiões, a fim de com- prarem, a todo preço, crianças parecidas. Eles, porém, não obtive-
ram êxito, pois quando encontram alguém semelhante, não está à venda. Que Me dizes?”
Roklus coça a cabeça e diz: “Realmente, Senhor — a situação está difícil! Foi uma grande tolice e contra minha vontade a acei- tação de tão grande número de crianças falecidas; nosso primeiro chefe de negócios, no que diz respeito às ressurreições, assegurou-
-me bom êxito. A questão foi todavia diversa, pois achamos somente poucos sósias.
O encarregado fez tudo na procura de elementos semelhan- tes, mas da maneira que andam as coisas, teremos que suportar as indiretas dos fariseus e suas gargalhadas maldosas, mormente por se acharem algumas filhas de fariseus naquele meio.
Que farei? Meu cérebro já fica paralisado, imaginando as consequências! Tu, Senhor, poderias tirar-nos desse embaraço, se fosse de Tua Vontade, porquanto nunca foi nossa intenção prati- carmos maldades. Como Deus de Amor, Senhor e Mestre, não nos responsabilizarás pela nossa ignorância; caso Tua Sabedoria imensu- rável encontre máculas provindas de nossa própria culpa, Teu Amor é mais Poderoso, podendo apagá-las. Eu e estes meus colegas de- positamos toda confiança em Ti, no sentido de nos ajudares neste embaraço tremendo, pelo que nos prontificamos a manter Teu San- to Verbo tão puro como ora o recebemos, com gratidão imensa de nossos corações.”
Digo Eu: “Por que classificas isto de embaraço, quando re- cebeste Minha Promessa de socorro?! Aquilo que prometo a alguém é mais fielmente executado do que o surgir do Sol, que ilumina sempre a metade do orbe, sendo sua superfície alegre ou turvada por nuvens e neblina. — Até quando devem as cento e sete crianças voltar às casas paternas?”
Responde Roklus: “Senhor, que mais poderei dizer do que: Todas as coisas Te são reveladas, inclusive nossas tolices!”
Afirmo: “Isto mesmo! Tua resposta é boa. Cometestes uma grande imprudência em fixar um prazo demasiado curto para vossas ressurreições fingidas. Para tanto fostes levados por algumas tenta-
tivas felizes e fizestes a experiência ser, para o vosso Instituto, um prazo curto menos dispendioso, e até mesmo recomendável pelo cunho milagroso.
Se tivésseis o número suficiente de sósias, seria possível realizar o caso dentro de vossos moldes. Eu bem poderia ajudar-
-vos, mas em tal circunstância, teria de concorrer em vossas fraudes, e isto não é possível, muito embora vos estime. Devemos agir de modo diverso.”
PROIBIÇÃODASFALSASRESSURREIÇÕESDOS ESSÊNIOS
(O Senhor): “Observa o menino ao lado de Cirenius, que ora está cochilando; chama-se Josoé. Esteve numa tumba, em Nazareth, mais de um ano, como esqueleto perfeito, e Eu lhe restitui a vida e ninguém poderá apontar vestígios de sua morte. O que fiz a ele poderia repetir, num momento, às cento e sete crianças; isto, porém, não seria aconselhável, porquanto voltariam aos lares antes do prazo. Por isto, convém respeitar as datas para evitar novas mentiras. Meu servo vos procurará e chamara à vida os mortos — se bem que con- tra Minha Ordem — em presença dos genitores vindos para tal fim, reconhecendo eles, deste modo, ter o Reino de Deus Se aproximado.
Inspirar-te-ei o que dizer na ocasião, mesmo ausente; chamo-
-te apenas a atenção para, futuramente, ninguém de vosso Instituto aceitar, por todos os tesouros do mundo, crianças falecidas para vi- vificá-las. Pois se Eu deixo morrer uma criança, tenho Meus Motivos concludentes e seria contra a Minha Vontade e Ordem fazê-la res- suscitar. Quanto às acima mencionadas, já o previ de há muito, por- tanto nada se dá contra Minha Vontade e, num sentido mais amplo, contra Minha Ordem; no futuro, tal fato só pode ocorrer raramente e apenas quando tu ou um dos teus sucessores for convidado pelo Meu Espírito para tanto.
Podeis curar doentes à vontade, uma, duas ou três vezes; da ressurreição deveis desistir para sempre! Com isto vos tornareis num ser muito mais maldoso perante as almas desencarnadas, do que o
pior assassino e salteador, entre as criaturas que porventura ainda venham a viver.
Que desgraça imensa não representa nesta Terra, caso alguém seja assassinado! No Além, se considera uma infelicidade mil ve- zes maior quando uma alma liberta é obrigada a retornar ao corpo mortal, pesado e malcheiroso! Por isto, não seria caridade se fosses chamar à vida um desencarnado!
Lá existem almas que poderiam ser classificadas de demônios e passam milhões de vezes pior do que aqui um mendigo miserável; mas entre as inúmeras, não existe uma disposta a encetar novamente o caminho da carne. Se isto se dá com os infelizes, muito mais com os bem-aventurados. Por tal motivo, não mais ressusciteis os mortos! Compreendeste-Me bem?”
Responde Roklus: “Sim, Senhor, e não Te poderei agradecer à altura por socorro tão extraordinário. Na realidade, nunca nos dedica- mos à ressurreição, porquanto nossas tentativas, no fundo, nada mais eram do que fraude secreta em benefício da Humanidade sofredora, isto é, à medida de nossa anterior compreensão a respeito. Pouco pro- veito obtivemos com aquele engenho, pois a manutenção do Instituto de criações humanas e novas aquisições de crianças nos custavam rios de ouro. Nessas tentativas de ressurreição, as almas no Além não fo- ram perturbadas, porquanto nunca foram obrigadas a voltar à carne.”
Aduzo: “Certo, todavia teve vossa manipulação algo pertur- bador para o mundo dos espíritos. A criança falecida tornou-se na- turalmente cidadã daquele mundo; no decorrer dos tempos, os pais e o sósia também faleceram e em circunstâncias favoráveis se encon- traram no Além. Reflete um pouco acerca da reação dos genitores surpresos quando deram com a filha legítima e a falsa, que na Terra consideraram como verdadeira! Lá são reveladas todas as minúcias dos acontecimentos mais ocultos da vida. Tudo aquilo que alguém aqui fizer secretamente, é revelado diante de milhões de ouvidos. Como se apresentará um falso ressuscitado em tal situação?
Se pessoa de percepção mui restrita neste mundo descobre, critica, condena e castiga certas ações impraticáveis, onde geralmente
lhe falta a força interna da Verdade — quanto mais lá onde ela, como poder invencível, se torna senhora absoluta sobre todas as coisas!
Entre as pequenas aves de rapina existe uma que tem seu nome de acordo com o canto, e se chama cuco. A preguiça do choco é-lhe inata, por isto deita os ovos em ninhos alheios e não dispensa os dos pardais. Quando estes observam sair aves diferentes, ficam perplexos e começam a se afastar aos poucos do ninho, e se ouvem algum cuco gritar, voam para cima dele e o perseguem e atacam.
Se aves sem inteligência, dotadas apenas do instinto, se vin- gam dum traidor, quanto mais isto há de se esperar dum homem inte- ligente, e muito mais ainda dum espírito, de cuja visão não é possível se ocultar uma fraude, porquanto sua percepção se torna evidente.”
PRINCÍPIOSDOINSTITUTOESSÊNIO REORGANIZADO
(O Senhor): “Por aí vês ser tudo revelado no Além, tanto mais quanto isto é necessário em virtude da existência das incontá- veis comunidades dos espíritos. Trata-se, portanto, saber da atitude da pessoa que, em vida, desfrutou de grande estima por causa de suas manipulações milagrosas e que, no Além, se apresentam como reles mistificações; e mesmo se foi bem intencionada, era preciso pagá-la, e isto, por bom preço.
Nessa categoria se enquadra vossa tentativa de ressurreição, mormente de crianças. Nem convém mencionar as encenações men- sais e públicas nas catacumbas subterrâneas; para tal fim, mantendes um corpo de serviçais, incumbidos de se apresentar como mortos dentro dos caixões, donde se levantam a um comando previamente combinado, diante de vários assistentes ignorantes e tolos. Devem, em seguida, afastar-se ligeiros, a fim de evitarem quaisquer indaga- ções referentes ao seu estado de saúde, nome e residência.
Tal fraude é demasiadamente torpe para merecer comentá- rios; como, no entanto, por ela muitos foram tentados a vos entregar um filho falecido, não pode deixar de ser considerada, e se presta a vos causar perturbações no Além.
Como já disse, tomarei ao Meu encargo o que até hoje fizes- tes, levando tudo a bom termo; no futuro, porém, nada mais deverá ser efetuado que de longe demonstre vestígio de embuste, caso de- sejardes que Eu permaneça em Espírito, até o fim dos tempos, em vosso Instituto.
Lá devem reinar amor e verdade completos, sem a menor impostura, para se poder manter para sempre; e se apresentarem-se, vez por outra, perseguições invejosas, nada conseguirão fazer.
Neste país não terá muita durabilidade, tampouco quanto Minha Doutrina, pois Jerusalém será arrasada pelos pagãos mais embrutecidos. Na Europa, porém, será futuramente o ponto cen- tral de todos os que creem e esperam em Meu Nome, onde então tereis vários núcleos, muito considerados e benquistos por alguns soberanos, enquanto outros somente vos tolerarão; apenas alguns ignorantes vos expulsarão de seus reinados. Os que assim agirem se- rão na certa perseguidos por qualquer desdita, sem se poder libertar tão facilmente. E mesmo aqueles que somente consentirem vossa função não chegarão à prosperidade.
Essa dádiva abençoada se prenderá ao fato de continuardes a ser os verdadeiros mestres de construção. E onde fordes recebidos com distinção e amor, o reinado receberá uma base boa e sólida. Não vos convocarei para futuros médicos, senão para pedreiros in- cumbidos na construção da muralha duma nova e celeste Jerusalém, feita em toda parte das pedras preciosas mais resistentes, e na edifi- cação de residências maravilhosas nesta cidade, que ora foi iniciada e deve prosseguir na sua extensão.
Sendo vós, portanto, Meus pedreiros e livres construtores, e Eu querendo Minha Cidade feita de brilhantes puros, tu, Roklus, e teus companheiros hão de compreender não poder Eu usar pedras, areia e tijolos; nisto entendo todas as obras mistificadoras, que não perduram. Somente a Verdade pura e livre de qualquer mácula é tal diamante capaz de enfrentar a Eternidade.
Sereis muitas vezes tentados a manifestar uma atitude diversa daquela de vosso verdadeiro sentimento; não vos deixeis seduzir e
tampouco enganeis alguém com um simples olhar; mas expressai em tudo a Verdade plena no que sois e fazeis, que podereis contar com Minha Graça, Poder e Sabedoria.
Nunca prometais algo impossível de ser realizado ou que, por certo motivo, não possais cumprir; em verdade vos digo: Não existe coisa mais amarga e dolorosa do que uma promessa não cumprida. Pois a pessoa teria tomado outras medidas que lhe fa- cultassem benefício ou ajuda. Assim enganada, vê-se numa situa- ção desesperada e, geralmente, amaldiçoa aqueles que a atiraram na maior desgraça.
Tudo que tiverdes prometido tereis de cumprir à custa da própria vida, do contrário Eu não poderia ser Membro efetivo de vosso Instituto. Considerai bem Quem vos transmite tal Manda- mento! É o Senhor de Vida e morte; muito embora Eu a ninguém imponha castigo neste mundo, jamais deixarei impune a pessoa que não cumpre, por motivos egoísticos, aquilo que prometeu!
Ao negares o pagamento a quem te prestou serviço, come- terás pecado maior do que o roubo! Se o outro tiver trabalhado com indolência e má vontade, poderás chamar-lhe a atenção a não espe- rar ele tal pagamento no futuro, caso não se emende. Pelo serviço péssimo que tenha prestado, terás de cumprir tua palavra, a fim de que veja agires pelo espírito da plena Verdade.
Por este motivo, vos ajudo despertar à vida as cento e sete crianças, para evitar que sejais apontados como mentirosos e prome- tedores infiéis diante daqueles a quem prometestes a ressurreição de seus filhinhos, como plena garantia. Para o futuro, tende cuidado! Tudo que fordes realizar contra este Meu Conselho de fácil cumpri- mento terá os piores resultados para vós! Acaso achas isto difícil, a julgar pela tua fisionomia? Fala com sinceridade quais tuas objeções?! Por ora ainda estamos juntos e podemos abordar todas as dúvidas!”
Diz Roklus: “Tudo que disseste, Senhor, é verdade e não pode ser contestado. Sendo Tu contra tudo que contenha o menor vestígio de engano, mesmo em se tratando dum socorro físico e es- piritual, isto me deixa pensativo, porquanto mantenho o princípio, baseado em milhares de experiências, ser apenas possível — com certas criaturas — uma ajuda por via fraudulenta, que prefiro clas- sificar de prudência.
Haja vista as crianças que nos obrigam a constantes menti- ras, caso se queira educá-las. Já em outra ocasião, esclareci minu- ciosamente ter sido o móvel de minhas atitudes somente o Bem ao próximo, e isto porque concluí não haver outra modalidade de me achegar a alguém. Se isto também é pecado aos Teus Olhos — en- tão, Senhor, é realmente difícil ser-se humano.
Por exemplo: Encontro, como pagão, um arquijudeu cujo fanatismo templário prognostica, em cada gentio, uma legião de de- mônios. Eu o tocando casualmente, ele se torna impuro durante um ano e será a criatura mais infeliz, porquanto não poderá comparti- lhar dos variados benefícios no Templo. Dizendo-lhe que sou pagão, ele prefere sofrer os piores martírios, do que deixar-se conduzir por um caminho perigoso. Se eu disser ser judeu de Jerusalém, dar-me-á sua mão com prazer e gratidão; tão logo tenha passado o perigo, eu me despeço e ele seguirá seu caminho, sem jamais ter notícia de minha pessoa, portanto ignorará ter sido guiado por pagão.
Agora desejava a opinião dum homem razoável e honesto, se a mentira inofensiva não foi mais prudente do que a verda- de, pois afirmo que somente um tolo do Grêmio farisaico poderia classificá-la de pecado — um Deus, jamais! As relações de vida daqui e do Além não podem ser tão divergentes a ponto de se classificar de nocivo aquilo que a razão humana reconhece de bom e útil. Se lá é, para o espírito puro, noite e treva aquilo que uma
alma aqui considera bom e lúcido, uma das duas existências fará jus a um manicômio.
Senhor, conheces minha vida desde o berço e dificilmente poderás apontar-me um momento em que tivesse manifestado uma ação maldosa, e quero ser amaldiçoado por Tua Boca Poderosa e Divina caso isto me for provado! Se ainda assim me tornei pecador porque muitas vezes usei de política com criaturas inexperientes, a fim de lhes fazer o Bem dentro de meu sentimento e compreen- são, confesso ser-me sumamente desagradável contar-me entre os homens, e Te peço me transformares num asno, Senhor!
Meu parecer — naturalmente humano — é o seguinte: Cada um faça o que julgar de melhor dentro de sua noção e entendi- mento; seja pacífico, condescendente e aplique a caridade de acor- do com suas posses, que suas ações terão de ser reconhecidas como boas por parte de Deus, porquanto não pode exigir Ele além de suas capacidades. Peço-Te, Senhor, expressar-Te mais claramente neste sentido, pois do modo como concluo, não é possível se viver dentro de Tua Doutrina.
Devem as criaturas conhecer a Verdade porque necessitam saber da futura morada, que pela Tua Promessa habitarão eterna- mente. Mas o conhecimento nu e cru parece-me qual remédio, em- bora salutar, mas amargoso, que prontamente é rejeitado. Convém contorná-lo com algo agradável, e o enfermo o tomará sem repug- nância, produzindo o efeito esperado. O mesmo deveria ser feito na divulgação da Verdade absoluta: no início deve-se ministrá-la ve- lada, e só pouco a pouco se passa a desvendá-la. Se for aplicada de chofre, só poderá prejudicar.
Não quero defender nossos milagres naturais e estou con- victo termos ultrapassado os limites; acrescento, conscientemente, jamais termos prejudicado alguém, mas sempre trouxemos bene- fício duplo. Primeiro, pelo consolo proporcionado aos genitores entristecidos; segundo, encaminhamos filhos de pais paupérrimos a lares confortáveis, onde receberam educação mais apurada, en-
quanto sem ela, teriam crescido como irracionais, fato comum nesta época.
Senhor e Mestre, bem podes falar e doutrinar, pois Tua Von- tade é quem dirige todo o Universo. Nós, criaturas fracas, somente sentimos o peso e nunca um alívio da vida, e além disto nos aguar- dam os piores resultados no Além. Anteriormente, Teus Ensinamen- tos me soergueram e me encheram de esperanças; agora, estou com- pletamente arrasado, porquanto exiges coisas irrealizáveis!” Assim terminando, Roklus se cala.
JUSTIFICATIVADERACIOCÍNIOE PRUDÊNCIA
Vira-se Cirenius para Mim e diz: “Mas que é isto? Até então foi Roklus uma pedra fundamental para a construção da Nova Jeru- salém, e de súbito se transforma, não obstante lhe teres prometido todo auxílio?!”
Respondo: “Ele continua sendo-a, mesmo ainda não Me ten- do compreendido. Observei tal falha nele e lhe dei oportunidade para externar-se. Verás como o caso mudará de aspecto!”
Dirigindo-Me a Roklus, digo com afabilidade: “Meu caro amigo, nem a Deus será possível ajudar-te, enquanto opuseres tua compreensão anterior a uma posterior elucidação. O melhor de tudo é que afirmas justamente aquilo que exijo. Pois se Eu Mesmo te recomendei a prudência de serpentes e raposas, como poderia ter Eu a ideia de proibi-la?!
A maneira pela qual se deve educar as crianças foi ontem por Mim demonstrada suficientemente; já que não assististe a tudo, possuis uma cópia em mãos, feita pelo Meu Secretário veloz! Neste ponto, nada há que te pudesse confundir no tocante ao ensino, ale- gando não ser aplicável para determinados casos, ou que a questão não seja explícita.
Assim também, quando quiserdes curar alguém com remé- dios naturais, mas que o enfermo manifesta evidente antipatia con- tra os mesmos, enquanto estais certos do efeito curador — é claro
ser permitido modificar o seu nome e também misturá-los com algo inofensivo.
Quanto à transmissão desta Doutrina de Deus e de Vida, acrescento mais: Sede externamente tudo com todos, para conquis- tardes sua confiança, e eles para o Meu Reino. Sede judeus com os judeus, pagãos com os gentios, ride com os alegres, chorai com os tristes, sede pacientes com os fracos, e demonstrai ao forte que também sois fortes, a fim de que não se orgulhe na certeza de sua força. Isto, meu caro amigo, ser-te-á suficiente para saberes o que a Suprema Sabedoria de Deus, também Criadora de vossa pura razão, de vós exige!
Acredita-Me, Minha Sabedoria jamais é contrária a razão hu- mana salutar, equilibrada e livre de preconceitos; pois tem de julgar o que seja perfeito e justo.
Uma verdade, não obstante oculta, será eternamente verda- de e revelada no futuro. Sempre que a necessidade o exija, podes encobri-la, e tal depende da força assimiladora de quem a recebe. As crianças se alimentam com leite, mel e pão macio, enquanto ao homem se dá nutrição mais forte. Tudo isto se enquadra dentro da ordem, tão logo o sentido seja verdadeiro; quanto ao invólucro, não tem a menor importância. Também seria realmente tolo caso al- guém necessitasse de Meu Socorro e Eu, embora sabendo ser ele honesto, não o atendesse por usar indumentária persa! Não é pecado ocultar-se uma verdade em caso de necessidade; revestir u’a mentira evidente e uma fraude flagrante com a veste da verdade é pecado e por Mim condenado para sempre.
Se analisares, agora, tuas ressurreições, observarás uma men- tira oculta, não obstante tua boa vontade; porquanto nelas não havia vestígio da verdade, como em outras tantas coisas em vosso Ins- tituto. Aprendestes a calcular com os egípcios e árabes quando se dariam eclipses solares ou lunares; tal conhecimento foi mantido em segredo. E ao povo afirmáveis: Como não quereis ouvir nossa voz, o chefe (isto é, tua pessoa) ordenará aos deuses ocultarem Sol ou Lua, em dia determinado! A multidão caía num verdadeiro pavor, orava e
fazia oferendas absurdas e vós a consoláveis, finalmente, dizendo que a ameaça seria executada, todavia procuraríeis fazê-la inofensiva. Eis uma mentira flagrante, oculta na veste respeitável da plena verdade!”
MENTIRAS E VERDADES, OCULTAS. OS FALSOSPROFETASESEUS MILAGRES
(O Senhor): “Imagina o efeito duma revelação repentina! O que, por exemplo, teria feito o povo convosco caso Eu Mesmo o ti- vesse orientado da base verdadeira dum eclipse? Facilmente poderás calcular as consequências!
Se, porém, tiveres levado uma pessoa a um justo caminho através duma verdade oculta, e a seguir ela recebe orientação plena, reconhecendo que tal medida a conduzirá ao nível da vida verda- deira — qual não será sua gratidão? Penso não te ser difícil, como homem inteligente, verificares a diferença entre uma verdade oculta e uma mentira encoberta.
Com referência ao vosso Instituto, Eu condenava apenas u’a mentira encoberta, e nunca uma verdade oculta por motivos mui sábios. Ainda mesmo a mentira surtindo bom efeito, e a verdade, um aparentemente prejudicial — isto é, o que as criaturas denomi- nam de prejuízo pela compreensão do mundo — deve-se preferir a verdade à mentira; pois o efeito final da mentira será sempre contra- producente, enquanto o da verdade, benéfico.
A julgar pela aparência, as diferenças entre mentira e verdade, ocultas, não são percebidas com facilidade, assim como um milagre genuíno é dificilmente diferenciado dum falso, porquanto não pode ser analisado pelo intelecto, e além disto os magos e falsos profetas deixam analisar seus feitos tanto quanto vós mesmos o permitis- tes. Precisamente por tal motivo, não deveis dar permissão a uma mentira ou embuste, a fim de que na Terra exista ao menos uma Instituição onde unicamente reine a Verdade, dando ao mundo um meio efetivo para poder discernir entre o ouro verdadeiro e o falso, da Verdade Plena!
Se isto não for respeitado, poucos anos após Minha Partida haverá considerável número de falsos profetas e taumaturgos, que deturparão inteiramente Minha Doutrina. Servir-se-ão de Meu Nome; todavia, sua doutrina em absoluto se assemelhará à Minha, e seus milagres serão daquela falsa categoria que conheces, fazendo prosélitos firmes dos mistificadores.
Por isto, vos previno de antemão: Não presteis ouvidos aos que exclamam: ‘Vede, cá ou acolá se acha o Ungido de Deus — eis a Verdade!’ Afirmo a todos: Os que assim falarem e fizerem milagres em Meu Nome são apenas falsos profetas! Virai-lhes as costas! E caso vos procurem, ameaçai-os, e não querendo se afastar, levantai-vos em Meu Nome e dai uma prova verdadeira; fora disto, abstende-
-vos de milagres que seduzem os sentidos dos ignorantes, enquanto endurecem os corações. A Verdade terá de dar o testemunho sem necessitar de provas.
A única e verdadeira prova milagrosa deve consistir na ex- periência que todos farão pela liberdade provinda da Verdade em seu pensar, querer e agir, e que abriu-lhes a visão interna para ve- rem todas as coisas e relações em suas bases, não elaboradas a bel prazer dum cérebro atrofiado dum pretenso intelectual. Externa-te, Roklus, se o assunto te é claro.”
Diz ele: “Senhor, estou agora perfeitamente orientado. Sem- pre pensei e senti não ser possível Deus contrapor algo à razão pura do homem. Estou a par de tudo, e nosso Instituto também o ficará, até o fim dos tempos.” Respondo: “Muito bem, então vai e transmi- te isto aos colegas. Vamos aguardar mais um fato antes do desjejum e da Minha Partida.”
HUMILDADE E AMOR AO PRÓXIMO. ROKLUS E SEUS COLEGAS EM APUROS
Roklus se curva e volta em seguida junto dos amigos, que haviam combinado organizações internas do Instituto, no mesmo sentido dado por Mim a Roklus como diretriz da vida.
Ele se admira em ouvir o que pretendia transmitir-lhes como algo novo e mui importante — e isto, com Minha Ordem, para de- monstrar que Eu, o Senhor, o havia incumbido de recados especiais na execução de ofício tão importante. Como chefe dos essênios, pre- tendia provar aos inferiores ter ele combinado Comigo assuntos ex- traordinários. Eles, porém, lhe dizem: “Podes poupar tuas energias; estamos inteirados de tudo e temos algo mais que tu, muito embora confabulaste com o Senhor. Vê, todas estas folhas estão escritas, e encontrarás fielmente o que Ele te explicou. Pelo que vemos, não estás satisfeito; que tens?”
Responde Roklus: “Ah, nada contra; mas se Ele Mesmo me convidou a vos transmitir o que me disse, em virtude da reorgani- zação do nosso Grêmio, e estais de antemão melhor orientados do que eu — vejo-me obrigado a pensar qual Sua Intenção com tal brincadeira inofensiva.”
Adianta-se Raphael, que se achava no grupo: “Amigo, vou te explicar! Vê, esses homens são teus funcionários no Instituto. O próprio Senhor não podia dar-te outro título, a não ser aquele que recebeste pelo Governo, porquanto tua fortuna te dá tal direito. Ele, porém, deseja que todas as criaturas se abracem como irmãos, reco- nhecendo somente a Ele como Senhor e Mestre.
Como chefe dos essênios, justifica-se ter Ele te dado orien- tação acerca de sua reorganização futura, mas também foi justo ter permitido que teus companheiros fossem por mim informados; pri- meiro, para te poupar o trabalho; segundo, abafar teus sentimentos de altivez, que facilmente se poderiam transformar em orgulho; e terceiro, para te facilitar a transmissão, o mais possível.
Quando o Senhor te disse: Vai e transmite isto aos demais, não te convidou a passar aos outros o que aprendeste, senão as mo- dificações do Instituto. Nisto por certo não se enquadra a obrigação de ensinares aos outros?! Tampouco precisas expressar tal desapon- tamento, quando não soubeste interpretar as Palavras do Senhor. Estás-me compreendendo?”
Responde Roklus: “Inteiramente, e nem mais penso no caso; preocupa-me algo diferente. Tudo será facilmente organizado; so- mente teremos dificuldade em fazer com que o povo desista de acre- ditar sermos os produtores dos eclipses. Não vejo saída! Que me dizeis, amigos, e tu, Raphael?!”
Declara este: “Conjecturai, primeiro; meu conselho ainda virá em tempo, caso se romperem todas as vossas cordas!”
Diz um deles: “Eis um ponto capcioso, pois o povo já está habituado a nos obedecer e caso nos pergunte pela razão dum eclip- se havido e por que nós o exigimos por parte dos deuses sem avi- sarmos disto a multidão — que responderemos para não sermos desclassificados?”
Acrescenta um outro: “Sem empregarmos uma pequena mentira, será difícil acharmos solução. E isto, não somente com os eclipses, mas em outros tantos pontos. As dificuldades surgirão, tão logo começarmos a melhorar a velha edificação. O melhor seria mu- darmo-nos para longe daqui.”
Obtempera Roklus: “Estaria tudo bem; mas que fazer com nossas posses e apetrechos, pois não é possível deixá-los cair em mãos de nossos adversários?! Realmente, vosso conselho seria dispendioso, principalmente para mim. Temos o Senhor do nosso lado, que nos tornará livres desse embaraço — disto estou certo! Ainda teremos que passar por vários atropelos; mas ao que me parece, será uma escola que nos facultará compreensão prática de como seja preciso afastar-se tudo de sua vida, para alcançar a Verdadeira Vida de Deus.
Por isto, ficaremos aqui! Não temo coisa alguma, pois direi a todo mundo: Não mais haverá ressurreições. Por quê? Deus não as quer, porque as criaturas não vivem de acordo para merecê-las! Os que viverem na Vontade de Deus terão a compreensão por que Ele permite a morte das crianças, e poderão ser guiados pelo Espírito do Pai. Contra isto, ninguém poderá objetar!”
(Roklus): “Quanto às demais distrações científicas, poderão ficar; pois somente as aplicamos para divertimento inocente dos hóspedes. Poderemos também destruí-las, evitando qualquer desa- vença. Antes de tudo, devemos excluir a Lua cheia artificial; é por demais grosseira e não serve nem para mistificação ótica dos mais ig- norantes. As árvores, arbustos, estátuas, colunas, fontes e poços que falam serão destruídos e suplantados com algo melhor. Os objetos elétricos e os diversos espelhos côncavos poderão permanecer, por- quanto pertencem ao campo científico e pode-se curar várias mo- léstias com seu auxílio, bem como nossos artifícios farmacêuticos, a arte de fazer vidro e seu polimento.
Em suma, tudo aquilo que funciona dentro da ciência po- derá ficar; o resto será eliminado e, deste modo, não teremos que dar satisfação a quem quer que seja. O Instituto é nosso e podemos manobrá-lo à vontade, no que nos assistem as leis de Roma. Além disto, possuímos tantos tesouros e bens impossíveis de serem gastos em mil anos, mesmo levando uma vida qual Creso. Não vejo, por- tanto, diante de quem deveríamos nos vexar! Perante ao Senhor não temos segredos e seria o Único a nos impor receio. Sabendo ser nossa intenção respeitarmos Sua Vontade tão pura como nos transmitiu, será nosso amigo temporal e eternamente.
Considerai nossa tolice se fôssemos discutir com um cego por haver tropeçado em caminho. Assim também éramos espiri- tualmente cegos e ninguém nos pôde ajudar, e se naquela trilha muitas quedas levamos, quem nos poderia chamar à responsabili- dade vexatória?! Acaso sabíamos o que ora conhecemos?! De quem haveríamos de aprendê-lo? Agora orientados, agiremos de modo diferente.
Não se trata de nosso prestígio posto à prova na transforma- ção do Instituto, e sim não sermos suspeitos de embuste, porque de-
sejamos trabalhar a Bem das criaturas, no que são precisos confiança e honra por parte dos que iremos ensinar.
Está portanto tudo na melhor ordem, com exceção do eclipse fatal! Não sei realmente o que direi ao povo. Querermo-nos safar desta embrulhada por meio da Verdade será difícil. E o Senhor não quer que pronunciemos u’a mentira encoberta!”
Diz um do grupo: “Dirige-te a Ele, Senhor e Mestre de todas as coisas. Poderemos assuntar durante anos, sem acharmos uma saí- da. Não seríamos tolos se nas questões difíceis não fôssemos buscar orientação com o Criador, a fim de não sermos desclassificados, em virtude do Reino do Céu na Terra?”
Responde Roklus: “Tens razão, todavia convém considerar- mos ser nosso pedido uma grande tolice, manifestada pelo pouco respeito diante de Sua Divindade.”
Acrescenta outro: “Isto tudo de nada adianta. Se alguém se afoga e grita por socorro sem meditar, tendo o acidente ocorrido por culpa própria, resta saber se pode ser salvo, o que depende do socorrista.” Aduz Roklus: “Atingiste o ponto nevrálgico. Vou ime- diatamente expor-Lhe nossa dificuldade.”
CONSELHODO SENHOR
Assim, Roklus volta rápido para junto de Mim e expõe seu embaraço. E Eu lhe digo: “Pelo que vejo, já começas a verificar que toda e qualquer mentira traz certos contratempos. Por isto repito: Deve ser feito jus à Verdade, a todo preço; pois ela perdura e nunca produz embaraços. É claro ser a Verdade odiada, temida e persegui- da com fogo e espada por pessoas que vivem no embuste. De que lhes adianta seu zelo maldoso? A Verdade virá à tona, envergonhan- do seus inimigos, desprezados e evitados por todos no lamaçal, onde dificilmente poderão agradar sua ressurreição! Quanto ao teu caso, é ele bem tolo e não será fácil fugires dum exame por parte do mundo. Existe, todavia, um meio de enfrentá-lo com as devidas honras.
Ludibriastes o povo, alegando terem os deuses vos conferido o poder de dominar os eclipses. Transmiti-lhe agora terem os deuses deixado de existir, e que o Único e Verdadeiro Deus, a Quem todos os gentios construíram um templo denominado ‘Ao Grande Deus Desconhecido’, veio Pessoalmente ao mundo, tirando-vos tal poder, regendo Ele Mesmo tudo, e não mais entregando a direção dos cor- pos cósmicos.
Diante disto, a multidão ficará estupefata e alguns conclui- rão que não soubestes desempenhar vossa incumbência a contento, caindo em pecado. Outros julgarão terem sido fracas as oferendas, e alguns mais inteligentes dirão: ‘Eles devolveram simplesmente o ofício ao deus desconhecido; pois se outorgaram tal direito para me- lhor dominarem o povo — e os ditos deuses foram os potentados de Roma. Agora certamente apareceu o Verdadeiro e os ameaça, e eles preferem devolver um ofício divino ao Seio do Grande e Único Deus, enquanto nunca tiveram tal privilégio. Já sendo tão honestos para confessá-lo, é de se esperar relatarem outras tantas coisas, fato mui favorável, porque decifraremos alguns enigmas.’ Conjecturan- do deste modo, eles se rirão de vós.
Os fariseus, por sua vez, congratular-se-ão e dirão ao povo: Vede, isto foi Jehovah Mesmo, que mandou algum profeta agir deste modo com os pagãos, obrigando-os a se tornarem traidores da multidão!
Neste caso dizei: Pela primeira vez os fariseus disseram a ver- dade. Este Profeta Poderoso é Nenhum Outro senão o de Nazareth, Seu Nome é Jesus, Filho do conhecido carpinteiro José — que ape- nas é seu pai de criação — nascido de Maria, também conhecida virgem da casa de Joaquim e Anna, em Jerusalém! É Ele o Mesmo que durante a Páscoa deste ano enxotou os usurários e vendilhões do Templo, com açoite na Mão! Este Profeta é evidentemente mais que um profeta! João, batizador do deserto, conhecido por todos, Dele deu um testemunho que também deve ser lembrado.
E este Enviado por Deus tirou-vos o poder, por vós mes- mos outorgado, sobre Sol, Lua e estrelas, conferindo-vos em com-
pensação um ofício muito mais importante e maior: o da Verdade! Consiste na divulgação séria e verdadeira de ter o Reino de Deus Se aproximado, e que todos que acreditarem no Nome de Jesus recebe- rão a Vida Eterna!
Assim falando, tapareis as bocas dos fariseus, até então vossos inimigos, e eles evitarão perder uma palavra sequer acerca de vosso antigo poder eclíptico, quanto mais sabendo estardes sob proteção de Roma. Espero ter-te esclarecido também neste ponto, e compre- enderás não mais haver motivo de temor. Podes, portanto, transmi- ti-lo aos outros. Tens ainda algo que te aflige?”
Responde Roklus: “Não, Senhor e Mestre de Eternidades, nada mais me oprime e meu coração está cheio de alegria. Estou perfeitamente amparado no Instituto, e os de batina preta podem se alegrar da trovoada que lhes farei!”
Digo Eu: “Está bem; vai transmitir tua alegria aos outros. Tereis de enfrentar ainda muitos trabalhos e esforços; mas onde não existe luta não haverá vitória, e sem ela, tampouco alegria, prezada por todas as criaturas. Por isto, coragem e persistência, que a vitória não deixará de vir. Para tanto sou Fiador e Testemunho certo e fiel! Acaso não achas isto bastante?”
Responde Roklus: “Como não, Senhor, pois Te conheço como poucos. Asseguro-Te apenas de minha gratidão e prometo, em seguida, passar adiante este Evangelho verdadeiro!”
A FUTURA POSIÇÃO DOS ESSÊNIOS DIANTE DO SACERDÓCIO
Satisfeito, Roklus volta para junto dos amigos e lhes relata o resultado feliz da palestra havida Comigo, e um deles observa: “Vês, meu amigo, como foi bom eu sugerir-te orientação com o Senhor. Sabemos agora o que fazer e não necessitamos de mentiras encober- tas, podendo apresentar-nos com a plena Verdade, fazendo calar os possíveis indagadores. Realmente, o socorro por parte do Senhor é positivo!”
Diz Raphael, ainda presente: “Tens razão. Todavia, não fal- tarão em vosso Instituto toda sorte de dificuldades e tentações; po- dereis contar com muitos amigos, mas também mil vezes número maior de adversários, que sempre vos perseguirão, dando prova con- tra eles mesmos. Assim também o Senhor foi perseguido nesta Terra, pelas criaturas ignorantes e más.
Ele é odiado por todos os magos profissionais e sacerdotes, seja qual for sua crença, principalmente pelos templários de Jerusalém. Como o sacerdócio sempre foi a casta mais cômoda entre os habitan- tes desta Terra, desfrutando de grandes privilégios, será difícil destruí-
-lo completamente; não levará tempo em que malandros e vagabun- dos se aproveitarão de alguns trechos desta Nova Doutrina, surgindo assim um sacerdócio contra o qual o judaísmo será apenas ‘silhueta’!
Precisamente contra esse novo sacerdócio tereis de lutar ardu- amente; muito embora não vos podendo prejudicar, perseguir-vos-á de todas as maneiras, como o fazem os fariseus ao Senhor. Isto, no entanto, será prova de estardes com Ele, mantendo puro Seu Verbo, na Escritura e na ação, causando tal testemunho a maior alegria.
Não necessiteis temer vossos perseguidores, porquanto esta- reis sob a visível proteção do Senhor, enquanto eles vos temerão, razão pela qual tentarão atacar-vos. Isto tampouco terá efeito quanto a perseguição dos templários ao Senhor, da qual em breve tereis uma prova. O Senhor já te havia avisado, Roklus, que algo ocorreria antes do desjejum.
Os templários foram informados por um fugitivo maldoso de Cesareia Philippi encontrar-Se aqui o Profeta de Nazareth, pro- vocando desordens, e que o Prefeito também está a Seu favor. Por isto, elaboraram rápidos um plano para prender Jesus, pela denúncia que farão a Cirenius. Verás a astúcia satânica que engendrarão.
Nada conseguirão, mormente com o Prefeito; entretanto, ha- verá grande perturbação, além de ser tal empreendimento explorado por toda parte. Vós mesmos sereis envolvidos, mas em benefício da causa. Preparai-vos; dentro de um quarto de hora a dança começará. Cirenius de nada sabe, pela Vontade do Senhor.” Todos se calam,
no que contribui o próximo surgir do Sol; no fundo aguardam com certo nervosismo o que virá.
OSFARISEUSACUSAMOSENHORDE REVOLUCIONÁRIO
Dentro em pouco os filhos de Marcus descobrem um navio ziguezagueando em alto mar, como se o capitão não soubesse se re- almente se acha na rota, o que se justifica, porquanto desde a véspera muito havia sido mudado, à margem do Mar Galileu. O grande rochedo no mar como prova concreta não mais existe; a rocha e o cedro enormes, no monte das víboras, haviam sido removidos pelos núbios; além disto, a nova residência, o jardim, o cais com os cinco navios — tudo isto confunde o prático.
Súbito, levanta-se um forte vento de Oeste, impelindo o bar- co à nossa margem, e dentro de alguns minutos os filhos de Marcus veem a bordo alguns romanos e fariseus. Incontinenti, transmitem-
-no a Cirenius, que ordena a Julius fazer severa vistoria no barco, que se aproxima rápido. O militar convoca cinquenta soldados ar- mados e aguarda a embarcação.
Quando de bordo descobrem esse destacamento romano, mandam içar uma bandeira branca como prova de serem amigos, que desejam desembarcar. Tão logo Julius observa dois arquifariseus em meio aos romanos, manda um mensageiro a Cirenius, pedindo ordens. Aqueles homens lhe parecem suspeitos e os romanos, fari- seus ou herodianos disfarçados. Cirenius responde lacônico: “Sejam quem for, deixa-os desembarcar.”
Quando em terra, Julius faz a costumeira vistoria de passa- portes, que se acham visados por Pilatus e dentro da lei. Isto termi- nado, um romano indaga de Julius se o Prefeito ainda se encontra ali. Aborrecido com tal atitude precipitada, o comandante afirma com rispidez, levando um centurião a dizer-lhe: “Quem dá direito a falares deste modo?”
Responde Julius: “Motivos concludentes; pois tua fisionomia asiática denuncia não seres romano!” Diz o outro: “Então, quem
sou?” Retruca Julius: “Disto trataremos mais tarde; por ora estás em meu poder, e tens de te submeter às minhas determinações! Cha- mo-me Julius, comandante desta zona, e parente do Prefeito. Tenho que esclarecer-te, porquanto não és romano, pois se o fosses, ter-me-
-ias reconhecido!
Deste modo, pegamos as raposas ardilosas! Aliás, este luga- rejo vos causou estranheza, do contrário já nos teríeis visitado há uma hora atrás. Não importa, porque chegastes no ponto certo. Vês como sei de tudo, causando-vos espanto?! Vamos, porém, junto ao Prefeito.”
Diz o centurião, confundido: “Que sabes de nós?! Quem po- deria relatar algo que não existe?!”
Responde Julius: “Basta; caminhai, falsos romanos!” O cen- turião, oito soldados e dois fariseus legítimos e gordos achegam-se de Cirenius e lhe entregam um documento assinado por Herodes, onde consta ter sido descoberto um levante em toda a Síria e grande parte da Galileia e Samaria. É dirigido pelo agitador e profeta Je- sus de Nazareth, que em conivência secreta com os essênios, pratica milagres incríveis para ludibriar o povo, auferindo-se assim cunho divino e até mesmo teve a ousadia maldita de se apresentar como filho verdadeiro de Deus. Além disso, foi afirmado por várias teste- munhas fidedignas ter ele se aproximado dos maiorais do Governo romano, inclusive seu grupo considerável de adeptos. Sua má fama ainda leva a crer ser sua intenção assassinar os membros do Gover- no, em determinado dia, elegendo-se, ele mesmo, Rei dos judeus. Como os deuses haviam permitido fosse essa trama denunciada a Herodes, ele se sente no dever de chamar a atenção do Prefeito, na certeza de saber este tomar as devidas precauções. Assinado pelo Tetrarca Herodes, em Jerusalém. Eis o sentido geral da carta, por- quanto é desnecessário repetir as imprecações.
Após ter lido a carta com grande atenção, Cirenius se dirige a Mim com expressões de piedade e diz: “Mas, Senhor — será possí- vel alguém lançar-Te contra mim, com tamanha suspeita?! Que me dizes? Pois deves conhecer seu teor!”
Respondo: “Chama Raphael e Roklus, pois não fica bem Eu conversar com os mensageiros do príncipe da mentira!” Cirenius assim faz e, quando ambos se aproximam, os enviados de Herodes lhes viram as costas, porquanto conhecem Roklus. Achegando-se de Cirenius, Raphael também lhe entrega um documento e diz: “Aí tens a duplicata da suposta carta de Herodes; lê e verás que eu — e por mim também Roklus — já estávamos a par desta perversidade farisaica. Abaixo da assinatura de Herodes, jamais por ele vista, por- quanto ignora esta trama, acha-se uma anotação, que te esclarecerá acerca do verdadeiro móvel. Tão logo te tiveres integrado, passa-a aos mensageiros para se orientarem. O resto far-se-á automaticamente.”
Rápido, Cirenius lê o pergaminho, isto é, a observação acres- centada, que lhe causa admiração, porquanto contém precisamente sua suspeita. Entregando-o ao centurião, ele diz: “Lê isto diante de teus colegas!”
Visivelmente confuso, o outro faz a leitura com expressão cada vez mais perplexa, e no fim, começa a tremer e seus colegas mudam de cor, o que não passa despercebido aos presentes. Após terminada a leitura, o falso centurião devolve o documento com profunda reverência a Cirenius, sem dizer palavra; pois tanto ele quanto os outros estão por demais confundidos.
Passados alguns instantes de silêncio absoluto, Cirenius per- gunta: “Quer dizer que Herodes me aconselha tudo fazer para cap- turar o tal profeta e mandar decepar-lhe a cabeça, como também a seus discípulos?” Ninguém responde.
Irrita-se o Prefeito, dizendo: “Respondei ou pagareis este ul- traje de modo jamais visto! Quem escreveu esta carta, atrevendo-se a me querer envolver com mentira tão escabrosa? Qual a finalida-
de oculta nisto?” A tais perguntas enérgicas, os mensageiros qua- se perdem os sentidos, de pavor do Prefeito, que conhecem como inclemente.
Por isto, Julius intervém: “Nobre senhor, que tal se aplicásse- mos o prêmio dentro da lei pela traição, e os enviássemos à prisão de Sidon até que irrompesse a revolução predita, onde seriam pagos — ou na cruz ou no patíbulo? Vê-se à boa distância serem esses roma- nos nada mais que péssimos fariseus, capazes de tudo por dinheiro!”
Diz Cirenius: “Tens razão; como, porém, não somos senho- res únicos e ainda Algum Outro tem de Se manifestar, aguardaremos o caso com calma!”
NEGOCIAÇÕESCOMOS FARISEUS
Nisto se adianta Roklus e diz: “Nobre senhor, permite eu sussurrar algo nos ouvidos destes criminosos, pois na carta também é atacado o meu Instituto, o que, como chefe, não posso deixar pas- sar! Tenho de perguntar-lhes como e quando o profeta, por eles tão difamado, aprendeu conosco as magias, com que encanta e perverte o povo! Se não retirarem, neste momento, ultraje tamanho, irei tor- cer-lhes os pescoços, tão certo Deus me ajude!”
Manifesta-se um dos dois fariseus: “Que culpa temos, caso a acusação seja apenas suposição maldosa?! Não a escrevemos nem tampouco a engendramos. Dirigi-vos aos mandantes; somos apenas mensageiros e não devemos resposta a quem quer que seja! Aguar- damos simplesmente o recado, que deve ser transmitido ao autor.”
Animado por Raphael, Roklus diz: “Bem; que então terá de acontecer se vos provarmos serdes vós mesmos os autores da carta difamadora e que vos cabe por pessoa mil libras de ouro do Templo, caso fôsseis bem-sucedidos?”
Reage o fariseu: “Quem nos poderá apontar esta infâmia? A carta é assinada por Herodes!”
Roklus então chama Zinka e diz: “Conheces como ninguém a assinatura de teu senhor; é ela autêntica?”
Responde Zinka: “De modo algum! Herodes nem sabe es- crever; e a muito custo lê grego. A fim de aplicar sua assinatura, ele usa uma espécie de sinete, que apõe aos documentos; portanto, esta assinatura é falsa, pelo que presto juramento!”
Acrescenta Roklus: “Então, fariseu sábio, devoto e verdadeiro em nome de Moysés e Aaron — como te sentes? Por certo preferes estar em casa, em mesa opulenta, do que aqui, sob auspícios tão glo- riosos! Quando o homem não se satisfaz com aquilo que Deus lhe dá, tem de se acomodar com as peripécias do destino.
O difamado profeta de Nazareth não vos agrada, porque vos impõe fortes restrições através de Sua Doutrina da Verdade. Isto sempre será assim, mesmo se ele Se deixasse matar por vós, isto é, pro forma; pois Ele, a Própria Vida Eterna, jamais poderá ser morto. Que me dizes?!” O fariseu está como petrificado, e nenhum dos emissários se atreve a falar.
Após alguns instantes, Cirenius, que por Mim havia recebido um sinal, chama os dois fariseus e lhes diz: “Acalmai-vos. A tempes- tade passou; não vos atemorizeis com nosso rigor romano. Passemos à segunda parte do assunto, onde quero ouvir a plena verdade. Só por ela podereis ser libertos de meu poder inclemente — do con- trário, esperam-vos prisão, cruz e espada, porquanto sou Prefeito de todas as províncias asiáticas de Roma.
Se falardes a verdade, seja seu sentido qual for, podeis, sob minha palavra de honra, seguir caminho. Pretendendo positivar-vos na mentira, sabeis o que vos espera; sou soberano na Ásia, dispondo a cada momento de duzentos e sessenta mil guerreiros. Se isto igno- ráveis, estais agora informados. Quem me chamará à responsabili- dade caso mande decapitar todos os judeus, por mero passatempo?! Onde se poderia tramar uma rebelião, em toda Ásia, sem que fosse orientado, no mais tardar, em quinze dias?! E ai dos rebeldes!
Se de acordo com vossas afirmações se prepara alhures o menor levante, eu o saberia e os meus esbirros teriam que fazer! Vossa denúncia é apenas mentira, pela qual me teríeis aproveitado para outra finalidade, caso fosse ignorante. Penso já vos ter conven-
cido desta impossibilidade. Por isto, dizei a verdade, para que veja onde piso!”
Tanto os fariseus quanto os falsos romanos, em parte he- rodianos, expressam nervosismo, pois nada mais é tão detestável ao homem do que se acusar a si mesmo, confessando suas intenções perversas. Mas que fazer? A justiça e inflexibilidade do Prefeito são conhecidas, e só lhes resta confessar.
A CONFISSÃO
O primeiro fariseu se enche de coragem e começa a falar: “Senhor, severo e irredutível, sobre toda Ásia e parte da África! Não havendo outra saída, tenho de confessar, em nome de meus cole- gas, perseguirmos o conhecido profeta de Nazareth como nosso pior inimigo, em virtude de nossa inveja profissional. Ele realiza coisas inéditas e, além disto, prega contra o Templo e suas leis.
Há aproximadamente mil anos, Moysés recebeu no Monte Sinai Leis das Mãos de Deus, e mais tarde uma quantidade de de- terminações para conduta da vida. Entre as Leis, a primeira é a mais importante e soa: Deves crer unicamente em Mim, teu Deus Ver- dadeiro e não adorar outros; pois Eu sou teu Deus e Senhor! — O profeta de Nazareth alega ser ele mesmo um filho de Deus ou Deus Mesmo, baseando-se nas profecias e em seus próprios feitos.
Se isto ficar impune, em poucos anos a Instituição Divina em Jerusalém chegará ao término! Que será então? De que modo enfrentaremos o povo como enviados de Deus, e de que iremos vi- ver, porquanto as Leis Divinas não permitem tenhamos uma vinha? De um lado temos os samaritanos que apostataram, os saduceus e os semipagãos; do outro lado, os essênios com metade do povo a seu favor — e agora aparece esse galileu!
Através de Moysés, Jehovah estabeleceu uma União Eterna conosco e nos obrigou a ficar fiéis a ela. Ele, o Poderoso, prometeu-
-nos as maiores vantagens pelo cumprimento de Suas Leis; mas tam- bém nos assegurou os prejuízos que adviriam pela desobediência.
Facultou-nos o direito de perseguirmos os adversários com fogo e arma, como fez Josué em Jericó e mais tarde, David com os filisteus, onde por ordem de Jehovah nem as crianças, no ventre materno, podiam ser poupadas.
Se ele dissolvesse a antiga União, em virtude de nossos peca- dos e indolência contra os inimigos, e nos abandonasse, fá-lo-ia de modo tal, a não deixar dúvidas. Acontece nada disto ter sucedido; como pode um mago, por mais extraordinário que seja, arriscar-se em agir contra nós, como representantes das Leis Divinas?!
Que cure os enfermos, remova montanhas e outras coisas espetaculares; mas deixe de agir contra o Templo e seus segredos abençoados! Ele, porém, aumenta sua atitude subversiva, solapa a crença e confiança populares, mormente dos galileus, de sorte que estes nem mais querem nos pagar o dízimo, insultando-nos como traidores da Humanidade. Se isto for realidade, que Jehovah nos declare pela boca dum profeta verdadeiro, e não por um feiticeiro galileu, que se diz Filho do Altíssimo, quando se sabe jamais surgir um profeta daquela zona, muito menos um Filho de Deus, vindo do Céu. Se somos obrigados, primeiro pela Lei Divina, segundo, pela força das circunstâncias, a perseguir um homem perigoso à Causa de Deus e aniquilá-lo, acaso agimos com injustiça quando aplicamos meios políticos da época atual? Penso não duvidares des- ta confissão!”
CIRENIUSTESTEMUNHAEMFAVORDO SENHOR
Diz Cirenius: “De modo algum, pois desta vez falaste a verda- de — coisa incomum num fariseu —, causando-me simpatia! Além disto, tenho de observar, a respeito do perigoso profeta ou Filho de Deus, ser tudo calúnia, pois O conheço pessoalmente e te posso assegurar ser ele um Homem inofensivo, que Se esforça em ajudar o próximo, inclusive os piores inimigos, que sois evidentemente vós, muito embora esteja informado de vossas grandes patifarias, jamais sonhadas por Moysés e Aaron.
Ele é judeu no sentido puramente mosaico. Onde se acha Moysés em vossas instituições novas? Portanto, é Ele contra vossos princípios e não contra vós, pessoalmente. Já recebi tantas denúncias incríveis do povo contra vós, que realmente por diversas vezes tive a intenção de impedir-vos pelas armas. Somente Ele me reteve! Se fosse vosso inimigo, deveria regozijar-Se pelo vosso aniquilamento completo; mas dá-se precisamente o inverso.
Ele lastima vossa grande cegueira, engendrada por vós mes- mos. Seu Desejo é reconduzir-vos — a fim de renovar a antiga União
à Verdade e ao Deus Único e Verdadeiro, do Qual vos desviastes pelas inúmeras tendências mundanas; jamais pretende prejudicar-
-vos. Assim sendo, como pode ser Ele vosso inimigo? Se possuísseis os Seus Recursos, de há muito O teríeis assassinado! Dentro de meu exercício de Governo, submeti-O a exame rigoroso, pelo qual pas- sou gloriosamente.
Descobri Nele o Mesmo que protegi há trinta anos da per- seguição cruel do velho Herodes, quando meu irmão Augustus ins- tituiu o censo nos países romano e judeu, por ocasião do Seu Nas- cimento em Bethlehém dentro duma gruta. Esse acontecimento foi anunciado aos três magos do Oriente através duma enorme estrela, e Ele foi recebido e honrado como futuro Rei dos Judeus — ocor- rência que certamente estais lembrados.
Caso ignoreis isto, muito embora contando uns sessenta anos, meu irmão Cornélio aqui poderá servir de testemunha, como escrivão daquele censo; além disto, eu mesmo posso atestar ter tido provas concludentes da Divindade do Meninozinho aos Seus ca- torze dias de idade, levando-me à certeza feliz de estar lidando com uma criança excepcional.
Quando agora reencontrei o Meninozinho como Homem pleno do Espírito e Poder Divinos, prontamente O reconheci — e julgo não ser difícil compreender-se que eu mesmo curvasse minha cabeça branca diante Dele, na mais profunda veneração e respeito.
E precisamente Este Homem perseguis com intenção de ma- tá-Lo?! Ó tolos ignorantes! Acaso não predisse Moysés a Sua Vinda,
e mais tarde os grandes e pequenos profetas, apedrejados por vossos antepassados, na mesma cegueira que ora manifestais?! Ele, o Único a vos ajudar, é por vós acusado com astúcia, chamando-O de mons- tro e amaldiçoando-O, e finalmente querendo matá-Lo?!
Não reconhecestes a zona porque a rocha perigosa deixou de existir e esta enseada, anteriormente estéril, foi transformada num verdadeiro Éden. Quem foi o autor disto? Eu e todos os presentes somos testemunhas que a mão humana nada fez, mas é apenas o efeito de Sua Vontade!
Aqui, ao meu lado, vedes um menino chamado Josoé; esteve sepultado quase dois anos, restando somente seu esqueleto. Mes- mo assim, foi fácil ao Homem por vós tão odiado fazê-lo voltar à vida. Aí, à mesa, estão minhas duas filhas, raptadas por traficantes de escravas. Durante a travessia do mar se afogaram, após terem sido amarradas pelos criminosos, e foram descobertas anteontem, por ocasião duma pescaria. Uma Palavra apenas de vosso inimigo restituiu-lhes a vida!
Agora vos pergunto se disto também é capaz um mago, ou se estas provas não são mais grandiosas do que as efetuadas por Moysés no deserto?! Tudo que vos digo é Verdade plena e pode ser atestado por centenas de pessoas — e vós pretendeis matar este Ho- mem-Deus?! Que tolice tremenda!”
IGNORÂNCIADOS FARISEUS
Diz o fariseu: “Soberano, severo e justo! Somos escribas e estu- damos a Crônica; por isto, creio não sermos tão tolos como afirmas!”
Responde Cirenius: “Esta observação é sumamente dispara- tada e semelhante à vossa atitude para com o Nazareno! Deveríeis ter inteligência bastante para saberdes que nós, romanos, pronta- mente descobriríamos serdes judeus em vestimenta romana, aliás mal disfarçados, desconfiando de qualquer trama. O menor grau intelectual deveria induzir-vos à compreensão de ser vosso empreen- dimento mui arriscado, capaz de vos fazer perder a vida, vossa maior
felicidade! Isto até mesmo uma criança poderia prognosticar, mas vós, escribas, não o previstes!
Sabeis o motivo disto? A criatura gulosa, cujo estômago ja- mais sentiu fome, não pode imaginar o que seja isto! O surdo tam- bém não tem ideia do que se passa com aquele que ouve as harmo- nias duma harpa; tampouco o cego assimila as impressões da visão, pois julga serem cegas todas as criaturas. O mesmo ocorre e de modo ainda mais preponderante com o homem tolo e espiritualmente cego: julga serem os outros mais tolos que ele, achando-se até inte- ligente. Nisto se baseia a razão pela qual pessoas tolas e presunçosas agem como vós.
Assim sendo, também não compreendeis a atual época mara- vilhosa, anunciada por Moysés e outros, quanto à Vinda do Messias à Terra. De igual modo deveríeis saber que nada conseguiríeis contra o poder romano, e muito menos no que diz respeito a um Homem pleno do Espírito Divino, que bastava emitir o menor Pensamento
e a Terra teria desaparecido!
Afirmo-vos: não temo quinhentos mil de vossa espécie, mu- nido dum exército adestrado; mas que fariam eles contra a Vontade Poderosa de tal Homem?! E pretendeis prendê-Lo e até matá-Lo — e isto, sem motivo concludente?! Dizei-me com sinceridade se ainda não reconheceis vossa imprudência?!”
Responde o fariseu: “Se pudesse falar sem rodeios, talvez te abrisse um pouco a visão em tal assunto; mas não é possível dis- cutir-se contigo, como fazem os sábios do Templo.” Diz Cirenius, ocultando um sorriso: “Dou-te permissão para falares à vontade, e não levarás castigo!”
MORAL TEMPLÁRIA. OS MILAGRES DE MOYSÉS SOBELUCIDAÇÃO FARISAICA
O fariseu se levanta, toma posição e começa: “Nobre senhor, teus conhecimentos brilham qual diamante ao Sol; no entanto, também sei de algo não permitido deixar transparecer. Quando ne-
cessário, é revelado. Tão logo o homem faz parte duma Instituição terrena e sendo obrigado por nascença, hábito, lei e circunstâncias a jurar fidelidade, em virtude de seu estômago, morre espiritualmen- te, pouco a pouco.
E quando é forçado constantemente a vender ‘gato por le- bre’, cessa toda função cerebral. Todo pensamento mais lúcido é prontamente condenado, porquanto não é possível modificar-se a situação. No decorrer do tempo, o homem se habitua à mistificação e se entrega ao completo estado de ignorância, uma vez que tenha seu sustento e vida folgada, pois quando termina a vida terrena, as algemas são soltas, terminando as leis para quem deixa de existir eternamente.
Onde não existe vida — mentira e verdade se estendem as mãos. Em tais circunstâncias, não importa de que modo se tenha levado a vida sem ideal; enquanto se vive, convém evitar toda e qual- quer fábula e quimera, e quem toma a vida por algo mais elevado engana a si mesmo.
Não classifico tal princípio como determinado pela Natu- reza, senão uma consequência automática de todos os confessores duma casta, que lhes obrigam a pensar, falar e agir por determinação da mesma. Pareces estar plenamente convicto da realidade de tuas palavras quanto ao nazareno — mas de que adianta?! Enquanto for membro juramentado do Grêmio, nada mais me resta fazer do que exclamar: Aniquilai-o; pois é um perigo ao nosso Instituto, e reduz nossas rendas indispensáveis!
Posso, contudo, conjecturar: O Grêmio assim quis e me no- meou para seu instrumento. Portanto, ajo cegamente pelas ordens recebidas, que me impedem atitudes privadas. Bem, no íntimo penso: Se realmente a vítima é o que se diz, em breve nos liqui- dará, sem que tornemos a ver nossos recintos abençoados; sendo ele um chantagista — como se vê dois por três — convém acabar com sua vida.
No início tudo tem aspecto divino. Vejamos a vida de Abraham e seus primeiros descendentes: a Divindade Se lhes dirigia
e os levava ao caminho dos justos — todavia, não estivemos pre- sentes! Mas em época de Moysés tudo havia mudado. Pois teve ele mesmo de estudar os sábios do Egito e integrar-se das fraquezas da corte, e talvez também tivesse tido ensejo de se tornar rei, razão por que eliminou o filho legítimo do Faraó.
O primeiro plano fracassou; por isto ele fugiu para elaborar outra modalidade, a fim de incitar seu povo — reduzido ao reino animal — contra o rei decrépito. Quando soube encontrar-se a mul- tidão pronta ao ataque, ele veio munido de poder mago, começando a ditar ordens ao faraó. Aos judeus ainda acessíveis às ideias divi- nizadas dos antigos patriarcas, ele se apresentou como enviado de Jehovah, efetuando milagres por eles incompreensíveis, sendo por tanto seguido qual pastor.
Moysés conhecia a particularidade do mar, isto é, a natureza das marés e o ponto onde seria possível a travessia. A baía tem a largura de duas horas de marcha, e na época da vazante aparece no centro uma passagem firme durante três horas, servindo de ponte quando o mar está calmo. Numa caminhada forçada faz-se o trajeto até numa hora apenas, chegando diretamente ao deserto da Arábia, no que se levaria por terra cinco a seis dias, porquanto o Oceano se estende por várias horas e é muito profundo.
Isto foi calculado por Moysés de modo sagaz, porque pos- suía conhecimentos do território como nenhum outro na corte do rei. Rapidamente conduziu as massas por tal passagem até a Arábia para zonas montanhosas, conhecidas apenas dele, e onde seus sogros eram proprietários.
Deixemos tal pormenor e observemos os israelitas, que qual tufão chegaram a outra margem, enquanto o Faraó, enraivecido, pretende persegui-los pelo mesmo caminho. Se ele tivesse chegado antes, Moysés não se teria salvo; assim, seu exército foi retido por sua própria indolência e outros impedimentos. Mas chegando no meio da passagem, o mar começou a subir rapidamente, afogando os perseguidores.”
Nisto, Cirenius interrompe o narrador e diz: “Não és real- mente tão tolo como parecias, por isto desejava saber como explica- rás a aparição da coluna de fumaça durante o dia, e de fogo à noite, na Arca da União.”
Responde o fariseu com calma: “Para tanto basta se lançar um olhar na antiga estratégia, pois era um instrumento egípcio, que produzia grande volume de eletricidade e acompanhado de carros de aço para produzirem fumaça. Eram eles cheios de penas, cabelos, pelos de animais e isto tudo era coberto de piche, enxofre e salitre, e em seguida se lhes metia fogo. Produzia assim forte fumaça, que em breve envolvia o caminho em grossa neblina, ocultando ao inimigo a posição exata do exército e, além disto, forçava os animais, tais como: camelos, cavalos e elefantes a debandarem, evitando o êxito dos perseguidores. Pode-se imaginar terem sido puxadas várias car- roças atrás do exército. Eis em poucos traços a maravilhosa e santa Arca de Moysés.”
Diz Cirenius: “Está bem; mas como explicas o desmorona- mento das muralhas da velha e grande cidade de Jericó? Consta ter sido a Arca carregada em volta da cidade, acompanhada de trom- betas usadas nos templos egípcios, e na terceira volta, se não me engano, tudo ruiu. Como foi possível?”
Diz o fariseu, após boa gargalhada: “Isto é palpável! Conta-se dos antigos egípcios haverem destruído e queimado os navios ini- migos por meio de eletricidade; portanto, Josué bem soube por que mandou que a Arca fosse levada, por três vezes, ao redor da muralha.”
Aduz Cirenius: “Pois bem; mas se ela realmente só foi um engenho elétrico, deveria ter o mesmo efeito ainda hoje?!”
Responde o fariseu: “A questão é evidente. Basta observar- mos uma casa ou navio antigo, digamos de mil anos de idade, ou até mesmo pedras, que também são carcomidas pelo tempo. Quanto
mais isto ocorre com a madeira e metal, como sejam cobre e ferro. No próprio ouro se nota o efeito milenar.
Ainda possuímos a antiga Arca, que está, no entanto, tão avariada, de sorte que sua antiga construção milagrosa apresenta o aspecto da boca de um ancião que há muito perdera os dentes. Além do mais, os babilônios saquearam todos os objetos do Templo, e ig- noramos como foi construída a Arca. Mandamos fazer uma idêntica pela forma, enquanto o efeito não pode ser o mesmo, pela razão acima. Penso ter-me expressado claramente.”
Obtempera Cirenius: “Se tudo se baseia em mistificação be- ata, como podes permanecer membro de tal Instituição, possuindo compreensão tão equilibrada?”
Diz ele: “Eis o ponto da questão: Por me ter tornado mem- bro da casta quando ainda ignorante. Pois se fosse orientado antes, jamais teria compartilhado. Uma vez dentro do Grêmio e vendo que o mundo é um manicômio, é-se obrigado a ser um doido, em virtude do estômago. Aliás, é a deserção castigada com a morte pelo apedrejamento!”
FILOSOFIANATURALISTADO FARISEU
Diz Cirenius: “De tudo que me acabas de expor, deduzo que, muito embora servo de Deus, Nele jamais acreditaste. Como isto é possível?”
Responde o fariseu: “Ora, já dei os motivos de sobejo. Que pode uma criança, por mais inteligente que for, contra a força e mo- ral de seus pais e professores, não raro excessivamente tolos?! Admi- timos nossa posição perante os romanos: quem poderia reagir contra tal poder? Além disto, teríeis criado leis absurdas e tolas; acaso pode- ríamos fazer outra coisa senão obedecer?! O poder externo age com força insuperável e é-se obrigado à submissão, pois nesta Terra tudo é apenas aparência.
Procura-se a Verdade, procura-se Deus! Onde estão Deus e a Verdade, e o que são realmente?! Cada povo tem seu deus, que de-
termina os princípios salutares a ele. Acaso também são verdadeiros para nós? Rimo-nos deles, e não compreendemos a possibilidade duma nação aceitar e crer coisas tão ilógicas. E o mesmo se dará caso perguntarmos seu critério a respeito de nossa crença. Em tudo existe algo de bom na manutenção da ordem geral — todavia não se trata da Verdade absoluta e muito menos de Deus.
O Sol é uma realidade e u’a manifestação de Deus, não obs- tante termos que nos satisfazer apenas com seu brilho, o que prova que tudo na Terra é mais fictício do que real. Toda criação surgiu do Sol e de seu calor vivificante, enquanto receber seus raios benéficos, pois o resto perdura na sombra.
A Terra e tudo que comporta é somente seu reflexo; portan- to, antes aparência do que realidade. Atrás da vida aparente de tudo que existe acha-se a sombra como completa mentira; precisamente esta sombra é procurada e amada por todos os viajores, e o sono sob a sombra geral da Terra, que chamamos de noite, é o maior benefí- cio da vida após um dia de labuta.
Assim, tenho a impressão não ser possível as criaturas vive- rem sob o domínio da Verdade absoluta, tampouco quanto sua na- tureza poderia subsistir sem descanso. O que, portanto, o sono é para o físico, a mentira representa à moral humana. Não vem ao caso sua base. Preparai às criaturas uma calma satisfatória e benfaze- ja, inclusive uma confiança meio esclarecida e facilmente aceita — e tal mentira é estupenda, e a Verdade não terá razão de ser!
Sempre foi e será assim: as criaturas procurarão a Verdade, entretanto alimentar-se-ão da mentira. Também haverá os inteligen- tes a demonstrarem a luz da Verdade; quanto mais, porém, forem iluminando o semelhante, tanto mais pronunciado se fará o rastro da sombra.
Assim como a claridade produz a sombra, a Verdade pura faz realçar a mentira; pois não existe Verdade sem mentira, e vice-versa. Assim sendo, toda e qualquer Verdade tem a aptidão de produzir uma inverdade — e convém ao homem indagar a si mesmo qual das duas prefere. Um juiz condena o infrator através da lei, e vive de
seu ofício; onde, porém, estaria quem me provasse ser a própria lei uma Verdade? Trata-se apenas dum princípio aceito e sancionado, que muda de povo em povo. Onde estaria a Verdade, quando u’a mentira condena outra?!”
Terminando assim o seu discurso, o fariseu volta ao seu lu- gar a mando de Cirenius, que Me diz: “Realmente, jamais vi coisa idêntica! Roklus sabia falar dentro de sua esfera racional, onde eu continuava como dono de meus princípios. Este fariseu acaba de me envolver de tal forma, a me impossibilitar qualquer réplica. Sempre imaginei os fariseus bastante ignorantes; este me prova o contrário. Que deve acontecer?”
CIRENIUSINDICAOSMILAGRESDO SENHOR
Digo Eu: “Manda que te explique MeusMilagres, e verás que os interpretará tão naturalmente quanto os de Moysés. Só então ire- mos demonstrar-lhe seu conceito errado. Chama-o de volta.”
Tão logo Cirenius segue Minha Ordem, o grupo de fariseus dele se aproxima com muito respeito, e o primeiro indaga da reso- lução do Vice-rei. E Cirenius lhe diz: “Continuaremos a questão da Divindade, da fé, dos profetas e dos milagres que costumam acom- panhá-los; pois desejo clareza a todo custo. Ainda há pouco soubeste elucidar-me a História de Moysés e dos antigos milagres de modo tão simples, que a aceito como verdadeira. Naturalmente deve isto ficar entre nós, em virtude do povo. Entretanto, sinto-me oprimido pela responsabilidade; pois daquilo que aqui tive oportunidade de assistir de modo tão grandioso, tenho testemunhas de quase todo mundo; judeus e pagãos, essênios, o Rei Ouran dos skythos, até persas não faltam, isto é, autoridades que representam a sabedoria.
Observa esta terra extraordinária e sua organização interna; o jardim provido da amurada externa; a horta com todas as espécies de árvores frutíferas, apresentando o maior viço e até mesmo alguns frutos já amadurecidos. Analisa as diversas fontes, em seguida dirige o teu olhar à praia, onde vês o cais munido dum muro que dá até ao
fundo, e os navios, novinhos em folha! E onde está aquela rocha tão temida pelos navegantes? Nem mais vestígios há!
Vês a zona de Genezareth, onde há poucas semanas ainda se encontrava uma rocha, cujas paredes davam para o mar e que jamais fora galgada por alguém? O tempo milenar não conseguiu gastar suas massas de granito. Acontece que, há bem pouco, o Profeta por vós perseguido a transformou, além de efetuar outros milagres, de tal forma a poder ser escalada até por crianças.
Quem desconhece a zona febril de Genezareth? Todo mun- do padecia de febre consumptiva, mormente os estrangeiros, muitas vezes obrigados a estenderem seu paradeiro durante anos, até que se tivessem acostumados ao clima, para seguir viagem. Nossos próprios soldados, de saúde férrea, lá enchiam os hospitais. Foi bastante o Profeta de Nazareth abençoar a zona, para transformá-la na mais salubre e curando todos os enfermos.
Tais fatos ocorreram diante de nossos olhos, e ninguém nos poderá acusar como sendo pessoas de fé fácil, a quem qualquer pres- tidigitador do Egito, da Índia ou Pérsia poderia fazer aceitar seus milagres como reais. Eis o ponto que nos deixa estupefatos. Vá lá que as ocorrências com Moysés se deixam explicar de modo natural; primeiro, porque por tuas palavras podem ser assim interpretadas; segundo, não temos testemunhas, descontando os livros dificilmen- te compreendidos. E os cronistas gregos nada disto relatam.
Seja como for; deixemos o passado e tratemos do presen- te tão grandioso! Como poderias explicar-me os fatos atuais? Re- compensar-te-ei regiamente se te for possível tirar-me de minha ilusão divinizadora, e até mesmo te prometo auxílio na perseguição do Profeta!”
Diz o fariseu: “Quando esteve aqui o nazareno e quanto tem- po demorou?” Marcus, que se acha perto de Cirenius, responde: “Aquele Homem-Deus veio aqui pela primeira vez há oito dias, mu- nido de Sua Vontade Onipotente e acompanhado pelos discípulos.
O primeiro fato milagroso que operou foi quando me man- dou encher de água todos os meus odres, e nem bem assim fizera, ela se havia transformado em vinho! Eis um cálice, que poderás provar!”
Esvaziando-o até quase o fim, o fariseu diz: “Realmente, ja- mais tomei vinho melhor! Tua assertiva se prende à verdade?”
Responde Marcus: “Quem me conhece sabe jamais ter sido minha boca vilipendiada por uma inverdade, e quem ainda pergun- ta prova sua fé bastante fraca. A fim de dar-te um exemplo e abalar tua filosofia naturalista, peço-te me acompanhares com esta ânfora vazia até o Lago, para enchê-la — e te garanto ser ela transformada em vinho pelo Profeta, que ainda Se encontra aqui. Caso presumes ser tal vasilhame preparado para tal fim, usa um dos teus — e se eu tiver pronunciado u’a mentira, toda esta minha posse será tua!”
O fariseu tira de seu bolso um cálice de ouro e diz: “Veremos; se a água do Lago se tornar vinho, este cálice precioso será teu!” Rá- pido, ele e seus companheiros vão ao Lago colher água, que sempre se transforma. Convencidos da veracidade das palavras de Marcus, eles voltam junto dele e o primeiro lhe diz: “Toma, ganhaste a apos- ta. Que direi? Isto não se dá de modo natural. Estranho, não só o aroma, mas também o espírito do vinho estavam presentes, de sorte a quase nos embriagarmos! Só pode estar em ação a Vontade do na- zareno, provando a mesma causa dos outros feitos.
Quando se tem diante de si a constante naturalidade das apa- rições da Terra — com exceção das fantasmagorias persas, ocultas por grande misticismo — sem jamais ter visto coisa diversa, há de se crer naquilo que se assistiu em realidade. Mas de que adianta, quando não é possível se reconhecer a base? Nobre senhor, nestas atuais aparições, torna-se inócuo explicação natural, tanto quanto
ninguém poderia elucidar a Criação do Universo, surgido do Nada, de acordo com a nossa compreensão e acepção. É ele, portanto, nada mais que a Vontade fixada do Poder Divino.”
OFARISEUDUVIDADAEXISTÊNCIADE DEUS
Diz Cirenius: “Muito bem; agora surge outra questão: acei- tando tais obras como milagrosas, e ter Moysés e muitos outros pro- fetas e videntes descrito Este Homem, julgo terem também os atos deles cunho milagroso. Não se pode negar se terem aproveitado de meios naturais; mas no todo só podiam ser acionados pela Onipo- tência Divina, manifesta no homem. Que te parece?”
Responde o fariseu: “Realmente, as coisas estando nesse pé, não posso contrapor algo à tua opinião; apenas não se pode compre- ender por que Deus — se é que existe — deixa a Humanidade cair tão profundamente, e só então inspira algum profeta ou vidente, incumbido de trazer alguma luz aos homens ignorantes, para final- mente se tornar vítima das paixões desenfreadas. Deus provê Seus escolhidos de forças milagrosas, no que não mais duvido; no fim, porém, eles sucumbem ao poder da brutalidade. Por que Ele não os protege?
Não pretendo com isto fazer uma reprimenda à Divindade, todavia foi prejudicado o objetivo previsto, pelo egoísmo dos ho- mens. É chocante ver-se aprisionado e morto um homem, que há pouco demovia montanhas apenas pela vontade; não deixa de desa- nimar seus adeptos, muitas vezes voltando à anterior cegueira, que lhes garante subsistência.
Há bem pouco, um tal de João deu provas realmente gran- diosas como testemunho de seu entusiasmo divino. Herodes o mandou prender e decapitar na prisão, de modo cruel. Contava ele grande número de seguidores, e milhares se deixaram batizar como evidente aceitação de sua doutrina; quando souberam o que havia ocorrido, encheram-se de pavor, sem deixar transparecer serem seus adeptos, com receio de compartilharem do mesmo destino que seu
mestre. Meu raciocínio acha isto incoerente, pois não demonstra sequer prudência e compreensão.
Admite-se tal coisa pelo domínio dum destino pagão — mas inaceitável por parte duma Divindade Boa, Justa, Sábia e Onipo- tente! Foi este o principal motivo por que desisti da crença em Um só Deus; pois um profeta deveria desfrutar, até o fim de sua vida, duma posição de defesa invencível contra todos os poderes terrenos
e assim, o elemento divino poderia ser para sempre reconheci- do e conservado; todavia, a maioria tem um fim trágico, lançando suspeita sobre a causa divina professada. Deste modo, Moysés não pôde penetrar na Terra Prometida, e o próprio arcanjo Miguel teve de lutar pelo corpo dele, durante três dias, sem sair vitorioso. Por quê? Por que motivo o príncipe do mal, nesta Terra, quase sempre vence sobre o Bem?
Afirmamos estar toda a Humanidade, ou seja, o mundo mo- ral, perdido; se analisarmos os motivos, chegaremos ao ponto que acabo de mencionar. Podemos fazer o que quisermos, que nunca me- lhoraremos a nós mesmos ou a outrem, pois a lei do mais forte nos mantém nos limites, e quem se atrever a reagir estará perdido. Talvez teria sido salvo para outra vida? Disto temos muito menos certeza, do que daquilo que acontecerá ao Gênero Humano daqui a cem anos.
Apenas profetas e videntes poderiam sustar tal calamidade, pois as criaturas assim teriam a Força e o Poder Divinos constante- mente diante de si; conservariam a fé verdadeira, tornando-se boas. Deste modo é inspirado, vez por outra, um homem, quando as cria- turas tiverem submergido abaixo do nível animal, fazendo com que sejam alertadas pela mensagem extasiante de que é portador; mas quanto tempo tal estado perdura?
Sendo ele seguido pelos sedentos da Verdade, os que falam pelos oráculos e as castas sacerdotais egoísticas se revoltam, porque temem ser descobertos em sua trama, na redução de seu prestígio e lucro, e começam a perseguir o profeta. Por certo tempo nada conseguem, rechaçados pelo seu poder divino. Em alguns anos, no entanto, após ter orientado milhares, sua força excepcional se re-
trai, e ele se torna vítima da mais torpe vingança humana. Eis que os convertidos não sabem o que fazer; os próprios discípulos são tomados de pavor e dúvidas, quando seu número for restrito; em se tratando duma multidão, surge uma guerra religiosa, até que um partido tenha dizimado outro. Fazendo-se observador de tais fatos de modo desapaixonado, não é possível chegar-se à crença em Deus, por habitar a Divindade na Luz eternamente inatingível, como diz a Escritura. Não é isto?”
Responde Cirenius: “Estás certo no que toca as relações ter- renas; acontece estarmos mais orientados nos Planos Divinos refe- rentes ao destino desta Terra e sabemos do grande ‘porquê’. Espero que algum dia também mudes teu parecer. Volta para junto de teus colegas, mas analisa antes os milagres daqui, e verás quão tola e arris- cada foi tua perseguição ao Grande Mestre de Nazareth!” Os fariseus se curvam respeitosos e se encaminham em direção à casa, enquanto dou um sinal a Marcus para acompanhá-los.
A TERRA, ESCOLA DE PROVAÇÃO PARA OS FILHOS DE DEUS
Novamente Cirenius se dirige a Mim: “Senhor, sei por Ti Mesmo por que, no mundo, as coisas são tais como vemos, e conhe- ço Teus Planos divinamente sábios quanto à educação dos homens, em todos os tempos e países; entretanto, confesso se justificarem as noções deste fariseu, falando mundanamente. Em realidade, o mundo não é pleno de verdade e amor, mas cheio de ódio, mentira, mistificação e injustiça. Poderia ser diferente — entretanto sempre será o vale do sofrimento, onde perecem as criaturas.”
Digo Eu: “Claro que poderia ser de modo diverso, como acontece em muitos outros planetas; mas em tal hipótese, a Terra não seria escolhida para viveiro daqueles destinados e convocados a se tornarem Meus Filhos.
Poderia o amor verdadeiro e poderoso reconhecer-se como tal entre criaturas que emanam o puro amor?! Qual seria a prova
aplicável para o exercício da paciência, humildade e meiguice duma pessoa dotada de todo amor desde nascença?!
Se Eu fosse constituir a natureza humana de modo tal a lhe facultar a máxima perfeição sem esforço próprio desde que nascesse
de que exercício e autoeducação necessitaria?!
Para que finalidade poderiam ser empregados tais espíritos? Afirmo-te: seriam preferíveis as árvores nas florestas e as rochas montanhosas quanto à ação independente e indispensável ao livre arbítrio, do que uma criatura perfeita em todos os sentidos, desde a sua chegada ao mundo.
Um homem de físico desenvolvido que sempre achasse u’a mesa provida dos melhores quitutes, de sorte a nunca poder sentir fome, além disto tivesse uma sala de estar com todos os requisitos, não lhe faltando capacidade completa de inteligência a lhe proporcionar o uso perfeito dos sentidos e jamais sendo perturbado pelo menor aborrecimento — nem por um minuto deixaria sua cama estofada!
A tal homem até mesmo Meus maiores Milagres seriam tão indiferentes como a neve que em época de Adam cobriu as monta- nhas com a veste da eterna inocência! Acaso pensas ter utilidade e proporcionar-Me alegria Minha Própria Perfeição Infinita e Eterna? De modo algum!
No constante crescimento de Meus incontáveis filhinhos im- perfeitos, no crescente conhecimento e aperfeiçoamento e na deri- vante ação progressiva — repousa Minha Máxima Felicidade. Sua alegria acerca duma capacidade dificilmente conquistada é também Minha, pois Minha Perfeição Infinita recebe um valor incalculável quando é almejada cada vez mais pelos Meus filhinhos pequeninos. Sabes a que Me refiro?!
Se assim não fosse, acaso teria surgido um planeta e seres vi- ventes, que o habitam? Tudo isto foi desde sempre uma necessidade indispensável para Mim, sem o que jamais algo teria sido criado.
Conforme está, terá de ser para sempre! Não vim para dar à Terra paz e calma inertes, senão a espada, a luta na maior ativida- de. Somente diante do ódio o amor se torna uma ação verdadeira
e viva, afugentando a morte destruidora. A miséria que persegue a Humanidade a faz ativa e, com o tempo, paciente, meiga e submissa à Minha Vontade. Não houvesse mentira com seus efeitos amargos
— que valor teria a Verdade? Quem acenderia a lamparina à luz do dia, dando-lhe seu real valor?”
AMISÉRIACOMOMEIODE EDUCAÇÃO
(O Senhor): “Tudo que existe tem sua razão de ser para o progresso do homem. Todo ser condiciona uma atividade, e esta, o motivo e móvel, que naturalmente correspondem à espécie de ação.
É, portanto, tudo que se denomina contra a moral, isto é, prejudicial e nocivo, apenas um instrumento permitido — e ao puro tudo é puro e bom. Ao fraco e impuro, isto muda de aspecto, por- quanto necessita de certos meios para a atividade.
Quando os filhos de Abraham em épocas de Moysés, Aaron, Josué e ainda mesmo durante o regime dos Juízes se alegravam da visível conduta de Jehovah, duma sabedoria ilimitada e da maior riqueza terrena, tornaram-se preguiçosos quais pólipos e ostras ma- rinhas. Por muitas vezes eram animados e incitados à vigilância e ação, pela boca dos profetas; sua resposta, porém, soava: Se fizer- mos algo, poderemos cair em pecado, que anularia o Bem praticado; nada fazendo, também não pecamos e, portanto, estaremos justifi- cados perante o Senhor!
Deste modo, engendravam uma filosofia que lhes proporcio- nava o ócio; a consequência disto foi a crescente miséria, que com o tempo trazia a fraqueza física e, finalmente, a moral.
Em tal estado se voltaram de novo a Mim, prometendo agir dentro da justa ordem da vida. Por certo tempo, tudo melhorou; mas quando se apresentou a abastança como fruto da atividade, caíram na antiga tendência da preguiça; havia opulência e luxo, e o povo co- meçou a exigir um rei como representante de seu progresso material.
Foi-lhe dado e ungido um rei; o contrato entre ele e o povo também foi considerado, tornando-se nada mais que um móvel do-
loroso a uma atividade forçada. Tão logo rei e povo caíram numa letargia, foi necessário fazer surgir inimigos ameaçadores nos filis- teus, brutos e poderosos. Apareceu assim a guerra com sua miséria, despertando o Meu povo, que se tornou ativo e forte.
No grande sofrimento e atribulação, ele novamente trilhou o caminho junto de Mim e progrediu na Graça, Sabedoria e Opulên- cia, de modo inimaginável. A abastança, porém, provocou grande queda da atividade no poderio de Salomão, e o reino soçobrou du- rante o regime dos primeiros descendentes. Assim sendo, esse povo foi obrigado a passar por constantes misérias e aflições para mantê-lo em alguma atividade.
Atualmente está, de modo geral, de novo abaixo do nível ani- mal, mormente o sacerdócio e o professorado. Por isto, Eu vim em carne para provocar à parte mais ociosa do povo o maior embaraço e perturbação; eis o motivo pelo qual Me procuram prender e matar, temendo perderem seu sustento através da Minha Ação constante. Seu intento, porém, é baldado.
O germe da inércia já criou fortes raízes em suas almas; por isto, é preciso tirar-lhes primeiro tal tendência; devem ser dispersa- dos aos quatro ventos e levar uma vida nômade ou entrar na união de vida e atividade por Mim ora criada, onde ninguém poderá cru- zar os braços, querendo subsistir.
Quem assim não fizer passará fome e sede, coberto de tra- pos imundos e amparado pelo bastão da mendicância; os outros o enxotarão da porta, dizendo: Quem não trabalha não deve comer, pois todo trabalhador tem seu mérito. Então todos se animarão à labuta! Havendo quem continue na preguiça, em breve sentirá o açoite das circunstâncias, servindo de exemplo aos outros.
Afirmo-te o seguinte: Todo povo preguiçoso e indolente, bem como toda pessoa isolada, sentirá o constante açoite nas costas, perdendo seu nome no Livro da Vida, sua grandeza, poder e digni- dade. Deste modo, os homens serão incentivados a ações reais, em seu próprio benefício. Compreendeste isto?”
Diz Cirenius: “Perfeitamente, Senhor e Mestre desde Eterni- dades! Surge, porém, a seguinte questão: Se as criaturas se entrega- rem a uma atividade constante, nos diversos setores das necessidades da vida, evidentemente passarão ao puro materialismo, onde não se pode cogitar do Renascimento do espírito. Além disto, ouvi de Tua Própria Boca não dever o homem se preocupar pelo progresso mate- rial, como fazem os pagãos, mas procurar, antes de mais nada, o Rei- no de Deus e Sua Justiça — que todo resto virá por si só. Que relação existe entre os dois ensinamentos? Poderias elucidar-me a respeito?”
Digo Eu: “Como não, pois ainda temos hora e meia para tanto. Presta atenção à parábola que direi. Dois homens procuram um mestre duma arte útil e elevada; o primeiro, a fim de aprendê-la para seu ganha-pão. Estuda com muito zelo, prestando atenção a tudo que seja necessário ao seu manejo, e finalmente alegra-se com o diploma do professor, onde consta ser ele mesmo um mestre. Havia ainda uns tantos segredos do ofício, por ele ignorados; mas satisfez-
-se somente com o diploma, que lhe facultaria bom sustento, sem grande esforço.
O motivo que levou o segundo ao mestre foi bem diverso e tinha que apresentar outro efeito; não cogitou do sustento, e sim da arte propriamente. Todo seu zelo se inclinava a aprender os segredos do ofício, de modo completo.
Quando o mestre percebeu almejar o discípulo o puro co- nhecimento da arte divina, sentiu grande alegria e tudo fez para levá-lo a todos os requisitos da mesma. Em consequência, ele, como mestre perfeito, efetuou uma obra de arte tão insuperável, a levar sua fama aos ouvidos do rei, que lhe pediu demonstração. O artista assim fez, não pelo possível lucro, senão para satisfazer o monarca. Vendo a obra artística e se convencendo de sua grande utilidade, este falou: Mestre, qual é teu desejo? Fala, pois além de satisfazê-lo, serás um favorito de minha corte para empregares tua arte!
Comovido pela benevolência do rei, o artista respondeu: No- bre senhor e soberano! Tua graça e benevolência representam meu prêmio! Estudei e aprendi meu manejo não pelo lucro ou ganha-
-pão, mas por amor à arte; nela me aprofundei e sinto-me regiamen- te recompensado por ter tido consideração diante do rei mais sábio!
Que pensas da atitude do soberano? Tanta alegria sentia pela humildade do artista, que falou: Vejo seres realmente um mestre perfeito! Pois se tivesses estudado apenas pelo lucro e pão, jamais terias alcançado perfeição. Quem algo aprende visando seu futu- ro, concentra-se nele e se satisfaz com alguma prática, calculando como encobrirá qualquer falha com brilho falso, a fim de que nin- guém perceba sua deficiência, tomando-o por grande mestre. Isto tudo de nada adiantará, pois suas obras péssimas e incompletas de- nunciá-lo-ão.
Aprendeste a arte pelo amor que lhe dedicas, imaginando a maneira pela qual pudesses penetrá-la. Interessava-te a verdade da arte, que te levou a artista raro e verdadeiro, que posso empregar. Como até hoje não te preocupaste com o sustento, terás na minha corte emprego vitalício. Para artistas, cientistas e sábios verdadeiros, tenho, como rei, quantidade de empregos bem remunerados. — Eis a fácil explicação à tua dúvida.”
OCONQUISTADORDORENASCIMENTOPOR EGOÍSMO
(O Senhor): “O exclusivo empenho na conquista do Reino de Deus implica na máxima atividade. Quando o verdadeiro discí- pulo a tiver alcançado, apresentar-se-á aquele rei, que saberá recom- pensar o mérito. Tão logo procure o Bem e a Verdade, simplesmente porque os considera qual necessidade, esforçando-se por alcançar a perfeição, provará, em todas as fases boas da vida, ter ele feito jus ao reconhecimento, e o prêmio virá automaticamente.
Suponhamos um homem que se empenha em alcançar o re- nascimento do espírito dentro de Minha Doutrina, que realmente não se fará esperar para todos os que o procurem com todo zelo
e justo amor. Tal homem sabe ser o amor a Deus e ao próximo o caminho único; por isto, considera severamente as Leis de Deus, amando-O o quanto pode, fazendo o Bem dentro de suas forças. Auxilia a pobreza e, quando lhe é indicado um sábio emissário do Alto, ele o socorre, fazendo-se seu amigo.
Assim age durante anos; o renascimento do espírito, tão al- mejado e exigido, não se efetua. Vez por outra observa alguns mo- mentos, como relâmpagos, cuja luminosidade não se acentua. Eis que ele diz: Começo a considerar a questão do renascimento espi- ritual como mera fábula! Durante vinte anos fiz tudo o que a Dou- trina exige, entretanto estou no mesmo ponto de partida. Nada se consegue em realidade; é mais indicado eu viver como homem do mundo, retraindo-me das efêmeras conexões espirituais!
Surge a pergunta capital: Por que tal homem honesto não alcançou o renascimento do espírito? — Precisamente porque fez tudo apenas para alcançá-lo!
Quem amar a Deus e ao próximo por outro motivo que não seja Deus e o semelhante não chegará ao pleno renascimento, por ser este a direta união entre ambos.
Por qualquer outro motivo, o homem interpõe uma barreira, embora muito sutil, que impede a penetração da luz espiritual, não podendo unir-se ao Espírito Divino; enquanto tal união não se efe- tuar, não é possível falar-se do pleno renascimento.
Digo mais: É preciso afastar da alma toda sorte de interesse pessoal, pois a criatura tem de se libertar de tudo, a fim de poder alcançar o máximo. Dize-Me se o assunto se é claro.”
Diz Cirenius: “Inteiramente, Senhor! Existe enorme dife- rença entre as duas modalidades. Uma vez orientado, pode-se agir com justiça, caso se tenha a firme vontade, indispensável para quem conhece a base e o caminho verdadeiros. Mas, para se chegar até lá, é preciso empregar-se muito tempo e esforço; pois nem bem se crê estar equilibrado, de pronto se percebe a ausência de algo de grande importância. Creio agora não me faltar muito para tal, e caso me sinta desfalcado, espero que Teu Amor me ajude, Senhor e Mestre.
— Pelo que vejo, os fariseus estão de volta e o chefe vem discutindo com Marcus; estou curioso do efeito que provocou a percepção mais profunda dos Teus Milagres!”
IMPRESSÃODOSMILAGRESDO SENHOR
Digo Eu: “Realmente, causaram forte impressão; todavia, acham impossível poder se realizar tais coisas num momento ape- nas, por um poder semelhante ao divino. Por isto, opinam terem sido empregados, secretamente, meios naturais e o chefe diz, algo aborrecido, a Marcus: Não o assistimos, e os presentes podem mui- to bem querer tapear-nos. Sabemos perfeitamente a maneira pela qual os essênios operam seus milagres extraordinários; todavia, não conseguimos reagir contra a superstição popular. É bem possível que tivésseis trabalhado durante dez anos neste milagre, num local bem afastado do mundo; quando pronto, convidastes estranhos, divul- gando ter tal construção e todo o resto surgido pela força dum ho- mem excepcional. Acreditamos somente quando for realizado um milagre diante de nossos olhos!
Deste modo, se externa o fariseu esperto. Digo-te isto a fim de que lhe transmitas, quando chegar, o que falou a Marcus a uns trezentos passos daqui, e eles ficarão estupefatos, porquanto consti- tuirá uma prova contra sua própria afirmação. Ainda assim exigirão outras; mas não lhes serão dadas além de algumas revelações a seu respeito. Prepara-te; pois nada falarei, mas insuflar-te-ei o que dizer.”
Satisfeito, Cirenius aguarda a chegada dos templários e o chefe se lhe dirige respeitosamente: “Nobre soberano! Analisamos tudo com a devida admiração, pois opulência e utilidade aqui se unem, de sorte a se chegar à conclusão de não serem possíveis tais coisas pelas mãos humanas. Infelizmente, a Humanidade não conta um exemplo semelhante; a arquitetura de hoje, porém, evoluiu de tal forma a se lhe poder atribuir tal construção. Desde que o mila- groso Egito é por esse motivo conhecido dos gregos e romanos, não seria de se admirar caso realizassem obras tais. Grande número de
pessoas muita coisa pode fazer, alegando ter sido efetuado dentro de moldes extraordinários, e as outras nem podem levantar suspeita, por provocar-lhes sua dúvida consequência desagradável.
Vejamos os essênios! Não existe o que não fizessem! E caso se alegasse não ser tudo aquilo milagre, mas fora realizado de modo natural, receber-se-ia uma resposta inconveniente! Seja lá como for, mandaste-nos analisar essas obras como milagrosas, e nós as aceita- mos, porquanto a descrença nos custaria caro. Caso nos ordenasses acreditarmos em Zeus e seus atos divinos, faríamos o mesmo; mas no íntimo, poderíamos ser de outra opinião. Perdoa, senhor, minha expressão sincera!”
CIRENIUSREVELAOPARECERDO FARISEU
Diz Cirenius, aparentemente algo aborrecido: “Se fosses de- veras sincero, terias falado como fizeste há pouco na praia, em com- panhia de Marcus e de teus colegas. Não é possível ocultares teu íntimo diante de mim, pois pensas de modo diverso do que falas. Ser-te-á desagradável eu te dizer o que mencionaste e até mesmo pensaste; entretanto, terás de ouvir-me e teus colegas também.
Quando Marcus te perguntou qual teu parecer acerca do cais e dos navios, deste de ombros, respondendo: Poderia dizer muita coisa — mas até certo ponto pouco poderei afirmar. Se dissesse mui- to, ficaria provado ser isto obra natural, não obstante as afirmações contrárias das testemunhas; dizendo pouco, ou mesmo nada, seria isto realmente um milagre. Será fácil compreender-se não aceitarmos a última hipótese, porquanto não estivemos presentes e jamais aqui viemos. O que não poderia ter sido feito nesses confins, pela inteli- gência dos romanos! Através de espiões, podemos fazer uma busca, para orientarmo-nos das pessoas que agem contra nós. Informados encontrarmo-nos no Mar Galileu, foram enviados alguns práticos, que aqui nos trouxeram, onde se acha um acampamento romano.
É claro termos ficado surpresos, porquanto os romanos não entendem gracejos, e mal nos toleram por causa do povo, enquanto
dão preferência aos essênios, contentes por poderem solapar-nos. Conhecemos as suas fraudes, sem podermos reagir, suportando ações contrárias aos nossos princípios religiosos, como sejam: o cen- so, o imposto individual e a criação de alfândegas. Não obstante constar naquele código estarem os filhos de Abraham, Isaac e Jacob livres de qualquer obrigação, isto não é considerado, porquanto são abordados como os outros.
Até mesmo nós, sacerdotes, somos forçados ao imposto adu- aneiro, enquanto somos isentos disto por Moysés, possuindo inclu- sive o direito de cobrar o dízimo dos judeus, porque nos são vedados os bens terrenos. Os essênios, nossos inimigos declarados, têm toda liberdade e não precisam pagar tributo ou imposto alfandegário. Quem nisto não descobrir a antipatia dos romanos contra nós de- veria ser cego! Não tendo quaisquer meios para nos libertar desse jugo, só nos resta proteger-nos o mais possível contra tal adversário e fazê-lo calar!
O nazareno em discussão — evidentemente um aluno das es- colas secretas dos essênios, e tanto inimigo de nosso Grêmio quanto do Templo — já converteu diversos colegas na Galileia pela retórica e seus milagres encobertos, não contando o público que o segue aos milhares. Não é, portanto, de se admirar se procuramos pôr fim a tal estado de coisas. Aqui mesmo armaram-nos uma cilada para renunciarmos ao Templo, pelo poder ou pela astúcia, e por isto nos demonstram obras milagrosas, que na certa levaram alguns anos. Diante do povo é fácil fazer-se milagres, mas não perante nós!”
FÉMATERIALISTADOCHEFE FARISEU
(Cirenius): “Nessa altura, Marcus procurou tirar-te tais ideias absurdas; entretanto, respondeste sorrindo: Meu velho, não me aborreço por falares deste modo; primeiro, és romano íntegro; segundo, existe certo imperativo cujo desafio seria inconveniente! Portanto, continua o que és, e nós aquilo que nos dá sustento; pois somente renunciaremos quando encontrarmos algo mais vantajoso.
Não estamos obstinados em nossa causa, bastante desprestigiada; se nos fizessem propostas efetivas de maiores benefícios, poderíamos, como muitos outros, virar as costas ao Templo, e caso preciso, ado- rar como Deus o carpinteiro de Nazareth!
Para tanto, não necessitamos de milagres, senão de recur- sos materiais, e isto tanto mais quanto sabemos, como homens de vastas experiências, o que deduzir de todas as religiões. O mi- lagre é um meio antiquado para tontear homens experientes; por que deveria estar fora de curso nessa época, onde existem tantos ignorantes, mormente quando os regentes compartilham por mo- tivos ocultos?!
As doutrinas bem fundamentadas levam as pessoas à ativi- dade, proporcionando ao Governo maior riqueza; se, portanto, um homem ligado ao regente se confessa adepto duma religião por mo- tivos políticos, não vem ao caso se ele adora Jehovah, Zeus ou um simples carpinteiro!
Se me for possível fazer uma troca vantajosa com minha fé atual, faço-o, como todos nós, agora mesmo; se, porém, nos for so- negado algo na situação sofrível em que estamos — faremos tudo em nossa defesa. O Governo achando nossa Instituição de nenhum proveito, que nos indenize na altura, e nem mais olharemos a ba- boseira templária! Pouco nos incomodará o que o Imperador fizer do Templo. Poderia ser aproveitado pelos essênios, transformando-o numa fonte de renda dez vezes maior, com os novos milagres da Índia. Aliás, não entendemos tal ofício; entretanto, somos taxados por eles de mistificadores! Tão logo um Instituto teocrático é acu- sado por outro em seus mistérios, o câncer se terá alojado em suas muralhas, que pouco a pouco as fará ruir.
Tal Instituição é semelhante a um mago; basta vir um outro mais esperto a denunciar suas maquinações, que ele terá de fugir antes de ser atacado pelo povo. E se não tiver proteção política, em poucos dias estará na miséria.
Aquilo que é suspeito não mais pode existir; pois um mago só pode realizar suas magias por meios naturais, o que lhes tira o
valor, sendo desprezado pelo intelectual. Quem desconhece suas ba- ses considera-as verdadeiras e paga sem titubear. Assim que ele for esclarecido, o outro é tratado como impostor.
Um instituto teocrático nada mais sendo que mistificação bem aparelhada, envolta por cerimônias místicas, no fundo sem nexo, aguarda-o o mesmo destino que um prestidigitador. Daí concluirás, velho Marcus, o motivo por que não ligo a doutrina qualquer, basta me dar melhores vantagens; enquanto estas não se apresentarem — como ocorre aqui — ninguém pode se aborrecer quando defendo o Templo por dar-me boa subvenção. Compreende-se permanecer tal defesa nos limites do possível, em virtude do poder romano. Além disto, presumo não quereres me impingir tais histórias como reais milagres. Ao passo que, se me dissesses: Vê, o nazareno não só fez isto, mas o próprio mar com todos os peixes e a Terra toda, há dois anos! — garantindo-me vantagens incisivas, acreditar-te-ia!”
FILOSOFIADO FARISEU
(Cirenius): “Nisto, Marcus te disse: Por teu longo discurso notei teres muito endurecido o teu coração e será difícil ajudar-te! Quando o homem não consegue acreditar nas maiores autoridades, declarando ser tudo na Terra fraude e mistificação, não há com que iluminar seu caminho na vida. Reflete qual seria o nosso lucro caso conseguíssemos elucidar-te?! Temos quantidade de tesouros fantás- ticos, além de ouro, prata e pedrarias; nossos celeiros e adegas estão repletos. Nada queremos, divulgando apenas a Verdade! Por que não nos acreditais?
Sois retidos pelo egoísmo mais abjeto, pelo qual vos deixais arrastar para ações condenáveis visando somente maiores vantagens. Tenho de confessar: tua exposição honra o pior demônio! E criaturas iguais a ti são educadoras do povo?! Nesse caso, é compreensível que nós, romanos, sintamos aumentar nossa aversão contra o Templo! Está mais que na hora de se levantar barreiras às vossas maldades — do contrário, toda Judeia cairá no lodo da morte!
A essa observação acertada de Marcus, silenciaste, pensando o seguinte: Caramba! Agora me traí! Eis o que acontece quando se diz a verdade! Que farei para tirar a perspicácia deste romano? Mu- darei de cor qual camaleão, e quero ver se consigo levá-lo a outra concepção a nosso respeito; senão essa conversa fútil nos atirará no maior embaraço! Pronunciarei mentiras a torto e a direito, e aposto que nos aceitará como amigos recentes. Mas — como iniciarei? Pelo que vejo, também parece refletir quanto às provas de sua causa!
Vê, tais eram teus pensamentos no cais, isto é, num dos cinco navios. Logo te encheste de coragem e disseste a Marcus: Pareces aborrecido quanto à minha dissertação! Se tencionasse ser desonesto e ardiloso, não me teria expressado daquele modo, demonstrando o meu íntimo; pois nós, fariseus, entendemos virar o manto de acordo com o vento. Como pareces ter boas intenções para conosco, não obstante tua compreensão não mui atilada, seria condenável de mi- nha parte caso me apresentasse com máscara de devoção. Acaso teria sido difícil acreditarmos, aparentemente, tudo que nos disseste do nazareno?! Terias ficado mui satisfeito e nos apresentarias a Cirenius como homens convertidos. Assim, uma sinceridade exige outra, le- vando-me a falar como fiz.
Acreditar em algo que não se tenha visto é mui difícil à pes- soa inteligente, mormente em se tratando de coisas inéditas. Sem- pre houve criaturas que se destacavam pela perspicácia nas forças da Natureza, sabendo aproveitá-las e, por isto, merecendo fama e ve- neração quais profetas ou semideuses. Tal homem, em pouco, tinha quantidade de adeptos a se esforçarem por seguir as pegadas de seu mestre. Não levava tempo e eles mesmos se tornavam doutrinadores que, após a morte do chefe, fariam-lhe honra pela maneira que apli- cavam seus ensinamentos.
Nós, judeus, fizemos, de tais expoentes, profetas; os egípcios, gregos e romanos os denominavam semideuses, conferindo-lhes ações milagrosas para apresentá-los às massas como criaturas eleva- das e angariar oferendas. Isto perdurou até que surgisse um mais es- perto, denunciando ao povo a atitude subversiva do sacerdócio, con-
vencendo-o representar este um grêmio de ladrões, que mal conhece os verdadeiros ensinamentos de seu mestre ou por motivos políticos os retêm, alimentando a plebe com disparates. Tal situação ocorre conosco: O grande mestre está em evidência e milhares nos viram as costas. Compreenderás não ser isto indiferente ao Templo, que tudo faz para salvar ao menos alguma coisa. Seria de se estranhar que tu te aborrecesses conosco apenas por termos trocado algumas palavras, pois facilmente poderíamos ter pronunciado grandes mentiras.”
MARCUSFALAACERCADAFÉEDA DESCRENÇA
(Cirenius): “Já a caminho para cá, Marcus te disse: Não es- tou aborrecido, mas tampouco satisfeito por quereres provar-me eu impingir-vos milagres a fim de facilitar vossa queda. Não sou men- tiroso nem impostor — apenas grande amigo da Verdade. Sabia de antemão ser difícil levar-vos à fé, pois entre as muitas fraquezas fari- saicas, prevalece a descrença.
Como poderia existir fé em homens materialistas, cuja visão psíquica sofre de catarata?! Pois a fé é a visão da alma, pela qual assimila impressões espirituais, começando a apreciar seu valor e utilidade, assim como o olho, no início, apenas recebe os quadros externos, sem poder formar ideia, fato que ocorre pelo despertar do espírito no coração da alma. Um cego, cuja visão se tornou material, não recebe impressões externas, portanto nada fornece ao critério psíquico e não pode julgar a utilidade das cores, ignora luz, som- bra e formas.
Quem em nada pode crer cegou sua alma em virtude de seus pecados. Eis a situação de todos os fariseus. Por isto, não creem, a não ser naquilo que podem apalpar, qual cego, que somente pelo tato pode formar uma ideia fraca do objeto.
Daí concluireis a razão por que sabia de antemão ser difícil acreditardes naquilo que vos foi demonstrado e explicado. Julguei, todavia, depositar um cego confiança em seu guia, porque muito o necessita. Acontece crerdes em vossa própria visão e tomardes a
mim, se bem que não cego, maldoso — coisa ainda pior. Eis o que não me agrada e me demonstra ser mau vosso coração, e vós mes- mos os maiores traidores, porquanto não podeis confiar numa pes- soa honesta.
Por certo compreendereis não ser possível alguém simpatizar convosco, porquanto tais pessoas sempre abusam da bondade alheia. Ide palestrar com o Prefeito acerca do que acabastes de ver!
Então respondeste a Marcus: Ó amigo, que maçada! Ele exi- girá fé plena; e não é possível acreditarmos ser tudo que vimos obra momentânea da vontade do nazareno, e além disso observamos nas lajes vestígios do formão! — Acrescentou Marcus: Aqui ninguém é forçado. Todavia, penso acreditardes livremente por outra prova. Já chegamos junto do grupo e convém falares a Cirenius.”
CONVERSÃODOS FARISEUS
(Cirenius): “Então, meu amigo, poderás negar teres falado e pensado conforme acabo de repetir?!” O fariseu está imóvel diante do Prefeito e não sabe o que dizer.
Intervém Marcus: “Como é? Não queres explicar-me esse milagre, a teu modo? Estou realmente curioso ouvir de ti a astúcia dos romanos inteligentes, para se integrarem de teus pensamentos mais ocultos!” Finalmente, o outro responde: “De fato — isto é impossível de modo natural! Não me refiro àquilo que disse no cais a Marcus, pois alguém poderia ter um ouvido tão aguçado, facili- tando-lhe escutar a palestra; perceber o que pensei — isto ultrapassa todo o meu saber! Eis um milagre e onde existe de modo mais eleva- do, há possibilidade para tudo, e começo a acreditar nos fatos aqui ocorridos. E se foram realizados pela simples vontade do nazareno, é ele evidentemente um ser sublime, Deus em Verdade, a Quem obedecem todos os espíritos dos quatro elementos.
Nós, fariseus, nada mais podemos fazer do que expirar! Que fazer com nossas mistificações antiquadas, quando fatos reais se aglomeram em montanhas? Seremos acuados quais feras, até pere-
cermos no lodo de nossa treva e noite! No entanto, ninguém poderá sustar o vaivém da vida. Quem hoje sorri, amanhã poderá chorar e lastimar-se! Sempre foi assim: ninguém dá valor àquilo que possui, e somente a perda nos abre a consciência.
Nós, criaturas, somos tolas e não compreendemos a razão das coisas; por isto, nunca estamos contentes, nem com o Bem, muito menos com o mal. O sepulcro parece-me ser o pouso da bem-aven- turança; lá nada mais se altera e seus habitantes não sentem necessi- dades. Assim, é ele a única esperança que nos resta!
Pressinto dar-se aqui uma luz jamais vista; a noite que a se- guir será tanto mais forte. Felizes os que nela se podem banhar; ai deles quando a treva os atingir! Termino assim, e cabe aos vossos maiorais julgar-me à vontade.”
Diz Cirenius: “Nada descobri em teu discurso capaz de levar-
-te diante do juiz. É natural teres defendido o Templo; entretanto, chegaste a uma compreensão mais clara, deixando de ser inimigo e perseguidor Daquele que pretendias matar. Foi esta minha intenção e, portanto, podereis seguir em paz. Caso desejardes algo mais, ex- ternai-vos!”
Diz o fariseu: “Que faremos? Fizemos juramento perante o sumo sacerdote não voltarmos antes de liquidar o nazareno. Isto já não mais é viável! Primeiro, por serdes vós, romanos, a seu favor; segundo, é ele, pelo que vimos, invencível. Preferiríamos tornar-nos seus discípulos, a fim de poder apreciar o Dia, cuja Aurora acabamos de assistir. Será isto possível? Não podemos voltar a Jerusalém; con- viria continuarmos aparentemente seus adversários, não obstante sendo nosso desejo trazê-lo na palma das mãos?”
Diz Cirenius: “Não será impossível acharmos solução. Se é que podereis ser admitidos como adeptos, somente Ele Mesmo decidirá. Como sois inteligentes e experimentados, posso dar-vos emprego, quanto mais por falardes grego e romano. Tenho Sua Doutrina compilada em um Livro, onde vos podereis integrar da Sua Vontade. Talvez tenhais oportunidade de conhecê-Lo, quando usardes outra indumentária. Não tolera veste dos fariseus, porque
foram ungidos com o péssimo óleo do embuste. Eis meu conselho. Dizei-me se vos agrada.”
Virando-se para os colegas, o chefe diz: “Externai-vos se pre- tendeis aceitar essa oferta; eu, por mim, nada tenho a opor!” Res- pondem os outros: “Nós tampouco; apenas desejávamos conhecer o ilustre nazareno!”
Conclui Cirenius: “Tão logo estiverdes orientados em Sua Doutrina. Por ora sereis entregues ao meu mordomo, que oportu- namente vos levará a Sidon, onde recebereis outras vestes e ofícios.” A estas palavras se aproxima um dos servos do Prefeito para encami- nhar os fariseus àquela cidade.
HORADEDESPEDIDAEMCASADE MARCUS
Nem bem este assunto é solucionado, Cirenius Me pergunta se havia agido de acordo com Minha Vontade, expressa em seu ínti- mo. Respondo: “Perfeitamente; no entanto, não estavam preparados para Me ver e ouvir. Raphael e Josoé te demonstrarão tão logo che- gue tal momento.
Aproxima-se a hora de Minha Partida. Não pergunteis para onde vou. Cada um deve voltar aos seus afazeres e organizar sua casa, a fim de que Eu a encontre em ordem quando aqui vier. Ficarei ainda uma hora em vossa companhia, para abençoar-vos de modo integral; em seguida, dirigir-Me-ei aos muitos filhos atribulados nes- te mundo, para levar-lhes consolo e socorro justos.
Não Me procureis; vivei dentro do espírito de Minha Dou- trina, que Minha Pessoa assim não estará longe de vós! Quem neces- sitar de mais alguma orientação poderá externar-se.”
Indaga Cirenius: “Senhor, não seria possível alguém acompa- nhar-Te ao próximo lugarejo?”
Respondo: “Além dos doze, ninguém; nem Raphael, que até Minha Ascensão ficará ora contigo, ora com Minha querida Yarah. Não deveis denunciá-lo perante o mundo, porquanto isto acarreta- ria seu afastamento completo. Alguém mais tem um desejo?”
Eis que Marcus traz sua mulher e filhos, dizendo: “Ó Senhor, abençoa-os, caso os aches com mérito para tanto!”
Digo Eu: “De há muito estão plenos de Minha Bênção, como também tu. Por ser teu desejo tão forte, voltarei em breve. A partir de então, receberás muitos hóspedes. Os que se banharem nas termas ficarão curados do pior reumatismo; e os que beberem da fonte que jorra no jardim livrar-se-ão de qualquer febre. Os leprosos devem banhar-se no lago, além da amurada do jardim, onde se acu- mulam as águas termais — que ficarão livres da lepra.
Por isto, o acúmulo dos que aqui procurarem sua cura será grande, e não poderás atender a todos com ajuda somente de teus fi- lhos. Necessitarás de auxiliares, no que Cirenius poderá socorrer-te. Mais tarde, terás nos desempregados servos em quantidade. A quem pedir trabalho darás emprego; a todos deve ser pregado este Meu Evangelho, para que os escravos se tornem criaturas livres.
Quando dentro em pouco Eu te visitar, nem terás tempo para falar Comigo. Mas não importa; pois agir de acordo com Mi- nhas Palavras vale mais do que muito falar e pregar.
Quem ouvir apenas Meu Verbo Vivo, este Evangelho da Verdade, sem aplicá-lo realmente não será beneficiado, continuando o mesmo tolo do mundo, sem jamais fazer parte da Árvore da Vida!
Quem muito possuir como tu, deve dar muito; quem tiver pouco dará pouco, a fim de que o pobre consiga ao menos algo!
Caso descobrires um avarento entre teus servos ou hóspe- des, enxotá-los-ás, pois o avarento é um câncer destruidor numa so- ciedade e empesta de ira e ódio os corações humanos. Onde estaria o homem que não se enchesse de raiva contra o avarento, à vista do pobre? Ele o desprezará e insultará; mas seu coração não ficará sere- no em tal estado d’alma! Por isto, afasta de ti os avarentos, e não os deixes voltar, a não ser que tenham dominado sua paixão maldosa!”
(O Senhor): “Todos os pecados praticados nesta Terra têm origem na cobiça de pessoas isoladas. Primeiro, o homem procura enriquecer, no que aplica todos os meios condenáveis como sejam: fraude, roubo e assalto. Uma vez rico, torna-se ele orgulhoso e do- minador, começando a se isolar e angariando serviçais, incumbidos de enxotarem os indesejáveis. Dentro em pouco, ele adquire grandes terras, onde se apresenta qual usurpador pelo assalto praticado nos bens de seus súditos.
Como milionário atira-se a toda sorte de depravações, ten- tando as moças, praticando impudicícia e adultério e outras inú- meras perversidades. Sendo orientador de um país, em breve seduz seu povo pelo exemplo e todos começam a roubar, assaltar, matar e praticar obscenidades, não mais havendo nem vestígio dum conhe- cimento de Deus!
Pesquisa as crônicas dos diversos países do mundo, e desco- brirás terem sido seus soberanos mui avarentos, negociantes astucio- sos que no decorrer dos tempos compravam outras terras, subjugan- do os seus habitantes, transformando seus hábitos e religiões de tal forma, a ser difícil hoje encontrar-se traços da antiga pureza.
Por isto, Marcus, deves zelar para não infiltrar-se dentro em breve a avareza neste sanatório, que desfrutará de grande fama. Nele deve até mesmo ser banida toda excessiva economia, comumente o germe da avareza.
Cada qual deve possuir o bastante para viver; o supérfluo não deve existir em vossos lares! Gratificações que teus hóspedes venham a dar aos teus empregados, guarda-as, inclusive os juros, entregan- do-os quando forem velhos e fracos para o trabalho. Ao morrerem, devem filhos e netos receber as economias.
Este conselho deve ser aplicado por ti e teus descendentes. Havendo entre teus servos um esbanjador, sugere-lhe a economia e retém, por certo tempo, tua benevolência; demonstra-lhe seu egoís-
mo, que viria a pesar nos irmãos, ao invés de poder auxiliá-los com suas economias, em época de necessidades.
Quem somente guarda para si e seus familiares não o faz dentro de Minha Ordem; mas quem o fizer também provendo difi- culdades alheias é por Mim louvado e Eu abençoo suas reservas, de sorte a jamais passar privações.
Não digo ser injusto fazerdes economias pelos vossos filhos, pois este é o primeiro dever dos pais. Os pobres não devem ser ex- cluídos, assim como Eu deixo o Meu Sol irradiar a mesma medida sobre aqueles que não são Meus filhos!
Quem agir como Eu será semelhante a Mim e estará futura- mente onde Me encontro, para toda Eternidade. Mas quem for mes- quinho para com o próximo será por Mim tratado na mesma pro- porção. Considera este ensinamento em teu lar, que Minha Bênção jamais te faltará. Porventura mais alguém deseja fazer perguntas?”
PROMESSAPARAOS NECESSITADOS
Aproxima-se Ebahl, pai de Yarah, e diz: “Nada mais há que perguntar-Te, Senhor; pois assistimos, nesses sete dias, coisas tão ex- traordinárias e ouvimos verdades tão profundas que, distribuídas em sete mil anos, a Humanidade teria assunto de sobra para meditar. Trata-se de aplicarmos esses tesouros espirituais, do contrário não te- riam utilidade para a salvação de nossas almas. Resta apenas saber se teremos a necessária força de vontade. Como agiremos caso sejamos assaltados com fraquezas diversas, que muitas vezes não poupam os de boa vontade?”
Respondo: “Eu serei o socorro, força e esteio de todos, e não abandonarei em época de aflição quem de qualquer forma caminhar com fé e amor em Mim. Se desviar-se de Minhas Pegadas pela ten- tação do mundo, é ele o próprio culpado quando lhe faltar o Meu Socorro na hora do perigo, situação que perdurará até que se volte a Mim com firmeza, cheio de arrependimento e fé.
Serei para sempre o Mesmo Bom Pastor à procura de sua ovelha perdida; preciso é que a ovelha venha a balir, para poder ser encontrada dentro do livre arbítrio.
Quem estiver sobrecarregado além de suas forças deve dirigir seu coração a Mim, que o confortarei e aliviarei. Proporcionar-lhe-
-ei um fardo maior, a fim de que sinta sua fraqueza, dirigindo-se no coração a Mim e pedindo-Me a força suficiente para suportar o seu peso. Eu, então, fortificar-lhe-ei em todas as dificuldades de sua vida, dando-lhe uma justa compreensão para trilhar os caminhos tristes deste mundo. Quem, não obstante sentindo seu grande fardo, não Me pedir socorro será responsável quando sucumbir nas atribu- lações da vida. Eis a resposta à tua dúvida. Existe mais alguém com pedido qualquer?”
Adianta-se, com muito respeito, Schabbi, orador dos vinte persas, e diz: “Permite, Senhor, eu me pronunciar!” Digo Eu: “Fala sem susto, porquanto foi o motivo de Minhas Palavras.”
Diz Schabbi: “É certo auxiliares quem Te pedir; mas que fa- rão os que nunca tiveram conhecimento de Tua Pessoa, vivendo na maior ignorância e suportando provações incríveis? A quem se de- vem dirigir para receberem socorro e ânimo?”
Respondo: “Não existe na Terra um ponto que não haja sido atingido pela luz do Sol, tampouco não há criatura que, ao me- nos, não tivesse pressentimento do Ser Supremo. Que peça e espere dentro de sua fé — que o socorro virá na certa. Há muitas sem fé alguma. Confiam apenas em si mesmas e procuram aliviar seu fardo à custa dos outros, portanto não necessitam de ajuda. Ninguém é obrigado a ser egoísta! Além disto, recorda-te daquilo que falei das variadas situações da vida de todos os habitantes da Terra — e terás explicação para tudo.
Passou-se a horinha permitida em vosso meio. Seguirei ca- minho com Meus discípulos, enquanto podereis ficar juntos, em Meu Nome! Ninguém Me pergunte para onde vou, pois Eu Mesmo ainda não o sei como Filho do homem. Somente o Pai em Mim o
sabe e ora diz: Vai, pois a caminho Te direi para onde irás! — A Paz e Meu Amor estejam convosco!”
Em seguida viro-Me para Marcus com as palavras: “Solta o novo e grande navio. Eu e Meus discípulos embarcaremos sem capi- tão; em tempo justo ele voltará ao porto, sozinho!”
Todos começam a chorar quando embarcamos; fortifico seus corações entristecidos e zarpo para alto mar, desaparecendo de seus olhos. Os outros ficam reunidos o dia e a noite seguintes, relembrando Minha Pessoa, Doutrina e Ação. Só na outra manhã voltam aos lugarejos e aldeia, e Cirenius começa a encaminhar o grande número de fariseus a seus novos destinos. Muitos querem seguir-Me; Raphael os retém, dizendo que Eu voltaria em breve a Kis, Genezareth e à casa de Marcus. Isto os acalma, louvando a Deus por tê-los achado dignos de tal Graça. Em poucos dias aparece uma quantidade de hóspedes de Tyro e Sidon para ver os milagres e apro- veitar as fontes curadoras, motivo por que Marcos contrata vários empregados.
EXCESSODEZELODEPEDROACERCADO SENHOR
(Matheus16, 20–23)
Quando já distantes em mar alto, viro-Me para os discípulos, dizendo: “Seja nosso destino qual for, silenciai e não Me denuncieis ser Eu Jesus, o Cristo!” (Matheus, 16, 20). Aproxima-se Pedro e Me pergunta se Eu não sei para onde vamos, porquanto dirige o leme.
Digo Eu: “Deixa o navio flutuar; o Pai já sabe onde devemos chegar. Por ora ainda estamos no caminho doutrinário que nos leva baía abaixo, para Cesareia Philippi pelo lado oposto, onde descan- saremos um pouco. Em alguns meses este navio nos levará a Jeru- salém, por motivo bem diverso. — Agora passaremos num lugarejo perto daquela cidade, onde ninguém nos conhece, não obstante ter- mos lá permanecido vários dias. O próprio incêndio não conseguiu perturbar os habitantes da aldeia; mas tinha de ser assim, a fim de que recebêsseis, nesta oportunidade, outra revelação.”
Aproxima-se Pedro e diz: “Senhor, de que se tratará em Je- rusalém, cidade da perversão? Pois de lá ainda não apareceu coisa boa e benfazeja para a Humanidade, tampouco um honesto ouviu consolo naquela metrópole, onde vicejam orgulho e perseguição. Por isto presumo, Senhor, teria sido melhor se a tivesses castigado como Cesareia Philippi, que há muito tempo mereceu sua puni- ção. Há oito meses atrás, lá estivemos e nos convencemos nada se conseguir com seus moradores, com exceção de alguns que, como andorinhas isoladas, não fazem verão. Não deveríamos fazer muito alarde com cidade tão orgulhosa, onde João foi decapitado; pois não merece receber Teus Pés Santificados. Eis minha opinião; adianta-nos a Tua!”
A partir daí, começo a expor aos Meus discípulos que teria de ir a Jerusalém pela Vontade do Pai, para sofrer muito por parte dos anciãos, sumos sacerdotes e escribas; até mesmo matar-Me-iam, mas no terceiro dia, ressuscitaria da tumba (Matheus 16, 21). Surgiria qual Eterno Vitorioso sobre a morte e todos os inimigos da vida — fato já por Mim mencionado no monte de Marcus.
Pedro se assusta de tal forma a Me puxar de lado, dizendo num tom de advertência: “Senhor, não faças isto; és obrigado a Te poupar por nossa causa, como em virtude de todas as criaturas!” (Matheus 16, 22).
Virando-Me bruscamente, respondo com rigor: “Afasta-te de Mim, Satanás! Estás-Me aborrecendo, porque visas somente o que é puramente mundano, e não divino!” (Matheus 16, 23)
Profundamente assustado, Pedro se joga aos Meus Pés, pede perdão e acrescenta chorando: “Senhor, quando há poucos dias na- vegávamos neste mar, disseste-me, em virtude de minha fé: Simon Judá, és Pedro, uma rocha na qual edificarei Minha Igreja, e ao in- ferno não será possível dominá-la. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu! O que desligares na Terra será desligado também no Céu, e o que unires na Terra será unido igualmente no Céu. — Eis literal- mente o que pronunciou Tua Boca Santificada, para mim, pobre pecador. Nunca me engrandeci por tal motivo, mas procurei ser o
mais simples de todos. E em virtude duma simples advertência hu- mana, surgida de meu grande amor para Contigo, classificas-me de príncipe do inferno! Senhor, sê Benevolente e Misericordioso com o pobre pecador Pedro, o primeiro a atirar sua rede ao mar, abando- nando mulher e filhos para seguir-Te!”
NATUREZADESATANÁSEDA MATÉRIA
(Matheus16, 24–28)
Amavelmente dirijo-Me a Pedro, dizendo: “De modo algum foste por Mim diminuído, porque te demonstrei com palavras se- veras tua natureza humana. Tudo que faz parte da natureza huma- na, como sejam, o corpo e suas variadas necessidades puramente originadas na matéria — está em julgamento. Por isto, faz parte do inferno e Satanás, compêndio de condenação, morte, treva e mistifi- cação totais; toda manifestação da matéria é apenas fictícia, portanto sem valor.
Tão logo alguém recair num sentido material, tornar-se-á sa- tânico, à medida que defende a salvação e a vida aparente dentro da matéria.
Se alguém quiser se libertar de Satanás nesta vida, terá de dei- tar a cruz, que desde já carrego em espírito, sobre seus ombros e se- guir-Me! (Matheus 16, 24). Afirmo-vos: Quem quiser conservar sua vida (terrena) perdê-la-á (do espírito); quem perder sua vida (física) por Minha Causa encontrá-la-á (do espírito). (Matheus 16, 25).
De que adiantaria ao homem caso ganhasse o mundo com todos os seus tesouros, prejudicando sua alma?! Que faria para li- bertá-la das algemas da matéria, do julgamento e da morte?! (Ma- theus 16, 26).
Muito embora acontecer que Eu, o Filho do homem, volte na Glória do Pai com todos os anjos, cujo poder conheceis, Ele só poderá ajudar como faz agora e recompensar a cada um de acordo com as próprias obras. Quem for encontrado morto assim ficará até a época da grande ressurreição de todos que permaneceram na
tumba do julgamento, onde de modo idêntico o amor, a vontade e a consciência serão juízes de cada! (Matheus 16, 27).
Os que viverem dentro de Meu Verbo, praticando ações de verdadeira renúncia e amor intimamente livre, jamais verão e sen- tirão a morte. Para Minha e vossa grande alegria posso adiantar-vos haver entre vós alguns que não perceberão a morte, tornando-se tes- temunhas de tudo que precede a Vinda do Filho do homem com Seu Reino, podendo vê-Lo e regendo junto com Ele! Para tanto é exigido muito amor a Deus e ao próximo. (Matheus 16, 28).
Em verdade, pai ou mãe que apenas cuidasse do futuro de seus filhos neste mundo, desconsiderando o valor de suas almas, te- ria preparado a tumba da morte eterna para si e sua prole; pois tudo que fizer parte do mundo é de Satanás, portanto da condenação e morte da matéria.
Se bem que a matéria tenha a finalidade de ser despertada pela força dum espírito puro para ressuscitar de extensos julgamen- tos, deve, pela inteligência individual e livremente impregnada, transferir-se à forma e natureza justas de seu espírito no Além, como Luz de Deus. Se a matéria não agir deste modo, o espírito volta à fonte original, enquanto ela, destinada à vida eterna, recai em sua anterior condenação até que algum dia um espírito a desperte para nova vida de provas.
A situação sendo esta e jamais podendo ser outra, Eu Mesmo vim do Alto para junto de vós, criaturas desta Terra, demonstrando-
-vos a Verdade plena em todas as situações da vida, boas e más. Tu, Meu Pedro, estarás por certo elucidado do motivo por que te disse: Afasta-te de Mim, Satanás! Agora dirige o barco para a grande baía!”
OSENHOREOSDISCÍPULOSNAALDEIADEPESCADORES,PERTODE CESAREIA
Duas horas abaixo do sanatório de Marcus, encontra-se a grande enseada, denominada pelos pescadores o “Lago Branco”; para lá navegamos. Sendo a enseada a parte mais rasa, era difícil con-
duzir um barco maior, porquanto exigia conhecimento dos bancos de areia para evitá-los. Nossa embarcação entrou com facilidade, o que causa admiração aos doze apóstolos, porque ninguém dirigia os remos nem o leme. Prova isto ter sido guiada por um poder invisível.
Assim chegamos ainda antes de meio-dia ao novo destino, hospedando-nos na cabana dum pobre pescador, que nos recebeu de coração aberto. O lugarejo não tem nome e é apenas tratado por “Aldeia de pescadores”, perto de Cesareia. Não leva tempo aparece grande número de pessoas, homens e mulheres, perguntando sobre nossas intenções em lugar tão pobre. Eu os acalmo, dizendo: “Isto sabereis em tempo! Dizei-Me se nós, treze, podemos aqui ficar al- guns dias, em completo retiro!”
O taverneiro responde: “Sem dúvida alguma! Apenas tenho que adiantar ter eu boa vontade, porém estou sem meios para vos arranjar o indispensável sustento. Depois do incêndio de Cesareia Philippi, a miséria aumentou consideravelmente. Finalizou-se com ele a escassa venda de peixes, e fora isto não há possibilidade de ganha-pão. Portanto, estamos todos na mendicância e não temos alimento além dos peixes, que costumamos somente cozinhar sem sal e tempero, pois até isto nos falta! Se quiserdes passar fome conos- co — sede bem-vindos!
Dizei-me o que vos traz a esta enseada, dificilmente navegá- vel. Acaso sois perseguidos, à procura dum esconderijo? Não impor- ta, uma vez que vos possa ser útil! Perdoai minhas perguntas; sou curioso de natureza e gosto de saber a quem abrigo. Pela embarcação vejo não serdes pobres, e vossa visita constituindo uma felicidade para esta aldeia de pobreza, peço-vos dizer-me quem sois.”
Digo Eu: “Bem, a curiosidade tanto te afligindo, saiba sermos galileus como tu; além disto, ninguém nos persegue e aqui vimos de livre e espontânea vontade, a fim de conhecer essa zona peculiar; galgaremos um desses montes e, caso possível, ajudar-vos-emos em vossa miséria, que bem conheço. Estás satisfeito?”
Responde o taverneiro: “Inteiramente; ninguém duvidará de vossa nacionalidade, portanto mereceis confiança; fato que não
ocorre com gregos e romanos, sempre falando de modo diferente do que pensam. Repousai à sombra desta única árvore, enquanto verificarei como arrumar-vos uma refeição!”
ESTOICISMODOSHABITANTESDA ALDEIA
Solícito, o pescador vai à cabana, em companhia de sua mu- lher e filhos, de lá voltando cheio de alegria para dizer: “Quem fez isto às escondidas? A despensa está tão bem sortida, a nos suprir durante um ano! Podeis ficar à vontade! Mas como foi isto possível, porquanto não vimos alguém transportar os víveres? Mãos à obra, pois os peixes serão bem temperados!”
Quando todos os moradores se dirigem às choças para almo- çarem, digo aos doze: “Que Me dizeis dessas criaturas?”
Responde Pedro: “Parecem honestas e sem culpa de sua po- breza. Esta enseada é a pior de todas no Mar Galileu. Suas cabanas estão em cima de rochas, proporcionando-lhes nenhuma erva. Não existindo o que se possa roubar, continuam honestos, porquanto ne- les não se aplica o provérbio: A ocasião faz o ladrão! Eis meu parecer desse povinho, por certo não contendo fariseus e escribas.”
Digo Eu: “Teu critério é justo dentro do mundo; existe, po- rém, outro, isto é: psíquico e finalmente espiritual. Que pensas de sua situação?”
Pedro dá de ombros e diz: “Senhor, será difícil formar-se um julgamento definitivo. Sua honestidade representa um solo fértil para a sementeira espiritual. Já sendo mais fácil fazer-se roupa para físico normal do que para um corcunda — tais almas simples e puras se tornam mais acessíveis à veste do espírito, do que as atrofiadas dos fariseus e escribas. Penso não ter formado julgamento errôneo.”
Concordo: “Muito bem; por isto veremos o quanto se pres- tam para algo elevado. Não serei Eu o Doutrinador, mas vós, na qualidade de mensageiros e adeptos do Sábio de Nazareth. Somente após vos terem ouvido e aceito a transmissão da Chegada do Reino de Deus na Terra podereis apontar-Me como Messias.
Deste modo, efetuaremos uma grande obra no local mais abandonado e modesto de toda a Terra. Não julgueis a tarefa mui fácil; na proporção de sua simplicidade externa, se complica e per- turba seu íntimo.
Consideram-se equilibrados no mundo, enquanto enterrados no estoicismo dificilmente vencido. Trouxe-vos aqui para proporcionar-vos uma oportunidade com pessoas desta índole, porquanto aprendestes muita sabedoria interna durante a passagem na casa do velho Marcus.
Advirto-vos serdes precavidos! Não existem criaturas mais difíceis na aceitação duma lei do que os estoicos, desconsiderando as maiores atribulações, inclusive a morte dolorosa e até mesmo des- prezando as alegrias da vida. Tais heróis por coisa alguma se alteram, e tudo fazem para reduzir suas necessidades, porquanto vivem ape- nas como expressão da Natureza, única lei respeitada.
Ainda não lidamos com pessoas idênticas. Usai de poucas palavras, todavia devem conter base. O melhor de tudo é que são mui curiosas, respeitando somente o saber do homem. Eis que vem o hospedeiro e sua família, com um cesto cheio de peixe e pão. To- maremos a refeição à sombra desta árvore.”
O pescador nos convida, dizendo: “Bom proveito! Não dis- pomos de bancos, mesas, cadeiras e outros apetrechos para as refei- ções, porquanto nossas necessidades são diminutas. Alimentamo-
-nos somente quando com fome, no que servem o cesto e as mãos; o resto fica por conta de cada um!”
AFÉCRIADORADE MILAGRES
Digo Eu ao pescador: “Aziona, possuis um jarro novo; man- da enchê-lo de água e trazê-lo aqui!” Arregalando os olhos, diz ele admirado: “Podias ter sido informado quanto ao meu nome — mas como sabes de meu jarro, representando minha maior riqueza? Nem os vizinhos sabem algo a respeito; acaso teriam meus filhos se meti- do nisto? Ele não tem valor especial e é semelhante aos que se usam aqui; intriga-me apenas saberes de sua existência!”
Digo Eu: “Também não vem ao caso; interessa satisfazeres Meu Pedido, porque estou com sede!”
Rápido, Aziona traz o jarro cheio d’água. Era de especial ta- manho e comportava quase metade dum balde. O pescador depo- sita-o em cima duma laje e Eu abençoo a água, que se transforma em vinho. Sirvo-Me, bem como aos discípulos e, em seguida, passo o jarro ao pescador, dizendo: “Toma, para perceberes a qualidade desta água!”
Diz ele: “Acaso estará deteriorada?! Enxaguei-o por três vezes e, além disso, minha fonte fornece a melhor água da aldeia. Prová-
-la-ei; talvez tenha gosto do jarro novo!” Tomando alguns goles, ele diz admirado: “Mas que feitiço é este?! Jamais tomei vinho melhor! Certamente sois egípcios ou persas, mas galileus — nunca! Pois en- tre os judeus não houve quem transformasse simples água em vi- nho. Dizei-me como isto é possível, que serei vosso escravo durante vinte anos!”
Diz João, a quem Eu dera um sinal: “Meu amigo, para tanto bastam apenas fé e vontade firmes! Quem possuir tal fé, que exclui qualquer dúvida, poderá dizer àquela montanha: Atira-te no mar!, e no mesmo instante tal acontecerá! Eis a única explicação da maneira pela qual se realizam tais coisas.”
Estonteado, Aziona antepõe: “Nem sei o que é fé — como poderia crer em algo?”
Responde João: “Caso uma pessoa sincera nos relate fatos ja- mais assistidos por nós, aceitando-os como verdadeiros e sem du- vidarmos de uma só palavra — teremos acreditado em tal homem. Sendo o objetivo de nossa crença verdadeiro, também seremos capa- zes de realizar o mesmo. Eis a fé maravilhosa e ativa, que tudo pode conseguir dentro de sua esfera verdadeira. Sabes agora o que seja a fé?”
Diz Aziona: “Sim — mas como saberei ser honesto quem me pretende sugerir algo? Crê-lo somente porque me dá tal impressão seria imprudente e registraria uma crendice condenadora, a meu ver, pior que ausência de fé! Como fazer para certificar-me ser o outro honesto e merecedor de confiança?”
Diz João: “Para tanto, possui cada criatura raciocínio bastan- te, a fim de submeter tal homem a exame criterioso. Perguntas pelo meio — entretanto o aplicas em mim! Provas com isto não compra- res gato em saco!”
Acrescenta ele: “Sim, está muito bem e é certo possuir o ho- mem somente a razão para examinar os que o rodeiam; onde estaria a medida pela qual pudesse classificar meu raciocínio suficiente para tal exame?”
Diz João: “Eis o ponto capcioso! Quem julgar ser dono do intelecto mais aguçado engana-se completamente; aceitando faltar-
-lhe ainda muito para tanto, poderá pela prática chegar à necessária agudez, que lhe facilita critério firme a respeito de tudo.
O pretenso intelectual assemelha-se ao cume de uma mon- tanha, deslumbrante em sua altura, que quanto mais se eleva tanto mais é envolvida por nuvens e neblina. A ponta duma agulha usada na costura é, pelo tamanho e apresentação, tanto quanto nada, toda- via passa por tudo e se poderia confeccionar tantas esteiras que co- brissem as maiores montanhas — enquanto que, com o pico dessas, jamais se fará uma veste!
Essa comparação é algo forçada; entretanto, demonstra a relação entre um homem intelectual e um humilde, que se apresen- ta despretensioso perante os cultos. Enquanto o primeiro se eleva numa presunção turvada pelo próprio orgulho, o outro pratica o Bem e, após cada ação caridosa, torna-se mais perspicaz e sutil. Pelo que me parece, vosso intelecto se assemelha aos cumes montanhosos raramente livres de nuvens, portanto será difícil analisares a Verdade daquele que te fala. Que me dizes?”
FILOSOFIADE AZIONA
Diz Aziona: “Ora, isto dependeria de minha vontade! Não aceitamos tal parecer sem observarmos o efeito precedente. Real- mente não nos faltam provas concludentes: minha despensa está abarrotada de mantimentos e o vinho fala por si só! Resta saber se
não possuís algum meio especial, cuja menor dose transforme qual- quer água! Enquanto não for possível evitar-se tais pensamentos — nada feito com a aceitação da fé por ti descrita. Prevejo por isto que todos nós jamais seremos capazes de tal realização.
Nossa vida não podia ser mais pobre; alimentamo-nos de leite de cabra, peixes e água, pois é tudo que existe neste deserto. Mesmo assim, estamos satisfeitos, não obstante termos várias expe- riências. Éramos cantores e magos, e eu aprendi farmacologia em Athenas, inclusive o preparo de certos apetrechos, pelos quais se pode produzir uma quantidade de magias para o leigo.
Em resumo sou, muito embora de aparência modesta, pro- vido de grande saber e experiências. Conheço a erva da vida da ser- pente real, e a pedra mágica, Bezoar. Viajei pela Ásia até a Índia, conheço a Europa, Hispánia, Gallia e Brittania; integrei-me de seus hábitos e idiomas e, quando voltei à Grécia, conheci homens da es- cola de Diógenes, levando-me a dizer: Quão tolo é o homem! Cami- nha por países e reinos imensos, em virtude do dinheiro; Diógenes, o maior sábio, era feliz em seu tonel, porque percebeu, como ne- nhum outro, a nulidade do mundo, seus tesouros e a insignificância da vida terrena!
Por isto, deixei Athenas há dez anos com esse grupo e me retirei para este deserto. Construímos as cabanas que habitamos in- teiramente felizes. O pequeno rebanho de cabras que trouxemos e os peixes abundantes, que trocamos por sal em Cesareia Philippi, nutrem-nos. Tendo sido presa das chamas, nosso comércio termi- nou, e há quatro dias fizemos a feliz experiência de ser possível se viver semsal, uma vez que um poder invisível em a Natureza nos condena à vida.
Todos nós consideramos a vida como castigo da pequena na- tureza, representada por nós, que se desprendeu da Natureza Geral. O ser pensante e consciente tem de sentir todas as sensações da vida, a fim de separar-se delas pela morte certa e dolorosa. Eis a questão dos verdadeiros sábios, que todos nós aceitamos: Desprezar quanto antes a vida e considerar a morte como união à Grande Natureza é,
portanto, a maior felicidade! Tão logo o homem se tenha equilibra- do neste sentido, terá alcançado a máxima ventura! Viverá contente, almejando a morte, maior amiga de toda criatura.
Somos felizes quando podemos prestar um serviço a outrem com nossos recursos diminutos; apiedamo-nos, porém, de todos que se esforçam por alcançar alguma coisa neste mundo. Para que preo- cupar-se e cansar-se por algo, que literalmente só existe de hoje para amanhã?! A quem nos quiser convencer de outras ideias apontamos apenas os túmulos, de onde jamais ressuscitou alguém. Voltaremos a ser o que fomos, isto é, terra para alimento das plantas, incons- cientes de sua inconstância. Quão maravilhoso é o não ser diante da vida consciente!
A julgar pela aparência, sois artistas à procura da sorte? Nós, criaturas felizes, apenas nos compadecemos por procurardes a felici- dade onde não se encontra. Ficai conosco e construí cabanas iguais às nossas. Satisfazei-vos com o indispensável para essa vida sem va- lor, que pouco a pouco reconhecereis ser verdade o que vos falo. E tu, orador, confirmarás ser o conhecimento de importância muito maior que a fé mais convicta! De que te serve poderes com ela de- mover cordilheiras completas, se finalmente terás de morrer e passar à desintegração total?! Nada somos senão um joguete da grande Na- tureza entre Terra, Lua e Sol. Entre esses três corpos se formam leis, cujos efeitos povoam o solo terráqueo. Os ignorantes isto não com- preendem; nós, que caminhamos por muitos raios do Sol, fizemos essa experiência, podendo divulgar de plena consciência o que seja a vida e o que ela nos faculta!”
JOÃOREVELAAVIDADE AZIONA
Eis que João diz: “Admiro tua verbosidade e teus conceitos, em parte aceitáveis; enganas-te alegando ser a vida sem valor e ape- nas projeção da Natureza. Acaso nunca ouviste falar de Deus, Cria- dor de Céus e Terra e de tudo que existe?! Com facilidade se observa uma certa ordem em tudo; a utilidade dos membros dum irracional
e muito mais ainda, dum homem. Que maravilha representam visão e ouvido! Poderias afirmar, após certa reflexão, serem obra de leis inertes e mudas? És infinitamente pobre de espírito, não obstante teu pretenso intelecto, e compreendo por que classificas tua existên- cia de tão desprezível. Viajaste com teus amigos por muitos países e debaixo de grandes provações — sem jamais te preocupares com a parte melhor da vida.
No começo te sacrificaste pelo bem material, onde não fos- te bem-sucedido, fato comum na vida. Tuas aptidões mágicas não eram de relevância, e além disto não possuías bastante prudência, único meio de se convencer os incautos; portanto, não conseguiste realizar a felicidade tantas vezes sonhada. Dir-te-ei o motivo de teu fracasso, para saberes como se consegue desvendar o íntimo de al- guém através duma fé firme.
Vê, eras consciente de seres apenas remendão em todas as tuas artes e ciências, não podendo arriscar-te em produzir tuas habi- lidades numa metrópole, diante de pessoas cultas e experimentadas. Assim foste obrigado a te dirigir ao povo inculto, facilmente engana- do, que porém não te proporcionava grandes lucros.
Quando na Illyria fizeste péssimos negócios, ficaste desespe- rado. Naquela ocasião, um grego te falou na aldeia Ragizan das ma- ravilhas de Athenas, garantindo-te montes de ouro. Era ele simples navegante da costeira e lhe interessava conseguir passageiros para seus botes. Convencendo-te deste modo, foste com ele à dita cidade, após três semanas de viagem cansativa. Logo na primeira apresen- tação foste vaiado. Aborrecido, procuraste entrar em contato, qual sábio, com os gregos, que te pagavam qualquer coisa a fim de ouvir teus relatos referentes às tuas viagens. Após certo tempo, travaste conhecimento com adeptos de Diógenes, que muito te agradaram porque mostravam-se sempre alegres e satisfeitos, embora evidente- mente pobres. Surpreso com sua filosofia e a moderação no comer e beber, pediste explicação.
Quando tu e teu grupo vos integrastes daquele sistema de vida simples e feliz, decidistes voltar aqui, a fim de vos estabelecer
perto de Cesareia Philippi e fundar uma colônia toda especial. Sois hoje os mesmos de dez anos atrás.
Como judeus natos, abandonastes a religião de vossos ante- passados, nunca praticada porque condenastes as atitudes dos fari- seus, e assim preferistes a dos pagãos, de cunho mais sábio. Deste modo, vos tornastes ateístas, suplantando Deus pela força da Natu- reza. Acaso julgais ter encontrado a pedra filosofal? Afirmo-vos de plena consciência ter-se dado justamente o contrário!
Se fores um verdadeiro sábio, relata-me o que fiz desde mi- nha infância, o que aprendi e o que ora sou! Porquanto te provei minuciosamente saber de tudo que fizeste em vida! Quem de nós é mais sábio — eu, com minha fé plena, ou tu com tua descrença!”
AFÉVERDADEIRAE VIVA
Estupefato, Aziona diz a João: “Ouve, amigo! O que acabo de ouvir representa mais que minhas despensas repletas e a água transformada em vinho! Não me conheces, todavia sabes as con- dições de vida passadas por mim e meu grupo, como se as tivesses assistido! Não me causou espanto teu colega saber de meu nome, conhecido em toda Cesareia Philippi; minhas experiências não fo- ram divulgadas, entretanto sabes de meus pensamentos, resoluções e intenções que não relatava aos outros!
Consta ter havido sábios no Egito capazes de relatar passado e futuro através das linhas das mãos e da testa; outros faziam-no em sonho extático. Mas quanta mística não produziam! Era preciso que outros sábios viessem decifrar tais enigmas, que não raro davam ex- plicação tal, a não satisfazer o leigo, porquanto relatavam aquilo que não lhe interessava ou já sabia. O fenômeno aqui se fez sem recurso desta ordem. Resta apenas saber se é isto possível pela simples fé?”
Responde João: “Exatamente! Depende naturalmente daqui- lo que se crê. Alguém te dizendo u’a mentira e tu acreditando, tal convicção não teria efeito, porquanto não se pode construir sem base sólida.”
Diz Aziona: “Muito bem; onde estaria a prova pela qual sa- berias ser aquilo que o outro diz uma verdade?”
Responde João: “Sobre este assunto já falamos; para dar-te mais um indício, digo-te ter Deus, Senhor de Céu e Terra, deposita- do no coração de cada criatura à procura da Verdade um sentimento que reconhece muito mais facilmente a Verdade do que o intelecto mais educado.
Nesse sentimento jaz o amor à Verdade, aceita por ele, pe- netrando-o com sua vida. Tão logo a fé se torne viva como Verdade impregnada de amor, de pronto ela começará a se manifestar e agir. Nesta ação confiante reside o pleno sucesso daquilo que se crê no coração — e não no cérebro. No cérebro estão os sentidos da alma, que todavia não emitem vida, porque apenas são efeitos da mesma.
Caso a fé deva agir, tem de estar em união com a própria vida, e não como simples efeito da mesma, idêntica aos cinco senti- dos, sem conexão mais profunda além do uso externo. Uma vez que tua fé na Verdade se unificar com a vida, ipsofactoterá excluído toda dúvida e basta querer para se realizar o que ela projeta.”
CAMINHOPARAAVERDADEIRA FÉ
(João): “O início da fé verdadeira é comparável ao mosto dos odres, que começa a fermentar a fim de expelir todas as impurezas; isto feito, tornou-se ele um vinho puro e forte, animando os que o tomam, porquanto é a própria vida. Se deitares outro líquido naque- le recipiente, começará a deteriorar-se, o que destruirá o odre.
Semelhante a este é o coração do homem que se torna mais animado e forte pela influência da Verdade, ao passo que pela men- tira e mistificação, finalmente, ingressa na morte, muito embora portador da vida.
Se acreditas em Deus pelo sentimento, amá-Lo-ás, porque o coração é compenetrado do amor. Amando a Deus, Sua Máxima Força estará no teu coração, portanto dentro de tua alma. Tal Força é ilimitada, penetrando o Eterno Infinito. Caso fores — nessa união
com a Força Divina — por ela animado no fundo de tua alma, ma- nifesta-Se igualmente tal poder em ti, e tão logo quiser sua projeção se evidenciará.
Externamente sou como tu; meu coração, porém, não mais existe apenas para mim, pois a Força de Deus habita no meu íntimo através de meu grande amor para com Ele e uniu-se com meu sentir. Por isto pôde — pela Força de Deus — perceber tudo que se tinha passado contigo e teu grupo durante as viagens. Eis a razão!
Primeiro tens de conhecer Deus, no que te foi dado um ra- ciocínio equilibrado. Isto, porém, não é bastante. Aquilo que com- preendes tem de ser assimilado pelo coração, ou seja, pela tua alma para dar-lhe vida, e deste modo estarás no caminho certo. Ter-me-ás compreendido?”
Responde Aziona: “Sim, mas que farei, estando meu coração pleno de mentira e erros? Como expelir tudo isto?”
Diz João: “Aceita primeiro a Verdade; ela fará sua tarefa, sem teu auxílio. Se durante a noite observares a escuridão, acaso te afligi- rás da maneira pela qual recuará diante da aurora?! Quem a afastará?! Digo-te apenas: Não te aflijas por isto! Deixa surgir o Sol do Dia, que afastará a treva mais densa. Assim como Deus age dentro da Natureza dos mundos, Ele influencia os corações humanos através de Seu Sol de Vida e Graça. Assimilas isto?”
Retruca Aziona: “Sim, compreendo-o; deixa que transmi- ta a alguns amigos e vizinhos o que acabo de saber!” Dito e feito; Aziona reúne seu grupo e lhe relata, minuciosamente, o que João lhe ensinara.
OSONHODE HIRAM
Todos se admiram sobremaneira de tais coisas, e um deles diz: “Interessante, não dou grande valor a sonhos — mas o que vi esta noite parece confirmar este encontro peculiar!” Impetuosamen- te, Aziona pede o relato completo do sonho do amigo, porquanto poderia ser de grande importância. O vizinho pede um pouco de
calma para concatenar as minúcias da visão havida; em seguida diz: “Achava-me à margem da enseada dificilmente navegável para gran- des embarcações. Eis que vi no Oeste surgir um brilho mais forte que o Sol e esforcei-me por descobrir o motivo daquela luz tão des- lumbrante. Quanto mais me dedicava ao fenômeno, maior alegria inundava meu coração, e de repente percebi um grande navio em direção a essa enseada. De pronto localizei ser ele o motivo da forte luz. A bordo achavam-se várias pessoas, entre as quais um homem projetava claridade fantástica; os outros, com exceção de um, tam- bém estavam inundados de luz, como as pequeninas nuvens brancas ao receberem os raios solares. A embarcação se aproximava com ra- pidez; atemorizado da luz crescente, procurei ocultar-me na cabana. Eis que acordei e percebi ter apenas sonhado.
Essa visão muito me preocupou e, por diversas vezes, pensei não ser somente um sonho vão, pois teria de realizar-se finalmente de qualquer forma. Eis o fato real. Vamos imediatamente para certi- ficar-me se, ao menos, existe semelhança entre o navio real e o que
vi. Lembro-me até das fisionomias das pessoas a bordo. Seria extra- ordinário caso tudo correspondesse àquilo que sonhei!” Em seguida se dirigem a nós, e o amigo de Aziona lhe diz: “É isto mesmo: eis o navio e as mesmas pessoas — mas tudo sem brilho!”
Nisto, Eu o chamo: “Hiram, qual é tua opinião acerca do sonho? E tu, Aziona, que Me dizes?”
Responde o primeiro: “Amigos extraordinários, nada mais sei dizer do que corresponder tudo à Verdade; somente não vejo a luz; talvez surgirá quando este dia radioso se encobrir com o manto das estrelas!”
Intervém Aziona: “Opino não haver necessidade de luz ex- terna, por se acharem esses amigos tão plenos da luz interior, que apenas podias ver em sonho. Contudo, pediremos esclarecimento a eles mesmos!”
Diz em seguida João: “Vês, Aziona, como já se manifesta em ti a luz espiritual?! Pois acabas de dar a Hiram uma explicação per- feitamente acertada. Durante o sonho somente a alma vislumbra com sua visão espiritual, portanto só pode ver o que é do espírito.”
Diz Aziona: “Hiram não só viu a luz, mas também a forma da matéria, conforme é realmente. Que visão foi esta?”
Responde João: “Quando há três horas aqui chegamos, tu e mais alguns vizinhos estivestes presentes; somente Hiram faltou. À hora do almoço todos se retiraram para as cabanas; apenas tu ficaste a nos servir. Se Hiram estivesse no grupo que nos recebeu, terias compreendido mais cedo como é possível a pessoa poder vislumbrar coisas materiais com os olhos da alma. Esse fato ser-te-á demons- trado pouco a pouco; aplica-se aí o antigo provérbio: não é possível abater-se uma árvore de um só golpe!”
Indaga Aziona: “Mas por que teria eu compreendido o fe- nômeno da visão espiritual caso Hiram estivesse presente à vos- sa chegada?”
Responde João: “Muito fácil: ele nos teria reconhecido como os que vira em sonho, e nossa palestra teria levado outro rumo, pre- cipitando a situação atual. Deste modo, só te podias integrar do assunto mais tarde.” Diz Aziona: “Isto é natural, quanto mais tarde se inicia o trabalho, mais demorada será sua conclusão.” Acrescenta João: “Existe ainda outro motivo, que não podes assimilar tão ra- pidamente. Com o tempo chegarás a tal ponto; necessitas apenas de mais paciência, pois só com ela se consegue dominar o mundo, dentro e fora de si.”
Concorda ele: “Realmente, não é meu fraco; mas sendo pre- ciso, serei paciente.” Diz João: “Querias dizer ser a paciência o teu ponto mais fraco, que facilmente rompe — não é isto, Aziona?”
Responde ele: “Não possuímos facilidade de expressão; fala- mos dentro do uso antigo, que diverge com os locais. Por falar em pontos fracos e fortes, presumo ser a música vossa maior inclinação.”
Diz João sorrindo: “Sim, de certo modo essa arte foi desde sempre pronunciada nos judeus; entretanto, não somos nem músi- cos nem cantores, tão comuns na Galileia. Nossa inclinação musical é puramente espiritual, compreendes?”
PRINCÍPIOSESTOICOSDE HIRAM
Diz Aziona: “De modo algum! Como devo interpretá-lo?” Responde João: “Como judeu, certamente já ouviste falar dos Sal- mos de David, do Cântico de Salomon e das Lamentações do pro- feta Jeremias?”
Acrescenta Aziona: “Sim, de modo vago, sem entender do as- sunto.” Prossegue João: “Bem, tais músicas e cânticos são espirituais, porque foram recebidos pelo Espírito Divino. Estás compreendendo?” Declara Aziona: “Um pouco melhor, sem me poder vangloriar duma compreensão mais profunda. Como entendes tu, Hiram, tal tema?”
Diz este: “Como tu! Sinto uma espécie de aroma espiritual; mas se esses amigos extraordinários começarem a entoar o Cântico de Salomon, retirar-me-ei, para nunca mais voltar! Trata-se da quin- ta-essência da tolice humana, não contestando ter sido Salomon um dos mais sábios reis da Judeia.
Não critico os Salmos de David e as Lamentações de Jere- mias, pois contêm alguns versos aproveitáveis e profecias místicas dum futuro Messias judeu, semelhante à Ilíade dos gregos. Tudo isto é apenas poesia, de menor valor do que o meu lindo sonho, já realizado. As pobres criaturas desta Terra se consolam com boas perspectivas; mas onde fica a realidade?!
Realmente, Aziona me transmitiu certos fatos importantes, que ocultam uma verdade ainda não compreendida por nós. Esse planeta, porém, já produziu homens mui sábios desde Moysés, Só- crates e Platon, que bem poderiam ser classificados de deuses. As próprias forças da Natureza lhes obedeciam; todavia, envelheceram, passando ao eterno nada como outros que jamais pretenderam ser algo de importante. Eis por que tudo é inútil neste mundo!
Fala-se dum reino espiritual após a morte; mas quem já viu uma alma e tal morada eterna? Somos aqui, nesses confins, um con- siderável número de pessoas; entretanto, não existe uma que relate algo duma alma. Aquilo que não pode ser transmitido a cada indiví- duo, mas apenas a diversos sacerdócios, não inspira muita confiança a pessoas mais inteligentes. Felizes os que nisto sentem algum con- forto. Nós, caros amigos, assimilamos coisa melhor, isto é, a verdade em sua profundeza, encontrando o máximo consolo na certeza de, em breve, voltarmos ao anterior nada. Lá existe evidentemente a maior paz.
Aquilo que somos, pensamos e sentimos é apenas uma in- compreensível manifestação da Natureza. Os ventos atiçam as ondas do mar, que se revoltam com ímpeto de quererem tragar até mon- tanhas; daqui a pouco se abrandam e toda fúria do mar desaparece. Assim também surgem nuvens tenebrosas causando impressão de fim do mundo; pouco tempo dura a tempestade, seguindo-lhe a anterior calmaria. Tudo vai e vem!
Deste modo, meus amigos, será baldado o que fizerdes e doutrinardes. Somente o que vos acabo de transmitir sem preten- são é verdade. A experiência é a mais remota educadora e jamais faz exceção. Os antigos sábios e profetas adotaram seu saber dos predecessores, querendo desafiar as experiências; de nada isto lhes valeu! De há muito jazem no sepulcro, nada mais restando que al- guns ensinamentos e ações. Eis meu princípio de vida. Se tiverdes melhor, manifestai-vos para vermos se sois capazes de proferir algo mais convincente. Duvido, porquanto não existe coisa mais certa do que falei!”
Diz Pedro em surdina a Mim: “Senhor, se não possuísse pro- vas extraordinárias de Tua Parte — este seria o primeiro a me tontear pela sua verbosidade!”
Respondo: “Ainda não é tudo! Previno-vos ser preciso vos preparardes, a fim de levar essas criaturas a outra convicção, princi- palmente ao amor e à vida. Prossegue, João!”
Diz o apóstolo, acanhado: “Senhor, peço-Te depositares em minha boca as palavras a serem proferidas; porque há pouco deixas- te-Me por alguns instantes falar sozinho, e eu fui — não sei para onde! Não que tivesse falado algo inapropriado; mas percebi ter-me desviado da rota!”
Digo Eu: “Meu caro João, acalma-te! Tudo que falaste esta- va dentro da ordem, pois assim estava determinado. Continua com ânimo, que ainda teremos o prazer duma linda vitória!” Encorajado, João começa a falar com maior vivacidade que anteriormente.
FORÇACRIADORADAALMADURANTEO SONHO
Diz João: “Durante essa noite, tiveste um sonho luminoso e alegavas ter nos visto entrar nesta enseada junto com o navio, e tua confissão prova o fato real. Explica-me essa possibilidade dentro de teu raciocínio, que merece consideração. Se nós tivéssemos apenas físico sem alma, provando não podermos viver sem ele, como era possível apresentarmo-nos como almas à tua própria psique desperta e ativa durante o sono, enquanto nosso corpo naquela ocasião se achava não longe de Cesareia?”
Responde Hiram: “Muito bem! Se aquilo que vi perambular na enseada foram vossas almas, desejava saber se o navio também tem alma! Vê, amigo, estamos no mesmo ponto de discussão onde Aziona te pediu esclarecimento, sendo aconselhado à paciência. Agora quero ver como irás responder tal pergunta capciosa.”
João toma do cântaro e diz: “Amigo, vejo teres sede! Bebe primeiro — depois prosseguiremos.”
Diz ele: “Acaso é isto um filtro que embriaga, levando a cria- tura a toda sorte de tolices?”
Retruca João: “Pergunta a Aziona o que vem a ser esta bebi- da!” Aziona afirma prontamente: “Toma — que te sentirás confor- tado!” Diz Hiram: “Serás responsável, irmão!” Pegando do cântaro, ele toma alguns goles apreciáveis, pois era um homem forte. Tendo
assim saciado sua sede, ele diz admirado a Aziona: “De que fonte colheste esta água maravilhosa?”
Responde o outro: “Já te falei a respeito quando perto de tua cabana. Trata-se da água transformada em vinho por esses amigos extraordinários, colhida na minha fonte!”
Diz Hiram: “Gostaria de conhecer essa arte, pois tal vinho poderia, vez por outra, tornar a vida mais agradável! Deixa-me to- mar mais alguns goles!”
Aziona lhe passa o cântaro e ele sorve o vinho com imenso prazer e em seguida se vira para João: “Isto, amigo, foi realmente ótimo! Resta saber se conseguirás provar-me a existência da alma do navio com a mesma facilidade!”
Afirma João: “Caro amigo, de modo muito mais simples! Precisas, antes de tudo, saber que uma alma espiritualmente perfeita e mais unida a Deus também possui algum poder, portanto pode, sem grande esforço, criar, num momento, um navio e, sendo neces- sário, projetá-lo como se existisse em realidade a uma outra psique, sendo produto de sua força criadora. Eis o que ocorreu na noite an- terior, onde viste como alma um grande barco, sem que necessitasse possuir alma! De modo idêntico, estávamos vestidos como ora vês; em tal caso, nossa indumentária também teria direito a uma alma! Nossa roupa é, de certo modo, apenas produto criado temporaria- mente por uma alma em estreita união com o Espírito de Deus.
Em teu sonho nos viste com os olhos de tua alma; e nós sa- bíamos que tu, o mais obstinado em questão de fé, tinhas de receber essa prova, o que nos facilitou abrir um pouco a tua visão, pois se nun- ca tivéssemos existido — jamais poderias nos ter visto, ainda mesmo durante um sonho mui nítido. Como existimos desde eternidades em Deus, isto é, em espírito, foi-nos fácil despertar tua alma por alguns minutos para finalidade há muito prevista, a fim de que pudesses ver com antecedência o que surgiria numa luz formidável. Acaso poderás classificar tal fenômeno de simples manifestação da Natureza?”
Responde Hiram: “Amigo, não me tomes a mal se falo como penso. Já percebi seres um sábio a teu modo e mestre na verbosi-
dade, sendo-te fácil convenceres alguém. Relatei o sonho, simples e fielmente, e podes interpretá-lo à vontade. Não consiste em arte fazer-se profeta posterior e aproveitar as circunstâncias para projetar uma ideia absurda. Pessoas de pouca experiência bem podem ser en- ganadas; mas o intelecto calmo, isento de paixão e temor, necessita mais do que apenas a dialética fina dum jovem talentoso!
Falando com sinceridade, merece a pena refletir-se acerca de tua explicação; todavia, explanar-te-ei alguns fatos e experiências e caso fores capaz de elucidá-los — estamos quites!”
Interrompe João: “Espera, amigo! A fim de te convencer ainda mais do poder espiritual duma psique, relatar-te-ei do fundo de tua alma tudo que pretendias expor-me como prova contrária de minha afirmação! Por toda palavra que não corresponda à verdade, poderás assentar-me uma bofetada!”
Responde Hiram: “Pois bem; podes começar sem expecta- tivas de minha reação violenta, caso venhas a mentir, pois aplicamos tais meios apenas em defesa própria.”
EXPERIÊNCIASMÁGICASDE HIRAM
1. Diz João: “Entendes, bem como teus companheiros, algo de magia e antes de te juntares ao farmacologista Aziona, encetaste uma viagem ao Egito com uma feiticeira chamada Klia, onde pou- cos negócios fizeste, em virtude da insipidez de vossas magias. Em Alexandria, os próprios moleques da rua vos imitaram, e às vezes ainda com maior sucesso. Por isto, fostes a Kahiro. Quando pre- tendestes apresentar vossos números, fostes convidados pelos ha- bitantes a dardes algumas provas de vossa arte, que entretanto não despertaram interesse. Informados ser arriscado apresentar-vos em cidades, prosseguistes viagem a Karnag, onde o resultado foi o mes- mo, e em Elephantina, idem. Mesmo assim, fostes a Memphis, fra- cassando completamente. Se não fora a bondade dum governador romano, teríeis passado privações. Apiedou-se de vós, mormente da linda Klia, dando-vos acolhida durante três meses e apresentou-te
a uma rica companhia de magos persas, para aprenderes algo da- quela arte.
2. A companhia, porém, somente se prontificou a tanto me- diante pagamento de taxa bastante elevada, e além disto deverias servi-la como escravo pelo espaço de dez anos. Então calculaste: Dez anos de escravidão e cem libras de taxa?! De modo algum! Se lhes prestar serviços durante nove anos, podem matar-me no último, para impedir seja delatado seu segredo na Grécia, e eu ficarei sem dinheiro e vida!
Tal foi tua decisão secreta; aos magos disseste: Ilustres artis- tas, tão logo tenha assistido a vossas peças como simples hóspede, talvez me prontifique a firmar contrato convosco! Isto tonteou os magos, levando-os a produzirem as peças mais arriscadas, durante as sessões realizadas duas vezes por semana.
Em virtude do tempo precioso, deixarei de mencionar os muitos outros fatores, que não têm relação com o nosso caso, e sim apenas aqueles que te deixaram abalado. Apresentou-se um árabe forte, duns trinta anos, anunciando ser capaz de influenciar uma jovem através de passes e emissão de sua vontade, a ponto de poder ela adivinhar pensamentos e, a pedido, coisas ocultas de quem quer que fosse. Igualmente diria idade e datas venturosas e infelizes.
Ficaste perplexo! A moça foi apresentada e sentou-se num divã; o mago aplicou-lhe as mãos e ela adormeceu. Dentro em pou- co caiu em transe e começou a falar com o árabe, que disse: Quem quiser colher informações poderá aproximar-se, mas somente três pessoas de cada vez; caso ela exija o afastamento de alguma, é pre- ciso obedecer-lhe de pronto, do contrário poderá suceder-lhe algo desagradável! Também não se deve expor quem não tiver consciên- cia tranquila; neste caso, basta um intermediário dirigir a questão a mim, que receberá a resposta em segredo. A moça ficará em êxtase durante hora e meia!
Após tal explicação, vários se aproximaram, fazendo as mais estranhas perguntas, recebendo respostas satisfatórias. Também tu indagaste de tua idade e futuro, e tudo que a jovem te disse reali-
zou-se até hoje. Aquilo que falta acontecer parece efetuar-se neste momento, e para teu futuro. Dize-me se não foi tal qual te falei!”
Responde Hiram, completamente desnorteado: “Isto repre- senta mais que mil daquelas moças enfeitiçadas; pois a ninguém falei a respeito e a ti, Aziona, mal mencionei o caso. Como podes saber disto tão minuciosamente? Sinto-me apavorado perto de ti!”
Diz João: “Ora, deixa disso; não estamos aqui para preju- dicar-vos, mas, se possível, fazer vossa felicidade espiritual! Desta depende a ventura terrena! Desejas ainda que te conte a base dos sonhos provocados pelo mencionado mago em Memphis, que te estontearam ainda mais, e qual a magia que pretendias nos inculcar, referente a teu sonho?”
Responde Hiram: “Não é necessário, amigo! Muito embora não ter ideia da maneira pela qual aquele feiticeiro podia transmitir certos sonhos ao adormecido, já estou convicto saberes de todas as minúcias e até mesmo poderias realizá-los de modo mais perfeito que ele, caso o quisesses. Como os teus olhos, ou seja, qualquer de teus sentidos, podiam ler dentro de mim fatos mais secretos como se faz a leitura dum livro — é e será sempre um enigma para mim!”
Diz João: “Não penses eu querer explicar-te a magia egípcia a fim de poderes, como especial mago, ganhar teu pão, pois para tanto basta procurares os essênios; faço questão em demonstrar-te a diferença da maneira como nós podemos aparecer espiritualmente a alguém num sonho real, e a daquele mago — que mais tarde ingres- sou na Escola Essênia e ainda lá se encontra — sugerindo ao cliente certos sonhos.”
Responde Hiram, acompanhado de Aziona, todo interes- sado: “Realmente, isto nos interessa muito e te pedimos explicação compreensível!”
Acrescenta João: “Pois bem. Já te elucidei quanto ao teu sonho de nossa chegada, de modo tão fiel como a tua viagem com Klia, que te deixou voltar sozinho à Grécia, porquanto preferiu ficar em Memphis. Vamos ao fato do mago transmitir a outrem determi- nados sonhos.
Os sócios secretos da sociedade de magos faziam papel de público durante as produções, e a determinado sinal, sabiam como agir durante um espetáculo ilusionista, em massa. Entre eles vários havia incumbidos do serviço de sonhos. Cada qual sabia o sonho que iria ter, tão logo casualmente se apresentasse a convite do chefe, afirmando de viva voz apostar mil libras que não seria possível ao mago sugerir-lhe um sonho.
Aceita a aposta, o palerma subia ao palco, onde tomava pro forma um soporífico, que de modo algum continha uma gota de ópio. Nem bem o homem caía em sono aparente — o mago se di- rigia com empáfia ao público, dizendo: Não haverá entre o ilustre público alguém que deseje determinar o sonho a ser transmitido a esse senhor, que desafia minha arte?
Apresentava-se então um dos previamente informados, di- gamos, um rico comerciante de Roma ou Persépolis, ou outro qual- quer hóspede de projeção, dizendo: Desejo experimentar se ele vai sonhar o que ora penso!
Ao que o mago respondia gentilmente: Ilustre senhor, tem a bondade de transmitir, secretamente, seus pensamentos à assistên- cia, enquanto eu os assimilarei do ar, através dessa vara mágica, para apresentá-los como sonho a esse bom homem!
Em seguida ele metia a vara na boca, parecendo sugar algo do ar; depois tocava em sua cabeça com a vara e, com a outra ponta, a fronte do homem adormecido. Este, a fim de fazer maior alarde, era despertado por uma trombeta possante e esfregava os olhos como quem não sabe onde se acha. Dentro em pouco refeito, era indaga- do se sabia relatar o que sonhara; pois havia mil libras apostadas, e seriam perdidas caso ele tivesse sonhado o que o prestidigitador lhe sugerira. Se tivesse outro sonho, receberia a importância estipulada. Recomendava-se-lhe transmitir a pura verdade, do contrário a mila- grosa moça o denunciaria como mentiroso.
Em seguida, o homem começou — com aparente embara- ço — a relatar o seu sonho, e quando terminou, todos os presentes atestavam de viva voz ser idêntico ao que lhes havia sido relatado.
Todo acabrunhado diante do poder do mago, foi-lhe devol- vida a importância de mil libras, generosamente, sendo avisado de que, no futuro, não seria tratado com tanta benevolência, fato que despertou os aplausos do público. Eis o fato real. Agrada-te a peça? E qual a diferença entre a magia e nossa faculdade de transmitirmos uma visão espiritual?”
Diz Hiram: “Ora — essa é boa! Que mistificação infame! Por que não a compreendi naquela ocasião?! O caso da jovem deve conter a mesma base.”
Afirma João: “Sim — com exceção daquilo que ela predis- se, onde se oculta um mago invisível que de há muito projetou Seu Olhar Onisciente sobre ti! Ter-me-ás compreendido melhor?”
PRÉEPOSTERIOREXISTÊNCIADA ALMA
Diz Hiram: “Prezado amigo, para entender-te é preciso mais que o intelecto férreo e limitado dum adepto de filosofia cínica! Com essas vossas explanações peculiares e jamais sonhadas, nos dei- xais um tanto abalados e começo a perceber a existência duma en- tidade superior dentro do homem que, forçosamente, deve ter uma vida anterior e posterior à atual; pois na época em que estive no Egito, por certo ainda não eras nascido.
Deve esse teu ser ter existido de há muito para poder assistir, como testemunha invisível, minhas ações privadas. Só assim posso conceber tua onisciência tão extraordinária. Igualmente eras infor- mado das situações de vida de Aziona, sobre quem também pare- ces ter dirigido teu olhar espiritual. Tua preexistência, bem como a presente, não podem ser contestadas. Mas que aspecto terá a vida posterior a esta?! Pelo que me parece não há confirmação a respeito?”
Responde João: “Muito mais certeza do que da vida anterior, não tão individual quanto à posterior; para que a vida espiritual não fosse constantemente algemada ao Ser Eterno e Infinito da Divin- dade, Ela Mesma colocou a matéria entre Si e o Espírito, destinado a se tornar criatura. A fim de que ele criasse um ser semelhante
das partículas etéreopsíquicas, animou-o com uma alma substan- cial, muito embora de inteligência espiritual, desenvolvendo-a na máxima liberdade de sua vontade — caso o espírito pretenda alcan- çar sua emancipação divina. Tão logo a alma tiver progredido em bons conhecimentos e subsequente atividade, a ponto de se tornar semelhante a seu espírito original, mormente pela justa noção de Deus, Verdadeiro e Eterno, no amor Dele e do próximo, empregan- do humildade, paciência e modéstia, dar-se-á a união da alma com o espírito, indissolúvel para toda Eternidade.
Ocorre então o seguinte: a alma, de origem material, torna-se espírito; o espírito se transforma em elemento psíquico dentro da alma, e assim positivou-se num ser eternamente livre, independente, de emancipação divina e dotado de todos os predicados oriundos da Divindade Eterna.
Daí deduz-se, facilmente, o corpo nisto não ter mais incum- bência individual; pois o alimento diariamente ingerido também executa, por certo tempo, uma função periódica do corpo, donde ele e a alma absorvem seu complemento específico. Uma vez que a matéria alimentícia tiver desempenhado sua tarefa, torna-se impres- tável e será expelida do corpo, ainda em estreita união com a alma. Caso lá permanecesse, evidentemente provocaria sua morte.
Quando a alma no corpo estiver bastante desenvolvida, tanto pela forma quanto pelo livre conhecimento, amor, vontade e ação, surgem duas possibilidades: ou ela tornou-se espiritualmente ama- durecida, isto é, toda espiritual; ou, conquanto desenvolvida qual ser espiritual, digamos, consistente, estará em jogo o elemento interno, demonstrando, devido ao livre arbítrio, inclinação para integrar-se novamente na matéria ao invés de elevar-se às alturas do espírito, onde em ambos os casos ela será liberta do corpo.
Na primeira hipótese, mais feliz, a centelha divina alcançou sua finalidade e não mais necessita de meio material. Na segunda, o espírito, que tudo vê e sente, percebendo que sua alma, surgida e formada por ele através da matéria, tende com o tempo a in- clinar-se ao elemento de onde foi subtraída — ele a arranca do
corpo, se bem que com dores violentas, educando-a no Além de modo imperceptível; pois toda educação coagida e julgada seria pior que nenhuma.
Merece especial observação demorar o desenvolvimento de uma alma no Além muito mais do que aqui e tampouco poderá alcançar o máximo grau; pois fazendo-o ainda em vida, a parte mais nobre do corpo é santificada, a ponto de quase o físico total atingir com a alma em união ao espírito uma espécie de transfiguração e ressurreição idêntica, formando para todo o sempre uma entidade em união com alma e espírito. Isto na Terra é alcançado por mui poucos — tanto mais fácil, após a morte. Tens aí em linha reta a pos- terior existência de cada criatura, dentro da Verdade mais profunda. Se algo não te for compreensível, podes indagar-me que receberás a resposta acertada!”
REFLEXÕESCONTRAAVIDAETERNADA ALMA
Diz Hiram, orador mais loquaz: “Longe estamos de ter uma noção exata daquilo que acabas de explanar — todavia acreditamos que assim seja, em virtude de teu grande saber; pois quem possui conhecimento e penetração em todos os fenômenos da Terra e pode fazer a leitura de pensamentos alheios deve estar orientado em todas as esferas de manifestação de vida.
Conquanto não permitam outras perguntas a preexistência e a atual prova de emancipação material da alma nesta vida, pelo fato de não haver outra possibilidade — pois os repetidos efeitos têm de ter por base idêntica origem — a vida posterior permite uma série de indagações cuja explicação ser-te-á, por certo, mais difícil.
Não consigo encontrar a razão duma existência eterna após a morte. Qual seria nossa ocupação em tal hipótese? Que tédio hor- roroso manifestar-se-ia finalmente, ainda mesmo no gozo de felici- dades indescritíveis?! Muito pior passará um espírito perfeito, por- quanto nada mais poderá aprender. Apresentar-se-á u’a monotonia por nós inimaginável!
Seria capaz de suportar uma existência pelo espaço de dez mil anos, em condições mui favoráveis; mas fisicamente nesta Terra, ninguém poderia afirmar ter aprendido tudo que nela existe após tal percurso. Suponhamos um espírito perfeito nesta Terra, dotado ape- nas com tua própria onisciência milagrosa: de um só relance estaria a par de todos seus segredos, passados e futuros! Que seria, caso fosse obrigado a permanecer aqui?! Teria que procurar sua distração com as tolices humanas e atirar os povos uns contra os outros através de seu poder, do contrário desesperar-se-ia de tédio.
Julgando racionalmente, não percebo a utilidade peculiar e venturosa duma existência eterna após a morte. No final, seríamos apavorados na questão do espaço, pois se nesta Terra forem geradas criaturas no decorrer de milhões de anos, e o mar não sendo trans- formado em continente — onde ficarão elas e como resolverás a questão alimentícia?! E onde se localizarão os espíritos, que também devem ser acomodados, porquanto além do Espaço que Platon diz eterno — não é possível se pensar numa existência?!
A meu ver, é muito mais lógico e dentro do raciocínio claro admitir-se apenas uma existência temporária após a morte, que de modo algum pode entrar em relação com a vida, nem com o Espaço. Analisando a questão sob esse prisma, damos preferência ao total aniquilamento da criatura, e uma voz interna me diz: Não obstante a mais elevada sabedoria humana, a morte física é o fim de tudo. Qual é teu parecer a respeito, amigo?”
INFINITO,ETERNIDADEEBEM- AVENTURANÇA
Diz João: “Meus caros amigos, isto depende apenas de que ponto de vista se considera finalmente a vida, mormente a espiritu- al, o conhecimento íntegro de si mesmo e, por este meio, o justo e verdadeiro conhecimento de Deus e de Suas Infinitas Obras Mila- grosas e Criações. Se essas já apresentam no campo material coisas tão formidáveis, de sorte que em eões de anos não concluiríeis seus estudos, quanto mais isto se dá com as Criações puramente espiritu-
ais, onde se poderia afirmar não existir criatura capaz de imaginar as bem-aventuranças que Deus faculta aos que O reconhecem e amem acima de tudo, estendendo este amor sobre o semelhante. Como se pode cogitar de tédio, quando o Espírito perfeito começar a com- preender encontrar-se ele apenas no início das revelações dos inú- meros milagres da Onipotência, Sabedoria e Amor Eternos de Deus, o Senhor e Pai de tudo que existe?! Que pensamentos negativos se apoderam de vossa inteligência limitada quanto ao conhecimento mais profundo da vida?!
Vede o Sol, criador de nossos dias! Qual é vosso conheci- mento deste astro maravilhoso? Ignorais até mesmo sua organização e relação referente ao nosso planeta. Acreditais apenas naquilo que percebeis com os sentidos; em realidade, a questão é outra: não é a Terra o centro onde gira o Sol, e sim ele representa o centro para o orbe, a Lua e todos restantes planetas. O nascer e o pôr-do-Sol ocorrem pela rotação da Terra em redor de seu eixo. Não vos é pos- sível aceitar essa explicação devido a vossa limitada noção a respeito; posteriores povos, a quem Deus, o Senhor, facultará a compreensão justa saberão calculá-lo até a um fio de cabelo!
Todavia podeis acreditar-me, sabendo ser possível eu possuir profundo conhecimento, baseado na Verdade plena. Falando apenas do Sol, afirmo-vos ser ele um milhão de vezes maior do que a Ter- ra. Que milagres jamais sonhados cobrem suas extensas planícies! Incontáveis seres maravilhosos caminham na maior harmonia pelas enormes plagas de luz, regozijando-se de sua feliz existência! Sua beleza é tal, que poderíeis fitar uma daquelas criaturas por tempo indeterminado, sem vos cansardes! Não se trata dum exagero, mas de simples verdade.
Se, a julgar pela tua própria afirmação, estarias disposto a viver em nosso orbe, em situação favorável, pelo espaço de dez mil anos, desejava saber o quanto pretenderias viver no Sol!
Não é Ele o único no Espaço Infinito; existem incontáveis, entre eles muitos de tamanho tão gigantesco que nosso Sol, compa- rado a eles, seria simples floco de neve em relação à Terra.
Se isto se dá nas criações materiais, o que não esperar das espirituais do Reino Infinito de Deus, o Senhor e Pai desde Eter- nidades?! Acaso podes falar em tédio numa existência eterna duma criatura que alcançou a união com o seu espírito?!
E se porventura te tiveres extasiado em eões de anos das cres- centes maravilhas de Deus, como espírito puro, emancipado e livre, em companhia de outros semelhantes a ti — longe estarás do início de tua observação! Se te for possível aprofundar-te nesse pensamen- to, sentirás uma alegria progressiva na vida e jamais um desespero! Fala se te agrada tal perspectiva!”
TRÊSOBJEÇÕESCONTRAAEXISTÊNCIAAPÓSA MORTE
Diz Hiram: “Admiramos teu conhecimento, que de modo algum te foi facultado num sonho ou pela própria fantasia! Con- fessamos apenas nada compreendermos a respeito; acreditamos so- mente por tu o afirmares, pois já nos deste provas inconfundíveis de tua onisciência e verdade absolutas. Todavia, tenho a formular três perguntas na questão da sobrevivência. Caso fores capaz duma solução satisfatória, renunciaremos ao saber cínico, pedindo-te ensi- nar-nos coisa melhor.
Eis as perguntas: Que espécie de espíritos são aqueles que depositam suas almas a serem educadas em surdos-mudos, mente- captos e loucos de nascença? Qual seria o desenvolvimento espiritual duma alma em físico tal e dentro dos princípios racionais? Eis a primeira questão.
O que acontece às almas das crianças mortas antes de possu- írem consciência própria, onde não se pode aguardar evolução espi- ritual? Quais seriam os espíritos puros que lhes deram origem? Eis a segunda pergunta.
Ouve a terceira: O que acontece àquelas almas que alcança- ram na Terra certa educação e inteligência, entretanto se tornaram verdadeiros monstros da sociedade, de modo próprio? Por que isto foi permitido pelos espíritos, certamente tão sábios quanto tu, e qual
a razão de não se incomodarem com seus tutelados? Acaso não lhes interessava o grau de educação que receberam?
Nisto tudo se nota alguns contrassensos em tua afirmação, que de modo algum nela se podem enquadrar. Ou se trata duma unificação mais séria, dela dependendo o Bem e o mal por toda a Eternidade — o que ao espírito poderoso não pode ser indiferen- te se sua alma, formada de sua inteligência e força ou provinda da matéria, se lhe torne idêntica ou um ser monstruoso — ou então se trata apenas duma simples brincadeira. Nesta hipótese temos razão, não obstante tua grande sabedoria, quando afirmamos ser tudo jo- guete das forças da Natureza, e com a morte tudo tem seu fim, in- dependentemente se espíritos imortais se venham ou não preocupar com a mesma.
Se porventura uma centelha divina me tiver projetado na vida sem querer tomar conhecimento de minha existência, de nada me serve e bem pode deixar-me em paz! Estou ansioso por ouvir tua resposta!”
Eis que Pedro Me diz: “Senhor, não saberia responder, por- quanto meu latim se esgotou! Temo a maneira pela qual João se sairá!” Respondo: “Não te preocupes! Comigo e por Mim tudo corre bem!”
NECESSÁRIA DIVERSIDADE DOS SERES E CONDIÇÕES NA TERRA
Prossegue João: “Meus caros amigos, se vossa noção fosse um pouco mais adiantada, o assunto seria esclarecido em poucas palavras. Assim não sendo, tenho previamente que fazer-vos nova revelação. Prevendo vossas três perguntas, porquanto nada podeis conjecturar que eu não soubesse, referi-me anteriormente à Cria- ção material e fácil é apresentar-vos resposta definitiva; que te pare- ce, Hiram?”
Diz este: “Enquadra-se bem à tua maneira de agir; todavia, não estipulei as questões acima para experimentar teu profundo sa-
ber. Uma pergunta dando motivo a outra, desejava explanação certa em assunto tão sério, que somente tu poderás me proporcionar, sem querer contestar o conhecimento de teus colegas.”
Responde João: “Pois bem. Em tudo que vês existe enorme variação. Que me dirias caso as criaturas se assemelhassem como pardais, dificultando a distinguir-se o próprio sexo?” Diz Hiram: “Tal seria um estado insuportável!” Responde João: “Sim, também intolerável a mesma idade, força, voz, idioma e raciocínio instinti- vo!” Aduz Hiram: “Realmente, seria um horror!”
Prossegue João: “Acaso a Terra seria tão aprazível destituída de montanhas ou sem variedade nas mesmas; se existisse apenas uma qualidade de árvores e ervas; não havendo mares, mas simples e pe- quenos lagos, todos iguais e ao invés de rios caudalosos, pequeninos riachos, cursando em linha reta, e no Céu somente nuvens quadra- das, cuja rota seria sempre a mesma?! Seria agradável se visses, no lugar de astros diversos, apenas sóis ou apenas luas, sem mudança de dia e noite?”
Exclama Hiram: “Peço-te parares com isto, pois o simples pensamento já me desespera! Somente a maior variabilidade propor- ciona alegria e vida!”
Manifesta-se Aziona: “Hiram, não percebes o final desse questionário e como mordeste a isca?” Responde ele: “Sim, mais ou menos! Deixemos nosso amigo prosseguir em nosso benefício!”
Diz João: “Está bem, aceitando o terrível tédio proporcio- nado pela monotonia das coisas da Terra, como podeis supor que espíritos perfeitos, na qualidade de inteligência mor, pudessem vi- ver eternamente em plena ausência de variabilidade, tendo todos a mesma forma para todo o sempre?! Vedes quão restrita julgáveis a Própria Divindade e Seu Infinito Reino Espiritual?!
Lá existem incontáveis variações como aqui, do contrário ja- mais um ser perfeito poderia sentir felicidade e alegria com as Ma- ravilhas de Deus; portanto, não tem importância se um espírito não consegue finalizar sua tarefa aqui, pois a Eternidade lhe permitirá concluir o que deixou de fazer.
Além disto, é a Terra escolhida por Deus a fim de que as criaturas de caracteres mais variados, que em nenhum outro corpo cósmico atingem tal grau, nela consigam a Filiação Divina!
Sendo tal fato conhecido de todos os espíritos originais e puros de todo Infinito, podeis imaginar ingressarem aqui muitos espíritos com almas extraídas de outros corpos cósmicos, para deixar fermentar uma alma estranha na matéria deste planeta. Algumas o conseguem na primeira tentativa, outras de modo algum! Se uma psique estranha num corpo terráqueo não conseguir desde início suportar o peso da matéria, será prontamente reconduzida pelo seu espírito de onde veio.
Muitas há que nem suportam o aspecto deste planeta mais estéril e triste; apresentam sentidos mal desenvolvidos e negligencia- dos. Suportam a existência aqui por certo tempo e geralmente imi- tam qualquer faculdade dos habitantes terráqueos, voltando à pátria após uma vida curta, porém de grande importância e com o maior proveito do esforço desprendido depois de alguns decênios e desco- nhecidos de nós, conseguindo no Além o que almejavam de princí- pio. Algumas perambulam por muitos outros planetas até se arrisca- rem à Terra, movidas pelo próprio espírito. Várias almas derivam dos mundos solares; entre essas, algumas em breve se tornam perfeitas; outras são tomadas de grande ira acerca de tudo que aparece na Ter- ra. Tornam-se indivíduos maus, roubam, assaltam e matam a valer. Não sentem simpatia para com os habitantes terráqueos e procuram prejudicá-los de qualquer forma. Dificilmente conseguem escapar à justa punição contra as leis aqui vigentes. Não raro voltam à pátria primitiva, onde também não levam vida fácil; pois o seu espírito co- meça a empregar uma disciplina severa e dolorosa, que se prolonga à medida do orgulho, egoísmo e endurecimento do sentir da alma.
Acontece, às vezes, o mesmo aos habitantes terráqueos quando se deixam tentar pelas almas estranhas a praticarem mal- dades. Tais entidades, infelizmente em grande número, são os ditos ‘demônios’; seus espíritos no Além continuam seus verdugos até que melhorem em definitivo. Eis por que existe, nesta Terra, enorme va-
riabilidade e situações tão singulares. Penso estardes mais orientados acerca das perguntas feitas, sendo capazes de pensar mais a fundo que comumente os habitantes da Terra.”
AQUESTÃO MESSIÂNICA
Diz Hiram: “Está tudo bem e nada temos a objetar; acredi- tamos no que dizes, embora nada saibamos dos inúmeros corpos estranhos no Espaço e seus habitantes misteriosos. Opino somente que ao menos algumas criaturas desta Terra deveriam ser informadas do Alto, a respeito de como agir contra entidades de tal ordem.”
Responde João: “Sempre as houve, em todas as épocas, e transmitiram tais noções às outras através de quadros corresponden- tes, e no próprio Cântico de Salomon se encontram vários indí- cios; mas os homens, isto é, suas almas, afundaram seus sentidos no mundo material, virando destarte as costas ao espírito no Além, motivo por que nada mais entendem de assuntos elevados e espiri- tuais. Precisamente por isto vimos ao mundo, para soerguer as almas desleixadas por própria culpa e demonstrar-lhes o caminho justo à sua salvação eterna.
No futuro, isto tudo será transmitido a milhares pelo Espíri- to Santo de Deus, de modo muito mais lúcido do que ora faço. Tão logo Ele Se espargir também sobre vós, conduzir-vos-á a todas as profundezas de Sua Sabedoria Divina, onde então aceitareis perfei- tamente o que agora começais a crer. Até lá, acreditai e pesquisai nas Escrituras e em a Natureza; ambas testemunharão ser tal qual vos falei! Como já disse, a razão total ser-vos-á dada mais tarde. Tereis outras objeções?”
Responde Hiram: “Não, amigo nobre e sábio. Não existem dúvidas a respeito, apenas desejava fazer mais uma pergunta. Sou grego, todavia me informei de certos princípios do judaísmo que muito me divertiram, mormente a afirmação dum Messias, consi- derado a Própria Divindade. Iria transferir a imortalidade a todos,
residir em Jerusalém, qual ser eternamente invencível, e de lá domi- naria o mundo inteiro e o Espaço Infinito.
Em virtude de nossa mitologia, somos ridicularizados em toda parte, declarando-a o maior contrassenso; que dizer então dos judeus com seu Messias?! Jamais deparei tolice mais absurda nos países em que viajei! Explica-me, o que vem a ser tal confusão? Eis uma pretensão descabida por parte dos judeus ricos, dirigida contra gregos e romanos, na expectativa de nos enxotar do país com seu ‘deus’! Que me dizes desta alusão judaica?”
Responde João: “Este caso não é tão absurdo como pensas e te toca mais de perto, não obstante seres grego. Da maneira que te foi relatado, não deixa de ser ridículo, e além disto não contém uma sílaba verdadeira. Aquilo que os judeus aguardam e mais tarde ainda aguardarão até o Fim do mundo já existe de há muito oculto de seus olhos e ouvidos; não para enxotar os pagãos, mas precisamente o contrário: os judeus serão expulsos e aos gentios será entregue para sempre o Verbo de Deus! Sobre este assunto falaremos mais tarde; agora trataremos da ceia e dum leito para nós, pois ficaremos ainda alguns dias.”
Dizem ambos, satisfeitos com tal assertiva: “Imediatamente trataremos disto!” Afastam-se alegres para tal fim, e Eu louvo a João pela persistência e paciência enorme que neles aplicou.
JOÃORECEIAAINTELIGÊNCIADE HIRAM
Enquanto os dois pescadores e suas famílias nos preparam a ceia, Judas Iscariotes, entrementes mais tímido, indaga quem recon- duziria o barco ao velho Marcus, uma vez que não mais necessitá- vamos dele.
Digo Eu: “Preocupa-te com algo melhor do que tais ninha- rias do mundo. Aquele que construiu o barco de modo milagroso saberá como devolvê-lo! Curioso, não te ser possível te preocupares com algo espiritual! Que te dá o mundo ou qual seria teu benefício
se ganhasses o mundo inteiro, prejudicando tua alma?! Quais seriam os meios ao teu dispor para libertares tua alma corrupta?
Vê esses pobres pescadores! São modestos e amáveis, não aguardam recompensa após a morte; entretanto, o mundo com seus tesouros efêmeros lhes são um horror, motivo por que se retiraram a este deserto abandonado. Pela primeira vez foi-lhes transmitido algo espiritual e prontamente se encheram de satisfação, muito em- bora sejam apenas semipagãos; tu és judeu genuíno e igual a Mim pertences ao tronco de Judá — entretanto não te impressionas com assuntos espirituais! Dize-Me sinceramente, por que Me acompa- nhas, de vila em vila?”
Responde Judas, embaraçado: “Pronto, já cometi grande erro, por ter mencionado o navio! De modo algum visei algo deso- nesto! Perdoa-me se pequei por isto!”
Digo Eu: “Será preciso perdoar-te muita coisa! Vê lá que o mundo finalmente não se torne teu mestre!” Nisto, Thomaz faz menção de dirigir algumas observações a Judas; Eu, porém, o rete- nho com o Olhar.
Aproxima-se João, Meu Amado, e diz: “Senhor, será que já conseguimos encaminhar esses amigos? Pois se continuarem como agora, pedir-Te-ia que Tu Mesmo os enfrentasses. Acontece eu ficar um pouco angustiado com receio de meu coração não registrar, de modo certo e rápido, o que me insuflas, e facilmente poderia incluir algo meu, onde ficaria em maus lençóis com intelectos tão perspica- zes! Analisam cada palavra e gesto como a raposa sua presa!
Philopoldo de Caná, em Kis, era idêntico; entretanto, faci- litava a discussão. Esses tornam o assunto mais complexo, em vir- tude de sua argúcia e experiência inéditas. Mathael é também um espírito excepcional; mas numa polêmica idêntica, teria o que fazer! Por isto, Senhor, peço-Te assumires a controvérsia, caso voltem a novo ataque!”
Digo Eu: “Meu caro João, já não mais será preciso. Hiram apresentará algumas objeções quanto ao Messias, levando-te a cer- to embaraço; nós dois, porém, levá-lo-emos ao justo caminho. Vai
agora fazer-lhes fogo na cabana; pois desde que nos deixaram, can- sam-se em realizá-lo por meio de pedras e madeira!”
João se dirige à cabana dos pescadores e diz:. “Pelo que vejo, amigos, tendes dificuldade em fazer fogo; há algum tempo observo vossa choça sem descobrir fumaça; por isto, meu Amigo aconse- lhou-me a vos ajudar!”
Respondem Hiram e Aziona: “Vens realmente na hora exa- ta; as pedras já estão gastas e os paus ficaram úmidos. Eis a dificul- dade, idêntica nos vizinhos.”
Diz João: “Deitai a lenha ao fogão, que o fogo se fará!” Os dois obedecem e Aziona acrescenta: “Só quero ver como farás isto!”
OFOGOMILAGROSODE JOÃO
Diz João: “Muito simples! Digo apenas: A lenha deve arder no fogão de todas as cabanas!, e como vedes, isto se dá neste ins- tante!” Os dois amigos exclamam: “Isto só é possível a um deus! Já vimos alguns magos produzirem fogo pela fricção das mãos, mas nunca pelo simples pronunciamento dessa ordem! Certamente tens uma pólvora escondida, que se incendiou em cima da lenha. Consta que os antigos egípcios possuíam tal pólvora.”
Responde João: “Com tal recurso poderia se explicar o fenô- meno de modo natural; eu, porém, tomei a liberdade de vos socorrer a todos, sem afastar-me daqui; portanto, não podemos cogitar dessa possibilidade!” Enquanto o discípulo se explica, acorrem os vizinhos, em parte assustados, em parte alegres, e contam o que sucedera. Aziona os acalma e aconselha voltarem à casa, pois já sabia do fato.
Em seguida diz Hiram: “Meus admiráveis amigos, irei rápido a casa para fazer minha refeição frugal; dentro em pouco, estarei de volta!”
Acrescenta João: “Podes ficar aqui, como hóspede de Azio- na!” Obtempera ele: “Seria demasiada gentileza de vossa parte; te- nho, no entanto, que tratar de acomodação, ao menos para um de vós, em virtude do espaço reduzido!”
Diz João: “Não é preciso te incomodares; pois nosso navio, onde podemos pernoitar, está provido de tudo. Talvez, fiquemos, como de hábito, a noite toda ao ar livre, no grande gramado debaixo da árvore.”
Aduz Hiram: “Nesse caso, fico sem dúvida; existe nessa zona grande quantidade de serpentes, mosquitos e outros insetos, mor- mente à noite, que muito nos molestam. As inúmeras cegonhas e grous, que deles se alimentam com fartura, pouca diferença fazem, pois eles aumentam dez vezes mais. Por isto não é agradável pernoi- tar-se ao relento e aconselho-vos dormir a bordo.”
Diz João: “Não te incomodes, nada disto vos perturbará, nem hoje nem futuramente!” Juntando-se ao nosso grupo, João faz menção de contar-nos os acontecimentos. Eu o elogio, dizendo: “Correu tudo bem para essa gente. Agora tenho que vos transmitir outro assunto!”
ACEIA MILAGROSA
(O Senhor): “Antes de meia-noite teremos que enfrentar uma verdadeira luta: trata-se de outro grupo de perseguidores, enviado de Jerusalém, porque Zinka não deu mais notícias — já sabeis a quem! Informado por alguns pescadores, que vos conhecem, termos entra- do nesta baía, seus navios se dirigem para aqui. Terão certa dificul- dade para tanto, mas finalmente o conseguirão. Entre eles estão dois arquifariseus e um escudeiro de Herodes. Nada conteis a estes pesca- dores medrosos, porque ainda nos tomam por magos excepcionais.
Aqueles perseguidores persistem em Meu encalço, com ódio e volúpia, fato que não se deu com Zinka; por isto, tal empreendi- mento lhes custará caro! O tratamento é diverso entre pessoas des- viadas da Verdade, coagidas, e diabos perfeitos! Hoje, vereis em Mim um Juiz implacável, que para tal função não empregará amor! Ago- ra, calma. Nosso hospedeiro vem trazendo a ceia bem preparada.”
Munido do cesto de provimentos, Aziona diz: “Amigos ex- cepcionais, está tudo pronto! Faltam-nos somente o necessário con- forto de bancos, mesas e luz, pois já está ficando escuro!”
Digo Eu: “Não importa! Magos de nossa espécie nunca se veem embaraçados. Basta dizerem: Que venham mesas, bancos e iluminação! — vede, tudo se acha ao nosso dispor!”
No mesmo instante se vê uma longa mesa arrumada e rode- ada de bons bancos; em cima da mesa está uma grande lâmpada de nafta, com luz tão clara a iluminar toda a redondeza. Aziona e Hi- ram quase deixam cair o cesto, tamanho susto levam; controlam-se e depositam-no com cuidado sobre a mesa milagrosa.
Hiram fita ora a Mim ora a João, como quem diz: Queria sa- ber qual dos dois é o mestre do grupo! Finalmente, exclama: “Se isto também é magia, seria paga em Alexandria com dez mil libras de ouro!” Judas não se contém e diz para si mesmo: “Ah, se eu soubesse fazer isto — nenhuma hora mais ficaria nesta terra tola, onde só se é constantemente perseguido!” Jacob lhe dá um sinal relembrando Minha Advertência, e ele se cala.
Aziona, entrementes, chama sua família para ver o milagre, e sua mulher diz: “Estes — não são magos! Devem ser deus, na certa!” Aduz ele: “Talvez tenhas razão, basta saber se os deuses do Olympo se satisfarão com os peixes!”
Diz ela, nascida em Athenas, portanto legítima pagã: “Meu amigo, isto é comum entre eles. Apreciam o máximo deslumbra- mento nos Céus; na Terra, procuram somente as pessoas mais mo- destas e se satisfazem com refeições simples!” Responde Aziona: “Está bem; vai agora arrumar o interior da cabana!”
ONAVIOCOMOS ESBIRROS
Com esta advertência, a mulher se dirige com as filhas à caba- na a fim de fazer a arrumação, onde louva a enorme graça de Zeus. Observa, no entanto, que o país procurado pelos deuses só poderia aguardar guerra, fome, peste e inundações. Os filhos, porém, con- testam: “Mas esses deuses são tão amáveis; amanhã pedir-lhes-emos que não determinem tais flagelos sobre nós.” Diz sua mãe: “Deixai isto por conta dos pais, que o entendem melhor.”
Em seguida se faz silêncio dentro da cabana, onde tomamos a ceia com pão e vinho, muito elogiados por Hiram e Aziona. Após terminarmos, continuamos em palestra até uma hora antes da meia-
-noite, sem que houvesse indício de cansaço.
Mais tarde, Hiram se levanta, observa por algum tempo a baía e diz, preocupado: “Meus amigos, isto não me dá boa impres- são; ameaça-nos grande perigo, pois vejo um navio escoltado por soldados e esbirros entrar na barra! Tu, amigo, que soubeste criar esta luz, apaga-a para perderem a direção, atracando durante a noite num banco de areia. Amanhã cedo serão abordados conveniente- mente, caso nos procurem por motivos hostis!”
Digo Eu: “Deixa a luz, dentro em pouco terás provas de nos- so poder! Primeiro têm de se aproximar; então lhes demonstrarei a ‘força dos deuses’, usando vossa expressão!”
Hiram concorda; Aziona, porém, diz: “Caros amigos, in- daguei de vós se não havia inimigo em vosso encalço, o que ne- gastes. Caso nos tivésseis dado aviso prévio, teríamos evitado tal atrevimento!”
Digo Eu: “Sabia de antemão o que sucederia sem nossa cul- pa; se vos tivesse avisado, teríeis ficado aflitos e despendido muito esforço para barrar a entrada do porto. Para que tais preparativos, se tenho Poder contra mais de cem mil desses navios?! Assim, a pre- sa, inclusive o bom navio, cairão em vosso poder. Trazem grandes somas de suborno e, além disto, estão providos de fortuna para seu conforto e quantidade de riquezas que vos tirarão da miséria. Previ tudo isto, motivo por que nada vos disse.
Caso tivésseis conquistado o navio através da astúcia e força, em breve teríeis de enfrentar dez semelhantes a este e seríeis tratados como piratas. Nada disto ocorrerá. Eu Mesmo vos protegerei em Es- pírito, embora ausente, para que nada de mal vos suceda! — Eis que vêm se aproximando junto com os dois pescadores delatores; prestai bem atenção aos acontecimentos!”
Diz Aziona: “Espero não trazerem armas de arremesso!” Digo Eu: “Não, só têm algumas lanças, espadas e correntes! Agora, silêncio!”
Nesse instante se ouvem vozes ásperas a exclamarem com riso sardônico: “Viva, eis a trinca em bela iluminação! Desta vez não escapará!” Incontinenti dois arquifariseus, o castelão de Herodes e vários esbirros se dirigem com feições iradas à nossa mesa e dizem: “Segui-nos de boa vontade, caso não queirais ser levados à força para Jerusalém! À menor reação sereis acorrentados!”
Digo Eu: “Não podeis ter condescendência e considera- ção, esperando ao menos até amanhã? Não fará diferença embar- cardes hoje ou amanhã com inocentes, apenas para satisfazer vossa vingança!”
Gritam o castelão e os dois fariseus: “Não! Tem que ser agora mesmo! Levantai-vos e caminhai!”
Digo Eu com voz firme e perentória: “Bem, não existindo em vós a menor fagulha de compaixão, pois tornastes-vos verdadei- ros demônios, o Meu Coração também não sente Misericórdia para convosco! Que se faça de acordo com vossos corações, índole e ações perversas!”
No mesmo instante, todos são tomados dum entorpecimen- to e dores insuportáveis, que os levam a gemer e prometer tudo que Eu viesse a exigir, contanto que os livrasse de tal suplício, do contrá- rio prefeririam morrer!
Acrescento: “Pedi-vos Graça e Misericórdia apenas até ama- nhã e não fui atendido; por isto também não as encontrareis Co- migo! A única atenuante que vos concedo consistirá no vosso estra- çalhamento por animais ferozes dessas montanhas, levando a paga daquilo que fizestes a muitos inocentes!
Durante o infanticídio em Bethlehém fostes ainda jovens, porém os mais furiosos, porquanto já naquela ocasião calculastes Eu encontrar-Me no meio das vítimas! O Espírito de Jehovah, Que sem- pre habitou em Mim com toda Força e Poder, soube evitá-lo. Após tal ação, praticastes inúmeras crueldades com a pobre Humanidade, para as quais o raciocínio humano ainda não achou classificação;
por isto, Eu Mesmo quis que aqui viésseis para, como demônios em figura humana, receberdes vossa paga de há muito merecida!”
Eles gritam ainda mais, pedem misericórdia, prometendo completa regeneração. Deveria Eu perdoar-lhes esta única vez. Seus gritos lancinantes se tornam mais fortes, a ponto de Aziona, Hiram e alguns discípulos começarem a interceder por eles.
Eu, no entanto, esclareço: “Se Eu os libertar apenas por dez segundos de seus justos sofrimentos, eles se atirarão sobre nós quais tigres para nos estraçalhar. Sei melhor do que vós como se trata an- jos, criaturas e diabos perfeitos! Em verdade, para esses arquidemô- nios que se infiltraram entre Meus filhos, Meu Coração não sente Misericórdia!” Como prossigam esbravejando, digo: “Dentro em pouco virão os que finalizarão vossos sofrimentos; vossas almas ne- gras habitarão os dragões nos desertos mais escaldantes da África, por dez milhões de anos, enterrados na areia causticante! Amém!”
De todos os lados das montanhas ouve-se forte rugir, oca- sionando grande pavor entre os habitantes da aldeia. Eu os acalmo e digo a Aziona: “Os dois pescadores, tentados pelo dinheiro, serão libertos dos padecimentos; prendei-os na cabana!”
Aziona assim faz; quando volta à nossa mesa, uma enorme caterva de tigres e ursos se atira sobre os malfeitores, agarrando-os com os dentes, levando-os rápidos montanha acima. Dentro em pouco cessam os gritos; pois os animais selvagens, que Eu havia im- pelido do Ganges para tal fim, concluem ligeiros sua refeição para voltarem à pátria.
Dirigindo-Me a todos, digo: “Jamais este fato deve ser di- vulgado entre estranhos; quem isto fizer sofrerá as consequências! Os denunciantes receberão amanhã sua tarefa e jamais incorrerão nesse erro.”
Eis que Hiram se anima a falar: “Agora sei quem entre vós é o Senhor, e confesso considerar-te Deus Verdadeiro! És a Bondade em Pessoa; tua ira, é o pior que existe no mundo material e espiri- tual! Deveriam ter sido criminosos miseráveis, porquanto não lhes proporcionaste a menor misericórdia!”
Digo Eu: “Atualmente, não existe coisa pior sobre a Terra! Há muitos homens maldosos e perversos que assim se tornaram pela educação. Nestes, não faltaram os melhores meios educativos, re- cebendo ensino de tudo quanto é bom; souberam desde a infância simular de tal forma, a serem elogiados e ressaltados. Por esse meio, ainda jovens conseguiram empregos relevantes onde, em breve, abu- saram de seu poder, tratando os semelhantes de modo inescrupu- loso. Sua argúcia lhes ajudou em toda parte e assim conseguiram, mormente os três chefes, colegas entre si, postos mui elevados, po- dendo, pois, dar maior vazão à volúpia satânica, realizando tudo que sua mente maldosa lhes insuflava.
Quantas meninas e meninos entre oito e doze anos foram por eles violentados sob martírios indizíveis; até morrerem, atirando seus cadáveres aos próprios cães! E caso os genitores se atrevessem à menor pesquisa — podiam estar certos de ter soado sua hora final! Os esbirros e servos daqueles chefes faziam o mesmo, senão pior. Se imaginares isto tudo e milhares de variedades na perversão, compre- enderás Minha Ira.
Cientes ser Eu a Pessoa Indicada a poder denunciá-los pe- rante os romanos, tudo fizeram a fim de Me prenderem; nada disto conseguindo, eles mesmos pretendiam levar a efeito a obra de des- truição. Meu Espírito, porém, Me disse: Até aqui, e não mais além! Destarte receberam a paga de há muito merecida.
Juntai suas armas e correntes; poderão ser aproveitadas no uso caseiro e na pescaria. Debaixo da rocha, na floresta, encontrareis suas vestes e ossadas. Daqui a um mês, após as formigas terem feito sua tarefa, podeis ir para lá; achareis quantidade de preciosidades materiais, que em ocasião oportuna poderão ser vendidas a comer- ciantes gregos. Não vos precipiteis por enquanto!
O navio contém quinhentas libras de ouro, prata e quantida- de de outras riquezas; isto será vosso, inclusive o navio. Sede justos e desprendidos na partilha e auxiliai-vos em caso de necessidade. A
embarcação, que de certo modo encalhou, não tem dono e, pela lei romana ‘de quem vê primeiro se torna proprietário’, é vossa proprie- dade. Estais satisfeitos?”
Respondem Hiram e Aziona: “Senhor e Mestre, com todo Poder, Sabedoria e Força do Espírito Perfeito do Ser Supremo! Como não estarmos satisfeitos, se compreendemos ser isto uma dá- diva do Alto!”
COBIÇA DE JUDAS. O BENEFÍCIO DO REPOUSO EM ESPREGUIÇADEIRAS
(Aziona e Hiram): “Nós dois cremos seres, antes de tudo, semideus e este jovem (João) também; os demais ainda não nos deram tais provas, mas devem ser algo parecido, porque perten- cem a vós. Só aquele lá, com expressão carrancuda, tem aspecto fortemente humano, e por certo será apenas homem algo educa- do; quando o navio se aproximava da margem, percebemos como escondeu sua algibeira na túnica, e deuses não necessitam desse detrito da Terra!”
Alguns discípulos quase desatam a rir, e Thomaz dá um forte tapa no ombro de Judas e diz: “Eis um golpe acertado! Com prazer teria feito uma advertência ao teu namoro com o navio. Pensei, po- rém: Algum outro certamente fá-lo-á! E minha esperança não me traiu. Por que não permitiste que um urso prestativo te carregas- se lá para cima?! Se ele te desprezasse como repasto, amanhã cedo poderias te apresentar como dono único de tudo! Agora — será mais difícil!
Já que garantiste tua parte, só te podemos louvar como bom economista! Apenas não poderás fazer uma pesquisa oculta como fizeste em Kis e nas tendas de Ouram, pois aqui não contarás com tais vantagens! Se fosse tu, de há muito me teria afastado de nosso convívio!”
Não sabendo que responder, Judas não reage, pois enchera-
-se de pavor de Mim, pelo castigo infligido aos malfeitores. Deita-
-se na grama e adormece. Manifesta-se Hiram: “Agora me lembro
— é o mesmo que vi em sonho, completamente enegrecido, en- quanto Tu, Senhor e Mestre, eras o Iluminado! Dizei-me, porém, não sentis cansaço ou sono? Poderíamos trazer uma quantidade de esteiras etc.!”
Digo Eu: “Oh, não é preciso! Repousa-se muito bem nes- ta mesa e nos bancos com bons encostos. Em relação à medicina, afirmo que as criaturas prolongariam a sua existência de um terço caso usassem espreguiçadeiras como aqui vês, ao invés de leitos! Em posição horizontal, a circulação sofre grande mudança entre dia e noite, provocando desde cedo impedimento e alterações no aparelho digestivo. Nesta posição, tudo permanecerá durante muitos anos no maior equilíbrio.
Abraham, Isaac e Jacob só dormiam em espreguiçadeiras, pois desconheciam leitos horizontais, alcançando, com moderação de vida, idade mui avançada em plena pujança psíquica; quando mais tarde as criaturas deixaram de considerá-lo, sua existência ficou reduzida a mais da metade.
O maior prejuízo do leito horizontal levam as pessoas grá- vidas; primeiro, os fetos ficam atrofiados e fracos; segundo, a difi- culdade e não raro a anomalia dos partos. Eis um esclarecimento higiênico, que trará seu benefício a quem o considerar.
Além disto, convém dormirdes no verão o mais possível ao ar livre, no que lucraríeis enormemente na saúde, ao invés de quartos e cabanas mal arejadas. Somente no inverno convém usar os recintos moderadamente aquecidos, mas limpos e secos. Quem viver deste modo e além disto for comedido na alimentação, não dará lucro a médicos e farmácias!”
Dizem os dois amigos: “Ó Senhor e Mestre da Vida verda- deira e divina, nossa gratidão eterna por conselho tão salutar, que poremos em prática imediatamente.” Prossegue Hiram: “Poderia acrescentar: O Mestre de toda Vida saberá melhor o que seja útil aos seres viventes! Como nesta Terra devem ter existido criaturas primitivas, seria interessante saber-se como viveram.”
Digo Eu: “Meus caros amigos, dotados de muitas noções e ciências — será difícil responder de modo compreensível. Primeiro, por ser nosso planeta tão antigo; segundo, por não haver número para vossa compreensão, a fim de terdes uma ideia de sua existência.
Criaturas semelhantes a nós existem somente há pouco mais de quatro mil anos. As primeiras se dividiam em duas classes, devido à sua ação: os filhos de Deus, porquanto coração e alma O reconhe- ciam e permaneciam fiéis a Ele; e os filhos do mundo, devido ao seu esquecimento da Divindade, servindo unicamente à matéria, fato comum hoje em dia. Construíram cidades e templos pagãos; seu deus foi, como hoje, o dinheiro. Sua vida era idêntica à da época atual e apenas curta.
Outra coisa se dava com os filhos de Deus. Habitavam so- mente as montanhas, e mui raro se dirigiam aos vales, vivendo sim- ples e naturalmente. Não havia cidades, lugarejos, aldeias e casas, mas apenas enormes e limpos gramados, rodeados de árvores. Frente a estas, faziam de terra uma espécie de bancos, cobertos de musgo em direção dos troncos, proporcionando encosto e leito para dia e noite.
Seu alimento consistia de frutos bons e maduros, raízes sa- borosas e leite. Através de inspiração aprenderam, com o tempo, a confeccionar vários apetrechos caseiros, de ferro e outros metais; dedicavam-se à lavoura, preparavam a farinha de trigo, o pão e ou- tras coisas mais, tudo sem pompa, pois a finalidade lhes satisfazia inteiramente, e deste modo viveram cerca de dois mil anos na maior simplicidade, alcançando idade avançada.
Somente quando, pouco a pouco, se deixaram seduzir pela ostentação e beleza dos filhos do mundo foram por eles subjuga- dos como castigo, tornando-se escravos, com exceção dum pequeno grupo que, até Noé e até mais tarde, continuou fiel a Deus. A partir daí, tudo se modificou. Seu físico ficou reduzido e mais fraco, e sua existência raramente atingia cem anos, enquanto na era remota, às vezes alcançavam perto de mil anos.
Como sabeis, os primeiros habitantes da Terra, muito ma- terialistas, foram afogados pelo Dilúvio, que de tal forma cobriu a maior parte habitada e elevou as ondas formidáveis, provocadas pe- las tempestades e borrascas, acima dos cumes das montanhas. Deste modo, aniquilaram toda vida naquelas regiões, com exceção de Noé, sua família e os animais acolhidos em sua arca. Com ele iniciou-se nova era na Terra. Tendes com isto um quadro resumido, mas fiel, de seus primeiros habitantes, donde podereis concluir ser bom e útil o Meu Conselho quanto ao repouso em espreguiçadeiras.” (Relato extenso existe em “A Criação de Deus”, primeira obra transmitida por Jehovah a Jacob Lorber).
Diz Hiram: “Mestre da Vida e Senhor dos homens! Se a Ter- ra for tão antiga, quais foram as criaturas antes de nosso Gênero Humano? Não é possível ter ela existido deserta e vazia, isto é, sem finalidade, girando em torno do Sol até a vinda do primeiro ho- mem. Por certo é atrevimento meu perguntar-te tais coisas; mas vejo que tu e aquele jovem possuís certa onisciência, perdoando minha insistência curiosa.”
OSSERESPRIMITIVOSDA TERRA
Digo Eu: “Podes perguntar à vontade, pois as respostas con- terão a Verdade interna e incontestável. Presta atenção no que vou te dizer! Antes dos primeiros homens verdadeiros, houve seres — como também em inúmeros outros planetas idênticos — de forma semelhante à nossa. Houve muitas épocas terráqueas onde uma ge- ração findava, surgindo outra, aos poucos, algo mais perfeita.
Muito antes de tais gerações se revezarem, o que geralmente acontecia de sete mil em sete mil anos, posteriormente de quatorze em quatorze mil anos, foi a Terra coberta de vegetais nas regiões secas e, em seguida, habitada pouco a pouco por animais de sangue quente, pequenos e grandes. O reino dos invertebrados e trilobitas já existia muito antes da era vegetal, bem como o dos inúmeros insetos, da mosca e suas variações incontáveis, até as espécies primitivas dos
pássaros que hoje não mais existem. A mosca, o primeiro ser vivo em todos os planetas, é a mesma daquela era e o será para sempre.
Só quando a Terra se tornou mais rica em húmus e revolvi- da por seguidas erupções vulcânicas, colossais, que levantavam o solo duro debaixo d’água, surgiram as extensas cordilheiras. Quando — através de outras tempestades e maremotos, que determinaram maior espaço seco e probabilidades mais sólidas na vegetação a seres dotados de maior perfeição e inteligência — aí então surgiram criaturas na vida individual, através do Espírito Sábio, Eterno e Onipotente de Deus. Daí em diante se revezavam, como foi demonstrado, em eras incontáveis, sendo que uma geração mais perfeita expulsava a anterior.
Neste local que ora pisamos, elevando-se à altura de vinte ho- mens acima do nível deste pequeno mar, as águas o inundaram por milhões de vezes. Em seguida, surgia sempre o solo seco, embora de forma diversa; antes de decorrerem seis mil anos, ficará novamente submerso para, em outros nove a dez mil anos, achar-se outra vez seco, tal qual o vemos. Isto se dará na Terra até que ela, ou seja, sua matéria, tenha ingressado no espírito.”
Conjectura Hiram: “Mas que acontecerá com as criaturas numa outra inundação colossal? Afogar-se-ão todas?”
Respondo: “De modo algum: tais enchentes periódicas se dão vagarosamente, dando tempo a procurarem as partes mais para o Sul, onde o mar proporcionará zonas secas pela vazante, atirando suas águas mais para o Norte. E isso se repetirá ora atingindo o Nor- te ora o Sul. Assim, ninguém corre perigo, porque Meu Espírito os insuflará a tomarem as medidas necessárias. Compreendes?”
Diz Hiram: “Tenho uma leve ideia; para chegar-se a uma compreensão exata de condições naturais jamais imaginadas em re- lação ao Cosmos e sua ordem, preciso é um intelecto mais educado que o meu! Creio tudo que dizes; pois Aziona me confirmou que teu espírito se acha unido ao poder e penetra o conhecimento pleno do Espírito Divino — o que tampouco posso conceber, mas o acredito pelas provas que nos facultaste. Talvez ainda virá uma época onde nossa compreensão seja mais apurada.”
Manifesta-se Aziona: “Sábio — incompreensível e inédito; acaso existem no Espaço Infinito outros mundos habitados por cria- turas com a mesma incumbência que nós?”
Respondo: “Amigo, analisa o teu corpo e descobrirás quan- tidade de órgãos diversos. Poderiam ter todos a mesma finalidade?! O cérebro e o estômago, olhos e ouvidos, pés e mãos, nariz e boca?! Muito embora o corpo humano consista de inúmeras partículas, ar- tisticamente reunidas, não haverá duas, juntas e idênticas, formando o mesmo órgão, de igual consistência e finalidade.
Tomemos dois nervos isolados: recebem o mesmo alimento e são animados pelo idêntico fluido de vida, e sua tarefa consiste em conservar e fazer crescer dois cabelos. Poderia se afirmar terem tais simples nervos a mesma semelhança, porque são de origem e efeito idêntico. Mas não! Assemelham-se tampouco como homem e mulher; razão pela qual seu organismo interno é completamen- te diverso.
Conjecturas o seguinte: Neste caso, devem dois nervos mas- culinos e dois femininos terem a mesma forma. Afirmo-te: Nem tanto quanto pensas. Se assim fosse, deveriam todos os cabelos sur- gir no mesmo ponto, ou um nervo masculino não produziria um fio tão logo não estivesse na mesma linha dos demais. Poderia até acontecer que a tendência assimiladora, necessária e condicionada pela Natureza, se tornasse mais forte dentro dos nervos capilares, ul- trapassando a ordem. Qual seria o efeito? Poderias em breve contar os teus cabelos!
Conquanto seja tal fenômeno involuntário, deriva das ten- dências desordenadas duma alma sensual e materialista. A inclina- ção assimiladora é necessária à procriação e conservação, manifes- tada pela Natureza; no excesso para cima ou para baixo da medida prescrita, ela se torna destruidora.
Suponhamos não haver o menor estímulo tentador entre os sexos de animais e irracionais — e a procriação da vida teria chegado
a um término. A completa ausência da atração seria evidentemente a morte da vida natural. De modo idêntico, é o excesso de tal estímulo a destruição da mesma e da vida psíquica.
7. A vista, por exemplo, tem a tendência assimiladora pela luz; se não for mantida dentro dos limites, começando a criatura a olhar constantemente o Sol, ela ficará cega, pelo excesso proporcionado. O mesmo acontece com todos os sentidos.
O recíproco estímulo de assimilação só pode ser mantido num justo equilíbrio através de leis dadas à psique livre, pelas quais poderá organizar, de passo firme, sua vida natural. Claro é que tais leis só poderão ser dadas de modo benéfico por Aquele Que criou Céus, espíritos, Sol, estrelas, Lua e Terra com tudo que nela existe. Isto sempre foi feito por parte do Criador; houve, porém, poucos que consideraram tais leis a rigor. Os que assim agiram colheram as bênçãos temporárias e eternas; os preguiçosos, descrentes e menos- prezadores só registraram o contrário para si e para os outros.
Desta explicação se evidencia que no Universo Infinito não existe umcorpo que tivesse a mesma finalidade da Terra, isto é, a mais elevada, e para tanto, idêntica organização interna e externa.”
DIFERENÇA DAS CRIATURAS DA TERRA E DOSOUTROS MUNDOS
(O Senhor): “Em todo Cosmos encontrarás criaturas mais ou menos parecidas com as daqui, bem como animais e plantas; estes, de modo algum com tanta variabilidade, pois lá só existem poucas espécies. Os homens não vivem livremente, mas dentro duma or- dem imposta, agindo antes pelo conhecimento instintivo, do que através das experiências!
Nos extensos corpos solares existe em seus anéis e planícies tudo correspondente nos seus planetas e manifesta-se também gran- de saber entre as criaturas dotadas do dom da palavra; mas tudo isto é algo instintivo e dadivoso, sem se basear na conquista duma atividade livre.
Por isto lá não há mérito, assim como aqui não há mereci- mento de uma abelha construir a artística colmeia, colhendo para tanto o material das flores; ela se apresenta a qualquer pesquisador antes o instrumento duma inteligência espiritual do Além, do que um ser dotado de livre vontade. O mesmo se dá com as criaturas em todos os outros mundos, se bem que sua forma externa, às vezes, seja incomparavelmente mais linda e nobre que a daqui.
Todavia, é o conhecimento instintivo dos habitantes de ou- tros planetas superior ao dos irracionais da Terra, porquanto pos- suem um recôndito de vida onde sentem uma espécie de livre noção, pela qual reconhecem um Espírito Divino e Lhe dedicam devoção, correspondente à individualidade do planeta que habitam.
A maioria dos irracionais terráqueos tem mais ou menos uma espécie de faculdade psíquica que lhes indica a liberdade de sua alma, razão por que pode ser domesticada e aproveitada em certos serviços — mas não pode ser comparada à alma dos habitantes de outros mundos. Julgo ter respondido tua pergunta à altura de tua compreensão. Estarás bem informado?”
PESQUISANDO SATURNO
Diz Hiram: “Estamos bem orientados, porquanto te acredi- tamos, palavra por palavra! Dando impressão de ser tudo possível, certamente serias capaz de nos proporcionar a análise dum outro mundo — ao menos a Aziona e a mim, para em seguida darmos testemunho aos outros.”
Respondo: “Nada mais fácil, conquanto não seja possível com a visão física; por isto, unirei os olhos de vosso espírito aos de vossa alma e do corpo. Naquela direção vedes uma estrela bem gran- de e de luz forte — é o planeta Saturno. Fixai nele vossos olhos, e o vereis aumentar rapidamente, até que tereis a impressão de estardes em cima dele. Chegando tal momento, podereis relatar o que vedes.”
Os dois amigos começam a fixar a estrela, que aumenta de modo rápido. Dentro em pouco divisam seu anel e várias de suas
luas. Não demoram elas a crescer ao tamanho da Lua terráquea, enquanto o planeta se apresenta numa grandeza e majestade res- peitável. Sua grande admiração ultrapassa os limites, expressando-se de viva voz.
Achando-se mais próximos da primeira lua, entretanto a mais afastada do planeta, Hiram exclama: “Que mundo enorme — mas estéril! Apresenta criaturas, flora e fauna; mas tudo atrofiado, e as pessoas não transpiram inteligência, nem beleza. Os irracionais são escassos e de aspecto curioso; a flora, muito monótona e sem viço. Realmente, não me agrada!
Eis que surge outro mundo — menos aprazível, e mais outro! Este seria apreciado por Diógenes! O quarto, idem! Eis o quinto, tudo em escala menor; a parte habitável, no entanto, mais atraente que a dos outros. As criaturas diminutas pulam quais macacos e nada se vê de habitação. Os animais e plantas são raros. Aí já vêm o sexto e o sétimo pequenino mundo. Que monotonia!
Epa! Agora surge um colosso, parece não ter fim! (Trata-se do anel externo). Dá a impressão de continuar sempre em linha reta. Que encanto! Vastas cordilheiras se estendem; vê-se uma quantidade de lagos e rios, e as criaturas e plantas se assemelham com as nossas. Mas não parece haver sombra de cultivo. As pessoas esquisitas e gi- gantescas parecem desconhecer alegria. Não se veem casas e muito menos, cidades.
Eis outro monstro dum mundo; dá impressão de estar um dentro do outro — sem contudo haver grande diferença entre eles. Eis outro quase parecido. Quantos haverá ao todo? Neste último os pequeninos seres são quais fantasmas — e o mundo é estéril e sem lavoura. Deus nos livre vivermos lá!
Eis outra amostra, sem vestígio de vida. Mas, agora, surge um que impõe respeito!” Tais exclamações perduram durante meia hora; em seguida faço os dois voltarem ao estado normal, conservan- do-lhes a memória completa em sua alma e cérebro, e pergunto-lhes se apreciaram a visita a Saturno.
E Hiram responde: “Ó Senhor, pleno de Onipotência e Sa- bedoria! Foi algo inédito! Pois o último mundo, isto é, o do centro, estava cheio de milagres grandiosos, apenas o tamanho de seus habi- tantes era tão colossal, que nos sentíamos quais camundongos perto dum elefante. Na mesma proporção era todo o resto, mormente nas alturas, enquanto nos vales o cultivo se assemelhava ao nosso. Des- crever tudo que vimos, cem anos não seriam suficientes.
Agora também compreendemos ser nossa Terra a única des- tinada a abrigar criaturas verdadeiras, semelhantes a Deus, e seres tu compenetrado do Espírito Divino, do contrário não poderias nos apresentar Saturno para nossa análise. Senhor e Mestre — conhecer quem tudo isto criou seria muito mais do que continuarmos donos daquela visão milagrosa, facultando-nos a visão de todos os inúme- ros astros!
Por isto pedimos a ti e a este jovem proporcionar-nos o co- nhecimento do Criador do mundo material e espiritual, para termos uma noção Dele; além disto, devemos saber como nos portarmos para merecer a Graça de Sua Filiação. Somos homens conscienciosos e de vontade irredutível; o que aceitarmos e defendermos jamais será abalado, mesmo por outros conceitos.”
Digo Eu: “Chegamos finalmente ao ponto que Me trouxe junto de vós; ireis conhecer o Criador de todos os Milagres, não só ligeiramente, mas de modo completo, bem como Sua Vontade facilmente cumprida, porquanto apenas pelo cumprimento pleno da Mesma todas as criaturas se tornam filhos de Deus, dotados com os dons da Sabedoria e Força do Ser Supremo. — Há pouco venti- lou-se a questão do Messias judeu; desejava ouvir vossa opinião livre e desembaraçada.”
Após ter refletido alguns instantes, Hiram diz: “Li tudo a res- peito em livros judaicos; apresentavam cunho tão peculiar e cheio de quadros místicos, que nada compreendi. Oportunamente procurei
informar-me com judeus cultos, e logo me convenci não saberem mais do que eu.
De certa forma é cada povo desta Terra mais ou menos au- tocriador de sua religião, hábitos e costumes, excetuando-se algu- mas revelações do Alto, e isto parece ocorrer com os judeus. Nove décimos dum povo passa miséria e talvez o resto poderá afirmar ser a vida suportável, com exceção da morte. Por isto, só resta vivificar de qualquer forma sua fé, consolando-o com esperanças surgidas da fantasia, com o Elysium no Além, ou talvez com um Salvador idên- tico à Divindade. Nesta esperança, as gerações vêm e vão, sem algo conseguirem de definitivo. Não critico a questão em si; mas, a meu ver, não pode ser da forma que imaginam as criaturas.”
CONCEITODEHIRAMQUANTOAO MESSIAS
(Hiram): “Um verdadeiro Messias Mundial seria o único meio pelo qual os homens conseguiriam o conhecimento próprio e, em seguida, de Deus, como base sábia, onipotente e amorosa de todo Ser, facultando tal noção à posteridade. O prejuízo do mundo consiste não ser possível se conservar puro um ensinamento no de- correr de quinhentos anos, porque surgem inúmeras variações ela- boradas pelo sacerdócio, que em absoluto quer trabalhar, mas dou- trinar e dominar apenas, levando vida fácil. Os exemplos da História falam por si da maneira pela qual essa casta conserva uma religião. Por isto opino, sem pretensão, que um homem como tu e também este jovem (João) bem poderia ser o Messias, porquanto tendes a necessária sabedoria e o poder subsequente.
Tal empreendimento exigiria grandes preparativos; primeiro, o aniquilamento das criaturas perversas; segundo, extinção total de todos os templos, escolas, casas de oração, sacerdotes e doutrinadores. Não poderia subsistir a menor sombra do atual estado de cultura. Só poderiam permanecer homens como vós e vossos discípulos, sendo a maior incumbência a conservação e o prosseguimento de vossa dou- trina. Qualquer outro meio de reparo e remendo não surtiria efeito.
Por certo haverá alguns grupos que aceitarão e assimilarão por algum tempo vossos ensinamentos; mas, em breve, déspotas en- raivecidos os atacarão — como vimos há pouco acontecer convos- co — ou as comunidades apresentarão novos doutrinadores, onde surgirão os sacerdotes atuais.
Antes de tudo, necessário é, na aceitação benéfica de vossa doutrina, uma completa transformação da índole humana e a re- núncia de vantagens materiais. Jamais deveriam os homens estender suas necessidades além dos instrumentos agrícolas; mas como isto seria possível no atual estado de cultura? Quem desistiria de seus inúmeros interesses mundanos?
Se teus ensinamentos puramente divinos forem semeados em tal lodo material, estou ansioso por ver a quantidade de joio que daí germinará. Se possuíssemos país próprio, afastado do mundo e de seu contágio, seria possível mantê-los inalterados por muito tempo.
Eis meu parecer a respeito do Messias. Posso ter caído em erro. Mas tuas próprias palavras afirmando ser somente possível cada criatura alcançar sua perfeição através da ação individual ínte- gra e irrepreensível conduta em sua vida psíquica, de fato só necessi- ta dum Messias igual a ti, isto é, pleno do conhecimento verdadeiro em todas as fases da vida. Todo resto é fantasia e isento de verdade, qual roseira cheia de espinhos e flores, porém sem frutos.”
MESSIASE SALVAÇÃO
Digo Eu: “No todo, concordo com tua explanação; somente tua exigência quanto à fundação, divulgação e conservação de tal Doutrina é um pouco drástica, embora contenha algo de aceitável.
No tocante à extinção dos homens e de suas obras, tal fato já ocorreu em época de Noé, excluindo poucos; Moysés descreve o acontecimento, conquanto simbolicamente, onde qualquer sábio e entendido na arte da interpretação encontrará a ocorrência históri- ca. Como era a Humanidade um século mais tarde, não obstante originar-se do sábio e beato Noé?!
Em tempos de Abraham foram arrasadas Sodoma, Gomorra e as dez cidades adjacentes, através de fogo e enxofre vindos do Céu, em virtude de seus vícios horripilantes — de sorte a não deixarem vestígios. Naquele local vê-se hoje o Mar Morto, inabitável pelos peixes e os próprios pássaros evitam sobrevoá-lo.
Em época de Moysés o pervertido Egito foi durante anos assolado pelas sete pragas, destruindo dois terços entre homens e irracionais; todos os israelitas que alguns séculos antes, como irmãos de José, para lá emigraram em grande miséria, padecendo toda sorte de opressão e perseguição por parte do Faraó, foram, como os me- lhores trabalhadores desse reino, de lá afastados, de sorte que todo país caiu na maior pobreza e anarquia. Pouco a pouco ergueu-se de novo, tornou-se rico, forte e poderoso, razão por que foi novamente castigado por guerras, fome e peste. Faze tuas observações e verás ser hoje igual aos outros.
Por aí compreenderás não ser tão benéfico o extermínio da Humanidade pervertida; pois a perversão dum homem como também do Gênero total não se origina, como pensas, tanto em sua inclinação maldosa, mas na tentação de sua alma, necessária à vida, e na vontade fraca em querer se movimentar nos cami- nhos da luz.
Como inatividade e calma muito agradem à psique, ela pro- cura ajudantes e empregados que trabalhem ou ao menos lhe aju- dem. Deste modo se torna abastada, rica, poderosa e começa a im- por e emitir ordens em seu próprio benefício. Assim, ela em breve se torna delicada, sem vontade para o trabalho, dando motivo à per- versão dos hábitos de povos inteiros, que deste modo são afastados do espírito para a matéria.
É, portanto, a preguiça ou a crescente tendência à inércia o início de todos os pecados, e tal tendência da alma humana é precisamente aquele espírito maldoso que a Escritura denomina de ‘satanás’. Nisto se baseia também o pecado original, do qual todas as criaturas padecem, podendo somente libertar-lhes o Verdadeiro Messias, Vindo dos Céus, cheio de Vida e mais sublime atividade.
Todos os sábios desta Terra sabiam existir um pecado origi- nal, sem conseguirem descobrir no que consiste e como combatê-lo. Eis a tarefa do Messias: libertar para sempre e através do ensino e ação as criaturas desse mal, cujo fruto é a morte da alma.
A salvação será apenas verdadeira e eficiente se a criatura apli- car estrita e fielmente os recursos demonstrados — do contrário, será a mesma pessoa maldosa após a Vinda do Messias; Ele, vindo dos Céus, a ninguém libertará de seu pecado mortal, a não ser que tenha vivido tal qual prescreve Sua Doutrina, e ninguém aguarde certo fato milagroso para tal fim.
Se bem que operará grandes Milagres para dar testemunho de Si, eles não serão de benefício especial à alma propriamente, mas apenas servirão para despertar a fé e estimular a psique à atividade, dentro da Doutrina.
É o Messias Semelhante a um mordomo bom e rico, que prepara uma grande ceia; envia seus servos e empregados a todas as aldeias, estradas, ruas e ruelas, fazendo convidar a todos para dela compartilharem. Sua Voz será ouvida pelos pobres e ricos, simples e importantes, fracos e fortes, incapazes e poderosos. Todos que vie- rem serão saciados; os outros não serão coagidos! Se vierem ou não, pouca diferença fará ao mordomo; mas a bênção da grande ceia só receberão os que aceitarem o convite.
A Grande Ceia será precisamente a Doutrina do Messias. Quem ouvi-la e aplicá-la será um justo participante da mesma, re- cebendo a bênção plena; quem ouvi-la sem praticá-la será idêntico a alguém frente a u’a mesa bem-posta, mas que não prova seus pratos, tampouco se preocupa se for convidado ou não. Eis o Messias como é e será para sempre! Que Me dizes?”
EXPLICAÇÃODOPROBLEMA MESSIÂNICO
Diz Hiram: “Defendes a minha tese; pois a Humanidade tem que ser instruída na Verdade plena e estimulada à ação rigorosa, para se libertar do grande mal de herança chamado ‘ócio’ e de seus sub-
sequentes derivativos físicos e psíquicos. Para tal fim não haveria pessoa mais indicada que Tu, pois conheces o mal desde sua origem. Posso estar errado, mas julgo que outro Messias qualquer não seria capaz de apresentar ensinos diferentes, porque sabes de todas as situ- ações e ‘porquês’ no mundo e, além disto, Te obedecem as forças da Natureza, os espíritos e elementos variados. A nosso ver sois Tu e este jovem verdadeiros Messias. Se isto não satisfizer aos demais habitan- tes do orbe, poderão importar um outro da Índia, Pérsia ou Egito!
Quanto à Tua Doutrina como princípio de vida, de alma e corpo desta Terra, creio tê-la compreendido em suas bases: Amar a Deus, isto é, a Ti, levando-me ao sentimento verdadeiro e desinte- ressado do próximo sem exceção de classe — é a pedra fundamental onde se parece equilibrar todo sistema de vida. Partindo deste prin- cípio e agindo com todas as energias disponíveis, o homem em breve terá alcançado a libertação do vício principal. Falei certo ou não?”
Digo Eu: “Sabia que haverias de encontrar teu equilíbrio es- piritual; pois um verdadeiro sábio é, para o homem ignorante, um verdadeiro Messias, isto é, Mediador (Messias) entre a pura razão e a sabedoria divinamente espiritual. A razão, portanto, encontra somente pelo Messias ingresso à Sabedoria Divina, unindo-se a ela.
Quanto mais sábio o Mediador, tanto melhores resultados obterá com seus alunos; e caso esses caminharem constantemente na trilha do espírito, permanecerão na luz, conquistando a vida da mesma. Nela não mais haverá morte, porque a vida da luz espiritual é a Verdade eterna, imutável e indestrutível, pois dois mais dois se- rão quatro para sempre.
O mesmo acontece às verdades espiritualmente divinas, provin- das do Céu: são eternas e, de certo modo, a própria vida, porque sem vida não seriam verdades; uma alma inteiramente integrada em tais verdades jamais será atingida pela morte, pois tem como luz e verdade a própria vida dentro de si, como efeito natural dum mediador genuíno.
Por tal motivo, caro Hiram, tens razão considerando-Me um justo Mediador e Salvador. Na Escritura, porém, consta ser o Me- diador Prometido filho do Altíssimo! Neste caso, um simples filho
da Terra não seria suficiente para justo e grande Mediador entre a Humanidade perdida e o Espírito do Ser Supremo! Teria na certa uma faculdade divina, oculta dentro de Si, manifestando-se quando necessário; qual é tua opinião?”
HIRAMDÁTESTEMUNHODE JESUS
Diz Hiram: “Acaso isto não se dá Contigo?! Quem como Tu é dotado de todos os predicados divinos não pode ser destituído da Natureza divina, portanto é um Filho Verdadeiro do Altíssimo. O Ser Supremo deve sentir a máxima alegria com tal Filho, que por este regozijo estará em estreita união com Ele.
Deus, o Espírito Onipotente, Pleno da mais profunda Sa- bedoria, só Se pode alegrar com Aquele que Lhe é Semelhante no máximo grau. Isto se dá Contigo, a ponto de seres em espírito Ele Mesmo! Assim sendo, também podes ser o Mediador de todos os povos, não obstante nos teres procurado neste reduto oculto, como se fôssemos as únicas criaturas da Terra, cuja elevação espiritual fora Teu Único empenho.
Deste modo, Senhor e Mestre, expus meu parecer quanto ao Messias em geral, particularmente e no que diz respeito à Tua Pessoa, e Aziona concorda comigo.
Como pagão de nascença, sei da religião judaica somente aquilo que ouvi por parte de Aziona e outros judeus. Seu assunto mor gira em torno dum Messias em virtude da opressão romana, e compreende-se imaginarem-no sob quadros ridículos. Mas não será preciso a vinda do Messias por causa dos romanos, de certo modo protetores dos pobres, de quem os templários de há muito teriam sugado a última gota de sangue.
Precisamente por tal motivo é necessário um Salvador de Tua Espécie, como Protetor dos oprimidos. Até aqui falei, Senhor e Mes- tre; pedimos que nos dirijas também algumas palavras!”
Respondo: “Confesso não ter muito assunto, porquanto vós ambos assimilais tudo do ponto de vista certo, impedindo-Me
prosseguir em explanações. Realmente, não encontrei raciocínio tão claro em toda Israel! Sou, em Verdade, Aquele por vós descoberto. Por ora somente vós encontrastes a salvação de vossa vida; existem, porém, muitos neste lugarejo. Como ireis agir? Não podeis transmi- tir a Verdade de modo abrupto, para não prejudicar o livre arbítrio alheio; por que via iniciareis?”
Diz Aziona: “A questão é realmente crítica, por serem aquelas pessoas mais cínicas que nós. Mas com o tempo virá solução. Na questão de fé, acho ser mais fácil tratar-se com pessoas inteligentes do que com as de crença fácil, que aceitam de pronto qualquer con- ceito sem poderem analisar o problema. Nossos conterrâneos não compram ‘gato por lebre’, mas examinam a mercadoria à luz do Sol; quando conseguirem formar opinião favorável, aceitam-na por qualquer preço. Assim, cremos chegar a um bom termo com nos- sos amigos.
A aurora já começa a se manifestar e dentro em breve haverá grande movimento na barra, pois aqui é preciso começar-se a pesca antes do Sol; durante o dia não vale a pena empregar-se grande es- forço. Os vizinhos já preparam os apetrechos de pescaria, portanto também temos de nos aviar, a fim de conseguirmos o necessário para o almoço. Como durante a noite fomos agraciados com tanta coisa maravilhosa para nossa alma, é nosso dever tratarmos da refeição como efeito duma atividade dobrada.”
Digo Eu: “Deixai esta preocupação; não faltarão os peixes in- dispensáveis. Querendo fazer alguma coisa, recolhei lanças, espadas e correntes espalhadas pelo terreno e guardai-as; em seguida, esvaziai o navio de seus tesouros. Ele poderá ser aproveitado para pescaria em alto mar. Trazei-Me os dois pescadores, a fim de que recebam orientação acerca de sua futura conduta.”
Hiram e Aziona levam os denunciadores junto do Senhor e, em seguida, acordam seus familiares que, muito admirados com a grande presa recolhida, fazem várias conjecturas. Os dois amigos, porém, dizem: “Agora trata-se de trabalhar; a explicação virá depois!”
Todos põem mãos à obra e, dentro em pouco, concluem a tarefa. — A seguir levam os apetrechos de pesca a bordo e os filhos já crescidos de Aziona e Hiram se entregam ao ofício, conseguindo em breve grande número de peixes de qualidade, quase enchendo os depósitos d’água.
Entrementes, falo de modo incisivo aos denunciadores no sentido de jamais, mesmo por todos os tesouros do mundo, prati- carem a menor denúncia contra alguém. Apontando-lhes um barco velho, porém aproveitável de Aziona, mando que se afastem; não deveriam contar de onde vinham e o destino do grande navio. Seus primitivos donos não mais viviam, e os novos o conquistaram legal- mente com toda carga.
Ambos Me agradecem e prometem tudo fazer até o fim da vida, e embarcam rapidamente. Levam várias horas para chegarem à casa, onde são mal recebidos pelas mulheres por não trazerem di- nheiro. Assim tiveram que pescar durante uma semana para equili- brar o prejuízo. Embora fossem importunados com muitas indaga- ções quanto à sua ausência — eles nada deixam transparecer.
Após terem tudo organizado, Hiram e Aziona Me agradecem pela presa valiosa e indagam quanto ao almoço. Eu lhes digo: “Tra- zei o que tiverdes: peixes, pescados hoje cedo, pão e vinho; mas que seja suficiente para poderdes convidar os vizinhos. Durante a refei- ção abordaremos vários assuntos importantes. Dar-vos-ei orientação como converterdes os outros, facilitando-vos a tarefa. Enquanto tra- tardes de tudo, descansarei uma hora com Meus discípulos.”
Em seguida, os dois amigos vão à cozinha e determinam o que Eu pedira, para depois se dirigirem aos vizinhos ainda ocupados
com a pesca. Admirados e alegres pelo convite, manifestam igual- mente sua estupefação pela pesca abundante, que os livrará do tra- balho pelo espaço dum mês, podendo assim consertar suas cabanas.
Diz Aziona: “Isto será tanto mais fácil porque arranjamos du- rante a noite, enquanto dormistes, uma quantidade de instrumentos de carpintaria.”
Os outros então perguntam o que havia sucedido de madru- gada, pois ouviram, mesmo dormindo, gritos e choro. Também ti- veram a impressão de ter havido forte iluminação. Alguns se haviam levantado para ver o que se passava — mas os montes de pedregulho entre as cabanas não lhes permitiram descobrir o motivo da gritaria. Por isto se mantiveram calmos, vigiando seus lares e filhos, pensan- do como de costume: O dia nos trará explicações!
Concorda Hiram: “Realmente, irmãos! Esta noite foi inédita! Durante a refeição sabereis o motivo. Aprontai-vos, que falta pouco para servi-la!”
Adianta-se um vizinho, dizendo: “E os gregos e judeus que chegaram ontem de navio — foram embora? Foi o barulho provo- cado por eles?”
Responde Hiram: “Deixa isto para mais tarde! Aqueles es- trangeiros são nossa felicidade, criaturas de caráter nobre e elevado; compartilharão do almoço e talvez fiquem alguns dias. São de certo modo quais deuses perfeitos, mui sábios e senhores sobre todas as forças da Natureza. Não precisais temê-los; são muito bons e simpá- ticos, fazendo apenas o Bem ao próximo.”
PREPARATIVOSPARAA REFEIÇÃO
De pronto todos se encaminham em nossa direção. Encon- trando-nos ainda dormindo na frente da cabana de Aziona, um de- les diz: “Ah — estão dormindo; nesse caso poderemos voltar à casa para determinarmos o trabalho do dia!”
Diz Aziona: “Ora, deixa estar; o pessoal saberá o que fa- zer. Meus amigos disto se incumbirão, assim como ontem cui-
daram de todas as cabanas para que tivessem fogo no fogão e sal suficiente!”
“O que?”, diz um vizinho, “os estrangeiros teriam feito isto?! Ah, devem ser magos excepcionais! Certamente nos conheceram du- rante nossas viagens e aqui vieram para socorrer-nos, após se terem inteirado em Cesareia a nosso respeito.”
Diz Aziona: “Bem sabem de todas as nossas ações, sem nunca nos terem visto, e além disto não são feiticeiros conforme também pensei no início. No decorrer do dia chegareis a saber o que real- mente são. O Mestre é algo inédito desde que existe o mundo. Por enquanto é só; irei à cozinha para ver em que pé está o almoço.” Em lá chegando, ele encontra seu pessoal atarefado no preparo dos pra- tos, o fogo arde alegremente e todas as grelhas, panelas e frigideiras estão ocupadas com peixes, aos quais se havia tirado as espinhas, à moda oriental. Temperos aromáticos não faltam e a despensa está cheia de pão, inclusive vários jarros e outras tantas vasilhas, como presa do navio, estão repletos do melhor vinho. Aziona tão satisfeito está que exclama: “Rendo-Te todo louvor e honra, Senhor, pois isto tudo é unicamente Tua Bondade e Poder!” Ouvindo isto, sua mulher pergunta a quem ele se refere, pois se julgavam livres e sem patrão.
Responde Aziona: “És mulher, portanto ignorante e só entendes de preparar peixes. Quem nos proveu de tudo? Nosso Senhor e maior Benfeitor! Nada mais perguntes e vai trabalhar!” Ela se cala, sabendo que em tais ocasiões não conviria insistir; no entanto, a expressão “senhor” não lhe sai do coração, dando mo- tivo a reflexões.
AZIONAEHIRAMEMPALESTRACOMOS VIZINHOS
Neste meio tempo, Aziona se junta aos vizinhos, acomodados na relva. Hiram pergunta se tudo está pronto e se conviria despertar-
-nos para o desjejum. E Aziona responde: “Creio ser isto desnecessá- rio com esses homens, pois seu espírito sempre alerta jamais dorme e sabe de tudo que acontece, portanto estará informado da hora exata.”
Fala o outro: “Tens razão; são mais vigilantes no sono do que nós acordados! Por isto esperemos!”
Opina um vizinho: “Hiram, achas que ouvem e veem no sono o que se passa a seu redor?”
Responde ele: “Não só isto, mas tudo que acontece no mun- do, no Infinito, o que se deu há Eternidades e o que sucederá daqui a outras tantas!”
Diz o vizinho: “Amigo, não teria o excessivo calor do Sol atacado o teu cérebro?! Tuas palavras são tão confusas que todos nós começamos a ter pena de ti! Quem entre os mortais poderia ter uma ideia do Espaço Infinito e da Eternidade?! Esses homens tampouco quanto nós — e muito menos dormindo!
Se realmente existe um Ser Supremo inteiramente orienta- do em tais problemas — eis uma pergunta que sábio algum pode- ria responder. Muito se discutiu a respeito na Escola Superior de Athenas que frequentei, mas sempre sem o menor resultado. No final das controvérsias chegava-se à conclusão ser o maior triunfo dum sábio confessar que nada sabe, não chegando ao primeiro grau do templo onde a deusa da sabedoria guarda seus tesouros sob sete véus. Deixemos isto; os amigos começam a despertar e não convém encontrar-nos em discussão sobre problema do impossível!”
Diz Hiram: “És grego enraizado e julgas ter sido meu cérebro avariado pelo Sol; mas te enganas! Espero que dentro de duas horas venhas a mudar de pensamentos. Só te será possível formares uma ideia dessas pessoas quando tiveres com elas privado. Não sou uma vara ao vento, tampouco nosso chefe Aziona; entretanto, mudamos completamente, renunciando a Diógenes. Por certo acontecerá o mesmo contigo e outros mais. Eis que Se levanta o Mestre, e convém saber se deseja tomar algo.”
Respondo: “Espera até que o Sol surja no horizonte!” Os dis- cípulos também se erguem e alguns vão à praia para se lavarem; Eu não o faço e Aziona pergunta se desejo água para tal fim.
Digo Eu: “Amigo, toda essa água veio por Mim; acaso deve- ria lavar-Me com ela? A fim de evitar aborrecimentos, podes trazer-
-Me um jarro com água da fonte!” Aziona se apressa por encontrar um cântaro vazio, mas em vão; todos estão cheios de vinho!
Encabulado, volta junto de Mim, expondo-Me seu em- baraço. E Eu lhe digo: “Ora, nesse caso, lavar-Me-ei com vinho; traze-Me qualquer recipiente.” Aziona obedece e Eu Me lavo com vinho, cujo especial aroma toca as narinas dos hóspedes, e alguns dizem: “Nem os patrícios de Roma vivem deste modo, pois nunca vimos alguém banhar-se em vinho, se bem que em óleos aromáticos e águas perfumadas!”
Quando devolvo o jarro a Aziona, ele está novamente cheio, embora tivesse dado impressão Eu ter gasto até a última gota. Ele chama a atenção dos vizinhos, que quedam perplexos.
EPIPHÂNIO,O FILÓSOFO
O vizinho que havia trocado palavras com Hiram acerca do Infinito e Eternidade, e se chama Epiphânio, lhe diz: “Eis uma peci- nha genuinamente persa! Só não compreendo onde Aziona foi bus- car vinho e cântaro tão preciosos!”
Diz Hiram: “Ora, tudo isto são milagres da Vontade Daquele que acaba de Se lavar com o vinho! Não ouviste Sua resposta a Azio- na, quando este Lhe perguntou se desejava água?”
Responde Epiphânio: “Sim, ouvi a resposta, que aliás teve bem o timbre dum mago. Entendem eles apresentar-se quais cria- dores dos elementos e andam num nimbo divino. Tu mesmo viste em Memphis com que empáfia os magos davam seu espetáculo. No fim, quase nos deixaram tontos e com inclinação de adorá-los. Aqui apenas me intriga o vinho. De onde Aziona o conseguiu?”
Fala Hiram: “Não me deixaste terminar. Justamente este Ho- mem disse a Aziona: Toda água de Céus e Terra provém de Mim; como poderia servir-Me dela? O vinho foi por Ele criado através da
Vontade, primeiro pela água e depois do próprio ar, porquanto o jarro estava vazio. Que me dizes a isto?”
Retruca Epiphânio: “Bem, é realmente extraordinário! Cer- tos hindus têm poder incomum em vontade e olhar, de sorte a do- minarem animais ferozes, como também dirigem ventos, nuvens e raios. Ignoro se conseguem transformar água em vinho; sei que a transformam em sangue, e a chuva em rãs e serpentes. Deixemos tais conjecturas, pois aí vem Aziona com a refeição!”
Todos se agrupam ao redor da mesa e, a Meu Pedido, co- meçam a se servir com prazer. Os peixes são logo comidos para dar lugar a pão e vinho. Ao saborearem sua boa qualidade, alegram-se e Epiphânio diz: “Começo a crer haver aqui certo mistério, pois nun- ca provei algo idêntico! Que vinho infinitamente bom!”
Respondo: “Fazes bem por repetir a expressão ‘infinito’, pois há pouco havias acusado Hiram andar ele com as funções cerebrais alteradas quando afirmou ser Meu Poder de Vontade uma Força que penetra o Infinito, quanto ao Espaço e Eternidade, na matéria; reu- nir Eu toda Força, Luz e Vida, e tudo que preenche Espaço, material e espiritualmente, surgiu de Mim. Que pensas disto? Que entendes de Infinito, Eternidade, Espaço, Tempo, Força, Luz e Vida?
Quando, Meu amigo, se diz a alguém andar de cérebro quei- mado pelo Sol, apenas porque se refere às capacidades inerentes a um homem excepcional, é preciso se tenha noções ainda melhores a respeito. Por isto, explica-Me o que pensas de conceitos tais!”
Com esta pergunta Epiphânio encabula; no entanto, diz: “Bom Mestre, fazer uma definição clara quanto àqueles termos é impossível a um mortal, pois evidencia-se a verdade ninguém ser capaz de dar o que não possui.
Como poderia o homem limitado conceber o Infinito? Poderá com o pensamento penetrar em todas as direções do Espaço Infinito; mas ele continuará, comparado ao total, no mesmo ponto que, à vista daquele, nada representa. Do mesmo modo, ninguém poderá medir o tempo para trás ou para frente, em virtude da limitação do seu ser.
De espaço e tempo limitados, bem se pode discorrer, por lhes sermos semelhantes. O mesmo se dá na compreensão da Força, Luz e Vida. Se bem que o homem possua tudo isto, jamais foi pos- sível a um sábio fazer uma definição exata a respeito; muito menos eu, que longe estou de ser sábio! Eis minha resposta, bom Mestre; ser-te-íamos mui gratos caso te fosse possível resolver tal problema.”
OHOMEMCOMOSER INDESTRUTÍVEL
Digo Eu: “Pois bem, vou tentá-lo; por isto, prestai bem aten- ção! Tua afirmação redunda em não ser possível ao limitado conce- ber o ilimitado. Entretanto, afirmo-te conter cada criatura fatores infinitos e eternos — assim como o Espaço que a envolve por toda Eternidade — e isto em cada fibra de seu corpo, muito mais na alma e especialmente no espírito.
Imagina a divisão, que atinge o Infinito, da menor partícula de teu corpo. Onde terá um fim? Calcula a capacidade procriadora de homens, irracionais e plantas?
Acaso já descobriste o limite que uma alma lúcida pode al- cançar pela elevação?! Ela já possuindo um campo de pensamentos infinitos — que dizermos do espírito eterno e divino dentro dela, que nada mais é que força, luz e vida?!
Justamente este espírito cria e ordena tudo no homem; a alma é qual corpo substancial, assim como o físico é o receptáculo da alma, até que nele tenha alcançado alguma consistência. Che- gado a tal ponto, ela se projeta mais e mais no espírito, portanto à própria vida; esta vida é em si uma verdadeira força, uma luz real, criando por si o Espaço, as formas e sua duração, e o tempo, tor- nando-os independentes. Como surgiram da vida plena de Infinito e Eternidade, comportam ambos dentro de si, para todos os tempos.
Por isto, ninguém poderá afirmar ser, como criatura, uma entidade limitada. Em todas as suas diminutas partículas ela contém Infinito e Eternidade, podendo portanto compreendê-los.
Quem julga ser sua existência restrita engana-se muito. Nada no homem é perecível, muito embora seu corpo se transforme den- tro da Lei, como acontece à matéria telúrica, por ser sua finalidade futura baseada no poder da pura vida, ingressando para sempre no Espírito Eterno.
Ainda mesmo se transformando, as inúmeras partes da ma- téria e do corpo humano não deixarão de existir, mas permanecerão eternamente numa forma espiritual, portanto mais elevada. Quem de vós poderia afirmar ter morrido criança, só porque não se lembra, como ancião, da época do berço?!
Tendes aqui um grão de trigo. Deitai-o na terra! Ele apo- drecerá, desaparecendo sua atual forma; da decomposição, porém, surgirá uma haste, em cuja ponta se formará uma espiga, contendo cem grãos. Quem poderia perceber tal força no grão, mas que existe forçosamente, do contrário não poderia produzir uma espiga com tantos grãos da mesma espécie?!
Também deitaremos na terra esses cem grãos, que produzi- rão no total dez mil grãos. E vede, os dez mil grãos, as cem espigas, tinham que existir espiritualmente dentro da semente original, que se achava naquelaque da Mão de Deus caiu no sulco fértil, pois do contrário não seria possível uma reprodução. Tendes aí novamente uma prova do Infinito e da Eternidade, existentes no simples trigo.
Conjecturais neste momento: Bem, isto acontece com uma semente deitada na terra; mas que fim leva aquela transformada em trigo, sendo ingerida como pão? Digo-vos: Terá destino mais favorável, por ser transferida numa vida mais perfeita, onde poderá multiplicar-se como parte integrante duma existência mais elevada, em inúmeras ideias, formas e projeções de vida. Somente a casca é expelida do corpo, tornando-se adubo mais puro da terra, onde se forma o espírito germinativo nos diversos grãos, atraindo a imor- talidade. O que ocorre à palha e casca dos vegetais se repete com o corpo humano, numa forma mais sublimada.
Assim sendo, o homem não contém algo de perecível e li- mitado, mas elementos transformáveis quando atingem certa finali-
dade espiritual; portanto, é bem possível ele conceber Infinito, Eter- nidade, Espaço, Tempo, Força, Luz e Vida, por tudo isto nele existir.
Depende naturalmente do ensino, como luz da alma. Fal- tando este, como ocorre na maioria das criaturas, há carência de tudo; a alma vê e compreende, sem esta inspiração, muito menos aquilo que tem dentro de si do que um cego, porque tudo que o rodeia é noite. Agora dize-Me, Epiphânio, se te foi possível assi- milar Minha Exposição. Fala sem receio, que em seguida te direi se consigo penetrar com Meu Espírito o Espaço e a Eternidade Infinitos!”
DÚVIDASDE EPIPHÂNIO
Diz Epiphânio: “Bom Mestre, tua explicação tem para mim o efeito dum raio! No momento, o caminho e a zona se aclaram; quando se prossegue, a escuridão é tanto mais forte. Sinto algum vislumbre e concluo por tuas palavras seres exímio naturalista e antropólogo.
A teu ver, o homem contém Infinito e Eternidade; se, com o melhor ensino, conseguir assimilar todos esses conceitos abstra- tos — eis outra questão. Não pretendo afirmar a impossibilidade a um espírito mui lúcido, pois os talentos são diversos, mas ninguém contestará não ser fácil se equilibrar nessas noções.
Pode o homem estudar e compreender muita coisa; adquirir, porém, uma noção clara acerca de conceitos cujos estudos levariam eternidades, pessoa alguma poderá esperar. A vida é curta e será pro- blemático o estudo da Eternidade.
Falaste algo duma centelha divina dentro da alma, e esta, localizada no corpo; sendo ela criadora do homem, equilibra-se no Eterno e Infinito, penetrando tudo com sua luz e vida. Isto soa mui profundo e místico, tal qual falavam todos os teósofos, sábios, sa- cerdotes e magos — mas não importa no caso. A questão é como conseguir entrar em contato consciente e ativo com o espírito, para se apresentar qual homem espiritualmente perfeito, tudo compreen-
dendo e assimilando pelo poder de sua vontade original, tornando-
-se senhor e mestre sobre toda Natureza!
Quem puder responder a tal questão dentro da verdade e de uso prático para a vida será alvo de meu respeito. Não deve bombar- dear-me com frases místicas, imprestáveis ao homem, levando a Hu- manidade ao obscurecimento intelectual em vez de para o Alto. Por que teriam tido Platon e Sócrates tão poucos seguidores práticos?
Foram místicos que não compreendiam a si mesmos, mui- to menos podiam ser entendidos por outrem! Diógenes e Epicúrio falavam dentro do raciocínio claro, razão por que tiveram muitos adeptos dum sistema que nada de agradável apresentava ao homem, finalizando sua vida com a morte.
Epicúrio foi rico e recomendava o bem-estar, porque a mor- te findava tudo. Vendo que tais conceitos só podiam satisfazer aos abastados, Diógenes procurou inventar algo prático, aconselhando a máxima renúncia e redução das necessidades, conseguindo muitos prosélitos, porque cada homem podia se equilibrar em suas ideias claras sem a menor mística.
Onde se encontra a grande Verdade da Vida, que às vezes apresenta momentos que nos levam a indagar: Seria isto tudo apenas jogo do acaso? Poderia a causa, como princípio produtor e ordena- dor, ser mais tola que suas obras, ou poderia uma força plenamente morta e cega formar um ser consciente e de pensamentos livres?
Os místicos apresentam um Deus Onipotente e Sábio — e milhões indagam: Onde está? Como é? Tais perguntas jamais rece- bem respostas. Lançando mão da poesia, os homens criam quanti- dade de deuses, grandes e pequenos, e as pessoas indolentes nisto acreditam, sofrendo morte dupla, pois se tornam física e moralmen- te ociosas, portanto inertes.
O verdadeiro sábio deve apresentar-se com a Verdade, demons- trando aos homens a base fundamental e a finalidade de sua vida, e deste modo construirá um monumento eterno nos corações oprimidos; pois a criatura verdadeira sempre aceitará a pura Verdade de mãos abertas.
Tu, caro amigo, pareces ser doutrinador de verdade e pro- vido das faculdades necessárias; responde-me às perguntas que até hoje ninguém soube explicar, que proporcionarás um bálsamo ao nosso coração!”
ANECESSIDADEDAFÉ VERDADEIRA
Digo Eu: “Prezado amigo, se já não tivesse a esse respeito dado esclarecimentos completos a Aziona e Hiram, satisfazer-te-ia de pronto. Assim, poderão eles elucidar-te e basta viverdes de acor- do, que vosso espírito vos revelará o que necessitais saber no mo- mento preciso. Contudo, não deveis dispensar a fé, pois sem ela a dificuldade de chegardes à meta seria maior.
A verdadeira fé consiste, antes de mais nada, em a criatura abrir-se com outra, experimentada e sincera, aceitando o que lhe disser como Verdade plena, muito embora não assimile, de momen- to, as suas profundezas.
Quem, por exemplo, quiser aprender matemática terá que acreditar em tudo no início; só pouco a pouco, quando tiver pene- trado no valor dos números, começará a compreender um problema após outro.
O mesmo se dá aqui! Se um homem sincero te tiver relatado algo de suas experiências, só poderás no começo acreditá-lo; mas, em seguida, empregarás tua fé na maneira demonstrada e por esta atividade farás tuas próprias experiências, que jamais te poderiam ser demonstradas através de explicações mais concludentes.
Alguém poderia dar-se ao grande trabalho de te descrever a cidade de Roma com todas as minúcias, sem que isto te propor- cionasse uma ideia real da mesma. Se deste créditos às palavras de outrem, elas despertam em ti o forte desejo de ver tal metrópole, empenhando todo zelo para tal fim. Dentro em pouco se apresenta a oportunidade, vais até lá, admirando suas magníficas construções
— todavia, bem diversas de tua imaginação!
6. A crença na descrição de Roma acaso te prejudicou durante a verdadeira viagem? De modo algum! Pois sem ela jamais terias tido o desejo de visitá-la; e caso lá chegasses sem conhecimento pré- vio, terias perambulado qual cego, sem arriscar-te a fazer perguntas, tratando de deixá-la quanto antes, de medo e tédio. Se não tivesses acreditado na descrição, não terias tido fé alguma; além disto, uma fé fraca não é em nada melhor que nenhuma fé, porque não anima a uma ação verdadeira.
Por aí vês não ser possível dispensar-se a fé — ao menos no início — ao se ouvir Minha Doutrina. Pode-se analisar as doutri- nas e suas bases, mas para tanto é preciso que se as tenha aceito como verdades de elevado valor, baseadas na autoridade do dou- trinador, até mesmo sem compreensão imediata; pois esta só surge pelo cumprimento daquilo que a doutrina impõe. Caso o efeito não se apresente, poderás declarar: A doutrina deve ser sem base ou as condições estipuladas não foram cumpridas por mim na íntegra! Eis chegado o momento duma explicação por parte do Mestre, a fim de saber se o fiel cumprimento dos princípios da nova doutrina ainda não surtiu efeito com outrem.
Se outros o conseguiram, com exceção de tua pessoa, a cul- pa estará contigo e conviria recuperares as perdas para alcançares o teu vizinho. Se, porém, pela mais rigorosa consideração dos deveres impostos, ninguém teve algum êxito, estaria em tempo de virar as costas à falsa doutrina.”
CRENDICEE SUPERSTIÇÃO
(O Senhor): “Ao lado da fé indispensável e verdadeira existe, infelizmente, a crendice pela qual certas pessoas ociosas e de men- talidade preguiçosa aceitam como verdadeiro tudo que alguém lhes relata numa brincadeira ou, mais frequentemente, por simples ego- ísmo. Tais crentes perfazem, no momento, a maioria na Terra! Nada se consegue com eles, porquanto não dão importância ao efeito de sua crença; apenas acreditam com certa admiração, fazendo externa-
mente o que lhes é obrigado fazer, sem alteração em seu íntimo. São por demais ociosos, desconhecem o rigor da vida, podendo ser com- parados às efêmeras, que esvoaçam à luz do sol apenas para serem devoradas mais rapidamente pelas andorinhas. Acerca de tais heróis da crendice não perderemos tempo.
Além disto, superstição e crendice são semelhantes; divergem apenas no fato da superstição nascer da crendice como manifestação do medo. As incontáveis consequências prejudiciais derivantes da superstição são bem visíveis em todo o orbe, pois os milhares de templos pagãos foram construídos pela superstição, com sacrifícios, às vezes, enormes.
Chegou, porém, o momento de sua destruição, acarretando muito trabalho; os trabalhadores competentes e corajosos, entretan- to, são poucos. Tenho um vasto campo de trabalho diante de Mim, e convoco cooperadores para tal fim. Seríeis aproveitáveis, caso co- nhecêsseis os justos caminhos, pois deveis estar informados intei- ramente em Minha Doutrina de Vida. Uma vez integrados, vossa cooperação será de utilidade, em virtude de vossas experiências no mundo. Podereis estar certos de que o mérito aqui, e mormente no Além, não será pequeno. Que Me dizes, Epiphânio, a esta Minha Proposta inesperada?”
Responde ele: “Hum, por que não? Uma vez compenetrado duma verdade, serei um professor sem pagamento, apenas pela causa em si, e não temo morrer de fome. Muito embora as pessoas de hoje sejam mui pervertidas, vivendo no pior egoísmo, não são de todo avessas a um ensinamento; sempre que recebem um bom doutrina- dor ouvem seus ensinos, e quando pressentem algo mais elevado e verdadeiro, renunciam ao amor próprio, tornando-se generosas.
Nesse caso, não pode faltar um pequeno grau de crendice, do contrário seria difícil a doutrinação. Ao professor cabe não deixar seus alunos parados na mesma, mas trabalhar com eles, guiando-os, até que tenham penetrado as bases de sua doutrina. Alcançado o êxito, terá ele proporcionado a maior caridade ao próximo e pode estar certo de ser este muito grato.
Quantos benefícios desfrutam falsos doutrinadores por parte das pessoas supersticiosas, porquanto eles alegam entender alguma coisa e, deste modo, encontram grande número de ouvintes a se desafiarem em destacar-se com grandes donativos. Quanto mais fá-lo-ão com um doutrinador quando lhes demonstrar os maiores segredos da vida, teórica e praticamente. Desde já me prontifico para tanto; naturalmente, tenho de saber de antemão do que se trata na realidade. Em que, amigo e mestre, consiste tua nova doutrina?”
A MISSÃO DO SENHOR. RECEIO DE EPIPHÂNIO QUANTO ÀCOMPREENSÃOHUMANAACERCADESUA DOUTRINA
Digo Eu: “Em poucas palavras Minha Doutrina se resume na demonstração da origem do homem, sua constituição e destino que alcançará dentro da Verdade plena e evidente. Os próprios sábios da Grécia afirmaram: A noção mais difícil, importante e elevada reside no perfeito conhecimento próprio! Eis Meu Caso; pois sem este co- nhecimento, é impossível se conhecer o Ser Supremo como Base de todo Ser e Vida!
Quem não alcançar tal noção, deixando de organizar seus atos e sentimentos para a finalidade verdadeira, a fim de conhe- cer a si mesmo e a Deus como Origem da Vida, estará, a bem di- zer, perdido.
Assim como um objeto se desintegra por não possuir consis- tência sólida que o mantenha em todas as suas partes — assim também acontece ao homem que ainda não se uniu ao seu espírito e a Deus.
Isto só é possível pelo conhecimento próprio e, como consequência, a noção de Deus como sua Fonte Original, tornan- do-se ativo dentro de tal compreensão.
Deste modo, equilibrado e espiritualmente positivo, tornou-
-se ele senhor sobre todas as forças emanadas de Deus, um mestre material e espiritual de todas as criaturas, apresentando-se indestru- tível, portanto firme, dentro da Vida Eterna. Eis a noção total de Minha Doutrina Nova, que, aliás, é a mais remota desta Terra. Per-
deu-se pela ociosidade dos homens, sendo atualmente transmitida de novo, como o antigo Éden perdido (Ye den = é dia), às pessoas de boa vontade. Ter-Me-ás compreendido, Epiphânio?”
Responde ele: “Como não? Confesso que tal conhecimento seria o mais elevado que um mortal pudesse alcançar, e além disto sois integrados nos caminhos para sua finalidade! Lembro-me, po- rém, dum provérbio romano aplicável nesse caso, pois soa: Profetas, poetas e cantores são nascidos — oradores se fazem!
Os sábios egípcios e gregos empenharam todo zelo no conhe- cimento próprio e de Deus; até onde chegaram? Somente ao pon- to de ser impossível ao homem mortal alcançar noção tão imensa! Contigo pode-se dar uma exceção, a julgar por tuas palavras e ações; se isto, porém, for possível a criaturas comuns, digamos, de meu feitio — eis a dúvida! Existem pessoas dotadas de capacidades extra- ordinárias: uma, desde nascença, é vidente; outra, exímia cantora; a terceira, escultora etc. Esses dons não podem ser adquiridos e quem se atrever a imitá-los será simples remendão.
Assim, sou de opinião entendermos mais ou menos esta tua nova doutrina, sem jamais conseguirmos sua aplicação na vida práti- ca. Somos impressionáveis pela ciência pura, não obstante podermos dela desistir, porquanto nosso atual princípio de vida nos satisfaz plenamente com as mínimas necessidades. Hiram e Aziona me pres- taram a mais sincera informação a teu respeito, que prontamente aceitei por serem homens honestos. Agora depende da certeza disto pelo caminho prático e teórico; tão logo dele me convencer, terás em mim divulgador eficiente. Tenho dito e aguardo teu parecer!”
A FORÇA PODEROSA DO VERBO. MELHOR É ENSINAR DOQUEFAZER MILAGRES
Digo Eu: “Caro Epiphânio, havia te dito que teus dois com- panheiros dariam explicação concisa; como és realmente um espírito pesquisador, dar-te-ei, em Pessoa, uma boa introdução, que também servirá de base para Hiram e Aziona.
Vês que sou, tanto quanto todos vós, homem simples e des- pretensioso: alimento-Me, uso vestimenta comum aos galileus e em- prego as mesmas palavras que tu. Em tudo isto não vês diferença entre nós; mas ao falares e ainda mesmo projetando-as com firme vontade, serão apenas palavras que, na melhor hipótese, poderão ser acompanhadas por ações, mas de pouco efeito. Neste ponto diver- gimos de modo intraduzível! Tão logo Eu pronuncio apenas umade Minhas Palavras ou Pensamentos, de certo modo a expressão do Espírito, ela é seguida de ação plena, sem o menor gesto!
O que Eu consigo com Minha Palavra deve também ser pos- sível a todos os Meus verdadeiros discípulos, porque seu íntimo fi- nalmente é guiado pelo mesmo espírito que o Meu!
Tal fato em Minha Doutrina Nova ainda não ocorreu em toda plenitude e perfeição desde o início do mundo! Vê, não uso ins- trumentos, unguentos e pós, em Meu Manto e Túnica não encon- trarás sacola, tampouco os têm os Meus discípulos, pois até mesmo andamos descalços e sem bordão!
Toda nossa posse são Palavra e Vontade, entretanto temos tudo e não passamos necessidades — a não ser que as queiramos su- portar, por livre e espontânea vontade, para cativarmos os corações endurecidos. Por que, então, Eu consigo tudo com Minhas Palavras e Vontade — e tu não?”
Responde Epiphânio: “Será difícil dar-te resposta acertada a respeito! Hiram e Aziona já me relataram isto de ti, e também provei o vinho que criaste da água, aliás formidável! Se isto se consegue pela tua palavra saturada apenas pela vontade, sem algum outro meio oculto, e tu ensinas tal possibilidade, seria preciso se respeitar tudo que disseres! Pois coisa idêntica ainda não ocorreu, a meu ver!
Poderia pedir-te uma pequena prova do poder oculto em tuas palavras, mas prefiro ser instruído por explicações claras e sábias. Se, entretanto, quiseres fazer um pequeno milagre, eu e meus vizinhos ficaremos gratos; considera-o, porém, apenas um desejo!”
Digo Eu: “Ensinamentos são melhores que provas, que sem- pre influenciam, enquanto a Doutrina conduz e desperta a força a
ser alcançada; assim sendo, só se torna posse real e plena do homem quando a tiver conquistado pela ação própria. Com pessoas seme- lhantes a vós, de há muito emancipadas em assuntos de crendice e seus limites reduzidos, os maiores milagres não têm efeito de coação, porque não impressionam, enquanto não forem aceitos dentro de vossa teoria de vida. Em tal caso bem posso, sem prejudicar-vos, efetuar uma prova.
Como todas que realizo para confirmação da Verdade con- tida em Minha Nova Doutrina, devem ter benefício não só moral, mas material; creio ser de vossa futura utilidade caso vos encontrás- seis — como Meus discípulos mais recentes e estimados — numa zona mais fértil que essa, qual deserto. Estais todos de acordo?”
Diz Epiphânio: “Ó Mestre, tal seria um milagre de grande mérito! Se isto te for possível, serias mais do que os maiores sábios e profetas do mundo — em verdade, um Deus; e tua doutrina a Ver- dade Plena! Basta se lançar um olhar sobre este território de piche e nafta; contém apenas rochas escarpadas, que atingem às nuvens; somente nos vales se veem escassos abrolhos. Algumas fontes e uma escassa floresta de ciprestes concretizam toda sua riqueza!
E seria possível transformá-la em zona fértil através de Tua Palavra Poderosa?! É difícil acreditar-se, todavia deve ser realizável, porquanto és homem íntegro, incapaz de fazer pilhérias com pessoas idênticas a nós; e além do mais, tens feito outras coisas extraordi- nárias. Por isto, peço-te tal prova, caso te custe apenas uma palavra de poder!”
AMILAGROSATRANSFORMAÇÃODA ZONA.
VONTADELIVREEACEITAÇÃODAVONTADE DIVINA
Digo Eu: “Presta, pois, atenção, porque nada mais direi do que: Assim o quero! Agora, analisa a região, Meu caro Epiphânio, e dize-Me se te agrada!”
Epiphânio, Aziona, Hiram e todos os presentes se batem no peito, pasmados de admiração pela maravilha que se descortina
diante de seus olhos: as cordilheiras transbordantes de florestas e a vasta zona praiana, contendo mais de mil fangas, agora repletas de viço exuberante!
Após certo tempo de perplexidade, Epiphânio diz: “Realizar tal coisa num simples momento é preciso que se tenha o poder além de um deus. Porque, de acordo com as doutrinas de egípcios, gregos, romanos, persas e hindus, necessita ele de tempo, servindo-se de grande quantidade de aparatos: Sol, Lua, planetas e estrelas ajudam a proceder milagres, em determinadas circunstâncias.
A julgar pelo teu proceder, concluo seres mais que todos os deuses até hoje falados! Senhor e Mestre! Como Te é isto possível, e além disto — a todos que se integram de Tua Doutrina?!”
Confirmo: “Exatamente, caro amigo; do contrário não o te- ria dito. Também te esclareci e demonstrei a maneira pela qual isto se consegue, acrescentando que Meus verdadeiros discípulos com o tempo ainda fariam coisas maiores do que Eu. Naturalmente, de- vem eles considerar ser preciso, para tanto, que seu espírito esteja unido ao Meu, aconselhando-se sempre com Ele, se tal fato for ne- cessário para alcançar boa finalidade. Pois se alguém, ainda mesmo vivendo estritamente dentro de Minha Doutrina, for convidado por algum personagem importante, a fim de salvar sua própria vida, a confirmar sua missão através dum milagre, e Eu lhe disser: Não o faças, por não ser de Minha Vontade! — deve ele obedecer. Acaso querendo contrariar-Me, não conseguirá realizar qualquer prova, porque Minha Vontade não estava em união com a dele. Somente Comigo, isto é, em união constante com Minha Vontade e Espírito podereis realizar tudo; sem eles, porém, nada podereis fazer, pois sou e serei eternamente o Senhor. Isto também faz parte de Minha Doutrina, compreendeste?”
Responde Epiphânio: “Sim, Senhor e Mestre de todos os mestres! Apenas vejo algo que, a meu ver, não se coaduna com o livre arbítrio do espírito humano. Se eu, por exemplo, só consigo fazer aquilo com que concordas, minha vontade será eternamente presa à Tua, portanto dependente.”
Digo Eu: “Enganas-te muito! Dá-se justamente o contrário: quanto mais estreita a união do espírito humano com o Meu, tanto mais livres são seu espírito e vontade, porquanto Eu Mesmo abrigo o máximo Poder e Liberdade ilimitada. Somente se restringe em sua liberdade à medida de sua fraca união Comigo; quem estiver inteira- mente uno Comigo será capaz de tudo que Eu faço. Além de Mim, não existe Poder e Capacidade de ação ilimitados.
A completa união Comigo não implica um átomo de redu- ção da independência individual. Acaso haveria vantagem maior e mais feliz do que achar-se poderoso com o Meu Espírito e, além disto, perfeitamente livre?! Agrada-te tal perspectiva?!”
Diz Epiphânio: “Sublime Senhor e Mestre! Externar-me de modo conciso em assunto desta ordem, sou demasiado novato nes- sas condições de vida e incapaz de formar ideia e critério acertados. Deduzo, apenas, serem tais circunstâncias mui favoráveis. Compar- tilhar da Onipotência Divina e continuar dentro de seu livre arbítrio
— é o máximo que se pode imaginar da perfeição vital.
Por enquanto não convém preocupar-nos com a possibili- dade, pois como Teus mais recentes discípulos, nos falta a compre- ensão exata. Acresce a isto encontrarmo-nos um tanto perplexos e distraídos pelo Teu Milagre, para podermos opinar com calma. Por isto, Senhor e Mestre, deixa-nos descansar um pouco e meditar, a fim de respondermos melhor!”
IMPORTÂNCIADATRANQUILIDADE PSÍQUICA
Digo Eu: “Falaste certo: a calma, a verdadeira serenidade da alma é o elemento espiritual mais necessário para todos, pois sem ela não poderão assimilar assunto de importância espiritual. Por isto, vos concedo com prazer o que acabas de pedir.
Tal repouso, em que o corpo é privado de trabalhar, não é propriamente um repousar, mas uma grande atividade interna da alma, no sentido de se unir mais e mais ao espírito, cuja existência acabas de perceber. Fazes, portanto, bem pedindo tal repouso; após
meditação consecutiva e diariamente aplicada, ou seja, atividade psí- quica, começarás a sentir seu verdadeiro e grande benefício!
Podeis, portanto, voltar às cabanas — também melhoradas
— e verificar as vantagens adquiridas. À noitinha voltai aqui! En- quanto isto, ocupar-Me-ei com o que o Pai, que habita no Céu e Se identifica Comigo, Me incumbiu. Caso alguém prefira passar o dia ao Meu lado, poderá fazê-lo; não existe imposição de Minha parte em querer afastar-vos. Podereis agir à vontade, pois tudo será para vosso bem!”
Com exceção de Hiram e Epiphânio, todos se levantam an- siosos para verem o que se passava em suas cabanas. Em lá chegando, sua estupefação e alegria não têm fim, face às casas novas, horta, vi- nha, pastos e campos; e assim, louvam a Deus, o Pai, Que lhes havia dito transmitir ele tal Poder ao homem deste planeta.
Epiphânio se contém e diz: “Senhor e Mestre, prefiro ficar aqui. Tudo aquilo que Tua Bondade e Onipotência conferir aos ou- tros por certo também será posse minha — benefício este pelo qual nós e nossos descendentes jamais poderemos agradecer na altura.
Tal Graça, porém, não pode ser comparada àquela recebida pela nossa alma através de Tua Doutrina. Só por ela nos transforma- mos de selvagens em verdadeiras criaturas. Demonstraste-nos a Vida real e seu valor.
Anteriormente, prezávamos apenas a morte; agora sentimos grande amor à vida, capaz dum aperfeiçoamento em todas as di- reções, enquanto a morte perdura no eterno aniquilamento, sem evolução gradativa. Eis por que prefiro ficar, para não perder o que Tua Santa Boca vier a pronunciar!”
Digo Eu: “A atitude dos outros foi boa; a tua — melhor. Pois cada Palavra vinda de Mim é Luz, Verdade e Vida em teu coração; se assimilares o que digo, com tua alma, e agires de acordo receberás a Vida Verdadeira e Eterna.
Alguém ouvindo Minhas Palavras sem pô-las em prática, não será por elas vivificado, porquanto lhe servirão somente para julga- mento e morte. Ainda mesmo não sendo isto de Minha Vontade, e
sim a Ordem Eterna de Deus, não posso socorrê-lo, porque isto cabe a ele mesmo.
Se alguém oferecer alimento a um faminto que somente o fita, sem saciar-se, não será culpa do outro se morrer à míngua, pois esta é sua própria responsabilidade. O mesmo acontece com a pessoa a quem ofereço Meu Verbo como Pão Verdadeiro do Céu, ouvindo apenas, sem modificar sua maneira de viver. Por isto, devem todos ser praticantes da Minha Doutrina, a fim de saciarem sua alma com o Pão Celeste, que jamais sentirão e verão a morte, porquanto se transformaram para a Vida de Deus. Compreendes isto?!”
CORAGEMDE EPIPHÂNIO
Diz Epiphânio: “Oh — eis a Verdade mais profunda e com- preensível, sem maior elucidação! Suponhamos que alguém preten- da construir uma casa. Aconselha-se com um arquiteto, pedindo esboço e explicação de como realizar a construção; todavia, não se- gue as instruções porque lhe parecem cansativas, e junta pedras e pilastras sem cimento. Quando tudo pronto, muda-se para a nova residência, onde mora certo tempo sem suspeitar do perigo. Certa noite, porém, desaba grande temporal, jogando tudo por terra e so- terrando o proprietário construtor.
Penso dar-se o mesmo entre Ti e nós, criaturas ignorantes. És evidentemente o Construtor do mundo, do Universo e dos homens, e deves saber o que estes precisam fazer, como seres inteligentes e independentes. E quando lhes demonstras Quem És como Doador da Vida, ensinando-lhes o que lhes cabe realizar para alcançarem sua finalidade — são eles mesmos culpados caso percam a vida eterna por motivos materiais, ingressando na morte. Assim, creio que todo homem por Ti ensinado e Te reconhecendo como Deus jamais po- derá deixar de amar-Te e viver dentro dos princípios exemplificados.
É bem possível se lhe apresentarem obstáculos e dificulda- des no mundo excessivamente egoísta, orgulhoso e dominador, por- quanto a maldade é a inclinação forte dos homens. Uma vez, porém,
sabendo do valor de Tua Doutrina e do benefício que trará seu cum- primento, podem sobrevir todas as tempestades, pois será possível desafiá-las com a coragem persistente. Quantas vezes luta o viajor destemido contra um ataque de inimigos, a fim de não perder sua vida física — aliás passageira — cuja perda nada representa?! Porque não lutará, então, contra adversários que ameacem a conquista da vida eterna?
Naturalmente, pessoas presas ao mundo fútil à procura do dinheiro, e não compenetradas de Teu Verbo como eu, não queren- do ou não podendo compreender seu real valor perderão em época de perigo a coragem, recaindo no antigo estado material.
Afirmo com sinceridade: Quem desconhecer o medo da morte não poderá ser assustado por leis severas! Deixa que o mundo se estraçalhe e não temerei a destruição do meu corpo; sei de Tua Palavra que minh’alma com Tua Centelha Divina jamais perecerá! Nesta certeza — que venham os inimigos, pois não assustarão a mim, Aziona e Hiram. Não consideraremos seu mando! Dize-me, Senhor e Mestre da Vida, se tenho razão!”
Digo Eu: “Plenamente, e tanto mais quanto agirás deste modo em caso de perigo, bem como todos deste lugarejo. Já que nos encontramos reunidos, sabendo da confiança recíproca e fazendo Eu questão de não vacilardes, sejam as circunstâncias e tentações quais forem, é preciso que vos esclareça acerca de outros assuntos!”
FINALIDADEDACRUCIFICAÇÃODO SENHOR
(O Senhor): “Fisicamente sou como vós, mortal, e a consequência disto é que despojarei este Corpo na cruz, em Jerusa- lém, como prova contra os maus judeus, fariseus e sumos sacerdo- tes, e para sua própria condenação. Isto unicamente romperá para sempre o seu poderio, e o príncipe da treva espiritual, que ora do- mina a Humanidade, ficará impotente e impossibilitado de tentar e perverter as criaturas como fez até então. O nome desse príncipe é Satanás — quer dizer: mentira, engano, orgulho, ganância, amor
próprio, inveja, ódio, ânsia pelo domínio, homicídio e toda sorte de impudicícia.
O orgulho mais atroz só pode ser destruído pela máxima hu- mildade; portanto, é necessário que isto seja aplicado a Mim. Quan- do fordes informados a respeito, não vos apavoreis, pois não ficarei na tumba para que se decomponha o Meu Corpo; porém, ressus- citarei no terceiro dia, a fim de voltar ao vosso meio como ora Me vedes. Isto será para vós todos o testemunho maior e verdadeiro de Minha Missão Divina, fortalecendo vossa fé. Predigo este fato para evitar vossa revolta e desistência de Minha Doutrina na hora precisa. Será isto de teu agrado, caro Epiphânio?”
Diz ele: “Senhor e Mestre, és mais sábio e poderoso que to- dos os sábios e potentados da Terra! Se permitires tal fato com Tua Pessoa, deves ter motivo concludente, incompreensível para nosso entendimento; deve constituir a completa e mais revoltante humi- lhação e castigo para todo o reino judaico não lhe ser possível ma- tar o homem mais odiado, ressurgindo após três dias, tal qual fora antes! Compreendo-o perfeitamente; todavia, me parece que aquilo determinado pela Tua Sabedoria e Força poderia ser feito de modo diferente!
Suponhamos que os sacerdotes e maiorais de Jerusalém as- sistissem a um milagre, como acabas de nos agraciar! Teriam de Te aceitar como Aquele Que És! E em tal caso, seu ódio se transforma- ria na mais profunda veneração e amor, não sendo mais preciso Te deixares pregar à cruz, destinada apenas aos piores malfeitores!”
Digo Eu: “Terias razão se assim fosse; a realidade é, porém, bem diversa! Acredita-Me: Essa raça de víboras dos templários em Jerusalém sabe perfeitamente o que ensino e faço; precisamente isto aumenta seu ódio e revolta contra Mim, de hora em hora, fato que Aziona e Hiram te poderão atestar, devido ao acontecimento de on- tem à noite. São todos obstinados, cegos e surdos no coração, e além disto cheios de orgulho ilimitado, ganância e tendência autoritá- ria. A tais criaturas não é possível pregar-se o Evangelho e efetuar milagres! Pois Minha Doutrina e as Provas que dou destroem seu
prestígio e reduzem seus lucros vultosos, razão por que são Meus inimigos declarados.
Bem que teria Poder de destruí-los num só momento sobre todo o planeta, conforme já aconteceu em épocas de Noé e Abraham, por Ordem do Espírito do Meu Pai Celeste; mas que utilidade teve?!
Hoje em dia, o imenso Mar Morto prova tal fato e a Es- critura o aponta; quem o considera como justa advertência?! Se o mencionares a um arquifariseu, correrás perigo de ser ridiculariza- do, escarnecido e ameaçado dum castigo severo! Por isto, nada há que fazer senão o que te disse há pouco. Será para os renitentes o pior julgamento, e para os Meus o ponto culminante de Meu Amor, sendo Minha Ressurreição a ressurreição de todos unidos à Minha Vontade.”
PROPOSTAS DE EPIPHÂNIO PARA EVITAR A MORTEDO SENHOR
(O Senhor): “Amigo, afirmo-te que se fosse possível afastar o cálice do sofrimento, isto ocorreria indubitavelmente; não o sendo, por infelicidade, deixaremos isto de lado. Sabes que acontecerá e também o motivo. Quando tiver ressuscitado, Eu Mesmo vos bati- zarei com o Meu Espírito Santo, que vos levará à máxima Sabedoria e Poder. Caso tiverdes permanecido dentro de Minha Doutrina, po- dereis fazer tudo que faço, como Meus verdadeiros filhos. Agrada-te tal proposta e promessa?”
Responde Epiphânio: “Sim, no que diz respeito ao benefício que todos os de boa vontade poderão aguardar; de modo algum me agrada aquilo que Tu, Senhor e Mestre, irás sofrer por parte da ig- norância e maldade humanas! Não havendo, entretanto, outro meio
— que se faça a Tua Vontade!
Compreendo perfeitamente não morreres no tocante à Tua Natureza Intrínseca; pois quem poderia ressuscitar-Te da morte física, senão Tu Mesmo pelo Poder Divino que abrigas?! Que im- portância teria a morte do corpo, que poderás ressuscitar quando
quiseres?! Apenas o sofrimento evidente que se prende àquilo me desagrada a fundo!
És o Senhor, cheio da máxima Sabedoria, Amor e Onipo- tência, e saberás o porquê dentro de Tua Vontade, que determina também o castigo dum verão causticante e dum inverno atroz para os homens. Além disto, têm eles que suportar, no fim da vida, morte dolorosa, sem que o possam evitar. Assim sendo, nós, vermes fracos desta Terra, nada podemos fazer quanto à Tua Própria Pessoa!
O que nós outros de qualquer maneira poderíamos fazer para impedir Teu sofrimento seria que eu, Aziona e Hiram fôssemos a Jerusalém para esclarecermos, como pagãos, os templários a Teu res- peito, impedindo seu ódio contra Ti. Isto alcançado, poderias fugir do cálice de amargura!”
Digo Eu: “Caro Amigo, só Me resta aceitar tua boa vontade como obra realizada; assim como não consegues envergar um velho cedro, tampouco convencerás um arquifariseu ou sacerdote! Sabes o que faria? Prestaria atenção com amabilidade a tudo que relata- rias a Meu respeito, e até mesmo faria pequenas objeções e dúvidas aparentes — isto, porém, apenas para levar-te a maiores explica- ções. Tão logo percebesse teres falado tudo, sua atitude modificaria! A um determinado sinal, apareceriam fariseus disfarçados para te prenderem e seria milagre caso voltasses à luz do dia! Em seguida, o sacerdócio enviaria, em combinação com Herodes, um exército inteiro com promessa de grandes prêmios para prender-Me, dizendo castigar os judeus na Galileia e em toda parte onde Eu tivesse sido acolhido com Meus discípulos. Isto não é propriamente o que dese- jamos! Compreendes, portanto, ser melhor Um morrer com resul- tado para todos, do que todos por Um , sem resultado! Não é isto?”
Responde Epiphânio: “Sim, Senhor, tudo me é claro! — Pelo que vejo, a refeição está pronta!” Acrescento: “Ótimo, vai e desperta Meus discípulos!”
Como os discípulos na noite anterior haviam dormido pou- co, deitaram-se após o desjejum debaixo da árvore, caindo em sono profundo. Assim, não sabiam da palestra entre Mim e Epiphânio. Quando este os desperta, indagam admirados o que havia sucedido, pois a região era tão diversa do antigo deserto, que não sabiam onde se encontravam. A cabana de Aziona era feita de pedras informes, de barro e junco — e agora transformara-se numa casa vistosa, rodeada de árvores frutíferas e dum lindo jardim; um bom estábulo para animais domésticos e um grande celeiro se achavam mais afastados. Além disto, as montanhas escarpadas estavam cobertas de florestas e as praias transformadas em pastos exuberantes.
Pedro, Jacob e João perguntam por Mim, e Epiphânio lhes diz ter Eu entrado a fim de pedir o almoço. Em seguida, perguntam onde eles mesmos se achavam, recebendo a seguinte resposta: “No mesmo local, que pelo Poder de Alguém, recebeu outro aspecto!”
Os apóstolos, porém, não lhe dão crédito, julgando que Eu os houvesse transportado, pelos ares, à zona estranha, como o fi- zera nas montanhas de Kisjonah. Só depois de Eu confirmar a as- sertiva de Epiphânio acreditam, admirando-se do Poder e Força de Deus em Mim.
Eu, porém, lhes digo: “Por que isto? Acaso não fiz o mesmo com a casa de Marcus? Poder-se-ia apenas admirar vosso sono pro- fundo durante Minha Palestra com este grego! A matéria, porém, também necessita de repouso; mas agora convém despertardes, a fim de que ninguém caia em tentação!
Já é meio-dia e a refeição está servida; vamos à mesa, pois não quero que alguém afirme ter passado necessidades Comigo. Existem muitos abastados em Jerusalém que consideram rigorosamente o je- jum, crentes de conquistarem o Reino do Céu; enganam-se, porém, na expectativa de algo que não existe.
Não quero com isto aconselhar-vos à gula; mas, sim, incen- tivar-vos à temperança e ao amor do próximo, que o mundo saberá serdes Meus adeptos! Vamos, pois, à mesa!”
APROXIMAÇÃODENAVIOS ESTRANHOS
Assentamo-nos à mesa bem-posta e Aziona nos serve, nela tomando parte em seguida. Durante a palestra dirigimos o olhar à barra, e Epiphânio, dotado de boa visão, descobre vários navios; não reconhecendo a zona, cruzam em todas as direções e enviam um bote para investigação. Trata-se de navios da retaguarda daquele que havia caído em mãos dos pescadores. À sua procura, os marujos navegaram a noite toda, crentes de ter o mesmo encalhado. Após ter Eu dado esta explicação, Aziona diz: “Se descobrirem o grande navio, podemos sumir, do contrário estaremos perdidos!”
Respondo Eu: “Calma, esse bote voltará tocado por um forte vento.” No mesmo instante, levanta-se um tufão, que impele para alto mar o bote, inclusive os navios restantes.
Aziona prossegue: “Senhor, por ora desapareceram, mas vol- tarão quando a ventania acalmar! Tais homens são qual consciência maldosa, e renitentes qual perniciosa moléstia! Não desistem de sua intenção e, ainda se o fizessem, viriam outros com a mesma insistên- cia! Preferiria destruir essa embarcação pecaminosa, do que com ela viver em constante aflição!”
Digo Eu: “Se te asseguro não precisares temer algo, bem po- des estar sossegado! Nem esses nem os outros aqui voltarão, porque nessa época o Mar Galileu é tempestuoso e somente navegado por alguns pescadores, e em alguns meses esse caso estará esquecido!
Se bem que Jerusalém será informada da desgraça de seus enviados, que jamais serão descobertos não obstante toda procura, no Templo serão feitas lamúrias durante três horas por servos de ambos os sexos, destinadas para tal cerimônia; após isto, ninguém mais pensará nos infelizes, pois outros serão destacados para esse fim, munidos de autorização, dinheiro e armas necessárias, envian-
do-os com missão rigorosa. Nada conseguindo, voltarão à casa ou deixarão de fazê-lo. Eis a situação real; podes, portanto, guardar sem receio o que te dou, asseguro e protejo.”
Intervém Epiphânio: “Aziona, sob tais auspícios, não vaci- laria na conquista de Roma, caso o Senhor e Mestre me dissesse: Vai e transmite ao povo: O Senhor entregou-me a cidade; por isto é tudo meu o que ela contém! — Ninguém no mundo seria capaz de contestar um direito auferido pelo Senhor, e todos teriam de se submeter ao Poder de Sua Vontade Divina!
O mesmo acontece aqui! Qual seria a força terrena apta a lutar contra a Onipotência Divina?! Pois antes de pegar da arma, já estaria perdida! Se Ele permitir que mãos inimigas O prendam, poderão até matá-Lo; mas, enquanto não tiver pronunciado o secre- to ‘Que assim seja’ — ninguém ousará tocar a orla de Sua Veste! E ainda mesmo alguém se atrevendo para tanto, sofrerá o mesmo por que passaram os atacantes de ontem! Todos que caminharem pelos piores perigos do mundo como amigos sinceros deste Homem-deus estarão dentro da maior proteção!
Observa essa região tão maravilhosa! Ainda há pouco era um deserto assustador, quadro real da morte — idêntico ao nosso antigo estado de alma, modificado através de Seu Verbo! Agora, o Poder incompreensível da Sua Palavra fez surgir da rocha uma vegetação exuberante.
Se diante de Seu Hálito até as pedras se rendem e incontáveis elementos da Natureza se põem em ação, os povos da Terra também hão de se curvar — e nós, Seus amigos, poderíamos dar mostras de receio, como se algum mal nos pudesse atingir sob Sua Proteção?! Espero que reflitas um pouco e te livres do medo!”
Confirma Aziona: “Amigo, falaste bem e concordo conti- go, como sempre fiz em vida; o homem, porém, é fraco, mormente na aproximação do perigo! A alma se perturba e esquece, às vezes, o mais importante; deixa de refletir com calma, precipitando suas atitudes e caindo em tal pavor, que a fazem desconsiderar as armas seguras que possui. Tal fato se deu comigo quando soube da origem
desse bote investigador. Agora estou calmo, no que tuas palavras contribuíram.”
AVIDADAALMAAPÓSA MORTE
(Aziona): “Encontrando-nos em palestra tão agradável, Se- nhor, desejava saber de Ti da vida das almas após a morte. Pelas dou- trinas politeístas, existem duas possibilidades: o Elysium, onde todas as almas boas e merecedoras viverão eternamente numa bem-aven- turança indizível; e o Tártaro, que abriga as maldosas sob incontáveis martírios e sofrimentos.
Os hindus consideram um ser onipotente de ação dupla: boa e má. Os judeus acreditam em céu e inferno, que corresponde ao estado acima mencionado dos pagãos.
Consideram eles o sábio e bondoso Jehovah, miríades de bons espíritos, chamados ‘anjos’, prontos a prestarem serviços de proteção aos homens; em compensação, acreditam num Satanás, não menos poderoso, por alguns denominado ‘Leviatã’, assistido por incontáveis elementos maus, os ditos ‘diabos’! Consta estar o bom Jehovah empenhado em melhorar e atrair as criaturas, sem grande êxito, porquanto Satanás entende melhor prender as almas. Se bem que Jehovah ameace com toda sorte de castigos e julga- mentos, o outro se ri e faz o que entende. Que julgar de tais con- tos, Senhor?”
Adianta-se Epiphânio: “Vede só nosso chefe Aziona! É real- mente mais culto que nós todos! Já indagamos de muita coisa, mas este ponto nos escapou! Também li muito a respeito e fiz minhas conjecturas: os antigos talvez escrevessem tudo em quadros incom- preensíveis, ou deram vazão à sua fantasia incultivada.
Como homem simples, de intelecto restrito, só posso ima- ginar a vida da alma no Além — uma vez que não viveu dentro dos princípios da bondade — num estado de evolução progressiva, recebendo os corretivos necessários, a fim de alcançar conhecimento de si mesma, de Deus, da razão e do dever de sua vida.
Admitir castigos eternos por uma vida mal-empregada, ape- nas para que Deus possa saciar sua vingança incontida — isto jamais poderia supor de Ti, Senhor, que és para nós o Ser Supremo!
Leão, hiena, tigre e urso por certo são animais ferozes, to- davia podem ser dominados e adestrados; por que então não poder encaminhar uma alma pervertida sem culpa própria?! Esclarece-nos, Senhor, nesse particular, tão estranho para nós!”
FILHOS DE DEUS (DO ALTO) E FILHOS DO MUNDO (DE BAIXO)
Digo Eu: “Meus caros, as explicações nos livros pagãos são apenas um eco deturpado daquilo que foi revelado nitidamente às pri- meiras criaturas desta Terra, pelo Mesmo Espírito que habita em Mim.
Somente a Escritura dos judeus contém a Verdade Plena, não revelada, porém oculta em quadros correspondentes, pelo motivo mui sábio de evitar fosse vilipendiada e ultrajada pelos filhos imun- dos da Terra.
Neste orbe vivem duas qualidades de criaturas. A maioria é, pela ordenada graduação evolutiva de corpo e alma, puramente desta Terra, e pode ser classificada de ‘filhos do mundo’.
A menor parte é apenas fisicamente daqui, enquanto sua alma se origina ou dos mundos estelares, ou não raro do Reino Ce- leste, como puros anjos. Essa categoria mais nobre pode ser deno- minada de ‘filhos de Deus’, tendo o privilégio de compreender, assi- milar e, de acordo com a capacidade de compreensão, transmitir os segredos de Deus aos filhos do mundo e demonstrar-lhes o caminho pelo qual também conseguirão se tornar filhos de Deus e cidadãos de Seu Reino.
Precisamente em virtude dos filhos do mundo são as revelações acerca do Reino dos espíritos ocultos em quadros simbólicos, cabendo aos filhos de Deus explicá-los de tempos em tempos, à medida da compreensão e em pequenas doses, a fim de não perturbarem sua di- gestão psíquica. Por esta explicação podeis chegar a certas conclusões.
É a vida psíquica das criaturas, após a morte, constantemente progressiva, porquanto seu aperfeiçoamento não pode ser obra mo- mentânea, por ser a alma uma entidade limitada — como o seu cor- po — dentro de espaço e tempo, e enfeixada em determinada for- ma humana; por isto, só consegue compreender e assimilar pouco a pouco o Infinito e Eterno pelo Espaço e Tempo, bem como no que diz respeito ao Poder Ilimitado do Espírito Divino e de Suas Obras!
Tudo depende do estado moral em que a alma deixa o corpo. Se corresponder às boas leis vigentes, sua posição no Além será tal a lhe proporcionar um grau de evolução mais elevado na vida indivi- dual, podendo prosseguir gradativamente.
Se ela, porém, deixar o corpo sem se ter regenerado nas con- dições anteriores devido à falta de educação ou de boa vontade, não obstante noções concisas das leis — é compreensível a qualquer pen- sador que tal psique, completamente miserável, só pode se achar numa situação indesejável, em que poderá ser purificada e curada de sua crueza animal, de acordo com o máximo Amor e Sabedoria Divinos, podendo assim elevar-se a um grau mais adiantado, que lhe faculte progredir com maior facilidade.”
AVIDADOSMATERIALISTASNO ALÉM
(O Senhor): “Há pessoas na Terra que, como descendentes de pais mui ricos, gozaram educação e ensino esmerados; quando adultos e ocupando cargos de responsabilidade e honra, o demônio do orgulho atirou-se em seus corações.
Começaram a dominar, odiar, enganar e atormentar os seme- lhantes, satisfazendo apenas as próprias tendências. O Céu pelo qual unicamente aspiravam chamava-se excessivo conforto, opulência e sensualidade. Quem não os quisesse servir era perseguido de modo inclemente e aniquilado sem perdão.
Dá-se, porém, a época e a hora determinada pela Ordem da Onipotência Divina em que tais almas são obrigadas a deixar o corpo tão amado! Qualquer pessoa dotada de sentimento justiceiro
concordará terem elas pecado; entretanto, não serão por Mim con- denadas, mas levadas a estado idêntico ao da Terra, apenas com a diferença que os vizinhos são, querem e têm o mesmo que elas.
Não leva tempo para desencadear-se uma guerra tremenda, pois cada qual se julga superior e mais poderosa, querendo dominar a todas e considerando traidora quem não se submeter às suas or- dens e leis.
Se fossem apenas dois ou três a pensarem deste modo, enquanto os demais, espíritos humildes, se submetessem, seria isto uma espécie de monarquia, onde um manda e milhões obedecem. Tal, porém, não se dá; cada qual quer ser monarca e dominar como tirano. Essa paixão maldosa cria ódio recíproco quase inapagável, constantes discussões, revolta, brigas, perseguições e até mesmo guerra, onde ninguém pode ser morto — todavia se projetam ódio e ira qual fogo destruidor, que emana dos contendores e do qual se servem para ferir e lutar.
A fim de abrandar tal grupo maldoso é preciso enviar um poderoso espírito celeste, que isto consegue por um fogo ainda mais forte, produzindo dores incalculáveis, momentâneas ou prolonga- das, de acordo com o caso. Uma vez alcançada a calma completa, suas tolas paixões pouco a pouco se calam e o anjo celeste ensina-
-lhes quanto à sua grande cegueira, teimosia e tolice.
Tão logo uma alma infeliz e miserável disto se compenetrar, passará a um estado melhor; não o querendo em virtude de seu or- gulho oculto, continuará a mesma tola, podendo aguardar, num futuro próximo, a mesma situação, que talvez perdure por eões de anos terráqueos. Com isto presume estardes informados quanto à questão acima; todavia, ainda acrescentarei alguns senões!”
NULIDADEDUMAFORÇASEM RESISTÊNCIA
(O Senhor): “Caso aqui estivesse alguém duma enorme for- ça, capaz de arrancar com as próprias mãos os mais possantes car- valhos e cedros, sem encontrar resistência, mas apenas lodo e água ao redor das árvores — seria porventura possível consegui-lo se as
raízes se achassem a muitos metros de profundidade? Não! Pois no momento em que fizesse um esforço, aprofundar-se-ia na lama.
Se, portanto, um gigante quiser apresentar de modo efetivo a força muscular de suas mãos, os pés também precisam dum ponto de apoio, o que por certo todos compreendem. Mesmo assim, dar-
-vos-ei um exemplo elucidativo. Suponhamos estarem à nossa frente duzentos guerreiros, cem de cada lado, a se desafiarem. Nem bem começam a se atirar no campo oposto, Eu os suspendo pelo Meu Po- der Interno, fazendo-os dispersar-se em todas as direções por meio dum forte vento. Como poderiam encetar sua luta sem ponto de firmeza? Acaso seria possível apenas a um mover-se no ar ou aplicar um golpe, conservando sua posição aprumada?!
Pelo que vejo, começais a estudar tal possibilidade. Tenho o Poder de provar-vos isto praticamente, caso algum queira se sub- meter a tal experiência. Epiphânio, tens vontade de certificar-te de Minha Explicação, digamos, na altura dum homem?”
Diz ele: “Pois não, Senhor e Mestre! Nada de mal poderá me acontecer sob Tua Proteção!”
Digo Eu: “Então ergue-te do solo, faze alguns movimentos como se pretendesses defender-te contra algum inimigo, e conta-nos a sensação que sentes!”
Epiphânio faz tal tentativa, perdendo de pronto sua posição ereta e quanto mais procura se equilibrar, tanto mais cai em posições incômodas. No fim, qual folha ao vento, gira e uma simples brisa começa a impeli-lo, pela Minha Vontade, à casa de Aziona, em cujas paredes encontra apoio, voltando à posição normal e pelo tato desce até o solo.
Feliz por estar novamente em terra firme, aproxima-se rápido de nossa mesa e diz: “Senhor — basta de tais experiências! Poderia vos ter contado da agradável sensação quando em posição normal; assim que comecei a me movimentar, perdi a fala. A única possi- bilidade seria gritar, tal foi a tontura que de mim se apossou! Tua afirmativa, Senhor, ficou provada: a maior força sem resistência é nula! Compreendo claramente o significado de ‘Tártaro’ ou ‘Infer-
no’, apenas não sei como enquadrar Satanás e seus asseclas! Poderias dar mais essa explicação, caso fosse de Tua Vontade, Senhor?”
OPOLOOPOSTODE DEUS
Digo Eu: “Precisamente por isto vos dei os exemplos para facilitar-vos a compreensão subsequente de Satanás e seus anjos; ou- vi-Me, pois! Concordareis, pela experiência feita, que o mais forte gigante sem ponto de apoio — que poderíamos chamar de resistên- cia ou polo oposto — nada pode fazer. A mesma relação se estende até o Ser Supremo, se bem que atingindo a Grandiosidade Infinita!
Se o Espírito de Deus, Eterno, Sábio e Poderoso, não tivesse desde sempre projetado um polo oposto, não Lhe teria sido possível criar, como Polo Positivo, sóis, mundos e seres.
Que vem a ser tal polo oposto de Deus? Trata-se duma força positiva, livre e inteiramente estranha, ou de certo modo idêntica? É ela autônoma, ou dependente do Polo Positivo, em todas as suas partes? Tais indagações importantes serão elucidadas o mais possí- vel, compreendendo-se de pronto quem é Satanás e seus demônios! Prestai atenção.
Quando alguém pretende realizar uma obra, começa a pen- sar, e uma quantidade de quadros sutis invadem sua alma quais pen- samentos isolados. Se se entretiver por tempo prolongado na ficção de suas imagens, chamadas ‘pensamentos’, retendo-as mais e mais, em breve perceberá a concatenação de algumas imagens mais apro- veitáveis, para ligeiras ideias. Tal ideia a alma guarda como quadro em sua memória, podendo ser denominada de ideia básica.
O voo de pensamentos, porém, prossegue qual rio caudaloso, e entre a grande quantidade surge, de novo, algo mais sólido, que é prontamente atraído pela ideia básica e se prende a ela, tornando-a mais clara e precisa.
Isto continua até que, ao lado da ideia básica, se formem as primeiras ideias derivadas e harmoniosas, representando, deste modo, a noção duma coisa concreta, ou ação futura e seus efeitos.
Quando o pensador tiver chegado à noção inteiramente ní- tida e clara, manifesta-se seu agrado, levando-o a penetrá-la com o fogo vivo de seu amor. Este desperta vontade e força realizadoras, in- centivando, progressivamente, a noção interna à realização material.
Então a ideia, anteriormente apenas espiritual, não se encon- tra como imagem clara no sensório da alma, mas qual semelhança sólida dentro da Natureza, para uso de quem a imaginou.
Pensamentos e ideias isoladas, dos quais se formou uma no- ção concreta, são puramente espirituais e representam o polo do espírito que poderíamos chamar de polo principal e de vida.
A noção total e concreta, constituída de variados pensa- mentos e ideias — não obstante ainda uma imagem pura e espiritual dentro da alma — é, por possuir certa existência fixada, não mais posse do polo principal, e sim do polo oposto; isto porque se apre- senta à alma como totalidade expelida, podendo ser projetada, pela subsequente ação, como obra material, portanto não pertence mais à esfera de vida do espírito e da alma.”
OSDOISPOLOSDA VIDA
(O Senhor): “Tu, Epiphânio, julgaste que uma ideia, conca- tenada de vários pensamentos, já formasse uma imagem compreen- sível, por isto poderia pertencer ao polo oposto, tal acontecendo até mesmo a um único pensamento, isolado! Tens razão; em tal caso, são tanto o pensamento, quanto a ideia, uma noção independente, porque se apresentam à alma como imagem concreta ou ação orde- nada, fazendo parte do polo oposto.
No primeiro polo (positivo) existe vida, ação e liberdade; no segundo (negativo ou polo oposto) existe a morte, ócio e julgamen- to. Nisto consiste o inferno, Satanás e os demônios — tudo aquilo que corresponde ao polo oposto!
A completa Criação e tudo que percebeis pelos sentidos são pensamentos, ideias e noções de Deus, bem como vós, criaturas, re- ferente ao corpo. Enquanto a alma se acha unida ao corpo pelo éter
nervoso e sanguíneo, ela se encontra no julgamento, portanto presa à morte, da qual só se poderá libertar pelo zelo de viver pelo espírito, dentro das Leis Divinas, de livre e espontânea vontade, conseguindo sair da antiga morte para a vida eterna e livre.
Observai, porém, algo de máxima importância! Conheci- mento e amor determinam as ações do homem, boas ou más. Se o conhecimento for espiritual, levando-a a Deus, o amor se inclinará às coisas espirituais, portanto ao Pai, manifestando-se pela ação boa, cujos efeitos representam a bênção dos Céus da Vida.
Se a criatura desde o berço for enriquecida nos conhecimen- tos oriundos do corpo, seu amor se dirigirá inteiramente à matéria, empregando todos os meios para a conquista de bens materiais, a fim de proporcionarem mais conforto ao físico. Nesta ocasião a alma se integra completamente na matéria como polo oposto do Espírito Divino, formando o polo oposto de Deus. A consequência inevitá- vel é a condenação própria, a maldição da morte, ou seja, a morte eterna. A quem cabe a culpa, a não ser ao homem, causador disso tudo dentro de sua noção, tendência, vontade e ação?!
Lembrai-vos do seguinte: Sempre que palestrardes com ou- trem, indagai de seu conhecimento da alma e de sua vida imortal. Se derem de ombros, penalizados de vossa fé tola, alegando já terem ouvido falar do assunto, mas que pouca base tinha pelas experiências diárias — sendo apenas passatempo de lunáticos ociosos — podereis deduzir, com certeza, que as almas de tais pessoas são quase que ab- sorvidas pelo corpo, encontrando-se totalmente no julgamento. Será difícil libertá-las da condenação própria e prisão antipolar — tanto aqui quanto no Além — se bem que não seja de todo impossível. Será preciso prolongado isolamento dentro de seu estado negativo até que a pouca consistência espiritual da alma tenha absorvido a matéria pesada, para poder finalmente ser levada pela fome a sentir grande ânsia por alimento espiritual. Passarão eões incontáveis para chegar tal momento.”
(O Senhor): “Vedes, portanto, que Deus não poderia ter projetado uma Criação material caso não tivesse feito surgir de Si Mesmo o polo oposto de proporções infinitas à vossa compreensão, por ser este a própria Criação. É ela, portanto, condenada, rígida, persistente e quase que morta, se porventura deve corresponder à finalidade prevista pelo Criador. Naquilo que ela é, sua finalidade é boa perante Deus. Apresenta-se nociva em seu efeito somente às criaturas, porque têm o destino — devido à sua alma e em parte pelo corpo — de se unir a Deus através de Seu Espírito Puro e Positivo, como seres despertados da morte, sem contudo perderem sua liber- dade e independência absolutas.
Surge, automaticamente, a mais importante indagação da Vida: Que compete ao homem fazer e considerar a fim de prote- ger sua alma da recaída no antigo julgamento da matéria? Resposta: Deve cumprir os Dez Mandamentos dados por Moysés, que se resu- mem na necessidade da Fé em Deus Verdadeiro, amando-O acima de tudo com toda sua alma, e o seu próximo como a si mesmo — e, em caso de necessidade, ainda mais!
Nesses dois Mandamentos se baseia a Lei Mosaica e de todos os profetas, que apenas repetiram o mesmo com outras palavras, para melhor compreensão.
Quem isto fizer preservará coração e alma de qualquer or- gulho, dureza, raiva, ódio, amor-próprio, inveja, ciúme, avareza, cobiça, luxúria, domínio e tendências mundanas, podendo com fa- cilidade ingressar no Polo da Vida de Deus. O amor a Deus preen- che todas as criaturas com o Espírito Divino, e o amor ao próximo corporifica e positiva o mesmo na alma, no que ela em tudo se torna idêntica a Deus, através de Seu Espírito de Amor.
Uma vez semelhante a Deus, sê-lo-á com o Polo Positivo em Deus, e regerá com Ele sobre toda matéria, que jamais poderá prendê-la e tragá-la. Quem assim agir colherá o que acabo de vos demonstrar, su- jeito a um eterno crescendo. Foi-te possível compreendê-lo, Epiphânio?”
Diz Epiphânio: “Senhor e Mestre! Grande foi a Tua Obra Milagrosa em benefício de nossa matéria; maior é, todavia, Tua Sa- bedoria contida em tal Ensinamento, provando-nos, de modo mais intenso, Tua Divindade. Com a transformação dessa zona, demons- traste estares Pleno da Onipotência Divina; agora, certificaste-nos seres incontestavelmente Aquele cujos Pensamentos e Ideias formam o polo oposto, fixo e condenado.
Compreendi o que apontaste com a indagação e presumo que Aziona e Hiram também o sentiram. Precisamente este ponto des- perta uma questão de suma importância para toda a Humanidade.
Estamos cientes de nossa ação para evitarmos a reabsorção da alma através de Teu polo oposto, destino lastimável para quem não pôde salvar-se. Que farão as criaturas incontáveis que habitam nossa Terra e desconhecem tal revelação? Quantas já desencarnaram antes de nós e quantas ainda nos seguirão?
As precedentes, por certo, nada disto sabiam e viveram pelo gozo material. Haverá para elas outro destino no Além do que a prisão no polo negativo? Quem as salvará, e quando? Que diferença, no todo, farão aquelas poucas que, por serem de origem espiritual, mais facilmente se inclinaram ao espírito e, quando desencarnaram, ingressaram sem impedimento em Teu Polo de Vida?! Se contar as pessoas beatas e espiritualizadas de que se fala nos livros, não atin- gem cem mil! Que representa isto, contra as inúmeras tragadas pelo polo oposto para épocas incalculáveis? Nesse caso, pergunto a qual- quer homem razoável se não teria sido melhor que tais infelizes ja- mais tivessem nascido?!
O mesmo se dará com os que virão daqui a vários séculos: re- ceberão alguns conhecimentos confusos de Tua Doutrina; quem os esclarecerá, como o fazes agora?! Se uma Doutrina tão extraordiná- ria não for transmitida com toda clareza, dificilmente será aplicada como norma de vida, e a matéria será como sempre vencedora.
Considero santo e sublime tudo que nos ensinaste — mas essa falha é inconteste e desejava ter mais essa explicação para minha alma. Tua Vontade se faça!”
CONDUTASNOALÉME REENCARNAÇÃO
Digo Eu: “Se a situação com outros povos fosse como a ima- ginas, a salvação da alma seria bem triste; a questão, porém, é diver- sa, tendo cada criatura oportunidade de se dedicar mais ao espírito do que à matéria, seja sua crença qual for. Nesse caso, já não é possí- vel à alma no Além ser atraída pelo polo negativo, ficando numa si- tuação neutra com sua vontade, onde não pertence a nenhum polo. Denomino esse estado das almas de ‘reino intermediário’, onde são guiadas pelos espíritos perfeitos ao polo positivo.
É claro ser vagarosa a completa reforma; contudo, não im- porta, uma vez que não se corre o risco da perdição integral duma alma. E, ainda mesmo sendo tragada pelo polo oposto, devido a sua grande teimosia — terá de se submeter, após eões, a passar por outra encarnação, neste ou em outro mundo, incontáveis no Espaço Infinito, sem saber ou pressentir já ter vivido. Tal noção também de nada lhe adiantaria, porquanto recairia, pelos sentidos, à inclinação original, tornando-se óbvio a segunda prova de vida. A fim de vos facilitar a compreensão, darei um exemplo.
Admitamos ter vivido há dois mil anos um rei excessivamen- te dominador e cruel, que tivesse feito matar milhares de criaturas por simples volúpia assassina, e além disto viciado dos mais perver- tidos. Será fácil adivinhar-se o destino de sua alma após a morte!
Como já demonstrei, ela só pode entrar em convívio com almas idênticas. Todos vós podeis imaginar sua situação em compa- nhia de elementos semelhantes e, mais tarde, piores, porque, após certo tempo, aumenta sua ira e vingança. Tudo tem seus limites em almas materialistas, com exceção do orgulho e domínio, fato muitas vezes demonstrado por monarcas da antiguidade, que se apresenta-
vam ao povo como deus, exigindo adoração e veneração por toda sorte de oferendas e sacrifícios.
No Além, tal inclinação atinge grau muito mais elevado. A história do Rei Nabucodonozor da Babilônia demonstra isto de modo claro. Todas essas almas se apresentam como deus poderoso e onipotente, assumem posição e atitudes de domínio tremendo, exigindo tudo das outras, de índole idêntica.
Impossível imaginardes a ira daquelas que de há muito se estraçalham pelo mesmo motivo, ao se atirarem à tal psique presun- çosa, fazendo-a passar por provas indizíveis. Em sua tremenda igno- rância, ela suporta por certo tempo todos os martírios e sofrimentos, porque presume ser mais tarde reconhecida pelas outras como deus e soberano.
Percebendo, pelo decorrer dos tempos, ter sido ludibriada, enche-se de ódio e raiva contra seus algozes; surge, então, luta e fogo tremendos, levando tais psiques à dissolução, e se destruiriam caso fosse possível.
Tal fúria permitida, conquanto horrorosa, tem seu lado bom, porque é destruída grande parte da matéria perniciosa, ficando a alma mais pura. Após muitas lutas idênticas, uma ou outra se torna mais cordata e procura afastar-se daquele grupo violento; quando é geralmente permitido seu ingresso num outro, melhor, ela então volta a encarnar.
Voltemos ao relato do rei, cuja alma passou pelo destino aci- ma. Reencarna num Continente completamente afastado da antiga vida, na Ásia setentrional, num meio mui simples, de nada se lem- brando para não prejudicar sua carreira evolutiva.
Apresentando o mesmo sexo, cria-se num ambiente pobre e, com educação precária, consegue tornar-se lavrador; reconhece a Deus, ora e Lhe agradece pelo pão de cada dia. No final, agrada-lhe servir a outrem por pagamento reduzido, envelhece, torna-se fraco e doente, morrendo como outro qualquer.
Que é feito de sua alma? Junta-se no Além às almas boas e trabalhadoras e se alegra em ser modesta e servir a todas. Essa
inclinação favorável de sua índole produz, em breve, o despertar da centelha divina, de certo modo seu ‘duplo’ espiritual. Alcançado tal ponto, não dista a união com ele, que lhe faculta a plena consciên- cia e a recordação clara de seus estados anteriores; por isto louva a Sabedoria, Poder e Amor de Deus que a levaram de estados tão lasti- máveis à Vida Eterna e Verdadeira. Por aí podeis perceber a maneira pela qual Deus conduz, pelos caminhos insondáveis aos mortais, as almas pervertidas à Luz e à Vida.”
SURGIREDESAPARECERDASCRIAÇÕES MATERIAIS
(O Senhor): “Deus, em Si o Amor Puríssimo, só pode amar Seus Pensamentos e Ideias, muito embora constituam, como criatu- ras, o Seu Polo oposto. Assim, uma pedra não será eternamente pe- dra, e em eões de anos essa Terra e as inúmeras estrelas envelhecerão, tornando-se porosas, qual veste antiga. Tudo será transformado em elemento espiritual e independente, dando lugar a outras Criações materiais, prosseguindo-se a evolução.
Para tal, decorrerão mais que eões vezes eões de anos ter- ráqueos. Não deve ser compreendido como se a Criação atual deixasse subitamente de existir, surgindo nova, pois isto ocorre parcialmente, assim como na floresta as velhas árvores morrem, transformando-se em água, atmosfera e éter, isto é, passam a um elemento espiritual, enquanto surgem em seu lugar uma quanti- dade de outros vegetais. A ação do Espírito de Deus tanto age nas coisas pequeninas como nas grandes, se é que perante Deus se pode classificar algo de ‘grande’.
Demonstrei-vos tudo de modo claro, sem usar de simbolis- mo, como faziam os antigos sábios. Tendes esse privilégio porque possuís a necessária capacidade de assimilação; não necessitais passá-
-lo adiante, mas ensinai apenas ser imprescindível aos homens acre- ditarem em Meu Nome e cumprirem os Mandamentos de Deus, verdadeiras Leis de Amor. Todo o resto será revelado ao indivíduo renascido pelo próprio espírito provindo de Deus, dentro das neces-
sidades psíquicas. As crianças só podem ser alimentadas com leite, mas os adultos e fortes poderão digerir alimentos mais consistentes.
Refleti sobre tudo em vossos corações e, caso houver ainda algum ponto duvidoso, ficarei mais cinco dias como vosso Hóspede, podendo receber os necessários esclarecimentos de Mim ou de um dos Meus discípulos. Daqui por diante, nada de novo acrescentarei, porquanto estais bem orientados; ficarei mais alguns dias como vos- so Amigo para demonstrar-vos certas utilidades terráqueas. Agora, vamos ver as novas instalações, hortos, campos e animais caseiros!”
Todos Me agradecem de coração pelo Ensinamento, levan- tam-se e Me acompanham junto aos outros. Depois de se terem cer- tificado de tudo, extasiam-se e passam a orientação acerca de Minha Pessoa, da finalidade elevada de Minha Vinda, transmitindo grande alegria aos vizinhos.
Pessoalmente os oriento do uso de vários apetrechos, capaci- tando-os para bons lavradores. Deste modo se passam os cinco dias neste lugarejo.
ATRANSFIGURAÇÃODOSENHORNOMONTE TABOR
(Matheus17, 1–2)
No sexto dia, propriamente o sétimo, digo aos discípulos: “Trabalhamos honestamente durante seis dias, conseguindo boa co- lheita nesse deserto. Está, pois, em tempo de seguirmos caminho; existe ainda noutra parte uma quantidade de campos sem cultivo e desertos que iremos cultivar, abençoar e frutificar.
Antes de prosseguirmos, subirei esta elevada montanha a cujos pés nos encontramos, em companhia de Pedro, João e Jacob, enquanto vós outros aqui esperareis!” Naturalmente Me perguntam por que motivo não podem também fazer a escalada.
Respondo: “Porque assim o quero!” Então se calam, sem algo mais perguntar. Aziona diz de si para si: “É a montanha mais alta e dificilmente escalada!”
Digo Eu: “Crê-Me, não existe para Mim uma que seja por demais íngreme e alta! Em poucas horas estaremos de volta e pode- rás aprontar o almoço.”
Em seguida chamo os mencionados discípulos e encetamos a escalada. Dum lado a montanha era accessível, de sorte que alcan- çamos o cume em poucas horas; comumente isto só era possível em doze a treze horas, tornando-se nossa subida, milagrosa.
Do alto descortina-se a paisagem da Galileia, Judeia e Pales- tina, inclusive uma parte do grande Mar. Quando extasiados com tal maravilha, os discípulos Me agradecem com efusão, também Eu Me sinto transfigurado, a ponto de Minha Face irradiar qual Sol e Minhas Vestes se tornarem tão alvas como a neve tocada pelos raios solares. Perplexos, os três se calam.
Após certo tempo, Pedro se anima a dizer: “Senhor, acaso estaremos no Céu ou apenas no Paraíso? Tenho a impressão de estar ouvindo o sussurro de vozes angelicais!”
Digo Eu: “Nem no Céu, tampouco no Paraíso, mas simples- mente na Terra! Entretanto, encontramo-nos em ambos pela força da palavra quando contém o Bem e a Verdade. Eis o que transfor- mou vossa alma, ocasionando Minha Transfiguração externa, pro- vando estardes no Céu e no Paraíso, porque vosso íntimo está pleno do Bem e da Verdade. O verdadeiro Céu e Justo Paraíso consistem na vossa fé em Mim, fazendo o que vos ensino, exemplificando vos- so amor de coração, no que tendes realmente o Verdadeiro Reino de Deus em vós — pois que não existe em parte alguma. Uma vez dentro de vós, também se estende por todo Infinito; e se estiverdes nesta Terra, ou na Lua, ou numa das inúmeras estrelas — que são simples planetas — estareis rodeados de vossos afins felizes, muito embora não os podendo ver com esses olhos!”
(Matheus17, 3)
Diz Pedro: “Consta na Escritura o seguinte: As almas dos mortos serão guardadas em paz no seio da terra até o Dia do Juízo Final, onde serão despertadas pelas trombetas possantes dos anjos. As boas ressuscitarão para a Vida Eterna no Reino Celeste de Deus, enquanto as más serão eternamente expulsas para o inferno e marti- rizadas pelos demônios.”
Digo Eu: “Já vos esclareci minuciosamente como se deve in- terpretar essa, como também todas as outras profecias; portanto, seria supérfluo repeti-lo. A fim de vos curar de conceitos tão errô- neos, abrirei vossa visão interna, certificando-vos pessoalmente da mencionada paz de almas de patriarcas de há muito desencarnadas, e qual o aspecto do seio da terra.”
Em seguida exclamo: “Abra-te” — e no mesmo instante apa- recem dois profetas, Moysés e Elias; palestram Comigo claramente daquilo que Me sucederia em alguns anos, e se porventura não po- deria ser evitado. Eu, porém, afirmo-lhes da impossibilidade de Eu fazer outra coisa senão a Vontade do Pai que está em Mim.
Os dois profetas se curvam diante de Mim e dizem em unís- sono: “Ó Senhor, somente Tua Vontade é Santa e se faça para sem- pre entre nós, nos Céus, como entre todas as criaturas e espíritos na Terra! Ambos fomos em vida considerados e importantes, em virtu- de de Teu Nome; entretanto, preferiríamos estar Contigo na Terra para sermos o que são esses três e os outros, ausentes, não obstante serem agora e por muito tempo desprezados e perseguidos por causa de Teu Nome!”
Digo Eu a Elias: “Estiveste ainda há pouco junto Comigo na Terra; — agradou ao teu corpo a obra de Herodes?”
Responde Elias: “Na Terra não, muito mais aqui, com toda a sublime bem-aventurança de que desfrutarei para toda a Eternidade, daria preferência a encarnar mais centenas de vezes, ainda mesmo que fossem dolorosas e cheias de espinhos.”
Nesse instante, os discípulos são tomados dum sono profun- do, caem por terra e adormecem por certo tempo. Enquanto isto, prossigo, dizendo a Elias: “No Final dos Tempos desta Terra serás enviado em carne às criaturas, mas não de visão velada, e sim mais consciente que as duas primeiras encarnações, quando sob o nome de ‘Sehel’ e, mais tarde, ‘Elias’. Moysés te acompanhará como espíri- to, pois seu corpo será posse da Terra até o fim dos tempos.
Então toda carne desta Terra será espiritualizada; tu jamais necessitarás disto, porque te dei um novo corpo para sempre. Cuida bem dos filhos de Israel até Eu voltar à Casa dentro em pouco, tão logo tiver concluído Minha Maior Obra! Então te darei uma posi- ção segura em Meu Novo Reino. Chegou a época que te demonstrei há tempo, na Terra, criando Eu tudo de novo: Primeiro, Minhas Criações espirituais e, mais tarde, ocorrendo o mesmo à matéria, até que tenha alcançado o justo grau de fermentação! Agora deixai-me despertar os discípulos!”
OSTRÊSDISCÍPULOSEMPALESTRACOMOS ESPÍRITOS
(Matheus17, 4–9)
Os três discípulos despertam, erguem-se do solo e deparam Comigo, Moysés e Elias sem forte iluminação, o que é de seu agra- do, porquanto haviam sido anteriormente ofuscados de maneira poderosa. Relatam terem palestrado em sonho com muitos profetas da antiguidade, acerca de todas as situações do Além, recebendo esclarecimentos de muitas coisas ocultas.
Moysés e Elias prosseguem neste ensino, deixando os três tão contentes e felizes, a ponto de Pedro exclamar: “Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, poderemos construir três cabanas: uma para Ti, outra para Moysés, e a terceira para Elias!” Enquan- to ainda fala desse projeto, uma nuvem espessa, porém luminosa, os encobre, impedindo qualquer visibilidade. Então uma voz se faz ouvir: “Vede, eis o Meu Filho Amado, em Quem Me comprazo — deveis ouvi-Lo!”
Como estas Palavras tenham o efeito do forte rugir do tro- vão, assustam-se os discípulos e caem sobre as faces. Aproximo-Me deles, toco-lhes nos ombros, dizendo: “Levantai-vos e nada temais!”
Ao fazer isto só veem a Mim, admirando-se sobremaneira daquilo que se passara. Além disto começam a formular perguntas, mormente quanto à significação do sonho.
Eu, porém, lhes digo: “Isto tudo ser-vos-á revelado à alma pelo vosso espírito — de certo modo Meu Espírito dentro de vós — tornando-se posse real e viva; pois se agora assim fizesse, assimilaríeis o esclarecimento pelo intelecto, acreditando-o porque fora por Mim transmitido. Entretanto, não estaríeis na plena verdade, e isto pelo motivo de não ser vossa posse a explicação, mas Daquele que a deu de Seu Tesouro Vivo. Tão logo vosso espírito o transmitir à vossa alma, a revelação será posse vossa, inteirando-se na Verdade plena.
Vosso espírito é o Meu Próprio Espírito em vós, e sabe de todas as coisas e situações como Eu, podendo-vos levar à Sabedoria Completa. Por enquanto, ainda não age consciente e ativo no todo, embora seja desperto e com ação; mas sua manifestação é para vós algo estranho e heterogêneo, por ser vossa alma ainda impura, a fim de se poder unir ao espírito.
Quando após Minha Crucifixão tiver subido aos Meus Céus, espargirei o Espírito Santo de toda Verdade sobre vossas almas, unindo-as com Ele. Este Espírito, que Se amalgamará convosco para sempre, levar-vos-á à Verdade e Sabedoria Totais.
A ninguém relateis das visões aqui havidas antes de minha Ascensão, tampouco aquilo que operei em Cesareia Philippi e nesse deserto. Agora, desçamos à aldeia dos pescadores!” Iniciamos o re- gresso, onde novamente recomendei calarem das visões aos demais discípulos, até a Minha Ressurreição.
(Matheus17, 10–13)
Ainda em caminho, morro abaixo, Pedro Me aborda, inda- gando a respeito da afirmação dos escribas de ser preciso a vinda de Elias antes da Chegada do Messias Prometido, a fim de organizar tudo, preparando deste modo os caminhos do Senhor.
Digo a Pedro: “Eles têm razão e tua pergunta também se justifica! Bem que Elias deverá preceder-Me para preparar tudo; mas digo-vos: Ele esteve aí, mas não o reconheceram, tampouco a Mim, fazendo-lhe o que quiseram. Do mesmo modo agirão Comigo, o Filho do Homem, como já disse por várias vezes. Afirmo-vos: Esta geração maldosa não descansará até que haja alcançado a meta de sua vingança — e com isto sua própria condenação!
João, no qual habitava o espírito de Elias, deu testemunho, ensinou, batizou e preparou assim o povo para Minha Vinda! Qual foi a paga?
Eu Mesmo transmito a Doutrina Pura da Vida e opero mila- gres inéditos nesta Terra, que não serão repetidos nesta Grandiosidade e Extensão; por isto, sua ira e vingança são tanto maiores, chegando a ponto de Me fazerem, com a permissão do Alto, o que já vos falei.
Em vosso íntimo surge sempre a antiga dúvida do porquê Eu permitir tal coisa. Como já fostes suficientemente orientados a res- peito, vamos descendo para junto dos outros!” Nem bem termino, os três percebem que João Baptista é propriamente Elias.
E Pedro novamente pergunta: “Senhor, fato estranho se prende a Elias! Já viveu três vezes nesta Terra, quer dizer, em carne? As primeiras duas vezes, como Sehel e Elias, ele não morreu, pois su- biu aos Céus de corpo transfigurado, muito embora tivesse nascido, quando Elias, de mulher. Nessa última vez, ele foi decapitado. Que aconteceu com os primeiros corpos e qual o destino do terceiro? Apresentar-se-á com três corpos, quando tudo estiver resolvido no teu reino celeste? Pois consta que no Dia do Juízo Final também os corpos ressuscitarão, unindo-se às almas. Como se entende isto?”
Digo Eu: “A maneira pela qual se deve entender a ressur- reição da carne e o Dia do Juízo Final já foi por mim elucidada de sobejo, em Cesareia Philippi e lá embaixo, na aldeia. Acaso não guardas Minhas Explicações?! Como posso repetir sempre o mesmo assunto?! Tens uma noção, mas sem a conexão necessária, culpa da tua forte inclinação judaica, obrigando-te a tomar tudo ao pé da letra, não obstante todas as Minhas Interpretações! Aceita a justa compreensão e torna-te entendido neste Meu Conhecimento de Luz Verdadeira, que deixarás de perguntar por coisas que, mais do que nenhum outro, deverias saber!
Porventura não é o dia do nascimento da criança seu dia mais recente?! E o dia presente em tua vida, o mais novo, enquanto o de teu nascimento o mais antigo?! A carne de teu corpo apodrecerá, transformando-se em vermes, plantas e de suas almas surgirão seres completamente diversos, que jamais terão ligação com tua alma e o teu espírito! Compreendes? O Dia do Juízo Final para tua alma será, evidentemente, o de tua morte.”
ARESSURREIÇÃODA CARNE
(O Senhor): “Na ressurreição da carne deve se entender as boas obras do amor ao próximo! Representarão a carne de tua alma, ressuscitando imediatamente com ela para a vida eterna, qual corpo sólido e etéreo, no primeiro dia de tua existência no Além, com a chamada da trombeta, conforme consta em Mi- nha Doutrina. Ainda mesmo se tivesses tido cem encarnações na Terra, terás, no Além, apenas umcorpo, isto é, o acima dito. Compreendeste?”
Responde Pedro: “Sim, Senhor e Mestre, mais do que nunca! Lembro-me, entretanto, do texto de um profeta, que soa mais ou menos assim: Verás Deus em tua carne; por isto conserva-a pura e não a vilipendies por variados pecados! Jamais verás o Semblante de Deus com a carne pecaminosa! — É difícil ao raciocínio comum interpretar isto dentro da verdade!”
Digo Eu: “Nem tanto! O sentido da frase: Verás Deus em tua carne, quer dizer: Vê-Lo-ás em tuas boas obras, dentro da Vontade Divina, por serem somente elas realizadas pela alma através do cor- po, que lhe foi dado apenas como instrumento — auferindo à alma a dignidade diante de Deus, ou o contrário. Obras puras produzem pureza; obras impuras produzem impurezas. O pensamento puro dentro da pura ciência e, além disto, uma conduta casta e limpa, sem obras de amor ao próximo, ou talvez poucas — não facultam corpo espiritual, nem tampouco a visão de Deus.
Enquanto a alma for de tal modo cega a não compreender que não somente o saber, mas sim, antes de tudo, as obras dentro do conhecimento e a fé pura facultam a verdadeira solidez na vida — é ainda mui pobre e assemelha-se a alguém entendido em construções e que, dispondo de material de boa qualidade, não se resolve pôr mãos à obra. Acaso terá moradia para proteger-se contra o desenca- dear dos elementos tempestuosos?
De que te adianta, na tempestade, a certeza fundamental de que as paredes bem construídas podem enfrentá-las, assegu- rando-te proteção plena — se porventura não tens um teto e tam- pouco poderás alcançar outro, na peregrinação pelo inclemente deserto da vida?!
Meus caros, o saber e a fé, por mais puros que sejam, não contêm muralhas sólidas que vos protejam em épocas tempestuosas! Isto só se dá com as obras do verdadeiro amor ao próximo. São elas o corpo real e permanente da alma, sua habitação, sua pátria e seu mundo justo. Lembrai-vos disto, não só por vossa causa, mas em virtude daqueles a quem fordes pregar o Evangelho após Mim! Tão logo se integrem e acreditem no Verbo da Salvação, aconselhai-os a fazerem as verdadeiras obras do amor ao próximo, tantas vezes por Mim recomendado!
Em verdade vos digo: Alguém afirmando amar a Deus so- bre todas as coisas, desconsiderando a miséria do pobre, jamais verá Deus em sua carne! Pois os fariseus e escribas também alegavam servir a Deus na medida e compreensão mais elevadas, apaziguan-
do constantemente a Humanidade pecadora com Deus, através de preces e oferendas; em compensação, extorquiam o povo; portan- to, não existe amor ao semelhante. De que adianta? Nem a eles, nem ao povo!
Primeiro, Deus nunca necessitou de qualquer serviço huma- no, muito menos de animais sacrificados em holocausto. Considera ele, com agrado, o sacrifício feito pelo verdadeiro amor ao próximo em obras de caridade, espargindo Sua Bênção de Vida. Entendes, agora, o que vem a ser o sentido do mencionado texto, Pedro?”
Responde este: “Sim, Senhor, estou plenamente orientado! Agradeço-Te, como todos, por tal esclarecimento! — Pelo que vejo, já estamos de volta, mas já é noitinha!”
Digo Eu: “Não importa! Tomaremos algum pão e vinho para prosseguirmos ligeiros!”
O BENEFÍCIO DA PARCIMÔNIA. O PREPARO DA CARNE DE ANIMAIS IMPUROS
Apressamos os passos, alcançando em breve a casa de Aziona, onde ele, Hiram e Epiphânio haviam preparado um bom repasto de peixes, pão e vinho. Despercebidamente, Pedro Me diz: “Senhor, falaste há pouco de pão e vinho — e agora eles também prepararam peixes. Podemos deles nos servir?”
Repreendo-lhe tal receio genuinamente templário e mesqui- nho, dizendo: “Come o que houver, que não prejudicarás corpo e alma; abstém-te apenas da intemperança. Este conselho serve para todos, pois o que excede à medida é prejudicial ao homem. Intem- perança no comer gera moléstias estomacais — e o excesso na be- bida produz, além dos males de estômago e pulmão, a volúpia da carne, gerando toda sorte de impudicícia.
Sede, por isto, comedidos e sóbrios, que tereis num corpo sempre sadio — alma sã e alegre! Quem tiver a incumbência de preparar os alimentos para si e outros deve fazê-lo na hora de serem ingeridos — assim não prejudicarão! Lembrai-vos também disto!”
Pedro prossegue, indagando: “Senhor, acaso não pecam os pagãos pelo uso da carne de animais impuros? A nós, judeus, tal é proibido, e quem o fizesse pecaria contra a Lei de Moysés.”
Digo Eu: “Em caso de necessidade, poderás, ainda mesmo ju- deu na íntegra, comer a carne de qualquer animal, que te fará bem; pois todo alimento que o homem for obrigado a ingerir é por Mim purifi- cado — devendo, neste caso, apenas observar ainda maior sobriedade!
A carne de porco é boa; deve o animal abatido perder todo o sangue e ficar durante sete dias temperado com sal, vinagre e tomi- lho. Em seguida, enxuga-se a carne em pano de linho, e pendura-se por algumas semanas no defumador de madeira especial, tempera-
-se e deixa-se até que fique dura e seca, completamente. Quando se quiser usá-la, é preciso aferventá-la em água e vinho, em partes iguais, juntando tomilho e salsa, conseguindo assim um alimento bom e nutritivo; os porcos sempre devem ser abatidos no inverno. Da mesma forma se deve proceder com outros animais impuros e as variadas espécies de aves e peixes, caso em que sua carne não prejudicará, desde que parcimoniosamente ingerida. Agora saberás, Pedro, de que podes te alimentar e do preparo de tudo, a fim de que não peques contra teu estômago e tua alma. Vamos tomar ligeiros a nossa refeição e seguir incontinenti!”
Entrementes, aproxima-se Aziona e diz: “Senhor e Mestre, não preferirias seguir amanhã cedo? A próxima vila dista daqui vá- rias horas, e antes de chegares lá será noite fechada!”
Respondo: “Conservai a Mim e Minha Doutrina em vossos co- rações, que ficarei convosco até o fim de vossos dias e eternamente no Além! Agora tenho de partir, pois não longe daqui muitos Me aguar- dam. Apresso-Me em socorrê-los. No inverno passarei alguns dias con- vosco, pois ficarei em tal época em Kis, perto de Caná. Soltai o navio para que possa partir com Meus discípulos!” Dito e feito, contornamos o norte da cordilheira, alcançando, em breve, pequena enseada preci- samente do lado oposto ao local onde permanecêramos alguns dias.
À beira da praia há uma aldeia muito povoada e de grande movimento, por se tratar dum porto onde se comercializa o me-
lhor sal, o mais puro óleo, madeira de construção e os mais variados utensílios para uso doméstico. Por isto, o local apresenta bastante prosperidade; é muito procurado, justamente aquele onde há alguns meses Eu havia enviado Meus discípulos para prepararem as criatu- ras à Minha Chegada e os fizera voltar de modo milagroso à mon- tanha de Kis, onde Me encontrava. Assim sendo, já era conhecido e muito mais ainda os Meus apóstolos, que naquela ocasião lá haviam permanecido vários dias.
ACURADEUMMENINO OBSEDADO
(Matheus17, 14–21)
Desembarcamos e atracamos o navio precisamente num dia de feira, motivo de atração para o povo. Nem bem nos aproxi- mamos, várias pessoas nos reconhecem e uma dentre elas se atira a Meus Pés, exclamando: “Senhor, tem piedade do meu filho, acome- tido dum grande sofrimento! Alegam os médicos ser ele lunático, o que lhe acarreta imensos dissabores, porque muitas vezes leva quedas no fogo e na água. Quando, há tempos, aqui estiveram os Teus discí- pulos, curando muitos doentes graves pelo passe, levei a eles o meu filho; mas não puderam socorrê-lo.”
Eis que Me viro para aqueles cuja fé ainda não se tornara rocha, e alguns meses passados nada conseguiram em Meu Nome, e digo: “Ó geração incrédula e errada! Até quando terei de estar con- vosco?! E até quando vos suportarei?! Trazei-Me o menino!”
O pai se levanta e corre à casa para buscar o filho. Quando este se acha junto de Mim, contrai as feições, pois o mau espírito que o domina se atira sobre ele, fazendo com que profira, pela boca contorcida, imprecações e maldições horrendas, cuja repetição é desnecessária. Eu ameaço o elemento mau, ordeno-lhe deixar o cor- po do pequeno e atirar-se no inferno. O demônio se afasta de modo visível, e o garoto recupera a saúde. O mau espírito tem a figura dum gato preto, grande e peludo, e Me pede: “Filho do Altíssimo, dispensa-me do inferno e dá-me outro castigo qualquer!”
Eu, porém, afirmo: “Afasta-te e te penitencia, nos vales desertos da Lua de onde vieste, de teus atos horrendos, pratica- dos há oitenta anos!” No mesmo instante, o gato toma a forma de um macaco provido de grandes asas de morcego, levanta voo e desaparece qual flecha. Os presentes estão perplexos e muitos, horrorizados.
Eu os acalmo, dizendo: “Nada temais; a Mim é dado todo Poder no Céu como na Terra, e esse espírito, que durante sete anos martirizou sua vítima, jamais se aproximará da Terra!”
O pai do menino dirige-se a Mim: “Senhor, por que teve que suceder isso a meu filho, porquanto nunca pecou, mesmo aparente- mente, e além disto todos os meus vivem rigorosamente dentro da Lei? Por que Deus permite tal coisa?”
Respondo: “Deus experimenta justamente aqueles que Ele mais considera; caso a criatura cumpra suas provações, terá encon- trado sua salvação, para sempre. A alma de teu filho tem sua origem em um dos grandes mundos que preenchem o Universo. Para sua própria salvação teve que suportar essa prova, além da encarnação, conseguindo, ainda jovem, força tal, que outras dificilmente alcan- çam, ainda mesmo suportando durante um século o peso do físico.
Acredita-Me: As criaturas ignoram a razão das coisas; somen- te Deus sabe o porquê. Há oitenta anos atrás, esse mau espírito era um usurário mercador de porcos mui rico e, como judeu, entregou-
-se finalmente ao tráfico de escravas, praticando imensas crueldades. Teve morte miserável, e seu destino concretizou-se no reino dos dia- bos, como próprio demônio.
Essa situação não sendo de seu agrado, refletiu intimamente: Por que me tornei diabo? Responsável disto é o meu físico perverso e guloso. Tinha vontade de voltar à Terra, num corpo saudável e sóbrio dum menino inocente, para tornar-me anjo! E caso o físico dele manifeste o menor desejo à intemperança, será imediatamente por mim castigado!
Como tal intenção fosse realmente firme dentro da alma perversa, foi-lhe de pronto concedida. O resultado é bom para o
menino, e a alma, anteriormente maldosa, já tomou direção para melhor e algo de humano. O resto será obra dos vales sumamente calvos e desertos da Lua!”
Prossegue o pai do garoto: “Acaso é a Lua um mundo? E como foi possível meu filho se tornar lunático, fator que acompa- nhou sua possessão, pois a Lua cheia tinha grande influência sobre seu mal?!”
Digo Eu: “Ser-te-á difícil acreditar que a Lua é um planeta, muito embora assim seja. Meus discípulos o compreendem, e seus futuros descendentes o saberão ainda melhor. O fato de ter tido o menino tão grande pavor da Lua cheia não se baseia em sua nature- za, mas em seu obsessor, que se origina daquele mundo mui estéril e desagradável. O resto não necessitas saber!”
Os presentes, ouvindo isto, dizem: “Que homem esqui- sito! Opera milagres qual grande profeta, em seguida diz coisas desconexas!”
Achegando-se deles, diz o pai do menino, com rigor: “Ele não é louco — e sim nós, porque somos incapazes de assimilar seu saber!” Eis que começam a discutir, até que o menino curado a todos acalma, com algumas palavras bem empregadas.
Em seguida, Meus discípulos indagam: “Senhor, dize-nos a razão pela qual não conseguimos expulsar aquele espírito, pois que já o fizemos com vários outros, em Teu Nome!”
Respondo: “Em virtude de vossa fé fraca! Pois vos afirmo: se tivésseis fé segura e firme do tamanho dum grão de mostarda, poderíeis dizer a essa montanha: Afasta-te para além-mar! — e tal aconteceria, como tudo que quisésseis! Todavia, essa espécie de espí- rito só pode ser excomungada pela oração e pelo jejum.
Quando aqui passastes pela primeira vez, o menino não ha- via atingido grau tão elevado no jejum e na oração, conforme exigia seu obsessor. Agora chegado tal ponto, o mais crente de vós poderia ter feito isto, não obstante a reação do espírito. Assim foi melhor.
— O Sol já desaparece no horizonte, e não demora a chegar a noite; vamos entrar na casa do curado!”
Ouvindo Minhas últimas palavras, o pai do menino fica con- tente por Eu querer Me hospedar em seu lar. Manda preparar uma ceia, tratando-nos, inclusive sua família, com muita amabilidade. Aconselha-Me, ainda, a não ir para Jerusalém, onde estivera a ne- gócios, percebendo o ódio incontido dos fariseus à Minha Pessoa.
Então lhe digo: “Amigo, conheço seus pensamentos mais ocultos, bem como suas intenções, que levarão a termo. Ainda mes- mo Me assassinando, de nada lhes adiantará; no terceiro dia vencerei a morte, ressuscitarei e ficarei com os Meus até o fim dos tempos! Deixemos este assunto; dá-nos um bom leito, porquanto estamos muito cansados!” Dito e feito; dormimos bem, levantando-nos an- tes do pôr-do-Sol. Rapidamente tomamos o desjejum e os discípu- los indagam do programa.
Digo Eu: “Seguiremos, porque aqui não há o que fazer!”
Contesta o hospedeiro: “Não penso assim; pois nesta aldeia existe grande número de pessoas!”
Obtempero: “Certo; são na maioria comerciantes, de pouco ou nenhum interesse para nós. Por isto, iremos a zonas com menos negociantes e usurários.” Em seguida, levantamo-nos e partimos de navio. Perto de meio-dia alcançamos Jesaíra, após prolongada tra- jetória pela margem. Nem bem desembarcamos, somos abordados pela multidão, que Me pede para curar os enfermos.
Digo-lhes, então: “Não vim apenas em virtude dos doentes, e sim para transmitir-vos a Vinda do Reino de Deus, como já fiz há tempos. Naquela época não ligastes importância, porque Me conhe- cíeis de Nazareth — e agora, muito menos Me considerais! Por isto, não fico e deixo de curar os doentes! Consultai os médicos; saberão dar conta deles!” Com isto, alguns se aborrecem — outros, insistem que Eu cure os enfermos.
Digo-lhes: “Felizes vós por acreditardes ser Eu o Messias Prometido; — basta que depositeis as mãos nos doentes, em Meu
Nome, e eles melhorarão, seja a moléstia qual for!” Eis que mui- tos exclamam: “Cremos, cremos!” Em seguida, se dirigem rápidos aos enfermos, dos quais muitos prontamente se curam. Os outros, cuja confiança não era firme, inutilmente aplicam passes, e correm à praia para pedir conselho junto de Mim. Eu, porém, já estava longe, isto é, na cabana de Pedro, perto de Capernaum.
Lá ficamos alguns dias; descansamos das atribulações e aju- damos a família de Pedro na pesca. A seguir, deixamos o navio, ca- minhando a pé pela Galileia, onde visitamos uma quantidade de aldeias e vilas. Divulgamos o Evangelho e geralmente éramos bem acolhidos; mas não faltavam os oponentes, pois nessa viagem operei poucos milagres, por encontrar fé reduzida. Além disto, é o Norte da Galileia salpicado por gregos e romanos e invadido por feiticeiros, razão por que feitos milagrosos pouco impressionavam. Era prefe- rível lançar a boa semente, deixar que germinasse e voltar após um ano para o cuidado necessário.
OSENHORFALAACERCADOSEUFUTURO SOFRIMENTO
(Matheus17, 22–23)
Após terminada a trajetória pelo Norte da Galileia, os discí- pulos perguntam: “Senhor, durante meses caminhamos nessas terras de vila em vila, de casa em casa, pregando Teu Evangelho; muitos Te aceitaram com fé e amor, convertendo-se ao judaísmo. Que faremos agora? Acaso iremos dirigir nossos passos à Judeia, Itureia, Trachoni- tis ou Palestina, que tanto nos odeiam?”
Digo Eu: “Quando transmitis o Meu Verbo aos homens, vos- sas palavras são boas e sábias; ao falardes acerca de coisas do mundo, sois quais criaturas comuns, imitando seu modo de pensar e agir! Quando vier a época de Meu predito sofrimento, apresentar-se-á ele de modo indubitável; até lá podemos ir cem vezes a Jerusalém e Bethlehém, sem que sejamos atacados. Compreendestes?”
Diz Pedro: “Sim, Senhor, pois falaste claramente. Dize-nos com sinceridade, como será o Teu sofrimento?”
Respondo Eu: “Já vos informei a respeito na cabana do ve- lho Marcus, em companhia dos pobres pescadores, e anteriormente a caminho de Cesareia; como ainda podeis indagar? Sois tomados de medo, o que vos leva a perguntar; a fim de que vossas almas se habi- tuem, repito: Serei, no futuro próximo, entregue aos homens como Filho do homem; este será morto. No terceiro dia, ele ressuscitará de modo pleno, surgindo da sepultura, mais vivo do que agora, como Eterno Vencedor sobre morte e inferno, voltando ao vosso meio. Nada sofrereis em virtude disto; tereis finalmente compreendido o assunto?”
Respondem todos: “Sim, Senhor, compreendemo-lo e temos a impressão de ouvir as seguintes palavras dentro de nós: É preciso possuir um corpo imortal, a fim de se poder abrir os olhos à vida das criaturas mortais, cegas e maldosas.”
Acrescento: “Amém, é isto mesmo; pois quem não for espiri- tualmente vivo de modo integral não poderá assegurar ao próximo a Vida Eterna. Vim a este mundo para realizá-lo pela palavra e ação
— por isto terá de acontecer o que falei. Meu Corpo é ainda mortal como o vosso; pelo sofrimento tornar-se-á imortal, capacitando-Me garantir-vos a Vida Eterna. Assimilastes isto?” Os discípulos, mais calmos, o afirmam.
PEDROEO PUBLICANO
(Matheus17, 24–27)
Entre outras palestras desse teor, afastando a tristeza dos discípulos, chegamos às proximidades de Capernaum, onde havia uma alfândega perto do Mar Galileu. O aduaneiro, que bem nos conhecia, aproxima-se de Pedro e diz: “Vosso Mestre não costuma pagar a taxa?”
Responde ele: “Sim, caso se Lhe exija; acontece não sermos estrangeiros sujeitos por lei ao pagamento da taxa, e além disto ne- nhum de nós, incluindo o Mestre, possui dinheiro. Sabes que à bei- ra-mar, a uns duzentos passos daqui, está minha casa, onde ficare- mos alguns dias. Vou buscar a importância.”
Diz o publicano: “Não há pressa; sois todos livres, com exce- ção de vosso mestre, por não ser capernauense.” Com esta solução, fomos à casa de Pedro, onde perguntei-lhe: “Que te parece, Simon Pedro — de quem exigem os reis da Terra o imposto ou tributo: dos filhos do país ou apenas, ao que Me consta, dos estrangeiros?”
Responde Pedro: “De acordo com o trato com o aduaneiro, somente dos estrangeiros!”
Prossigo: “Então somos isentos. A fim de não aborrecermos esses gananciosos, pois não tens dinheiro, conforme afirmam os teus, toma dum anzol e pesca o primeiro peixe que se aproximar; ao abrires seu ventre, encontrarás um estáter. Entrega-o ao aduaneiro, por Mim e por ti!”
Pedro faz o que lhe ordeno, pescando um enorme salmão,
o melhor peixe de água doce. De volta da alfândega, ele conta que
o publicano só queria receber a metade do valor da moeda. Pedro, então, informara-lhe que tanto os doze apóstolos quanto o Senhor haviam pisado o caminho. Achando justo este cálculo, o aduaneiro aceitou a moeda toda.
Digo Eu: “Deixa o aduaneiro em paz e manda preparar o peixe.” Eis que Jacob Me pergunta da origem da moeda e Eu lhe digo: “Os romanos em Capernaum se distraem em atirar moedas ao mar para deixá-las apanhar pelos marujos, exímios nadadores. Essa foi pegada pelo salmão, que tentou mastigá-la. Não o conseguindo e tampouco podendo engoli-la, implantou-se no céu da boca; foi fácil Pedro pescá-lo por ser o salmão mui voraz. Para as criaturas, extra- ordinário se torna esse fato, por ter Eu conhecimento disto. Agora tratai da refeição, junto com pão e vinho.” Todos se apressam nesse sentido; o vinho, aliás, tem que ser fornecido da maneira milagrosa, já conhecida.
OMAIORNOREINODOCÉU.OS TROPEÇOS
(Matheus18, 1–9)
Enquanto assim comemos e bebemos durante uma hora, na maior harmonia, alguns discípulos se aproximam e dizem: “Senhor, muito nos relataste acerca da forma do Reino Celestial, havendo diversos graus de eterna bem-aventurança: uns, próximos de Deus, outros mais afastados e alguns mais distantes do Sol da Graça. Acha- mos isto razoável e lógico; desejávamos ainda saber de Ti quem fu- turamente será o primeiro em Teus Céus, e como se diz, o maior depois de Deus.”
Havendo na casa de Pedro várias crianças da vizinhança, cha- mei uma delas, coloquei-a no centro dos discípulos e disse: “Em Verdade vos digo, se não deixardes tais pensamentos mundanos de orgulho, para vos tornardes humildes como crianças, não entrareis no Reino do Céu, muito embora Meus apóstolos.
Quem se humilhar como esta criança e não sentir um vestí- gio de orgulho dentro de si — é o maior no Reino do Céu; pois so- mente a verdadeira humildade dum coração puro determina o grau de bem-aventurança nos Céus.
Quem aceitar em Meu Nome uma criança pobre ter-Me-á acolhido Pessoalmente! Quem aborrecer um destes pequeninos, que atualmente têm mais fé em Mim que vós, seria preferível que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho e fosse afogado no mar profundo. Ai do mundo por causa dos escândalos, pois ele encontrará seus juízes implacáveis naqueles que, pelo mundo, foram aborrecidos.”
Nesta altura, um apóstolo se adianta e diz: “Senhor, a julgar pelas Tuas Palavras, o Reino Celeste será problemático; pois quem no mundo não teria aborrecido alguma criança, sem querê-lo? Su- ponhamos não ter ela sido contrariada por alguém, mas quando na época da puberdade, será assolada pelos instintos através do necessá-
rio conhecimento das Leis de Moysés. Dize-nos, claramente, qual o sentido de Tuas Palavras ásperas!”
Respondo: “Não sejas tolo! Qual seria a pessoa, dotada de bom senso, capaz de atribuir-te um pecado caso tenhas aborrecido alguém sem sabê-lo e querê-lo?! Ai daquele que o pratica com mal- dade premeditada!”
Diz um outro: “Que fazer se minha própria natureza me aborrece? Quem será chamado à responsabilidade? Pois tem culpa evidentemente aquele que ma proporcionou!”
A esta pergunta atrevida e audaciosa, por parte do apóstolo algo irritado, Eu também Me irrito e digo: “Bem, se tua mão e teu pé te aborrecerem, corta-os e atira-os para longe. Pois é preferível que entres no Reino do Céu coxo e aleijado, do que possuidor de ambas as mãos e pés e seres lançado no fogo eterno. E se porventura teu olho se escandalizar, arranca-o e atira-o longe de ti; é melhor en- trares no Reino Celeste com um só olho, do que seres lançado com ambos no fogo do inferno!”
Nisto se levanta Pedro, a quem este ensinamento tampouco agrada e diz: “Mas, Senhor, não Te recordas das Palavras que profe- riste junto dos pobres pescadores acerca do inferno, do julgamento e dos castigos eternos das almas perdidas?! Aquelas explicações só po- diam ser aplaudidas por qualquer senso humano. Mas o que acabas de ensinar com certa irritação apaga tudo, e o velho inferno com os castigos eternos, Satanás e os demônios etc. surgem diante de nós, inclusive um Deus Implacável! Sabia de antemão que voltaríamos aos antigos princípios, e os hindus com suas penitências horrorosas possuem a doutrina única e verdadeira!
Admitamos que neste momento minha mão esquerda me aborreça; a fim de evitar uma repetição, tomo uma machadinha e a corto, o que me trará a morte certa, caso não receba imediato socorro. Se na melhor das hipóteses eu for curado, pode acontecer que a outra também me aborreça. A julgar pelo Teu Ensino, tenho de decepá-la, coisa inteiramente impossível. Resta saber que atitude tomar para não se perder o Reino do Céu!
Caro Senhor e Mestre, Tua Doutrina não é praticável. Se porventura oculta outro sentido, eis uma questão difícil de resolver. Os homens preferirão os antigos princípios à mutilação completa. Eu mesmo pretendo conquistar o Reino Celeste por toda sorte de renúncias — nunca, porém, pela mutilação. Seria melhor suicidar-
-se, evitando assim qualquer aborrecimento!”
EXPLICAÇÃODOSQUADROS ACIMA
Todos concordam com as palavras de Pedro, exceto João, que diz: “Caros irmãos, como é possível vos alterardes desta forma, como se tivésseis recebido um novo Ensinamento do Senhor?! Não vos lembrais o que falou no Monte em Samaria? Disse Ele quase literalmente o mesmo, acrescentando a explicação. Naquela ocasião assimilastes tudo; por que não o fazeis agora?”
Diz Pedro: “Tenho a impressão de já ter sido abordado tal assunto; mas sua interpretação caiu no esquecimento de todos nós, e seria oportuno repeti-lo.”
Digo Eu: “Tudo aquilo foi anotado, inclusive o prejuízo dos escândalos, para evitar que fossem esquecidos. Que representa a mão do homem? A atividade — boa ou má; a firme vontade é a machadi- nha, pela qual unicamente poderás afastar de ti uma ação maldosa. Como podes ser tão ignorante, admitindo tivesse Eu ordenado a mutilação física?!
De igual modo falei do decepar dum pé que porventura te aborreça. Quem seria capaz de pô-lo em prática?! E quão tolo seria Eu Mesmo exigindo tal crueldade, para salvar a alma do inferno?!
Assim como o corpo necessita de pés para caminhar e agir em determinado local — é indispensável à alma certo amor e desejo para qualquer coisa, a fim de trabalhar em prol de seu benefício.
Caso inclinação e desejo da alma não estiverem dentro de Minha Doutrina — o que facilmente é observado — tornam-se maus e irritam teu espírito; convém tomares da machadinha de tua vontade para decepar tuas inclinações, caminhando e agindo dentro
do verdadeiro amor e desejo, que te levarão, nessa marcha psíquica, facilmente ao Reino do Céu.
Em síntese é o seguinte: Todo homem desta Terra tem indis- pensavelmente duas espécies de amor, que projetam o desejo. Uma espécie é material e tem que sê-lo, pois sem ela ninguém prepararia o solo, tampouco procuraria unir-se a u’a mulher. Para tal fim precisa ele sentir amor e desejo materiais e externos, que o levam à ação. Se essas tendências para o mundo exterior se tornam por demais fortes, irritam o homem e atrofiam sua alma pela excessiva projeção na ma- téria. Eis chegado o momento de ele se conter e livrar inteiramente de tais fraquezas, através duma firme vontade, dedicando-se apenas ao que é puramente espiritual. Esse estado basta para a conquista do Reino do Céu, muito embora se deva pôr em prática ambas as tendências, dentro da Ordem, por amor ao próximo.
Já existem, e no futuro haverá muitos, que se afastarão intei- ramente do mundo e de seu trabalho, dedicando-se apenas às coisas espirituais. Não serão por isto justificados de modo completo; levam maior vantagem do que pessoas materialmente atribuladas, atraídas ao polo oposto, ou seja, ao próprio inferno.
No arrancar e atirar do olho deve-se entender a razão mun- dana do homem. É ela o olho da alma para ver e analisar as coisas do mundo e compará-las com as do espírito. Quando se inclinar por demais ao mundo, afastando-se inteiramente das coisas espirituais, nem se lembrando de Deus — a alma se aborrece, por ser atraída à matéria; urge, pois, renunciar à sapiência do mundo e se entregar às coisas de Deus, do espírito e da alma, por causa do Céu.
Quem isto fizer será justificado e verá o Semblante de Deus; tais espíritos felizes serão inferiores àqueles que elevaram sua sapiên- cia mundana à divina, inclusive por palavras e ações.
Penso terdes compreendido o assunto, e caso Eu voltar ao mes- mo, não Me pergunteis pelo sentido de tais quadros, que transmito de modo velado por tocarem apenas a alma, que nesta Terra também é en- coberta pela carne. Existe grande diferença entre um ensinamento que toca o homem, e um referindo-se apenas à alma. Compreendestes?”
(Matheus18, 10)
Manifesta-se Pedro: “Sim, Senhor e Mestre, estamos inteira- mente informados; peço-Te por tal razão acrescentares, futuramen- te, a explicação ao ensinamento, a fim de que não sejamos obrigados a nos aborrecer com a nossa própria ignorância.”
Digo Eu: “Fá-lo-ei quando necessário; pretendendo fortifi- car vossa capacidade intelectual e ativar vossa alma, não revelarei os quadros. Quem quiser ser bom professor terá de apresentar os pro- blemas de tal forma, a obrigar os alunos a pensarem e pesquisarem, do contrário fará deles indolentes estudiosos da Verdade.
Acrescento mais: O mestre tem de ser sábio e entender a fun- do o que ensina. Aos alunos convém ser idênticos a esses pequeninos que aceitam e praticam a lição, não obstante não entenderem seu sentido oculto; a compreensão justa virá com a maturação.”
Meditando sobre isto, os apóstolos chegam à conclusão de levarem muito tempo para se tornarem sábios e compreensivos, porquanto deveriam igualar-se às crianças maltrapilhas, ignorantes e inexperientes, não havendo uma que frequentasse a escola para aprender o Alpha e o Ômega.
Por isto lhes digo: “Tende cuidado em não desprezardes uma dessas crianças sequer! Afirmo-vos avistarem seus anjos, constante- mente, a Face de Meu Pai nos Céus!” (Matheus 18, 10).
Obsta Pedro: “Acaso não temos mais anjos no Céu que tam- bém vejam o Semblante de Teu Pai? Além disto, afirmaste certa vez que Teu Pai está inteiramente Contigo — e ora O projetas ao Céu distante? Como entender isto? Porventura está Ele às vezes Contigo e, em seguida, nas alturas? E Tu Mesmo — ora és o Pai e, noutra ocasião, apenas o Seu Filho? Esclarece-nos este ponto.”
Respondo: “Claro que tendes vossos anjos no Céu, do con- trário não seríeis Meus apóstolos! As crianças também os têm, por isto não as deveis desprezar. Disse-vos isto porque sei muito bem
não serdes amigos dos pequeninos. Não sendo capazes de amar essas crianças delicadas, carinhosas e angelicais — como amareis vossos semelhantes e, finalmente, Deus?
Se quiserdes educar pessoas de acordo com Meu Desejo, tereis de começar com as crianças. Em Verdade vos digo: O ensino no berço vale mais do que todas as Universidades do mundo! Mas quem deseja educá-las tem que lhes dedicar muito amor e paci- ência. A criancinha é de natureza mais pobre do que cem mendi- gos; é pobre de espírito, desprovida de força física e pobre de bens materiais.
Por isto vos digo, e por vosso meio, a todos que receberem este Evangelho: Quem aceitar em Meu Nome uma criança ter-Me-á acolhido com todo amor e assim terá recebido o Pai no Céu, sendo seu lar abençoado. Pois ela mesma é a bênção justa e verdadeira de Deus no lar onde é tratada, alimentada e educada para uma criatura verdadeira; não importa o sexo, pois na adolescência são idênticas aos anjos celestes.
Tu, Pedro, perguntando pelo Meu Pai e alegando Eu afir- mar encontrar-Se Ele ora no Céu, ora Comigo — vejo-Me obrigado a ter muita paciência com tua memória, do contrário Me levas ao aborrecimento.
Demonstrei e expliquei, não faz muito, o que é o Céu e onde se encontra, bem como a relação inseparável e indivisível entre Mim e Meu Pai — e tu nada mais sabes a respeito!
Acaso não é o Pai o Eterno Amor dentro de Mim?! E onde se acha o Amor, não estará o Céu e o Verdadeiro Reino de Deus?! Não sou, como Homem, o Filho deste Amor, que está dentro de Mim e criou, há eternidades, tudo que existe no Infinito?! Este Amor Eterno e Poderoso de Deus estando em Mim — não estarei completamente identificado com Ele?! Fala, se ainda não te é possí- vel compreendê-lo!”
Responde Pedro: “Já o entendo melhor que anteriormente; no entanto, não me é claro, porque afirmas seres o Filho do Homem e, noutra ocasião, Filho de Deus e até Jehovah Mesmo! Farás um
grande benefício dando-nos mais um pequeno esclarecimento, pois acredito que nenhum o entendeu a fundo!”
Digo Eu: “Também isto foi por Mim elucidado quando Me referi ao Meu futuro padecimento; mas não recebendo dez explica- ções de um assunto, tornando-se palpável, não o entendeis. Por isto repito: Nem Jehovah em Mim, tampouco Eu, Seu Filho Eterno, e sim somente este Corpo, como Filho do Homem, será morto em Jerusalém. Mas ressuscitará no terceiro dia completamente transfi- gurado, e estará, para sempre, unido Àquele Que está em Mim e Me revela tudo o que tenho de fazer e falar, e que ainda não conheceis de modo integral, muito embora aja e fale entre vós há bastante tempo. Agora fala tu, Simon Judá!”
OSEGREDODO GÓLGOTHA
(Matheus18, 11–14)
Diz Simon Judá: “Senhor e Mestre, há muita coisa que profe- res que custa tornar-se conhecimento luminoso, ao mais salutar ra- ciocínio. Haja vista a necessidade irredutível do padecimento do Fi- lho do Homem, e me atrevo a afirmar não haver lógica humana que aceite tal necessidade. Consta ser imprescindível esse padecimento no alcance duma finalidade imposta por Ti desde todo sempre. Isto, pouco ou mesmo nada adianta a fim de acalmar a razão do homem, que continua indagando: Por que era preciso que o Poderoso fosse de tal forma martirizado por Suas criaturas para garantir-lhes a feli- cidade e a Vida Eterna? Não eram suficientes Sua Doutrina Pura e as Ações Milagrosas, realmente divinas? Se isto tudo não melhora a índole humana — acaso fá-lo-ão Seu Padecimento e Morte?
Como Teu mais fiel discípulo, confesso com sinceridade: Teu Sofrimento será para muitos uma pedra de escândalo, fazendo-os vacilar na fé. Por tal motivo, peço-Te nos esclareceres melhor para acalmarmos, futuramente, os que nos abordarem nesse sentido.”
Digo Eu: “Tocas numa questão boa e justa, mas que não as- similarás como homem natural, ainda mesmo Eu te esclarecendo de
modo completo; somente após Minha Ressurreição, quando fores renascido em espírito, compreenderás na íntegra o grande porquê.
Eu, o Único Portador de todo Ser e Vida, tenho de libertar aquilo que desde Eternidades está condenado à morte e ao julga- mento pela fixação de Minha Vontade. E através da condenação e da morte de Minha Carne e Sangue, penetrar no antigo julgamento e morte, soltando, deste modo, os laços de Minha Vontade Divina, em virtude do amadurecimento das coisas materiais, facilitando a todas as criaturas passarem da morte eterna à vida livre e independente.
Eis o motivo da Vinda do Filho do Homem a esta Terra, para ir à procura daquilo de certo modo perdido desde sempre, libertá-lo e capacitá-lo à bem-aventurança. (Matheus 18, 11).
Que vos parece: Alguém possuindo cem ovelhas e quando uma delas se perde na floresta — acaso não deixa as noventa e nove, indo à procura da outra? (Matheus 18, 12). E caso a encontre, em verdade vos digo: Sentirá maior alegria com essa, do que com as no- venta e nove, que nunca se extraviaram! (Matheus 18, 13).
O mesmo acontece com Deus, muito embora tenha criado tudo que comporta o Espaço Infinito da Plenitude Eterna de Seus inconcebíveis Pensamentos, Ideias e Noções, externando-os pela fi- xação de Sua Vontade. Se isto tudo tivesse que perdurar desta forma, dentro do julgamento férreo e na morte, seria comparável à ove- lha perdida e jamais encontrada. Que prazer e alegria poderia dar a Deus a matéria eternamente morta? Pois foi o motivo especial de Minha Vinda achar tal ovelha e conduzi-la à meta feliz.
O Espírito e a Vontade de Deus são, deste modo, amainados, subjugados e libertos dentro de Meu Corpo, isto é, na matéria. Isto feito, Minha Matéria tem que ser partida e dissolvida no maior ve- xame e humilhação, e o Espírito de Deus, que habita em Mim em plenitude e está Uno com Minha Alma, tem de despertar e vivificar esta matéria pelo fogo de Seu Amor, fazendo-a ressurgir como ven- cedora de todo julgamento e morte.
Já disse não vos ser possível assimilardes claramente o como e o porquê; podeis deduzir que tal ato, conquanto horroroso à vista
humana, é necessário para reconduzir todas as criaturas à vida livre, independente e puramente divina no decorrer dos tempos.
Tendo vos esclarecido sobejamente, compreendereis, no ín- timo, quem sejam os pequeninos, porquanto é da Vontade do Pai não se perder o menorzinho e mais desprotegido. (Matheus 18, 14). Foi esta a razão por que vos apresentei essas crianças, demonstran- do pela interpretação ordenada a Vontade Daquele que habita em Mim e é Senhor para sempre de todas as criaturas no Infinito. Ainda havendo tempo de sobra, podeis demonstrar vossas dúvidas. Pedro, que mais te falta?”
Responde ele: “Ó Senhor, haveria muita coisa; necessito, porém, digerir este assunto. Se abordares algo novo, esquecerei o que acabo de ouvir.” Faz-se silêncio e os apóstolos meditam sobre Minhas Palavras.
O PERDÃO
(Matheus18, 15–22)
Súbito, ouve-se lá fora uma forte contenda entre alguns pes- cadores, e Pedro propõe-se apaziguar os ânimos. Concordo: “Sim, vai ajustá-los, pois também é obra de caridade fazer com que a ira se abrande; é ela uma emanação do inferno, empestando o coração anos afora e obscurecendo a alma. Vai, pois, estabelecer a paz!”
Aproximando-se dos contendores, Pedro indaga do motivo da altercação. Um deles, mais comedido, relata haver o empregado dum morador da cidade, portanto não possuindo direito de pesca, jogado os anzóis no melhor local; deste modo, fez abundante pesca, mas quando chamado à atenção pelos pescadores, que lhe tiraram os peixes de acordo com os seus direitos, ele reagira com palavras rudes, querendo provar assistir-lhe a mesma vantagem. Sem licença patenteada, ele se outorgava direitos que os outros de modo algum permitiam.
Diz Pedro: “Não deixa de ser ladrão; mas deixai-o em paz. Caso repita seu atrevimento, podeis entregá-lo à justiça, pois sa-
beis perfeitamente sermos por Lei obrigados a perdoar sete vezes ao inimigo.”
Respondem os pescadores, que seguravam o ladrão: “Mas já lhe perdoamos sete vezes e a Lei não fala que se deva ir além, por isto será entregue ao juiz!”
Diz Pedro: “Realmente vos encontrais dentro da justiça; ain- da assim, fazei o melhor, perdoando-lhe mais esta, como última vez. Tão logo repetir a audácia, fazei o que de direito!” A estas palavras, os pescadores soltam o ladrão, após ter prometido corrigir-se, e deste modo eles seguem calados aos seus lares.
De volta ao quarto onde estamos, Pedro diz: “Senhor e Mes- tre, a briga foi resolvida porque induzi os pescadores ao perdão pela oitava vez; dentro da justiça teriam direito de entregar o ladrão ao juiz. Seria de proveito, Senhor, caso nos esclarecesses neste ponto as Leis mosaicas, mormente nesta época em que a legislação romana começa a intervir nas condições judaicas, de modo a não mais se saber qual medida tomar. Em certos pontos, a lei de Roma é mais humana que a mosaica, muitas vezes impraticável. Que seria justo dentro de Teu Amor e Sabedoria?”
Digo Eu: “Sei como andam as coisas e ser difícil ao juiz deter- minar entre as duas jurisprudências, como e quando alguém pecou contra o próximo, porquanto uma lei sustenta aquilo que a outra condena. Por isto é preciso dar orientação segura para todos. Ouve-
-Me: se alguém pecar contra ti, vai e expõe-lhe, particularmente, o caso com delicadeza, pedindo que não o repita. Prestando ouvidos e seguindo teu conselho, terás causa ganha. (Matheus 18, 15). Não te ouvindo, chama, de acordo com a questão, uma ou duas teste- munhas para que tenhas o depoimento de várias, em caso de neces- sidade. (Matheus 18, 16). Se ainda assim não te atende, esclarece o caso à Comunidade, em presença das testemunhas; persistindo em sua teimosia, terás de declará-lo frente a todos como pagão e mau publicano. (Matheus 18, 17).
Isto é suficiente para todos; o que passa daí é prejudicial e cria males maiores. Tal determinação é tirada de Minha Ordem Di-
vina, e vale não só para aqui, mas também para o Além. Em verdade vos digo: tudo que deste modo ligardes e desligardes nesta Terra será ligado ou desligado no Reino do Céu. (Matheus 18, 18). E acrescen- to mais, a fim de vos facilitar o apaziguamento de todas contendas e adversidades: Se dois dentre vós concordarem a respeito de qualquer coisa que pedirem ao Pai em Meu Nome, ser-vos-á por Ele concedi- da, no Céu e na Terra. (Matheus 18, 19).
Se, portanto, alguém te ofender, perdoa-lhe de todo coração e pede ao Pai, em Meu Nome, que acalme o coração do pecador
— e isto se fará à medida de tua fé e teu perdão. Repito: Onde dois ou três estiverem reunidos por um motivo justo, dentro de Minha Ordem, estarei em espírito entre eles, concedendo-lhes o que Me pedirem. (Matheus 18, 20). Julgo que todos se equilibrarão com tais medidas em qualquer situação crítica da vida, e mesmo em meio de milhares de leis mundanas, não raro contraditórias.”
Novamente, Pedro se aproxima e diz: “É natural considerar- mos essas Tuas Determinações e orientarmos também outros no seu cumprimento. Existe apenas um ponto crítico: quantas vezes se deve perdoar àquele que nos ofende? Basta sete vezes, dentro das Leis de Moysés?” (Matheus 18, 21).
Respondo: “Querendo enumerar o perdão, sete vezes não bastam, mas setenta vezes sete! (Matheus 18, 22). Pois o Reino ce- leste consiste, principalmente, na aplicação do mesmo amor, con- córdia e reconciliação existentes entre os anjos do Céu, dos quais já conheceis alguns.”
PARÁBOLADOCREDOR INCOMPASSIVO
(Matheus18, 23–35)
(O Senhor): “A fim de vos apresentar o Reino do Céu em sua verdadeira situação, dar-vos-ei uma parábola: É o Reino Celeste qual rei que certo dia resolveu fazer contas com os servos. Nem bem começara, apareceu um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo com que saldar seu débito, o rei mandou vender o próprio servo
preguiçoso, sua mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de poder pagar a grande dívida.
Vendo que todos eles iam ser vendidos quais escravos, o em- pregado se prostrou diante do rei, louvando-o com as seguintes pa- lavras: Grande e poderoso soberano e senhor, sê paciente comigo! Revoga a venda e dá-me a liberdade por certo tempo, que farei tudo para pagar-te! — O rei apiedou-se do servo, sustou a venda de todos e perdoou, inclusive, o débito.
Pouco tempo mais tarde, o servo foi à cidade a negócios, encontrando um conservo que lhe devia cem denários. Humilde, ele lhe pediu clemência, pois em breve lhe pagaria o dinheiro. O outro, porém, enraivecido, agarrou-o a ponto de quase sufocá-lo e gritou: Paga-me já; de há muito estou esperando, e minha paciência esgotou-se!
O amigo atirou-se aos pés dele e pediu, chorando: Dá-me um pequeno prazo, que te pagarei tudo! O servo do rei não quis usar da paciência, mandou prender o outro, até que o confisco de seus rendimentos cobrisse a dívida. Quando os demais conservos viram isto, entristeceram-se e relataram tudo ao rei. Este mandou chamar o credor inclemente e lhe disse, aborrecido: Servo malvado, acaso não te perdoei a dívida em virtude de tua súplica? Por que não te compadeceste de teu irmão, conforme viste eu agir contigo?!
O servo calou-se de susto e medo, por ver a bondade e justiça do soberano, que castigava severamente o vilipendiador de seu amor e graça. Ainda mais revoltado por isto, o rei entregou-o aos verdugos até que suas rendas confiscadas pagassem seu grande débito.
Do mesmo modo agirá Meu Pai Celeste caso não perdoardes, de coração, os pecados e erros alheios. Nisto consiste o Reino do Céu, tanto em sua grandeza quanto na simplicidade, não reinando entre os felizes qualquer animosidade, inveja ou ódio, mas sim a maior harmonia, concordância e amor.
Não é preciso, portanto, haver neste mundo uma jurispru- dência que determine o direito entre ofensores e ofendidos, pois vosso coração bom e cordato será para Mim o juiz competente; com
ele resolvereis todas as vicissitudes com despesa mínima de taxa ju- dicial, e o infrator será mais facilmente vosso verdadeiro amigo do que obrigado para tanto através da sentença do juiz. Agora dizei-Me se compreendestes isto tudo a fundo!”
A NECESSIDADE DE CONDENAÇÕES TERRENAS.MOTIVODOSCRIMESESUA PREVENÇÃO
Diz Pedro: “Senhor e Mestre, por certo tais medidas são as melhores possíveis; mas se nós e os que delas se integrarem assim agirmos, resta saber se as condenações terrenas não serão desnecessá- rias. Porventura alguém me ofendendo, perdoar-lhe-ei setenta vezes sete vezes, se realmente chegar a tal ponto; prosseguindo em sua maldade, que fazer? Penso ter chegado o momento de entregar-lhe à justiça; assim o rei de Tua Parábola fez ao servo inclemente. Qual seria Teu parecer, Senhor?”
Digo Eu: “Meu caro Pedro, já dei anteriormente diretrizes para casos tais, quando da contenda dos pescadores, e todos certa- mente compreenderam quais as medidas a serem tomadas.
Subentende-se haver neste mundo necessidade de condena- ções para criminosos incorrigíveis, do contrário ninguém andaria seguro de sua vida. Quanto às desavenças particulares, convém apa- ziguá-las perante o juiz de coração misericordioso e pacífico, para evitar que se avolumem em crimes pesados. Em verdade vos digo: As- saltos e homicídios são, finalmente, nada mais que as consequências de pequenos dissabores, surgidos pelas exigências da presunção e do egoísmo. O quadro seguinte explicará melhor a situação.
A filha dum homem conceituado e rico é alvo da paixão dum rapaz pobre de caráter bem formado, e isto porque ela também lhe demonstrou o seu afeto. Após certo tempo, ele se enche de coragem e procura o pai para pedir a filha em casamento. Este, orgulhoso e frio em virtude de sua fortuna, manda botá-lo porta afora, onde os cães finalizam sua derrota. Tal reação desmedida enche o coração do jovem de raiva, ódio e vingança, e quanto mais reflete sobre a im-
possibilidade de se tornar genro daquele ricaço, tanto mais cresce o desejo de humilhá-lo. Mal o pensamento cria forma, plano, decisão, vontade e ação se tornam evidentes — e ele mesmo, assassino.
Tal não teria acontecido caso fosse tratado como homem de bem, pois o orgulhoso não mediu sua atitude, achando-a mui na- tural; para o outro, ela era demasiado forte e ele se fez criminoso, ocultando-se na mata, tornando-se o pavor da zona.
Por esse pequeno exemplo podeis averiguar que, geralmen- te, a dureza de sentimentos transforma os infelizes em criminosos. Considerai-o com todos que por qualquer motivo se tenham mani- festado com rudeza para convosco, que os crimes serão raros sobre a Terra e os bons regerão os pobres. Compreendestes?”
Todos confirmam, e os apóstolos refletem acerca do sentido deste ensinamento; João e Matheus anotam os pontos principais, enquanto Jacob e Thomaz se ocupam, particularmente, com as ex- plicações, entretendo-se perto de duas horas. Em seguida, Pedro diz: “Agora não mais perderemos tal explicação, a qual nos trouxe grande proveito. Mas já está escurecendo e terei de cuidar da ceia.”
Digo Eu: “Quem foi que disse isto? Vê em que altura se acha o Sol; se navegarmos com bom vento, pela margem, alcançaremos antes do crepúsculo as fronteiras da Judeia, além do Jordão.” Admi- rado, Pedro constata a posição do Sol, principalmente o fato de seu engano, pois ainda faltam três horas para a noite.
UMAONDADE GAFANHOTOS
Inconformado, Pedro Me pergunta a causa de seu equívoco e Eu lhe digo: “Dirige-te à praia e saberás o porquê.” Apavorado, ele percebe a superfície do mar coberta de gafanhotos, inclusive o navio ancorado na amurada. Rápido, ele volta para junto de Mim a fim de saber se esse fenômeno era a causa do obscurecimento.
Respondo: “Por certo. Partindo do Egito, esses insetos cobri- ram qual nuvem o Sol, dando-te a impressão de ter chegado a noite. Eis tudo que te posso dizer.” Satisfeito, Pedro vai novamente à praia
para observar o extraordinário fato. André e Philippe, com inclina- ções naturalistas, indagam de sua origem e utilidade.
Digo Eu: “Meus caros, é louvável todo interesse pelos fenô- menos da Natureza, pois é um grande livro escrito pela Mão de Deus, facultando ao pesquisador equilibrado as maiores provas do Amor, Sabedoria e Poder do Pai Celeste. Um investigador apaixo- nado pode, todavia, desviar-se por atalhos, onde se afasta inteira- mente de Deus, atribuindo todo ser e vida às forças inconscientes da Natureza.
Precisamente fenômenos como este podem desviar o exímio naturalista de Deus, porquanto considera a capacidade reprodutiva da vida natural sem plano e utilidade, que bem pode prescindir do Criador. Pelo caminho da pesquisa externa, nunca poderá descobrir o motivo do fenômeno, porque não consegue tocar o Espírito de Luz e Amor Divino com a própria alma, enterrada na matéria.
Quem tiver psiquicamente tocado e compreendido o Espíri- to Divino será instruído pelo próprio espírito, da origem e do por- quê de tais acontecimentos. E só então deve tal homem renascido pesquisar as coisas da Natureza e demonstrá-las, revelando-as, deste modo, aos que carecem de tais noções, para se dedicarem com afin- co à atividade despertadora do espírito em sua alma.
Voltando aos gafanhotos, digo-vos que surgem em todas as zonas quentes do orbe, geralmente em certas épocas no Egito e no Sul da Ásia.
Lá existe a mais forte produção de espíritos da Natureza, isto é, o solo terráqueo, o calor, a forte luz solar, o abundante orvalho e outros fatores mais agem de modo tão poderoso, a ponto de li- bertarem uma grande quantidade de elementos telúricos. Esses, de pronto se juntam aos espíritos do ar, condensam-se em matéria sutil, para em seguida se transformarem em crisálidas, ingressando na vida animal; deste modo surgem os gafanhotos em países quentes, muito embora também se procriem pelos próprios ovos.
Tanto o reino vegetal quanto o animal são destinados a liber- tar da matéria rígida os espíritos algemados, de degrau em degrau,
até o homem. Já conheceis o destino deste, portanto não é preci- so prosseguir no assunto. Agora chamai a Pedro, pois tenho algo a vos transmitir.” Dito e feito, mal Pedro entra na sala, indaga do Meu Desejo.
TRAVESSIADOSENHOREDOSSEUSÀMARGEM OPOSTA
(Matheus19, 1)
Eis que digo: “Aprontai-vos; tenho que Me dirigir ao país aci- ma do Jordão, na fronteira da Judeia. Ainda não estivemos lá, onde habitam inúmeras pessoas sedentas da Verdade — e assim faremos uma boa conquista.”
Diz Pedro: “Nesse caso, temos que seguir pelo mar, e o navio está coberto de gafanhotos; duas pessoas necessitariam metade de um dia para a limpeza.”
Digo Eu: “Falaste certo; meio dia ainda não seria suficiente para tal tarefa. Fá-lo-ei mais rápido. Vamos até lá que o navio já esta- rá limpo.” E assim foi; não havia mais um gafanhoto na embarcação. Os discípulos quedam-se perplexos, e Pedro diz: “És realmente o maior Mestre em tudo, e até mesmo os gafanhotos têm que se sub- meter à Tua Vontade. Devemos, então, embarcar ou conviria fazer- mos um pequeno repasto, por ser longa nossa trajetória?”
Acrescento: “Para que isso tudo? Até hoje não passamos fome onde quer que estivéssemos, portanto nada disto enfrentaremos na zona de nosso destino. Já deste tuas ordens domésticas; subamos para o navio! Estendam a vela, soltem a embarcação e um de vós se poste, só, no leme! Farei levantar um bom vento, e dentro em breve lá estaremos!” Pedro ainda se lembra se não seria conveniente le- varmos alguns marinheiros a fim de cuidarem do barco na margem oposta. Concordo, e ele chama dois empregados. Tudo está pronto, o vento sopra — e zarpamos com ligeireza.
Percebendo que, embora seguíssemos rapidamente, a super- fície do mar apenas apresentasse pequeninas ondas, os marinheiros indagam de Pedro o motivo, pois nunca avistaram tal fato. Ele lhes responde: “Como indagais?! Acaso esquecestes o Poder que assiste ao Grande Mestre de Nazareth, nosso Messias?!”
Respondem eles: “Sabíamos operar ele grandes milagres, mas ignorávamos obedecerem-lhe vento e mar. Deve ser grande profeta, semelhante a Moysés e Elias.”
Protesta Pedro: “Muito mais. Nada mais pergunteis e cuidai do navio; em tempo oportuno, sereis informados quanto à Divinda- de do Senhor. Estamo-nos aproximando da foz do Jordão e é preciso cuidar para não sermos atraídos pela correnteza; dificilmente se con- segue dela sair, sem brisa contrária.” Os dois empregados se atiram aos remos, de sorte que passamos qual flecha sobre a parte perigosa, atingindo a margem após uma hora de viagem.
Havia ali uma vila habitada por pescadores, na maioria ju- deus e uma terça parte comerciantes gregos. Nem bem demos alguns passos em terra firme, enfrentamos grande multidão, em virtude da presença de alguns fariseus de Jerusalém que cobravam o dízimo. Subentende-se sermos inquiridos sobre o motivo de nossa chegada e se porventura queríamos fazer compras. Pedro contém os curiosos com as palavras: “Deixai-nos primeiro encontrar uma tavolagem; então sabereis quem somos e o que queremos.”
ACURADEUMCEGODENASCENÇAEDE OUTROS
(Matheus19, 2)
Enquanto Pedro termina de falar, um hospedeiro benquisto se aproxima e lhe diz: “Aceitai a minha hospedaria, a maior da zona, e além disto cobro pouco, embora seja grego. A julgar pela aparên- cia, sois judeus; mas não importa, porquanto aqui também se en- contram vários fariseus de Jerusalém, fazendo cobrança do dízimo.”
Diz Pedro: “Tal perspectiva não é das mais agradáveis. Aliás, depende unicamente do Senhor, e far-se-á o que Ele determinar.”
Indaga o hospedeiro: “A quem me devo dirigir?” Apontando a Mi- nha Pessoa, Pedro diz: “Eis o Senhor!”
O grego faz uma reverência junto de Mim, dizendo: “Queres hospedar-te em minha casa? Ela é espaçosa e confortável, e meu preço é o mais acessível de todos.”
Respondo: “Não resta dúvida; acontece não termos com que pagar-te, por isso passaremos a noite no navio. Além disto, acolhes enfermos e um médico incapaz de curá-los, não obstante teres manda- do chamá-lo em Jerusalém, custando-te muito dinheiro. É, portanto, inconveniente morar-se em tua casa, cheia de moléstias graves.”
Assustado, o grego indaga como Eu poderia ter conhecimen- to a respeito. Digo Eu: “Poderia dizer-te outras tantas coisas, que mais ainda te deixariam perplexo; mas isto basta!” Minhas Palavras encabulam o homem, insistindo que Eu aceite sua proposta, pois dentro em pouco estaria escuro.
Digo Eu: “Pois bem; traze-Me teu filho cego e veremos se posso curá-lo.” Depressa, o hospedeiro vai à casa e traz seu filho de quatorze anos, completamente cego. Posta-o diante de Mim e diz: “Ei-lo, caro amigo; nasceu cego e todos os médicos e feiticeiros procuraram curá-lo — mas sem efeito. Como observaste há pouco, acha-se aqui um verdadeiro taumaturgo, mas que fez tanto quanto os outros. Resta agora experimentarmos tua faculdade curadora, e caso obtenhas êxito, metade de minha fortuna será tua!”
Respondo: “Se acreditares que Eu possa dar-lhe a visão, ele obtê-la-á!” Fixando-Me demoradamente, o hospedeiro afirma: “Sim, creio em ti! Teus olhos emanam algo de tão positivo, que me dizem: Por esta boca jamais passou a mentira!”
Obtempero: “Mas os outros médicos usam pomadas e os fei- ticeiros suas varas mágicas — Eu nada disto emprego. Minha Vonta- de é tudo, portanto queroque teu filho obtenha a luz dos olhos!” No mesmo instante se dá o milagre, e o menino se extasia de felicidade por ver tudo que o rodeia.
O pai se junta a Mim e diz: “Ó grande e verdadeiro cura- dor, como agradecer-te por tal Graça? Pois somente quem tem o
teu poder pode distribuir Graças! De que adiantam os favores por parte dos potentados, quando não podem proporcionar a visão a um cego?! Tu o fizeste através duma força interna que desconheço, fazendo dum miserável, um feliz! Minha promessa anterior não está à altura de tua caridade. Fala, pois, o que te devo, que tudo será feito com amor e alegria!”
Digo Eu: “Dá-nos acolhida para hoje e faze o Bem aos po- bres, redimindo-te do mal que muitas vezes lhes fizeste!” Ele promete cumprir rigorosamente Minhas advertências, e Me suplica segui-lo à sua casa. Eu, os apóstolos e dois marinheiros o acompanhamos, inclu- sive a multidão testemunha da cura. E muitos dentre eles exclamam: “Ó verdadeiro salvador, cura também os nossos enfermos, que não são poucos! Quem aqui adoece jamais sara, definhando-se até a sepultura. Esta zona tão bela, infelizmente, tem tal particularidade. Proporcio- na-nos a mesma Graça dada ao cego, de acordo com a tua vontade!”
Digo Eu: “Pois bem — que se faça o que desejais e credes! Verificai se em vossos lares ainda se acha um doente!” Com exceção de alguns poucos, todos se apressam por chegar à casa, onde encon- tram os curados tão bem-dispostos, como se nunca tivessem padeci- do. Não sabendo a que atribuir o fenômeno, indagam o motivo; são informados ter Eu curado na praia o filho cego do hospedeiro, e por certo também os outros doentes do grego.
Incontinenti eles se dirigem à tavolagem, pedindo para agradecer-Me pela cura. Aproximo-Me deles e digo: “Ide para casa e não mais pequeis; tão logo recairdes nos antigos pecados, sereis aco- metidos da moléstia anterior. Cumpri os Mandamentos de Moysés, que todo mal ficará longe de vós!” Assim despeço-os, e o hospedeiro não sabe que fazer de contente pelo Bem proporcionado a todos.
O grego, ciente de que os judeus não comiam o mesmo que os pagãos, indaga: “Senhor, qual é vosso alimento para a noite? Sois inteiramente donos desta casa, e eu vosso servo, atento para cumprir os vossos desejos.”
Digo Eu: “Dá-nos algum pão e vinho, além disto um bom leito é o que necessitamos.” Embora triste com nossa modéstia, ele nos traz pessoalmente o que Eu pedira, tomando parte com os seus familiares. Como o bom vinho lhe solte a língua, relata sua vida e também se refere aos milagres essênios, aos fariseus e aos Manda- mentos de Moysés. Quanto aos últimos, acha-os muito bons, mas que não eram considerados pelos sacerdotes, não obstante deverem dar o exemplo aos fiéis. Talvez fosse Eu capaz de lhe esclarecer essa questão e, além disto, aconselhá-lo se deveria aderir ao judaísmo, após repetida insistência dos templários. No fundo lhe agrada mais a doutrina dos judeus do que a pagã, realmente apenas construção poética de pouca base verdadeira.
Respondo: “Continua externamente o que és, mas sê verda- deiro judeu, coisa fácil na tua situação, porquanto não tens obriga- ção com qualquer sacerdócio. Compreenderás seres tu de interesse dos fariseus, em virtude de tua fortuna; por isto, continua pagão e procura a Verdade e a base de toda Vida. Somente a Verdade te liber- tará, e com ela estarás acima do sacerdócio e de tudo que o mundo chama de ‘sabedoria’. Ter-Me-ás compreendido?”
Diz ele: “Certo; resta uma pergunta. O que é a Verdade? Onde está? Quem a poderá transmitir?”
Respondo: “Eu e qualquer um de Meus discípulos; entre- tanto, sou o mais indicado, porquanto sou a Verdade e a Vida, pela razão de que Aquele que habita em Mim o é, desde eternidades.”
Diz o grego: “Senhor e Mestre, como devo entendê-lo?”
Respondo: “Aqui se acham Meus discípulos, a quem podes perguntar; é melhor deixar que outros falem a nosso respeito, do que
fazê-lo. Enquanto isso, irei apreciar a fresca brisa da noite.” Levan- to-me e vou sozinho à frente da casa. Os apóstolos esclarecem nesse meio tempo ao grego os pontos mais importantes de Minha Pessoa. Assim orientado ele se junta a Mim, para agradecer-Me com os seus pela grande Graça recebida. Abençoo-os e, em seguida, nos recolhe- mos aos leitos, pois já era noite adentro.
APROIBIÇÃODO DIVÓRCIO
(Matheus19, 3–9)
Ao nos levantarmos, dispostos, encontramos o hospedeiro de pé e os marujos a bordo, prontos para a partida. Mandei que tomassem primeiro o desjejum e, em seguida, zarparam, porquan- to não necessitávamos tão cedo do navio. Também fizemos a nossa refeição a pedido do hospedeiro; mal terminamos, chegam várias pessoas para falarem Comigo, o “homem milagroso”. Entre elas ha- via judeus e gregos a comentarem aquilo que Eu fizera apenas pela Vontade. Deste modo, os templários encarregados da cobrança do dízimo são informados dos fatos, deduzindo ser Eu o carpinteiro de Nazareth. Por isto, entram em nossa sala e procuram experimentar-
-Me com várias indagações, por Mim respondidas de modo incisivo, tapando-lhes a boca.
Nessa zona havia alguns insatisfeitos com suas mulheres, por conseguinte exigiam o divórcio por parte dos fariseus. Um deles se dirige a Mim e diz: “Ó mestre milagroso e sábio, acaso é lícito o homem divorciar-se por qualquer motivo?”
Olhando-o com firmeza, digo: “Por que Me perguntais? Não lestes na Escritura que o Criador só fez umhomem e umamulher? E quando este primeiro casal se achava frente ao Criador, Ele, a Quem jamais reconhecestes, percebendo o agrado do homem para com a linda mulher, disse: Eis por que no futuro o homem deixará pai e mãe, seguindo sua mulher, tornando-se eles umsó corpo! Se isto é tal qual Deus pronunciou, eles não são dois, mas umasó carne! E o que Deus juntou deste modo, o homem não deve separar!”
Dizem eles: “Sendo tão entendido na Escritura, saberás por certo que Moysés — que descreveu a Criação do homem — deixou uma carta para divórcio dentro da Lei, autorizando tal passo por motivo concludente.”
Retruco: “Bem que ele vos deu tal documento, que permite vos separardes de vossas mulheres; fê-lo, porém, em virtude da du- reza de vossos corações. No início da Humanidade desta Terra, a situação não era esta, e sim como vos disse anteriormente.
Acrescento mais: Quem separar-se da mulher, ainda mesmo por causa de sua infidelidade, e casar com outra cometerá adultério. O mesmo fará quem se casar com a divorciada. Já conheceis o grau de pecado que se prende ao adultério, dispensando maiores explica- ções.” Com isto os fariseus se retiram sem dizer palavra.
EXCEÇÕESEMASSUNTOS MATRIMONIAIS
(Matheus19, 10–12)
Em compensação, se aproximam os Meus apóstolos e dizem: “Senhor, se a situação dum casal é esta, convém não casar. Existem mulheres, verdadeiros demônios para os maridos, e julgamos não ser de todo condenável a separação e uma nova união, em vista da or- dem caseira. Se tal homem mantiver uma criatura maldosa e infiel, haverá em tal lar constantes rusgas e contendas, causando aborreci- mentos até aos vizinhos. Ele se separando dela, a paz voltará na famí- lia. E em tal caso achamos justificada a carta de divórcio de Moysés.”
Digo Eu aos discípulos, um tanto encabulados: “O que foi dito perante os fariseus não é compreendido por qualquer, mas ape- nas por aqueles a quem é dado a compreensão; até então não o as- similastes, muito embora possuindo entendimentos. Ainda assim, ireis compreendê-lo.
Primeiro, reporto-Me àquilo que acerca desse assunto expli- quei de modo conciso. Segundo, subentende-se que Eu jamais teria transmitido a Moysés a carta de divórcio caso não tivesse havido necessidade para certas ocasiões. Acaso ignorais o abuso contínuo
praticado pelos fariseus em questões de divórcio?! Eles mesmos se- meiam a dissensão entre um casal feliz para finalmente conseguirem sua separação. O divórcio é efetuado pelos sacerdotes e custa muito dinheiro; eis o motivo das frequentes separações e por que apresentei aos fariseus as Leis Originais de Deus. Conhecedores do Meu Poder, retiraram-se com ódio oculto.
Terceiro, digo-vos algo importante que deveis anotar. Exis- tem os impotentes de ambos os sexos; além destes, homens que por circunstâncias quaisquer foram mutilados, e outros que o fizeram a si mesmos, por causa dos Céus. Quem for apto compreendê-lo-á.
Para esses, não existe matrimônio e caso haja, é inteiramente sem valor e pode ser anulado; nesse caso, a pessoa normal poderá casar sem cometer adultério. Se porventura a mulher for estéril, o marido poderá fazer o mesmo que os patriarcas por causa da prole, e jamais será chamado perante o juiz. Com isto, creio que assimilastes o problema.”
Diz Pedro: “Mas se alguém se casar e, não obstante todas as advertências e conselhos, a mulher prevaricar constantemente — não conviria efetuar-se o divórcio?”
Respondo: “Sem dúvida te poderás divorciar duma evidente adúltera — todavia não te é permitido novo casamento, enquanto ela for viva. Pois não te é possível saber se ela venha a se arrepender, voltando ao teu lar completamente regenerada e fiel. Se durante a sua ausência tiveres casado com outra e a primeira querendo voltar, não poderias recebê-la por causa da segunda — dolorosa situação para os três. Não poderias, em tal hipótese, aplicar misericórdia à primeira, tampouco divorciar-te da segunda; entretanto, deves ser clemente e misericordioso como o Pai no Céu. Não te sendo possí- vel empregar misericórdia — o que és e o que farás para te manteres em Minha Ordem? Se és de natureza forte e sensual, recorda-te dos patriarcas; em teu coração sê fiel a Deus e te abstém da impudicícia, depravação e adultério. Pois tais pessoas não entrarão no Reino do Céu; compreendeste bem?” Responde Pedro: “Sim, Senhor, tam- bém este ponto está claro.”
(Matheus19, 13–15)
Eis que se aproxima o hospedeiro e diz: “Senhor, vale isso também para os pagãos?”
Respondo: “Certamente, pois só existe UmDeus e Senhor, que veio a esta Terra para abrir a porta de Luz e Vida igualmente aos pagãos. Virá o tempo — e de certo modo já chegou — onde será tirada a Luz dos judeus e dada aos pagãos!”
Diz o grego: “É bom sabê-lo, Senhor e Mestre, e incutirei a Tua Doutrina aos meus companheiros. Já percebo com quem estou lidando: és um deus e não homem; pois Tuas Ações jamais foram efetuadas por criaturas humanas, tampouco alguém proferiu pala- vras como as Tuas.
Tenho apenas um pedido a fazer. Existe aqui grande número de crianças, e penso ser-lhes de imenso benefício moral caso as aben- çoasses a Teu Modo, Onipotente. Senhor e Deus, teria sido meu desejo justificado?”
Digo Eu: “Está bem, deixa-as virem a Mim!” Satisfeito, o hospedeiro envia seus empregados à vila, comunicando a todos para trazerem seus filhos a fim de que fossem abençoados pelo Salvador milagroso. Não leva tempo e todos Me rodeiam, sendo que alguns, mais vivos, procuram ser os primeiros. Os discípulos reprovam essa atitude malcriada, conseguindo com isto atemorizá-los. Desse modo não se atrevem achegar-se a Mim.
Eu, porém, advirto-os com as seguintes palavras: “Deixai os pequeninos, pois deles é o Reino do Céu!” Em seguida, animo as crianças para de Mim se aproximarem, sem medo ou acanhamento; novamente encorajadas, elas correm ao Meu lado e Eu abençoo a todas. Após esse ato, agradecem e voltam aos lares.
Novamente o grego Me aborda: “Senhor e meu Deus! Não seria de Teu Agrado conferir-me a grande Graça de hospedar-Te mais algum tempo em minha casa?”
Digo Eu: “Enquanto permaneceres na Doutrina transmi- tida pelos apóstolos, Aquele a Quem chamaste de Deus ficará contigo; tão logo a abandonares pela fé e ação, Ele ter-te-á aban- donado. Eu, fisicamente, terei de partir, pois não é aconselhável morar-se com os fariseus debaixo do mesmo teto — para nenhuma das partes.
Sem que Me pedisses, proporcionei grande benefício a teu lar e a toda vila. Lembrai-vos deste dia, e caso fordes acometidos de qualquer vicissitude, pedi-Me no coração e sereis ajudados!” E assim partimos.
OJOVEM RICO
(Matheus19, 16–26)
Após uma hora de marcha, encontramos um jovem da vila que, na noite anterior, tinha sido testemunha de Meus Feitos e En- sinos; além disto era escriba entendido, não obstante sua pouca ida- de, sem contudo ser professor. Nem bem Me reconhece, aborda-Me e pede licença para fazer uma pergunta. Eu aquiescendo, ele diz: “Bom Mestre, que devo fazer de bem para alcançar um caminho mais curto para a Vida Eterna, da qual teus alunos tantas maravilhas contaram na casa do grego Rauris?”
Eu o fito com seriedade e digo: “Como podes, sendo escriba, chamar-Me de bom, sabendo que sou simples homem?! Ignoras nin- guém ser bom além de Deus?! Se quiseres ingressar na Vida Eterna, cumpre os Mandamentos.”
“Quais?”, diz ele, crente ter Eu leis e mandamentos novos. Eu então respondo: “Os que Moysés legou à Humanidade, como se- jam: Não matarás, não adulterarás, não furtarás; não dirás falso tes- temunho. Honra pai e mãe, e ama teu próximo como a ti mesmo.”
Prossegue o jovem: “A quem devo considerar o meu próxi- mo?” Conto-lhe a parábola conhecida do samaritano misericordio- so, facultando-lhe a compreensão de quem seja o próximo. Eis que
ele afirma: “Asseguro-te ter eu observado tudo isto desde minha in- fância. Que mais me falta?”
Respondo: “Se quiseres ser perfeito, vende os teus bens e dis- tribui tua fortuna entre os pobres, que iniciarás um tesouro no Céu. Em seguida, segue-Me; torna-te Meu discípulo e aprende de Mim os segredos do Reino Celeste.” Ouvindo isto, o jovem se entristece e afasta-se, porquanto é dono de muitas propriedades.
Admirados, dizem os discípulos: “Estranho! Esse moço pare- cia compreender que de Ti fala o Espírito de Deus; preferiu, porém, virar-Lhe as costas por causa dos bens terrenos! Que será dele?”
Digo Eu: “Um rico dificilmente entrará no Reino do Céu! Acrescento mais: Será realmente mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha, do que um rico ingressar no Reino de Deus!”
Minha Afirmativa tanto apavora os discípulos que exclamam: “Que infelicidade! Quem poderá, deste modo, alcançar a bem-aven- turança?” Com carinho lhes dou o seguinte consolo: “Aos homens seria de fato impossível; mas para Deus, todas as coisas são realizá- veis. Quando de nossa palestra com Aziona, falei minuciosamente acerca da possibilidade de almas ainda mais pervertidas poderem se tornar felizes pelos caminhos ocultos de Deus. Espero estardes lembrados do assunto?!”
OPRÊMIONOREINO CELESTE
(Matheus19, 27–30)
Diz Pedro: “Oh sim, recordo-me e certamente também os outros. Tomo, porém, a liberdade de perguntar-Te, em nome de todos, qual será a nossa recompensa por termos abandonado tudo para seguir-Te?”
Eu lhe respondo: “Realmente vos digo, que Me seguistes: Quando de vosso pleno Renascimento, por ocasião de Minha Res- surreição e Eu Me assentar no Trono da Glória Eterna, também to- mareis assento em doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel; quer dizer, sereis futuramente ativos Comigo, para a felicidade eter-
na de todas as criaturas desta Terra e dos outros mundos, tornan- do-vos seus invisíveis anjos protetores, tanto aqui quanto no Além. Pois somente na crescente e verdadeira ação de amor consiste o ver- dadeiro Reino do Céu, aumentando a bem-aventurança.
Digo mais: Todo aquele que deixar seu lar, irmãos e pais, mu- lher e filhos, campos e manadas, por causa do Meu Nome — receberá tudo isto centuplicado no Meu Reino, ou seja, a Vida verdadeiramen- te eterna. Lembrai-vos também do seguinte: Os que ora são primeiros facilmente poderão ser lá os últimos, e os últimos serão os primeiros.”
Como os discípulos não o entendessem, Pedro indaga: “Mas como? Qual o sentido de Tuas Palavras? Pois o que falas é Verdade para todo sempre. Parece-me Te referires a nós, e não seria justo sermos, no Além, os últimos só porque fomos aqui os primeiros.”
Digo Eu: “Caro Simon Judá, certamente não por isto! Mas se algum de vós se julgar melhor porquanto foi por Mim convocado primeiro, já teria caído no orgulho, que jamais lhe permitiria ser um dos primeiros no Reino do Céu. Se porventura Eu daqui a mil anos inspirar e escolher alguém, será ele o último na convocação. Mas se for humilde em alto grau dentro de sua missão, a ponto de se achar o menos merecedor de tal Graça e sendo fiel e persistente, muito em- bora não lhe sejam dadas provas irrefutáveis da plena genuinidade, obrigado por isto a prosseguir apenas pela fé, não seria tal convoca- do um primeiro no Reino Celeste?!
Não teria feito essa observação caso não Me tivésseis pergun- tado pelo mérito que vos espera por aquilo que fizestes por Mim! Tal atitude não foi mui louvável, porquanto vos proporcionei, pela con- vocação, apenas a maior felicidade, física e espiritual. Acaso cometi injustiça com a pequena reprimenda?”
Diz Pedro: “De modo algum, Senhor e Mestre; pelo que vejo foi muito pequena, comparada à nossa grande tolice. Agora trata-se de outro assunto: Para onde iremos?”
Digo Eu: “A um local oculto para descansarmos; até então trabalhamos bastante e merecemos repouso. Lá vereis realmente Meus anjos descerem e subirem. Vamos!”
Após algumas horas, alcançamos um lugarejo escondido que, como muitos outros, não tinha nome. Tanto judeus quanto gregos não cognominavam suas aldeias, a fim de que não fossem descober- tas pelos romanos e senhores feudatários, porquanto exigiam paga- mento de tributo mal um lugarejo qualquer fosse registrado.
Além disso, havia o seguinte motivo: Era de uso entre os ro- manos deixar que uma nova colônia permanecesse isenta de tributo durante vinte a cinquenta anos, em zonas estéreis e abandonadas, de acordo com o tempo mais ou menos necessário para o cultivo. Não resta dúvida que judeus e gregos exploravam tal lei humanitária, razão por que não denominavam o local e se fossem casualmente inquiridos pelo comissário romano, alegavam existir aquele apenas há dez anos, muito embora contasse mais que meio século. Em tal ocasião, a aldeia era numerada e a contar daí sujeita ao tributo após o prazo decorrido, recebendo nome especial.
A situação do local que ora alcançamos é-nos favorável, pois seus habitantes costumavam ser mais generosos e acessíveis. Situado numa cordilheira propícia para a criação de gado, o lugarejo era atingível apenas de um lado. Pessoas sujeitas a vertigens dificilmente se atreveriam a fazer a escalada. O próprio vale se acha, no cálculo atual, a quatro mil pés acima do mar, fator de pouca importância na Ásia, rica em grandes montanhas.
Ao chegarmos à tardinha, deparamos com um grupo de mo- radores que prontamente chamou seu chefe para investigar o motivo de nossa visita em local tão afastado do mundo. Este, um judeu idoso, aborda-me, perguntando qual o nosso desejo.
Eu lhe digo: “A paz seja contigo e com toda essa vila, de boas proporções. Aproximou-Se o Reino de Deus, fato que ireis compre- ender, como criaturas simples, enquanto Eu repousar aqui. Por ora te pergunto se nos podes hospedar por alguns dias.”
Diz o chefe: “Vi desde o primeiro momento que não sois pes- soas maldosas, portanto podereis morar comigo. É preciso me con-
tardes o que se passa no mundo, de onde me afastei há vinte anos. Os moradores daqui vão de tempos em tempos a Naim, local mais próximo, em busca de sal que nos falta. Em Jerusalém estivemos há longos anos, embora sejamos judeus, pois lá reinava apenas mentira, hipocrisia e homicídio, e no Templo, o orgulho mais repelente.
Por isso me afastei com mais alguns de mesma índole, e aqui criamos uma colônia livre, mas puramente dedicada a Deus, pelo que Ele nos abençoa com fartura.
Por certo nunca fostes escribas e servos do Templo, e igno- rais o abuso incrível que se pratica contra as simples leis de huma- nismo. Causou-nos realmente uma revolta insuportável! Fugimos para cá, e com o tempo construímos essas casas toscas e vivemos em paz. Pedimos-vos apenas não nos denunciar ao voltardes ao mundo. Além disto, sois hóspedes bem-vindos. Vamos a minha casa, que sem dúvida será mais agradável aos Olhos de Deus que o Templo de Salomon em Jerusalém.”
EMCASADOCHEFEDACOMUNIDADE. O VINHO MILAGROSO
Sem mais demora, nos dirigimos à confortável moradia de construção alpina, onde nos servem pão, sal e leite fresco. O anfi- trião pede desculpas por não nos poder oferecer vinho; possui uns odres com suco de groselha, de bom paladar. Caso quiséssemos, mandaria trazer alguns cântaros. Digo Eu: “Pois não. Se porventura nos agradar, pediremos mais!”
Ele vai à adega e nos traz alguns jarros de groselha com gosto de vinho, porquanto a groselheira pertence à família das ribescá- cias. Em suma, apreciamos esse vinho agreste, com satisfação do hospedeiro. Quando os recipientes ficam vazios, ele quer enchê-
-los de novo.
Eu, porém, lhe digo: “Enche-os com água pura, que Eu a transformarei em vinho!” Ele arregala os olhos e diz: “Tinha real- mente vontade de assistir a essa peça!” Nem bem os cântaros são
postos na mesa, ele diz: “Ei-los — agora mostra o que podes!” Digo Eu: “Prova o conteúdo de um dos dois!”
Assim fazendo, ele tão admirado está, que chama seus fami- liares para provarem a bebida, e todos declaram ter jamais tomado vinho tão excelente. Naturalmente querem saber seu enigma, pois jamais foi feito, por alguém, coisa semelhante. Dirigindo-se a Mim, ele prossegue: “Mestre dos mestres de tua arte inédita! Dá-nos pe- quena explicação deste fenômeno. Sabes ainda outras magias?”
Digo Eu: “Meu amigo, só te posso dizer que nada Me é im- possível, sendo capaz de realizar inúmeros milagres apenas pelo Po- der e a Força de Minha Vontade. Concordas?”
Responde ele: “Falas muito de ti, e és apenas homem. Acaso não sabes ser somente Deus Onipotente?! Se todas as coisas te forem possíveis, deverias ser Deus Mesmo — ou então estarias em convi- vência com Beelzebub! Todavia, teu rosto sincero e puro me poderia levar a dizer: Eis a verdadeira Semelhança Divina!
De modo algum pretendo expressar-me incisivamente, e só me lembro da época em que conheci em Jerusalém e Damasco um mago, anunciando com exagero ser-lhe possível tudo. Realmente fez coisas tão incríveis quanto à tua transformação da água em vinho. Tal exagero dos magos é muito comum e perdoável, porquanto são mesmo pessoas excepcionais. Por isto, tinha vontade de assistir mais algumas magias de tua parte.”
Digo Eu: “Cada qual julga dentro de seu raciocínio e não se- ria gentil se Eu te respondesse na altura. Pediste mais uma experiên- cia, e estou pronto para satisfazer-te; a fim de que não penses poder Eu fazer apenas o que aprendi — dize-Me o que desejas.”
CURADAFILHAALEIJADADO TAVERNEIRO
Diz o hospedeiro: “Se tudo te é possível — serás capaz de curar uma pessoa muito doente?” Respondo: “Como não? Tens al- guma em tua casa?” Diz ele: “Infelizmente, uma de minhas filhas mais queridas. Ela tem vinte anos e foi alegre e ativa. Faz um ano, foi
com o irmão mais velho a Naim à compra de sal. Na volta, passan- do por uma rocha, escorregou e caiu no despenhadeiro, quebrando mãos e pés. Durante nove meses sofreu dores atrozes; daí para cá, cessaram, enquanto ela atrofiou-se de tal modo, a não mais poder deixar o leito. Mestre dos mestres, se fores capaz de curá-la, acredi- tarei em tua infalibilidade!”
Digo Eu: “Manda trazê-la!” O taverneiro dá ordens aos fi- lhos, que transportam a enferma junto com o leito à Minha frente. Dirigindo-Me a ela, digo: “Filha, desejas ter a mesma saúde que um ano atrás?”
Responde a moça, com voz apagada: “Oh, sim, seria um grande benefício para mim. Mas somente Deus, o Onipotente, po- derá fazê-lo!” Digo Eu: “Se nisto acreditas — levanta-te e caminha, e dá Honra a Deus!” No mesmo instante a moça é curada.
Todos quedam perplexos, inclusive o pai, que só após algum tempo consegue dizer: “Isto não está ao alcance dum homem por mais talentoso que seja; eis uma Dádiva e Graça extraordinárias de Deus, o Senhor Único, a Quem ofertamos nosso louvor por ter facultado a um mortal Poder e Força Divinas, tal qual possuíam os profetas!
Agora compreendo a saudação de nosso hóspede milagroso: A paz seja contigo, e O Reino de Deus aproximou-se de vós! Ouvi, meus amigos, aqui está um Amado de Deus, um profeta recente e importante! Devemos ouvi-lo, em Nome de Jehovah!”
Virando-se para Mim ele prossegue: “Amigo excepcional e Mestre dos mestres — não tenho palavras para expressar minha gra- tidão para com Deus e contigo! Perdoa se no começo não soube usar dos termos que mereces. Como pretendes permanecer algum tempo em nosso convívio, tudo farei para demonstrar minha gratidão a ti e a teus discípulos. Devolveste-me minha filha querida, portanto mais que todos os tesouros do mundo!”
Digo Eu: “Acalma-te, Barnabé, e trata de alimentar tua filha, Elisa, pois tem que fortalecer-se.” Isto feito, a moça se veste rapida- mente para em seguida agarrar a Minha Mão, cobrindo-a de beijos.
Soluçando de alegria, ela exclama: “Verdadeiro amigo e Mestre Oni- potente; sendo-te possível tudo, verás no meu coração a gratidão escrita com traços de amor, que te ofertarei eternamente!”
Acrescento: “Continua com tal afeto, que te trará grandes bênçãos. Senta-te à nossa mesa e te alimenta com alegria. Quando futuramente voltares a Naim, não deves saltar qual gazela, e sim caminhar com cuidado no trecho perigoso, para não sofreres outro acidente.”
BARNABÉSERECORDADOMENINOJESUSNO TEMPLO
Elisa volta para junto de seu pai, que a abraça com efusão e lhe dá lugar entre ele e sua mulher; ela se alimenta com apetite, apreciando o Meu vinho, feito de água. Em seguida, o taverneiro se vira para Mim, dizendo: “Senhor e Mestre de todos os mestres, por certo é tolice eu perguntar-te como podes saber de nossos nomes; apenas presumo me conheceres de Jerusalém, e esse fato seria de sumo interesse para mim!”
Digo Eu: “Que te leva a pensar nessa possibilidade?”
Retruca ele: “É o seguinte: Há mais ou menos vinte anos, eu era levita em Jerusalém e aspirante de fariseu; aconteceu que, durante um exame habitual de meninos, foi-nos apresentado um chamado Jesus de Nazareth. Tinha maiores conhecimentos que to- dos os templários em conjunto, motivo por que abandonei mais tarde o Templo.
Confesso teres muita semelhança com aquele menino mila- groso. Não quero afirmar seres o mesmo, conquanto não fosse im- possível; observo somente a semelhança de grandes espíritos quan- do seguem a mesma tendência. Durante três dias, o mencionado menino nos provou, minuciosamente, ser ele o Messias Prometido. Levado por diversos motivos, afastei-me do Templo para viver aqui no isolamento, e desconheço o destino do pequeno. No começo, fui seu oponente; mas não levou tempo e suas afirmações me elucida- ram cada vez mais, tornando-se o sinédrio insuportável para Mim.
As palavras daquele menino foram minha salvação do infer- no templário! Por isto, desejava saber que fim levou. O que mais me causou revolta por parte do sinédrio foi a importância estipulada para o extermínio daquele prodígio. Durante minha permanência no Templo nada disto ocorreu; mas já se passaram vinte anos e sabe lá o que teria acontecido!”
Digo Eu: “Foi esse o motivo que Me trouxe aqui, pois sou aquele menino que tanto trabalho deu aos doutores do Templo! Cien- te disto, compreenderás ainda melhor por que disse na Minha che- gada: A paz seja contigo, pois o Reino de Deus aproximou-Se de ti! Amanhã entraremos mais no assunto. Por hoje, dá-nos um bom leito para nos livrarmos do cansaço!” Barnabé dá suas ordens e, quando nos levantamos da mesa, toda família Me agradece pela cura da filha, pois a estimava muito. Abençoo a todos, e em seguida nos recolhemos.
ASANTIFICAÇÃODO SÁBADO
Ao acordarmos, cedinho, a casa toda já está de pé e o movi- mento na cozinha é intenso; o aroma de pratos diversos, inclusive deliciosas trutas, despertam o nosso apetite. Elisa é a mais ativa; mas quando Me avista, atira-se aos Meus Braços, agradecendo de novo. Então pergunto como pode estar tão atarefada num sábado. E ela responde: “Senhor e Mestre, não existe lei na Escritura que proíba servir-se a Deus em tal dia!”
Digo Eu: “Realmente, deve-se servir-Lhe em primeira linha; mas tu o fazes à Minha Pessoa e a Meus discípulos. Porventura so- mos deuses?”
Retruca ela: “Eles são humanos como nós; Tu, porém, és Deus de modo integral, portanto não erramos com o nosso zelo!”
Obtempero: “Mas quem te disse ser Eu Deus, cara Elisa? Pois se Eu fosse Deus na Terra e Jehovah, no Céu — haveria dois deu- ses! Entretanto, consta expressamente: Eu somente sou teu Deus e Senhor, por isto não deves ter outros a Meu lado! Como inter- pretas isto?”
Replica Elisa, enquanto prepara os peixes: “Oh, Senhor, mui facilmente. Tu e o Pai do Céu não sois dois personagens, mas perfei- tamente Unos, e o Céu só existe lá onde Te encontras!”
Pergunto: “Quem te ensinou tal coisa?” Diz ela: “Primeiro, Tu Mesmo, Senhor! A paz seja contigo e o Reino de Deus apro- ximou-se de ti!, só podia ser expressão divina. Por isto, comentei ontem com meu pai os fatos ocorridos com o Menino Jesus no Tem- plo e revistei os textos em Isaías referentes à Tua Pessoa, verificando com clareza seres Tu o Messias Prometido, e em Espírito, Jehovah em Pessoa!”
Digo Eu: “Tu e teu pai tendes razão, mas não deveis denun- ciar-Me antes do tempo! Servindo-Me dentro de vossa compreen- são, podeis prosseguir, sem aborrecerdes os vizinhos!”
Diz Elisa: “Oh, não Te preocupes; nesse ponto avançamos muito, pois deixamos de fazer no sábado trabalhos pesados. Não estamos mais sujeitos à mistificação templária e suas leis egoísticas, onde o rico consegue delas fugir por certo tempo. Nossa lei é a Ver- dade e o Bem, que jamais proibiram fazer-se o necessário.
Se na conquista da Vida Eterna fosse preciso levar-se uma existência ociosa, por certo serias o Primeiro a dar o exemplo, impe- dindo o surgir do Sol, Lua e estrelas num dia de sábado. Do mesmo modo não poderia haver vento, nuvens e neblinas, e os próprios animais teriam que respeitar o repouso daquele dia. Observando-se a Natureza, vê-se que é tão ativa nos sábados quanto nos demais dias da semana, portanto nada de mal fazemos imitando nosso Pai, Santo e Amoroso!”
Digo Eu: “Não teria esperado tanta sabedoria de tua parte! Continua assim, dando o mesmo exemplo que Teu Pai Celeste!”
ELISADÁTESTEMUNHODO SENHOR
Em seguida, dou um passeio pela aldeia, constituída dumas vinte casas, com Barnabé e os discípulos. Os moradores, julgando-
-nos comissários romanos, se ocultam. Oriento o taverneiro deste
receio e ele se dirige a alguns para assegurar-lhes da grande felicidade ocorrida no lugarejo com Minha Vinda, porquanto curei sua filha tão doente. Uns se acalmam, admirados; algumas mulheres, porém, protestam: “Não podemos acreditá-lo antes de termos visto Elisa; não haveria criatura humana capaz de curá-la, mesmo se fosse o maior salvador do mundo!” No mesmo instante a moça se aproxima para convidar-nos ao almoço. As mulheres se assustam e não têm coragem para lhe falar. Finalmente se aproximam e perguntam o que havia ocorrido.
Apontando-Me, Elisa diz: “Eis o divino Salvador, dirigi-vos a Ele! Vedes que estou sã, sem poder dizer-vos como isto foi possí- vel!” Voltamos à casa de Barnabé, onde nos aguarda um farto almo- ço. Compreende-se que todos nos acompanham, e os discípulos os orientam a respeito de Minha Missão vinda do Céu, incutindo-lhes a fé em Meu Nome. Após a refeição, Barnabé Me leva ao perigoso local onde sua filha sofrera o acidente, perguntando se Minha Oni- potência não podia proporcionar uma passagem mais fácil.
Digo Eu: “Já sabes que tudo Me é possível. Deixemos esta tri- lha conforme está, porque impediu que até hoje fôsseis descobertos. Far-vos-ei outro obséquio no sentido de impossibilitá-la completa- mente, de sorte que nem um gato poderá transpô-la. Em compensa- ção, te demonstrarei outra descida, ainda não descoberta.” Barnabé consente e Eu digo apenas: “Que assim seja!” No mesmo momento se solta uma enorme pedra, criando um paredão elevado, incapaz de ser transposto. Aos nossos pés fez-se uma espécie de balaustrada intransponível, mas que permite ver-se a paisagem. Admirado e sa- tisfeito, o taverneiro Me agradece. Naturalmente indaga qual a des- cida mais confortável, e Eu lhe digo: “Para lá iremos à tarde. É mais distante de Naim, porém bem mais cômoda, permitindo a passagem do gado, fator de grande vantagem.”
(O Senhor): “É de Meu Desejo que os seguidores das Leis de Moysés não passem privações. Por isto vim aqui, primeiro, para vos comunicar a Descida do Reino de Deus, portanto dos Céus, até vós, através de Minha Pessoa; este fato já é do conhecimento de gran- de número de ex-pagãos, que professam esta Verdade para que se cumpram as palavras de Daniel: Os que estão nas tumbas também ouvirão Sua Voz! — E os gentios estavam enterrados desde nascença no sepulcro da noite, do julgamento e da morte.
Segundo, quero que vós e vossos descendentes não sofrais necessidades, conforme era fato comum entre vós, mas também não deveis viver da opulência. O terceiro motivo de Minha Presença é a intenção de repousar por alguns dias, com Meus discípulos. Agora voltemos para ver o que se passa em casa.”
A caminho, o taverneiro diz: “Senhor e Mestre, seria do Teu Agrado darmos uma pequena volta por essa colina? De lá se tem uma visão deslumbrante de Jerusalém, uma parte do Mar Galileu e da Grécia. Tinha muita vontade de mostrar-Te meu panorama predileto.”
Digo Eu: “Também sou Amigo das montanhas, podemos subi-la.” Dito e feito, galgamos a colina, e Barnabé não se cansa em exclamações de deslumbramento. Eu o advirto, dizendo: “Indubita- velmente a vista é agradável pelo conjunto; se fores separá-la em di- versos quadros, analisando cada um de perto, em breve te cansarias. Só o que é posse da alma e do espírito é real e belo para sempre. Se apenas te agradam a paisagem e suas cores delicadas, estás mais preso à matéria e suas formas do que ao espírito, que te apresenta as mes- mas em traços de grande extensão. Quando fores capaz de fitá-las e compreendê-las pela visão espiritual, poderás exclamar como Da- vid: Ó Senhor, quão deslumbrantes e maravilhosas são Tuas Obras! Quem as considera sente alegria intensa!
A justa consideração de todas as Obras Divinas é sua obser- vação com os olhos do espírito, onde a alma colhe a compreensão
verdadeira, produzindo na criatura a alegria real como posse eterna da psique. E caso pretenderes fitar o mundo dos espíritos, conse- gui-lo-ás também somente pela interpretação espiritual das formas deste mundo e pelo conhecimento crescente das variadas ações, ten- dências e relações recíprocas, que tanto te agradam, sem teres verda- deira noção de sua origem.
6. A visão espiritual é, no começo, apenas a percepção das relações de interpretação externa e interna; exercitando-se nesse estudo, de alma pura e dedicada ao amor de Deus e do próxi- mo, tal conhecimento passa a ser uma visão integral, fornecendo a prova da unificação, do verdadeiro renascimento do espírito e a ressurreição da alma da tumba material de sua carne. Ter-Me-ás compreendido?”
Diz o taverneiro: “Ó Senhor e meu Deus! Se o entendesse a fundo, seria evidentemente o homem mais feliz da Terra; minha compreensão ainda sendo um tanto atrasada, só posso ter um pe- queno vislumbre de Tuas Palavras. Elisa, de certo modo vidente, teria assimilado melhor o que disseste; alguma coisa entendi. Será preciso muito esforço para se descobrir nas formas externas as inter- pretações espirituais e compreendê-las. Não poderias exemplificar esse assunto, Senhor?” Digo Eu: “Pois não. Ouve-Me.”
CORRESPONDÊNCIAENTREMATÉRIAE ESPÍRITO
(O Senhor): “Quando tu e teus simpáticos vizinhos viestes a essa zona, encontrastes apenas pedra e lenha. Sem demora, pusestes mãos à obra, recolhendo o melhor e mais prestável; em seguida, começastes a estudar quais as regras de arquitetura a serem respeita- das na construção duma casa. Aprofundando-vos mais no assunto, surgiram, na visão interna, quadros pelos quais esboçastes um plano, cuja realização se apresentou em diversas casinhas em vosso vale. Caso não tivésseis encontrado o material apropriado, nunca teríeis sido capazes de fazer o esquema espiritual correspondente ao mate- rial descoberto.
Muito embora seja este um exemplo material, não deixa de constituir um início para demonstrar ao homem as primeiras noções da correspondência entre a matéria bruta e a realização do espírito. Uma vez compreendido e assimilado, é mais fácil penetrar-se no assunto, dando-se o seguinte: Quem procurar achará; quem pedir receberá, e a quem bater abrir-se-lhe-á a porta!
Quanto mais espiritualmente educadas forem as criaturas, tanto mais harmoniosas e artísticas serão suas obras e produções. Por quê? Pela simples razão da proximidade de sua alma com o es- pírito. Quanto mais ela se integrar na centelha divina, provinda do Coração de Deus, tanto mais se elevará na ordem do conhecimento e da consciência, encontrando maior correspondência entre matéria e espírito. É fácil, pois, deduzir-se que um homem integrado em tal conhecimento tirará maior proveito da matéria. Este fato se dará no Além de modo ainda mais potente com almas renascidas em espírito, podendo realizar tudo que quiserem. Ter-Me-ás compreen- dido melhor?”
Responde o taverneiro: “Sim, Meu Senhor e meu Deus; começo a ter maior vislumbre. Os antigos povos, por exemplo, os egípcios, deveriam estar bem enfronhados nesse estudo, porquanto nas obras ainda hoje demonstram uma ordem dificilmente compre- endida por nós.”
Digo Eu: “Exato, pois somente a lucidez espiritual aponta à alma uma ordem mais perfeita e lhe induz a pesquisar as rela- ções condicionais dentro da matéria, entre matéria e substância, entre substância e alma e entre esta e o espírito. Ele, finalmente, penetra tudo, e tudo lhe tem de servir numa ordem mais elevada. Entendeste?”
Diz ele: “Já consigo compreendê-lo melhor, e com o tempo poderei aperfeiçoar-Me na compreensão. Agora desejava fazer uma pergunta: Por diversas vezes li na Escritura a respeito de anjos de Deus, propriamente espíritos puros. Acaso se trata daqueles espí- ritos que se deverão unir às nossas almas, a fim de fazê-las idênti- cas a Deus?”
Respondo: “Em casos excepcionais, quando Minha Ordem o determina para tanto, por especiais motivos; tal acontece, porém, mui raramente. O mais comum é que muitos anjos terão de encar- nar, assim como Eu Mesmo, o Espírito de Deus, ora faço, para lhes proporcionar a verdadeira Filiação Divina. Para este fim, escolherão uma alma perfeita jamais encarnada, depositando-a em uma mu- lher pura, cuidando pelo seu desenvolvimento e educação, de acor- do com sua força e conhecimento, para fortificar a alma na eterna união com o espírito.
Ainda é cedo para compreenderes tais coisas; mas tempo virá em que assimilarás tais noções ocultas, do Céu. Vamos descer à casa, pois deu-se um pequeno acidente com um teu vizinho e teremos de socorrê-lo.”
CURA DUM ENVENENADO POR COBRA. O VINHO MILAGROSO
Mal chegamos à casa do acidentado, os familiares nos pedem ajuda. E Eu apenas lhes digo: “Podeis voltar junto dele, pois já foi socorrido.” E assim foi. Tinha ele caminhado descalço por entre um cipoal e fora mordido por cobra venenosa, correndo risco de vida. Quando o homem Me aborda para agradecer, Eu lhe digo: “Não economizes teu calçado quando fores obrigado a trabalhar no cam- po. De agora em diante, nenhuma serpente venenosa existirá nessa zona. Amém!”
Em seguida, voltamos à casa, onde nos esperam o almoço e os discípulos. A refeição é farta; o vinho, porém, escasso. Por isso, o hospedeiro pergunta se pode servir suco de groselha. Eu lhe digo: “Faze o mesmo que ontem à noite, e ficaremos servidos de vinho!” Ele manda encher os grandes cântaros com água, e Minha Vontade a transforma em vinho.
Como Barnabé havia convidado alguns vizinhos, um deles observa: “Julgo ser mais conveniente, para hóspedes tais, mandares servir suco de fruta ao invés de água.” Diz o outro: “Isto sei tão bem
quanto vós; mas também não ignoro que palestrastes a manhã toda com os discípulos, orientando-vos quanto à Pessoa do Mestre de to- dos os mestres. Assim sendo, deveis saber ter Ele transformado água em vinho em vários locais da Galileia; não é isto?”
Responde o vizinho: “Realmente; mas pelo motivo de sa- bermos disto, não tínhamos coragem, como pecadores, de pedir tal Graça do Santo de Jehovah!” Assim se passaram duas horas em palestra animada; nesse ínterim, um morador cuja casa ficava mais distante e ignorava a Minha Presença entra desesperado, dizendo ao anfitrião: “Barnabé — estamos perdidos! Imagina que a única passagem para Naim desapareceu! Chega-se a um enorme paredão, de onde se avista um abismo profundo; não há quem o transponha! Que faremos para comprar sal? Meu estoque já se esgotou e o vosso chegará à mesma situação!”
Responde Barnabé: “Não te aflijas! Contamos em nosso meio com excepcionais hóspedes, conhecedores duma descida mais favorável, que no entanto não será preciso usar tão frequentemente, porque este Mestre Milagroso por certo apontará, em nossa cordi- lheira, sal melhor que o de Naim. Senta-te e toma parte em nosso almoço.” O outro não se faz de rogado e serve-se com apetite, ad- mirando-se do bom vinho. Barnabé o orienta ter sido Eu o Doador, que também lhe curara a filha de um momento para outro, apenas pela Minha Palavra Onipotente. O vizinho então diz: “Nesse caso só teremos grandes benefícios a esperar; de há muito receava sermos denunciados, pelos habitantes de Naim, aos romanos e judeus, cau- sando-nos prejuízo. Pela barragem provocada através desse benfei- tor, poderemos viver em paz, sem pagarmos o tributo aos extorquia- dores. Conta-me algo mais a seu respeito.” Diz Barnabé: “O Mestre ficará por algum tempo em nosso meio, e terás oportunidade de entrar em contato direto com Ele!”
Digo Eu: “Ouvi-Me. Após termos fortificado o corpo com bom alimento, vamos ver o novo caminho que dá para Naim, e se concordardes que se faça o Bem num sábado, apontarei a fon- te poderosa de sal nessa zona, da qual Barnabé fez menção. Vinde todos, porque Minha Dádiva deve ser posse comum dos habitan- tes do vale.”
Caminhamos um bom trecho montanha acima, alcançando uma rocha com uma grande fenda. Amontoamos algumas pedras e penetramos pela abertura, que dá para uma enorme gruta. Virando-
-Me para os outros, digo: “Eis o caminho novo e inteiramente ino- fensivo. Acompanhai-Me e vereis que somente na saída a abertura fica mais estreita, no entanto, dá para a passagem dum animal. O centro é um pouco mais escuro do que aqui; mesmo assim recebe bastante luz para se poder caminhar.”
Sem qualquer impedimento, atravessamos a gruta, que do outro lado dá para uma descida cômoda, coberta de capim e musgo. A baixada é realmente deserta, razão por que poucos a pisavam, fa- vorecendo aos amigos a descida oculta.
Todos se ajoelham, exclamando: “Agradecemos-Te, Senhor, do fundo do coração! Livraste-nos dum grande atropelo, que a pas- sagem anterior nos dava!” Digo Eu: “Não só demonstro um cami- nho seguro e cômodo — mas também o único e verdadeiro que leva à Vida Eterna. Indico-o com poucas palavras, ei-las: Sede de todo coração meigos e humildes, amai a Deus acima de tudo e o próxi- mo como a vós mesmos! Nisto se baseiam a Lei e todos os profetas. Acreditai ser Eu o Prometido por Deus e Anunciado pelos profetas, que encontrareis o Caminho e a Porta do Reino do Céu, que veio junto de vós de modo idêntico a este que vos leva ao vale!
Subentende-se estarem incluídas as Leis Mosaicas nos dois Mandamentos de Amor; pois quem ama a Deus acima de tudo evi- tará o que for pecaminoso, deixando de infringir as Leis Divinas. E quem amar o próximo como a si mesmo nada de mal lhe desejará
ou aplicará. Considerando estas Palavras e pondo-as em prática, te- reis o justo Sal da Vida, razão por que também vos indicarei o sal da matéria, num ponto desconhecido dentro do vale. Vamos, pois!”
AROCHADESAL.ACEIA ABENÇOADA
De volta diante da rocha, os moradores depositam pedras no caminho até as primeiras casas para não perderem a direção. De lá, em linha oposta, acompanhamos o habitante à sua morada, situa- da no alto da colina. Em lá chegando, digo a este indivíduo: “Em direção ao ocaso vês, não longe daqui, uma rocha branca de gran- de extensão; é puro sal, pronto para uso doméstico, sem necessitar de preparo. Basta usar menor quantidade, por ser mais forte que o de Naim, cujo estoque deriva daqui. Quem quiser poderá apanhar uma amostra.”
O dono da casa se prontifica para tanto, levando vasilha e pá. Num quarto de hora está de volta e todos se certificam da boa qualidade, agradecendo novamente. Abençoo também este lar, para em seguida voltar com os outros, inclusive a família que mora na colina. Barnabé já nos espera com todos os habitantes, e ele expressa sua felicidade por ter-Me de novo junto dele.
O vizinho curado da mordida da serpente exclama: “Hosana nas Alturas Àquele que Se acha entre nós! Aqui está a verdadeira Je- rusalém, predita por um profeta; a outra, em breve será arruinada!” Todos repetem tais palavras com entonação tamanha, que faz ressoar o eco das rochas. Desconhecendo esse fenômeno, os moradores Me tomam por um espírito descomunal, por terem os elementos do ar e das montanhas repetido a entonação. Esclareço-os a respeito, e eles experimentam suas vozes vibrantes, recebendo resposta sem o “Hosana”. Satisfeitos por essa novidade, dizem: “És verdadeiro; pois um templário nos teria apedrejado caso não acreditássemos ser isto efeito dos espírito das montanhas!”
Dirigindo-Me para o hospedeiro, pergunto como irá servir uma ceia para tantas pessoas, pois éramos ao todo cerca de duzentos.
Diz ele: “Prepararei tudo que tenho, apenas receio ser pouco para tantos.” Digo Eu: “Então vai ver o teu provimento.” Ele passa uma vistoria na despensa, encontrando-a repleta de pão, vinho, leite, mel, peixes frescos e quantidade de farinha de trigo.
Incontinenti, volta junto de Mim, bate no peito e diz: “Isto ultrapassa todas as medidas! Sei perfeitamente o que havia nos armá- rios — que apresentam neste momento tanta fartura! Foi obra Tua, Senhor! Mas onde irei arrumar os cozinheiros? Os vizinhos terão que me ajudar.” Realmente, todas as moças põem mãos à obra, e dentro de uma hora o banquete está pronto. Eis que se apresenta outra dificuldade: Não há bancos e mesas suficientes para atender a todos.
Barnabé Me pede conselho e Eu lhe digo: “Meu caro, se a noite não fosse tão fria, poderíamos ficar aqui fora. Um estábulo de carneiros comporta muitas ovelhas pacíficas; mas não havendo os necessários bancos e mesas, as dificuldades são grandes. Vai contá-
-los e Me diz quantos são ao todo.” Em poucos minutos ele volta, admiradíssimo, dizendo: “Senhor, vejo que nada Te é impossível! Os quartos estão aumentados da metade, existe grande número de bancos e mesas, e além disto lamparinas em quantidade. Tudo está arrumado e podemos tomar a refeição!”
Concordo: “Vinde Comigo, pois Minha Colheita aqui foi boa!” Entramos e tomamos assento na melhor ordem; antes de co- meçarmos, o taverneiro se levanta e diz: “Ouvi-me, amigos! Essa ceia é uma Ceia Celeste no Paraíso, perdido por culpa humana. Deus, o Senhor, a trouxe em Pessoa! Somos, porém, pecadores, ciosos por sa- borear este manjar. Vamos primeiro pedir ao Senhor que nos perdoe os pecados, para nos dignificarmos de Seu Convívio. Levantai-vos e dizei: Senhor, nosso Pai! Perdoa nossas faltas para merecermos a Tua Presença!”
Digo Eu: “Sou Médico e venho curar os enfermos. Um pe- cador também é enfermo, de sorte que todos vós fostes doentes de corpo e alma. Por isto vim curar-vos de vossos pecados, podendo to- dos se servirem a gosto! Tuas palavras, Barnabé, muito Me alegram, razão por que vereis a Glória de Deus em Mim!”
Todos se entregam à refeição, falando pouco. Quando termi- namos, levantam-se colocando as mãos no peito, expressando sua gratidão. Como manifestem desejo de se retirar, peço que fiquem mais um pouco para palestrarmos acerca dos acontecimentos.
MODÉSTIA,MEIGUICEEHUMILDADE.AJUSTA MEDIDA
Diz um do grupo: “Mestre e Senhor, quando a alma é inva- dida por milhares de pensamentos acerca de Tua Pessoa, Doutrina e Ações, difícil é falar-se por não se saber como começar. Acresce seres aqui Presente, sabendo de todos os nossos pensamentos antes de surgirem em nosso íntimo.”
Digo Eu: “A modéstia é virtude recomendável; o excesso, po- rém, seria imprudente, porquanto leva o próximo à superestimação de suas faculdades e até mesmo desperta o seu orgulho. Embora não possa suceder Comigo, é fato comum entre vós.
A grande modéstia de pessoas honestas e simples contra os que superavam seus talentos e capacidades e a consequente admi- ração e veneração deles fizeram regentes, tiranos orgulhosos e o próprio sacerdócio pretensioso. Por isto, deveis considerar a justa medida na aplicação da humildade, meiguice e modéstia, do contrá- rio seríeis, com o tempo, responsáveis de índoles endurecidas, cujo tratamento vos seria doloroso.
Sei perfeitamente que Minhas Ações e Palavras vos tolheram a coragem de falar perante Mim; entretanto, não devem ser con- sideradas além de vossa fé de ser Eu Aquele Prometido por Deus e pelos profetas; primeiro, aos judeus, e através destes, a todos os povos da Terra.
Se isto acreditardes convictamente, praticando Minha Dou- trina e os Mandamentos de fácil execução, recebereis o Meu Espí- rito, fazendo com Sua Ajuda coisas ainda mais grandiosas que Eu; pois sendo filhos do Mesmo Pai no Céu, sois também herdeiros de Sua Perfeição, motivo de vossa convocação atual. Em caso de neces-
sidade, sereis capazes de agir como os Meus discípulos — portanto podereis falar diante de Mim sem receio ou medo.
Não teria convocado adeptos com a incumbência do aper- feiçoamento, idêntico ao Pai no Céu e em Mim, se isto jamais se tornasse possível; pois não necessito de servos, visto servir Eu a todas as criaturas.
E se quisesse, bastaria querê-lo, e no mesmo instante inú- meras falanges de anjos poderosos estariam à Minha Disposição, aguardando Minhas Ordens. Daí podeis deduzir ter Eu convocado discípulos para aprenderem de Mim tudo que sei, motivo que tam- bém Me trouxe junto de vós. Dizei-Me se ainda tendes receio de expressar-vos.”
INTERPRETAÇÃODALINGUAGEMDOS PROFETAS
Diz o vizinho cuja moradia fica mais distante: “Senhor, já nos arriscaríamos a falar se soubéssemos assentar os pensamentos. Se fosse permitido, teria vontade de perguntar-Te da minha vida após a morte. Poderá a alma conservar a consciência, ou será esta desperta após a ressurreição da carne, como afirmam os profetas? Tal fato deve ocorrer no Dia do Juízo Final, data que ninguém conhece, e onde os justos receberão, perante Deus, o prêmio eterno no Céu, e os pecadores o castigo no inferno. Tanto meu sentimento, quanto minha razão nunca se conformaram com tais prognósticos. Como se deve entendê-los? Se isto acontecer ao pé da letra, seria preferível jamais ter nascido. Existem milhões de criaturas que desconhecem qual pagãos a nossa Doutrina e seu destino isento de culpas será o eterno castigo no fogo infernal. Considerando Sabedoria, Amor e Bondade de Deus, tal determinação me parece impossível. Senhor, por certo nos poderás dar explicação exata a respeito.”
Digo Eu: “Meus caros, será difícil elucidar-vos em poucos minutos; Meus discípulos o farão, orientados em todas as minúcias. Os profetas inspirados descreveram tal assunto em quadros simbó-
licos, que ocultam a Verdade plena. Quem, portanto, entender a lei da interpretação saberá o seu sentido.
Como desconheceis a mesma, deduzis da Escritura apenas seu valor natural. Os quadros simbólicos contêm três sentidos: o natural, o espiritual e o puramente celestial, vindo do Coração de Deus. Pelo primeiro, define-se a vida moral do homem, a ponto de livrar-se da matéria devido a uma educação justa, aproveitando-a somente para com ela penetrar mais profundamente no assunto es- piritual. Orientada deste modo, a criatura descobrirá a relação entre matéria e espírito. Conseguindo tal ponto, poderá ingressar no co- nhecimento celeste, ou seja, puramente espiritual. Daí será fácil pas- sar ao divino, compreendendo o conteúdo das Escrituras proféticas.
Quem toma os quadros simbólicos como reais prova ser ma- terialista e encontra-se no julgamento, porquanto o conserva em sua consciência e sentimento; vive nesta imaginação, numa aflição e medo constantes de cair após a morte naquele estado material, exemplificado figuradamente pela Escritura como sendo a matéria.
Afirmo a vós todos que, no Além, tudo é diferente ao dito nas profecias. As palavras da Bíblia são quais cascas do ovo, con- tendo três corpos: a clara, a gema e, no centro desta, o pequenino invólucro de vida ocultando o gérmen.
O invólucro tem que existir em tudo no mundo material, para impedir o vilipêndio do centro divino. Havendo em tudo fato- res naturais, espirituais, divinos e celestes, provando a Onipresença da Vontade de Deus, também há relação entre tudo que existe no mun- do, no reino dos espíritos, no Céu e, finalmente, em Deus Mesmo.
Meus apóstolos, senhores de vastos conhecimentos, demons- trar-vos-ão, durante Minha Permanência, o lado prático deste ensi- namento, dando provas do seu apostolado — com exceção de um, que não conseguiu maior compreensão devido ao sentimento de co- biça. Os onze e o escrivão Matheus adquiriram a Sabedoria Divina, e vos poderão ensinar coisas profundas.”
Diz Pedro: “Senhor, Teu Testemunho ultrapassa todos os di- plomas do mundo; entretanto, longe estamos de merecê-lo.”
Digo Eu: “Entre as criaturas não existe dignidade a não ser sua semelhança com Deus, razão por que cada uma deve conside- rar e amar seu próximo. Alguém ouvindo o Meu Verbo, crendo e agindo como ensino, merece Eu lhe prestar testemunho digno; pois serei a Testemunha mais valiosa, perante Meu Pai no Céu da Vida, daquele que foi Minha Testemunha. Se perante o mundo Eu depor em favor de alguém, não o faço para elogiá-lo, pois demonstro ape- nas estar nele a Verdade de Deus. Deste modo, podeis receber Meu Testemunho.”
ACOBIÇADE JUDAS
Todos Me agradecem, exceto Judas, o que leva Thomaz a repreendê-lo com severidade. Iscariotes, porém, alega: “Agradeço em silêncio por tudo que recebi por parte Dele; é justo ser vossa manifestação mais efusiva que a minha, porque vosso prêmio foi maior. Sois capazes de operar certos milagres; eu nada disto consigo, embora creia na realização. Não posso, portanto, agradecer por algo que não recebi, mas sim só me cabe pedir. Por muitas vezes fiz meu pedido silencioso, recebendo apenas alimento e ensino; não é justo eu agradecer pelo que não me foi dado!” Não obstante ter Judas falado a meia voz, todos entenderam suas palavras.
Por isto, lhe digo: “Tens razão, Judas, por não Me agrade- cer pelo que não recebeste à medida dos outros. Quando há meses atrás vos enviei para preparar as criaturas na Galileia à Minha Vinda, facultei o poder milagroso a todos vós; como homem ganancioso começaste a negociar com ele, deixando-te pagar por preço elevado e, em poucas semanas, juntaste grande soma de ouro e prata. Teu coração se prendendo apenas ao maior detrito da Terra e ao poder milagroso somente em virtude do detrito — tal dádiva te foi tirada. Ficaste com a Doutrina e querendo, poderás divulgar a Chegada do Reino de Deus sobre a Terra; não sendo do teu agrado, não precisas fazê-lo. Acho que, não te aborrecendo te alimentares, também pode- rás trabalhar um pouco em teu e Meu Benefício.”
Perplexo, Judas diz: “Bem, sempre gostei de fazê-lo, mas os outros não me deixam! Não quero discutir, e me calo!”
Digo Eu: “Tens, em parte, razão, pois eles te impedem fa- lar quando começas no fim de tua prédica a manifestar intenções ilícitas. Deixa isto no futuro, que poderás disseminar a Doutrina à vontade. Para que fim pedir esmolas aos ouvintes, quando ne- nhum de vós passou necessidades ao Meu lado?! Age como Eu o quero que te sairás bem, sem que alguém te venha impedir. Com- preendeste?”
Responde Judas: “Sim, Senhor e Mestre; esforçar-me-ei por satisfazer-Te! Agora deixa-me sair um pouco para tomar ar.” Ele se sente traído e envergonhado, e o taverneiro indaga qual o motivo do estado imperfeito desse apóstolo.
Respondo: “Culpado disto é seu egoísmo. Como oleiro fez muito dinheiro nos mercados; mas quando soube de Mim, juntou-se aos outros, ouvindo Minha Doutrina e assistindo aos Meus Feitos. Prontamente Me pediu ser admitido no grupo dos demais. Aceitei-
-o como tal, sem poder impedir que continuasse a ser negociante, achando o dinheiro algo de imprescindível para a vida terrena; razão por que prefere operar milagres deixando-se pagar qual mago. Tal atitude não estando nos moldes da Doutrina, perdeu a capacidade por culpa própria, tornando-o sempre malsatisfeito. Está bem orien- tado, é bom orador e quando doutrina a respeito de Minha Missão vinda do Céu, suas palavras têm bom efeito e ele é idêntico aos Meus apóstolos, escolhidos entre os setenta e dois iniciados.”
Diz o taverneiro: “Nesse caso considerá-lo-ei e procurarei palestrar com ele. Que foi feito dos sessenta discípulos restantes? Não foram capazes de assimilar Tua Vontade para, como os outros, seguir-Te, podendo aprender muita coisa de grande utilidade?”
Respondo: “Sabem o que seja necessário para alcançar a Vida Eterna — é quanto basta. Não querendo abandonar seus familiares, despedi-os por enquanto; todavia, voltarão para acompanhar todos os Meus Passos, pois aceitaram o Meu Verbo e vivem dentro dos Ensinamentos, sentindo grande vontade para juntar-se a Mim. São
na maioria galileus, como Eu e os apóstolos. Se quiseres outras ex- plicações, continua a perguntar.”
OSESSÊNIOSESEUS MILAGRES
Diz Barnabé: “Tinha algo a perguntar, mas não quero abor- recer-Te.” Respondo: “Não te preocupes.” Prossegue ele: “Pois bem; quando ainda era levita, aconteceu que minha tarefa de arrecadação do tributo me levasse a ter contato com vários essênios. Eram mui amáveis e me asseguraram que no seu templo, maior que o de Jeru- salém, eram realizados importantes milagres.
Curavam-se todas as moléstias e, até mesmo, fazia-se os mor- tos voltarem à vida. Os próprios elementos e forças da Natureza es- tavam em seu poder; Sol, Lua e estrelas se submetiam à sua vontade, a ponto que o homem, naquele meio, era senhor absoluto de tudo, como foi Adam antes da sua queda. Flora e fauna, os minerais e os quatro elementos falavam, dando testemunho de seu poder, e caso eu não acreditasse, poderia acompanhá-los para certificar-me. Os negócios do Templo não tinham pressa, portanto aceitei o convite, e por meio de camelos chegamos rapidamente ao destino, não longe. Fui apresentado ao chefe, homem gentil e muito hospitaleiro. Lá fiquei durante oito dias e me convenci da veracidade plena; infeliz- mente não fui aceito como adepto, em virtude de minha pouca ida- de. Desejava saber qual Tua opinião a respeito; pois seus milagres são iguais aos Teus, levando-me a supor fosses também essênio. Além disto, afirmavam dever surgir o Messias do seu Instituto.”
Digo Eu: “Não vos deixeis tentar pelos essênios; suas palavras são mentiras; suas ações, mistificação e sua amizade, pura hipocrisia. Para eles a finalidade justifica o meio; ainda mesmo sendo nocivo e miserável, será bom e santificado quando se alcança um benefício para a Humanidade. À troca de dinheiro, fazem caridade material. O Bem, no entanto, não é benefício por ser fraude.
Se isto for descoberto pela pessoa beneficiada, será dupla- mente infeliz; primeiro, por ter sido enganada por muito dinheiro;
segundo, ser obrigada a calar-se para evitar sofrer dano maior. Essa seita tão louvada e procurada em todos os países tem grande número de espiões, que perambulam pelo mundo afora, sob vários caracte- res. Por eles, os chefes e assistentes são orientados de todo assunto importante. Não é, pois, conveniente desafiá-los, porque se vinga- riam no adversário.
Satisfaze-te com isto, Barnabé. Entre Meus discípulos existe um (Bartholomeu) que há pouco ainda era essênio e te poderia des- crever seus milagres, e tu te admirarás acerca de tua anterior igno- rância. — Vamos agora alegrar-nos fitando o Céu estrelado.” Todos se levantam e se dirigem para a frente da casa.
OBSERVANDOOMUNDO ESTELAR
Todos se extasiam com o deslumbramento celeste, e o hos- pedeiro Me pergunta da origem das incontáveis estrelas. Explico-lhe conforme já fiz noutra ocasião — e algo mais. Após ter-Me estendi- do no assunto cerca de duas horas, despertando em todas as almas o desejo de certificarem-se da realidade, abro-lhes a visão espiritual sem que o percebam, facultando-lhes a observação nítida de todas as estrelas. Seu júbilo é tão intenso que chega a atingir o êxtase com- pleto, razão por que os faço voltar ao estado anterior, e ninguém compreende como pôde ver coisas tão fantásticas.
Então lhes digo: “Não vos admireis em demasia. Abri ape- nas vossa visão interna, de sorte que pudestes ver de perto aqueles mundos longínquos; pois para o espírito, não há distância. Meditai sobre isto, e amanhã discutiremos o problema. Ide para casa, pois terminou a consagração do sábado.”
Todos Me agradecem, voltando aos lares, exceto o vizinho distante, que pernoita conosco. Recolho-Me com os apóstolos, fi- nalizando outra semana com boas obras. De manhã, a maioria dos vizinhos está reunida diante da casa de Barnabé, cujos familiares se ocupam no desjejum. Juntando-Me, com os apóstolos, aos outros, todos nos saúdam, satisfeitos com Minha Presença.
Um dentre eles, que havia sido transportado à noite a um planeta, isto é, a Uranos, pergunta se as criaturas que viu eram uma espécie de seres bem-aventurados. Deram-lhe essa impressão; admi- rou-se apenas de trabalharem com maior afinco do que as pessoas mais trabalhadeiras desta Terra. Estavam atarefadas na construção de muitos edifícios grandes, o que o deixou perplexo, por ver anjos ocupados nesse plano.
Digo Eu: “Em parte o fazem; mas as criaturas que avistaste não eram espíritos, e sim tão materiais como vós, com a única dife- rença terdes somente vós a missão de vos tornar filhos de Deus, en- quanto as de inúmeros mundos cósmicos geralmente não a têm, se bem que não sejam inteiramente excluídas. A dificuldade lá é maior do que nesta Terra, desde início destinada para tanto.
Houve um grande planeta, filho desse Sol, com a mesma mis- são; seus habitantes se excederam, passando por isto por um grande julgamento, sorte que o nosso também já sofrera. Aquele planeta foi completamente destruído, inclusive seus habitantes desmedida- mente orgulhosos e perversos. Maiores explicações podereis colher dos Meus discípulos; o todo ser-vos-á demonstrado em tempo pelo vosso próprio espírito unido a vossa alma, caso continuardes firmes na Minha Doutrina, recebendo assim orientação sobre verdadeiras maravilhas.” Novamente estranham Minha Onisciência e agrade- cem por Eu tê-los agraciado com Minha Visita.
Nisto aproxima-se Elisa para chamar-nos ao desjejum, en- quanto os vizinhos se desculpam por o terem tomado em casa. Bar- nabé então explica que a refeição tinha sido feita para todos, como no dia anterior, e que todos deveriam compartilhar. Com alegria to- mamos a refeição, e em seguida os discípulos são importunados pe- los amigos a respeito dos essênios. A palestra se estende até à noite, ocasião em que alguns apóstolos dão provas de seu poder milagroso, estimulando os outros a seguirem a Doutrina.
Entrementes, ocupo-Me com Barnabé, que relata dois mila- gres operados por Mim no Templo aos doze anos; muito o impres- sionaram, crente ter Eu cursado a escola essênia. Reconhece agora o
seu engano e a Minha Divindade patenteada Pessoalmente por Mim naquela época. Em suma, toda a comunidade é conquistada por nós e dá-nos trabalho de sobejo para orientá-la de tudo.
OSENHORSEDESPEDEDAALDEIANA MONTANHA
O dia seguinte passamos em casa do morador mais distante, onde fiz com que os anjos nos servissem de modo visível para to- dos. A alegria é imensa, pois as criaturas se julgam transportadas ao Céu. Palestram com os espíritos puros e louvam seu saber e força poderosa, e muitos milagres são operados em benefício de pessoas tão singelas.
Entre tais realizações se incluem uma nova casa, adegas e des- pensas repletas, a criação de uma quantidade de animais caseiros, or- ganização de hortas e dependências agrícolas para todos, de acordo com a necessidade. É claro ser enorme a sua gratidão.
Na manhã seguinte, voltam Comigo aos lares, sem conse- guirem separar-se de Mim, obrigando-Me a passar ora com um, ora com outro, inclusive os apóstolos, onde falamos da situação geral do mundo. Deste modo, o povinho recebe dois auxílios, físico e moral. Quando Me refiro à próxima visita a Jerusalém, todos se entristecem e Barnabé pergunta como podia Me dirigir a uma cidade tão desmo- ralizada e difamante.
Digo Eu: “Onde existe o maior número de enfermos, preci- sa-se de médico com urgência.” À insistência geral, fico ainda por alguns dias, ensinando-os coisas úteis e boas com ajuda dos discí- pulos, que também não concordam com a Minha Ida a Jerusalém no outono.
Afirmo-lhes ser isto da Vontade do Pai, o que os faz concor- darem. Precisamente num antessábado partimos, porque pretendí- amos chegar à metrópole no dia seguinte, que dava início às festas. Após o desjejum, abençoei a vila e os habitantes e dirigi-Me, acom- panhado de todos, à nova saída. Em lá chegando, despeço os ami- gos, recomendando-lhes a fé plena em Mim e o amor a Deus. Disse
mais: caso nunca vacilassem nessa fé, Eu voltaria, transfigurado, ao seu meio dentro de alguns anos, para transmitir-lhes a força do Meu Espírito. Todos agradecem, pedindo Eu não esquecê-los.
Digo então: “Meus caros amigos! O esquecimento só exis- te entre as criaturas. Quem não Me esquecer jamais será por Mim esquecido! Permanecei fiel a Mim enquanto encarnados, e Eu vos darei a Vida Eterna no Meu Reino, conforme vos foi demons- trado! Amém!”
Descemos rápido morro abaixo, enquanto eles nos seguem de vista durante uma hora, emitindo bons pensamentos e desejos. Em seguida encetam a volta, cheios de bons propósitos e vontade; além disto, resolvem barrar essa passagem, visto que não eram mais obrigados a caminhar a Naim à compra de sal. Essa resolução foi executada ainda nesse dia, isolando-os completamente do mundo e vivendo uma vida rigorosa dentro de Minha Doutrina.
FinaldoQuintoVolume Amém
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