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O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO
Volume VII
O GRANDE EVANGELHO DE JOÃO — 11 volumes
Recebido pela Voz Interna por Jacob Lorber
Traduzido por Yolanda Linau
Revisado por Paulo G. Juergensen
Direitos de tradução reservados
CopyrightbyYolanda Linau
UNIÃO NEOTEOSÓFICA
Edição 2020
ÍNDICE
O TRABALHO DOS ESPÍRITOS DA NATUREZA NA FORMAÇÃO DOS METAIS 42
A CRÍTICA. O SENHOR ACONSELHA A EXTERNAÇÃO TOTAL DAS DÚVIDAS .78
O JUSTO CONHECIMENTO DA SABEDORIA DIVINA ATRAVÉS DO RENASCIMENTO 112
A NATUREZA DOS ANJOS. AMOR E SABEDORIA, CORAÇÃO E INTELECTO 115
O VALOR DO LIVRE ARBÍTRIO. EXPERIÊNCIAS DE PROFETAS NO ALÉM 129
GARANTIA DO SUSTENTO MATERIAL PELA SUBMISSÃO AO SENHOR. O DILÚVIO MATERIAL E O ESPIRITUAL 182
O DESENVOLVIMENTO DA TERRA. A IMIGRAÇÃO DOS MARES 222
EXPEDIÇÃO DE SETENTA MENSAGEIROS DO SALVADOR (EV. LUCAS 10) 323
CONSELHOS DO SENHOR PARA AGRÍCOLA. FORTALECIMENTO DE FÉ E CONFIANÇA PELO TREINO.
AMADURECIMENTO À RECEPTIVIDADE DAS DÁDIVAS 326
OS ANJOS. CÉU E INFERNO. A VISÃO INTERNA 329
JOSÉ NEGA SEUS PRÉSTIMOS A UM GREGO 410
S
eria ilógico admitirmos que a Bíblia fosse a cristalização de todas as Revelações. Só os que se apegam à letra e desconhecem as Suas Promessas alimentam tal compreensão. Não é Ele
sempre o Mesmo? “E a Palavra do Senhor veio a mim”, dizia o profeta. Hoje, o Senhor diz: “Quem quiser falar Comigo, que venha a Mim, e Eu lhe darei, no seu coração, a resposta.”
Qual traço luminoso, projeta-se o conhecimento da Voz Interna, e a revelação mais importante foi transmitida no idioma alemão durante os anos de 1840 a 1864 a um homem simples chamado Jacob Lorber. A Obra Principal, a coroação de todas as demais, é “O Grande Evangelho de João” em 11 volumes. São narrativas profundas de todas as Palavras de Jesus, os segredos de Sua Pessoa e sua Doutrina de Amor e de Fé! A Criação surge diante dos nossos olhos como um acontecimento relevante e metas de Evolução. Perguntas com relação à vida são esclarecidas neste Verbo Divino, de maneira clara e compreensível. AoladodaBíblia omundojamaisconheceuObraSemelhante,sendona Alemanha considerada “Obra Cultural”.
ObrasdaNova Revelação
O Grande Evangelho de João – 11 volumes A Criação de Deus – 3 volumes
A Infância de Jesus
O Menino Jesus no Templo
O Decálogo (Os Dez Mandamentos de Deus) Bispo Martim
Roberto Blum – 2 volumes A Terra e a Lua
A Mosca
Sexta-Feira da Paixão e A Caminho de Emaús Os Sete Sacramentos e Prédicas de Advertência Correspondência entre Jesus e Abgarus Explicações de Textos da Escritura Sagrada Palavras do Verbo
(incluindo: A Redenção e Epístola de Paulo à Comunidade em Laodiceia)
Mensagens do Pai
As Sete Palavras de Jesus na Cruz (incluindo: O Ressurrecto e Judas Iscariotes) Prédicas do Senhor
OGRANDEEVANGELHODEJOÃOVOL. VII
O SENHOR NO MONTE DAS OLIVEIRAS
AAURORAESUA INTERPRETAÇÃO
Todos dirigem o olhar para o Nascente e admiram a mara- vilhosa aurora. Primeiro aparecem graciosos grupos de neblina no horizonte que se tornam mais luminosos e todos afirmam não terem visto, há tempos, manhã tão radiante.
Eis que Me dirijo a eles: “Tal aurora tem grande semelhança com a manhã espiritual do homem, do aparecimento do Sol espiri- tual dos Céus em sua alma!
Ao ouvir o Verbo Divino, faz-se a aurora em sua alma. Quan- do acredita nas Palavras de Deus e tem confiança, a claridade se manifesta mais intensa: começa a sentir prazer na Doutrina e a põe em ação. As ações se tornam rosadas pelo amor, conforme acontece àquelas nuvens graciosas, dando mais expansão de luz no íntimo da criatura. Através de tal satisfação ao Bem e à Verdade, o homem alcança maior conhecimento de Deus e seu coração se inflama para com Ele, comparável à aurora resplandecente. Os conhecimentos acerca de Deus, de sua própria pessoa e a sua grande finalidade au- mentam de forma tal, como neste momento todas as zonas da Terra se tornam perceptíveis pela grande claridade.
A luz se projeta mais intensa. As nuvens mais próximas do Sol se transformam em ouro, quais ações derivantes do amor ao Pai. Finalmente se inflama o Nascente, o Sol surge no horizonte em toda glória de luz e majestade e, assim como o novo dia nasce da noite pela força luminosa do astro, também o homem renasce pelo poder do Verbo Divino, pelo crescente amor a Deus e ao próximo.
Quando o seu coração se torna verdadeira chama, seu íntimo se aclara mais e mais; a chama se transforma em labareda e o Espí- rito Divino surge qual Sol nascente, dando-se um dia perfeito no homem. Não se trata de um dia terreno que finda com a noite, e sim de um dia eterno da Vida, o completo Renascimento do Espírito Divino na alma humana.
Em verdade vos digo: a criatura que realizou tal dia em sua alma não verá nem sentirá a morte, e quando abandonar o corpo será semelhante ao prisioneiro no cárcere cujo guarda lhe abre a por- ta com expressão amável, dizendo: Ergue-te, foste perdoado e estás livre! Cobre-te com esta vestimenta de honra e caminha livremente diante de Quem te agraciou!
Igual ou talvez maior será a alegria de um renascido quando
o Meu anjo lhe disser: Irmão imortal, levanta-te de tua prisão e veste
o traje luminoso da Honra de Deus e caminha livre e independen- temente na plenitude da Vida Eterna diante do Semblante do Se- nhor, cujo Amor Imenso te faculta tamanha Graça; a partir de agora, jamais terás que suportar teu físico, pesado e perecível! — Julgais sentir a alma tristeza com a visita do Meu anjo?”
Responde o romano ao Meu lado: “Tal só seria possível às criaturas mundanas, que vivem no amor-próprio, egoísmo e na pior ignorância de Deus e de sua alma; nunca souberam de uma vida além-túmulo — e ainda que tivessem ouvido a respeito, não creem, conforme conheço muitos. Sou simples pagão, todavia acredito na vida da alma desde menino, e pelas provas obtidas tornou-se-me plena certeza.
Para pessoas sem fé e muito presas à vida material, a morte física deve ser um horror; para nós, mormente após recebida a con- vicção total acerca da alma, pelo Próprio Doador da Vida, a morte não causa pavor, caso não seja precedida de grandes sofrimentos. Ainda assim, o aparecimento do guarda a abrir a porta do cárcere deve ser bem-vindo!”
Afirmam todos: “Pensamos da mesma forma, pois quem pode- ria sentir prazer no mundo, de certo modo o inferno em plena função?”
Acrescento: “Quem ama a vida deste mundo perderá a ver- dadeira vida da alma; quem não a apreciar e dela fugir ganhá-la-á, isto é, a vida eterna da alma.
Não vos deixeis ofuscar pelo mundo e não presteis ouvidos às suas tentações; todos os seus bens são fúteis e perecíveis! Se qui- serdes ajuntar tesouros, escolhei os inatingíveis pela ferrugem e as traças! São os tesouros para o espírito, para a vida eterna e em cuja conquista tereis que aplicar todos os esforços para o Céu. Pois quem tiver muito que dê muito; quem tiver pouco dará de acordo!
Quem oferecer ao sedento simplesmente um copo d’água por amor terá sua recompensa no Além; pois quem pratica amor ao semelhante garantirá o mesmo no Céu. Não vem ao caso o quanto é dado, mas principalmente como é feito. Um doador amoroso dá duplamente, e será recompensado de modo idêntico.
Como já disse: se tiveres fartura, poderás dar muito, e fa- zendo-o com alegria e amor, terás dado duplamente. Se não tiveres grandes posses, todavia compartilhaste com teu irmão necessitado, terás dado dez vezes mais, e teu prêmio será correspondente.
O que fizerdes aos pobres em Meu Nome tereis feito a Mim. Querendo saber do Meu Agrado Pessoal, observai a fisiono- mia daquele que beneficiastes conforme expliquei, e sabereis o grau de Minha Satisfação.
Somente o que é feito pelo verdadeiro amor agrada a Deus; aplicado dentro do intelecto, pouco vale para quem recebe e menos para quem deu. É melhor dar do que receber. — Agora vamos cami- nhar um pouco e observar a zona de Bethânia! Veremos grandes ca- ravanas comerciais, porquanto começa hoje o grande mercado que durará cinco dias.”
OS MERCADORES
Em seguida nos encaminhamos ao local de onde se avista toda a zona de Bethânia e muitas estradas e ruas que dão para Jeru- salém. Estavam ali organizadas as alfândegas, cujos fiscais, na maior
parte, desde a véspera achavam-se conosco, inclusive seus emprega- dos. O escriba dirige-se a eles perguntando se não prefeririam estar lá embaixo, a fim de negociarem.
Responde um publicano: “Meu caro, perdeste por falar! Se visássemos lucro material em vez do espiritual, cada um de nós es- taria no seu lugar. Por isto não nos interessam as caravanas. Dentro em breve começarão as negociatas em vosso templo. Acaso seria do teu agrado eu te chamar a atenção para as vantagens esperadas, mor- mente o dízimo?!
A vosso critério somos publicanos e pecadores e sabemos terdes renegado o Templo, portanto foi tua pergunta mui tola. De nossa parte tomamos a firme resolução de restituirmos a todos, dez vezes mais, por amor a Jesus, de tudo o que porventura tenhamos lesado a alguém, de sorte que os comerciantes podem passar livre- mente em nossas divisas e com isto não iremos passar fome!”
A tal resposta enérgica, o escriba se cala, profundamente ad- mirado da generosidade do publicano e seus colegas. Nisto se mani- festa Lázaro: “À noite, aqueles viajores certamente virão aqui e terei que tratar de alimentos e acomodações.”
Digo Eu: “Deixa disso; enquanto Eu estiver aqui, serás provi- do de tudo e do melhor, ainda que viessem inúmeras pessoas! Obser- vemos o interessante movimento! Quantos camelos, cavalos, burros e bois estão trotando, carregados de todas as riquezas que os donos irão vender!
Lá, na estrada larga que leva da Galileia a Jerusalém, vemos carros e carroças puxadas a bois, trazendo escravos das zonas do Pontus. Trata-se de jovens de ambos os sexos entre quatorze e dezoi- to anos, de belos físicos: 120 rapazes e 170 moças. Tal venda será por nós impedida e cuidaremos da liberdade e educação desses coitados. O tráfico de escravos não pode ser efetuado dentro da cidade. Esse monte se acha fora da muralha do centro, entretanto está perto dele. Deste modo vereis como os donos das carroças irão levantar suas barracas ao pé do monte, para em seguida enviarem os vendedores para todos os cantos. Então será chegado o momento de nos apre-
sentarmos, tirando-lhes a mercadoria e fazendo-lhes um sermão em boas condições!”
Propõe Agrícola: “Senhor, não seria possível eu comprar tais escravos pela importância exigida e levá-los para Roma, a fim de dar-lhes educação, plena liberdade e cidadania romana?”
Digo Eu: “Tua ideia e vontade são boas — as Minhas serão melhores! Por que gastar dinheiro por algo que se possa adquirir sem ele?! Concordas? Proporcionar lucro a tais pessoas seria positivá-las em sua maldade; após várias experiências como essas, terão cuidado em usar de meios lucrativos dessa espécie!”
Diz Agrícola: “Existe um ponto a considerar. Segundo me pa- rece, há uma lei em Roma válida para todos os países no tocante à ven- da de escravos, pela qual nenhum pode ser introduzido nas províncias romanas sem consentimento do prefeito, autorização esta de grande valor monetário. Por isto, acontece não raro que tais mercadores con- trabandeiam os escravos, por vias secretas e falsa documentação. Se este for o caso em apreço, fácil será impedir a negociata; caso contrá- rio, só nos resta pagar a importância, pois estão sob proteção jurídica.”
Digo Eu: “Teu critério é certo. Sabes ser Eu Quem pres- creve Leis à Eternidade e ao Infinito, portanto compreenderás que não Me venha prender às leis romanas quando o contrário se torna imprescindível, muito embora não deixe de Me submeter.
Os homens que ora pretendem vender sua mercadoria são mui gananciosos, todavia supersticiosos em alto grau. Tal ignorância constitui o maior inimigo deles, e já sei o que fazer para castigá-los a ponto de não somente entregarem os escravos, como se prontifica- rão a algo mais, apenas para se salvarem. Todos vós assistireis o que podem Sabedoria e Poder Divinos.
Vamos agora nos fortificar com bom almoço; entrementes, chegarão os mercadores e nós lhes faremos uma visita!” Diz o escri- ba: “Senhor — por certo não irás visitar o Templo?! Hoje a confusão é tremenda!”
Digo Eu: “Que Me importa aquele antro de assassinos do inferno! O justo Templo de Jehovah se acha no coração de quem
ama a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo! Va- mos à mesa!”
14. A grande fartura, as baixelas de prata e os castiçais de ouro são motivo de admiração dos romanos e fariseus! Lázaro recomenda não perderem tempo, pois os peixes ficariam frios, de sorte que todos, inclusive os setenta pobres com a mulher, não se cansam de agradecer.
OSUPERSTICIOSO TANGANHÃO
Enquanto ainda sentados à mesa, um forte raio rasga o céu claro e sem nuvens, seguido pelo estrondo de um trovão. Todos se assustam e Me perguntam qual o motivo. E Eu lhes respondo: “Ve- reis em breve! O fenômeno fez a introdução para os tanganhões; pois, enquanto almoçamos, chegaram ao pé do monte e teriam des- carregado a mercadoria, não fosse o raio.
Os habitantes do Pontus setentrional possuem uma espécie de doutrina, naturalmente mui imperfeita. Está de posse de certos adivinhos que vivem isolados, são proprietários de terras e manadas, localizadas em planaltos de difícil acesso. Na maioria descendem de hindus, peritos em magias e feitiçaria, e mui raro procuram os povos das planícies; estes, todavia, têm conhecimento deles e os pro- curam para predizerem o futuro mediante grandes somas. Em tais ocasiões, os sábios dos planaltos falam de seres elevados, invisíveis e poderosos, que dominam homens e elementos, sendo os adivinhos seus servos mais achegados e senhores de elementos inferiores. Tais informações estonteiam os consulentes ignorantes, mormente quan- do assistem a alguma feitiçaria.
Esses tanganhões vêm de lá pela sétima vez, conquanto visi- tem Jerusalém pela primeira vez, pois costumam fazer negócios na Lydia, Capadócia, Tyro e Sidon. Hoje se arriscaram até aqui, e isto porque foram atraídos pela Minha Vontade.
Antes de sua partida, perguntaram ao adivinho se iriam ser bem sucedidos. E ele lhes respondeu: Caso não vejais raio, tam- pouco ouçais trovão, o sucesso será garantido. — Eles tomaram tal
resposta por bom agouro, julgando nesta época não haver trovoada. O forte raio e trovão muito os assustaram e agora não sabem que fa- zer. Antes de descermos virão mais alguns coriscos, atemorizando-os bastante e facilitando nossa tarefa!”
Diz um dos apóstolos: “Qual será seu idioma?!” Respondo: “Não é de tua conta; não há linguagem no mundo que Eu desco- nheça! Esses homens falam, na maioria, hindustani, semelhante ao hebraico original.” Eis que se seguem mais dois raios que caem na terra, sem prejuízo.
Após o terceiro, entra de repente um jovem maravilhoso na sala, curva-se diante de Mim e diz com voz melodiosa, porém firme: “Senhor, aqui estou para cumprir Tuas Ordens!”
Digo Eu: “Vens de Cirenius e Yarah?” Responde ele: “Sim, Senhor, de acordo com Tua Santa Vontade!” Nisto, os apóstolos re- conhecem Raphael e o cercam para cumprimentá-lo.
O anjo então diz: “Felizes vós, por estardes sempre juntos do Senhor, em Sua Personalidade Altíssima! Antes de pormos mãos à obra de tão grande importância, dai-me algum alimento!”
Todos se desdobram nesse sentido, pois não se cansam de admirar a formosura do arcanjo. Os romanos o consideram filho de origem terrestre de rara beleza, que Me seguira por motivo qualquer. Despertando grande admiração sua fome voraz, ele sorri, dizendo: “Meus caros, quem muito trabalha necessita alimentar-se de acordo! Não é isto?”
Diz Agrícola: “Certo! Mas dize-me quem são teus pais e onde nasceste?”
Responde Raphael: “Calma! Ficarei aqui por alguns dias e terás oportunidade de me conheceres melhor. Temos uma grande tarefa a resolver; urge, portanto, concentração de nossas forças!”
Obtempera o romano: “Jovem e lindo amigo — que pode- rás tu fazer com tuas mãos delicadas? Certamente jamais executaste trabalho pesado!”
Responde Raphael: “...pelo simples motivo de ser facílimo todo e qualquer trabalho. Terás prova disto!”
Interrompo: “Está na hora de libertarmos os prisioneiros! Vamos! Quem quiser, que fique!” Todos Me acompanham e dentro em pouco chegamos junto dos tanganhões, rodeados por grande multidão. Dou um sinal a Raphael para dispersá-la — e todos tra- tam de fugir de vários leões, que súbito aparecem entre eles!
CONVERSÃODOS TRAFICANTES
Somente após o afastamento de todos Eu Me dirijo, em com- panhia de Raphael, Agrícola e Lázaro, ao principal mercador e digo em seu idioma: “Quem vos deu direito de venderdes criaturas hu- manas qual reles mercadoria, fazendo delas escravas de um compra- dor tirânico e lascivo?”
Responde ele: “Demonstrar-te-ei direito para tal, caso pre- tendas fazer negócio; não sendo esta a intenção, farei uso do mesmo somente perante o prefeito. Também fui vendido como escravo; meu senhor, ao qual servi fielmente, deu-me liberdade e muito dinheiro. Voltei à pátria e negocio com idêntica mercadoria que se fez de mim; pois, em nosso país, nunca fomos chamados à responsabilidade, por ser costume antigo.”
Digo Eu: “Há trinta dias atrás, estiveste no planalto e ofe- receste ao adivinho cento e trinta carneiros, dez vacas e dez vitelos, e ele te disse: Serás feliz caso não vejas raio e trovão! — Julgaste a época propícia para tanto e resolveste fazer a viagem. Todavia, re- lampagueou e trovejou. Que farás?”
De olhos arregalados, ele diz: “Se fores humano igual a mim, não podes estar ciente disto! Nunca estiveste na minha pátria e, além disso, pessoa alguma conhece o local onde mora o mais célebre adi- vinho. Como podes conhecer tal segredo? Se mo informares, todos os escravos serão teus!”
Digo Eu: “Porventura não vos foi dito por ele existir um grande Deus, do Qual somente se inteirara por antigos escritos? Ca- bia aos mortais não darem importância, por ser incompreensível! Não se expressou desse modo?”
Completamente estonteado, o mercador retruca: “Repito: não és humano, e sim Deus! Como poderia reagir contra ti, cujo hálito seria capaz de me exterminar?! Sei que meu meio de vida é condenável; mas a subsistência em nosso país é difícil. Se te for pos- sível ajudar-nos, esses e mais outros escravos serão teus!”
Dirigindo-Me aos que nos circundam, digo: “Vede que exem- plo: são tanganhões da pior espécie e prontamente Me reconhece- ram! Lá em cima está o Templo que David e Salomon mandaram construir com enormes gastos em Minha Honra, e quão sensível é a diferença entre esses traficantes a venderem seres humanos, e os vendedores de almas para o inferno!
Os primeiros são verdadeiros representantes de Elias com- parados aos miseráveis assassinos de almas! Por isto terão melhor sorte Sodoma e Gomorra, do que aquela raça infernal. Se naquelas cidades tivesse sucedido o que ocorre aqui, seus moradores teriam feito penitência, tornando-se felizes. Atualmente estou Presente em Pessoa — e eles procuram matar-Me!
Vede, ao Meu lado, Meu arcanjo predileto, Raphael; há mais semelhança entre ele e esses tanganhões, do que com os sacerdotes do Templo! Este mercador já é um anjo; os lá em cima — demô- nios!” E virando-Me para ele, digo: “Amigo, quanto exiges por esses escravos?”
Responde ele: “Meu Deus, que poderia eu, fraco mortal, exigir de Ti? Tanto esses, quanto mil vezes mais eu Te dou, caso me aches com mérito de me apontares os meus defeitos!”
Digo Eu: “Então liberta-os e Eu vos darei a liberdade plena de vossas almas e a Vida Eterna!”
Retruca ele: “Está resolvido, pois é fácil se negociar com deuses. Vós outros, soltai os jovens, pois fizemos o melhor negócio. Estou certo de eles não passarem mal — e nós ganhamos a Vida Eterna. Concordais?”
Respondem eles: “Sim, Hibram; entretanto, o adivinho se enganou, pois raio e trovão nos proporcionaram a maior felicidade. Resolvamos esse assunto para voltarmos à pátria!”
Digo Eu: “De modo algum, tereis de ficar mais uns três dias sem despesas, pois serei vosso Pagador, agora e sempre!”
LIBERTAÇÃODOS ESCRAVOS
Novamente dou um aceno a Raphael para libertar os escra- vos, que no mesmo instante são soltos e vestidos, pois andavam todos nus. A sensação é enorme, e o principal mercador deles se aproxima, para averiguar o fato. Em seguida, exclama: “Agora reconheço que estais sob a proteção de deuses, aos quais deveis pedir misericórdia. Quando fordes felizes, não esqueçais dos genitores, obrigados a tra- balhar em terras áridas, vivendo em cabanas de barro e junco. Procu- rai colher conhecimentos para mais tarde, voltando à pátria, levardes aos outros e assim ninguém mais será vendido como escravo!”
Virando-se para Raphael, ele prossegue: “Jovem, de beleza excepcional! Por certo és um deus, porquanto desataste tão rapida- mente as cordas dessas criaturas todas! E onde foste buscar tantas vestes ricas?”
Responde Raphael: “Não sou Deus, mas apenas servo Dele! Por mim mesmo, nada faço; quando compenetrado pela Vontade Divina, tudo me é possível. — Dize-me, que farás com os restantes duzentos escravos, ainda não suficientemente preparados à venda?”
Diz Hibram: “Também estás ciente disso?! Que mais poderia fazer senão educá-los como filhos, e pedir-te roupas para levar-lhes?”
Diz o anjo: “Ainda é cedo; quando partires dentro de alguns dias e continuares de bons sentimentos, encontrarás tudo em ordem, inclusive para teus companheiros.” Todos agradecem a Raphael e a Mim, pois reconhecem ser Eu o Senhor. Em seguida se lembram das carroças e animais, e Hibram indaga do anjo onde acomodá-los e buscar forragem.
E Raphael diz: “Atrás dessa muralha que circunda o monte, propriedade do homem que ora palestra com o Senhor, encontrarás o necessário.” Após tudo arrumado, digo Eu: “Vamos subir o monte
e tratai de suprirdes os escravos. Isto feito poderás, Hibram, juntar-
-te a nós com teus camaradas e considerar-vos Meus hóspedes.”
Os jovens libertos são incapazes de agradecer de emoção e devido à escassez de espaço; por isto, fazem um círculo ao Meu Re- dor e pedem Minha atenção. Fito-os com simpatia e os convido a falar, e eles exclamam em uníssono: “Bom pai! Agradecemos-te pela libertação. Nada temos para recompensar-te; vamos, todavia, servir-te como se fôssemos teus pés e mãos. Continua sendo nosso pai, na bondade e no amor!” Abraçando um por um, digo: “A paz seja contigo, Meu filho, Minha filha!” Comovidos, todos vertem lágrimas, umedecendo Meus Pés e Minhas Mãos.
COMÉRCIOE USURA
Após cena tão comovedora, digo a Raphael: “Leva-os lá para cima e trata deles; em seguida, almoçaremos.” Os jovens se nutrem quais crianças alegres, enquanto ainda observamos os comerciantes a se dirigirem à cidade com mercadorias, animais e frutos. E o romano diz: “Senhor, quantos judeus! Que estranho passarem tão indiferen- tes de nossas pessoas!”
Digo Eu: “Assim como esses, muitos passarão ao largo, não Me olharão, continuando em seu mundanismo, até que a morte os atire à sepultura e sua alma ingresse no inferno. Tais comerciantes, lojistas e corretores longe estão de tudo que tenha vestígio espiritual e podem ser comparados aos parasitas nos galhos de árvores fru- tíferas e ao joio entre o trigo. Deixemo-los seguir caminho para a sepultura e a morte psíquica.”
Conjectura Agrícola: “Senhor, é preciso haver comércio entre as criaturas, do contrário a subsistência de países improdutivos seria impossível. Na Europa conheço vários, onde apenas existem rochas e montanhas, de sorte que os habitantes têm de ser supridos através do intercâmbio comercial. Admiro-me Tu o condenares, não obs- tante Tua Sabedoria Divina.”
Digo Eu: “Amigo, vais Me desculpar! Mas aquilo que sabes e entendes, Eu já o sabia antes que um Sol Central iluminasse um enxame globular! Em verdade te digo: não Me altero com as relações benéficas entre os homens, pois Eu Mesmo quero a dependência recíproca, que se enquadra na máxima ordem do amor ao próximo. Espero compreenderes não poder Eu elogiar a agiotagem inescru- pulosa! Deve o comerciante ter o lucro correspondente ao esfor- ço dispendido; nunca, porém, querer ganhar cem talentos por dez! Condeno apenas a agiotagem e não o intercâmbio necessário. Vê se o compreendes, para que não sejas tentado!” — O romano confessa seu erro e Me pede perdão.
Nisto se aproxima Lázaro e diz: “Senhor, já não havendo ser- viço a fazer, poderíamos subir o monte e a caminho desejava saber de Ti a origem desse jovem cativante. Parece não contar mais que dezesseis anos, entretanto ultrapassa Teus apóstolos!”
Digo Eu: “Acaso não se lê nas Escrituras: Em tal época vereis descer à Terra os anjos de Deus para servirem aos homens?! Deves, portanto, saber qual a descendência dele. Não faças comentários a respeito, pois os outros devem descobri-lo por si mesmos. Os após- tolos o conhecem e também não devem denunciá-lo. Vamos ficar mais algum tempo nesta estrada, pois em breve surgirá um fato que exigirá nossa presença.” Ele indaga se viria coisa desagradável, e Eu prossigo: “Meu caro, neste mundo e entre tais criaturas, nada de bom se deve aguardar. Vê, o acúmulo de comerciantes já está dimi- nuindo, e dentro em breve os servos dos fariseus trarão um pobre pecador, que há uma hora furtou um dos pães no Templo, a fim de apedrejá-lo na praça pública. Isto será por nós impedido; eis a razão por que aqui permaneceremos.”
Agrícola, que ouvira Minhas Palavras, se aproxima, dizendo: “Senhor, acaso possuem os judeus direito sobre vida e morte? Co- nheço todos os privilégios dados por Roma aos povos; nunca ouvi falar de um neste sentido. Que há de verdade nisto?”
Digo Eu: “Quando os romanos se tornaram senhores dos países judaicos, analisaram minuciosamente a religião e as leis dos
profetas, achando assistir ao Templo direito de apedrejamento de criminosos inveterados. Os sacerdotes não têm justificativa da sen- tença de morte, pois são obrigados a entregar o réu ao juiz, que por sua vez terá que lavrar a sentença dentro do fiel testemunho apresentado pelos responsáveis. Neste caso, nada disto foi feito e os sacerdotes agem por conta própria, pagando a Herodes um imposto que justifique sua ação arbitrária, com a qual praticam os piores abusos. Urge estarmos prevenidos — pois já vêm se aproximando!”
AGRÍCOLAINTERROGAUMCHEFEDO TEMPLO
Nem bem termino, aproxima-se vasto grupo arrastando o infeliz. Digo, pois, a Agrícola: “Vamos ao encontro desses esbirros, chefiados por um maioral do Templo.” E assim topamos com eles à saída do grande portão e Eu inspiro o romano para pronunciar as seguintes palavras enérgicas: “Que se passa?”
Responde o chefe do Templo: “Possuímos, como privilégio antigo dado por Moysés, o jusgladii, podendo executá-lo contra criminosos!”
Diz o romano: “Vim, como embaixador imperial de Roma, a fim de examinar vossos abusos contra os direitos romanos! Onde estão vossas credenciais jurídicas?”
Tal pergunta é de sumo desagrado do templário, que diz: “Prova tu primeiro seres embaixador romano, pois facilmente al- guém se poderia vestir como tal e querer prescrever novas leis, em nome do imperador.”
Agrícola, de pronto, tira de um estojo de ouro um rolo de per- gaminho com todas as insígnias, não deixando dúvida de sua legitimi- dade. Em seguida, diz ao judeu: “Onde está teu comprovante jurídico?”
Diz o outro: “Já te expliquei ter o Templo direito, desde Moysés, de castigar com a morte um vilipendiador do Santíssimo, privilégio sancionado por Roma, de sorte assistir-nos tal ação!”
Indaga o romano: “Acaso esse Templo já existia em épocas de Moysés?”
Responde o chefe: “Isso não; Moysés era profeta e seu espíri- to certamente sabia que Salomon, o grande e sábio rei, iria construir um templo para Deus; portanto, um ultraje contra esse e suas santas organizações é tão condenável quanto feito a Deus Mesmo!”
Inquire Agrícola: “Mas, por que teria Moysés nomeado juízes especiais para tais casos, em vez de entregá-los às mãos dos sacer- dotes? Ele apenas vos instituiu para sacerdotes, e Roma vos con- feriu igualmente jurisprudência terrena, sob condição expressa de que criminosos, mormente os condenados à morte, deveriam ser entregues ao juiz da comarca, sem vossa interferência. Jamais vos compete condenar alguém, muito menos fazer justiça pelas próprias mãos! Soltai este homem! Eu mesmo farei o interrogatório para ave- riguar se merece a morte — e ai de vós se encontrar injustiça de vossa parte!”
A esta ameaça o criminoso é solto, enquanto o chefe diz: “Eis o malvado! Todos nós somos testemunhas competentes para enfrentarmos suas negativas!”
Diz Agrícola: “Muito bem; de minha parte tenho uma tes- temunha verdadeira e declaro antecipadamente que castigarei qual- quer mentira! Muito mais severo agirei contra quem tiver formado julgamento maldoso, portanto punível!” A essas palavras do roma- no, o templário e seus asseclas começam a tremer; ele faz menção de se retirar, enquanto eles dizem: “Que temos nós a ver com isto?! O chefe que se entenda contigo, senhor! Somos apenas executo- res da sentença e dela somente sabemos o motivo principal. Como poderíamos atestar, contra ou a favor desse criminoso? Deixa-nos, portanto, seguir caminho!” Diz Agrícola: “De modo algum! Tereis de ficar por causa do chefe, que igualmente não se afastará até que eu tenha inquirido o réu!”
INSTITUIÇÕESCRIMINOSASDO TEMPLO
Com tal ordem, todos quedam no local e Agrícola diz ao chefe: “Qual é o crime de morte desse infeliz?”
Responde ele: “Ousou tocar e até mesmo comer alguns pães da proposição no Templo, fato que apenas é permitido ao sumo sa- cerdote, com preces e declamações de salmos! Foi preso em flagrante e condenado à morte pela Lei, portanto dispensa interrogatório!”
Diz Agrícola: “Realmente, que justiça louvável! Porventura as nossas leis não exigem que se analise em todos os crimes a que ponto o réu é responsável?! Se um louco cometer o pior crime que para um normal mereceria a morte, o primeiro deve ser preso como medida preventiva e, tão logo se regenere, ser solto. Caso contrário, será apro- veitado como escravo de galeras para penitenciar-se e se tornar útil.
Além disto, deve-se considerar quais as circunstâncias que não raro levam o homem a cometer um crime, atenuando-o. Há grande diferença no caso de alguém matar uma pessoa pela queda do telhado, ou se o fez premeditadamente. Entre tais extremos, existem muitas reconsiderações que um juiz consciencioso deve ponderar, pois podem atenuar ou pesar!
Se, por exemplo, condenásseis à morte um homem por uma simples acusação — que juízes infames seríeis! Não consta expres- samente em nosso código penal dever o juiz informar-se de todas as circunstâncias? Acaso agistes dentro de tais normas?”
Responde o chefe: “No Templo apenas existe a Lei Mosaica, que soa diferente!”
Protesta o romano: “Se Moysés tivesse elaborado leis confor- me são efetuadas no sinédrio, teria sido ele o mais ignorante e cruel legislador, e os romanos — verdadeiros deuses! Conheço muito bem as leis suaves do profeta, e nós formamos nossa jurisprudência den- tro de seus princípios, de sorte que, diante de Deus e de todos, sois os mais infames mentirosos!”
Diz o chefe: “Não fui eu o inventor das mesmas! Elas existem e temos que respeitá-las!”
Diz Agrícola: “Bem, os romanos saberão impedir tais abusos! Vamos ouvir a outra parte!” E virando-se para o acusado: “Fala com sinceridade, pois posso salvar-te, mas também condenar-te à morte, caso faças jus a tanto!”
O condenado se levanta e diz sem receio: “Venerável senhor e juiz! Sou tão pouco criminoso quanto tu e aqueles que te acompa- nham! Sou simples operário e sustento meus pais, enfermos e inap- tos a qualquer trabalho. Tenho uma irmã de dezessete anos, que igualmente vive às minhas expensas, pois cuida dos velhos. É muito bonita e, não obstante honesta, os templários já se cansaram para seduzi-la. Por isto, certa feita ameaçaram meus pais e a mim, pois haveriam de nos fazer mais condescendentes e humildes!
Quando no dia seguinte procurei trabalho, fui informado de que o Templo me declarara criminoso perverso, pois praticara incesto com a própria irmã! Fui enxotado e não sabia o que fazer. Por isto, procurei alguns pagãos e expus o meu caso. Deram-me umas poucas moedas para poder suprir-nos de pão. O dinhei- ro foi rapidamente gasto, de sorte que há dois dias nada havia para comermos.
Não consegui trabalho por causa dos feriados. Assim, pensei: Se como judeu impune fizeres o que fez David quando teve fome, Deus certamente não te consideraria pecador!
Por isto fui ontem ao Templo e me apossei do primeiro pão para saciar a nossa fome. Os guardas, porém, logo me descobriram e arrastaram diante dos sacerdotes; ao me reconhecerem, esbraveja- ram: Ah! Eis o mendigo orgulhoso, incestuoso e vilipendiador do Templo! Amanhã cedo deverá ser apedrejado!
Em seguida, me atiraram a um cubículo escuro; quanto ao meu transporte para cá, foste pessoalmente testemunha. Somente Jehovah sabe o que passam os meus! Eis tudo que tenho a dizer. Não me condenes como fez esse chefe do Templo. Foi precisamente ele quem quis seduzir minha irmã. Juro perante Deus e todos, e posso apontar as testemunhas necessárias!”
Revoltado com a atitude do fariseu, Agrícola diz: “Quem fala como tu dispensa comprovantes. Dentro em breve virá alguém que trará a tua família — e mais outro, indispensável para o chefe!”
À Minha Chamada interna, Raphael se apresenta e Eu lhe digo no coração: “Presta atenção às exigências do romano: sou Eu Mesmo Quem lhe insufla pensamentos, palavras e vontade.”
Ao notar a presença do arcanjo, Agrícola diz: “Sabia que não demorarias!” Responde Raphael: “Sei o que desejas, e tudo estará em ordem dentro de alguns instantes, pois as pessoas desejadas não moram longe.”
Interrompe o chefe: “Para que isto?” Diz Agrícola: “Falarás quando inquirido!”
O anjo se afasta e, rápido, traz os dois velhos e a moça, muito pobre, porém de rara beleza; além disto, seguem dez soldados ro- manos e um juiz destacado por Pilatus. Virando-se para Agrícola, o anjo diz: “Amigo, assim está bem?” Responde aquele: “Claro, pois foi este o meu desejo!” Em seguida Raphael recua, aguardando qual- quer aceno de Minha parte.
Então o romano se dirige aos três recém-vindos, perguntan- do se conhecem o maltratado. Responde a moça: “Ó Jehovah, que aconteceu ao meu pobre irmão? Foi ontem em busca de pão e não voltou. Passamos por grande aflição, pedindo que nada de mal lhe sucedesse. E agora vemo-lo em estado lastimável!”
Agrícola interrompe a jovem com amabilidade: “Deixa de indagações; teu mano está em boas mãos! Apresentar-te-ei aquele chefe do Templo e me dirás se o conheces.”
Diz ela: “Poupa-te o trabalho. Já de longe reconheci esse mi- serável!” Então o romano chama o fariseu, que havia virado as cos- tas: “Fala sem rodeios: que tens a dizer contra tal assertiva? Confessa a verdade, senão te levarei para tanto na cruz em chamas, a fim de conheceres a justiça de Roma!”
De voz trêmula, o outro diz: “Senhor plenipotenciário! Que poderia dizer? Infelizmente a situação é tal qual fora explanada pelo infeliz e mereço o castigo que quiseres aplicar-me! Se algum dia conseguir ser solto, tudo farei para a felicidade dessa família.
Duvido, porém, ficar isento de punidade; portanto, nada poderei fazer por ela!”
Diz Agrícola: “Não sou juiz como vós, na medida da pai- xão, e sim dentro do direito; no caso em apreço, declaro serem teus principais juízes esses quatro, ofendidos de modo tão desumano! A sentença deles será a minha. Quanto ao pecado desse pobre — Deus fará justiça! Ele lhe perdoando, nós também o faremos; pois nada desabona sua conduta contra Roma!”
Em seguida, Agrícola se vira para a família do réu, dizendo: “Determinai o que devo fazer a esse malfeitor! Não somente vos pre- judicou pela perseguição à vossa filha e, não conseguindo seu inten- to, difamou-a, a ponto de seu irmão não achar trabalho, assim como condenou-o à morte, por se ter apossado de um pão da proposição. Não fora este nosso Maior Benfeitor, vosso filho já estaria morto!
Vede ali os esbirros do Templo, e esse é o chefe responsável por tal delito! Conheço a Lei com referência aos pães da proposição. A pena de morte foi por Moysés instituída somente em casos de maldade e teimosia, e não na fome extrema, onde todo judeu tem direito de se saciar. Assim agiu o próprio David, que entendia me- lhor a Lei que o sumo sacerdote daqueles tempos. Com isto declaro inocente o vosso filho, e cabe-vos pronunciar a sentença do verda- deiro criminoso!”
Responde o pai do prejudicado: “Venerável juiz! Agrade- cemos a Deus, a ti e ao teu amigo por nos terdes salvo tão milagro- samente! Deus protegendo o Bem e a Justiça, igualmente pune a maldade do pecador renitente. Caso se regenere, Jehovah lhe perdoa seus erros, por maiores que fossem. Por isto, não julgo esse homem, entregando-o à Vontade de Deus, Único Juiz Competente. Eis nossa sentença quanto ao pior inimigo. Perdoamos-lhe todo mal praticado à nossa família.”
Ao ouvir as palavras do pobre velho, o chefe do Templo de- sata a chorar e diz: “Meu Deus, como são bons Teus verdadeiros filhos, e quão maldosos somos nós, raça de serpentes do inferno! Castiga-me de acordo com minha culpabilidade!”
Intervém Agrícola: “Se os que têm direito para julgar-te não o fazem, muito menos eu; mandei vir o juiz a fim de que proibisse a ti e aos demais colegas no Templo de jamais pronunciardes uma sentença de morte — do contrário, fareis jus ao castigo. Os esbirros devem receber cem chicotadas, a fim de sentirem a dor da maldade. O pelotão deve agora mesmo executar tal ordem!”
Eis que os carrascos começam a implorar e chorar. Mas Agrí- cola prossegue: “Porventura esse coitado não vos pediu misericór- dia, pois vos competia somente vigiá-lo? Como fizestes no que nem direito aparente vos assistia, nenhuma chibatada vos será poupada, mas o executor terá ordem de aplicar toda energia. Ide! Para homens de vossa espécie, não há misericórdia para Deus, nem para mim!”
Trêmulo de respeito, o chefe do Templo diz: “Senhor pode- roso! Qual será minha combinação com o juiz?”
Responde Agrícola: “Já te falei; se não o compreendeste, re- pito: irás com ele à delegacia, onde receberás ordem pela qual o Templo terá diretrizes formais diante das punições mosaicas. Qual- quer abuso será severamente castigado por Roma. Pilatus elaborará o documento, que farás notificar no sinédrio!”
Diz o chefe: “Que direi ao governador caso deseje informa- ções de tua pessoa?” Responde Agrícola: “Nada disto ele fará, pois vim há dias de Roma, e além disto me conhece e sabe o motivo de minhas inspeções nessas terras, com ordem do imperador! Podes retirar-te!”
Novamente o chefe pede a palavra: “Nobre plenipotenciário de Roma! Sou mui rico e sinto repugnância de meus tesouros! Em virtude de ter feito injustiça gritante contra essa família, desejaria
apagá-la, passando-lhe tudo que possuo. Seria possível fazer um do- cumento de doação, para evitar futuras investigações a respeito?”
Diz o romano: “Encontrarás muitas famílias merecedoras do teu amor ao próximo; esta já está provida de tudo. Age futuramente com justiça e teme a Deus, que impedirás cenas idênticas a essa. Ide!” Curvando-se com respeito, o juiz e o chefe se afastam.
Em seguida, retornamos ao nosso grupo em companhia da mencionada família, e todos estão curiosos por saber dos aconteci- mentos, inclusive Hibram e os amigos. Todavia Me dirijo a Lázaro e digo: “Amigo, antes de tudo é preciso tratar de suprir esses pobres, há dias sem alimentação. Os velhos eram mui fracos e enfermos, mas já se curaram. Este jovem forte, porém maltratado, deveria ser apedrejado, e a moça é irmã dele. Estás, pois, orientado a respeito.”
Diz Agrícola: “As despesas correrão por minha conta e tam- bém desejo que tomem parte na minha mesa. Posteriormente me acompanharão para Roma. Além disto, me responsabilizarei pelos escravos, tanto física quanto espiritualmente.”
Obsta Lázaro: “Amigo, desejava ficar com alguns; sou solteiro e poderia adotá-los!” Responde o romano: “Poderás dispor de quantos quiseres!” Satisfeitos, todos nós seguimos caminho ao monte.
AREFEIÇÃONO ALBERGUE
Quando lá chegamos, os escravos estavam bem organizados e Me recebem, exclamando: “Salve, querido e bondoso Pai! Foste tu quem nos libertou de todas as algemas. Além disto, deste-nos rou- pas novas e saciaste nossa fome e sede! Permita expressarmos nossa gratidão!” Achegando-se a Mim, abraçam-Me com todo carinho. Os apóstolos, todavia, advertem-nos não serem tão impetuosos.
Então lhes digo: “Consenti-lhes sua alegria inocente! Em ver- dade vos digo: quem não Me amar como esses filhos verdadeiros não chegará junto de Mim! Pois quem não for atraído pelo Pai (em Mim) não chegará ao Filho (a Sabedoria Divina). Estes são atraí- dos pelo Pai, por isto se sentem impelidos para Mim. Desconhecem
Quem sou, entretanto já descobriram o Pai melhor do que vós. Que Me dizeis?”
Os apóstolos silenciam e sentem não Me terem até hoje acei- to com tanto amor no coração, como esses jovens provindos das zonas frias do norte. Satisfeita a expansão amorosa, eles recuam e nós nos dirigimos a casa. A ordem à mesa é semelhante à de ontem, apenas acresce na de Agrícola o grupo da família pobre. Os trafican- tes de escravos se acomodam ao lado dos sete fariseus, e Raphael se posta ao Meu lado para qualquer emergência.
A família está com vestes mui rotas, fato que condói Lázaro. Por isto Me diz: “Senhor, em casa tenho roupas em quantidade. Não seria possível mandar-se alguém apanhar vestimenta apropriada para essa gente? Talvez também viesse Maria, minha irmã, podendo com- partilhar de nossa alegria.”
Digo Eu: “Amigo, é sempre de Meu Agrado teu zelo para com os pobres, razão pela qual convivo contigo; desta vez, Eu tra- tarei deles como fiz aos jovens. Tuas irmãs andam muito ocupadas; quando partir daqui, irei a Bethânia para Me despedir delas. Dentro em breve verás essa família em vestes romanas. Antes, porém, deve fortificar-se. Estás satisfeito?”
Responde Lázaro: “Perfeitamente, Senhor; tudo que ordenas é bom e justo!” Em seguida, todos se entregam à refeição e os pró- prios traficantes não se cansam em elogiar o bom paladar. E um fa- riseu aparteia: “É isto mesmo, na casa paterna muitas vezes os filhos mal-educados vivem melhor que no estrangeiro.”
Indaga Hibram: “Como entendê-lo?” Responde ele: “Ora, eis aí o Pai eternamente verdadeiro entre nós, Seus filhos perverti- dos! Os que Dele se aproximam, reconhecem e amam são os melho- res. Ele sempre cuida deles pela Sabedoria e Onipotência, a ponto de passarem bem já na Terra, e ainda melhor no Além, no Reino dos espíritos. Compreendes?”
Diz Hibram: “Sim, e falaste certo. Mas aquele Homem é Deus e demasiado Sublime para ser Pai das criaturas maldosas! Acho tal ideia até um ultraje!”
Aduz o outro: “Não estás de todo errado. Ele, todavia, nos ensina isto e até mesmo ameaça todos que não acreditam, excluin- do-os da Vida Eterna, e demonstra ser Ele unicamente Criador e Pai de todas as criaturas; assim temos que crer, mas também aplicar a Sua Santa Vontade, para nos tornarmos dignos de Sua Filiação.”
Este bom ensinamento satisfaz os traficantes, que prosse- guem na palestra com os fariseus, à medida das possibilidades de seu idioma. Um deles, conhecendo o hebraico original, facilita a troca de ideias, porquanto tal idioma é usado pelos habitantes do norte da Índia.
AGRÍCOLAAPONTAO SENHOR
Nas demais mesas reina silêncio, pois todos esperam que Me expresse. Como nada falo, os romanos procuram contato com a fa- mília de pobres e Agrícola pergunta à atraente moça se eles todos não tinham melhores vestes. E ela responde: “Nobre senhor, possuo em nossa cabana uma túnica de lã; entretanto, é pior que esta de linho. Nossa situação não era tão precária quando meus pais ainda gozavam saúde e podiam trabalhar. Sua moléstia se agravou desde alguns anos e a miséria bateu à nossa porta. Meu mano não conse- guia o suficiente para compras de emergência, de sorte que teríamos morrido de inanição se não fosse nosso salvamento por parte da- quele amigo. Ainda não compreendo como o tal jovem conseguiu descobrir nossa choupana; parecia ambientado em todos os recantos da cidade. Não me poderias informar quem são aquele homem sim- pático e o moço tão atraente?”
Responde Agrícola: “Jovem e bela filha de Zion! Isto não de- pende de mim. Por certo sou algo importante no império romano, entretanto uma nulidade perto daqueles dois! Se eu hoje mandasse um mensageiro credenciado à capital, o imperador prontamente en- viaria uma legião de soldados, prontos a invadirem a Ásia. Mas que representa isto perto do Poder Infinito daquele Personagem? Basta querer — e Sua Vontade é realizada! Podes assimilar isto?
Conforme dizias, teus pais andavam enfermos durante dois anos. A simples Vontade Dele os curou num instante e também sou- be indicar ao jovem vossa morada. Além disto, Ele há três horas atrás revelou o que sucederia ao teu irmão, possibilitando-me vos salvar pela Sua Graça — e assim fui simples instrumento do Seu Amor.
Já deves ter notado lá fora o grande número de jovens. Deve- riam ser vendidos. Eis que Ele entrou em cena, libertou-os de mo- mento e vestiu-os tão rápido, de sorte a chamarem-No de Pai! Por isto deveis dirigir a atenção à Sua Pessoa; pois jamais alguém sonhou o que consegue a Sua Vontade. Eis a plena verdade.”
Responde a família: “Em tal caso deve ser ele profeta. Os judeus aguardam o Messias, Poderoso na Palavra e Ação. Antes da Vinda Dele, virá o grande profeta Elias e, segundo parecer de mui- tos, também seu discípulo Eliseu!”
Opina Agrícola: “Não estou bem informado neste ponto; sei efetivamente da Vinda do Messias, razão que me trouxe aqui. Por- ventura nada ouvistes a respeito do célebre Salvador de Nazareth?”
Diz o velho: “Venerável senhor, operários como nós vão, se muito, dez vezes por ano ao Templo. Lá depositamos nosso óbolo e assistimos um sermão, incompreensível. Mesmo havendo novidades extraordinárias, não chegam até nossa cabana.
Além do mais, estivemos acamados por muito tempo. Nosso filho trabalhava, inclusive aos sábados, pois os pagãos não conside- ram tal dia feriado. Por aí vês que uma família pobre, muito embora vivendo na metrópole, pouco chega a saber de fatos excepcionais. Há um ano atrás soubemos que um profeta chamado João pregava no deserto, dizendo algumas verdades aos fariseus. Talvez seja aquele homem o referido profeta?”
Diz Agrícola: “Não é bem isto; ainda assim tereis oportuni- dade para conhecê-Lo de perto. Para tanto é preciso fortificar-vos primeiro.”
Nisto, vira-se a moça para o romano: “Senhor, essas baixelas são realmente de ouro e prata? Por certo as mandaste transportar de Roma, o que deveria ter custado uma fortuna.”
Responde Agrícola: “Oh, sim, seria tanto quanto bastaria para se comprar ouro e prata, e deles fundir tais travessas. Todavia, nada me custaram, tampouco para Aquele que as criou milagrosa- mente, pois nada Lhe é impossível.”
Diz ela: “Acaso Jehovah esteve aqui ou mandou um anjo para tal fim? Tais fatos surgem sempre no povo judeu.”
Concorda o romano: “Sim, minha filha! Deus esteve aqui e ainda Se encontra em nosso meio e Se dá a conhecer àqueles que O amam! Se encheres o teu coração de amor, Ele Se manifestará para vós. Acreditas?”
Diz ela, radiante de emoção: “Deus é Espírito e jamais po- deria ser visto por alguém.” Aduz Agrícola: “Tens razão; todavia, consta nos profetas que Ele Mesmo tomaria carne e palmilharia qual Homem entre os homens, ensinando-lhes os justos caminhos da Vida. Deste modo pode o homem justo ver e ouvir Deus, sem perder sua existência; assim como conquistar a Vida Eterna da alma, impedindo que venha a ver e sentir a morte. Agrada-te isto?”
Diz a bela judia: “Como não? Todavia, não merecemos ta- manha Graça! De há muito não consideramos o sábado, portanto fazemos parte dos pecadores, e além disto não nos podíamos purifi- car pela falta de recursos. Assim Deus, caso venha junto das criatu- ras, não nos olhará. Achegou-Se de Abraham, Isaac e Jacob, homens sumamente beatos. Mas, nós?! Poderei amá-Lo acima de tudo; Sua Sublimidade não permite aceitar o amor de um pecador!”
Nisto digo do outro lado da mesa: “Minha filha, Deus não condena os pecados de criaturas de tua espécie, mas considera uni- camente os corações. Quem realmente ama Deus será remido de seus pecados, ainda que fossem em número idêntico à erva na terra e à areia do mar. Teus erros consistem apenas na imaginação. Para Deus, é um horror tudo o que no mundo é considerado grande; tu és pequenina, portanto não és um horror para Ele. Procure amá-Lo com todas as forças de tua alma, que Ele fará o mesmo contigo, dando-te a Vida Eterna! Compreendes?” Diz ela: “Sim; leva-me, pois, junto Dele para vê-Lo e amá-Lo!”
Nisto, os empregados de Lázaro entram na sala informan- do que, no momento, grande número de pessoas está subindo o monte. O primeiro se vira para Mim e diz: “Senhor, que farei? Con- fio em Ti!”
Digo Eu: “Quantas costumam vir, de modo geral?” Respon- de ele: “No ano passado foram cerca de setecentas pessoas; hoje a aglomeração será evidentemente maior.”
Digo Eu: “Muito bem, acompanha Raphael, que dará provi- dências para acomodar lá fora os que estão chegando. Manda entrar os jovens na sala pequena, para não serem expostos à curiosidade indiscreta dos estranhos.” Após isto feito, o anjo indaga de Lázaro se tem mesas e bancos suficientes. E ele retruca: “Eis a dificuldade! Em Bethânia os tenho de sobra, mas não será possível transportá-los, sem mais nem menos!”
Diz Raphael: “Não te incomodes! Como amas ao Senhor acima de tudo e Nele confias, serás ajudado. Em Nome Dele sou bom carpinteiro e marceneiro e será fácil arrumar o necessário!” Nem bem termina de falar, vê-se quantidade de bancos e mesas, e cada uma coberta de lona, dando aspecto agradável. Entrementes, se aproximam os novos hóspedes perguntando se há acolhimento, e Lázaro afirma que os empregados haveriam de satisfazer a todos.
Vira-se Raphael para ele: “Terás empregados suficientes para tanta gente?” Responde ele: “Presumo que sim, mas terão muito que fazer!” Propõe o anjo: “Bem, se houver dificuldades, ajudar-lhes-ei!”
Diz Lázaro: “Adorável mensageiro de Deus, o que acabaste de fazer em Nome do Senhor é verdadeiro milagre; mas já não me admiro de coisa alguma, pois conheço o Senhor e fui testemunha de milagres grandiosos!”
Aduz Raphael: “Tudo que vês, sentes e pensas ainda é milagre Dele, e todas as criaturas representam Obra Dele. Dentro da Sabe- doria e Onipotência de Deus, tanto faz criar um raio que se projeta
ao solo ou um Sol que ilumina a Terra durante bilhões de anos, portanto tens razão de não te impressionares tanto com o atual mila- gre. Além do mais, tal não seria prudente em virtude dos estranhos. Trata agora de servi-los, do contrário reclamarão.”
Opina Lázaro: “É mesmo, mas como começaremos?”
Diz Raphael: “Ora, ajudaremos aos teus empregados, senão o serviço levará tempo!” O anjo se afasta por alguns instantes, du- rante os quais todas as mesas são supridas de vinho, pão, sal e pratos saborosos.
Alguns dos recém-vindos estranham o fato; julgam, porém, não terem prestado grande atenção durante a palestra; apenas se ad- miram da boa qualidade do vinho, a ponto de alguns se dirigirem a Lázaro para saber da procedência e se é possível adquirir quanti- dade maior.
Lázaro responde: “Este vinho recebi simplesmente pela Graça de Deus. Podeis tomá-lo à vontade, todavia não está à venda!” Muito embora assim informados, os interessados não se afastam; pelo contrário, outros tantos se aproximam do grupo, de sorte que Lázaro se aflige e diz a Raphael: “Caro amigo, pleno da Salvação de Deus, se isto continuar, as acomodações serão deficientes!” Diz o anjo: “Neste caso, arranjaremos mais algumas.” Imediatamente se veem mais bancos e mesas cobertas; entretanto, nenhuma das centenas de pessoas percebe como apareceram; os hóspedes chegam e são servidos.
Quando, após algumas horas, todos foram devidamente su- pridos, incluindo os que noutros anos costumavam almoçar neste albergue, Lázaro se vira para Raphael: “Dize-me como pudeste efe- tuá-lo, de momento? Não menciono as acomodações! Onde foste buscar louças, vinho, sal, os pratos diversos, de sorte que tanto o persa quanto o grego etc. encontraram o seu prato nacional?”
Responde o anjo: “Caro amigo, ainda que te explicasse mi- nuciosamente tal possibilidade, pouco ou mesmo nada entenderias; por enquanto apenas posso dizer-te que para Deus todas as coisas são possíveis.”
(Raphael): “Eu, por mim, sou tão incapaz de algo fazer como tu; sou puro espírito e tenho um corpo somente concatenado dos elementos do ar. Como espírito, posso me tornar pleno da Vontade de Deus e assim agir como Ele Mesmo. Em tal caso, tenho apenas a Vontade do Senhor e jamais poderia fazer outra coisa, senão o que Ele quiser. Aquilo que Deus quer — se torna evidência!
Tudo que existe nos planetas, incluindo-os, é igualmente milagre da Vontade do Senhor; apenas há por parte de Deus cer- ta consideração quanto à necessária evolução gradativa, em virtude da formação intelectual dos seres, de sorte que um surge do outro. Ainda que o Senhor assim não fizesse, poderia criar igualmente um mundo, através de Sua Onipotência, do mesmo modo com que faz surgir um raio!
Na atmosfera telúrica se encontram todas as substâncias do planeta em estado dissolvido. Não consegues percebê-las com os sentidos físicos; para um espírito perfeito é tão fácil, como tu apa- nhares uma pedra, percebendo prontamente não se tratar de um peixe ou de um pedaço de pão. Assim é fácil ao espírito concate- nar do ar elementos necessários para qualquer objeto e apresentá-lo num instante naquilo que teria chegado paulatinamente.
O fato em si é algo incompreensível, enquanto o homem não tiver renascido em espírito. Ainda assim, dar-te-ei um exemplo em a Natureza. Vê, em todos os gérmens vegetais reside, num tênue invólucro, uma inteligência individual em forma de fagulha imper- ceptível à tua visão. Tal fagulha é a própria vida original do gérmen e posterior vegetal. Calcula as inúmeras plantas e árvores, todas porta- doras de gérmens variados, em cujos invólucros habitam elementos inteligenciados de toda espécie.
No momento em que deitares no solo várias sementes, elas são amolecidas pela tepidez e a umidade do ar, absorvidas pelo solo, e a fagulha espiritual se torna ativa e percebe os elementos que a cir- cundam; começa a atraí-los pela própria vontade, desenvolve forma
e fruto daquele vegetal, para o qual Deus lhe facultou inteligência apropriada e vontade correspondente.
Acaso poderias descobrir os elementos afins do ar que envol- vem a semente através do teu intelecto, sentido e vontade? Certo que não; pois tu mesmo te alimentas e não tens ideia da maneira pela qual teu espírito — até então completamente desconhecido, habitando no coração de tua alma como Vontade e Amor de Deus
— extrai, através de sua inteligência e vontade, os elementos da ali- mentação indispensáveis à formação de teus órgãos diversos, a fim de atraí-los onde são precisos.
Se meditares a respeito, encontrarás em toda parte os mesmos milagres que operei momentaneamente pela Vontade do Senhor, por ser eu espírito puro, enquanto um imperfeito somente o pode- ria pouco a pouco, dentro de sua inteligência e vontade limitadas.”
O TRABALHO DOS ESPÍRITOS DA NATUREZA NA FORMAÇÃO DOS METAIS
(Raphael): “Tu, certamente, não percebes a matéria de que consiste o ouro puro, flutuando no ar; eu o vejo e posso diferen- ciá-lo dos demais elementos. Sendo-me igualmente possível esten- der em todas as direções minha vontade, à medida da capacidade perceptível ao espírito — posso concentrar, num montão visível, os elementos contidos no ar; poderia também ajuntá-los numa for- ma qualquer, por exemplo, numa taça. O ouro empregado seria tão natural, quanto aquele encontrado pelos homens nas minas, que o purificam, fundem e, em seguida, confeccionam objetos preciosos.
Determinados espíritos da Natureza dentro das montanhas, mais afins com os elementos livres do ouro contidos no ar, atraem-
-nos, devido à sua inteligência e força de vontade diminutas, duran- te séculos, até surgir quantidade de ouro.
O fato de ser lento o acumular do ouro na Natureza se baseia na reduzida capacidade de inteligência e força de tais elementos, durante seu estado de prisão indispensável.
Eu — como espírito elevadíssimo e perfeito, dotado das maiores potências inteligenciadas, sem número e limite, e igualmen- te da plenitude do Poder da Vontade de Deus — posso efetuar, num instante, aquilo que os espíritos da Natureza de capacidade reduzida só conseguem pouco a pouco.
Presta atenção como ajo em tal ocasião! Fá-lo-ei devagar, para poderes perceber como o ouro se concatena na palma de tua mão. Assim o quero — e já notas um leve vestígio na mesma! Observa com atenção como se acumula e agora vês uma considerável lâmina. Nela se forma uma beira bem feita que cresce constantemente; em poucos instantes terás um cântaro de ouro pelo poder de um espírito perfeito. Poderás guardá-lo para teu uso, ou então mandar modifi- cá-lo por um ourives.
Viste, portanto, como operei um milagre de modo lento! Es- tende a outra mão e darei prova de um instantâneo! Assim o quero
— e já tens igual vasilha na mão esquerda!
Meu poder interno foi causador destes, como dos outros mi- lagres que operei para os hóspedes. Não deves, por isso, gratificar-
-lhes a refeição; tratam-se de comerciantes ricos e podem pagar sua despesa. Deixa que teus empregados façam a cobrança, pois dentro em breve irão às barracas para atrair por gritos os compradores!”
Lázaro dá ordem de exigirem apenas uma moeda. Os hóspe- des pagam com prazer e agradecem pelo bom trato, pedindo licença de voltar. Após seu afastamento, os servos fazem menção de tirar as mesas. Raphael lhes indica pouparem o trabalho; pois se à noite os estrangeiros voltassem, ninguém precisaria preocupar-se com eles, bastaria fazer cobrança. E assim foi: nos dois dias seguintes todos fo- ram servidos, sem que Lázaro tivesse gasto algo do seu provimento.
ELEMENTOSBÁSICOSNA CRIAÇÃO
Após todos se terem afastado, Lázaro se dirige a Raphael: “Afirmaste há pouco existir no ar enorme quantidade de substân- cias e elementos básicos, que pela sabedoria e vontade de um espí-
rito perfeito, por ele são descobertos e atraídos a um corpo sólido. Através do exemplo, a questão se tornou compreensível. Todavia, deparou-se-me um ponto importante! Onde se originam tais ele- mentos? De que forma surgem na atmosfera telúrica e talvez em nú- mero ainda maior na esfera de outros mundos, demonstrados pelo Senhor a mim e a outros discípulos?”
Diz Raphael: “Ora, como ainda não o assimilaste?! Acaso exis- te algo fora de Deus que Nele não tivesse origem?! Porventura não é tudo que preenche o Espaço Infinito, desde Eternidades, apenas a projeção de Seus Pensamentos, Ideias, Sua Sabedoria e Vontade?!
Justamente Seus Pensamentos na projeção inesgotável de uma Eternidade a outra são as substâncias primitivas e os elemen- tos básicos dos quais tudo consiste na Terra e nos Céus, através do Poder Íntegro e Eterno da Vontade Divina. Não há pensamento e ideia que até mesmo em Deus poderiam surgir e existir sem a Von- tade Dele. Pelo fato de todo Pensamento e Ideia surgirem de Sua Vontade e também conterem, como inteligência isolada, a parte cor- respondente da Vontade Divina — nenhum Pensamento ou Ideia mais grandiosa poderão jamais ter um fim, assim como Deus Mes- mo, porquanto nada pode desaparecer da Esfera Luminosa de Sua Consciência. Sendo, pois, inteiramente impossível Deus esquecer um Pensamento ou uma Ideia, todos, por menores que sejam, são eternamente indestrutíveis em sua consistência básica!
Como, além disto — conforme afirmei — todos os Pensa- mentos e Ideias de Deus comportam a Vontade Divina, pois sem ela jamais poderiam ser elaborados, podem, isolados ou unificados, desenvolver sua espécie e esfera e, como tal, multiplicar-se até o In- finito e, através de ligações inteligenciadas com outros elementos e substâncias básicos, tornarem-se mais evoluídos e perfeitos.
Deste modo é um Sol, no início, simples éter luminoso ou a concatenação de inúmeros Pensamentos e Ideias de Deus, em virtude da parte integrante da Vontade Divina. Através dela, eles atraem constantemente seus afins do Espaço infinito, de sorte que o anterior éter luminoso se condensa e, pouco a pouco, alcança a
consistência do ar telúrico. Este processo continua até surgir água; no decorrer dos tempos ela se solidifica apresentando lama, barro e pedras, portanto solo mais firme.
As substâncias e elementos anteriormente espirituais e ora mais solidamente unificados começam a se sentir oprimidos; por isto se põem em atividade para libertar-se, o que redunda no incen- diar das partes mais consistentes de tal corpo cósmico. Através des- se ímpeto furioso dos elementos oprimidos, as zonas atingidas são dilaceradas, a às vezes o interior se exterioriza e vice-versa. Somente após muitas lutas semelhantes o planeta atinge ordem equilibrada, e os Pensamentos e Ideias primitivos de Deus encontram outros ca- minhos para se libertarem da grande pressão.
Eis que surgem flora e fauna até o aparecimento do homem, no qual muitos Pensamentos e Ideias de Deus alcançam plena li- bertação do julgamento remoto. Só então reconhecem Deus como Base de todo ser e vida, retornando a Ele como seres independentes e livres — isto é, caso tenham vivido dentro da Vontade Dele.
Existe, porém, em tal retorno puramente livre e espiritual dos inúmeros e variados corpos cósmicos, variações idênticas à sua cons- trução física. O mais perfeito retorno a Deus só é possível nesta Terra, porque aqui cada criatura pode se tornar semelhante a Deus na alma e no espírito. Quem se esforçar chegará a Deus. Compreendeste?”
Responde Lázaro: “Sim, pois em relação à constelação cós- mica possuo conhecimentos importantes dados pelo Senhor; ainda assim, perduram muitos problemas e perguntas.”
Diz Raphael: “Oh, meu caro, tal acontece até comigo! Em Deus se ocultam problemas infinitos, dos quais nós, os espíritos mais elevados e puros, nada sabemos; pois Ele tem para os espíritos puros e bons um tesouro eterno, a ponto de poder surpreendê-los com criações jamais imaginadas, surgidas do Seu Amor e Sabedoria, aumentando a felicidade deles. Por isso, poderia acontecer tu me perguntares algo impossível eu te esclarecer.”
Insiste Lázaro: “Não duvido; no entanto, poderás fazê-lo em se tratando de dúvidas provindas do meu intelecto. Li certa vez
um antigo livro chamado ‘Guerras de Jehovah’, no qual se fala de modo místico da queda dos arcanjos!
No início, teria Deus — naturalmente em épocas remotas
— criado sete espíritos correspondentes aos de Deus, dando-lhes poder e sabedoria, pelos quais poderiam igualmente criar inúmeros espíritos mais simples, porém semelhantes a eles, e assim o Espaço Eterno se encheu de incontáveis falanges.
O maior e mais poderoso foi Lúcifer. Vangloriou-se de seu poder e força, não querendo semelhar-se a Deus, mas sim estar acima Dele e dominá-Lo. Deus irou-Se e o expulsou ao eterno julgamen- to. Os seis restantes grandes espíritos e suas criações permaneceram com Deus, servindo-O de eternidades em eternidades, enquanto os súditos de Lúcifer ardem quais infames demônios, em companhia dele, no fogo eterno da Ira Divina, sofrendo atrozes padecimentos, sem alívio qualquer. Que dizes a isso como próprio arcanjo?”
OSSETEESPÍRITOSORIGINAISDE DEUS
Diz Raphael: “É apenas um quadro correspondente àquilo que te esclareci da criação e sucessiva formação de um corpo cósmi- co. Os grandes espíritos originais são justamente os Pensamentos em Deus e as Ideias subsequentes.
No místico número sete se baseia a Perfeição Divina em cada Pensamento elaborado e em cada Ideia fixada e projetada.
A causa primária em Deus é o Amor. Acha-se em todas as coisas, pois sem ele, nada seria possível.
O segundo espírito é a Sabedoria, como Luz surgida do Amor. Encontrá-la-ás na forma de todos os seres; pois quanto mais acessível à Luz, tanto mais desenvolvida, perfeita e bela será a forma.
O terceiro, provindo de Amor e Sabedoria, é a Vontade Ativa de Deus (Onipotência). Por ela, os seres imaginados recebem reali- dade, do contrário todos os Pensamentos e Ideias de Deus seriam como os do homem, jamais postos em ação.
O quarto, como emanação dos três, é a Ordem. Sem ela, ser algum teria forma constante, nem determinada finalidade. Se, por exemplo, fosses emparelhar um boi no arado e ele mudasse de forma
— atingirias alguma finalidade? Que benefício teria o fruto que em tua boca se transformasse em pedra? Ao caminhares pela estrada, se ela se tornasse água — que utilidade teria? Tudo isto é impedido pela Ordem Divina, como quarto Espírito de Deus.
O quinto chama-se Rigor, sem o qual não seria possível a consistência de coisa alguma, porque é semelhante à eterna Verdade em Deus, dando a todos os seres estabilidade real, poder de procria- ção, germinação e aperfeiçoamento final. Sem tal espírito em Deus, a situação de todos os seres seria insustentável: seriam visíveis quais fantasmagorias que dão impressão de existirem; dentro em breve se modificam as condições que lhe deram origem e as formações mara- vilhosas e belas se desvanecem.
Prossigamos: onde existem Amor e Sabedoria, elevadíssimos, Onipotência, Ordem perfeita e Rigor imutável, forçosamente se apre- senta a Paciência mais perfeita e jamais atingível; pois sem ela, tudo se precipitaria, passando à pior confusão dos sábios da antiguidade.
Se um engenheiro pretende construir um edifício, não pode prescindir da paciência, além de outras qualidades; esta lhe faltando, jamais terminará a construção.
Afirmo-te: se Deus não tivesse este espírito, de há muito não mais haveria Sol para iluminar a Terra, e o mundo dos espíritos teria aspecto estranho. A Paciência é Mãe da Misericórdia, eterna e imutável de Deus, e caso não existisse — onde e o que seriam todos os seres em face de Deus Onipotente?
Se, pois, falirmos e nos expusermos deste modo à maldição aniquiladora de Amor, Sabedoria, Onipotência, seguidos pelo Rigor em virtude da Ordem precedida, infringimos a divina Paciência que, todavia, no devido tempo, tudo leva ao equilíbrio; sem ela, todos os seres, por mais perfeitos que fossem, estariam sujeitos à eterna condenação.
12. A Paciência Divina poderia, em conjunto com os cinco es- píritos precedentes, criar inúmeras criaturas nos planetas e conservá-
-las constantemente; teriam, porém, que viver épocas infinitas num corpo pesado, sem poderem cogitar da final libertação da alma dos laços da matéria. Além disto, a procriação e germinação não teriam fim, e no final, estabeleceriam tamanho acúmulo a impossibilitar uma se desviar da outra. Subentende-se, no caso, que um corpo cós- mico amadurecesse pela Paciência Divina, a ponto de manter flora, fauna e seres humanos. A Criação de um planeta apenas com ajuda dos seis espíritos seria muitíssimo lenta e até mesmo duvidosa.
Mas, como já disse, é a Paciência Mãe da Misericórdia Di- vina, o sétimo espírito, que igualmente chamaremos de Brandura. Ela tudo ajusta: organiza os espíritos precedentes e efetua a matura- ção oportuna de um corpo cósmico, bem como dos seus habitantes. Fixa para tudo determinada época, e os espíritos evoluídos podem aguardar seguramente sua libertação, para ingressarem na emanci- pação completa.
Justamente o sétimo espírito fez com que Deus Mesmo en- carnasse, a fim de libertar todos os espíritos algemados ao julgamen- to necessário da matéria no mais breve tempo, de sorte que se pode classificar Sua Obra — a Salvação — a Reformação dos Céus e dos mundos, portanto a Maior Obra de Deus, porque nela agem os sete espíritos perfeitamente uníssonos, fato anteriormente impossível em virtude do espírito da Ordem em Deus. Pois anteriormente, este espírito somente colaborava com os demais na realização dos Pensa- mentos e Ideias de Deus; de agora em diante age mais poderosamen- te e a consequência disto será a completa Salvação.
Eis os sete Espíritos Divinos, e toda a Criação deles cor- responde às Sete Tendências Individuais do Criador. Sua Projeção eterna e constante é justamente o que os sábios da antiguidade cha- mavam de ‘Guerras de Jehovah’!”
(Raphael): “A luta constante dos sete Espíritos ou Virtudes de Deus, pela simples razão de um estimular outro à ação — tam- bém se apresenta mais ou menos em todas as criaturas.
O Amor em si é cego, o seu empenho se concretiza em atrair tudo ao seu redor. Nesta inclinação, o Amor se inflama, fazendo-se Luz, compreensão e conhecimento dentro dele. Não percebes como a luz se debate contra a aspiração isolada do puro amor, levando-o à ordem e reflexão?!
Dessa luta, ou guerra, desperta igualmente a Vontade como braço ativo do amor e de sua luz, pondo em ação aquilo que por ela fora sabiamente organizado.
Eis que se manifesta a Ordem através do conhecimento do amor pela luz e sua força, a ponto que a ordem combate a desordem pela luz e a vontade do amor, dando-se a eterna Guerra de Jehovah, tanto Nele quanto nas criaturas.
Tudo isso faria o equilíbrio, caso fosse possível garantir que aquilo posto em ação pelos quatro espíritos já tivesse estabilidade. Todas as suas obras, porém, tão maravilhosas, semelham-se às dis- trações de crianças, que com imensa alegria realizam seus trabalhos, entretanto dentro em breve não sentem mais prazer, destruindo-os com afinco maior do que aquele empregado na realização. Em tal caso, a estabilidade da criação seria problemática!
A fim de evitar essa possibilidade, surge dos quatro espíritos, em virtude da enorme satisfação com o resultado final das obras, o Rigor, como quinto Espírito em Deus e em Suas criaturas, lutando permanentemente contra a destruição e o aniquilamento das obras, assim como um homem compreensivo, após ter construído casa e vinha, tudo fará para mantê-las e não procurará sua destruição. Eis outra Guerra de Jehovah!
A casa, no entanto, apresenta com o tempo certos defeitos e a vinha custa a dar a colheita esperada, de sorte que o construtor se arrepende do trabalho e rigor dispendidos, e deseja destruir tudo e
iniciar outra obra. Então surge o sexto espírito, chamado Paciência, que conserva casa e vinha! Eis outra Guerra de Jehovah!
Ela, muito embora ligada aos demais espíritos, não empreen- deria especiais melhoramentos, deixando tudo correr conforme está; eis que se apresenta o sétimo espírito, a Misericórdia, que contém meiguice, dedicação, diligência, ação amorosa e generosidade. A criatura começa a restaurar sua casa, até desaparecerem os menores defeitos, lavra e estruma a vinha, de sorte a lhe dar em breve farta colheita. Tens aí outra luta, ou Guerra de Jehovah, no homem, em Deus e no anjo!
Assim, é a Vida verdadeira e perfeita em Deus, no anjo e na criatura luta constante dos sete espíritos. Ela, todavia, tanto em Deus quanto no anjo, não é tendência de domínio ou desautoriza- ção dos outros espíritos, e sim colaboração com os demais, à medida de seu poder e força, a ponto de cada qual se achar dentro do outro. Deste modo, está o Amor em todos os demais espíritos, a Luz ou a Sabedoria dentro do Amor e nos cinco subsequentes, até que todos estejam em equilíbrio recíproco, numa atividade constante.”
DESARMONIADOSSETEESPÍRITOSNO HOMEM
(Raphael): “A mesma situação deveria existir no homem; mas infelizmente não se dá. Se bem que lhe seja dada capacidade para tanto, ela jamais foi plenamente exercitada e desenvolvida. São pou- cos os que conseguem levar os sete espíritos à atividade completa para se tornarem idênticos a Deus e aos anjos; outros se desviam, pouca importância lhes ligam, não descobrindo o verdadeiro segre- do da Vida em si. Tais criaturas cegas e semimortas não podem per- ceber a finalidade da Vida dentro delas, porque se deixam apenas conduzir por um ou outro dos sete espíritos.
Deste modo, um só vive no espírito do amor e não toma conhecimento dos outros. Que mais poderia ser tal criatura, senão uma fera voraz e insaciável?! Manifesta amor-próprio, inveja, avareza e inclemência para com o próximo.
Outras há dotadas de amor esclarecido, portanto são sábias e podem transmitir boas noções; sua vontade, porém, é fraca, não podendo concluir uma obra.
Existem aqueles cujos espíritos de amor, conhecimento e vontade estão em plena ação; todavia, são fracos os da ordem e do rigor. Tal categoria se torna inteligente, fala com inspiração e até mesmo consegue realizar coisas isoladas; quem, entretanto, for sábio pelos sete espíritos em breve reconhecerá, pelas palavras e ações, não estarem em conexão com a ordem.
Outros, donos de amor, conhecimento, vontade e ordem, carecem do espírito do rigor; por isto, são receosos e medrosos e raramente conseguem dar efeito final às suas obras.
Ainda outros, possuem rigor e coragem; sua paciência, no entanto, é fraca. Tais criaturas geralmente são precipitadas e estra- gam muito mais com seu zelo impaciente, do que jamais seriam capazes de refazer. Meu amigo, nada existe sem justa paciência, e quem não a tiver pronunciará sua própria condenação de morte! É preciso o homem esperar que a uva amadureça completamente caso pretenda colhê-la. Não estando disposto para tanto, será culpado se recolher vinagre intolerável em vez de vinho especial.
É, pois, a paciência em tudo uma tendência imprescindível: primeiro, à conquista e reajuste do espírito do rigor, muitas vezes inclinado a se perder no Infinito — pois ele, em união com amor, sabedoria e vontade se desvirtua no pior orgulho, comumente ili- mitado. Segundo, por ser a paciência, como já demonstrei, mãe da misericórdia, espírito este que, pela ação retroativa, proporciona aos precedentes a perfeição divina, ajudando a alma ao renascimento verdadeiro e completo.
Eis por que o Próprio Senhor recomenda a todos o amor a Deus e ao próximo, acrescentando: Sede misericordiosos como vos- so Pai no Céu; meigos e humildes de coração, como Eu!
O Senhor incita os homens a desenvolverem o sétimo espírito, pelo fato de nele se encontrarem os precedentes para serem aperfeiço- ados. Quem, pois, desenvolver e fortificar este último fá-lo-á com os
primeiros, alcançando mais rapidamente seu aperfeiçoamento. Quem começar sua evolução com um ou outro espírito dificilmente ou de modo algum chegará à perfeição vital, por não conterem em si, isola- damente, o sétimo espírito, enquanto ele abarca a todos.
Nisto se baseia a constante queda dos anjos, ou dos Pensa- mentos em Deus, que também poderíamos denominar as perma- nentes forças projetadas por Ele, enquanto não tiverem, em sua to- talidade, levado à perfeição verdadeira e sublime o sétimo espírito à alma do homem. Todos os precedentes espíritos são dados a todas as criaturas, mais ou menos livremente; o último tem que ser conquis- tado pelo próprio esforço e zelo.
E, como por tal aquisição, os seis primeiros atingem im- portância e finalidade verdadeiras, o homem consegue somente por ele a plena liberdade da vida e independência. Agora te pergunto se compreendeste tudo isto.”
Responde Lázaro: “Sim, mensageiro de Deus pleno do Seu Espírito! Jamais poderei expressar minha gratidão pela tua grande bondade e paciência. Agora entendo a sabedoria dos Livros da an- tiguidade. Lastimo não ter capacidade para anotar ensinamento tão importante. Seria aconselhável transmitires o mesmo aos apóstolos, entendidos na escrita; por certo ainda desconhecem tal assunto.”
Diz Raphael: “Não te preocupes; pois enquanto te dei a explanação, o Senhor explicou na sala o mesmo problema, e João e Matheus anotaram os pontos principais. Se tiveres um caderno sem uso, posso prestar-te o mesmo serviço.”
Diz Lázaro: “Tenho, sim. Devo apanhá-lo?” Responde o ar- canjo: “Vamos entrar e já encontrarás tudo feito!” Assim, ambos se dirigem ao grande refeitório.
MILAGRESSOBRE MILAGRES
Quando Lázaro e Raphael se juntam a nós, ouvem ainda ex- clamações de surpresa quanto à Minha Doutrina, os Milagres, as Guerras de Jehovah, os sete Espíritos em Deus e a referida queda dos
anjos. Agrícola lastima não ter Lázaro assistido a tudo. Este, porém, diz: “Agradeço-te a atenção. Todavia, recebi os mesmos Ensinamen- tos pela Vontade do Senhor, através do jovem poderoso.
Vê, por exemplo, essas duas taças de puro ouro, das quais uma foi feita vagarosamente para demonstrar com maior evidência a ação de um espírito perfeito; outra, de modo instantâneo! Moti- vo disto foi a súbita confecção de bancos, mesas, barracas, louças e alimentos. Cerca de novecentas pessoas de todos os países foram individualmente servidas, entretanto nada foi gasto do meu estoque.
Em seguida, falamos do antigo Livro das Guerras de Jehovah, os sete Espíritos de Deus e a queda dos anjos, inclusive Lúcifer. E este jovem não só explicou-me tudo, e sim fez com que tais assuntos im- portantes fossem anotados em um caderno, o que posso te provar!”
Diz Agrícola: “Fizeste bem em persuadi-lo para tanto, num tema tão transcendental. Aqui dois apóstolos fizeram o mesmo com os pontos principais. Vai apanhar o teu livro para podermos fazer comparações.”
Após o Meu consentimento, Lázaro vai ao quarto onde en- contra, com estupefação, o Livro. Leva-o, pois, junto do romano e diz: “Ei-lo! Podes fazer a leitura em voz alta, para que todos possam ouvir novamente as Revelações do Senhor a Raphael!” Agrícola apa- nha o Livro escrito em grego e lê do começo ao fim, o que leva quase uma hora e os entendidos no idioma não se cansam em expressar sua admiração.
CURIOSIDADEDAJUDIACOMRELAÇÃOAO SENHOR
Nisto, a bela judia começa a insistir junto de Agrícola quanto à Minha Pessoa e a de Raphael, e por que todos Me chamavam de “Senhor e Mestre”. E o romano lhe responde: “Minha filha, é preci- so que tu e teus familiares estejais atentos ao que se passa, a fim de descobrirdes a Identidade de ambos.”
Diz ela: “Acaso ignorais quem são? Sabendo-o, por que não dizê-lo?”
Responde o romano: “Querida, vosso sábio rei Salomon dis- se certa vez: Tudo neste mundo terá seu tempo e é preciso o homem ter paciência; enquanto a uva não estiver madura, não deve ser co- lhida! — O mesmo acontece contigo: tão logo estiveres em con- dições, receberás orientação certa. Todavia, presta atenção ao que diz e faz aquele Homem excepcional, e teu coração dirá Quem é! Compreendeste?”
Diz ela: “Sim, perfeitamente! Ao pobre sempre é aconselhada a paciência, enquanto o rico e conceituado pode suprir-se com deriva- tivos. Ainda assim, farei o que disseste; duvido, porém, do resultado!”
Nisto o pai da jovem se dirige ao romano, dizendo: “Senhor, perdoa a minha filha; muito embora de bom coração, irrita-se quan- do não se satisfaz a curiosidade.”
Diz Agrícola: “Mas, por quê? Alegro-me justamente de sua sinceridade, que aumenta minha simpatia para com ela; pode pros- seguir em suas explanações.”
Deste modo animada, a judia continua: “Caro amigo, tan- to tu quanto teus companheiros dais testemunho de bondade; en- tretanto, não podeis avaliar o que sentem os pobres. Quando uma moça atraente não satisfaz os apetites dos ricos, pode considerar-se perdida. Calúnias e injustiças lhe são atiradas em rosto, e caso ela venha a pedir ajuda, aponta-se-lhe a porta. Tais fatos fazem com que se perca a fé na Humanidade. Somos todos humanos e dotados de fraquezas e imperfeições. Não é isto?”
Diz o romano: “Falaste certo; entretanto, esqueceste um ponto: Deus experimenta os que Ele ama antes de ajudá-los. E me parece ser o vosso caso: quando vossa miséria chegou ao auge, Seu socorro foi patente. Em Nome do Senhor, empenhei minha palavra de ajuda por simples amor para com Ele, e não por uma atração para contigo. Meu amor a Deus é muito maior do que qualquer beleza do mundo. Não deves, pois, temer o futuro; quanto ao conhecimen- to daquele Personagem, deveis ter paciência e não nos julgar cruéis.
Com facilidade podes supor Nele algo excepcional; no que se baseia tal fato, irás descobrir por ti mesma. Foste testemunha do
aparecimento dos móveis, das duas taças criadas por Ele durante a explicação dos milagres, idênticas às trazidas por Lázaro, que as rece- beu do mesmo modo pelo jovem! Se considerares tudo isto a fundo, receberás a intuição da Sua Individualidade verdadeira!”
Diz ela: “Não resta dúvida! Entretanto, há uma dificuldade intransponível, pois ainda que fosse um profeta sem par, sua manei- ra de expressão é por demais elevada. Os romanos se adaptam com maior facilidade, pois aceitam qualquer personagem excepcional como deus. Nós só cremos em Deus Único, impossível de ser visto sem se perder a vida. A Sabedoria desse homem ultrapassa todos os conceitos humanos, por isto deve possuir alto grau do Espírito Divino, todavia não podemos aceitá-lo como Deus! Que me dizes?!”
AGRÍCOLAABORDAAQUESTÃODO MESSIAS
Responde Agrícola: “Minha filha por ora é difícil opor-se algo à tua assertiva; tempo virá em que modificarás tua opinião acer- ca daquele Personagem.
Acaso nunca ouviste falar — como judia — de um Messias que viria libertar o Seu povo das mãos férreas da tirania e do pecado, que ameaçam todo o mundo com a eterna perdição? Não achas ad- missível ser Aquele a Quem me refiro?”
Responde ela: “Tal promessa não deixa de ser consoladora, todavia todas elas eram de molde a não serem compreendidas pelos sacerdotes, muito menos pelos leigos. Ora é Ele uma criança, ora um cordeiro, o Leão de Judá, um Sumo Sacerdote desde eternida- des, descendente de David, Rei dos judeus, sem fim — de sorte a se tornar difícil saber-se de que forma propriamente Se apresentará.
Aliás, nada tenho a opor caso aquele Homem seja o Messias, apenas não entendo que precisamente os sacerdotes nada disto sai- bam, pois o chefe se encontrava contigo no portal quando estavas tomando a defesa de meu irmão. Como é possível?”
Diz Agrícola: “Baseia-se no fato de terem eles somente a preocupação do bem-estar. A fim de alcançá-lo, veem-se obrigados
a toda sorte de mentiras e mistificações, portanto são inimigos da verdade. Repetem constantemente os nomes dos profetas, sem con- sideração pelas suas leis, suplantando-as pelos próprios princípios, e além disso martirizam o povo com impostos desnecessários.
Aquele Homem, porém, é o Amor, a Verdade e a Máxima Sabedoria em Pessoa, e dá testemunho da grande maldade dos fa- riseus e escribas que se dizem representantes de Deus, no Qual não creem. Não O conhecem e não querem conhecê-Lo, portanto são Seus inimigos.
Eu mesmo assisti como há dias queriam apedrejá-Lo no Templo, só porque lhes disse a verdade. Assim orientada, saberás o motivo pelo qual não querem aceitá-Lo como Messias e Salvador do mundo; todavia, não importa, porquanto será Aquele Que é. Compreendeste?”
Diz a judia: “Sim e tens razão. Para eles não importa se por- ventura aparecessem Moysés e Elias para apontar-lhes suas traficân- cias e incitá-los à contrição! Isto é fato conhecido. Deixemos nosso assunto, pois vejo alguém querendo se externar!”
RAPHAELEOS POBRES
Nisto, faço um aceno a Raphael e lhe recomendo tratar de vestimenta apropriada para a família pobre. Ele se dirige àquelas pessoas e diz: “Que roupa tendes em casa?”
Diz a moça: “Maravilhoso mensageiro daquele homem su- blime! Julgo poderes ficar sem resposta, porquanto já demonstramos a nossa miséria total.”
Diz Raphael: “Não foi este o motivo de minha pergunta, pois sei de tudo. Inclusive um pormenor que desejas ocultar, devido a um sentimento de honra impróprio. Em nossa presença impossível é ocultar-se um fato. Por amor aos teus, penhoraste teus vestidos bons e até mesmo ricos por cem talentos, durante um ano, e guardaste o recibo em casa. Não ficarias satisfeita em possuí-los agora, enquanto para teus pais e irmãos acharíamos algo adequado aqui?!”
Responde ela, um tanto encabulada: “Falaste a verdade; mas o que adianta?! Aqueles vestidos eram herança única de um rico parente; o resto de suas posses ficou com os três filhos, que se en- vergonham de nossa pobreza. Eu nunca os usei, primeiro por não estarem de acordo com a nossa situação, e além disto eram muito grandes. Não quis vendê-los por serem uma recordação e tive a ideia da penhora; talvez conseguisse reavê-los antes de expirar o prazo. Nada disse a respeito, porquanto a penhora não constitui ato hon- roso. Agora sabes de tudo. Mas que fazer?”
Diz o anjo, amavelmente: “Ora, convém resgatá-los! Como isto representaria muitas caminhadas e aborrecimentos, fá-lo-ei em teu lugar. Estás satisfeita?”
Diz ela: “Como não? Acontece não ter aqui o recibo, e além do mais o prestamista, que mora em Tyro, só vai uma vez por mês a Jerusalém, e certamente irá lá na Páscoa a negócios.”
Diz Raphael: “Não importa. Saberei encontrá-lo e farei o resgate. Quando queres que te faça entrega?” Diz ela: “Ora, levarás alguns dias de modo natural; mas como és capaz de fazer milagres, quiçá serás mais rápido!”
Diz Raphael: “Então conta os instantes que precisarei para tal. Já começaste?” Diz ela: “Como posso, se não te afastas?” Res- ponde Raphael, sorrindo: “Já fui apanhar o recibo; vê se é exato!” Todos se admiram do fato e Agrícola, inclusive alguns romanos, di- zem: “Como é possível, pois nem te ausentaste!? Certamente apa- nhaste o talão quando foste buscar a família; pois não é admissível teres feito o trajeto de outra forma!”
Diz o anjo: “No mundo material muita coisa deixa de ser possível, quando para Deus e Seu Poder não o é! Sabes, pela judia, encontrar-se o prestamista em Tyro, enquanto seu empregado aqui resolve seus negócios. A loja dele está localizada a caminho de Be- thlehem numa distância de duas horas, e eu apanharei os vestidos tão rapidamente como fiz com o recibo — e não serás capaz de alegar eu os ter apanhado anteriormente. Conta os instantes que necessitarei para tal! Já estás pronto?”
Diz Agrícola: “Como, se ainda não foste?” Protesta Raphael: “Vê, lá em cima do banco, perto da porta, estão os vestidos embru- lhados num pano; deve a moça verificar se são dela!” A judia assim faz e constata serem suas as roupas. Achando-se sua progenitora em estado mais precário, ela se vira para Raphael, dizendo: “Não te per- gunto como conseguiste trazê-las; como servem para uma pessoa só e não para duas, minha mãe as receberá, enquanto eu me sirvo das que ela usa, até que a bondade do romano me supra de outras. Per- mita que mudemos de roupa num recinto qualquer.
Além do mais, desejo saber se podem ser consideradas lim- pas por serem posse de um pagão, e preferiria que minha genitora continuasse com a sua veste rota caso fosse vilipendiada pela troca.”
Diz Raphael: “Minha filha, faze o que manda o teu coração. Quanto à pureza das vestes, não te preocupes, pois aquilo que passar pelas minhas mãos é totalmente limpo. Lázaro vos indicará onde mudardes de roupa.” Muito se alegra a moça ao ver a mãe ricamente trajada, sem considerar sua pobreza. Mas quando ambas penetram na sala — a filha está igualmente bem vestida! Sua admiração não cessa ao ver, à mesa do romano, pai e irmão de roupas novas.
SUPOSIÇÃODAJUDIACOMREFERÊNCIAAO SENHOR
Nisto, a jovem pressente algo incomum na Minha Pessoa, de sorte a Me abordar, em companhia da progenitora, com as seguintes palavras: “Senhor e Mestre, o meu coração me diz seres somente Tu Causador de tudo aquilo, impossível aos homens, profetas e anjos, a não ser levados pela Tua Vontade. Por isto Te reconheço como Deus, devotando-Te todo respeito e amor!”
Digo Eu: “Quem crê e age de acordo com Meus Ensinos será feliz! Todavia acreditais por terdes visto milagres, e se assim não fora, não Me aceitaríeis como Deus! Como pode ser isto?
Digo-vos: pelo simples fato de não existir verdade dentro de vós, porquanto até hoje jamais vos foi dirigida. Por isto vos aconse- lho: dedicai-vos à Verdade pura; somente ela vos fará livres de corpo
e alma. Fisicamente, porque vos dirá a razão do vosso corpo; e na alma, porque ela mesma vos dirá, pela verdade que possui em si, ser inclinada à liberdade plena e emancipação eterna!
Não teria dito isto, Minha filha, se não soubesse de tua boa inclinação. Confesso preferir criaturas um pouco difíceis na aceita- ção de um conhecimento do que outras que, após algumas provas e milagres, se viram rápidas, de acordo com a insinuação do próximo, qual vara ao vento, provando não terem vontade própria. Quem não tiver vontade própria, tampouco bom critério racional, presta-
-se para o Reino do Céu como aquele que, ao arar o campo, se vira constantemente para trás.
O mesmo ocorre contigo, jovem atraente! Chamaste-Me de Deus levada pelos sinais e testemunhos; mas, no mesmo momento, relegaste Deus de Abraham, Isaac e Jacob. Teu raciocínio te disse: Só pode ser Deus quem fala e age como ele! Ao mesmo tempo te arrependeste pela recordação das Leis de Moysés, e sentes medo de, em virtude de um entusiasmo espontâneo, teres te esquecido de Jehovah, dando-Me a honra apenas por Ele merecida. Isto se chama ‘arar o campo e olhar para trás’!
Se pretendes aceitar-Me como Deus, deves reconhecer-Me como Tal e não considerar outro ao Meu lado; do contrário, em nada és melhor que uma pagã, crente no Deus de Moysés, mas igualmente considerando Júpiter, Apollo, Mercúrio etc.
Quando te aproximaste de Mim, julgaste ser Eu um desses deuses pagãos e Me honraste em virtude dos romanos conceituados. Na mesma hora te lembraste do Deus de Moysés que diz: Deves crer em Um só Deus e não considerar outros ao Meu lado! — O arrepen- dimento se apoderou de ti, o que não foi justo. Pois se acreditas em Deus de Abraham, Isaac e Jacob, não Me podes saudar como Deus. Se realmente Me aceitas como um Deus, deves desistir do antigo, pois só pode haver Um, e não vários, assim como só existe um Es- paço Infinito e uma só Era Eterna, nos quais tudo existe e sucede.
Se fores capaz de crer ser Eu e o antigo Deus uma Só Entida- de — muito embora conste ninguém continuar vivo após ter visto
Deus — ao menos tua consciência continuaria calma, e teu pavor do antigo Deus seria evidentemente menor! Dize-Me o que farás!”
ESQUIVADA JUDIA
Sumamente atingida, a moça não sabe o que responder. Sua progenitora, querendo salvá-la do embaraço, lhe diz: “Ora, como podes vacilar para expressar-te?! Acaso alguém já viu Jehovah? Só se sabe Dele o que consta das Escrituras. Os sacerdotes, com maior obrigação de conhecê-Lo e seguir as Suas Leis, fazem precisamente o contrário, provando ser o Deus dos judeus pura fantasia, assim como os deuses pagãos! Este aqui estamos vendo e ouvimos Sua Pa- lestra tão sábia; portanto, o que nos impede de reconhecê-Lo como Deus Verdadeiro e dar-Lhe a devida honra?!”
Diz a filha: “Sim, estaria tudo bem, caso pudéssemos afir- mar seguramente jamais terem existido Moysés e os profetas e serem seus escritos apenas fantasia. Isto não sendo possível, e além do mais havendo nas Escrituras verdades e ensinos elevados, contrários aos conceitos dos fariseus — não se admite ter sido a Santa Escritura elaborada por eles, e sim por homens empolgados pela Divindade; portanto, é o Próprio Verbo, muito embora jamais tivessem visto o Criador. É, por isto, mui arriscado considerar-se alguém deus pelo fato de falar com ênfase e saber fazer milagres.
Confesso ter agido deste modo, sem considerar ter adotado um segundo deus. Aquele homem extraordinário levou-me ao justo caminho, demonstrando não ser deus, mas um grande profeta entu- siasmado pela Divindade.
Porventura ignoramos ser o Messias precedido por Elias?! Não costumo me enganar, portanto afirmo ser aquele personagem Elias, e o jovem, Eliseu. E não demorará a aparecer o Próprio Messias! Eis minha opinião; e como ele mencionou ser eu qual vara ao vento, demonstrarei o inverso. Nem tudo que brilha no mundo é ouro.
Só há um Deus; profetas pode haver muitos. Presumo ter respondido da melhor maneira possível. Agradeço-lhe até mesmo
por me ter advertido neste ponto! Sou tudo, menos vara ao vento!” Eis que a mãe aconselha à jovem não ser tão vaidosa e teimosa.
Responde a moça: “Nada disto sou; sigo apenas o ensina- mento recebido do Mestre e lhe agradeço por tudo. Que mais pode- ria fazer? Além do mais, não me oponho a considerá-Lo verdadeiro Messias e Salvador da Humanidade; pois, de certo modo, o foram todos os profetas que traziam a luz do conhecimento às trevas hu- manas, elevando as criaturas do lodo dos sentidos a uma vida pura e verdadeira. Isto é feito por ele, cheio do poder e forças divinos.
Considero meu parecer acertado, pois é efeito daquilo que assisti. Pode ser diferente; por certo não erramos na aceitação do ocorrido. Que o Espírito Divino, Seu Poder e Força estejam com ele, em prol da Humanidade!”
Diz a mãe: “Preferiria não fosses tão inteligente. O velho rabi encheu-te a cabeça com tudo que se possa saber neste mundo; com isto te julgas melhor que teus pais, razão por que eras insuportável. Pelo que vejo, também perdeste a simpatia daquele homem. Acho aconselhável pedir-lhe perdão e depois recuaremos!”
Digo Eu: “De modo algum; pois nada pude falar com Hé- lias, requisitada por ti! Deixa-Me palestrar com ela, a fim de que se capacite a transmitir a Verdade de Minha Pessoa àqueles que a pro- curarem. Por ora nada sabe, e tu, sua mãe — ainda menos! Falarás apenas quando te convidar.”
OSENHORAPONTAPROFECIAS MESSIÂNICAS
Novamente Me viro para Hélias e digo: “Disseste há pouco Eu bem poder ser um Messias, por ser grande profeta, pois segun- do teu critério aceitável, é Messias e Salvador aquele que libertar as criaturas do lodo tenebroso da mentira, da fraude e da superstição, através da luz da Verdade perfeita. Sendo esta a Minha Ação, sou re- almente Messias para os que Me ouvem e seguem Minha Doutrina! Quanto à tua fé em um só Deus, continuas — com justiça — com o Deus de Abraham, Isaac e Jacob.
Todavia, tenho de te apontar várias passagens dos profetas referindo-se à Minha Pessoa, e ser-te-á fácil chegares a uma conclu- são clara. Consta, por exemplo, em Isaías: Uma virgem conceberá e dará à luz um filho, que receberá o nome de Emanuel — ‘Deus está conosco’. Nasceu um menino, um filho nos foi dado, em cujos om- bros pousa a Glória; seu nome se chama Maravilhoso, Conselheiro, Deus forte, Pai da Eternidade, Príncipe da paz. Naquele dia se dirá: Vede, Este é o nosso Deus, a Quem esperávamos que nos salvas- se! É Jehovah que aguardávamos. Regozijemo-nos com Sua Glória. Ouvi a voz do clamador no deserto dizendo: Preparai o Caminho de Jehovah, e aplainai no deserto uma trilha para nosso Deus, e todos serão testemunhas. Jehovah vem no forte e Seu Braço o sustentará! Vede Seu prêmio com Ele. Apascentará o rebanho qual pastor. E Jehovah falou: Exulta e alegra-te, filha de Zion! Eu vim para morar em teu meio, e muitos povos seguirão a Jehovah em Seu dia. Eu, Jehovah, chamei-te com justiça e dar-te-ei em união do povo; Eu, Jehovah — pois este é Meu Nome — não transmitirei Minha Glória a outrem. Vê os dias futuros em que despertarei um justo rebento para David, que reinará como rei e fará julgamento e justiça sobre a Terra! Eis o Seu Nome: Jehovah, nossa Justiça!
Vê, Hélias, deste modo os profetas Me anunciaram em épo- cas passadas no deserto, aplainando-Me os caminhos e dizendo de Mim: Eis o Cordeiro Divino, que apagará os pecados do mundo!
Se julgas ser preciso vir ainda Elias, a fim de preparar as criaturas à grande Chegada do Messias que será chamado Jehovah, afirmo-te: Elias já veio em João Baptista — e Eu agora estou Pre- sente. Vim junto dos Meus, e eles não Me reconheceram! Que Me dizes a isto?”
EXPLICAÇÃODOSTRÊSPRIMEIROS MANDAMENTOS
Responde Hélias: “Senhor e Mestre começo a ficar tonta diante de Tuas Palavras! Se realmente és o Anunciado pelos profetas
— que faremos, pobres pecadores?!”
Digo Eu: “Nada mais que ouvir Meus Ensinos, guardá-los e aplicá-los, amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo — e tereis despertado os sete espíritos de Deus dentro de vós, atingindo a Vida Eterna. Estás satisfeita?”
Diz Hélias: “Como não, Senhor?! Resta apenas saber se Tu, com as duas leis de Amor, não revogas os dez Mandamentos e os profetas, pois afirmaste conterem eles toda a Lei, inclusive os profetas.”
Digo Eu: “Querida, como podes perguntar tal coisa? Como podem a Lei mosaica e todos os profetas serem sustados quando se encontram nas Leis do Amor?! Assim como o sétimo espírito divino dentro do homem penetra, comporta e assimila os seis precedentes, o verdadeiro amor a Deus e ao próximo preenche as Leis anteriores de Moysés e todas as regras e advertências dos profetas!
Se diz Moysés: Deves amar a um só Deus e não considerar, ao lado Dele, outros deuses pagãos!, porás em prática o Primeiro Mandamento através do amor a Deus acima de tudo. Porventura poderias amá-Lo se Nele não acreditasses?! Se pelo amor para Ele evidencias tua fé — acaso serias capaz de ultrajar o Nome Dele? Por certo que não! Pois aquilo que alguém ama com intensidade é considerado acima de tudo, e até mesmo reagirá com todos que pretendam reduzi-lo ou desonrá-lo. Não te irritarias se alguém des- classificasse o teu pai?! Se, pois, amares a Deus acima de tudo, serias capaz de ultrajar o Nome Dele?!
Sob este ponto de vista convirás estarem incluídas as duas Leis de Moysés no Primeiro Mandamento de amor para com Deus. Se, portanto, O amas e honras, não será um prazer te afastares o quanto possível dos prazeres mundanos, a fim de te dedicares ao objetivo de teu amor?! Vê, nisto consiste a consideração do Sábado, verdadeira e justa perante Deus, recomendada por Moysés! O dia em si não tem valor, mas simplesmente na tua meditação diurna ou noturna, no amor e na calma psíquica dedicada a Deus, com o Qual poderás palestrar. Por aí vês acharem-se os três Mandamentos de Moysés dentro da Lei do Amor para com Deus.
Quem, pois, amar a Deus acima de tudo tê-Lo-á reconhecido e possuirá fé viva, dando-Lhe Honra e dedicando-Lhe a maior parte dos pensamentos. Quem assim agir não poderá pecar. Poderia uma noiva ofender o eleito, a quem ama com todo fervor e de quem recebe afeto ainda mais forte? Impossível, pois ambos se uniram no coração pelo amor! Quem se unir a Deus pelo amor amará ao próxi- mo, como filho do Pai, tanto quanto a si mesmo, fazendo-lhe o que de plena justiça espera que ele lhe faça.”
OQUARTO MANDAMENTO
(O Senhor): “No Quarto Mandamento ordena-se aos filhos o amor aos genitores, como as primeiras criaturas mais achegadas: são supridores, protetores, educadores e merecem todo amor e hon- ra da prole.
Uma criança bem educada que ame e honre seus pais tudo fará para alegrá-los; deste modo, terá como recompensa vida longa e saudável, isto é, todo conforto possível. É claro dedicar tal adoles- cente afeto e respeito aos irmãos, estando sempre pronto para fazer-
-lhes tudo que é bom.
A criatura que verdadeiramente ama pais e irmãos fá-lo-á também a outras pessoas, sabendo serem todos filhos de um só Pai no Céu. Através do verdadeiro amor filial chega ao conhecimento de Deus, de si mesma e do seu semelhante, compreendendo por que Ele criou a todos e qual sua finalidade. Assim sendo, aumenta o amor a Deus, alcançando o aperfeiçoamento da vida interior, ver- dadeira e espiritual.
Seria possível tal criatura cometer pecado? Não, digo Eu! Ja- mais será invejosa, não odiará, não amaldiçoará, nem matará física ou psiquicamente, através de aborrecimentos. Portar-se-á casta e discreta, não se interessará pela posse alheia, não mentirá nem enga- nará; caso se tenha tornado esposa — não terá desejo pelo marido de outrem, nem ele pela esposa do seu semelhante e poderás, logica- mente, deduzir de que modo a Lei e todos os profetas se enquadram
nos dois Mandamentos de amor, pelo estrito cumprimento dos mes- mos. Compreendeste?”
Responde Hélias: “Senhor, Criador sábio e bondoso, Pai de todas as criaturas — agora entendo as Leis mosaicas! Confesso ja- mais ter compreendido seu teor e quanto mais discutia a respeito com meus progenitores, mais se me deparavam falhas e lacunas, a ponto de pensar não serem de origem divina, ou talvez os posterio- res sacerdotes as tivessem revogado completamente, suplantando-as por obra humana, útil aos seus interesses. Meu velho rabi se via mal comigo, porque lhe apontava as imperfeições na Escritura. Após Tua Explicação, Senhor, não há quem não a entenda e possa segui-la!”
Digo Eu com afabilidade: “Então deixa-Me ouvir tua crítica!”
Diz Hélias, tornando-se ponto de atenção dos presentes: “Que poderia dizer perante Ti, Senhor, que conheces meus pen- samentos antes de os ter elaborado? Aquele jovem poderoso cer- tamente os percebe de igual modo, de sorte que podeis desistir de minha crítica.”
Digo Eu: “Querida Hélias, o caso é bem diverso! Eu e aquele jovem estamos cientes de que consiste tua crítica, inclusive os teus. Os outros, porém, curiosos pelas tuas próprias palavras, fizeram com que Eu te convidasse a te externares. Fala, pois, sem receio, dos de- feitos encontrados na Escritura.”
CRÍTICADEHÉLIASQUANTOAOQUARTO MANDAMENTO
Diz a moça: “Senhor, fazendo o que exiges, certamente não pecarei em externar minhas dúvidas. A primeira falha percebi no Quarto Mandamento, onde Moysés inculca aos filhos, de compre- ensão e físico fracos, amor, obediência e respeito aos pais, enquanto esses nenhuma obrigação têm para com aqueles. Isto é estranho, porque não raro os responsáveis são piores que seus filhos.
Geralmente terá a criança índole boa e nobre e poderia ser educada para um ser de valor. Eis que é obrigada a obedecer aos pais maldosos, sem exceção razoável, até finalmente a eles se igualar. Nes-
se ponto, o profeta poderia ter incluído um parágrafo que obrigasse aos pais a agirem de tal modo a levarem seus filhos a imitá-los.
Porventura seriam os rebentos de salteadores obrigados a obedecerem seus pais, amá-los, honrá-los e seguir-lhes as pegadas? Se, como acontece muitas vezes, filhos ajuizados de pais perversos negavam amor e obediência, abandonando-os e procurando me- lhorar em companhia de pessoas criteriosas — acaso teriam pecado contra a Lei de Moysés?
Se ele e os demais profetas determinam castigo para tais ca- sos — são mais ignorantes que eu, não representando honra para a Sabedoria Divina! Senhor, sou eu maldosa com este meu critério?”
Digo Eu: “De modo algum! Todavia, esta apreciação está fora da ordem, porque através do Meu Espírito compreendia Moysés ser desnecessário incutir aos pais o amor para com a prole, pois foi por Mim implantado de certo modo instintivamente, fato que não ocor- re com os filhos, por terem ingressado apenas na vida terrena, onde têm que receber a educação para o amor.
Por isto nascem todos tão fracos, sem conhecimento e amor, a fim de que se desenvolvam sem coação, como se estivessem com- pletamente abandonados por Deus, através de ensinos, leis e obe- diência voluntária! Eis o motivo por que leis e ensinamentos são destinados principalmente aos filhos e não tanto aos pais, que iguais à prole, se tornaram adultos por este meio!
Quanto aos deveres dos pais para com os filhos, foram eles determinados por Moysés e os profetas em leis de Estado que ainda desconheces. Duas criaturas não podem se casar antes de exporem ao sacerdote estarem bem orientadas nas leis necessárias ao casamento.
Por aí vês não ter sido ordenada tua observação quanto ao Quarto Mandamento, e Eu dissipei as tuas dúvidas. Podes prosse- guir em tua censura e Eu te direi se estás certa ou não!”
Diz Hélias: “Ó Senhor, por que deveria continuar na minha tolice? Prevejo Tua Explanação minuciosa!”
Digo Eu: “Quem levaria prejuízo com isto? Vim justamente a este mundo para libertar-vos dos múltiplos erros através da Luz
Viva da Verdade. Caso não externares tuas observações aparente- mente justificáveis, elas continuarão em teu íntimo, podendo atro- fiar a vida de tua alma. Ao passo que, te desfazendo delas, a Luz da Verdade habitará em teu coração. Além disto, é até necessário que o faças, por aqui se encontrarem muitos que fizeram o mesmo que tu com relação aos profetas!”
OQUINTO MANDAMENTO
Diz Hélias: “Ó Senhor, novamente repito: quem fizer o que é de Tua Vontade não pecará! Por isto analisarei o Quinto Man- damento. Consta: Não matarás! Farei minha explanação à simples lei sem considerar o que foi dito pelos profetas a esse respeito; um mandamento realmente divino deve conter, em sua simplicidade, o que a razão humana pode aceitar. Todavia isso não acontece com tal lei, e uma criatura racional só pode chegar à conclusão de ser obra humana, ou talvez houvesse sido omitido algum ponto.
Não matarás! Quem não deve matar? Vale isso para todos, indistintamente de sexo, idade e posição social? Não se deve matar somente ao semelhante ou aos animais? Segundo meu parecer, não se refere nem a um, nem a outro.
Não pode ser relacionado às criaturas, porque Josué destruiu Jericó e matou o povo, a mando de Jehovah. A matança dos sa- cerdotes pagãos pela mão de Elias é conhecida. Lembremo-nos do rei David, o homem de acordo com o Coração de Deus, sem con- siderarmos outros! Quantos não foram mortos e anualmente são sacrificados?! Os potentados da Terra têm por Deus pleno direito de matar o semelhante, sem consideração à lei categórica; portanto, ela só atinge os pobres e oprimidos! Não é possível medir o efeito da lei quanto ao sexo feminino, muito embora a Crônica prove que as mulheres também manobraram a espada!
Nem vale a pena conjecturar se não devemos matar animais, pois a natureza humana ensina, sem distinção de classe, sexo e idade, a nos defendermos contra as feras, caso não queiramos ser devorados.
Não matarás! Se porventura for assaltada por um malfeitor e eu, em defesa própria, conseguir matá-lo antes que ele o faça a mim, tal caso deveria constar no Mandamento! Onde, pois, se acham amor e sabedoria divinos, cientes das ocasiões difíceis por que pas- sam os homens na Terra?!
Por que elaborou Deus tal lei, quando Ele Mesmo ordena a David exterminar os filisteus e moabitas? Por que pôde Judith ma- tar Holofernes e eu não posso assassinar a quem quero? Quem deu direito aos egípcios, gregos e romanos a matarem todos os que se opuseram às suas leis?!”
Com isto Hélias vira-se para a assembleia, a fim de ver a re- ação às suas palavras; o apoio é quase total, e um escriba diz: “Pelo critério humano, a moça não deixa de ter razão, não obstante pos- teriormente ser demonstrado no Livro de Moysés como deve ser considerado o Mandamento. Uma Lei básica deveria expressar o es- sencial, ao menos nas circunstâncias mais prementes; pois todo adi- tamento subsequente dá a entender que o legislador não ponderou todos os prós e contras.
Que isso aconteça entre os homens, admite-se; mas um Man- damento Divino não deveria permitir qualquer lacuna que exigisse explicações e aditamentos. Chega-se a pensar não ter ele origem di- vina, ou então foi deturpado pela má vontade do homem. Não que- ro expressar um julgamento pelo meu simples critério.”
Digo Eu: “Exatamente, pois se fordes julgar as Minhas Leis pelo raciocínio humano, forçosamente ireis descobrir falhas e la- cunas. Se amares ao teu próximo como a ti mesmo, não o odiarás nem o malquererás ou prejudicarás; em tal caso, tampouco estarias disposta a matá-lo física ou psiquicamente, com aborrecimentos.
Não matarás, assim consta literalmente na Lei! Mas por quê? Por subentender-se, desde épocas remotas, no ‘matar’ — in- veja, ira, ódio e vingança. Deve, pois, ser interpretado do seguinte modo: a ninguém deves invejar, nem encher-te de ira contra o teu próximo; da ira surge o ódio e deste, a vingança destruidora!
Consta, porém: A Ira e Vingança são Minhas, diz o Senhor! As criaturas devem respeitar-se com amor, sendo úteis ao semelhan- te, pois tendes em Mim um Pai, portanto sois iguais perante Mim! Não deveis vos aborrecer, nem injuriar ou difamar o vosso próximo; quem isto fizer matará a alma do irmão!
Eis o que expressa o quadro ‘Não matarás’! Os primitivos judeus, ainda em tempo de Salomon, assim o entendiam e os sa- maritanos ainda hoje o fazem. Como, portanto, supor-se ter sido proibida a matança de animais ferozes e criaturas maldosas?”
Responde Hélias: “Senhor, agora compreendemo-lo perfei- tamente por Tu o teres explicado; sem esta ajuda não nos teria sido possível. Por que Moysés não junta a explicação à lei? Como profeta deveria prever a posterior incompreensão dos judeus.”
Digo Eu: “Cara observadora, bem que ele o previu, razão por que anotou grande número de explanações; a culpa de tu até hoje não as teres lido não cabe nem a Mim nem a Moysés. Todavia, foi tua objeção mui boa, porque expuseste as falhas não da lei, mas da vossa compreensão, e a fim de corrigi-las permito tua crítica. Passemos, pois, ao Sexto Mandamento.”
OSEXTO MANDAMENTO
Diz Hélias: “Senhor e Mestre, sou virgem e não seria decente fosse eu fazer observações a respeito do Sexto Mandamento.”
Digo Eu: “Minha filha, caso não tivesses conhecimen- to do mesmo, não permitiria te expressares. Assim, podes falar a teu modo!”
Diz ela: “Pois bem, repito: com Tua Vontade ninguém peca! E me expressarei condignamente. ‘Não adulterarás’. Pelo que me ensinou meu rabi, o Mandamento diz igualmente o seguinte: De- ves manter-te casta e pura perante Deus e os homens, pois quem viver inversamente é tanto pecador quanto um adúltero, impudico e perverso!
Só tenho a obstar que Moysés, primeiro, proíbe em poucas palavras o adultério no segundo Livro, capítulo vinte; enquanto no terceiro Livro, capítulo dezoito, se estende em minúcias; não os li por advertência de meu rabi. Segundo, foi tal Mandamento, como outros, dado apenas ao sexo masculino.
Quem não deve adulterar? Prende-se a lei ao homem e não à mulher? Naturalmente pode se afirmar o seguinte: ele não poden- do pecar, exclui o erro da mulher. A meu ver é ela precisamente o elemento tentador a levar o homem ao adultério e a lei deveria ser dirigida a ela; pois se for fiel, não se pode falar em adultério. Na lei original, a mulher constitui exceção e só é posteriormente mencio- nada. Desejava saber qual o motivo disto? Acaso é ela menos impor- tante que o homem?”
Digo Eu: “Essa tua crítica é razoável, muito embora caminhe apenas ao lado da verdade. Nesse Mandamento se baseia o amor ao próximo, puro e verdadeiro, tanto para o homem quanto para a mulher. Se por acaso fosses esposa de um homem bom, seria de teu agrado se a mulher do vizinho procurasse conquistá-lo? Não o de- sejando, deves igualmente respeitar a união de tua amiga; portanto, aplica-se a Lei para homem e mulher.
Deu Jehovah a Lei aparentemente apenas ao homem, assim como deu à cabeça os principais sentidos, e por eles o intelecto. Dirigindo-se primeiro à razão humana, isto é, ao intelecto do ho- mem, é ele cabeça da mulher, assim como esta é, de certo modo, o corpo dele. Quando a cabeça estiver esclarecida e compreensiva — não estará o físico todo nas mesmas proporções?
O intelecto esclarecido, em breve sê-lo-á o coração da cria- tura, que de bom grado se submeterá. A mulher corresponde igual- mente ao coração do homem, e se ele, como cabeça, estiver ilumina- do, a mulher, como coração dele, também o será.
Consta desde sempre serem homem e mulher um só corpo. O que, portanto, for dito a ele serve também para ela. Deste modo pro- vei-te a improcedência de tua dúvida, demonstrando o justo sentido do Mandamento, que por certo compreendeste. Por isto podes continuar.”
(O Senhor): “Qual é a falha ou dúvida que deparas no Sé- timo Mandamento? Fala sem receio, porque muitos com isto serão esclarecidos.”
Diz Hélias: “Senhor, após ter recebido o justo entendimento de Tua parte, não vejo defeito em tal Mandamento! ‘Não furtarás!’, eis a recomendação anterior do amor ao próximo. Pois não queren- do que se me faça prejuízo, não poderei aplicá-lo ao semelhante e novamente constato enquadrarem-se todas as Leis dos profetas nos dois Mandamentos do Amor. Além disto, surge o amor ao próximo da Misericórdia, o Espírito mais potente no coração humano, pe- netrando e vivificando os precedentes, tornando o homem bom e realmente sábio. Tal criatura jamais se apoderará dos bens alheios.”
Digo Eu: “Muito bem, estás te tornando mais simpática aos Meus Olhos, pois tua observação acerca dessa Lei de Moysés, pura- mente divina e de saber sem mácula em benefício dos homens — é para Mim muito mais valiosa que tuas críticas anteriores. Nada, porém, impedir-nos-á no estudo rigoroso das restantes leis. Como soa o Oitavo Mandamento? Fala sem susto, que Me proporcionarás grande alegria.”
OITAVO MANDAMENTO
Enchendo-se de coragem e com expressão confiante, ela prossegue: “Se fosse possível não ofender-Te, Senhor, de Quem meu coração já se apossou, teria ensejo de me expressar a respeito; mas diante de Ti — Jehovah em Pessoa — preciso é a criatura se cuidar para não cometer agravo contra Tua Santidade!”
Digo Eu: “Alma querida e amorosa, nada disto precisas recear e podes falar sem recalques!”
Diz Hélias, radiante: “Pois bem! O Oitavo Mandamento soa: Não darás falso testemunho — e como não se explica na Escritura sobre quem não se deva prestar falso testemunho, subentende-se in-
cluir-se a própria pessoa. Meu velho professor sempre me dizia ser a mentira pecado infernal, pois dela derivam toda astúcia, traição, discussão, contendas, guerras e assassínios. Deve-se falar sempre a verdade do que se sente, ainda que constituísse prejuízo próprio. Uma palavra honesta tem para Deus valor muito maior do que um mundo cheio de ouro e pedras preciosas. É, portanto, toda inverda- de pronunciada de si mesma falso testemunho proibido por Deus.
Assim sendo, Senhor, não receio em dizer-Te diretamente que Te amo acima de tudo! Isto, por certo, não é falso testemunho! Se pudesse abraçar-Te como desejo, tal êxtase me daria vontade de morrer! Isto, por certo, não é falso testemunho! Assim como não o faço de minha pessoa, jamais o fiz do próximo e penso agir com justiça neste Mandamento, no qual o sétimo espírito de Deus deve estar ativo como nos demais. Senhor, acaso Te ofendi?”
Digo Eu: “De modo algum! Pois não obstante teu grande amor para Comigo, é ele sobrepujado pelo Meu! Nosso afeto recí- proco acha-se equilibrado. No Oitavo Mandamento — ainda não! Por isto, esclarecer-te-ei!
Suponhamos seres inquirida por um juiz a respeito de um crime cometido por um teu parente muito querido, a fim de que a justiça o possa prender. Qual seria tua resposta na hipótese de estares informada de tudo?”
Diz ela, confiante: “Senhor, o Mandamento baseado no puro amor do próximo, pelo qual não se deve dar falso testemunho para não prejudicá-lo, não deve, inversamente, estabelecer condições pe- las quais se traria prejuízo por uma verdade inconveniente. Em tal caso, eu jamais diria a verdade! Quem por ela seria beneficiado? O juiz, claro que não, pois nada lucra caso o criminoso lhe caia nas mãos, e muito menos o réu arrependido! Se porventura o denuncias- se, estaria perdido, fato que não desejaria a quem tivesse cometido crime contra mim. Viraria as costas à verdade e não denunciaria o culpado, com risco da própria vida!
Se, a julgar por Tua Explanação, o amor ao próximo consiste em se fazer tudo aquilo que se deseja para si, Deus de Justiça não
poderá se irritar que eu não faça ao pior inimigo o que inversamente não haveria de querer para mim. Além disto, não necessita Deus de juiz terreno ou de um delator a fim de que castigue pecador invete- rado. Ele, Onisciente e Onipotente, saberá fazê-lo Sozinho!
Desejava perguntar-Te, Senhor, se a mulher de Isaac, cego, pe- cou quando lhe apresentou Jacob em vez de Esaú, primogênito, para receber a bênção paternal? Considero-o evidente fraude, entretanto diz a Escritura ter sido a Vontade de Jehovah. Neste caso, julgo ser justo perante Ti eu reter a verdade quando trouxer prejuízo ao seme- lhante que jamais me fez algum mal! Se Deus e Moysés não abriram exceção no Oitavo Mandamento, ele contém uma grande falha que só poderá ser completada pela Lei do Amor ao próximo. Tenho razão?”
Digo Eu: “Não inteiramente! Pois o criminoso não se teria regenerado após a fuga, e sim cometido outros delitos, piores! Se, porém, informasses o paradeiro dele, salvarias muitos da desgraça, por uma ação dentro do amor ao próximo. Que Me dizes a tal pos- sibilidade?”
Perplexa, Hélias não sabe o que responder; após alguma re- flexão ela prossegue: “Bem, se muitos haveriam de sofrer por causa de um homem mau e incorrigível, a razão me diz ser melhor que um apenas sofra merecidamente. Se em tal caso se deve fazer papel de traidor — somente Tu poderás determinar!”
Concluo: “Está no livre arbítrio de cada um! Passemos ago- ra ao Nono Mandamento. Como soa?”
NONOEDÉCIMO MANDAMENTOS
Diz Hélias: “Senhor e Mestre, tenho que objetar considera- rem os judeus Nono e Décimo, enquanto Moysés finalizou as Leis com o Nono, apenas. Consta: Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem a mulher, nem o servo e a serva, nem seu boi e seu jumento, nem coisa alguma do que possui.
Aí terminava a Lei; pois em seguida o povo debandou de medo dos raios, trovões, do fragor das trombetas e diante da forte
fumaça da montanha, pedindo a Moysés para falar sozinho com Deus; pois se obrigados a assistirem à Palavra abaladora de Jehovah, todos haveriam de morrer. O profeta os acalmou e nada mais disse de um Décimo Mandamento.
Para os judeus exclui-se a cobiça da mulher do próximo, fazendo um Décimo Mandamento; outros, classificam-no como Nono e o restante, como Décimo. Quantos Mandamentos teria Moysés recebido realmente?”
Respondo: “No início, somente nove; quando mais tarde teve que restituir as primeiras pedras escritas, ele mesmo dividiu o último Mandamento em dois, a fim de exemplificar a cobiça pela mulher do próximo — erro contraído pelos judeus no Egito, ra- zão por que viviam em constantes arengas e inimizades mortais — como pecado, e no final instituiu a pena de morte para o adultério, porquanto a sábia Lei nada frutificara entre os judeus enterrados no sensualismo. Sabes, pois, o motivo da alteração do Decálogo. O número não vem ao caso, interessa somente o sentido e podes fazer tua crítica à vontade.”
Diz Hélias: “Senhor e Mestre sem par! Nunca tive dificulda- de para falar, mas prevejo que falarei em vão. Pois quem poderia, em sua tolice, apresentar algo que não fosses capaz de contestar?”
Digo Eu: “Querida filha, queres ter razão, conforme acon- tece na maior parte das mulheres; todavia, não se trata de simples polêmica, mas do maior rigor na vida, e preciso é que externeis vos- sos enganos para poderdes reconhecê-los pelo Meu Conhecimento, verdadeiro e vivo! Por isto deixo que fales por todos, pois sei que possuis boa memória e facilidade de expressão, e além disto apren- deste as falhas da Lei e dos profetas através do teu rabi. Fala, pois, quais tuas observações?”
Diz ela: “Não podendo pecar pela obediência, confesso não concordar de modo algum com o Nono Mandamento porque iro- niza todo e qualquer raciocínio; primeiro, por encontrar-se o con- teúdo total no Sexto e Sétimo Mandamentos; e segundo, proíbe o pensar, sentir e desejar!
Que importa se um pobre condenado a serviços pesados, em troca de miserável pagamento e alimento precário, vez por outra sente desejo de possuir casa própria, mulher ou animais domésti- cos?! De qualquer maneira, seu sonho jamais se realizará — e ainda deve cair em erro caso almeje tais coisas?!
Esse Mandamento ridículo dá impressão de ter Moysés proi- bido o uso de mãos, pés e dos próprios sentidos, o que seria ain- da mais moderado do que a proibição das funções biológicas, pelas quais ninguém é responsável.
Não quero apontar ter sido o Mandamento dado especial- mente ao homem, pois já foi ventilado atingir o mesmo à responsa- bilidade da mulher! Mas, não poder pensar, sentir e desejar — isto é forte demais! É bem verdade que pode ser motivo de anseios e atitudes, boas ou más; excluindo-se pensamentos e desejos, nada de efetivo poderá surgir. Quanto à proibição de ações maldosas, a Lei é justa, entretanto supérflua, por se encontrar no Sexto e Sétimo Mandamentos.
Vejamos a situação de minha família: perdeu fortuna e pos- se sem culpa própria; nada mais tem que a existência e, através de Tua Graça, os bons amigos. Se nessa situação observávamos o esban- jar dos ricos — acaso pecamos ao sentir o desejo de possuir parte diminuta? Se não nos for permitido desejar saciar a fome, ao menos em pensamento, com as iguarias deliciosas dos ricos, não sei o que dizer de tal Lei!
Além disto surge a questão: se naquilo que a Terra produz é tudo Posse de Deus, todas as criaturas não teriam o mesmo direi- to para satisfazer suas necessidades?! Por que existem tantas pessoas ricas sob a proteção do Governo, enquanto a maior parte nada tem e, além do mais, tem de suportar o Mandamento que proíbe o de- sejo de posse? Nada se lhes tira com isto; não podendo ter desejo, também não se poderia mendigar. O mendigo expressa a cobiça por uma parte dos bens do rico.
Nesse caso, os pobres só podem pedir emprego e se satisfa- zer com péssimo ordenado, pois qualquer outra exigência seria cobi-
ça imperdoável. Senhor e Mestre, jamais tal podia ter sido Vontade do Criador, e sim é obra de criaturas gananciosas, a fim de que a pobreza não as importunasse com seus pensamentos de posse.
Dá-nos, Senhor, esclarecimentos justos; pois presumo ter essa Lei insustentável levado os homens aos pecados e crimes, pois não é respeitada pelos judeus como provinda de Jehovah!”
AIMPORTÂNCIADOCONTROLE MENTAL
Digo Eu: “És realmente uma criatura de raciocínio mui agu- çado e fizeste um forte ataque à última Lei de Moysés. Às vezes são os filhos do mundo mais inteligentes que os da luz, pois desco- brem com maior facilidade os percalços de um Mandamento. Toda- via, falhaste como anteriormente, não obstante o grande potencial de lógica.
Poderás pensar o que quiseres, que não pecarás enquanto teu coração não sentir agrado em pensamentos desordenados. Se, porém, sentires prazer num pensamento mau, ligá-lo-ás à tua von- tade e não demorarás em praticá-lo, caso as circunstâncias sejam favoráveis e sem risco externo. Por isto, é de máxima importância o sábio controle dos pensamentos surgidos no coração através da luz purificada da razão e do puro intelecto, por serem os pensamentos a semente para a ação, e seu controle não poderia ser expresso mais acertadamente do que com as palavras de Moysés: Não cobices isto ou aquilo! Pois uma vez fortemente insuflado, o pensamento foi estimulado pelo agrado e pela vontade, e será difícil abafá-lo. Pen- samento e ideia são, como já disse, o gérmen para a ação, fruto do mesmo, e um corresponde ao outro.
Podes, portanto, pensar o que quiseres, mas não vivifiques pensamentos ou ideias para a ação antes de os teres devidamente analisado, diante do julgamento de razão e intelecto. Caso haja o pensamento passado pela prova de luz e fogo, poderás estimulá-lo à ação e dar expansão a algo de bom e útil; jamais, porém, por algo de- sordenado e evidentemente contra o amor ao próximo. Eis o sentido
do último Mandamento de Moysés, no qual não há o contrassenso nas funções biológicas do homem, que pretendes ter encontrado com auxílio de teu rabi. Que seria do homem caso não aprendesse desde cedo a analisar e organizar seus pensamentos, para deles ex- cluir toda impureza, maldade e erro? Seria pior que um animal feroz!
Justamente na ordem boa e sábia dos pensamentos se baseia todo valor da criatura. Se deu Moysés um Mandamento para tal fim — poderia um rabi inteligente (ao menos se julgando como tal) lançar suspeitas, no sentido de não ter vosso profeta recebido a mais importante Lei do Espírito Verdadeiro de Deus? Vê, Minha filha, a que ponto teu professor se excedeu?!”
POBREZAE ABASTANÇA
(O Senhor): “O fato de serem os bens terrenos distribuídos de modo desigual, havendo pobres e ricos, se baseia na sábia Von- tade de Deus, pois sem tal desproporção, dificilmente poderiam as criaturas subsistir.
Basta imaginares que todos os habitantes da Terra fossem, desde o nascimento, providos de tudo, a ponto de nenhum necessi- tar do próximo, para concluíres que, em breve, viveriam como ani- mais e aves. Não necessitariam construir moradias, nem preparar campos e vinhas, tampouco se veriam obrigados a cuidar de roupas. E caso tivessem alimento suficiente em cavernas e ninhos, jamais os deixariam, repousando e comendo quais pólipos no fundo do mar. Como os irracionais são obrigados a procurarem alimento, tornam-
-se ativos e só descansam após satisfeita a fome.
Por isto, Deus agiu com grande Sabedoria ao distribuir os bens desproporcionadamente, dotando os homens de talento e ca- pacidade mui variados. Deste modo, um se torna indispensável ao outro. O rico não se dispõe a trabalhos pesados, agrada-lhe organizar tudo de acordo com seu conhecimento e experiências, determinan- do aos serviçais como executarem suas obrigações. Satisfeitos, estes servem aos ricos mediante pagamento combinado; a fim de que não
se atrevam a querer se apossar dos bens alheios, existem leis terrenas e divinas, que entretanto protegem ambas as partes.
O proprietário abastado necessita de profissionais: ferreiros, carpinteiros, pedreiros, marceneiros, oleiros, fiandeiros, alfaiates etc., de sorte que um vive do outro pelo serviço prestado. Somente deste modo pode o Gênero Humano subsistir na Terra, e muito bem poderia se manter caso não houvessem aqueles que se entregaram ao excessivo amor-próprio e ganância. Todavia, são severamente puni- dos por Deus e sua fortuna ajuntada com tanta avidez só chega à terceira geração.
Vês, portanto, serem necessários ricos e pobres, e convirás não ter Moysés dado o último Mandamento com falhas, mas de modo completo, aos judeus e, através desses, a todos os homens. Justamente nesta Lei se baseia a perfeição interna e verdadeira do amor ao próximo e do espírito da Misericórdia no coração humano.
Se isto é incontestável, ela também estabelece a condição pela qual cada um deve considerar a fundo tal Lei, para a verdadeira pu- rificação de sua alma. Enquanto o homem não for soberano de seu pensamento, não dominará suas paixões e atitudes subsequentes. Quem não for senhor e mestre de si mesmo longe estará do Reino de Deus, continuando servo do pecado projetado de seus desequi- librados pensamentos e desejos, vilipendiando-o totalmente. Terás compreendido tudo?”
A CRÍTICA. O SENHOR ACONSELHA A EXTERNAÇÃO TOTAL DAS DÚVIDAS
Diz Hélias: “Senhor e Mestre, desde Eternidades! Que po- derei, pobre serva, ainda dizer? Falar-Te de coisas espirituais seria o mesmo que um tolo disposto a colher o mar imenso dentro de um balde. Tudo que dizes é verdade e todo o Gênero Humano nada sabe. Minha análise feita ao último Mandamento me parecia fun- damentalmente certa — e onde ficou? Não somente redundou em nada, mas positivou-se em algo que me leva à vergonha eterna, por
ter externado tanta tolice. Estou profundamente arrependida, por ter ousado entrar em polêmica em Tua Presença! — Qual não será o critério desses homens inteligentes?”
Digo Eu: “Mas, por quê? Fui Eu quem te convidou a falar e tu mesma afirmavas não ser possível pecar quem fizer o que Eu que- ro. Se não pecaste, também não tens motivo para te envergonhares. Teu pronunciamento não só foi muito útil para tua pessoa, mas para todos os que alimentavam as mesmas dúvidas; foi obra eficaz de tua eloquência, e não há motivo para teu embaraço. Não obstante tua pouca idade, possuis raciocínio claro como luz inicial do coração; quem for dono de tal luz em breve encontrará a justa claridade da Vida. Compreendes o sentido de Minhas Palavras?”
Responde ela: “Como não, Senhor! Todavia, tenho plena consciência de minha nulidade perfeita dentro do nada, enquanto és Tu o mais perfeito Todo em tudo! Peço-Te, pois, não mais me convidares para falar; sou muito ignorante!”
Digo-lhe: “Bem que deverias fazê-lo, porquanto duvidaste igualmente dos profetas; havendo, porém, compreendido ser a Lei mosaica puramente divina, sem mácula e falha como as humanas, serás poupada no prosseguimento do assunto. Ao sentires a menor dúvida, poderás te externar para receber orientação.
Em Minha Companhia se acham Meus apóstolos e aquele jovem é Meu servo, como os tenho em grande número. Todos eles poderão esclarecer-te conforme o fiz. Dirigir-Me-ei para perto dos discípulos que se encontram do lado oposto numa sala do albergue. Apenas Lázaro, Agrícola e Hibram poderão acompanhar-Me.
Já sabes o que fazer caso necessites orientação; tenho outras obrigações, porquanto o Sol apenas permanecerá no Céu durante meia hora. Em seguida, virão os hóspedes a fim de tomarem a refei- ção e até lá quero estar de volta, pois não posso passear entre criaturas mundanas. Tão logo tiverem partido iremos ao ar livre, onde assisti- reis a muita coisa maravilhosa. Ficai, pois, e meditai até Eu voltar!”
Diz Hélias, com voz lamuriosa: “Ó Senhor, por que não pos- so acompanhar-Te, quando meu maior desejo é ficar Contigo?”
Respondo Eu: “Tal é digno de louvor; se continuares inti- mamente junto de Mim, poderás usufruir Minha Personalidade Espiritual. Em Genezareth mora também uma menina adorável, chamada Yarah; faz quase um ano que não Me vê, entretanto está mais próxima de Mim do que tu, presentemente! A cada momento posso falar-lhe e ela ouve toda Palavra Minha, obedecendo estrita- mente. Faze o mesmo, que permanecerás em Minha Companhia, como Yarah, até mesmo quando não mais palmilhar em Corpo por este planeta! Compreende e adapta a tua vida de acordo, que terás a Vida eterna dentro de ti!”
PARECERDOJOVEMESCRAVO.FUTURODA RÚSSIA
Em seguida Me levanto. Lázaro, Agrícola e Hibram Me acom- panham junto aos jovens, em animada palestra, pois cada um relata os acontecimentos havidos durante a viagem relacionados à atual sal- vação. Uns tiveram sonhos, outros visões sobre a terra e na abóboda celeste. Desse modo entretidos, não percebem o dia estar findando.
Ao entrarmos no vasto recinto, gritam em altos brados: “Bem-vindo sejas, Pai verdadeiro e justo, pois nos supriste de ali- mentos e vestes. Rendemos-Te todo amor, que de modo algum sentimos pelos pais. Nunca nos fizeram algo de bom, a não ser ali- mentar-nos em excesso, para conseguirem preço mais alto em nossa venda. Nosso desejo se prende à compreensão deles, pois é injusto se vender a prole como se faz aos animais; mas, como encontramos um pai tão bondoso, perdoamos o ultraje recebido e tu, traficante Hibram, poderás dar-lhes tal recado, caso corra em tuas veias uma gota de sangue honesto!”
Lázaro e Agrícola muito se admiram da energia de tais pa- lavras, pois Eu lhes dera o dom de compreender seu idioma, para melhor entendimento. Podia ter feito o mesmo com os jovens, en- tretanto não seria em seu benefício; uma perfeita noção idiomática inclui os erros, expressões impróprias, pecados e vícios. Integran- do-se pouco a pouco no idioma romano com a ajuda de Agrícola,
que os levaria a Roma, orientando-os na Minha Doutrina, teriam proteção contra a deturpação romana.
Após ter Hibram dado promessa formal de cuidar dos compa- nheiros jovens que ficariam na pátria distante, e de ele também não mais se entregar ao tráfico — Eu proponho sairmos ao ar livre. To- dos nos seguem e os adolescentes se extasiam diante do crepúsculo.
Um deles, bastante inteligente, se externa: “Realmente, neste tão belo e quente país, devem as criaturas estar mais próximas do bom Deus do que em nossa pátria. Lá a época de calor é curta e o inverno longo, a água se torna gelo dando cunho de tristeza à pai- sagem; por isto, as criaturas estão mais ligadas ao deus do mal; não se respeitam, nem se amam e cada qual trata de prejudicar o seu semelhante. O mais forte é senhor inclemente do fraco, obrigando-o a fazer serviços pesados sem pagamento. Tu, Hibram, és igualmente pequeno déspota em nossa terra; não permitas a sedução ao deus do mal, não lhe faças oferendas, e sim rende homenagem ao bom Deus daqui, que nosso país se tornará igualmente inundado de luz e calor.
A meu ver, é o bom Deus muito mais poderoso que o outro, capaz de fazer pedra da água, sem poder dissolvê-la. Aqui encontras- te Deus verdadeiro; aceita-O no coração, faze-Lhe tuas oferendas, que Ele abençoará nosso vasto país.”
Profundamente sensibilizado, Hibram promete seguir o seu conselho. Ao mesmo tempo chama a atenção dos demais a fim de procurarem se aproximar mais intensamente de Deus Único, e caso alcançassem conhecimento integral, deveriam levá-lo aos conterrâ- neos. Todos concordam e o jovem orador prossegue: “Tão logo es- tivermos de posse da Bênção do Verdadeiro Deus, conforme sucede aos habitantes daqui, facilmente acharemos o caminho de volta à pátria, pois Seu Espírito nos guiará. Do contrário, isto jamais seria possível, porquanto fomos transportados durante quatro dias, de olhos vendados e ouvidos tapados com barro. Desisti desse hábi- to perverso; é algo horrendo ser-se obrigado a deixar a terra natal, ainda que hostil, como escravo surdo e cego. Não te esqueças disto, Hibram, pois teu domínio se estende por vastos territórios!”
Em seguida, o jovem se dirige a Mim com expressão amo- rosa: “E tu, nosso bondoso pai, dotado de poder e força de Deus, aconselha igualmente Hibram a mudar de tratamento para conosco, pois parece considerar-te muito. Além disso, peço-te misericórdia para com todos os habitantes de nossa pátria, que muitas vezes se alimentam apenas de carne seca de animais ferozes e peixes. Se com isto tiver feito um pedido impróprio, podes castigar-me, pois não te faltam poderes para tanto!”
Digo Eu: “Que absurdo! Jamais castiguei um ser, porquanto cada um se pune a si mesmo — muito menos poderia fazê-lo con- tigo em virtude de teu coração bom e nobre. Afirmo-te: dentro de sete anos voltarás ao teu país e de teu sangue surgirá uma raça que guiará, em Meu Nome, as vastas regiões do Norte durante mais de mil anos. Teus descendentes posteriores não manterão a regência, por se tornarem brutos e dominadores. Não deves por isto afligir-te; saberei escolher chefes úteis ao Meu Regime. O reino sempre será o mesmo, com poucas modificações; em épocas futuras, os soberanos não habitarão a Ásia e sim a Europa. Por isto, sede todos diligentes, aprendei o Bem e a Verdade e implantai a Minha Doutrina nos países nórdicos!
Não importa ser o inverno a estação dominante; se vossos corações se aquecerem pelo amor a Deus e ao próximo, os rios con- gelados derreter-se-ão, trazendo grande benefício ao país. Preciso é vos instruirdes com os que vos levarão a Roma, pois dentro de sete anos voltareis bem orientados. Achando-vos novamente na pátria, fazei o bem aos que vos prejudicaram, compreendestes?” Todos res- pondem afirmativamente, prometendo agirem desse modo.
Digo Eu: “Então, tendo alcançado um bom objetivo, po- demos voltar!” Ao entrarmos na casa, deparamos com Hélias numa controvérsia agitada com o anjo.
Ao Me sentar à mesa, aviso a Raphael e Lázaro estarem os hóspedes a caminho do albergue e deveriam ser acomodados em suas tendas e não nos recintos da hospedaria.
Diz o último: “Senhor, já esta escurecendo — como arranja- remos iluminação apropriada para as tendas? Minhas lâmpadas não dão para supri-la.”
Digo Eu: “Para tal fim terás a ajuda de Raphael, como fez no almoço. Vai, pois eles já estão chegando.” Ao se dirigir com o anjo para as tendas, Lázaro já as encontra iluminadas e as mesas supri- das de tudo. Nisto se aproximam os empregados e perguntam onde Lázaro havia arranjado a boa ceia, pois eles ignoravam tal estoque.
Diz ele: “Por que não vos interessais por aquilo que ocorre em minha casa? Nós sabemos de onde veio tudo isto, enquanto nada percebeis! Quem é Aquele que há quatro dias mora aqui com Seus discípulos?”
Respondem alguns: “Ah — o profeta da Galileia! Nossa fal- ta é perdoável, pois andávamos sempre muito atarefados e também seria importuno fazermos perguntas. A partir de agora, prestaremos mais atenção, já que não te aborreces com isto.”
Diz Lázaro: “Está bem; agora dedicai-vos à vossa tarefa, a fim de que todos recebam uma boa ceia.” Entrementes, um dos hóspedes pergunta a Lázaro como podia prever o número exato de acomodações para todos, pois em outras hospedarias nunca se dava tal fato! Algo surpreendido, Lázaro apenas convida o visitante a sen- tar-se na tenda próxima e, caso ele insista, receberá resposta. Um outro se externa favoravelmente quanto ao bom paladar dos pratos e bebidas. E um grego está pronto a pagar bom preço pelo segredo culinário. Lázaro, receoso quanto à resposta a dar, dirige-se ao anjo nesse sentido.
Diz Raphael: “Deixa o assunto por minha conta, pois fa- cilmente poderias dizer demais ou de menos.” Após terminada a ceia, os comerciantes pagam a despesa e voltam à cidade; somente o
primeiro grupo começa novamente a importunar Lázaro. Resoluta- mente ele diz: “É claro não haver hospedaria igual à minha; todavia, terá todo tavoleiro seus segredos, que por preço algum deseja exter- nar. Esse jovem, porém, poder-vos-á esclarecer o necessário; portan- to, dirigi-vos a ele!”
RAPHAELEOS GREGOS
Deste modo orientado, o grego se vira para Raphael, pedindo que se expresse. O anjo diz: “Meus caros, isto não é tão fácil como julgais. Pois em nossos livros — também de vosso conhecimento — consta: A terra de Canaan é dada aos filhos de Jehovah, onde habita- rão deuses. Assim sendo, encontrai-vos no país dos deuses, portanto o convívio não é de simples criaturas. Caso pretendais algo junto dos deuses, preciso é pedir-lhes, do contrário eles se calam e nada mais transmitem em ensinamentos e conselhos. Compreendestes?”
Um tanto admirado, o grego responde: “Meu jovem judeu, segundo me parece, vossa origem divina não tem boa base, pois do contrário os romanos não vos teriam subjugado! Não importa tu te orgulhares das Escrituras, porquanto como judeu inexperiente pre- tendes ser algum deus. Contudo, posso externar meu pedido pelo segredo culinário!”
Diz o anjo: “Nada disso, meu amigo, pois te tornaste mal-
-educado e nós, deuses, não toleramos a má educação. Vós, huma- nos, tendes que vos orientar conosco e não vice-versa; pois podemos muito bem viver eternamente sem vossa ajuda — vós, não! Com- preendestes?”
Diz o grego: “Oh sim, e concluímos seres tu adolescente pe- culiar! Já que afirmas tua divindade — dá-nos uma prova da menor, e saberemos tratar-te de acordo. Apenas com palavras jamais um ho- mem se poderia manifestar como deus ao semelhante, mas pela ati- tude que poderia ser considerada divina, dentro do testemunho de cientistas e magos. Terias compreendido isto como pretenso deus?”
Responde Raphael: “Com tua retórica grega, nada alcançarás comigo. Possuo poder e força divinos e não tenho medo de pessoa alguma. Quem desejar receber algo terá que me pedir de coração puro e humilde!”
Diz o grego: “Já percebemos seres rapazola intempestivo e nada se consegue com todo raciocínio humano, com referência aos teus segredos! Desempenhas muito bem o papel divino; podes con- tinuar assim, que serás um dia um homem célebre. Se realmente fores dotado de força onipotente como judeu, não podes ser amigo dos romanos. Com facilidade poderias expulsá-los da noite para o dia. Por que suportas suas leis severas?”
Diz Raphael: “As leis romanas são severas, porém justas e servem de proteção aos judeus bem intencionados, contra os que se dizem como tais, entretanto não o são, muito menos filhos de Deus. Deste modo são os romanos nossos amigos e mantêm boa disciplina entre as criaturas pervertidas deste país como de outros; por isto, protegemo-los e não pretendemos expulsá-los. Dar-vos-ei pequena prova que nós, caso fosse necessário, somos capazes de dispersá-los como palha ao vento — atenção, pois!”
UMMILAGREDE RAPHAEL
Nisto, o arcanjo apanha uma pedra de dez libras, dizendo: “Julgo ser esta pedra bastante grande e pesada para vos dar um exemplo convincente!” Diz o grego: “Não resta dúvida, mas que será?” Responde Raphael: “A fim de que não afirmeis ser eu mago excepcional, quero que todos vós analiseis a mesma.”
Após se terem certificado tratar-se de uma pedra real, os gregos a devolvem a Raphael, e o primeiro orador diz: “Que farás, então?” Prossegue o anjo: “Apanhai não só esta, mas várias outras, idênticas, para conhecerdes nosso poder divino. Contudo, nada vos acontecerá!” Eles procuram pedras semelhantes e as seguram nas mãos, como se pretendessem apedrejar o jovem. E o anjo diz: “Não
toco em nenhuma; tão logo disser: Dissolvei-vos em elemento eté- reo e original!, nenhum grão de poeira subsistirá em vossas mãos!”
Diz o grego: “Jovem amigo, estás gracejando! Não restará poeira, mas sim as pedras todas, que passarão ao éter porque as apa- nhamos do solo e as lançamos ao ar. Tenho razão ou não? Permites que as atiremos contra ti quando as tiveres dissolvido pela vontade?”
Responde Raphael: “Como não? Cuidado, porém, que não venham a sumir! Quero que se destruam! Podeis começar a atirá-las contra mim!”
Aparvalhados, os gregos se entreolham, e o primeiro diz: “Meu jovem, entendes mais que nós, homens de vastos conheci- mentos! Como te foi possível a destruição momentânea?”
Responde o anjo: “Estais longe de compreendê-lo; disse-vos antecipadamente estardes lidando com judeus íntegros, portanto com filhos de Deus, dotados de Poder Divino e senhores imortais da Natureza. Assim, não tememos inimigos e soberanos do mundo. Quem algo quiser de nós terá que pedir com humildade.”
Diz o grego: “Como chegastes a tal ponto? Sois humanos como nós!”
Responde Raphael: “Pelo fato de termos procurado apenas os conhecimentos puros e verdadeiros de Deus Único, desprezando as coisas do mundo. Assim recebemos os tesouros reais e vivos do espírito e sua força, jamais destrutíveis e de constante acúmulo, ao invés dos bens perecíveis.
A fim de se conseguir os tesouros vivos do espírito, preciso é receber-se meios e orientação do Deus Verdadeiro, fato ocorrido com os patriarcas, mormente Moysés e os demais profetas e doutri- nadores. Quem aplicava tais recursos e caminhava na estrada indi- cada fazia jus à Filiação Divina e atingia a força interna do espírito. Como isto nunca se deu convosco, desconheceis o Deus Verdadeiro, Seus filhos nesta Terra e o que podem realizar.”
Diz o grego: “Por que não nos demonstrou tais caminhos e meios, pois somos tão humanos quanto vós? Possuímos inteligên- cia, raciocínio e sempre fomos considerados o povo mais culto da
Terra. Não nos cabe culpa de não termos a mesma força espiritual dos judeus.”
Responde Raphael: “Não é bem assim, meu amigo! Gre- gos, romanos e os antigos egípcios se encontravam anteriormente no ponto em que alguns judeus de hoje ainda se acham. Abandonaram o Deus Único, como fazem muitos de nossos conterrâneos, sendo por Ele igualmente abandonados em seus prazeres vãos e fúteis.
Se porventura quiserem retornar a Deus, Ele os aceitará, demonstrando-lhes novamente os antigos meios e caminhos pelos quais poderão se tornar judeus justos e filhos de Deus. Em tempo oportuno serão enviados mensageiros e doutrinadores a todos os po- vos para tal fim — e felizes os que lhes derem atenção!”
Insiste o grego: “Por que não sucede isto agora?” Responde Raphael: “Por vos encontrardes cheios das coisas mundanas. Quan- do delas vos despirdes, amadurecendo pelas aquisições do espírito, merecereis as mesmas atenções. Agora basta sobre o assunto; talvez prossigamos amanhã!”
Conjectura o comerciante: “Pretendíamos partir amanhã, porquanto vendemos toda a mercadoria; em atenção a ti, ficaremos até à tarde, pedindo alguns esclarecimentos espirituais para levá-los à Grécia. Talvez também consigamos orientação acerca do preparo excepcional dos alimentos!”
Diz o anjo: “Vamos ver; julgo, todavia, que por ora enten- dereis tão pouco do assunto, como assimilastes o porquê da destrui- ção das pedras. Contudo, haverá coisas mais importantes a ouvir. Se isto te agrada, poderás voltar, mas não para aprender a arte culinária, pois já disse seu mistério.”
Diz o grego: “Interessa-me o conhecimento e não a matéria. Voltaremos amanhã quando todos os hóspedes tiverem partido, pois à noite será difícil se descer da montanha.”
Diz Raphael: “Ela estará iluminada, de sorte a ser fácil a descida, portanto ide em Nome do Deus Verdadeiro!” Os homens seguem caminho e dentro em breve chegam às barracas; quase não conseguem dormir, em virtude dos fatos ocorridos. De manhã
aprontam tudo para a viagem; todavia, a protelam para o dia se- guinte. Deixemo-los em suas conjecturas e voltemos ao refeitório onde todos se acham à mesa.
ANATUREZADERAPHAEL.OBENEFÍCIODA PACIÊNCIA
Ao entrar no refeitório, Lázaro se apronta para uma descrição minuciosa acerca daquilo que ocorrera com os gregos. Interrom- po-o, porém, dizendo: “Meu irmão, poupa-te o trabalho; sabemos de tudo. Aqueles gregos são uma boa conquista para a causa, mas necessitam de muito preparo. As duras pedras pagãs da dúvida têm de ser dissolvidas, conforme foi feito por Raphael com as da matéria; só então se prestarão como arautos em seu país. Agora sentai-vos à mesa; tão logo estiverdes satisfeitos, iremos ao ar livre onde, até altas horas da noite, ser-vos-á demonstrada muita coisa da Esfera Glorio- sa de Deus; já tendes a necessária maturação para suportar revelações divinas mais elevadas, e esta noite será tão favorável como nenhuma.”
Aproxima-se Agrícola e diz: “Meu Senhor e meu Deus, quei- ra dizer-me quem é esse jovem estranho! Já Te fiz tal pergunta e Tu me asseguraste que eu haveria de descobri-lo. Nada disto aconteceu; ele come e bebe, e isto com maior apetite do que nós, quando adqui- re expressão inteiramente humana; mas ao falar e agir, tudo muda de aspecto; não admite gracejos e realiza coisas estonteantes, muito embora tenha eu vastos conhecimentos e pertença à casta religiosa.
Como alto funcionário do Governo Romano fiscalizo princi- palmente o clero, e adquiri conhecimento total de todas as religiões, de modo a se explicar por que me fiz orientar no judaísmo. Não há segredo que não me fosse revelado e lidei com homens, jovens e idosos que faziam paralisar o meu raciocínio bem formado.
Nada se compara a esse jovem, cujo aspecto feminino, pelo critério romano, não dá prova de um grande espírito. Os tais Adônis e Vênus são considerados os mais ignorantes, e as exceções são raras. Este é o mais belo que já vi e se usasse roupas femininas, seria a moça mais atraente da Terra. Todavia, possui ele um espírito tão elevado,
a ponto de conseguir o mesmo que Tu. Vês, Senhor, não poder eu reprimir a curiosidade e podes usar de franqueza.”
Digo Eu: “Meu caro, se Eu fosse acometido de qualquer fra- queza humana, dir-te-ia sem rodeios a identidade desse jovem; como sei desde eternidades o que seja mais benéfico a cada criatura na es- fera de sua evolução psíquica, jamais pronuncio uma palavra sequer que, dentro de alguns dias, não tencionasse manter; assim sendo, fica estabelecido que irás reconhecer esse adolescente por ti mesmo.
Ouviste ser a paciência uma Virtude de Deus no homem, devendo ser fortalecida e formada ao lado de outras, caso a criatura pretenda chegar à perfeição interna da vida. Quero, pois, que tua paciência temporize rigor e zelo excessivos. Eis o motivo por que não digo o que te aflige, pois a paciência é para o homem como a chuva macia para a Terra. Abranda os desejos ardentes no coração humano, a fim de que não degenerem em paixões intempestivas, arrasando, às vezes, a alma. Compreendendo-o a fundo, equilibra-te na paciência, e a viva sede de teu coração será satisfeita.”
Diz o romano: “Senhor e Mestre, nem o homem mais sábio do mundo poderia contestar-Te, por seres Amor, Sabedoria e Verda- de plenos. Um deus que se deixasse comprar qual fruteiro da Grécia, seria homem fraco e ninguém poderia confiar nele!”
Digo Eu: “Falaste certo; continua deste modo, pratica a pa- ciência, que em breve chegarás à luz interna da vida! Os romanos consideram o velho ditado pelo qual se deve correr devagar, o que nada mais é senão aplicar a paciência. Agora vamos ao ar livre!”
OFENÔMENOLUMINOSODASDEZ COLUNAS
Todos Me acompanham e admiram a organização das inú- meras tendas; entretanto, chama a atenção uma nuvem incandes- cente em forma de coluna a subir sem parar e dando a impressão de tocar as próprias estrelas! Dentro em pouco tem a claridade da Lua, iluminando quase a zona toda. Todos Me perguntam o que vem a ser isso.
Digo, pois: “Paciência, Meus amigos, ainda virão outras! Só então trataremos de sua origem e finalidade. Tende a máxima aten- ção ao que acontece, pois os profetas já disseram que nesta época se dariam fenômenos, não só na Terra como no Céu. Cumprem-se, deste modo, as antigas profecias! Atenção!”
Novamente todos se viram para Leste onde aparece outra co- luna, atingindo igualmente a luz lunar, clareando mais o local. Nem bem se passam alguns instantes, surge a terceira, vista não só por nós, mas por muitos em Jerusalém, no país todo, fazendo-se ouvir um intenso rumor.
Nisto, Lázaro Me diz: “Senhor, se isto demorar, o Monte ficará superlotado dentro em pouco. Seria conveniente fechar-se o portão!”
Digo Eu: “Não te preocupes enquanto Eu estiver contigo, pois sem Minha Vontade, nem uma só mosca entrará neste quintal, muito menos qualquer pessoa! Tem cuidado — surgirão ainda mais sete colunas idênticas!”
Quando termino de falar, aparecem a quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, nona e décima colunas, em distâncias regulares, irra- diando tamanha claridade que se projeta às margens do Mar Medi- terrâneo, à Ásia Menor e às terras longínquas do Euphrates.
A confusão na cidade é completa; os pagãos consideram o fenômeno de mau agouro, enquanto os judeus falam do Dia Final. Certos interpretadores determinam dez anos de prosperidade; ou- tros, o contrário, consequência de grande estiagem.
Um velho rabi, porém, grita pelas ruas: “Trata-se da Chegada do Messias, e as dez colunas são símbolos de Seu Poder; o surgi- mento vindo do Levante prova que Ele de lá se encaminhará para Jerusalém!” Este homem, porém, não é ouvido, mas ridicularizado, e alguns fariseus lhe dizem: “Chega de tolices messiânicas, pois de há muito pretendes ver o Messias em cada nuvem iluminada pela Lua. Há poucos dias, por ocasião do eclipse lunar, afirmavas o mesmo absurdo, ao passo que os essênios sabidos o haviam calculado há um ano atrás. Essas colunas têm aspecto deslumbrante e nada mais são
que produto da arte essênica. Procura-os, que saberão dar cabo de teu Messias!”
Não se perturbando com essa explicação racional, o rabi prossegue em voz alta: “Podeis falar o que quiserdes, mas dentro em pouco teremos a prova se disse a verdade! Deus não liga para afir- mativas de pessoas como vós, e sim às Suas Próprias Profecias trans- mitidas pelos Seus eleitos. Tende cuidado em não serdes apanhados por um demônio! Como é possível ridicularizardes um velho rabi?!” Esses fatos são por mim relatados no Monte; Lázaro e os apóstolos opinam ter sido ultraje o que a mocidade fizera ao rabi.
Digo Eu: “Em parte tendes razão; o velho é raposa ladina do Templo e aproveita momentos como esses para anunciar o Mes- sias e extorquir algumas oferendas. No fim, fica satisfeito quando sua predição não se realiza; neste país rico em fenômenos naturais, se aproveita tudo para a política templária. A mocidade de Jerusalém, bastante dissoluta, o enfrenta em tais ocasiões, de sorte que ambos os partidos se equilibram. Digo mais: será mais fácil aos jovens ade- rirem a Mim do que aquele velho, pronto para suas mistificações lucrativas, pois no fundo não tem fé. Deixemos esse assunto; o fe- nômeno terá seu efeito estrondoso! Acaso não ouvis as trombetas das ameias do Templo? Provam estarem acordados os templários, indecisos quanto às medidas a serem tomadas. Por isto fazem cha- mar todos os fariseus e escribas que moram fora do Templo, a fim de resolverem o aproveitamento da aparição. Assim que tiverem dado explicação radical ao povo que se aglomera nos portais, modificarei a aparição, levando os sacerdotes a outras conjecturas e mentiras. A importância da aparição vos será explicada no final. Agora, con- tinuai a observar o cenário. Dentro de um quarto de hora, tudo se modificará e o espetáculo será formidável!”
Exclama Agrícola ao Meu lado: “Que cegueira incompreen- sível a dos judeus! Lá correm eles para o Templo, enquanto nós, pagãos ignorantes, nos encontramos na Fonte Original da Vida, da Luz e da Verdade eternas! Nós, evidentemente os últimos, somos os primeiros — e os filhos de Abraham se portam como suínos a voltarem ao lamaçal! Eis uma Graça imerecida, Senhor! Somente Tu saberás o resultado.”
Digo Eu: “Não será dos piores! Chegou o momento de se le- var a esses agiotas do mundo um grande embaraço através de meios externos, no que perderão no conceito popular. Concluíram, em breves traços, no sentido de representarem as dez colunas os dez troncos de Israel fiéis ao Templo, que extirparam os dois — samari- tanos e galileus — e que todo judeu se vilipendiaria por um ano caso mencionasse um desses troncos. E o povo bate no peito e jura jamais pronunciar os seus nomes. Agora prestai atenção: surgirão mais duas colunas e então vereis o alvoroço!”
Dito e feito: aparecem a Leste duas colunas maravilhosas a um só tempo, e de luz dez vezes mais forte que as anteriores em conjunto. Uma ao lado direito e outra ao lado esquerdo proje- tam sua claridade até a Europa e na retaguarda atinge quatrocen- tas milhas.
A confusão é total entre a multidão e os templários. Nova- mente ouvem-se as trombetas do Templo, a fim de despertarem número maior de conselheiros, não obstante já terem aparecido to- dos os sacerdotes das redondezas de Jerusalém. Ninguém mais se apresenta, entretanto inicia-se novo conselho. O sinédrio, porém, não sabe interpretar a última aparição, por se ter enganado com a primeira.
Agitado, o povo clama: “Eis os dois troncos por vós classifi- cados de desprezíveis! Se não for assim, declarai-nos o porquê, do contrário exigiremos a devolução das oferendas!” Lentamente os sa-
cerdotes são tomados de pavor, e um judeu resoluto dirige-se a eles: “Caso não fordes capazes de nos dar explicação razoável no momen- to de tão grande perturbação, dispensaremos vossa ajuda futura! Só entendeis exigir sacrifícios e expulsar do Templo homens sábios; mas agora que o Julgamento Divino ilumina as vossas atitudes, estais calados quais múmias! Atirai as pedras do Templo e a água maldita contra aquelas colunas luminosas, e veremos se curvar-se-ão diante de vosso poder sacerdotal!”
Eis que se apresenta um chefe templário, dizendo: “Tende um pouco de paciência! O sumo sacerdote já se encontra orando no Santíssimo, de vestes rasgadas, e caso seja preciso, dar-lhe-emos nossa colaboração. É necessário não desesperardes quando Jehovah nos procura com uma praga, certamente merecida por todos. Em vez de nos cumular de ameaças, é preferível orardes a Deus, pois na aflição pode qualquer um pedir com resultado!” Mais calmo, o povo começa a fazer preces, enquanto os sacerdotes se afastam para resol- ver a situação aflitiva. Como nada consigam, seu pavor aumenta; o contraste é estranho entre eles e o povo, e os que se haviam refugiado Comigo; os Meus companheiros se extasiam diante do maravilhoso aspecto das colunas — e no Templo reina a pior confusão.
Nicodemus, que também lá estava, é consultado a respeito e diz: “Nunca levastes em consideração qualquer opinião minha, alegando eu simpatizar com os galileus, de sorte a achar dispensável manifestar-me. Se Jehovah determinou um grande castigo ou o ani- quilamento total, todo parecer humano é fútil e nossa profissão ter- minará. Caso quiser fazer-nos apenas uma última advertência para contrição verdadeira, saberemos por um profeta qual a medida a tomar. Considerai, porém: assassinastes Zacharias, profeta! O pre- gador e batizador do Jordão foi decapitado por vosso intermédio, no cárcere de Herodes. Surgiu outro sábio da Galileia que há três dias doutrinou no Templo, e como sua pregação fosse justa, queríeis apedrejá-lo. Se pretendeis usar de tais recursos com todas as criaturas compenetradas do Espírito de Jehovah, nem Ele vos poderá dar con- selho — muito menos eu — para impedir o aniquilamento certo!”
Diz o sumo sacerdote, presidente do Conselho: “Quem po- deria provar terem sido tais homens verdadeiramente inspirados por Deus?”
Responde Nicodemus: “Igual a ti perguntaram em tempos remotos os maiorais do Alto Conselho, e o resultado foi o apedre- jamento ou sufocamento dos profetas, posteriormente reconheci- dos. Isso sendo fato incontestável, a Paciência do Senhor deve ter chegado ao fim, o que provam as dez colunas, paulatinamente mais luminosas e grandiosas! Que coisa extraordinária! Estamos em plena noite, tão clara como à luz do meio-dia! Voltarei junto dos meus a fim de acalmá-los! Como nada de útil faço aqui, prefiro morrer em casa do que entre paredes tão seguidamente ultrajadas!”
NICODEMUSEMCASADE LÁZARO
Em seguida, Nicodemus procura alcançar secretamente a casa de Lázaro, em virtude da alteração popular, mas, ao lá chegar, depara com grande multidão a rodear o albergue, igualmente espe- rando dele conselho para seu proceder. Por isto ele resolve subir o Monte, a fim de se orientar com Lázaro. Mas, ao passar pelo grande portão, um guarda lhe pergunta qual seu intento, e se sabia dar ex- plicação do fenômeno singular.
Nicodemus, amável, lhe responde: “Eis o motivo por que estou à procura de meu amigo, que nesta época é geralmente encon- trado no grande albergue do Monte. Muito entendido em tais as- suntos, por certo me poderá prestar informações precisas. De qual- quer modo, posso afiançar-te, como decano de Jerusalém, ter essa aparição algo de bom para os bons, e prejuízo para os maus. Por isto tem calma, pois nada de mau sucedera a nós ambos!”
O guarda agradece pelas palavras confortadoras e Nicodemus sobe o Monte e se admira de encontrar grande número de pessoas alegres e satisfeitas com a visão do fenômeno. Entrementes, viro-Me para Lázaro: “Ouve, teu amigo Nicodemus vem aí tomado de pavor,
para consultar-te. Recebe-o, e Eu te inspirarei o que deves dizer, mas não Me denuncies!”
De longe, Nicodemus avista o amigo e lhe diz: “Perdoa-me eu te visitar a essas horas; por certo compreenderás qual o motivo! A confusão na cidade é total; eu mesmo fiquei quase uma hora no Alto Conselho e fui assediado por todos os lados! Falei-lhes às claras, sem conseguir grande efeito! Que se pode fazer? Nada se arranja com os sacerdotes do Templo. Se tiveres tempo, poderias me informar se em tuas viagens pela Pérsia e Arábia viste coisa semelhante. E em caso afirmativo — quais foram as consequências?”
Diz Lázaro: “Não permitas que esse fenômeno maravilhoso venha a produzir um peso em teu coração; pois ele não é portador de efeitos prejudiciais para os que mantêm fé e fidelidade para com Deus, respeitando Suas Leis! Aos apóstatas, representa boa advertên- cia e prova continuar Jehovah Vivo e Poderoso, podendo castigar os pecadores quando quiser. Sob este ponto de vista, a aparição nada tem de temerosa! Vê essa multidão que assim a considera, e sua ati- tude de calma e coragem provam o que digo.”
Responde Nicodemus: “Sim, tens razão e muito confortaste o meu coração; entretanto, nada me disseste se em tuas viagens ob- servaste coisa semelhante!”
Diz Lázaro: “Nunca! Já vi determinados fenômenos, tanto de dia quanto à noite, que à primeira vez tonteiam; de acordo com a repetição, perdem sua impressão especial. O daqui assustaria os árabes mais corajosos; jamais foi vista coisa idêntica, a não ser por um profeta em êxtase, conforme consta de Kenan, Henoch, Moysés, Elias e Daniel. Mas com olhos físicos, jamais. Presumo que o fenô- meno se transformará dentro em pouco.”
Diz Nicodemus: “Achas, realmente?” Responde Lázaro: “Claro, pois conforme as colunas estão aumentando, não ficarão até o desaparecimento!” Opõe Nicodemus: “Então o alvoroço será tre- mendo! Que será de tuas irmãs? Certamente sucumbirão de pavor, assim como a minha família!”
Diz Lázaro: “Não te preocupes! O Senhor não permite que os Seus sucumbam, sejam os acontecimentos quais forem. Tudo que acontece reverte em benefício e salvação das criaturas.”
NICODEMUSEMPALESTRACOM LÁZARO
Diz Nicodemus: “Tens razão, meu amigo; quem confia no Pai nada de prejudicial passa, não obstante às vezes não possamos registrar cuidado especial por parte Dele no tocante às provações. Isto já ocorreu comigo por várias vezes, de sorte que durante fenô- menos sou qual criança temerosa do fogo, porque o conhece por ex- periência. Certa feita fui atingido por um raio que me fez perder os sentidos, deixando dores consideráveis no meu corpo. Noutra oca- sião, fui apanhado por um tufão que me suspendeu a vários metros para depois atirar-me por terra. Por duas vezes naveguei entre vida e morte no Mar Galileu durante cinco horas, e noutra oportunidade, minha mula mansa e adestrada desandou a correr até cair desfaleci- da, e isto porque se assustara com forte temporal.
Esses e outros acidentes me atingiram como efeito de fenô- menos naturais, de sorte que sou tomado de medo quando vejo algo de extraordinário. O mesmo acontece agora, quando as doze colu- nas descomunais de fogo ameaçam destruir a Terra. Tenho fé em Deus, confio Nele e em Sua Proteção, mas não tinha vontade de estar perto do fenômeno.”
Diz Lázaro, inspirado por Mim: “Podes estar certo de que ninguém na zona do Euphrates levará prejuízo. Mas presta atenção: as dez colunas começam a se juntar, enquanto as laterais continuam imutáveis! Neste momento se congregam duas a duas, de sorte a formarem apenas cinco, sem que isto altere sua luz!”
Conjectura Nicodemus: “Essa estranha modificação parece dirigida por um ser inteligente, pois de modo geral costumam tais fenômenos movimentar-se sem orientação. Basta lembrar as forma- ções de nuvens e o projetar sem nexo dos raios. Aqui se poderia acre- ditar tratar-se de magia essênica; essas pessoas têm suas organizações
espalhadas por toda Ásia e dispõem de grandes invenções. Olha só! Agora as cinco também se unem rapidamente, tornando-se uma só! Será motivo de desespero para os templários!”
Diz Lázaro: “Qual nada; muitos começam a responsabilizar magos hindus em virtude do planejamento ordenado do fenômeno.”
Indaga Nicodemus: “Qual teu parecer a respeito? Se bem que poderia ser produção mágica, também poderia se basear na Vontade de Jehovah, como advertência para os judeus ou algum outro pla- no oculto!”
Diz Lázaro: “A quem te referes?”
Responde o amigo: “Ao Salvador milagroso de Nazareth! Se- gundo me parece, Ele esteve por duas vezes no Templo onde proferiu umas boas verdades, a ponto de os fariseus O quererem apedrejar. Ele então Se afastou e talvez não esteja longe do local da aparição. Infelizmente não tive oportunidade de procurá-Lo desta vez, pois sabes das intenções do sinédrio. Mas não importa. Acredito Nele e em Sua Missão, entretanto não posso externar-me em Jerusalém. Que me dizes?”
Responde Lázaro: “Não compreendo teu medo de pronunciá-Lo como Messias, quando isto é tua convicção. Se for o Messias Anunciado pelos profetas, é evidentemente Jehovah em Pessoa. Qual seria o poder do mundo contra Ele? Porventura não poderia dizimá-lo com um simples hálito, tão logo se Lhe esgotas- se a Paciência? Compreendo teres tu, pela primeira vez, procurado contato durante a noite; desde então, aqui esteve seguidamente, sem que Dele te achegasses, nem de dia, nem de noite. Serás desculpado, caso não acredites convictamente ser Ele o Messias Verdadeiro, e podes remediar tua falta!”
Diz Nicodemus: “Tens toda razão; mas que fazer quando se é membro do Templo e não há meios para impedir os seus abusos?! Muitas vezes sou forçado a uivar com os lobos e desviá-los das ove- lhas, para que não sejam estraçalhadas. Por isto não me foi possível ocupar-me do Messias como Ele merece, assim como, há quase dois anos, também não pude procurar-te como amigo a toda prova. O
profeta João Baptista e o Salvador de Nazareth muito preocupam o Templo, e medidas definitivas para seu aniquilamento são tomadas quase todas as semanas, pelo Alto Conselho convocado para tal fim. Até hoje não surtiram efeito devido à crença popular no grande pro- feta e no próprio Messias.
O mais estranho é a forte influência exercida nos romanos, que não lhe impõem restrições na divulgação de Sua Doutrina. Para mim isto representa prova insofismável da genuinidade de Sua Missão. Não me poderias dizer o Seu paradeiro, pois teria ensejo de procurá-Lo?”
Diz Lázaro: “Amigo, observa as três colunas de fogo; as la- terais começam a se movimentar; e, neste instante, a da zona Sul se uniu à do Centro. A outra parou, vendo-se apenas duas, de luz tão forte como as anteriores. Não posso imaginar a luz do dia mais forte que esta; apenas o firmamento é mais escuro e no Poente veem-se algumas estrelas maiores. Vê o movimento na cidade! Os morado- res subiram nos próprios telhados, para observar o fenômeno! Eis que a outra coluna se juntou à maior, restando apenas esta!” Diz Nicodemus: “Que acontecerá agora?”
NICODEMUSDIANTEDO SENHOR
Nem bem Nicodemus acaba de falar, a última coluna se eleva do solo e sobe tão rapidamente, que dentro em poucos minutos de- saparece, fazendo-se noite escura. Ele então diz: “Está vendo? Onde ficou a aparição e qual sua finalidade? Foi evidentemente permitida por Deus, pois não existe poder humano capaz de fazê-la surgir das profundezas. Ó sapiência humana, és tão frágil e inexperiente qual criança recém-nascida. Que me dizes, Lázaro? Se foi um aviso de Deus, temos que aguardar fatos incomuns; como emanação de ele- mentos do ar e da terra, nada de bom nos espera!”
Diz Lázaro: “Sei tanto quanto o amigo! Mas deixemos isto! Observa a grande multidão atrás das tendas; lá haverá certamente al- guns mais entendidos no assunto! Vem comigo, que te apresentarei à pessoa indicada!”
Diz Nicodemus: “Se ao menos pudesse passar despercebido, a fim de não ser denunciado no Templo!”
Diz Lázaro: “Não há motivos para preocupação. Quem está em minha companhia é inimigo do sinédrio, por ter encontrado templo melhor!” Só então Nicodemus resolve acompanhá-lo. Ao Me ver, para assustado, pois não esperava encontrar-Me aí.
Adianto-Me e lhe estendo a Mão, dizendo: “Por que te assustas como se fosse Eu um fantasma?! Pretendias seguir-Me tão logo che- gasses a saber o Meu paradeiro! Acaso não estás satisfeito com isto?”
Responde ele: “Certamente, Senhor; todavia, és o Santo de Deus, e eu pecador do Templo! Isto oprime o meu coração e me tira a coragem para falar-Te!”
Digo Eu: “Caso te demonstre um pecado, podes pedir-Me perdão! Não havendo motivo para tal, podes falar sem receio. Qual teu parecer acerca do fenômeno, pelo qual os templários estão discutindo?”
Diz Nicodemus: “Foi algo inédito desde o começo do mun- do. Naturalmente sabes melhor do que nós a sua significação, por isto desejo perguntar-Te. Segundo me parece, podes ter sido a causa, pois há um ano atrás deu-se fato semelhante em Cesareia durante Tua Presença, ocasionando o incêndio daquela cidade; mas Tu Te encontrando aqui, não há motivo para temores. Todavia, deve haver explicação e ninguém melhor do que Tu poderia dá-la.”
Digo Eu: “Foi Minha Vontade, portanto Minha Obra; pos- teriormente teremos tempo para conjecturas. Não te alteres, pois aquele fenômeno não foi o último a se apresentar nesta noite. Só depois surgirá a explicação. Erguei vossos olhos para verdes o quadro que se segue!”
APARIÇÃODEJERUSALÉM,ANTIGAE NOVA
Ao assim pronunciar, todos veem o Céu tingido de púrpura e, em solo incandescente, a cidade de Jerusalém, sitiada por solda- dos romanos, e dos portais flui sangue. Logo em seguida, ela está
em chamas e grossa fumaça envolve o horizonte. Súbito, não se vê mais a metrópole, e sim um montão de escombros. Esses também desaparecem no final, vislumbrando-se um deserto onde hordas sel- vagens procuram edificar. Em seguida, some a aparição e de Jeru- salém ouvem-se gritos de pavor, e Nicodemus opina ter irrompido uma revolta.
Eu o acalmo dizendo: “Ainda não; mas daqui a quarenta e cinco anos dar-se-á tal fato no país e aquela cidade será arrasada por não querer aceitar a Graça do Alto. Esperemos o final, depois voltaremos a casa!”
Novamente todos observam o firmamento, onde a coluna luminosa vem descendo à terra, porém do lado oposto, quer dizer, no Oeste e com claridade ainda mais intensa. Divide-se em inú- meras partes, as quais formam uma cidade enorme, cujas muralhas consistem em doze espécies de pedras preciosas, emanando brilho multicor por todos os lados. Tem ela igualmente doze portais, por onde afluem inúmeras criaturas de todos os pontos do orbe.
Acima da cidade, no ar, vê-se a seguinte inscrição em he- braico antigo, como se fora feita de rubis e esmeraldas: “Eis a Nova Cidade de Deus, a Nova Jerusalém que descerá um dia, dos Céus, para os homens de corações puros e de boa vontade; lá habitarão com o Senhor para sempre e louvarão o Seu Nome.” Tanto a apari- ção quanto a inscrição celeste são vistas somente por aqueles que se acham Comigo no Monte.
Após terem expressado seu júbilo e querendo adorar-Me, a aparição some e Eu aconselho a todos a adorarem a Deus no silên- cio de seus corações, e não em palavras retumbantes quais fariseus, pois não tinham valor para Ele. Eles então silenciam e se entregam a meditações.
Depois de algum tempo prossigo: “Chegou a meia-noite; vamos entrar para tomar algum pão e vinho. Em seguida darei a explicação de tudo.” Após isto feito, Nicodemus analisa os diversos hóspedes no refeitório e percebe os sete templários em companhia dos traficantes de escravos, e diz, algo encabulado: “Senhor, vejo
sacerdotes do Templo àquela mesa e temo sua denúncia! Como che- garam aqui?”
Digo Eu: “Quem está Comigo não tem mais ligação com o Templo. Se bem que foram enviados por ele a fim de Me obser- varem, disfarçados — reconheceram a Verdade e abandonaram o sinédrio. Dentro de alguns dias partirão para Roma em companhia de outros, e lá serão tratados; por isto não há motivo para receios.”
Diz Nicodemus: “Senhor e Mestre, prometeste esclarecer-
-nos o fenômeno e tomo a liberdade de lembrar-Te!”
Digo Eu: “Assim farei, mas que ninguém prossiga com in- dagações quando tiver terminado, e cada um procure meditar em benefício de sua alma!”
OSENHOREXPLICAOFENÔMENO LUMINOSO
(O Senhor): “As doze colunas de fogo a Leste representam realmente as doze tribos de Israel e o tronco do centro foi Judá, os laterais, Benjamin e Levi. Através dos vários acontecimentos os doze se juntaram ao de Judá, e este é representado por Mim, pois vim para unificá-los em Mim como único tronco verdadeiro de Judá, para torná-los unos, assim como Eu e o Pai no Céu somos Um Só, desde eternidades.
As sete colunas são os sete Espíritos de Deus, que ao se redu- zirem a três, representam em Benjamin, o Filho; em Levi, o Espírito, e em Judá, o Pai. E vede: Pai, Filho e Espírito Santo se tornaram Um, sempre o foram e sempre serão Um Só. Este Um sou Eu Mes- mo, e quem ouvir o Meu Verbo e o aplicar estará Comigo e dentro de Mim. Subirá ao Céu como Eu, e terá a Vida Eterna em Mim. Eis em resumo a significação verdadeira da primeira aparição.
Quanto à segunda, demonstrou o excesso dos pecados hor- rendos desse povo, que muito embora na claridade do Dia surgido entre ele, prefere caminhar em trevas — e assim fará. Por isto, colhe- rá os frutos de suas ações na época por Mim mencionada, quer dizer, daqui a quarenta ou cinquenta anos; então terá chegado o fim desse
povo para todo sempre. Digo-vos: Céu e Terra desaparecerão e se tornarão ocos e rotos quais vestes antigas, Minhas Palavras, porém, cumprir-se-ão para sempre!
Eu Sou o Senhor! Quem se atreverá a discutir Comigo e enfrentar-Me com lanças e espadas?! Até isto farão, e Meu Corpo perecerá na Cruz. Precisamente tal crime completará sua medida e selará seu extermínio. A ignorância pretende dominar e matar Deus. Isto será feito dentro em breve, e tal ato criminoso será permitido para positivar um final para todo sempre. Mas aquilo que para o povo será motivo de aniquilamento reverterá para a salvação e con- quista plena da Vida Eterna.
Não vos impressioneis com esta revelação; pois aquela raça poderá matar o Meu Físico, mas não Aquele que em Mim vive, age, cria e ordena eternamente. Não deixarei o Meu Corpo dentro da tumba, pois será despertado no terceiro dia e assim privarei, até o fim dos tempos, com aqueles que acreditarem em Mim, Me ama- rem e cumprirem o Meu Verbo. E vós, Meus irmãos, podereis ver e falar-Me como agora, onde caminho na Carne não transfigurada.
Refletindo a respeito, concluireis ter a segunda aparição mo- tivo importante. Que nenhum de vós diga: Senhor, poderias modifi- cá-la através de Tua Onipotência!, pois vos afirmo que estou fazendo o máximo, demonstrado pela Minha Sabedoria eterna e divina; en- tretanto, de nada adianta ao povo pervertido. Ele é tão teimoso pela própria maldade inacreditável, não havendo Poder Divino que o salve.
Pensais que Deus possa tudo o que simplesmente quiser! Não resta dúvida. Todavia, não pode agir pela Onipotência, em virtude do livre arbítrio humano; pois se o enfrentasse com o menor impe- dimento, o homem se tornaria boneco dirigido pela Vontade Divina e jamais chegaria a uma determinação própria. Neste caso, não have- ria bem-aventurança para a alma.
Precisa o homem estar de posse de sua plena liberdade que lhe trará vantagem por leis externas e obediência individual, no que a Onipotência Divina nada pode influir, e por isto terá que permitir tudo que deseja, inclusive o assassínio de Minha Carne inocente.
E como as criaturas de Jerusalém derrogaram a Lei Divina suplantando-a pelas instituições provindas de seus interesses mun- danos — contrários às que dei a Moysés e aos profetas — e Eu testificando sua injustiça contra Deus e aos homens, odeiam-Me e querem Me matar a qualquer preço. Ser-lhes-á permitido; com isto a medida de seus crimes estará completa, dando-se com o povo o que vistes na segunda aparição.”
Conjectura Nicodemus: “Senhor e Mestre, creio que os fe- nômenos tenham despertado a consciência dos templários e certa- mente terão receio de qualquer ato violento. Ouvi pessoalmente a reprimenda popular contra os sacerdotes por terem eles assassinado a maioria dos profetas, inclusive Zacharias e João! O próprio sumo sacerdote calou-se e nada disse ao povo, que exigia a devolução das oferendas, considerada como crime. Além disto, recebeu o Templo, por parte do Governo romano, uma advertência severa em virtude do jusgladii, e assim terão perdido a coragem para condenar alguém à morte sem autorização legal de Roma.”
Digo Eu: “Não o farão; entretanto, influenciarão o juiz romano de tal forma, apresentando número considerável de teste- munhas pagas contra o ‘Cordeiro’, que no final o juiz fará o que exigirem. Há muitas pessoas que acreditam em Mim e na Minha Doutrina; mas o Templo tem grande séquito, embora ignorante, com o qual tudo fará. Prova isto a enorme afluência nas festas do sinédrio. Essas peregrinações testemunham o grande número de ig- norantes na Judeia, convictos do Agrado de Deus pela obediência ao Templo. Meditando a respeito, encontrareis reduzida garantia pela Minha Vida entre os judeus.”
FUTURODOS JUDEUS
1. A palestra fora também ouvida pelos romanos, tanto que Agrícola se levanta revoltado e diz: “Senhor de Céus e Terra, caso aquela corja pleiteie algo neste sentido, Tua Onisciência nos po- derá avisar antecipadamente e saberemos como interceptar qual-
quer trama. Amanhã mesmo chamarei a atenção de Pilatos a esse respeito!”
Digo Eu: “Caro amigo, no primeiro dia de tua chegada foste testemunha de Meu Exército e Poder celestes, e seria suficiente um aceno Meu para chamar incontáveis falanges de anjos poderosos, bastando um só para destruir o Cosmos todo! Minha Vinda à Ter- ra não se baseia no seu julgamento e extermínio, mas na salvação. Assim sendo, sou obrigado a permitir o livre arbítrio dos homens, mesmo pretendendo atacar-Me; pois se agisse com o Poder dado pelo Pai, aniquilaria a vida psíquica, impossibilitando a vida eterna da alma após a morte.
As criaturas não são obrigadas a atentar contra o Meu Corpo, recebendo por isto vida eterna de sua alma, como sucederá convos- co, caso permaneçais até o fim da vida na Minha Doutrina.
Entre as pessoas mundanas a situação é diversa. São eviden- tes servos do inferno e do príncipe da mentira, achando-se na sua dependência. Acumulam pecados e atrocidades, cometem impudi- cícia, adultério e incestos, e pleiteiam, constantemente, novos acei- tadores de sua raça com promessas do Céu e da vida eterna. Tão logo alguém adira a eles, quase lhe tiram a roupa, a fim de poder o coitado comprar a felicidade celeste.
Quando conseguem açambarcar a fortuna de tal pagão ig- norante, manifestam-se com expressão hipócrita: Vê, amigo, já te encontras a meio caminho para o Céu e a Vida Eterna! Até então trabalhamos por ti; agora terás que agir pela Lei demonstrada, do contrário nossa ação e teu sacrifício não terão valor!
Deste modo assaltam um a um, sem mais se preocuparem com suas vítimas; e alguém pedindo conselho, indicam-lhe suas prédicas, caso o suplicante não esteja em condições de pagamento. Quem puder remunerar um conselho receberá, além das prédicas, orientação, geralmente mistificação perfeita.
Como esses vendilhões do Céu e da vida eterna lá não ingres- sam, porque não têm fé, não permitem que outros o façam, trancan- do o caminho com mentiras infernais.
Quem isto reconhecer pela compreensão mais lúcida e pro- curar pesquisar a Verdade será condenado imediatamente como he- rege e blasfemo, perseguido com ódio até a última gota de sangue. Foi este o motivo pelo qual mataram os profetas plenos do Espírito Santo, cujos túmulos honram aparentemente, caiando-os em deter- minados dias. Eles mesmos são semelhantes aos sepulcros caiados, externamente de bom aspecto, enquanto no interior estão cheios de podridão e mau cheiro.
Conjecturais o seguinte: Se essa corja nefasta há tanto tempo apresenta maldade tão forte, Deus poderia ter dado ponto final às suas atrocidades! Ele bem que o fez, através de julgamentos diversos, chegando ao ponto de todo o povo judaico cair na prisão babilônica durante quarenta anos, e o Templo de Salomon e grande parte da ci- dade de Jerusalém foram destruídos. Após isto, o povo penitenciou-
-se e voltou a Deus; tornou-se livre, regressando à Terra prometida, onde reconstruiu cidade e Templo, passando a viver por certo tempo dentro da Ordem. Nem bem alcançou brilho e conceito externos, não tardou em desviar-se do justo caminho, e mormente o Templo instituiu novas Leis. O povo teve de respeitá-las em vez das divinas, enquanto os sacerdotes ensinavam abertamente: Para vós é mais útil respeitardes as novas leis do que as antigas! — As advertências e provações amargas pouco frutificaram. Quando o povo, seus reis e sacerdotes não mais se lembravam de Deus Vivo, entregando-se ao aturdimento dos sentidos, Jehovah novamente enviou profetas ameaçando a invasão de inimigo poderoso que subjugaria todos os judeus, faria prisioneiros seus regentes, levando como reféns suas es- posas, filhas e animais, inclusive suas posses e joias. Em suma, tudo foi demonstrado com nitidez aos judeus, caso não desistissem de seus princípios e inclinações mundanos. O efeito foi nulo e as pro- fecias se realizaram, pois os romanos invadiram o país, tornando-se instrumento de provação.
Apresentaram leis mundanas que deviam ser respeitadas sob pena de morte. Por algum tempo o sacerdócio retornou a Deus, mas sem persistência, e dentro de trinta anos perverteu-se num antro de
salteadores e assassinos, piores que qualquer templo pagão, remo- to ou atual.
Não obstante Eu — o Senhor Encarnado — ter doutrinado no Templo tanto para fariseus como para o povo, com provas inéditas, de nada adianta, pois eles exercem sua função de mentira e fraude mais do que nunca, e tramam constantemente Meu aniquilamento. Ser-lhes-á permitido, a fim de que se complete sua medida nefasta. Em seguida, virá o grande julgamento demonstrado pela segunda vi- são, e o final dos judeus, dispersos qual folhas no mundo inteiro. Seu nome, sempre tão considerado, tornar-se-á desprezível e abjeto.
Caso tivessem aceito a época atual de grande Graça, teriam continuado o primeiro povo do Universo; não o querendo, tornar-
-se-ão o mais atrasado da Terra. Disperso entre todos os povos, serão obrigados a procurar, quais aves, seu alimento sob toda sorte de per- seguições, vendo-se obrigados à submissão de leis terrenas.
Ainda que consigam posteriormente acumular montes de dinheiro, não serão capazes de comprar qualquer país, reino ou go- verno; assim será até o fim dos Tempos desta Terra, como prova de Minha Profecia.”
DESTINOOULIVRE ARBÍTRIO
(O Senhor): “Não penseis tratar-se de predestinação confor- me explicam os filósofos mundanos, como se Deus determinasse para cada criatura o que iria passar em vida! Imaginar ou crer ta- manho absurdo pode trazer a morte da alma, por se basear numa lei, produto oculto do inferno, contraste brutal com os verdadeiros princípios da Vida de Deus para os homens. A determinação é feita por eles mesmos, através do livre arbítrio mal dirigido e por não quererem despertar em si todos os sete espíritos de vida, razão por que não chegam à concepção real de seu tesouro interno, verdadeiro e imutável. Deste modo se desviam, querendo encontrar na luz do mundo a Luz verdadeira e interna da Vida, agindo com satisfação conforme impõe aquela.
Quando uma alma se encontra na pior treva de sua pretensão orgulhosa, nem os anjos celestes poderão indicar-lhe outra direção pelo respeito ao livre arbítrio, e ninguém poderá afirmar: Tal foi o destino desse homem! — Sim, foi seu destino, mas não partiu de Deus, mas dele mesmo.
Deus o permitiu em consequência da vontade livre. E isto sucede igualmente a um povo: é e será criador de seu destino tem- poral e eterno. Seria, portanto, erro grave supor-se que Deus te- nha determinado, desde eternidades, ser necessário acontecer tudo que vos demonstrei e profetizei. De modo algum! Todavia, assim será porque os homens o querem, porquanto a parte maior e mais potente se encontra nas trevas do inferno, com prazer e insistên- cia, sem desejar abandoná-las, até mesmo à Minha Chamada po- derosíssima.
Não é possível fazer mais do que Eu fiz, faço e ainda farei, considerando o livre arbítrio humano, e quem não abrir os olhos, modificando sua atitude, não terá meios possíveis para curar sua cegueira e teimosia férrea do coração, sendo preciso um julgamento como recurso final. Para tanto, é indispensável que se complete a medida, fato que ocorrerá em breve para esse povo. Não vos aflijais, pois não sou Eu, mas os próprios homens que assim o querem!”
Manifesta-se Nicodemus: “Então, Senhor, a situação da Hu- manidade é bem precária! Se a Própria Divindade não pode socorrê-
-la contra a sua vontade — quem poderia fazê-lo?”
Digo Eu: “Meu amigo, há muita coisa terrena que escapou ao teu entendimento, muito embora dotado de teus sentidos e in- telecto — como poderás assimilar assuntos puramente espirituais, imperceptíveis?! Já expliquei não poder Deus interferir no homem pela Onipotência quanto à sua evolução espiritual, em virtude de Sua Ordem eterna. Pois se assim fizesse, o homem se tornaria apenas autômato, sem jamais chegar à independência psíquica.
Podes apresentar-Me o pior assassino, que Eu o transforma- ria num anjo de Luz — seu ‘ego’ estará entrementes sem vida! Tão logo Eu Me retraísse com o Espírito da Vontade Onipotente, seria
ele o mesmo que dantes: sua inclinação, ou seja, seu amor, é assaltar e matar; quando lhe for tirada, sua alma deixará de existir.
Todavia, pode tal homem melhorar pela própria situação in- feliz, na qual seu amor nefasto o atirou. A alma só começa a refletir acerca de sua situação malograda quando o julgamento a atinge de modo direto; desde que reconheça a razão de tudo, perceberá igual- mente o desejo de se livrar do estado perverso, procurando cami- nhos e meios apropriados. Com este desejo e vontade, ela se capacita a aceitar um esclarecimento do Alto, ofertado de modos diversos.
Tão logo assim aja, seu amor anteriormente maldoso vai se modificando e melhorando. Recebe cada vez mais compreensão, passando gradativamente a estado mais elevado — mas somente através da permissão de castigo inclemente. Por isto virá para os judeus um julgamento tremendo quando sua medida estiver com- pleta, humilhando-os para todo sempre, em virtude de jamais che- garem ao domínio de sua raça.”
AMEDIDADOBEMEDO MAL
Diz Nicodemus: “Senhor e Mestre, por que só pode advir julgamento tão inclemente após completa a medida dos pecados de um povo? Que medida vem a ser essa?”
Digo Eu: “É algo estranho que tu, decano do Templo e da cidade, não o entendas, entretanto leste repetidamente os sá- bios ditames de Salomon! Quando a criança atingiu a justa me- dida no ventre materno, chegou o momento de nascer. O fruto de uma árvore atinge esse ponto ao amadurecer, caindo ao chão. O conhecedor da Lei, cumprindo-a e não mais a infringindo por amor a Deus e ao próximo, terá completado a medida luminosa do próprio aperfeiçoamento da vida, tornando-se cidadão do Céu na Terra, por ter vencido a morte espiritual através da conquista da Vida Eterna de Deus.
O homem que jamais se deu ao trabalho de se aprofundar nas Leis Divinas, por ser atraído pelas alegrias do mundo, atirando-
-se a elas, começa a esquecer Deus, apagando-se pouco a pouco sua fé Nele. Nessa situação, os pais se tornam importunos a ele. Não só desobedece-lhes, mas causa-lhes toda sorte de aborrecimentos e no fim é capaz de bater-lhes, roubar e abandoná-los. Seu desprezo aos genitores se estende aos semelhantes. Leva vida devassa, torna-se ladrão, assaltante e criminoso, a fim de se suprir de recursos neces- sários à expansão de seus apetites. Deste modo, ter-se-á livrado de todas as Leis da Vida, considerando apenas as de sua natureza má e pervertida pelo pecado, contra a Lei total. A medida, então, estará completa; é um demônio que atraiu o julgamento e único responsá- vel pelo sofrimento atroz que o atinge.
O fato de o julgamento acompanhar a medida completa dos pecados, ou seja, a própria morte espiritual, foi desde Eternidades determinado por Deus para todo o sempre; pois se assim não fora, não haveria fogo, água, orbe, Sol, Lua e criaturas.
O fogo não deixa de ser elemento prejudicial, podendo matar-te. Acaso não deveria existir pelo efeito mortal? A Terra exerce certa atração, pela qual todos os corpos se tornam pesa- dos, sendo constantemente atraídos ao ponto central! Em virtude disto, dá-se a queda e a possível morte! Porventura o planeta não deveria ter essa peculiaridade pelo motivo acima?! Nesse caso, sua situação seria insustentável pela desintegração mais completa que o derretimento de um pedaço de gelo ao Sol, e as criaturas estariam liquidadas. Tal faculdade necessária da Terra e de sua matéria é igualmente julgamento provindo de Deus, sem o qual não existiria matéria!
Assim sendo, tudo que vês no mundo é julgamento determi- nado pela Divindade e quem se afasta de Deus e do espírito, incli- nando sua alma à matéria, só pode ser atingido pelo julgamento e morte. A liberdade e ausência de julgamento só existem no Espírito puro de Deus, alcançável por todos que vivem pela Doutrina, acre- ditando ter Eu vindo por Deus à Terra, como Próprio Deus, a fim de dar a todas as criaturas a Vida Eterna e a Sua Luz. Pois Eu Mesmo sou a Verdade, a Luz, o Caminho e a Vida. Entendeste?”
Diz Nicodemus: “Senhor e Mestre, sim, e Te agradeço pela importante definição. Como explicaste apenas dois fenômenos, peço-Te definires o terceiro, certamente de profundo sentido.”
Digo Eu: “Sim, fá-lo-ei; entretanto, não o entendereis, pois o que está para vir em futuro distante só podereis assimilar quando renascidos em espírito. Assim mesmo, ouvi-Me!
A Coluna luminosa que voltava do Céu à Terra sou Eu, no Espírito do Meu Verbo Vivo, que por Mim será depositado no futu- ro nos corações dos que Me amam e cumprem Meus Mandamentos; procurá-los-ei Pessoalmente para Me revelar a eles. Deste modo, to- dos serão ensinados por Deus.
A divisão da coluna em inúmeras partes significa a revela- ção no sentido intrínseco e espiritual de todas as Minhas Palavras e Ensinos, que desde o começo da Humanidade foram dadas pelos patriarcas, profetas e missionários e atualmente por Mim Mesmo.
De tais revelações detalhadas no sentido espiritual da Palavra de Deus, então, se formará uma Doutrina colossal e verdadeira de Luz e Vida, ou seja, a grande e nova Jerusalém que descerá dos Céus junto dos homens! Os que se encontrarem e viverem na Doutrina nova caminharão na Nova Jerusalém, onde habitarão eternamente e suas alegrias não terão medida nem fim. Pois Eu Mesmo estarei com eles e lhes facultarei a visão de inúmeras maravilhas do Meu Amor, Sabedoria e Onipotência.
Entre o desaparecimento dessa velha cidade de Jerusalém e o surgimento da Nova, de Deus, na Terra haverá pouca Luz entre os homens; pois em breve surgirá quantidade de falsos profetas e sacer- dotes usando Meu Nome para operar falsos milagres, fascinando e cegando as criaturas. O próprio anticristo fará tais coisas com ajuda de regentes, a tal ponto que levaria os Meus escolhidos a se ajoelha- rem diante do novo Baal caso Eu o permitisse. Então deixarei que se dê enorme atribulação entre os homens, como jamais houve sob o Sol. Baal será destronado com a grande prostituta de Babel e a Luz
do Verbo Vivo se infiltrará nos corações de muitos, soerguendo e libertando os oprimidos e cansados, e todos se alegrarão e louvarão o Meu Nome.
Em tal época haverá seguido intercâmbio com os espíritos puros de Meus Céus, tornando-se seus doutrinadores orientados em todos os segredos da Vida Eterna, conforme demonstrou o terceiro fenômeno, pela entrada e saída de inúmeras criaturas através das doze torres.
As doze torres não indicam ser a nova cidade erigida dos doze troncos de Israel, e sim dos doze axiomas de Minha Doutrina, con- tidos nos dez Mandamentos de Moysés, inclusive os dois, de Amor. Eis as torres pelas quais, no futuro, as criaturas entrarão na Nova Cidade de Deus, cheia de Luz e Vida.
Somente quem cumprir os Meus Mandamentos lá será ad- mitido para receber Luz e Vida; assim também demonstram as doze espécies de pedras preciosas, com as quais é feita a muralha que circula a grande cidade, os Mandamentos enunciados.
São eles não somente os portais à Luz e Vida, mas igual- mente seu escudo e proteção que as portas e forças do inferno, ou seja, o mundanismo material, jamais poderão destruir ou vencer.
Junto do fenômeno percebestes a forte irradiação de luz multicor, provinda das pedras cravejadas na muralha; indicam con- ter os dez Mandamentos todos os graus da Sabedoria Divina, alcan- çável apenas pelo cumprimento dos mesmos. Pois os Mandamentos contêm toda Sabedoria de Deus; assim sendo são portadores do Po- der e das Forças Divinas, manifestados na Vontade sábia e onipoten- te e na máxima verdade.
Quem, portanto, tiver se apossado da Vontade de Deus pelo cumprimento dos Mandamentos será detentor da força e liber- dade divinas, alcançando o estado de verdadeiro renascimento do espírito: filho verdadeiro de Deus, tão perfeito como o Pai Celeste.
Por isto digo a todos: tratai antes de mais nada do fiel cum- primento dos Mandamentos, para alcançardes a Perfeição do Pai Celeste, capacitando-vos a realizar coisas mais grandiosas do que
Eu. Tão logo tiverdes atingido esse estado, sereis habitantes anteci- pados da Nova Jerusalém. Eis o sentido do terceiro fenômeno. Tereis compreendido tudo?” Algo perplexos pela Minha Explicação, todos meditam sem chegarem à certeza da compreensão total.
O JUSTO CONHECIMENTO DA SABEDORIA DIVINAATRAVÉSDO RENASCIMENTO
Após profunda meditação, Nicodemus se expressa: “Senhor e Mestre, sumamente elevada e profunda é Tua explanação e jamais poderei externar a devida gratidão; justamente pelo teor sublime, eu e talvez outros não tenhamos compreendido o sentido intrínseco. Ao mesmo tempo percebo não poder penetrar mais além, ainda que recebesse outra explicação, de sorte que nada mais Te peço!”
Digo Eu: “Estás inteiramente certo; tudo isso e ainda outros pontos doutrinários assimilareis somente quando renascidos. Meu Verbo e Minhas Prédicas não podem ser dados dentro da retórica intelectual do mundo, porquanto se baseiam no comprovante do poder do espírito, inteiramente desconhecido de vós, a fim de que vossa fé e futuro saber não se firmem na sapiência de homens espi- ritualmente cegos, e sim na maravilhosa força do Espírito de Deus.
Meu modo de ensino e doutrinação se apresenta aos olhos dos sábios do mundo qual tolice, ignorantes que são do espírito e de sua força, despercebidos pelos sentidos materiais. Todavia, é Minha Doutrina de saber a mais profunda e elevada — mas apenas diante de olhos, ouvidos e corações de criaturas perfeitas, dotadas de boa vontade, cumprindo sempre os Mandamentos de Deus. Para os sábios e importantes deste mundo, que desaparecem com sua sapi- ência, Minha Doutrina não tem tal efeito.
Falo-vos da Sabedoria oculta de Deus, por Ele determinada para vossa eterna glória de vida antes da Criação do mundo mate- rial, Sabedoria esta jamais reconhecida por fariseus, decanos, escri- bas e reitores do Templo dentro de seu raciocínio mundano; pois se
isto tivessem feito, não estariam conjecturando constantemente os meios de matar-Me, Senhor da Eternidade.
Quanto a vós, afirmo como consta: Jamais alguém viu, sentiu e ouviu o que Deus proporciona aos que O amam e cumprem Seus Mandamentos! O que ora vos revelo é Revelação do Espírito Divino dada ao vosso espírito, para poder penetrar e assimilar os segredos de Deus, pois somente o espírito abarca e pesquisa todas as coisas, e assim purificado o faz com as profundezas de Deus. Deste modo, não recebeis de Mim a Luz do mundo, inteiramente desnecessária, e sim o Espírito de Deus, para poderdes assimilar e compreender o que por Mim recebestes de Deus.
Por tal motivo não vos posso falar à maneira intelectual do mundo, mas somente com palavras transmitidas pelo Espírito Di- vino, que ordena espiritualmente todas as coisas; não Me compre- endeis por não ter o vosso espírito penetrado a vossa alma. Quando ela se encontrar no Espírito Divino, com todo amor e boa vontade, também conseguireis julgar tudo pelo espírito, e o que ora vos pare- ce difícil e incompreensível se tonará claro e límpido.
Já percebeis algo do eterno e verdadeiro Espírito de Deus, podendo interpretar espiritualmente certas coisas. O homem mate- rialista nada sente da centelha divina em seu íntimo, e quando se lhe fala a respeito, classifica de tolice, pois lhe falta a visão espiritual da alma. Se alguém quiser assimilar e compreender fatores espirituais, sua alma terá que ser equilibrada pelo espírito; pois toda vida, toda luz e força verdadeiras só residem no espírito que tudo ordena, ja- mais podendo ser desequilibrado.
O homem natural, materialista, é ainda matéria em julga- mento e sua vida física lhe foi dada pelo Espírito Divino como meio para despertar a vida verdadeira e espiritual, tão logo o queira. Assim ele pode, pelo raciocínio natural, conceber os Mandamentos como divinos e empregar a vontade na sua aplicação. Agindo deste modo, o Espírito Divino penetra sua alma à medida do progresso na fé em Deus e no amor para com Ele e seu próximo.
Tão logo a alma consiga certa força, jamais atingível por al- guma derrota, prova irrefutavelmente ter sido penetrada pelo Espí- rito de Deus, organizando todo seu conhecimento e saber; ela terá deste modo vencido sua matéria anteriormente morta, unindo-se a Deus num só espírito, força, luz e vida verdadeiras, jamais alteráveis.
Por isto procurai antes de tudo o verdadeiro Reino de Deus e Sua Justiça, que todo o resto vos será dado como acréscimo pelo Espírito de Deus em vós. Não vos preocupeis das coisas terrenas, nem mesmo dos alimentos do dia de amanhã e de vossas roupas; tal é hábito dos pagãos e outras criaturas mundanas, que jamais desco- briram Deus Verdadeiro. Basta o espírito ter alcançado seu pleno renascimento, e todas as vossas necessidades serão supridas.
Se caminhardes em Meu Rastro conforme vos ensinei, es- tareis em Mim e Meu Espírito em vós, e com Ele sereis capazes de fazer tudo o que Sua Sabedoria disser e Sua Vontade determinar. Assim tereis recebido o suprimento total para vossos dias na Terra.
Estais orientados das possibilidades do espírito; as capa- cidades do Meu são idênticas ao vosso, quando se tiver unificado Comigo. Já vos demonstrei por diversas vezes como isto é possível, portanto agi de acordo que vereis cumprir-se Minha Promessa! — Como já passaram algumas horas da meia-noite, descansemos para amanhã encetar nova tarefa!”
Diz Lázaro: “Senhor, será difícil arranjarmos leitos para tan- tas pessoas!” Respondo Eu: “Para quê? Cada um fique onde está, apoie-se nos braços — é quanto basta!” Nicodemus, com receio de ser visto pelos fariseus, faz menção de voltar para casa.
Digo-lhe, pois: “Não temas os que nada te podem fazer! Eu o querendo e tu acreditando, podes deixar este monte em pleno dia, imperceptivelmente, para reassumires o teu posto.” Diz ele: “Neste caso, fico; pois minha família me supõe no Templo.” Em seguida todos silenciam, entregando-se ao repouso. Entrementes, Raphael procura os escravos a um aceno Meu, acomoda-os igualmente e lhes proporciona sonhos agradáveis; pois é fato comum aos nórdicos te-
rem sonhos proféticos, fazendo-os pacientes, dóceis e alegres. Assim cada um recebe o que merece.
A NATUREZA DOS ANJOS. AMOR E SABEDORIA,CORAÇÃOE INTELECTO
Ainda nos encontrávamos dormindo quando o Sol despon- ta no horizonte. Solícitos, Lázaro e o hospedeiro se levantam para despertar os empregados a fim de tratarem do desjejum, enquanto nos dirigimos ao ar livre. Diante da casa há um poço d’água boa e fresca. Virando-Me para Lázaro, digo: “Manda encher algumas bilhas d’água para lavarmos as mãos, evitando aborrecimentos para Nicodemus, porquanto se poderia alegar comermos o pão sem o de- vido preparo!” Em seguida todos lavam mãos, rosto e pés, recebendo toalhas limpas para se enxugarem.
Nisto se aproxima Raphael e orienta Lázaro estarem os jovens ainda adormecidos e entregues a sonhos, não convindo despertá-
-los tão cedo, pois tinham que se refazer do cansaço provindo da longa viagem.
À luz do dia percebe Nicodemus a beleza radiante do arcan- jo, e não consegue despregar os olhos do mesmo. Após certo tempo de êxtase profundo, ele diz: “Senhor e Mestre, qual a origem deste jovem incrivelmente belo? Nunca vi tanta beleza, masculina e fe- minina a um só tempo. Os cabelos louros e anelados a caírem pela nuca, de brancura etérea! A candura de sua fisionomia; os braços perfeitos! Em suma, não pode ser filho da Terra, e se tivesse um par de asas, seria verdadeiro anjo celeste!”
Digo Eu: “Julgas ser preciso terem eles asas a fim de fazer jus à sua idoneidade? Acaso os três homens que falaram a Abraham tinham asas? Ou os outros que salvaram Lot e o que conduziu o jovem Tobias? Não me consta haver na Escritura menção de suas asas, inclusive nada disto se fala do anjo que impediu Abraham a sacrificar seu filho Isaac.
Somente os dois querubins foram por Moysés representados com asas, para apontar aos judeus sensuais ser a movimentação dos espíritos puros mui rápida no pensar, resolver, agir e concretizar. Para o homem daquela época, não havia velocidade maior que a dos pássaros, razão por que Deus mandou que Moysés desse asas aos querubins. Fora disto, nunca tiveram asas.
Elas representam simplesmente o alto grau de sabedoria e força do puro espírito, e além disto nunca houve no verdadeiro Céu anjo que não tivesse sido homem em qualquer planeta. Tudo o que imaginais como anjos puros nada mais é senão forças e poderes de Deus pelos quais se manifesta a Onipotência Divina em todo o Infi- nito, mas que não pode ser imaginada em figura, porque o Infinito de Deus não pode ser simbolizado por qualquer criatura limitada.
Como todas se destinam psiquicamente a se tornarem ver- dadeiros anjos celestes, este jovem lindo e casto pode estar na Ter- ra sem asas, assim como Eu Me encontro Encarnado, embora Se- nhor de Céus e Terra, entretanto mantenho o Universo. Além de tudo, consta: Em tal época vereis os anjos destinados a servirem a Deus descerem e subirem. Assim sendo, ele pode ser um anjo. Qual tua opinião?”
Diz Nicodemus: “Sim, é evidentemente belo, mas não desce nem sobe entre Céu e Terra!”
Respondo Eu: “Oh, cegueira humana! Como podes supor, sendo homem experimentado, a descida de anjos do Céu físico à Terra, e vice-versa, para a visão de todos? O descer e subir dos anjos representa apenas a subida do amor à verdadeira sabedoria, e a volta desta ao amor, espírito verdadeiro e vivo em Deus.
Quando a criatura desperta no coração o amor a Deus e ao próximo, ela ascende à sabedoria, ou seja, ao conhecimento justo e profundo de todas as coisas. Em tal estado torna-se cheia de hu- mildade e amor vívido para com Deus, voltando ao coração, que se aclara e incendeia cada vez mais no amor divino.
No teu íntimo indagas: Então esta Terra representa o amor e o Céu a sabedoria? Como é possível, quando a maldade nela impera?
Sim, no coração humano impera a falta de amor, entretanto é ele o local do mesmo. O puro amor no coração, isoladamente, traria tão poucos frutos quanto a Terra sem a luz do Sol. O Sol ce- leste para o coração é o intelecto. Ele desce em pensamentos, ideias, conceitos bons e ordenados ao coração, ou seja, à Terra do homem, ilumina e vivifica os gérmens para ações boas e dignas. A luz do in- telecto sendo ainda fraca, qual claridade solar no inverno, o coração não deixa de se tornar mais compreensivo e prudente; mas como persiste no amor próprio, as sementes não germinam, nem crescem e nem podem amadurecer frutos de atividade plena. Se, porém, a inteligência se aperfeiçoa pelo zelo e bom emprego de talentos e capacidades, o calor vivo no coração é ativado, fazendo germinar, crescer, florescer e finalmente as sementes apresentarão frutos de ati- vidade espiritual, para uma abundante colheita de vida.
Assim sendo, deve-se entender na expressão ‘anjo’ pensa- mentos, ideias e conceitos do intelecto iluminado, o céu do saber em miniatura. Descem e sobem servindo ao espírito divino ainda oculto no coração, cujo nome é amor para com Deus e para com o próximo. O fato de o espírito vivo de Deus no coração não ser nota- do e considerado por muitos, não obstante depender dele a salvação temporal e eterna — repete-se Comigo, Senhor e Causa Primária de todo ser e vida, não sendo reconhecido pela Humanidade, muito embora veja descer e subir dos Céus pensamentos, ideias e conceitos grandiosos, iluminando o coração para aquecê-lo e vivificá-lo, trans- formando-os em frutos de atividade espiritual. Por isto há muitos chamados e poucos escolhidos, capazes de assimilar e transformar Minhas Palavras em uma colheita rica e viva de ações.
Tens agora melhor compreensão de quem são os anjos a descerem e subirem dos Céus, servindo-Me como Deus de Eterni- dade e também na Terra, temporalmente, a vós, representantes de Seu Coração; portanto, sois a Terra Dele.”
Diz Nicodemus: “Agora reconheço realmente seres Tu Cris- to, o Unigênito de Deus, cuja Plenitude Te habita! Jamais um pro- feta falou como Tu. Desvendando segredos tão sublimes, poderias esclarecer-nos o sentido da escada de Jacob pela qual os anjos igual- mente desciam e subiam entre Céu e Terra, estando Jehovah no topo da escada.”
Digo Eu: “A visão de Jacob foi o que vos demonstrei tão explicitamente. A escada representa o elo entre coração e intelecto esclarecido. O coração é a Terra, também vista aqui e que na época de Jacob estava deserta, árida e pouco iluminada, em virtude do grande embaraço e aflição dele. Em tal estado ele começou a meditar em Deus, a fim de descobrir o motivo que o levava a isso. Adorme- ceu em pleno campo e viu a ligação entre o seu coração material e o Céu iluminado do intelecto. Então percebeu que seus pensamen- tos, ideias e concepções desciam, como se houvesse uma escada, da cabeça ao coração, iluminando-o e trazendo-lhe conforto, e assim mais vivificados e fortalecidos através do amor sublimado, subiam a Deus, integrando-se de Luz mais potente. Se observardes a vida de Jacob, percebereis sua constante meditação em Deus; a partir daí, viveu rigorosamente pela Vontade Divina.
Ao mesmo tempo indica aquela visão o surgimento da es- cada genealógica entre os descendentes de Jacob e Deus, pela qual os filhos de Deus decrescem e aumentam no Conhecimento Divi- no para, no cume, Jehovah Se apresentar em Minha Pessoa. Deste modo recebeste, aliás todos vós, a explicação desdobrada da escada de Jacob, e sabeis o que deveis compreender no termo ‘anjos de Deus’. Todavia pergunto se entendestes o assunto.”
Diz Nicodemus: “Recebi grande esclarecimento; no que diz respeito a este anjo visível, queria saber se já é realidade perfei- ta ou apenas Pensamento Teu, surgido de Teu Amor, Sabedoria e Onipotência!”
Respondo: “Que pergunta infantil! Afirmo: este anjo é, tanto quanto tu, todas as criaturas e o Universo, ambas as coisas, por- que em todo Infinito não existe outra realidade além de Mim, a não ser Meus Pensamentos, Ideias e Concepções. São elos animados pelo Meu Amor e eternamente fixados pela Minha Vontade. O que faço como Deus, de eternidades em eternidades, também fareis no Meu Reino.
Tal possibilidade dentro do homem podeis deduzir de vos- sas visões, onde projetais vossos pensamentos, ideias e concepções, dando-lhes vida e forma e podendo palestrar com elas como objetos reais. Desconheceis o maquinismo que ocorre em sonhos, quando vos encontrais num mundo real entre seres inteligentes e de atitudes individuais. Quando fordes renascidos em espírito, todos os segre- dos de vossa vida ser-vos-ão esclarecidos, desde sua origem; por en- quanto, podeis aceitar como verdade luminosa que toda manifesta- ção de vida na criatura tem seu motivo mui sábio e real, do contrário jamais se apresentaria.
Após a morte, ela vive no Espaço e tem como base e morada apenas o mundo por ela criado, enquanto cessa a ligação individual com a Terra, pois reconhece ser a matéria total nada mais que pro- vação necessária e pesada, ao passo que a vida livre e independente é de máxima vantagem.”
Diz Nicodemus: “Senhor, quer dizer que eu morrendo, mi- nha alma nada mais verá desta Terra, sobrevivendo em seu mundo criado — entretanto há muita coisa aqui que uma alma ávida de conhecimento gostaria de ter assimilado! Haja vista nossa grande saudade pelo conhecimento do Céu estelar, Lua, Sol, planetas, in- clusive as profundezas do mar. Se ela vive num ambiente surgido de sua fantasia e age apenas com seres aparentes, resultado daquela, a meu ver, não lhe pode proporcionar grande satisfação. Na hipótese, porém, de lhe ser dada a recordação qual sonho lúcido, no qual reco- nheça seu eu, sem lembrar-se das mazelas terrenas — sua existência pode ser alegre, impossibilitando-a de sentir saudade daquilo de que
se livrou. Falo dentro de meu entendimento, no entanto peço-Te esclareceres o assunto.”
Digo Eu: “És não somente fraco no físico, mas tuas noções da vida após a morte são mais incertas e obtusas que teus senti- mentos e percepções. Responde-Me: quando tem o homem melhor visão: num cárcere à noite, ou em pleno dia, no cume de uma mon- tanha? Quem se encontra em plena liberdade, em companhia de bons amigos — acaso terá vontade de voltar à prisão para analisar os cantos e cubículos?! Medita e responde, em seguida dar-te-ei escla- recimentos maiores!”
ALMAECORPO.ESTADODAALMAMATERIALISTA.A LUA
Diz Nicodemus: “Senhor, a resposta à Tua pergunta se dá pelo sentimento humano. Deduzo, todavia, que uma alma perfeita verá no Além toda Tua Criação numa luz muito mais clara que em vida, guardando igualmente recordação nítida de sua existência ter- rena. Estou certo?”
Digo Eu: “Plenamente, e demonstrarei o motivo para que ninguém afirme: Obrigou-nos Ele a crer e não duvidamos da reali- dade, embora não nos tivesse explicado a razão! Este não será Meu Ensino, pois quero que entendais o segredo do Reino de Deus!
O corpo por si só como matéria inerte nada vê, ouve, sente, sem alma. É apenas instrumento necessário da psique, de tal for- ma construído e organizado, capacitando a alma a se servir dele no mundo exterior. Pode ver, ouvir e sentir coisas boas e desagradáveis, movimentar-se e executar variadas tarefas.
O guia dos membros é a inteligência e a vontade do coração; pois o corpo não tem nem um, nem outro, a não ser que a alma se tenha integrado na carne através de seus apetites mundanos e sensu- ais, perdendo a noção do seu eu espiritual. Em tal caso, todo inte- lecto, inclusive vontade, se tornaram carnais. Está como que morta e lhe parece loucura quando ouve algo sobre emancipação espiritual e da vida após a morte.
Tal psique materialista não morre após o desprendimento doloroso, mas continua no mundo dos espíritos; apenas é sua exis- tência tão precária quanto seu conhecimento e consciência, numa esfera puramente espiritual. Acha-se num sonho algo mais lúcido e, não raro, ignora ter vivido num outro mundo, porquanto age den- tro de sua sensualidade. Se é advertida e instruída nesse sentido por almas mais esclarecidas, não lhes dá crédito e as ridiculariza.
Leva muito tempo uma alma mundana e materialista a che- gar a um conhecimento mais claro. Tão logo o consiga, readquire a recordação, podendo igualmente ver, ouvir e sentir tudo que acon- tece dentro e sobre a Terra.
Caso uma alma tenha alcançado em vida a perfeição através do renascimento espiritual, e por ele chegado à visão e percepção claras das coisas puramente espirituais e celestes, atinge ao mesmo tempo a noção certa e real da totalidade da Criação material, inte- grando-se de tudo, inclusive da vida na Lua, Sol, a constituição das estrelas, sua finalidade e função.
Quando tal alma perfeita se tiver libertado do corpo físico, sua visão é semelhante à divina e, caso queira, vê, ouve, sabe e sente tudo. Se assim é, por que deveria perder sua recordação total como criadora de seu mundo espiritual-divino?!
A fim de que possas compreendê-lo mais a fundo, soltarei por minutos a tua visão e a de alguns aqui presentes. Que assim seja!” Imediatamente várias pessoas caem em estado visionário e se veem numa zona desconhecida, sumamente agradável, de sorte a Me pedirem deixá-las ficar, pois não querem voltar à Terra.
Pergunto-lhes se veem o orbe. E elas respondem: “Sim, atrás de nós, vemo-lo transparente!” Indago se veem a cidade de Roma, e elas o afirmam, descrevendo-a inteiramente. Os romanos, ouvindo o relato, muito se admiram, porquanto nenhum daqueles personagens conhecia a metrópole.
Prossigo perguntando se veem a Ásia setentrional. Todos respondem: “Sim, Senhor, até os confins desse enorme Continente; mais além só vislumbramos água e algumas ilhas! Que vasto país,
cuja enorme capital é protegida por extensa muralha e habitada por inúmeras criaturas!”
Digo Eu: “Qual é sua vestimenta?” E elas descrevem com minúcias as vestes, e um velho fariseu, posteriormente convertido ao judaísmo, queda perplexo, porquanto teve oportunidade de ver vários chineses nos confins da Índia.
Em seguida, permito-lhes a visão da Lua e a descrição feita se restringe a um mundo árido, com alguns duendes tristonhos e de cor pardacenta. Não há flora nem fauna. Nisto os faço voltar à visão natural, inclusive à recordação de tudo.
Nicodemus então diz: “Que maravilha, Senhor! Estávamos aqui, vimos-Te e aos outros perfeitamente, e ao mesmo tempo tí- nhamos a visão clara e nítida de tudo que descrevemos, dando-nos a experiência da visão indescritivelmente mais lúcida da alma liberta. Não somente vimos, mas ouvimos tudo. Uma árvore, uma casa ou um navio, homem ou animal, eram vistos em sua forma física, en- tretanto nossa visão traspassava tudo, muito embora não fossem os corpos transparentes.
Nas criaturas percebemos até mesmo seus pensamentos, que no início apresentavam-se quais pequenas imagens no coração. Quando, semelhante a enxame de insetos, subiam ao cérebro, tor- navam-se mais claros e definidos, voltavam ao coração, cresciam e se externavam na esfera humana, aumentando até formarem um mun- do ao redor da criatura. Nos irracionais nada disso se via.
Mas o que há com a Lua? Que mundo árido e deserto! Aqueles seres não deixam de ter forma humana, mas dão impressão de pertencerem a uma espécie de animais, muito embora etérea. Percebi como determinado duende crescia e diminuía. Se fosse ma- terial, não lhe seria possível tal coisa. Que há com a Lua, Senhor?”
Digo Eu: “Poderás colher informes junto de Meus discí- pulos. Tenho coisas mais importantes para demonstrar e explicar, após o desjejum. Dentro em pouco subirão os trinta gregos para conversarem com aquele jovem. Virão mais cedo, em virtude da perturbação causada pelos fenômenos.”
“Está bem, Senhor”, diz Nicodemus, “Tua Vontade Se faça! Apenas queria saber a identidade daquele jovem maravilhoso.”
Digo Eu: “Sabê-lo-ás no momento preciso. Seu nome é Raphael.”
Diz Nicodemus: “Tal é o nome de um arcanjo, segundo a Escritura. Quiça é ele mesmo?! Que susto! Afirmei isto desde o começo!”
Respondo: “Não contestei, mas demonstrei o que é um anjo. Por que deverias ter receio deste, quando tu mesmo és desti- nado a te tornares arcanjo?! A fim de apagar qualquer dúvida, saiba ser ele o espírito de Henoch! Seu corpo se prende à Minha Vontade. Por isto te digo não haver jamais outros arcanjos nos Céus, senão aqueles que já viveram num planeta! Agora basta deste assunto. Os gregos estão se aproximando. Não Me denuncieis, porquanto ainda é prematuro conhecerem-Me pessoalmente!” Assim Me levanto para caminhar um pouco; entrementes, os gregos se acomodam na tenda próxima, onde tomam o desjejum.
AVERDADEIRAADORAÇÃODE DEUS
Nem bem terminaram a refeição, o grego, que na noite ante- rior tinha falado com tanta eloquência, dirige-se a Lázaro e Raphael fazendo menção de usar da palavra; diante da beleza do anjo, queda perplexo. Só depois de alguns segundos diz: “Eis o Olimpo, onde habitam os deuses; se não me tivésseis instruído haver apenas um só Deus, teria tomado a ti, jovem maravilhoso, por Apollo. Certamen- te és um Seu Filho, mortal, portanto merecedor de nossa adoração.” Nisto, os gregos apanham moedas romanas de ouro, querendo de- positá-las aos pés de Raphael.
Ele, porém, diz: “Guardai isto onde foi tirado. Os verdadei- ros deuses não se deixam adorar, nem aceitam oferendas materiais. A vontade sábia e cheia de amor aos filhos do mundo consiste na crença em Deus Único, Eterno e Onipotente, ao Qual deveis amar acima de tudo com todas as forças de vossa alma e ao pró-
ximo como a vós mesmos, quer dizer: fazei-lhe aquilo que dese- jais vos faça!
Crendo e agindo dessa forma, tereis adorado a Deus condig- namente, ofertando-Lhe prenda agradável, sendo aceitos como filhos imortais, e o poder e força da morte serão afugentados de vossa alma.
Adoração labial e oferendas materiais foram inventadas pelos sacerdotes, reis maus e dominadores. Deixam-se honrar e exigem sacrifícios elevadíssimos por parte dos homens, aos quais procuram impressionar, afirmando exigirem seus pecados penitência dessa or- dem — do contrário, receberiam castigos em pragas penosas. Isto fazem não em virtude dos deuses, mas sim em benefício próprio e ganância para subjugarem os ignorantes.
Deus Verdadeiro apenas quer que todos se amem quais ir- mãos, vivendo livremente sobre a Terra e tornando-se cada vez mais sábios pela Graça Divina. Orientados por mim, retirai vosso dinhei- ro, dispensável aos homens verdadeiros e a Deus Único!” Os gregos apanham as moedas e guardam-nas na sacola.
O orador então diz com amabilidade: “Oh, criatura divina, merecedora do máximo amor! Tuas palavras foram meigas, verda- deiras e doces como mel, e serão por nós respeitadas! Todavia não compreendemos por que aceitais remuneração pelo alimento, entre- tanto rejeitais nosso dinheiro!”
Diz o anjo: “Difícil é satisfazer aos homens, até mesmo para Deus. Acaso sabíeis ontem sermos filhos de Deus? Consideraste-nos simples criaturas que se deixavam pagar as despesas. Agimos como tal e levou tempo e provas para modificarem vossa opinião.
Sabendo com quem tratáveis, tomastes o desjejum e nin- guém vos pediu remuneração, nem o fará. Eis a situação: aqui só pagam impostos os estrangeiros, os radicados estão livres pela antiga Lei. Estranho é todo aquele que desconhece nosso Deus e Suas Leis como servo pagão. Entretanto muitos há, entre judeus, descrentes e desrespeitadores das Leis, vivendo somente para os seus apetites. Tais homens exigem imposto e pagamento dos radicados; por isto são por nós considerados estranhos. Compreendeste?”
Responde o grego: “Ah, agora sim! Confesso ser esta insti- tuição verdadeiramente divina, e desejo apenas orientação da sig- nificação dos fenômenos noturnos. A cidade toda está alvoroçada e a maioria dos comerciantes estrangeiros a abandonaram com as mercadorias, temerosa dos efeitos possíveis. Além do mais, ninguém compra algo, na expectativa de acontecimentos horrendos a se pre- cipitarem sobre a metrópole. Se não tivéssemos tido oportunidade de vos conhecer ontem, já estaríamos longe. Lembrando-nos de vós, enchemo-nos de esperanças para ouvir orientação concisa!”
Diz o anjo: “Observai todas essas pessoas, e não descobrireis pavor ou nervosismo. Por quê? Por saberem a razão dos aconteci- mentos. Estão em plena visão da Luz Divina; os da cidade são cegos, nada veem e entendem, e seu pavor é castigo justo pela teimosia.
Os fenômenos representam coisas boas para os bons, preju- ízo para os maus. Tornai-vos, portanto, igualmente bons dentro da orientação dada por mim, que vosso futuro vos trará benefício, aqui e no Além! Assimilando-o a fundo, podeis desde já estar alegres, pois minhas palavras são verdade plena!”
Diz o orador: “Jovem e sábio amigo! Agradeço em nome de todos. Tu e o amável hospedeiro — certamente teu pai — prometestes-nos contato mais íntimo com o Deus Verdadeiro; a realização nos enche de gratidão e alegria. Prometemos o fiel cum- primento de tudo. Apenas mais uma pergunta: consta ser venerado naquele Templo o Deus dos judeus! Será o mesmo que o vosso, ou trata-se de um ídolo, como em nosso povo?”
Diz Raphael: “Há tempos lá só se venerava Deus de Verdade, pregando aos homens as Leis Divinas; aos desobedientes se reco- mendava penitência, reforma e renúncia aos pecados. Assim fazen- do, a Graça de Deus voltava a eles, do contrário o castigo redundava justamente na ausência da mesma — às vezes por toda a vida. Passa- vam por grandes sofrimentos e quando no final vinha a morte, não havia consolo, mas dores atrozes, pavor e aflição. Os cumpridores
das Leis Divinas jamais perdiam a Graça de Deus, gozavam de boa saúde e a morte nada tinha de pavoroso.
Os tempos mudaram: os próprios doutrinadores se transfor- maram em criaturas mundanas. Ainda que pronunciem o Nome de Deus, seu coração não acredita Nele, nem O ama, manifestando o pior ateísmo. Por isto lhes foi demonstrado, durante esta noite, o que os aguarda em virtude de sua maldade, e também foi o motivo pelo qual disse que os bons poderiam esperar coisas boas, os maus, prejuízos.
Lá embaixo também vivem judeus; sua fé e ação são piores que dos gentios, por isto a Graça e a Luz da Vida de Deus lhes se- rão tiradas e conferidas àqueles. Oriento-vos a respeito Dele para poderdes transmiti-lo a parentes e amigos. Dentro de poucos anos enviaremos alguns mensageiros ao vosso país, a fim de ensinar-vos mais amplamente as Verdades luminosas de Deus.
Segui em Nome Dele, e caso enfrenteis uma tempestade no mar, chamai pelo auxílio do Deus Verdadeiro, e ela se acalmará sem que sofrais outras intempéries! Servir-vos-á para testemunho de ser Ele Senhor sobre toda a Natureza, através da Força e do Poder de Seu Espírito.”
Os gregos agradecem ao anjo pelo ensinamento e promessa. Antes de partirem, o orador diz: “Jovem adorável, pleno do Poder Divino! Acaso o Deus Único, que certamente está entre nós em Pes- soa, preocupar-se-á conosco quando estivermos em alto mar passan- do aflição?”
Diz o anjo: “Eu sabendo disto, quanto mais o Espírito de Deus! Eu, pessoalmente, nunca estive em Athenas, vossa capital; en- tretanto, sei de tudo que lá existe e acontece, mormente em tua casa! Acreditas?”
Diz o grego, encabulado: “Sim, creio; acontece achar-se de- baixo de minha casa...”
Conclui Raphael: “...uma catacumba onde escondeste ouro, prata e pedras preciosas, roubo feito há sete anos pelos teus piratas num navio romano. Dentro de nossa Lei, tal ação é grande pecado, pois não deves fazer ao próximo o que não desejas que te
faça! Desconhecias o Mandamento de Deus e fizeste a Mercúrio uma oferenda.
No futuro nenhum de vós deve exercer a pirataria, pois em tal caso jamais a Graça de Deus seria vossa parte. Além disto estais sob a jurisdição romana, que igualmente proíbe o roubo. Seguindo-
-a, não pecarás contra Deus. Compreendeste?”
Responde o grego: “Já vejo nada vos ser oculto como filhos de Deus; e se naquela época tivesse noção da Verdade, não teria pra- ticado o roubo e jamais o repetirei. Não sendo possível desfazê-lo, pergunto-te qual o destino a dar ao tesouro?”
Diz o anjo: “O proprietário é muito mais rico que tu e não precisa dele; existem muitos pobres em vosso país, aos quais podeis fazer caridade; pois Deus, o Senhor, ensina: O Bem feito aos ne- cessitados tê-lo-eis aplicado a Mim, e Eu vos recompensarei aqui e cem vezes mais no Meu Reino! Empregai os bens supérfluos entre os pobres, que vos tereis redimido dos pecados, perante Deus e os homens. Agora segui em paz!”
OALIMENTODOS ANJOS.
SEXTOESÉTIMOLIVROSDE MOYSÉS
Entrementes, somos convidados por Lázaro a tomar o desje- jum. Quando Nicodemus percebe o bom apetite de Raphael, ele Me pergunta como era possível tal coisa, e Eu respondo: “Então não vês a realidade desse espírito alimentar-se como Eu, o Maior dos Espíritos? Necessitando de um físico para se tornar visível, preciso é nutri-lo com alimento do orbe, muito embora seja seu corpo su- mamente etéreo. Uma vez desnecessário, dissolvê-lo-á num átimo, desaparecendo diante de vós.
No Céu dos espíritos puros também existe alimento, espiri- tual e não material. O alimento espiritual consiste no puro Amor e na Sabedoria de Deus, e penetra o Universo, alimentando inúme- ros seres, primeiro os espíritos e, através desses, a Criação material. Em primeiro plano, o infinito Espaço do éter onde se movimentam
miríades de sóis e planetas quais peixes n’água e aves no ar. Do éter, se suprem primeiro os corpos cósmicos e destes, seus habitantes, dentro e sobre eles. Terás compreendido?”
Responde Nicodemus: “Sim, Senhor e Mestre, à medida que um homem possa assimilar Tua Sabedoria Infinita. Quando tiver progredido espiritualmente, tais assuntos ser-me-ão mais acessíveis. Por ora ignoro o que venha a ser um espírito puro, a diferença entre éter e ar, a consistência de um Sol e sua distância da Terra. Além disto, falaste de sóis! Como poderia saber tal coisa? Ainda que me integrasse dos fenômenos materiais, não percebo o puramente es- piritual, inalcançável pela mente. Que vem a ser um espírito? Qual sua forma, onde e como vive? São perguntas jamais suficientemente explicadas. Não é isto?”
Digo Eu: “Sim, falaste certo; enquanto o homem perdurar mortal não será capaz de assimilar a resposta mais completa. Alcan- çando o renascimento do espírito e a imortalidade através do cum- primento de Minha Doutrina, encontrará dentro de si a resposta nítida às tuas perguntas. Pois somente o espírito penetra em si mes- mo e nas profundezas espirituais em Deus, conforme vos demons- trei ontem à noite. Tua memória não sendo das melhores, voltas a assuntos já esclarecidos. Já não te sendo possível o entendimento das coisas terrenas, não te deves admirar da completa ausência de compreensão das relações espirituais e celestes.
Por que nunca leste e relegas os Sexto e Sétimo Livros de Moysés e o apêndice profético? Lá se encontra muita coisa útil à compreensão do Céu estelar, o mundo dos espíritos e sua existência. Procura tais obras e estuda-as com carinho que teu coração será ilu- minado! Porventura existiria matéria se não fosse criada, organizada e conservada pela força e vontade dos espíritos?”
EXPERIÊNCIASDEPROFETASNO ALÉM
Diz Nicodemus: “Tens eternamente razão, da qual carece- mos por não existir dentro de nós verdade, sabedoria e força vi- tal. Não deixa de ser difícil ao homem se libertar do mundo para ingressar no espírito. Ouvir simplesmente os Ensinos mais sábios de nada adianta ao ignorante, caso não tenha chegado à realidade de fatos espirituais através de experiências próprias. Ainda que um indivíduo o consiga, milhares nada disto percebem e não haverá progresso para a Humanidade. Outra coisa seria se todos tivessem as mesmas provas!”
Digo Eu: “Falas de coisas espirituais qual cego descrevendo as cores! Julgo que o Criador dos homens saberá melhor qual o tra- tamento necessário para alcançarem a meta fixada. Operei milagres que vos obrigaram à crença de ser Eu o Messias Prometido. Tal coa- ção não vos é útil para salvação de vossa alma, porquanto alcançareis a bem-aventurança somente pela prática do Evangelho.
Acredita-Me: se quisesse transformar-vos em máquinas, bas- taria um Pensamento ligado à Vontade, e todo o Templo, Jerusalém, o próprio país Me reconheceriam como Messias, Jehovah, Zebaoth! Acaso isto seria de proveito aos judeus e pagãos? Afirmo-te: tão pou- co quanto a esta travessa de madeira que se movimentará em todas as direções, movida pela Minha Vontade!
Vê, ela tem vida e flutua no ar qual pássaro! Quererias trocar tua existência pela mesma?! Embora tenha vida, está isenta de cons- ciência própria, pois é penetrada pela Minha Consciência que a vivi- fica. Poderás dirigir-lhe algumas perguntas, que a travessa responderá sem boca e língua. Poderias crer ter ela vida e inteligência próprias?
Digo mais: poderia conservar essa vida aparente por toda a Eternidade, devido à Minha Onipotência! Teria ela com isto existên- cia própria, independente e livre? Jamais; enquanto Eu a mantiver viva pelo Meu Poder, ela é inerte e morta. Sua vida aparente é Minha Onipotência, ou seja, Minha Própria Vida. Eu a retirando, aparece a
inércia e o julgamento necessário de toda matéria, e não descobrirás vida nela, conquanto se movimente em todas as direções.
Manifestação idêntica teriam as criaturas caso as coagisse com a Minha Onipotência ou por meio de milagres, impedindo-lhes o livre pensamento. É, portanto, muito melhor a livre descrença que a fé imposta pelos milagres. A liberdade plena e independente da von- tade humana se baseia no grande Plano de Deus. Pode o humano ser instruído por Deus no que fazer para alcançar a perfeição da vida; nunca, porém, deve ser coagido, nem por Deus, nem por espírito al- gum. Pois se assim acontecer, estará julgado, psiquicamente morto, inexistente como criatura livre e independente.
Por este motivo, permito mui raramente visões e experiên- cias do reino dos espíritos por ti desejadas, e caso aconteçam vez por outra a pessoas isoladas, destinadas quais profetas, geralmente provindas do Alto e tendo passado encarnações noutros mundos, tal fato não as prejudica, tampouco aos semelhantes, que poderão dar-lhes crédito. Não o querendo — o que, infelizmente, é comum
— continuam livres no pensar e determinar de suas ações, de maior utilidade que qualquer coação de fé.
O homem só consegue ser feliz por Deus e em Deus à medida que tiver submetido seu livre arbítrio à Vontade Divina, unindo sua consciência à de Deus. Se a Divindade lhe tirasse o livre arbítrio su- plantando-o pela Vontade Divina através da Onipotência, o homem estaria como que morto, pois teria apenas vida idêntica à Minha, ma- nifestada nesta travessa. Deus criou o homem de tal forma a poder su- cessivamente desenvolver-se, a ponto de achar impossível existir algo mais sábio que seu intelecto e raciocínio. Penso ter dado explicação completa. Se a tiveres compreendido, vamos nos dirigir ao ar livre!”
OPOVOEOS TEMPLÁRIOS
A esse Meu convite, todos Me acompanham ao mesmo local onde estivéramos pela manhã. Avista-se Emaús, lugarejo perto de Jerusalém, alcançável por vários caminhos para pedestres. A estrada
de rodagem obrigava a dar grande volta, de sorte a se preferir o cami- nho a pé. Precisamente nesse dia havia feira de pão em Emaús, mas em virtude dos fenômenos, quase ninguém tinha feito pão.
Orientado deste pormenor, Nicodemus Me diz: “Senhor e Mestre, aqui se encontram as padarias do Templo, dando semanal- mente renda de cerca de mil moedas de prata romana! E hoje não há pão! Que farei?! Certamente haverá barulho por isto! Senhor e Mestre, poderias ajudar-me, caso fosse de Tua Vontade!”
Digo Eu: “Serás ajudado; todavia, digo a todos: não acreditais se não vos são proporcionados milagres sucessivos, ainda que a verda- de seja palpável! O povo não terá grande reação, porque também assis- tiu aos fenômenos, e além disso haverá suficiente provimento de pão.
Chamo vossa atenção para outro pormenor do qual surtirá maior embaraço ao Templo do que da possível falta de pão! Vede o mundo de gente em todas as estradas para Jerusalém! Todos eles querem orientação dos templários a respeito do espetáculo noturno! Os sacerdotes os suprirão com prédicas de penitência, falando da Ira Divina que precisa ser aplacada mediante contrições e sacrifícios.
E o povo perguntará: Por que dizeis isto agora, quando de- víeis há tempo saber de nossa situação perante Deus? Sabemos ter Ele sempre advertido durante anos o seu povo, através de profetas e visionários, das consequências provindas de seu afastamento das Leis. E se ultimamente alguns nos recomendavam reforma de nossos atos, declaraste-os falsos, perseguindo os que lhes davam ouvidos. Agora, assustados com os sinais inauditos pelos quais se vê nitida- mente a Ira de Deus — pretendeis atirar a culpa sobre nós. Não o aceitaremos, e sim dirigir-nos-emos pessoalmente a Ele, pedindo perdão pelos pecados sem vossa interferência.
Tal reação atirará os sacerdotes em grandes embaraços e al- guns obstarão: Deus certamente Se aborreceu convosco por não quererdes seguir-nos, pois sempre vos dirigis aos falsos profetas, em- penhados em afastar-vos do Templo.
A multidão responderá: Enganai-vos, pois jamais ouvimos a voz dum falso profeta, mas a dos verdadeiros que declaravam aber-
tamente ter-se aproximado o Reino de Deus. Foram por vós perse- guidos como sempre fizestes a tais criaturas e será o motivo pelo qual Jehovah nos demonstrou sua grande Ira, entregando-nos à punição de nossos inimigos. O fato de não serdes profetas concluímos de vossa ignorância quanto à nossa situação perante Deus.
Novamente um sacerdote interporá: Se esta foi vossa opi- nião, por que viestes ao Templo? Poderíeis ter ficado em casa!
O povo retrucará: Não fostes vós o motivo de nossa vinda, e sim o Templo e Deus, ao Qual pediremos, contritos, perdão dos pecados. Se quiserdes, podeis acompanhar as nossas orações; nada pagaremos por isto, e sim daremos óbolos aos necessitados!
A tal determinação popular, os sacerdotes recuarão, enquan- to o povo fará grande alvoroço no Templo e no átrio. Se quiseres, amigo Nicodemus, poderás te convencer de Minhas Palavras e trans- mitir algum conselho ao povo; nada digas de Minha Presença aqui!”
Nicodemus agradece e diz: “Tudo farei para acalmar a mul- tidão. Que direi ao Sumo Pontífice, aos fariseus e decanos caso me perguntem onde passei esta noite, pois devem saber não ter eu estado nem no Templo, nem em casa? Falando a verdade, denunciar-Te-ei!”
Digo Eu: “Não tenhas receio; ninguém te perguntará, e além disto serás inspirado quando necessário! Poderás voltar à noite, pois passarei o dia aqui.”
Nicodemus desce do monte, mas não pode deixar de olhar para trás, a fim de averiguar se não é visto por judeu. Por isto en- vio-lhe Raphael, que o conduz até às portas da cidade sem ser visto. Quando lá chegam o arcanjo desaparece, e no mesmo instante está em nosso meio. Em seguida, digo a alguns discípulos que podem igualmente ir ao Templo para testemunharem os fatos. Assim fize- ram e à tarde voltam, contando o que sucedera.
Em seguida, Lázaro Me diz: “Senhor, até eu estou ansioso por saber do desfecho do caso no Templo, pois ainda deparo com muita gente pelas estradas. Se tudo isto for enchê-lo, a balbúrdia será inédita. A voz de Nicodemus será fraca para sobrepujá-los.”
Respondo: “Preocupa-te com outras coisas! Ainda tenho meios de sobra para impedir um tumulto; todavia, não chegará a tal ponto. Eis que os jovens despertaram com fome. Vai, Raphael, e tra- ta de supri-los, inclusive com vinho, diluído em dois terços d’água.” Ligeiro, o anjo executa Minha Ordem, para alegria dos adolescentes, que mal se contêm em expressar sua gratidão filial. Após alimenta- dos, postam-se em fila e pedem Minha Aproximação, para poderem Me agradecer individualmente.
Digo-lhes, pois: “Não é propriamente necessário; preferindo assim fazer, é melhor virdes isoladamente. Se Eu o fizesse, com facili- dade surgiria o ciúme entre vós, julgando Eu dar preferência. Assim, depende de vós quem desejar ser o primeiro.”
Dizem eles: “Neste caso, o atropelo seria desagradável para Ti! Por isto é melhor determinares onde deve começar a fila; até no amor é preciso haver ordem. O bom Deus tudo organizou tão maravilhosamente neste país, de sorte a ser preciso respeitarmos Sua Ordem!”
Digo Eu: “Bem, começai, pois, pela ponta direita!” Em se- guida eles se dirigem, dois a dois, a Mim, primeiro os rapazes, depois as meninas. Curvam-se profundamente, comprimem Minhas Mãos contra o peito, novamente se curvam para voltar ao lugar. No final perguntam o que poderiam fazer então.
Eu lhes digo: “Alegrai-vos com observações úteis, como se- jam: o belo panorama, as flores etc., e considerai ter feito isto tudo Deus de Sabedoria e Onipotência e agradecei-Lhe no coração. Mo- vimentai-vos à vontade como nós!” Gratos, os ex-escravos se distra- em pela redondeza.
Entrementes, nós outros subimos ao cume do monte, onde há um bosque de oliveiras com grande número de bancos. Satisfei- tos, todos expressam seu contentamento a Lázaro. A vista é maravi- lhosa: veem-se o Jordão, o vale, muito ao longe parte do Mar Morto.
Após certo tempo, Agrícola se externa: “Confesso jamais ter gozado panorama tão estupendo! Realmente, será difícil e mais do- lorosa a morte aqui, do que em local menos belo, pois dá vontade de eternizar a vida!”
Digo Eu: “Terias razão, caso a alma em união com o Espírito de Deus não recebesse a faculdade de gozar paisagens muito mais maravilhosas em outros mundos, na hipótese de constituir este fator o maior prazer para ela! A Meu ver existem outros êxtases para a alma liberta do corpo, que a simples observação de paisagens des- lumbrantes.
Admitamos que fosses obrigado a observá-la durante um sé- culo e, embora provido de tudo, garanto-te que o enfado de ti se apossaria, a ponto de não mais suportá-la. Gozar em companhia de bons amigos um belo panorama enleia a alma; a seguir, ela deseja modificações para maiores experiências e ensinamentos.
Ainda que uma alma perfeita consiga ver tudo com os olhos físicos, sua capacidade de ver, ouvir e sentir em estado de liberdade espiritual será muito maior! Há pouco vos demonstrei tal fato quan- do as pessoas, tocadas pela visão interna, descreveram tua capital tão nitidamente como se tu a estivesses analisando.
Portanto, compreenderás ser a visão da alma mais apurada em estado de liberdade, e se deres crédito às Minhas Palavras e Pro- vas, não será possível afirmares ser mais difícil alguém morrer aqui, do que em zona menos privilegiada! Por certo não duvidarás da exis- tência e consciência da alma após a morte?”
Diz Agrícola: “Claro que não, Senhor e Mestre, porquanto já fiz experiências na Espanha, Sicília e Egito. Aqui, o caso é outro e me levou a fazer essa observação.”
Neste instante, o grupo de aduaneiros Me pergunta se Eu não Me aborreceria caso eles fossem para casa, a fim de verificar se seus empregados não procuraram extorquir a multidão a caminho de Jerusalém.
Respondo: “Está bem, sede bondosos para compensardes o mal por tantos anos praticado, que sereis remidos dos pecados!” Satisfeitos, os aduaneiros se afastam.
NATUREZADEALMAE ESPÍRITO
Novamente Me dirijo a Agrícola: “Podes fazer tuas objeções!” Ele começa: “Senhor e Mestre, é fato consumado a existência da alma após a morte; mas — para onde vai e qual a natureza dela e a do espírito? Segundo Tua Afirmação, o Espaço é Infinito, portanto almas e espíritos lá se devem encontrar.
Outro ponto: qual a forma de uma alma ou de um espírito, e por que o homem não os pode ver? A ausência de conhecimento neste assunto faz com que tenhamos medo da morte.”
Digo Eu: “Seria fácil explicar-te caso tivesses a compreensão para tal; ela te falta ainda, muito embora tenhas ouvido de Mim vá- rias explicações e te tornaste testemunha de alguns milagres. Assim é difícil dar-te elucidação maior.
A alma humana é substância puramente etérea, concate- nada de muitos átomos luminosos ou partículas diminutas, para uma forma humana perfeita através da Sabedoria e Onipotência Divinas; e o espírito é a Vontade de Deus, o fogo do Puríssimo Amor Divino.
O espírito puro, um Pensamento de Deus surgido do Seu Amor e Sabedoria, adquire vida pela Vontade Divina. Deus sen- do qual fogo de Seu Amor e Sabedoria, o mesmo ocorre com o Pensamento realizado e projetado. O fogo é uma força, portanto é tal Pensamento de Deus igualmente uma força consciente e ativa, com a mesma clareza com que foi projetado. Penetra a matéria sem
contudo por ela ser penetrado, porque a matéria é consequência da expressão do Espírito surgido de Deus.
6. A alma é de certo modo matéria dissolvida e coagida pela força do espírito; passando à forma primitiva e unida a ele, perfaz o seu corpo etéreo luminoso e substancial, assim como a alma forma, através de sua vontade espiritual, sua veste da matéria carnal que a envolve, após inteiramente dissolvida. Tens aí uma breve elucidação da natureza da alma e do espírito puro.
Quanto ao local da permanência da alma após o despren- dimento, dificilmente compreenderás; ainda assim darei pequena orientação, de onde poderás tirar algum conhecimento. O principal experimentarás dentro de ti, quando tiveres alcançado o pleno re- nascimento, ou seja, a união do espírito com a alma, porquanto ela não é capaz de assimilá-lo inteiramente enquanto não lhe advir a força do espírito para tal. No primeiro período de sua existência postmortem, a alma geralmente se encontra onde viveu na Terra, isto é, no caso de não ingressar completamente perfeita no Além.
Em tal caso, ouve e vê o mundo natural, muito embora lá não mais se encontre. Sua existência é mais ou menos um sonho lúcido, no qual ela vive numa zona ou paisagem de sua própria pro- jeção, agindo como se se encontrasse no mundo natural, sem que algo lhe falte.
Pela Permissão de Deus, geralmente é destruída tal zona, e a alma passa a outra, correspondente ao estado íntimo, e pode le- var tempo até que compreenda, por vários ensinamentos, ser tudo que pretende possuir, fútil. Positivando-se em tal compreensão, ela começa a refletir seriamente a respeito de sua situação, percebendo paulatinamente ter abandonado o mundo material, enchendo-se de ânsia para alcançar pouso efetivo e estável.
Chegado este ponto, é ela orientada por espíritos perfeitos sobre o que deve fazer; seguindo tais conselhos, torna-se mais lúcida, porque é cada vez mais penetrada pela centelha divina dentro dela. À medida que ela cresce qual embrião no corpo materno, tudo a seu redor começa a ter maior consistência.
Tão logo for inteiramente penetrada por ela, atinge a ple- na visão, conhecimento claro, consciência e recordação perfeita de tudo: o que foi, como se criou, o que fez e qual a aparência e consis- tência do mundo em que viveu.
Pode analisar nitidamente Terra, Lua, Sol, planetas — o que até hoje nenhum astrônomo, grego ou egípcio pôde fazer — inclu- sive outros sóis de enxames globulares, que vos expliquei ontem, regozijando-se sobremaneira com suas formações maravilhosas e no Amor, Sabedoria e Onipotência de Deus.”
GRAUSDIVERSOSDEBEM-AVENTURANÇADAS ALMAS
(O Senhor): “Isto tudo é certo e indispensável para uma alma perfeita, entretanto é apenas o menor grau da enorme felicidade, porque com o tempo começará a cansá-la, assim como te causaria enfado a observação secular desta linda paisagem.
Grau mais elevado constitui o dote da força criadora real- mente divina, podendo tudo fazer dentro da Sabedoria, o que Deus produz da mesma forma.
Outro grau, quase máximo, de felicidade, se baseia no cons- tante Convívio com Deus, Senhor e Criador Único, seu Amigo mais Íntimo, podendo amá-Lo ilimitadamente e por isto supervisionar com Ele a Criação material e espiritual.
A máxima bem-aventurança de uma alma perfeita se concre- tiza na liberdade divina, pela união com Deus através do amor.
A Verdade de Minhas Palavras podes registrar com teus pró- prios olhos neste Meu jovem servo. Por várias vezes perguntaste pela sua identidade. Agora te informarei: este adolescente de há muito é espírito puro, todavia já viveu na Terra! Chamava-se Henoch e foi o primeiro profeta e doutrinador dos descendentes de Adam.
Como sua alma nos primórdios se inflamou no amor puro e mais elevado para com Deus, tal amor dissolveu o corpo em substância etérea revestindo a alma liberta, tornando-se, para sem- pre, um arcanjo dos mais elevados Céus, isto é, da mais suprema
liberdade divina, o que podes deduzir da sua permanência jun- to de Mim.”
Arregalando os olhos, Agrícola exclama: “O quê? Este — um espírito puro e perfeito?! É de carne e osso, e se alimenta como nós! O fato de ele produzir milagres procurei explicar pela aceitação como Teu discípulo, porquanto não o vemos qual espírito puro. Ao tocá-lo, sente-se o mesmo que em nós! Mas, enfim, acredito, embo- ra perturbe meu raciocínio. Como pode ter corpo?”
Respondo: “Já te disse termos tempo para explicações. O res- tante ser-te-á proporcionado por Raphael-Henoch, porquanto dirá e demonstrará o mesmo que Eu, devido à sua liberdade, poder, sa- bedoria e força, conquistados como posse dele. Podes começar tuas pesquisas!”
OS ANJOS
Vira-se em seguida Agrícola para Raphael: “Sublime servo de nosso Deus, Senhor e Mestre! Que espécie de corpo tens entre nós? De carne e sangue?”
Diz Raphael: “Convence-te pessoalmente!” O romano isto faz e constata ser o mesmo idêntico a um mortal, e diz: “Nada sinto de espiritual — entretanto és puro espírito e quase da idade do Gê- nero Humano desta Terra?”
Insiste o anjo: “Repete o exame e veremos qual tua conclu- são!” Novamente Agrícola quer apalpá-lo, todavia não sente maté- ria, e seus dedos se fecham no ar. Admiradíssimo ele diz: “Isto é para perturbar um homem inteligente! Há pouco tinhas corpo sólido, agora não existe! Se porventura ainda puderes falar — onde ficou tua matéria?”
Responde o anjo: “Onde estivera anteriormente; a minha vontade fez com que a sentisses, e agora, igualmente, a ausência material. Tudo que nós, espíritos perfeitos, queremos se realiza den- tro de nossa liberdade e sabedoria, momentânea ou sucessivamente, numa ordem preestabelecida.
Em virtude de nosso amor para com Deus, achamo-nos ple- nos de Sua Sabedoria e Poder, suportáveis e perceptíveis, a ponto de ser o Amor, Sabedoria, Vontade e Poder Dele igualmente posse nos- sa. Existem, entretanto, profundezas inconcebíveis em Deus, jamais sondáveis por espírito criado; pois se assim fosse, ele não seria feliz, porque não haveria esperança de outras bem-aventuranças provin- das de Deus. Tereis compreendido isto, romanos?”
Respondem vários: “Amigo celeste, para assimilar tal coisa — é preciso algo mais que o nosso intelecto! Deve ser como dizes; todavia, temos que esperar até que nossas almas se tornem aperfeiçoadas.”
Diz o anjo: “Pois bem; dirigir-me-ei apenas a Agrícola, pois vossa compreensão não é semelhante à dele. Podeis prestar atenção à nossa palestra e passo a palavra ao vosso amigo!”
Diz o romano: “No fundo, assimilei alguma coisa; na ínte- gra, sou como os outros e aguardo tempos melhores, de acordo com a Promessa do Senhor! Apenas desejava explicação de como podes desmaterializar-te, entretanto continuares presente! Ora és algo real, em seguida pleno nada, entretanto é o nada idêntico à realidade!”
Diz o anjo: “Mas isto é compreensível! Nós, espíritos, na es- fera puramente espiritual e por vós imponderável, somos algo unica- mente real e de origem primária. Todo resto no mundo da matéria é simples aparência, produzida pela nossa vontade a fim de fornecer às vossas almas materiais um intermediário constante pelo qual podeis alcançar a liberdade plena e real como a nossa.
Apanha uma pedra para eu poder dar-te uma demonstração! Muito bem! Dirás ser ela pura realidade, pois sentes peso e dureza. Todavia, afirmo-te ser tal realidade idêntica a mim quanto ao corpo físico, em relação ao espiritual. Pois dureza e peso desta dependem unicamente da consistência de nossa vontade.
Se eu, por exemplo, quiser que ela se torne idêntica a mim quanto ao corpo, tua mão a traspassará como fez comigo. Isto se dando, a matéria da pedra, produzida pela nossa vontade espiritual, terá alcançado sua realidade básica, sem a qual se apresenta qual pedra. Examina-a de novo, se realmente é a mesma!”
Diz Agrícola: “Sim!” Prossegue o anjo: “E agora?” Respon- de o romano: “Ah, vejo-a qual pequena nuvem na palma de minha mão, sem peso e aspereza. Coisa estranha! Como fizeste isto?”
OPODERDOS ANJOS
Diz o anjo: “Já te disse dar-se isto pela constância de nossa vontade, e toda matéria nada mais é que Imutabilidade da Vontade do Espírito de Deus, muito embora te pareça tão variável. As di- versas substâncias da matéria e seus elementos, pelos quais parecem surgir e existir diante de teus olhos — são nossos pensamentos. For- ma e cores são ideias surgidas de nossos pensamentos. Sua utilidade representa conceitos surgidos daqueles, e o alcance de um destino espiritual para tudo que ora é matéria, são nossos propósitos dos quais surgirá sua meta final.
Por isto, só existe vida verdadeira e real em nós, espíritos imortais, enquanto a matéria tem vida simplesmente por nós reali- zada e dependente, conforme acabas de verificar com a pedra. Ainda tens a nuvem em tua mão; eu a preencherei com a constância de minha vontade e logo terás a pedra anterior à tua frente!”
O fenômeno estonteia Agrícola, que diz: “Ela será para mim um tesouro como recordação deste fato milagroso! Porém, outra per- gunta: dentro de mim existe uma alma e, nela, um espírito idêntico ao teu! Por que não posso fazer o mesmo que tu com a ajuda dele?”
Responde o anjo: “Por não estar tua alma amadurecida e teu espírito não ter ainda ingressado nela. Todavia, ele realiza algo pela constância da própria vontade, incógnita à tua alma: a construção e conservação temporária do teu corpo. Ela não o percebe, tampouco a maneira pela qual é constituída, porque seu construtor interno não lhe pôde demonstrar, em virtude de seu não amadurecimento.
O espírito intrínseco trabalha constantemente para o rápido amadurecimento e plena liberdade; entretanto, não lhe pode impor a mesma coação, pois, deste modo, ela se tornaria mais materialista e recalcada do que por influência externa. Por este motivo foram
dados à alma vontade e intelecto próprios através do ensino, a fim de determinar, de livre e espontânea vontade, o desprendimento do mundanismo e, por meio da introspecção, encetar a trilha mais pura. À medida de sua purificação, o espírito puro, até então habi- tante do Além, a ela se une. Esta união é o renascimento espiritual e em tal estado poderá, ainda encarnada, fazer o que fiz como espírito unido à minha alma.”
ANATUREZADO AR
(Raphael): “Quando estive encarnado, por muitos anos, re- cebi pela Graça do Senhor a noção deste caminho interno e o pal- milhei com crescente perseverança. Assim ocorreu que, no final de minha vida, meu espírito e minha alma se amalgamaram, dando po- der sobre o corpo, a ponto de poder dissolvê-lo momentaneamente conforme fiz com a pedra, inclusive com o meu físico. Dele conser- vei apenas o necessário para que tu me visses com a visão material.
No momento em que se fizer necessário um físico idêntico ao teu — basta apenas querer. Assim quero! Podes certificar-te ser ele o mesmo que anteriormente!” Perplexo, o romano constata o fato. Em seguida, indaga: “Quando dissolveste teu corpo, como homem perfeito, também pudeste reconstruí-lo?”
Responde Raphael: “Tão bem como agora, entretanto não o quis por ser uma vida puramente espiritual e incorpórea muito mais perfeita que qualquer físico, embora projetado pela vontade. Neste corpo minha ação é reduzida. Tão logo vejas eu operar algo milagro- so, ele desaparece para ressurgir após a ação. Sou capaz de tudo com ele, todavia não de modo tão perfeito. Tens ainda outras dúvidas?”
Responde Agrícola: “Oh, em quantidade! Acaso serias capaz de transformar parte do ar puro em matéria qualquer?”
Diz Raphael: “Por certo; primeiro, é o ar matéria e contém todos os elementos; além disto, depende de meu espírito permi- tir plena ação à minha vontade, portanto posso transformar o ar. Dize-me no que deve ser modificado!”
Diz Agrícola: “Amigo, deixo isto ao teu critério mui sábio! Faze o que quiseres que tudo estará bem!”
Diz Raphael: “Neste caso quero que o ar ao nosso redor se condense numa coluna perfeita, a doze passos daqui, numa altura de dez metros e dois de circunferência! Que assim seja! Vai e ana- lisa aquela coluna e sua consistência!” Todos os romanos se enca- minham para lá. Em seguida exclamam: “Que coisa extraordinária! É realmente uma coluna de granito sólido, incomum em Roma! Não resta dúvida; no espírito reside a vida, e toda matéria é apenas consequência da imutabilidade da vontade de um espírito puro!”
Prossegue o anjo: “Qual vosso cálculo referente ao peso?” Responde Agrícola: “Será difícil determiná-lo; presumivelmente terá cem mil libras e nem mil homens poderão levantá-la!”
Diz Raphael: “Teu critério é certo; contudo, ser-me-á fácil erguê-la apenas pela vontade. Podes determinar altura ou distância desejadas, que executarei de pronto teu desejo.”
Diz Agrícola: “Sendo esta tua vontade, peço que a suspen- das a cem metros de altura, a meio caminho de Emaús!”
Diz o anjo: “Está bem, que assim seja!” Nem bem acaba de falar a coluna se acha na altura determinada, e em seguida é vista na zona referida. Todos ficam atordoados, mormente os romanos.
Raphael, porém, diz: “Como é possível tamanha manifes- tação de perplexidade! Acaso haveria algo impossível a um espírito puro? Tudo se baseia na vontade firme do mesmo! Se somos capazes de transportar planetas, sóis simples ou centrais, inclusive enxames globulares, como duvidardes da transplantação de uma coluna?! Quem tem poder de brincar com leões como se fossem moscas por certo não terá receio de mosquitos!”
NATUREZADO ESPÍRITO
(Raphael): “Como ainda há tempo, demonstrar-vos-ei algo mais, a fim de não supordes eu me entreter apenas com pedras. Aque- la coluna existe e permanecerá naquele local durante mil anos, pela
constância de minha vontade! A fim de que, mormente os romanos, vejam não haver impossibilidades a um espírito, surgirão, no mesmo ponto onde se apresentava a coluna de granito, uma tamareira, lade- ada por duas figueiras, todas elas carregadas de frutos maduros.
Pronunciei-o e liguei minha vontade à palavra e prontamen- te se apresentaram! Ide saboreá-los!” Todos aceitam o convite e se alegram com o delicioso aroma dos frutos.
O anjo prossegue: “Que venha mais uma dúzia de ovelhas para o pasto de Lázaro, nosso querido amigo e irmão! Ei-las como propriedade dele! Julgo ser prova insofismável do poder de um es- pírito puro e plenamente livre em sua vontade. Refleti a respeito e externai vossa compreensão, para poderdes receber elucidação maior do Senhor!”
Diz Agrícola: “Amigo celeste, seria fácil caso nos encontrás- semos em tua esfera sublime; acontece ser nossa trajetória até lá mui longa. Tuas explicações são compreensíveis ao nosso intelecto; o que escapa ao mesmo é o fato de ser a vontade constante de um espírito idêntica aos elementos telúricos e cósmicos.
Neste caso, a matéria nada é, tampouco a alma, produto da mesma. Apenas o espírito puro é real. Qual sua composição e quais seus elementos? Tal pergunta jamais será respondida por mortal, enquanto não se tiver espiritualizado. Por isso, deves ter paciência conosco, porquanto tuas elucidações, não obstante as provas realiza- das, ainda não conseguem fornecer a luz necessária da composição do espírito puro. Facilmente se emprega tal definição; onde está a compreensão da mesma? Logo, é inútil meditarmos a respeito, e aconselho começares a externar-te mais profundamente, caso não se torne cansativa nossa incompreensão.”
Diz Raphael: “Amar a Deus acima de tudo e servir aos homens destinados a se tornarem espíritos puros como nós constitui máxima felicidade e bem-aventurança! Como poderia cansar-me o que vos servirá de maior elucidação? Prestai atenção ao que acrescentarei.
Em síntese, é Deus o Espírito Puríssimo de todos os espíritos, Elemento Básico e Eterno de todos os elementos. O espírito puro
em si, como matéria e elemento, é fogo e luz, ou o próprio Amor e Sabedoria. Não convém imaginardes fogo material e amor sensual, tampouco luz solar ou artificial, conquanto exista correspondência entre ambos. O fogo do espírito é Vida pura e sua luz — Sabedoria.”
NATUREZADO ÉTER
(Raphael): “Julgas ser o ar que vos envolve tanto quanto nada. Basta ser levado a forte movimento e sua força, qual tufão, arranca do solo os cedros mais possantes, eleva ao mesmo tempo as vagas do mar a verdadeiras montanhas, provando ser o ar algo po- deroso. É, portanto, um corpo que contém toda sorte de elementos em estado primitivo e violento.
A água, mormente de chuva ou fonte, é o mesmo que o ar, porém algo mais condensado, e a água do mar ainda mais compacta.
Subamos dez horas acima do globo terrestre e encontrare- mos o puro éter, completamente inexistente para os vossos olhos. Se olhardes horizontalmente numa distância de várias horas, o ar puro que o enche apresentaria as montanhas numa fumaça azulada. Se tal espaço fosse pleno de éter puro, as montanhas seriam vistas com toda claridade. A distância entre Terra e Sol está completamente saturada deste éter.
Nele se encontram todos os inúmeros elementos em estado mais livre que no ar mais puro desta Terra. São forças libérrimas e muito mais próximas e afins do fogo e luz primitivos, e alimentam a atmosfera telúrica, que por sua vez supre a água, e esta o solo com tudo que nele se encontra. Concluímos ser o éter algo mui impor- tante e não inútil como se apresenta aos sentidos.
Ainda assim, o éter não é algo espiritualmente puro; tem íntima semelhança com a substância da alma, mas apenas como intermediária no Espaço, onde colidem inúmeras forças de Deus, unificando-se e agindo em conjunto.
Por certo indagarás: Como pode haver ação homogênea en- tre elementos tão diversos? — Digo-te: nada mais natural e fácil!
Neste planeta do Senhor, nos mares, rios, etc., existe número inima- ginável de vegetação, animais e minerais, de sorte a ser impossível a um cientista desta época anotá-lo! Formam um conjunto com o orbe e agem para uma só finalidade, entretanto são tão diversos em espécie e ordem, a ser fácil conseguires diferenciar uma figueira de uma sarça, um leão de um boi, uma andorinha de um pato, um peixe de uma tartaruga, e o chumbo do ouro.
Na Terra tal diferenciação é fácil; não a percebes no éter, no ar e na água, muito embora as inúmeras espécies de forças e seus elementos produzidos sejam mais distintamente isolados entre si do que se apresentam na matéria.
É, pois, o fogo espiritual da substância do éter, invisível aos sentidos, uma força eternamente ativa surgida de Deus, preen- chendo o Espaço Infinito, agindo e criando constantemente. Deus Mesmo é, no Seu Centro, o Espírito Eterno e Primitivo, o Homem Eterno que preenche, desde Eternidades, o Espaço surgido por Ele com Seus Pensamentos e Ideias, que saturados pelo Seu Amor, atra- vés de Sua Sabedoria e emancipados pela Vontade se tornam seres isolados, em formas ordenadas. Nestes seres é depositada a capaci- dade de se reproduzirem eternamente, desenvolvendo-se na escala gradativa da Ordem Eterna de Deus, unificando-se na sublime se- melhança Divina.”
OELEMENTOESPIRITUALDA MATÉRIA
(Raphael): “Demonstrar-te-ei alguns exemplos dados a Láza- ro pelo Senhor e por mim, para que possas compreendê-lo melhor. És, além de militar, horticultor, e possuis vastos jardins e hortas onde cultivas toda espécie de flores e frutos. A fim de que sejam constantemente supridos, precisas colher sementes que te dão gran- de alegria pela germinação; acaso terias escolhido solo diverso para cada semente? Afirmas possuir o teu vasto terreno à beira do Tibre até o Mar Mediterrâneo apenas uma só qualidade de terra, e todos os vegetais produzem abundantemente.
Se, porém, não chove no verão — fato comum em Roma — teus empregados têm que regar o jardim. Porventura tens água es- pecial para cada planta? Respondes que não. Então é a água comum útil para todas.
Concluímos possuir teu jardim uma só espécie de solo e água, assim como o ar, a luz e o calor do Sol são idênticos, descontando a mudança de estação, que todavia atinge o terreno todo.
Se, portanto, as condições ao crescimento dos mais variados vegetais são idênticas, deveriam produzir os mesmos efeitos no to- cante à forma, paladar e sabor — entretanto dá-se enorme diferença. Ao mastigares um caroço de limão sentes gosto amargo. Onde o fruto se supre da agradável acidez? Essa observação se estende a todas as espécies. Se refletires um pouco, perguntarás como podem forças similares produzirem efeitos tão diversos. Digo-te: todas as substân- cias psíquicas existem primeiro no éter, em seguida no ar e na água. Visão, olfato e paladar mais apurados não conseguem descobrir em um desses elementos originais e comuns algo de paladar ou aroma de qualquer vegetal — sem mencionarmos forma e cor. Como, por- tanto, se dá tal fenômeno?!
Deparamos com elementos puramente espirituais na ma- téria orgânica, demonstrando ao pesquisador tenaz ser apenas o espírito algo real, enquanto aquilo que se apresenta aos sentidos nada é; unicamente o que reside na semente age como elemento espiritual. Oculta-se numa membrana diminuta dentro do gér- men. Tal elemento puramente espiritual enfeixado na membrana é um Pensamento ou uma Ideia plena, luz e força de vontade, em seu perfeito isolamento dos inúmeros outros, igualmente marca- dos pela espécie.”
AÇÃODOESPÍRITOSOBREA MATÉRIA
(Raphael): “Tal espírito isolado na membrana do gérmen, de posse de sua inteligência lúcida e consciente de seu poder — propriamente ele mesmo — facilmente percebe quando a semente,
habitação material por ele constituída, se encontra em posição ade- quada para ação correspondente.
Tão logo a semente é depositada na terra úmida e o invólucro da matéria substancial é amolecido devido a uma troca de vibração das partes psíquicas com as externas, prontamente o espírito começa a fazer uso de sua inteligência e poder de vontade. Conhece a fundo as partículas a ele correspondentes dentro da terra, água, ar, luz e ca- lor do Sol; atrai-os e deles forma, dentro de sua ordem, o que é afim à sua natureza, de sorte a surgir um vegetal com a enorme variedade de sua espécie. A folhagem, ou seja, a parte externa desde a raiz até a coroa, é pelo espírito criada apenas para sua multiplicação dentro das novas sementes, levando ao Infinito sua individualidade, muito embora se tenha elevado, passando à criação de formas e seres mais perfeitos, em união com as partículas psíquicas assimiladas.
O que acabo de te explicar dá-se em escala menor em todos os minerais; em grau mais elevado nos irracionais, e nas criaturas de modo mais potente. É igualmente aplicável na formação dos mun- dos cósmicos, dos enxames globulares e do próprio Homem Cósmi- co em sua totalidade, descrito e demonstrado pelo Senhor.
Daí poderás deduzir que toda verdade e realidade só se en- contram no espírito, enquanto a matéria nada mais é que a cons- tante vontade do mesmo, podendo ser amainado, dissolvido pouco a pouco, e finalmente transformado em um corpo de substância psíquica, dentro de um espaço longo ou curto, à medida que uma tendência psíquica se apresenta acessível à ordem interna e viva do espírito, de acordo com a vontade livre depositada dentro dela.
Observa com atenção a Natureza e descobrirás o que ora te expliquei! Não podes exigir de mim, no curto espaço de nosso convívio, que eu venha elucidar-te minuciosamente sobre todos os minerais, vegetais e irracionais, com referência ao seu conteúdo pu- ramente espiritual ou de substância psíquica apenas. Basta saberes quais as relações entre espírito, substância psíquica e matéria. Essa regra vale para toda Eternidade e todo Infinito; entendendo o Alpha, entenderás o Ômega. O que se encontra entre ambos é idêntico à
sua particularidade — com exceção das inúmeras formas. Como ainda há tempo, podes expressar tua compreensão do assunto.”
OESPÍRITO,FORÇA INTRÍNSECA
Diz Agrícola: “Amigo celeste, impossível alguém dar defini- ção mais elucidativa que tu. Por certo compreenderás melhor por que não é viável termos capacidade assimiladora; pois, enquanto o mortal não a tiver alcançado, não conseguirá penetrar no verdadeiro conhecimento. Ainda assim, estou plenamente ciente de se achar somente no espírito a realidade intrínseca. Apenas te peço alguns exemplos, sempre de maior utilidade.”
“Facilmente poderia satisfazer-te”, responde Raphael, “entre- tanto não captarias o elemento espiritual por meio dos sentidos. O espírito é em tudo a força intrínseca, penetra, vê e domina tudo — o que também será feito pelo teu, mas não hoje nem amanhã, e sim quando tudo dentro de ti estiver em plena verdade.
Observa os discípulos do Senhor, dos quais dois, no momen- to, se acham no Templo, sendo um materialista! Os outros se en- contram quase no ponto em que eu estou como puro espírito. Essa conquista não foi fácil como julgas. São na maioria pescadores do Mar Galileu, possuidores de bens terrenos e família; mas tudo isto abandonaram para seguir o Senhor na conquista do Reino de Deus, Seu Poder e Força! Em virtude disto, alcançaram em curto tempo o que realizarás aos poucos como homem do mundo.
Fá-lo-ás à medida do teu amor para com Deus e ao próximo; a força deste amor demonstrará o quanto despertou e amadureceu o Reino de Deus dentro de ti.
Tal amor é o teu espírito como verdade e realidade únicas, e a própria vida eterna e indestrutível! Tal realização não te posso demonstrar pelo exemplo, pois terás que experimentá-la dentro de ti. Até lá deves crer na esperança do cumprimento de tudo que o Senhor prometeu a ti e a todos, como Verdade de Origem Eterna!
Todavia, darei algumas provas pelas quais deduzirás encontrar-se apenas no espírito o elemento original e a realidade ab- soluta. Vós, romanos, afirmais: O que desde o início não tem, ou não pode ter, força, não poderá realizar algo, pois do nada, nada surge. O simples raciocínio conclui ser o espírito algo real; se fosse um nada, inconsciente de si mesmo, como poderia tornar-se consciente?!
A fim de que tudo que existe possa surgir, formar-se e sub- sistir, preciso é que tal elemento espiritual seja algo verdadeiro para projeção sucessiva. Na semente é, portanto, o espírito depositado no gérmen, unicamente algo real, ao passo que o corpo vegetal em si nada é, mas apenas o que o espírito projetou. Ele trabalha através da inteligência e pela força de vontade, surgindo então uma planta, um arbusto, uma árvore, um animal, até mesmo um mundo inteiro.
Muito embora tivesse explicado várias vezes o que é o espíri- to, não o podes assimilar a fundo, porque o teu próprio espírito ain- da não te penetrou; através de tua alma podes conceber ser a origem dele fogo e luz vivos e conscientes, portanto amor e sabedoria em máximo grau. Nem o Senhor poderá te dizer algo mais a respeito!”
LIBERTAÇÃODA MATÉRIA
Diz Agrícola: “Estou mais esclarecido e lembro-me de algu- mas frases do velho Platon. Por muito tempo pesquisou a Natureza Divina e finalmente lhe foi transmitida a visão de Deus qual fogo e luz. Ele mesmo sentiu-se como que inteiramente dissolvido, sem perder a consciência. O fogo que o envolvia não lhe produzia ardor, mas apenas calor benéfico e extasiante, e uma voz semelhante às melodias de uma harpa lhe dizia: Vê e sente a Natureza Divina; vê e sente a ti mesmo Nele e por Ele! — E Platon percebeu sua figura humana rodeada de inúmeras outras! Nessas, descobria infinidade de outras que, em conjunto, perfaziam uma só forma humana. Tua explicação tem grande semelhança com a visão do grande sábio, mui conhecido do mundo intelectual. Por certo Platon não viu fogo e luz
com os olhos da carne, mas do espírito; assim penso que, quando es- tiver espiritualizado, obterei o mesmo estado que ele. Estou certo?”
Diz Raphael: “É isto mesmo; entretanto, foi Platon pagão e não pôde chegar à percepção nítida, possível a quem se torna pos- suidor da Doutrina de Deus. A fim de que possas ter noção mais compreensiva a respeito da realidade do espírito, dar-te-ei alguns exemplos, com a Permissão do Senhor!
Vê, o que nos envolve é ar puro e transparente; podes cansar teus sentidos à vontade, e nada mais descobrirás que insetos, alguns escaravelhos e, talvez, um pássaro! Vou abrir a visão interna de tua alma, e ficarás estonteado diante do que existe no ar. Assim o quero
— e já te achas em estado vidente. Que deparas?”
Diz Agrícola: “Mas isto é incrível! Que quantidade enorme de plantas, animais, zonas e até mesmo figuras humanas! Além dis- to, vejo quantidade de pequeninos vermes luminosos a se cruzarem cá e lá, se condensarem num lio e no mesmo instante surge uma forma. Todavia não subsiste, passando a outra. Em toda parte existe luz; as coisas apenas não têm consistência, transformando-se cons- tantemente. Somente algumas figuras ainda se conservam! Começo até a ficar tonto! Que vem a ser essas larvas luminosas de espécie tão variada?! Quando tento agarrar uma ou outra, nada fica em minha mão! Que brincadeira é essa?”
Diz Raphael: “Espera um pouco e verás algo mais substan- cial!” Nisto se aproximam do romano várias aves e peixes, voando e flutuando no ar, e ele agarra um exemplar de cada um. Virando-se para o anjo, Agrícola diz: “Amigo celeste, faze com que eu veja o ar natural, para certificar-me se tenho pássaro e peixe nas mãos!”
Diz Raphael: “Como não! Podes analisar tuas presas!” Achan- do-se novamente na vibração natural, Agrícola percebe suas mãos vazias. Estupefato, ele exclama: “Mas onde estão? Vejo ter sido mi- nha visão mais sonho que realidade!”
Diz o anjo: “Justamente o contrário! Há pouco te encontra- vas mais próximo da realidade que agora! Ainda seguras pássaro e peixe — em tuas mãos psíquicas, e te digo não te abandonarem tão
cedo esses animais, correspondentes à tua índole, nem eles a ti. Tens em Roma, como patrício antigo, um escudo em cujo lado externo se vê, em dourado, um pássaro com uma espiga no bico e um peixe com um verme na boca, e como prezas tais insígnias mundanas, não te libertarás tão cedo.
Através da visão psíquica chegaste a ver muitas figuras e for- mas, de acordo com tuas experiências recentes; todavia, não pudeste fixá-las. Teus pensamentos em constante mutação em formas diver- sas apresentam-se tal qual à tua alma. Apenas os emblemas de tua família continuam em tua mão psíquica, idêntica à tendência e ao desejo externos da alma; caso queiras vê-los materialmente, poderei realizá-lo.”
Diz Agrícola: “Peço-te tal favor para ver se realmente são se- melhantes aos meus e talvez consiga me livrar mais facilmente de minha tolice.”
Diz o anjo: “Facilmente poderás consegui-lo afastando teu coração de tais futilidades, dirigindo-se inteiramente ao Senhor. Se o puderes, esses animais deixarão a tua alma; materialmente ficarão em tuas mãos o tempo que eu quiser. Quero que desapareçam — e já não mais existem! Demonstrei-te tudo que a verdade interna te po- derá esclarecer mais e mais; o resto terás que descobrir dentro de ti!”
PROCESSODATRANSFORMAÇÃOINTERNADO HOMEM
Em seguida o anjo se dirige, a um aceno Meu, a Lázaro e am- bos vão verificar se fora preparado o almoço, com as ovelhas criadas por Raphael. Agrícola então Me diz: “Senhor e Mestre, sinto algo estranho dentro de mim, após as explicações daquele espírito ange- lical. Partindo de Ti, já assisti a muitas coisas elevadas, achando-me cada vez mais confortado; agora, porém, sou estranho a mim mes- mo! Que vem a ser isto?”
Respondo: “Meu amigo, tudo está dentro da ordem! Enquan- to não te tornares estranho a ti mesmo, tua aproximação do Reino de Deus não é mui forte; tão logo sintas certa estranheza, prova o
despertar do teu espírito, que deu um passo à frente, em tua alma. Dando-se isto pela primeira vez em tua vida, podes considerá-lo de bom agouro. Repetir-se-á sempre mais positivamente.
Deves com isto ficar muito satisfeito, pois prova a forte ati- vidade do teu espírito dentro da alma! Enquanto te encontras na sensação corriqueira e habitual, pertences a este mundo, sem a ca- pacidade de te aproximares realmente do Reino de Deus. Quando o espírito puro desperta e começa a penetrar a criatura, com sua vida e luz, inicia vida inteiramente nova, jamais imaginada. Nisto se baseia a prova máxima que o homem inicia após o desprendimento do corpo: uma existência nova, nunca imaginada e conhecida.
Quanto ao desprendimento físico da alma humana, não Me refiro à morte propriamente dita, mas àquele estado em que a cria- tura expulsa, quase inteiramente, todos os desejos sensuais e mun- danos, começando a viver dentro do espírito.
Com grande ímpeto ele se prende à alma que, sempre mais sensível, entra em contato com o mundo espiritual verdadeiro. Esse mundo, anteriormente desconhecido, repousa no fundo do coração humano, semelhante à faísca pura do espírito na membrana germi- nadora da semente.
Enquanto não morrer dentro da terra e se dissolver de tal for- ma que suas partes anteriormente sólidas comecem a ingressar na semelhança do espírito — ele queda oculto e inerte. Tão logo a maté- ria da semente amolece na Terra, começando a dissolver-se, asseme- lhando-se em suas partículas psíquicas ao espírito oculto no gérmen, o espírito começa a organizar os elementos afins. Penetra-os, cada vez mais, e dá-se uma situação nova, conforme observas em cada vege- tal recém-surgido. Tal observação nas sementes, em pequena escala, ocorre em proporções vastas e totais no homem, quando destrói seus desejos físicos e psíquicos através de sua vontade firme, dissolven- do-os, e pela sublimação os torna sempre mais idênticos ao espírito.
Em tal situação, a criatura não se pode sentir a gosto, por- quanto está habituada a viver dentro do mundo; com o tempo, se familiariza com seu mundo novo interno e unicamente verdadeiro,
e o externo começa a se tornar estranho. Por isto não te preocupes por ter Meu Raphael te sacudido um pouco mais que de costume; foi apenas em teu benefício.
Como espírito puro, pôde agir diretamente sobre o teu, de modo mais forte que qualquer criatura iluminada que, entretanto, não tenha alcançado o pleno renascimento espiritual. Foi grande vantagem para tua alma, permitida por Mim; portanto, não há mo- tivo de apreensão! Quando fores mais frequentemente atingido por tal sensação, podes alegrar-te; pois demonstrará a aproximação mais estreita do Reino de Deus no coração de tua alma. Compreendeste?”
Diz Agrícola: “Agradeço-Te, Senhor, por esta explicação ben- dita! A sensação perdura, sem perturbar-me. Apenas desejava saber como o anjo estava ciente dos emblemas do meu escudo antigo; acha-se ele em Roma e nós, aqui. Como podia vê-lo?”
Digo Eu: “Nada disto precisa porque, como espírito puro, viu tudo minuciosamente dentro de tua alma. Além do mais, pode- ria ter transportado para aqui o mencionado escudo!”
Diz Agrícola: “Isto certamente será mais difícil; muito em- bora seu espírito penetre toda a matéria, podendo dissolvê-la, a ma- téria não poderá penetrar a si mesma. Meu escudo se acha num ar- mário de pedra, trancado com porta de aço. Seria preciso destruí-la inteiramente para tirar o escudo, e caso o transportasse com grande velocidade, seria dizimado pelo ar!”
Digo Eu: “Julgas dentro de tua compreensão; a noção dos espíritos puros é bem diversa. O anjo nem precisaria ir a Roma; bastaria vontade e conhecimento penetrantes, lá dissolveria o escudo como fez à pedra através da vontade, e aqui condensaria a matéria à sua forma. Vês, portanto, nada ser impossível! Medita um pouco e tua alma se iluminará! Eis que voltam do Templo os dois discípulos acompanhados de alguns homens. Aguardemos sua chegada para relatarem os acontecimentos lá verificados.”
Dentro em pouco chegam quatro homens: um deles é nosso hospedeiro no vale, vizinho de Lázaro das proximidades de Bethânia, onde fiquei várias vezes e o outro, amigo deste, também tavoleiro perto de Bethlehem, dono de enorme hospedaria na estra- da principal. Lá entrei certa vez curando muitos enfermos. Os dois discípulos, Thomaz e Judas, os acompanham, e o último pretende fazer um relato minucioso de tudo que havia sucedido no Templo.
Interrompo com as palavras: “Fala quando fores convidado; por enquanto ainda sou Senhor e Mestre de todos, e bem sei a quem incumbir da tarefa do relato!” A esta reprimenda Judas recua aborre- cido e diz a Thomaz: “Já esperava por essa!”
Diz o outro: “A caminho avisei-te de que não devias salien- tar-te! Acaso ainda não aprendeste com as inúmeras lições do Se- nhor ter valor apenas quem se humilha constantemente?! Eu não me adiantei e também não fui advertido! Além disto, vieram esses dois homens que presenciaram os fatos antes de nós. Voltemos ao nosso local de sempre e façamo-nos observadores.” Conformado, Judas se- gue o conselho do apóstolo.
Entrementes, dirijo-Me ao vizinho de Lázaro e o convido a contar o que se passara, e ele diz: “Senhor e Mestre, já desde madru- gada me encontrava no Templo, em virtude dos fenômenos extraor- dinários; soubesse eu que Tu estavas no Horto das Oliveiras, teria vin- do aqui. Assim, eu e esse amigo fomos ao sinédrio, onde a confusão era indescritível. Vez por outra um sacerdote subia ao púlpito para dar explicações; percebendo sua incompetência, o povo se revoltou, mormente quando convidado a sacrifícios e penitências, dizendo: Quantos atos de contrição foram por nós efetuados e alegastes estar Jehovah satisfeito! Nesta noite vimos o efeito de tudo, porquanto a Ira Divina era inegável! Disto não nos cabe culpa, mas a vós que nos levastes a atos criminosos, alegando com isso ingressarmos dire- tamente no Céu. Chegou vossa vez de fazer penitência pelos pecados cometidos por vós aos profetas, e Deus certamente nos aceitará!”
(O hospedeiro): “O sacerdote afirmou então ter jamais assas- sinado um profeta, tampouco seus colegas. Isto despertou nova rea- ção no povo que exclamava: Há mais de quarenta anos és sacerdote e alegas não teres presenciado o estrangulamento do bom Zacharias
— faz vinte e cinco anos?!
Há alguns meses o filho dele foi por vosso intermédio captu- rado pelos esbirros de Herodes. Quando este percebeu a inspiração divina em João Baptista, tratou-o qual amigo, deixando-lhe toda liberdade. O espírito do mal em breve vos informou a respeito e começastes a tramar o aniquilamento do pregador. Na perversa ge- nitora de Salomé, encontrastes um instrumento apropriado, conse- guindo vosso plano escabroso.
Atualmente existe outro profeta, da Galileia, do qual João di- zia não ter mérito para desatar-Lhe as sandálias e do Qual os profetas haviam predito ser Ele o Messias.
Qual foi vossa resposta? Não poder surgir nenhum na Ga- lileia, e todos os que Nele cressem seriam amaldiçoados. Refuta- mo-vos da seguinte forma: Jamais constou não aparecer da Galileia o Próprio Messias! Não faz muito esse grande Profeta doutrinou no Templo de modo tão sábio, que vossos esbirros incumbidos de prendê-Lo afirmaram jamais alguém ter falado tão sabiamente!
Lázaro, proprietário de Bethânia, era membro de vosso Con- selho e, como homem mais rico da Judeia, fazia grandes oferendas ao Templo. Não satisfeitos com isto, procurastes convencê-lo de que seria melhor legar seus haveres ao sinédrio, pois os pobres deveriam trabalhar para seu sustento.
Ele, de comum acordo com as irmãs, resolveu consultar os necessitados — com exceção dos enfermos — se estariam dispostos a qualquer serviço, mediante boa remuneração. Assim fez e conse- guiu cultivar suas terras, continuando a proporcionar grandes auxí- lios ao Templo. Todavia, não vos conformastes, procurando desviar os trabalhadores de Lázaro. Não surtindo efeito vossa traição, outros
meios foram empregados: proferistes maldição contra o Monte das Oliveiras, porque seu dono não queria fazer-vos doação do mesmo!
Porventura estava vossa ação dentro da Vontade de Deus, pela qual não se deve cobiçar os bens do próximo? Em sua defesa Lázaro tornou-se cidadão romano, gozando de proteção total; em compensação, paga taxa reduzida, ao passo que vos é sustada a pene- tração de suas terras por meio de cães ferozes!
Qual foi vossa vantagem?! Acaso vossos direitos se baseiam nas leis romanas?! Por isto Deus vos demonstrou o destino reservado a Jerusalém e ao Templo! Quantas fortunas açambarcastes das viúvas e órfãos, prometendo-lhes a bem-aventurança temporal e eterna?!
Informados de alguma jovem bonita, solteira ou não, envi- áveis um templário disfarçado a fim de levá-la ao mau caminho, do qual nunca mais se salvava devido a ameaça de apedrejamento. De há muito não acreditais em Deus, arrogando-vos o direito de representá-Lo, e para tanto foram criadas leis novas visando vossa cobiça e gula. Nesta noite, porém, Deus surgiu novamente testemu- nhando ser o Mesmo da época de Abraham, Isaac e Jacob. Sois, por- tanto, os únicos responsáveis pelas calamidades futuras! — Diante de ameaças tão fortes, o sacerdote só podia alegar sua fraqueza, suge- rindo a presença de um escriba.”
AQUESTÃODO BELEMITA
(O hospedeiro): “Quando o escriba subiu ao púlpito, come- çou a falar com ênfase: Deus apenas Se dirigia a Moysés e Aaron; nunca o fez diretamente ao povo, preso ao bezerro de ouro! Lem- brai-vos bem que jamais o povo representa a Voz de Deus, manifes- tada apenas pelos profetas ou por nós, sacerdotes. Se, entretanto, insistis em tal absurdo, cometeis grave pecado contra Jehovah e seus representantes. Somos indulgentes com vossa fraqueza, perdoando tal pecado; ignoramos se Ele também o fará!
A multidão se irritou com tais palavras e um belemita tomou a dianteira, falando em nome de todos: Sabemos tanto quanto vós
ter Deus falado a Moysés e Aaron; igualmente é sabido ter Ele Se di- rigido, no princípio, somente ao povo. Amedrontados pela voz tro- vejante de Jehovah, os judeus pediram que Ele Se dirigisse apenas a Moysés; mas deixemos esse assunto, abordarei algo mais importante.
Pedimos-te explicação pela suplantação das Leis dos profetas por ditames egoísticos e dominadores, e qual o motivo do assassí- nio dos profetas, inclusive Zacharias, João e agora até pretendeis o mesmo com o maior de todos, autor de milagres inéditos, pregando além disto a Palavra Divina?!
Milhares testemunham Sua Pregação e Atitudes milagrosas, dando-nos direito de expressarmos nossa opinião. Respondei com clareza, do contrário sentireis os punhos do povo revoltado. — Des- culpando-se com indisposição acometida, o escriba desaparece e se esconde num canto do Templo.”
HISTÓRIADOPOVO JUDAICO
(O hospedeiro): “Logo em seguida subiu ao púlpito um ve- lho e venerando rabi, amigo de Simeon e Zacharias. Confiante com sua presença, a multidão lhe pediu algumas palavras de conforto. E ele começou: Meus amigos! Perdoai a minha língua não possuir a mesma verbosidade de antanho; todavia, não me falta boa vontade para satisfazer-vos.
Os sinais desta noite, transmitidos pelos Desígnios de Deus, foram de molde a fazer tremer a todos, inclusive pagãos. Tudo neste mundo é perecível, somente eterna é a Onipotência de Deus, da qual dependem as nossas almas. Se elas continuam a viver após a morte física, até hoje ninguém sabe; todos os profetas o ensinaram e somos obrigados a crer — e se não o fizermos, somos idênticos aos saduceus que se deixam seduzir pelos filósofos gregos.
Infelizmente existe, mormente no Templo, maior número de saduceus que entre vós, onde os ricos nada mais acreditam, apli- cando apenas fé externa. A plebe vendo tal atitude, segue o exem- plo, dando-se um círculo vicioso, comparável à época de
Noé e Lot.
Deus mandava Seus mensageiros luminosos às criaturas da Terra, advertindo-as sobre as consequências de sua teimosia; elas, tendo-se desviado em demasia da religião, não davam ouvidos aos mensagei- ros, martirizando-os e até mesmo os matavam.
Em tempos dos juízes ainda não havia cidade propriamente dita, apenas comunidades com simples habitações e, no centro do país, no Monte Horeb, a tenda sagrada onde se encontrava a Arca da União. Os judeus não precisavam de fortalezas, porquanto eram defendidos por Jehovah; viviam em paz, com saúde e desconheciam miséria.
Pelos fins da era dos juízes, os judeus se entregaram ao ócio e desconsideraram os Mandamentos. As advertências recebidas sur- tiram efeito nos de boa índole; os materialistas apenas mantiveram as aparências, enquanto no íntimo o mundo sobrepujava. Não só insatisfeitos com suas habitações rústicas, exigiram igualmente um rei, cidade e castelos sólidos, e sob o regime de Samuel tornaram-se insistentes nesse sentido, até que Deus, o Senhor, falou: ‘Eis um povo ingrato! Não se contenta com Minha Orientação, juntando aos muitos pecados praticados perante Mim o maior — a exigência de um soberano. Tê-lo-á!’ Faço esta súmula para compreenderdes o motivo da atual queda total do judaísmo, antigo e verdadeiro.
Saul já teve sólido castelo, muito embora ainda não houves- se cidade propriamente dita. De pronto surgiram guerras contra os filisteus, e os pais se viram obrigados a entregar filhos, serviçais, in- clusive animais caseiros. Tal foi a bênção de um rei judeu, enquanto Samuel era vivo e ungiu Saul a mando de Deus. Samuel julgou estar o povo curado de seu orgulho, mas em vão! Exigiu um rei mais poderoso e sábio, e Samuel ungiu David que em breve construiu Bethlehem e deitou o fundamento de Jerusalém. Seu filho Salomon acabou a construção de cidade e templo, com grandes gastos e pom- pa; o povo, porém, caiu em grande penúria e miséria. Pelos livros da Crônica, sabemos de sua sorte até a prisão babilônica e devia-se acreditar que os quarenta anos daquela prisão tivessem modificado a índole judaica; pelo contrário, queriam à força outros soberanos, pagãos, sacerdotes e sumos pontífices!
A época dos profetas vem até nossos dias; o povo, obscureci- do com o regime, nada mais entendia e, além disto, reis e sacerdotes perseguiam os profetas com ódio e vingança cruel — cenas que ireis ainda assistir, muito embora não haja mais soberanos, e os judeus de há muito suportem o regime férreo dos pagãos.
Desta vez, Deus Se apiedou do Seu povo e enviou um Mes- sias na Pessoa do Sábio de Nazareth, o Qual conheço desde pequeno quando foi circuncidado por Simeon, recebendo o Nome de Jesus. Digo-vos isto como Verdade suprema; mas os judeus do Templo perseguem com ódio a todos que divulgam tais segredos.
Eis o motivo pelo qual Deus permite fenômenos como os desta noite! Os pecados dos templários quase atingem a medida permitida por Deus, e a grande Paciência de Jehovah pende num fio de cabelo. Quando ultrapassar tal medida, acontecerá a Jerusalém o que vistes na segunda aparição e talvez ainda antes de decorrerem cinquenta anos.
As doze colunas de fogo, finalmente reduzidas a uma só, apontam a consolidação das doze tribos de Israel na Pessoa do Mes- sias, que no final, não sendo aceito, voltará de onde veio.
A Leste houve ainda outro sinal confortador, como me disse Nicodemus, mas somente visto por aqueles que aceitam o Messias. Deixo que o meu amigo faça o relato pessoalmente. — Com tais pa- lavras, o orador recomendou paciência ao povo e desceu do púlpito. E o belemita afirmou: ‘Eis um judeu da escola de Aaron; ele sozi- nho nada conseguirá! O importante é a existência de crentes entre fariseus e escribas!’ Observações semelhantes foram feitas, e todos aguardavam a chegada de Nicodemus.”
DISCURSODENICODEMUSAO POVO
(O hospedeiro): “Um arquifariseu havia assistido à simpática manifestação de fé no Salvador de Nazareth, por isso se dirigiu ao púlpito e disse: Baseado no poder sacerdotal vos digo: quem crer no mencionado Salvador, afirmando ser o Messias Prometido, será amaldiçoado pelo Templo!
Mal terminou essas palavras, a tribuna foi rodeada pela mul- tidão que gritava: Nós afirmamos que quem não acreditar Nele será por nós amaldiçoado! Todavia, merece sete maldições e a própria morte o sacerdote, incumbido de conhecê-Lo antes do povo! Mi- serável, não assististe os milagres desta noite? Espera, que sentirás nossa simpatia!
A tal recepção, o templário começou a pedir socorro, en- quanto o povo gritava mais ferozmente! Nisto, o belemita de porte gigantesco adiantou-se, sacudiu o fariseu de tal forma a quase fazê-lo perder os sentidos e, em seguida, carregou-o para perto do repos- teiro do qual surgira; e aplicando-lhe mais algumas bofetadas, lhe disse com voz possante: Desta forma o povo esclarecido entregará o dízimo aos sacerdotes! Some, do contrário pagarás com a vida!
— Completamente atordoado, o fariseu desapareceu e se escondeu num cubículo de sua casa.
Logo em seguida apareceu um mensageiro romano, postou-
-se na tribuna destinada aos oradores comuns e disse: O prefeito vos adverte, em nome da lei, de vos absterdes de qualquer ato violento! Deveis considerar ter sido construído esse Templo para honra de vosso deus! Se vos for feita injustiça por parte de um templário ig- norante, estamos prontos para vossa defesa!
O belemita agradeceu em nome de todos e acrescentou: Tua advertência foi boa; mas quando as forças celestes começam a dese- nhar sua vontade no Firmamento, as ordens dos homens em breve estarão findas!
Respondeu o romano: Não resta dúvida; no entanto, as cria- turas não alterarão aquelas forças através de brutalidades! Conside- rai, pois, o conselho do prefeito!
Entrementes, apareceu Nicodemus, recebido com grandes salvas! Com calma ele disse: Amigos e irmãos! Venho apenas confir- mar as palavras do nosso amigo, e folgo em poder lidar com homens simpatizantes de minhas convicções!
O arquifariseu fez queixa ao sinédrio de vossa reação e foi informado de ser imprudente procurar insuflar o povo alterado.
Sendo desta forma confortados, convém agradecerdes a Deus e vos retirardes aos lares! E caso encontreis outros à procura de informa- ções, esclarecei-os a fim de que poupem a longa caminhada, pois o Templo ficará fechado hoje e amanhã.
Em seguida, a multidão indagou da explicação do terceiro fenômeno, e Nicodemus respondeu: Informar-vos-ei, mas em sur- dina, por terem essas paredes ouvidos! Esperai-me à tarde no cami- nho para Emaús. — Eis, Senhor, o meu relato dos acontecimentos no Templo!”
CONSELHODOS FARISEUS
Digo Eu: “Caro amigo, relataste fielmente o sucedido e o que se referia à Minha Pessoa. Minha Vontade auxiliou-te, pois sem Mim tudo no homem é fraco; com Minha ajuda torna-se forte em tudo.
Deu-se o possível para a nossa causa: o povo e Nicodemus Me descreveram Tal Qual Sou e devia-se supor estar o Templo con- vertido. Nada disto! O rabi e Nicodemus estão em apuros com os demais fariseus por Me terem declarado o Messias. Inspirei-lhes a devida resposta e Nicodemus acabou de retrucar com tamanho fer- vor, que ninguém mais conseguiu reagir.
O sumo sacerdote acusava o rabi e Nicodemus de terem con- fessado abertamente o Meu Nome no Templo, enquanto deveriam lançar suspeitas contra Mim, afirmando ter sido Eu um falso dou- trinador e revolucionário, causador da Ira de Deus.
Nicodemus então respondeu a Caifás: Ora, julgando-vos tão inteligentes, ide ao Templo ainda repleto e falai como de costume, e aguardemos a reação popular. Centenas de vossa classe falaram ao povo e o efeito redundou na fuga do profeta, a fim de evitar seu massacre. Que teríeis feito caso fôsseis atrozmente judiados? Não é, portanto, mais prudente adaptarmo-nos à situação?
Foi inteiramente inoportuno fazerdes advertências rudes à multidão e cabia-vos apenas consolá-la. Além disto, tu mesmo, Cai- fás, nos convidaste a apaziguar os ânimos! Por que essas reprimendas
quando agora todos estão calmos? Ainda está em tempo de arriscardes vossa pele; cuidado, porém, pois todos conhecem vossos pecados!
Respondeu o sumo sacerdote: Se for preciso temer o povo, deixamos de ser sacerdotes! Não é possível cedermos — venha o que vier!
Disse Nicodemus: Podes fazer o que te agrada; mas que farás se todos se colocarem sob a proteção romana? Quais seriam os meios de atraí-los novamente ao Templo?
Qual foi a vantagem de tua obstinação contra Lázaro? Tornou-se romano e perdeste toda influência sobre ele. Anterior- mente doava ao sinédrio no mínimo cem libras de ouro e quinhentas de prata por ano; agora paga somente o dízimo, todavia o suspende- rá, porque já houve combinação a respeito com os romanos. Se, em virtude de tua obstinação, outros seguirem o exemplo de Lázaro, fi- caremos isolados no Templo! Eis minha opinião, e as consequências demonstrarão ter eu falado a verdade! — Tal assertiva não foi do agrado do sumo sacerdote, entretanto nada pode obstar, por haver outros decanos de acordo com Nicodemus.
Após algum tempo, Caifás irritou-se novamente: Sei o que fazer para voltarmos à antiga segurança: o falso profeta da Galileia tem de desaparecer — e o povo voltará a nós! Falei certo?
Muitos fariseus e escribas concordaram, ao passo que Nicodemus, vários decanos e o velho rabi contestaram, e o último disse: Sou o mais idoso entre vós e sei o que se passa há oitenta anos no Templo e na Judeia. Por várias vezes surgiram criaturas inspira- das, sempre perseguidas e aniquiladas pelo Templo. Examinai nossos apontamentos diários e verificareis ter sido prejudicial tal proceder, pois jamais o sinédrio aumentou sua reputação com tais crimes!
Onde estão os samaritanos, os saduceus? Quantos não se tornaram essênios? Outros, gregos e romanos? Quem ainda nos visitaria de Tyro e Sidon, da Capadócia, Syria e das cidades do Euphrates? Na minha mocidade, o Templo de lá recebia grandes so- mas e riquezas, e tornou-se altivo e cruel! Os sacerdotes desrespeita- ram o Mandamento ‘Não matarás!’ e a consequência foi a supressão
daquelas dádivas. Se continuardes nas crueldades dos antepassados, em breve perdereis os que já se acham abalados no Templo!
Novamente Caifás se virou para Nicodemus e perguntou se concordava com o parecer do rabi. E ele disse: Já me expressei e re- pito não concordar nem protestar. É como falou o meu velho amigo. Não devo satisfação quanto à minha convicção íntima, e de agora em diante pouco direi em público. Sou chefe de Jerusalém e reitor acreditado pelo imperador sobre todos os cidadãos, assistindo-me o direito de jusgladii. Fazei o que vos agrade; deixar-vos-ei com meu amigo, e caso queirais ouvir algumas palavras razoáveis, dirigi-vos a Emaús onde estarei em minha propriedade.”
DESENTENDIMENTONOALTO CONSELHO
(O Senhor): “Perplexos, os templários procuraram solução para o caso, e Caifás propôs alguém tentar insuflar outras ideias à multidão, mas nenhum deles se animou. Como se aproximava do meio-dia, incumbiu-se um acólito de se dirigir ao átrio convi- dando o povo a retirar-se; o Templo ficaria fechado em virtude do antessábado e para limpeza.
O empregado assim fez, mas foi mal recebido, pois o gigan- tesco belemita gritou: Sabemos quando convém deixarmos o Tem- plo! Além do mais, abandoná-lo-emos para nunca mais voltar; pois ele e seus moradores são culpados da desgraça anunciada.
Orientado desta sentença recebida pelo acólito, Caifás aduziu: Eis o que há muito afirmei: somos traídos pelo nazareno, que pela ma- gia conquistou a amizade dos romanos. No mínimo consideram-no semideus, e dentro em breve fá-lo-ão vice-rei dos judeus! Por isto de- veríamos tudo empreender para exterminar esse homem perigoso!
Disse um decano: De minha parte já esclareci ser precária nossa situação: como amigo dos romanos, nada de bom nos espera, caso o deixarmos prosseguir na conversão. Que fazer?
Disse um outro: Eu saberia, caso fosse sumo sacerdote! Inda- ga Caifás: O quê? Prossegue o primeiro: Bem, estamos a sós e posso
falar abertamente. Na realidade rejeitamos Jehovah, Moysés e todos os profetas, tornando-nos puramente detentores da letra, pois entre nós ninguém tem fé! Sendo evidente a adesão do povo ao nazareno, façamos o mesmo, ao menos proforma, lucrando igualmente com os romanos!
Com um salto Caifás reagiu: Também te queres tornar trai- dor?! És amaldiçoado por mim!
Disse o decano: Repete isto diante do povo; perante o Con- selho não te assiste tal direito! Lembra-te bem, do contrário teremos que procurar o prefeito!
Aparteia um outro: Aqui temos o direito de falar sem ro- deios. Se pretendes fazer prevalecer tua vontade, de nada adianta nossa assembleia e seria conveniente sustá-la no futuro. Que não foi feito pelo Templo a fim de prender o nazareno, sem resultado? Por que não deste ordem de prisão quando pregou no átrio?
Disse Caifás: Quem teria coragem de reação contra o povo?
Retrucou o decano: Se assim é, por que amaldiçoas um co- lega que isto afirmou?! Caso tomarmos providências contra ele, nos- so destino estará selado; deixando-o agir à vontade, nossa existência perdurará por algum tempo, mormente aceitando algumas reformas do serviço templário. Segundo teu conselho, nada nos restará, senão fugir! Tenho dito!
Eis que todos começaram a discutir: uma parte a favor dos decanos, outra assistindo ao sumo sacerdote. Finalmente os primei- ros se retiraram aos lares; os fariseus, entretanto, também se despe- dirão dentro em pouco, pois já é meio-dia.
Eis a situação no Templo, e Eu a transmiti tão minuciosa- mente a fim de que saibais o efeito nulo das advertências noturnas sobre essa ninhada de serpentes! São e serão incorrigíveis, por isto a Luz lhes será tirada e entregue aos pagãos. Eis que vêm Lázaro e Raphael nos chamar para o almoço; vamos entrar!”
Diz Agrícola: “Senhor e Mestre, Teu relato acerca do Con- selho e da atitude dos sacerdotes me revoltou de tal maneira, que tenho vontade de comunicar tudo a Cirenius.”
Digo Eu: “Amigo, sabes do Meu Poder! Mas se quisesse jul- gá-los pela força, em nada os beneficiaria, porquanto Minha Onipo- tência não pode modificar o livre arbítrio. Isto compete à Doutrina pela qual a criatura determina sua ação. Não querendo aceitá-la e muito menos aplicá-la, ipso facto é má e encontrará dentro de si seu próprio julgamento!”
JEJUME ORAÇÃO
Como os aduaneiros haviam partido após o desjejum, o es- paço na sala é maior, de sorte a se acomodarem alguns escravos mais compreensivos, acompanhando o nosso almoço. Eram cerca de trin- ta e lhes fora dada capacidade de entendimento do nosso idioma, para proveito próprio e de seus companheiros.
Quando o vinho começa a produzir seu efeito, os greco-judeus discutem a respeito das leis do jejum e um deles faz a seguinte obser- vação: “Desde Moysés os judeus tiveram de respeitar certos dias e até mesmo semanas inteiras. Os profetas muito aplicavam o jejum para reduzir as sensações carnais, dando livre ação ao espírito. De igual modo jejuavam frequentemente os visionários, a fim de facilitarem a visão espiritual. Quem desejasse receber Graça especial de Deus deveria fazer promessa de jejuar, orar tempo determinado e sempre era atendido.
Neste ambiente não se fala em jejum. Dá impressão querer o Senhor e Mestre abolir tais promessas antigas. Entretanto, seria proveitoso ouvirmos Dele Mesmo o que seria justo.” A tais palavras, um do grupo se vira para Mim e repete a questão.
Fixando-o, digo: “Em boa ocasião abordei este assunto; foi, como outros, por vós esquecido. Assim repito: de modo algum revogo a lei do jejum! Quem jejua no sentido verdadeiro não deixa de beneficiar-se, porquanto torna mais livre e espiritualizada sua alma. Ninguém, porém, atingirá a bem-aventurança por este meio, mas simplesmente pela fé em Mim e cumprindo a Vontade do Pai, transmitida por Mim. Tal cumprimento pode ser efetuado sem
consideração a determinados dias, abstenção de certos alimentos e bebidas.
Quem desfrutar de fartura e aplicar o verdadeiro amor ao próximo jejuará com justiça; tal jejum é agradável aos Olhos de Deus e útil à vida eterna da criatura. Quem tiver grandes posses, que dê de acordo; o menos rico poderá dividir o pouco entre seus semelhantes, juntando tesouros nos Céus! É mais feliz quem dá, do que quem recebe!
Quem pretende jejuar com justiça perante Deus e em be- nefício da vida eterna da alma abstenha-se do pecado por amor a Deus e ao próximo; pois os pecados pesam na alma, dificultando sua ascensão.
Quem, qual fariseu e alguns ricos, vive pela gula e não presta ouvidos à pobreza comete pecado contra a lei do jejum, tanto quan- to o adúltero e impudico.
Se o físico de uma criatura solteira ou casada te atrai e se- duz desvia o teu olhar, abstém-te do prazer carnal e terás jejuado realmente!
Alguém te ofendendo e irritando, perdoa-lhe e faze as pazes; terás feito jejum valioso.
Se, todavia, fizeres o Bem a quem te prejudicou e abençoa- res a quem te amaldiçoa — jejuaste verdadeiramente.
O que é ingerido pela boca para alimentar e fortificar o corpo não vilipendia o homem; mas o que dele se atira