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ROBERTO BLUM
(Volume II)
OmuseunacasadeRoberto Blum.
Umcemitériopsíquicocominúmerasinscriçõesenigmáticasemseus túmulos.
Digo Eu: "Meu caro amigo, se já consideras o Céu perfeito aquilo que é apenas uma esfera espiritualmente melhorada, onde o verdadeiro Céu começa a se espargir no espírito do homem a fim de que renasça, o que dirás quando entrares em teu próprio Céu?
Afirmo-te que isto foi o começo, para a entrada no verdadeiro Reino celeste. Não poderias fitar os patriarcas, profetas, apóstolos, Maria e José, e continuares com vida, caso se apresentassem na sua verdadeira figura celestial. Não te preocupes, pois Eu, vim Pessoalmente para conduzir-vos, pouco a pouco, ao Céu verdadeiro e presumo conhecer o melhor caminho para lá."
Diz o franciscano: 'Senhor, em tal caso, Roberto Blum também não está no Céu propriamente?" Respondo: "Por certo que não. Se bem que esta residência surgisse do seu coração, achando-se mais ou menos perfeita, — isto é, no que vimos até agora. Existem inúmeras dependências desconhecidas de Roberto e de ti; com paciência sereis orientados de tudo. Dirijamo-nos ao museu através do grande portal à nossa frente, de onde se dilata a visão."
Pergunta o franciscano: "Senhor, que espécie de museu é aquele?" Respondo: "Verás em breve. Uma parte dos nossos hóspedes já entrou, e podes ouvir as exclamações de admiração. Dentro em pouco também estaremos lá. Olha pelo portal enorme e relata o que avistas."
O franciscano, atento, procura de longe olhar pela porta, dizendo após algum tempo: "Senhor, é deveras esquisito. Embora me esforce muito, nada mais vejo do que um cemitério; a meu ver, é infinito, possuindo inúmeros sepulcros. Que estranho museu! Quanto mais me aproximo, tanto mais nítido se apresenta o quadro. Agora percebo membros da assembleia analisando as inscrições dos túmulos e vez por outra ouço exclamações de terror. Senhor, tenho a impressão de que nada de agradável nos aguarda."
Digo Eu: "Não te preocupes. Encontrarás muita coisa estranha.
Como já falamos pelo portal, diz-Me o que vês."
Responde ele: "O mesmo que anteriormente, apenas mais nítido. Como se espalhou a nossa assembleia! Dá a impressão de um rebanho de
ovelhas que na primavera é solto no pasto pela primeira vez. Os saltos e os berros não terminam. Também analisarei um destes túmulos imponentes." Ele se aproxima de um e descobre uma inscrição numa chapa preta de forma oval. Esforça-se para decifrá-la sem atinar com o sentido, porquanto as letras são completamente desconhecidas. Humildemente dirige-se a Mim, pedindo que Eu faça a leitura e dê a explicação.
Digo-lhe, entretanto: "Amigo, se fôssemos ler as inscrições de todos estes túmulos a fim de decifrá-las, teríamos distracção para toda a Eternidade. Seria o mesmo se quisesses calcular quantas sementes seriam necessárias para uma produção infinita. A fim de assimilar-se coisas infinitas, nunca se deve começar com o objecto a ser analisado, mas simplesmente consigo mesmo. Tão logo compreendas a tua própria natureza, serás capaz de compreender e analisar tudo o resto; enquanto não conheceres a fundo a tua própria índole, o restante não se poderá apresentar com a devida clareza. Como poderia o cego orientar-se no local que o cerca e o chão que pisa? A visão sendo nítida, tudo, dentro e fora do homem, estará claro. O mesmo acontece aqui, ao homem espiritual.
A alma, forma externa e substancial da criatura, não tem luz própria, a não ser aquela que nela penetra através de outros seres, de há muito possuidores de luz interna; portanto, o seu conhecimento é apenas gradativo. As partes de um quadro psíquico, que se acham sob o foco de um raio projectado do exterior, são registadas pela alma e apreciadas em suas minúcias. Se a luz, qual meteoro, passar de um ponto para outro, dá- se o pleno esquecimento da visão anterior, provocando um quadro diverso. Afastando-se a luz do segundo objectivo, através de um desvio, a compreensão psíquica se apaga no momento. Assim, a alma poderá deixar-se iluminar externamente durante eternidades, mas o seu conhecimento será o mesmo do início.
Outra coisa, totalmente incompreensível para o teu raciocínio, acontece quando surge na alma o espírito vivo, iluminando-a internamente. Faz-se então uma luz claríssima e eterna em todos os recônditos da psique alimentando-se e fazendo com que cresçam e se desenvolvam até à perfeição. Isto realizado, a alma não mais precisa estudar pontos isolados, porquanto tudo se tornou nítido dentro dela. Tal criatura espiritualizada não terá necessidade de indagar: Senhor, o que é isto ou aquilo? Pois penetra nas profundezas da Minha Sabedoria Divina. A fim de que possas assimilar mais amplamente a Verdade de Minhas Palavras, farei a leitura desta inscrição, e de pronto surgirão milhares de perguntas dentro de ti. Presta atenção.
A calma repousa inerte com a morte. Essa calma, porém, é apenas um empecilho para o movimento. Afasta os pontos de obstrução – e a
calma se transformará em movimento. Ele, não é propriamente movimento, mas, a procura de um ponto de estagnação; quando for encontrado, a calma não é mais calma, mas um constante empenho para a movimentação que surge tão logo os empecilhos sejam afastados. Deste modo existem calma sem calma e movimento sem movimento. A calma, é movimento e o movimento, é calma. Na realidade não existe nem um nem outro. Ambos se revezam constantemente, assim como fazem uma potência positiva e uma negativa. Oh, mundo que repousas debaixo desta pedra! Não descansas e te movimentas, no que consiste o teu peso pecaminoso. Estás amadurecendo para a vida e procuras romper os laços retentores. No momento em que forem rompidos, projectar-te-ás ao Infinito, lá procurando o que ora possuis. Uma vida estaciona, uma vida se projecta; a primeira tenta desertar, enquanto a outra tenta repousar. – Deus fonte básica da vida verdadeira, dá o verdadeiro descanso à calma, e ao movimento a real movimentação – agora, diz-Me se compreendeste a inscrição. “Responde o franciscano: Senhor, isto é chinês genuino. É só o que posso dizer. Esclarece-nos a respeito.
Prisioneirosdamatéria.Propostade Cipriano.
Digo Eu: "A inscrição esclarece a sensação da tua própria vida, constituída de partes iguais, de repouso e movimento. Podes naturalmente andar e parar, sentar ou deitar. Qual é a necessidade que sentes após longa caminhada?" (Resposta: De repouso.) "Bem, em tal caso procuras repousar. Após o descanso completo e observando grande movimentação ao teu redor, digamos, um rebanho de ovelhas, os seus alegres pastores, os pássaros a saltarem de galho em galho, um regato correndo célere pelas campinas e outras coisas semelhantes, — qual é a manifestação que se apresenta em teu físico confortado pelo descanso?" (Resposta: Movimento, bastante movimento.)
Óptimo. Assimilando isso, deduzirás da inscrição que tanto repouso como movimento, nada mais são do que necessidades alternadas de todo o ser e vida. Objectos necessariamente sob julgamento encontram-se num repouso constante ou em movimento ininterrupto. Os seres, porém, abrigando vida mais liberta, contêm repouso e movimento para uso livre. Eis porque o pedido: Senhor, dá verdadeiro repouso ao repouso e ao movimento justa movimentação, — significa apenas: Senhor, dá-nos repouso e movimento, livremente, e não nos mantenhas no julgamento. — Ou mais explícito: Não nos induzas à tentação, mas
livra-nos do mal do julgamento. Compreendeste, ou ainda não surgiu luz em teu íntimo?"
Responde o franciscano: "Sim, Senhor e Pai, isto para mim, está claro. Mas quais são os que repousam lá em baixo e cujas necessidades sentidas de há muito apresentam tal inscrição?"
Digo Eu: "Todos os presos pela matéria repousam sob estes monumentos, instituídos pelo julgamento necessário, para eterna recordação da Minha Sabedoria, Força e Poder Divinos. A tua própria alma surgiu de tal túmulo e foi depositada em outro, feito de carne e sangue onde se encapsulou qual bicho-da-seda na matéria mais leve, capaz de vida natural, progressiva, modelando-se e desenvolvendo-se de acordo com a sua forma própria. Conseguindo esta realização, a sua alegria se tornou maior com a forma do que consigo mesma, integrando- se à forma mortal da carne.
A carne é, como toda a matéria, morta. A alma unindo-se à matéria, como poderia ficar excluída do julgamento? Foi dado à alma um novo espírito e ela deveria tudo empenhar para unir-se a ele. Se, todavia, tudo faz para se unir com a matéria — como poderia o espírito tornar-se senhor de sua casa?
Afirmo-te que o próprio espírito será enterrado na matéria. E aqui vês grande número de espíritos enterrados. Cada túmulo conserva o seu espírito e as palavras que leste são dele, e poderás ler outras tantas inscrições idênticas. O espírito ainda vivo, geme e suspira para libertar-se do sepulcro. Diz-Me tu, o que devemos fazer?"
Responde Cipriano: "Senhor, pessoa alguma, dotada de um vislumbre de amor, terá dúvidas quanto à justa resposta. Devem ser socorridas o mais depressa possível, pois um auxílio daqui a eternidades seria inútil. Que surjam dos túmulos, inclusive a sua matéria! Deixemos que esta se evapore para livrarmos o elemento espiritual.
O meu coração não considera pecadoras as criaturas que no mundo são maldosas e materialistas. Observemos a sua posição social, a sua miséria, a completa carência de educação moral, resultado do estado precário da economia popular, que por sua vez é consequência dos corações egoístas dos ricos, — e procuremos condenar um pobre ladrão exposto à miséria e desespero, uma prostituta que durante meses procurou emprego sem achá-lo, e caso o encontrasse, era pior do que o próprio inferno. Muitas serviçais se tornam prostitutas devido ao seu ordenado miserável, a fim de melhorarem a sua situação financeira. Não se pode falar de moral e educação mais elevada quando a maior parte das criaturas poderia dizer: Existe muita areia à beira da praia; mas ninguém poderia afirmar ser dono de um punhado, pois se tal pretendesse, seria considerado ladrão. A Terra continua propriedade particular. Milhões são considerados escravos, empregados e burros de carga. Alguns países
procuram amenizar a miséria através de caridade material; mas, para a evolução espiritual, nada se faz para os pobres, a não ser que sejam obrigados a frequentar a missa nos dias santos e domingos, podendo no inverno congelar ou contrair outras moléstias.
Se a maioria deste modo se perverte, mata, rouba e assalta, rebela- se contra as leis tornando-se ateia ou vilipendiadora de Deus, — quem poderia condená-la por isso? Eu não. Socorramos, portanto, primeiro física e depois moralmente, — e tudo na Terra melhorará. Ela tornou-se um verdadeiro inferno para a humanidade. Transformemo-la, ao menos em parte, num paraíso, e os homens reconhecerão novamente a Deus. No inferno não se pode estudar teosofia e moral elevada. Ajuda total para todos que gemem no sepulcro. Eis o meu eterno lema."
Ensinamentos importantes.
Satanásorigemdamatériaedetodasas almas.
Planoda Salvação
Digo Eu: "O teu coração é bom, por sentires compaixão dos teus semelhantes, qualidade ausente em muitos dos teus confrades religiosos. O teu conhecimento, porém, é nulo. Presumes, Eu não Me preocupar com a humanidade da Terra? Admites talvez ter o teu coração mais amor ao próximo que o Meu? Ou teria Eu ficado tão ignorante e tolo ao ponto de não mais saber o que seja útil aos homens? Tens bom coração, idêntico a um cego que acaricia um condor julgando ser uma pomba, e coloca no bolso uma serpente como se fora um peixe. Conheces por acaso a origem da maior parte das criaturas do orbe e como devem ser mantidas e conduzidas, a fim de que sejam educadas por espíritos livres, através de meios variados de salvação? Ignoras tal facto, jamais o soubeste e compreendeste; no entanto, queres acusar-Me subtilmente, como se fora Minha culpa a situação precária da humanidade. Tal conceito é futilidade do teu coração.
Não viste na Terra como se preparam os metais e o vidro? Se por acaso tiveste oportunidade de ver uma fornalha de fundição onde o aço se torna incandescente para se precipitar com estrondo dentro de um recipiente adequado, — qual teria sido a tua reacção na hipótese de imaginares que tal matéria pudesse possuir uma sensação instintiva? Que forte dor não haveria de sofrer quando destruída pelo poder do fogo em sua forma primitiva e forçada a ingressar em outra. E ao deparares com o metal sólido, luminoso e útil, — acaso também te tornarias sentimental? Não! Estarias alegre, elogiando a inteligência humana capaz de produzir pela acção do fogo, metais úteis e louças tão lindas.
O mesmo acontece com a educação espiritual do homem. Caso vez por outra esteja adoentado, reumático, cego, surdo, mudo e não raro cheio de feridas e chagas, — um bom médico, tudo fará para curá-lo. A moléstia exigindo remédios fortes e dolorosos, sem os quais não seria possível curá-lo, seria prudente e apropriado privá-lo daqueles recursos por um sentimento de compaixão?
Ouve bem. Satanás foi criado como primeiro espírito. Quando devia reconhecer e aceitar a sua liberdade plena através de uma lei, rebelou-se e provocou a sua queda, pelo desprezo da lei, portanto de Deus. Tendo sido designado — como Adão— a tornar-se o pai original das criaturas posteriores, para toda a eternidade, ele trazia dentro de si, qual semente, inúmeros seres, com eles se afastando de Mim, o Criador. A consequência disso foi a Criação material de todos os mundos como julgamento necessário. Ele poderá permanecer por muito tempo aquilo que é; as suas sementes incontáveis lhe serão tiradas pelo caminho penoso da matéria. Tais gérmenes surgem da sua natureza total, ora dos seus cabelos, ora da sua cabeça, da garganta, língua, dentes, pulmões, intestinos, pele, mãos e pés. À proporção que a humanidade surgir de
uma ou de outra parte de Satanás, é preciso ser tratada e guiada para alcançar o grau de verdadeira perfeição.
Ciente disto, acaso poderias enfrentar-Me, dizendo: "Senhor, porque não socorres os aflitos, deixando que pereçam?" — Jamais deixo que alguém definhe e pereça, nem o próprio Satanás e os demónios. Não posso deixá-los como querem em seu egoísmo ignorante; tenho que cuidar de todos os meios para que possam atingir a meta imposta por Minha Ordem, desde eternidades.
Acaso presumes encontrar-se nestes túmulos o proletariado infeliz, obrigado a pecar em virtude da sua miséria? Enganas-te muito. São pessoas cultas e bem orientadas em assuntos diversos. Aproveitando os seus conhecimentos e dons em prol do seu orgulho, implacabilidade tremenda, volúpia carnal, inveja e avareza, materializando a sua alma, — encontram-se elas no túmulo do julgamento preparado por si mesmas. Atrás do sepulcro verás uma abertura. Vai até lá, espia e diz-Me o que vês. Só então falaremos a respeito."
Descobertasrepugnantes.Mistérios tumulares.
Manifesta-se o conde Bathianyi: "Senhor, aqui ao lado acha-se uma tumba dourada; se não me engano, contém a seguinte inscrição misteriosa" Deus, liberdade e felicidade...! Homem, cão, miséria e morte! O homem — um simples insecto na veste externa da Santidade Divina —
pretende amar a Deus, qual piolho o corpo humano. Isto incomoda a Divindade, razão pela qual mata constantemente os insectos humanos. Quem conhece o amor do piolho para com a criatura? Quanto mais piolhos passarem por cima de sua pele, tanto maior será a onda de amor que a envolve. Não lhe agradando tal simpatia, ela tudo fará para livrar- se. O mesmo acontece com a Divindade sempre ocupada em libertar-Se do amor humano. Não deveria criar o homem e lhe dar consciência, porquanto o seu afecto Lhe é um horror. Muito embora infinitamente pequeno perto da Divindade, ele tem sentimento delicado e percebe a repugnância de Deus tanto mais dolorosamente à medida do excessivo peso da Omnipotência. Sê Misericordiosa, ó Santa Divindade, para com as tuas criaturas e aniquila-as de uma vez para sempre." — Que inscrição repulsiva e estranha! Tinha vontade de observar os moradores de tal tumba."
Digo Eu: "Posso facilmente proporcionar-te tal prazer. Espia pela abertura posterior." Bathianyi, ajoelha-se do lado oposto e, após certo tempo de observação, diz admirado: "Isto é medonho. Um enorme macaco, excessivamente sujo e coberto com penas de pavão, anda de lá para cá, num vasto salão; seguidamente encosta o dedo no nariz e na testa estreita, que esfrega com ares filosóficos. Em cima de um divã se acocoram sete a oito macaquinhos, certamente fêmeas, cochichando entre si. Em dado momento, o grande diz com voz rouca: "Russos e turcos não combinam. O célebre general, já os pegou pelo cangote. Em seguida virão os ingleses e franceses e mostrarão aos russos a distância da Europa à Sibéria. Este sempre foi o meu desejo. A Áustria terá que dançar de acordo com o assobio dos outros. Pobres alemães, loucos eslavos, burros franceses e idiotas húngaros. No Parlamento não conseguistes unificar- vos, alcançando tal fim na força da pobreza e no desespero comum, como escravos das fazendas na América, Que alegria por tudo acontecer conforme imaginei na Terra!"
Diz o conde: "Santo Pai, — que confusão é esta? Diz-nos se há algo de verdadeiro nisto." Respondo: "Tudo no mundo é possível à medida com que as criaturas privam Comigo ou confiam em seu próprio poder. Ouve o que mais esse macaco dirá."
Novamente o conde chega-se ao orifício, e o macaco prossegue, após pigarrear: "Onde andará Malla? Ah, aí vem ela, certamente cheia de novidades do mundo." (Nisto, ela entra na sala) "Então, quais são as notícias?"
Responde Malla, também de aspecto simiesco: "Nem podes calcular. Ninguém se entende. Os ministros da Áustria fogem quando a bomba estoura. Elevam o proletariado e reduzem os maiorais, resultando que os últimos praguejam enquanto os outros não sabem como agir. Meu caro Mallwitt, isto não é interessante?" Ele ri gostosamente.
Ela continua: "Os ricos terão que pagar impostos vultosos e já lançam insultos por isto. Os sacerdotes não se cansam de imprecar e condenar o Governo. Os lavradores não querem pagar; artistas e profissionais se entregam ao desespero. O exército continua esperando o aumento, que não vem, razão pela qual não confia no Estado. O Papa insiste em atrair os franceses e em compensação encomendou médicos de Nápoles, Espanha e Áustria. Tudo isto de nada adianta, pois não consegue livrar-se dos franceses, de sorte que os sabidos, alegam ser isto o fim do Papa. Isto não é para rir? Além disto, a Rússia assinou um tratado comercial com a Inglaterra. Será um desastre."
Retruca o macaco Mallwitt: "Tudo conforme o meu desejo. A anedota com o Papa não é má e o resultado será tal qual. Como teria sido fácil endireitar a situação política em 1848 quando ainda estávamos na Terra, se porventura os homens estivessem prontos para um entendimento. Qualquer idiota queria ser deputado e abafava o homem culto na Câmara. Eis o resultado bem merecido. — Agora, vê se arranjas algo para comer; estou com fome voraz e as nossas filhas, igualmente."
Diz Malla: "Meu caro, não convém. Lá fora vagueiam animais ferozes como se o inferno estivesse aberto." Diz ele: "Se assim for, o mundo terá motivo para alegrar-se. Sinto entrar pelo orifício, uma corrente desagradável. Vê o que há." Diz Malla: "Ora, certamente é uma ventania infernal; é preciso tapar a abertura." Ele pega imediatamente de uma quantidade de trapos imundos e tenta fechar o buraco, sem conseguir.
Nisto, diz o conde: "Senhor, que aconteceria se eu lhe dirigisse a palavra?"
Respondo: "Ainda não é chegada a hora. Deixemo-los. O pavor da suposta caça infernal dará melhor resultado. Não deves tomar em consideração as referências feitas por ele em prol de Deus, tampouco o seu desapego político. Tudo o que diz representa o seu desejo e inclinação. Por isso não se pode fazer outra coisa senão deixá-lo e aguardar a sua maturação.
Trata-se aqui de um museu especial, pelo qual espíritos totalmente corruptos são reconduzidos à luz e à vida por um acto extraordinário da Minha Graça, como acontece às plantas na estufa. Este museu, ou seja, o local de conservação de obras artísticas da Minha Graça e especial Misericórdia, tem os seus inspectores e guardas, munidos da necessária sabedoria quais horticultores. Podes estar certo chegar ao justo amadurecimento tudo que for entregue aos seus cuidados.
Deixemos este local e vamos lá para a frente onde verás todos os hóspedes em volta de um grande túmulo, ricamente ornamentado. Lá, todos vós sabereis mais nitidamente porque este local, que ainda se acha sob o tecto da residência de Roberto Blum, é um museu.
Há tempos, disse aos Meus irmãos: "Muita coisa teria para vos dizer; todavia, não o poderíeis suportar. Quando se aproximar o Espírito da Verdade, sereis levados à Sabedoria Divina, oculta ao mundo. — O mesmo acontece aqui. Não posso de um só golpe dizer, mostrar e explicar tudo. Através das circunstâncias o espírito da Verdade Eterna será despertado em vós, esclarecendo-vos sobre tudo aquilo que ora se apresenta estranho e incompreensível. Vamos para lá, pois onde há defunto, agrupam-se os condores poderosos."
Acolossalpirâmide.Averdadeiraressurreiçãoda carne.
Em poucos minutos estamos junto dos demais. Os inúmeros hóspedes, conduzidos pelos apóstolos, inclusive os patriarcas, nos recebem com respeito. Assim, aproximamo-nos do enorme monumento semelhante a uma pirâmide colossal.
No cume da pirâmide acha-se uma grande bola de ouro e cada degrau é incrustado em largo aro de ouro no qual estão gravadas várias epígrafes. Por uma porta do lado norte, entra-se na pirâmide. Algumas braças atrás da entrada existem duas galerias laterais e na retaguarda está uma escada que dá para cima e outra, para baixo. Não obstante ser a construção toda de pedras opacas e pesadas, não permitindo penetração de luz, o seu interior e todos os recintos se acham bem iluminados, permitindo ver tudo que comportam.
Cipriano, excessivamente curioso, pergunta: "Senhor, que significa isto tudo?" Digo Eu: "Caro amigo, um pouco de paciência. Não existe lenhador que corte semelhante árvore de um só golpe. Houve na Terra um rei pagão da Macedónia, chamado Alexandre, que desatou o célebre nó górdio com um forte golpe de espada. No mundo dos espíritos puros não se resolvem os problemas deste modo, mas com a devida calma e paciência."
Diz o franciscano: "Senhor, tens sempre razão. Já não mais vivemos no mundo natural em que o tempo passa qual ventania; estamos na eternidade e temos tempo de sobra para nos fartarmos de noções preciosas. O que seria, caso possuíssemos de momento toda a Sabedoria celeste? Nada mais que um eterno enfado. Por isso, — muita calma, de contrário a alegria eterna se tornaria eterna monotonia." Diz o conde: "Parece-me que começas novamente a te tornares mordaz. Tem cuidado, pois o local em que pisas é sagrado." Digo Eu: "Basta de discussões. Tu, irmão Ludovico, não deixas de ter razão; a observação de Cipriano também é justa. Por isso afastai todas as querelas, pois temos à nossa frente coisas muito mais importantes. Cipriano, vai chamar Roberto e sua
esposa. Nesta ocasião cabe a ele o papel principal." Ele executa a Minha Ordem, e Roberto e Helena dirigem-se rápidos para junto de Mim e ele pede que Eu Me expresse.
Digo Eu: "Caro amigo, este museu que analisas em todas as direcções, em companhia da tua esposa, é igualmente uma parte importante da tua casa que te entrego com especial carinho. Já fizeste muito e tenho motivos de satisfação com o teu desempenho. O teu espírito se acha na melhor ordem. A tua alma, porém, é de pouca firmeza e não pode ser de modo diverso, porquanto a decomposição ainda não dissolveu inteiramente o teu corpo. Aqui é o local para conseguires a plena consistência da tua psique, no que terás de observar umas tantas coisas.
O corpo humano é um verdadeiro conglomerado de milhões de tendências infernais congregadas numa forma prescrita. Por certo já ouviste falar da ressurreição da carne, de mortos e vivos, e de um tal Dia do Juízo em que todos os que se acham no sepulcro, serão por Mim despertados, de acordo com as suas obras, para a vida ou para a morte.
Aqui é o local onde tenho que te revelar tais segredos, à medida da tua natureza e constituição. Através de ti serão divulgados a todos que, pelos mesmos motivos, aqui chegarem e tiverem de receber acolhimento em tua casa porque, já na Terra, viviam na tua esfera por pensamentos, inclinações, expressões, desejos e obras.
Foste, de todos, o primeiro acolhido por Mim e por cuja existência e futuro cuidei. Por isso também tens de ser o primeiro — tratando-se do aperfeiçoamento final — a concluir tal tarefa, a fim de que possas passá-la para outrem. Já te disse não ter a tua alma a devida consistência ou solidez. Como alcançá-la?
Digo a todos: Assim como Eu, o Senhor, vos precedi como Homem, emtodalinha,organizandoumCaminhobomeindestrutível, todos vós tereis que Me seguir pelo mesmo caminho, caso queirais alcançaraVidaEterna. Eu não ressuscitei alma e espírito, mas o corpo. A
Minha Alma e o Meu Espírito Eterno não necessitavam de ressurreição, constituindo o maior dos absurdos, Eu, como Deus, ser morto. Tendo ressuscitado fisicamente como eterno Vencedor sobre a morte, todos vós tereis de ressuscitar, pois só vos será possível fitar a Mim, Deus Perfeito, comocorporessuscitado,purificadoetransfigurado. A carne está em julgamento que lhe será tirado, do contrário jamais servirá para solidificação da alma.
Estes túmulos todos, abrigam a tua própria carne, isolada em milhões de partículas que a constituíram. Os seres que encontraste debaixo das lajes são na realidade apenas expressões dos diversos desejos, inclinações e paixões acolhidas em tua carne, como partes
condenadas da tua natureza. Têm que ser purificadas por vários meios para em seguida se tornarem uma veste real, sólida e viva da tua alma.
verdadeiramente Meu filho terá que se assemelhar a Mim em tudo, fazendo o que já fiz, faço e farei. Arregalas os olhos e indagas no íntimo: Senhor, como conseguirei realizar tal coisa? — Paciência, sabê-lo-ás
agora."
Explicaçãodapirâmide.Caminhadapelo inferno.
Prossigo: "Vê, esta pirâmide é o teu coração. Assim como o coração é portador de inúmeros gérmenes do bem e do mal, este monumento em forma de pirâmide é o resumo de tudo que repousava e agia como força carnal na tua natureza.
Entra na pirâmide, em companhia da tua esposa, e analisa bem o que contém na altura, na profundidade e nas suas paredes. Em seguida volta e relata as tuas observações. Dar-te-ei então orientação do que te compete fazer. Não deves parar diante de qualquer coisa. Se fores tentado para tanto, — fita a tua esposa que te afastará dali. Sabes, portanto, como te portar. Inicia a tua caminhada para o inferno, acompanhado da Minha Graça e Amor , cheio de coragem e do melhor consolo. Também a Minha Alma teve que descer ao inferno antes da Ressurreição da Minha Carne ." Roberto se curva profundamente e inicia sua tarefa.
O franciscano, por sua vez, indaga se não é possível acompanhá-lo. Respondo: "Tão logo tiveres alcançado a plena maturidade, terás que fazer o mesmo, muito embora de outra forma, devido à tua constituição. Nemtodoscorrespondemàmesmaformação,porquantoessadependeda preponderante inclinação da alma sobre o corpo. Continua aqui e aguarda o que Roberto realizará. Daí concluirás, mais ou menos, de que maneira tu mesmo descerás ao inferno."
Pergunta o franciscano: "Senhor, é este inferno, uma espécie de purgatório?" Respondo: "Sim, algo parecido, no entanto bem diverso daquilo que ocultas no teu coração católico."
Diz ele: "Quer dizer que ninguém entra de pronto no Céu?" Digo Eu: "Não tão facilmente. Se Eu Mesmo tive que descer ao inferno, sendo o Próprio Senhor, todos os Meus filhos terão de fazê-lo. Todo o fruto terá que amadurecer para ser saboreado. Crianças tolas e ignorantes presumem estar a cereja madura quando apenas rosada; o agricultor entendido conhece perfeitamente o tom de vermelho, da cereja madura.
Não há entrada directa no Céu, mas sim, ao paraíso espiritual, onde agora vos encontrais, a Meu lado . Não basta Eu dizer ao pecador: Tem confiança, pois ainda hoje estarás Comigo no Paraíso. — Agora silêncio, Roberto não tardará."
O franciscano tem vontade de falar algo mais; o general, que se acha perto, em companhia de Dismas e o transfigurado Padre Tomás, tapa-lhe a boca, dizendo: "Obediência. Nosso Senhor e Pai, deu ordem de silêncio e temos de obedecer."
Intervenho: "Está bem, amigo Matias. Aqui não existe lei positiva por Mim elaborada. Caso Cipriano queira falar, não será impedido." Responde este: "Não, não, não tenho nada a dizer, muito embora tivesse tido vontade. O general tem razão em impedir-me nisto, pois neste instante Roberto regressa da pirâmide e estou ansioso por ouvi-lo. Tanto ele, quanto sua companheira, não parecem muito satisfeitos."
Asinscriçõesda pirâmide.
Eis que Roberto se aproxima com Helena, dizendo: "Senhor, que aspecto horroroso, acabo de observar! Se o interior desta pirâmide fosse idêntico à estrebaria de Augias, e ainda que dez vezes pior, — fácil seria limpá-lo. A imundície pecaminosa, mormente na profundeza do monumento, ultrapassa aquela estrebaria de Hércules. Impossível cogitar-se de limpeza, mesmo desviando para lá todos os rios e riachos da Terra. Nas regiões superiores da pirâmide se apresenta uma infinidade de quadros da minha vida volúvel, e os recintos inferiores estão abarrotados de indescritível imundície acompanhada do pior mau cheiro. Ai de mim! Quem me ajudará a sanar essa cavalariça?"
Digo Eu: "Caro Roberto, não existe tarefa tão grande, impossível de ser executada, tendo os meios adequados para a melhor ordem. Para tanto são necessárias, compreensão e paciência justas. Observa a Criação total e imensurável desde o início até ao seu término indispensável, as suas partes ínfimas, orgânicas e inorgânicas até ao seu todo, para ti incompreensível, enorme e ordenado, — e jamais depararás em teu estado actual a possível execução, ordem, conservação e orientação para a justa finalidade. Todavia, tal Edifício da Criação se apresenta na melhor ordem, e não existe um átomo capaz de fugir ao seu destino. Se isso é realizável, quanto mais limpar-se a tua estrebaria imunda. Mas, como já disse, são indispensáveis compreensão e paciência justas e, naturalmente, uma vontade firme e inabalável. A fim de alcançares antes de tudo a justa compreensão, lê o que se acha escrito nos degraus da pirâmide, em incrustações de ouro. Assim saberás como agir."
Roberto vai e lê primeiro o que se acha gravado no degrau inferior: "Vinde a Mim todos, que estais cansados e oprimidos, e recebereis conforto. Guiai-vos apenas pelo amor. De facto, se o número dos vossos pecados fosse idêntico à areia do mar e à erva sobre a terra, — o amor os apagaria totalmente. E se a vossa desonra diante de Deus fosse semelhante ao sangue de bodes expiatórios, ela seria lavada pelo amor a ponto de se tornar tão alva como a lã."
No seguinte degrau, Roberto decifra: "O amor é vida, lei, ordem, força, poder, meiguice, humildade, paciência, portanto, a síntese de toda a Sabedoria. Na Sabedoria nem todas as coisas são realizáveis, porque apenas caminha em certa direcção, não podendo ocupar-se das impurezas. Ao amor, porém, tudo é possível. Ele abraça igualmente o que é pervertido com o mesmo sentimento dedicado ao mais puro, em si. O amor aproveita tudo; a Sabedoria comporta apenas o que o amor purifica."
No terceiro degrau, ele lê: "Indaga de teu coração se é capaz de grande amor; se pode amar a Deus acima de tudo, desinteressadamente, se não pelo próprio amor. Pergunta-lhe se pode amar ao irmão, por causa de Deus; mais do que a si mesmo, como se fora outro pequeno deus. Será possível o teu coração amar verdadeira e puramente? Amará a Deus por ser Ele Deus? Se o teu coração puder tudo isto, a tua decomposição estará terminada e tu, perfeito diante de Deus, teu Senhor, Pai e Irmão."
No quarto degrau está escrito: "Deus Mesmo é o Amor Eterno e Puro, Seu fogo é a Vida, e a Sabedoria em Deus é a Luz de todos os seres. As faíscas surgidas do fogo do puro Amor Divino são os filhos de Deus, de origem idêntica ao Seu Coração. És também uma tal faísca. Incendeia- te como uma verdadeira chama, que verás em teu coração o Próprio Pai."
No quinto degrau ele lê: "O Verbo emanado pelo Coração de Deus é a Omnipotência do Amor; por isso, o Verbo e o Eterno Filho de Deus são idênticos. Deus Mesmo é o pleno Verbo gerado no fogo do Amor. Também és uma Palavra de Deus gerada em Seu Coração. Eis porque te deves tornar novamente uma Palavra perfeita do Pai. Transforma-te em amor, pleno amor em Deus, que chegarás ao Filho Divino, unindo-te a Ele. Mas não chegarás a Ele senão pelo Pai, o Amor e o Próprio Verbo, sempre o Mesmo, desde eternidades."
No sexto degrau: "SomenteCristoéoMediadorentreDeusea naturezahumana. Através da Sua morte e do Seu Sangue derramado, Ele
determinou à carne, ou seja ao antigo pecado de Satanás, o caminho para a ressurreição e retorno a Deus. Cristo é o Amor Básico em Deus, o Verbo principal de todas as palavras, Encarnado, tornando-Se Carne de toda carne e Sangue de todo o sangue. Essa Carne assumiu de livre vontade todos os pecados do mundo e purificou-os perante Deus através do Sangue Santificado. Procura compartilhar desta maior Obra de Salvação
No sétimo degrau: "A tua morada física é cheia de imundícies; quem a purificará? Quem, unicamente, teria força e poder para tanto? Cristo, o Eterno Sumo-Sacerdote perante Deus, Seu Pai Eterno. Cristo e o Pai são Unos desde eternidades . Somente em Cristo habita fisicamente a Plenitude da Divindade. Tal Plenitude é o Pai, o Puro Amor Divino. Apossa-te Dele com o teu amor, que purificará a tua carne e a despertará como fez à Carne de Cristo, a Quem Ele Mesmo abrigava."
No oitavo degrau Roberto lê: "Apavoras-te diante do grande número de maus espíritos, que em vida dominaram a tua carne e o teu sangue e perguntas, como fez Paulo: Quem me libertará da minha carne e dos laços da morte? — Cristo, que foi morto, ressuscitou e vive como o Senhor de eternidade. Se Ele permanecesse na morte — caso fosse possível — a morte eterna te seria garantida. Mas como Ele ressuscitou, conforme O vês pessoalmente, é impossível alguém permanecer dentro da tumba. Assim como por aquela serpente a morte sobreveio à carne — a Vida acercou-se da carne humana, através do Homem-Deus, Único; mas ao mesmo tempo acercou-se dele um novo julgamento, muito embora o primeiro, que continha a morte, fosse aniquilado para sempre, através da Ressurreição de Jesus. Esse novo julgamento não deixa de ser também morte; porém não leva à morte, mas à própria vida. Apodera-te do Amor pelo teu amor, a fim de que esse julgamento da tua carne se torne vida verdadeira pelas Obras de Jesus. Encontras-te na fonte; sacia-te na Água Viva."
No nono degrau: "O amor à mulher é amor-próprio, pois quem se deixa levar pelo amor carnal, ao ponto de se tornar um peso ao amor para com o próximo e, como resultante, o amor a Deus, — ama a si mesmo em a natureza feminina. Portanto, não te deixes seduzir pela forma atraente da mulher, além da justa medida; do contrário, sucumbirás na fraqueza feminina, enquanto a mulher, deveria tornar-se um ser uno em ti. Deves amar a mulher assim como amas uma ou outra tendência da tua natureza, a fim de que se unifique contigo. A Deus, terás que amar acima de tudo, para renasceres poderoso, um cidadão verdadeiramente livre nos Céus puríssimos de Deus, por toda a eternidade, e a tua esposa contigo, num só ser."
No décimo degrau: "Procura progredir sempre para que não te excedas quando te tornares grande. Vê a Humildade, Meiguice e Bondade do Senhor. Ele é o Senhor desde eternidades. Tudo o que comporta o Infinito, do macrocosmo ao microcosmo, do átomo mais elevado até ao mínimo — é a Sua Própria Obra. A Sua Força é tão Grande
que todas as Criações do Universo se desfariam diante do Seu mais suave Hálito; entretanto, Ele priva com os Seus filhinhos, tão Modesto e Despretensioso como se fora o Menor entre eles. Ama-os e fala com eles como se fossem as únicas criaturas em todo o Infinito, onde sobrepujam miríades de seres maravilhosos, cheios de amor e sabedoria. Procurasero menordetodos,parasempre."
No último degrau, Roberto comove-se de tanto amor para Comigo, ao ponto de chorar copiosamente. Ora estuda esta última e superior inscrição, ora Me fita, em seguida observa sua esposa, e diz, com profunda admiração: "Ó inscrição sagrada! És tão simples, sem empáfia, esculpida em ouro puro, entretanto tão eternamente verdadeira como é Verdadeiro Aquele, cujo Dedo Poderoso te gravou! Meu Deus, só agora, sinto penetrar-me tão imenso amor para Contigo, percebendo que jamais te amei. Agora tudo se modificou. Tu somente és Senhor do meu coração e da minha vida. Dedico- Te amor invencível, meu Amado Pai, Jesus!
Quando me entregaste a linda Helena para esposa, senti mais gratidão do que amor para Contigo, e com o fiel cumprimento das Tuas Leis, presumia possuir a maior perfeição. Como estava longe da meta verdadeira! Ignorava como seria possível amar-Te acima de Helena e considerava tal afecto algo ridículo. Agora isso mudou. Amo apenas a Ti, acima de tudo, e vejo surgir uma nova vida neste sentimento. Ó Senhor, Pai Jesus, meu único amor.”
Robertoesquecesuaesposa,por momentos.
Compreensãodelaeoseureceiodiantedo Altíssimo.
Com tais palavras, Roberto dá um salto da pirâmide, corre para junto de Mim, prosternando-se aos Meus Pés. Eu impeço-o, chamando- lhe a atenção por ter esquecido Helena, a sua esposa. Diz ele, numa comoção estática: "Quem poderia em Tua Presença ter pensamentos e ideias senão para Contigo? Amo Helena, linda e devota, como parte integrante do meu ser espiritual, — mas acima de tudo estás Tu, meu Deus, Senhor e Pai! O que seria o mundo cheio de Helenas, sem Ti? Nada, Poderia até desesperar-me em seu convívio. Estando Contigo, posso estar feliz sem ela; no entanto, vou buscá-la por ser uma Dádiva da Tua Mão, de valor infinito para mim."
Digo Eu: "Pois bem, vai buscá-la. Está nos olhando com tristeza e presume ter-te ofendido, porquanto a abandonaste." Ligeiro, ele se aproxima dela, dizendo: "Vem, querida, esqueci-te apenas por momentos devido ao grande amor a Jesus. Agora já está tudo em ordem. Vem comigo e não fiques triste."
Responde Helena: "Entrego o meu coração ao Senhor, e a ti por me considerares novamente. Julgava ter errado, porque me deixaste e parecias ter-me esquecido. Foi o amor justo e verdadeiro que te levou para junto do Pai. Conduz-me até Ele, único Dono do meu coração para sempre. Deixa que os nossos corações se unam diante Dele, que os encheu com o Seu Amor a fim de que — tão logo a tua carne se purifique pela ressurreição, no fogo do Amor Divino — a tua alma também se torne pura e nos regozijaremos num só coração, sentindo, pensando e vivendo diante Dele."
Roberto quase desfalece de alegria e conduz Helena para junto de Mim; ela também faz menção de prosternar-se. Para evitar isso, digo: "Querida Helena, não te animas em amar-Me como o fizeste anteriormente? Sou sempre o Mesmo." Diz ela chorosa: "Sim, para a visão. Mas, para o coração Te tornaste mais Sublime e Grandioso. És Deus Único e Verdadeiro."
Protesto: "Já sabias isso, Minha filha, e aceitavas, e não tinhas receio da Minha Santidade. Até Me beijaste, sem mais nem menos. Onde foste buscar tamanho recalque? Reflecte um pouco, sê a mesma, assim como Eu permaneço imutavelmente o Mesmo. Deste modo, não cairás num temor desnecessário diante da Minha Majestade Divina."
Contesta Helena: "Oh não, existe uma grande transformação no meu conhecimento da Tua Pessoa. No começo, a Tua Divindade tinha algo de Humano, e o coração de uma pobre pecadora suportava a Tua Presença. Quando os acontecimentos e aparições se tornaram mais maravilhosos e imponentes, demonstrando com nitidez a infinita diferença entre Ti, Deus e a criatura, cuja missão se concretiza na emancipação pelas Leis da Tua Ordem, — deixaste de dar impressão humana. É compreensível sermos tomados de um certo temor da Tua Santidade.
Nos dois primeiros salões no palácio de Roberto, já tive motivo de sobra para me extasiar, louvando a Tua Bondade, Amor e Sabedoria. Eis que nos conduziste a este museu que representa figuradamente a natureza física de Roberto, — e não acho mais palavras para expressar a minha admiração. Mormente as inscrições, nos degraus da pirâmide, o seu sentido sublime, — tudo isso poderia provocar êxtase elevadíssimo. Por isso, modificou-se a minha posição anterior.
Quando na Terra, no péssimo ambiente de Viena, eu me entregava por dinheiro e boas palavras, um cavalheiro distinto me visitava vez por outra. Não tinha receio diante dele, porque não via o seu lar luxuoso e o seu poder financeiro. Bastava eu entrar em seu escritório e deixava de ter liberdade. Não devia fazer aqui tal comparação pecaminosa por ser este solo santificado; não pude deixar de fazê-lo, pois aplica-se bem à situação actual. Não ficarás zangado por isto, Senhor?"
Respondo: "De modo algum. Já saldamos os teus pecados, motivo pelo qual, as tuas desculpas não representam nada para Mim. Sei muito bem a sensação que enfrentarás ao deparares com milagres maiores. Consta: Sede perfeitos como vosso Pai no Céu! — Como isso seria possível a uma filha, cujo respeito diante do Pai é maior do que o de uma lebre frente a um leão?"
Exemplodoartistaeseus alunos.
OEnsinoamorosodoSenhorreconduzHelenaaoamor celeste.
Prossigo: "Acabas de apresentar um exemplo bem aplicado que deveria justificar o teu receio diante da Minha Pessoa. Em compensação contar-te-ei outro, e veremos a tua situação actual. Houve na Terra grande mestre na pintura, cujos quadros necessitavam somente uma vivificação para que o tema se tornasse real. As suas obras atraíam grande número de admiradores de todas as partes do mundo e alguns talentosos com desejo de alcançarem tamanha perfeição. Satisfeito, o mestre dedicou-se àqueles jovens.
Alguns havia, dotados de grande habilidade, mas o seu respeito diante da grandiosidade do mestre era tão intenso que mal arriscavam a pegar no pincel. Julgavam ser todo o seu esforço inútil, a fim de poderem atingir um átomo da sua perfeição. Os outros, cujos dons eram menores, diziam: Sabemos ser nosso mestre o único na pintura e jamais a ele nos poderemos igualar, mas pelo respeito à sua arte, chegaremos ao ponto de não nos atrevermos a pintar. Vamos dedicar-lhe grande amizade e aprender o quanto possível. Isto, certamente alegrá-lo-á mais do que se nos prostrarmos diante de sua obra. Além disso, já é um elogio para a sua pessoa, se milhares, tocados pelas suas realizações, se entregam à aproximação da sua arte num ou noutro ponto. Vê, Helena, os primeiros, extasiados pelo grande respeito, pouco ou nada aprendem do grande mestre, enquanto os outros evoluem, pelo zelo dedicado, em bons artistas sob a sua orientação.
Diz-Me, sinceramente, qual dos dois grupos será preferido pelo Mestre: o excessivamente respeitoso, ou o outro, sem recalques, porém imitador da arte a que dedicou o seu coração? A quem tu mesma darias preferência: um, tão acabrunhado diante da tua beleza que nem se atreve a confessar o seu amor, fazendo-se apenas de admirador a longa distância, ou um outro, que não obstante a tua beleza estimule o seu amor, continua senhor dos seus sentidos e tem coragem para te confessar a sua inclinação. Qual é tua opinião?"
Responde Helena: "Oh, Senhor, — naturalmente o segundo. Reconheço o meu engano e prometo corrigir-me." Digo Eu: "Bem, que farás neste caso? Serás tão afectiva como antes quando te salvei do jugo de tua morte espiritual?"
Diz Helena: "Sim, — é claro, — mas, hum — se ao menos não fosses tão elevadamente Santo! Quando penso seres Tu, Deus, o Eterno Omnipotente, Omnisciente e Santo e eu, nada mais do que simples fagulha do Teu Pensamento — sinto tal respeito, diante de Teus Olhos que desejaria sumir-me na poeira.
Se bem que expresses a mais elevada Bondade e Meiguice, sei que os Teus Olhos às vezes projectam tempestades, saraivada de trovões por cima das criaturas. Fisicamente, não apresentas maior energia que qualquer um de nós; o Cosmos, mormente os sóis, revelam ter o Altíssimo aparência humana, entretanto é Ele bem diferente. É infinitamente Bom àqueles que Ele ama; mas quem não se submeter à Sua Ordem terá que enfrentar o Seu Rigor.
Tais pensamentos se infiltram em meu coração e não sou culpada se de mim se apodera uma veneração crescente. Até poderia afirmar que Tu, como Deus e Criador, não podes conceber o sentimento de uma criatura que se acha à Tua frente. Por certo sentes verdadeiro prazer por Te encontrares diante de inúmeras criaturas e amá-las livremente, de acordo com o Teu Amor Divino. Nós só o podemos fazer com tremores de veneração. Se tivesse coragem e fosse permitido, amar-Te-ia com todo fervor, mas..."
Digo eu: "Vê só, que criatura inteligente és! Será preciso Eu aprender contigo. Se Eu não fosse capaz de sentir aquilo que sentes ao te deparares Comigo, o Teu Criador, — quem poderia ser o causador dos teus sentimentos? Criei-te completa e não pela metade. Helena, desta vez, desenterraste algum remanescente da tua inteligência vienense.
Quantas vezes, não afirmaste na Terra: Não tolero homem fraco! — E aqui, no Reino dos espíritos, talvez almejes um Criador débil? Para que finalidade serviria? Ele tem que ser Omnipotente e Sábio, do contrário sucumbiria, finalmente, contigo. Que te parece — sou tão horrendo, ou não?"
Helena esboça um sorriso e diz acanhada: "Pai Celeste, falas de tal modo a fazer desaparecer todo excessivo temor. Agora serás amado por mim, sem medida e sem fim." Acrescento: "Então vem cá e desafoga o teu coração!" Ela lança-se ao Meu Peito e o cobre de beijos, lágrimas de alegria e suspiros.
Severaadmoestaçãoàpresunção sacerdotal.
Como Helena goza o mais elevado êxtase de amor no Meu Peito, o Padre Cipriano aproxima-se e diz: "Parece que Helena pretende possuir- Te sozinha! O que sobrará para nós? A esposa de Roberto não só dá impressão de Te amar, pois mostra-se realmente apaixonada e isso excede as medidas. A Mãe Santíssima e outras tantas personagens femininas também Te dedicam afecto sincero, no entanto não fazem tais cenas. És o Senhor, e eu jamais imporei as minhas directrizes; mas este facto não deixa de ser curioso. Nunca vi criatura tão apaixonada."
Digo Eu: "Isto te espanta, não é? E ao mesmo tempo te aborreces. No entanto te digo: Não é aconselhável e não traz benefício a quem se escandaliza Comigo. E digo mais: Os direitos de quem não Me ama como Helena serão reduzidos no Meu Reino. Se tu, Me amasses assim, o seu afecto não te aborreceria, achando-o exagerado. Sendo tu mais pobre no amor verdadeiro, o rico tesouro dela é uma trave em teus olhos, razão pela qual te incomoda o seu grande afecto. Quanto a Mim, digo-te não Me contrariar de modo algum o seu grande amor, ao passo que a tua observação está Me aborrecendo bastante. Maria e muitas outras mulheres não externam aqui no Paraíso o seu forte amor para Comigo, porque conservam de há muito o mesmo sentimento manifestado por Helena. Agora sabes o bastante. Recua um pouco, do contrário impedirias que ela desse expansão ao seu sentimento."
Diz o franciscano, antes de se afastar: "Senhor, caso o meu também venha a se inflamar como o de Helena, ainda terei de ficar na retaguarda?"
Respondo: "O amor verdadeiro é a única medida pela qual se sabe o quanto alguém está junto de Mim. Se tiveres um amor justo, isento de qualquer interesse, estarás mais próximo de Mim; quanto maior for o número de fagulhas a chisparem em teu coração, ávidas do amor-próprio, tanto mais te afastarás de Mim.
Os bispos católicos fazem actualmente conchavos na Terra acerca dos interesses da Igreja, tais como: dinheiro, autoridade, concessões e outros tantos prejuízos para o futuro das criaturas. São levados pelo egoísmo, portanto estão muito longe de Mim, e o seu conluio será danoso e o seu conselho, inútil. E isto porque se arrogam privilégios para tanto. Afirmo-te serem eles os últimos a gozarem tais vantagens.
Quem deseja amar-Me e no entanto sente inveja do Meu Amor por outrem, que sou seu Senhor, não é Meu amigo e jamais merece o Meu Afecto. Quem afirmar : Apenasporestaouaquelapenitênciapoderás assegurar-te do Amor de Deus e através Dele, da Vida Eterna, — émentirosoefaz partedos seus afins no inferno. Eu sou o Senhor, amo a quem Me agrada e sou Misericordioso para quem desejo ser e transmito a bem-aventurança aos que acho com mérito; jamais Me prendo a determinados hábitos inventados por profetas dominadores, orgulhosos e
egoístas, impondo à fraca humanidade pesadas correntes de escravidão. Ai daqueles que se atribuem o direito de espargir o Meu Amor às criaturas! Tal suposta prerrogativa ser-lhes-á encurtada em breve pela força, podendo procurá-la com a lanterna sem que a encontrem.
Amigo Cipriano, do mesmo modo que os bispos de Roma ora fazem Conselho e Conluio pelos quais pretendem manter somente a sua antiga posição de domínio, brilho e ostentação, enquanto a verdadeira salvação dos Meus povos lhes desperta menor interesse do que tu consideras a neve que há mil anos antes de Adão forneceu uma veste branca e fria às zonas temperadas, — tu mesmo ainda conservas algo genuinamente católico, invejando o amor desta Minha filha querida, enchendo o teu coração de irritação. Por isso te disse que deverias retroceder, pois a tua inveja e indignação perturbam-na em seu amor para Comigo. Não te dou uma ordem declarada pois já deste prova de um sentimento mais purificado. Se te for possível, fica. Inveja e indignação não permitindo a tua permanência, afasta-te."
A estas palavras, o franciscano manifesta profunda tristeza e diz de si para si: "Nunca teria imaginado que Ele fosse tão severo. Ele tem razão! Deus, meu Senhor, que será de mim, caso me aponte a porta? Qual será o nosso destino, se nos expulsar? Devo voltar para a retaguarda, onde ela está? Que significação obscura tem esta palavra para Deus? Mas Ele disse que eu poderia ficar, caso estivesse apto. Não faz muito, o Senhor afirmou serem a alma e o corpo humanos de origem satânica, correspondendo a determinada parte do príncipe da mentira. Eu, certamente, derivo dos seus chifres, porque sempre se manifesta coisa repulsiva no meu coração. Não resta dúvida, existem outras tantas inclinações do coração maldoso de Satanás, pois parecem constituir-se somente de inveja, avareza, domínio, orgulho e outros sentimentos horríveis. Ó Senhor, expulsa o demónio do meu coração!"
Digo Eu: "Podes novamente juntar-te a Ludovico e aos seus amigos; entrementes, orienta-te com os teus colegas Tomás e Dismas, que expulsarão de ti o resto negativo." Satisfeito, Cipriano obedece-Me, enquanto Eu chamo Roberto para junto de Mim.
Milagrosatransformaçãodossepulcros psíquicos.
Robertorecebeavesteda imortalidade.
Quando Roberto, dominado por excessivo amor, se aproxima ligeiro, manifestando alegria semelhante à de Davi pelo facto de Helena ter recebido tamanha Graça da Minha parte, — subitamente desaparecem todos os túmulos e em seu lugar surgem fortes luzes quais sóis. Elevam-
se numa formação graciosa, subindo sempre até se fixarem em grupos como estrelas de primeira grandeza, na abóboda celeste.
Após certo tempo de êxtase dos presentes, flutua no alto um espírito fortemente luminoso e estaciona no local onde anteriormente se encontrava a pirâmide, segurando em sua dextra uma veste azul-clara, pregueada e coberta de inúmeras estrelas fulgurantes.
Todos os que se haviam aproximado da esfera de Roberto tão surpreendidos estão, que mal se atrevem a respirar. O próprio Roberto, que há poucos instantes não se conteve de alegria, pára estupefacto diante de Mim e não ousa falar, muito menos perguntar acerca desta aparição. Somente Helena, embora extasiada, se encoraja para tanto. Então explico: "Minha filha, tudo isto emana da matéria de Roberto. O anjo formou dela, uma veste e, a Meu Mando, entregá-la-á como vinda do Céu. Muito contribuíste para a realização desta finalidade, pois o grande poder do teu amor ajudou a purificar e dissolver a matéria. Aproxima-te do anjo e trá-lo aqui, a fim de que diante dos Meus Olhos entregue a Roberto a veste celestial, ou seja, a verdadeira vestimenta para a Vida Eterna,"
Radiante com esta aparição, Helena dirige-se ao mensageiro luminoso e lhe pede para acompanhá-la, e ele a segue. Quando à Minha frente, ele curva-se com profundo respeito, passando a veste com expressão de amor a Roberto, que mal se controla de emoção, mas no mesmo instante se vê trajado com a veste da imortalidade.
Eis que lhe digo: "Então, amigo e irmão Roberto-Uraniel, agrada-te a tua roupagem? O que Me dizes, desta transformação? "Responde ele: "Senhor, já na Terra sentia às vezes momentos de elevação que fazem calar a boca dos homens; até os pensamentos ficam paralisados sem se poderem, manifestar durante factos maravilhosos. Se isto se dá na Terra em julgamento, — quanto mais aqui no Reino dos espíritos onde um milagre reveza outro. Por isso, perdoar-me-ás, Senhor, ser eu incapaz de falar, tão grandes são a minha alegria e o meu amor. Este sublime acto deu-se tão repentinamente, de sorte a me tolher a língua. Caso me desses algum tempo para reflectir, talvez conseguisse expressar-me."
Digo Eu: "Pois bem, vai com este anjo, que te mostrará o museu como verdadeiro museu. Em seguida, voltarás para transmitir a todos o que nele observaste. A fim de que esse trabalho te seja facilitado, caminharás ao lado do anjo em movimentação espiritual. É a mencionada velocidade de que tantas vezes falaste na Terra, denominando-a de "voo do pensamento." (Dirigindo-Me ao anjo): "Saariel, eis o teu irmão Uraniel. Conduze-o por esses milagres da sua alma e mostra-lhe também o seu primeiro planeta, do qual igualmente tu te originas. Assim seja."
Saariel diz a Roberto-Uraniel: "Vem irmão, observa, aprende e admira a Sabedoria Infinita do Pai." No mesmo instante ambos se
levantam e desaparecem diante dos olhos de todos que chegaram ao mundo espiritual em companhia de Roberto-Uraniel.
IndagaçõesdeHelenaquantoaoshabitantesdo inferno.
Helena, dando com a ausência de Roberto-Uraniel, indaga com meiguice para onde ele se teria dirigido, em companhia do anjo. Eu, ainda mais Meigo, pergunto-lhe se receia que algo aconteça ao seu esposo, e ela responde: "Como poderia, Senhor, encontrando-me junto do Teu Peito, cheio de Amor Sublime? Onde poderia estar Roberto, a ponto de se tornar invisível aos Teus Olhos? Quem caminhar na Luz dos Teus Olhos, jamais se perderá, mas voltará acompanhado de uma lágrima de alegria do Teu Olhar Paterno e saudado pelo Teu Amor que repousa em Teu Coração. Certamente está vislumbrando milagres grandiosos da Tua Omnipotência, Sabedoria e Bondade. Como será maravilhoso o seu relato, porquanto ainda não percorremos o Teu Reino Infinito dos espíritos."
Digo Eu: "Está certo; mas não achas que Eu poderia contar-te algumas coisas peculiares, talvez ainda mais estranhas do que as que esperas de Roberto-Uraniel?" Responde Helena: "Amado e Santo Pai, poderias fazer isso mil vezes melhor que os inúmeros anjos de todos os Teus Céus. Jamais ousaria pedir-Te, por seres infinitamente Poderoso e Santo. E caso me relatasses algo da Tua Própria História Divina, necessitaria talvez um tempo ilimitado para compreender a fundo uma só Palavra Tua, não obstante a minha curiosidade.
De máximo interesse seria saber o que, após a Tua Ressurreição, disseste aos apóstolos e sobre o que João afirma teres falado, porém não fora anotado pelo evangelista; pois, se assim o fizesse em muitos livros, o mundo não os compreenderia ou assimilaria. Certa vez, uma amiga protestante emprestou-me o Novo Testamento e confesso não haver outro assunto que tivesse despertado tanto a minha curiosidade. Seria possível me facultares algum conhecimento a respeito, pois deves ter falado coisas maravilhosas aos Teus apóstolos."
Digo Eu: "Sim, mas tais factos e histórias eram tão grandiosos e profundos, que nem podes compreendê-los no mundo espiritual. Em breve virá uma época em que isso te será possível, pois na Minha grande Biblioteca Celeste está tudo rigorosamente guardado. No dia em que lá chegares poderás ler o Evangelho Completo. Por isso, externa outro desejo."
Diz Helena: "Ó querido Pai, conta-me a respeito da queda de Lúcifer, pois também foi algo que jamais compreendi." Digo Eu:
"Querida, seria igualmente prematuro para o teu coração, porquanto tal história abalar-te-ia muito. Escolhe outra." Prossegue ela: "Então, diz-me o que vem a ser o inferno do qual os padres pregam muito mais frequentemente do que dos Céus. Existe um inferno ou não? Fui em vida uma criatura realmente perdida, e milhares de padres, inclusive o Papa, ter-me-iam condenado ao inferno, caso me conhecessem. Além disso, tenho que confessar não poder acusá-los de injustiça. Não obstante toda a minha ruindade, ora me encontro feliz, Contigo, o meu Deus e Senhor. Deste modo, talvez ainda haja aqui outros espíritos se regozijando em Tua Companhia Santíssima com a Vida Eterna e Feliz, no entanto foram na Terra condenadas ao inferno pelos sacerdotes. Qual será o grau de maldade dos que vão para o inferno, caso exista?"
Digo Eu: "Helena, a tua pergunta é interessante e a resposta não será inútil. Ao invés de Me estender a respeito, farei surgir um indivíduo diabólico, que neste momento se acha a caminho do inferno e certamente para lá irá. Nesse indivíduo verás claramente quem são os que para lá vão, pois existe de facto um inferno, dividido em três graus, sendo o inferior, o pior. Então Me louvarás quando perceberes a maneira pela qual e o porquê um indivíduo chega ao inferno. Não tenhas medo, esse demónio não tardará."
PedroePaulorecebemincumbênciapara apresentar Cado, antigo chefe beduíno.
Em seguida, chamo Pedro e Paulo e digo-lhes: "Trazei o beduíno Cado, que há quatorze dias chegou a este local. Primeiro, por ser este o seu desejo; segundo, a fim de afastar destes irmãos o menor vislumbre do conceito de ser Eu, não obstante todo o Meu Amor, algo tirano."
Ambos desaparecem e no mesmo instante se acham juntos do referido espírito. Causando os apóstolos a impressão de terem caído das nuvens, ele recua com um salto e grita: "Que feras são estas, disfarçadas em larvas humanas? Certamente uns pobres coitados. Maldito povo bestial, que me levará à miséria!"
Diz Paulo: "Amigo, não vimos para pedir esmolas ou empréstimos, pois nada disso necessitamos, posto que todos os tesouros dos Céus e da Terra se acham ao nosso dispor. A nossa intenção é outra e mais salutar que todas as riquezas terrenas, e consiste em salvar-te, caso possível, da morte eterna. Foste na Terra um demónio perfeito em forma humana, portanto um espírito diabólico. Achas-te agora no mundo espiritual, pronto para entrares no inferno mais tenebroso, do qual já privas de há muito através da tua índole. Se for do teu desejo, poderemos salvar-te.
Para tanto, terás que nos seguir e fazer de bom grado o que te aconselharmos." Diz Cado: "O quê? Estais delirando, malditos patifes? Por acaso teria eu morrido e não me encontro mais na Terra, de posse de todos os meus bens, ouro e prata? Infames Jesuítas! De que maneira subtil pretendeis arrancar-me algumas moedas de ouro em retribuição de um céu que não existe, para me salvar do inferno, pura imaginação de padres famintos e preguiçosos. Afastai-vos, do contrário chamarei todos os meus demónios caseiros, fazendo-vos enxotar pelos cães raivosos."
Diz Paulo: "As tuas imprecações não nos atingem e pelo que vês não te tememos. Uma coisa fica estabelecida: não querendo acompanhar- nos de bom grado, sentirás a nossa força. Além do mais, foi determinado aos demónios não te socorrerem, e os teus cães não conseguem atacar- nos. Estamos bem informados da maneira pela qual fizeste tão grande fortuna: mantinhas uma horda de diabos famintos, e uma matilha de cães raivosos rodeava o teu castelo, atacava e prendia os viajantes até que os teus asseclas os libertavam em troca de considerável resgate. Muitas vezes foste denunciado; os queixosos não conseguiam nada, porquanto os juízes estavam ao teu serviço. Podíamos relatar muita coisa dos teus assaltos, caso fosse permitido. Quando te encontrares no justo local, verás todas as tuas acções cruéis e então será evidenciada a tua possível repulsa e verdadeiro arrependimento. Se assim fizeres, serás salvo; do contrário, pertencerás ao inferno mais profundo. Vem de modo próprio, de contrário usaremos de força."
Grita Cado: "Quereis obrigar-me? Vinde aqui, demónios!" Espumando de raiva, ele espera os seus serviçais do inferno. Ninguém aparece, tampouco se ouve o latido dos cães. O próprio castelo que ele via até então como a sua propriedade no mundo, as matas, campos e florestas, começam a tomar aspecto nebuloso, derretendo qual floco de neve em cima da vidraça aquecida pelos raios solares.
Percebendo este fenómeno, Cado grita: "Traição! Empregastes sortilégio! Afastai-vos de mim, malvados! Não quero seguir-vos. Sois feiticeiros, perturbando os meus sentidos e despejando veneno em meus olhos. Ide, ide, cães do inferno!" Após tais exclamações, Cado acha-se subitamente diante de Mim, Helena e os demais hóspedes, podendo ver apenas Pedro e Paulo. Helena leva um grande susto quando depara com ele fumegando de ódio. Eu dou a Pedro um sinal para fazer uma tentativa de conversão com aquele espírito e ao mesmo tempo mostrar-lhe zonas paradisíacas.
Imediatamente, Pedro começa a dirigir palavras sábias e meigas a Cado, dizendo: "Amigo, sê cordato. A observação dos tempos te deve ter demonstrado serem todos os bens terrenos fúteis e perecíveis e no final tanto o rico quanto o pobre compartilham da mesma sorte ao morrerem. Toda a carne tem que perecer e toda a matéria se desvanecer. Somente o
espírito intrínseco é indestrutível. Morrestefisicamenteecontinuasvivoapenaspelatuaalmaligadaaoespírito. Por isto não te prendas àquilo que passou para sempre, como para todos os que deixaram de viver sobre a terra. Preferível é nos confessares as tuas grandes dívidas terrenas, que seremos teus pagadores para receber-te no nosso mundo, melhor, verdadeiro e eterno, onde jamais algo te faltará. Observa em direcção ao
levante. Todos aqueles palácios maravilhosos nos pertencem, mas tu deves recebê-los. Antes, porém, tens que enumerar as tuas dívidas para que as possas saldar."
Cado lança um olhar furtivo àquela direcção e diz após algum tempo: "Ratos e camundongos se pegam facilmente com uma isca, e certos tolos pagam o dinheiro de duas entradas para o teatro, caso um prestidigitador demonstre as suas ilusões. Não sou tão ignorante de morder no anzol quando apresenta um centavo ao invés de uma moeda de ouro. Esperas que eu aplauda a tua obra fantástica? Bem sei quem és e também conheço a minha pessoa. Já estando fora do corpo, tenho maior liberdade de fazer o que me agrada. Nunca um judeu ignorante será o meu guia, compreendeste? Se tens tamanho poder pelo qual as montanhas da Terra sejam obrigadas a te respeitar, que te interessam as minhas dívidas? Devias saber em que consistem. Se tiveres vontade de assumir tal atitude, vai tu mesmo orientar-te, para depois resgatá-las. Que tens a ver com as minhas faltas? Por acaso já indaguei das tuas? Ide embora, do contrário vereis um verdadeiro demónio. Porventura vos chamei qual beata? Não. Cado jamais faria isso. Ele é o pavor do deserto da Arménia e maior do que imaginastes do Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Cado é um senhor, e a Terra estremece diante do seu nome. O vosso Jehovah é mendigo e remendão em todas as coisas. Supões eu desconhecer Jehovah e Jesus, pregado ao madeiro? Sei de tudo e conheço a sua doutrina melhor que tu, destinado a ser uma rocha; esta não era de granito e sim, de manteiga, por isto derreteu-se. Deste modo nada mais sobrou daquela rocha, a não ser um nome vão e grande quantidade de estatuetas de madeira, quadros e falsas relíquias. És Pedro e o teu companheiro, Paulo, é algo mais inteligente do que tu. Prefiro que me digas qual a função do vosso mestre neste mundo espiritual. Estaria ainda julgando mortos e vivos? Por acaso é tão embotado quanto vós?"
Responde Pedro: "Justamente Ele mandou que te salvássemos da eterna condenação." Diz Cado: "Por que não vem pessoalmente? Talvez se tenha resfriado nos repetidos julgamentos, a ponto de não poder sair? Enviou-vos como os primeiros companheiros que em seu nascimento tiveram o mérito de esquentá-lo com o vosso hálito quente, exigindo que façais isso também a mim? Cado não é cordeiro como foi o Messias judeu nascido em um estábulo de Belém, razão pela qual os seus conterrâneos lhe demonstraram a sua veneração na cruz. Tolos que sois! Julgais que
um Cado também seja tão idiota, deixando-se conduzir pelo nariz, qual judeu esfaimado? Cado é um leão e jamais um cordeiro divino! Voltando ao vosso mestre, transmiti-lhe os meus respeitos e dizei-lhe achar eu lastimável ter sido ele na Terra um reles cordeiro, — e não um Cado."
Diz Pedro: "Amigo, deste modo não progredirás, mas irás para o inferno, integrando-te na eterna condenação própria. És perverso até à última fibra da tua natureza. A fim de que saibas Quem é, foi e sempre será Jesus, o Crucificado, declaro, como uma das Suas mais fiéis testemunhas: Ele é Deus, Único e Eterno, Senhor e Mestre, Santo em todo o Infinito. Somente Ele te poderá conservar, — mas também deixar que te percas para sempre. Vê no Levante o Céu aberto. Em direcção à meia- noite, o abismo do inferno. Para onde te queres dirigir? Nem Deus, nem um anjo, tampouco nós te julgaremos, pois a tua vontade será teu juiz."
Diz Cado: "Ah, quer dizer que lá está o tal céu, e do outro lado o inferno romântico. Óptimo. Qual é o preço deste espectáculo por vós engendrado? Sois magos da mais alta classe. É o inferno de molde judaico, católico, grego, turco ou hindu? E o céu, é persa?"
Diz Pedro: "Cado, Cado; és um espírito atrevido e vilipendias a Bondade e Misericórdia Infinitas de Deus. Vimos de boa vontade, e estamos prontos a ajudar-te dentro da Ordem Divina; não te ofendemos e apenas mostramos a tua situação frente à Justiça de Deus. Entretanto, te inflamaste qual tigre sanguinário. Por quê, amigo? Sê em tua evidente impotência como nós, possuidores de todo o Poder Divino, a fim de que nos entendamos melhor. Acredita eu te conhecer, vendo que a tua situação é realmente lastimável em virtude da tua inclinação maldosa. Jamais poderás melhorar de modo próprio. Se abrires o teu coração e confessares diante de nós todos os teus crimes, dar-nos-ás a possibilidade de sanarmos o teu íntimo. Fechando-o cada vez mais, a tua maldade endurecerá e jamais será possível salvar-te da morte eterna. Reflecte acerca destas palavras salutares e amigas."
Responde ele: "Peço-vos poupardes todo o esforço e não me aborrecerdes tolamente. Ignorais que aqueles, habituados a dominar desde o berço, jamais obedecerão? Conseguireis apenas algo de mim através da minha condescendência e benevolência; pelo caminho do vosso aparente bom conselho não alcançareis nada. Um justo rei não deve aceitar sugestões, caso pretenda manter para sempre a sua reputação dominadora."
OSenhorfaladocastigo Divino.
Diz, em seguida, Pedro: "Nunca em tua vida foste rei; como podes afirmar teres nascido para dominar? Foste nada mais que um simples chefe beduíno e, isso, somente nos últimos anos da tua vida física. Anteriormente, eras pastor de carneiros; além disso, partidário dos teus louváveis predecessores e através do ignóbil casamento com a filha mais velha do chefe, alcançaste o mesmo posto. Tiveste, portanto, que obedecer por longos anos e, só no final, exerceste um domínio criminoso sobre a tua corja de ladrões e cães sanguinários."
Responde Cado: "Não interessa. Não faço o que não quero. Ainda mesmo que fôsseis deuses, não conseguiríeis incutir-me outra ideia até que me désseis outro coração e vontade. Julgais eu temer o inferno? Ridículo. Obedecer a um Deus Omnipotente, qualquer asno pode. Enfrentá-lo com teimosia e ultrajar a sua sabedoria, só pode um espírito forte, isento de medo até do pior sofrimento no inferno. Atirai-me em aço incandescente e vos darei a mesma resposta. Grande é o espírito capaz de desprezar o seu Criador, ainda que sob dores atrozes. Qual seria a gratidão que eu devesse a Ele? Isso só é possível a quem me tiver feito o que lhe pedi. Nunca externei o desejo de ser criado; o Criador fê-lo por conta própria, É vergonhoso para a sua sabedoria e omnipotência ter realizado em mim obra tão má. Talvez tenha que ser como sou, pela conservação do todo, razão pela qual nada conseguireis comigo, de uma ou de outra forma. Afastai-vos."
Neste instante, Cado torna-se todo negro e a sua figura tremendamente horrenda, ao ponto de Helena se apavorar. Os olhos dele se inflamam como os de um cão raivoso e ele faz menção de atacar os dois apóstolos. Pedro, então, diz-lhe: "Em Nome de Jesus, o Crucificado, ordeno-te que te mantenhas calmo; sentirás o peso da Ira Divina tão logo ouses levantar um dedo contra nós." Cado treme de ódio; no íntimo vibra qual fogo escaldante e fica desnudo, apresentando aspecto asqueroso, sem contudo poder ver-nos.
Dirijo-Me a Helena, dizendo: "Então, que dizes desta alma? Achas que da Minha parte tenha sido esquecido qualquer meio em benefício da sua felicidade? Ouço a resposta negativa em teu nobre coração. Realmente, tudo foi empreendido para a salvação desta alma no que diz respeito aos meios suaves correspondentes ao Meu Amor. Mas, como observas, sem resultado. Esta alma foi, como se diz, criada na palma das mãos. Poderosos anjos tiveram a incumbência de protegê-la. A vontade dele, que tinha de ser livre, foi sempre mais poderosa que as Minhas Algemas de Amor que mandei colocar pelos protectores. Sempre as rompeu, aplicando-lhes o pior escárnio. Não foi desprovido de conhecimento; é ciente de cada Palavra da Escritura e tinha o dom de lidar com o mundo dos espíritos. Conhece a Mim e a Minha Divindade,
— no entanto Me injuria. Para ele, todo o trono merece uma maldição por
não ser seu. Um horror, toda a lei não estabelecida por ele. Só cogita da sua vontade, e a do próximo é um crime, que jamais poderia ser castigada à altura. Que mais poderia fazer o Meu Amor?"
Diz Helena: "Pai, Amoroso e Santo, tal espírito não merece Misericórdia, mas um justo castigo, a fim de perder a sua presunção e humilhar-se ao extremo."
Obtempero: "Estaria certo, caso o castigo provindo de Mim não fosse um julgamento. Se Eu castigar os homens em virtude da sua perversidade, a punição terá que ser de tal modo, a apresentar a consequência natural da maldade. Se alguém se aplica uma pancada, a dor subsequente representa o efeito natural do seu acto, muito embora a natureza tenha sido, por Mim, de tal forma constituída que a pancada sobre a carne produza dor por ser uma alteração contra o equilíbrio físico. Deste modo, não é impedida a liberdade de espírito e alma."
A este espírito maldoso não pode ser aplicada outra punição senão aquela que ele mesmo se impuser de livre vontade, como emanação da sua índole. Tão logo se tiver saciado na dor autocriada, sufocando de certo modo a sua ira, então será possível aproximarmo-nos dele num caminho mais suave. Pouco a pouco ingressará no mais profundo e pior inferno, não porque Eu o tivesse condenado para tanto, mas pela própria vontade. Tal estado infernal é criação da sua tendência. Esta é a vida de cada um e jamais lhe poderá ser tirada."
Diz Helena: "Senhor, se ele permanecer eternamente em tal inclinação perversa, preferindo suportar o pior por teimosia contra Ti, ao invés de submeter-se à Tua vontade— qual será o fim de tal espírito? Não seria aconselhável um julgamento suave, que com o tempo se tornasse hábito e no fim, uma virtude, conforme ocorre na Terra?
Uma jovem, por exemplo, encontra abrigo numa boa casa, com a ordem severa de um comportamento claustral. Essa ordem é, para quem ama a liberdade, um pequeno julgamento. Ela reflecte a respeito e chega à conclusão de ser vantajosa uma vida ordenada, de sorte que se submete e em pouco tempo torna-se uma criatura aproveitável e boa. Talvez fosse o caso do espírito de Cado."
Obtempero: "Tais medidas já foram empregadas por várias vezes e de modo variado, mas infelizmente sem o menor êxito. Assim, nada mais nos resta fazer do que deixá-lo entregue à sua sorte. Se quiser o inferno, que o goze em plenitude. Nada de injusto acontece a quem deseja o mal. Quem quiser permanecer no inferno, que fique lá, pois Eu a ninguém tirarei pelos cabelos. Tão logo a situação se lhe torne insustentável, ele mesmo achará uma saída. Concordas?"
Responde Helena: "Plenamente. Também não sinto compaixão com pessoa tão teimosa. Que será dele agora?" Digo Eu: "Verás. Darei um sinal
aos dois apóstolos para deixá-lo fazer o que quiser, mas apenas em sua esfera. Ficarás admirada do desenrolar do caso."
Transmito a Minha Ordem a ambos e Pedro diz a Cado: "Tendo- nos realmente convencido de que não te deixas encaminhar para o Céu, missão que nos foi conferida por Deus, o Senhor, faz o que te agrada. Fomos os últimos mensageiros enviados por Jehovah. De agora em diante Ele não enviará outro." No mesmo instante os dois tornam-se invisíveis para ele, embora continue diante de nós.
Cadonoinferno.Pavordos assistentes.
Quando se encontra só, Cado diz de si para si: "Graças ao inferno, eu ter-me livrado destes cacetes. Ah, eis que vejo amigos, vários dos meus asseclas, inclusive o meu antigo chefe. Será uma alegria, podermo-nos juntar de novo. Têm todos a mesma aparência de quando na Terra."
O grupo aproxima-se mais o seu chefe; ao reconhecer Cado, o chefe atira- se sobre ele, agarra-o pela garganta e grita qual tresloucado: "Ah, patife! Finalmente te encontro para recompensar- te a ousadia e os meios empregados para conquistares minha filha!"
A esta altura, Ludovico Bathianyi faz a seguinte observação para os demais amigos: "Que recepção animadora! O chefe parece ser dotado de força incomum, pois Cado não consegue desembaraçar-se das suas garras, não obstante um esforço tremendo. Agora também se juntam os antigos asseclas daquele e todos começam a atar Cado em cordas incandescentes, como faz a aranha à mosca, casualmente caída em sua teia. Cado esbraveja e grita por socorro. Senhor, que coisa horrível. Empurram e impelem-no, dando impressão de uma bola de fogo. Na retaguarda vislumbro no escuro um trono de metal em brasa. Para lá atiram Cado, que faz dó. Que será agora? Talvez seja o prometido castigo? Neste instante erguem-no e amarram-no com correntes incandescentes ao trono do qual surgem labaredas de todos os lados. Cado grita como um possesso. Senhor, dá-me o poder suficiente para libertar o pobre coitado. Que horror, — agora aproximam-se outros, com lanças em brasa e perfuram-no por todos os lados e de cada ferida flui massa fumegante. Senhor, mais uma vez Te peço, deixa-me socorrer a Cado."
Digo Eu: "Deixa-te disso e dá-te por satisfeito haver um abismo entre nós e eles, do contrário os eleitos também seriam prejudicados. Espera um pouco que a situação mudará, pois a insuportável dor fará dele mestre das algemas e então verás o segundo ato deste drama infernal."
Diz Bathianyi: "Ó Senhor, já basta este para todos nós, inclusive para Helena." Concorda ela: "Não aguento mais esse quadro."
Intervenho: "É preciso que vejais esta cena, a fim de vos purificardes completamente. Todo o anjo tem que conhecer o inferno, para saber como é constituído e quais os frutos que surgem através do seu amor maldoso. Não julgueis permitir Eu tais factos movido pela ira e vingança. O Meu Coração Paternal jamais seria capaz disso. Sois cientes de que toda a semente produz determinado fruto e toda a acção tem as suas consequências precisas, assim como toda a causa o seu efeito, em virtude da Ordem Eterna surgida por Mim. Sem ela, jamais teria sido possível criar um átomo e muito menos poderia cogitar-se da conservação do que foi criado. Este espírito agiu de tal modo contra a ordem, livremente imposta, ao ponto de resultarem consequências deprimentes. De modo algum poderão ser sustadas antes que tal espírito extremamente infeliz seja impelido a modificar a sua atitude, que naturalmente trará melhores ou piores efeitos.
Caso algum deposite boa semente no solo, surgirá bom fruto. Se plantar semente de beladona, colherá apenas esta e nunca o bom trigo. Alguém podia fazer a seguinte objecção: "Senhor, não devias ter permitido tais extremos em Tua Ordem." — Então, é o extremo da luz solar um erro da Minha Ordem, só porque cegaria quem fosse tão imprudente por fitar, durante horas, o disco solar? Ou talvez é o fogo dotado de calor excessivo? Não seria o peso de uma montanha demasiadamente exagerado, a velocidade do raio muito grande, a agudez do frio muito intensa e a massa de água salgada excessivamente pesada? Mas qual seria o aspecto de um planeta cujos elementos não respeitassem tal ordem? Se o máximo grau de calor do fogo fosse apenas morno, como poderia derreter metais? Qual seria o grau de solidez destes para se tornarem líquidos? Neste caso, qual seria a utilidade dos mesmos? Caso o orbe fosse macio qual manteiga, qual seria a criatura capaz de subsistir no mesmo? E se o Sol não possuísse luz tão intensa, seria ele capaz de fornecer aos planetas calor e luz indispensáveis, a longa distância?
Talvez um de vós pense o seguinte: Conformemo-nos com os extremos; mas, para que fim existe a enorme sensibilidade do homem? Por que os seus sentidos são mais apurados para a dor e o sofrimento, do que para o bem e o prazer? — Tal resposta é evidente. Imaginai a humanidade destituída da sensibilidade e dai-lhe pleno conhecimento e livre arbítrio. Podeis sancionar todas as leis, que jamais alguém as consideraria. Quem não sentir dor, também não sentirá prazer. Não se mutilariam criaturas voluptuosas apenas dotadas desta sensação, caso a mutilação lhes proporcionasse um gozo ao invés da dor protectora?
O espírito de Cado estaria perdido caso fosse incapaz de sofrer; no entanto, ainda oferecerá resistência devido ao excessivo orgulho. A dor
atingindo-o em demasia, fá-lo-á reflectir para dirigir-se a outros caminhos. Daí concluireis serem constituição e capacidade humanas e de outros seres da Minha Ordem, bem calculadas. Não poderá faltar um "til" sequer, caso a criatura deva tornar-se aquilo que pode. Assim, não deveis ter ao Meu lado pensamentos negativos, mas meditar da seguinte maneira: O que alguém deseja, não obstante as consequências prejudiciais que conhece, não constitui injustiça ainda que passando mil vezes pior. Prestai atenção à cena que se desenrola aos vossos olhos. Helena, vê também e relata o que observas."
Diz ela: "Ó Senhor, isto é impossível. Quão feliz é Roberto-Uraniel, que não toma conhecimento disto." Digo Eu: "Não te preocupes com ele, que vê esta cena tanto como tu, ou talvez melhor. No mundo espiritual não existe distância pela qual se veja qualquer facto menos nítido do que nas proximidades. Nesta esfera existem proximidade e distância bem diferentes, de acordo com o que se acha no coração de cada espírito. Quanto maior o amor entre eles, tanto mais unidos estão. Quanto mais fraco o sentimento recíproco, tanto mais distantes um do outro. Compreendes? Então assiste à cena com coragem." Helena se anima pela aceitação de que tudo corresponde à Ordem Eterna.
Desfechoimprevisto.Cadoliberta-seevinga- se.
Nisto, Cipriano, Bathianyi e Miklosch também se aproximam de Mim, dirigindo os olhares para o terrível local. Após certo tempo, o franciscano consegue dizer: "Que luta pavorosa! Cado, levado por dores indizíveis, rompe as cordas como se fossem simples teias de aranha, atira- se sobre os algozes qual tigre enraivecido, despedaçando quem cai nas suas garras. As partes dilaceradas se encolhem e saltam para o solo escaldante como se tivessem sido cortadas de uma serpente. O trono em brasa é por ele reduzido a pó. As lanças são destruídas e agora ele se arremessa contra o antigo chefe do bando, que se defende gritando: "Não me toques, cão! De contrário sentirás a minha vingança em toda a sua profundeza e atrocidade. Não penses estar eu aqui abandonado e impotente. No momento em que me tocares apenas com um dedo, estarás rodeado de milhões de poderosos espíritos, atirando-te a um sofrimento tal que acharás simples bálsamo o que já passaste. Estando disposto a fazeres um pacto contra outro soberano, o teu crime em minha pessoa ser-te-á relevado. Serás meu amigo íntimo, compartilhando de meu brilho deslumbrante."
Cado detém-se por momentos, para em seguida gritar: "Miserável! Por que não fizeste tal proposta quando te recebi como amigo vindo da
Terra, mas apenas agora, após eu te dar provas da Minha invencível força, porquanto despedacei os teus asseclas? Se tivesses correspondido à minha amizade, terias um companheiro pronto a te ajudar no desequilíbrio de todo o Universo! Deste modo, criaste em mim um inimigo como não haverá outro no inferno. Julgaste aniquilar-me; desiludido, procuras conquistar-me como amigo. Cado não se deixa trair e te pagará mil vezes o que lhe fizeste."
Nesta altura ele estende as mãos para o chefe, que dá um salto para trás, gritando: "Idiota! Acaso não foi preciso agir assim, a fim de chegares a tamanha força? Aqui, como na Terra, só se purificam os espíritos e criaturas através de grandes sofrimentos. Proporcionei-te a minha amizade em virtude do nosso parentesco, ajudando-te a obter a força indispensável neste reino. Não querendo aceitá-la, experimenta levar a efeito a tua intenção de baixeza e convencer-te-ás de não seres aqui o mais poderoso."
Cado, ainda mais perplexo, diz após olhar ao redor: "Se a situação é essa, por que não me falaste logo? É fácil afirmar-se o facto depois de consumado; no entanto aceitarei as tuas palavras por seres meu sogro. Ai de ti se descobrir que me procuraste iludir para te protegeres contra mim. Diz-me como se chama este local e se aqui não existem castelos e caravanas cujos tesouros poderiam tornar-se nossos, pois naturalmente, não desistiremos da nossa profissão."
Cipriano, prosseguindo em sua observação, diz: "Que dupla infernal. O chefe reflecte algo e responde com dignidade: Amigo, na Terra fomos simples caçadores de mosquitos, porquanto éramos quais morcegos. Aqui nos transformamos em leões; assim nos compete a realização de outros planos. Sabes ter a Divindade exercido até então um poder tirânico, positivado através da sua encarnação. Nós, espíritos primitivos deste enorme reino de liberdade ilimitada, descobrimos com a nossa perspicácia as fraquezas ocultas, porém importantes de Deus, que em breve será por nós destronado, aplicando-lhe o que fizeste aos teus algozes. Em seguida destruiremos a antiga Criação, substituindo-a por uma nova e livre. Que dizes deste plano?"
Cado dá de ombros dizendo: "Não deixa de corresponder à nossa dignidade; no entanto duvido do seu êxito. A Divindade é muito esperta e sua visão é mais aguçada quando a julgamos cega."
Diz o chefe: "És principiante e falas pela compreensão restrita quanto a Deus, outorgando-lhe omnisciência e poder ilimitados, conforme assimilaste pela educação. A teu ver a Divindade continua um ser completo, cheio de vigor e acção; basta querer para fazer surgir miríades de mundos perfeitos. Sabemo-lo e também não ignoramos o final dessas criações, pois poderiam ser comparadas a um político que chamasse a atenção para o regente, caído pelo luxo e o domínio,
porquanto tais tendências em breve o fariam perder o trono. O mesmo acontece à Divindade. Tornou-se infantil, querendo apenas projectar novas criações. Já não percebeste na Terra como às vezes ela perde o equilíbrio? Sobrecarrega, por exemplo, as árvores com inúmeras flores que no final carecem de fluidos necessários, a fim de produzirem frutos. De igual modo criou os homens, mas quando perde a sua manutenção, vê-se obrigada a deixá-los perecer quais moscas. Nisto tudo, observas a sua fraqueza, sem atinares com o motivo. Nós o conhecemos e percebemos nitidamente como a Divindade se torna cada vez mais fraca, sendo portanto possível elaborarmos planos que provoquem a sua derrota."
TeimosiadeCado.Planosinistrodo chefe.
Cipriano continua a relatar: "Novamente Cado meneia a cabeça e diz: "Os teus planos são desconexos. Sou inimigo da Divindade não por causa da sua fraqueza e sim em virtude do seu enorme poder. Asseguro- te depender da minha livre vontade, permanecer aqui no local do sofrimento ou retornar às alegrias de uma vida celeste. Prefiro ficar aqui porque conheço muito bem o poder eterno de Deus. Se ele fosse apenas um grau mais fraco e sujeito a ser vencido, eu o defenderia contra qualquer ataque. Assim não sendo, sou o seu declarado inimigo. Sei que a minha adversidade é simples tolice, podendo ele aniquilar-me a cada momento. Enquanto tiver livre arbítrio farei oposição para demonstrar nada lhe ser possível enquanto permitir o meu estado de liberdade. É a maior das satisfações para um herói, levantar-se qual átomo contra a Grandeza de Deus, sem que ele possa reagir. Por isso jamais me preocuparei com as suas supostas fraquezas e sim, com o seu poder infinito. Quanto maior poder e força eu nele descobrir, tanto mais intransigente me portarei. Eis a minha intenção, de acordo com um herói, enquanto o teu plano em querer destroná-lo é ridículo e impraticável. Julgas ser a Divindade um ídolo persa ou chinês que qualquer um poderia arrancar do seu trono e atirar ao fogo ou ao lixo? Enganas-te muito. Deus é Infinito. Desiste do teu plano infantil e age como eu, que sentirás um prazer imenso, sabendo conscientemente possuíres, como nulidade, a maior reacção contra ele."
Repele o chefe: "Tolo! Presumes ser o que és para a tua própria recreação? Jamais te portarás de modo diverso do que és, e ainda pensas enfrentar a Divindade sendo tu como ela quer e não o que desejas ser? Vem comigo se quiseres ser livre. Enquanto leis e algemas sancionadas prenderem um indivíduo, ele será escravo de um poder superior.
Enquanto a Divindade continuar impondo limites intransponíveis à nossa acção, seremos miseráveis escravos caso não formos capazes de repelir o seu jugo. Se podemos desafiá-la e ela não modificando tal situação, prova ser fraca. Tal fraqueza pressupõe outras, por isto compete-nos descobri- las e oportunamente atacá-las e destruí-las inteiramente."
Conjectura Cipriano consigo mesmo: "Miserável! Que ideias louváveis! Sempre pensei que os demónios sentissem arrependimento eterno pelos pecados cometidos, sem jamais terem a menor esperança de salvação. A questão é bem diferente. Eles querem tudo isto, a fim de Te defrontar com insolência, sentindo o máximo prazer em tal atitude. Se fosse Tu, Senhor, perturbar-lhes-ia a sua satisfação para que viessem a sentir a sua inutilidade."
Digo Eu: "É preciso observares esta cena sem irritação, de contrário encherás o teu coração com os mesmos elementos que saturam aqueles espíritos. Vê como neste instante aparece uma horda de dragões em brasa, saindo de uma caverna fumegante, envolvendo os dois chefes arménios. São cumprimentados e lhes fazem elogios em virtude da sua inclinação infernal. Com isso, ambos também começam a transformar-se em dragões, isto é, penetram no inferno verdadeiro, pois na realidade, projectam aquilo que preferem.
Asseguro-te que nada lhes será relevado. Cada palavra injuriosa se tornará uma pedra incandescente em suas cabeças. Com tal peso perceberão pouco a pouco se realmente são mais fortes do que a Divindade, e capazes de executarem os seus planos nefastos contra Mim. É preciso não esqueceres: Deus é todo Amor, e através deste Amor Puríssimo, a máxima Sabedoria, Ordem e Poder. Tudo isto, não obstante se apresentar tão horrendo, é apenas o Meu Amor, Sabedoria e Ordem, e tem que acontecer a fim de que tudo subsista e nada se perca.
Agora terá início o verdadeiro padecimento infernal, pois até então vimos apenas a introdução. Percebes como os algozes de Cado, anteriormente por ele dilacerados, se transformam em serpentes. Presta atenção, pois a luta se desencadeará. Helena, não fiques mais como observadora, porquanto seria muito forte para ti. Os demais poderão fazê-lo e Cipriano relatará."
Forçaspoderosasdas trevas.
Astúciainfernalevigilância celeste.
O franciscano dá alguns passos à frente, a fim de poder observar melhor a cena. No entanto, lhe digo: "Não te aproximes do local de horror
porquanto te prejudicarias. Dá os mesmos passos à retaguarda que verás a ocorrência muito bem daqui."
Cipriano retrocede e diz: "Senhor, agradeço-Te pela advertência paternal. Sem ela teria sido atraído no final, sucedendo talvez a minha desgraça. Ah, o quadro já começa a tomar aspecto desesperador. Abre-se uma caverna escura na rocha de uma cordilheira imensa, e de todas as fendas, despenhadeiros e vales surge um fumo espesso e negro. Ao mesmo tempo ouço um rugir tenebroso, como forte ressaca marítima. No cume da montanha, precisamente em cima da gruta, vejo dois anjos de aspecto grave. Quem serão?"
Respondo: "Fixa o teu olhar, que o saberás." Cipriano assim faz e reconhece Saariel e Roberto-Uraniel. Ele quer mencioná-lo, mas Eu o impeço por causa de Helena, muito sensível, a ponto de não ser capaz de observar com serenidade a tarefa do esposo. Embora esteja ocultando o rosto no Meu Peito, ela pergunta se Cipriano não reconhece os dois anjos. Ele se desculpa, dizendo: "Sim, mas não me é facultado dizer os seus nomes. Acalma-te, em breve estarão aqui." Satisfeita, ela oculta mais estreitamente o seu rosto no Meu Peito, com receio de ver algo chocante, pois um rugir crescente aponta intenções nefastas do inferno.
Cipriano, igualmente temeroso do ruído, diz: "Senhor, qual será a finalidade deste rugir cavernoso e prolongado? O próprio solo começa a estremecer. E lá, onde a caverna parece estender-se sem limites, expelindo chamas de fogo, projectam-se por cima da cordilheira nuvens de tempestade quais rochas a se despenharem no abismo. O cenário é cada vez mais assustador, enquanto o grupo de demónios se acha diante da gruta e não dá impressão de tomar precauções. Senhor, peço-Te que nos digas o resultado disto tudo. Os meus olhos quase saltam das órbitas, no entanto nada mais vejo do que isto."
apresenta externamente calmo, enquanto intimamente começa a borbulhar com maior ferocidade. Em compensação o Céu nunca é tão vigilante como em momentos como estes. Enquanto a fúria infernal se limita ao seu próprio interior, o Céu não intervém . Tão logo projectar a sua ira em acção, o Céu usará de meios adequados. Por isso, presta atenção a tudo que o inferno empreenderá a fim de Me prender e Me aniquilar, sob o manto de calma e indiferença. Será mais astucioso que há anos atrás. Querendo lançar um olhar à Terra, no que basta olhares acima do teu ombro esquerdo, perceberás o desempenho infernal nas cortes, para incendiar o orbe todo numa guerra devastadora. Consegui-lo-á em diversos pontos; em seguida verás a maneira pela qual a sua intenção será paralisada. Analisa a deflagração e as suas consequências, que
deduzirás facilmente o seu efeito na Terra. Cresce o rugir, as chamas da caverna são mais intensas e o vapor, incandescente. A horda diante da
gruta se aglomera e começa a movimentar-se na nossa direcção. Dentro em breve haverá luta."
Irrompe a tempestade infernal. Advertênciacontrao escândalo.
Cipriano não desvia o olhar do cenário, enquanto faço um aceno aos Meus servos que prontamente entendem o que fazer. Após certo tempo o franciscano diz com temor: "Pelo que vejo, seremos obrigados a recuar; o inferno parece soltar os prisioneiros de milénios, a fim de prender-Te à força. As figuras são horrendas e ao mesmo tempo ridículas. Algumas, ora incham e em seguida são reduzidas ao tamanho de um mico. Descubro também algumas armas, como: lanças, espadas e espingardas de várias espécies. Isto assemelha-se a um desafio bélico, mas contra quem? Seremos nós os visados? Conseguem eles descobrir- nos?"
Digo Eu: "É claro dirigir-se a guerra sempre contra nós, portanto também agora. Não conseguem ver-nos; entretanto, nos supõem presentes porque emanamos certa claridade. Esforçam-se em vão para se aproximarem; julgam fazê-lo. O seu avanço, porém, é retrocesso e um constante afastamento de nós. Deixemo-los movimentar-se. Com o tempo, perceberão o seu fútil intento, irrompendo a sua raiva interna para se dilacerarem mutuamente quais feras selvagens. Presta atenção, mormente aos seus movimentos."
Enquanto o franciscano observa, Miklosch e Bathianyi dizem a um só tempo: "Senhor, imensas são a tua Paciência e Indulgência, porquanto és um expectador desapaixonado de tais maquinações. Se dependesse de nós, reagiríamos à altura a fim de humilhar esta horda diabólica. É inimaginável o seu atrevimento, pois se a simples ideia já é pecado, que dizer da sua execução?"
Digo Eu: "Meus filhos, deixai de lado tudo que se assemelha à revolta. O aborrecimento, por menor que seja, origina-se no inferno e não se harmoniza com a natureza pura de Meus filhos celestes, pequeninos que sois. Jamais um facto qualquer vos deve aborrecer, ainda quesejaperverso. O aborrecimento dos filhos do Céu dá vantagens ao inferno e oportunidade a outro aborrecimento, que as trevas aproveitam, aumentam e projectam. É preferível meditardes no coração ser isso tudo necessário, caso deva penetrar suave luz naquela Caverna. Considerai todo o inferno constituído de seres que, por culpa própria e em parte pela acção dos potentados, se tornam diabólicos, perdendo a sua força espiritual. São infelizes e o serão ainda mais futuramente. De nós,
possuidores de toda a força, depende ajudá-los o mais possível e pelos meios ao nosso alcance.
A sua luta contra nós atira a sua existência fictícia em maior actividade, impedindo a sua completa dissolução. Pelo resultado negativo convencer-se-ão que nada conseguem contra Deus; em seguida, muitos ficarão mais modestos, sem compartilharem de futuros empreendimentos idênticos. Será isso um progresso real destas ovelhas perdidas, para as quais dispomos de inúmeros recursos eficazes a fim de conduzi-las a um conhecimento mais adiantado. Todavia, não interferiremos no seu livre arbítrio, ou seja, em sua vida. Certamente compreendereis ser impossível abater-se tais árvores de um só golpe."
Diz Miklosch: "Tudo que ordenas é bom e justo, Pai. Agora percebo acumular-se grande quantidade de espíritos luminosos nos cumes das montanhas e ao lado dos dois primeiros, outro grupo de anjos. Vede só, nas alturas flutuar falanges imensas em filas ordenadas, fiscalizando a atitude da horda do inferno. Esta parece percebê-los, porquanto ergue as armas."
Concorda Cipriano: "Tens razão. Na entrada da caverna já vi uma espécie de foguete subir ao ar, não alcançando grande altura. Vejo grande multidão tentando galgar as rochas negras, sem êxito. É ameaçada pela de baixo, mas não estão dispostas a prosseguir na subida. Neste instante, um bando cai no despenhadeiro, entretanto é impelido a galgar de novo. Como se negue a tanto, os outros começam a meter-lhes as lanças."
Digo Eu: "Atenção, a fúria se desencadeará! Miklosch fará a narração por ser mais calmo e deve-se abster de comentários de admiração. Amém."
Diz Miklosch: "Pai, agradeço-Te pela incumbência conferida. Tenho de confessar dar-se comigo o mesmo que com Cipriano, pois os resultados daquelas maquinações diabólicas são demasiado horrendos para o próprio inferno. Por isto peço-Te especial ajuda, para que não venha a gaguejar. Tentarei, em Teu Nome."
Neste momento despenha-se uma enorme rocha, enterrando grande número de guerreiros; da fenda borbulha uma torrente de lava soterrando com estrondo quantidade maior que a rocha que se despenhou. Na vanguarda vejo Cado e o seu chefe querendo resolver a situação, porquanto nenhum diabo demonstra disposição para subir. Os mais fortes empurram os outros, mas estes não obedecem e procuram fugir do rio de fogo. Que gritaria horrenda e que desespero incrível. Por todas as fendas e gretas aparece lava incandescente que se atira no abismo qual poderosa catarata. Lá, à direita, por cima de uma parede rochosa, aço incandescente projecta-se como o Niágara nas profundezas do vale e todas as hordas fogem gritando de dor.
Cado e o seu companheiro dão meia-volta em nossa direcção, subindo um elevado monte, à esquerda. O primeiro faz reprimendas severas ao outro, em virtude do plano desvairado em querer dominar a Divindade. Que tente entupir os buracos pelos quais Ela manda fogo líquido sobre o exército diabólico e também procure salvar os soterrados! O chefe, entretanto, afirma ser isto apenas futilidade e a lava em breve estaria esgotada.
Cado ri com escárnio dizendo: "Ignorante! Vê como lá em cima se abrem novas fontes, cujas labaredas dentro em breve virão aqui. Observa a gruta
— certamente a tua residência soberana — cheia de lava em cuja superfície bandos de guerreiros nadam desesperadamente e por certo serão atirados no abismo. Não pretendes fazer outra ofensiva à Divindade? Que horror! O fogo já chegou até aqui, é preciso fugir, do contrário seremos levados à "Piscina de Deus". O chefe, notando igualmente o perigo, grita: "Depressa, fujamos em direcção ao norte onde vejo correrem alguns mais valentes."
Diz Cado: "Bonita valentia em fuga! Tolo que fui! A Divindade me havia enviado dois mensageiros honestos — e eu os desprezei. Agora estou no fim e não há quem me salve." O chefe vocifera: "Foge, senão estarás perdido. Quem for alcançado pela enxurrada estará aniquilado para sempre. Vem comigo!" Com tais palavras ele atira-se morro abaixo.
Estarrecido de pavor Cado não se mexe e grita furiosamente: "Foge, diabo! Não conseguirás fugir da Divindade, tampouco quanto eu. Merecemos esta desgraça. Jamais poderemos ocultar-nos, pois o Dedo da Vingança Divina abarca o Infinito."
Quedadopoderdoinferno.Cado,único sobrevivente.
Miklosch prossegue no relato: "Apavorado, Cado observa o chefe que, muito embora em carreira desabalada, é atingido em seus calcanhares pela enxurrada. As faíscas que caem sobre a sua pele obrigam-no a soltar gritos de pavor e Cado parece sentir as mesmas queimaduras. Neste instante a lava se atira sobre o outro e Cado grita: "Deus Omnipotente, — ele desapareceu qual gota de orvalho tragada pelo fogo. Não haverá quem o socorra? De onde poderia surgir auxílio? Os seus asseclas pereceram. Eu mesmo estou prestes a compartilhar da mesma desdita, pois o fogo deixou apenas um risco estreito em direcção ao levante. Mesmo se ele quisesse correr até lá, de nada adiantaria. Ficarei aqui e a Omnipotência Divina poderá fazer o que quiser comigo. Este mar
de fogo deve ter um calor incrível porque já me queima, não obstante uns cem metros daqui.
Meu Deus, que martírio, que dores atrozes sentirei dentro em pouco. Eis o inferno tremendo, cujo verme jamais morrerá e cujo fogo nunca se apagará. Deus, meu Deus, tem misericórdia para com o Teu filho, perverso, porém arrependido. Já passei por sofrimento atroz que me proporcionou tamanha força, a ponto de me libertar dos algozes. Diante deste castigo puramente divino, fiquei sem coragem. Não tenho a menor força, entretanto terei que me entregar ao fogo da vingança divina e justa."
Eis que ele se encolhe à espera do fogo, cujas labaredas ainda se movimentam em constante vaivém, sem todavia subirem. Todos, com excepção de Cado, foram tragados. Só não compreendo por que motivo os anjos não se afastam e a gruta, coberta até à metade pela lava que endurece, também não perdeu o seu aspecto terrífico."
Explico: "A luta ainda não terminou e Cado não está inteiramente perdido. Prestai atenção aos factos; em seguida recebereis esclarecimentos."
Miklosch continua a observar o monte onde Cado se acha encolhido, como se estivesse morto, e prossegue no relato: "Percebendo que a lava não chega ao seu corpo, ele se levanta devagar para ver o final da ira divina. O mar de fogo agita-se no mesmo ritmo, somente não se estende nem se eleva como no início. Encorajado, Cado diz de si para si: "Qual o resultado que obtiveram aqueles tolos, por se atreverem a desafiar a Divindade. Eu mesmo mereço tal título. Por que não aceitei a proposta dos dois mensageiros, incumbidos por Deus de me salvarem? Onde estarão eles? Ao meu redor é treva; somente o mar em brasa projecta ligeira claridade sobre a minha abjecta pessoa. Em direcção ao levante muito longínquo, descubro uma débil luz mais agradável. O que aconteceria se me dirigisse até lá? Não poderá ser pior e mais perigoso do que estar aqui, no centro do inferno mais tenebroso."
Ele se ergue e começa a dirigir-se com passos rápidos para nós. Pelo que vejo não muda de posição e parece um boneco a mexer as pernas no mesmo ponto. Qual será o motivo disso?"
Respondo: "Baseia-se no facto de que tais espíritos, embora bem- intencionados e munidos de compreensão, tem o coração cheio de detritos, do qual sobem constantemente vapores nocivos ao recôndito da vontade, provocando retrocesso. Ocorre o mesmo na Terra. Conhecem o bem e a verdade e pretendem praticá-los; no entanto, no mundo em que procuram agir, a sua matéria manifesta-se prepotente. Por isso enfraquecem e não evoluem, não obstante o seu zelo. Deste modo, o espírito é forte, a carne, fraca. Em Cado tendes um exemplo vivo, ser
impossível a uma criatura ou espírito conseguir algo, sem Mim. Com a Minha Ajuda, tudo fará."
Balletdeespíritosinfernais.Cadopedeauxílioa Deus.
Prossigo: "Continuai atentos e tu, Miklosch, relata. Não é dado a qualquer um observar o que está ocorrendo." Ele fixa o olhar na cena infernal e após certo tempo diz: "Que quadro tragicómico! Do mar de fogo ainda borbulhante e com estrondo horrendo, do qual chispam milhares de raios, surgem inúmeras figuras. Pela frente são aceitáveis; mas pelas costas, semelhantes a esqueletos cobertos de podridão. A lava incandescente não parece incomodá-las, os raios as traspassam como água em peneira. O grupo aumenta e forma um ballet elegante, que em passos graciosos se dirige a Cado. Este o observa com atenção sem demonstrar prazer. Contudo ele pára de movimentar as pernas, estupefacto com os grandes grupos de dançarinas. Uma delas dá os seus saltos bem perto do monte, querendo entreter Cado, que por diversas vezes já esboçou um leve sorriso. Todavia, não consegue ver as costas delas.
Neste instante duas dançarinas, lépidas, sobem o morro, e acenam- lhe com as mãos enfeitadas de laços cor-de-rosa a fim de segui-las ao palco incandescente. Cado se desculpa e diz: "Os meus pés não suportariam esse solo; por isso fico onde estou. Fazei o que vos agrade; a mim não interessa tal encenação." Elas, porém, aproximam-se mais, a fim de convencê-lo a acompanhá-las. Cado não se move e ordena-lhes a desistir, do contrário usaria de força. Quanto mais ele as ameaça, tanto mais generosas são as demonstrações para enfeitiçá-lo. Que estranho espectáculo. Muito embora os seus movimentos sejam tentadores, conseguem evitar que ele lhes veja as costas. Uma delas até se esforça por atirar-lhe a fita, qual laço ao pescoço.
Ele recua alguns passos, apanha uma pedra que atira directamente ao peito da beldade, gritando peremptoriamente: "Para trás, criatura infernal. Se Satanás, o teu soberano, não dispõe de outro recurso de tentação para atrair um pobre diabo mais para dentro do inferno, que desista. Por acaso ele crê que eu me deixe apanhar por tal isca?"
Diz a outra, à qual Cado ainda não havia atirado nenhuma pedra: "Meu caro amigo, enganas-te acerca da grande soberana Minerva. Ela conhece o teu valioso espírito e deseja proporcionar-te, por nós, as suas mensageiras, uma pequena homenagem. Em seguida ela virá ao teu encontro no majestoso esplendor do seu poder e força, a fim de honrar-te por teres sido o único que resistiu à Divindade, antiga e fora de curso,
contra as ondas de fogo dirigidas a alguns covardes súbditos da soberana. Reconhece a grande graça que ela te confere em virtude da tua resistência."
Diz Cado: "Por acaso é a vossa ilustre princesa tão ignorante como vós, ou talvez ainda mais tola?" Responde ela, com ênfase: "Que pergunta desastrosa! Minerva, deusa da sabedoria, cuja escola todos os deuses têm que cursar, inclusive Zeus e Apolo...!" Diz Cado: "Ignorava existir aqui a antiga trinca do olimpo! Certamente também sois uma espécie de deusas?" Diz ela: "Claro, eu sou a célebre Terpsícore (deusa da dança), e esta a quem arremessaste maldosamente uma pedra, é a maravilhosa Eufrosina (deusa da alegria). A sua dor é muito forte e a suporta com paciência por amor a ti." Diz Cado: "Já estou informado a fim de vos dizer com todo o poder do meu invencível rigor que desprezo Minerva, jamais aceitando dela qualquer honra. Dizei-lhe ser eu declarado inimigo de um certo judeu Je-Je-, há, é mesmo — chama-se Jesus; não só isso, como também desprezo a sua doutrina em certos pontos. Mas se fosse determinado eu lhe prestar serviço de burro, faria antes isso, do que aceitar homenagens de Minerva." Diz ela: "Não conseguindo eu convencer-te, verás a própria Minerva, sem contudo seres tomado em consideração. "Responde ele: "Oh, será para mim especial agrado se ela manifestar despeito."
Ambas as dançarinas se afastam com passos graciosos, desaparecendo entre os outros grupos. Eis que o mar de chamas se inquieta novamente; as ondas crescem e a superfície se põe incandescente e luminosa. As dançarinas fogem como que açoitadas em direcção à caverna.
O próprio Cado expressa certo temor e diz de si para si: "Que a Divindade seja misericordiosa com todas as criaturas! Se por acaso surtir efeito o auxílio do profeta Jesus, que dizem ser Amado do Senhor, que venha em meu socorro. Estes sofrimentos são demasiado fortes para qualquer ser vivo, alma ou espírito. Aliás a recepção por parte de Minerva não deve ter sido muito amável, porquanto as suas servas soltavam gritos apavorantes. Ó Divindade Infinita e Omnipotente, embora eu tivesse merecido esta punição, tem misericórdia para comigo. Tamanho castigo por pecados terrenos — sejam quais forem — é excessivamente cruel! Apaga a nossa consciência, que estaremos satisfeitos. Pretendia defrontar-Te, ó Divindade, quando ainda desconhecia o efeito de dor tão atroz. Tendo experimentado uma pequena introdução para o tratamento da dor eterna e infernal, perdi toda a vontade de prosseguir na teimosia. Não sou covarde, mas isto excede os limites. Ao mesmo tempo agradeço, Divindade Omnipotente, por me teres conferido a Graça de não ser atirado ao fogo eterno. Que
aspecto horrendo tem este mar em brasa! Que dores indizíveis deverão sentir os que se acham debaixo das suas ondas!"
Agora Cado silencia e parece chorar. Novamente exclama em tom doloroso: "Ó criatura miserável! És um joguete sensível nas mãos de um poder inescrutável! Que mais é teu destino senão o desespero eterno ante a tua impotência declarada? A Terra te foi dada para que tivesses oportunidade de te tornar demónio. Em seguida te foi tirado o corpo frágil e agora te encontras desnudo e miserável, uma imprecação eterna da Divindade, diante do portal do padecimento infinito. Sendo diabo, não há poder socorrista capaz de te proporcionar o menor vislumbre de esperança para a salvação. Onde estais, meus dois amigos, que há bem pouco tivestes a intenção de me levar ao paraíso? Estava cego. Por que não vindes agora para me salvar, quando antes, quisestes arrancar-me qual cego, diante do abismo do pavor eterno? Todos os meus gritos de pavor são inúteis, porquanto não atingem o Ouvido de Deus. Quem é amaldiçoado não tem salvação, pois o desespero eterno é o fim."
IntrospecçãodeCado.Históriadasua vida.
Miklosch prossegue: "Com melancolia e tristeza Cado lança vez por outra, um olhar à caverna horrenda de cujo fundo surgem labaredas mais fortes, acompanhadas de um rugir assustador e inúmeros gritos, como somente a dor de martirizados consegue expressar. Cado está arrepiado e a sua fisionomia traduz pavor e desespero, e o seu interior torna-se qual brasa. Neste instante apanha uma pedra e diz com voz vibrante: "Vem Minerva, origem de todo o mal, anunciada pelos teus demônios. Esta pedra há-de medir a quantidade de sabedoria cruel que contém o teu cérebro! Que me venha resposta de Deus ou de Satanás: quais são os martirizados e quem os castiga, — qual é a sua culpa? — Ninguém responde? Nem o próprio inferno? Eis um modo, dos poderosos desconsiderarem a voz de um pobre diabo. O meu coração indaga inutilmente. O inferno é surdo e o Céu demasiado distante. Aqui não há consolo para mim. Estou perdido, para sempre! É preciso habituar-me aos horrores — caso haja possibilidade para tanto — como único meio de conforto. Na Terra era possível acostumar-me às crueldades que o chefe me obrigava a praticar, pois era apenas animal selvagem, isento de qualquer educação humana. Somente quando me tornei chefe da quadrilha e aprendi a ler e escrever em grego, caiu em minhas mãos uma Bíblia roubada e pela primeira vez fui informado da Existência de Deus Poderoso.
Li o Novo Testamento, travei conhecimento com o célebre judeu, Jesus, cuja doutrina é atraente, com excepção de alguns contra-sensos. Fiz vir à minha tenda um padre para que me explicasse a Escritura. Que explicação foi aquela! Qualquer beata poderia dá-la, senão melhor. O padre exigia, apenas oferendas como resgate dos meus pecados e me proibiu o prosseguimento dos estudos em tais livros, pois matariam o espírito humano. Vi ser ele um patife pior do que eu, mandei-o embora, pondo de lado a Bíblia. Se por isto me tornei demónio, pergunto se me cabe culpa. Mas não adianta, pois a Divindade não responde ao meu coração.
Se o soldado, forçado a tal profissão, chega a matar no campo de batalha, — a Sabedoria Divina poderia debitar-lhe isto no livro de culpas e condená-lo como criminoso? Não! Mas por que discuto? Não se dá o mesmo com os pobres na Terra? A Omnipotência os cria num solo que não produz uma erva sequer. E caso venham a roubar, a lei os subjuga, enquanto o rico nem precisa roubar, sendo proprietário de tudo. Que bela Sabedoria e Justiça: faculta o supérfluo ao rico, deixando o pobre morrer à míngua."
Miklosch continua: "As chamas do fundo da caverna tornam-se intensas e inúmeros raios chispam em todas as direcções sobre a imensa superfície do mar horrendo. Percebo um forte atrito dentro da gruta que me causa impressão horripilante. Qual não será o efeito produzido em Cado? Agora a fúria tremenda começa a projectar enxames de raios para o alto onde se acham as falanges celestes em ordem firme e tão indiferentes como se não vissem nada.
Ouvem-se de dentro da gruta gritos lancinantes que se aproximam cada vez mais, levando Cado a tapar os ouvidos. Que espectáculo inédito! Surge do centro da caverna um carro, à moda romana, puxado por seis dragões em brasa. No meio da carruagem rubra está sentada Minerva, tendo na mão direita uma espécie de ceptro e na esquerda uma lança em brasa.
Ela ordena ao mar que se acalme. Mas este não lhe obedece, parecendo não entender a sua linguagem, pois continua se movimentando. Agora ela faz um sinal com o ceptro para a retaguarda e imediatamente se prostram muitos espíritos diabólicos recebendo ordem de sustar e abafar as ondas. Os demónios em forma de ofídios, atiram-se sobre as ondas conseguindo um pouco de calma. A deusa não parece satisfeita, razão pela qual chama ainda outros, que se precipitam com as suas horrendas figuras cobrindo quase totalmente a superfície, então serenada.
Só então, Minerva prossegue viagem tomando a direcção de Cado, totalmente estarrecido de pavor. Controlando-se, ele apanha várias pedras, escrevendo em algumas, o nome "Jeoua" e em outras, "Jesus de
Nazaré, Rei dos Judeus". A sua expressão é irada, ameaçando Minerva que se aproxima.
Ela, porém, grita: "Experimenta ofender a minha majestade, se queres ser despedaçado. Venho junto de ti para fazer-te feliz, e tu queres apedrejar-me! Tolo, miserável e cego! Que vem a ser o teu poder, comparado à minha força? Toda a Criação, as estrelas incontáveis e os mundos surgiram por mim. O meu hálito destruiria tudo para sempre. E tu pretendes lutar contra mim... Olha-me e ouve-me primeiro, — depois faz uma tentativa." Diz Cado: "Não me interessa seres linda ou feia, poderosa ou fraca. Advirto-te não te aproximares, de contrário sofrerás as consequências. Desprezo-te até ao último dos infernos, obra tua! Demónio Minerva, julgas tentar-me com a tua figura sedutora? Afasta-te, caso não queiras experimentar a força das minhas mãos. Vê esta pedra, seu nome é "Jeoua".
DiscussãoentreCadoe Minerva.
ONomedeJesuséumhorrorno inferno.
Miklosch continua a relatar: "Diz Minerva: Mas, Cado, não te julgava tão malcriado e rude. As minhas favoritas me falaram a teu respeito. Não lhes dei crédito e quis convencer-me pessoalmente. Ciente da tua maneira mal-educada de lidar com espíritos elevados, vejo-me forçada a mudar de tratamento. Assistirás primeiro a uma pequena execução para deduzires como lido com elementos da tua espécie. Se tal quadro não te inclinar para o meu coração, sentirás a minha severidade por não aceitares a minha benevolência e meiguice."
Ela faz um aceno e no mesmo instante demónios abjectos carregam enorme quantidade de instrumentos de tortura, que são colocados ao redor de Minerva. A um outro sinal, são impelidos por inúmeros demónios delinquentes e diabólicos, de modo tal a revoltar uma pedra. Os presos gritam e esbravejam e muitos torcem-se aos pés de Minerva pedindo complacência. Ela acena aos ávidos de aplicar castigos, que se atiram com ferocidade às vítimas, martirizando-as indescritivelmente.
Senhor, que quadro horrendo! Se estes pobres coitados forem tão sensíveis quanto nós, o mais sublime querubim se calará diante de tamanho sofrimento. O martírio é longo e dentro de um plano bem estudado. Ó Senhor, tem piedade com estes pobres diabos miseráveis e não deixes o infeliz Cado cair em desespero! Ouço apenas ele dizer: Deus, meu Deus, onde estás? Seria possível veres isto com indiferença? Estou perdido! Ele desfalece.
Eis que Minerva grita com escárnio: "O que há, valentão? Onde estão a tua coragem e teimosia? Pretendes prolongar a tua obstinação? Experimenta, caso ainda tenhas coragem, pois te mostrarei o meu poder. Agradou-te esta pequena prova do meu capricho?"
De repente Cado dá um salto como tomado de nova coragem e retruca: "Satanás, base de todo o mal! Qual é a culpa desses coitados para que os faças sofrer tanto? Se tiveres ainda um vislumbre de sabedoria, procura descobrir o motivo e diz-mo. Caso me satisfaça, adorar-te-ei. Fala, do contrário serás reduzida a átomos!" Minerva solta uma gargalhada sardónica e diz: "Verme abjecto! Ousas ainda exigir satisfação de mim, soberana do Infinito, após teres assistido a esta cena? Espera, e receberás a punição prometida. Ela te dirá a razão pela qual a Omnipotência costuma agir a bel-prazer, sem jamais pedir conselho a um ser criado."
Ela acena para seus carrascos agarrarem Cado e levá-lo a um instrumento de tortura, e um grupo dá um salto junto dele. Vede só! Jamais teria suposto ter ele tamanha força, pois no momento em que se atiram sobre ele, Cado arremessa uma pedra com tal violência que os dizima a todos, como por encanto e nenhum parece ter vontade de repetir o ataque.
Percebendo ter a pedra com Teu Nome, Senhor, prestado serviço tão eficaz, ele pousa as mãos no peito e diz: "Deus Jesus — não és apenas profeta — mas a própria Divindade. Tu me socorreste! Rendo-Te todo louvor e gratidão do inferno, onde me encontro!"
Miklosch prossegue: "Mais que estranho é o facto de que, pelo pronunciamento do Teu Santo Nome, todos os demónios, inclusive Minerva, são atirados ao solo como que atingidos por mil raios, sem fazerem menção de levantar-se.
Cado dirige-se a Minerva, acocorada: "Então, linda soberana do Infinito, — como estás passando? Pelo que vejo sentes-te algo abatida. Não desejas aproximar-te um pouco? Talvez conseguisse socorrer-te com mais uma pedra da sabedoria."
Ela se ergue de novo, percebe porém estar a sua lança quebrada e o ceptro bastante avariado. Observa por certo tempo as insígnias do seu poder e diz: "Mau sinal para o meu domínio, pois uma importante predição me disse outrora: Minerva, sábia e ilustre rainha acima das estrelas, tem cuidado com a tua lança e o teu ceptro. Se ela se quebrar e o ceptro for avariado, o teu domínio não irá longe e serás desprezada! — Assim, o "factum" disse a verdade. Não houve anjo capaz de romper o meu poder. Precisamente um reles demónio, além disso um tolo, foi designado para me destronar."
Após tal monólogo ela se dirige a Cado, dizendo: "Como te sentes, maior ignorante de todos os demónios, terminada a tua traição? Porventura dirigirás, como símbolo da burrice, mundos, sóis e
elementos? Poderias impedi-los quando começarem a atirar-se sobre ti? Julgas poder sustar o peso de um planeta com as tuas pedras imundas?" Responde Cado: "Se não conseguiste proteger-te contra as minhas pedras, como soberana do Infinito — como o farão as tuas obras miseráveis? Mas não te preocupes por isso. Existe outra Divindade que saberá o que fazer com as tuas realizações fictícias. Melhor seria tu me dizeres quantos pobres diabos ainda "se encontram atrás daquela caverna e o número dos que já martirizaste. Diz-me a verdade, do contrário sentirás a minha reacção."
Diz ela: "Cego! Tudo isto que presenciaste foi apenas criação da minha fantasia para provar a tua coragem. Somente eu sou uma realidade; tudo o resto apenas aparência. Se tivesses que enfrentar um facto real, as tuas pedras imundas não te teriam trazido a vitória, razão pela qual não tem o valor que presumes. Venceste uma aparência e não uma realidade." Após meditar um pouco ela prossegue: "À tua pergunta subentende-se não poder eu dar resposta; além do mais, o meu orgulho nunca se prontificaria a prestar contas a um reles diabo! Entendeste?"
Responde Cado com sarcasmo: "Vê só, como és inteligente alegando ter eu apenas vencido uma ficção com o Nome Divino de Jesus!" Retruca Minerva: "Finjo-me de vencida para poder falar contigo sinceramente. Se assim não fosse, não estaria diante de ti, resoluta para reiniciar a peleja inúmeras vezes. Usei esta luta fictícia em consideração à tua personalidade que preenche o meu coração com amor desmerecido. Se porventura não fosse tão delicada para com a tua pessoa, teria mandado alguns espíritos fraquinhos para reduzirem a nada o teu poder e força. Se continuares a fazer trapaças, serei obrigada a enfrentar-te com a realidade.
Resmunga Cado: "Estranho! És uma criatura encantadora e jamais teria aguardado tanta bondade da tua parte. Aliás já me convenci dessa tua virtude através das tuas fantasmagorias recentes e pelas tuas ideias louváveis quanto à queda da Divindade que pretendias efectuar por um poderio ora enterrado nessa lava. Seria isto igualmente apenas simulação? A recepção por parte das tuas favoritas foi bem real e jamais será esquecida. Como nada conseguiram, voltaram em grande número num desafio à Divindade Verdadeira. Esta, porém, teve a intrepidez de abrir as fontes de lava desta cordilheira, enterrando o teu exército poderoso. Tem a bondade de informar-me se isto tudo foi somente aparição?"
Diz Minerva mordendo os lábios: "Infelizmente foi real, no que apenas o teu chefe teve culpa. Mais de mil vezes lhe dissera não ser o momento oportuno. Ele agiu por conta própria e recebeu a paga de sua loucura. Quando virá outra oportunidade?"
Responde Cado: "Creio que jamais. Por isso, vai andando com o teu plano ridículo. Deus é eternamente Deus! E tu — o ser mais ínfimo, ignorante e cego, se não desistires do teu propósito. Serias até mesmo a criatura mais linda, se não fosses tão maldosa e tola. Desiste de uma vez por todas do teu ofício infrutífero, aceita a Vontade da Omnipotência a Qual, jamais poderás enfrentar. Entrega-te, indescritivelmente linda, e eu te abraçarei com um amor profundo, jamais visto entre todos os seres criados, do contrário seria obrigado a desprezar-te totalmente."
Diz Minerva, mais calma: "Se soubesses o que sei, falarias de outro modo da Divindade. Entretanto tens razão por assim falares. Acontece eu jamais poder modificar-me! Se assim o fizesse, não mais haveria um ser vivo em todo o Infinito, além de mim e Deus. Nem Sol, nem Terra. Tenho que permanecer no eterno padecimento a fim de que as minhas criaturas possam gozar as maiores felicidades. Todavia, estou cansada e isto terá que mudar." Diz Cado: "Vem cá, pobre genitora do Infinito. Levar-te-ei junto de nosso Senhor, Jesus Cristo, e tudo melhorará." Grita ela: "Não pronuncies esse nome, pois tudo estaria acabado entre nós. Este nome é um horror para mim."
SabedoriaprofundadeCadoedesvairadoorgulhode Minerva.
Miklosch continua a relatar: Diz Cado: "Estimada mãe do Infinito, sublime Minerva! Por quê tanta repugnância diante deste Nome tão amigo? Que te fez ele? Da minha parte sinto muito consolo e paz neste Nome. Confessa qual o motivo disto."
Responde Minerva: "Amigo, eis um ponto para o qual jamais haverá solução. Precisamente neste nome a Divindade enlouqueceu. Abandonou a sua origem elevada e sublime e meteu-se, por um fútil amor às criaturas, numa camisa de força de onde jamais poderá sair. Basta imaginares uma divindade pregada à cruz, sofrendo o pior padecimento por mero sentimentalismo; uma divindade que se rebaixa ao invés de continuar em sua altura e glória infinitas, gozando a minha companhia luminosa e reger os seres mais perfeitos que por mim recebem a sua existência indestrutível. Que dedução tirarei eu, a sabedoria mais sublime e jamais ofuscada, de uma divindade desvairada? Poderia consumir-me de vergonha ao deparar com tão horrível rebaixamento. Eis o ponto, meu amigo. E se eu o acompanhasse, todo o Infinito cairia em frangalhos e os seres deixariam de existir."
Diz Cado: "É realmente de se estranhar, não a humildade de Deus para com as Suas criaturas, mas causa-me estranheza que tu, a deusa Minerva, representante da máxima sabedoria, sejas tão limitada ao querer
fixar tal ideia de Deus. Como pode Ele, o Espírito Original de todos os espíritos, Força primitiva de todas as forças, tornar-Se fraco? Ele, que abarca o Infinito, tornar-Se débil e louco? Minerva, essa anedota não tem graça! É possível seres tão sábia quanto bela; mas a respeito da Divindade afirmo-te como fez o pintor grego: Sapateiro, continua em teu ofício. Em consideração à tua imensa beleza, que levaria qualquer pecador à adoração, abstenho-me de falar-te deste modo. Além do mais, percebo a tua extraordinária tendência dominadora sentindo prazer em fazer chiste. Por isso não me aborreço com a tua ignorância.
Se quiseres aceitar um conselho — porquanto muito me agrada a tua beleza fenomenal, sentindo crescer o meu amor para contigo, procura colocar-te numa situação de amizade com o Homem-Deus, Jesus! Faz com que o Seu Nome seja ao menos pronunciado seguidamente em teu reino, para te convenceres do resultado. Estou certo de que em breve chegarás a ideias e compreensões diferentes. Também sou demónio, talvez pior do que tu, conheço Jesus apenas de Nome e por algumas deduções da Sua Doutrina, realmente divina, forçando qualquer espírito à maior admiração. Entretanto, nada me custa render-Lhe o maior respeito. Por que isso deveria ser tão difícil à tua pessoa?
Sê inteligente, pois tola, já foste por longo tempo. Faríamos um formidável par; não obstante ainda haver muita coisa nociva, não seremos os causadores e nosso Senhor terá muito que fazer até amestrar os nossos descendentes, caso pretendamos desistir da nossa profissão diabólica. Não deves por isso ficar arrependida, porquanto recebeste sempre um prémio desprezível e não renunciando, o resultado será pior. Segue o meu conselho e só poderás lucrar, por serem a tua e a Existência da Divindade eternas!" Minerva, de pé no carro, figura feminina de indescritível beleza, cala-se e parece meditar, lançando vez por outra um olhar para Cado.
Prosseguimentodacontrovérsia.Minervaestabelece condições.
Após algum tempo, Minerva fixa o olhar em Cado e diz: "Amigo, confesso me interessares, pois em tua figura oriental e nas tuas palavras transparecem mais espírito e verdade do que presumes. Contudo, não poderei atender-te antes que a prostituta da nova Babel, por mim criada, seja desmascarada. Com permissão da Divindade eu a erigi para prova de fogo de todos os baptizados naquele nome desprezível, querendo apenas provar a Deus ser possível transformar-se a sua doutrina num paganismo desvairado. A minha obra parece ter tido sucesso e os neo-babilónicos não sabem mais o que fazer de tanta ignorância e treva. Perderam
totalmente a inspiração. Do cristianismo nada mais se vê. Diante deles só há um esqueleto e se estrangulam em virtude da pele externa na qual, há quase um milénio, não existe corpo, muito menos alma e espírito. Isto tinha que acontecer. As minhas obras cruéis têm que ser substituídas por outras e a humanidade terá que ser replantada noutra horta. Quando isto acontecer, aceitarei a tua ajuda, unindo-me a ti para sempre."
Responde Cado: "Criatura mais sublime e adorável de toda a Criação divina! Não estabeleças condições tão pesadas, cuja realização não pode ser prevista. Deixa a abjecta Nova Babel. Será fácil à Divindade aplainar os tortuosos caminhos por ti engendrados. Segue-me e sê feliz. Não te prendas àquilo que foste em qualquer sentido e procura ser feliz o mais possível imaginando a minha alegria ao teu lado e a de miríades de seres na contemplação da tua beleza infinita. Então, ser-te-á fácil, atenderes às minhas palavras. Calcula a minha dor se eu for obrigado a desprezar-te em virtude da tua teimosia, a ti, para quem alimento o calor de milhares de sóis em meu coração. Criatura maravilhosa, sol central de toda luz, deixa o teu carro, atira os fora teus adornos, vem ao meu encontro, ao meu peito, e serás recompensada por tudo que sofreste!"
Diz ela: "Cado, Cado! Arriscas um jogo perigoso! Que farias se o Céu enciumado te perseguisse por minha causa? Olha para o Alto, como somos perscrutados por milhões de espíritos. Precisamente a minha beleza inaudita é a minha infelicidade eterna. Devia amar somente a UM, para o qual não existe trono em meu coração. Se me entregar a alguém diferente, o Céu se encherá de ira e vingança contra mim e o meu afecto. Por isso te advirto do risco. Talvez sejas vitorioso — mas ai de nós se fores derrotado!"
Diz Cado: "Também vejo os seres que nos escutam com demonstrações amistosas. Se tal atitude for embuste, terão que enfrentar- me. Jamais te deixarei. És minha e não haverá poder do mal capaz de afastar-te de mim. Também sou indestrutível e poderoso por Deus, — não pelo diabo que sou."
Conjectura Minerva: "Cado, Cado! Não desafies a Deus, pois és apenas uma criatura fraca. Os do alto, dentro em breve me atirarão vestes feias — que farás então?" Responde ele: "Adorável, se assim fizerem, serão demónios, e não anjos. Entretanto testemunham-me incapacidade para tanto. Todos se alegram por permaneceres tanto tempo em tua figura primitiva dando oportunidade deles se extasiarem com a Beleza Original, o Pensamento Primário do Ser Divino, — mais linda do que tudo que a sabedoria de todos os espíritos puros poderia denominar de belo, com excepção de Deus. Portadora de luz, não estabeleças outras condições e vem! Sinto em meu coração terem todos os Céus esperado a tua volta por eões, ansiando por ver-te como coroação da perfeição final
de todas as coisas e seres. Modifica a tua vontade, torna-te meiga e vem gozar ao meu lado as maiores bem-aventuranças!"
Minerva dirige um olhar de agrado, mesclado de domínio sobre Cado e diz: "Acaso tencionas realmente enfraquecer- me? Julgas ser fácil vencer-me e submeter-me aos teus caprichos? Não te enchas de esperanças prematuras; espíritos muito poderosos já tentaram conquistar- me e foram obrigados a retirada vergonhosa. Como podes sonhar que eu me deixe prender por tua verbosidade? E ainda pretendes conquistar-me para os Céus odiosos, que conheço melhor do que tu? Todo o ser tem que permanecer fiel a si mesmo: ou um demónio perfeito, ou um tolo mensageiro celeste, jamais conseguindo algo comigo, entretanto é respeitado em virtude da sua fidelidade. Um demónio pretendendo ser uma espécie de anjo, com o tempo tornar-se-á repelente, muito embora possua qualidades respeitáveis. Estimado Cado, se quiseres conquistar o meu coração, terás que usar outros meios. És realmente simpático para mim. Pretendendo conquistar-me, preciso é que venhas a mim e não o contrário."
Obtempera Cado: "Amada, quero-te para mim e não cogito se por isso o Céu se alegra ou se aborrece. No entanto, não farei oposição aos Céus nem mesmo por tua causa, não obstante amar-te mais do que todos os tesouros de Deus no Infinito. Considero todo o ser — inclusive a ti — imensamente tolo querendo fazer mais do que pode. O cúmulo da tolice consiste em alguém não aprender algo por inúmeras experiências dolorosas. Diz-me com sinceridade, quanto lucraste pela teimosia irredutível? Ficaste mais forte, rica e bela? Teriam milhões de castigos a ti infligidos, sido um prazer? Assemelhas-te em todos os pontos aos regentes terrenos que preferem arruinar o seu reino do que aceitar conselhos de um sábio.
És deveras infinitamente bela, mas igualmente tola. Se quisesse vencer-te, não necessitaria pronunciar uma palavra, pois bastariam estas pedras. Eis uma nova arma aos meus pés: um laço com que sei lidar. Seria o suficiente lançá-lo sobre ti e não haveria diabo, nem um deus da tua espécie, capaz de te libertar. Não quero porém perder-te, mas deixar o assunto entregue a ti mesma, a fim de que a vitória não seja minha e sim tua obra voluntária.
Julgas que eu me alegraria se te conquistasse à força? Nem haveria de te querer, não obstante a tua beleza infinita. Considerando as minhas palavras, dominando as tuas tendências e tornando-te minha companheira, serás um mar de felicidades para mim. Não adianta teimares, jamais te deixarei. Não conseguindo convencer-te pelo amor, usarei a força invencível!"
Diz ela: "Mas, Cado! Por que deveria eu fazer isso? Podes muito bem fazer o que exiges de mim; além do mais cabe ao noivo procurar a
amada." Concorda ele: "Por certo já estaria de há muito ao teu lado, caso o solo que pisas fosse outro; ao passo que tu podes pisar qualquer um." Pergunta ela: "Que farás quando eu chegar junto de ti?" Diz Cado: "Ora, far-te-ei feliz transformando este monte num paraíso, em honra de Deus que me faculta o poder para tanto."
Diz Minerva: "Já fui traída num paraíso. Adão, o meu primogênito nesta Terra, pregou-me uma rasteira que jamais esquecerei. Não existe corpo cósmico onde a Divindade conseguisse ludibriar-me como o fez aqui. Não necessito contar-te como foi. Acontece que naquela época, me opus pela primeira vez à Divindade e durante seis mil anos estou apreciando os infames resultados. Por isso não me venhas tentar com o paraíso. Se quiseres que eu me dedique à tua pessoa, faço-te a seguinte proposta: Promete jamais pronunciar o nome de Jesus, que me sufoca; atira para longe essas pedras e o laço, e o meu coração será teu prémio, encontrando gozos jamais sonhados por um deus. Analisa bem a minha beleza, graça, atractivos e dignidade divinas, — e serias qual pedra caso resistisses a tais encantos."
Diz ele: "Adorável Minerva, aceitaria a tua proposta se não tivesses mentido. Mostrando-te a maior artista na mentira, engano e traição, o que ficou provado pela execução fictícia, não posso aceitar a tua proposta antes de cumprires a minha. Apressa-te, pois a minha paciência está se esgotando."
Miklosch prossegue: "A feição de Minerva torna-se raivosa e dura. Procura argumentos, sem encontrá-los. É interessante observar-se como a inventora do orgulho e da mentira se esforça para não demonstrar fraqueza perante Cado. Ele parece ler tudo em sua fisionomia, porquanto não desvia o olhar, segurando o laço, para qualquer eventualidade. Estou curioso por observar a manobra de Satanás."
Cadorecebemaiorprotecção.Minervainsisteem reagir.
Neste instante Roberto-Uraniel e Saariel, seu companheiro, se postam por detrás de Cado, que nada percebe. O mesmo se dá com Minerva, cuja atenção está inteiramente voltada para ele a fim de aproveitar o menor descuido da sua parte. Cado está firme como rocha. Indecisa, Minerva faz caretas: ora expressa severidade, ora amabilidade, inteligência e domínio; — em tudo se nota a velha pecadora.
Tal situação não parece agradar a Cado, que pigarreia e diz: "Então, como é? Não mordes a isca? Dou-te mais um pequeno prazo. Se até lá não te decidires, demonstrarei a minha agilidade com o laço. Sinceramente, desde a tua existência não encontraste nas miríades de espíritos por
tentados por ti, um, que se tornasse teu mestre, porquanto não podiam concorrer com a tua astúcia. Comigo tens que te precaver. O Arcanjo Miguel não foi capaz de evitar a sua queda perante a tua malícia pelo facto de te conceder eternidades para reflectires. Temendo a Deus e imitando a Sua Paciência, aquele anjo estabeleceu prazos e mais prazos que aproveitaste para aumentar a tua maldade. O demónio Cado não teme Deus, morte e inferno, pois atende somente ao seu intelecto e vontade. Por isso resolve a tua situação, de contrário o laço se prenderá em tua bela nuca."
Responde Minerva: "Cado, sê mais maneiroso. Não posso, de momento, deixar os meus hábitos antigos e maldosos. Se juntares ao teu heroísmo um pouco de paciência, não levarás prejuízo. Se falei certas coisas e aparentemente não aceitei as tuas ideias e vontades, — isso tem o seu motivo. Deves concordar que eu queira experimentar a fundo aquele com quem eu — a beleza primordial e inatingível de todo o Infinito — desejo unir-me. Já me teria afastado, caso não me agradasses. A tua personalidade inédita me prende a ti com estranho poder. Suporto de ti coisas que jamais aturei da própria Divindade. Não estás satisfeito com isso?"
Diz Cado: "Criatura mais maravilhosa de Deus! O meu amor para contigo é infinito; por isso terei mais alguns momentos de paciência. Mas é só." Ela sorri e atira a sua lança partida no mar de lava, cujas ondas continuam dominadas pelos espíritos. Nem bem a arma é dissolvida pelo fogo — facto que Cado presume de bom agouro — surgem subitamente inúmeras figuras horrendas que circundam a “deusa”. Uma, que concretiza a de todos os dragões e feras selvagens, a fulmina com milhares de vozes de tigres, leões e panteras: "Infame! É esta a gratidão por triliões de serviços prestados durante eternidades, não temendo sacrifícios, dores indizíveis e padecimentos, a fim de nos assegurarmos do teu afecto e dedicação prometidos, para quereres abandonar-nos por amor a um demónio recém-chegado, que apenas por momentos meteu o focinho no inferno? Declaramos-te, em uníssono, que somos os primeiros e mais poderosos demónios, a quem jamais farás tal ultraje! Antes disso destruiremos a ti, o inferno e todos os Céus. Os nossos súbditos dominam este mar, sofrendo dores incríveis para que tu, a nossa soberana, possas pisá-lo, — e agora pretendes abandonar-nos e satisfazer o gozo há tanto prometido? Experimenta fazê-lo, que receberás um prémio jamais sonhado pela fantasia da Divindade suprema. Chama em teu socorro aquele infusório no monte. Que use as suas armas contra nós, se lhe for possível. Vê como o teu herói perde a coragem e procura uma saída para a sua fuga? Por que não o chamas?"
Minerva treme de raiva e vergonha, sem poder falar. Cado se porta ainda mais revoltado e parece reflectir acerca da sua reacção. Os gigantes
lhe impõem certo respeito, a ponto de não ter ânimo para abrir luta e ao mesmo tempo ouve um testemunho sobre Minerva que o faz duvidar da sua fidelidade e amor. Entrementes ela lança olhares de sedução a Cado, impedindo que ele se afaste. Por isso ele começa a organizar as suas pedras.
Após alguns momentos de terror, Cado ergue-se e diz àquelas feras: "Conheço o vosso poderio e fantasmagoria — não é vossa obra. Sois incapazes de qualquer acção como puras criações fantásticas desta aqui, à qual lançais ameaças fictícias. Se fosseis criaturas reais, teria ensejo para vos agradecer o serviço prestado. Pela vossa atitude, figura e palavras que ela mesma projecta, orientei-me do seu carácter. Com isso cheguei mais perto do resultado. Podeis despedaça-la, caso vos seja possível. Eu não o faço, porquanto não merece tanto esforço da minha parte.
Satã, demonstra mais algumas provas semelhantes, que me facultam conhecê-la até ao âmago. Convosco, fantasmas, terminarei em Nome de Deus, Jesus o Crucificado! Vede esta pedra. Está marcada com o Nome Divino "Jesus” e “três cruzes!" Com isto Cado apanha a pedra para atirá-la com violência. Minerva solta um grito de pavor, exclamando: "Cado, não faças isso, por tudo que te é sagrado! No momento em que a pedra se soltar da tua mão estarás perdido para sempre. O poder destes espíritos, que presumes fantasmas, é incontido. Fica quieto. Talvez consiga acalmá-los e em seguida iniciar a minha libertação com a tua ajuda."
Cado, influenciado pelos espíritos protectores, diz com rigor: "As tuas palavras são quais bolhas de ar e não contem verdade. És mentirosa como sempre, prejudicando apenas a ti mesma. Por isso asseguro-te fazer estritamente aquilo que me desaconselhas. Em Nome de Deus, o Salvador Jesus!" Ele lança a pedra com violência contra a cabeça do primeiro e maior dragão e no mesmo instante se ouve um estampido de canhão. Todos desaparecem, com excepção de Minerva, de pé e desnuda em cima de um montão de areia, tentando esconder-se diante de Cado, sem consegui-lo.
Ele então pergunta-lhe: "Querida, — que foi isto? Onde ficou o perigo ameaçador? Onde estão os espíritas que tencionavam dizimar Céus, inferno, Deus e a Terra, querendo castigar-te pela infidelidade? Vê no que deu o teu artifício? Não valeu um centavo e todo o teu esforço foi inútil. Algum outro haveria de punir-te, dotado do meu poder. Eu te perdoo. Tens que me seguir, do contrário usarei de força. Que farás? Estás abandonada de tudo que te proporcionava aparência de poder. Nada mais tens que a mim e a tua beleza indizível. Apoia-te em mim, de livre vontade, que te conduzirei ao justo caminho; não o da humilhação, mas do verdadeiro amor do meu coração para contigo. Vem!"
Diz Minerva, profundamente envergonhada: "Sim, quero e tenho que seguir-te. Terás que dar um passo junto de mim, caso me ames de verdade. Isto não te custará, porquanto me aproximei de ti mais de mil passos."
Diz Cado: "Já deves conhecer a minha irredutibilidade e jamais cederei ao teu pedido, até que tenhas transformado a tua inclinação maldosa e infiel. Deixa de fazer exigências. Sou pior do que tu, não obstante a tua maldade inata chegar a preencher o Infinito com o julgamento da matéria. Tendo fracassado o esforço de todos os anjos na tua redenção, um demónio tem que levar-te ao ponto de partida. Este demónio não é da tua espécie, pois recebe o seu poder do Alto, enquanto a sua natureza pertence ao inferno. Tu, somente és o prémio que ele rejeitará, caso não lhe for concedido livremente. Por isso, segue-me."
° CAPÍTULO
Minerva pressupõe uma astúcia por parte de Cado. UmavestecaídadoCéudespertaasua curiosidade.
Diz Minerva: "Cado, amo-te realmente! É o primeiro sentimento verdadeiro a tocar o meu coração. Se não queres fazer nada por mim, explica-me ao menos o motivo da tua dureza. Deve haver um plano do Alto e tu és o instrumento, consciente ou inconsciente. Tens que me revelar o projecto, de contrário não cederei um fio de cabelo. Qual a vantagem que levarias, usando de força sobre mim? Sabes a invencível teimosia por mim usada contra a Divindade, e muito maior é ela contra ti. Deus é infinitamente poderoso e pode fazer comigo o que quiser, mas somente pela coacção. Coração e vontade são meus e sabem fazer resistência, inclusive a ti, único que até hoje se aproximou de mim. Se assim não fosse, de há muito terias à tua frente um monstro, ao invés da minha figura original. Sabes qual a minha índole. Por isso dá-me explicação da tua inflexibilidade diante da minha sinceridade evidente."
Diz Cado: "Como exiges algo que já te expliquei, sem tu mesma o pedires? Não posso ceder, porquanto não te poderia libertar. É preciso te submeteres à minha vontade, que farei tudo o que quiseres."
Responde ela: "Seria fácil, mas onde ficaria o meu livre arbítrio?" Diz Cado: "Querendo livremente aquilo que quero, unindo a tua vontade à minha. Sem esta união não poderemos cogitar de um efeito elevado e verdadeiro.
Diz Minerva: "Não te compreendo, explica-te melhor." Diz Cado: "Estranha portadora de toda a luz espargida pelo Espaço! Não te sendo possível assimilar coisas tão claras, como entenderás assuntos mais profundos, do reino eterno da Sabedoria Divina? Ouve-me. Se um casal se acha em constante divergência e a mulher não quer aceitar a vontade
do homem, tal união jamais conseguirá uma prole. Poderias afirmar o mesmo do marido. Caso ele dissesse: Reconheço a minha vontade no teu desejo; sendo também a tua vontade, eu não a quero. Da parte do marido isto seria grande tolice e ela teria razão em não lhe ceder. Como a mulher desde o início aceitou o desejo do homem, sem o qual jamais poderia casar-se, ela tem o mesmo direito de exigir algo que ele, sem dúvida, lhe proporcionará tão logo esteja em harmonia com a sua vontade, a menos que o desejo da mulher em si seja contrário ao expresso dentro da ordem da vontade masculina, onde ele não poderá ceder, caso não queira aniquilar-se a si mesmo. Tal desejo da mulher seria evidente adultério, caindo no julgamento próprio, porque não existe poder que se mantenha isoladamente e para tanto seria preciso ser aprisionado conforme acontece contigo desde eternidades. Se não fosses atingida pelo julgamento, de há muito deixarias de existir.
Agora deves tornar-te livre e ingressar numa justa ordem. Por isso tens que te submeter à ordem da minha vontade para libertar a tua própria. Faz ao menos uma tentativa. Não te agradando, poderás voltar ao antigo julgamento."
Diz Minerva: "Muito bem, aceitarei esta tua proposta. Mas encontro-me desnuda e tenho vergonha de me apresentar diante de ti. Arranja-me ao menos um vestido." Diz Cado: "Não posso satisfazer-te antes de me obedeceres. Vem cá e vê — que veste maravilhosa acaba de cair dos Céus. É tua, — a única em todo o Universo. Recebe-a das minhas mãos, como justo vestido de noiva."
Miklosch prossegue: "Minerva está perplexa, dirige o olhar fogoso ao local onde realmente se vê, aos pés de Cado, um vestido embrulhado num pano vermelho. Ávida por ver se faz jus à sua pessoa, ela força o olhar, sem contudo poder vislumbrá-lo. A sua curiosidade aumenta, — e eu mesmo estou ansioso por saber a sua atitude, Senhor. Esta criatura jamais se converterá? E com isso, a situação não melhorará, mormente em nossa Terra?" Digo Eu: "Caro amigo, veremos isso depois. Continua relatando os factos."
Minervaaproxima-seaospoucos.Osúltimospassosdianteda meta.
Miklosch dirige novamente o olhar ao cenário e diz após alguns instantes: "Ah! Minerva está irrequieta e os seus movimentos traduzem a sua ânsia. Percebendo-o, Cado diz-lhe: "Por acaso os teus pés estão colados ao solo? Movimenta-os, vem até aqui, que será mais fácil descobrires o conteúdo do pacote. Se estiveres presa aí, avisa-me que soltarei os teus pés daqui mesmo." Responde ela: "Não há necessidade;
sou livre e posso ir aonde quiser. Como é o meu vestido? Conta-me o seu feitio."
Diz Cado: "De modo algum. Vem, que ficarás extasiada." Diz ela: "Como és duro...! Que fazer, estando enamorada de ti? Vou arriscar-me. Mas se tu me fizeres algo, voltarei para nunca mais chegar junto de ti."
Miklosch prossegue: "Ela abandona finalmente o seu posto e dirige- se para Cado em passos lentos. Cado, continua protegido pelos dois mensageiros celestes. Coisa estranha. No momento em que Minerva pousa o seu lindo pé no monte, desaparece o mar de lava. Nada mais se vê da gruta horrenda e o ribombar e gemer também silenciam. Que alívio. A cordilheira parece igualmente ter baixado, perdendo o seu carácter assustador. Alguns rochedos são vistos apenas através de um minucioso exame. A região toda melhorou e está mais clara.
Este Cado pode é bastante astuto. Fazer com que a soberana do Infinito se apaixone por ele, é algo inédito. Não deixa de ser diabo; entretanto, impõe respeito. Deve alimentar uma irredutibilidade na qual se espatifa qualquer dureza. Se não fosse presenciado por nós, tal relato seria a coisa mais incrível que um espírito pudesse imaginar. Assim, só nos cabe admirar-nos, louvando-Te, Senhor, por teres permitido tal facto. É de se esperar que a Terra venha a ingressar em um estado desejado por todos os Céus.
Todavia, Minerva não tem pressa, pois os seus passos são pequeninos e vagarosos. A cada movimento ela acha alguma coisa no solo, apanha-a, analisa-a por certo tempo e em seguida atira-a fora. Tenho a impressão de que o solo em direcção a Cado está propositadamente coberto de preciosidades com o fito de tentá-la. Esta astúcia é inteligente. Lembro-me de ter lido uma profecia enigmática: Quando Satanás for convertido, caminhará sobre pérolas e diamantes, desprezando-os. Então o inferno será fechado e as algemas da imaginação derreterão qual cera ao Sol.
O mesmo parece dar-se aqui. Minerva aproxima-se mais e mais e faltam-lhe possivelmente uns quarenta passos para o final. Ah, agora achou algo de importante. Com avidez ela se abaixa e apanha coisa semelhante a um diadema, do seu agrado, pois não demonstra vontade de o lançar fora.
Neste instante ela dirige-se a Cado dizendo: "Quem espalhou estas preciosidades? Isto foi feito por minha causa? Eis um diadema maravilhoso e merece ornar a minha cabeça. Posso guardá-lo?" Responde ele: "Guarda o que é bom e rejeita o imprestável. Não apanhes demais. O excesso de tais coisas havia de te sobrecarregar de forma a não poderes caminhar. Guarda apenas o diadema. Sê obediente e vem."
Diz Minerva: "Sim, já vou! Ah, eis aqui uma pulseira maravilhosa. Deixa que eu a apanhe, Cado. Merece o meu pulso." Diz Cado,
impaciente: "Larga isso. O teu braço tem beleza suficiente e dispensa essa jóia. Aos meus pés aguarda-te um adorno, sem par em todo o Infinito. Não te entretenhas com detritos e apanha o que te cabe."
Minerva aproxima-se, lançando fora a pulseira; agora, apenas três passos a separam de Cado. Por isso ela diz: "Vê, vim ao teu encontro e por certo dei alguns mil passos, faltam apenas três. Estes, naturalmente, serão dados por ti. Noto a tua ânsia para apertar-me contra o teu peito, pois os meus sublimes encantos te fazem vibrar. Tem a bondade de vir até mim."
Diz Cado: "Haverá oportunidades celestes em que darei milhões de passos ao teu encontro. Aqui uma ordem firme e para teu benefício exigem que eu não atenda um teu pedido sequer, antes de teres cumprido o que sou obrigado a reclamar. Dá mais estes três passos, uma vez que deste os outros."
Pergunta Minerva: "Quem te manda estabelecer condições?" Responde ele: "Ninguém me prescreve ordens, sou o meu próprio legislador e não aceito sugestões de qualquer divindade ou demónio. Tu és chefe supremo de todos os anjos do mal e além disso tão bela quanto a Menina-dos-Olhos de Deus. Entretanto, as tuas palavras não são por mim consideradas. Anteriormente achava-me diante de Deus através de dois espíritos sublimes, demonstrando-me com bondade e sabedoria, Céu e inferno a fim de que eu me decidisse. Rejeitei o Céu e desafiei o inferno. Percebi um plano desvairado, impossível de sucesso; em seguida tu me perseguiste de toda a maneira; os teus artifícios fracassaram diante da minha firmeza de vontade e intenção de te libertar do jugo da tua cegueira. Quem poderia prescrever-me tal atitude?
Em todo o Infinito não existe um ser que me levasse à obediência. Sou senhor de mim mesmo e não me preocupo com alguém, com excepção de ti, porque muito me agradas e és, depois de Deus, o ser mais poderoso e perfeito de todo o Infinito, destinado a te tornares aquilo que Deus previu em Sua Sabedoria Eterna. Sinto dentro de mim a missão de transformar-te. Todavia só será possível no caminho por mim traçado, razão pela qual em nada posso ceder até que tenhas cumprido a minha exigência. Nada mais de relutância nestes três passos, de contrário não chegarás à tua beleza e dignidade originais."
Diz Minerva: "Amigo, verdadeiramente amado, tudo que acabas de dizer é certo, bom e justo. Se, porém, o amor nos deverá conduzir para o futuro, não sei onde o buscarás porquanto te negas a mover-te. Olha, dei mais dois passos. O último passo cabe a ti, ainda que tenha de esperar uma eternidade. Já não posso mais cogitar da volta, por me ter excedido tanto. Faz-me esta gentileza."
Lutafinal.AnaturezadiabólicadeMinervairrompe novamente.
Diz Cado: "Por que exiges algo de mim que eu teria feito sem que o pedisses, entretanto agora não mais posso fazê-lo por isso? Incorrigível coração do Infinito! Terás de ser tu a dar o último passo. Em teu próprio benefício te peço nada mais exigires de mim. Não me é possível satisfazer o teu menor desejo até que te tenhas submetido à minha vontade. Basta apenas um passo, para salvar todo o Infinito e libertá-lo do peso da condenação eterna. Em seguida resplandecerás como o ser mais feliz, com a luz de todos os sóis no Espaço sem fim."
Retruca Minerva: "Creio que assim seja, — se ao menos eu fosse tão tola de fazer o que exiges. Falta apenas um pequeno passo. Mas se eu não o quiser dar de livre e espontânea vontade, escarnecendo de toda a tua persuasão, — que meio empregarias? Externamente talvez fosse possível; intimamente, jamais.
Sabes ser eu a entidade que supre de seres o Infinito. Sou a entidade de todas as entidades, — o poder negativo, correspondente ao Poder positivo de Deus. Sou o solo imensurável no qual a Divindade constrói as Suas Obras. E tu, miserável, pretendes dominar-me com algumas palavras e subornar-me com as tuas lisonjas tolas, capazes de satisfazer uma camponesa, mas não a mim, o ser mais perfeito do Espaço. Tolo. Vejo-te vibrar de volúpia e reconheço a tua ânsia por um abraço meu. Não te entregues a pensamentos dessa ordem se não quiseres arriscar este último passo pelo meu amor e benevolência. Não cedo nem um milímetro. Eis a Minha vontade irredutível.
Diz Cado: "Como és inteligente! Tencionas fazer-me esperar uma eternidade? Desejo-te para tanto a devida paciência, pois a minha não dominarás. Posso, através da minha vontade, fazer contigo o que quiser; por isso não necessito mais nada e não perderei palavras. Estás em minhas mãos. Não podes transformar-te mais em dragão e até prefiro que permaneças assim. Salve, Salve, — pelo visto também já tenho pão e vinho! Viva!"
Diz Minerva: "Nunca pensei que fosses tão ladino. Poderia estourar de raiva por não poder reagir. Mas ai de ti, se lançares mão das minhas artimanhas. Se ao menos pudesse livrar-me do maldito afecto para contigo. És o nó górdio que até hoje ninguém conseguiu desatar em todo o Infinito. Precisamente, havias de ser tu a descobrir a minha fraqueza. Não suporto isso. Maldição a quem te criou. Mas espera, descobrirás em mim o teu satanás!"
Diz Cado, com fleuma: "Oh, não importa. Tenho-te junto a mim, isto é, a maior beleza, incapaz de se enfeitar e isso basta. Aliás, não te é vedado
dares o último passo. Se te cansares de esperar, virás automaticamente. Até lá, viva, meu amor!"
Prossegue Miklosch: "Minerva dá impressão de querer estourar de ódio e tenta transformar-se num monstro. Além disso deseja ocultar a sua nudez, mas não encontra coisa alguma para tal fim. Procura fugir — os seus pés estão presos ao solo! Só conseguiria movimentar-se em direcção a Cado. Tem realmente uns pés bonitos! Esta harmonia incrível em toda a sua figura — até eu mesmo me poderia entusiasmar. Os meus respeitos a Cado em poder controlar-se diante de tamanha beleza que se encontra em seu poder. Para conseguir isto é preciso mais do que eu entendo até agora. Não fui propriamente impudico e as grandes beldades às vezes me deixavam frio; mas frente a esta, a situação é outra. O comportamento de Minerva não tem palavras. Esforça-se em fazer caretas. Quanto mais enruga o rosto, mais bela fica. Ele até lhe diz: "Não te canses. O efeito é contrário e és realmente uma deusa."
Quase chorando de raiva, ela esbraveja: "Ainda mais esta? Vida maldita! É preciso eu ser dominada e achincalhada por tamanho asno? Por acaso não posso voltar atrás, conforme prometeste?"
Retruca ele: "Tal promessa não terá efeito até aceitares as minhas condições. Continuarás no julgamento enquanto fores escrava da tua obstinação. Alguém se encontrando em grande perigo e um piloto oferece socorro, que todavia não é aceite, muito embora não haja outro recurso, ele continuará presa do perigo.
O mesmo acontece com a tua pessoa. Achas-te num pico que surge do mar onde a tempestade por ti gerada te lançou. Sou o piloto a te estender as mãos para te afastar do perigo, levando-te à plena liberdade. Rejeitas a minha ajuda. O teu orgulho cego e tolo não te deixa agir em teu benefício, mas impele-te a fazer tudo para o teu aniquilamento. Por isso não podes voltar e precisas permanecer nesta rocha. Se eu não te protegesse da queda e não sustasse as ondas que te atirariam ao abismo
— onde estarias? Há século e meio te firmaste no palácio dos "Sete montes". De lá foste expulsa há dois anos e dificilmente subirás ao trono antigo e roído com o teu poder sanguinário, a fim de dominar os tolos fracos da Terra e os demónios do inferno. Como já disse, não conseguirás fugir. Que farás como minha escrava? Serás capaz de resistir eternamente?"
Cadosealimenta,aborrecendo Minerva.
Miklosch prossegue: "Diz Minerva: Sim, caso o quisesse. Muito embora esteja destituída de poder e força externos, posso intimamente
alimentar eterna obstinação. Talvez não o faça em virtude da minha tola afeição para contigo e prefira reflectir. Caso descubra vantagens para o meu coração, aceitarei os teus conselhos." Diz Cado: "Está bem, querida. Quanto mais persistires em tua teimosia, tanto mais prolongarás a tua infelicidade, dificultando o último passo." Com isso ele se senta e saboreia com prazer pão e vinho. Minerva o observa atenta e aborrecida, e diz de si para si: Bela situação! Que educação pavorosa tem este sujeito. Não é capaz de me oferecer algo. Claro que nada aceitaria deste mal-educado, cuja voracidade animai me causa mal-estar.
Se ao menos pudesse sentar-me! Morro abaixo seria muito incómodo e para cima não é possível por estarem os meus pés como que pregados ao solo. Se me ajoelhasse um pouco para mudar de posição, este idiota poderia interpretá-lo de outra forma. Se fosse possível puxar o embrulho mais para perto, teria boa distracção com o meu vestido. É incrível o procedimento dele, pois enfia pedaço após pedaço de pão para dentro da boca e toma um bom gole de vinho sem ligar a menor importância à minha pessoa. Não lhe dirigirei palavra, pois não há garantia de ele me responder. Isto seria um ultraje jamais sonhado no Universo.
Cado alimenta-se com satisfação e diz consigo mesmo: "Que coisa saborosa! Sou realmente mau sujeito e até me vanglorio de ter confundido o próprio Satanás com a minha maldade. Que caretas estás fazendo, Minerva, quando eu me sinto confortado e bem-disposto? Devias estar satisfeita. Vem cá, senta-te ao meu lado. Se fizeres isso, dispensarei o último passo. Dá-me este prazer. Observa a alegria dos espíritos nas alturas — e nós dois aqui estamos acocorados como burros infelizes. Esforcemo-nos por estar mais alegres que os do Alto. Vem ao meu lado."
Diz ela, ofendida em seu orgulho: "Cala-te, beberrão! Que pretensão é esta? Um colóquio naturalmente seria do teu agrado. Meu caro, frutos como eu, não amadurecem para burros da tua espécie. Entendes?"
Conjectura Cado: "Como não? Já estás madura devido à tua idade e seria um gozo inédito, alguém poder abraçar-te. A tua figura sedutora me tonteia. Vem, Minerva, alivia o meu coração." Retruca ela: "Um pouco de paciência, meu caro. Já sabes da minha alegria em poder satisfazer os teus desejos? Resta apenas aguardar algumas eternidades. Não duvido ser do teu agrado, pores tuas mãos imundas em cima de mim. É realmente lastimável que eu não possa satisfazer-te."
Diz ele: "A mim não faz diferença, se isto acontecer agora ou daqui a milénios. Estás em meu poder e para mim, isso basta. Não sendo egoísta e visando somente o teu bem, desejo livrar-te da tua ignorância e fazer-te
feliz. Preferindo continuar escrava dos teus erros, — és tu a única prejudicada.
Ergue os teus lindos olhos, mas excessivamente tolos, e observa como triliões de seres se regozijam da sua existência divina, muito embora saibam seres a criatura mais infeliz do Universo. Deste modo, também posso alegrar-me sem a tua colaboração. Além disso, acrescento não mais insistir na tua conversão. Sei, tal como Deus, da tua índole perversa; mas não importa, uma vez que consegui o que queria: és minha e inofensiva qual víbora a quem se tirou o veneno. A partir de agora não farei mais convites. Colherás o que semeaste."
Diz ela, perplexa: "Que será da minha reputação que desfruto desde os primórdios?" Responde ele: "Não sejas ridícula! Qualquer asno te escarneceria quanto ao teu saber. Uma criatura indescritivelmente bela, mas ignorante na mesma proporção, não pode gozar de conceitos. Guarda as tuas pretensões, que me causam náuseas."
Diz ela: "Não sejas tão explosivo! Se sou realmente, tão ignorante, mereço ao menos que me ensines aquilo de que careço." Diz ele: "Minha amiga, falta-te muito, isto é, tudo. Assim sendo, ainda terei muita coisa a dizer-te."
Diz Minerva: "Ensina-me e tem paciência com a minha falta de conhecimento. Se sou o prémio do teu esforço, serás bem recompensado." Obtempera Cado: "Sim, caso aceites qualquer sugestão, de contrário não me interessas." Diz Miklosch: "Minerva queda pensativa, enquanto ele vira o rosto para nós, como se sentisse a nossa presença. O que me causa admiração é o facto de ele não ver Roberto-Uraniel e Saariel, seu companheiro, muito embora veja os anjos celestes no Alto."
Minervadáoúltimo passo.
Diz o Conde Bathianyi, a quem esta cena começa a enfadar: "Amigo Miklosch, não resta dúvida seres bom relator e o facto é deveras interessante. Todavia, torna-se cansativo. Admiro apenas a enorme paciência do Senhor, dos patriarcas, profetas e apóstolos. Observam a cena como se contivesse importância relevante. Cado é dotado de grande inteligência. Ela é mais astuta, e duvido que ele a faça obedecer."
Responde Miklosch: "Entreguemos o caso ao Senhor, no final tudo dará certo." Diz Bathianyi: "Sim, mas quando? Só o Senhor o sabe. E diante da teimosia de Minerva chega-se à conclusão de que jamais haverá um fim."
Conjectura Miklosch: "Quanto a mim, isto não me preocupa. Além do mais, esta história é inédita: dois espíritos do inferno se desafiam e é
interessante saber-se quem sairá vitorioso. Estou a favor de Cado." Diz Bathianyi: "Eu também e espero que o bem venha a sobrepujar o mal. Continua a relatar os factos."
Diz Miklosch: "Fixa igualmente o teu olhar no cenário e verás que neste instante Minerva estende a sua linda mão para Cado, que lhe diz: Isso não é suficiente; levanta o pé e firma-o perto do meu, que terás solucionado a tua tarefa, alcançando a liberdade. A partir daí, muita coisa poderei fazer em teu benefício."
Diz Minerva: "Bem, a fim de experimentar a tua promessa, assento o meu pé junto do teu. Todos os Céus e infernos hão-de testemunhar ter eu jamais cedido deste modo. Mas ai de ti, se me traíres. A minha vingança será tenebrosa. Que mais desejas?" Responde ele: "Falta o outro pé, que terás concluído as condições, e eu te direi os meus futuros planos." Diz Minerva: "Tenho a impressão de serem os teus desejos intermináveis. Já tendo feito tanta coisa, farei mais essa. Mas tem cuidado em não me abandonares, pois sabes que em tal caso tenho direito de retornar ao estado anterior."
Com isto ela assenta o outro pé junto de Cado e diz: "Pronto! Que será agora?" Responde Cado: "Querida, desata o embrulho e cobre a tua figura tentadora." Minerva assim faz. Quando vê um vestido vermelho irradiando mais do que o Sol devido à grande quantidade de diamantes e rubis que o enfeitam, ela tem uma vertigem, e cai aos pés de Cado. Ele então pergunta: "Minerva, que se passa? Agrada-te esta veste régia? Não te disse a verdade? Que pensas de mim?"
Com voz trémula, ela balbucia: "Oh, Cado, isto é por demais maravilhoso! Conheço todos os habitantes celestes. Nunca vi alguém enfeitado com vestido semelhante, nem a própria Divindade em Sua Luz impenetrável. Como poderei, surgindo da minha baixeza, ser capaz de aceitar e finalmente usar esta veste de fogo? Não terei coragem. O mais abjecto do inferno não pode entrar em união repentina com o mais elevado do Céu. Para tal necessita de muito tempo, a fim de meditar acerca da minha acção maldosa e procurar sair dela. Considera ser eu a base de todo mal e julgamento. Quão longe estará a realização da minha conversão."
Diz Cado: "Tola. Conta os sóis no Espaço Infinito, os planetas que não raro giram aos triliões, quais átomos ao redor de um Sol Central, longe de ser o principal Sol desta categoria. Soma os grãos de areia de um pequeno planeta. Junta-lhe as partículas atómicas a navegarem no éter, carregando a luz de uma eternidade para outra. Tudo isso é apenas a matéria surgida através do teu julgamento. Quanto tempo não necessitarias para contar e meditar até que tivesses analisado a causa de cada átomo, a fim de te livraras da sua influência! Tal hipótese é simples
tolice. Faz o que te aconselho para a tua libertação e para te tornares agradável à Divindade Omnipotente, encarnada em Jesus."
Diz Minerva: "Reconheço teres razão. Entretanto não pronuncies mais aquele nome insuportável. Não posso dizer-te a razão; o facto é que ele me queima mais que todo o fogo do inferno."
Diz Cado: "Eis outra tolice da tua parte. Justamente neste Nome é possível conseguirmos a verdadeira salvação. É preferível ele ser por ti louvado a ponto de venceres todo o mal em teu coração, triunfando sobre as tendências que te levaram à apostasia da Divindade."
Diz ela: "Tu podes falar facilmente; considera apenas quantos milhões de seres padecem no pior sofrimento, por minha causa. Como poderia ser feliz sabendo da sua desdita? Achas que eu deva brilhar nesta veste enquanto eles continuam infelizes? Não, isso não pode ser."
Diz Cado: "Preocupa-te com outra coisa. Desde que Deus Se tornou Homem, creditou a Criação material em Seu Próprio Nome. Facilitou ao homem livrar-se de ti, entregando-o à própria consciência. Todo o Cosmos pousa nos ombros de Deus e das criaturas livres. Tu de há muito não tens contas com Deus; por isso, faz o que te disse, que serás inteiramente livre."
NovasobjecçõesdeMinerva.Penitênciae conversão.
Miklosch continua: "Diz Minerva: A Divindade impôs uma espécie de penitência para o perdão das culpas, sem a qual nenhum homem, muito menos um diabo, consegue a bem-aventurança. Fui até então a causa de todos os pecados e um alicerce do julgamento e da morte. Como tornar-me livre e feliz, sem penitência? E além disso, — poderia praticá-la nesta veste luminosa? Arranja-me outra que sirva para a minha mortificação."
Diz Cado: "Seria deveras interessante tu fazeres penitência! Que entendes disso? Presumes que uma veste de crina perfaça a mortificação? Ou acreditas ser preciso empreender um ritual católico para alcançares a remissão das tuas faltas? Quiçá pretendes fazer confissão plena, pagar milhares de missas e comungar, a fim de exterminares dentro de ti todos os teus pecados? Na Terra, não longe do meu vasto território de assaltos, existia um claustro franciscano, muito mal construído, entretanto prestável para abrigar algumas dúzias de sujeitos preguiçosos que se chamavam frades. Deles ouvi tal tolice de uma penitência agradável à Divindade e indispensável à bem-aventurança. Numa ocasião propícia eu lhes apliquei uma nova espécie de mortificação e presumo que aqueles assassinos do espírito dela tiraram maior proveito do que os pobres
coitados que seguiram as suas ordens. Eu, muito embora como tu, considero verdadeira penitência a criatura deixar o mal de livre vontade, sujeitando-se à Ordem Eterna de Deus, querendo estritamente aquilo que reconhece ser da Vontade do Pai. Se assim agires dentro da tua vontade organizada na Ordem Divina, farás justa penitência. Veste de crina, cinza, confissão plena, comunhão e milhares de missas fazem parte das maiores tolices humanas, porquanto não melhoram, mas tornam a criatura cada vez mais negativa. Só poderá melhorar através da sua própria vontade.
Bem que o compreendes, dotada de sabedoria que és; desiste de quereres algo a teu gosto, une a tua vontade à minha que te livrarás do teu próprio algoz, ou seja, a tua consciência. Enquanto me enfrentares com os teus desejos, levarás tempo para melhorar. Nunca foste isenta de sabedoria e conhecimento. Faltou-te somente boa vontade, razão pela qual te tornaste base para todo mal. Se alguém quiser tornar-se bom e nobre terá que fazer o mesmo que o jardineiro com o arbusto silvestre: corta-lhe a coroa, dá um talho no tronco, implantando um galho frutífero. Assim surgirá uma árvore nova e de bons frutos. O mesmo terás que fazer. Não te preocupes com a tristeza de perderes a tua coroa, pois alcançarás outra, muito melhor e sublime."
Diz Minerva: "Cado, és teimoso qual demónio verdadeiro, todavia sábio qual deus." Retruca ele: "De que me adianta, se além de mim ninguém pretende seguir-me? Falo a ouvidos surdos e faço encenação aos cegos. Tu me ouves como o profeta Balaão ouvia o seu burro, mais inteligente do que o dono, ignorante e tirânico. O animal sentia por que tinha de parar, enquanto o dono o maltratava. Se me consideras sábio qual deus, por que não fazes o que mando? Diante de ti se acha a veste mais rica e maravilhosa, emanando o seu brilho qual Sol Central para todo o Infinito! A Sua forte luz, destinada a penetrar o teu íntimo, projecta-se inutilmente. Por quê?"
Responde Minerva: "Já te falei anteriormente, mas tu me apresentas argumentos irrefutáveis. Contudo insisto não me sentir com mérito para vesti-la. Se tiveres coragem, cobre-te com ela e dá-me o exemplo. Além disso, — que aspecto terá o Universo, eu me adornando com ela? Qual a situação dos espíritos ainda encobertos pela matéria grosseira?"
Diz Cado: "Sabia encontrares outros subterfúgios. Que tens a ver com a Terra e os mundos? Deus saberá dar-lhes destino. Cabe-nos apenas a nossa atitude. Tudo o resto são factos desconhecidos até recebermos ordem do Alto para nos preocuparmos. De mais a mais, já te falei teres sido destituída de toda a influência nos mundos desde a Encarnação da Divindade, pela qual um segundo Adão tomou a Si todos os males, guiando tudo conforme manda a Sua Ordem Eterna. Tens de te preocupar apenas contigo. Põe o vestido e saberás o que fazer." Diz ela:
"Falas qual aluno de Salomão. Reconheço teres em parte razão. Serei vaidosa para satisfazer o teu desejo. Não me apresentes outro."
Minervadevestecelestial.Averdadeira liberdade.
Miklosch continua: "Minerva veste-se realmente e — mas isto não é suportável, Senhor! Seria impossível fitar-se prolongadamente tamanha beleza! As formas delicadas, o rosto de traços perfeitos. Não só isso, ela se torna cada vez mais bela. Não compreendo como podem Cado, Roberto- Uraniel e Saariel, suportar a sua presença sem perturbação. Mormente o primeiro. Bathianyi, toma o meu lugar, estou por demais perturbado."
Diz aquele: "Isto é impossível. Lancei apenas alguns olhares furtivos para lá e já me sinto desequilibrado. Prossegue, que deduzirei o que me interessa."
Diz o amigo: "Está bem. Agora, — oh! Os dois anjos se aproximam de Cado e Minerva e estes ficam perplexos da sua presença. Cado fita-os dos pés à cabeça e parece querer indagar qual a sua procedência. Neste instante ele afasta com a mão direita os cabelos da testa, toma atitude heróica e diz: "Quem sois e qual a vossa intenção? O demónio Cado exige resposta precisa."
Roberto adianta-se e diz: "Somos teus amigos dedicados e nos originamos espiritualmente tanto do Alto como de baixo. Observamos-te e te protegemos, do contrário não terias tido sucesso com a soberana de toda matéria. Como te achas no final da tua grande incumbência, aqui vimos para te felicitar, porquanto muitos espíritos mais poderosos do que tu, fracassaram em tal empreendimento. Caso precises dos nossos préstimos em algo justificável diante de Deus, estamos às ordens."
Responde Cado: "Agradeço pela ajuda e protecção proporcionadas em segredo; confesso, entretanto, que teria sido mais do meu agrado, se não o tivésseis feito. Bastam o Nome e a Força de Jesus; tudo o resto nada vale para mim, inclusive vós. Por isso, não posso fazer uso dos vossos préstimos, por ter confiança de sobra em mim mesmo. Peço-vos por tal razão que vos afasteis, de contrário agirei pela força. A minha amada Minerva ainda não está em condições de suportar hóspedes estranhos; quando tiver alcançado a perfeição, podereis voltar para vos regozijardes da sua convalescença. Adeus, amigos."
Intervém Minerva: "Cado, tendo vestido esta indumentária celestial, portanto cumpri tudo que exigiste, presumo ter direito para falar. Desejo e quero que estas duas entidades espiritualmente do Alto e da Terra, aqui permaneçam e me ajudem, caso necessário."
Opõe Cado: "Só se fará o que ordeno. Se concordasse, estarias perdida por muito tempo. Não te esqueças sermos diabos, obrigados a trilhar outro trajecto para a perfeição do que os anjos, já perfeitos. Por isso, amigos, fazei-me o favor de vos afastardes. Em vossa presença não poderei conduzir Minerva."
Diz Roberto: "Cado, não nos conheces, presumindo sermos empecilhos na execução do teu plano com Minerva. O que até então falaste e fizeste, — foi-te possível por nossa causa. Deus, o Senhor, cujo Nome seja louvado, proporcionou-nos força e poder necessários para tanto. Se tivesses que enfrentar completamente só, Minerva, de há muito terias sido sua vítima. Falaste tudo através da nossa intuição; abençoamos e fortalecemos essas pedras que usaste como armas, e impedimos o crescimento do mar de fogo, a fim de que encontrasses abrigo neste monte enquanto os teus adversários foram aniquilados nas ondas do Mar da Ira Divina. Se assim é, como poderíamos ser empecilhos no futuro prosseguimento do teu plano com Minerva, bastante melhorada? Pelo contrário, seremos úteis em tudo que for necessário, uma vez que somos os reais empreendedores da tua tarefa.
Por isto ficaremos algum tempo contigo, a fim de fazeres independentemente o indispensável para o desfecho. Muito embora continuemos a postos, o nosso conselho será aberto e uma acção somente efectuada a teu pedido para a tua libertação e de Minerva. Se continuássemos a influir secretamente não poderias tornar-te livre e feliz, sendo apenas instrumento em nossas mãos. Agora libertamos o instrumento das algemas do julgamento, para proporcionar-lhe livre acção e desenvolvimento próprio perante Deus. Por tal motivo, o instrumento, se bem que prestável, porém fraquíssimo, terá de reconhecê- lo e determinar a sua própria conduta para em breve alcançar a verdadeira liberdade. Assim seja, em Nome de Jesus, Deus Único de Céus e mundos."
Aquiesce Cado: "Então ficai, pois tenho que agir livremente para libertar-me de qualquer jugo. Quanto a Minerva, anteriormente a favor da vossa permanência, não posso responder."
Diz ela: "Não retrocederei. Mas estes dois patifes celestes, têm que desaparecer, pois não agiram honestamente comigo. Se ficarem, nada mais farei em teu favor."
Diz Roberto: "Não faças isso, Minerva. Iremos tão logo nos proves termos feito algo de prejudicial. Terás de confessar ter sido a nossa acção benéfica pelo Poder de Deus, em acção dentro de nós. Libertamos-te das presas do inferno, fazendo com que se calassem aos poucos em teu coração, onde reside o gérmen de todo mal e todos os infernos. Medita sobre isso e te recorda das eras pavorosas onde passaste os piores
sofrimentos, em virtude da tua obstinação, — a nossa presença dedicada ao teu futuro bem-estar não te será desagradável."
Diz Cado para Minerva: "É isso mesmo. Faz isto que tudo sairá bem. Eles ficarão com a minha ordem. Terás alguma objecção a fazer?" Responde ela: "Como não? Ordenas por eles te obrigarem." Protesta Cado: "Enganas-te muito. Não me deixo forçar por ninguém. Se for obrigado a assim agir, não te poderás opor à minha vontade, por ser ela a Vontade de Deus. Portanto, fica naquilo que eles determinaram e eu acabo de mandar. Ouviste?"
Responde ela: "És grande na teimosia e sabes torcer a situação de forma tal, a nada perderes do teu prestígio, de certo modo, roubado. Eu, primogénita de todas as criaturas, terei que pedir-te alguma consideração. Seja como for, sujeitar-me-ei externamente por ser muito fraca para enfrentar-te numa luta. O meu íntimo me pertence e de agora em diante te amaldiçoa e aos teus amigos, amém! Sabes interpretar este amém?"
Responde Cado: "Oh, sim. Tenho inteligência para tanto — e algo mais. Quando o teu exterior for bastante triturado, o teu íntimo se inclinará àquilo que quero dentro da Ordem Divina. Para tanto expresso o meu irrevogável amém."
Declaraçãodeamorde Minerva.
Miklosch prossegue: "Nisto aproxima-se Saariel e diz: "Também me assiste direito de pronunciar o meu amém; entretanto não o faço porque todo o "amém" contém julgamento . Por isso vos aconselho retirardes o vosso. Ninguémtemaprerrogativadefazê-lonumassuntoque não
estejadeacordocomaOrdemDivina.Sónestahipóteseéadmissívelo amémporseraVontadedeDeusaBasedetodosossereseseuvaloramáximaliberdade,tãologoaaceiteespontaneamente. Qualquer amém é julgamento, morte e inferno, produzindo orgulho, altivez, desprezo e
despeito de tudo que seja verdadeiro, bom e divino. Constrói cárceres, forja algemas e incendeia o fogo da perdição. Retirai portanto o vosso amém e aceitai o verdadeiro e eterno de Deus. A partir daí estareis livres do inferno, ainda em plena função dentro de vós, qual fogo num vulcão."
Diz Minerva a Cado: "Ouviste, sabichão convencido? Eis palavras de bálsamo celeste sobre as quais se pode construir. Nas tuas, sem base e fim, nem é possível erigir um castelo no ar. Segui as tuas insinuações por apresentarem uma boa finalidade. Quanto mais reflectia, notava seres apenas aventureiro com algum poder, útil somente para realizar as tuas fantasias. Guarda a tua sapiência e as pedras, pois não foram elas que me
venceram, mas sim estes dois mensageiros. A eles cabe todo o louvor e honra. Saariel, sou tua! Um prémio que mereceste!"
Diz Saariel: "Bela coroação de toda a beleza externa! Nem eu, nem Uraniel e Cado, temos o direito a prémios, porquanto somos simples servos no plano sábio do Senhor e instrumentos em Suas Mãos. Ainda que tivermos feito tudo, nada mais seremos que servos inúteis. Se dermos a impressão de fazer algo, é somente Ele o Realizador de tudo. Tu, como nós todos, somos do Senhor, um prémio que Lhe compete, de acordo com o grau da nossa humildade e amor para com Ele. A nós, só cabe o que nos oferecem o Seu Grande Amor, Graça e Misericórdia. Não te entristeças por não poder aceitar-te como prémio, muito elevado para o meu pequeno esforço, porquanto pertences unicamente ao Senhor, Deus, Jesus, Jehovah Zebaoth. Caso Ele Mesmo te prender a mim devido ao Seu Amor Imenso, — aceitar-te-ei com o máximo respeito. Agrada-te isto, maravilhosa portadora de luz?"
Diz Minerva: "Magnífico Saariel! A tua humildade e modéstia quase ilimitadas, levam-me a patentear-te justa admiração, pois a doçura do teu discurso celeste fluiu qual mel no meu peito sensível, inspirando apenas amor para contigo. O teu rosto de adolescente irradia rigor divino, porém amável. Toda a tua natureza transborda de nobreza celestial. Que harmonia perfeita ilumina, qual estrela da Alva, todos os teus membros! Confesso amar-te acima de tudo, e caso não me dediques o teu afecto serei o ser mais infeliz do Universo. Olha-me. Também sou bela. Mas infelizmente, não sou boa. Talvez possa ficar tão boa quanto bela, com a tua ajuda. Com prazer te ofertaria o coração mais puro — caso fosse meu. Aceita-o como é e dá-lhe oportunidade para se tornar nobre. Não rejeites a minha proposta, baseada no primeiro amor do meu ser eterno."
Diz Saariel: "Maravilhosa Minerva. A tua existência é pelo cálculo terreno, muito longa, — mas não eterna. Não existes desde o princípio. Só Deus é eterno. Todos os seres Nele tiveram o seu início. Todos nós, seres incontáveis, permaneceremos eternamente, sem contudo, existirmos desde eternidades . Ainda que um de nós possa contar mais alguns decilhões de anos terráqueos, longe está de ser eterno. Exageraste um pouco no teu zelo; mas não importa. Se além disso, sentires realmente um afecto sincero para comigo — do qual duvido — posso desconsiderar os teus exageros poéticos. Aceito o teu amor, sob uma pequena condição: acompanha-me junto do Senhor, levando também o amigo Cado. Se
fizeres isso, estaremos quites."
Responde Minerva: "Essa condição é simplesmente impraticável. Que pensas, — eu me encaminhar para o Senhor do Universo e levar Cado, que odeio acima de tudo? Impossível! Antes disso, terás o trabalho de purificar e enobrecer o meu coração. Só então poderás estabelecer condições desta ordem. O pronto cumprimento da tua cláusula não
constituiria honra tua perante Deus, porquanto darias testemunho de pouco respeito ou ignorância da tua parte, factor inadmissível tratando-se de ti. Sugiro me aceitares incondicionalmente. Compra o gato no saco, que serás bem servido."
Responde Saariel: "Isso será difícil porque ainda abrigas em teu coração muita coisa sujeita ao julgamento, que poderá ser amenizado desde que te submetas à nossa vontade, equilibrada em Deus. Se a tua vontade se submeter à Vontade de Deus, poderás pedir-me o que quiseres que tudo será feito. Por ora isso é impossível. Se fizéssemos o que pedes aceitaríamos o teu julgamento, aumentando-o e endurecendo- o, enquanto nos cabe amenizá-lo e diminuí-lo.
Seria o mesmo que dois poços, juntos; um, com água cristalina, outro, cheio de lodo. Conduzindo bastante água do primeiro para o segundo, com o tempo este se purificaria e no final seria idêntico àquele. Agindo inversamente, ambos ficariam poluídos. Acaso alguém lucraria com tal manobra errada?
Dei-te um exemplo palpável e por ele deduzirás por que razão deves permitir, em teu próprio benefício, que a água da nossa vontade venha fluir na tua. Faz o que queremos e tornar-te-ás pura e plena de água potável. Afirmaste há pouco ser o teu desejo, purificares-te por mim. Para tanto, terás que seguir o meu conselho, em Nome do Senhor e de todos os Céus."
Após ensinamento tão simples e sábio, Minerva cala-se e parece procurar um meio de se livrar do grupo que se lhe torna incómodo. Cado, percebendo-o, vira-se para os dois mensageiros e diz: "Caros amigos, muito embora como demónio, não mereça levantar os meus olhos para vós, plenos da Verdade e Sabedoria de Deus, ouso observar nada conseguirmos com esta serpente. A sua astúcia maldosa sobrepuja os limites da minha compreensão. Não cogita ingressar numa situação melhor, assim como nós não pretendemos aderir ao seu julgamento. A sua vontade diabólica continua a mesma. Aparentemente aceita a nossa vontade, entretanto faz tudo para nos meter no saco. Nada feito, Satanás. Conhecemos-te a fundo."
Minervajustifica-secomopolo negativo.
Miklosch continua: "Diz Minerva: "Cala-te, idiota. Que sabes daquilo que me compete fazer? Julgas cuidar a Ordem Divina apenas da polaridade positiva de coisas e seres? Arménio ignorante! Acaso a polaridade negativa não tem que ser desenvolvida na medida da positiva? Não é a vida, luta constante entre ambas? Experimenta cortar as
raízes de uma árvore para verificares a sua produção. Se a força positiva do sangue é reconduzida ao coração e de lá, novamente impelida por uma outra, negativa, caso a vida deva perdurar, qual das duas é mais vantajosa, a de atracção ou a de repulsão? Vês que proferiste grande tolice? Subentende-se ser necessário a negativa continuar sujeita à positiva, de onde ela surgiu; a água pura terá que sanear a impura, e não inversamente. Isto tudo faz parte da Ordem Divina. Se Roma não fosse tão cega e ignorante, a humanidade não clamaria pela luz. Assim, eu também sou de Deus e continuarei deste modo, como tu, um asno em toda a eternidade."
Responde Cado, lacónico: "Princesa da ignorância, extraída de todas as estrelas! Pretendes explicar-me a necessidade das forças positiva e negativa? Teria que me envergonhar caso aceitasse tal sugestão. Responde-me: Acaso é Deus uma Força Total ou dividida, sem ti? És tu necessária, para que Ele exista? Ou poderia subsistir sem ti, conforme fez durante eternidades? Criatura inútil, queres convencer-me da necessidade do mal para justificar o bem? Em que se baseia o puro Amor, Bondade e Omnipotência Divinas? Porventura teria a Divindade que ser má, a fim de que Se tornasse boa? Desta sapiência riem-se todos os Céus. Consta ter surgido Minerva, fabulosa, da cabeça de Júpiter. Por certo não és tu a mencionada. A tua veste brilha qual Sol, mas que adianta, se oculta um ser extremamente tolo? Contigo aplica-se o provérbio: Nem tudo que brilha é ouro. Por que não segues o conselho de Saariel, a quem fizeste tantos elogios, e agora pareces odiá-lo como a mim? Ponto central de toda maldade! Conheço-te a fundo e saberei domesticar-te. Não poderás fugir, tampouco voltar à antiga forma diabólica devido à veste radiosa. Que farás?"
Diz ela: "Sinto repugnância ao falar-te. Presumes que eu não possa executar os meus planos nesta veste, tanto quanto na pele de dragão? Fica sabendo: precisamente agora, mostrarei o que posso fazer. Ainda disponho dos meus regimentos, mormente os da hierarquia romana, e deles me servirei. Então verás o meu poder. Surgirão inquisições, forcas, patíbulos e antigas fogueiras, desempenhando um papel cem vezes pior que anteriormente! Os regentes castigarão os seus súbditos com açoites incandescentes, fazendo-os enforcar aos milhares! Daí deduzirás o que consigo, sem pele de dragão!"
Diz Cado: "Acrescento: Até aqui e não mais além! Concluíste a tua confissão, denunciando em tua grande tolice os teus planos "humanitários". Óptimo. Trabalhaste bem. Não necessito dizer mais nada. Saberemos fazer o que nos cabe."
Acrescenta Roberto: "Já foram tomadas as medidas secretas. Desta vez Satanás determinou a sua própria destruição. O seu prémio será tremendo."
Intervém Saariel: "Caros amigos, não vos agiteis por causa deste espírito incorrigível. O seu poder principal foi-lhe, tirado e pouco poderá conseguir pela aparente força. Esta serpente primitiva, ainda aplicará muitas picadas venenosas. A sua acção, entretanto, será interceptada para sempre. O Próprio Senhor virá junto dos mortais para impedir que prossiga em sua maldade. Agora poderá fazer o que quiser. Quanto mais perverso o início, tanto mais rápida terminará a sua obra tenebrosa. Basta de trabalharmos no inferno; iniciaremos a volta para o Senhor e os nossos queridos irmãos. Ela ficará abandonada sem encontrar tolos para os ridicularizar. Levanta-te, Cado. Deus te concede a Sua Graça, porquanto transformaste a tua maldade em obras de bem e justas. Acompanhar-nos- ás junto do Senhor, que te facultará grande poder para vigiares o inferno. Minerva continuará sujeita a ti, por a teres vencido com a arma da Justiça Divina. Vem e caminha em nosso meio para junto do Pai."
Esbraveja Minerva: "Ah, é? Eu, a pérola do Universo, serei por vós abandonada sem mais nem menos, como se enxota uma rameira? Bonito! Anteriormente souberam tentar-me, ao ponto de me aproximar de vós. Agora, quando deveríeis ter alguma paciência com as minhas fraquezas, quereis abandonar-me julgando ser eu incorrigível. Isso não se faz! Sou capaz de regeneração como talvez não haja outra entidade. Mas somente triunfará quem manifestar a devida paciência e o justo amor. Fiquei pobre e desamparada e sempre se fala de mim com desprezo. Acaso não se justifica a minha desconfiança contra todos, se o resultado sempre foi este? Em todos os tempos me fizeram promessas para eu voltar a Deus. Quando bem próxima da regeneração, os doutrinadores me abandonavam, entregue ao meu destino. Fazei o que quiserdes; também saberei agir. Cado, se pretendes ficar, serei a tua companheira. De modo algum seguirei esses dois."
Minervacontinuadiscutindo.Bathianyicainoerroda contestação.
Diz Cado: "O que fiz até então não foi minha obra, e sim a destes excelsos amigos de Deus. Onde chegaria, enfrentando-te sozinho, quando és por demais poderosa para mim? Faço de bom grado o que eles de mim exigem. Tudo te foi dito. Recebeste tantos ensinamentos e advertências quanto há mundos no Espaço Infinito. Tudo foi inútil. O teu orgulho desvairado não admite a sabedoria radiosa dos inúmeros mensageiros. O teu lema é: Domínio exclusivo sobre todos os Céus, infernos e matéria. Queres três coroas, três ceptros e três espadas. E eu, pobre diabo, deveria continuar contigo, prosseguindo em tentativas de conversão, já externadas, para no final ser devorado qual lebre pela cobra. Isso nunca!
Prefiro a companhia dos dois anjos. Querias a tua liberdade. Agora a tens, podendo usá-la à vontade. Estamos convictos de não fazeres boa coisa; no entanto, também sabemos que hás-de cavar a tua sepultura eterna por não quereres acompanhar-nos, exigindo de nós o que temos direito de reclamar de ti: a tua libertação."
Diz Minerva: "Então peço permanecerdes mais um pouco e tentardes a minha conversão. Não me falta vontade."
Diz Saariel: "Certo que não — mas que vontade é essa? Ainda assim, satisfaremos o teu pedido e agiremos por mais alguns instantes com a maior paciência. Se não te modificares, serás abandonada para sempre."
Pergunta Minerva: "Então peço-vos para dizerdes claramente o que devo fazer para me libertar diante de Deus e da Criação." Responde Saariel: "Para tanto basta continuares como és, pois és livre desde a tua origem. A questão é se queres realmente tornar-te livre — em Deus, o Teu Criador e Senhor? Sabes tão bem como nós qual a Tua acção para esse fim. O meu conselho é: Age de acordo. Amolda a tua vontade e acção como nós, que alcançarás o que prometemos em Nome do Senhor. Não o querendo, a nossa paciência foi inútil."
Diz Minerva: "Quer dizer que eu teria primeiro de me tornar escrava para em seguida entrar numa liberdade: aparente? Será difícil, porquanto no meu íntimo manifesta-se uma tendência pronunciada contra qualquer submissão. Não haverá outro meio?"
Responde Saariel: "Assim como existem apenas um Deus, uma Ordem Divina e uma Verdade, há igualmente um só caminho justo que leva a Deus e à liberdade eterna. Quem; não quiser palmilhá-lo estará sempre longe do Pai, da Sua Ordem, Verdade e Liberdade. Quem não se libertar na Verdade Única desde Eternidades em Deus, ficará como tu, escravo miserável para sempre. Agora decide-te se queres acompanhar- nos para junto de Jesus, o Senhor."
Responde ela: "Bem que o quisera, mas por ora não me é possível. Esforçar-me-ei para tanto, se tiverdes um pouco de paciência." Diz Saariel: "Está bem. Cederemos ainda nesse ponto. Agora domina o teu orgulho."
Prossegue Miklosch: "Vede só, como esta criatura se porta e vira os olhos como se realmente tencionasse sua regeneração. É por demais astuciosa."
Diz o Conde Bathianyi: "Com esta criatura nada se consegue. Uma tríplice coroa no coração e na cabeça não trazem humildade. Tampouco eu voltar a ser conde na Terra — ela melhorará. De que adiantaram todas as polémicas? Cado e Minerva acham-se no mesmo ponto de partida. Usou a veste radiosa, aumentando o seu orgulho e vaidade dominadora. Até mesmo um Papa cederia mais facilmente a uma sugestão qualquer,
do que este genuíno anjo do mal. Talvez fosse melhor bani-lo para um local qualquer e não mais nos incomodarmos com ele."
Obtempera Miklosch: "Entreguemo-lo ao Pai que saberá melhor o que fazer com esta entidade estranha. O caso em si é muito interessante: primeiro, pela enorme paciência do nosso queridíssimo Pai. Segundo, em virtude da maneira especial de Minerva conseguir escapar no momento preciso da conversão. Somente não compreendo como pode ser tão linda, tendo carácter tão maldoso. Todavia, temos o mesmo facto na Terra. Os irracionais mais bonitos, são geralmente traiçoeiros; as flores mais deslumbrantes, venenosas, e as mulheres mais vistosas de carácter duvidoso. Entre todas as instituições religiosas a católica está na vanguarda quanto à beleza e pompa externas, e no interior é sem dúvida a pior. Parece-me que precisamente na forma perfeita da beleza externa reside o traço primordial da atitude infernal!"
Diz Bathianyi: "Tens razão. Os países mais belos são comumente habitados pelos piores povos e animais, onde a selva viceja em abundância. Nos palácios deslumbrantes moram as criaturas fisicamente opulentas, mas qual a sua índole? Toda a aparência de brilho excessivo é geralmente diabólica."
Concorda o general: "É isso mesmo. Quanto maior o número de condecorações na farda, tanto maior o de homens aniquilados em tempo de guerra. Elas enfeitam o militar, no entanto prejudicam a consciência, caso exista. Eis outra forma da apresentação satânica."
Conjectura o conde: "Nem sempre isso se dá; também existem homens que conquistaram suas condecorações de modo honesto. Nunca liguei a tais coisas, inclinando-me para os americanos. Presumo ser melhor mantermo-nos no meio. Nem oito, nem oitenta."
Diz o general: "Ambos temos razão. Não considero um peito condecorado. A sua maior jóia é e será sempre o amor puro e verdadeiro a Deus e ao próximo. Onde falta este, todas as insígnias honrosas perdem o seu valor. Se o Próprio Senhor disse: Se tiverdes feito tudo, confessai serdes preguiçosos e inúteis! — Como permitir que sejamos condecorados? Presumo não haver objecção à Palavra Divina."
Diz o conde: "Sim, sim. É lógico não haver direito de justiça sem amor." Aparteia Miklosch: "Noto que começais a discutir diante do Senhor e único Juiz, por somenos importância. Perguntai-Lhe e Ele vos dirá qual de vós tem razão. Quem no Reino de Deus pretender iniciar uma disputa, cometerá a maior incoerência."
RetiradateatraldeMinerva.OSenhorrecebe Cado.
Interrompo: "Alto! Nada de excessos e altercações. A parturiente não pode ser perturbada durante o parto. Afirmo-vos estar a colheita madura, e os ceifeiros a postos. Vejo na Terra grande miséria e Satanás quer castigá-la com treva decuplicada. Desta vez — a última — não acertará o seu alvo. Maldito seja o seu esforço! Atenção, Miklosch! Cada passo de Satanás será de grande importância, mas temporário para a Terra, local de provação dos Meus filhos."
Miklosch volta-se para o cenário e diz: "Oh! Coisa tremenda! Minerva se enfurece e exige uma espada para lutar na Terra contra a descrença e a heresia. Saariel, porém, aponta a língua, dizendo: "Se esta espada viva não frutifica, toda e qualquer outra é inútil. A arma viva ligada ao coração actua para a Eternidade, pois o Senhor falou: Céus e Terra desaparecerão; as Minhas Palavras, jamais! — Se as tuas intenções forem honestas, procura agir com palavras e desiste da espada. Pretendendo pregar por meio dela, ela será o teu fim irrevogável. Inclina- te à paz; de contrário o teu tempo será breve."
Esbraveja Minerva: "Quero uma espada; aconteça o que acontecer! Dai-me uma espada. Quero varrer a Terra com violência, de hoje para amanhã." Diz Roberto: "Pois bem, toma uma espada! Faz uso dela com equilíbrio e consciência. A recompensa seguir-te-á nos calcanhares." Ele passa-lhe a arma, que ela arranca-a das suas mãos. Ri com escárnio diabólico, dizendo: "Há! Isto é de cartão ou de chumbo? Acaso apresenta o símbolo do vosso poder, força e solidez?"
Diz Roberto: "Não, querida. É bem o emblema do teu poder. Vai, miserável. Luta e conquista a vitória indigna. Se quiseres acompanhar- nos, o caminho está aberto. Que farás, Hércules, na eterna encruzilhada?"
Responde ela: "Lutarei com esta arma." Diz Roberto: "Pois bem. Desta vez, a última peleja ser-te-á permitida, por tua conta. Agora basta de contendas com Satanás. Sigamos. O Senhor te julgue de acordo com a Sua Vontade."
Prossegue Miklosch: "Satã desaparece de repente! E os três espíritos se dirigem com rapidez para nós. No mesmo instante Saariel aproxima-se de Mim, curva-se com respeito e diz: "Senhor, Pai Amoroso e Santo! Parti, em Teu Nome, com Roberto-Uraniel, a fim de lhe mostrar um vislumbre da Tua Glória Infinita. Ele viu a sua pátria original (Urano) com grande alegria. Lá todos louvam o Teu Santo Nome. Na volta, o Teu Espírito Santo nos conduziu a um grande acontecimento, da máxima importância para todos os Céus e a pequena Terra, local do nascimento dos Teus filhos. A cena foi obra diabólica contra Ti e os Teus Céus. Satã se enfeitou, tornando-se de beleza celeste para atrair os Teus Céus.
Aqui, porém, está um espírito forte, bom e mau, criatura estranha. De livre vontade ele atirou o desafio à soberana radiosa do inferno, lutando com ela como o Teu filho Davi, contra o gigante Golias. Dominou
qual mestre o seu exterior; o seu íntimo, continua o mesmo. Este intrépido espírito se chama Cado. Assim voltamos enriquecidos para junto de Ti, Senhor. Não suplicaremos que o aceites em Teu Reino, porquanto a Tua Bondade e Amor Infinitos, de há muito o fizeram. Queremos, apenas, manifestar a nossa imensa alegria por nos teres deixado encontrar um irmão tão querido. Rendemos-Te louvor, amor e honra."
Digo Eu: "Meus caros, transmito-vos igualmente todo o Meu Carinho. Ele já estava perdido. Uma fagulha ainda existente, tornou-se viva pelo padecimento produzido pelo chefe terreno. Isso salvou o seu coração e lhe deu grande força, com a qual Me prestou valioso serviço, espontaneamente. Em compensação receberá grande prémio e se tornará mestre na luta contra o inferno.
Meu querido Cado, aproxima-te de Mim. Tenho a dar-te coisas importantes." Ele se achega de Mim, curva-se e diz: "Senhor, tinha outra ideia da Tua Pessoa. Nesta simplicidade tornas-Te mais Atraente, despertando em mim uma alegria enorme. Sempre desejei que a Divindade fosse simples, embora respeitável. As minhas fracas forças, Senhor, estão ao Teu serviço. Não me deixes sem actividade. Que será de Minerva? Não conviria tentar outros meios de conversão? Da maneira que está, provocará muita infelicidade na Terra."
Digo Eu: "Não te preocupes, Cado. Desta vez cairá na armadilha, ela e seus afins. Entrementes faremos outra coisa."
ReencontrodeRobertoe Helena.
Digo Eu: "Roberto, vem cá. Aquela a quem amas, repousou em Meu Peito durante a tua ausência. Enriqueceste em grandes experiências. Pergunta-lhe quais foram as conquistas dela nesse importante período. Penetraste nos Meus Céus, — Helena penetrou profundamente nos grandes segredos do Meu Amor. Qual dos dois terá feito maiores progressos referentes às experiências espirituais?"
Responde Roberto-Uraniel: "Ó Senhor, certamente foi ela; pois quem se abastece na Fonte Original recebe a luz pura da Vida. Quem é obrigado pela Tua Ordem Santificada a estudar nas vastas projecções do Teu Amor, Sabedoria e Poder, os Milagres da Tua Misericórdia, — sorve a Tua Graça apenas em gotas, enquanto Helena assimilou, em largos haustos, rios inteiros da Tua Luz Original. Um simples momento de visão imperturbável em Teu Coração, revelou-lhe mais do que a mim em milénios, num visível afastamento de Ti. Como poderei apresentar-me perante ela?"
Digo Eu: "Não te preocupes. Alguém se casando na Terra, a mulher será alvo da maior simpatia se, além dos dotes espirituais, também tiver bens terrenos. Assim sendo, por certo não será do teu desagrado ser a tua esposa, ricamente agraciada com um tesouro recebido de Mim, que vos suprirá por uma Eternidade. O tesouro dela consiste em uma plenitude inestimável de amor; o teu, na maior sabedoria.
É bem verdade teres sido alimentado a gotas, enquanto ela sorveu torrentes, mas se deitares uma só gota na plenitude do seu amor, surgirão inúmeros milagres, criaturas e obras, de sorte a jamais poderes saciar a tua visão. Então começarás a vislumbrar, admirar e adorar mais e mais o Meu Poder, Imensidade, Amor e Sabedoria. Tudo o que até então sucedeu contigo, foi apenas o preparo do que iniciarás.
Primeiro viste a tua habitação externa, que muito te agradou. Ao penetrares na primeira sala o teu prazer cresceu porquanto achaste companhia, se bem que bastante rude, mas que correspondia ao teu interior. À medida que este se tornava mais claro e aconchegante, o aspecto ia-se transformando. Abriu-se então outra sala, o grande refeitório, onde tinhas que organizar as mesas, causando-te grande embaraço. Em seguida, penetraste na terceira, denominada "Museu". Lá ficaste conhecendo, num vasto âmbito, todas as tuas faltas e o gérmen da morte, cabendo-te penetrar na base do inferno (desde a tua origem), para te purificares. E ainda te encontras no mesmo museu, diante de Mim.
Por ora não podes permanecer aqui. Por isso nos dirigiremos ao grande tesouro onde verás as preciosidades que receberás junto com Helena, como dote Meu. Chama a enorme assembleia para que nos acompanhe ao tesouro. Antes cumprimenta Helena, a tua esposa celeste." Roberto o faz com ternura especial, e ela lhe estende a mão carinhosa. Comovido, ele exclama: "Ó Helena minha, como és sublime, — e eu, tão pequenino diante de ti."
Diz Helena: "Querido, perante Deus, o Senhor, Pai pleno de Amor puríssimo, não existe algo grande ou pequeno, pois tudo é apenas a Sua Obra. Determina uma finalidade diversa a cada uma. Esta sendo divina, o meio pelo qual é alcançada é bom. Ambos somos um instrumento na Mão do Amor Divino, portanto, nem grande, nem pequeno; deixemos os elogios e juntemo-nos na mesma finalidade. A tua Sabedoria deve desposar o meu amor amadurecido em Deus. Nesta união seremos um casal verdadeiro no Céu, podendo viver e agir dentro da Ordem Divina. Não concordas ser isso melhor do que nos cansarmos com elogios fúteis?"
Responde Roberto: "Irmã adorável em Deus, o Pai e Senhor, esposa do meu coração. Estás muito certa. Como as tuas palavras me tornaram feliz, pois vi o espírito do amor divino e puro afluir ao meu coração! Que êxtase sublime invade o meu peito. Meu Deus, inúmeras bem- aventuranças se me deparam! Quais não serão os tesouros que se
apresentarão aos meus olhos?" Comovido, ele abraça Helena e dá-lhe um beijo na testa. Eu os abençoo de novo e relembro que ele deve chamar a todos.
Amaiorgratidão.Directrizesde Roma.
Enquanto Roberto se dirige à assembleia, o Padre Cipriano, deixando a companhia de Dismas e do Padre Thomaz, aproxima-se e diz: "Senhor, o entreacto infernal durou longo tempo e não foi muito interessante. O melhor de tudo foi que, pelo afastamento de Satã desapareceu também aquela imagem dentro de mim. Eu, Dismas e Thomaz aplicamos o mesmo exorcismo feito por Cado em Minerva. Agora estou isento de tudo que em mim tinha influência romana, como: avareza, inveja, cobiça, tendência de domínio e altercação. De consciência leve e tranquila estou diante de Ti, Senhor, e peço que me abençoes. Confesso ser isto atrevimento. Tendo cumulado Roberto de tantas bênçãos, por certo levarás em conta a minha atitude."
Digo Eu: "Como não; entretanto o teu pedido chega atrasado, pois já te havia abençoado." Diz o Padre Cipriano: "Neste caso, chegou a minha vez de agradecer-Te à altura."
Respondo: "Isso também já foi feito, porquanto leio em teu coração o agradecimento mais valioso e agradável. Por que acrescentares outro, de menor valia?" Diz Cipriano: "Senhor, como pode uma acção minha quase inconsciente ter mérito para Ti?" Respondo: "Pelo facto de se enquadrar no Meu Ensinamento Evangélico, onde a mão esquerda não deve saber o bem feito pela outra, em Meu Nome. Ainda julgas ser preciso que se Me apresente a gratidão à moda romana, com estrondoso repicar de sinos, cânticos imponentes, hinos em latim, órgãos e trombetas? Amigo, tudo isso é um horror para Mim. Quem quiser agradecer-Me com justiça, que o faça no coração de modo tal que o seu intelecto elevado seja apenas simples operário numa obra de mestre. Gratidão nestes moldes já foi por ti externada. Se eu estou satisfeito — que mais haverias de querer?"
Diz Cipriano: "És demasiado Bom e Misericordioso por considerares os pensamentos do coração como algo de meritoso. Todo louvor, amor e honra são Teus! Organizas tudo e conduzes os Teus filhos pelo caminho certo, impedindo a sua futura queda. Encontrava-me em grande erro e o meu coração batia com imensa tristeza; entretanto, não permitiste que viesse estarrecer em sua treva, a ponto de não mais poder pulsar por amor a Ti.
Os acontecimentos na Terra são tenebrosos, todavia se justificam por Tu os permitires. É preciso o joio amadurecer e as suas raízes se tornarem secas a fim de que possam ser destruídas totalmente. Tanto o bem, quanto o mal têm que se externar, para que o perverso possa ser reconhecido e condenado. Uma pedra jamais atirada ao ar não poderia cair. Se permites aos padres se elevarem mais e mais, a sua queda também será certa.
O mais pronunciado mal na Terra é o actual sacerdócio romano, elevando-se sob a máscara da beatitude. Tão logo as suas asas orgulhosas atinjam o tecto dos Teus Céus, elas serão queimadas pelo fogo celeste, concretizando a sua ruína, incapaz de nova ascensão. Tal destino não deixa de ser doloroso; entretanto, é um benefício e atinge a meta prevista.
Eu na Terra andava errado, mau e perverso diante de Ti. Subi e subi, para depois cair tanto mais profundamente. Só então vieste, Senhor, e me ajudaste fazendo de um demónio, um homem de acordo com a Tua Medida. A Tua Misericórdia é Infinita; o Teu Amor e Graça preenchem o Universo. Fazes com que o simples seja humilhado para se tornar perfeito, podendo aproximar-se do Teu Coração. Aos importantes no mundo elevas e lhes preparas a queda, a fim de que reconheçam a futilidade dos seus esforços. Felizes os que percebem a sua provação e se humilham perante Ti. Ai dos que pretendem equilibrar-se em sua derrota, pois o seu caminho será duro e a volta quase impossível.
Ó Roma! Em vão bates nos portais de aço do teu antigo poder. Os ferrolhos estão enferrujados, as vergas não se dobram e com elas, tu mesma trancaste a porta do Céu a todos que queriam penetrar. Acho-me diante de Deus, o Poderoso, e a Sua Face me diz: o teu último esforço há- de trazer-te um prémio ignóbil. Tens sede de sangue e queres fazer jorrar fogo sobre as planícies terrestres. Mas, ai de ti. O Senhor preparou-te uma noite tão trevosa que te tragará como a serpente devora o pardal." Acrescento: "Amém! Falaste com justiça perante Mim."
Pedidodospatriarcas.Preparativos,paraaVoltado Senhor.
Nisto, todos os profetas e apóstolos se adiantam e dizem: "Amém! O Teu Nome, Senhor, seja abençoado aqui, nos Céus, bem como na Terra que, de acordo com a Tua Ordem Eterna, é uma verdadeira escola de provação para as gerações a surgirem do Teu Coração, à Vida Eterna. Todos nós temos apenas um pedido a fazer, emanado de todos os corações. Impede Satanás de prosseguir em sua obra nefasta. Tira da Tua Terra a púrpura, faz desaparecer o ouro, a prata e as pedras preciosas, a fim de que as criaturas não sejam mais tentadas pelo brilho de coisas tão
abjectas, mas suspirem somente pelo amor e a verdade puros. Quantos tesouros espirituais são levados à sepultura sem poderem ser irradiados pela Luz do Teu Sol, porque a ânsia pelas coisas fúteis, impede a humanidade de despertar o seu espírito dentro da Tua Ordem Santificada, para poder saciar-se nos tesouros imorredouros para sempre.
Susta as traficâncias do anjo do mal. Com o seu desaparecimento da esfera activa, o género humano terá que se inclinar ao bem e à verdade, porquanto nós, Teus servos, assumiríamos maior âmbito de acção. De contrário tudo submergirá no aniquilamento. Os Teus Desígnios são insondáveis e os Teus Caminhos impenetráveis. Somente Tu, sabes como prosseguir para no final atingir a meta certa. Entretanto, há determinados seres que necessitarão de intermináveis épocas até alcançarem o seu destino. Por isso seria o nosso desejo uma redução dos caminhos extensos, conforme Tu Mesmo prometeste a todos os povos.
Será doloroso para a Terra tão linda, se não conseguir refazer-se das feridas constantemente aplicadas, se Tu, Senhor, não afastares os seus algozes. Não demores em executar os Teus Planos. As criaturas sucumbiriam diante da incerteza dos factos esperados. A nossa situação é mais favorável, porquanto também para nós, mil anos se assemelham a um dia primaveril, em virtude da felicidade do Teu Convívio. Enquanto para os pobres irmãos na Terra, alguns minutos se tornam milénios de sofrimento. Abre a Fonte do Teu Amor e Graça, socorre os aflitos na Terra e encurta esta época de provação. A Tua Vontade Se faça hoje e sempre."
Digo Eu: "Fazeis bem pedindo pelos outros. Todavia sucede com os vossos pedidos o mesmo que aos atrasados, portanto chegam tarde por ser Eu, em toda a parte, e mormente nos Céus, o Primeiro, condição indispensável para vos capacitardes de um pedido ou qualquer acção. Sois idênticos aos Meus Membros, agindo apenas quando o Meu Espírito os instiga para tanto. Se em tudo necessitais do Meu Espírito, como admitirdes ser preciso Eu ser movido para algo imprescindível ou não,
previsto por Mim, antes que um espírito tivesse noção da sua consciência? Em suma, sempre vindes atrasados, Meus filhos. Quando começais a reflectir acerca de um assunto, Eu previ tudo há milénios, tomandoasnecessáriasprovidências,desortequeefeitosesucessosseapresentam. Se assim não fosse, jamais poderia ser alcançada a finalidade comum, isto é: uma existência livre, criadora e eterna, frente à Minha Presença Divina.
Se actualmente, em quase todos os estados católicos, a religião inclusive a romana, é livre, resultado conseguido através da Minha Influência na compreensão dos estadistas, — eles, porém, vêm-se obrigados a determinar organizações, pelas quais a hierarquia mais orgulhosa tem que sucumbir, presumo não ser possível Eu fazer ainda
mais. Deveria por acaso exterminar todas as hierarquias através de um fogo do Céu? Isso não é possível dentro da Obra de Salvação.
Não haverá mais Dilúvio geral, nem extermínio como de Sodoma e Gomorra. Todo o mal na Terra é o seu próprio juiz, e o castigo segue ao pecado nos calcanhares. As hierarquias exigiram independência do paganismo cruel. Esta independência lhes foi concedida, mas sem poder material. O poderio do Governo é livre sob o seu regente e não pode ser subjugado pela igreja. Se esta fizer o menor uso da sua liberdade julgadora, milhares serão movidos a filiarem-se numa comunidade melhor, para cujo fim cada um tem caminho aberto para a alma e o espírito. Se tais conversões crescerem dia a dia, em breve a hierarquia estará isolada com alguns tolos podendo contar pelos dedos o seu fim certo. Se Eu providencio tais factos, cujos efeitos devem ser evidentes, — que mais deveria fazer? Enquanto externais o vosso pedido, milhares apostataram em Roma. O tempo de provação poderia ser encurtado mais ainda? Se o veneno é dado à serpente para o seu próprio suicídio, porquanto em sua impotência não consegue atingir alguém, — não foi feito tudo para o seu aniquilamento indispensável?
Como poderia Eu voltar à Terra se a hierarquia não fosse impedida de agir como sempre fez? Se voltasse sem essa precaução junto dos pobres, a igreja possivelmente Me prenderia para novamente Me crucificar. Eu Me aproximando dos ricos, seria exilado e instigaria todo inferno a uma carnificina prolongada e horrenda. Se viesse como Deus...
— Bem, já deveis compreender ter com isso selado o julgamento de todo o orbe e nenhum ser seria capaz de uma respiração livre.
Só poderei voltar para junto dos pobres. Por isso, a classe abastada tem que cair na maior pobreza em tudo. O perdido tem que se alimentar com os suínos, e os ricos nem isto lhe permitirão. Só assim, será possível, um breve e justo nivelamento de todas as tendências orgulhosas, facilitando o Meu Socorro aos perdidos. Ainda assim, o vosso pedido foi justo, porquanto vos foi inspirado deste modo. A Minha Acção, porém, já se havia antecipado de há muito. Eis que vem Roberto-Uraniel com a sua assembleia. Preparai-vos para o necessário prosseguimento."
Partidaparaasalada perfeição.
RobertoeHelenanavanguarda,seguidosporCado,diantedaporta Celeste.
Todos obedecem e Roberto-Uraniel se apresenta dizendo: "Senhor e Pai, está tudo organizado segundo a Tua Santa Vontade." Digo Eu: "Bem, vamos em direcção ao Levante, onde vês em aparente distância duas colunas imponentes. Láseencontraoquartosalãodo aperfeiçoamento,
onde começa o Céupara a esfera do teu amor e conhecimento. Leva a tua esposa, a fim de que possas pelo Meu Especial Amor em ti, entrar naquele Reino. Assim seja."
A estas palavras, Roberto abraça Helena com todo o amor e pede que Eu, se possível, os acompanhe entre ambos. Eu, porém, lhe digo: "É preciso começares a agir independentemente, do contrário necessitarias de um constante guia: Além disso, estarei naquela sala quando lá chegares. Não te preocupes Comigo e não penses se estou aqui ou acolá. Para onde te dirigires com amor a Mim, estarei contigo, por ser Eu Mesmo o teu amor. Estou sempre Presente onde se manifesta o amor puro e verdadeiro, em justa abundância. Vai em frente e abre, para todos, o portal do reino do aperfeiçoamento de teu coração."
Curvando-se com respeito, Roberto inicia a trajectória. Caminha bem-disposto com Helena, que lhe pergunta a impressão provinda do Reino de Deus, se realmente está à vontade ou se vez por outra não se parece qual um estranho. Responde ele: "De facto, o ambiente torna-se algo peculiar, principalmente quando o Senhor não Se acha ao meu lado. Em tua companhia, Helena, a situação é menos embaraçosa do que escoltado por Saariel. Apenas as aparições desvanecendo-se tão rápidas, são algo irreal, não obstante as entenda bem. Todavia já me habituei. Eis que chegamos ao portal. Está fechado! E agora?"
Diz Helena: "Ora, tentaremos abri-lo, em Nome do Senhor. Eis até uma chave de ouro." Roberto, de pronto, começa a voltar a chave à direita e à esquerda. A porta, porém, não se abre. Ele dá outras voltas, empurra com força os batentes, — mas, em vão. Não cedem ao seu esforço.
Um tanto acanhado, Roberto diz a Helena: "Eis a resposta flagrante à tua pergunta. Confesso sentir-me abandonado por todos os amigos e ajudantes. Diz-me se consegues ver alguém atrás de nós. Com excepção de Cado que nos seguiu em silêncio, não descubro viva alma. Que me dizes desta situação?" Responde Helena: "Realmente é esquisita. Não vejo nenhum da assembleia, — e a porta não se deixa abrir. Entretanto, o Senhor mandou-nos aqui. Experimenta outra vez. Ajudarei, — talvez consigamos."
Novamente Roberto pega da chave de ouro, vira-a para ambos os lados, enquanto Helena empurra a porta com toda a força. O empreendimento leva bastante tempo, mas sem resultado. Finalmente, cansada, ela diz: "Sabes, Roberto, ninguém pode sentir-se num dever, além das suas possibilidades. Empenhamos todo o esforço para abrir a porta celeste. Não temos culpa disto não nos ser possível. Que fique fechada, em Nome do Senhor! Aliás, poderíamos pedir socorro ao amigo Cado que, talvez, conheça outro recurso." Concorda Roberto: "Tens razão."
Em seguida, ele vira-se para o outro e diz: "Foste o único a nos acompanhar, enquanto dos demais não se vê um ninguém. Também ouviste a incumbência conferida pelo Senhor de eu aqui chegar para abrir a porta do Céu. Nem eu, nem Helena conseguimos resolver a tarefa. Por isso, peço-te nos ajudares. Talvez seja possível com o nosso esforço triplicado. Caso contrário, — que o Senhor faça o que Lhe aprouver."
Diz Cado: "Amigo, esta torrente de acontecimentos faz de mim um autómato e a minha ajuda não será de grande proveito. Foste chamado e escolhido. Eu, — nem recebi chamada. Mas não importa. Ajudarei, todavia não posso garantir sucesso. Sabes necessitar o Reino dos Céus de violência. Possui-lo-ão apenas os que usarem de violência. Ajamos, pois, deste modo."
Encorajado, Roberto pega a chave e vira sete vezes para a esquerda. A porta não cedendo, ele movimenta igualmente o mesmo número de vezes a chave para a direita, impelindo os batentes com força. A porta continua trancada. Finalmente ele pára e começa a coçar a cabeça. E Cado diz: "Já te avisei não dar resultado. Muito embora esteja aqui há pouco, sei que as coisas espirituais são mais difíceis do que as da matéria. É muito mais fácil remover-se um monte na Terra do que abrir-se uma porta espiritual. Aconselho esperarmos. A região é aprazível, existem jardins e frutos em grande quantidade. Que mais haveríamos de querer? Deveis compreender tanto quanto eu, não se resumir a nossa finalidade em estarmos sempre ao lado do Senhor. Por isso nos foi designado um local no mundo dos espíritos onde teremos que permanecer até que este grande portal seja aberto por forças superiores. Podíamos seguir o conselho evangélico que diz: Procurai, que achareis. Pedi e recebereis; batei, que abrir-se-vos-á. Quem sabe se a porta já não estaria aberta se tivéssemos feito isso. Que me dizes?""
Responde Roberto: "Sim, sim, tens plena razão. Mas não deixa de ser estranho, o Senhor me concitar a ir na frente e abrir o portal, porquanto grandes acontecimentos esperariam por nós. Seja como for, seguirei o teu conselho."
Aduz Helena: "Não é coisa fácil entrar no Reino de Deus. Ainda que a pessoa, como eu, repousasse no Peito Santificado, no puro amor a Deus, de nada adiantaria. Quando se chega à porta, esta se acha tão fechada como se viéssemos directamente da Terra. Agora só me perturba esta veste luminosa. Um vestido de camponesa seria mais apropriado à situação. Um tratador de suínos tem que usar indumentária adequada, do contrário sentiria insuportável a sua profissão. Neste ponto poderíamos ficar aborrecidos com o Senhor. No começo recebemos leite e mel — agora uma gota de fel. Ao invés do pão celeste, já experimentado, apresenta-se papa de aveia. Se ao menos me pudesse livrar desta veste tola. Ainda te agrada a tua roupa cheia de estrelas, Roberto?" Responde
ele: "Sinceramente preferia outra qualquer, diga-mos: uma calça de couro e um casaco de pano grosseiro. Nunca me senti tão envergonhado em minha existência terrena e espiritual." Diz Helena: "Eu trocaria a minha veste, por um trapo sujo."
Diz Cado: "Amigos, falais como eu sinto. Certamente foi esta a intenção de Cristo, porquanto muito se alterou contra o luxo das vestes. Ele, o Senhor de Eternidades, traja a veste mais simples e sem o menor brilho. Eu mesmo sou inimigo do luxo, seja na Terra ou aqui, no Reino dos espíritos. Certamente, são as vestes luxuosas dos anjos celestes, aquelas manchas vistas pelo Olho de Deus. Pois na Escritura se lê: Nos próprios anjos, os Teus Olhos percebem máculas, Senhor. Por isso concordo desprezardes as vossas vestes maravilhosas, porém impróprias. Onde arranjaremos outras? Continuai assim mesmos, ninguém nos vê e sabemos como pensar a respeito. Não merecendo especial valor aos vossos olhos, tudo está bem e certo. Para mim, tais trapos nunca tiveram valor. Mas que faremos antes de abrir a porta? Começaremos a pedir, procurar e bater?"
Diz Helena: "Qual nada. Se o Senhor não quiser abri-la, que fique trancada para sempre! Amém." Diz Roberto: "Não estás de todo errada. Mas, se já chegamos até ao último portal, devíamos empenhar-nos em passar por ele. Não há vexame num pedido, muito menos na procura e, quanto ao bater, prontifico-me a fazer uma barulheira, que nada deixará a desejar. Realmente, isto é de estourar. Anteriormente, fiz como anjo expedições celestes com Saariel, — e agora estou qual asno diante da cerca. Falta-nos apenas a famosa Minerva. Seria interessante ouvi-la blasfemar contra esta porta."
Diz Cado: "Não chames o lobo, que ele se apresenta. E se não me engano, — lá vem ela para nos fazer uma visita. Agora resta-nos aguentá- la." Diz Helena, perplexa: "Que ouvido apurado! Meu caro Roberto, a situação está melhorando. Por que foste mencionar o nome dela? Quiçá nos levará ao pior...!"
Diz Cado: "Nada disso. A única fatalidade consiste, não ser fácil a pessoa livrar-se dela." Acrescenta Roberto: "Procuraremos impedir a sua aproximação, pois ainda devemos estar munidos de bastante poder e força divinos." Diz Cado: "Faz uma tentativa. Presumo não obtermos resultado: pois dirá possuir ela o mesmo direito de chegar à porta celeste, e pedir para entrar. Será duvidoso se isso lhe for concedido. Deixemo-la vir e façamos de conta não a termos visto. Se ainda assim nos abordar, ouvirá coisas desagradáveis. Não podemos manifestar amabilidade ou rigor, mas simples indiferença, o que ela menos suporta. Deste modo será mais fácil nos livrarmos dela. Creio conhecê-la bem."
AltercaçãoentreMinervae Helena.
Diz Roberto: "Óptimo. O teu conselho é realmente aceitável e logo se vê não seres europeu, que igual a mim, é incapaz de uma opinião tão equilibrada. Mas, eis que ela se aproxima. Ainda está de veste radiosa e munida da espada de zinco e cartão. A sua beleza extraordinária não perdeu nada e é impossível imaginar-se coisa mais bela. Julgo não ser aconselhável elogiar-se a sua figura, pois torná-la-ia mais vaidosa e orgulhosa." Diz Cado: "Convém não falar com ela ou de sua pessoa, do contrário será difícil livrarmo-nos de sua presença."
Prontamente Minerva se faz ouvir nas costas de Cado: "Acertaste como sempre o alvo. Tolo! Querendo ensinar aos outros a maneira de se descartarem de mim como se eu alguma vez me tivesse tornado importuna. Tenho honra e orgulho de sobra, para impedir atitudes de tamanha baixeza. E tu, amigo Cado, não tens motivos para temer a minha presença. Bem sabes há quanto tempo nos conhecemos. Por acaso devo chamar-te pelo nome verdadeiro?"
Responde ele: "Cala-te! De contrário sentirás uma pequena prova da minha gentileza. Lá está o portal trancado; tenta abri-lo. Será igualmente melhor para ti, estares lá dentro." Minerva solta um palavrão e diz: "Deixa-me em paz. Faço o que quero e jamais o que tu queres. Entendeste?"
Diz Cado: "Perfeitamente. És vaidosa e altiva, portanto tola. Como poderás fazer algo em teu benefício? Além do mais, percebo não teres aumentado a tua educação e peço-te sublimares as tuas expressões, mormente em presença de uma entidade celeste, gentil e delicada como Helena. Se já não consideras a minha presença, fá-lo ao menos por ela."
Diz Minerva: "O quê? Ela, — uma entidade celestial? Proletária do mais baixo quilate, — e eu devia respeitá-la? Tens realmente uma ideia absurda a respeito de um anjo. Os meus parabéns. Fizeste progresso no Céu com a tua sapiência."
Interrompe Helena, cheia de raiva: "Verme abjecto! Vê se o Infinito não se torna apertado para a tua presença imunda. Tratarei a tua pele de burro, porquanto parece coçar-te. Sai andando, de contrário mostrarei onde os eternos operários de Deus deixaram um buraco para a tua fuga."
Intervém Roberto: "Peço-te, Helena querida, esposa maravilhosa dada pelo Próprio Senhor, — não te alteres. Seria uma lástima eterna para a tua boca delicada. Esta Minerva fictícia, nem Deus consegue modificar. É como é. Cardos não produzem tâmaras! Deixa-a falar à vontade. A sua voz não entra em nossos ouvidos, muito menos nos nossos corações."
Concorda Helena: "Bem o sei. Mas é preciso tapar-se a boca do demónio quando se é cristão honesto. Agora ela cala-se por ver que é impossível ser mais rude do que nós. Quando ela abrir a boca ouvirá de mim uma cantiga que a satisfará para sempre. Eu seria capaz de dizer umas verdades ao nosso Senhor e Pai, se por acaso Ele lhe concedesse uma Graça. Não presta nem para o inferno, por isso foi de lá expulsa. Por que a chamaste?"
Diz Cado a Minerva, que treme de ódio: "Então, o teu vocabulário de impropérios já se esgotou a ponto de não seres capaz de responder à altura, aos gracejos respeitosos da nossa querida vienense? Ao que parece encontraste uma mestra e pelo silêncio confirmas ter ela razão." Diz Minerva: "Peço-te, para não dizeres mais nada dessa indecente."
Interrompe Helena: "Vai-te embora, a menos que desejes levar uma surra! Conheces isto? (Mostrando os seus punhos cerrados.) Se não te fores, eu te assento uma...!'' Diz Roberto: "Pelo amor de Deus, Helena! Ao invés de entrarmos no Céu, aproximamo-nos da mais ínfima gentalha de Viena. Considera já teres repousado no Peito do Senhor, onde sorveste todas as Graças, — e agora apresentas-te tal qual foste na Terra. Deixa isso, do contrário a porta levará tempo para se abrir."
Diz ela: "Pareces sentir pena em ter eu dito algumas verdades a esta abjecta criatura da Eternidade." Diz Roberto: "Não, isso não. Considero apenas a tua boca já espiritualizada que, após ter falado com o Próprio Pai e me tendo proporcionado muitos ensinamentos no amor, novamente se afunda em baixo calão, — precisamente aqui, no Portal da Vida Eterna."
Diz Helena: "Que boca, o quê! A verdade tem que ser dita. É facto conhecido que a verdade em uma linda boca não se apresenta com muita graça. Como então a verdade por mim proferida soa tão mal, enquanto tal não sentiste pela mentira por ela pronunciada? Se te apiedas da minha atitude dentro da verdade, quanto mais não o devias fazer com aquela boca tão linda, cujos lábios jamais pronunciaram uma palavra sincera? É preferível transmitires algumas reprimendas a ela e deixar-me falar quando estiver com vontade."
Diz Minerva: "Chegaste a um fim, amostra grátis da ralé? Nunca os meus ouvidos sentiram tamanha grosseria." Diz Helena: "Devia eu aceitar os teus impropérios com humildade, qual penitente jesuíta, quando é alimentado com fogo e inferno por parte de representante de Deus? Espera um pouco! Repito, se não desapareceres, haverá barulho entre nós."
Intervém Cado: "Silêncio, Helena e Roberto. Falarei a sós com Minerva e tentarei combinar algo de importante com ela. Talvez consiga aproximá-la mais um passo do Senhor." Diz Roberto: "Isso mesmo. Ficaria satisfeito, se te fosse possível descartarmo-nos dela. Lança a semente da
discórdia em todos que se aproximam dela. Se fosse possível ela penetrar nos Céus de Deus, dentro em breve confundiria todos os anjos. Desejo-te o maior sucesso para a tua louvável empreitada. No entanto, duvido do menor êxito. Este ser, só fará o bem sob coacção; jamais em plena liberdade. Nisto empenho a minha própria felicidade."
Diz Cado: "Talvez não estejas errado; todavia não empenharia a minha felicidade em tal hipótese. A Eternidade é demasiado longa. Em épocas e eras infinitas, muita coisa poderá suceder, que até hoje nenhum espírito pôde imaginar. Por isso aceita como possível tudo que não esteja em completa contradição com a Ordem Divina. Apostar que algo seja possível ou não, é tolice e equivale a duvidar da Sabedoria de Deus. Para Deus todas as coisas são possíveis. Por que não incluirmos a completa conversão de Satanás?"
Importanteesclarecimentoacercade Satanás.
Cado prossegue: "Li certa vez num antigo livro de sabedoria hindu, uma passagem interessante que soava mais ou menos assim: No eterno Ser, existia apenas Deus. Infinito e Eternidade eram Deus Mesmo, na plena consciência do Seu Eu. Os seus Pensamentos e Ideias eram sem fim. Assim como em uma noite de verão inúmeros enxames de efémeras cruzam em liberdade e sem ordem visível, Pensamentos e Ideias de Deus se manifestavam num vaivém constante. O Espaço Infinito, porém, estava vazio. A Divindade apenas percebia as Suas Projecções em uma liberdade perfeita. Eis que Ela resolveu separar as Ideias do Pensamento, iniciando a Ordem primitiva Nela Mesma. Pouco a pouco foi fixando as Ideias, deixando livre curso aos Pensamentos.
Após se terem concretizado as Ideias, a Divindade verificou não serem elas todas puras. Eis que resolveu purificá-las, separando o puro do impuro. Isto feito, Ela afastou de Si as impurezas, fixou-as pela Omnipotência e as vivificou pelo Espírito dos Pensamentos libérrimos.
Eis que surgiu um grande espírito cheio de impurezas, a fim de ser purificado por sete outros, projectados pela Divindade e provindos das Ideias puras, através do Espírito livre dos Seus Pensamentos.
Diante de nós, Roberto-Uraniel, acha-se o primeiro e grande espírito de impurezas, em cuja purificação ainda se trabalha. Por isso não devemos manifestar dúvida por tal empreendimento durar mais do que os outros. Este espírito não deixa de ser o mais impuro que possas imaginar, — entretanto é capaz de regeneração em tempo oportuno. Não nos cabe perder a paciência por ter sido a nossa conversão mais simples. Um pequeno local é mais facilmente varrido do que o solo do Universo.
Este espírito é a expressão total da Criação Infinita, enquanto a Terra com os seus seres nem pode ser considerada um simples átomo da sua natureza individual. Compreenderás tanto quanto eu, ser mais fácil purificar-se um pequenino espírito como tu, do que o maior dos espíritos criados, a totalidade da Criação. Assim sendo, convém reflectir sobre este problema de Deus e submetermo-nos às Suas Determinações. Contestar a possibilidade da purificação de um ser, seria algo de grande risco e ao mesmo tempo mesquinho, caso fôssemos medir as Condições divinas, de grande vulto, com as próprias relações opostas. Por isso, amigo, convém considerá-lo e submeter-te-ás mais facilmente aos meus esforços. Agora vamos à Minerva."
Tesesatânicade Minerva.
Virando-se para Minerva, Cado diz: "Quanto tempo, abusarás da nossa paciência, Satã? Pretendes fazer apenas o mal? Se a Divindade há tempos tivesse criado um diamante tão grande que um raio necessitasse um milhão de anos para chegar de um pólo a outro e tivesse destinado um colibri a tocar com o seu biquinho o diamante uma vez em cada mil anos, — ele já teria dissolvido a sua matéria duríssima até ao último átomo. Contigo já se empregou milhares de épocas, entretanto continuas a mesma que foste nos primórdios. Nenhum espírito pode compreender a paciência usada pela Divindade para a tua purificação. Todavia, nada foi alcançado. Presumo, por isso, ter chegado a época de equilibrares a tua natureza na Ordem prevista por Deus desde eternidades."
Responde Minerva: "Que fiz eu contra a Ordem Divina? Falas dela constantemente e no final não pareces saber em que consiste. Se eu, como parte impura e projectada, represento o permanente polo oposto à parte pura da Divindade, e isso de modo imutável, assim como também Ele é imutável, acaso não é isto a Ordem Divina em Sua Totalidade? Que estou fazendo que pudesse ser apontado perante Deus como injustiça, ou seja, maldade? É verdade ter sido o Género Humano sempre tentado em sua virtude perante Deus e o Seu Amor. Resistindo à prova de fogo, a minha tentação era inócua. Não sendo firme, a tentação era apenas oportunidade para fortificar-se nas virtudes.
Aumento o orgulho do orgulhoso, para ser finalmente humilhado por esta fraqueza. Nada melhor para sua cura do que o próprio excesso, se bem que não no mundo material, mas cedo ou tarde aqui, facto que um certo Cado poderia testemunhar. Do mesmo modo faço com que os impudicos se tornem mais sensuais, até que se tenham prendido à última fibra da sua vida onde a sua inclinação se torna sofrimento atroz, e de
livre vontade viram as costas ao vício palmilhando a trilha da castidade. Se isso não der resultado tenho aqui meios de sobra, mais fortes, para que as almas desprezem este vício. No mundo material impus limites à sensualidade através de certas moléstias.
Esta medida é empregada em todas as fraquezas. Sou aparentemente estimuladora dos vícios. Jamais, porém, uma fraqueza foi por mim recompensada a menos que o viciado o fosse apenas o suficiente para desprezar o vício. Em tal caso eu tinha que instigá-lo pelas tentações, até levá-lo ao auge, onde reconhecia o mal e podia detestá-lo. Eu e a Divindade visamos o mesmo fim, isto é, a purificação das almas criadas para capacitá-las a receber o espírito incriado, puro e poderoso, de Deus.
Deus é o Oleiro; eu, o fogo. Assim como uma panela é imprestável antes de ser queimada no fogo, — não haverá alma capaz de suportar o fogo do Amor Divino antes de se tornar resistente à prova do meu fogo. Se portanto faço o que preciso, — como ousas afirmar eu não viver e agir dentro da Ordem Divina? Terias razão caso provasses ter eu alguma vez recompensado o vício. Sendo eu a maior e mais inclemente punidora do vício, a tua fala é tola, raspando apenas a casca onde jamais verás a semente.
Por acaso poderias imaginar uma actividade puramente positiva? Não é preciso que um pé descanse — portanto faça movimento negativo
— a fim de que nesse intervalo o outro empregue movimentação positiva e livre? Um pé terá sempre que contrapor-se ao movimento, a fim de que surja pelo outro a acção positiva. Porventura não devem permanecer certos pontos e locais em estado de repouso, ou seja, reacção contra o movimento, para serem alcançados pelo viandante? Não deveria existir, ao menos aparentemente, a morte para com ela ser glorificada a vida? Que seria a felicidade para o espírito desconhecedor da infelicidade? Se não houvesse dor, qual seria a sensação da saúde? E se não existisse o mal, qual seria o aspecto do Bem? Tudo tem que ter o seu contraste, a fim de existir. Se sou a base de todo o contraste, como sou contra a Ordem de Deus?"
Diz Cado: "Cara Minerva, se na cátedra de uma universidade terrena, em Friburgo, Stuttgart ou Berlim tivesses proferido tão eloquente discurso acerca da Ordem Divina dentro da tua natureza satânica, terias feito sucesso naqueles grémios eruditos, muito embora afirmassem ser facto conhecido uma vasilha passar pelo fogo antes de ser usada; como também alguém precisar erguer um pé para caminhar. Se pretendias levar-me a uma boa convicção da tua índole, deste com os burros na água. Primeiro, demonstraste jamais teres chegado ao conhecimento de ti mesma, portanto não podes saber da tua constituição e qual a direcção a tomar dentro da Ordem Divina. Segundo, não me conheces, nem pelo nome, arriscando-te a proferir tamanha tolice."
Interrompe Minerva: "Chamas-te Cado." Diz ele: "Sim, na veste que ora uso. O meu nome é outro. Como podes imaginar que Deus queira melhorar a alma através de vícios, ou permitir que ela se torne pura forte e nobre, pelo acúmulo de fraquezas e capaz de abrigar o Espírito Divino? A fim de te demonstrar a tua tolice pergunto se uma veste melhora e se torna mais perfeita quando, materialmente falando, se lhe faz novo rasgo dia a dia? Ou se um pano branco com algumas manchas fica mais limpo quando se lhe acrescenta nódoas de alcatrão em vez de lavá-lo em água limpa? Uma casa avariada ficaria mais sólida e habitável caso se arrancassem partes já soltas, aumentando a sua ruína? Uma harpa desafinada adquiriria som mais claro se se lhe tirasse uma corda após outra? Um recinto ficaria mais alegre ao se tapar janelas e apagar a luz de uma lamparina? Acaso surgiriam criaturas cordatas, meigas, honestas e amáveis de uma escola onde se ensina a prevaricar, amaldiçoar, assaltar, roubar e matar? Um mendigo enriqueceria caso se lhe tirasse o pouco dinheiro conseguido pela mendicância, ao invés de se lhe acrescentar mais algum? Um enfermo poderia ficar bom ao ser tratado com remédios nocivos, venenosos, pancadas e outras crueldades?
Tola e ignorante, poderia apresentar-te milhares de exemplos para provar a inocuidade dos teus sofismas. Que pretendias provar com isso? Acaso a tua inocência, por jamais teres recompensado um vício? Cúmulo da estultícia! Como poderias dar um prémio a um morto? Como indemnizar uma pedra por um serviço prestado pelo peso inconsciente? Qual seria a recompensa a ser dada a uma ave por se deixar apanhar, matar, assar e comer?
Deste modo presumes estar agindo inteiramente dentro da Ordem Divina? E ainda afirmas que tu e Deus visam o mesmo fim? Miserável! Pretendes igualar-te a Deus, sim, tomar-Lhe a dianteira como se fosses melhor do que Ele! Isso ultrapassa as medidas e não pode ser permitido. Por isso, a tua liberdade aparente será reduzida. Abusaste dos Direitos de Deus e na Terra abusas dos servos de "Baal", que alegam servir a Deus com ouro e prata. Além disso excedeste-te nos direitos dos regentes e seus povos. Eles em breve te aniquilarão. E não te restará senão compartilhares com alguns suínos de reis e príncipes, no que se entende os cegos adeptos da tua doutrina pagã, atraídos pela tua moral de relíquias e contos milagrosos. Afasta-te de mim, a tua presença torna-se asquerosa."
Overdadeirorespeitoprovémdo amor.
Diz Minerva, com intenção de afastar-se: "Irei quando quiser. Não admito que me ordenem, nem Deus nem qualquer pessoa, julgando ter poder sobre mim. Sou a majestade primordial do Universo e todos os seres estremecem quando levanto a minha fronte e o meu braço. Mudarei de tratamento para convosco, pois o meu poder e força me facultam pleno direito para tanto. Quem mo poderia tirar? Eu somente sou soberana. Tudo o resto desde eternidades está debaixo meu serviço."
Interrompe Helena: "Caros amigos. Não a suporto mais. É incrível a sua presunção. Pretende ser mais do que Deus, o Senhor! Vai andando, de contrário os meus punhos entrarão em actividade." Diz Minerva: "Cala-te, imunda, pois te destruirei.
Helena, crescendo visivelmente na raiva, explode: "O quê? Tu me queres destruir? Não basta quereres ser mais do que todas as criaturas e anjos, não basta te elevares acima de Deus?" Ela dá um salto e aplica uma bofetada em Minerva, que dá uns rodopios, para em seguida cair exangue. Satisfeita com a sua proeza, Helena acrescenta: "Eis uma pequena prova dos meus punhos; se te agradou o tratamento, poderei prosseguir."
Diz Minerva, levantando-se e esfregando o rosto: "Estou satisfeita e posso fazer uma ideia do humanismo e da amabilidade dos filhinhos do Senhor de Céus e Terra. Da tua parte, Cado, foi realmente louvável permitires que eu fosse esbofeteada como qualquer uma na Terra."
Diz ele: "Foi bem feito! Por que não foste embora quando te mandei?" Diz Minerva: "Por acaso recebi de Deus o livre arbítrio para imprensá-lo numa camisa-de-forças? Se Ele quisesse a minha obediência certamente me teria dotado de vontade submissa. E se isso tivesse feito com todos os seres e espíritos — quem na Terra seria imperador, rei, duque e príncipe? Sabes que esses a ninguém obedecem — a não ser a um conselho."
Diz Cado: "Eu sei isso. Foi o motivo por que Jeová falou pela boca de Samuel aos filhos de Israel: A todos os pecados praticados por este povo acrescenta mais este, pedindo um rei. Fá-lo-ei, para castigá-lo e levá- lo à prisão. — Eis o Testemunho de Deus. Talvez queiras deduzir daí terem surgido os regentes pela Vontade Divina? Todos eles, inclusive os melhores, saíram da vontade dos povos da Terra e assim ainda hoje se mantêm. Se um povo chegasse à compreensão de instituir Deus como Regente Eterno, Ele o libertaria do açoite, conduzindo-o pelos anjos encarnados. Fazendo o contrário e pedindo pela constante conservação de tal flagelo, o povo terá que suportar os revezes.
O teu exemplo, pelo qual procuraste justificar a tua desobediência cai por terra. Todos os soberanos, bons e maus, são obra da vontade e do orgulho das criaturas que desejam engrandecer-se pelo brilho do regente. Preferindo um homem a Deus, Senhor da Glória Infinita e Eterna, Ele
faculta ao soberano poder de domínio, de acordo com a índole dos súbditos e pelo qual pode conduzi-los e puni-los, caso não respeitem as Suas Leis. Tal poder é igualmente do Alto e o rei tem que empregá-lo, pois consta: Em Sua Ira Deus deu ao povo um rei. — A ira não é amor que liberta, mas um julgamento que tudo coage e domina. Não penses que um soberano faz o que é da sua vontade — ele fará o que a Ira Divina o obrigar. Ainda que não obedeça às criaturas, ele o faz a Deus, consciente ou inconscientemente. Aplicando amor em vez de justiça, Deus abrandará a Sua Ira no rei, transformando-a em amor.
Se compreendes isto, torna-te meiga e aplica amor, que "Deus te considerará, abrandando o teu coração. Um coração meigo te preservará para sempre de um mau trato, assim como os regentes compreensivos não precisam temer nada, caso as suas leis sejam justas. Age deste modo que terás paz, fazendo-te respeitar. O verdadeiro respeito, bem como a liberdade plena, são conseguidos unicamente pelo amor. Quem pretende alcançar respeito por obrigação, recebe-o aparentemente pelo medo. Isto não é respeito, mas uma maldição que desde o início é parte integrante do teu "eu". Vai e modifica-te."
Diz Minerva: "Sim, vou esforçar-me para tanto!" Com isto vira as costas aos três, afasta-se e em breve desaparece da vista de Helena e de Roberto, — mas não de Cado. Diz Helena em seguida: "Graças a Deus que me deu coragem para afugentar esta inimiga de toda a vida. Espero que tenhamos sossego." — "Oh, sim", diz Cado. "Mas na Terra provocará grande desgraça. Mas, aos poucos há-de cair em si, através de flagelos e humilhações. Agora resta saber o que faremos, pois a porta ainda não se abriu."
RobertoeHelenasãohumilhadospor Cado.
Diz Roberto: "Meu amigo, o meu intelecto continua qual animal diante da cerca. Se o Senhor tivesse dito: Esperai por Mim lá na frente da quarta sala da tua casa, para abrir-vos a Porta da Vida, isso seria suportável. De acordo com a minha interpretação das Suas Palavras Ele falou de uma porta aberta, onde eu e Helena devíamos receber os demais amigos. Referiu-se principalmente à pressa necessária, em virtude dos factos importantes que nos aguardavam. Obedecemos, aqui chegamos e encontramos o portal trancado. Que representa isto? Já é demais. Na Terra se admite tais brincadeiras. Mas aqui, no Reino dos espíritos, e partindo do Próprio Senhor, é algo estranho.
Até então cumprimos estritamente a Vontade do Senhor. Agora estacionamos, contra a nossa vontade. Parece que estamos supridos de
tudo; por isso não darei importância a esta sala. Bem, consta ser preciso conquistar-se o Reino do Céu com violência. Seria possível usarmos mais força, do que aquela que possuímos? Fizemos tudo nesse sentido; quem quiser, experimente a sua sorte." Diz Helena: "Concordo contigo. O que não se consegue, convém deixar-se de lado."
Diz Cado: "Falais, como se diz, dentro da razão; entretanto não posso aderir à vossa opinião, porque não duvido da possibilidade de se abrir esta porta. Por acaso já tentamos tudo? Realmente não. Se no final ela se abrisse, caso o experimentásseis inversamente?
Empregamos todo o esforço para impelir a porta para dentro, após várias voltas da chave de ouro. Eu mesmo vos ajudei dentro do vosso conhecimento, desejo e vontade, pois sabeis que aqui tudo ocorre conforme é desejado, por ser esta a Ordem dos Céus. Bem vi o engano. Não podia revelar-vos antes de chegardes a tal conclusão após determinada procura, pedido e esforço. Dei-vos esse conselho. Não o seguistes, portanto não pudestes descobrir ser impossível abrir-se essa porta para dentro, mas para fora, pelo simples motivo de representar ela o Reino do Céu em menor proporção e devendo ser atraído com força e não impelido. Até mesmo em sentido natural é preciso tomar par si o que se deseja, e não empurrá-lo para longe.
Nos Céus há em tudo, do menor ao maior, a mesma Ordem fixa e imutável, que por coisa alguma pode ser invertida. O mesmo se dá no abrir da porta. Agistes contrariamente a esta Ordem, nada conseguindo. Experimentai, em Nome do Senhor, proceder dentro da Sua Ordem, que alcançareis bom resultado."
Diz Roberto: "Agora compreendo o meu engano. O que foge ao meu entendimento, és tu, caro amigo. Onde colheste tanto saber, perante o qual me vejo reduzido a nada? O mais sábio querubim teria que te respeitar. Se o Próprio Senhor aqui estivesse, não poderia expressar-Se de modo mais profundo." Aduz Helena: "É verdade. O nosso amigo é dono de profundo saber, como ficou provado naquele monte quando desafiou o chefe do mal. Por isso lhe dedico grande respeito."
Diz Cado: "Minha amiga esquece-se ter sido ele um demónio? E que naquela ocasião um desafiava o outro?" Diz Helena: "Se Cado foi demónio, eu fui dez vezes pior. Ele nunca o foi na realidade, mas apenas aparentemente para poder enfrentar os verdadeiros. Eis grande conhecimento, impossível ao demónio verdadeiro, porque nele não existe amor."
"Bravo!" Diz Cado. “Falaste bem. Enquanto não havia amor em Cado, este não tinha sabedoria. À proporção que o recebia aumentava a sua sabedoria, com ela lutando contra os demónios, impondo maior respeito. Agora tentai abrir a porta; pois ao longe vejo aproximar-se a multidão. Que dirá ao nos encontrar nesta situação?"
Diz Roberto: "Tenho receio de acordo com o Evangelho, para tal empreendimento. O Próprio Senhor disse: A porta que dá para o Céu é estreita. Deveis passar por ela, caso quiserdes entrar. — Observai esta aqui, a sua altura e largura. Julgais ser realmente a entrada celeste?"
Diz Cado: "Interpretas materialmente as Palavras de Deus. Não representa a porta estreita do Evangelho a humildade do coração? Abre- a! Ainda será estreita."
Concorda Roberto: "É, às vezes, estranho como nos tornamos tão tolos. Piores que animais. Eles estacam diante da porteira, enquanto pretendemos furar a parede com a cabeça. Helena, deves estar satisfeita com a minha burrice."
"Não vem ao caso", diz ela, novamente feliz, "sou também ignorante. Ainda não sabemos ao certo se a porta se abre para fora. Ambos fomos muito ignorantes por não termos feito esta tentativa. Vai e experimenta mais uma vez, como no início — depois farás o que o nosso amigo aconselhou." Protesta Roberto: "Qual nada. Farei a coisa certa."
Importanteensinamentosobreasapariçõesno Além.
Com isto Roberto dirige-se ao portal, faz a tentativa com pequeno esforço — e os batentes largos e pesados se abrem instantaneamente. Quando abertos, Roberto dá uma gargalhada e diz: "Eis o Céu mais peculiar deste mundo. Isto é para rir. Vem cá, Helena, olha para dentro."
Ela aproxima-se rapidamente, olha com atenção e diz após algum tempo: "Mas, — isto é Viena, legítima! Eis a quarta sala da tua casa, gloriosa e celeste. Não há quem nos impeça de procurar um emprego. Subirei nas barricadas e como fantasma incendiarei um canhão após outro. Talvez isso venha a sustar o estado de sítio? Falando seriamente, esperávamos o Céu e chegamos a Viena. Que dizes a isto?"
Responde Roberto: "Já te falei, por ocasião da tua atitude "vienense" para com Minerva, que ainda chegaríamos a Viena em vez de entrar no Céu. Certamente ainda vamos parar no subúrbio onde moraste. Chamarei Cado para que veja esta surpresa."
Neste ínterim Cado se entregava a observar a chegada da multidão; convidado por Roberto para olhar pela porta, este lhe diz: "Então, amigo, agrada-te o Céu residencial da Áustria? Vês as paliçadas, canhoneiras, canhões e morteiros? Descobres os vigias e as suas casas de guarda? Que beleza, a cidade celeste em estado de sítio!"
Diz Helena: "Cado, não seria possível tornarmo-nos visíveis, temporariamente? Tinha vontade de brincar um pouco de fantasma. Talvez isso ajudasse os vienenses a desistirem da sua situação
revolucionária. Caso eu e Roberto viéssemos a morar novamente em Viena seria preciso transformá-la." Diz Cado: "Minha amiga, julgas realmente ser isto a Viena verdadeira? É simples aparição, nada mais. Há pouco Roberto falou de uma porta estreita pela qual se entra no Reino Celeste. Ei-la diante de nós. Ao transpô-la ainda passareis por vários apertos, — todavia será possível passar por eles."
Diz Roberto: "Não duvido. Mas de que maneira? Aliás é esta Viena cópia autêntica da verdadeira. Acabaste de dizer ser isto apenas aparição; entretanto, é tão real como nós. Seríamos também somente aparição? É este portal igualmente aparência? Não consigo fazer uma ideia exacta. Ela é, a meu ver, nada mais que reflexo de uma coisa real ou, então, é criação momentânea para explicação ou análise de um espírito. Após cumprir a sua missão ela desaparece da esfera visual. Julgo difícil dar-lhe outra interpretação. Preciso chegar a uma definição clara; de contrário serei obrigado a tomar como aparição tudo o que até este momento se apresentou aos meus olhos, neste mundo."
Diz Cado: "A tua concepção do assunto é certa e pouco terei a acrescentar. É algo exagerada a tua afirmação ser a aparição algo de fútil. Em meu critério, no mundo espiritual, uma aparição reflecte uma coisa existente ou um plano para nova criação, no começo somente visível ao Senhor; a seguir, a qualquer espírito que se acha em união com a Ideia criadora através da sua natureza amorosa. O facto de tal ideia se apresentar qual cópia dentro da esfera espiritual do observador, é determinação da Sabedoria Ilimitada do Senhor até que o espírito tenha adquirido poder e força de reconhecer realidade e constância dentro da aparição.
Ao entrar aqui, o espírito é muito delicado e fraco para poder enfrentar as realidades mais fortes. Haveria de ferir-se e no final se desintegraria, assim como sucederia a uma criança recém-nascida que fosse deixada em cima de paus e pedras. Nem tudo o que enfrenta um espírito novato nesta região é aparição, mas realidade, de acordo com a sua força.
A porta é uma realidade espiritual, e nós, igualmente. Aquela Viena é apenas aparência, mas, como tu mesmo observaste, cópia autêntica da metrópole terrena que tu e Helena conservam em vossa alma. Este quadro, vez por outra a perturba e projecta impurezas que numa irritação procura extravasar, apresentando-se pelo pronunciamento. Tal projecção não pode encontrar acesso na Luz do Amor Divino, ou seja no puro Céu, e lá perdurar, pela impossibilidade de algo impuro entrar no Reino Celeste. Deste modo se projecta da vossa alma — que se encontra no limiar dos Céus Puríssimos de Deus e já é bafejada pela brisa pura e celestial — o último quadro impuro, isto é, a cidade de Viena, a ser por vós analisada e em seguida expulsa para todo
o sempre. Como já disse, ainda vos dará muito trabalho. Com a Ajuda constante do Senhor isto será conseguido de modo mais fácil do que presumis. Coragem, que tudo sairá bem."
Diz Roberto: "Meu amigo, onde foste buscar a tua sabedoria? Falaste como o Próprio Senhor. Explica-me isso. Sempre pensei que nos acompanhavas a fim de seres preparado para os Céus de Deus, por mim e Helena. Agora dá-se justamente o contrário. És tu o nosso perfeito mestre, e temos a capacidade para entender-te. És realmente o mesmo Cado que lutou contra Minerva, por palavras e atitudes? Ou te fantasiaste de Cado e em verdade és um arcanjo? Só assim se explica o teu saber. Eu, Graças a Deus, não sou ignorante. Mas ao abrires a boca, fico fulminado. Onde foste buscar tão profundo conhecimento?"
Responde Cado, sorrindo: "Em tempo oportuno saberás de tudo. Agora não te preocupes, por haver coisas muito mais importantes Eis a assembleia se aproximando. Chega à porta.
Diz Roberto: "Está bem, mas tens que me acompanhar, por seres mil vezes mais perfeito do que eu." Diz Cado: "Não te posso deixar, tampouco a Helena, muito querida." Diz Roberto: "Como receberei esta gente? Que direi ao Senhor? Como desculpar-me da minha tolice perante Ele, os profetas, apóstolos e demais personagens realmente abençoados?
Ajuda-me neste conflito."
Diz Cado: "Não sejas pueril. Podes ser filial o quanto quiseres, mas não infantil. O intelecto das crianças é pueril e inútil. A sua alma infantil é de máximo valor diante de Deus. Inspirar-te-ei o que deves falar; será pouco, mas deve ser razoável."
Opõe Roberto: "Como farás isso? Para tanto terias que ser Deus, ou
o Senhor te daria força especial para tal fim." Diz Cado: "Tens a mania cansativa de pesquisar as coisas. Seria preciso compreender-se tudo a fundo? A Eternidade é longa e dará tempo para compreensão e entendimento maiores. Atenção, aí vêm os apóstolos, na dianteira Pedro, João e Paulo. Terás que começar com eles o teu desempenho."
RobertoeHelenareconhecemosseusamigos divinos.
Os apóstolos dirigem-se ao portal, curvam as suas frontes e cumprimentam Roberto e Helena, expressando a sua grande alegria, enquanto a multidão se prosterna e exclama um "hosana ao Senhor". Roberto vira-se para todos os lados a fim de ver a Chegada do Senhor, mas em vão. Descobre porém atrás da multidão, alguém idêntico a Cado. A manifestação de regozijo não acaba e Roberto nota que os três apóstolos não conseguem dizer palavra, tal a profunda emoção.
Não suportando mais a situação, Roberto vira-se para Cado e diz: "Todas estas pessoas estão como que arrebatadas, em êxtase incompreensível. A própria Maria, ao lado de José, não faz excepção. Os meus olhos quase saltam das órbitas e vejo tudo numa contrição inconfundível, e na retaguarda percebo um espírito ajoelhado que poderia ser teu sósia. Porque esta manifestação de respeito invulgar, quando o Senhor não está Presente? Talvez todos O vejam — eu e Helena não conseguimos."
Diz Cado: "Caro amigo, que farei contigo? Aqui não há binóculos e telescópios." Diz Roberto: "Aponta-nos o Senhor, nada mais. Tenho que saudá-Lo! Mas onde está? De onde vem?" Diz Cado: "Se não consegues vê-lo, és realmente cego. Pergunta a estes três, talvez também não O vejam."
Diz Roberto: "Coisa estranha, tu me dares uma resposta ambígua, quando preciso de uma definitiva. Também não te admiras pelo facto de se encontrar a multidão toda prostrada diante desta porta, sem ousar erguer os olhos. Realmente, nada te altera nem Céu, nem inferno. És impecável, tanto em tua sabedoria cada vez mais enigmática, quanto na tua paciência infinita e nas respostas, dando a impressão de falares apenas por falar."
Diz Cado: "Não, te dou respostas completas que entendes apenas pela metade. Por que não inquiriste dos três apóstolos, como te aconselhei? De há muito teriam dito qual a finalidade disto tudo e onde Se encontra o Senhor. Careces, pelo visto, de coragem, o que não deixa de ser tolice. Como cidadãos celestes, não hão-de querer ser mais do que nós. No Céu todos são iguais. O mais simples é o melhor, representado pelo Próprio Senhor. Procura-O, e tê-Lo-ás em breve. Aliás já O tens. A teu ver é Ele simples demais, de sorte que não podes reconhecê-Lo, embora, de há muito O vejas."
Diz Roberto: "Embora O veja há tempos? Ora, isso seria estranho — vê-Lo e não O reconhecer. A Ele? Desde o princípio privei com Ele neste mundo e não haveria de saber estar com Ele? Amigo Cado, és muito inteligente. Tal afirmação foi algo exagerada. A julgar por ti deverias tu mesmo ser o Senhor ou, finalmente, a Helena. Eu não O sou e os apóstolos tampouco. Helena é mulher e além disso de trajes riquíssimos. Tu és evidentemente o mais simples, pois as tuas peças orientais carecem de qualquer enfeite e apenas te cobrem. Deves ser o Senhor, não obstante te pareças com Cado. A fisionomia do Senhor é muito parecida com a tua; entretanto és o mesmo Cado que lutou com Minerva. Hum, — és realmente o Senhor?
Se isto fosse real, teria eu uma síncope de vergonha. Quanta coisa confusa e imperdoável foi por mim pronunciada! Agora está se fazendo em mim a luz. Sempre me indicaste o Evangelho quando não havia mais
saída para mim. Tal não seria possível ao verdadeiro Cado, porquanto não podia estar tão bem orientado no assunto. Agora compreendo a tua sabedoria ilimitada! És Tu Mesmo, — e nenhum outro!
Sendo isto reconhecido pela multidão, Senhor — permite que eu e Helena nos ajoelhemos aos Teus Pés e Te ofertemos a gratidão sincera dos nossos corações. Helena, este nosso Companheiro, este Amigo dos amigos, este Cado divinamente sábio, não é o Cado. Cado é apenas a Sua veste, na qual Se oculta o Próprio Senhor!"
Quase fulminada por esta certeza, Helena atira-se ao solo e exclama: "Senhor, não me condenes pela minha brutalidade. Meu Deus, que fiz eu?" Digo Eu, ainda como Cado: "Filha querida, amo-te precisamente porque és e foste como devias ser, dentro da Minha Vontade, pois temos que ir a Viena."
Estranhaentrada naViena, aparente.
Diz Roberto: "Senhor, não estarias disposto a informar-nos o que faremos nesta Viena aparente? Ao entrar ao Teu lado, em companhia da enorme multidão, sem preparo algum, não posso imaginar como seremos recebidos ou qual a minha atitude em ocasiões curiosas, por certo inevitáveis."
Respondo: "Se estou contigo, isso não te deve preocupar. Além do mais, não virá a multidão, mas apenas Eu, os apóstolos, tu e Helena. Os outros aguardarão nosso regresso.
Observa a cidade, inteiramente habitada como na Terra, e isto pelas mesmas criaturas que lá viveram de 1848 até ao ano actual, 1850. Algumas destas criaturas ainda lá vivem, outras já faleceram. Vamos até lá, a fim de que tenhas, em breve, passado pela "porta estreita". Aos vossos pés se acham túnicas mais escuras que devem cobrir as vossas vestes celestiais."
Roberto, Helena e os apóstolos assim fazem assemelhando-se a simples peregrinos. A Minha indumentária é a do mais simples judeu. Assim disfarçados encetamos a curta trajectória para Viena. Ao chegarmos à divisa, isto é, à chamada "Fiandeira da encruzilhada", diz Roberto: "Senhor, acaso somente nós vemos esta gente da alfândega? Se também nos perceberem, teremos dificuldades por não termos passaportes."
Digo Eu: "Somos visíveis pelos que se acham realmente no mundo espiritual; entretanto, estes influenciarão aqueles que ainda vivem na cidade, chamando a atenção para a nossa presença, de sorte que haverá
certa confusão. Deixa Pedro tomar a dianteira. Ele sabe melhor, como tratar tais inspectores alfandegários."
Pedro dirige-se imediatamente ao aduaneiro e diz-lhe: "Amigo, somos viajantes de muito longe; no entanto não temos passaportes, dado que existe plena liberdade no Reino Celeste, por todo o sempre. Como criaturas realmente honestas e nada havendo que nos desabone, conseguimos passar por toda a parte sem a menor dificuldade. Julgo dar- se aqui o mesmo."
Responde o fiscal: "Meu amigo — presumivelmente da China! Se não tiverdes nada a ser taxado, podereis passar sem susto. Lá na frente existe outra alfândega onde se visam passaportes. — Sois realmente chineses?" Diz Pedro: "Sim, sim. Quer dizer que lá está o guarda-mor? Grato pela informação." Diz o fiscal: "Ora veja, esta gentalha andrajosa quer passar por educada."
Diz Pedro: "Não deves considerar as pessoas pela roupa, pois ignoras quem poderia estar dentro de vestes simples." Conjectura o fiscal: "Por certo raras vezes outra coisa senão vagabundos, merecedores de serem presos e repatriados. Compreendeste?"
Responde Pedro: "Como não; esse linguajar é tão comum hoje em dia que a classe simples o entende sem dificuldade. Naturalmente, lidas de outra maneira com pessoas que passarem de carruagem de luxo e serviçais agaloados. Nós, descalços, somos tratados como animais, o que não testemunha em teu favor. Deixa-nos passar; talvez os fiscais da outra alfandega não sejam tão grosseiros como tu." Diz ele: "Sim, lá não se fará muito luxo convosco. Vão andando, de contrário mandarei prender-vos."
Vira-se Roberto para Mim: "Senhor, vês como são? E ainda é um dos melhores. Poderia estourar de revolta." Acrescenta Helena: "Se nos tivesse importunado por mais tempo com o seu menosprezo, teria dito algumas verdades, pois conheço este malandro. Algumas bofetadas teriam enfeitado aquela cara quadrada."
Interrompo: "Filhinha, não fales tão alto. Este aduaneiro tem bom ouvido e caso te ouvisse enfrentarias situações difíceis." Obtempera Helena: "Não seria pior que Satã?" Digo Eu: "Depende. Os cães acorrentados como guardas dos ricos, são a seu modo piores do que os donos. Esses apenas falam, os cães mordem. Fica satisfeita por não teres sido atacada pelo cão do seu senhor. Eis que chegamos à segunda alfândega. Pedro, dirige-te ao oficial. Veremos o resultado."
Diz Helena: "Seremos presos, caso não fizeres uso do Teu Poder, Senhor." Respondo: "Não te preocupes. Que importância teria se estes cegos nos prendessem? Qual seria a prisão capaz de nos trancar? Bastaria o mais leve Hálito da Minha Boca, para desaparecer a Terra com todos os seus cárceres. Ouçamos Pedro, que neste momento é inquirido: "De onde sois? Viajais todos com um só passaporte? E onde está?"
Diz o apóstolo: "Um momento. Acaso ninguém, inclusive um radicado, pode passar sem documento?" Responde o sargento: "Não sendo vienenses, necessitais de documentação e além disso tereis que ser examinados para eu saber da vossa índole."
Diz Pedro: "Pois não. Darei as informações exactas." Prossegue o sargento: "Como te chamas?" — Responde o apóstolo: "Simão Judá, filho de Jonas, chamado Pedro." — Diz o policial: "Isso soa estranho. Qual é tua profissão?" — Responde Pedro: "Sou pescador de nascença e há cerca de dois mil anos me entrego à pesca humana."
Vira-se o sargento para o assistente: "Vigia este homem, faz jus a uma casa de loucos, dizendo-se Pedro, o célebre apóstolo. O que não se passa nesta barreira...!"
Em seguida ele dirige-se a Paulo, dizendo: "Como te chamas e qual o teu ofício?" — Responde Paulo: "Sou tecelão de tapetes e, além disso, apóstolo dos pagãos. O meu primeiro nome foi Saulo. Posteriormente mudei-o para Paulo." — Diz o sargento a outro ajudante: "Deve também ser vigiado, pois é igualmente louco." — Em seguida diz a João: "Acaso também és apóstolo de Cristo?" — Diz este: "Sou o evangelista João e ao mesmo tempo apóstolo do Senhor." Diz o policial a um terceiro assistente: "Pertence também à mesma categoria, pois os afins se atraem."
Nisto, Helena adianta-se e diz ao sargento, em genuíno dialecto vienense: "Seu idiota da Boémia! Tem cuidado que eles não lhe escapem."
— Reage ele cheio de ódio: "O quê...? Que foi que disse? Espera que expulsarei a tua grosseria." — De um salto, Helena posta-se ao lado dele e diz: "Tem cuidado para a tua sensibilidade boémia não sofrer algum incómodo intestinal. Imagina, querendo ser orgulhoso com essa cara? Desiste da raiva, de contrário digo-te algo inconveniente."
Diz o sargento: "Onde é o teu local de nascimento?" Responde ela: "Ora, basta te lembrares da taverna de onde foste expulso por três vezes por causa de imoralidades e brigas." — Diz ele: "O quê? Então és produto da ralé suburbana de Viena?" — Responde Helena: "Exactamente. Não te recordas de Helena?"
Admirado, ele prossegue: "Como te juntaste a este grupo de doidos? Qual o fim que levaste, após a revolução? Ninguém mais soube de ti." — Diz Helena: "Ora, morri! Agora estou novamente viva e visito a minha pátria com estes amigos, caso o senhor não se oponha. Garanto não se tratar de doidos." — Obtempera ele, mais cordato: "Qual nada! São doidos varridos.
Analisarei a tendência com os dois últimos." Adianta-se Roberto e diz: "Pretendes examinar a mim e a Este meu Amigo Santo, para ver se somos mentalmente sãos? Pobre coitado! Isso devias ter feito contigo mesmo, a fim de que tivesses chegado à noção de que há tempos não te encontras em corpo na Viena terrestre, mas na metrópole espiritual
correspondente à vida na Terra. Julgas ser realmente fiscal de divisas? Tu o és apenas na tua imaginação. Crês possuir poder ou justiça para analisar-nos? Tens somente o direito de um desvairado, cego e surdo.
Morreste de cólera, no ano de 1849. Mensageiros celestes disso te informaram no momento em que deixaste o teu corpo físico. Tu os ridicularizaste, dizendo: "Loucos que sois! Acaso não vedes ser eu primeiro-sargento, forte e cheio de saúde? Não acreditando, meto-vos na cadeia, e então sabereis se morri ou não!" — A esta reacção, os mensageiros te deixaram e há mais de um ano persistes na tua tolice, considerando de loucos, espíritos bem-intencionados. Pensas realmente seres sargento de Viena, residência do Imperador austríaco? Analisa a barreira. Não percebes como neste momento se torna cada vez mais transparente?"
Diz o sargento: "Isto tudo é brincadeira. Como é o teu nome? Tens algum documento de identificação?" — "Não!" Roberto brada de forma a deixar o guarda tonto, gritando por socorro. Novamente Roberto lhe grita: "Tolo, que queres que te faça? Queres viver ou morrer para sempre? Quem morre aqui, fá-lo para toda a Eternidade."
O sargento grita de novo e de pronto aparecem três guardas para aprisionar Roberto. Este os fulmina com "Alto lá"! Com tamanha veemência pronuncia as palavras, que eles caem por terra, como fulminados. Roberto, então, diz: "Senhor, se for da Tua Vontade, podemos caminhar sem susto. Aqueles três a vigiarem Pedro, Paulo e João serão afastados com um sopro, não havendo mais impedimento na barreira."
Digo Eu: "Estaria tudo bem, mas este sargento ainda terá que examinar-Me. Isto feito, prosseguiremos incólumes, sem gastar a nossa energia." Diz Roberto: "Está bem, Senhor. A Tua Vontade é Santa."
Ergue-se o sargento cheio de raiva: "Quem é senhor, cuja vontade é suprema? Aqui só rege o Imperador. Guarda! Prende esta gentalha e esclarece ao comandante quanto à sua atitude suspeita. Este brigão receberá vinte e cinco cacetadas pelos gritos, o que deverá ser levado a protocolo. Carrega com ele."
Três homens rodeiam Roberto para lhe porem as algemas. Helena dá um salto junto do marido e diz: "Será morto quem puser as mãos em Roberto." Um deles insiste em pegá-lo pelo pescoço, mas leva uma bofetada de Helena, e cai por terra. Os outros querem agarrá-la, no entanto recebem a mesma medida, de sorte a se evadirem, inclusive os que vigiavam os apóstolos. Em vão o sargento procura retê-los, pois sentem não convir procurar atritos conosco.
Osargentoexaminao Senhor.
O sargento ainda se acha imbuído da sua posição, nada vendo e ouvindo além daquilo que faz parte dos seus deveres fictícias. Tornou-se apenas mais modesto, pelo abandono da guarda. Dirige-se a Mim e indaga da Minha Procedência.
Respondo: "Vimos directamente dos Céus mais elevados. Sou Cristo, o Senhor, e aqui vim para despertar os mortos, procurar os desviados e curar os enfermos. Todos os de boa vontade receberão grande Graça."
Diz o sargento, ao qual se haviam juntado alguns indivíduos da alfândega: "Falaste certo. És o louco mais inteligente, pois os outros, ainda manifestavam boa porção de astúcia. Ocultavam em suas loucuras tendências criminosas, querendo ludibriar-me pela aparente boa vontade. Dotado eu de olhos de lince, e ouvindo nascer até a erva, não conseguiram a sua intenção. Sei muito bem com quem estou lidando. Podereis passar em virtude de ter sido dispensada a documentação de permanência e facultado à Igreja Católica livre acção em sua esfera clerical. Deste modo, um sargento, evidentemente em uma fronteira, não se deve admirar se, de vez em quando, enfrenta jesuítas e ligurianos disfarçados. Dentro em breve começarão a chover indulgências e milagres. A escada de Jacó será consertada e erguida entre o Céu e a Terra, a fim de descerem e subirem anjos, apóstolos, a Virgem Santíssima, outros santos, inclusive o próprio Cristo, — naturalmente mediante pagamento e demais sacrifícios. Sois disso a primeira prova.
Podeis passar. Se soubesse disto antes não vos teria posto pedras no caminho, pois tenho ordem secreta para tanto. A vossa organização é muito original, com excepção de Roberto Blum e a presença patente de Helena, conhecida de todos os vienenses farristas. O verdadeiro Blum por certo não sofrerá mais dores de cabeça. Mas a invenção do pseudo-Blum é boa! O seu nome ainda exerce poder oculto em Viena, e uma heroína das barricadas, disfarçada, não deixa de ter o seu efeito. E tu, és o Cristo, o Próprio Senhor? Muito bem! Se cópias iguais a ti não ajudarem a Igreja Católica a ficar de pé, adeus Papa, Roma e o seu sacerdócio! Falta apenas uma dúzia de padres — e tudo entrará nos eixos."
Digo Eu: "Sei que és protestante e a tua opinião acerca do cristianismo romano é justa, porquanto constitui um horror, perante Deus, em seu empenho dominador, porém inútil. Entretanto não Me conheces, bem como ao Meu pequeno grupo. Não quero impor-te seja o que for. És livre e podes fazer e crer o que te agrade. Somente serás esclarecido mais uma vez, não te encontrares no mundo da matéria e sim
no dos espíritos. Aquilo que vês além de Mim e o Meu grupo é simples aparência, entretanto poderia tornar-se realidade espiritual caso aderisses e seguisses as Minhas Pegadas. Estás, todavia, por demais afastado do Meu Reino, em teu coração, não Me podendo reconhecer na tua cegueira. Continua o que és e onde estás, talvez haja um outro encontro."
Responde o sargento: "Com muito prazer, se não aqui, quiçá num outro mundo. Além do mais desejo bom sucesso na capital, onde o estado de sítio será favorável à vossa empresa. Adeus." Sem mais delongas, nos dirigimos ao centro de Viena. O sargento e o seu pessoal nos acompanham de vista. Quando deles se aproxima o cobrador de taxas para se informar do nosso grupo, se chinês ou hindu, o sargento responde: "São jesuítas espertalhões disfarçados de missionários. Desde que a Igreja tem liberdade de acção em nossa pátria, os padres reerguem a escada de Jacó, em linha recta ao Céu.
Imagina, estes seis personagens se diziam, primeiro, o próprio Cristo que curará todos os enfermos e outros milagres! Talvez consiga pôr as finanças de pé para marcharem a Roma. Em seguida, Pedro, Paulo e João evangelista. Que me dizes a isto? Acompanhados de uma pequena formidável, chamada Helena, heroína das barricadas. Agora não vás ter uma vertigem: o Blum também lá estava. A minha guarda, algo temerosa, fugiu, deixando-me sozinho. Que dizes a esta conquista do ano de 1848?"
Responde o cobrador: "À primeira vista tem aspecto de comédia; o meu íntimo diz-me, ser aquilo bem mais sério. Concordo, que os padres empreendam de tudo para vivificar a desejada superstição popular, após a conquista da liberdade clerical. Mas deste modo, nunca. No passado pôde um padre lúbrico se ter tornado importuno com uma jovem freira em horas nocturnas. Mas, perante a autoridade e num estado de sítio da capital austríaca, o mais astucioso jesuíta não teria coragem para tanto. Sabes não ser eu amigo dos padres; julgo, porém, nenhum se prestar para negócio desta ordem, ainda que visando as maiores vantagens.
O meu parecer quanto ao grupo é: ou se trata de altas patentes disfarçadas, ou são realmente o que dizem. Falando com sinceridade, a nossa existência actual é algo estranha, levando-me à suposição de me encontrar em um sonho ou num torpor. Além disso, fiz certas observações e me admirei de não as ter feito há mais tempo. Há dois anos não vejo carroça ou carruagem; raras pessoas passam por aqui, sem falar de transporte de víveres. Geralmente são levadas batatas e ervas desconhecidas, lobos defumados, raposas e pequenos ursos e coisas semelhantes, despertando o franco riso. Como não se enquadram na tarifa, não posso cobrar imposto. Caso exija explicação, ninguém me responde.
Quando há algum tempo me entregava a meditações, vi a alguns passos uma grande moeda de ouro, de cunho recente. Abaixei-me para
apanhá-la e eis que em seu lugar se achava uma serpente venenosa, morta e toda preta. Ao tocá-la com a minha vara ela se transformou numa ave de rapina, de aspecto repugnante. Outra aparição deixou-me estonteado: estava na janela observando a chuva, recordando-me de não ter visto chuva ou neve durante todo este ano. Saí ligeiro para apreciar melhor a benéfica chuva — e eis que havia desaparecido. Só, então, comecei a reflectir acerca da peculiaridade atmosférica, pois nunca vi o Sol e ignoro a origem da luz. Acaso já assististe a uma noite? A um inverno, primavera, verão ou outono? Tudo aqui se passa numa constante monotonia, sem percebermos a situação real. No que não tem culpa o estado de sítio e os jesuítas.
Devido a tais ocorrências estou inclinado a crer: primeiro, termos morrido; segundo, serem aqueles personagens o que dizem. Queres saber de uma coisa? Irei com eles! Estão lá, na frente de uma casa. Tenho que saber o que há."
Diz o sargento: "Espera um pouco, também vou." Ao se juntarem a nós, à porta de uma casa, onde Pedro tenta curar os enfermos, o cobrador de impostos diz: "Caros amigos, mormente, Tu, Sábio de Nazaré! A vossa palestra me despertou para observar diversos factos, anteriormente despercebidos. Ao mesmo tempo senti uma sensação tão agradável com a vossa presença, que mal me contive em seguir-vos. Procurei descartar- me, alegando os meus deveres de autoridade. No final o meu coração disse: Quando Deus te chama, termina todo o compromisso imperial. — Aqui estou e peço-vos permissão para ficar até que, pelo vosso esclarecimento, saiba quem sou e onde estou. Tenho dúvidas ser esta vida, terrena, e não compreendo como só agora tal facto me perturba. Se for possível, acendei uma lamparina em minha caixa de pensamento."
MissãodePedrojuntoàhospedaria-"Aobom Pastor".
Digo Eu: "De bom grado será feito tudo que estiver ao nosso alcance. Não deves esquecer a tua tarefa. Fica em nossa companhia, presta atenção às palavras e acontecimentos, faz o que achares certo e dentro em breve receberás esclarecimentos.''
Adianta-se o sargento, dizendo: "Amigo, posso ficar também, pois mudei de opinião." Respondo: "És qual raposa e consideras-te muito. Entretanto nem todos que pedirem licença para ficar, serão aceites. Quem quiser privar Comigo, deve ter o coração mais puro do que o teu. Se nunca acreditaste em Jesus, como pretendes seguir Aquele que consideras jesuíta esperto? Teremos oportunamente um novo encontro; para o teu conhecimento actual seria inoportuno. Volta ao teu ofício imperial e dá
primeiro o que compete ao Imperador e depois trata de dar a Deus o que é de Deus. Consta o seguinte: Naqueles tempos haverá dois homens no moinho; um será aceite, o outro não. Igualmente se encontrarão dois no campo, cuja situação será idêntica. Foste convidado e não aceitaste o convite. Por isso virão primeiro a Mim os que se encontrarem nas ruas e encruzilhadas e se regalarão Comigo no banquete dos convidados."
Diz o sargento: "Com linguagem desta ordem, sinto até náuseas. Passe bem." Assim ele volta ao posto, reclamando. Observa o cobrador: "Não teria esperado deste homem atitude tão contrária à de Cristo. É bem difícil aceitá-Lo como Deus Omnipotente, por ser Ele demasiado Santo e Grandioso. Cristo foi apenas homem perfeito como qualquer um, com a diferença de ter sido pleno do Espírito de Deus, mais do que Moisés, Samuel, Elias e os outros profetas. Relegá-Lo e nem ao menos creditar- Lhe a dignidade de um sábio, é forte demais."
Digo Eu: "Qual é, pois, a tua opinião de Cristo?" — Replica o cobrador: "Oh, considero-O o Ser Supremo, até que se apresente uma Divindade mais poderosa e perfeita. De nada me adianta um Deus Infinito, jamais podendo ser visto pelas criaturas. Cristo me agrada muito. Um Deus-Pai e Espírito Santo algures nas alturas, não me interessam. Considero somente Cristo e entrego tudo a Ele."
Digo Eu: "Muito bem, agarra-te a Ele o quanto puderes. Tudo o resto se fará por si só. Eis que Pedro sai da casa. Ouçamos o resultado da sua missão." — Diz o apóstolo: "Senhor, a situação é realmente difícil e nada se conseguirá sem julgamento. Prevalecem teimosia, ignorância e desvario, piores do que em Sodoma e Gomorra. Se tivesse sido possível agarrar-me, aquela gente me teria despedaçado. Necessitam de médico e remédios especiais."
Digo Eu: "Deixemo-los e prossigamos, pois não nos imporemos a quem quer que seja." Diz Roberto: "Ó Viena, julgaste os que te foram enviados! Que o Senhor te perdoe. Não me vingarei; querendo esquecer ao Senhor por te achares forte pelo poder militar, serás castigada. Grande tribulação, sofrimento e vexame virão sobre ti, levando-te a exclamar: "Senhor, ajuda-me. Ele, porém, passará ao largo e o socorro virá tarde." Acrescento: "Sim, tens razão. Não quero prever nada neste caminho, mas aceitar tudo como vier. Se em toda a parte tivermos tal recepção, cumprir- se-á o que disseste."
Continuamos a nossa caminhada e em breve deparamos com outra casa, em cuja parede frontal se lêem os dizeres: "Ao bom pastor." Helena, então, diz: "Senhor, com esta recomendação talvez se encontrem moradores mais acessíveis." Respondo: "Não quero prevê-lo. Entrai e informai-vos." — Opina o cobrador: "Que eu saiba, gente boa nunca frequentou esta hospedaria." — Aduz Roberto: "Façamos uma experiência."
Aparteia João: "Se quiserdes, eu entrarei." — Diz Paulo: "Sei melhor do que tu, lidar com os pagãos. És por demais meigo e dócil para tratar com tais pessoas. Eu sou ríspido e enérgico, exigindo, enquanto tu, pedes. Se ainda existe possibilidade para alcançar algum êxito, serei bem- sucedido. Assim não sendo, tu e Pedro também não conseguireis nada."
— Diz João: "Com prazer te entrego esta tarefa em casa de Roberto. Penso serem inúteis também os teus passos; pois onde se desconsidera o amor, o rigor não terá sucesso."
Paulonoclubedos proletários.
Paulo entra naquela casa e diz a um grupo de pessoas em reunião secreta, para organizarem uma demonstração política contra o Ministério da Fazenda: "A paz seja convosco! Eu, o apóstolo Paulo, servo de Jesus Cristo, fui por Ele enviado para vos advertir com todo o amor, paciência e verdadeira meiguice, escudo eficaz e protecção segura contra qualquer inimigo, a fim de desistirdes da vossa reunião maldosa e infrutífera, dos desejos impuros e das suas acções subsequentes. Inclinai os vossos corações ao Senhor e externai-Lhe a vossa aflição, que Ele vos auxiliará. Não existe exemplo na História em que Ele não tivesse atendido a quem Lhe pedisse com sinceridade, ainda que fosse o maior pecador. Assim, também, não fechará os Seus Ouvidos e Coração, caso Lhe disserem: Senhor, Pai de Amor e Bondade, ajuda-nos que também somos Teus filhos! Considerai que a ajuda humana não é socorro e às vezes é até mesmo prejudicial."
Adianta-se um homem, dizendo: "Que queres, padre disfarçado e por certo membro da seita paulina que empreende as suas maquinações de modo inescrupuloso? Vai andando, de contrário conhecerás, aqui, Jesus Cristo." Diz Paulo: "Amigo, afirmo-te que tu e toda esta gente, já se encontram há certo tempo no mundo dos espíritos, entretanto agis como em vida. Aceitai a advertência, para perceberdes a verdadeira situação."
Esbraveja o homem: "Rua! Padre imundo! Vede só que figura! Pretende convencer-nos já termos morrido. Isto é demais. Dizendo-se Paulo, por astúcia sectária, faz jus ao manicómio. Fora com ele!"
Diz Paulo: "Ouvi apenas mais uma palavra, depois podeis enxotar- me. Quando, há quase dois mil anos, fui por Deus escolhido em Damasco para mensageiro de Cristo, acontecia não raro ser atacado por judeus odientos e outros inimigos da Doutrina da salvação. Mas, tão logo dizia a alguns: Analisai a Doutrina e conservai o que vos parecer bom; ela requer apenas a vossa vontade e um pouco de inteligência para estudá-la, acalmavam-se e no final se dedicavam ao assunto. O mesmo vos digo.
Medita! Primeiro sobre o que vos disse e se tiverdes encontrado algo que tenha eco em vosso íntimo, porque não o aceitar e moldar a vossa vida dentro de tal compreensão? Achando boa esta vossa existência, embora não tenha aparência feliz, e se um outro vos oferecer coisa melhor, — sereis loucos não aceitando o maior benefício. Por isso, analisai primeiro e depois julgai.
Além disso, que tenho a ver com a seita paulina? Afirmo-vos: Eu, o verdadeiro Paulo, e tal seita temos em comum apenas o nome. Quanto à Doutrina e à tendência utilitária, ela dista de mim mais do que o Céu da Terra. Desta minha declaração podeis concluir não ser eu padre ignorante e muito menos sócio de um grémio."
Dizem alguns, secamente: "Tal explicação não seria errada, entretanto contém dois pontos duvidosos: quereres ser o apóstolo e nós já termos morrido. Se assim fosse não teríamos corpo de carne e osso. Acaso o têm também os espíritos? Em tal caso, terás razão."
Replica Paulo: "Já vos disse: Analisai primeiro e tirareis a prova se pronunciei uma mentira." — Falam vários: "É fácil dizer, mas como provar? Acaso devemos considerá-lo ministro?"
Indaga Paulo: "Tendes algum dinheiro?" — Respondem eles: "Dinheiro? Que pergunta! E isto em Viena, onde há muito não existe moeda corrente? Papel, sim. Se serve, podemos fornecer-te algum." — Diz Paulo: "Deixai-me ver."
Dizem os oradores da sociedade: "Pretendendo ser o célebre apóstolo Paulo, falar-te-emos dentro da Escritura. Consta ter Pedro dito a um mendigo aleijado, às portas do Templo de Jerusalém: Meu caro, não possuo ouro e prata. Dou-te, contudo, o que tenho. — Afirmamos o mesmo. Entretanto Pedro ainda deu saúde ao pobre, em vez do dinheiro, o que não podemos fazer contigo. Primeiro, estás com a saúde perfeita e, além disso, não temos poder curador. Toma aqui a nossa fortuna, um simples "Kreutzer" de papel (dinheiro da Áustria). Transforma-o em "dez ducados" e conta com a nossa gratidão."
Paulo pega da nota e transforma-a em reais moedas de ouro. Sobremaneira estonteados, os associados dizem: "Isto ultrapassa todos os prestidigitadores e seria do agrado do Ministro das Finanças e de muitas outras pessoas. Com a tua arte poderias conseguir um ágio fantástico com o nosso dinheiro. Fica em nossa companhia, pois nos poderás ser muito útil."
Diz Paulo: "Não podemos cogitar de amizade por este motivo, mas para perceberdes em mim o Poder de Deus, o Senhor, dando prova não ser eu um mentiroso e impostor. Pedi apenas uma moeda, entretanto só tínheis um "Kreutzer". Isto indica o estado da vossa existência, considerada por vós materialmente, mas no fundo contém tão pouco de
matéria quanto vós possuís ouro e prata, não obstante a vossa pretensa afirmação e conceito erróneo.
Através da nota de um "Kreutzer" destes-me um testemunho certo sobre o valor da vossa vida, actualmente idêntica ao dinheiro de papel, cujo valor é nulo. Serve apenas externamente por algum tempo. Assim como na Terra os donos do dinheiro em papel se cansam em especulações, para transformarem o seu crédito monetário em moeda corrente, procurais igualmente extrair da vossa vida sem valia, uma vida real. Todo o esforço é inútil, pois o irreal não se pode tornar verdadeiro através de algo sem valor. Se trocardes papel por papel, que valor terá? Nenhum, pois quanto maior for a emissão, menos valor tem (teoria da inflação).
O mesmo se dá na vida terrena, em si inteiramente sem valor. A sua real valia consiste em se poder, por uma especulação inteligente e equilibrada, receber uma legítima, pelo Divino Banco de Câmbio Vital. Se pretendo valorizar a vida terrena em busca de uma pior e mais vazia, troco apenas o papel monetário de origem boa por um pior, fazendo parte dos tolos e especuladores desvairados.
Já assististes a uma corrida onde bons corredores procuram ganhar o prémio, dado a quem chegar primeiro? Digo-vos, muitos são os concorrentes, entretanto só um ganha o galardão. Acaso é este destinado apenas àquele? De modo algum. Destina-se a todos. Mas quem não se esforçar será culpado por nada ganhar. Aconselho-vos: Correi todos, o prémio é enorme e dá para todos. Querendo ser bons corredores tereis que estar livres de todas as coisas fúteis e tolas, a fim de que nada vos impeça, sobrecarregue e canse os vossos pés antes do tempo. A corrida é uma verdadeira batalha. Quem dela participa deve fazê-lo com rigor para uma finalidade determinada, sem arremessar a espada ao ar. O prémio é bom. Mas quem não o almeja com dedicação, continua um pobre diabo para sempre.
A vosso pedido, transformei os dez "Kreutzer" em dez ducados, provocando grande alegria. Não pretendia um benefício material, e sim, demonstrar-vos o que podereis fazer da vossa vida fictícia, se tiverdes o mesmo desejo demonstrado pelo ouro. Até então ela teve a mesma importância que o dinheiro em papel, de valor aparente e provocado pelas circunstâncias, porque nada possui de real para cobertura do seu valor nominal e conseguir fazer o aceite. Alguém podendo como eu, depositar dez ducados em seu lugar, fará ágio elevado, conforme observastes. Aceitai a vossa transformação; despi-vos de tudo que é vão. Tornai-vos lépidos e iniciai a corrida pelo destino da vida verdadeira. Ao meu lado recebereis um prémio justo."
Aconquistadeseisalmas.AépocadaGrande Graça.
Dirige-se o primeiro sócio aos demais: "Este homem fala qual Salomão e além disso entende algo de magia. A sua índole é estupenda e muito embora soe estranho ele dizer-se Paulo, o apóstolo, e afirmar sermos espíritos, não me parece de todo errado. Também já me admirei de muitos factos e apenas não os mencionei para não aumentar a dúvida sobre a nossa existência. A questão é real e não a podemos modificar. Por isso acho melhor seguirmos este amigo bem-intencionado."
Concordam alguns: "Podemos tentá-lo. Se tivermos sucesso, será em nosso benefício. Muito bem, somos seis a concordar e os outros não nos interessam." Diz o primeiro: "Se houvesse mais um, seríamos sete, o número cabalístico. Não haverá quem se anime?"
Apresenta-te um outro: "Sendo o mais ignorante, entrarei no conchavo, entretanto tereis que permitir que eu vá na retaguarda. Sabeis o sentido do número sete? Representa um burro: duas orelhas, dois olhos, duas ventas e uma boca perfazem sete. Nada disso nos faltando, estamos em condições de aceitar como verdade o que profere este Paulo caído do Céu. Vamos andando. Tão logo o negócio começar a perigar, serei, como último, o primeiro, como consta do Evangelho.
Sou humorista, como sabeis, todavia não concebo já termos morrido, pois saberíamos algo a respeito. A morte não é facto tão insignificante que se possa esquecê-la. Seja como for, tomo parte nesta brincadeira e se porventura o bom prestidigitador quiser transformar mais algumas notas de dinheiro em ouro, ficaria plenamente satisfeito." Virando-se para Paulo, ele prossegue: "Não poderias trocar-me isto por ouro?" Diz Paulo: "Por que não! Se te faço um favor."
O apóstolo toca as notas ao de leve, e as transforma em sessenta ducados. O outro quase desfalece de estupefacção e diz, após alguns instantes: "Isto é milagre verdadeiro. Agora acredito em todas as provas milagrosas de Cristo, como também seres tu o verdadeiro Paulo e nós já termos morrido."
Diz o primeiro orador: "Sou da mesma opinião, mas não pelo milagre e sim pelo seu discurso anterior, quando queríamos expulsá-lo. Naquela ocasião, foi Paulo tal qual consta na História dos apóstolos e as suas palavras me calaram fundo. Quanto mais medito a respeito, tanto mais sinto a verdade contida nelas. A produção monetária é brilhante e perturbadora. Se realmente é boa e real, — eis outra pergunta. Suponhamos nos encontrarmos no mundo dos espíritos, onde seria fácil surgirem tais fantasmagorias e seria suficiente o bom Paulo fixar o seu
pensamento em cem ou mil ducados — e nós, como espíritos, veríamos tais projecções, de modo real."
Diz aquele que concordara por último: "Como então não conseguimos realizar a menor moeda de cobre não obstante as nossas inclinações monetárias? Por aí vês existir algo mais do que simples pensamento de Paulo."
Conjectura o primeiro: "Sem dúvida nenhuma. Entretanto, persisto em afirmar ter sido o seu discurso mais importante do que a sua acção fantástica." Diz o outro: "Além disso, demonstrou o que representa espiritualmente a sua produção para nós."
Manifesta-se Paulo: "O vosso grupo perfaz cento e vinte cabeças e somente sete seguiram as minhas palavras. Que há com os outros?" — Diz um dos cento e treze: "Ficaremos aqui e dispensamos a tua doutrina e o teu ouro." Insiste o apóstolo: "Por ora a Porta do Reino de Deus se acha aberta e quem quiser poderá entrar. Será difícil quando a Porta da Graça especial estiver novamente fechada. Muito embora seja o Senhor Imutável em Seu Amor e Graça para com todos os seres e filhos, Ele não o é na Dádiva da Sua Especial Graça. Nem todos a recebem e sim poucos escolhidos, criados e preparados desde o início para a assimilarem e a suportarem, sem prejuízo para o seu espírito. Igualmente não existem profetas em todos os tempos. Surgem de século em século, inspirados pela Vontade do Senhor por uma Graça Elevada, a fim de que possam ver as coisas do espírito, ouvir a Palavra de Deus e transmiti-La aos fracos e ignorantes da Terra para se tornarem felizes, podendo entrar no Céu da Graça Divina.
Ouvi e vede, surdos e cegos! Eis actualmente a época da Especial Graça do Senhor. Mensageiros dos Céus mais elevados, atravessam em todas as direcções as esferas mais inferiores do mundo das trevas. O Próprio Senhor entrega-Se a esta tarefa para a felicidade dos sofredores. Na Terra e em todos os mundos são inspirados profetas especiais e servos do Senhor, transmitindo aos outros a Luz e o Verbo Celestes.
Infelizmente, são poucos os que ligam para isso. Muitos vos imitam. Ridicularizam os profetas ou talvez os ameacem — mas esta época em breve passará e a Porta da Graça Especial de Deus será fechada por muito tempo, para os filhos do mundo e do julgamento. E se clamardes em vossa grande aflição, não recebereis resposta. Mesmo que procureis, nada achareis. Não obstante todos os pedidos e súplicas,— nada vos será dado. — Agora, nesta época da Especial Graça, não necessitais procurar, chamar, pedir e bater, basta quererdes que sereis aceites. Agora sois chamados, procurados, implorados e batemos na porta do vosso coração. É suficiente para vós convidar-nos para entrar — e se realizará a admissão no Reino de Deus. Que mais quereis? Agora tudo é feito pelo Senhor em benefício da vossa eterna bem-aventurança. Após o
breve término desta época incomum, fareis todo o possível sem algo alcançardes, como disse.
Vejo a vossa índole. Não quereis pertencer ao espírito e seguir a sua meiga voz vinda dos Céus abertos, porque dais ouvidos à voz mortal da vossa suposta matéria, desejando mulheres para com elas pecar o resto da vida. A vossa desprezível figura não lhes agrada, sentindo asco tal como da peste, pelo vosso desejo condenável. As que ainda achassem algum prazer em vós, não satisfariam os vossos sentidos por serdes excessivamente impudicos querendo somente um físico voluptuoso.
Esperai um pouco. Esta temporada especial não durará e então virão criaturas às quais servireis em excesso. Em breve começareis a chorar e clamar querendo afastar-vos da carne feminina. Tudo será em vão. Elas atirarão ao redor do vosso corpo algemas incandescentes, feitas de ofídios, soterrando-vos para sempre na cova da destruição, onde não haverá época de Graça Divina para vos salvar. Ai de vós e de todos os impudicos no mundo dos espíritos e na Terra, caso seja desviada a atenção da Graça e dirigida ao físico voluptuoso das mulheres! Tão certo existe Deus e a Sua Palavra que vos é transmitida por mim, transformar- se-á o que a vossa impudícia imagina, como céu cheio de prazeres e êxtases tentando o vosso coração, em um inferno da pior espécie.
Invectivais constantemente contra o Governo, porque os seus dirigentes necessitam de grande pompa e luxúria, lesando-vos. Esse prejuízo aborrece-vos, especialmente por causa da volúpia insatisfeita. Se tivésseis milhões, todo o Governo seria do vosso agrado, pois poderíeis organizar um céu carnal ao vosso gosto. Se as vossas finanças não dão margem para isso e sendo obrigados a satisfazer-vos com o refugo, mesmo assim muito raramente, estais cheios de revolta contra os soberanos que possuem as mulheres mais bonitas a toda hora.
Não compreendeis que tudo isto foi organizado por Deus Mesmo, que o permite, a fim de que vejais a realidade e reconheçais ter sido criados e destinados por Deus para algo melhor do que apenas para obras da carne. Enquanto o homem viver no mundo, na verdadeira carne da morte, tem que efectuar tais actos dentro da medida sábia, nunca porém considerá-la como finalidade da sua vida. É prática ocasional, conforme existem várias para uso da carne temporária, sendo o acto o menos importante.
Quem o pratica dentro da justa medida, faz bem. Quem o evitar, fará melhor. O Senhor deu este sentido não como necessidade, mas como qualidade para uso sábio e moderado. Quem dela faz necessidade é miserável pecador, e a Graça de Deus se afasta do seu coração, por obedecer à lei carnal, construindo um céu cheio de animais pela justificação da morte e do julgamento.
Compreenda quem puder. Quem achar prazer numa lei pesada pelo julgamento, considerando-a pela volúpia e praticando-a, já sente o julgamento. Esse homem é escravo e condenado a não penetrar na liberdade e Verdade Divinas.
Por isso, deveis estar acima do julgamento da carne pelo livre poder da renúncia e pelo amor e fé viva em Deus, o Senhor, a fim de que possais libertar-vos de todas as leis e condenações. Um escravo da lei, moral ou natural, não pode entrar no Reino de Deus, antes que se tenha libertado de toda a lei. No Reino de Deus ninguém será julgado pela lei, ela mesma é o julgamento. Somente quem se erguer acima de todas as leis por amor a Deus, será livre em Deus e toda a verdade. O Amor em Deus é a Única Verdade. Todos me ouviram e ninguém poderá desculpar-se. Fazei o que mais vos agrade."
Umsóciodáboa resposta.
Externa-se um homem dos cento e treze sócios: "Esse discurso foi importante e me esclareceu muitos segredos da vida. Quem está preso à lei acha-se atado ao patíbulo do espírito. O pecado e o castigo subsequente são apenas filhos da lei. Quanto maior o número de leis, tanto mais numerosas as infracções e punições. Por que actualmente quase todas as prisões da Europa estão abarrotadas de criminosos? Em virtude das forças militares terem inventado quantidade de novas leis, enquanto as criaturas procuravam desfazer-se desse jugo, caindo nas celas amaldiçoadas do castigo, através da lei.
Fossem os homens verdadeiros e sinceros não necessitariam de leis, achando-se acima do julgamento. Em virtude da sua natureza animal, é necessária a instituição de leis correspondentes, pelas quais as paixões desenfreadas são subjugadas. Que seria de uma escola sem organização? A sociedade sem lei? As leis são somente um mal contra outro mal; entretanto, é possível imaginar-se um grupo de pessoas inteligentes, dispensando todas as leis para se tornarem livres e felizes. Compreendemo-lo perfeitamente e nos cabe fazer justiça a Paulo.
Mas de que modo seria possível um povo de componentes variados elevar-se acima da lei, seja moral, natural ou política? Cumprindo-a, o homem é escravo. Não o fazendo, é chamado à responsabilidade e a lei se torna maldição. Nela se integrando como segunda natureza e o seu cumprimento lhe dando verdadeiro prazer, qual carrasco, que às vezes semanas antes da execução goza o acto a ser consumado — ele se tornou vivificação da lei. Poderia exclamar: Senhor, quem nos libertará da lei?
Somos um conglomerado de deveres e obrigações, ambos de efeito diabólico. Aquilo que tem que acontecer pela Vontade da Omnipotência Divina tornou-se condenação. Aquele que for submetido ao livre arbítrio ainda não está condenado, porém na constante expectativa do julgamento.
Que faremos? Este homem com o nome do apóstolo ou talvez ele mesmo, já que nos encontramos no mundo dos espíritos, aliás hipótese do meu agrado, pois o pensamento da morte sempre me foi da maior aflição,
— deu-nos uma explicação clara e verdadeira. Segui-lo-emos? Certamente não nos conduziria ao inferno — pois não existe em parte alguma — tampouco ao tribunal. Vamos com ele à rua e saberemos de sua intenção."
Concordam os outros: "De facto seríamos tolos caso não seguíssemos o apóstolo. Se porventura não nos agradar outra situação, poderemos voltar aqui. Não poderá haver coacção, dentro ou fora de casa."
Paulo novamente toma da palavra: "Pela aceitação do meu conselho sereis tão livres como aqui e ainda muito mais. Que perdereis ao deixar este recinto? Nada mais do que a fútil esperança da chegada de algumas mulheres sensuais, criadas pela vossa fantasia e inexistentes em estado natural para vós e para os vossos semelhantes. Que vem a ser uma fantasmagoria perto da verdade integral? Quem vos poderia impedir de seguir-me às esferas abençoadas da Luz, da Verdade e da Vida, ou seja do Amor de Deus, Cristo, o Eterno e Verdadeiro?
Há muito vos encontrais aqui nessa expectativa fantasiosa. Quais os seus feitos? Nulos. A não ser a aparição nebulosa de um ser feminino, que se apresentava por alguns momentos e se desvanecia em seguida. Tais instantes foram a vossa única felicidade. Nem ao menos conseguistes alimento e bebida. Ainda assim não quisestes, no começo, aderir ao conselho de abandonar esta esfera fútil e vã.
Agora sois felizes por terdes tomado a boa decisão de seguir-me. Chegareis lá, onde habitam verdade e realidade originais de todo o ser e vida. Tudo que se vos apresentou no mundo foi mentira e engano: os vossos bens, ciências, artes, tesouros e a própria vida. E se o mundo da matéria fosse algo melhor, seria constante como a Verdade eterna. O que perdura no mundo como permanente? Nem a Palavra Divina, mesclada o quanto possível da mentira mundana que a transforma em tolice, erro e maldade|. Razão pela qual foi dada aos homens de modo velado a fim de que não fosse vilipendiada no seu sentido santificado e intrínseco. O mundo nada mais é que mentira em julgamento, por determinada época de provação. Tão logo termine, inicia-se o Reino de Deus, da Verdade eterna. Ponde término ao mundo dentro de vós, para que o Reino Divino possa estabelecer-se. Segui-me."
Diz um homem, sempre bem-humorado: "Queira-me bem, residência do silêncio em cujas paredes foram colocadas apenas duas janelas pequenas, como medida de economia. Cada uma é feita de seis pequeninos pedaços de vidro repassados com chumbo, de sorte que a claridade só consegue penetrar por orifícios diminutos. Amigos, é evidente, só podermos lucrar com o abandono desta casa.
O mais interessante é termos deixado o corpo; não obstante, somos almas de pele, ossos, cabelos e tudo o resto; temos que satisfazer as nossas necessidades e sentir fome e sede, sem poder satisfazê-las . Estranho. Certamente é este o motivo por que se diz na Terra: eis uma pobre alma, faminta e sedenta. Não há o que ultrapasse a vida miserável em Viena. O populacho canta de estômago vazio uma alegre canção da morte. Os ricos não dão nada. Os ministros inventam impostos. O Imperador está ocupadíssimo com a vida social da corte e presta atenção ao que diz seu avô, Nicolau da Rússia. Só isso tem valor e caso alguém se externe devido à sua situação aflitiva, sentirá a reacção no estado de sítio. Estejamos felizes por não vivermos mais na Terra. Mas, que vejo? Durante o meu monólogo paramos todos na rua. Como foi possível? Não
me lembro de ter movido um pé."
Diz um outro, tipo rude do povo: "Como podes ser tão tolo e fazer tal pergunta? Não vês logo ser feitiçaria? Deus nos socorra." Diz o humorista: "É pena um tirolês abrir a boca, pois faz estremecer a Terra."
Diz o outro: "Deixa de me achincalhar, de contrário te aplico uma bofetada em condições." Diz o primeiro: "Não vês logo sermos espírito, sem corpo, dotados apenas de vontade e razão? Se levantares a mão contra mim, tocarias somente o ar. Além disso, consta na Escritura: Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Conheces a Bíblia?" Responde o tirolês: "Tolo, como poderia, se nunca fui à escola? Ainda assim, sei mais do que tu." Replica o humorista: "Ora, não te dês importância semelhante às montanhas da tua pátria. É preferível observarmos Paulo em palestra com o homem simples, ao qual o apóstolo aperta a mão, de alegria. Mais além vês uma moça bem mais apetitosa que a tua Nani com suas falhas de dentes. Daria preferência a ela à dívida do Governo austríaco." Diz o tirolês: "És muito ignorante por não veres que tais frutos não se destinam a nós."
Diz o primeiro: "Não tens coragem, não é isso? Sempre ouvi dizer que os tiroleses são valentes atrás das rochas, mas em campo raso se entregam à fuga. Por isto, externarei a Paulo a minha gratidão por nos ter conduzido ao ar livre e isto já é um alívio muito grande." Diz o outro: "Pensas que eu não percebo tua intenção oculta? Aquela moça te atrai?"
Vira-se o humorista para o vizinho: "Amigo, terias vontade de me acompanhar até ao apóstolo? Com este tirolês nada se arranja. Mal se lhe diz alguma coisa, ele se porta qual touro raivoso." Responde o vizinho:
"Irei tampouco quanto ele. Ofendeste-me, pois também sou tirolês, se bem que mais educado. Se negas a coragem do meu povo provas a tua ignorância, pois os tiroleses são os guerreiros mais valentes. Ao passo que os vienenses são desprezíveis e não constitui honra o convívio com eles."
A estas palavras, o humorista dirige-se a Paulo dizendo: "Prestaste- nos um grande benefício, sem contudo receberes da nossa parte uma palavra de reconhecimento. Por isso, tomo a liberdade de expressar a minha gratidão."
Diz Paulo, sorrindo: "A tua atitude é louvável, no entanto terias que externar o motivo principal do teu desejo. O tirolês um tanto rude teve razão quando afirmou não ser eu o ponto de atracção, e sim, aquela moça. Sê sincero, no futuro. Aqui não há alma que se possa disfarçar. Achega-te a ela e cumprimenta-a. Mas não te esqueças que ela é a esposa do homem ao seu lado."
Diz o humorista: "Agradeço-te pelo ensino acertado. Considero impróprio aproximar-me daquela senhora tão atraente enquanto se acha em palestra com o seu esposo. Quanto mais os observo tanto mais se positiva a impressão de conhecê-los. Se não me engano é um dos democratas — no momento não me ocorre o nome."
Diz Paulo: "Não vem ao caso, pois temos coisas mais importantes a resolver. Dar-te-ei um conselho e não terás prejuízo se o aceitares. Ajoelha-te aos Pés deste meu maior e mais elevado Amigo e pede-Lhe: Senhor, sê misericordioso para comigo, pobre pecador! Aceita-me como ovelha há tanto tempo perdida e permite que eu usufrua do bafejo do Teu Amor e Graça! — Pede isso com todo fervor do teu coração, que receberás grande alívio."
Opõe o humorista: "Exiges muita coisa de mim. Imagina como serei ridicularizado por todos os meus conhecidos! Que direi, caso algum me vier perguntar: Quem é aquele perante o qual te portaste como se fora Deus?"
Responde Paulo: "Nada mais que: Faz o mesmo, pois será melhor do que expressares perguntas tolas. Prosternei-me diante de Jesus Cristo, Senhor dos Céus e da Terra." Desatando numa franca gargalhada, o humorista exclama: "Isto é demais! Ou és um louco, ou te apraz fazer chiste, regozijando- te com a nossa fraqueza. Basta te venerarmos sob o nome de um apóstolo antigo e célebre, porquanto te tornaste um verdadeiro amigo através do teu ensinamento. A afirmação que este teu amigo, simples, deva ser Cristo, sem mais nem menos, os outros alguns colegas teus, e aquela senhora talvez a Virgem Santíssima com São José,
— isso é piada da boa!
Dou-te um conselho amigo. Não nos importunes com gracejos desta ordem, pois poderiam ter efeito nocivo para a tua pessoa. Muito embora não seja fariseu, isto é, à moda católica, que produz o Cristo de
farinha e se prosterna diante de uma hóstia, enquanto odeia e despreza a todos que consideram a Sua Doutrina no coração, sou admirador sincero do Cristo e confesso a Sua Divindade Santa e Sublime e não posso admitir a Sua Presença na poeira de Viena. Não obstante não ser trapista em muitos pontos, principalmente no que diz respeito ao sexo fraco, tampouco me assemelho a Platão e Sócrates; sou grande amigo e adorador de Cristo. Por isso te peço usares este Nome de todos os nomes com mais cuidado."
Acrescentam os sete que já haviam aderido a Paulo: "É isso mesmo. É preciso maior respeito com Cristo, o Senhor. Não é louvável o nosso amigo querer reduzi-lo a um simples homem." — Diz Paulo: "Acalmai- vos. Além do mais, veremos dentro em pouco se tenho razão ou não. Prossigamos, pois o Senhor já Se está afastando."
Suposiçõesfantásticas.OsantepassadosdaCasaHabsburgo- Lorena.
Conjectura o humorista, enquanto caminha: "Que quer dizer isto? Quem é o Senhor? Talvez queira afirmar ser este judeu polonês, realmente Cristo, o Senhor?" Dizia outro: "Agora estou compreendendo a verdadeira origem desta multidão. Trata-se de espiões russos sob o manto de uma certa devoção transcendental com que ofuscam a humanidade. Este Cristo será sem dúvida um mago sem par e falará em parábolas, caso o faça. Tais pessoas geralmente não abrem a boca. O dito Paulo é a sua mão direita com prática na magia e muito mais na oratória. Os outros parecem ajudantes. Aquele que vai na vanguarda com a beldade deve ser espertalhão a usar a sua contraparte como isca. Que me dizes?"
Responde o humorista: "Bem, o caso dá tal impressão; ainda assim, não estou inclinado a aceitá-lo em definitivo. Paulo é deveras sábio e não haverá outro igual em toda a Viena. O suposto Cristo parece bom homem sem a menor astúcia judaica. Os demais, inclusive a beldade, parecem honestos. O próprio taxador da alfândega dá impressão de se sentir à vontade, sem mais ligar ao seu posto. Do mesmo modo nós os acompanhamos sem que alguém nos obrigue a tanto. A história começou a mudar de feição. Observa o firmamento. O Céu límpido, sem Sol, entretanto é dia claro. Vê esta rua, tão conhecida. Percebes viva alma? Está vazia e as casas trancadas. Na calçada, porém, nasce o mais viçoso relvado. Já viste coisa igual?"
Responde o outro: "Tens razão. A claridade é semelhante ao meio- dia, no entanto, não se vê a sombra de nenhum objecto. É realmente estranho." Conjectura o primeiro: "A cidade, as ruas e a praça são as
mesmas. O estado de sítio com os canhões e demais artefactos de guerra, continua na mesma forma. Apenas o policiamento não é tão rigoroso contra os visitantes das fortificações, dos quais não se pode discernir o sexo. Parecem estrangeiros, tolos como os chineses, tristes e melancólicos como se estivessem gravemente enfermos. Frente àquela casa estão alguns personagens. Vê só que fisionomias e atitudes."
Diz o outro: "É verdade. Ora, quem vem lá, dobrando a esquina? Assemelham-se a enormes avestruzes negros, de pescoços e pernas compridíssimos. Vêm-se aproximando. Realmente, não tenho vontade de entrar em luta com eles. Pergunta a Paulo que vem a ser isto."
Diz o humorista: "Pergunta tu mesmo. Essas aves certamente fugiram do Jardim Zoológico e não terás medo delas?" Diz outro: "Claro que não. Mas quero saber de onde são. Talvez sejam maus espíritos."
Responde o primeiro: "É bem possível serem espíritos, pois quem vive tem que ter elemento espiritual. Agora estão à nossa frente e não resta dúvida, estarem inclinados à luta. Talvez sejam maus. Falarei com Paulo." Dirigindo-se a este, ele diz: "Prezado amigo, que funções têm estes avestruzes negros? São agressivos?" Diz Paulo: "Ora, não! Não farão nada contra vós. Vêm a fim de nos convidar a visitar o seu palácio. Tende calma. Em breve saberemos quem são."
Os dois se acalmam e orientam os demais, igualmente perplexos com a aparição. Quando bem próximo das aves, estas perdem a sua figura de avestruz e tornam-se criaturas esquálidas. Apenas algumas se adiantam pedindo a Roberto que conduza a assembleia ao seu antigo palácio feudal. Roberto responde não ser ele o Senhor e aponta-Me como Tal. Ao que elas retrucam: "Não sendo senhor, por que vais à frente?" Diz ele: "Por ser da Vontade do Senhor, assim como também é da Vontade Dele vos dirigirdes à Sua Pessoa, caso pretendais alguma ajuda. Nós, só podemos socorrer-vos pelo conselho e ensino. A acção é unicamente do Senhor. O que Ele ordenar, sucederá."
A esta observação os dois se encaminham para Mim e dizem: "Se fores o Senhor, pedimos para nos acompanhares com toda a assembleia." Digo Eu: "Que faremos em vossos palácios? Que dignitários sois, que Eu não vos conheço?"
Dizem eles: "Não somos espíritos, e sim, duques e arquiduques, reis e muito mais. Moramos todos num palácio de alta nobreza. Deves vir conosco, pois lá o entendimento será melhor." Viro-Me para Roberto: "Leva-nos até lá, e veremos o que nos será revelado."
Roberto vira-se para os dois e diz: "Se ouvistes o que disse o Senhor, guiai-nos à vossa casa." Dizem eles: "Não temos casa; temos um palácio da alta nobreza, por sermos dessa linhagem."
Intervém Helena, algo irritada com a maneira cansativa de expressão: "Ora, ora. Tende cuidado se o vosso palácio não vier a ser um
chiqueiro. Isto é para rir. Sujeitos tão esquálidos pretendem morar num palácio!" Diz um deles: "Cala a boca, de contrário te poremos a ferros. Deves-te considerar feliz que Nosso Senhor te deixe viver. Compreendeste?"
Diz Helena: "Dizei-me, há quanto tempo já morrestes? A julgar pela maneira de expressão, talvez vivestes antes de Adão? Pelo que vejo, o caminho nos leva aos Capuchinhos. Será neste lugar o palácio da alta nobreza?" Retruca um deles: "Contém a tua língua. Não nos entendes por seres muito jovem. Estamos com os Capuchinhos, não em cima, mas debaixo da terra." Concorda Helena: "Também tenho a impressão de serdes habitantes subterrâneos. Certamente estais pela primeira vez por cima do solo?" — Diz ele com raiva: "Já te disse, para te calares. Não obedecendo, levarás castigo, compreendeste?"
Diz Roberto a Helena: "Querida, não deves discutir com estes seres; são muito rudes e poderiam prejudicar-te. Além do mais, percebo para onde nos conduzem, dispensando outras perguntas. São todos regentes da dinastia Habsburgo e Lorena, falecidos há muito. Repousam na cripta imperial dos Capuchinhos, dos Agostinhos e alguns nas catacumbas da Catedral de Estevão, o seu palácio de alta nobreza. Não demora e estaremos diante dos seus esquifes. Silêncio."
Nacriptaimperialdos Capuchinos.
Aquestãoprincipalé– Jesus!
Entrementes chegamos à cripta, facto de pouco agrado dos nossos acompanhantes; pois o humorista de pronto observa: "Agora pergunto, que lucramos nós com esta história? Nada. O bom Paulo conseguiu tirar- nos de um buraco a fim de que fôssemos metidos num pior. Amigos, sabeis o que é a vida? Apenas movimentação contida, constituída de fome, sede e misérias. E tudo isto é levado de tumba em tumba, no que parece concretizar-se a sua finalidade. Inicia-se a peregrinação no acto da fecundação, até o Infinito.
Aqui, nesta antiga cripta, podemos fazer estudos filosóficos e até mesmo ajudar os habsburguenses a desempenhar algum papel de almas do outro mundo. Tal encenação, partindo de Carlos, Rodolfo e Leopoldo da Áustria seria um verdadeiro bálsamo para os estômagos vazios de alguns capuchinhos, pois as missas pouco lucro dão. Além disso, seria útil à liberdade clerical de Roma. Se tal aparição de fantasmas pudesse ser apreciada por muitos, e isto numa cripta da nobreza, — a fé nas missas e nas indulgências seria colossal."
Diz um outro: "Como te é fácil pronunciar tolices! Quem disse devermos ficar aqui só porque viemos com os amigos que nos libertaram da nossa reclusão anterior? Presumo, terem estes soberanos o desejo de despertar do seu sono secular, por isso se dirigiram da melhor maneira possível aos amigos de Deus. A responsabilidade de aqui estarmos cabe somente a nós mesmos, pois poderíamos ter ficado lá fora. Ouçamos as opiniões dos outros."
Aduz o fiscal da alfândega: "Bem falado. Cada um destes esquifes contém a História de povos que viveram sob a direção do seu soberano. Mas, quando Deus Mesmo visita um local desta ordem, convém calarmo- nos. — Vede como o Senhor, Jesus, observa com tristeza os velhos esquifes, em companhia dos Seus amigos. Neste momento, Paulo diz: "Senhor, o Teu Amor, Graça e Misericórdia não têm limites, no entanto existe muito elemento morto nestes caixões."
Diz o tirolês: "É lógico não haver representações coreográficas dentro de um esquife. Sei que estes monarcas produziram situações escabrosas devido à tirania aplicada aos povos. — Questão diferente é, se aquele simples judeu, em palestra com Paulo, é realmente o Filho de Deus. Tudo é possível! Falta a certeza. Julgas ser eu inimigo de Cristo ou talvez não acredite Nele? Enganas-te. Venero-O muito e tão logo perceba a Sua Identidade Real, verás a minha atitude para com Ele. Amo-O acima de tudo."
Responde o fiscal: "Está muito bem. Não teria deduzido isto das tuas palavras anteriores." — Diz o outro: "Só porque não falei em favor dos padres? Só se pode ser adorador devoto de Cristo quando se é inimigo do papismo, pois ambos não combinam."
Opõe o fiscal: "Nunca achei a religião católica tão ruim, e bem se pode viver, feliz com ela." — Diz o outro: "Sim, quando a pessoa se dá por satisfeita com o Céu do calendário camponês."
Pedidodosespíritos regentes.
Ocavaleirodefogoeasuaprofeciadofimdo mundo.
Neste instante, Paulo dirige-se aos moradores da cripta, dizendo: "Fomos desviados da nossa rota e incitados a seguir- vos. Que esperais de nós? Quais as aptidões atribuídas às nossas pessoas? Falai, a fim de que vos socorramos de acordo com a vossa capacidade espiritual."
Adianta-se um deles e diz: "Sou alemão, católico, e em virtude do meu nome e posição, o primeiro regente, e me chamo Rodolfo. Não faz muito tempo, percebi grande movimentação no ar e um cavaleiro de fogo aproximou-se de mim, dizendo: "Esta vossa residência ficará deserta e
nenhuma pedra continuará em cima da outra. A Terra será purificada pelo fogo e o sangue. A peste dizimará os pobres aos milhões, e um enorme clamor se fará ouvir pela boca dos potentados. Assim virá o fim do mundo!" Tais foram as palavras horríveis do cavaleiro de fogo, enchendo-nos de tanto medo que começamos a gritar.
Ele, então, prosseguiu: "Antes disso, Deus, o Senhor, chamará a todos, inclusive os mais pervertidos. Ele, até mesmo Se dirigirá ao mundo dos espíritos, revelando-Se aos presos nas trevas. Serão conservados os que se entregarem a Ele. Os seus predecessores serão Pedro, Paulo e João, incumbidos de transmitir a Luz aos presos, projectada pelo Nome de Deus Omnipotente. Quem aceitar este Nome em seu coração, receberá um outro nome e o Senhor reerguerá as suas fortalezas frágeis e os seus burgos roídos.
cavaleiro de fogo se afastou qual raio, sem que tivesse jamais voltado.
Ultimamente, ouvimos um boato de terem surgido na divisa da "Fiandeira da encruzilhada" certas criaturas dizendo-se mensageiros de Deus e igualmente fazendo milagres para positivar a veracidade da sua missão. Sem mais delongas, deixamos o nosso palácio de alta nobreza e bem organizados procuramos contacto com eles. Sois vós, indubitavelmente, tais mensageiros.
Nós, regentes, depositamos o pedido aos vossos pés para erigirdes os nossos antigos burgos e fortalezas para impossibilitar a sua destruição pelos adversários. Nesta reedificação incluímos o nosso palácio imperial. Se fosse atingido pela destruição, tal infelicidade teria efeito tanto no passado quanto no futuro para a dinastia de Habsburgo e Lorena, arriscando a sua subsistência.
Em 1848 apenas uma pedra começou a afrouxar e muito custou à dinastia manter a antiga pompa. Firmou-se novamente e está com a melhor intenção de reger os seus súbditos, premiando os bons e aplicando punição à medida das infracções, atitude de acordo com a Vontade de Deus."
Diz Paulo: "Aprofeciadocavaleirodefogofoicerta, entretanto ainda não se cumpriu. O vosso pedido e preocupação política são fúteis e tolos. Em que vos poderiam ajudar os antigos burgos e palácios na Terra? Se bem que o cavaleiro falasse no reerguimento, não se referiu às construções materiais e sim, à vossa fé e esperança pelo poder do amor a Jesus, Deus, o Senhor. A estes Ele de há muito desejava edificar em vós, que padeceis em trevas espirituais devido à vossa própria índole. Se
quiserdes isto, afirmo-vos em Nome do Senhor, aqui Presente, por vós entretanto desconhecido, que Ele atenderá as vossas súplicas quando as externardes.
Considerará igualmente a dinastia terrena, enquanto se justifique e aja de modo tal a evitar a miséria dos povos. Se estes começarem a se queixar de viva voz, o Senhor saberá pôr termo a esta dinastia. Tanto ela quanto o seu trono não valem nada para Deus, por servirem unicamente para conduzir os Seus filhos. A dinastia não sabendo apresentar o rebanho do Pai, não O considerando como deve, — ela não serve mais. E o Senhor saberá como finalizar uma dinastia orgulhosa."
Advertênciaà humildade.
Prossegue Paulo: "Eu, Paulo, servo fiel do Senhor, Jesus, declaro a vós todos: Perante Deus, o Senhor, todos os tronos e dinastias são um horror. Se a dinastia respeita a Vontade Dele e age dentro dos princípios derivados do Verbo Divino, o Seu Amor e Misericórdia, ela está acima do trono e justificada perante Deus e pode contar com a Graça, Força e Poder Divinos. Ai do inimigo que a ataque! Lembrai-vos disto, antigos dinastas, cujo espírito se acha profundamente enterrado na matéria. Não existem dinastia e trono de consistência, se não forem ocupados por enviados de Deus.
Um império como o de Habsburgo há tanto em função deve justificar-se perante Deus, do contrário não existiria. Precisamente por alimentardes compreensão diferente da dinastia, como se fosse o mais elevado poder que existe tanto na Terra quanto no Céu, sendo Deus obrigado a empenhar todo o Poder na sua conservação, — encontrais-vos em tamanha cegueira e treva. Eis um erro capital, pois o Senhor é o Poder Único das dinastias e dos tronos, mas apenas por causa dos povos.
Deus aplica à dinastia a mesma medida que um fazendeiro emprega ao seu rebanho: quando vê que um ou vários animais estão doentes, ele tudo faz para recuperá-los. Se o empregado for preguiçoso e displicente, ver-se-á mal com o seu patrão, e caso não se emendar será despedido. Se o proprietário de grandes manadas dispensar cem pastores em virtude da sua deficiência no trabalho, de modo algum excluirá uma ovelha doente e sim, procurará curá-la.
Lançai um olhar sobre a Terra: os povos ainda são os mesmos. Onde se acham as dinastias que os regeram, no passado? Tornaram-se maus pastores perdendo o seu emprego. Por isso, afastai do vosso coração o que é fútil perante Deus. Despi o vosso orgulho dinasta como se fora roupagem imprestável e cobri-vos da veste da humildade e do
conhecimento verdadeiro a fim de que possais ser incluídos nas fileiras das ovelhas de Deus, Seus filhos verdadeiros.
Ouvistes as palavras do cavaleiro de fogo, dizendo que os mensageiros por vós procurados seriam acompanhados pelo Próprio Senhor, para erguer os vossos castelos e fortalezas destruídos. Eu, Paulo, acrescento mais: Ele, já Se acha aqui, à minha esquerda. Aproximai-vos e externai-Lhe os pedidos do vosso coração. Ele, unicamente, possui a Fonte Original da Água Viva. Tão logo a tiverdes tomado, a vossa sede será saciada para sempre. Ofereci-vos algo real e bom, entretanto não satisfará a ânsia ardente da sede vital. A Água do Senhor sacia a sede por toda a Eternidade. Ele pode ajudar. Nós, não temos poder para tanto, mas apenas a capacidade de preparar os nossos irmãos ignorantes para o auxílio de Deus."
Diz o primeiro dinasta, Rodolfo: "No início o teu discurso foi bom e nos demonstraste a situação real. Alegar ser este homem ao teu lado, o Senhor, Deus Mesmo de Eternidades, é demasiado tolo. Se um soberano na Terra não apresentar condecorações, caminhando qual empregado burguês, será culpado pelo mau trato recebido. Se tal acontece com um regente do mundo, o que se esperar partindo do Eterno Soberano de todos os soberanos? Além disso, consta: Deus habita na Luz inconfundível."
Responde Paulo: "Sim, mas não para todos. Justamente a Luz que ora envolve o Senhor, é para ti e os teus a mais impenetrável, por ser a luz da humildade e submissão, algo inadmissível para seres como vós. Declaro-vos, teríeis imediatamente reconhecido o Senhor caso Ele de vós Se aproximasse radiante qual Sol. Nesta veste, porém, Ele torna-Se impenetrável. Ser-vos-á difícil, no futuro, aproximar-vos da Sua Pessoa. Sabeis de tudo. Fazei o que vos agrade, pois disse o que tinha que dizer."
Umantigodinastapalestracomo Senhor.
Nisto adianta-se um outro dinasta, espiritualmente morto, e Me diz: "Ouviste o que falaram de ti, aquele Paulo e o velho Rodolfo. Soou tudo muito estranho. Por isso desejava saber de ti se naquilo existe algo de verdade. Não que pretenda considerar o primeiro como mentiroso, pois a sua pessoa inspira a maior confiança. Facilmente poderia estar demasiado imbuído de ti, chegando ao ponto de divinizar-te em virtude do seu grande amor.
De modo algum tenciono elogiar ou criticar este bom homem. Quero analisar os factos e conservar o que for bom. Diz-me, o que
devemos pensar de ti. É possível Deus apresentar-Se às Suas criaturas, a teu modo? Seria admissível o Omnipotente ser visto pelos seres?"
Respondo: "Exiges de Mim não palavras, mas acções. Agindo Eu qual homem em sua importância, dirás: Isto, qualquer um pode fazer, sem ser Deus. Realizando algo incomum, tomar-Me-ás por mago ou naturalista, dizendo: É muito fácil fazer tal coisa quando se tem as necessárias noções e prática; não é preciso ser-se deus efectuando-se milagres aparentes. — Se Eu realmente operasse uma acção exclusivamente possível a Deus, de nada te adiantaria e sim, prejudicaria muito. Com isso estarias condenado, pela segunda vez, à morte eterna. Um espírito coagido não pode entrar no Meu Reino. Crê nas palavras de Paulo que viverás. Não poderei acrescentar mais nada acerca da Minha Pessoa, por não estares preparado para tanto."
Diz ele: "Tens razão; todavia não compreendo por que um genuíno milagre que prove a tua origem divina, pudesse ser nocivo e até mesmo mortal. Tudo que vejo é milagre da Omnipotência e Sabedoria de Deus — e eu mesmo sou a maior prova disso — entretanto, não me prejudica. Não vem ao caso, um milagre a mais ou a menos. Não me toca a maneira pela qual Deus pretenda mostrar-Se diante das criaturas. Continuarei espiritualmente livre e poderei pensar e agir como agora, onde só tenho a convicção da Divindade de acordo com a minha fé.
Podes fazer o que quiseres, e eu continuarei o mesmo que fui. Se fores Deus, serei eu a tua criatura, satisfeitíssima em poder conhecer o meu Criador. Não o sendo, serás para mim algo extravagante, facto de somenos importância para nós dois.
Quando ainda era regente em Viena, fui procurado em audiência por um homem esdrúxulo, pois, ao lhe perguntar qual o seu desejo, ele disse: Sou o deus Mercúrio e opero grandes milagres. Quereis ouro, pedras preciosas e pérolas? Âmbar e vinhos finos? Desejais a Lua? Ver o vosso inimigo? Paz ou guerra? Proporciono-vos a paz. — Disse-lhe: De tudo isso desejo apenas ver os meus inimigos e qual o preço para tanto.
— Respondeu ele: Sois o soberano e o país é vosso. Dai-me crédito apenas, como prémio.
Estendi-lhe a mão, dizendo: Se isso for possível e eu vencer os inimigos, ninguém me tirará a fé em ti. — Ele em seguida mandou que eu observasse dentro de um grande espelho e vede, percebi enorme número de pessoas conhecidas, adversas, sempre em trama contra mim. Entre elas, outras, que eu julgava os meus melhores amigos: Irritado, virei-me para ele: Se tiveres algum poder sobrenatural com o qual consigas realizar tais coisas — aniquila esses meus inimigos. Dar-te-ei em troca o que estiver em meu poder.
Disse ele: Será feito, mas de modo natural e o mais agradavelmente possível. Organizai uma grande festa. No tecto do salão de jantar mandai
fazer uma vasta abertura, cuidando de fechar portas e janelas. As mesas devem ser postas com as iguarias e bebidas mais finas, e não devem ser esquecidos cantores e músicos. Enquanto permanecerdes à mesa deve reinar a maior alegria. Após algumas horas, ordenai que se afastem os músicos e cantores e em seguida mandai abrir o tecto de onde surgirá um canto muito suave acompanhado de enorme quantidade de pétalas de rosas e jacintos. Trancai todas as saídas da sala, — e dentro de uma hora os inimigos serão sufocados pelo perfume.
Perguntei: Quanto queres por este conselho? — Disse ele: Nada mais do que a tua crença, — Prossegui: Mas, o que afinal devo crer de ti?
— Respondeu: Ser eu realmente o deus Mercúrio, para o qual deves construir um templo. Não terás carência de ouro e preciosidades, pois entendo atraí-los num só ponto da Terra. — Disse eu: És um homem esquisito. Atrai a Lua para junto de nós, e eu cumprirei a tua exigência. — Eis que ele tirou do bolso um espelho redondo, depositou-o em uma mesa perto de uma janela aberta, pela qual a Lua começava a projectar a sua luz. Ele se postou a certa distância e eu vi a Lua flutuando em minha sala de audiência como se estivesse no firmamento.
Em seguida disse-lhe: Vejo seres mais que um homem comum e creio-te sábio, dotado de talento dado por Deus como já os houve sobre a Terra. Não posso considerar-te deus perfeito, porque usaste de meios externos para realizar alguma coisa. Uma divindade tem que possuir o dom de criar espontaneamente. Afirmaste poderes arranjar-me ouro e pedras preciosas, portanto projecta-os do nada, como prova da tua divindade. — Respondeu Mercúrio: Não podes ver a minha divindade e continuar vivo; por isso não posso operar milagre real, porquanto te mataria. Encubro o meu ser através de meios externos e aparentes. Dar- te-ei ouro e jóias em abundância. Basta arrumares ferro, cal e carvão.
Prontamente, tudo isto foi trazido. Em seguida ele pegou num frasco de dentro de um bolso e humedeceu o ferro com algumas gotas do seu conteúdo, e imediatamente aquilo se transformou em ouro puro. Após isto, deitou cal e carvão num grande recipiente, regando-os com outro líquido. Ouviu-se um forte ruído no vaso e um odor estranho encheu a sala. Afirmou ser aquilo inofensivo e que eu tivesse paciência. Como o mau cheiro me incomodasse, fui para a sala contígua. Passada meia hora, ele chamou-me — e vi dentro do recipiente um diamante formidável. Cal e carvão haviam desaparecido e o salão estava repleto de perfume.
Mandei vir o joalheiro da corte para examinar os objectos. Para minha maior estupefacção ele constatou a sua genuinidade. Todos os químicos e farmacêuticos ficaram perplexos, sem saberem dar explicação. Insistiram para que aquele homem lhes desvendasse o segredo. Ele respondeu: O mistério consiste em eu ser um deus, — e vós, criaturas,
cegas, fracas e mortais. — Dando de ombros, os cientistas responderam: Não seria tão difícil provar-se a tua identidade, divina ou humana. Bastava matar-te qual criminoso e a tua morte determinaria o julgamento. Retrucou ele: Desisti dessa prova e considerai não ser aconselhável provocar-se os deuses, pois antes de vos aperceberdes já estaríeis reduzidos a pó. — Eis que os outros tentaram agarrá-lo. Ele os repeliu
quais insectos, subitamente desapareceu da sala e ninguém mais o viu.
Amigo, tal facto foi deveras raro, no entanto continuei o mesmo e a minha crença não sofreu coacção. Pensei que também fosses algo mais que simples homem. Mas pode ser possível quereres impor-te como deus, por conta de ciências ocultas, elevando-te a soberano mais favorecido do que eu te recompensando regiamente pelos teus milagres.
Mostra-me algo milagroso, cria um mundo diante dos meus olhos, que continuarei tal qual sou. Para mim não existe milagre maior ou menor. E Deus é sempre Deus, na criação de um insecto ou de um elefante, se na veste luminosa do Sol ou Se revelando aos Seus filhos como mendigo. Qual foi o efeito produzido por todos os milagres de Cristo nos seus contemporâneos? Quase nenhum, com excepção em alguns pescadores e parentes. Os outros tomaram-No por mago, médico e tudo, menos Deus. Entretanto, foi realmente o próprio Deus."
Milagreseosseus efeitos.
OdinastareconheceaSabedoriado Senhor.
Digo Eu: "Sei melhor do que tu qual o efeito de um milagre da Criação material, a sua conservação e manutenção. Aliás, não deixa de ser justa a tua observação quanto ao milagre da Criação material, a sua conservação e manutenção, demonstrando Poder e Sabedoria Divinos. Os habitantes deste, como de todos os planetas podendo observar tais milagres, testemunhos evidentes de Deus, tem que morrer fisicamente, pois o físico também não deixa de ser milagre.
Cada milagre é para a alma observadora um julgamento, do qual ela só pode ser libertada pelo poder da máxima renúncia. Esta só pode consistir no afastamento de tudo que tenha o mais leve traço de coacção. O afastamento, por sua vez, é o que chamais de morte física ou material.
Tudo que não for posse do espírito tem que morrer dentro da alma, pois enquanto qualquer algema externa a mantiver presa em algumas fibras vitais, a centelha divina não poderá expandir-se inteiramente para libertá-la de todo o julgamento.
A Divindade pode operar milagres a fim de levar a alma à convicção; como tais realizações só conseguem agir sobre ela,
externamente, elas atam e algemam a psique de tal forma a impossibilitar a recordação de um livre movimento, condição única de vida perante Deus. Por isso ela tem que chegar a tal ponto em que se liberta de toda a manifestação externa para se poder expandir o espírito, proporcionando- lhe consistência eterna, frente ao Pai. Com relação a Ele, nada pode subsistir que não seja divino.
Compreendes agora por que te privo de milagres? Se Deus não tivesse deitado o espírito na alma inteligente e compreensiva, nem um minuto ela poderia existir como entidade independente: passaria pela sensação de uma gota de água em ferro incandescente. Por isso, os animais vivem sem inteligência e conhecimento; do contrário a sua existência seria impossível. Compreendes?"
Responde o dinasta: "Tenho a impressão de entendê-lo, entretanto isso não sucede e para tal fim seria preciso mais do que a pessoa ter usado coroa e ceptro, por alguns anos. Agora percebo o motivo pelo qual és o primeiro do teu grupo. És o mais sábio, conheces a fundo o mundo espiritual e material e as relações intermediárias. Se em virtude disso és realmente Cristo, o Senhor, — eis uma questão diferente.
Ignoras que um verdadeiro cristão deve ter cuidado na aceitação de qualquer indivíduo ser o Cristo apenas porque pratica milagres idênticos a Mercúrio? Na Escritura lê-se, que em determinada época surgirão muitos falsos profetas fazendo milagres e dizendo-se o Cristo, mas que não se lhes deve dar crédito? O aparecimento do Cristo será qual raio, do levante ao poente. Além disso a Chegada do Senhor será à noite, como se fora um ladrão. Assim sendo, deves perdoar-nos a dúvida de seres o Cristo. Pedro, Paulo, João e Jacó, — serão aceitáveis. Mas o Cristo...?"
Digo Eu: "Não vos faço tal exigência; é bastante confessardes ser Cristo, Deus e Senhor de Céus e mundos. Mister se torna chegardes a esta convicção; pois todos os presentes nos seguiram por tal motivo, recebendo a sua salvação. Imitai-os que encontrareis o mesmo."
Diz o dinasta: "Será feito neste momento." Em seguida ele vira-se para a família real, moradora da cripta e diz: "Ouvistes as palavras deste amigo e não necessito repeti-las. Sou de opinião devermos aceitar a sua proposta, porquanto neste estado não lucramos nada, nem perdemos. Meditai com calma e dizei-me a vossa decisão. Poderemos em seguida deixar este local, ou ficar, sabe Deus, quanto tempo.
Fui e ainda sou cristão e o meu lema foi sempre: Sem o Cristo tudo estaria perdido. Assim também creio devermos fazer tudo em Sua conquista. Se este prémio não for nosso ou o Cristo sendo apenas um mito para nós, seremos as criaturas mais infelizes. Mas se Cristo é Deus, Senhor dos Céus e da Terra, teremos Nele um Pai, visível e eterno, cheio de Amor, Bondade e Misericórdia, não expulsando os Seus filhos qual
Divindade poderosa e justa na qual habita a Sabedoria, nunca porém Amor Paternal e Graça.
Eu, chefe de Habsburgo, penso e sempre pensei da seguinte forma: Quem é orgulhoso e altivo faz questão de um deus altivo, orgulhoso e insondável — pecado do aristocrata, que muitas vezes também influenciou a minha alma. — Este amigo esclarecido explicou-me há pouco no que consiste a impenetrabilidade da Luz onde Deus reside, isto é: na humildade e submissão incompreensível de Deus — um horror aos orgulhosos. Por isso, digo: Mea culpa,meamaximaculpa!Como Imperador sempre agi dentro de princípios monárquicos, muito embora não me largasse a ideia ser aquilo uma atitude do orgulhoso. Agora fez-se a luz em mim e convido todos os meus descendentes a acompanhar este bom amigo. Afirma Ele ser Cristo. Por ora deixemos isso de lado. Tudo é possível. Em virtude do Evangelho, que aconselha a máxima prudência neste sentido, vamos analisar o assunto a fundo. Que me dizeis?"
Diz um do grupo: "Sabemos seres tu, Rodolfo de Habsburgo, o primeiro em virtude do nome e dignidade. O teu palácio de alta nobreza não está aqui, mas algures. És apenas morador e não podes assumir a direcção. Nós, sentimo-nos bem aqui. Somos justos e igualmente cristãos. Por isso ficaremos até ao Dia do Juízo Final, quando pediremos a Deus, Graça e Misericórdia. Fomos justos e severos com os pecadores, de acordo com a nossa consciência e as circunstâncias. Muitas vezes também perdoamos aos infractores. Assim, queira Deus perdoar-nos no Dia Final
— e até lá continuaremos em paz."
Inquire Rodolfo: "Por que nos acompanhastes quando nos dirigimos a este grupo?" — Respondem alguns pretendentes ao trono: "Assim agimos por causa da parada e receosos da profecia do cavaleiro de fogo. Vendo que nada disto é real, permaneceremos neste nosso palácio de alta nobreza."
MariaTherezaeoutrosdinastasconcordamcom Rodolfo.
Diz em seguida Rodolfo: "Espero haver alguns mais inteligentes entre vós, tolos. Aliás, é verdade ninguém passar privações neste palácio, além de certa falta de liberdade e alegria, pois esta existência semelha-se a um "dolcefarniente."Agradeço por tal vida. Prefiro ser pastor de carneiros a morador desta residência imperial. Qual é a vossa opinião, vós três, últimos descendentes de Lorena, e tu, minha filha Maria Thereza? Ficareis aqui até o problemático Dia do Juízo Final?"
Responde ela: "Caro tio-bisavô! É preciso uma mudança, de contrário nos tornaremos estátuas." — Concorda José da Áustria:
"Convém aproveitarmos a oportunidade. Quem a perder terá perdido coroa e ceptro e não haverá época que os devolva." — Aduz Leopoldo, seu irmão: "Tomo a liberdade de juntar-me a vós. É impossível continuarmos deste modo." — Diz Francisco: "É isso mesmo, e não importa sermos ridicularizadas pelos outros. Muito sofri na Terra. A minha mocidade consistiu de guerra, perseguição, aborrecimento, medo e ódio. A velhice era somente tribulações, enfermidades e, no final, a morte dolorosa. Aqui, no mundo dos espíritos, é-se aniquilado pelo tédio mortal. Vamos quanto antes."
Diz Rodolfo para Mim: "Amigo, estamos prontos para seguir-te. Alguns parentes se juntarão a nós; assim podemos sair, se for do teu agrado."
Digo Eu: "Um pouco de paciência, prezado amigo. Sempre te apreciei e nunca incorreste em uma injustiça, pois alimentavas um grande amor para com Deus, Jesus. Eis a razão pela qual foste ungido para guia dos povos. Recebeste da Força Divina o direito hereditário para os teus descendentes, de sorte que após alguns séculos ainda ocupam o trono, por parte da mãe e segundo as acções dos súbditos.
Tendo agido sempre com justiça, receberás o prémio pelo qual há alguns séculos estás esperando. Julgas isso uma certa injustiça por parte de Deus; mas tal não se dá. Um soberano, por mais justo que seja, de modo algum pode descer da sua posição elevada ao pó da humildade. Tem que se deixar honrar e adorar qual deus, do contrário não seria potentado. O Reino de Deus só pode tornar-se posse daqueles que se humilharem até à mais ínfima fibra da vida.
Quem ocupou em vida simples posto, fácil é descer às profundezas da humildade; entretanto, tal não se dá com quem obrigatoriamente exerceu a direcção máxima da dignidade e grandeza humanas. Os cientistas atingiram o alvo ao determinarem o mar como superfície mais baixa do planeta, calculando dali a altura das montanhas. Quem habita na praia, com alguns passos recebe a bênção das águas profundas. Ao encontrar-se no cume da montanha mais elevada, necessitará de mais tempo para chegar à margem.
Espiritualmente falando, os soberanos encontram-se em tais alturas e precisam de muito tempo para chegar ao mar. Davi foi um rei segundo a Vontade de Deus, bom e justo. Todavia, teve que esperar vários séculos no Além até receber a salvação plena . Deves, portanto, aceitar a Minha Determinação recebendo a maior justificativa da Minha Justiça, Graça, Amor e Sabedoria.
O que acabei de explanar serve para todos os que usarem na Terra a coroa sobre os Meus povos. Quem quiser aceitá-lo, siga-Me. Quem não quiser, fique. Infelizmente aqui há muitos de má vontade. Antes de deixarmos este local quero que Paulo, o Meu Instrumento, faça ouvir a
voz despertadora sobre o sono dos ignorantes. Talvez alguns possam ser conscientizados. A sua vontade é tão livre quanto o seu espírito; por isso não posso afirmar: Serão estes ou aqueles; pois não quero prever e sim, considerar com Meiguice e Misericórdia. A Minha Indulgência é maior para com os que muito tiveram que responder e se tornaram cansados e sonolentos sob o peso enorme da responsabilidade. Levanta-te, Paulo, e desperta os que o quiserem."
DiscursoveementedePauloeoseu efeito.
Paulo levanta-se e dirige-se aos dinastas sonolentos e diz: "Caros amigos e irmãos em Cristo, o Senhor!" Prontamente é interrompido pelo pai de Maria Thereza, que reage com desprezo: "Quando teríamos cuidado de suínos para que te atrevas a tratar-me de irmão? Por acaso ignora quem somos? Sê mais educado, seu judeu atrevido, de contrário saberás quem é o Imperador."
Paulo o ignora e continua dizendo: "Consta que terão que responder por pouca coisa os que obtiveram missão pequena. Mas, quem recebe tarefa grande, prestará conta maior. — Todos vós fazeis parte dos que receberam por Deus uma grande incumbência, portanto o ajuste de contas é enorme. Eu, Paulo, asseguro-vos que estais cheios da antiga teimosia enferrujada da nobreza, e que vosso Dia Final chegou, tendo que prestar contas, caso não desistais da vossa teimosia. Deus, Jesus, nosso Senhor e Pai, muito embora pleno do máximo Amor, Meiguice e Paciência, não aceita gracejos, porquanto visa apenas o bem para os Seus filhos. E Este Jesus, que nos libertou do poder de Satanás por meio da Sua crucificação, encontra-Se aqui, Paciente e Meigo qual ovelha. Mas a Sua Meiguice e Paciência não são ilimitadas. Ai de vós quando começar a discutir convosco. Não haverá uma justificativa da vossa parte, pois sois todos grandes pecadores perante Ele.
Quantos não foram por vós executados somente pelo vosso orgulho desmedido, e não raro por meios cruéis. Quão duramente perseguiram sempre uma criatura inspirada e iluminada. Que crueldades foram usadas contra irmãos evangelistas. Que inomináveis tristezas levaram a milhares de famílias. Que fúria não foi aplicada contra a Doutrina Pura de Jesus durante a guerra dos trinta anos! Quantas injustiças não pesam na vossa consciência. A vossa aspiração concentrava-se exclusivamente no crescimento da vossa pompa, à custa da vida e do sangue de milhões de criaturas, igualmente filhos de Deus como vós. Quantos milhares padeceram inocentemente nas prisões, devido à preguiça e incompetência dos juízes que usufruíam da vossa protecção. Rios de sangue
injustamente derramados gritam por vingança contra vós. Caso o Senhor vos julgasse dentro da justiça teríeis de pagar as vossas crueldades no fogo do inferno, por eternidades afora.
No entanto, Ele resolveu empregar a Sua Graça Paternal porque não Lhe aprazem os sofrimentos dos pecadores, embora merecidos. Ele vos considera muito enfermos e aqui veio para vos curar. Que vos impede de seguir o Seu Chamado ouvindo a Sua Voz? O que tendes aqui? Nada mais senão o que cria a vossa imaginação dominadora. Ainda assim, não estais dispostos a seguir o exemplo dos vossos irmãos que, cientes que diante de Deus toda a grandeza de nada vale, aderiram ao Senhor, conquanto ainda não O conheçam perfeitamente.
Considerai Rodolfo, um regente segundo o Coração de Deus, Thereza, José, Leopoldo, Francisco e outros, — eles também cometeram muitas coisas fora da Ordem do Amor Divino. Mas Deus pesou o jugo que tiveram que suportar, apagou-lhes a culpa como a Davi e já os aceitou em Seu Reino. Os que se encontram junto Dele também estão no Reino Dele. Agora o Senhor está disposto a conceder a Sua Graça a todos. Forque não a quereis aceitar? Não é preferível seguir a Chamada Dele ao invés de amadurecer para o inferno, devido à vossa teimosia?" Este discurso abala a todos, com excepção de um que afirma: "Serei Imperador para toda a eternidade, também perante Deus."
UmImperador teimoso.
Intervém Paulo: "Podes elevar a tua concepção da soberania de um imperador; mas de que adianta se ele não possui país, povo e poder? Acaso é ele imperador por si mesmo ou pela Graça Divina? Quem dá ao homem poder para governar, e aos povos vontade para obedecer? Deus, o Senhor, Único, de todo o poder e força. Se Ele te fez regente, como podes insistir na dignidade imperial como se fora posse tua?
Se fosse tão fácil ao homem tornar-se imperador sem a ajuda do Senhor, haveria muitos imperadores na Terra. Tal hipótese seria um horror para Deus, razão pela qual instituiu um para muitos países e lhe faculta poder, força e grande pompa, mas apenas durante a sua vida e dentro da sua capacidade.
Após a morte o imperador deixa de sê-lo para sempre, tornando-se idêntico ao mais simples súbdito. Poderá no Reino de Deus alcançar algum mérito pela humildade e o grande amor a Deus e ao próximo. Uma obstinação naquilo que alguém foi na Terra, não faculta vida e as suas vibrações geram a morte real e os seus efeitos. Reflecte bem no que farás. O portal da Graça e Misericórdia, especiais, não se acha constantemente
aberto, tampouco é sempre dia e verão. No verão poderás deitar as sementes nos sulcos da terra, que elas germinarão e trarão frutos. No inverno o teu esforço será inútil, pois em tal época a porta da Graça especial está fechada para certa parte do orbe e será aberta somente na primavera. Lá, o abrir e fechar se dão regularmente por ter o Senhor organizado a natureza deste modo. Aqui tal não sucede. Tudo é livre, mormente a Vontade Divina. Ninguém poderá afirmar antecipadamente: Agora vem a primavera e em seguida, o verão da Graça. Tudo isso está oculto nos Desígnios do Senhor.
Neste momento, a porta da Graça acha-se aberta para todos. Aproveitai a oportunidade, pois quando estiver fechada, ninguém poderá desfrutar da mesma. Acaso supões descer o Senhor diariamente dos Céus mais elevados, a fim de ensinar, curar e agraciar as Suas criaturas e delas fazer Seus filhos? Por certo que não, e Ele sabe porque não o faz. É o Amor e a Misericórdia Personificadas; todavia não dá a Sua Graça excepcional a toda hora e a qualquer um.
Fui outrora o maior e mais feroz perseguidor do Senhor, entretanto me proporcionou a maior Graça e me fortaleceu para me tornar apóstolo dos pagãos, enquanto determinou os demais para os judeus. E muitos outros, mil vezes melhores e mais dignos do que eu, não foram agraciados. Aos sábios Ele priva da Graça e aos pequeninos e simples Ele revela o Seu Reino e Misericórdia .
Daí se deduz fazer o Senhor o que quer, de acordo com a Sua Sabedoria Intrínseca. Nunca Ele dá em abundância, para mais tarde tirar tudo. Quem se julga garantido está muitas vezes rodeado por mil perigos; eotemerosoquereceiaser tragadopormilhares deperigos, muitasvezesédetalformaprotegidopeloSenhorapontodeelenada sofrer,aindaqueomundocaiaemfrangalhos. Assim, Ele faz o que quer e não necessita de conselho humano. Por isto é tolice imperdoável não aceitar as Dádivas da Sua Mão Santíssima quando Ele a estende para alguém. Desiste do teu posto de imperador e aceita a Graça de Jesus, que viverás, de contrário morrerás na tua fantasia."
Responde o teimoso imperador: "Falas com inteligência como se foras ministro. Mas que diferença existe entre ministro e imperador! Apresenta-me o Senhor. Ouvi-lo-ei com magnanimidade e dar-lhe-ei audiência especialmente prolongada."
Diz Paulo: "Essa é boa! Pretendes dar audiência ao Senhor, caso eu to apresente? Tolo desvairado! Dar audiência ao Senhor! Eu, Paulo, estremeço diante de tal ideia! Não pode ser criação tua, e sim, de Satanás! Aconselho-te a teres um pouco de bom senso."
Diz o teimoso: "Um regente fala a seu modo e um apóstolo como o entende. Não acho algo por demais uma audiência e não pode ser errado eu pedir ao Senhor para aproximar-se. Na Terra também se chama um
padre para vir em companhia de Cristo, quando se é tão enfermo a não poder procurá-lo.
Se te achas tão inteligente deves convir haver grande diferença entre um imperador, embora humano, e um homem simples. A esfera de cada um constitui sua própria natureza. Se eu, aqui falo das alturas da minha natureza psíquica, não erro como se algum outro te dirigisse a palavra desse modo.
Fui imperador e nem Deus me poderá tirar tal noção, a menos que me tire a recordação do passado. O facto de eu não poder mais mandar aqui, sei tanto como tu; portanto, não necessito mais nada Dele. Cuidarei do meu futuro. Nunca suportei alguém obrigar-me a aceitar o melhor que fosse. Desiste portanto de me impingir algo, que aceitarei o bem e a verdade quando quiser. De contrário, continuarei o que sou, bom ou mau. Compreendeste?"
Responde Paulo: "Perfeitamente. Apenas acrescento que enquanto o teu "ego" for juiz das tuas acções, o Ego de Deus não habitará no teu coração. Considerando apenas circunstâncias e diferenciações externas, tens razão em tudo. As relações internas da vida são, porém, muito diferentes. Como as desconheces, é preciso que te submetas a elas; de contrário não darás um passo no mundo dos espíritos, do qual és habitante há séculos. Não sou teu inimigo, quando por Ordem do Senhor te revelo a plena verdade. Por que me tratas como se fora teu adversário?" Diz o outro: "Não te maltrato; todavia, não me agradas. Por isso quero ouvir algum outro para saber como agir."
Contagemdotempono Além.
Prossegue Paulo: "Receberás um outro, quando não fores tão material como pedra, no teu pensar e julgar. Sou Paulo, simples apóstolo, pelo motivo de raspar dos filhos, a matéria grosseira e baptizar as crianças de certo modo ainda no ventre materno, a fim de capacitá-las a receber o poderoso baptismo do Espírito. Enquanto não trocares os teus pensamentos e desejos materialistas pelos do espírito, não te verás livre de Paulo. Como já disse, a tarefa dele é limpar o local, para que os construtores possam iniciar o edifício que pelo Grande Construtor receberá as ornamentações correspondentes e as organizações internas.
Sê, no início, satisfeito comigo, pois quem aceitar a Paulo chega a Pedro, João e, finalmente, ao Próprio Senhor. Todo o principiante no caminho da evolução tem de começar com Paulo, de contrário não alcançará Pedro e muito menos João. Quem não encontrar João, não
chegará ao Senhor, pois João é idêntico ao Amor de Jesus para com os Seus filhos."
Retruca o ex-imperador: "Está certo. Entretanto, não és fiel nos detalhes e não posso confiar em ti. Alegaste eu me encontrar acerca de duzentos anos no mundo do Além. Isso é mentira, pois aqui estou apenas há cento e dez anos; faltam portanto noventa para o teu cálculo. Acaso não seriam espíritos como tu, capazes de precisar a existência de outros nestas paragens? Se conseguires explicar isto, ficarei contigo."
Diz Paulo: "Queres discutir assunto desse teor? Fica sabendo ser Paulo um judeu genuíno. Tolo, aqui no mundo espiritualacontagem éa seguinte: Desde o momento, em que pelo Senhor é depositada a centelhadivinanaalma(factoqueocorrequandoapsiquesecapacita do primeiro pensamento, isto é, às vezes no primeiro ano da vida), a criatura torna-se habitante do mundo espiritual onde vive metade da suaexistência,oqueprovamosseussonhos. SomenteduranteodiaénamaiorpartehabitantedaTerra,muitoemboraseencontreatravésdepensamentos, meditações, orações, amor a Deus e obras de bem, nomundodosespíritos. Eisocálculodaqui. Ao acrescentá-lo aos cento e
dez anos, constatarás não ser eu mentiroso."
Diz o teimoso ex-imperador: "Desconhecia tal contagem de tempo, e se me tivesses feito alusão anteriormente não te teria chamado de mentiroso, nem tu me classificarias de tolo. Estamos quites, não achas?"
Aduz Paulo: "Perfeitamente, entretanto, tens que ouvir algumas palavras minhas." — Aquiesce o outro, mais cordato: "Podes falar à vontade. Diz-me, o que há na Terra e como passam os meus descendentes. Ouvi dizer ter havido grandes revoluções na Áustria."
Diz Paulo: "Encontramo-nos em Viena, aparente, e teremos muitos assuntos a liquidar. Nessa ocasião saberemos dos acontecimentos no mundo material. Por enquanto trataremos de cuidar de coisa mais importante. Ainda estás compenetrado da grandeza da corte, alimentada pelo sacerdócio riquíssimo e presumes ser apenas possível impressionar o mundo pela pompa externa, para levar a plebe à obediência. Afirmo-te não haver compreensão mais errada.
Vê, um escamoteador entretém a sua assistência ofuscada somente enquanto ela não descobrir a futilidade da sua arte. Quando for explicada por pessoa entendida, o falso feiticeiro tem que fugir porquanto pretendeu vender uma feitiçaria como acto real. O mesmo acontece com o brilho da corte: pode ser real ou falso. Ai do regente que tentar ludibriar o povo com falso brilho. Quando descobrir a trama, como aconteceu na Espanha, França e outros países, o resultado será penoso.
O verdadeiro brilho imperial consiste antes de tudo na sabedoria e bondade do regente, numa prosperidade bem dividida e empregada aos súbditos, na disciplina segura de um exército real e não apenas como
medida de parada militar e em várias organizações governamentais, inspiradas no bem, perante as quais o mundo tem que render o maior respeito.
Só então o rei poderá aparecer em palácio de acordo com a sua dignidade, isto é, sábio governante de um povo feliz. Que utilidade tem os passeios de um rei em carruagem de Estado, se o povo andrajoso, triste, cansado e faminto, chora e se queixa em desespero? De que adianta sobrecarregar os fracos com todo o peso, enquanto se eleva o regente qual condor às alturas, ridicularizando a miséria da humanidade? A pobreza vingar-se-á em tal rei que merecia o título de vampiro popular.
Vê os orgulhosos reis da Espanha, França e Inglaterra. Tombaram, vítimas da ira do povo revoltado. Ainda te encontras preso nessa grandeza externa, inútil para Deus e os homens. Abandona isso, pois nunca te trouxe nem trará benefícios. Não fosse a tua filha (Maria Thereza, 1780), de índole diversa da tua, de há muito não existiria mais a Áustria. Teria sido assaltada por todos os lados, como foi posteriormente feito pelo teu neto (José II) e mais ainda por Leopoldo II e Francisco II. Foste tu que lançaste a semente desses males. Enquanto os teus descendentes andavam na tua carruagem dourada, não eram livres de provações. O Senhor poderia modificá-lo e abençoar os carros transformados; entretanto não é fácil, mormente tal carro sendo adquirido através das lágrimas ocultas do povo.
Ó Carlos, foste regente severo! Torna-te mais dócil diante de Deus, o teu Senhor, para poderes curar as feridas que o teu orgulho desmedido aplicou ao povo. Se bem que não fosses mau, eras contudo muito severo. Sê meigo para com Deus e um bálsamo para os que, sob o teu regime, feridos mortalmente, se encontram nas trevas. Muitos se acham aqui, por ti cegados. Dirige-te ao Senhor, nosso Deus e Pai, deposita o peso de tuas culpas aos Pés de Jesus, para que te fortaleça e cure todos os teus males."
Relatodavidade CarlosVI.Asuapalestracom Jesus.
Diz Carlos VI: "Onde está o Je- Je-..., ora não consigo pronunciar o nome! Como era o segundo nome?" — Diz Paulo: "Jesus Cristo, isto é, o Salvador, Ungido. Não podes pronunciá-Lo porque nada Dele se acha no teu coração. Além disso não precisas indagar orgulhosamente onde Ele Se acha, porquanto está ao meu lado e é sempre o meu próximo. Basta virares-te para Ele e estarás junto Dele, à medida que isso te seja possível. Diz ao menos: Senhor, sê misericordioso com este grande pecador. Não mereço erguer os meus olhos para Ti! — E Ele fará o que for justo dentro da Sua Meiguice."
Diz Carlos VI: "Quer dizer que este judeu comum é Jesus, o Senhor?" Responde Paulo: "Exactamente." O ex-imperador coça-se atrás da orelha e diz (Trata-se do Imperador alemão Carlos VI (1/10/1685- 20/10/1740, filho de Leopoldo I e pai de Maria Thereza. A época desta revelação: Julho 1850) de si para si: "Credo! Este, o Senhor dos Céus e da Terra! Quase que Lhe teria dado uma esmola, tomando-O por mendigo. Às vezes os regentes também viajam incógnitos. Por que deveria ser impossível a Deus? Aceitarei tal hipótese, Paulo assumindo a responsabilidade, muito embora me seja enfadonho como todas as pessoas vulgares me eram insípidas. Por tal motivo só conseguia assistir a missas de grande pompa, onde não se admitia a ralé, mas somente a nobreza e altas patentes governamentais em trajes de gala. Do mesmo modo só dava audiência à plebe, no máximo, quatro vezes ao ano, e criei exércitos efectivos para evitar o contacto do povo, em caso de emergência bélica. A própria vida matrimonial me era enfadonha e agora — terei que me submeter novamente a uma situação insípida? Este judeu tem que ser por mim considerado Deus, quando, como Imperador, poderia ter executado todos eles? Que insipidez horrível!"
Diz Paulo: "Julgavas ser o Senhor arqui-aristocrata como tu, achando enfadonho quem não se apresentasse como nobre? Trata de não te tornares insípido para Ele, pois em tal caso merecerias toda a compaixão. Quem acha as organizações de Deus enfadonhas, é filho do orgulho e da altivez, portanto um horror para Ele. Deus Se inclina somente para os pequeninos e quem não se tornar como filho do mendigomaispaupérrimo,nãocompartilharádoReinoCeleste.
Supões que Ele aprecia os regentes mundanos? Ele os tolera como provação de povos corruptos. Jamais representam o Seu Amor, e sim, a Sua Ira justa. Ele Mesmo falou pela boca de um profeta: A todos os pecados praticados perante Mim, este povo acrescenta mais este: exige um rei. Dar-lhes-ei um rei, na Minha Ira! Portanto, não foi movido pelo amor que Deus satisfez tal pedido do povo judeu, cioso de maior pompa através de um soberano, que o obrigou à servilidade e escravidão. Daí se conclui serem os regentes, muito mais castigo do que bênção, porque as criaturas preferem o mundo a Deus. Se assim é, como podes envaidecer- te do teu posto? Apenas Deus é Regente! As criaturas, irmãos. Vai, confessa a tua culpa, de contrário a tua situação será lastimável."
Diz Carlos VI: "Mas por quê? Agi como regente de tal forma que a História é obrigada a dar de mim testemunho digno perante Deus e os homens. Que deveria eu temer? Não usufruí o amor do meu povo, a ponto de levá-lo até à sepultura? Que mal fiz para aguardar castigo?"
Diz Paulo: "Quanto ao teu regime foi castigo permitido por Deus para um povo pervertido e não vale a pena estender a crítica. Trata-se não tanto da tua acção referente aos súbditos e sim daquilo que foste
intimamente. Se disseres: Governei pelo meu poder! — O teu regime foi péssimo. Afirmando ter sido a Força e o Poder Divinos que determinaram o teu governo, a questão muda de aspecto, pois o Senhor não considera somente a acção, mas o motivo da mesma.
Seja a atitude mais justa que for, o indivíduo a fazendo por honra própria e não de Deus, ter-se-á prejudicado. O Senhor Mesmo afirmou: Se tiverdes feito tudo, dizei: Fomos servos inúteis e preguiçosos. Se alegares: Fui Imperador! — Terás agido contra Deus e dás mau testemunho de ti. Ao passo que se afirmares: Fui apenas mau instrumento na Mão de Deus, e o Senhor foi Regente usando a minha vontade, fazendo da minha péssima semente um fruto bom, — estarás justificado por Deus.
Em tuas guerras prolongadas, anos a fora não mataste tantas criaturas como fizera Davi, às vezes, num dia. Entretanto, ele foi um homem como Deus o quis; mas tu, não, pois julgavas que estavas a agir pela própria força. Uma única vez Davi incorreu num erro por causa da mulher de Urias — e muito teve que padecer. Possuías a simpatia do povo, mormente da nobreza; teria sido melhor se o Amor e a Graça de Deus tivessem sido a tua posse. Somente o Senhor é tudo em tudo, e nós,
— nada somos perto Dele. Assimila isto no coração, dirige-te a Ele que melhorarás. O Senhor seja contigo."
Levado a reflectir deste modo, Carlos VI, após algum tempo diz para Mim: "Segundo o pronunciamento de Paulo serás realmente Cristo, o Senhor, crucificado pelos maus judeus, motivo por que me são extremamente repugnantes, de sorte a eu lastimar não os ter liquidado, ao menos no meu reinado."
Respondo: "Sim, sou Eu Mesmo! Se tiveres alguma objecção, fala o que Me falta, para poder apresentar-Me como Cristo perante ti."
Diz Carlos VI: "Pergunta estranha que jamais poderia ter sonhado. A julgar pela minha compreensão mundana, careces de muita coisa para seres reconhecido condignamente como Cristo, Senhor de Céus e Terra. Entretanto já não sou mais tão sensível e aceito o chicote como metro e a carapuça como coroa. Por que não aceitar-te como Cristo? Satisfaço-me contigo até que me apareça um melhor. Aliás tenho que confessar me agradares muito como Cristo, ao menos sabes desempenhar o teu papel. O teu benevolente rigor, a tua cabeça majestosa e os grandes olhos azuis perfazem um digno representante daquilo que dizes. Não posso positivar a realidade. Contando com a responsabilidade daquele que te apontou a mim, ajoelho-me como o maior Imperador da Alemanha católica e digo: Senhor, sê misericordioso para comigo."
Digo Eu: "Estou satisfeito por teres chegado a este ponto, facilitando a nossa saída da cripta, pois aqui habitam defuntos e é impossível falar-se em vida. Lá fora, onde uma luz mais pura penetra a
imensidade do mundo espiritual, é mais fácil ver e sentir Quem é Aquele que ora te fala. Vamos."
Exclamam todos: "Salve, Senhor, por nos ajudares! Começamos a compreender por onde andávamos. Tu, somente, és o nosso Salvador! Mereces todo o amor e veneração!" — Diz Carlos VI, erguendo-se do solo: "Senhor, acompanho esta saudação com todo o fervor da minha alma. Para onde nos levarás?" Respondo: "Às ruas de Viena. Lá veremos onde nos acomodarmos. Roberto, toma a dianteira em companhia de Helena."
Padres mendicantes.
Roberto dirige-se à entrada da cripta onde encontra dois monges com vasta bolsa que lhe pedem um óbolo para as pobres almas do purgatório. Ele desculpa-se por não ter dinheiro. Os dois cochicham com despeito: "Mais um miserável neste mundo!" Em seguida dirigem-se aos dinastas que pelo mesmo motivo nada lhes dão, e os monges comentam entre si: "Com esta gente é preciso fazer-se requerimento a fim de se aguardar resposta alguns anos mais tarde. Estamos cansados de verificá- lo. Aí vêm quatro estranhos. Talvez larguem alguns fios de cabelo."
Prontamente Eu, Paulo, Pedro e João, somos abordados. Paulo então pergunta-lhes onde se acha o purgatório, e um monge responde com gravidade: "Duzentas milhas debaixo do solo, e cem milhas mais abaixo está o inferno com os condenados ao eterno fogo, porque nunca fizeram algo às almas do purgatório."
Diz Paulo: "Tal facto é do vosso maior regozijo, não é?" Dizem eles: "Certo. E mesmo que fôssemos capazes de ajudá-los, não o faríamos. Essas pestes devem arder eternamente. Não rezaremos, nem um Pai Nosso por elas." Conclui Paulo: "Não sois muito caridosos. Que tal se estivésseis no inferno e ninguém de vós se apiedasse? Teríeis vontade de arder lá, eternamente?" Diz um deles: "Mas, que pergunta tola. Um monge não pára tão facilmente no inferno, pois está protegido pelas inúmeras missas, rezadas em benefício das almas. Compreendeste?"
Diz Paulo, com humor: "Ah, naturalmente. Esqueci as missas. Por certo socorrem os aflitos. Que espécie de missas usastes, pagas ou gratuitas?"
Respondem eles: "Outra pergunta imprópria. Quem poderia celebrar missas gratuitas em Viena quando o tempo não chega para as pagas? Os abastados tem que pagar, de contrário será mais fácil um camelo entrar no Reino celeste. Quem tiver o Céu na Terra, merece o inferno no Além e caso queira ser feliz terá muito que pagar. Nós, ministros de Deus, temos o direito de abrir e fechar o Céu."
Diz Paulo: "Quem vos deu tal direito?" — Respondem: "Ora, o Papa, representante de Cristo na Terra. Se não for herege, o senhor sabe disso." Diz Paulo: "Muito bem, entendemo-nos e não necessitamos discutir. Dizei-me apenas se sabeis não estardes mais na Terra, e sim no mundo espiritual?" — Desatando a rir eles respondem: "O senhor não está bom do juízo? Se estivéssemos mortos, estaríamos no Céu ou no inferno e jamais celebraríamos missas. Não vê que estamos na igreja?"
Responde Paulo: "Já compreendi serdes eternamente incuráveis; por isso vos deixaremos como sois. Sou Paulo, o célebre apóstolo do Senhor. Esses lá atrás: Pedro e João e em seu meio está Cristo, o Próprio Senhor, que queria ajudar-vos. Estais ainda muito cegos. Somente o abismo da noite trevosa onde existem clamor e ranger de dentes vos curará. Passai bem. Daqui a alguns séculos teremos outro encontro."
Paulo se afasta. Quando Me aproximo dos monges com Pedro e João, eles repetem o seu pedido. Como não são satisfeitos, começam a mandar-nos para o inferno e nos classificam de imundos e sujos. Nisto se aproximam os vienenses e agarram os monges para aplicar-lhes uma boa surra. Eu os impeço, dizendo: "Deixai-os. Já estão bastante castigados. Todo o seu esforço na Terra e mormente aqui, será a partir de agora, inútil. Secarão lentamente qual erva cortada e serão guardados para forragem de animais, na treva densa. Vamos. Vejo ainda algumas hortas onde temos que fazer colheita."
DiantedaCatedraldeSanto Estevão.
Curadifícildoorgulhoso clérigo.
Dentro em pouco estamos defronte da Catedral e alguns dinastas Me pedem: "Senhor, já que tiveste a magnanimidade de visitar a nossa capital, vivificando os espíritos errantes e libertando-os das trevas através do Teu Amor, Graça e Misericórdia, lembra-Te dos infelizes enterradas nas catacumbas desta Igreja. Já compreendemos considerares os que na Terra eram simples. O erro deles constitui apenas na carência de educação apropriada, enquanto nos ricos os pecados derivam do orgulho e amor-próprio, mais tenazes do que nos outros. Necessitam de médico especial, como Tu."
Digo Eu: "Alegro-Me sobremaneira em vos lembrardes desses mortos e satisfarei o vosso desejo. Entretanto aviso-vos ser a colheita aqui muito escassa. Nada há mais difícil de se arrancar de uma alma, sem prejuízo oudestruiçãototal,doqueoorgulhoteológico.
Um imperador, um rei ou um príncipe, julgam-se inalcançáveis entre os homens, estado natural devido ao seu posto. Coisa diversa
sucede aos que se acham aí em baixo, na maioria representantes hierárquicos de épocas passadas. Julgam-se tão importantes ao ponto de a Divindade ser obrigada a obedecer-lhes. A essa ideia desvairada eles chegam pela doutrina errada de Roma, que classifica todo o sacerdote duas vezes mais elevado do que Maria Santíssima, enquanto ela é superior a Mim, de sorte que só por ela se consegue algo da Minha Pessoa. Além disso as missas, onde podem fazer Comigo o que quiserem, exclamando qual Papa Alexandre: "Quem se arriscaria a discutir comigo? A Terra toda estremece sob o meu passo, e tenho Deus à minha direita."
É fácil compreenderdes a dificuldade de se reconduzir tais espíritos à justa humildade, pois não só se consideram deuses mas também superdivinos. Tais são os moradores destas catacumbas e dificilmente se alcançará algum êxito com eles. Assistireis a excessos de teimosia, mas não vos aborreçais e portai-vos como se eles fossem loucos. Não vos deixeis amedrontar, pois farão ameaças pela fixação da sua fantasia. Aliás, deveis considerar tudo fantasmagoria sem realidade alguma. Assim orientados, vamos."
Descemos às catacumbas onde deixo que que tudo seja suficientemente iluminado, para que os dinastas possam vislumbrar os acontecimentos. Quando estamos no centro, Roberto aborda-Me dizendo: "Senhor, permite achegar-me de Ti. Tenho que confessar, não obstante o meu ilimitado amor para Contigo, jamais na Terra nem no mundo dos espíritos ter experimentado tamanho pavor como nestas galerias subterrâneas. Não vejo ninguém. Somente um ou outro crânio nos assusta e um odor pestilento toca as nossas narinas, contudo sinto uma vibração estranha pelo corpo todo. Os cabelos se arrepiam. Coisa esquisita! Quando há anos fui condenado à morte pelo príncipe Windischgrätz não senti tanto medo. Permites que eu fique ao Teu lado durante esta expedição?"
Respondo: "Está bem. Quero que todos venham a Mim quando estiverem aflitos, para poder aliviá-los. Fica aqui, que a dança macabra não demorará."
OCleroeoImperadorJoséII,designadoparaanjodeJustiçacontra Roma.
Nisto se adianta o Imperador José II e diz: "Senhor, sê magnânimo para comigo. Não devia manifestar-me por ser grande pecador. Tratando- se do alto clero romano não posso silenciar. Conheci esta casta, como talvez nenhum outro e foi por mim tratada de modo a não me esquecer. É quase impossível relatar diante de Ti o que passei com estes indivíduos. A sua perversidade e índole inescrupulosa atingem tão elevado grau, que
se torna impossível descrevê-las. As suas mistificações em Teu Nome são inomináveis.
Se tivesse sido possível, eu teria exterminado o papismo, pois como confessor da Tua Doutrina observava grande diferença entre o Teu Verbo e o catolicismo. Teria levado a efeito tal plano, caso a minha vida se tivesse prolongado por mais doze anos. Estas víboras souberam fazer definhar o fio da minha existência, sabendo que eu era uma pedra de escândalo para elas.
Alegro-me entretanto ter contribuído para o início da sua queda, pois sempre que recebo informações da Terra consta sofrer a prostituta de Babel de consumação incurável. Eis uma grande alegria para mim. Abençoa, Senhor o meu trabalho para que dê bom fruto na Terra."
Respondo: "Foste Meu servo como poucos antes de ti e nenhum outro depois. Agiste como desejava o Meu Coração e foste fiel na tua vida doméstica. Deixei que Me servisses apenas por pouco tempo, porque a humanidade não te merecia. Por isso castiguei-a por meio de guerras e outras tribulações, fazendo com que ricos e pobres fossem humilhados. Tais humilhações continuarão até que a última semente seja destruída na Terra.
Dar-te-ei uma boa espada com a qual poderás atacar a prostituta de Babel de modo mais potente do que poderias ter feito em vida. És para Mim um lutador justo nesta causa importante. Não é preciso que Me relates os horrores destes servos negros e de púrpura; sei de tudo, razão pela qual chegou a época do julgamento. Atenção! Daquela cripta negra se encaminha para nós um arcebispo do teu tempo. Reconhecê-lo-ás de pronto e ele também a ti. Responde com calma, Eu inspirar-te-ei."
AverdadeiranaturezadoarcebispoMigatzi.
Diz José II: "Sim, sim — é ele! Reconheço-o pelo andar. Que aspecto assustador! Por cima do esqueleto está pendurado um velho manto. No crânio, uma mitra cheia de imundícies. Deste modo ornamentado ele se dirige para cá, com passos cambaleantes. Estou curioso da sua atitude." Digo Eu: "Dar-te-á o que fazer. Não te deves aborrecer, pois todos estes seres são mais ou menos loucos."
Diz José II: "O que me admira é ter sido ele um dos mais inteligentes e sempre procurou concordar comigo. Os arcebispos de Salzburgo, Praga, Olmutz, Gran, Erlau, Agram, Trieste, Veneza, Trento e Milano me deram mais dores de cabeça do que o de Viena. Confesso até ter ele me prestado bons serviços no Governo. Por isso não compreendo como pôde chegar a este estado deplorável."
Digo Eu: "Ele foi um dos mais entendidos vira-casaca de acordo com o vento. Analisava os porretes para ver se podiam ser dobrados por cima do joelho. Alguém se apresentando por demais forte e maciço, ele o fazia dourar para que nenhuma alma percebesse fazer parte do que se lhe atirava aos pés. Além disso deviam todos reconhecer o novo poder nas mãos do arcebispo. Quem caminha de mãos dadas com importantes imperadores, é respeitado quase tanto quanto o próprio soberano.
O arcebispo Migatzi percebeu que alguém se exporia sob o teu Governo, caso demonstrasse grande intimidade com o Papa, dependente da Áustria, naquela época, pois te havia honrado com a sua própria visita, bem calculada em benefício da hierarquia. Por isso preferiu aderir, tornando-se legislador secreto do Papa. Mantinha correspondência contínua com a Santa Sé, orientando-a, para se manter contra o teu poder e conhecimento. Isto naturalmente constitui o maior triunfo para Migatzi, que de certo modo era Papa, acima do Papa.
O seu máximo regozijo era existir um representante de Deus em Roma, obrigado a dançar com o assobio do arcebispo de Viena. Eis o motivo da sua consideração para contigo. Às dificuldades que lhe impunhas, ele as sabia aproveitar, dourando-as e transformando-as em pequenos ceptros que lhe traziam grandes juros, poder e consideração. Se presumes ser ele intimamente como se apresentava, estás muito enganado. Era mais Papa que o próprio Papa e muito mais ultramontano do que todos os seus colegas. Odiava-te mais do que a morte. Como foste o móvel de ele se tornar orientador do Papa, favorecia-te e te ajudava no Governo. Estás informado da índole daquele teu colaborador?"
Diz José II: "Imagina só! Podia supor tudo, menos isso. Realmente, quem quiser aprender a política negra e tornar-se mestre, que procure os de batina preta e manto de púrpura onde a encontrará mais elevada do que na cabeça de Satanás. Espera só, político negro, terás que roer um osso duro comigo!" Digo Eu: "Tem cuidado para ele não se tornar mais duro contigo. É ungido com todos os óleos e não será tarefa fácil encaminhar uma alma desta espécie. Controla-te, que ele vem aí."
Eis que o arcebispo avista José II, aproxima-se e diz com voz esganiçada: "Salve, irmão José! Como vieste parar neste buraco miserável?" Responde José II: "Vim visitar-te." — Diz o arcebispo: "Muito bem; mas se fores o mesmo herege da Terra, serás aqui mal recebido."
Diz o ex-imperador: "Não importa. Sabes que José entende ser considerado. Poderás alegar o que quiseres, que te darei a mesma resposta dada por mim ao patriarca de Veneza quando me mostrou um quadro, onde o Papa usa as costas de um soberano enfraquecido para montar a sua mula, lançando um olhar de desprezo ao regente." Pergunta Migatzi: "Qual foi a resposta?" — Diz José: "Tempi passati!”O mesmo te direi se me apresentares algo que me desagrade. Com relação à tua
pessoa não deixei de ser imperador. Diz-me como estás passando e o que fazes?"
Diz Migatzi: "Que pergunta mais imprópria! Olha para mim, o meu estado de magreza e terás a resposta. A minha veste traduz o meu trabalho. O mundo quer ser enganado, portanto enganemo-lo. Foi este nosso lema de sempre e ainda é. A humanidade não quer fazer uso do maior milagre: a razão e o intelecto divinos. Prefere um espectáculo enfadonho a pensar e estudar, pois é por demais preguiçosa. Exige fé milagrosa para fugir da análise. Daí deduzir-se querer ela ser enganada.
Se reunires artistas de várias espécies para fazerem demonstrações individuais e em sala contígua um prestidigitador produzir as suas magias conhecidas, este terá maior auditório. Assim é o mundo e sempre será. Por isto, o princípio jesuíta é a melhor invenção, pois baseia-se em a natureza.
Os antigos egípcios criaram uma das melhores religiões baseada somente em mistérios e superstições, por isso conservou-se além de dois mil anos. Quando alguns amigos do povo começaram a esclarecê-lo quanto à mistificação da sua crença fielmente cumprida, em breve surgiu uma quantidade de inimigos dos sacerdotes. Os templos eram destruídos e os seus representantes assassinados ou expulsos. Qual o lucro disso para o povo? Nada mais que misérias, tristezas, desespero e no fim a completa ruína da sua nacionalidade e celebridade quase divina. Não teria sido melhor se tais esclarecedores jamais tivessem surgido no povo egípcio? Dentro da ignorância teria continuado feliz, e o sacerdócio, único sabedor da nulidade do homem, teria gozado os seus lucros, imperturbavelmente, pois toma para si o maior peso da responsabilidade, certo do aniquilamento após a morte, entretanto procura manter a crença popular em Deus na imortalidade.
Bastaria divulgar-se não haver vida após a morte e a multidão cairia nas piores loucuras. Em poucos instantes muitos se tornariam verdadeiros tigres e hienas. O sacerdócio assume tudo isto e enfrenta a destruição eterna porque compreende a grande vantagem do não-ser sobre a existência. É, portanto, a maior ingratidão da humanidade para com estes grandes benfeitores quando são traídos por revolucionários. Realmente não deixam de sê-lo, mas apenas em benefício do povo.
Em que se baseia a felicidade de chineses e japoneses? Nunca foram perturbados na sua ignorância, pois os seus regentes cultos, esperavam que os seus povos jamais conseguissem esclarecimentos. Os que se atreviam a transmitir algum ensino, foram maltratados.
Tu mesmo, caro amigo, ao invés de caminhar de mãos dadas com o sacerdócio, aplicaste-lhe um ferimento incurável. Qual seria o critério de um arcebispo em relação à tua pessoa, e o da própria humanidade? Tiraste-lhe algo sem recompensá-la. Se alguém é feliz na sua ignorância,
— para que esclarecê-lo tornando-o infeliz? Todas as criaturas são delinquentes e expostos à morte. Quando adormecidos, alegram-se com os seus sonhos. Mas, ao despertar, são assoladas pelo pensamento da morte, afligindo-se sobremaneira.
Não é por menos que a Igreja se cognomina de "mãe", pois é realmente qual genitora para os filhos. Dá-nos toda a sorte de alimento e bebidas que induzem ao sono, a fim de que não se venha a sentir a miséria humana. Quem se mantiver firme na Igreja e usar os seus meios, não sentirá a dor da morte. Ai dos orientadores do povo! A morte se vingará horrendamente. Que me dizes? Ainda pretendes consolar-me com o "tempi passati? "
Responde José II, lacónico: "Através das tuas palavras sem base,
apenas provaste encontrar-se o sacerdócio na pior ignorância, procurando incuti-la aos povos, por muito dinheiro. Eu e milhares de outros, nunca duvidamos da imortalidade da alma, e a nossa fé não era cega, mas lúcida. Sentimos ser possível a todos reconhecê-lo caso não sejam impedidos pelo sacerdócio. É neste ponto que me referi ao "tempi passati" , e nos agrada sobremaneira termos conseguido alguma elucidação."
OarcebispoMigatziconsideradementeoImperador José.
Prossegue José II: "A prova de serem tolas e infundadas as tuas afirmações em favor da Igreja, evidencia-se pelo facto de termos morrido há sessenta anos, entretanto continuamos bem vivos. Fosse o povo ensinado na verdadeira crença, mais fácil seria conduzi-lo ao bem e à verdade. Uma vez se entregando ao sono, não se pode esperar evolução espiritual. Como surgiram rapidamente na Inglaterra as invenções mais úteis, desde que o povo recebeu alguma instrução. E qual foi o nosso progresso na Áustria sob o regime de minha mãe?
O meu primeiro-ministro perguntou-me certo dia como era feito um alfinete, após tê-lo examinado prolongadamente, e eu, verdade seja dita, não pude responder. Se eu, como Imperador, desconhecia a maneira de se fazer um alfinete, o adiantamento do meu Estado devia ser precário. Além disso, me contaram ter um frade esbravejado contra os alfinetes por tomá-los como feitiçaria. Ele mesmo havia tentado durante uma semana confeccionar apenas um, sem o conseguir. Durante a experiência apareceu-lhe o espírito do mal, dizendo: Entrega-me a tua alma, que te ensinarei a fazer alfinetes aos milhares! — O susto dele foi tão grande que desfaleceu, e não fosse Nossa Senhora, por ele venerada, estaria perdido.
O povo estando entregue a imbecis desta ordem, que esperar do seu adiantamento? Este e outros motivos me levaram a acabar com tais
absurdos e, graças a Deus, o meu esforço foi coroado de êxito. O Papa já perdeu a consideração perante muitos fiéis. Em compensação fui excomungado ao pior inferno, sem sofrer o menor prejuízo. Aqui, a meu lado, está Cristo, o Senhor de Céus e Terra, em Pessoa, portanto sou feliz."
Retruca o arcebispo, nervoso: "Já eras herege no ventre materno e sê-lo-ás no pior dos infernos. Alegas já termos morrido. Tolo! Morremos politicamente, porque fomos aposentados. Na realidade continuamos em Viena e há bem pouco, estive em "Hietzing", passando um dia bem contente. Acaso existe este local para excursões também no mundo dos espíritos? Eu, como arcebispo, estou bem informado se realmente há tal mundo. Não havendo vida após a morte, a tua afirmação é inócua. O mesmo sucederá com a Divindade do Cristo. Vês a que ponto chegou o teu desvario, considerando um reles judeu como Cristo, morto na cruz, jamais podendo voltar à vida? O teu estado mental não te faz recordar teres sido levado qual louco ao sanatório? Certamente este facto te deu a impressão da tua morte. Se quiseres, poderei curar-te para poderes gozar a liberdade da vida."
Diz José II: "Eu, um louco? Já proferiste muitas mentiras sobre a minha pessoa, mas essa ignorava. O facto de não acreditares na imortalidade da alma e no Cristo não me perturba e tampouco me esforçarei nesse sentido. O que me irrita é a tua afirmação de ser eu louco, quando sei positivamente como faleci.
Com toda a certeza foi a consideração por parte da Igreja que me enviou um ramo de flores especiais, provocando-me uma forte dor de cabeça e resfriado. Não liguei importância, esperando que ele passasse. Como demorasse, consultei o meu médico que me aconselhou a ficar alguns dias de cama, tomar suadores e fazer inalações. Melhorei um pouco; entretanto, comecei a sentir certa pressão no cérebro até que se apresentou um tumor maligno, crescendo constantemente.
A junta médica, com excepção de um facultativo chamado Quarin, alegava não haver perigo. Notando, pelo espelho, a sua expressão preocupada, perguntei se havia cura. Quando me respondeu pela negativa, fiz com que fosse elevado à nobreza, pois sentia entender ele mais do que os outros. Piorei dia a dia e morri em plena consciência e sem medo. Tive a impressão de adormecer; em breve, porém, despertei no mundo espiritual. Por este relato provo não se ter apagado a minha memória. Que achas?"
MigatzialegaoutracausadamortedeJosé II. O amor como único testemunho de Deus.
Diz o arcebispo Migatzi: "Caro amigo, não me altero com as tuas palavras, pois não fui daqueles que se opunham ao teu Governo, muito embora o pudesse ter feito como arcebispo e cardeal. O que me aborrece é tu me culpares indirectamente de um atentado à tua pessoa. Fui o teu amigo mais íntimo e tanto quanto tu, livre maçom, razão pela qual tinha os meus motivos para concordar com as tuas inovações. Dou-te a minha palavra de honra haver engano quanto à minha participação na tua morte.
A razão da tua moléstia baseava-se num defeito orgânico, apresentando-se em escrófulas latentes, enquanto a tua vida era controlada em relação ao sexo feminino. Quando começaste a exceder-te e finalmente foste contaminado por uma criatura infeccionada, algo desse veneno se localizou na cabeça. Não ligaste a menor importância e os médicos, como sempre, não reconheceram a moléstia, tratando-te indevidamente. Assim tornaste vítima do mal. És tu o culpado da tua insanidade ou morte, já que pretendes estar morto. Não culpes a Igreja, inocente da tua enfermidade, pois terias sucumbido de qualquer forma.
Eu, ter-me-ia alegrado muito se tivéssemos podido reger por muitos anos os povos da Áustria. A fatalidade quis que ambos saíssemos do palco da actividade. Não podemos alterar as leis do Cosmos, de sorte que ou morremos, como afirmas, ou fomos enclausurados num sanatório após a aposentação, de onde nos deixam sair algumas vezes ao ano. José, sê inteligente e não consideres esses judeus mais do que são. Se realmente isto for o mundo espiritual e houver algo de verdadeiro na pessoa do Cristo, — ele se apresentaria frente a um imperador e a um cardeal de modo diverso ao de um reles judeu!"
Diz José II: "Peço-te para mudares de atitude, em Presença de Jesus, o Senhor. A paciência Dele deve ser enorme, suportando a nossa palestra. Entretanto, duvido ser ela ilimitada. Sempre que as criaturas começam a pecar obstinadamente, não pretendendo abandonar a sua evidente maldade, Ele toma outras medidas. Se eu, por exemplo, tivesse renunciado ao sexo fraco alguns anos mais cedo, quando justamente o Pai me mandava sérias advertências, poderia ter prolongado a minha vida por dez a vinte anos e reger os povos em Nome de Deus. Não ligando aos avisos recebidos, a Paciência do Senhor esgotou-se e tive que deixar o palco da vida, dolorosamente. Por isso, não desafies a Paciência Divina, compreendeste?" Responde o arcebispo: "Tudo isso é possível. Antes de me apresentar de modo diferente, devo estar certo de ser ele mesmo. De que me adianta o teu falatório? Dá-me provas da sua identidade que mudarei de atitude."
Diz José II: "Enquanto o teu coração não disser, movido pelo espírito do amor: Ei-Lo! Todas as provas serão inúteis. Quem quiser reconhecer Jesus terá que amá-lo. Quem O amar, tê-Lo-á vivamente
dentro de si. Eis a única prova pela qual alguém pode e deve reconhecer Jesus. Ama a Cristo neste judeu tão simples, com todas as forças da tua alma, e verás se Nele se oculta algo mais."
Opõe o arcebispo: "És realmente esdrúxulo. Como poderia amar Jesus neste judeu, antes de saber ser ele o Cristo? Não seria reduzir e vilipendiar a Divindade do Cristo, caso seja Deus como diz a lenda, alguém amando e venerando o primeiro judeu que aparece? Venerá-Lo simbolicamente no pão e no vinho, admite-se por ter sido isso instituído por Ele Mesmo como a Sua Personificação. Se o Cristo é apenas um mito, a veneração é tolice. Caso contrário, seria blasfémia que merece o inferno."
Responde José II: "Não me digas. Eis a própria orientação de Cristo: Se alguém acolhe uma criança ou um irmão, pobres, ter-Me-á aceite. Quem Me aceitar, terá acolhido Aquele que Me enviou. Se o Próprio Senhor Se põe em pé de igualdade com os pobres, porque deverias adoptar outra medida? É o nosso orgulho que imagina uma Divindade Grandiosa, deixando passar ao largo o Cristo em veste modesta. A alma orgulhosa não suporta o que é humilde e simples. O orgulhoso almeja Deus com ceptro e coroa. O humilde, de modo a poder erguer o seu olhar ao Pai, dizendo: Senhor, vem junto a mim na veste da humildade sincera; todavia, não sou digno de Te fitar. Qual dos dois seria do Agrado do Senhor?"
Auto-confissãodo arcebispo.
Diz o arcebispo: "Tenho que meditar um pouco para dar-te resposta condigna." Esfregando a testa, ele caminha de um lado para o outro, dizendo de si para si: "Este imperador é mais ortodoxo do que eu, arcebispo e cardeal. Se não me envergonhasse, ver-me-ia obrigado a aceitar o que disse desse judeu. Se eu estivesse só, já o teria feito. Os meus inúmeros colegas, que aqui moram comigo, chamariam todos os demónios caso eu fizesse tal coisa. Bastaria fazer apenas menção para aderir à assembleia, que eles me atacariam quais hienas. Ó José, tiveste razão quanto ao teu critério sobre Roma. Sei que assim é. Mas, que fazer quando se pertence a este grémio?
É-se obrigado a enganar o mundo com atitudes enfadonhas e fazê- lo crer em algo impossível. Além disso, temos que nos rodear de um nimbo divinizador, enquanto o valor individual estiver abaixo de um tratador de suínos. Que vem a ser um arcebispo e cardeal? Nada. Quase nada mais sabe daquilo que aprendeu no Seminário. E no posto eclesiástico não se adquire outros conhecimentos, a não ser a conservação
das suas finanças e da dignidade religiosa, mantendo-se o inferno aberto ao invés do Céu. Eis a função de um arcebispo. Ninguém pode viver sem sapateiro e alfaiate, — entretanto, passa-se muito bem sem um arcebispo. Quem se atreveria a dizer tal verdade?
Ó José, tens razão, entretanto não posso confessá-lo. Se assim fizesse, seria atacado por todos os lados. Se ao menos soubesse como livrar-me dos colegas. Estaria disposto a adorar não só esse judeu de aspecto honrado, mas qualquer engraxador de sapatos mereceria ser considerado por mim, que nada sou. Sei, como tu, já ter morrido, encontrando-me há sessenta anos ou mais no mundo dos espíritos, muito embora não tivesse acreditado em tal possibilidade.
Ó José, liberta-me dos meus colegas e verás a minha transformação. No íntimo não fui amigo de Roma, mas tive que enganar o mundo. Tu mesmo, bom José, desconhecias o teu amigo Migatzi, sempre pronto para te ajudar. Conheces Roma externamente. Eu, a sua base. Enquanto não aparecer um Hércules para destruí-la, jamais se fará a luz na Terra."
Finalizando este monólogo, o arcebispo dá um suspiro e diz a José: "Caro amigo, pedi que esperasses por uma boa resposta. No entanto não consigo formulá-la, pois existem coisas entre o Céu e a Terra que jamais alguém sonhou. Espero que me entendas?"
Responde José: "Como não? Nestes recintos há grande número de padres que temes tremendamente. O teu pavor é tão fútil quanto a tua dignidade clerical. O Senhor abriu o ouvido do meu coração e assisti ao teu monólogo, de sorte que não necessitas dar-me resposta. Já te tornaste meu amigo sincero, e o Senhor te dará aquilo que te falta. Abandona o medo dos teus colegas. Garanto que nada te farão. Não viemos por causa deles, e sim para ajudar-te. Dirige-te ao Senhor. Basta uma palavra Dele para te salvares."
Diz o arcebispo: "Sabes eu concordar contigo. Custa-me aceitar esse filho de Abraão como Jesus, o Divino Mestre de Nazaré. Mas, seja como for, Cristo, o Ungido de Deus, Verdadeiro Sumo-Sacerdote Eterno, é o Amor Divino para as criaturas. Se me tratar com amor, pecador miserável, será o Cristo e Salvador Eterno ainda que em trajes de sapateiro. Não me tratando com amor qual padre católico, não o considerarei.
Infelizmente, fui também um clérigo e tive que pregar e condenar todos os que não se ajoelhavam perante a tiara. As minhas condenações não tinham efeito, porque nunca acreditei no purgatório e muito menos no inferno, pois não os podia atribuir ao Amor e à Sabedoria de Deus. Além disso, sentia grande amor para com as criaturas, ao ponto de não poder realmente condená-las. O homem mais perverso o é apenas por algum tempo e no começo tinha certamente a tendência para não agir de outra forma. Se ele, após analisar a sua natureza, educação, motivos e circunstâncias que o levaram a agir assim, for condenado na Terra ou
aqui até que se tenha regenerado, o castigo é justo. Ao passo que uma pena eterna por crime temporal, não pode ser aceite e muito menos determinada pelo Amor e a Sabedoria Divinos.
Por aí vês não ter sido eu propriamente um clérigo na acepção da palavra. Encontrando o Cristo como realmente é e não como foi instituído em Roma, aceitá-Lo-ei em vestes simples. Se for à moda católica, o nosso destino estará selado e o inferno não terá saída para mim."
Diz o Imperador José: "Concordo plenamente. Neste verdadeiro Cristo encontrarás tudo o que desejas. O facto de não conceber um Deus vingativo e, sim, um Pai Magnânimo e cheio de Amor, provou a minha abolição da pena de morte, aplicando aos piores criminosos penas tais, a facilitar-lhes a sua regeneração. Apliquei o castigo capital, no início, em apenas perversos diabólicos. Um deles havia esquartejado a sua amante por maldade e espalhado as diversas partes pela rua, durante a noite. O outro era um vampiro sem escrúpulos. Tive que dar um exemplo, entretanto me arrependi em seguida. Se os tivesse entregue às galeras, talvez se tivessem transformado. Não obedeci tanto ao meu critério, mas à voz do povo. Portanto, vês que..."
Interrompe o arcebispo: "Sim, vejo que foste um regente nobre e dentro da Vontade de Deus. Por isso aceito este teu amigo como Cristo, sem considerar o que será de mim. Os meus colegas farão escândalo. Já os ouço esbravejar. Será algo horrível."
CritériodoSenhorquantoa Roma.
Subitamente, cerca de cem indivíduos esquálidos, em farrapos, tiaras amassadas, surgem de todos os cantos com gritos estridentes, destacando-se um dirigente com aspecto de asno. Não deixa de ser o mais ignorante. Mas não importa, pois nomeiam sempre o menos preparado, a fim de agirem à vontade, conforme acontece na eleição do Papa, onde os espertos cardeais escolhem o mais fraco e teimoso ultramontano. De um salto, o superior está ao lado de Migatzi e mostra uma expressão de grande rigor provocando o franco riso da assembleia do Senhor. Procurando dar-se maior respeito, tal indivíduo acentua o seu desagrado e colhe apenas gostosas gargalhadas.
O chefe dos clérigos perde a paciência, abre a boca o quanto pode e esforça-se por pronunciar uma maldição dentro dos moldes católicos. Eu o impeço, de sorte que só consegue zurrar. Helena e Roberto quase sufocam de rir e mesmo os apóstolos não conseguem dominar-se. Todos os monarcas se divertem e José II assegura jamais ter visto fisionomia tão ridícula.
Roberto vira-se para Mim e diz: "Senhor, não compreendo como pude apavorar-me quando entrei na cripta, pois agora quase estouro de rir com o zurrar do superior. Na realidade interpreta ele os protestos de Roma em épocas de Lutero e actualmente o faz contra os neo-católicos. Esta gritaria é o zurrar de um asno e o superior, um quadro fiel do papismo."
Digo Eu: "De modo semelhante será o efeito do esforço e zelo do Vaticano. As criaturas começarão a ridicularizar os seus servidores e quanto mais se aborrecerem tanto maior será o deboche, até que finalmente sejam aniquilados pela própria ira. O que ora vês em moldes diminutos acontecerá na Terra, em larga escala. Os servos de Balaão, empenharão tudo, fazendo magias, gritando e urrando — o povo, porém, se divertirá como faz o nosso grupo frente a este asno. Tal humilhação será o melhor meio de cura para estes tolos.
Dentro em pouco verás o motivo do teu medo anterior. O íntimo destes padres se apresentará e ficarás admirado das suas fantasmagorias. Entrementes, influenciarei a assistência para se portar qual público descontrolado, em comédia de pouco valor. O efeito será óptimo."
Nisto se adianta Migatzi e diz: "Senhor Jesus, Tu O és em Verdade! Só agora Te reconheço verdadeiramente. Honra Te seja dada para sempre!" Pegando em sua mão, digo: "Irmão, sê perfeito!" Imediatamente ele adquire um aspecto saudável. Sente-se leve e fortificado e a sua visão clareia gradativamente. Somente a roupa continua a mesma, facto que o perturba consideravelmente. Analisando-se, diz, após certo tempo, cheio de amor e confiança: "Jesus, Deus Verdadeiro e Filho Eterno do Pai! Como já me libertaste do antro de perdição sem que o tivesse merecido, livra-me deste resto de aspecto nojento e odor desagradável. Esta roupa, repugnante, do orgulho e da fraude, desejo trocar pela do mendigo mais pobre — e me sentirei feliz."
Digo Eu: "Irmão, a tua indumentária representa orgulho para quem a usa com vaidade e altivez. Tu não o fizeste, mas a usaste apenas pelo ritual prescrito pela Igreja. Assim, foi realmente uma veste de honra e não repugnante como julgas. Nem tudo é deplorável em Roma. Um horror é ela usar de meios diabólicos por causa do dinheiro, tais como: milagres, curas fictícias, indulgências, relíquias e estampas, santinhos, frases beatas, cerimónias tolas, locais de peregrinação, arrecadação de dinheiro destinado ao luxo das igrejas, postos e honrarias, domínio e autoridade. Não quero mencionar os óbolos, a confissão, templos, sinos e órgãos, obras de arte, conservação das casas de oração e as cerimónias pomposas de sepultamentos; — tudo isto, usado com pureza, presta-se a elevar e enobrecer a alma . Mas a Igreja católica, usando tais recursos a fim de cegar o coração humano, no sentido da criatura somente poder entrar na vida celeste e receber a Minha Graça por intermédio dela, é maldade.
Por este meio faz-se de Mim, o Pai, um tirano temido pelos ignorantes; nunca, porém, amado. Os compreensivos e intelectuais começam a envergonhar-se da Minha Pessoa e não querem saber de um Salvador nos moldes da Igreja católica. Ela consegue tudo isso pelos ensinos autocratas, ditames, concessões e privilégios que alega ter recebido de Mim, alimentando contudo as superstições. Deste modo ela se aniquila a si mesma, — e já o fez.
Isto tudo não provém da veste, mas do incrível abuso da mesma. Por ora guarda a tua indumentária. Ao deixarmos esta Viena e após termos visitado outro local, ela se transformará." Satisfeito, Migatzi agradece-Me por este aviso. Neste instante ouve-se dos cantos escuros, uma gritaria incrível: "Fora com estes hereges, apóstatas amaldiçoados por toda a eternidade!" Migatzi tem quase uma vertigem e diz, tremendo: "Senhor, em Teu Santo Nome, — como podes ouvir tamanho horror sem aniquilá-los com fogo e enxofre? Que acontecerá?"
Respondo: "Nada. Não sou qual homem que pretende destruir com fogo e espada algo que o contraria. Que espécies de criaturas vivem na Terra? Ainda assim faço com que o Sol irradie e aqueça o planeta, à medida da necessidade terráquea. O maior poder reside na paciência e no amor. Quemjamaisosdesconsiderar,alcançarácoisasfabulosas. Assim também temos que empregar paciência e amor para com os fracos e o nosso esforço será coroado. Deixa-os gritar. Hão-de calar-se quando se cansarem. Não há motivo para medo e aborrecimentos."
No momento em que pronuncio a última palavra, ouve-se na retaguarda um forte trovão. Serpentes em brasa surgem de todos os cantos, em movimentos de ataque. Não faltam esqueletos, corujas e morcegos, e no fundo vê-se uma goela horrenda com dentes em brasa. Ela projecta fogo e fumo e na testa lê-se: Sou o eterno dragão infernal para tragar os hereges atrevidos. Nestes incluo todos os luteranos, calvinistas, melantonistas, hussitas, gregos não unificados, quakers, livre-maçons, puritanos, anglicanos, sofistas e intelectuais que desconsideram a Igreja Católica, rindo-se dos cinco Mandamentos, incluindo os neo-católicos, heguelianos, straussianos, matemáticos e astrónomos."
Tal inscrição desperta forte gargalhada e Helena, antes receosa, diz: "Esta cena faria sucesso, principalmente em circo de macaquinhos. Em que se baseia a Catedral de Santo Estevão? Se tivesse tido uma ideia disto, em vida, teria sido a primeira a atirar um archote nesse templo. Ah, eis que aparece enorme falange em seus paramentos arquiepiscopais, acompanhada de grande séquito. Que será?" Digo Eu: "Calma, filha, e presta atenção."
Ódio,inclemência,cobiçaefraudedospadres católicos.
Nisto recua o dito personagem de aspecto ridículo. Os outros o recebem com profunda reverência, dizendo: "Reverendíssimo Núncio Apostólico do Santo Padre em Roma! Como pode hesitar com estes hereges? Condena-os ao inferno, sem dó nem piedade."
Diz ele com voz rouca: "Já o fiz. Estes diabos são muito teimosos e não obedecem, achincalhando a minha pessoa. Conseguiram até seduzir um dos nossos. Pobre diabo, estarás perdido para sempre. Ainda que te defendas do inferno, um dia terás que entrar ali com os teus companheiros. E não haverá misericórdia."
Aproxima-se o Imperador José II e diz: "Reverendíssimo! Não seria suficiente atirar-nos no purgatório, por alguns dias? É muito duro de vossa parte condenar-nos ao inferno onde não haverá salvação. Tende piedade de nós. No purgatório a pobre alma já sofre bastante, entretanto pode esperar salvação. Do inferno, nunca."
Gritam todos: "Qual nada, malvados! Ide para o inferno mais profundo, onde o calor derrete diamante e ouro. Ensinar-vos-emos a ridicularizar a Santa Igreja Católica," Propõe José II: "Caso pagássemos, digamos, dez mil missas a cem ducados, poderíeis isentar-nos do inferno." Gritam eles: "Isso é muito pouco! Seriam precisas dez vezes mais. Sabemos quanto custa salvar um diabo do inferno."
Pergunta José II: "Que teríamos de fazer enquanto fossem rezadas tais missas? Poderíamos ficar aqui?" Esbravejam todos: "Idiota, Como salvar-vos do inferno se não vos encontrais lá dentro? Preciso é entrar primeiro. Antes, pagai as cem mil missas papalinas."
Diz José II: "Quanto tempo levará a leitura?" Gritam os arcebispos e padres: "De tais missas santíssimas só podem ser lidas apenas três por ano e isto pelo próprio Papa. Só ele tem direito a tanto. Antes de trinta mil anos não haverá solução."
Diz José II: "Bem, já estou informado. Desejava apenas saber o motivo das missas papalinas terem tamanho poder, pois pela dignidade e valor, todas deveriam ser iguais." Diz o primeiro orador: "Isso só sabe o Núncio. Através da leitura por outros clérigos, seja qual for o grau, sacrifica-Se somente Deus-Filho ao Pai Celeste pelas almas sofredoras no purgatório e pelos pecadores penitentes na Terra. Em tal ocasião está presente na hóstia, somente o Filho de Deus. Em uma missa papalina Se apresenta a Santíssima Trindade na hóstia, no que consiste o poder incrível daquela. Então somente arcanjos podem ministrar e isso, apenas, quando escalonados pela Virgem Santíssima, para celebração tão abençoada. Compreendes?"
Responde José II: "Quase. Por isso desejava saber por que o Papa não pode ler mais do que três missas, aliás nem são lidas por ele, mas por um cardeal ou arcebispo." Diz o Núncio: "Que pergunta herética; se fosse na Terra, nem lhe poderia responder. Mas aqui onde já pertence ao demónio e dentro em breve ao inferno, poderá sabê-lo para apressar a sua entrada. Pois bem, o Papa não pode ler mais do que três missas, porque por elas é representada a Santíssima Trindade, de modo vivo e por todos os tempos. O facto dele mesmo não as celebrar mas apenas pontificá-las, glorificá-las e assisti-las, prova ser ele servo dos servos de Deus e representante de Jesus Cristo na Terra, servindo a todos sem se deixar servir. Compreendes agora?"
Diz José II: "Sim, sei perfeitamente o que julgar do papismo." Diz o Núncio: "Qual o teu parecer?" Responde José II : "Nada mais do que ser precisamente o perfeito anticristo e todos vós, seus asseclas. Se fosseis cristãos na íntegra, como eu, teríeis reconhecido Cristo, o Senhor, ao meu lado. Como sois anticristãos, somos por vós condenados ao inferno, inclusive o Cristo, enquanto vós de há muito lá estais.
Conseguistes transformá-Lo, Ele que veio ao mundo como Amor Eterno e Puro, Deus e Criador, para abrir os olhos aos cegos — num verdadeiro demónio. O vosso cristo, chama-se ouro e prata. O Verdadeiro, que na cruz estendeu os Seus Braços Divinos a todas as criaturas, perdoou aos inimigos e pediu ao Próprio Pai perdão para eles, tornou-Se algo repugnante para vós, porquanto vos dizendo ainda Seus servos, assassinais inescrupulosamente todos os Seus fiéis e, no final, ainda o mandais para o inferno. Não fosse o Senhor de Paciência ilimitada, Meiguice e Amor, não haveria inferno a que faríeis jus. Não quero e não devo ser o vosso juiz. Que o Senhor julgue as vossas acções escabrosas. Competisse isso a mim, faria castigar-vos como nunca sucedera na História. Senhor, sabes ter eu tido sempre a maior paciência e indulgência para com os padres. Com esta corja infernal, — aberração da Tua Criação; — estremeço e sinto ter-se esgotado a minha paciência.
Na Terra, onde esta casta usava máscara e indumentária de cordeiro quando era simples lobo, eu a conheci de uma forma infernal. Eu mesmo destruí um crucifixo que suava sangue, por dinheiro, e um outro em que a barba crescia. Era incrível ver-se como os servos do anticristo extorquiam o último centavo dos ignorantes. Entretanto, percebia-se neles qualquer coisa de humano após advertência que me levava ao perdão. Aqui, mostram-se de modo horrendo em sua figura real. Senhor, a Tua Vontade Se faça, — a minha paciência esgotou-se."
Digo Eu: "Meu irmão, tem calma e não te aborreças. Tudo tinha que se dar assim, do contrário Davi e Isaías seriam mentirosos. As suas profecias têm de cumprir-se. No futuro verás a razão de tudo isto. Presta atenção que virá outra cena da qual muito poderás aprender. Não te
irrites mais." Entrementes, todos os padres e servos voltam aos cubículos a fim de conjecturarem sobre as medidas a serem tomadas pelo ultraje e a nossa condenação.
Providênciasmísticasdos clérigos.
Asderrotassãorecursoscontrao orgulho.
Após certo tempo ouve-se um órgão tocar o "Tedeumlaudamos". José dirige-se a Mim dizendo: "Senhor, que vem a ser isto? Qual seria o Deus louvado pelos Teus antagonistas? Não podem referir-se a Ti."
Digo Eu: "Julgas terem eles considerado um deus qualquer? É-lhes completamente indiferente. Tal hino de louvor faz parte da sua cerimónia fútil e só tem importância por lhes trazer bastante dinheiro quando não efectuada no culto geral. Aqui só deve servir de meio apavorante para nos afugentar como supostos demónios, julgando sermos tão ignorantes para fugirmos de coisas de aparente beatitude. Deste modo divulgam a ignorância." Diz José: "Óptimo. Não haveria um recurso para assustá-los? Talvez se modificassem."
Respondo: "Isso não pode suceder por dois motivos. Primeiro, para não os perturbar na sua liberdade, pois um espírito algemado não poderá fazer nada para melhorar, estando quase morto. Segundo, não se poderia levar estes infelizes a qualquer espécie de fé, por não acreditarem em milagres, muito embora procurem ofuscar o povo por meio de fantasias. Haveriam de considerar os milagres mais extraordinários da mesma forma que os fariseus e escribas de outrora.
pagãos batiam no peito, dizendo: Foi Deus em verdade, e acreditaram no Meu Nome. Os sacerdotes e fariseus tornaram-se mais renitentes e perseguiram com ódio a Minha Doutrina e os Meus adeptos. Não é possível fazer-se mais do que despertar Lázaro, há quatro dias dentro da tumba, e entregá-lo são e salvo aos seus. Qual foi o resultado entre os do Templo? Conjecturaram meios mais enérgicos para a Minha extinção. Daí poderás deduzir qual o efeito de um milagre entre estes espíritos. Um discurso bem dirigido é ainda mais aconselhável para levar tais seres a melhor caminho, apesar de não haver grande esperança no caso.
Observa a goela infernal. De lá surgirá outra cena espectacular. Não te aborreças, pois eles fazem tudo para tal fim. Este triunfo não lhes será proporcionado, a irritação voltará a eles pelo choque de retorno, demonstrando a sua impotência.
Um espírito orgulhoso só pode ser levado à humildade pela intercepção dos seus planos. Considera os orgulhosos generais. Como têm uma opinião convencida de si mesmos, após uma vitória sobre o inimigo. Basta dizer que tudo aconteceu por simples acaso, para se ver a reacção. Faço com que sofra uma derrota após outra e em breve o grande general se encontra aposentado e no final esquece as suas acções heróicas. Assim agiremos com estes e todos os padres na Terra. Será a sua melhor cura."
Diz José II: "Senhor, vejo seres Tu somente Perfeito em tudo. Quanto ao não aborrecimento, — será difícil. Se Tu, Senhor e Pai, não encheres de meiguice o coração humano, a criatura poderá fazer o que quiser, pois não conseguirá esquivar-se do aborrecimento quando vê tais espíritos fazerem tanta fraude e mistificação. Tive centenas de oportunidades para ver como os padres me importunavam com petições e recursos por motivos egoístas, perceptíveis ao longe. Toda e qualquer outra pessoa tinha respeito diante de mim, o seu Imperador; essa raça, quando previa um lucro, apresentava-se tão atrevida até que, não conseguindo por via directa, usava meios subversivos e rastejantes para alcançar o que ambicionava. Tal descoberta causava-me grande aborrecimento. Aqui percebe-se isto de modo mais revoltante, pois todo o movimento revela a sua intenção de baixeza.
Fazem-se de beatos para despertar a confiança financeira das suas ovelhas. Andam descalços para fazer crer em sua humildade. Oram em público, com expressão beatífica, para soltar as minas de ouro dos seus fiéis. As suas reverências tocam quase o solo a fim de demonstrarem a sua veneração perante o altar. Entretanto, não crêem em nada e aquilo tudo só serve para enganar os pagadores de missas, que acreditam ser a missa lida com visível contrição de efeito rápido para todos os males. Os paramentos novos e ricos têm dupla consagração e custam mais do que os velhos e rotos.
Inúmeros factos como estes provocam aborrecimentos. É difícil suportá-los, e se Tu não me detiveres, não garanto fugir de tal fraqueza. Eis que sumiu o inferno e nos encontramos no meio da catedral de Santo Estevão, tal qual como na minha época. Os de manto de púrpura acendem agora as velas e descobrem o altar-mor. Amigo Migatzi, qual a tua impressão?"
Responde ele: "Ora, mera tolice. Tinha vontade de rir a valer. Ninguém poderia aborrecer-se por isto. Entreguemos tudo ao Senhor, pois não adianta enumerar mentiras e crueldades destes seres."
Diz José II: "Tens razão. O meu temperamento sente-se aliviado após o relato feito perante o Senhor, a fim de que se realize o que Ele disse: Cantar-se-á dos telhados o que fizestes de mal em segredo! —
Celebram uma missa fantástica; enquanto isso, livrar-me-ei das minhas recordações."
Importanteelucidaçãoquantoaocultomissaleeterna condenação.
Prossegue o ex-Imperador José II: "Senhor, diz-me se existe alguma utilidade no ofício da missa, com a qual Pedro certamente jamais sonhou. Talvez houvesse benefício, caso um sacerdote bondoso ofertasse com boa intenção a missa devotada a Ti, sem remuneração, porquanto não pretende vender o Salvador por algumas moedas."
Respondo: "Meu filho, o que poderia ser inútil para Mim quando feito com a justa compreensão? Se recompenso cem vezes cada copo de água dado a um sedento, incapaz de colhê-la numa fonte qualquer, quanto mais considerarei e abençoarei uma missa devota de um padre de sentimentos nobres, incluindo-o nessa bênção. Sóvejoocoraçãoejamaisaforma. Atravésdeumcoraçãoamorosoejusto,todaaformaexterna—sejaqualfor—sejustificaperanteMim,muitoemboranãotenhavalor externo ou interno.
Eu,sacrifiquei-Meumasóvez, para todas as criaturas, Àquele Que em Mim é um Santo Pai desde Eternidades. Não existe outrosacrifício semelhante. Se os filhos bons e devotos de um grande herói apresentam uma acção heróica do seu pai, dentro do seu conhecimento e capacidade e com sentimento de humildade, acaso não será do agrado dele? A sua alegria será enorme, muito embora não seja liberto um povo oprimido do jugo tirânico através de tal encenação. O mesmo acontece Comigo. Nada sucede pela simples missa e sim pelo coração nobre de quem a celebra . É realmente abençoada, não como sacrifício, mas como cena ocorrida durante a Minha Passagem terrestre. Jamais haverá outro sacrifício, pois já foi realizado uma vez para sempre, razão por que exclamei naCruz:Tudoestáconsumado!Aquiloqueficouconsumado paratodosostempos,nãopodeserrepetido.
Se no entanto um sacerdote bem-intencionado for de opinião de operar sacrifício idêntico ao Meu na cruz, em virtude do ensino recebido, tal não será pecado por não ter noção da sua atitude. Ao passo que serão condenados os ridicularizadores que alegam: O mundo quer ser enganado, portanto, enganemo-lo. — Quem procurar fazer crer algo por causa do lucro próprio, enquanto se ri intimamente, não é sacerdote, mas demónio verdadeiro. O seu prémio corresponderá ao esforço e zelo mistificadores. Entendeste, José?"
Responde o ex-imperador: "Como não, Senhor e Pai, pois esclareceste o assunto tal qual eu o imaginava. Existe ainda um ponto que
impede a paz do meu coração: A ideia do castigo eterno, encontrado em todas as religiões. Existe ou não? Se a criatura recebeu prémio eterno pela conduta honesta e justa em sua vida, é de supor a existência do castigo eterno. Acho-o muito lógico."
Respondo: "Eu não, porquanto só podia ter visado uma finalidade com a Criação. Eu Mesmo sendo a Vida Eterna, jamais poderia ter criado osseresparaamorteeterna. Um castigo, seja qual for, só pode ser um meio ao alcance de um só fim, nunca por motivo inverso . Por isso, é impossível falar-se de castigo eterno. Compreendeste?"
Diz José II: "Senhor, eterna gratidão por este ensinamento. Na Escritura, no entanto, Tu Mesmo falas do fogo eterno que jamais se apagará e de um verme que nunca morrerá. Consta literalmente: Afastai- vos de Mim, malditos, e dirigi-vos ao fogo eterno, preparado para os demônios e seus servos. — Conheço muitos textos onde se fala de inferno e fogo eternos. Se não existe castigo e dependendo da criatura evitá-lo ou livrar-se dele, não vejo por que tanto se fala em fogo e verme eternos."
Digo Eu: "Bem que se lê da morte eterna, ou seja, de um julgamento eternamente fixado, como emanação da Minha Ordem Imutável. Esta é o fogo da Ira, ou melhor ainda, do Zelo da Minha Vontade que naturalmente terá de continuar nesta Imutabilidade, de contrário deixaria de existir a Criação.
Quem se deixar tentar pelo mundo e a sua matéria — indispensavelmente condenada para tal fim — deverá ser considerado perdido e morto, enquanto perdurar tal atracção. Em virtude dos seres criados, existe julgamento, fogo e morte eternos. A consequência não será a duração do julgamento para um espírito preso ao mesmo, tampouco quanto na Terra os presos de uma penitenciária, capaz de durar milénios como as pirâmides, seriam condenados pelo tempo da sua duração.
A prisão é e será eterna e o fogo do Meu Zelo jamais se apagará. Os prisioneiros ficarão no cárcere até que se tenham convertido e melhorado. Além do mais, não se lê uma sílaba da condenação eterna de um espírito, mas da contra-ordem face à Minha Ordem Eterna, necessária à existência. Ovício,comodesordemoucontra-ordem,estárealmentecondenado parasempre—oviciadoapenasenquantooalimentar. De igual modo
existe um inferno real, nunca, porém, um espírito a ele condenado para todos os tempos, mas até à sua melhoria. Bem que disse aos fariseus: Eis porque caireis no julgamento, mais ou menos longo! Porém, nunca: Sereis eternamente condenados. Compreendes agora os textos de aparência tão perigosa?"
Oabismointransponíveleospecados mortais.
Diz José II: "Senhor, compreendo perfeitamente o que acabas de explicar. Existe ainda um ponto na Escritura de difícil interpretação: o abismo intransponível na parábola do rico que parou no inferno. Se entre os que se encontram no seio de Abraão, Isaque e Jacó e os habitantes do inferno se acha um abismo jamais transponível, como será possível a salvação? Positiva-se esta dificuldade num outro texto em que aos pecadores contra o Teu Espírito Santo é garantida a impossibilidade de salvação. Qual o sentido de tais textos por Ti Mesmo proferidos?"
Digo Eu: "O mesmo dos advogados terrenos: Ninguém sofre injustiça no uso do livre arbítrio. Quanto ao abismo representa ele a intransponível diferença entre a Minha Ordem libérrima nos Céus, face à contra ordem no inferno. Prova somente a incompatibilidade da ordem com a desordem e já mais um eterno impedimento para os que nela se encontram. Subentende-se não ser muito fácil alguém sair do inferno quando em seu íntimo se tornou infernal devido ao seu voluntário afastamento da Minha Ordem livre, porquanto é compreensível a dificuldade de um orgulhoso, mau e preso à tendência dominadora, entrar na meiguice e humildade celestes. Não é propriamente impossível, entretanto dificílimo. Perceberás ainda quão trabalhoso se torna tirar-se uma alma do inferno. O orgulhoso voltará sempre ao orgulho, o impudico à impudicícia, o preguiçoso ao ócio, o invejoso à inveja, o avarento à cobiça, o mentiroso à mentira, o rico e depravado às suas tendências, o ladrão ao roubo, o salteador ao assalto, o criminoso ao assassínio, o bruto à brutalidade. Ainda que recriminados em suas fraquezas condenáveis, recaem nas paixões pecaminosas tão logo se lhes proporcione liberdade plena e necessária à auto-educação. Quanto mais frequentes as recaídas, tanto mais fracos se tornam, dificultando a libertação das paixões desenfreadas e o ingresso na liberdade verdadeira, eterna e divina. Aos espíritos humanos muita coisa é impossível, enquanto a Mim tudo é realizável."
Diz José II: "Senhor, agora, me são claros os textos que aceitava em vida, muito embora não me impressionassem de modo agradável, pois como Imperador tinha que manter justiça conscienciosa sem poder usar de clemência.
Nunca suportei um juiz severo e impiedoso e os muitos delegados sujeitos ao meu regime, inclinados ao abuso da sua função, não recebiam a minha benevolência. Amigo se tornava quem mostrava ao réu o delito condenável, o seu castigo prescrito no código penal, no entanto reduzia ao arrependido a prisão de cinco anos para três.
O mesmo se dava na leitura do Evangelho: na passagem do filho perdido, do bom pastor, da adúltera, de Zaqueu e no pronunciamento do publicano justificado, nunca pude conter as lágrimas. Quando, embora
com justiça, condenavas os pecadores ao inferno, perdoa-me, Senhor, sempre senti certa implacabilidade da Tua parte.
Eu obrigava o meu coração a amar o Deus Omnipotente e imaginava as consequências desastrosas se assim não fizesse. Todavia, tenho que confessar que o meu íntimo não vibrava de amor. E quando deparava uma jovem simpática e ouvia o meu coração pulsar mais acentuadamente, perguntava-me: que aspecto tem o teu amor para com Deus? É mais forte ou mais fraco do que o sentimento para com esta criatura? E o meu coração vibrátil achava maiores atractivos na meiga rapariga do que na Justiça rigorosa da Divindade trovejante. Em virtude de tais exames e confrontos tornei-me livre maçom a fim de chegar a um conhecimento mais profundo de Deus. Muito lucrei naquela fase; todavia o Juiz implacável não mudava de feição. Lia muito a respeito do puro amor a Deus. Imaginava o Teu sofrimento e morte e como Tu, por amor às criaturas, tanto padeceste para fazê-las felizes. Entretanto, eras inclemente para com os pecadores e as suas tendências, motivo do Teu sofrer. Contudo, o meu coração não conseguia conformar-se ao amor sublime a Ti."
Oexorcismoeosocorro atrasado.
Prossegue José II: "Agora estou no justo caminho. Compreendo o Teu Santo Verbo e representas o Amor do amor. Estou curado e desejava que todas as criaturas o fossem. — Eis que termina a missa. Que acontecerá agora?"
Digo Eu: "Verás como aplicarão o exorcismo em nós. No entanto não seremos atingidos empregando um contra exorcismo. Ficarás admirado. Mas, como já disse, nada de aborrecimentos. É condição primordial, sem a qual pouco ou nada alcançaremos."
Neste instante termina a bênção da custódia com o fútil "Genitore, Genitoque" (ao pai e ao filho), e nós, pretensos maus espíritos, não disparamos. Isso, causa grande aborrecimento aos padres, e a sua
considerável criadagem começa a externar suspeitas contra a missa. Alguns opinam que tenha sido vilipendiada a louça sagrada, motivo por que o ofício não teve valor e efeito. Um outro alega que talvez os paramentos fossem limpos por uma prostituta ou adúltera ou até mesmo por uma luterana, ultrajando-os e possibilitando ao demónio ridicularizar a missa. Um terceiro conjectura que as reverências do primeiro acólito não foram bastante profundas, desagradando à Rainha Celeste. Ela não acrescentou a sua Graça e o ofício ficou sem efeito. Conviria fazer-se mais
um culto com as reverências mais contritas, do máximo agrado de Maria, garantia única para o afastamento dos demónios.
Outro observa que um acólito não bateu com a devida força no peito durante o "Confiteor"e "Mea culpa". Além disso aplicou uma pancada na barriga por causa de uma pulga renitente, facto que destruiu o efeito da missa. É incrível como o efeito da missa, depende de tantas minúcias; isto tudo foi explicado, minuciosamente, por um capuchinho.
Um quinto percebeu que a almofada epistolar estava do avesso, motivando a nulidade do ofício, pois a Mãe Santíssima deita nela o Menino Jesus, quando o missal passa à almofada evangélica. Quando do avesso, o Menino a tira e o efeito é nulo. Por isso é preciso que tais almofadas santificadas sejam bordadas a ouro, à esquerda com a inicial de Jesus e à direita com a de Maria, a fim de se evitar qualquer engano.
Um acompanhante da cerimónia indaga se porventura alguém tinha colocado erradamente a estola sobre a cruz. Imediatamente é feita a investigação e um assistente descobre que a parte esquerda da estola está por cima da direita, ao invés do contrário, e se o referido não fosse cardeal, sujeito a castigo. Intervém um prior dos capuchinhos: "Havendo tamanho descuido na celebração da missa, não adianta nos cansarmos. Virar a estola! É facto conhecido, que em tal hipótese, os anjos assistentes da missa, logo se retiram. E a Mãe Santíssima nem pode chegar ao altar, pois tal desleixo lhe provoca as sete dores."
Nesta altura José II quase tem náuseas, e Roberto e Helena mal conseguem refrear o riso. O Imperador Francisco aproxima-se e diz: "Senhor, nunca simpatizei com os padres e fui obrigado a fazer umas tantas coisas por causa do povo, pois conheço o Papa e a Santa Sé melhor do que muitos. Se tivesse tido noção destas tolices, teria concluído a obra do meu tio José."
Digo Eu: "Acalmai-vos. Isto não é nada. Quando começarem o exorcismo, ireis deparar com verdadeiros absurdos da estultícia sacerdotal. Desconheceis o que venha a ser tal esconjuração católica, mormente em se tratando de demónios que ocuparam o dito templo de Deus. A função não levará muito tempo, no entanto será elucidativa, mormente para vós, imperadores, porquanto tolerastes tais loucuras, muito embora pudessem ter sido abolidas."
Nisto, um levita e alguns serviçais trazem um livro negro, em cuja capa se vê o desenho de uma caveira cinza claro, e uma quantidade de paramentos pretos de exéquias. As vestes são trocadas sob murmurações em latim e em poucos minutos todo o sacerdócio mudou de traje. Ergue- se um cadafalso, mas inversamente, e uma quantidade de velas negras são colocadas em castiçais pretos e na maior desordem. Não faltam turíbulo e aspersório, negros.
Agora adianta-se o acólito principal, murmura qualquer coisa do livro, enquanto os outros o interrompem a todo momento com o "amém". Após prolongada murmuração acendem metade das velas, esfumando-as com incenso e regando tudo com água benta. Duas vezes é repetida tal encenação. Em seguida colocam um cordame no chão e o acólito pisa nele em nome de Maria, demonstrando ter pisado a cabeça da serpente. Então os empregados trazem uma grande tina preta, repleta de brasas. O fogo é três vezes amaldiçoado e o cordame atirado nele. Após tal operação, é lido outro trecho do livro e em seguida carregam a tina e o seu conteúdo. Agora é trazida da sacristia uma quantidade de porretes e cada clérigo se apodera de um. Nesta ocasião acendem-se as restantes velas enquanto se apagam as outras. Os porretes são abençoados, defumados e espargidos. Isto feito, o primeiro acólito diz: "Hiscum fustibus percutiantur omnia!"Quer dizer: Com estes porretes deve ser destruído tudo que fora vilipendiado pelos demónios. Ao pronunciarem tais palavras, batem nos castiçais; em seguida é destruído o cadafalso e despedaçada a mortalha. Ao mesmo tempo o acólito aplica pequeno rasgo na veste branca, e então faz-se uma barulheira infernal! Cada qual grita o quanto pode, desconjurando-nos da igreja. Todos os bancos são atingidos pelos cacetes e apenas poupam os altares e órgãos, e enquanto não estiver tudo quebrado a agitação não cessa.
Quando, após algumas horas terráqueas, os porretes também estão quebrados e nós estamos firmes, sem arredar pé, o principal acólito chama os assistentes e diz: "Tudo foi feito para o exorcismo, mas em vão! Por isso opino entoarmos a grande ladainha, frente à imagem da Mater Dolorosa. Ide buscá-la no recinto secreto dos tesouros de Maria e postai-a diante do tabernáculo. Acendei todas as velas para começarmos imediatamente. Maria é e será o nosso último escudo e refúgio."
Opina um deles: "Se isso também não der resultado, o que faremos? Se fizemos o exorcismo completo, baseado no nome da Virgem Santíssima e nada adiantou, que esperar da ladainha diante de uma simples imagem? Não vos aconselho a fazerdes a ladainha. Além disso, tenho a impressão que estes personagens não são demónios." — Responde o principal: "Os demónios podem facilmente tomar a figura de anjos. Por isto, é melhor fazer todas as tentativas. Rápido, trazei o que vos disse."
Ao voltarem com a imagem de madeira, notam que a mesma está adulterada: faltam as sete dores representadas por sete espadas no corpo de Maria. Além disso faltam coroa, metade da cabeça, uma das mãos e o Salvador morto, que costuma estar em seus braços. Do colorido e dourado não há vestígio. Tudo está bichado e só serve para ser atirado ao fogo.
Ao fitá-la, o acólito exclama: "Pelo amor de Deus! Que aconteceu a esta imagem tão gloriosa e milagrosa? Que faremos? Não há outra?"
Diz um assistente: "Eminência! Lá em baixo, numa capela à parte, existe uma, exposta à adoração pública. Podemos ir buscá-la?" — Diz um outro: "Qual nada! Tem que ser transportável para ser colocada no tabernáculo. A fixa no altar serve para devoção geral. Em ocasião tão excepcional temos que lançar mão de algo extraordinário. Levai esta imagem e tratai de encontrar outra." Os assistentes retiram a imagem e voltam, após certo tempo, com feições acabrunhadas, anunciando não terem encontrado outra Mater Dolorosa. Irritado, o superior os insulta, chamando-os de burros.
Discursodoacólito herege.
Diz um dos clérigos: "A meu ver podemos procurar durante um ano por todos os cubículos sem algo encontrarmos. Que tolice tal capricho com a imagem de Maria. Não consegue efectuar milagres e quanto à verdadeira Maria Santíssima não importa qual a efígie por nós adorada. Confesso jamais ter achado atracção nas melhores imagens. Servem apenas em memória da religião. Atribuir-lhes força mágica, é puro paganismo. Se o próprio Papa me fizesse tal afirmação, não lhe daria crédito. Se os vivos não conseguem fazer milagres, muito menos as estampas sem vida.
O Senhor por certo veio ao mundo somente por causa das criaturas, portanto devem ter maior valor do que simples imagens. Na realidade prefiro uma reles mosca varejeira à mais bonita estampa, pois aquela tem vida e representa obra artística da Omnipotência, Sabedoria e Amor de Deus. Ao passo que a efígie nada mais é do que obra da ignorância humana, pretendendo apresentar Deus Vivo e a vida eterna de espíritos puros por imagens mortas. Eis a minha opinião e fé, e os senhores poderão fazer o que quiserem, pois em nada modificarei o meu modo de pensar. Juro que não irei à procura de qualquer imagem."
A estas palavras todos se atiram sobre o herege para castigá-lo, e o acólito principal diz em tom profético: "Se isso se dá com principiantes, que esperar dos outros? Por esta razão este herege deve ser punido para servir de exemplo e entregue aos demónios, para eterno martírio. Ultrajar as relíquias da Igreja tornando-se pecador contra o Espírito Santo! Tal criatura jamais poderá aguardar perdão! Fora com ele! Levai-o ao fogo, de lá à câmara mortuária e no final, atirai-o aos demónios!"
O outro irrita-se, pega de um cacete e diz com voz estentórica ao chefe: "Atreve-te a pôr as mãos em mim, aliás qualquer um de vós, que
haveis de conhecer-me de um lado inesperado. Vilipendiadores de Deus, dos regentes e do povo! Pretendeis exterminar-me só porque vos disse a verdade? Julgais que alguém tem respeito aos vossos paramentos episcopais? Talvez os respeitem conforme acontece com cães raivosos e serpentes venenosas. Quereis entregar-me aos demónios? Quem sois? Poderá haver demónios piores do que vós? Sois lobos vorazes em pele de cordeiro. Expulsai a vós mesmos que tereis agido com justiça, mas não com homens honestos que merecem mil vezes ser colocados nos altares, mais do que as vossas imagens pagãs.
Acaso representa culto a Deus, ao Espírito Divino, a pessoa ajoelhar-se diante de uma imagem para enganar o povo, fazendo crer em algo jamais aceite por vós? Cristo referiu-Se a vós quando disse no Templo: Sobrecarregais os pobres e fracos com pesos insuportáveis enquanto não mexeis um dedo sequer. Aconselhais às viúvas e órfãos longas orações para poderem entrar no Reino Celeste, no qual nunca acreditastes, em compensação açambarcastes os seus bens. A maldição cairá sobre vós!
O vosso culto religioso é e sempre foi um horror para Deus, pois Cristo disse Pessoalmente: O que fizerdes aos pobres, tereis feito a Mim. Se eu porventura não fosse à missa num domingo ou feriado para poder visitar e fazer a caridade aos necessitados, ter-me-íeis condenado, muito embora confessasse a minha falta. Que servos sois vós, ao condenardes o verdadeiro culto determinado por Deus, entretanto afirmais convir fazer- se ambas as coisas, porquanto isoladas não teriam valor? Fariseus! O que teria maior valor perante Deus: fazer o que ordenou e aconselhou, ou honrá-Lo com os lábios afastando o coração dos que sofrem? Eu mesmo me certifiquei como se prendiam os mendigos na cidade, aplicando-lhes correctivos, caso tivessem pedido esmolas durante a missa. Deste modo trancou-se aos pobres os verdadeiros altares, únicos mercadores da caridade, ofertando-se em compensação um óbolo às imagens. Julgais ser isto do Agrado do Pai?
Fostes vós os guias cegos dos ignorantes e no final caístes com eles na cova. Nunca deste crédito a Cristo! Se assim tivésseis feito seguiríeis o Seu Exemplo. Considerastes apenas os vossos princípios, imagens valiosas para as quais Cristo devia servir de moldura. Considerais-vos deuses e condenais tudo que representa perigo para o vosso lucro. Assim, condenais o Verbo Divino quando não se presta para aumentar a vossa renda.
Mistificadores! Por que proibis aos povos a Palavra Pura de Deus condenando quem a lê? Alegais o perigo da falsa interpretação, cabendo somente ao sacerdote transmiti-la. Sabeis qual o motivo? Por causa do dinheiro e do medo que a Palavra de Deus possa desmascarar-vos diante
do povo. Precisamente a proibição fez com que a Bíblia fosse divulgada e todo o mundo sabe qual a vossa índole.
Prendei-me, se tiverdes coragem. Por que hesitais? Há pouco sua Eminência mandou-me para o inferno, certamente por simples amor do próximo ao qual não se deseja o que não se quer. Direi o motivo do vosso receio: Vossa Eminência se vê preso de pavor por eu ter tomado a liberdade de expor a sua vergonha e maldade perante criaturas que por ela foram exorcizadas.
Os olhares que me dirige deviam despedaçar-me. Por que razão empreendeu a excomunhão de homens honestos, declarando-os demónios? Não querendo responder, tomarei a liberdade para tanto. Aqueles personagens que estudaram a História da Igreja, ou seja a nossa ilimitada ignorância, não foram considerados demónios, pois vossa Eminência jamais acreditou neles?
Muito embora uma missa em latim contenha para o verdadeiro cristão tolices tamanhas que lhe causam náuseas, não surtiu o efeito desejado. Por isso efectuou-se um verdadeiro exorcismo como coroação da burrice humana, produzindo apenas enfado. No final, recorreu-se à ladainha, expressão máxima do tédio. Para tanto era preciso a imagem milagrosa, aliás toda bichada. Assim, não há mais o que inventar para aborrecer estes personagens. Que será agora? Acaso voss Eminência ainda pretende mandar-me para o inferno?"
Durasverdades,ouvidaspelo Núncio.
Diz um padre ao lado do clérigo: "Miserável! Agradece unicamente à paciência e meiguice da Santa Igreja Católica por ter em silêncio orado por ti, ovelha tresmalhada, enquanto te esforçavas em aplicar-lhe ferroadas mortais. Deixa de ultrajar a noiva de Deus, regiamente enfeitada, de contrário não pedirei mais em teu favor. O solo se abrirá sob os teus pés para tragar-te para sempre."
Desatando a rir, o outro diz, lacónico: "Realmente, quando nada consegue pela crueldade infernal, tampouco pela estultícia, o lobo novamente se veste com a pele de cordeiro a fim de poder atacar. Qual foi a manifestação de meiguice, por parte da Igreja, durante as Cruzadas? Recebeu com satisfação viúvas e órfãos abandonados, cujos maridos e pais fez matar pelos sarracenos no Oriente, trancando-os em claustros após ter recebido os seus bens terrenos, evitando impostos da herança. Isto quando ainda na Terra, pois presumo terem ciência de não estarem mais no mundo material."
Grita um padre: "Mentira! Encontramo-nos todos no mundo, do contrário estaríamos no inferno, no purgatório ou, talvez, no Céu!"
Diz o clérigo: "Não vem ao caso se credes ou não. Por isso repito: Quando ainda vivia na Terra acreditava na Igreja. Tão logo chegaram notícias da Santa Inquisição e do seu tratamento para com as ovelhas transviadas, mudei de ideia. Qual a culpa de milhares morrerem no fogo para maior Glória de Deus? E a resposta era ríspida e bastante nítida para ser ouvida do Pólo Norte ao Sul: Por terem lido a Bíblia, tornando-se hereges amaldiçoados. Senhor, exclamava eu no íntimo, não terás enxofre, raios e dilúvios para exterminar Espanha e Roma?
A resposta veio vagarosa, porém certa, das Alturas. Não a presenciei em vida, mas nitidamente no mundo espiritual. Onde está a orgulhosa Roma? Qual é o valor do Papa? Com excepção de alguns ignorantes a homenageá-lo como orgulhoso representante de Deus, ele é ridicularizado e odiado.
Na própria Itália já se começa a restringir os poderes arcebispais — e com justiça. Para os senhores dos Abruzos não há outra medida. Foram e ainda são os maiores inimigos da humanidade, entretanto amantes de riquezas e jóias.
Certa feita disse Pedro — de quem todo Papa se declara sucessor — a um pobre: Não tenho ouro nem prata. Dou-te com prazer o pouco que possuo. Poderia o Papa falar deste modo sem enrubescer de vergonha? Ainda assim se diz sucessor de Pedro. A sua resposta deveria ser: Tenho ouro e prata de sobra. Dar-te-ei a minha bênção apostólica porque nada me custa. Vai em paz. Se morreres, a caminho, de inanição, a tua alma irá para o Paraíso após três dias no purgatório e então passarás bem. Se o Papa assim falasse, estaria proferindo pela primeira vez uma verdade.
Não invectivou Paulo, qual leão, contra feriados, paramentos e honrarias, aceites tão prazerosamente? Quando teria o Cristo ordenado a construção de templos e casas de oração, deixando-se morrer à míngua milhares de pobres? Qual foi o apóstolo a instituir o idioma latino para linguagem divina como se Deus, o Senhor, entendido em todos, preferisse aquele? Provai-me tal facto pela Escritura, e eu acreditarei. Não o podendo, sois os verdadeiros anticristos, tão claramente descritos por Daniel e o apóstolo João."
Diz um arcebispo, espumando de raiva: "Não deu Cristo, o Senhor, à Sua Igreja, isto é, a Pedro e seus sucessores, o poder exclusivo de unir e desatar? Ao soprar-lhes o Seu Hálito, disse: Recebei o Espírito Santo! A quem fordes perdoar os pecados, serão perdoados. E a quem não sustardes os pecados, serão culpados. O que fordes unir ou desatar na Terra, sê-lo-á nos Céus. Eis a prova concludente, ter a verdadeira Igreja direito para instituir novas leis, quando achar necessário, e igualmente
revogar outras, ainda que dadas pelo Senhor, quando perceber não serem úteis à salvação das almas, em determinadas circunstâncias.
O facto de a Igreja se servir do latim durante o ritual, tem dois motivos. Primeiro, foi o idioma mais aperfeiçoado e digno para honrar e adorar a Deus. Segundo, foi instituído para defesa de poderosos segredos do Verbo Divino, para evitar a sua profanação. Existe ainda um terceiro que se baseia na plenipotência da Igreja pela qual ela pode determinar o latim para uso ritual, dentro da legislação. Presumo ter dissipado a tua dúvida."
Responde o acólito: "Realmente, os textos se baseiam na Escritura; entretanto, provam o contrário. Caso o Cristo, o Senhor, tivesse tido a intenção de dar plenipotência à Igreja, conforme vossa Eminência interpreta, não teria sido preciso Ele doutrinar durante três anos e talvez já antes, acerca da Lei do Amor, da Vida e dos grandes mistérios do Reino Celeste. Bastaria para tanto que Ele transmitisse plenos poderes aos apóstolos, para poderem fazer o que quisessem, no que o Pai no Céu haveria de concordar. Seria possível imaginar-se tal coisa?
Para que finalidade Deus haveria de doutrinar e revelar a Santa Doutrina da Vida, se com um simples texto outorgasse poderes quase ilimitados, fazendo desmoronar toda a obra? Isso acontece com a Igreja Católica, onde nada mais se encontra senão o Nome do Senhor e dos Seus Apóstolos, nada de humildade, paciência e, muito menos, amor ao próximo! Não vamos falar de fé. Ela acredita no poder do ouro e da prata. Abalou-se algo porque obriga os homens a acreditarem que papel também é ouro e prata. O Papa actual deveria estar em situação idêntica, e talvez por esse meio possa ser levado a crer que o Reino de Deus não consiste nos tesouros perecíveis, mas unicamente em um coração puro e humilde.
A Plenipotência transmitida pelo Senhor aos Seus discípulos foi e é o poder pleno do Espírito Santo na criatura. Quem viver de acordo com o Verbo de Deus, pelo Qual todas as coisas e seres foram feitos, receberá o Espírito de Deus, pois o Verbo é o Próprio Espírito Santo projectado pela Boca Divina nos corações humanos. Dotado deste poder, que transforma o meu coração em um templo de profunda sabedoria, posso dizer a um pecador arrependido: O teu pecado te é perdoado! Persistindo na falsidade e maldade, geralmente filha daquela, poderei afirmar: Enquanto insistires no erro, não poderás ser remido. Acreditar na transmissão do Espírito Santo através de um ritual como: baptismo, crisma e ordenação pela qual o neófito continua o mesmo que dantes, teve como consequência a criação sacerdotal, enquanto o Espírito Santo dela se acha mais afastado que o Céu da Terra. Esta alma jamais aceitou um versículo do Evangelho como norma de vida. Primeiro, por ter estudado sob certa
coacção clerical e, segundo, jamais viu a completa Escritura, onde poderia ter recebido o Espírito Santo.
Afirma o Próprio Senhor: Não sejais apenas ouvintes e sim executores da Minha Doutrina, que descobrireis o poder do Espírito de Deus. Como poderia um novato chegar a tal conhecimento se a leitura é estritamente proibida? Deste modo ele não consegue tornar-se ouvinte, muito menos praticante do Verbo. Não podendo seguir a ordem dada por Cristo, como alcançaria o Espírito Poderoso de Deus sem o qual se outorgaria a Plenipotência Divina pelo dogma, enquanto Dela se acha eternamente distante?
Prezada Eminência, medita acerca da adaptação destes textos por parte da Igreja pagã de Roma e confessa: "Mea culpa, mea maxima culpa!"Infelizmente, fui também um usurpador do Espírito Divino. Senhor, perdoa-me! Era totalmente cego pelas tentações do mundo e de Satanás, não sabendo o que fazia. Quiçá o Pai tenha misericórdia da humanidade ludibriada, muito embora não o faça com os cardeais — nunca instituídos por Cristo, nem tampouco por Pedro e Paulo."
Igualdadecristãedesigualdade clerical.
Após tal discurso, o Núncio coça atrás da orelha e diz aos demais: "Este acólito é tremendo. Não fosse eu cardeal, tinha vontade de lhe dar razão. Assim, não posso aceitar sugestões por parte de um sacristão."
Obtempera este: "Eminência, tão certo como Deus existe, todos nós nos encontramos no mundo dos espíritos, facto facilmente perceptível, desde que haja vontade para tanto." Responde a Eminência: "Como poderia? Nunca senti a minha morte e caso me encontrasse no Além, estaria lá como espírito e não como criatura física. Ao que me parece, estás doido e fazes jus "ao manicómio."
Diz o sacristão: "Ora, enquanto me encontrar entre vós estarei num colégio de doidos, pois não constatando a sua existência no mundo espiritual, deve vossa Eminência estar completamente cego e louco. Diz- me, quantos arcebispos e cardeais estavam na catedral de Santo Estevão, a um só tempo? Aqui sois ao todo cerca de cem. Quando teriam trabalhado tantos ao mesmo tempo? Sei somente de um de cada vez. Se aqui as Eminências se juntaram há alguns séculos — só pode ser no mundo dos espíritos e não na Terra.
Nestas circunstâncias, afirmo, apesar de ser por vós declarado louco: Aqui, somos todos iguais, muito embora a loucura do mundo nos tenha separado pelo estado social, facto que jamais deveria ter ocorrido pela Doutrina de Jesus. Ele disse expressamente aos discípulos desejosos
em saber quem seria o primeiro no Reino Celeste: Quem entre vós for o mais simples, servindo a todos, será o primeiro para Mim. Quem não se assemelhar à criança pela imaginação, ideia e atitude, não participará do Meu Reino. Só Um é vosso Senhor! Todos vós, sois irmãos sem distinção. Pelo amor fraternal provareis o Meu discipulado. Todo aquele que amar o próximo qual irmão sem se sobrepor ao outro, a não ser no amor, é Meu discípulo e tem o Reino de Deus dentro de si.
São Palavras de Cristo, evidenciando que na Terra, mormente em assuntos espirituais, não deveria haver classificação social. O Senhor jamais falou de uma Eminência episcopal, muito menos se referiu a um Papa! Devem ser todos iguais, porquanto Ele é o Senhor Único sobre Todo o Infinito material e espiritual.
Como podiam ter surgido diferenciações tão colossais na Igreja, declarada como única e verdadeira, se Jesus, Senhor de Eternidades, serviu a todos e ofereceu-Se em holocausto? Seu declarado antagonista, vindo de baixo, quer ser servido por todos, estabelecendo tantas classificações para dar a impressão do seu posto inatingível.
Sabemos ter o Senhor, ungido alguns dos Seus filhos para regentes, dando-lhes todo o poder. Por isso cabe-nos obedecer a tais soberanos ungidos por Ele, pois o seu poder é do Alto. O poder que os Papas se conferiram pela fraude, vem de baixo. São os primeiros a pisarem as leis fraternais, pois quem poderia igualar-se a um Papa? Quem se atreveria a tratá-lo como irmão? Não compete a todo o católico pronunciar o nome do Papa com a máxima veneração e respeito como se fora o Nome de Deus e, caso fosse a Roma, considerar como Graça imerecida poder beijar o chinelo do mesmo?
Por aí podem vossas Eminências deduzir, terem sido na Terra presas da maior tolice anticristã, passando depois para o mundo espiritual com tais ideias tolas. Precisamente por isso, ainda julgam viver na Terra.
Além disso, concebe-se poder um simples sacristão orientar uma Eminência e vice-versa. Afirmo até mesmo ter o primeiro maior direito para tanto, enquanto um cardeal insistir nas honrarias fraudulentamente outorgadas a si mesmo. Ao passo que o sacristão se acha muito inferior ao posto cardinalício, portanto mais próximo da exigência cristã do que qualquer capelão e muito mais que um orgulhoso cardeal."
Diz o Núncio: "Será rebaixado quem se eleva, entendeu?" Responde o sacristão: "Claro, e sempre o entendi pelo lado prático, pois nunca tratei de me elevar. Se dou louvores a Cristo e ao Seu Santo Verbo, comparado a vossa Excelência anticristã, não elevo a minha pessoa e sim a de Cristo. O facto de permitirdes o tratamento de "Eminência", sabendo que o Senhor jamais criou tal posto, é presunção tremenda e um horror para
Deus. Um sacristão a engolir poeira de igreja é e será, um nada, isto é, mais cristão que uma Eminência."
Interrompe o cardeal: "Peço-vos, meus irmãos, que comigo ocupais o trono dourado do Céu de Deus quais apóstolos, a julgarem as gerações terrenas — e desistirdes de discutir com este herege. Conheceis o vosso poder. De que adianta ao judeu nos achincalhar? Será excomungado no conclave e entregue aos demónios. Qual o lucro dos protestantes adversos à Igreja Católica? Foram condenados ao inferno. Qual o proveito de Lutero por ter apostatado por causa de uma prostituta, criando uma seita herética? Milhões que tombaram em virtude da sua doutrina gritam constantemente por vingança, enquanto ele se acha no pior inferno amaldiçoando o dia que lhe deu existência. Por que se acha no inferno? Porque nós para lá o condenamos no santo conclave. Em suma, de que serve a reacção a todos os nossos adversários? Acham-se condenados e jamais entrarão no Reino do Céu.
Deste modo atiremos também este herege ao inferno e verá como poderá entrar Céu. Digo em vosso meio: "Haeretice infamis! Esto maledictus per omnia saecula saeculorum!" Como acrescentastes o "amém", já faz parte do inferno. Assim deve ser a nossa acção e não de contendas, mas usando apenas a arma espiritual dada por Deus. Devem os hereges perambular pelo mundo quais cães sem dono. Ao chegarem no Além, saberão o que a
Igreja Católica lhes poderia ter proporcionado caso tivessem continuado fiéis a ela. Estenderão as suas mãos para nós e responderemos: Afastai- vos, amaldiçoados! Não nos prestastes ouvidos quando em vida, portanto não vos ligamos. “Então gritarão: Ajudai-nos, Papas, cardeais, arcebispos, bispos e todos os sacerdotes de Deus! Éramos cegos e ignorávamos o efeito da nossa atitude. Agora reconhecemos a vossa grandeza abençoada por Deus e a nossa nulidade miserável. Atirai-nos por cem mil anos no purgatório, mas poupai-nos do inferno horrendo.
Entretanto, responderemos: Fostes suficientemente doutrinados e advertidos. Enviamos-vos seguidas cartas pastorais, proporcionamos-vos inúmeras absolvições contra pequenos óbolos, indicando a confissão e penitência. Difamastes e ridicularizastes os vossos benfeitores, pois como grandes senhores fizestes o que vos agradava. Aqui nós nos tornamos senhores absolutos e poderíamos socorrer-vos caso o quiséssemos. Como não o queremos, Deus também não o quer. Afastai-vos, amaldiçoados, para o eterno fogo preparado para os demónios e seus servos hereges. Então o solo se abrirá e o abismo eterno há-de tragá-los, inclusive os seus asseclas e jamais os seus nomes serão lembrados. Amém! Isto será feito por nós — e já o fizemos neste herege amaldiçoado. Que trate de fugir do inferno!"
Diz o sacristão: "Entremos num acordo. Mandai-me para o purgatório por cem mil anos, pois não vem ao caso um pobre miserável
como eu, ser assado por mais ou menos tempo." Esbraveja o Núncio: "Ah, o fogo do inferno já começa a lamber a tua alma maldita e queres libertação da nossa parte. Nada disso! Para o inferno com todos os diabos!"
OSenhorproporcionarecepçãoespecialao sacristão.
Neste momento aproximo-Me do sacristão que prontamente Me reconhece, e digo-lhe: "Meu caro João, basta! Tudo foi dito por ti — eles continuam os mesmos. Vem tu ao Meu Reino, enquanto eles poderão procurar ou construir o seu céu e um deus ao seu gosto. Dificilmente virão a Mim. Aquilo que queriam proporcionar-te, hão-de sentir por algum tempo, para saberem como aplicar o amor ao próximo."
Apresento-Me também aos padres maldosos, como Senhor dos Céus e da Terra, de acordo com a sua imaginação e digo com rigor: "Reconheceis-Me, agora?" Respondem todos, tremendo: "Sim, agora percebemos seres o Juiz Implacável. Sê misericordioso com os Teus servos!"
Digo Eu: "Acaso não lestes: Sede misericordiosos; para merecerdes misericórdia? Que aspecto tinha a vossa misericórdia? Porventura alimentastes os famintos, mitigastes a sede aos sedentos, vestistes os desnudos, libertastes os prisioneiros e consolastes os fracos? Não! Nunca fizestes tais coisas. Agistes pelo inferno e pelo purgatório de modo semelhante com os que vos pagavam à altura. Sempre fostes contra Mim, pisastes a Minha Doutrina, substituindo-a por coisas fúteis, no Altar. Por serdes tão duros e incorrigíveis, — que se faça o que prometestes a este Meu irmão! Amém."
Neste instante abre-se o solo da Igreja, as chamas se projectam do abismo e surgem vários espíritos que impelem os padres contra o fogo. A sua gritaria é horrenda, pedindo ao sacristão misericórdia e intercessão.
Diz o sacristão: "Sempre ensinastes, sob ameaça de condenação eterna, que os fiéis deviam crer serdes os únicos donos das chaves do Reino do Céu e do inferno. Então abri as portas celestes e trancai as do inferno, abertas por Cristo, Senhor de Eternidades, a fim de que vos receba em seu seio católico. Se há pouco me condenastes ao inferno, como poderia interceder junto de Deus? Os condenados não fazem parte da ladainha da intercessora. Que o Senhor vos faça segundo a Sua Santa Vontade, Amor e Justiça! Não vos desejo destino melhor, tampouco pretendo ser inclemente; todavia não deveis aguardar de mim, coisa melhor do que do Próprio Senhor. Somente Deus é Bom. Todos nós somos maus e jamais podemos anteceder-Lhe naquilo que apenas a Ele
assiste de direito, isto é, ser Bom e Misericordioso. Por isto, dirigi-vos a Ele!"
Esbravejam os clérigos, bem próximos do abismo: "Caro João! Não existe misericórdia para os condenados por Deus. Como nos dirigirmos a Ele?" Diz João: "Tolos, se não esperais clemência por parte de Deus, — onde irei buscá-la se o pouquinho que tenho é do Pai?" Clamam eles: "Não, não! Deus não pode espargir Misericórdia sobre uma alma que deixou a terra, pois o Amor Divino só vai até à sepultura. Em seguida é trocado pela Justiça rigorosa."
Diz João: "Ignorantes! Por acaso tem o Senhor dois corações: um pequeno, pleno de Amor e Misericórdia, e um grande, cheio de volúpia vingativa? Vós mesmos ensinastes, ser Deus eternamente Imutável. Como atribuir-Lhe transformação tão horrenda? De que modo poderia Ele, o mais Perfeito Ser, espargir ira imperdoável ao lado de meiguice e amor supremo, de um só Coração? Como admitir-se Deus amar um espírito somente durante sua existência física, para depois odiá-lo eternamente em virtude de alguns erros, aos quais a sua carne, como experiência de libertação, o seduziu?
O Senhor, Jesus Cristo, Eterno, aqui Presente, é no tempo e muito mais na Eternidade, a personificação do Puro Amor e da Máxima Misericórdia. Considerais apenas o dogma católico das três Pessoas em Deus. Neste, tanto quanto em vós, não existe Graça e Misericórdia. Felizes os que iguais a mim, sabem existir tal Deus somente em vossos corações maus e endurecidos."
Nisto os espíritos impelem os clérigos para mais perto do abismo em chamas, e Eu permito que sintam o forte calor. Novamente gritam: "Jesus, Maria e José! Todos os santos e mártires de Deus, ajudai-nos! Que calor horrendo transmite o fogo infernal, — e deveríamos aqui permanecer eternamente? Ó Jesus, Maria e José! Jesus, Misericórdia!"
Eis que dou um sinal aos espíritos para não mais os impelir, e Pedro se adianta, dizendo aos padres: "Olhai-me, sou Pedro, vivo e verdadeiro, a rocha de fé, escolhido para tanto pelo Senhor dos Céus e da Terra. Vós e o vosso Papa vos dizeis meus sucessores. Quando teria eu vos outorgado profissão judicial? E como podia fazê-lo se, como rocha de fé, jamais recebi tal incumbência? O Próprio Senhor proibiu a crítica, sob risco do próprio julgamento, quando disse: Não julgueis a fim de que não sejais julgados. Se assim é, como vos poderia ter designado para juízes dos nossos irmãos? Se nem sonhando fazemos um julgamento, como poderíamos transmiti-lo a vós? Alegais serdes meus herdeiros. Neste caso, como poderíeis herdar mais do que vos poderia ter legado?
Se o Próprio Senhor afirmou não ter vindo para julgar o mundo mas para felicidade de todos os que crerem em Seu Nome, onde buscastes o direito de julgar os fiéis e condená-los ao inferno?
Outorgastes-vos isso, através do domínio e da cobiça. E agora o Senhor aplica em vós o que fizestes aos vossos irmãos. A medida empregada será usada em vós. Compreendestes?"
Diz o ex-Núncio, tremendo qual vara ao vento: "Ó São Pedro, rocha de fé de Deus! Pede ao Senhor não nos atirar ao inferno, mas por milhões de anos preferimos padecer no purgatório. Sabemos que muito pecamos. E também nos arrependemos da nossa cegueira mundana. Agora nos inteiramos da morte física. Se isso tivesse sucedido antes, ter-nos-íamos sujeitado à penitência e contrição rigorosas. Julgando-nos ainda vivos, continuamos os mesmos pecadores."
Diz Pedro: "Era preciso que sentísseis arrependimento, pois faz parte do vosso dogma; manifesta-se às portas do inferno e jamais vos abandonará. Tal arrependimento, criado pelo pavor dos castigos, nada representa para nós. O justo arrependimento deve surgir do amor a Deus, não do pavor do inferno.
O mesmo acontece com a penitência. Só tem valia quando se baseia na fé viva e no amor verdadeiro a Deus e ao próximo. A penitência forçada pelo pavor da punição eterna não tem utilidade, ainda que pior do que os suplícios e martírios infernais, que em breve havereis de sentir."
Tomados de pavor indescritível, os condenados ao inferno só conseguem gemer: "Ó Jesus, Maria e José! Misericórdia!" Atirando-se ao solo. Enquanto estão assim prostrados, faço desaparecer a visão do abismo em fogo e, em seu lugar, aparece um enorme cálice de vinho, sete pães especiais, com aviso de se saciarem sem distinção. Em seguida devem abandonar para sempre esta igreja cuja grandiosidade terrena só servia para aumentar o orgulho dos padres que nela trabalhavam. Tão logo estivessem lá fora, viria alguém para orientá-los a fugirem dos castigos do inferno. Após tal ordem deixamos o grupo quase semimorto estirado no solo, dirigindo-nos, inclusive o sacristão, ao ar livre.
Destinodospadres.Difícilconversãoparaoamordosespíritos intelectuais.
No momento em que nos encontramos na praça da catedral, uma patrulha desfila à nossa frente. Roberto então diz: "Senhor, estes soldados são estranhos e seria difícil classificá-los. Pelo fardamento só podem ser da época actual, de acordo com o gosto do jovem Imperador da Áustria."
Digo Eu: "Exacto. Neste ano muitos foram dizimados pelo tifo, a cólera e outras moléstias e, como eram do exército, aqui se apresentam como militares. Ignoram o seu passamento, lembrando-se apenas do seu
internamento no hospital e do pavor da morte. Presumem ter tomado um remédio activo, uma espécie de suadouro, e de manhã acordaram sãos e salvos.
Aliás, é benéfica a sua falta de compreensão, pois a realidade seria um choque. Tem de ser gradativamente orientados, após aparente quitação do serviço militar, pelo facto de estranharem o mundo actual. A sua alma se inquietará, surgindo situações aflitivas e perigosas, levando- os à procura de protecção e auxílio. Não encontrando acolhida, às vezes são obrigados a se entregarem ao adversário. Não raro perdem-se em desertos vastíssimos e caso cheguem ao fim, é ele pior do que o próprio deserto. Em suma, todas estas almas, ainda presas aos sentidos têm de passar por uma espécie de morte, até que se liberte o seu espírito.
Acabaste de presenciar tal fenómeno com os padres. O pavor do portal incandescente do inferno aniquilou-os quase totalmente. Dentro em pouco despertarão na igreja e a ocorrência terá o efeito de um pesadelo. Esfaimados e sedentos — prova da libertação paulatina do espírito — entregar-se-ão com avidez ao pão e ao vinho. O aviso explícito, ao lado do alimento, os orientará como fugirem do inferno, criado pela sua imaginação. Muito embora alguém não tenha crido no inferno quando no mundo, a representação psíquica perdura . Acabam de ver a goela e as labaredas por ele projectadas, percebendo deste modo a realidade da imaginação, voltando à crença total no inferno. Por isso debandarão quando receberem aviso.
Ao deixarem a catedral, não mais avistarão a cidade, mas apenas campo aberto onde encontrarão vez por outra, certos viajantes, sendo por eles guiados, em Meu Nome, a determinado destino. Dispensarão os nossos cuidados e talvez em trinta anos estejam aptos a entrarem no Céu da sabedoria inicial. A sua evolução a fases superiores será difícil, por ser oseuórgãodo amorfracoe sem desenvolvimento,poisnunca foi exercitado. Ao passo que o instrumento do intelecto recebeu grande atenção e jamais poderá ser sobrepujado pelo fraco sentimento, pois se em tais criaturas o amor cresce sete palmos, o intelecto triplica. Destemodojamaispoderáestabelecer-seoequilíbrioentreamoresabedoria,necessário à subida a um céu superior.
Não é propriamente impossível tal facto, todavia é dificílimo porquanto o intelecto se apraz mais na abstracção do que na acção real. O intelectual só sente prazer em externar os seus profundos conhecimentos, enquanto o espírito do amor deseja apenas agir pelo bem e a verdade . Aquele representa o público num teatro a ouvir a peça com olhos de crítica. Dentro da sua compreensão julga entender tudo melhor do que o artista no palco, ao passo que não seria capaz de desempenhar o papel do último comparsa. Como é mais fácil assistir, observarecriticardoqueagir,difíciléconduzirespíritosdo céu
inferior a um superior. Só podem ser estimulados à acção pela monotonia de factos ilusórios, inclusive por exemplos humorísticos. Uma vez activos, ainda que num campo inferior, pode-se esperar melhoria. Eis a situação destes padres. Terão que engolir muitas “pílulas” para chegarem ao primeiro céu do conhecimento.
Para este grupo de soldados a situação será mais fácil. Após alguns exercícios pararam à nossa frente por termos despertado a sua atenção. Pretendem inquirir-nos em virtude da grande multidão na cidade, ainda em estado de sítio. Serão devidamente orientados e convidados a nos seguir ao Reino da Vida. Então terá chegado a tua vez, Roberto, de te tornares seu guia. Precisas saber conduzir-te."
NovatarefadeRoberto.O militarismo.
Diz Roberto: "Senhor, sei desde já ser difícil a incumbência, pois o militarismo nunca foi do meu agrado. Bastava ver um soldado, para apoderar-se de mim uma íntima revolta, impossível de dominar. Sinto agora a mesma sensação, muito embora me encontre entre os espíritos meio evoluídos pela Tua Graça. Pretendendo converter estes homens, deveria ao menos sentir alguma inclinação ou gosto para tanto. Quanto mais pesquiso o meu coração, mais percebo a impossibilidade. Os soldados nada mais são que máquinas a se movimentarem sob determinada ordem.
Vejamos o estado de sítio. Todo o guarda tem ordem para fuzilar, sem distinção, quem não responder a três chamadas. Suponhamos aproximar-se um surdo — e o seu destino seria o fuzilamento. Como classificar tal atitude? Qual será o sentimento de um homem que após tal acto continua a sua tarefa como se nada tivesse acontecido?
Já deves ter notado não ser eu amigo do militarismo, portanto não o sou desta tropa. Peço-Te, Senhor, entregares a missão a um mais prestável. Toda a minha natureza se rebela contra isso, mormente aqui onde fui tratado de modo desumano. Perdoei aos que me fuzilaram; no entanto, não posso ser amigo dos militares."
Digo Eu: "Justamente por tal motivo, te entrego esta tarefa. Não poderás entrar no Meu Reino, caso não consigas livrar-te desse espinho. No Meu Reino só rege o puro amor, que deve estar livre da menor aparência de inexorabilidade . Terás que devolver ao mundo o último centavo, antes de te tornares cidadão íntegro do Reino Celeste.
Afasta de ti tudo que tenha vestígio de implacabilidade. Terás, a cada momento, que abraçar milhões de criaturas com toda a força da tua alma. O teu beijo fraternal tem que ser dado a todos os seres da Criação, e
não vem ao caso te serem agradáveis ou não. Amigos e inimigos, devem merecer a mesma consideração. Se no Meu Reino do Puro Amor existissem certas considerações, que aspecto teria o Governo Universal?
Observaste na Terra como Eu deixava irradiar o Meu Sol sobre bons e maus, e fazia cair a chuva no campo dos que Me desprezavam, bem como nos dos Meus adoradores mais fervorosos. Por que agi assim? PorserEuMesmooPuroAmorejamaisconcebovingançaouamenorpartículaderancor. OMeuDesejomaisíntimo,concretiza-seem libertar e fazer todos os seres felizes, com risco da Minha Própria Felicidade .
Há algum tempo privo contigo e não podes alegar o Meu Afastamento. Para Mim, o Ser mais Perfeito de todos os seres, nãoconstituisatisfaçãoempermanecerentreascriaturasimperfeitasesemvontadedeMereconhecerem,mas guiá-lascomoirmãosaperfeiçoadosnoMeuReinodoPuroAmoredaLuzclaríssimasurgidadoCentrodo Meu Coração. Contudo, ajo deste modo porque Meu Amor Me impõe tal dever. Deves fazer o mesmo e tratar de imitar-Me.
Um soldado é em si um fogo destruidor e aniquilador. Imagina um país no qual seria impossível ateá-lo e conservá-lo. Não haveria sensação de vida, tampouco a própria existência. Se num Estado não houvesse exército, onde estaria a segurança dos bens necessários, da vida e da manutenção das leis? Aquilo que em excesso se tornaria perigoso, tem que ser mantido em virtude da existência. Por isso, o militarismo não é tão prejudicial como julgas, pois é necessário e útil. Não deves observá-lo com olhares hostis, mas com amor puro, justiça e ordem, considerando ser o soldado um teu irmão. O facto de ele ser máquina da lei não é da tua alçada. Devem existir tais máquinas para garantia da liberdade verdadeira e eterna.
Porventura não é todo o corpo cósmico um maquinismo da lei para nele poderem amadurecer seres livres? Que seria das criaturas se assim não fosse. Imagina um planeta com vontade própria e ilimitada — qual seria a sua atitude com os habitantes a molestá-lo? Pondera isto tudo e serás mais a favor do militarismo, tornando-se a tua tarefa mais fácil, pois nela se baseia o motivo principal por que foste obrigado a vir a Viena em Minha Companhia. Anima-te e age com confiança."
RobertoesclareceatropaacercadoReino Espiritual.
Muito embora algo perplexo com a Minha Admoestação, Roberto agradece, conquanto não tenha coragem para iniciar a palestra com os soldados, antes que estes lhe dessem motivo para tanto. Eles o percebem, pois ouviram as Minhas Palavras e aguardam a iniciativa de Roberto.
Como nada sucede, adianta-se a bela Helena, sempre cheia de amor para Comigo e diz para o marido: "Meu caro, estás com medo? Como podes perder um segundo na execução da Vontade do Senhor? Se fosse comigo, de há muito teria concluído a tarefa. Movimenta-te para que a tropa venha a saber estares vivo. Ficaria aborrecida com um marido desta ordem. Lembra-te de Cado que enfrentou o próprio Satanás. Naquela ocasião desempenhaste papel angelical, e agora tremes diante destes homens. Isso não honra o nome de Roberto Blum."
Quando a tropa ouve este nome, aproxima-se e diz asperamente: Que “Blum" vem a ser este? Por certo não é o grande traidor fuzilado pelo General Windischgrätz?"
Tal pergunta irrita Roberto, que enfrenta os soldados com energia: "Sim, sou eu. Mas não fisicamente e sim, espiritualmente. Nunca fui traidor e, para tanto, tenho o testemunho de Deus, da Saxónia e da própria Alemanha. Ao passo que o meu assassino que me fez executar em seu excessivo orgulho, mais tarde tornou-se traidor verdadeiro. Somente a sua alta nobreza e alguns feitos patrióticos o pouparam da prisão. Não fosse Príncipe Windischgrätz, seu crime teria tido outro desfecho na Hungria. Aqui em Viena existem milhões de testemunhas que poderão provar ter eu aconselhado a desistência da luta. Chamaram-me de covarde. Por isso peguei novamente da arma, dizendo: "Que me acompanhe quem não teme a morte! — Seria isto crime de Estado?"
A este discurso enérgico adianta-se um oficial e diz: "Amigo, por volta de 1848, correu o boato de ter sido o Blum posto em liberdade pelo príncipe, fazendo fuzilar um outro em seu lugar. Em seguida teria sido transportado sob outro nome até à América. O seu aparecimento nesta cidade dá motivo para crer nessa hipótese. Diga-me o que há de verdade nisto."
Diz Roberto: "Isso foi mero boato, mormente na Saxónia e na Prússia. Fui fuzilado, como milhares de outros, à vista de grande aglomeração e espero não haver dúvida a respeito. O que ora vês não é carne e osso, mas o eterno espírito do Blum, destinado por Deus a vos orientar, como espíritos semelhantes a mim.
Eu mesmo custei a perceber a minha morte após o fuzilamento. Por longo tempo perambulei em trevas e a sua recordação me produz horror. Somente a Bondade e Misericórdia de Deus me fizeram sair de tal estado trevoso para a Luz radiante da Vida. Só depois percebi ter falecido.
Desde então o Senhor está ao meu lado e milhares de almas encontraram em tal ocasião a plena liberdade da Vida eterna. Muitas habitam em zonas libérrimas dos Céus de Deus, que em absoluto são quimeras, conforme julgávamos em vida. Apenas número reduzido se acha na constante Presença do Senhor, que aqui veio a fim de trazer a salvação aos de boa vontade.
Esta enorme multidão é composta de almas libertas desta cidade, onde algumas viviam há séculos animadas pela fantasia terrena. Através da força penetrante do Verbo Divino perceberam o seu engano. Reconheceram a verdadeira Luz da Vida e seguiram de modo próprio Aquele, Senhor Único de toda Vida.
Fazei o mesmo, pois na Terra que presumis habitar não há salvação para vós. Acreditai-me. Não vos falaria se assim não fosse. Deponde as vossas armas desnecessárias. No futuro eterno, o Nome do Senhor será a vossa arma poderosa. Irmãos, resolvei a vossa situação e segui-me. Disse- vos a plena verdade."
Respostadooficial incrédulo.
Diz o oficial: "És bom sujeito, um tanto esquisito. Alegaste termos morrido há tempos, tornando-nos espíritos. Mas, vê só: A sumptuosa catedral, com a torre gótica, tal qual após a restauração. Não falta nem um ninho de andorinhas entre as incrustações. Aí, em redor, as casas tão conhecidas! Tudo isto devia ter alma e espírito passado pela morte deixando de existir na Terra a fim de se apresentar no teu mundo dos espíritos. Não deves tomar-nos por idiotas e exigir a nossa crença nesse absurdo.
Também te referiste a Deus, entre vós, tratando de salvar almas atrasadas para levá-las ao Céu. Que afirmação mais ridícula. Deus penetra o Infinito — e deveria encontrar-Se aqui na forma de um homem? Que se passa contigo? Se és realmente o Blum, não foste de crença fácil nem supersticioso. Como se deu a tua transformação? Aceitaste tais ideias na Irlanda?
Amigo, podia mandar-te prender junto com o teu Papá do Céu. Não o faço por seres inofensivo. Os próprios jesuítas podiam privar contigo sem prejudicar-se. Todos vós dais a impressão de cordeirinhos e o que mais interessa é a tua mulherzinha. Em companhia dela faria até uma procissão católica. É inglesa?" Interrompe Helena: "Chamo-me Helena e nasci nos subúrbios de Viena, local para os pobres pecadores. Compreendeu?" Diz o oficial: "Olha! Então és legítima funcionária da ralé. Mas como podes ser esposa dele, se foi casado e teve vários filhos na Saxónia?"
Responde ela em dialecto vienense: "Não sabes que na Terra se deve ter uma só mulher? Mas depois de morto e de ter chegado no Céu pela Graça e Misericórdia Divina, recebesse outra, de origem também terrena, pois no Céu só existem criaturas que já viveram na Terra. Trata
de lá entrar que talvez se ache uma boa moça para ti. Antes disso é preciso amares a Deus acima de tudo."
Diz o oficial: "É lastimável usares dialecto tão horrível. Por acaso todas as mulheres se expressam deste modo no Céu? Se assim for, prefiro ficar nos meios mais educados do planeta."
Diz Helena: "Ora, julgas falar alemão clássico? Todo o idioma é bom e belo quando surge de coração puro. Se o linguajar é muito elegante, mas se baseia em coração de patife — que valor tem? Que seria do teu agrado: eu falar alemão clássico para enganar-te, ou este dialecto suburbano, mas com boa intenção? O alemão do norte é, principalmente em Viena, apenas disfarce. Quando alguém se expressa desse modo é para dar impressão de inteligente, ou para conquistar alguma mulher, conforme eu mesma experimentei. Um simples caixeiro de armazém faz propaganda da sua mercadoria e não percebe como se torna ridículo ao enfrentar o belo sexo. O mesmo se dá nas repartições. Os mais entendidos no idioma são geralmente os mais estúpidos e ignorantes, pois pretendem ocultar os seus defeitos."
Diz o oficial: "Não é bem isso. Julgo apenas ser necessário a pessoa falar como escreve. Quanto mais te fito, tanto mais percebo a tua formosura e chego à conclusão de jamais ter visto criatura tão bela, pois vi muitas na Europa. Se usasses expressões educadas serias uma verdadeira deusa. Se quiseres fazer jus à morada celeste, o teu linguajar deve estar à altura."
Retruca Helena: "Deixa-te de arrogância! Pretendes conquistar-me com o teu rapapé? Agrada-te a minha figura — o meu coração não te interessa. Justamente o meu modo de falar é protecção para mim. Fala com o meu marido. Ele se expressa melhor do que eu. É preciso acreditares no que ele diz, de contrário levarás muito tempo para entrar no Céu."
Tapando os ouvidos o oficial diz: "Felizmente fechou a boca. Isto cheira a carne assada com alhos. Roberto, acaso és surdo? Tu, homem inteligente e culto, consegues ser feliz ao lado desse bife? Em poucas horas eu estaria desesperado, em companhia de esposa de tal quilate. Se ela fosse muda e apenas se manifestasse por gestos, seria mais interessante do que por idioma desconhecido. Não precisas temer alguém ser por ela seduzido; é extremamente inculta."
Diz Roberto: "Enganas-te muito. — É muito inteligente e tem a coragem de um pelotão. Nem sempre fala deste modo, mas apenas quando quer. Achando necessário, expressa-se maravilhosamente. Aceita o seu conselho, dirige-te pessoalmente a Jesus, o Senhor, e te convencerás de tudo. Só então fala e age de acordo com a tua convicção." Observa o oficial: "Isto soa bem estranho. Seja como for, leva-me até lá. Se falaste a verdade, terás em mim um colaborador."
InclinaçãodooficialàPessoade Jesus.
Roberto traz o militar junto de Mim e diz-lhe: "Eis Aquele de Quem testemunham a Criação, os profetas e o Seu Próprio Verbo de Puríssimo Amor."
Diz o oficial: "Ah, este aqui? É o mesmo que anteriormente elogiou o militarismo por ti criticado. Acho-o muito simpático, até mesmo não sendo Deus. Quando surgem de um coração justiça, critério acertado de todas as circunstâncias e classes, bons sentimentos, amor à ordem e ao próximo, através de palavras e acções, — tal criatura é plena do Espírito de Deus e merece a maior veneração por parte do semelhante. Por isso homenageio este homem, por ter descoberto nele tais qualidades.
Atenção, soldados! Honras a este homem! Não usa dragonas douradas na espada, muito mais porém no coração. Homens tais são raros. Deixa-me abraçar-te, amigo! O peito de um soldado é áspero como máquina da lei. Dentro dele pulsa muitas vezes um coração amoroso para com Deus, imperador, pátria, justiça e ordem."
Com isto, ele Me abraça e beija de forma efusiva. Em seguida prossegue: "Que prazer extasiante! Na Terra maravilhosa muita coisa existe a nos preencher o coração de doce nostalgia. A coisa mais sublime é o primeiro beijo fraternal de dois seres honestos. Por isto, mais uma vez: Salve!"
A esta manifestação barulhenta aparecem várias pessoas às janelas e a curiosidade as leva ao local da confusão. Encontrando-nos completamente sitiados pela multidão, o oficial dá ordem para dispersá- la. Eu o impeço, dizendo: "Estes ociosos devem verificar que aspecto tem a salvação do mundo. São criaturas semimortas, inúteis e, ao mesmo tempo, inofensivas. Deixemo-las."
O militar segue o Meu Conselho e diz: "Amigo maravilhoso! Lastimo imenso ter de deixar-te. Sabes ser o tempo de um guerreiro calculado a cada minuto, por isso tenho que levar a minha tropa ao destino previsto. Passa bem. Será para mim a maior das alegrias encontrar-te oportunamente." De olhos marejados de lágrimas ele Me abraça e beija para se afastar pesaroso.
Estendendo os Meus Braços, digo-lhe: "Meu filho, fica aqui. O amor que te fez atrair ao Meu Peito é justificado, pois sou o teu verdadeiro Pai desde Eternidades. Que te seja tirada a venda que impedia Me reconheceres imediatamente. O Pai Se alegra em poder abraçar um filho tão querido. Depende somente da liberdade do mesmo, de contrário não suportaria a Omnipotência Divina. Alcançaste a tua liberdade, vem abraçar o Peito do teu Pai verdadeiro e terno!"
Nisto o oficial Me reconhece, dá um grito de alegria e lança-se aos Meus Pés dizendo: "Meu Deus! Sou pecador; como poderia aproximar-me de Ti?" Digo Eu: "Levanta-te e vem. Eu te chamando de "filho", estás sem pecado. Quem tem tanto amor como tu, está livre do erro. Ainda que tivesse tantos pecados quanto a areia do mar e a erva da terra, ser-lhe-iam perdoados pelo grande amor do seu coração."
A estas palavras o oficial se ergue e Me fita extasiado, dizendo: "É o mesmo Peito que abracei anteriormente como cego, — por que deveria temê-lo agora? Querido Pai! És meu, meu Pai Bondoso e Santo!" Atirando-se ao Meu Peito ele chora de alegria e Eu, o abençoo para que possa suportar o Meu Amor."
Após algum tempo, ele solta-Me e diz de olhos húmidos: "Pai Querido! Sou tão feliz como jamais sucedera a alguém. Aceita a minha tropa e não consideres os seus defeitos."
Respondo: "Filho querido, o teu pedido vem tarde, por já ter sido aceite. Serás o seu guia e doutrinador no Meu Reino, e com isto a tua felicidade será perene. Estes homens têm muitos tesouros que descobrirás ao ajudá-los na evolução gradativa. Um deles abarca mais do que tudo que viste da Minha Criação."
Entrementes o militar percebe como a multidão se enternece com esta cena comovedora, julgando ter havido um encontro comum entre pai e filho. Por isso, ele Me diz: "Pai, estas criaturas semimortas dão impressão de quererem evoluir. Não poderiam ficar connosco? Mesmo que haja entre elas uma ovelha negra, poderia ser purificada."
Aduzo: "Também já foram lembradas, pois todas entrarão no teu regimento. Foi por isso que não permiti o seu afastamento. Transmite- lhes o que sucedeu contigo e eles te seguirão."
Ooficialconduza multidãoaoVale de Josafá.
O oficial curva-se com respeito diante de Mim e de todos, posta-se entre a assembleia e divulga a salvação das suas almas, de modo tão incisivo, a deixá-la atordoada e as mulheres principiam a soluçar. Uma delas julga ter chegado o Dia do Juízo Final, em que todos serão condenados.
Com energia, o oficial retruca: "Ó criaturas tolas! Acreditais ter o Dia do Juízo Final o aspecto dado pelos sacerdotes? Deu-se agora um Dia Final em que o Próprio Senhor nos despertou, de contrário teríamos continuado na treva eterna dos enganos da vida. Existe um julgamento mortal, até hoje por nós sentido. Tal julgamento é obra nossa e não de Deus. O Verbo Divino, pelo qual fomos criados, e o livre arbítrio
perfazem o nosso julgamento, de contrário seríamos quais pedras, sem vida. Quando nos tivermos aplicado o golpe mortal de modo próprio e não sendo capazes de nos socorrer, o Pai vem do Alto com os Seus anjos e ajuda os mortos a voltarem à vida. Ao despertarem para a vida os espiritualmente mortos no Dia da Vida Eterna de Deus, surge então o Dia mais recente de modo idêntico ao de uma criança recém-nascida. Por isso não temais esse Dia, pois ao menos aqui no mundo espiritual jamais poderia surgir. Recordo-me que se lê na Escritura: Eu, o Senhor, despertá- lo-ei no Dia Final! E não: Em tal Dia o condenarei e matarei.
Caso Deus quisesse que certa espécie de espíritos habitassem as tumbas e o inferno, tê-los-ia constituído de forma tal a se capacitarem à morte e ao inferno. Deus criou os homens para a Luz e não para a eterna noite da morte e suplício. Ele Mesmo desperta a todos os enterrados na morte. Sede inteligentes e aceitai orientação. O Senhor pretende trazer a felicidade a todos, através da Sua Doutrina Sublime. Não cabe a Ele a responsabilidade de os homens a terem interpretado erradamente por tolice e ganância, pois respeita a livre vontade de cada um. Afastai de vós todos os escrúpulos e segui-me para junto Dele. Fará a vossa felicidade à medida da capacidade individual."
Protestam as mulheres: "Na Escritura Sagrada consta expressamente que após a ressurreição todos serão levados ao Vale de Josafá, desde Adão até ao último habitante da Terra. Lá verão a Chegada do Filho de Deus no meio dos apóstolos, os santos e mártires acompanhados de inúmeras falanges angelicais. Eis que o Juiz Implacável tomará posse do trono do Julgamento para julgar mortos e os vivos. Que explicação dás a tais palavras?"
Responde o oficial: "Acreditais ser possível Deus criar uma bola quadrada?" Dizem elas: "Claro que não." "Bem", diz ele, "somos habitantes do mundo dos espíritos. Acaso tendes a impressão de terdes aumentado ou diminuído em tamanho?" Respondem todas: "Não há diferença, na hipótese de termos morrido." Diz ele: "Muito bem, Graças a Deus já nos encontramos no mundo espiritual, ou seja o da Verdade. A questão do nosso tamanho deve ser elucidada.
A catedral e as casas são tais quais as vimos em vida e a nossa estatura corresponde à mesma. A maior prova disso é o Próprio Senhor, cuja Figura é semelhante à nossa.
Agora vamos à matemática. Quando cadete, acompanhei uma expedição à Ásia e cheguei a ver o Vale de Josafá, perto de Jerusalém. Fiz as minhas observações porquanto os vales da Terra Prometida são muito estreitos e pedregosos e de comprimento reduzido. Além de Damasco, em direção à Babilónia e Pérsia, os vales são mais extensos e largos. Na Judeia encontram se apenas vales pequenos e grutas estreitas. O Vale do
Jordão, o mais importante, não é largo nem comprido. O mesmo se dá com o de Josafá.
Se eu lá colocasse dois mil soldados, eles poderiam escolher acampamento. Um exército de seiscentos mil homens, ficaria qual sardinha enlatada, e um milhão começaria a suar sangue. Calculai cem milhões de homens acampados naquela região. Para povoar a Áustria bastam cem milhões. Imaginai um bilião, que bem juntinho ocuparia sete milhas quadradas. Contamos actualmente cinco mil anos, em que no mínimo habitaram a Terra dois a três biliões de criaturas — e todas elas deveriam ter lugar no Vale de Josafá por ocasião do Dia do Julgamento?
Para tanto seria preciso transformar o planeta todo em Vale, ou reduzir os homens a infusórios. E os pobres anjos do Céu teriam que usar os melhores microscópios a fim de separar os bons dos maus. Se porventura a Terra toda fosse o dito Vale de Josafá, nem todos poderiam ver o Juiz Implacável, ouvir o julgamento a um só tempo, mas somente após decorridas vinte e quatro horas. O Senhor teria que pronunciar o Julgamento de segundo em segundo, e com voz estentórica, pois a Terra faz uma rotação de aproximadamente cinco milhas alemãs por segundo. Neste cálculo seria preciso uma voz de canhão para se fazer ouvir a umas três milhas.
Por aí vedes os absurdos que surgem ao se interpretar literalmente a Palavra de Deus. É preciso procurar o sentido espiritual, caso se pretenda chegar à Verdade, único meio para libertar a alma de todos os erros.
O Vale de Josafá foi, em virtude da sua esterilidade, usado para cemitério de famílias conceituadas e nele se aplica o dito: No cemitério todos se reencontram, grandes e pequenos, ricos e pobres, velhos e jovens, amigos e inimigos. No sentido mais restrito significa ele a própria tumba devido à sua estreiteza e, espiritualmente falando, o mundo dos espíritos, onde agora nos encontramos. Este mundo é uma sepultura para o espírito até que o Senhor nos desperte pela Sua Vontade Santa e Poderosa.
Até então habitávamos o Vale de Josafá. O Senhor chegou com toda a Sua Glória, Amor e Misericórdia Infinitos, dando-nos direcção de vida pela Sua Graça. Por isso não devemos pensar naquilo que não existe, mas sim, como agradecer-Lhe por tamanha Graça. Vinde comigo e dai Honra a Ele por vos ter libertado do vale da morte e do julgamento."
Apaciênciadooficialépostaà prova.
Adianta-se um inculto e idoso camponês e diz, gaguejando: "O senhor é muito inteligente e alegou estar presente o Pai do Céu. Quem é, por favor?" O oficial tem vontade de rir, mas controla-se e diz: "Bom homem, lá está Ele, palestrando com Roberto Blum e o Imperador José, tendo uma linda cabeleira loura. É do seu agrado?"
Responde o camponês: "O quê? Aquele é o Pai do Céu? Tão pequeno e simples? Quem teria suposto tal coisa? Desculpe, senhor, falo como o entendo." Diz o oficial: "É isso, meu amigo, não dá tal impressão; entretanto é Ele Pessoalmente. Vinde todos comigo para que sejais apresentados a Ele e saibais da vossa futura acção. Não demoreis, pois poderia perder a paciência." Aproxima-se outro grupo: "Deixamos em casa tudo em desordem e os nossos familiares ignoram o nosso paradeiro. Poderíamos dar um pulinho até lá?"
Diz o oficial: "Tolos! Como poderíeis ter outros desejos quando tendes oportunidade para chegar junto do Senhor? A vossa casa é nada mais que fantasia. A verdade e a realidade só começam aqui — o passado foi apenas um sonho vão. Pretendeis alimentar a fantasia arriscando a realidade santa? Não lestes: Quem naquela época se achar fora de casa, para lá não deve voltar em busca da sua vestimenta? Quem estiver no telhado, não deve descer. Quando Deus, o Senhor, nos chama, temos que abandonar tudo e segui-Lo, de contrário não O merecemos. Tudo que deixardes, por amor a Deus, ser-vos-á recompensado mil vezes. É preciso compreenderdes a Ordem Divina. Enchei os vossos corações de amor puro para com Deus e segui-me para junto Dele, de contrário vos abandono aqui, no vosso Vale de Josafá."
Diz uma senhora idosa, segurando o breviário e o rosário: "Não acha conveniente, orarmos durante os trinta passos que levam até Maria Santíssima, ao menos nas horas santificadas, ou talvez metade do rosário do sofrimento?"
Diz o oficial consigo mesmo: "Santo Deus, dá-me paciência! Esta beata quer trazer-me dificuldades...!" E virando-se para ela, prossegue: "Acaso não deseja confessar-se e comungar? Se aqui Se encontra o Senhor e Deus Verdadeiro, certamente não precisamos de um artificial. Velha dorminhoca, sou apenas um pouco mais inteligente do que tu, e o teu pedido, para mim é extremamente enfadonho. Que impressão não deve causar a Deus!
Atirai para longe todo o aparato clerical que só serve para matar a alma e o espírito, e vinde connosco para junto Daquele que unicamente é e possui a Vida. Ele vos dirá o que vos cabe fazer no futuro. Acreditais ter Ele prazer com tais tolices? Ele tem paciência e indulgência, jamais porém sente satisfação com a cegueira humana. Na paciência, que nada mais é senão um aborrecimento recalcado pelo amor, não pode haver satisfação. Digo pela última vez: Se algum de vós me apresentar mais outra tolice
desta ordem, no momento mais importante para a Eternidade, será expulso desta assembleia, podendo voltar à sua morada de fantasia."
Protesta a senhora idosa: "Ora, senhor oficial! Ignorava serem as orações algo tão errado, embora estivesse ciente de que não fossem sempre agradáveis e por isto pensei em aceitar esta cruz de mortificação para seguir a Cristo. Pessoas abastadas só conhecem a cruz da oração, e sem ela não teriam mérito perante Deus. Pensei alcançar algum merecimento se durante as horas passadas junto do Senhor tivesse feito algumas orações. Vejo ser o senhor mais entendido no assunto, por isso faremos o que aconselha."
Diz ele: "Não mais me trateis por senhor. Unicamente Deus, é Senhor. Todos nós somos irmãos. Meu Deus! A que ponto chegou a tolice das tuas criaturas. A oração, a elevação sublime da alma para junto de Ti, o acto mais celestial para os pobres da Terra, como no Céu — tudo é considerado uma espécie de penitência, uma cruz mortificadora. Infelizmente, a maneira de fazê-lo, sem nexo e sentimento, nada mais é que mortificação. Partindo deste ponto de vista, a oração é uma cruz. Estas criaturas têm um critério errado e é preciso ter-se paciência com elas. Haverá outras deste quilate?"
Mal ele termina, aparece outra idosa com um crucifixo de prata e diz: "Perdão! Esta cruz, três vezes abençoada pelo Papa, foi-me presenteada pelo Padre Quardian, dos capuchinhos, porque eu paguei uma dívida do claustro. Nesta cruz se acham guardadas algumas relíquias de Cristo. O senhor que acha: não poderia ofertá-la a Ele?" O oficial dá um salto de revolta e exclama: "Meu Deus! Que absurdo! Ó cúmulo da estultícia! E, virando-se para ela diz: "Em Nome de Deus, faz tua oferta."
Relatodeumavidaqueinteressaao oficial.
Quando o oficial faz menção de seguir caminho, apresenta- se outra criatura idosa e lhe pede atenção. Ele pára e pergunta qual o seu problema. E ela responde: "Sempre tomei a vida como algo muito sério e mantive a ordem doméstica com todo o rigor. Os empregados se queixavam do meu pedantismo, acabando por aceitar o meu regime.
Quando jovem tive um professor muito inteligente e dotado de capacidade de intercâmbio com espíritos, dos quais me contava factos extraordinários. Muito embora no começo tivesse receio desses hóspedes estranhos, ele sabia inspirar-me coragem e entusiasmo, falando com tanto amor e graça que perdi o medo dos espíritos e desejei também o seu convívio.
Assim, o meu professor, conquanto contasse quarenta anos, porém de boa aparência, tornara-se indispensável para mim, que contava apenas quatorze. O meu modo de pensar não se adaptava ao mundo, facto percebido pelos meus pais. Instigados por alguns amigos, começaram a desconfiar de um afecto entre nós e não vacilaram em chamar o meu mentor a fim de lhe expor a impossibilidade de continuar no emprego. A investigação paternal levara à certeza de ter ele transtornado a cabeça da aluna, pagando-lhe por isso a remuneração combinada, Assim, foi o meu amigo e protector expulso de casa e eu recebia outros, que me arrepiavam."
Interrompe o oficial: "Diz-me, o professor chegou a aceitar tal situação? Conta-me isso minuciosamente, pois começo a interessar-me." Diz ela: "Que poderia ter feito? Sabia muito bem como agem os aristocratas em tais assuntos. Por isso disse apenas: A minha atitude como homem e professor não me culpa de coisa alguma. A minha consciência de nada me acusa. A verdade é uma só e não aceita alteração; e agora sou despedido injustamente. Mas não importa. Sempre foi destino dos justos sofrerem no mundo. Alegro-me com isso, porquanto prova que Jesus, o Senhor, me aceita como discípulo. Ele, o Eterno, colheu a paga da pior ingratidão e ainda assim perdoou aos homens, pois não sabiam o que estavam praticando. Por que deveria eu, pecador, ressentir- me com a vossa atitude, pois nunca procurei vantagens terrenas?
Dói-me a proibição de frequentar a vossa casa, pois eduquei a vossa filha para amiga verdadeira de Cristo, realização difícil nesta época. Não importa, pois quem perde algo por causa do Senhor, será recompensado mil vezes. Esta miserável indemnização monetária, tão prezada por vós, pode ser aplicada como entenderdes. Aquilo que dei à vossa filha pela Graça Divina vale mais que o mundo inteiro. Ainda que ela perdesse todos os tesouros terrenos, seria mais feliz com a dádiva espiritual recebida por mim."
O meu pai, irritado com a atitude do professor, quis obrigá-lo a aceitar o dinheiro. Ele rejeitou-o e se afastou para sempre. Eis a história do meu professor que nunca mais vi. Os posteriores mestres só se interessavam pelo ganho material, de sorte que eu, nada mais aprendi.
Em compensação procurei, com a idade, realizar os princípios aprendidos com o meu amigo espiritual e quando enviuvei, soube da sua entrada na carreira militar. Deus não permitiu o nosso reencontro. Continuei em companhia da minha filha, em tudo semelhante a mim. Há alguns anos deixei a Terra e logo procurei, aqui, saber do meu professor, sem ter tido qualquer notícia. Chamava-se Pedro, e nunca descobri, nem meus pais, se tinha outro nome — única peculiaridade da sua parte. Talvez o senhor pudesse dar-me orientação a respeito, porquanto está
bem informado neste mundo. Seria para mim a maior felicidade encontrar este espírito elevado."
O oficial vira-se um pouco de lado e diz de si para si: "Será possível ser esta criatura a maravilhosa Matilde? Que teria acontecido para ela chegar a tal ponto? Certamente, fui culpado d matrimónio infeliz. Mas Deus saberá curá-la. Se aqui houver possibilidade de matrimónios celestes, farei tal pedido ao Senhor, mesmo que o seu físico não se modifique. Como passamos tempos maravilhosos! Naquela época era ela um verdadeiro anjo. Os Céus de Deus devem ser de Beleza inaudita e a Terra é igualmente linda para quem conhece Deus e O ama acima de tudo."
Ele vira-se novamente para ela e diz: "Meditei acerca das tuas palavras e penso ter descoberto o referido educador. É preciso adquirires enorme paciência e afastar de ti tudo que se assemelhe a paixão, entregando Pedro ao Senhor. Ele então cuidará da tua felicidade. Para Deus todas as coisas são possíveis. Antigamente, temeste a Deus. Agora deves amá-Lo acima de tudo e tal amor te proporcionará a maior bem- aventurança e beleza celestiais."
Prosseguimentodorelatodavidade Matilde.
Diz ela, de si para si: "Estranho, ele usa as mesmas palavras do meu professor. Além disso é muito parecido com ele. Acalma-te, pobre coração, não deves deixar transparecer o teu pressentimento. Somente do seu bondoso coração podiam surgir ensinamentos tão celestiais na luz e no calor divinos."
O oficial também monologa porquanto ouve as mesmas palavras em seu íntimo: "Que espírito maravilhoso habita em alma tão precária. Devia supor-se que perante Deus, o Senhor, um coração cheio de amor, verdade, paciência e humildade, tivesse atingido a perfeição da alma. Deve ter acontecido algo sério que a prejudicou de tal maneira. Possuía um físico radioso capaz de servir de modelo a qualquer pintor exigente. E agora, os andrajos mal lhe cobrem a forma esquelética. Meu Deus, sê misericordioso para com esta pobre criatura!"
Virando-se para ela, o oficial diz com amabilidade: "Minha amiga, conta-me qual foi o motivo que te provocou estado tão deplorável, embora sejas dotada de espírito tão maravilhoso?"
Retruca Matilde: "Caro amigo, a separação do meu professor atirou-me numa depressão horrível, que procurei esquecer na vida dos sentidos. O espírito era potente, mas a carne fraca, de sorte que não pude ingressar no mundo espiritual de modo diverso de que tinha feito jus. O
meu casamento foi um fracasso, pois o meu marido faleceu pouco tempo depois. Aqui estou, fraca e miserável, sem saber da minha família, que certamente não pode estar em situação favorável. Deus sabe que lhe desejo tudo de bom."
Diz o oficial: "Minha amiga, realmente sofreu muito. Mas não deve desesperar. Acompanha-me para junto do Senhor, que aqui está para socorrer a todos os que chamam por Ele." Conduzindo Matilde para junto de Mim, o oficial diz: "Senhor, Pai Amantíssimo! Por certo não preciso mencionar o que falta a esta criatura. Por isso, só posso pedir-Te que sejas Misericordioso para com ela."
Digo Eu: "Matilde, que desejas que te faça?" Responde ela: "Senhor, vês diante de Ti uma grande pecadora e sabes tudo aquilo que prejudicou o seu corpo e alma. A minha vontade procurava reagir, sem contudo sair vitoriosa. Por que foi preciso eu perder o meu professor e protector? Por que fui tão infeliz, temporária e eternamente?"
Digo Eu: "Sei perfeitamente do teu estado psíquico e perguntei-te apenas o que desejas que te faça. Fala, que havemos de encontrar tempo suficiente na Eternidade para organizar as condições terrenas." Diz ela: "Santo e Querido Pai, sabes o que necessito; ajuda-me, pois tudo Te é possível." Retruco: "Então crês ser Eu realmente Deus Único e Verdadeiro, ao Qual todas as coisas são realizáveis? Sou homem, porventura Deus é apenas Homem?"
Diz Matilde: "Tu és Cristo, Jesus, o Salvador dos homens, e cada Palavra Tua contém Vida; quem as aceitar, recebe a própria vida. Quando na Terra tiveste a vida na carne segundo Tua Infinita Omnipotência, Sabedoria e Amor, disseste como Homem: Quem vir a Mim, verá o Pai, pois Eu e o Pai, somos UM. O meu coração me diz, seres o Amor Eterno, por isso, aceita-me por amor!"
Encontrodeduasalmas,separadasna Terra.
Digo Eu: "Minha filha, grande é a tua fé e muito amor habita em teu coração. Que se faça segundo a tua fé e o poder do teu amor! Estás com fome e sede e desprovida de vestes, pois o teu alimento foi péssimo na Terra. Não tivesses sido alimentada espiritualmente durante os primeiros anos da tua vida, a tua alma teria mergulhado no lodo da matéria, de onde seria difícil salvar-te. Assim, o alimento do espírito quebrou o veneno dos sentidos. Chegou o momento de suprir-te do necessário. Roberto, providencia pão e vinho, e uma roupa nova."
Nem bem termino de falar, Roberto avista por perto uma espécie de loja com vários artigos, onde encontra o que Eu havia pedido. Após ter
abençoado tudo, mando que Roberto o entregue a Matilde. Enquanto ela se alimenta, o físico se transforma e adquire aparência juvenil. Quando se vê de vestido azul com galão vermelho, ela se alegra, caindo de joelhos diante de Mim, e diz soluçando: "Meu Pai, o coração vibra sem poder transmitir o que existe dentro de mim. Em tudo transpira apenas o Teu Amor! O Teu Santo Nome seja louvado eternamente!" A emoção a domina a tal ponto que o seu rosto quase toca o solo. O oficial, por sua vez, começa a chorar de alegria. Eu o advirto dizendo: "Amigo, controla- te. Ela necessitará da tua ajuda. Trouxeste-a até aqui e serás o seu futuro guia; cuida do seu espírito."
Diz o oficial: "A Tua Palavra, Pai, Senhor e Deus, será eternamente o centro da minha vida, por isso Te rendemos todo o louvor e gratidão por tudo que fazes aos Teus filhos. Vem, Matilde, vê quão Bondoso é o nosso Pai Celeste." Ela ergue-se e reconhece no oficial o antigo professor Pedro. Ainda de joelhos, ela exclama: "Deus, meu Pai! Não somente me proporcionaste imensa Graça e Misericórdia, mas ainda permites que encontre o meu professor, ao qual me entregas para o meu futuro crescimento espiritual. Ainda me encontro na mesma cidade em que nasci e me tornei tão infeliz. Mas o local não representa nada para mim, e sim, a Tua Presença Santa. O Teu Nome, Jesus, seja louvado!"
Nisto, apresenta-se o arcebispo Migatzi e diz: "Senhor e Pai, esta criatura tão meiga e bela envergonha-nos a todos. Que pureza de expressão e que amor sublime. Estamos todos empolgados e agradecemos-Te por esta transformação."
Digo Eu: "Isto é dádiva do amor e não da sabedoria. Mantende-vos portanto no amor, se desejais estar Comigo nos Céus. Não resta dúvida que estareis Comigo nos três principais Céus, agindo diante do Meu Semblante; mas como aqui, apenas pelo amor. Matilde possui o justo grau de amor, portanto também estará nos Céus Comigo, onde chegaremos dentro em breve. Transmite isto a todos.
Migatzi agradece pelo ensino e passa-o aos outros, enquanto o oficial Me diz: "Somos muito felizes, na medida do possível. Mas lá atrás encontram-se os meus soldados. Qual o seu destino?" Respondo: "Que deponham os fuzis, pois não serão mais necessários. No Meu Reino, luta- se unicamente com as armas do amor!"
Ocabojudeu,amigodo Messias.
O oficial dirige-se prontamente aos soldados e diz: "Atenção! Até aqui fui o vosso capitão, ao qual obedecestes como de praxe, pois a obediência é o maior poder com o qual um sábio dirigente consegue
vencer qualquer inimigo. Tendo sido essa a vossa maior virtude, Deus aprouve deixar-vos no mundo espiritual sob o meu comando até que vos capaciteis de uma concepção mais livre a respeito da vida no Além.
Todos nós nos achávamos mais ou menos presos aos deveres terrenos, conquanto soubéssemos da nossa existência no mundo dos espíritos. Continuávamos a servir ao Imperador sem que tivéssemos qualquer obrigação para tanto. Até mesmo lhe prestamos bons serviços pela descoberta de traições secretas, podendo influenciar as pessoas do Governo ainda na Terra, apontando-lhes os inimigos da Lei e da Ordem. Com isto não fora possível conseguir um soldo do Imperador; entretanto, a nossa consciência nos assegurou termos desviado males horríveis do Estado que nos alimentou e educou.
Agora surge outra situação de vida. Terminou o serviço do mundo dando lugar a um puramente espiritual em Nome de Deus, o Senhor. As armas que trazeis são dispensáveis. Lutaremos no Reino de Deus, não com armas mortais, mas com armas para a vida. Elas se chamam: Amor a Deus, o Senhor, e amor para com os nossos irmãos que porventura ainda se acham em grande penúria espiritual. Deponde as vossas armas, pois não são mais nada do que a nossa imaginação trazida da Terra e a sua perda nada mais representa.
Observai aquele Homem maravilhoso que palestra com uma jovem sublime, tão feliz como se as graças celestes a inundassem. Aquele Homem é Jesus, o grande Salvador do mundo, e ao mesmo tempo Deus em Pessoa, o Ser Supremo e Criador de todos os mundos materiais e espirituais. Ele vos chama por meu intermédio, a fim de vos dar a Vida Eterna."
A este discurso entusiástico, todos depõem as armas e acompanham o oficial para perto de Mim. Após se terem postado em círculo, Eu os abençoo a todos que Me louvam com emoção, mormente um cabo que nessa ocasião faz papel de orador. Fora em vida um judeu que ainda esperava a vinda do Messias e, segundo os seus cálculos extraídos da Cabala, havia chegada a época em que o Salvador apareceria para levar o seu povo à Terra Prometida, dando-lhe ao mesmo tempo o poder de antanho. Com esta crença, o cabo entrara no mundo espiritual.
Quando o oficial os chamou, o cabo julgava ser Eu o Esperado Messias; apenas se surpreende porque Eu também chamava os que não eram judeus. Por isso vira-se para um da mesma índole e diz: "Segundo me parece, houve um desencontro da nossa parte. Todas as profecias condiziam com Jesus, mas a tolice de que não surgiria profeta da Galileia, cegou milhões. Pode ser que não viesse profeta de lá. Mas por que não viria o Messias da Galileia? Pelo que afirmou Davi, Ele é o Próprio Jehovah que não necessita usar o manto de profeta para visitar o Seu povo. Em suma, Jesus de Nazaré, nascido na Galileia, foi o Messias. Mas
nós, não O encontramos, assim como muitos de nossos irmãos não O considerarão. Quando houver oportunidade, deixa-me falar."
Deste modo, o cabo se faz de orador entusiasta, tornando-se um dos mais fervorosos adoradores da Minha Pessoa, levando todos a se admirarem da sua expressão extraordinária.
O oficial, entrementes, diz de si para consigo: "Tanto na Terra, como aqui, fui seu chefe. Agora tornou-se um serafim, e eu com toda a minha sapiência teosófica aperfeiçoada aqui, sou um ignorante completo. Lastimo que ninguém tivesse anotado a sua dissertação sublime. Quão maravilhosa é a sua frase: Lá, Pai Eterno, onde miríades de estrelas ocultam o seu semblante puro, saturadas de êxtase abençoado, com o véu da noite, onde a águia e o esplandecente cisne efectuam vigília eterna no Caminho de Deus, mirando as profundezas, jamais calculadas das Tuas Obras — para lá também o meu olhar húmido de lágrimas de tristeza se dirigia e esperava com a águia e o cisne o Grande Prometido, no Caminho de Jehovah!
Esta frase, eu gravei, meditando a respeito deste quadro no qual encontrei tamanha sabedoria e verdade que comecei a tremer. Senhor e Pai, como pôde este judeu atingir sabedoria e lirismo celestes? E nos quadros do velho cedro do Líbano, da ameia do Ararate, do Eufrates e do Ganges, do berço de Judá, da flor do deserto — meu Deus, o que não se oculta naquilo tudo! Senhor, dá-me um pouco do saber do meu antigo soldado."
Oamar,fonteoriginaldetodosabere expressão.
Poesiadointelectoepoesiada alma.
Digo Eu: "Não percebeste em vida que as pessoas amorosas eram as mais delicadas poetisas? O amor é a origem do verdadeiro lirismo. Davi ardia de amor para Comigo e para com os homens, tornando-se por isso, um dos mais importantes poetas. O seu filho Salomão foi, enquanto amava, igualmente sábio na acepção da palavra. Quando começou a enterrar o seu amor na carne, tornou-se tolo e fraco na expressão e actividade.
O apóstolo João alimentava o mais forte amor para Comigo e por essa razão o maior ardor na expressão da Minha Palavra, que contém igualmente a maior sabedoria, razão por que lhe foi dada a mais profunda Revelação. Podes analisar a História da Humanidade, que encontrarás lirismo e sabedoria verdadeiros nos que têm o coração cheio de amor.
Existem igualmente intelectuais que fazem poesias, nas quais só se percebe a procura cansativa de um centavo perdido na treva do seu coração. Às vezes descobrem a pista do centavo. Tão logo queiram apanhá-lo, escorregam, por ser muito fofo o solo que pisam. Por isso é a sapiência do mundo, grande tolice para Mim. O que o homem alcança pelo intelecto durante cem anos de pesquisa cansativa, o amor lhe facultaria em um segundo . O amor, sou Eu Mesmo dentro do homem. Quanto mais perfeito, tanto mais nítida a Minha Semelhança nele.
O intelecto é apenas um armário no qual o amor guarda os seus tesouros conquistados. O que poderia a alma encontrar dentro do armário, se aquilo que um amor antigo ou apagado lá depositou em épocas passadas se encontra em tal recinto sem luz, inteiramente enferrujado, de sorte que a alma quase nada consegue descobrir? Procura um centavo em um porão escuro, que não hás-de encontrá-lo. Acendendo uma boa luz, em breve o descobrirás, se tiveres bastante paciência.
Este soldado sempre alimentou amor para com Deus, o Qual conhecia segundo as Escrituras. Amava a Divindade sem conhecê-La. Qual não será o seu amor quando tiver essa oportunidade, conforme ora acontece? Este amor lhe inspira essa sabedoria poética. Se quiseres conquistá-la, terás que conseguir este amor. Tu, amas-Me bastante. O cabo, muito mais. Terás a prova disso."
Diz o oficial: "Senhor! Não compreendo como poderia amar-Te mais ainda, pois amo-Te acima de tudo. Mesmo que o quisesse, não poderia fazer crescer o meu sentimento. Senhor, dilata o meu coração e a chama do amor, que me tornarei qual Atlas, destinado a carregar nos ombros todo o Céu!"
Respondo: "Amigo, o que desejas depende de ti mesmo. A partir de agora serás criador e transformador da tua natureza e sentimento. Indaga do cabo como isso será possível."
Afontedamáximasabedoria.OAmordeDeus,omaiortesouro celeste.
Dirigindo-se ao ex-cabo, o oficial diz: "Durante alguns anos efectuaste a pleno contento o teu serviço no meu batalhão, e se a morte não nos tivesse arrebatado, terias sido oficial, em virtude do meu próprio empenho. Neste mundo, no qual servimos de própria iniciativa, não era possível cogitar-se de avanço dessa ordem antes que o Senhor, a quem todos os oficiais de mundos e Céus estão subordinados, nos ajudasse em tal progresso.
Agora, sumamente felizes, conseguimos vislumbrar o Semblante Santo do Criador Único do Infinito através da Sua Bondade, Graça e
Misericórdia. Nem o mundo inteiro pode imaginar a maneira pela qual chegamos a conhecê-Lo e encontramos a Graça perante Ele, sem o menor mérito.
Segundo me parece, foste tu quem mais se aproximou Dele, pois eu mesmo descobri lágrimas nos Olhos do Pai, por ocasião do teu discurso comovedor. Isto, o Infinito jamais poderá compreender. Diz-me como atingiste tamanha sabedoria. Já a possuías na Terra, sem deixar percebê- la, ou a alcançaste paulatinamente aqui sob a Influência de Jesus Cristo, o Senhor de Eternidades? Ele Próprio afirmou ter sido o teu grande amor para com Ele a causa de tua sabedoria.
A questão é como atingiste amor tão forte pelo qual se irradia tamanha sabedoria, quase impossível no mais vibrante querubim? O Senhor mandou que te falasse a respeito, portanto peço-te orientação certa. Amo-O acima de tudo e ignoro como poderia amá-Lo mais ainda. Se o sabes, explica-me tal possibilidade."
Retruca o cabo: "Meu capitão e amigo! O teu próprio lema: Todas as coisas são possíveis para Deus, deveria demonstrar que o amor para com Deus, o Senhor, tampouco o conhecimento a respeito Dele podem ser limitados. Como podes formular tal pergunta? Porventura poderias ver além daquilo que a luz permite? E a luz poderia ser mais forte que aquilo que criou? Se possuis material para iluminar um grande recinto, indispensável para o teu trabalho, por que divides o material, querendo iluminar outros recintos nos quais por ora não tens nada que fazer?
Acumula o material para iluminar apenas um recinto e quando estiver tão claro que possas distinguir tudo como em plena luz do dia, abre as portas e janelas, deixando penetrar bastante luz nos demais cómodos. Não acumulando, dispersarás. Quem jamais ajunta, não conseguirá fortuna. Ajunta e economiza, que alcançarás grande fortuna.
O amor é o maior tesouro dos Céus, e deve ser cobiçado. Quando for atingido, não deve ser presenteado a todo mundo. O amor ao próximo é idêntico ao Amor de Deus e deve-se manifestar em boas obras, apenas por causa de Deus, não directamente pela chama do amor, mas unicamente por intermédio de Deus, dirigido ao semelhante, do contrário diminuiria o amor para com o Pai. Observa a bela Matilde. Entregaste- lhe, do teu coração, três quartas partes daquilo que deveria ser posse única do Senhor. Percebes o motivo da fraqueza do teu amor?"
OamoraDeuseoamorcarnal.Todooamordevepartirdoamora Deus.
Diz o oficial: "Agradeço-te pela explicação estupenda. Compreendo onde está o meu erro. Tens razão. O amor carnal é mais forte dentro de
mim do que o amor para com Deus, a Base de todo amor. A situação das mulheres a respeito do amor para com Deus é mais fácil, pois amam Nele, o Homem perfeito, devido à sua polaridade, facto que não se dá conosco. Não podemos enamorar-nos de um homem como o fazemos com o sexo oposto, o que se baseia na própria natureza.
Conquanto compreenda o meu defeito, concluo existir grande diferença entre o amor para com a mulher e o amor para com Deus. Um sentimento modesto para com o sexo oposto, certamente poderá subsistir ao lado do amor poderoso de Deus. O amor carnal prende-se na maior parte à forma, enquanto o amor para Deus é a íntima reflexão das perfeições infinitas da Divindade, um êxtase de tudo que Ela criou segundo o Seu Poder e Sabedoria. Em síntese, julgo ser uma verdadeira blasfémia, caso se amasse a Deus com a mesma intensidade do amor carnal. Neste caso, Matilde não será empecilho no amor para com Deus; pelo contrário, poderá ajudar-me a aumentá-lo."
Diz o cabo: "A fé e uma opinião segura podem convencer. Por mim prefiro a felicidade do puro amor para Deus e em Deus. Possuindo o homem apenas um coração, por conseguinte podendo alimentar somente um amor justo, do qual poderão surgir todas as outras variedades de sentimento na Ordem puramente divina, sou de opinião ser preciso antes de tudo estar firme no amor para com Deus. Em seguida será possível apossar-se do resto na melhor ordem. Existindo vacilação no amor de Deus, mal se sabendo como amá-Lo mais do que a mais bela mulher — a justa sabedoria do espírito ainda se acha afastada e não será tão facilmente conseguida.
O coração possui apenas um recôndito para o amor, que deve ser igual para com Deus e o próximo. Se amares com justiça, não poderás amar a Deus de modo diferente ao que dirigires a uma mulher, porque o homem é capaz de um só amor. O que passa daí pertence ao amor- próprio e não se presta para o Reino de Deus.
De que forma foi o Senhor amado por João, Pedro e Paulo? Como Madalena e outras O amaram? Estavam totalmente enamoradas do Senhor, talvez mais fortemente do que tu, com relação à Matilde. Essa verdadeira paixão para com o Senhor criou nestas pessoas a base da mais íntima amizade, tornando-as mestras no amor e na sabedoria. Lá, atrás do Senhor, se encontram Pedro, Paulo e João; certifica-te se falei uma inverdade."
Retruca o oficial: "O quê...? Paulo, Pedro e — João, que escreveu a célebre Revelação, estariam aqui?" Responde o cabo: "Sim, assim é." Prossegue o oficial: "Então farei os meus cumprimentos, muito embora não seja amigo de tais honrarias, mas, honra seja feita a quem a merece."
Interrompe o cabo: "Amigo, segundo a linguagem do meu coração, existe apenas um cumprimento que consiste no puro amor. Se tiveres
verdadeiro amor no coração para com Deus, o Senhor, o que representa o Único e realmente justo cumprimento, incluirás nesse amor, Pedro, Paulo e João, assim como a todos os Céus. Quanto aos cumprimentos de sabor terreno, não se adaptam aqui. Portanto, faz o teu cumprimento apenas ao Senhor."
Diz o oficial: "Tens razão e assim deve ser porque estás tão profundamente ciente da verdadeira sabedoria a ponto de poderes compreender tudo até em suas bases. Contudo, julgo não ser prejudicial, caso haja entendimento com os três apóstolos principais, que certamente devem ser os primeiros espíritos no Infinito."
Retruca o cabo: "Faz o que quiseres; disse-te o que é necessário. Eis que o Senhor te acena. Da Sua Boca ouvirás a máxima Sabedoria como um regato claro e simples. Deves assimilá-la e viver de acordo."
OverdadeiroamordeDeus.UmPaiNosso celestial.
O oficial dirige-se a Mim e diz: "Pai Santíssimo, chamaste-me e aqui estou com todo o amor e espero ouvir a Tua Vontade da Tua Boca Santificada." Respondo: "Caro Pedro, não deves usar constantemente a expressão "santificado", e além disso tens de perder a linguagem terrena dos cumprimentos exagerados. Onde existe apenas Um Senhor, e todos os demais são irmãos, um cumprimento torna-se tolice . Teve razão o cabo quando expôs a situação verdadeira dos Meus Céus; no entanto, tinhas que objectar qualquer coisa, o que não se justifica. Quando Eu te recomendar alguém para te ensinar o que desconheces, deves apenas ouvir e aplicar os ensinos. Fazendo objecções e procurando elucidar outras possibilidades, o que segundo a Minha Ordem não pode ser justo, jamais chegarás a alguma clareza.
O cabo disse-te entre outras coisas, como deve ser constituído o amor para Comigo, caso deva trazer-te verdadeiros frutos. A tua opinião foi diferente, no entanto é tal qual ele esclareceu. Compreendo amares apaixonadamente a delicada Matilde, a ponto de não poderes livrar-te desse amor. Contudo, tens que desistir por ora inteiramente dela, pertencendo unicamente a Mim, assim como ela terá que fazer o mesmo. De contrário, nem tu, nem ela podereis entrar no Meu Reino.
Caso não receberes Matilde das Minhas Mãos, ela não será motivo e força Meus para a tua alma, e se tornará pouco a pouco desgraça e grande fraqueza. Entrega-a a Mim; só então serás livre para a aceitação de um justo amor."
Objecta o oficial: "Senhor e Pai, subentende-se eu obedecer pontualmente. Mas já que me deste a Graça de falar-me directamente,
desejava que acrescentasses em poucas palavras as razões pelas quais deva entregar-te Matilde, antes que possa ser inteiramente minha. Esposa, jamais poderá ser aqui no Reino dos espíritos; foi-me entregue para a sua futura educação, o que aceitei com muita alegria. Não existe sentimento sensual da minha parte, o que se enquadra na ordem perfeita. Perdoa-me tais perguntas. Não tenho culpa de pensar desta forma, desejando ver primeiro o motivo, antes que tome uma iniciativa. Sei que devo aceitar a Tua Vontade porque desejas apenas o bem para os Teus filhos. Todavia, sinto ânsia de saber a razão e o destino, a fim de poder
agir com energia. Seria meu desejo que me esclarecesses algo a respeito."
Respondo: "Mas não é do Meu, caro amigo e filho. Se fosse necessário dizer-te o motivo, Eu o teria dito. Certamente não duvidas da Minha Sabedoria para saber o que é necessário e aquilo que não é. Não te esclareço por um motivo muito justo. Tens alguma objecção a fazer? Se carregas um fardo que impede a tua travessia por uma porta estreita pela qual desejas atingir a meta da vida, — que farás?"
Arregalando os olhos, o oficial diz após algum tempo: "Se não conseguir fazer passá-lo pela porta, depositá-lo-ei e tentarei atravessar sem ele; pois a meta da vida está acima de qualquer fardo, por mais precioso que pareça." — Digo Eu: "Então faz o mesmo, que viverás, Meu filho."
De imediato, o oficial dirige-se para Matilde, dizendo: "O Senhor te chama. Vem comigo para que possa entregar-te em Suas Mãos." — Diz ela: "Sou serva indigna do Senhor; mas a Vontade Dele se cumpra!"
Conduzindo-a para junto de Mim, o oficial diz: "Senhor, Deus e Santo Pai! Eis a quem chamaste. Entrego-a a Ti com a maior alegria do meu coração, pois sei que visas apenas a eterna bem-aventurança para ela. O Teu nome seja louvado e a Tua Vontade se cumpra."
Ela, cheia de amor e temor de Mim, diz: "Santo Pai, que habitas nos Céus, o Teu Nome seja santificado e cada vez mais reconhecido. O Teu Reino do Amor, da Sabedoria e da Vida Eterna venha a nós. A Tua Santa Vontade se faça por todos os espíritos livres, pelos seres e criaturas nos Céus e em todos os corpos cósmicos. Dá a todos os Teus filhos o Teu Pão da Vida e perdoa-nos as nossas fraquezas e pecados, assim como perdoamos a quem nos tenha ofendido. Não permitas que sejamos tentados além das nossas forças. Se porventura um perigo ameaça aniquilar os Teus filhos, afasta-o, pois Teu é o Poder e a Força eternamente. A Ti, dedicamos toda a honra, louvor e adoração. Amém."
Concorrência amorosa.
Dirigindo-Me a ambos, digo: "Essa oração Me agrada, pois contém tudo o que seja necessário à criatura, a cada espírito e a todos os anjos perfeitos. Vem fortificar-te no Meu Abraço, Matilde, pois deste Meu Peito surgiu tudo que preenche o Espaço, incluindo o próprio Espaço eterno. Todos se saciam neste Peito. Faz o mesmo, sorvendo a Vida Eterna do Amor, da Sabedoria e do Poder.
Vê Pedro, Matilde proferiu o melhor discurso, progredindo muito, enquanto preferias tornar-te sábio antes que o teu coração estivesse apto para suportar a justa sabedoria. Por isso ficaste para trás, muito embora já te encontrasses na vanguarda. Trata que o teu amor para Comigo se torne semelhante ao dela, que atingirás a sua situação. Tu, querida filha, não alimentes temor por ser Eu o Ser Supremo. Justamente por isso, sou o Espírito e o Homem mais meigo, humilde, amável, condescendente e amoroso. Vem sem temor."
Matilde, todavia, treme de ânsia e amor, sem ter coragem de se atirar ao Meu Peito. Por isso chamo Helena para demonstrar a Matilde como agem os escolhidos no Céu. De braços abertos, Helena atira-se ao Meu Peito e exclama: "Doce Pai! Como senti falta deste abraço! Meu único Amor! Beleza inexpressável de todas as belezas. Néctar eterno de todas as alegrias da vida. Quão doce é o repouso no Teu Peito, sugando as máximas forças da vida."
Vendo isto, Matilde diz: "Meu Deus e meu Senhor! A coragem dela ultrapassa certamente a de Miguel! Isto é forte demais! Também teria vontade de abraçar-Te, caso não tivesse tanto receio. Ela está exagerando."
Digo Eu: "Então faz o mesmo que ela!" Com este segundo convite, Matilde procura imitar a outra, sem achar o devido lugar, por isso diz com meiguice: "Querida, dá-me um lugarzinho, pois também fui chamada." Responde Helena: "Quem vem primeiro, leva vantagem. Havendo convite para algo tão bom, nada deve deter-nos. E caso não haja coragem, devemos emprestá-la de alguém. Vem cá, havemos de nos ajeitar, pois neste Peito cabem muitos de uma só vez."
Diz Matilde, que deitara a sua cabeça no lado esquerdo do Meu Peito: "Que bom! Meu Deus, que paz suave! Quem realmente quiser repousar, que repouse em Deus! O meu coração é pequeno para poder abarcar a plenitude deste sentimento santo e imenso. Quem poderia compreender e assimilar tamanha Graça?"
Responde Helena: "Nada disso é preciso. O verdadeiro amor não deseja analisar nem pesquisar nada, e quem quisesse fazer isso com referência à Santidade deste Peito, teria que trabalhar durante eternidades. Seria um trabalho mais tolo do que o de um filósofo faminto que pretendesse desfazer o pão em átomos antes de saciar-se, morrendo de fome. Quem pergunta o que é o amor, ama pouco. O verdadeiro amor
é mudo, fala pouco e apossa-se da sua presa até se saciar. Em seguida pode-se cogitar de filosofia. Por isso, não deves falar muito, mas gozar o que apresenta. De contrário, sairás prejudicada ao meu lado."
Diz Matilde: "Não te preocupes, já sei como se deve amar. Na Terra fui muito castigada pelo amor, puro e impuro, e nunca encontrei verdadeira satisfação. Agora estou satisfeita e o meu coração não sente mais fome. Por isso não te preocupes com a minha desvantagem. Quando me acho à mesa, sei saciar-me, mormente nesta na qual miríades sugam o néctar vivificador."
Retruca Helena: "Não te expresses tão poeticamente, sou de origem simples e não entendo expressões elevadas. O Próprio Senhor não o aprecia. Prefere a linguagem mais simples, porquanto o resto demonstra uma espécie de vaidade." Concorda Matilde: "Sim, tens razão, mas deixa expandir-me mais um pouco." Retruca Helena: "Então, não há lugar bastante? Por acaso queres possuir o Peito do Pai, somente para ti? Bem, por seres tão simpática, afastar-me-ei um pouco. Mas não perturbes a minha felicidade."
Diz Matilde: "Agora está bem. Sou muito grata por me teres dado coragem, pois nunca pude imaginar como se deve amar a Deus. Julgava ser preciso uma divagação beatífica, por isso me admirei quando o Senhor me convidou para junto Dele. Jamais achei possível tal aproximação, mas agora vejo que para Ele, todas as coisas são possíveis. Por isso dedico-Lhe todo amor."
Objecta Helena: "E Pedro? Que dirá? Talvez também neste ponto tudo seria possível para Deus?" — Responde Matilde: "Por que procuras ferir o meu coração? Penso que Pedro seguirá o meu exemplo, pois, compreenderá melhor do que nós ser preciso amar-se a Deus, o Senhor e Pai único, mais do que todas as criaturas perfeitas. Enquanto não se possui Deus, é-se obrigada a amar as criaturas devido à sua semelhança com Deus. Após o encontro com o eterno motivo do Amor, o Próprio Amor puro e verdadeiro, o sentimento para com o semelhante desaparece. Compreendes?"
Concorda Helena: "Perfeitamente, entretanto não exclui o sentimento para com o próximo, condição primordial para o amor de Deus. Assim como não se pode amar a Deus tendo ódio ao semelhante, também não se pode amar o próximo, caso não se tenha amor para com Deus, ou então um amor tolo que antes se parece com o "ódio."
Também fui tão tola acreditando que um padre pudesse proporcionar o céu. Quando percebi a índole dessa gente, o meu modo de pensar modificou-se. No célebre ano de 1848, encontrei-me bem armada nas barricadas, frente a todos os inimigos da verdade e da liberdade divina, onde encontrei a morte deste corpo de pouco valor. É justo que ames a Deus, o Senhor, nosso querido Pai, a ponto de te livrares de todo o
sentimento humano. Não deves, porém, perder o amor daqueles que não tiveram a felicidade de gozar na Fonte do Amor, a maior das venturas. Entendeste?"
Responde Matilde: "Como não? Tens razão e te tornaste bastante sábia, o que estou longe de ser. Por ora o meu coração está pleno de amor para com Deus, e a sabedoria repousa em paz."
Oamadurecimentodo amor.
O oficial assiste à cena e admira-se de Helena falar tão educadamente. Virando-se para Roberto, ele diz: "Deves ter tido muito trabalho para conseguir extirpar de Helena a maneira tão vulgar de se expressar." Diz Roberto: "Ela já sabia falar bem, mas volta ao seu dialecto quando pretende humilhar alguém, por amor a Deus. Na realidade ela é a criatura mais meiga e dócil, e foi educada pelo Próprio Senhor."
Diz o oficial: "Outra pergunta, amigo. Amo a Jesus de todo o coração em virtude do Seu Amor incompreensível para connosco. Que devo fazer para saciar tal sentimento?" — Retruca o outro: "Deixa que o teu amor faça explodir o teu coração, que libertarás o teu espírito ainda preso. Ele liberto, serás igualmente livre em tudo, o que é imprescindível, caso queiras aproximar-te do Senhor.
Se procurasses acalmar e satisfazer o teu coração antes do tempo, farias adormecer novamente o teu espírito, que pouca inclinação teria para se libertar. O mesmo se dá na Terra. Quando se está apaixonado por uma criatura boa, sem ter oportunidade de satisfazer a sua inclinação, tudo será feito para realizar o casamento. Se, antes da união, tivesse dado expansão ao sensualismo, a tendência para o matrimónio esfriaria e talvez se apagasse totalmente. Aqui dá-se o mesmo. É preciso deixar-se o amor agir livremente no Reino da Graça. Só pode ser bom o que dele surgir, por ser o amor uma força sagrada de Deus, realizando apenas coisas boas. Deixa-te incentivar pelo amor de Deus, que transformará toda a tua natureza. Compreendeste?"
Responde o oficial: "Falas dentro da Ordem porque já absorveste essa escola. Mas quem se acha na fornalha do amor, não consegue suportar esse estado conforme um espírito livre o ensina. Passaste certamente pela mesma experiência, todavia isso não suaviza a situação. Faz com que possa abraçar a Jesus, que terás ajudado mais do que com um sermão maravilhoso. Faz um discurso em uma casa em chamas que não conseguirás extinguir o fogo. Se pegares num balde de água atirando-a ao fogo, alcançarás o êxito desejado."
Diz Roberto: "Mas, se não quero extinguir o teu fogo, porém aumentá-lo? Terás que ser consumido nesse fogo, qual Fénix, e surgir das cinzas da tua humildade, antes que possas aproximar-te de Deus sem prejuízo para a tua natureza.
Nunca assististe ao trabalho do lagareiro? A uva é levada a uma prensa onde é esmagada até que se tire a última gota do suco. Os espíritos livres não duvidam que a uva possua sensação de vida, pois tudo que atinge vida através de um processo evolutivo, contendo um princípio vital, possui vida que sem sensação não seria vida alguma. Se bem que a uva sinta uma forte dor, pela pressão, esta é necessária para a conservação e o aumento do espírito contido nela. Se esta operação não fosse aplicada à uva, o seu elemento vital jamais se libertaria e não poderia saturar o suco, ao ponto de ser sentido por todos os que venham a prová-lo, muitas vezes se prejudicando pelo excesso.
Se aprecias o vinho e o seu aroma vivificador, poderias ser inimigo do lagareiro? Não pode haver progresso sem pressão. O suco vivificador se atrofiaria no invólucro sem atingir força individual. Somente quando, através de pressão, o espírito for obrigado a passar para o suco psíquico, a própria alma se torna vida pela posse da força e do poder. Compreendeste?"
"Sim", responde o oficial, "e agirei de acordo. Agradeço-te pelo ensino sábio e prático." Em seguida aconselha Helena e Matilde a procurarem as criaturas com as quais o oficial Pedro tivera as suas dificuldades, entre elas, uma, que queria presentear-Me com uma cruz de prata. Elas se despedem com mil beijos e executam sua missão a contento.
DespedidadaViena espiritual.
Entrementes chamo o oficial para o Meu lado e pergunto como se sente, e ele responde: "Sinto-me sumamente bem e não consigo conter o meu amor para Contigo. Deixa que Te abrace! — Podes castigar-me com o inferno pelo meu abraço, mas não impeças que Te demonstre o meu afecto." Atirando-se ao Meu Peito, Pedro chora de amor. Eu o abraço igualmente e digo: "Meu irmão, tu, Me amas muito. Mas Eu, amo-te muito mais. Este é o Meu doce castigo para o teu amor. Estás satisfeito?"
Retruca ele: "Senhor e Pai, é isso que se espera de Ti. És o Amor eterno, puríssimo, isento de qualquer vingança, ira, aborrecimento, impaciência e coacção. És a única Âncora de salvação para todos os perdidos e para os que foram atirados contra as rochas pelas ondas tempestuosas da vida. Não deixas perecer quem quer que seja, e aos renitentes o Teu Amor impõe barreiras a fim de que não façam morrer
qual torrente a sementeira pura e no final se venham a perder em um mar, onde conseguem compreender na calma, ser impossível enfrentar-se a Tua Omnipotência eterna. Assim procuras reconduzir, segundo a Tua Ordem eterna e santa, o pecador ao justo conhecimento e endireitar tudo que está errado. Em suma, sempre procuras a ovelha perdida e diariamente acolhes uma infinidade de filhos perdidos e fazes ressuscitar da tumba os Lázaros para a vida.
Justifica-se, portanto, que todo o coração Te ame acima de tudo. Somente Tu, és Bom e Santo, todos os seres o são simplesmente pelo amor a Ti. Caso alguém ame algo mais do que a Ti, Santo Pai, já se tornou mau. Eu amando uma criatura por causa dela, o meu amor é pecado. Fazendo- o por Tua Causa somente, o meu amor é justa virtude, facultando ao coração felicidade perene. És somente Amor e nos criaste por amor e para o amor. Quem Te ama, Te adora com justiça, tornando-se nula qualquer outra veneração.
Não foi sem motivo que falaste pela boca de Isaías: Este povo honra-Me com os lábios, enquanto o seu coração está longe de Mim. Não foi sem justiça que proporcionaste grandes Graças a Madalena, pois ela havia entregado o seu coração a Ti. Não foi sem motivo que chamaste Zaqueu, pois o amor dele fez com que trepasse na árvore. Por isso dedico-Te todo o meu amor, pois mereces aceitar amor de criaturas e anjos. Devem chorar e lastimar-se todos os que afastaram o seu coração de Ti, sem querer fazê-lo voltar, muito embora o pudessem."
Digo Eu: "Está bem, agora encontraste o justo caminho. Infelizmente existem nesta cidade muitos aos quais ele é estranho, e o mais triste é que assim será por muito tempo. Colhi o que estava amadurecido. Tudo o resto ainda está verde e ficará no campo. Por isso deixaremos esta cidade, após liquidarmos alguns pormenores para seguirmos para outra, cujo nome vos direi somente quando estivermos na sua proximidade."
Diz o oficial, melancólico: "Ó Pai, Viena conta várias centenas de milhares, e nós somos no máximo uns mil. Se considero todos aqueles cujo pó cobre a cinza dos cemitérios, temo pela sua salvação. Qual será o seu destino?"
Respondo: "Não te preocupes. Tenho muitos serviçais aos quais cabe cuidar e guiar aquelas ovelhas. Não é da nossa alçada conduzirmos a todos,masapenasaosqueemvidaseinteressarampeloMeuNome, fossemoscaminhoscertosouerrados. Se houver fé, podemos aproveitá- la para despertar o amor. Onde não existe fé ou talvez uma superstição feroz, não podemos ser guias e despertadores visíveis, pois essa incumbência é de milhões de servos de que disponho. NaturalmenteexistediferençaentreosqueEuMesmo desperto eguio, e osque são
chamados pelos Meusanjoseservos. Nisso vale o provérbio: Muitos são chamados, mas poucos escolhidos."
Paráboladoreiquesedeixouvencerpelo amor.
Diz Pedro: "Ó Pai, como agradecermos por tamanha Graça e o que fazer para merecê-la?" Digo Eu: "Um coração cheio de amor é o maior e mais perfeito serviço prestado a Mim, pois para Mim, tudo se concretiza no amor . Houve uma vez um poderoso rei, justo e rigoroso em todas as suas acções. Jamais retirava uma palavra empenhada. O seu povo lhe obedecia de medo, sendo que qualquer infracção era severamente
castigada, sem distinção de classe. Mas nunca se viu nele uma acção de amor. Era elogiado como soberano justiceiro, mas todos tremiam quando ocupava a sua cadeira de juiz. De igual modo agiam os seus funcionários. Aplicavam a mais rigorosa justiça, sem cogitarem da desistência de qualquer punição.
Vivia naquela cidade um homem simples que se interessava por ciências práticas, produzindo coisas úteis. O rei decretara que todo o artista ou cientista deveria fazer demonstração das suas obras, para evitar que o povo se prejudicasse pelo uso impróprio de qualquer invenção. Este homem desconhecia a lei e levou ao mercado vários objectos úteis, e o povo não pôde deixar de elogiá-lo.
Quando informado a respeito, o rei mandou prendê-lo a fim de ser julgado pela infracção. Após lido o veredicto, o povo presente lançou-se aos pés do monarca pedindo clemência para este homem, que havia prestado tantos benefícios ao povo. De nada adiantou, pois a palavra do rei era irredutível.
Percebendo que nada alcançaria com as súplicas, o povo começou a reclamar da dureza do rei e até mesmo o ameaçou com a revolta. Eis que se levantou o condenado, dizendo: Grande e justo rei! Permite dirigir algumas palavras à multidão, antes que eu seja punido. — Após o consentimento, ele virou-se para o povo dizendo: Não reclameis da atitude do vosso rei tão interessado no vosso bem-estar. Ele é rigoroso por amor. Procurei beneficiar-vos e recebi a vossa gratidão. Mas facilmente poderia ter vendido veneno em vez de bálsamo sem que o tivésseis percebido, podendo causar a vossa morte. Se bem que não houve má vontade da minha parte infringindo a lei salutar, não deixou de ser desleixo não me informar a respeito e desconsiderei o amor e o zelo do bom soberano para com os seus súbditos. Assim, a punição é bem merecida por mim. Elogiai o vosso sábio rei que tereis prestado o melhor tributo do vosso coração."
Virando-se para o regente ele prosseguiu: "Agradeço-te, bom e sábio rei, por essa punição, e os meus olhos devem expressar o quanto te amo. Permite beijar a fímbria da tua túnica antes de ser levado para o cárcere, onde receberei as chibatadas nas costas."
Neste momento o rei levantou-se, abriu os braços e disse: Meu filho, em tua boca não se move a língua da víbora, pois os teus olhos marejados de lágrimas e a sua expressão meiga traduzem o teu amor para comigo. Vem aos meus braços. O amor cobre a imensidão de pecados. O meu coração está feliz por ter encontrado nos meus filhos, um que reconhece em mim o pai amoroso. Deste-me amor, hás-de encontrá-lo igualmente. Em vez da punição receberás vestes régias e caminharás ao meu lado.
º CAPÍTULO
Todasasacçõesdoamorsão boas.
Diz o oficial: "Quão maravilhoso é depender-se de tal Senhor, mais Sábio que todos os seres, sabendo escolher os melhores meios, dando livre acção ao amor, de sorte que não pode falhar ainda que quisesse.
Na Escritura existem muitos exemplos nos quais Te deixavas conquistar pelo amor, haja em vista no Antigo Testamento quando atendeste a Sara, deste a Jacó o direito da primogenitura, a José que Te amava fizeste benfeitor dos seus irmãos, e Moisés que sempre foi filho do amor, sendo salvo por amor e não podendo assistir à miséria dos seus irmãos, recebeu na sarça em fogo, a incumbência de ser instrumento de amor e misericórdia.
No Novo Testamento também negociaste, por assim dizer com amor, que muitas vezes levou os apóstolos a se aborrecerem. Com que prazer teriam assistido à Tua reacção com fogo e espada, todavia curavas onde eles esperavam o contrário. Por isso, só podemos amar-Te por seres unicamente amor."
Digo Eu: "Está bem. Tudo que o amor faz, é bem feito, por isso deixa-te guiar apenas por ele. Para onde ele te atrair, encontrarás pleno abrigo. OMeuReinoépuroAmor,eondeelerege,EuMeencontroemcasa.NinguémchegaráaoMeuReinosemamor,muitomenosjuntodeMim.ALuzdosMeusOlhospenetraoInfinitoeéportantoo diamante
eternamente irradiador da Minha Sabedoria. Mas o Amor só se encontra onde Euestourealmenteem Pessoa.
O Sol penetra em um espaço quase incalculável. Mas o seu calor é apenas desfrutado pelos corpos cósmicos que se acham em sua proximidade. Ultrapassando o âmbito planetário, o calor não penetra. Os corpos que desejam ser aquecidos pelo Sol, têm que possuir calor, pois uma pedra de gelo não assimila quentura, a menos que derreta antes, e a água se torne capaz de assimilar o calor. Quem,portanto,possuiamor encontraráereceberáamorcomoposseplena. Não tendo amor, não poderá aceitá-lo. Se a pedra não possuísse fogo, não poderia ser abrasada tampouco um pedaço de gelo.
Permanece no amor porque o possuis, e procura Matilde Elyah a fim de que todo o teu amor para Comigo encontre alimento. Quando o magneto, como símbolo da força do amor, não recebe alimento, torna-se fraco. Dando-se a ele algum alimento, torna-se cada vez mais forte. Assim deve Matilde Elyah ser um alimento fortalecedor para ti. Assim seja."
Swedenborg.
Influênciadosanjoseespíritossobreas criaturas.
O oficial obedece, trazendo Matilde Elyah para junto de Mim, dizendo: "Ó Pai, ela aqui está e Te ama, tanto como eu! Embora ela me tivesse sido entregue por Ti, tenho a impressão de ser preciso pedir-Te a bênção para recebê-la das Tuas Mãos.
Ela me foi dada como alimento para o meu coração, assim como dás a todas as criaturas na Terra o necessário alimento. Quem antes de se saciar Te agradece e pede a Tua especial bênção, será verdadeiramente nutrido. Os que julgam não ser isso preciso, porquanto um alimento que se encontra na mesa já é abençoado, não receberão benefício algum, nem físico nem espiritual. Impossível louvar-se, amar-se e agradecer-se condignamente por tudo que nos dás. Por isso, abençoa-nos mais uma vez."
Digo Eu: "Meu filho, já se deu o que pediste; por isso acalma-te, pois tudo está em ordem. Existem mais alguns, ainda não inteiramente dentro do equilíbrio, todavia têm amor no coração e não haverá dificuldades para organizá-los.
A leitura de EmanuelSwedenborgfoi de grande utilidade para ti,
porque puseste em prática o que assimilavas. Os outros não leram nem a Minha Palavra, muito menos o que Eu revelara a Swedenborgacerca da Minha Doutrina, de sorte que não entendem nada. Mas não importa, pois havemos de encaminhá-los.
Poderíamos manter-nos mais algum tempo nesta cidade, visitar a Casa reinante e abençoá-la para todos os tempos. Não havendo quem nos peça, ela será simplesmente abençoada pela nossa presença na cidade, que melhorará a sua situação perante todas as outras dinastias do mundo. Ela terá que passar por uma prova, mas em seguida será considerada uma bênção da Europa. Assim terminamos a nossa tarefa aqui e podemos prosseguir a nossa viagem para o Sul."
Nisto aproximam-se os Imperadores José, Leopoldo e Francisco pedindo com insistência especial bênção para a Áustria e todos os povos a ela pertencentes. Eu assim faço, dizendo: "Dinastia encanecida! Seja a tua bandeira o amor, meiguice e paciência. Torna-te firme na fé e não temas a luz do espírito. Essa luz te elevará acima de todas as dinastias da Europa. Não deixes, jamais, tentar-te e subjugar-te por Roma, pois te consagro como regente, e somente Eu estou acima de ti. Desconsidero
Roma, que pretende dominar e rebocar todos os soberanos tornando-se por isso um regime trevoso. Da Minha Parte reconsideraria uma Roma humildequecumprisseoMeuVerbo,nãosedeixandoornamentarcomtrês coroas. Uma Roma desejosa da extinção de todos os que não querem suportar o peso de três coroas em uma cabeça, sendo eles mais inteligentes que o príncipe da treva de Roma; é-Me um horror de devastação no local sagrado de toda a vida que partiu de Mim. A Minha dinastia! Já fizeste muita coisa. Faz tudo, que o teu poder crescerá qual cedro no Líbano. Que a Minha Bênção e o Meu Poder te acompanhem. Amém." Os três Imperadores ajoelham-se perante Mim e louvam-Me de
todo o coração.
Prossigo: "Levantai-vos, amigos. Cada um faça o que puder. Sei muito bem como andam as coisas. A actual situação não perdurará. A vós três darei o poder de influenciar a vossa regência mundana dentro da ordem, justiça e rectidão livres, sem perturbardes com isso a livre vontade do soberano vigente.
Isso acontece pela influência da capacidade de conhecimento, sem jamais influenciar na vontade, seja coagindo ou instigando. Uma vontade favorecida é tanto quanto uma coagida, apenas dominada. O inferno costuma apossar-se da vontade dos homens atraindo-os à desgraça, condenação e morte. Temos que respeitar a livre vontade. Assim, tereis que agir unicamente no conhecimento e não na vontade das criaturas. Pode o homem elevar o seu conhecimento o quanto quiser, que a sua vontade perdurará como dantes. Eis a Minha Ordem Eterna.
Uma vez alcançado justo conhecimento, tal noção guiará a vontade qual cavaleiro o seu animal. E a vontade começará a decidir-se para aquilo que o conhecimento aceitou como verdadeiro, bom e útil. Deste modo se confraternizam vontade e conhecimento cada vez mais até se unirem completamente, no que consiste a perfeição do homem. A
vontade é a vida da alma. O conhecimento repousa no espírito eternamente livre . Unindo-se alma e o espírito, ter-se-á processado o renascimento espiritual através da liberdade para a Vida Eterna , e o homem tornou-se habitante do Meu Reino, que é a Verdade e a Vida Eterna.
Preciso é considerardes bem este assunto e assimilar a Minha Ordem imutável, de contrário haveis de prejudicar em vez de beneficiar as criaturas da Terra. Qualquer vontade freada por força externa, muito mais ainda interna, é inútil. Roma e o paganismo usaram de todas as maquinações para dominar a vontade dos homens. O resultado foi a breve dissolução e desprezo total. Jamais conseguirá por isso a sua reabilitação.
Deve haver rigoroso cumprimento neste sentido, partindo da nossa esfera puramente espiritual. Não podemos impor coacção interna . Em casode necessidade, a fimde levantar barreirasaoinferno,dispomosderecursosparadominaracarnesensualporguerras,fome,moléstiasemás colheitas. Não deixa de ser um julgamento e os seus frutos são maus. Tendo que escolher entre dois males, sempre se optará pelo menor. Um julgamento externo facilmente pode ser abrandado. Um interno, muito dificilmente e em geral impossivelmente para a verdadeira liberdade dos Meus Céus. Aceitai as Minhas Palavras, inclusive o poder de despertar os bons espíritos da vossa dinastia, fazendo bom uso dentro destas directrizes. Assim seja." Os três Imperadores agradecem e prometem, diante dos presentes, fazer uso sábio do poder.
DoAmorsurgeaSabedoria,evice- versa.
Nisto aproxima-se Matilde Elyah, acompanhada de Pedro, e agradece-Me novamente, pela Graça de lhe haver dado como guia espiritual, aquele que fora o seu professor em vida.
Digo Eu: "És um bom alimento para ele, e ele para ti. Não vos deixeis guiar mais pela forma externa do que pelo espírito do amor. Aforma pode ser transformada igualmente no Céu, segundo o crescimentodoamoroupelanecessidadedepraticarumacaridade. O amor, continua inalterável. Facilmente os sentidos se habituam a uma
forma por mais bela que seja, tornando-se depois indiferente. O amor cria constantemente sabedoria e milagres novos e torna-se de hora em hora mais atraente. Por isso mantende-vos sempre no espírito interno do amor que será o vosso Pão Celeste, verdadeiro e eterno, fortificando-vos sem cessar. Esse Espírito em vosso coração é o Meu Próprio Espírito."
Profundamente emocionada e reconhecendo a grande Verdade em Meu Ensinamento, Matilde Elyah vira-se para Pedro, dizendo: "Compreendeste esta Verdade?" — Responde ele: "Por que perguntas? Julgas que eu quero algo diferente do Senhor? Não te preocupes. Gravei as Palavras do Pai no fundo do meu coração, vivendo unicamente conforme falou. Ser-me-ia impossível pensar ou querer de modo diferente da Vontade Dele. Se eu apresentar uma falha, poderás suprir-me, e eu farei o mesmo contigo. Se ambos sentirmos uma carência, pediremos ao Pai, que nos alimentará da Sua Fonte Eterna."
Diz Matilde: "Continuas sendo o meu mestre em tudo, na sabedoria e no amor. Na Terra incentivaste o meu amor pela tua sabedoria; agora o teu amor enorme e puro incendiará em mim a sabedoria. Que achas?"
Retruca Pedro: "Eis o grande circuito no qual se movimentam todas as coisas: o amor cria sabedoria, e a sabedoria cria amor. A base de toda luz é naturalmente o amor como eterno calor de Vida da Divindade. Se este calor nos foi dado, cria constantemente a luz, à medida que o calor aumenta. Este progride pela crescente luz, pois sabes que a luz mais forte produz calor. Assim a luz surge do calor e vice-versa.
Se estes dois elementos básicos de toda a Vida se reproduzem, alimentam, fortificam e conservam reciprocamente, também somos destinados a nos fortificar pelo Amor e a Sabedoria, em proporção diminuta. Eis a Vontade e a Ordem Eterna do Senhor que condiciona o Seu Ser Eterno e Insondável, e por Ele, a existência de todos os seres aos quais o Seu Verbo deu Vida. Não te preocupes, pois sei viver uma vida justa em Deus, pela Graça do Pai."
Acrescento: "Amém! Eis o justo conhecimento da Vida. Conservai-o para sempre. Agora prosseguiremos. Organizai-vos. Roberto, como anfitrião desta casa, compete-te conduzir a assembleia. Faz-te acompanhar de Pedro, Elyah e Helena que prestarão bons serviços."
AAssembleiadirige-separaos Alpes.
Todos se organizam e a marcha prossegue pela estrada de Steiermark. Dentro em pouco atingimos a base do Monte Semmering e todo o grupo, que agora possui capacidade de ver a Terra natural, estaciona.
Eis que o Imperador José II se adianta e diz: "Senhor, por várias vezes passei por este Monte e mandei providenciar melhor estrada, pois antes do meu tempo havia muitas, impossíveis de serem trafegadas sem perigo de vida. Em tal ocasião, as pessoas muito protestavam, e as pretensas inteligentes observavam: Isso mesmo, convém fazer-se as estradas lisas e largas para se facilitar ao demónio a sua passagem infernal. — Naquela época considerava-se uma estrada cómoda, indicada para o inferno, e dificilmente um católico fanático seria levado a percorrê- la. Em Viena havia pessoas que de modo algum morariam numa rua larga, nem que fossem pagas.
Basta mencionar esta tolice, para demonstrar o quanto me custou levar as criaturas a noções mais claras. Certos padres, não queriam saber da construção de estradas favoráveis para o tráfego, mas vociferavam contra mim desejando-me a entrada no inferno, junto com as estradas. Quem confessasse ter pisado em rua larga, por longo tempo não recebia absolvição nem permissão para entrar na Igreja, porquanto estava impuro. Quase foi preciso sacrificar-se uma bezerra ruiva que devia ser queimada e cuja cinza seria posta em recipiente de água pura para borrifar as impurezas. O que dirão os padres e ignorantes de hoje para os caminhos-de-ferro, principalmente a esta passagem do Monte Semmering? Há cem anos atrás ninguém teria sonhado com semelhante coisa."
Digo Eu: "No teu tempo, eram as criaturas bastante tolas, porém mais crentes do que hoje. O seu entendimento era material e não assimilavam nada de assuntos espirituais, de sorte que tomavam a bezerra ruiva de Aarão e Eleazar ao pé da letra. Em muitas igrejas católicas há certos rituais comuns à água benta dos judeus, somente não se mistura a cinza de uma bezerra casta que nunca foi submetida à canga.
incredulidade. Prefiro a fé mais cega a um tal sábio do mundo. Na fé, o homem se acha livre sem ter condenado a sua alma em qualquer sentido. Na ciência, porém, já existe julgamento.
Enquanto a criança acredita que duas vezes cinco são dez, ela está livre de coacção; isto não se dá com o matemático que prova tal resultado. Assim não mais protestam os homens com as inovações construtivas, pois reconhecem a sua utilidade. Entretanto, reclamam da carestia e falta de dinheiro, e a fé tornou-se uma raridade. O mundo progrediu consideravelmente, sem contudo ter feito progresso natural ou espiritual. Deixemos as estradas como são e continuemos a trajectória."
A marcha prossegue para alcançarmos em breve o topo do monte, onde se encontra o conhecido Monumento da fronteira. Descansamos um pouco, e o Imperador Carlos se adianta dizendo: "Senhor e Pai! Eis a obra do meu tempo. O seu motivo eram as constantes rusgas fronteiriças que
procurei finalizar por determinados marcos que às vezes recebiam o meu nome. Teria agido bem?"
Respondo: "Amigo, marcos de fronteira não são documentos da dureza do coração. Não deixa de ser triste que um irmão diga ao outro: Até aqui e não mais além! — Uma vez as criaturas possuídas pelo mau espírito do egoísmo, marcas fronteiriços tornam-se necessidade porque determinam certas barreiras à insaciável avidez humana, que impede a posse indébita. Partindo deste princípio, a necessidade é um benefício, conquanto nocivo em virtude do motivo prejudicial.
Vivessem os homens segundo a Minha Doutrina facilmente compreendida e em seus corações pulsariam sentimentos fraternais, tornando dispensáveis os marcos fronteiriços. Aobem,jamaissedeve determinar fronteiras. Cobiça, domínio, avareza, inveja e orgulho são coisas péssimas que precisam de fronteiras a fim de evitar a sua degeneração. Concluirás daí se os teus marcos foram bons ou não. Digo- te sinceramente que foram ambas as coisas, assim como o julgamento e o seu motivo, isto é, a lei. Não houvesse lei, não haveria julgamento. A necessidade da lei é igualmente a necessidade do julgamento. Nenhum
deles é bom, porque são consequência do mal no coração humano.
Em Meu Reino não existem lei nem julgamento, pois ambos são guardas mantendo em seus limites o falso, o nocivo e o mau. Embora fossem os guardas necessários por causa do mal humano, nem por isso são bons. Nos Céus as leis não encontram guarida, muito menos julgamentos, com excepção do puro amor, cuja lei é a máxima liberdade. Por isso não aprecio marcos fronteiriços, porque demonstram a dureza e o desamor humano. Agora sabes de tudo, e não precisas mais pensar a respeito de tais ninharias.
Vede em direção ao Sul, uma terra maravilhosa semelhante a Canaã, — chama-se Steiermark. Os seus habitantes, na maior parte, são bastante ignorantes, pois quando o homem não é assolado pela miséria, assemelha-se ao bicho preguiçoso, sem se preocupar com o físico, muito menos com o espírito. Eis o que sucede a este país. Os seus moradores são por demais favorecidos, por isso, preguiçosos, fazendo apenas o necessário para a satisfação externa. Nas cidades se encontra mais vitalidade, em compensação maior maldade e vício. São poucos os que nos dão motivo para visitar o país. Prossigamos."
Omundojamaisfoibom.Apenasalgunshomensforam bons.
Quando atingimos a localidade chamada Spital, ao pé de Semmering, o Imperador Carlos novamente se adianta e diz: "Senhor, eis
um local que no meu tempo foi um verdadeiro asilo para pobres sofredores, e eu mesmo o visitava muitas vezes durante as viagens para o Sul, fazendo-lhe doações. Após a minha passagem, tudo o que fora destinado para utilidade humana se perdeu, pois o senso benemérito dos ricos rapidamente se transformou em tendência lucrativa. As pessoas queriam enriquecer, esquecendo-se da pobreza alheia. Quando as fronteiras entre a Hungria e este país caírem, será região de mendigos. Ainda existem doadores de centavos, mas os verdadeiros benfeitores já morreram."
Digo Eu: "Sim, tens razão. São poucos a fazerem algo de bom, mas, de um modo geral, em breve não haverá outro país com número tão elevado de egoístas. Assim também o uso de modificação nas fronteiras, em parte alguma se pratica tanto como aqui. A parte montanhosa é melhor, mas os vales são mal providos. A cobiça, impudicícia, falta de fé, acompanhadas de superstição, pouco amor, egoísmo, insensibilidade contra os necessitados e para tudo que poderia despertar o espírito, inveja, avareza e constante desprezo do próximo, são traços característicos deste país. Visitaremos o povo enfermo, para o ajudar um pouco. Em Viena ainda não foi sustado o estado de sítio, entretanto fomos aturados; mas nesta cidade não seremos tolerados, razão pela qual procuraremos hospedagem nas redondezas."
Explode Carlos: "Senhor! Que um raio se atire sobre esta cidade! Os seus habitantes devem ser verdadeiros demónios. Não haverá funcionários, exército ou policiamento?"
Respondo: "Bastante, mas pouco humanos. Os funcionários trabalham por dinheiro, com pretensão a postos altos, para receberem somas maiores. Este é o motivo de serem os seus corações de pedra; exercem a sua profissão com severidade a fim de serem considerados homens de carácter, que merecem promoção. São poucos os satisfeitos com o que são e o que possuem. A maioria quer avançar e eis um grande mal. Não transpira amor e muito menos justiça, mormente no que diz respeito à transformação actual da Constituição, em que o funcionário prefere praguejar a trabalhar, todavia quer ser um grande senhor, que vive bem e pouco faz.
Assim, Meu amigo, pouco se alcança com este funcionalismo. Não houvesse certo poder militar, aquele passaria mal, pois não é estimado. O funcionário pretendendo semear bênçãos no Governo, tem que possuir muito amor. Não o tendo, ele semeia cardos e abrolhos, ódio e menosprezo entre os súbditos contra o regente, e no final, inveja e divergências entre colegas. Isso resulta nos inúmeros processos infelizes, nos quais somente ganham os tais amigos da justiça, enquanto perdem os partidos."
Diz Rodolfo de Habsburgo: "Mas Senhor, vê as duas estradas largas, uma para carros comuns, outra para o transporte ferroviário. Como percorrem vastas extensões, enquanto no meu tempo eram estreitas devendo passar por zonas inaproveitáveis. Não tive dívidas de Estado, muito embora enfrentasse várias guerras. Os que correm qual vento em estradas largas podendo resolver os seus assuntos com rapidez, devem a todo mundo. Não entendo isto."
Explico: "Isso baseia-se no seu desamor que não lhes faculta justo conhecimento. Quem não possui certo conhecimento de causa e constrói ponte sobre um rio, enfrentará tráfego perigoso durante a noite. Se as criaturas vivessem segundo as suas necessidades, todas teriam o suficiente . Vivendo no luxo e no orgulho, passam necessidades e se tornam devedoras a todos."
Diz Rodolfo: "Infelizmente assim é. Trata-se certamente da época que predisseste: o amor esfriará e não haverá fé. Eis o resultado de todas as inovações. Nada mais que fútil pompa, orgulho e luxo sobre luxo! Cada qual quer sobrepujar o outro. Todos vestem roupa fina, até mesmo a filha do mendigo se apresenta qual fina dama da corte, procurando despertar nos homens a sensualidade. E qual o aspecto deles?
Lembro-me que no meu tempo havia ordem até mesmo no traje, pois cada um tinha que se vestir segundo prescrição de classe, impedindo orgulho e luxo. Hoje em dia, em que especialmente aos domingos e feriados não se pode diferenciar o servente do príncipe, não há mais respeito, amor, confiança, fé e misericórdia, pois o intelecto frio domina o coração dos homens.
Durante a minha vida, havia albergues nas estradas nos quais viajantes desfavorecidos eram atendidos gratuitamente. Cada qual tinha direito à hospitalidade do irmão de religião. Somente judeus e pagãos pagavam pequeno tributo em tal albergue. O hospedeiro por sua vez tinha o direito de enviar pessoas a comunidades vizinhas que o supriam de tudo. Agora, nada mais se vê dessa organização benfazeja. O viajante não tendo dinheiro, passará fome. Ó Humanidade, o quanto te distanciaste do Reino de Deus!
Senhor, penso que nada mais se conseguirá com a Humanidade deste orbe tão maravilhoso, pois cada qual traz na sua fronte o julgamento da morte. Quando tal dureza se tiver arreigado no coração, em que ninguém percebe a miséria alheia e as queixas são abafadas pelo ruído do mundo, tudo estará perdido. A meu ver seria aconselhável deixar que se extinga por toda a sorte de epidemias, conservando-se apenas os poucos bons."
Digo Eu: "Tens razão, a miséria do mundo é pior do que em época de Noé. Mas que fazer, senão ter paciência? Se hoje todos morressem, chegariam no Além, tal qual foram aqui. Deixando-os na Terra passando
miséria proveniente da sua própria tolice, muitos se converterão. Existem benfeitores que não obstante se apresentem de vestes melhores, fazem caridade aos necessitados. Na tua época havia certas organizações meritórias, ao lado de outras prejudiciais. O mesmo acontece hoje.
bondosas, como hoje. O que é mau continua sendo mau. Em cardos e abrolhos não nascem figos ainda que os plantassem em bom solo. Deixemos o mundo agir à vontade pois receberá o castigo auto-criado. Quem muito se eleva e não liga às rochas mais altas, em breve perceberá o quanto de perigoso comportam. Continuemos."
Aépocadatécnica.Faltandoféeamor,faltaráaverdadeira bênção.
Entrementes atingimos o lugarejo chamado Muerzzuschlag, e todos admiram as construções em terreno tão cercado de montanhas. O Imperador José, que segue os Meus Passos, diz: "Senhor, por certo que não fui tolo, em manter grandes mestres da técnica, haja em vista um tal Maelzl, que produziu coisas fantásticas. Por que ninguém teve a inspiração da máquina a vapor? No meu século viveram grandes inventores, podia-se dizer que foi a época dourada da Alemanha; entretanto não descobriram o aproveitamento do vapor. Se isso se tivesse dado sob o meu regime, o verdadeiro Cristianismo teria outro aspecto. Não resta dúvida que a superstição traria aborrecimentos, porém havia de ser dominada. Isto feito e o clero ignorante posto fora de combate, a evolução espiritual teria progredido tão rapidamente como os vagões a correrem sobre os trilhos.
Lá ao longe percebo um comboio imenso em grande velocidade, em um trajecto que na minha época levaria um dia inteiro. Enquanto falo Contigo, Senhor, ele já percorreu mais de metade do trajecto. Alegras-Te certamente com as invenções dos Teus filhos, pois o cálculo exacto entre causa, força e efeito honra o Teu Espírito dentro do homem. Não é isso?"
Respondo: "Teria Eu verdadeira alegria caso os homens Me dessem a Honra em tais obras, construindo-as em alicerces de amor. Mas nenhum destes inventores se lembra de Mim e da Minha Honra. A questão do tráfego é tão limitada pelas leis de rigor que somente quem as respeita pode usufruí-las. Primeiro é preciso pagar a passagem em tempo determinado. Um centavo a menos te excluirá do uso da condução. Gratuitamente ninguém será transportado por uma milha sequer.
Que mal haveria se cada comboio levasse um vagão grátis para pobres, os quais receberiam grande benefício chegando mais rapidamente às suas casas, onde acabaria a aflição que passaram no estrangeiro? Tal
hipótese não passa pela cabeça da Companhia de Caminhos-de-Ferro, muito menos é posta em execução. Tal vagão gratuito seria uma bênção para os directores da empresa e as suas acções que sempre estão em péssimas condições, e em breve poderiam considerar-se as mais valiosas. Mas enquanto os pobres não participarem gratuitamente desta utilidade, a empresa não terá o lucro desejado. Grava bem: Onde não existe amor, não haverá lucro . Somente o amor oferece lucro certo, vantajoso e eficaz. Se esta empresa continuar como é, atirará o país em grande miséria.
Eis que chega com este trem, um bom amigo Meu (Jakob Lorber)de Graz, acompanhado de mais dois, que serão abençoados. Não nos poderão ver, todavia sentirão uma vibração forte no coração. Ainda há outros três homens dentro do comboio, não são propriamente maus, todavia não têm fé. Não ficarão desprovidos da nossa bênção, inclusive uma mulher, vidente, que nos veria, caso dirigisse o seu olhar nesta direcção. Falo da visão psíquica (ou visão espiritual).
Prossigamos. O vento quente de Leste, em cujas asas oscilam milhares de espíritos em forma de nuvens, das quais cairá forte chuva beneficiando a colheita do próximo ano, deverá demonstrar aos amigos em Graz que nos estamos aproximando. Acamparemos primeiro em um monte ao Norte. Agora chegamos a Bruck, pequena cidade com pretensão à grandiosidade. Vamos adiante."
Enquanto nos dirigimos a Frohnleiten, lugarejo habitado por pessoas crentes, mas sumamente ignorantes pela influência dos ligurianos (ligados ao culto a Maria), Roberto, o oficial Pedro e as respectivas companheiras tomaram a dianteira a fim de providenciar uma estada para Mim e os demais acompanhantes.
Hoje pela manhã (a mensagem deste capítulo foi recebida no dia 4 de Outubro de 1850) essas quatro pessoas chegaram a Graz, e as três fortes pancadas à tua porta, Meu servo (Jakob Lorber), foi o sinal da sua chegada. Fizeram pequena excursão ao subúrbio até à tua casa, onde te
despertaram pelas batidas à porta. De lá seguiram ao seu destino que será somente notificado com a Minha Chegada.
Ligurianosjá falecidos.
Encontramo-nos então no lugarejo chamado Frohnleiten, onde acorrem muitos espíritos da Igreja local querendo descobrir a nossa procedência e quais as nossas intenções. O apóstolo Pedro adianta-se dizendo: "Vimos do Alto e nos dirigimos temporariamente para baixo, a fim de procurar as ovelhas perdidas, castigar os bodes e dizimar os
lobos." — Dizem os espíritos: "Ah, então sois certamente missionários de Roma, ungidos pelo Papa para tal tarefa?"
Responde Pedro: "Bem que somos missionários, não ordenados pelo Papa, mas directamente por Deus, o Senhor Jesus Cristo. Quem quiser seguir-nos será aceite para o verdadeiro Reino de Deus. Quem não quiser por motivo qualquer, será deixado na Terra desolada. Não nos pergunteis quem somos, pois não aceitando de pronto o que exigimos, não sereis aceites."
Dizem os espíritos: "Se não fostes consagrados e enviados pelo Papa não podemos acompanhar-vos, porque Deus, o Senhor, tudo depositou nas mãos dele. O que ele unir na Terra, será unido no Céu, e o que desligar na Terra, será desligado no Céu. Não sendo o Papa vosso chefe não podeis ser enviados por Deus, mas pelo inferno, do qual surgem todos os hereges e protestantes, alegando igualmente terem surgido por Deus, que seria Pai deles, enquanto somente o diabo é seu pai. Podeis seguir caminho, pois neste local não fareis negócios nem para os adeptos de Ronge (neo-católicos)."
Diz Pedro: "Quem disse ter o Papa recebido de Deus poder tão formidável?" — Responde uma mulher, com enorme livro de orações nas mãos: "Todo mundo sabe disso. Deus deu todo o Poder a São Pedro, e este passou-o para os demais papas. Por isso, é cada Papa tanto quanto São Pedro mesmo."
Responde o apóstolo: "Isto soa estranho, mormente para mim que sou Pedro, ao qual Deus entregou as chaves espirituais para o Reino do Céu. Nada me consta de uma transmissão do poder, da minha parte ao Papa, assim como nunca fui a Roma. Paulo, apóstolo dos pagãos, lá viveu por muito tempo durante o reinado do Imperador Nero. Eu, verdadeiro Pedro, jamais. Como podia ter nomeado um Papa para meu sucessor, entregando-lhe todo o poder recebido de Deus?"
Brada a mulher: "Afasta-te, Satanás! Imagina, este sujeito pretende ser São Pedro! Essa não! Não basta relegarem a Doutrina de Cristo, posse única do Papa, e quererem ser o Próprio Senhor! Tratai de afastar-vos, de contrário empregaremos a força!"
Digo Eu: "Irmão Simão, aqui qualquer esforço seria inútil. Necessitam de mais duzentos anos para ficarem mais lúcidos, pois os ligurianos tornaram-se completamente obtusos. Farei com que resplandeças por alguns minutos para que te reconheçam. Em seguida desapareceremos, e essa visão será a sua estrela, cujo brilho os guiará e lhes indicará pouco a pouco o verdadeiro caminho da vida."
Neste momento, Pedro recebe brilho cintilante qual Sol a pino. Todos os espíritos caem por terra de tanto susto, enquanto desaparecemos. Quando voltam a si querem prostrar-se diante de nós, no
entanto não nos vêm mais. Naturalmente caem em lamentações, amaldiçoando a sua própria cegueira.
Surge então da igreja um grémio de ligurianos, orientando os espíritos, ter sido a visão simples obra do inferno. Os outros se engalfinham com os monges, querendo massacrá-los. Estes debandam aos saltos, voltando quais macacos ao claustro. Os espíritos riem-se deles e procuram as alturas das montanhas. Deste modo termina a cena em Frohnleiten. Continuamos a nossa peregrinação com a intenção de chegarmos às proximidades de Graz, por volta das seis horas da tarde e encontrarmos os quatro amigos no topo do Reinerkogel.
Outracenaespiritualcomex- funcionários.
No caminho para Graz descansamos um pouco, quando somos abordados por muitos espíritos de diversas classes, isto é, almas de inspectores, guardas-fronteira, chefes do caminho-de-ferro e policias. Todos querem ver os nossos passaportes, de contrário seriam obrigados a nos prenderem, pois era preciso ser muito rigoroso, por causa dos forasteiros. Não eram culpados disso. A sua lei os obrigava a agir desta forma, caso não quisessem perder o emprego.
Nisto se adiantam todos os Imperadores e dizem: "Porventura devem soberanos viajar munidos de passaportes?" — Sumamente assustada a guarda recua e somente um consegue balbuciar: "Mas, quantos imperadores estão regendo actualmente? Parece haver maior número de regentes que de súbditos. Naturalmente não tem que apresentar documentos, pois o Imperador da Rússia poderia estar no meio, o que redundaria em grande aborrecimento para nós."
Diz um outro que se havia refeito do susto: "É algo suspeito que estes grandes senhores venham a pé." — Retruca o outro: "Tolo! Certamente querem inspeccionar as linhas do caminho-de-ferro, vindo a pé." Concorda um outro: "Deve ser assim. Mas quem serão os outros? Devem ser uns três mil."
Diz o primeiro: "Deve haver um grande congresso em qualquer parte, em virtude dos revolucionários da Alemanha e por causa dos franceses e ingleses; todos os potentados se reúnem para resolver a situação. É melhor calarmos, de contrário podemos contar com o nosso enforcamento. Vou-me dirigir a eles e sugerir que sigam viagem." — Os colegas recuam e ele se aproxima dos imperadores e faz a sua proposta.
O Imperador José, então, lhe diz: "Então desempenhas tão rigorosamente o teu ofício só porque te dá o necessário sustento? És um péssimo servo do teu soberano. Quem não fizer o bem pelo bem, não
merece recompensa. Procura respeitar a lei por causa da lei e não pelo sustento, que serás servo justo Daquele que tem direito de dar leis. Afasta-te." O beleguim volta para junto dos colegas e relata o que o regente havia dito. Eles concluem terem tido sorte pela rápida solução do caso. Destes espíritos não havia um aproveitável. Todavia receberam por este choque uma advertência oculta, dirigindo-se para as montanhas, onde chegam à conclusão de se encontrarem no mundo dos espíritos.
Após este acontecimento, prosseguimos viagem e chegamos justamente às seis horas do dia 4 de Outubro de 1850 ao local marcado, em que vós, Meus amigos (Jakob Lorber e os seus amigos fieis), vos encontráveis no Reinerkogel. Através de certos sinais em forma de estrelinhas, por um sentimento diferente que vos fortalecia, pela calma da natureza, a impressionante formação das nuvens e a agradável iluminação do monte, percebestes a Minha Chegada ali.
Prontamente se aglomeram grandes massas de espíritos no monte, muitos de má índole, que rapidamente são rechaçados para o Norte. O escurecimento produzido por vapores negros afectou os nossos sentidos, pois até Satanás se encontrava no seu meio. Em redor do pé do monte se agrupavam espíritos de melhor índole pedindo alívio do seu destino, o que lhes era concedido. Em seguida afastavam-se, agradecidos.
Eis que chegavam do Schoeckelberg grandes chusmas de espíritos pertencentes à natureza. A sua aproximação foi percebida por vós, através de uma claridade vermelho forte, à direita, às dezoito horas e quarenta e cinco minutos. Estes espíritos, exigiam com violência completa liberação do pesado serviço nas montanhas. Foi-lhes concedido em parte, retirando-se satisfeitos e fazendo desaparecer a claridade avermelhada.
Finalmente vieram inúmeros espíritos das regiões circunjacentes pedindo uma bênção para a localidade. Receberam-na antes das sete horas. Esta bênção, foi por vós sentida por meio de uma irradiação semelhante ao arco-íris.
O amigo Andreas H. W. viu os monarcas em forma de estrelinhas que se haviam postado no Sul do monte. Tu, Meu servo (Jakob Lorber), viste em direcção a Leste, uma claridade no cume. Era Eu entre os quatro amigos e os três apóstolos. Durante a noite muitos espíritos insatisfeitos foram acalmados e encaminhados, o que redundou em uma noite, manhã de hoje e o dia seguinte, serenos. Sempre haverá algumas nuvens, espíritos desejosos de maiores benefícios. O seu amor sendo fraco, o lucro é pequeno.
Hoje, cinco de Outubro, às dez e meia, uma falange de espíritos fortes, deu-Me a honra e construiu boa morada, pois o seu guia, dizia: Não fica bem deixarmos o Senhor da Glória no pó da Terra. Virando-Me para eles, digo: "Desisti do vosso zelo. Sei porque assim ajo e agora toco a Terra com os Meus Pés. Recolhei o vosso material. Quisesse Eu uma
morada, ela estaria imediatamente construída. É preferível construirdes verdadeira moradia para Mim em vosso coração, o que aceitarei. Este pombal aéreo não Me serve, convém demoli-lo."
Os espíritos Me atendem e partem algo insatisfeitos. — Tu, Meu servo (Jakob Lorber), os viste e anotaste ligeiramente o facto. As nuvenzinhas, de cor violeta, de ambos os lados desse pombal, eram os mencionados espíritos que em seguida se retiraram.
Nisto, Roberto estranha que aqui se aglomerem tantas falanges no monte, enquanto em Viena foi preciso procurá-los para entrar em contacto com eles. Qual seria o motivo?
Explico: "Espíritos que se reúnem nos picos das montanhas, possuem melhor visão e conhecem a sua situação. Por isso se aproximam aos milhares, pedindo melhoria do seu estado. Em muitos predomina bastante egoísmo, por isso só lhes pode ser dado o que seja indispensável para a sua salvação. Caso recebessem algo mais, tornar-se-iam arrogantes, procurando reagir. Mantidos na sobriedade, conseguem o seu aperfeiçoamento mais rápido. Dentro em breve assistirás ao que até então te era estranho. Agora calma, pois aí vêm novas falanges."
Demónioseespíritosdanatureza.JakobLorberaoqualoSenhorditaatravés dos Seus anjos, encontra-se junto à assembleia.
Pergunta Roberto: "De onde vêm estes espíritos e o que desejam? Perdoa-me, Senhor, se estou a importunar-Te com constantes indagações, pois o que até então cheguei a ver em seres de todos os matizes, ultrapassa o incrível. Temos a demonstração do Teu Poder, Dignidade e Glória de modo jamais visto. Quase sempre Te mantinhas passivo, ao menos perante mim. Tudo tinha que ser realizado por nós, após a Tua Ordem. Agora fazemos o papel de assistentes em qualquer espectáculo, admirando o artista e acompanhando-o com o sentimento, sem podermos ajudá-lo. Como se dá isso?"
Digo Eu: "Isso se prende ao facto dos espíritos das montanhas terem uma visão mais nítida do que os das planícies. Estes milhões de espíritos que nos rodeiam, sabem perfeitamente que se encontram no mundo espiritual, aproveitando ao máximo esse estado. Se bem que se encontrem envolvidos por superstições, tomando não raro uma pulga por um elefante, não tem muita importância, pois têm, no que diz respeito ao conhecimento da sua existência no Além, maior capacidade de assimilação do que os habitantes das planícies.
Quando, portanto, surgirem espíritos materialistas tereis que prepará-los para Mim, porque o espírito da Minha Ordem não pode
entrar em contacto directo com a matéria. Sereis o degrau intermediário. Neste caso em que os espíritos sabem perfeitamente o que são, posso Pessoalmente dirigir-Me a eles, sem prejudicá-los. Assim como os habitantes das montanhas são mais modestos do que os insaciáveis moradores das planícies, o mesmo ocorre com os espíritos. Caso peçam algo, devem ser prontamente atendidos, pois se satisfazem com qualquer coisa. Se não agíssemos desta forma, entristecer-se-iam e reagiriam, perdendo toda a confiança.
Eis porque às vezes tais criaturas recebem uma graça nos chamados locais de peregrinação. Tal permissão não é louvável porque positiva aos pedintes na sua superstição. Mas se Eu não cedesse, perderiam tudo que possa ter relação com a fé. Havendo necessidade de escolher entre dois males, convém decidir-se pelo menor. Não concordas, Roberto?"
Responde ele: "Querido Pai, isso é lógico. Mas qual foi a intenção dos doze espíritos que ontem às cinco horas e trinta minutos, chegaram aqui, vindos da cidade? Conheço um deles. Trata-se daquele que em Teu Nome trouxe pão e vinho. É um servo humilde e escreve o que lhe ditas através de qualquer anjo. No entanto, desconheço os outros."
Digo Eu: "São justamente os poucos amigos desta cidade, por cuja razão aqui viemos. (Trata-se de amigos de Jakob Lorber e os seus familiares). Eles, Me amam e têm fé, conquanto não Me vejam. Se Eu Me apresentasse, teriam abandonado a sua vida, por amor a Mim. Isso não é possível, porque ainda têm que realizar muitos trabalhos em Meu Nome. Eu os amo e os deixo na Terra para atingirem o aperfeiçoamento.
Dentro em breve transmitirão ao mundo esta nossa acção, com o que muitos encontrarão a sua salvação. Criaturas puramente mundanas muito se aborrecerão com essas mensagens; com isso acharão o seu extermínio físico e moral, pois jamais receberão qualquer luz dos Céus. Percebeste as duas jovens e os seus corações ardentes?"
Responde Roberto: "Sim, Pai, ambas eram de beleza jamais vista desde a existência da Tua Mãe terrena. As outras cinco também eram maravilhosas, mas as primeiras as ultrapassavam, deixando para trás Helena e Matilde. Entre as cinco havia uma que não consegui ver nitidamente, pois sempre virava o rosto. Quem era?"
Digo Eu: "Foi a mãe das quatro filhas e dois filhos de Anselmo H.
W. Ela é habitante dos Céus e virava o rosto, porque a sua beleza teria prejudicado inclusive a ti. É um anjo belíssimo. Queria participar da alegria da sua família e encontrou-se no círculo dos queridos, por Minha especial Permissão."
Prossegue Roberto: "E os cabritinhos que tomavam a montanha de assalto dando pulos como se o mundo lhes pertencesse?" — Respondo: "São algumas almas da natureza ainda não amadurecidas, mas presunçosas, que necessitam passar por mais algumas metamorfoses até
que a sua alma receba a forma humana. Tais almas não têm outra significação para nós do que os parasitas nos galhos frutíferos. Não percamos palavra a respeito de tais nulidades de existência primitiva."
Espíritosperegrinosdaconstelaçãoda Lebre.
Diversosefeitosdaluzedo amor.
Prossigo: "Qual foi a tua impressão da grande falange de espíritos bons, que hoje pela manhã nos procuraram, nada exigindo, mas simplesmente nos cumprimentaram, silenciosos, para em seguida acamparem no Monte Plabutsch?"
Diz Roberto: "Pareciam criaturas estranhas, frias e destituídas de qualquer intenção." Respondo: "Eram espíritos de outro planeta, não do nosso sistema solar, mas de um outro distante, que se encontra na constelação da Lebre. O planeta mais próximo daquele que dele dista tanto quanto Mercúrio do Sol terráqueo, é o mundo da sua origem. Quem quiser conhecer mais de perto aquele Sol, basta estudar a constelação da Lebre em cuja orelha esquerda encontrará uma estrela de quarta grandeza. Eis o Sol de cujo planeta mais próximo descendem estes espíritos. São peregrinos, cuja felicidade consiste em estarem sempre viajando. Quando aqui chegam, o que sucede raramente, acalmam-se e procuram relações com os Meus filhos.
Às vezes acontece que alguns aqui encarnam. Mas na expectativa de se tornarem Meus filhos, semelham-se a pássaros engaiolados. Não têm calma nem sossego. É quase impossível estacionarem em qualquer sítio. Viajar e caminhar é o seu maior prazer. Quando são impedidos nisso, tornam-se infelizes. O motivo do seu aparecimento nesta Terra tem apenas esse fim. Desta vez, o pressentimento da Minha Presença os atraiu para saudar-Me. O seu culto religioso consiste em seus cumprimentos a Deus, o Senhor, ocasião em que Lhe fazem elogios afectados. O serviço de mensageiro é o que mais lhes agrada no Reino da Luz."
Diz Roberto: "É estranha a coincidência da inquietação destes espíritos com o animal cuja denominação não é honrosa. Havia alguns de bom aspecto; não pude perceber se eram masculinos ou femininos, pois eram semelhantes como os pardais em nossa Terra. Seriam criaturas de outros corpos cósmicos tão parecidas como estes espíritos, ou apresentam diferenciações formais?"
Digo Eu: "Espíritos das esferas da sabedoria pura, assemelham-se como um olho a outro, pois o seu elemento básico é apenas luz que, com poucas mudanças de coloração, é igual em toda a parte. Deste modo, os produtos da luz são idênticos à sua semelhança. Somente o amor produz
a variabilidade das formas. A luz, apenas a monotonia. Observa a neve na Terra, produto da luz pura. Um floco é semelhante a outro. Apenas quando muitos se juntam, mudam de tamanho. E isso somente quando entre tais produtos frios da luz, existe algum calor semelhante ao amor. Carecendo ou faltando completamente, caem por terra estrelinhas de flocos de tamanho e formas iguais. Do mesmo modo, o gelo tomará sempre a mesma forma básica, por ser a luz fria o seu criador.
Tudo o que é mais ou menos idêntico à luz pura é, em sua forma e constituição, monótono. Somente o que contém algo do calor semelhante ao amor, toma forma variada. Se bem que a luz produz calor quando altamente potenciada, o seu calor é prejudicial e mata. Somente a luz, cuja base é o calor, é boa; e o calor irradiado de tal luz é bom e vivificante.
Todos os animais ferozes, venenosos e as plantas venenosas são produtos da luz pura e seu calor externo, maléfico em tudo que não for novamente criado pelo amor e da sua luz com efeito interno. Nos seres do amor tal luz é transformada em benefício, voltando à sua consistência original.
Desta explicação deduzirás porque aqueles espíritos se assemelham, quais pardais entre si. São muito modestos e só querem viajar, o que é comum à constante movimentação da luz. Assim como a luz não tem paz, mas caminha constantemente pelo Espaço Infinito, o mesmo fazem as suas criaturas, Em tal empreendimento existem leis impostas por Mim, onde consta: Até aqui e não mais além! Então surgem lutas violentas, até que tais seres são acomodados. Basta deste assunto. Tais espíritos afastaram-se e surgem legiões de outros.
Hoje, segunda-feira, nada de importante faremos, pois esses espíritos são ainda de espécie fria. Pela noite irradiaremos algum calor entre eles, o que terá como efeito sua humilde descida à Terra qual orvalho, dando- nos a honra. Amanhã, terça-feira, teremos visita de três bispos, provocando alteração, à noite."
TrêsbisposdeGrazemcimadenuvens.Ojulgamentodo Senhor.
Diz o Imperador José: "Três bispos de uma só vez, e de Graz! Pobre monte! Esse peso te fará transpirar de medo. Senhor, lembra-te do escândalo nas catacumbas da Catedral em Viena e aqui mesmo. Entretanto tratava-se de simpatizantes, com excepção de Migatzi. Sempre foi hábito dos bispos de Graz que o sucessor era inimigo do precedente. E agora surgem três inimigos com a sua guarda pessoal. Senhor e Pai, tem piedade, pois dela muito necessitamos."
Digo Eu: "Caro amigo, não estás de todo errado. Mas, entre os três, bispos, existe apenas um renitente, os outros são bons espíritos. Eis que surgem como ocupantes de uma nuvem que precisamente para o lado do Norte tem coloração escura, demonstrando a índole dos seus passageiros. Os dois bispos de boa índole têm pequena guarda, mas de punho forte.
Aquele na retaguarda, bastante obscurecido, vem com forte guarda que sente, pensa e quer como ele mesmo. Até imita a sua respiração e gestos. Repara como vem orgulhoso em sua nuvem escura, algo distanciado da primeira, mais clara, como se fosse dono de Céus e Terra. O que Me dizes de tal proceder? Há três anos é habitante deste mundo e sabe-o perfeitamente, de contrário não navegaria em nuvens. Não desistiu de modo algum da sua concepção ultramontana, e é prelado papal. Esse título, ninguém lhe tirará tão facilmente, pois representa para ele, mais do que o valor de Pedro, Paulo, João, Maria e José. Segundo a sua fé tola, um bispo, mormente um da sua categoria, vale trezentas e sessenta e quatro vezes tanto, quanto Maria que dera vida a Cristo apenas uma só vez. Ele, pela sua dignidade sacerdotal, faz nascer o Cristo trezentas e sessenta e cinco vezes num ano comum. No bissexto, ele naturalmente produz trezentas e sessenta e seis vezes, ultrapassando portanto Maria em valor. Não se falando dos outros clérigos que a mão dele transformou em "produtores" diários de Cristo, cujos nascimentos são acrescidos ao valor do bispo, perante todos os anjos. Nesta pretensa dignidade ele se dirige para nós, aguardando recepção honrosa. Que Me dizes deste espírito?"
Diz José II: "É realmente um bom exemplar da mais obtusa ignorância. Senhor, devias entregá-lo a qualquer fumeiro, pois faria jus em museu como raridade digna de visitação. Que sujeito!"
Acrescenta Roberto: "Destes zelotes ouvi coisas bem estranhas na Saxónia e lastimava esse país, por ter sido dominado por um bispo tão ignorante, fazendo o povo ainda mais tolo do que era desde o tempo do Imperador Ferdinando. Este bispo manhoso sabia insinuar-se e aninhar- se com as damas da Corte, conseguindo realizar todos os seus planos e finalmente transformava-se em verdadeiro tirano eclesiástico. Enriqueceu a sua residência episcopal com as insígnias dos mais poderosos. Contribuiu bastante para o levante de 1848 e é lastimável não ter assistido ao verdadeiro desencadear do mesmo.
Entrementes ele flutua acima de nós e faz como se não nos percebesse. Que pretende com o seu constante gesto de bênção? E as suas meias vermelhas, a mitra branca, o manto dourado e o cajado de prata, que representam? Na Terra constituíam ilusão para os incautos, mas, aqui, no Reino dos espíritos, — a quem pretende impressionar?"
Digo Eu: "Calma, Meus filhos, dentro em pouco estará perto de nós dando-nos muito trabalho. Eis que manda um serviçal, de cuja pergunta
podeis deduzir qual a opinião desse bispo acima das nuvens. Atenção, que ele vem se aproximando:"
Um jesuíta e um ajudante se postam sem cerimónia na nossa frente e o primeiro diz: "Que espécie de gentalha sois, que não tirais o chapéu e não vos ajoelhais diante de um príncipe da igreja, dotado de todo o poder de Deus quando abençoa a Terra, da sua nuvem celeste?"
Retruco: "Afirmas ser este bispo munido de todo o Poder de Deus? Se assim fosse, Eu devia saber algo a respeito. Também ignoro ser a nuvem na qual ele navega, celeste, no entanto Eu devia sabê-lo primeiro."
Diz o jesuíta: "Por que justamente tu, maroto cigano? Ignoras que todos os ciganos foram por Deus condenados na Terra?" — Digo Eu: "Não, meu caro. Nada disso sei. Estranho que saibas tanta coisa e Eu, nada. Todavia Eu deveria saber muito mais do que tu. Porventura estiveste presente quando Deus conferiu a este bispo um poder ilimitado sobre a Terra?"
Diz o jesuíta: "Deus transmite esse poder de modo invisível. Preciso é perceber-se a sua presença pelos múltiplos efeitos. Deus habita na Luz impérvia e, com excepção dos anjos primitivos que circundam o Seu Trono para aguardar as Ordens Dele exclamando constantemente "Santo, Santo, Santo!", ninguém pode aproximar-se de Deus. Entendes a profunda sabedoria disto?"
Respondo: "Não parece ser muito profunda, e devo confessar que nada sei a respeito. Entretanto, sei perfeitamente que tu e o teu bispo Sebastião, sois meros ruminantes, animais de índole não maldosa, porém sumamente tolos. Para todos nós que aqui estamos, Deus não é invisível e não vive na Luz impérvia. Somente para os que vivem fortemente na carne, Deus tem que permanecer invisível por causa do livre arbítrio, até que as criaturas consigam o renascimento do espírito. Do mesmo modo Ele continua invisível para espíritos do vosso jaez, porque não sois puros nem renascidos. Assim, é Ele Habitante da Luz impenetrante, e ainda o será por muito tempo."
Pergunta o jesuíta: "Onde está a região em que avistais Deus?" — Digo Eu: "Justamente naquela em que não O conseguis ver por muito tempo. Ainda que Ele estivesse diante dos vossos olhos, não seríeis capazes de vê-Lo. Diz ao teu ignorante bispo que aqui habita a Salvação das criaturas. Se também for humano, que venha dar Honra a Deus, participando da Salvação de todos, de contrário participará da morte com todos vós. Diz-lhe mais: Deus não necessita de bênção de um pretenso dono do Seu Poder. Ele Mesmo abençoa o mundo. Que o bispo abençoe o seu próprio coração, com toda a humildade, ao invés de trafegar orgulhosamente nas nuvens como se tivesse criado o mundo. Transmite- lhe que Deus, o Senhor, caminha sobre a Terra e não convém que um mau servo abuse das nuvens. Vai."
Diz o jesuíta: "Quem és tu para usares de modos tão atrevidos com um servo eclesiástico e uma autoridade episcopal como se tu mesmo tivesses organizado a Igreja? Repito, quem és e quem são os teus acompanhantes?"
Diz o Imperador José II, em surdina: "Ó Senhor, a minha paciência está prestes a esgotar-se, caso este inimigo da vida libérrima do amor, não desapareça."
Retruco: "Calma e não te aborreças. Poderias exigir de um asno, algo que não fizesse parte da sua esfera? Ele sabe o que deve fazer. Não querendo aceitá-lo, haverá meios para nos livrarmos deste animal de carga."
Nisto, o jesuíta diz: "Obtenho resposta ou não?" Retruco com bastante energia: "Não, afasta-te, de contrário serás compelido a tanto." A estas palavras ele torce o nariz, volta para junto do bispo e transmite-lhe tudo, curvando-se até ao solo, de tamanho respeito. Observai a atitude do bispo, a sua expressão episcopal e sábia como se pensasse: Deveria eu deixar o mundo continuar a sua existência, e não haveria raios para atirá- los contra esta plebe herética?" Como nada de proveitoso ocorra para desanuviar a sua cólera, faz menção de afastar-se.
Eis que os dois outros bispos o rodeiam com o seu séquito com aspecto honroso e o grande bispo, de nome Wallenstein, diz: "Amigo e colega! Que se passa? Não percebes a falange luminosa que cobre a raiz do monte e não vês Cristo, o Senhor, três apóstolos, todos os imperadores de Habsburgo, o célebre arcebispo Migatzi e grande número de espíritos perfeitos, cuja presença abençoa a região toda?"
Vermelho, de ira, o bispo Sebastião diz: "Conheço-vos, hereges! Não consegui reparar durante vinte anos o prejuízo episcopal por que fizestes passar este país, — e pretendeis fazer-me conhecer o Cristo, a mim, que estou pleno do Espírito Dele e trago nas mãos as chaves de Céus e Terra? Quem poderia conhecer melhor o Cristo do que eu?"
Responde Wallenstein: "Amigo, falando desse modo, nunca conheceste a Cristo e jamais O conhecerás. O Espírito do Senhor não caminha com tamanho orgulho. És e sempre foste um padre dominador e orgulhoso, e para tal fim cercaste-te de uma quadrilha tenebrosa para que através dela, pudesses atingir as multidões, a tua meta previamente delineada, pois apenas a tua inteligência, não teria sido suficiente. O Senhor impediu os teus planos. Conseguiste, pelo teu esforço, precisamente o contrário daquilo que almejavas, quer dizer, o domínio absoluto do sacerdócio sobre a Terra. E agora alegas seres o único possuidor do Espírito Santo? Celerado! És possuidor único do espírito do inferno que se chama mentira e orgulho. Mas o Espírito de Cristo jamais foi por ti reconhecido, pois és inimigo declarado do Mesmo."
A este discurso enérgico de Wallenstein, Sebastião torna-se cada vez mais vermelho, bem como o seu séquito. Wallenstein e o Conde Arko (Bispo de Graz) descem à Terra, e Eu envio Roberto ao seu encontro, para trazê-los junto de Mim. Obedecem com profundo respeito e Eu os levo até ao cume do monte. Ambos fazem menção de se ajoelharem diante de Mim. Eu os fortifico, impedindo o seu gesto e digo: "Amigos, deixemos isso para outra ocasião. Temos coisas mais importantes a fazer. O Bispo Sebastião alimenta más intenções querendo prejudicar a Terra. Hoje é quinta-feira, pois na quarta ele descansou e nós também. O seu plano é destruir ainda hoje tudo que aparecer na sua frente em virtude da grande ofensa recebida. Todavia Eu já havia avisado os espíritos da paz, para que esta noite o algemem, bem como aos seus asseclas, atirando a todos por terra, para se refrescarem bastante."
Diz Wallenstein: "Santo Pai, como poderemos perceber esse facto, se somos dotados de grande cegueira?" Respondo: "Erguei os vossos olhos e vede os espíritos da paz, como surgem de todos os lados. Numa rapidez de relâmpago os maldosos serão amordaçados e lançados ao solo. Se amanhã descobrirdes as montanhas cobertas de neve, sabei que lá está o Bispo Sebastião em um aparelho refrigerador, quer dizer, debaixo de um cobertor trazido pelos espíritos de paz, do Norte, para um presente útil."
Diz Wallenstein: "Então a neve tem igualmente importância espiritual?" Respondo: "Claro. Tudo que se apresenta na Terra tem geralmente um primeiro sentido espiritual, em seguida o da matéria. Prestai atenção, que a caça feroz começará."
PrisãodoorgulhosobispodeGraz,pelosespíritosda paz.
Acobertadenevecomojulgamento,contraosinfractoresdaOrdem Divina.
Sumamente admirados, os bispos Wallenstein e Arko erguem os olhos e percebem que Sebastião e os seus comparsas já se encontram prisioneiros dos espíritos da paz. Ele se levanta e torce-se qual verme pisado, atira maldições em cima dos espíritos que se atrevem a "tocar um homem seguidor da vontade de Deus." De nada adianta, pois eles agem com calma férrea, sem se perturbarem com as imprecações dele.
O Bispo Wallenstein, então, diz: "Senhor, tenho a impressão de ver uma aranha caranguejeira rapidamente aprisionando as moscas. O mesmo parece ter sido feito por estes famosos espíritos pacíficos, que deviam ter estendido a sua rede a longa distância, de contrário seria incompreensível o domínio súbito de Sebastião e dos seus asseclas. Como eles praguejam!"
Digo Eu: "Isso é comum em criaturas da sua espécie, pois na Terra ele condenava a todos os que não se dispunham a dançar segundo o seu assobio, — como esperar-se agir de modo diferente aqui, contra qualquer espírito que ouse enfrentar o seu orgulho? É um sacerdote maldoso e ignorante, espírito capaz de, calmamente, ver queimar milhares de criaturas. A sua ira provém precisamente dele não poder dar expansão à mesma.
Vê como os espíritos o impelem para o Norte, onde cuidarão dele nos Alpes superiores. Os outros serão levados aos cumes menos elevados. Eis que atingiram as alturas, paulatinamente. Qual é tua impressão?"
Responde Wallenstein: "O caso é bem triste e tenebroso. Quanto tempo, eles terão de ficar debaixo do lençol de gelo? Eternamente?"
Digo Eu: "De modo algum. Basta chegarem de modo próprio à compreensão do seu erro, dirigindo-se a Mim em seus corações, que imediatamente serão libertos do seu julgamento. Isso não se dando, a sua libertação não ocorrerá nem um segundo antes do tempo. Sebastião terá de ficar debaixo das geleiras até que se refresque bastante. É tão orgulhoso e ignorante que considera o orgulho como dado por Deus. É difícil levar-se o progresso espiritual a tais loucos, todavia não podemos perder a nossa paciência, graça, amor e misericórdia, por serem nossos irmãos, por cuja salvação temos de cuidar especialmente."
Aparteia Roberto: "Senhor, vejo todos os cumes cobertos de neve. Seria isto motivado por Sebastião e seus afins? É impossível que todas as cordilheiras de Steiermark, Tirol e Salzburgo sejam o solo adequado para aquele espírito."
Digo Eu: "Claro que não. Há muitos desvairados como ele, em vários países. Se num recanto mais oculto um espírito for irritado por qualquer motivo, todos do mesmo jaez se irritam e procuram agir. A sua acção estando em desacordo com a Minha Ordem, os espíritos de todos os países são aprisionados e encaminhados por meios apropriados. A melhoria não corresponde à rapidez da irritação para o mal. Ela é demorada como se, por exemplo, em um campo estivessem milhares de pessoas enfileiradas que subitamente fossem derribadas por terremoto. A queda seria de todas ao mesmo tempo. O levantar, que depende de cada um, é mais difícil. Uns o farão imediatamente, se não sofreram ferimentos. Outros, mais ou menos feridos, fá-lo-ão mais vagarosamente. Os que sofreram lesões maiores, necessitarão de muito tempo e esforço. Haverá alguns mortos. O mesmo sucede em tais julgamentos especiais. Serão presos de uma só vez. O erguimento depende da sua força interna.
Assim vês, de um só golpe, todas as montanhas cheias de neve, como refrigério para espíritos muito violentos, entretanto, no sentido espiritual, apenas é a força visível dos espíritos da paz. Quando esta força for retirada a tempo, os espíritos da natureza, igualmente presos, se
dissolverão em água, enquanto os verdadeiros serão libertos, podendo fazer o que quiserem. Voltando para o bem, será em seu benefício. Retornando ao mal, o efeito será naturalmente prejudicial. Compreendeste?"
Oselementosestelaresdas almas.
Seresimpuros,igualmentesurgidosde Deus.
Diz Roberto: "Senhor, perfeitamente. Mas acabaste de falar algo de espíritos da natureza que se dissolveriam na água, quando afrouxasse a força dos espíritos da paz. Quem são eles?"
Respondo: "São potências espirituais e específicas, ou sejam Ideias isoladas do Meu Coração. Após serem suficientemente preparadas através de vários julgamentos pequenos e fermentadas por diversas actividades, dentro do Meu Amor, são igualmente envoltas em formas (nos metais, na fauna e flora), tornando-se no final do seu circuito, almas humanas, dotadas de inteligência a fim de que o Meu Próprio Espírito de Amor Se identifique em um Ser eternamente inseparável de tais almas.
A tua alma é algo semelhante, apenas de outro planeta. Algo que se prendia ao teu físico, foi-lhe acrescentado nesta Terra. Em seu todo, pertences às almas de Urano. Se bem que todas as almas desta Terra possuam algo de todas as estrelas, predomina o que trouxeram da natureza do planeta onde se desenvolveram pela primeira vez em almas perfeitas. Compreendes?"
Responde Roberto: "Sim, Senhor e Pai. Apenas não entendo como podem surgir de Ti, que és Perfeito em tudo, seres imperfeitos e impuros, pois nada existe que não surgisse de Ti." Digo Eu: "Amigo, pensa um pouco e te recordarás do assunto ventilado em outra ocasião."
Diz Roberto: "Ah, é mesmo, já sei. Quando explicavas a diferença entre Pensamentos e Ideias. É isso mesmo. Cada pensamento em si, como linha básica para uma ideia, é puro. Sendo possível formarem-se quadros igualmente impuros das linhas básicas, que continuam sempre puras, tais quadros ou ideias já são de segunda categoria e mais impuros do que os pensamentos originais, porque podem apresentar impurezas, o que nas linhas básicas é impossível. Uma linha será sempre linha, não se dando o mesmo com uma figura surgida pela combinação das linhas. Agora tudo me é claro. Mas, Senhor, hoje é segunda-feira e, além do acontecimento com o Bispo Sebastião, nada realizamos. Que tal se fizéssemos uma visita a outro ponto qualquer?"
Digo Eu: "És bem-intencionado. Mas hoje teremos a visita de dezassete prelados do Convento Rein, que já se encontram a caminho para aqui. Amanhã iremos para outra localidade."
Pergunta o Bispo Wallenstein: "Se não forem de épocas muito remotas, certamente hei-de conhecer algum entre eles?" Digo Eu: "Dificilmente, pois pertencem todos ao primeiro período da construção daquele convento. Os da tua época estão longe de poderem chegar onde nos encontramos. Eis que eles aparecem, bastante circunspectos, e serão recebidos com a mesma atitude, para demonstrar que nos assiste o mesmo direito de permanecer nestas alturas.
Este monte pertenceu ao convento e era cultivado para o Sudoeste com pequenas vinhas, enquanto para o Norte continuava com boa mata, em virtude da fácil caça. Posteriormente muita coisa mudou, sendo tirada grande parte da posse do convento. Os dezassete prelados continuam na ideia fixa da posse de tudo que anteriormente pertencia ao convento, pois orgulhavam-se muito deste monte. Não lhes agradava quando era visitado por pessoas mundanas por causa do parque onde eram cevados corças e veados que eram preparados para a mesa do convento. Julgam sermos ladrões de caça, razão porque correm em nossa direção para nos afugentarem. Atenção!"
Diz Roberto: "Senhor, não poderíamos usar a colaboração de Helena, dotada de linguajar bastante drástico?" Respondo: "Não, pois eles não entendem o dialecto vienense e são zelosos convencidos. Originam-se da época da Inquisição e ficariam revoltados caso tivessem oportunidade de despertar aquele zelo, pelo qual muitas almas fiéis foram martirizadas para a "Maior Glória de Deus." Mas que se podia fazer? Tais padres eram realmente tão ignorantes em acreditar que tivessem prestado serviço agradável a Deus através de acções tão horrendas. Quanto mais severo e inclemente era tal padre, tanto mais próximo a Mim e mais santo se julgava, e também era considerado pelos colegas estúpidos. Não façais observações em presença deles. Ficai como que desinteressados com a Minha Atitude. Atenção, já estão à nossa frente, medindo-nos com olhos inquisitoriais."
Eis que se adianta um prelado, no seu tempo "Pastor supremo e salvador dos perigos que circundam a Igreja." Este arqui-papista Me mede dos pés à cabeça com olhar por cima do ombro esquerdo, segundo hábito sacerdotal e diz após algum tempo: "Quem permitiu pisardes este monte sagrado afugentando a minha caça, igualmente tão sagrada por ser destinada aos zelosos servidores de Deus? Fala, de contrário haverá julgamento e condenação."
Digo Eu: "O Senhor do mundo tem direito de pisar onde Lhe apraz e não necessita pedir permissão dos pretensos proprietários terrenos. Assim, Ele está pisando este monte sem a vossa permissão, precisamente
porque este lugar é, entre todos os da redondeza, o menos profanado pelas más acções humanas. Sou Cristo, o Senhor! Vim especialmente para julgar o mundo maldoso e proporcionar a Minha Graça, o Perdão dos pecados e a Vida Eterna aos Meus fiéis confessores. Quem Me reconhecer, aceitar e não se aborrecer Comigo, não perecerá. No entanto, quem se aborrecer Comigo e não crer que Sou o Primeiro e o Último, o Começo e o Fim, o Alfa e o Omega, se perderá. Agora sabeis de tudo que precisais saber. Qual a vossa intenção?"
Diz o primaz: "Dá-nos uma prova que acreditaremos nas Tuas palavras." Digo Eu: "Existem muitas provas diante dos vossos olhos, observai-as que vos esclarecerão. Não sois propriamente maus, porém ignorantes e tolos. Porventura sabeis que morrestes há muito tempo?" Responde o primaz: "O quê? Quem? Quando? Por acaso não estou vivo? Estaria morto? Nem Platão, nem Sócrates e muito menos o divino Aristóteles poderiam prová-lo. Apresenta provas para tudo, de contrário sereis aprisionados como ladrões de caça."
Digo Eu: "Calma, Meus caros, para evitar que Me aborreça, o que não seria do vosso agrado. Se receais pela caça, que existe apenas na vossa imaginação, dirigir-nos-emos por algumas horas para o Monte Schöckel, onde vos serão abertos os olhos. Então vereis se realmente sois donos do Convento Rein ou se porventura não é administrado por novo prelado."
Reage o primaz: "O quê? Dirigir-nos para o maior monte desta cordilheira, jamais pisado por alguém em virtude das bruxas e maus espíritos?" Digo Eu: "Já afirmei não serdes maus, porém sumamente ignorantes. Eis o motivo por que deveis ir para lá, a fim de vos curardes de três tolices principais que prendem a vossa visão. Primeiro, a noção de viverdes ainda na Terra; segundo, que o Schöckel não é o monte mais alto deste país; terceiro, que lá não existem bruxas nem maus espíritos. Em seguida compreendereis que esse monte não mais é propriedade vossa, que o convento pouco terreno possui e que também não existe mais caça nem poderia haver ladrões."
Obtempera o primaz: "Como subiremos a tamanha altura? Seriam precisos vários dias para tanto." Digo Eu: "Oh, não. Como prova de que também somos espíritos, faremos a viagem em um átimo. Digo apenas: Que assim seja! — Vede, já estamos no local. Agrada-vos o mesmo?"
Diz o primaz estupefacto: "Isto é forte demais! Pareceu-me que eramos transportados por um raio e começo a perceber alguma coisa diferente. Todos nós morremos há anos atrás. Como foi possível não o tivéssemos entendido antes? Seria fácil pela dedução de que o nosso convento só podia ter um prelado, e éramos dezassete e mais alguns que posteriormente se juntaram a nós. — Que panorama estupendo! Agora noto haver montanhas muito mais altas que o Schöckel, e de bruxas e
espíritos maus não há vestígios. Temos que agradecer ao nosso milagroso guia. Se bem que não seja o Próprio Cristo, deve ser enviado por Deus para nos libertar da nossa cegueira." — Com isto, todos caem por terra e louvam o Poder de Deus em Mim.
Diz Roberto: "Senhor, que tenho eu em comum com eles?" Respondo: "São uranianos como tu, portanto muito teimosos. Tens que aceitá-los em tua casa. Percebes o motivo e causa deste acontecimento?" Diz ele: "Teriam sido os outros espíritos que encontramos lá em baixo, também meus afins originais?"
Digo Eu: "Não. São somente semelhantes a ti no amor e pertencem por isso ao teu grupo. De agora em diante és o esteio principal de uma nova comunidade, como prémio de todos os que trabalharam na Terra na Minha Vinha, por motivos sinceros e bons."
Observam os dois bispos, humildes: "Senhor, também nós trabalhamos na Tua Vinha. Não seria possível conseguirmos alguma tarefa?" Respondo: "Se fostes trabalhadores, o mundo vos pagava bem. Roberto Blum trabalhou sem remuneração e pelo seu esforço foi pago com a morte, no que consiste grande diferença entre vós e ele. Ele foi um mártir. Também o fostes? Ele tombou como vítima do seu amor para com os irmãos. Fizestes o mesmo?"
Ilusãoepiscopal.SomenteDeusé Bom.
Dizem os dois bispos em uníssono: "Senhor, nesse caso somos verdadeiras nulidades, pois nunca sofremos, com excepção de alguma moléstia. Se este Teu filho, Roberto Blum, é grande espírito perante Ti, nos perdoará se, por ignorância, lhe prestamos tão pouca honra. Não compreendemos como foi possível sermos aceites na comunidade de Santo tão importante. Quão grande deve ser quem caminha em Tua Presença, agindo segundo a Tua Vontade e sendo constantemente ensinado por Ti."
Digo Eu: "Fostes bispos bem conceituados e agora vos expressais como se tivésseis feito um curso com velha beata durante dez anos. Quem seria santo para Mim? Porventura ignorais que, com excepção de Deus, não há quem seja santo? Somente Deus é Santo e Bom. Todos os outros são irmãos, e o mais simples é sempre o maior no Meu Reino. Honra merece somente Deus. Os filhos devem entender-se e amar-se reciprocamente.
Por ora é só, dispomos de uma eternidade para maiores esclarecimentos. Pelo cálculo terreno estamos há três horas neste monte, e os prelados ainda se acham deitados no solo. Têm que ser socorridos,
para voltarmos ao nosso monte, que neste momento é abandonado por alguns dos nossos amigos. Ainda assim receberam a bênção que se prende ao local.
Levantai-vos, prelados do Convento de Rein! Recebestes a nova visão, para assimilardes o conhecimento certo e compreenderdes a Verdade. Por isso não dirijais o olhar para o solo, mas observai a Luz de toda a Luz e compreendei-A."
Os dezassete prelados levantam-se e olham ao redor de si, admirados, e o primaz diz: "Senhor, somente agora percebemos seres Tu de Quem todos os Céus e mundos testemunham maravilhas sobre maravilhas! Que devemos fazer para merecermos a Tua Santa Presença?" Digo Eu: "Amai-Me acima de tudo — por ser isso vossa Vida Eterna — e aos vossos irmãos como a vós mesmos. O amor ao semelhantecondiciona a vossa felicidade. Quanto mais aplicardes o justo e verdadeiro amor ao próximo, segundo a Minha Ordem eterna, tanto mais felizes sereis.
Todos os Céus com as suas inúmeras bem-aventuranças, surgem do verdadeiro amor ao próximo, — como no caso contrário, todos os martírios e sofrimentos nascem no inferno do amor-próprio. Não houvesse amor-próprio, não existiria inferno, guerra, fome e pestes. Estando as criaturas cheias, sofrem todos os males derivantes do mesmo.
Se bem que Satanás é príncipe do inferno, como também foi o seu fundador, de há muito não tem mais poder de aniquilar as criaturas que o tomaram por seu mestre. Desde que dependem unicamente da sua própria vontade, muitos poderiam ensinar a Satanás, mormente entre o clero e os jesuítas. Conheço alguns dos quais até mesmo Satanás alimenta tamanho medo qual menina que tem medo de uma cobra venenosa. Tais homens se dizem servos de Deus."
Diz o primaz: "Senhor, que coisa horrenda ouvir-se isso de Ti!" Digo Eu: "Assim é, e nada se poderá fazer por ora. Voltemos ao nosso monte, pois já são quase dezoito horas e meia. Assim seja! — E eis que retornamos. Neste momento levanta-se uma nuvem densa sobre a cidade e de todos os cemitérios surgem neblinas mais leves.
A nuvem escura é um grémio de cerca de dez mil monges e padres, que vivem há quatrocentos anos nesta região, não podendo encontrar saída devido à sua grande ignorância. Entre eles há alguns bispos, prelados e priores. Providenciaremos algumas balsas, para conduzi-los às zonas do Mar Negro. Aqui só provocariam desatinos, porque se tornaram algo mais lúcidos com a Minha actual Presença. Dentro do mar voltarão a si, após alguns séculos, podendo então receber ajuda.
As neblinas acima dos cemitérios contêm almas pobres e enfermas, sedentas de cura. Serão socorridas nesta noite (quarta-feira) até amanhã. Quero que se aproximem, e eis que vêm em nossa direcção."
Quem acolhe necessitados, ter-Me-á acolhido.
Diz Roberto: "Senhor e Pai, quanto mais hóspedes vierem morar em minha casa, tanto maior será a minha alegria. Serão estas almas igualmente habitantes de Urano?" Respondo: "Oh, não. São pobres e como tais, os mais próximos do teu coração. Aqui vale o ditado: Quem aceita pobres em Meu Nome, ter-Me-á acolhido. Eis o motivo principal por que permito que tais almas devam ser recebidas na tua grande mansão."
Acrescenta Roberto: "Nesse caso, que venham ao meu lar, todos os pobres da Terra, pois não falta espaço. E onde Tu, ó Senhor, Te manténs constantemente, todo o Infinito terá lugar de sobra."
Após esta boa observação de Roberto, chegam milhares de almas pobres, acomodam-se em fileiras extensas em redor do monte, pedindo socorro e cura dos seus males físicos, que a pele da sua alma absorveu do mundo. Imediatamente são atendidas, recebem vestimenta branca, a dos homens com debrum verde e a das mulheres, vermelho.
Em seguida, nós lhe enviamos um servente que as conduz ao cume de outro monte, onde encontram leite, pão e vinho. Espíritos tão fracos necessitam primeiro, de suprimento de leite espiritual, a fim de criarem forças para suportarem pão e vinho. O servente é um dos fiscais que nos seguiram desde Viena.
Após serem alimentadas, pela primeira vez na vida espiritual, não sabem como agradecer ao portador de tamanho conforto. O servente lhes indica a Minha Pessoa, Único Doador de todas as dádivas, e que Eu as visitaria. Então poderiam ver Deus, o Senhor, Criador e Pai, pela primeira vez, para Dele Mesmo receberem a Bênção eterna. A sua alegria é imensa ao ouvirem essa promessa.
Uma jovem de excepcional beleza se inflama ao ouvir a Meu respeito, pois na Terra o seu coração estava sempre voltado para Mim, e diz para o servente: "Amigo o meu Bom Jesus, peço-te que me leves para junto Dele. Vivo apenas para Ele que é Tudo para mim, o meu Deus, o meu Pai, o meu Amor."
Diz o servente: "Sou um simples servo do Senhor e só posso fazer o que Ele manda. Voltarei a Ele e transmitirei o teu recado. Não te esquecerei, porque ficaste gravada em meu coração e duvido que dele te possas desligar. Até já." Ele se dirige para o monte e em meio do caminho se vira para trás e vê a jovem no seu encalço. Parando, ele diz: "Minha amiga, por que fazes isto? Sabes que só posso fazer o que me é permitido." Diz ela: "Por acaso também recebeste ordem de me deter em
meu caminho?" Diz ele: "Isso não." Conclui ela: "Então deixa-me seguir o caminho do meu coração."
Não sabendo como agir, ele volta à montanha. Quando em meio da subida, Eu vou ao seu encontro, ele prontamente relata o seu conflito com a jovem. Digo Eu: "Ela não te disse que seguia o doce caminho do seu coração? Ama-Me acima de tudo e deseja estar onde Eu Me encontro como Objecto do seu amor. Guarda bem, não deves impedir o caminho de um amor semelhante, onde habita a perfeição do espírito. O espírito perfeito Me acolhe dentro dela, podendo aproximar-se sem susto da Minha Pessoa. Quem se tornou fogo, não precisa temer o fogo. Onde está a amada do Meu Coração?"
Responde o servente, perplexo: "A cem passos atrás de mim, e deve estar chorando e se lastimando porque não se atreveu a seguir-me, se bem que não a tivesse proibido." Digo Eu: "Ora, não faças mais isso. Ela sofre muito. Leva-Me junto dela."
Diz o servente: "Senhor, sabes perfeitamente onde ela se encontra e dispensas qualquer guia. Mas, sendo da Tua Vontade, da qual tudo depende, cumprirei a ordem." Ele segue em frente e dentro de poucos segundos encontramos a jovem de joelhos, orando, de rosto voltado para o alto: "Jesus, meu único Amor, meu Deus e Senhor! Há quanto tempo anseio por Ti, sem poder alcançar a graça de mirar-Te apenas por um minuto. Confesso que nada me faltou durante os doze anos de permanência no mundo espiritual. Havia muita alegria nas almas que se deixavam doutrinar acerca do Teu Verbo. Todos estes meus alunos me seguiram e esperam, aos milhares, o Senhor. Fizemos de tudo para termos a Visão do Teu Semblante. Ultimamente, começamos até mesmo a jejuar e nos flagelar, por amor a Ti, o que aumentava a saudade da Tua Pessoa. Tudo em vão. Mostra-nos quais os pecados que certamente ainda se prendem a mim.
Nos últimos anos da minha vida fui uma criatura conceituada, da alta nobreza, por ter sido meu esposo, um nobre. Nunca me envaideci por isso. Cometi grande injustiça com um professor da minha filha, pois ele foi como luz dos Céus para a nossa treva espiritual, ensinando-me por leituras seleccionadas a conhecer-Te em Verdade. Como me arrependi do meu erro e quanto chorei, tanto na Terra como aqui.
Dá-me oportunidade e a Graça de reparar as minhas faltas. Se na Terra infelizmente não fui virgem, aqui o sou. Nunca uma alma masculina pôde tocar-me. O meu amor para Contigo, Pai, foi a minha protecção. E tu, servo, que não deixaste que te acompanhasse, quando voltarás para trazer notícias de Quem amo acima de tudo? Foste bom servo, porém inclemente." Ela desata a chorar novamente, ocultando o rosto entre as mãos.
Estadoespiritualdoorbe.Aperfeiçoamentoatravésda Graça.
Eu, aproximo-Me dela e digo: "Maria, eis o servente de volta; não precisas mais chorar. Ele é correcto, mas não inclemente. "Rápido, ela tira as mãos do rosto, levanta-se, olhando-nos perturbada. Após certo tempo, ela diz acanhada: "Agora vejo dois mensageiros. Qual deles será o portador de uma notícia Daquele a Quem amo acima de tudo? Onde está Ele, o Próprio Amor? Quando os meus olhos terão a Graça de ver o Seu Semblante Divino?"
Digo Eu: "Um pouco de paciência, querida filha. O Senhor é qual jardineiro prudente que recolhe primeiro os frutos menos perfeitos ao seu celeiro, para lá alcançarem o amadurecimento, enquanto deixa os bons por mais tempo no pé. Assim, ficarão mais suculentos, e o espírito e a vida amadurecem completamente no germe dentro da semente. A erva amadurece depressa, mas também vive menos tempo. Quando vêm as geadas e tempestades do inverno, ela seca conservando apenas um resto de vida na raiz coberta de terra.
O carvalho necessita de muitos anos até se tornar capaz de produzir frutos. Uma vez desenvolvido, tempestades e geadas poderão desencadear-se com fúria, pois ele as enfrentará de peito rijo. Assim também tu te tornaste fruto plenamente amadurecido através de uma espera mais prolongada. Como o carvalho, ser-te-á fácil suportar a Presença de Deus, que ninguém poderia experimentar se não tivesse conseguido a semelhança do seu espírito com o de Deus, pelos caminhos demonstrados por Ele Mesmo. Alcançaste este estado e te tornaste forte no amor, amadurecendo no Espírito do Amor em Deus. Por isso, aqui vimos para recolher-te à despensa do Senhor, como fruto amadurecido. Antes de tudo subamos ao cume para transmitir aos teus discípulos uma Boa Nova."
Diz Maria: "Querido amigo, a tua voz é indizivelmente suave e a tua sabedoria ilumina qual Sol todos os meus erros. Serias tu o único capaz de me fazer suportar, durante tantos anos, a renúncia do Semblante do Senhor. Permitirias eu tocar-Te? Tinha tanta vontade de fazê-lo."
Respondo: "Deixa-Me levar-te para o monte e nessa ocasião poderás tocar-Me. Pensas que Me és menos agradável, do que Eu a ti? Muito antes que tu Me amasses, Eu te amei com todo o calor do Meu Coração. Mas aqui não é o local para demonstrar-te todas as facetas de Meu Amor. No monte teremos oportunidade de nos conhecermos melhor e confessarmos o nosso recíproco amor."
Maria aproxima-se de Mim, compungida de amor sem saber Quem Sou. Quando toca o Meu Braço, ela estremece de êxtase e diz: "Amigo,
deixa-me. Sou fraca demais para resistir ao teu amor. Serias capaz de afastar-me de Jesus por esta forte atracção." Digo Eu: "Não tem importância, Eu e o Senhor, havemos de nos entender por tua causa."
Diz ela: "Sim, talvez. Mas ao meu coração não é indiferente se amo o Próprio Senhor ou um dos Seus inúmeros amigos. Todavia tenho a impressão de que além de ti não poderia amar mais ninguém. Controlo o meu coração e procuro obrigá-lo ao amor de Deus, sem encontrar motivo para tanto, pois o meu amor perde-se no Infinito. Desde que estou junto de ti, não consigo inflamar o meu coração para Deus. Não quero amar-te. Somente a Deus quero e devo amar. Que farei deste amor?"
Digo Eu: "Não te preocupes como e a quem amas. Basta que o teu amor seja puro e bom. Todo o amor é bom quando é puro, quer dizer, quando não alimenta amor-próprio. Se ao amor se junta o amor-próprio, em breve fermenta o sentimento puro, fazendo dele fermento dos fariseus, base muito miserável, muitas vezes pior do que nenhuma.
De tal fermento o mundo está cheio, surgindo abcessos e tumores, cujo humor produz vermes vorazes e terríveis, às vezes até pólipos com mil tentáculos. Basta observares ao teu redor, que descobrirás triliões de elementos de fogo, mal contidos, querendo transformar a Terra com tudo que nela existe, em cinza e pó.
Não há mais constância entre as criaturas, pois tornaram-se fermento de fariseus. Os corações são frios e ignorantes, por se ter desprendido do fermento azedado dos seus sentimentos um ar pestilento, que abafa toda a vida, quer dizer, toda a verdadeira vida em Deus. Afirmo-te, porém, que dentro em breve, Deus Mesmo perderá a paciência com elas.
São poucos na Terra, pelos quais Deus impedirá por algum tempo a destruição do planeta. Se porventura partirem sem a amizade de Deus ou também se tornem fermento, o que Deus não quer antever, o orbe será entregue aos elementos de fogo, que farão com ele o que quiserem.
Do pó desta Terra de pecados, jamais poderá surgir para a vida um espírito que tivesse acompanhado a sua destruição. Aagiotagemeopeso de impostos atingiram tamanho vulto tornando-se quase impossívelqueapobreHumanidade,quesemprefoiaverdadeirarepresentantedeDeusepropriamenteopovodeDeusnaTerra,pudessesubsistir.Deus proporcionouanosbonsàTerra.Osricososprejudicarampormeioda agiotagem com géneros alimentícios, levando a miséria aosnecessitados.
HaveráumaépocadepenúriasobreaTerraparaquemorramos pobres. Deus perceberá a atitude dos ricos. Cuidandodospobres e
sustandoaagiotagem,osjulgamentosserãoigualmenteimpedidose o orbe viverá épocas boas. Caso contrário, tudo será atirado à perdição, pois opróprioplanetasetornoufermento.
Encontro-Me nesta Terra há algumas semanas, agindo por caminhos milagrosos, e diariamente cresce a Minha repugnância pelos homens materialistas e pelo próprio planeta. Hoje é quinta-feira na Terra. Permanecerei até sábado à noite neste solo pecaminoso para curar e salvar o que for possível. Após a Minha partida brusca, entregarei este solo trevoso aos Meus poderosos espíritos de paz, que poderão agir a seu gosto.
Compreendes certamente a diferença entre o amor puro e bom, e o impuro e maldoso. Repito, que o teu amor para Comigo é bom e puro, pois Me amas por Minha Causa. O teu amor é justo e muito agradável a Deus; assim ele deve ser, e não como o fermento dos fariseus. Entrementes atingimos o cume e lá, debaixo das árvores se acham os teus tutelados. Diz-lhes que Eu e o antigo mensageiro já chegamos, para erguê-los à vida eterna, através da pura Graça do Senhor."
Ocoraçãosimplesémaiscompreensivodoqueointelecto desenvolvido.
Diz Maria: "Deves ser grande amigo do Senhor, por te ter conferido tamanho poder. O teu modo de falar e doutrinar é o mesmo que o Dele; és apenas algo mais rigoroso do que Ele. Quem portanto se entender contigo, há-de combinar com o Senhor. Todavia não pareces tão severo, quanto o teu companheiro, que não permitiu que eu o seguisse, porque não havia recebido ordem para tanto."
Digo Eu: "Por que Me julgas mais severo que o Próprio Senhor?" Responde Maria: "Porque, de certo modo, pareces sentir verdadeiro prazer em ver a Terra em pó e cinza. Castiga os agiotas ricos e socorre os pobres, em Nome do Senhor, que ela se transformará." Concordo: "Está bem, assim será, pois tens razão. Desta vez o julgamento atingirá os agiotas. Essas toupeiras e camundongos, serão afogados pela enxurrada da Ira Divina, em meio das suas traficâncias nocturnas e traidoras.
Minha amada, bem que ouço o choro e as queixas da pobreza. Vejo que moleiros e padeiros compram trigo muito mais barato de países vizinhos, entretanto não acrescentam um grama ao pão. Os açougueiros inescrupulosos baixam o preço do gado, e na compra se condenam e amaldiçoam, caso ganhem somente um centavo, dando a impressão de anteverem a sua futura mendicância. Chegam a pedir um prato de comida, pois não ganham o suficiente para pagarem uma colher de sopa. Não raro compram o quilo da carne por quatro ou cinco kreutzer (pequena moeda da Alemanha), vendendo-o na cidade, onde a miséria é maior, por doze kreutzer. Querida Maria, eis uma agiotagem incrível.
Deste modo agem quase todos os que negociam com géneros alimentícios.
Outros abastados que costumavam auxiliar pobres e necessitados, retraem-se mais e mais, procurando fazer economias, ainda assim vivem bem. Apenas os pobres sentem a miséria provocada pelos agiotas. Isso despertará a Ira Divina, há muito adormecida, surgindo um julgamento inédito sobre agiotas de dinheiro, madeira e alimentos, e todos os ricos que se retraem, sem necessidade, diante da pobreza, trancando o coração e as portas. Desta vez os pobres louvarão a Deus, enquanto os ricos hão- de amaldiçoar tudo que enfrentam, sem que isso os auxilie."
Pergunta Maria: "Como podes saber o que o Senhor fará? Acaso és tão compenetrado do Espírito Divino ao ponto de saberes de tudo, como se fosses o Próprio Senhor?" Respondo: "Bem, por ora vai junto dos teus tutelados, para organizarmos tudo para eles."
Imediatamente Maria se dirige ao grupo e diz: "Meus irmãos, o Senhor atendeu a nossa súplica enviando-nos mensageiros dos Céus a fim de que nos conduzam às paragens da Luz, da Vida e da Verdade de Deus, finalidade eterna das nossas aspirações, sacrifícios e amor. Vinde comigo junto a eles."
Todos se regozijam e se postam em sete fileiras ao redor de Mim. Voltando para junto de Mim, Maria diz: "Amigo, eis todos aqui e, segundo me parece, não há um sem veste nupcial, pois pensam e sentem como eu. Ensinei-os e os conduzi dentro da minha capacidade. Levá-los adiante, seria impossível porque desconheço o caminho. Tu és pleno do Amor e da Força de Deus, de sorte que o amor para contigo me consome. Transfere este sentimento que possuis em plenitude também para nós e revela-nos a Santa Vontade do Senhor, para sabermos como agir no futuro."
Digo Eu: "Querida, o tempo urge, pois a quinta-feira está findando; por isso esclarecerei rapidamente o que será a vossa tarefa futura. O Senhor, a Quem tanto amas, sendo Tudo para ti, ao Qual terás que amar porque o teu coração Me conquistou e jamais há-de querer e poder abandonar-Me, Sou Eu!" (Maria cai de joelhos). "A vossa tarefa consiste em Me acompanhardes àquele monte, em direcção a Leste, onde muitos nos esperam. Lá sereis abençoados e fortificados com o Meu Amor, Graça, Força e Poder."
Maria se refaz um pouco, ergue a cabeça e diz de coração contrito: "Senhor! Meu Deus, meu Pai! Agora compreendo porque o meu coração palpitava apenas por Ti! Enquanto me esforçava, pelo intelecto por elevar o coração para Deus, o sentimento era mais compreensivo do que a visão e não queria deixar-te. Deviam as criaturas considerar muito mais a justa formação do sentimento do que de seu intelecto. Se o coração em sua ignorância consegue perceber mais do que o intelecto desenvolvido de
olhos abertos à plena luz do dia — o que chegaria a ver um coração bem formado! Senhor, perdoa a grande cegueira do meu intelecto, por não Te reconhecido visivelmente, enquanto o meu coração cego facilmente Te descobriu."
Digo Eu: "Acalma-te, querida, pois está tudo em boa ordem. Levanta-te e diz aos teus tutelados que nos sigam." Maria transmite a Minha Ordem, levando todos a se prosternarem, entoando cânticos de louvor. Ela se dirige a eles, que aceitam as suas palavras, dizendo: "Santo Pai! Tem Misericórdia e aceita-nos como servos humildes."
Digo Eu: "Que a paz seja convosco, pois a Minha Graça e o Meu Amor será a vossa Vida eterna. Deitai as vossas preocupações em Meus ombros e amai-Me e aos vossos irmãos, como a vós mesmos. Eis a vossa tarefa. A Minha Lei para a Terra, também é Lei para todos os Céus. Agora segui-Me, pois sabeis para onde."
Quando, após poucos minutos, atingimos o "Reinerkogel", ocupando esse monte até à planície, abençoo a estes, que chegaram agora e mando Roberto servir pão e vinho dos Céus. Todos os que se encontram no cume do monte, ocupam-se com os novatos. Depois de saciados, novamente entoam cânticos de louvor e gratidão que se estendem até ao surgir da sexta-feira. Com o aparecimento do Sol, entregam-se à oração, que termina apenas por volta do meio-dia, momento em que uma infinidade de monges se dirige de todos os lados para o monte.
PolémicaarespeitodaSantíssima Trindade.
Entrementes, Maria indaga quem eram aqueles personagens negros. Respondo: "Ignoras que "onde se encontra um cadáver, se reúnem os abutres?" Procuram em Mim algo diferente que tu. Embora saibam que aqui estou, não sou para eles o que sou para ti, e sim, o pólo contrário. Represento o anticristo, chefe de toda a heresia. Eis porque tentam cercar- Me e, se possível, aniquilar-Me. Seria portanto um cadáver saboroso para o seu estômago mau, da sua ira e tendência de domínio.
Já foram tomadas as providências necessárias para a acomodação deles. Levanta o olhar e descobrirás grandes e poderosas falanges de espíritos de paz, que prenderão, atarão e abrandarão a ira deles. Esta corja nefasta e maldosa terá que ser levada à calma com todo o rigor e passarão muitos séculos até que se faça alguma luz no seu cérebro. Nada temas, pois serão incapazes de se aproximarem."
Exclama Maria: "Senhor e Pai! O número cresce de minuto a minuto e o firmamento torna-se completamente negro. Nada mais se vê do Sol, enquanto eles sobem de todos os lados como se fossem nuvens de
trovoada. Não consigo distinguir uma forma definida. Quantos triliões serão eles?"
Respondo: "Triliões? Se o orbe se transformasse em criaturas, não representaria o teu cálculo. São realmente muitos, mas não ultrapassam setenta mil. Acima deles se acham mais de um milhão de espíritos de paz que dentro de alguns dias terão estabelecido a ordem. Poderiam fazê-lo em um instante. Todavia seria contra a ordem pela qual todo o espírito, bom ou mau, não pode ser coagido em sua livre vontade.
Entre eles há muitos de índole melhor do que a maioria, arrastada como na Terra durante uma revolução na qual entre mil, existem quatrocentos sem intenção de maldades. Em virtude desses espíritos não maldosos, o aprisionamento dos maus tem que ser efectuado aos poucos, isto é, também visivelmente para os terráqueos ele se apresentará em forma de nuvens, neve e chuva, por alguns dias . Os espíritos mais renitentes serão encurralados de uma só vez, enquanto se usará de calma com os demais.
Agora aproximam-se do Sul três velhos carmelitas. Veremos o que desejam. Com excepção de Mim, Paulo, João e Pedro, ninguém deverá pronunciar uma palavra sequer, porque não estais em condições de enfrentá-los. Seria mais fácil suportar a presença de Satanás, muitas vezes enfrentado com rigor. Atenção, que estão bem próximo."
No mesmo instante, os três carmelitas se postam com atrevimento diante de Mim, perguntando com escárnio quem sou. Respondo: "Sou justamente o que não sois. Dizei-Me quem sois e o que procurais com tamanha petulância." Dizem eles: "Queremos analisar qual a tua religião e de toda essa gentalha. Acreditas na Trindade de Deus e em Sua Igreja Católica apostólica, com o seu chefe, o Papa?"
Retruco: "Que vem a ser a Trindade de Deus?" Explicam eles: "Se o ignoras, já estás liquidado. Porventura Deus não consiste de três pessoas? De Pai, Filho e Espírito Santo que emana de ambos?" Digo Eu: "Sei dessa vossa crença. Eu e todos os presentes tomamos o contrário como Verdade: Deus é Uma Só Pessoa que em Si consiste de três deuses." Esbravejam os padres carmelitas: "Hereges, hereges!"
Digo Eu: "Por que seria isso heresia? Oprópriohomemé tal
trindade,criadasegundoaImagemdeDeus. Possuieleumcorpocomo forma externa; uma alma que vivifica a forma e o seu organismo, e finalmente, um espírito divino, que faculta à alma o intelecto, a vontade e a força. Não seria por vós classificado de tolice berrante, caso três homens afirmassem serem um só, conquanto cada um desempenhasse obrigações correspondentes ao seu talento, dos quais o segundo e o terceiro não teriam conhecimento nem capacidade de realizá- las? Como podeis impingir tamanha tolice à Divindade infinitamente
Sábia?
Afirmais ser Deus a mais sublime Sabedoria, todavia representais Sua Natureza com imagens de loucura, nas quais só acreditam as crianças, mas provocam repugnância em qualquer homem inteligente. Sois os piores ateístas ensinando aos fiéis a Divindade como nunca existiu e jamais existirá. Quem ensina com fogo e espada um Deus jamais existente e impede milhões do justo conhecimento, não é trabalhador na Vinha do Senhor, mas servo de Satanás, ajudando-o a destruir a seara verdejante e transformando-a em deserto» onde nascem apenas cardos e abrolhos.
Quem de vós já viu Deus e Lhe falou, ou poderia afirmar que fora ensinado por Ele? Lestes a Palavra de Deus, deturpando-a de tal forma que se tornou útil para a vossa algibeira. Judas traiu o Senhor somente uma vez por se ter deixado vencer por Satanás, que se apossou do corpo dele, matando-o. Foi Judas por vós condenado ao inferno, embora Me tivesse traído uma vez e sentisse o maior arrependimento. Vós traís e negais a Deus cem vezes por dia. Para onde vos levarei, traidores e ateístas? Que quereis?"
Os carmelitas quedam perplexos. Analisam-Me dos Pés à Cabeça sem chegarem a uma definição da Minha Pessoa, pois as Minhas Palavras se fazem sentir quais setas incandescentes, percebendo eles profunda sabedoria.
Despertarespiritualdoscarmelitasechegadadeprofessoresde teologia.
Nisto se aproximam deles três espíritos indagando da sua ocupação, ao que os primeiros respondem: "Analisamos a sabedoria deste homem cujas palavras penetraram em nosso coração. Descobrimos possuir ele a verdade por nós aceite." Dizem os recém-vindos: "Como soa essa verdade?" Retrucam os carmelitas: "Não temos autoridade para transmiti-la. Dirigi-vos a ele."
Repetindo a sua pergunta, Eu lhes respondo: "Consta na Escritura que o julgamento está sendo feito sobre o mundo, e o seu príncipe será expulso. Compreendeis estas palavras?" Retrucam os três teólogos: "Que temos a ver com os príncipes do mundo? Somos espíritos e não nos interessa o mundo tolo. Para nós, podem eles ser julgados diariamente, pois entraremos em contacto com eles somente quando em nossos domínios. Queremos apenas ouvir a verdade transmitida aos três irmãos. Conhecemos os textos bíblicos de sobra e sabemos interpretá-los como doutores em teologia."
Digo Eu: "Se entendêsseis a Escritura segundo a Verdade, havíeis de Me conhecer, pois Eu Mesmo sou a Verdade e a Vida que dela emana. Não existindo em vós, qualquer verdade, não Me conheceis, tampouco
entendereis o que Eu revelar da Verdade. Vós mesmos pertenceis ao príncipe do mundo, ao pai da mentira, da fraude e do orgulho. Para ele e todos os seus, veio o julgamento, por isso, todo aquele que servir intimamente ao mundo estará em julgamento e será expulso para a mais densa treva.
Afastai-vos, filhos do mundo, e procurai o vosso deus ao qual servistes de corpo, alma e espírito. Para Mim sois estranhos, pois nunca vos conheci. Fostes servos por dinheiro, nunca pronunciastes algumas palavras em benefício de alguém, levados pelo amor de Deus. Todas as orações tinham de ser pagas. Cada sepultamento como última acção de caridade ao próximo tinha um preço elevado. Toda a missa — por vós considerada serviço sublime e do agrado de Deus — era impingida a todos os fiéis e tinha o seu preço, segundo a classe social. Com isto já assegurastes a vossa recompensa, não mais havendo outra aqui. Afastai- vos! A Minha paciência com este mundo está a esgotar-se, pois não dá atenção à Minha Voz, e os Meus servos lhe são um peso e espinho no olho, desejando o seu afastamento.
Meus pobres irmãos na Terra! Não vos lastimeis. O tempo chegou para o vosso e o Meu júbilo. A partir de agora sereis ricos em tudo, enquanto os abastados serão pobres. Quando começarem a chorar, não lhes darei ouvidos. E se procurarem os Meus servos, estes indagarão: Quanto vos devemos? Eles responderão: Tanto! Então os Meus servos pagarão a dívida e fecharão a porta do seu lar, que igualmente é uma porta para o Meu Reino.
Em verdade vos digo: O seu lar estará aberto para os forasteiros, mas fechado para os irmãos radicais. Sois vós os radicais que sempre cuidaram daquilo que pertence ao mundo, portanto vivei daquilo que ele vos oferece. Conseguistes juntar grandes fortunas e a vossa preocupação se concentrava em aumentá-las. Quando o câmbio e os juros não correspondiam à expectativa, prontamente reclamáveis; reduzindo os parcos benefícios aos pobres, fazíeis prédicas de penitência, concitando os fiéis a ricas oferendas, sobrecarregando os devedores com acções judiciais.
Foi, portanto, o mundo a vossa preocupação. Que ele vos dê o prémio por vós aguardado. O julgamento do mundo também será o vosso. Todos os que vivem no mundo como vós, hão-de colher o mesmo, sejam religiosos ou não. Quem tiver cuidado das traças e dos vermes, deverá procurar a sua paga junto a eles. Quem zelou pelos filhos terrenos, procure reaver o que empenhou, quando então todos passarão miséria. Quem tiver cuidado dos parentes, deverá exigir deles a devolução de
tudo. Em verdade, quem não tiver zelado pelos Meus irmãos necessitados, nadadeveráaguardardeMim. Vós os três, sois dessa
espécie. Não tendes nada que esperar de Mim, portanto afastai-vos, que não vos conheço."
Dizem eles: "Quem és tu, que te atreves a falar nesse tom autoritário como se fosses o Próprio Senhor? Olha para cima! Encontras- te rodeado por milhões de criaturas e basta um simples aceno da nossa parte para te atirarem na pior prisão."
Intervêm os carmelitas: "Tolos! Não percebeis que aqui está o Senhor dos Céus e da Terra, que tristemente vos rejeitou? Como pretendeis ameaçar o Omnipotente? Sois um simples Pensamento Dele e se Ele vos desconsiderar em Seu íntimo, quem seria capaz de positivar a vossa existência? É preferível cairdes de joelhos e suplicar de corações contritos: Senhor, aplaca a Tua Ira justa e sê Misericordioso para com estes pecadores. Perdoa a nossa cegueira. Agora reconhecemos que nada mais nos resta senão implorar a Tua Graça e Perdão. Se fomos inclementes com os nossos irmãos, sê Tu Misericordioso, pois sabes da nossa ignorância. Deste modo deveríeis pedir-Lhe e não ameaçá-Lo; quem poderia chamá-Lo à responsabilidade, caso vos condenasse ao inferno?"
Nesta altura, os teólogos se atiram ao solo e começam a implorar Misericórdia. Então lhes digo: "Levantai-vos, pois não convém aos demónios chorar e orar como manifestação de um coração sem amor. Se agísseis por amor ao invés de temor, o socorro seria imediato. Sendo movidos pelo terror, as vossas lamúrias não têm valor para Mim. Quem não encontrar o Caminho junto de Mim pelo amor, não Me alcançará aindaquepossuaasabedoriadetodosos anjos.
Voltai para junto do vosso grupo e transmiti o que ouvistes e, após tal tarefa, vos darei o prémio merecido. Todavia advirto que entre vós existem muitos que mantinham ligações com mulheres, e se um destes disser: Aguardai um pouco, pois quero consultar primeiro a minha companheira, deve ser afastado de vós. Quem der preferência à palavra deumamulheràMinhaenãopuderabandoná-laemMeuNome,não Memerece.Equemalegar:Desejoprimeiroconsultarosmeusamigos,tambémnãodeveseraceite,poisnãoMemerece,dandopreferênciaàssuas amizades.Ide, o vosso prémio corresponderá à medida do vosso sucesso."
Difícilmissãodosteólogosjuntodos colegas.
Omelhorcaminhoparaa evolução.
Após estas palavras, os teólogos voltam para perto do seu grupo começando a desempenhar a sua tarefa. A aceitação é péssima, pois quase
todos se afastam, amaldiçoando os seus colegas. Somente alguns, poucos, conjecturam: "Se tivéssemos ouvido isto Dele Mesmo, podíamos modificar-nos. Assim não sendo, o assunto tem aspecto herético e tememos a aceitação rápida. A vossa exposição não deixa de ter lógica, entretanto não é ortodoxa, nem pode ser apresentada diante do foro do Papa."
Contestam os três teólogos: "Porventura ainda nos encontramos na Terra, onde o Papa é o visível representante da Igreja — ou ao menos pretende sê-lo — e é aceite como tal por muitos ignorantes, dos quais também fazíamos parte? Há bastante tempo vivemos no mundo dos espíritos e desconhecemos o dogma que nos obrigue a reconhecer o Papa como chefe da cristandade após a morte. Basta termos sido ludibriados por ele, na Terra. Aqui, ele, nada mais é. Pertencemos unicamente a Deus, o Senhor Jesus Cristo. Certamente a Ele não será negado modificar a Sua Doutrina, porquanto há grande diferença entre matéria e espírito. Talvez sejais de opinião que Jesus Cristo Se submete às ordens tolas e egoístas do Papa, no Seu Próprio Reino?"
A este discurso enérgico, muitos ouvintes quedam perplexos e dizem: "Realmente, isto soa razoável. Tende um pouco de paciência, queremos primeiro ouvir a opinião das nossas esposas e amigos, em seguida nos definiremos." Concluem os outros: "Se dais preferência à opinião das vossas mulheres e amigos, ao invés da Verdade de Deus, não O mereceis, podendo aguardar o vosso futuro junto a eles. Da parte de Deus, nada vos espera."
Protestam os outros: "As nossas mulheres — pois somente no mundo dos espíritos nos unimos com elas, porquanto nisso nos impedia o tolo celibato — e amigos merecem ouvir a verdade para chegarem a uma religião justa e a uma fé viva. Este é o motivo pelo qual queremos procurá-los."
Obstam os três mensageiros: "A verdade terá que surgir dentro de vós. Assim não sendo, como pretendeis conduzir a ela os vossos amigos e as vossas companheiras, completamente errados? A verdade pode ser comparada a um binóculo com milhares de aumentos. Usando-o de maneira exacta a fim de ver estrelas, elas se apresentarão grandes e luminosas e onde se via a olho nu apenas uma pequenina, pelo binóculo se perceberá uma nebulosa formada por milhões de estrelinhas. Utilizando o vidro de aumento pelo lado inverso, as estrelas se retraem para profundezas imensas e até mesmo as de primeira grandeza não podem ser vistas. O próprio Sol visto dessa maneira é reduzido a um pontinho indistinto na imensidão celeste, de sorte que a sua luz e calor ficam diminuídos.
Se tencionais mostrar às vossas mulheres e aos vossos amigos, por intermédio dos vossos binóculos bastante errados, as luzes celestes da
verdade eterna, — qual será o resultado? Sois ainda idênticos aos binóculos erradamente dirigidos para as estrelas do Céu, e não há quem possa vislumbrar uma verdade com a vossa ajuda. A grande luz do Sol, semelhante à primeira noção clara de Deus, é por vós posta em dúvida que não sabereis definir se realmente representa o Sol ou a Lua. Qual será o aspecto das inúmeras luzes, das quais segundo a vossa situação espiritual, não tendes a menor ideia? Estais orientados e podeis fazer o que vos agradar, inclusive procurar as vossas mulheres. Duvidamos da vossa volta, conhecendo a influência delas sobre vós."
Os outros quedam perplexos e um deles, conjectura: "Estes homens falam o que diz a Bíblia, não há o que argumentar. Que tal se ficássemos aqui e deixássemos os três seguirem à procura das nossas mulheres e amigos?" Diz um outro: "Então teremos visto e falado com elas pela última vez." Opina o primeiro: "E daí? Menos inferno ao nosso redor só nos poderia ser benéfico. Pelo prazer tolo e deprimente que elas nos concedem, havemos de encontrar uma compensação. Eu fico. Quem mais?" Diz um outro: "Neste caso, te faço companhia. Os outros que façam o que quiserem."
Dizem os três enviados: "Assim está certo. Não exercer coacção em questões de religião, mas mostrar o caminho certo e os perigos dos atalhos. E não se preocupar mais com quem quer que seja, procurando caminhar na trilha justa. A nosso ver, é melhor percorrer as veredas da luz e da vida, levando milhares ao caminho justo, enquanto se tropeça em poças e brejos procurando base sólida onde não existe. Quem quiser erguer um peso necessita de solo firme, de contrário atola-se no lodo. Tendo encontrado solo firme não deverá arriscar um peso maior do que as suas forças suportam, porquanto a carga se tornaria mestra do carregador. Quem finalmente desejar conduzir um cego, necessita ter boa visão. É preciso possuir algo antes que se possa dar, de contrário é o pretenso doador apenas mentiroso e palrador. Se quiserdes ficar, agis bem, todavia não convém induzir os outros."
Estes dois homens ficam, enquanto os outros procuram as mulheres e os amigos, a fim de lhes transmitir o que ouviram. A recepção não é das melhores; primeiro, são chamados à atenção pela demora, escarnecidos e ridicularizados. Segundo, são de tal forma tratados com argumentos que começam a duvidar e finalmente riem-se daquilo que fora dito. Assim, o seu estado actual é pior que dantes.
Entrementes, os dois foram convertidos em discípulos e este grupo começa a conjecturar meios para influenciar os outros. Um deles opina que milagres eram o recurso mais eficiente. Um outro concorda, entretanto lembra serem precisas faculdades excepcionais e, além disso, certa verbosidade e vontade inspirada pelo Alto, a fim de não somente ofuscar as almas de esferas inferiores, mas doutriná-las.
"Isto", prossegue ele, "é a meu ver somente possível à Divindade e não a um espírito criado, porquanto facilmente poderia julgar-se um pequeno deus diante do sucesso de obra extraordinária, no que repousa o primeiro germe do orgulho e consequente perdição. Em vez de benefício surgiria um julgamento, tanto para quem realizou o milagre quanto para os que foram persuadidos em seu conhecimento e vontade. Respondei- me se o livre conhecimento e o livre arbítrio não sofrem mais prejuízo que benefício por meio de um milagre.
Além disso existe mais uma desvantagem em todo o milagre não realizado por Deus, que consiste em o espírito criado se ver tentado por uma constante tendência de encenações que o leva igualmente ao orgulho, pois quem se tornou taumaturgo quer sê-lo de modo insuperável. Eis o que penso."
Diz um terceiro: "Concordamos plenamente com a tua opinião. Resta saber como impressionarmos os outros com a Doutrina pura de Deus; qual seria o meio para levá-la a crer em nossas palavras e seguir- nos?"
Opina um outro: "Penso ser melhor permanecermos na pura verdade, na palavra e na acção. Quem quiser aceitá-la, fará bem. Quem assim não quiser, não mais será importunado e o Senhor saberá como tratá-lo para que não se perca."
Protesta um outro: "O nosso prémio será de acordo com as nossas obras. Se elas forem escassas, o prémio será idêntico." Diz o primeiro: "Pouco me importa o prémio. Desejo o bem pelo bem, não visando prémio de espécie alguma. Se no final surgir alguma recompensa, aceitá- la-ei sem considerar o seu valor."
Aduzem os outros: "Optimamente falado. Assim deve ser eternamente. Não haverá vaidade, pois faremos o bem e o certo porque Deus assim o quer. O resto não nos interessa.” A esta afirmação se aproximam umas trinta almas querendo saber qual o bem que este grupo deseja aos amigos.
OSoldaGraçadoSenhorsobreos arrependidos.
Os cinco personagens percebem qual fora o motivo da atracção e dizem em uníssono: "Todos nós estamos no ar, sem base sólida, de sorte que os pés de nada adiantam. Temos mãos, havendo trabalho para elas. Dispomos de olhos que veriam caso quiséssemos. Mas como cobrimos os mesmos com as palmas das mãos, tornamo-nos cegos, não podendo vislumbrar os milagres que nos rodeiam. Possuímos igualmente ouvidos
aguçados que entupimos, para evitar que as Palavras de Deus penetrem em nosso coração a fim de purificá-los.
Procuremos primeiro, uma base sólida para os nossos pés; esta base é o Senhor Jesus, o Próprio Cristo, na verdadeira acepção da palavra. Colocando os nossos pés nesta base, movimentando-nos com desembaraço, as nossas mãos, olhos e ouvidos hão-de encontrar muito que fazer, tirando o maior lucro dessa actividade."
Retrucam os trinta: "Então, onde está Jesus Cristo, que deve ser Deus e Homem a um só tempo? Queremos fazer Dele a nossa base de vida, mas, primeiro, terá que Se apresentar. A fé Nele, sem Ele Próprio, é coisa fútil. Essas experiências na Terra demonstraram como é difícil manter o espírito em uma fé cega. Representando enorme dificuldade a conservação da fé cega em espíritos inexperientes, quanto mais para nós, ricos em experiências terrenas. Portanto, mostrai-nos o Cristo, que tudo acreditaremos."
Aconselham os cinco amigos: "Dirigi o vosso olhar à Terra onde descobrireis uma colina. Em seu topo encontra-Se o Senhor, Jesus, Jehovah, Zebaoth, em meio de uma grande e feliz multidão. Certamente se trata de espíritos angelicais que o rodeiam, como se fossem idênticos a Ele, que os trata como Pai. Convencei-vos pessoalmente que assim é, e depois voltai aqui, que seremos capazes de palestrar convosco acerca da Sabedoria Divina."
Indagam os trinta: "Como chegarmos lá sem perigo?" Respondem os cinco: "No caminho do Senhor não existem perigos, mas sim, nos caminhos que afastam o espírito Dele. Se longe do Senhor, em vossa treva, nunca demonstrastes temor, como o medo poderia apossar-se de vós na proximidade Daquele que deseja dar-vos a Vida Eterna, caso a aceiteis."
Opinam os outros: "Seria óptimo, caso não fôssemos tão grandes pecadores. Como nos defrontaremos com Ele?" Retrucam os cinco: "Onde estariam os que diriam perante Deus: Nunca pecamos perante Ti e estamos inteiramente limpos. Dá-nos, portanto, o prémio prometido." Concorda o grupo dos trinta: "Realmente assim é, entretanto há um grande senão. Existem muitos que desfrutam a máxima bem-aventurança junto Dele, todavia não viveram sem pecados. Ainda assim não foram pecadores iguais a nós e teriam feito penitência, alcançando o estado de Graça pelo qual se tornaram amigos de Deus. De tudo isso não houve vestígios entre nós. Morremos em pecado e, como espíritos, continuamos na mesma situação pecaminosa. Agora devemos sem mais nem menos dirigir-nos ao Senhor? Isso é impossível.
Com prazer desejamos aprender como evitar os pecados e organizar a nossa vida espiritual de tal forma que agrade ao Senhor. Procurá-Lo em nossa situação pecaminosa seria cometer o pecado mais
vil pelo qual chegaríamos directamente ao inferno, de onde não há salvação. Se aquele homem for realmente o Senhor, como afirmaste, é impossível chegarmos junto Dele. Se não for, nem mesmo sendo amigo especial do Senhor, a nossa aproximação seria inútil. Por enquanto ficaremos na vossa companhia até nos sentirmos mais dignos para enfrentar o Criador de tudo."
Respondem os cinco: "A vossa desculpa alegra-nos bastante. Fazei o que vos agrade, pois sois livres e temos apenas um direito dado por Deus, isto é, ensinar e aconselhar sem coacção alguma. Julgamos que se nós, piores que o mais maldoso espírito na Presença do Senhor, não vos condenamos pelos vossos erros, muito menos Ele o faria, se confessardes a vossa culpa e pedirdes perdão."
Obsta o primeiro grupo: "Podeis facilmente perdoar-nos desconhecendo os nossos erros, pois nunca vos prejudicamos. Coisa diversa se dá em relação ao Senhor, que sabe de todas as nossas faltas, sendo o nosso maior Credor. Se alguém contraiu dívida, somente o credor tem direito de exigir a importância, de contrário o outro seria preso pela justiça. Não adianta o devedor pedir e implorar, ele terá que pagar o seu débito, muito embora seja homem conceituado e educado.
Poderia o credor perdoar a dívida por compaixão e misericórdia; mas o devedor jamais teria o direito de exigir acção de tamanha nobreza. Por isso é fácil falarmos convosco, porquanto não sois nossos credores. Ao Senhor cabe pleno direito de uma exigência enorme, razão pela qual muito difícil será falarmos a Ele."
No mesmo instante Eu Me encontro frente aos trinta, isto é, no referido monte, para o qual foram atraídos com os seus doutrinadores, sem o perceberem. Eles reconhecem-Me imediatamente e estremecem de pavor. Então lhes digo: "Cumpristes a vossa missão em problema simples, por isso vos será confiado algo mais. Também vós, que vos unistes aos três amigos, sois capazes de resolver assuntos Meus na mesma medida. Vós, trinta, sois realmente Meus grandes devedores e teríeis muita coisa para saldar. Como confessastes honestamente os vossos pecados, Eu vos absolvo. Ide com os cinco e trabalhai na Vinha do Senhor. Em seguida recebereis o que de justiça. Estais satisfeitos?"
Responde o grupo: "Ó Senhor, quão infinitos devem ser o Teu Amor e Misericórdia porquanto ainda perguntas se estamos contentes com aquilo que a Tua Graça e Bondade nos conferiram, sem o merecermos. Já estamos satisfeitos por não nos teres atirado ao inferno, mil vezes merecido. A nossa gratidão e nosso amor, dedicamos a Ti, por cada gota de orvalho que esparges em nosso coração sedento; pois a própria gota de orvalho surgiu da Tua Mão!
Quais seriam o mundo, o Sol e o Céu capazes de avaliar a Graça que nos é dada por termos visto o Santo Pai, e os nossos ouvidos
percebido o Som sublime da Sua Voz Paternal. Já recebemos o nosso prémio e não podemos aguardar outra recompensa. Dá-nos, Ó Pai, somente o pão de cada dia, que teremos tudo que o nosso coração pudesse desejar. A Tua Vontade Se faça."
Digo a Roberto: "Irmão, quando tais hóspedes nos visitam, não pode faltar pão e vinho. Manda trazer a quantidade certa a fim de que sejam fortalecidos para a sua enorme missão. Estes milhares de espíritos que se estendem sobre a maior parte dos países nórdicos, ser-lhes-ão confiados." Roberto providencia pão e vinho, por Mim Mesmo distribuídos entre estas trinta e cinco almas. Com gratidão todos se saciam, louvando a Minha Bondade.
Digo Eu: "De facto, um pecador que faça justa penitência no coração é-Me muito mais agradável que noventa e nove justos que dispensam contrição. Ojustoéjustodemedoetemeerrar. Opecadorse justificapelapenitênciadoamorparaComigo,oqueMeagradamuito mais." Com sublime exclamações de louvor as trinta e cinco almas se dirigem para a sua missão, acompanhadas da Minha Bênção. Entrementes, aproximam-se as três primeiras e dizem com respeito: "Senhor, desejamos também trabalhar em benefício dos nossos irmãos, em Teu Nome. Se for da Tua Vontade, deixa-nos seguir com os outros."
Respondo: "Aguardai um pouco. Tereis trabalho de sobra quando vos chamar. Por ora temos que resolver outros assuntos neste monte. A sexta-feira está findando e o sábado se aproxima com as suas necessidades. Os trinta e cinco hão-de pôr mãos à obra, provocando alteração nas regiões inferiores das nuvens, cujos espíritos obscuros iniciarão a sua obra nefasta. Já foram tomadas providências para que não se excedam, pois acima deles aguardam milhares de espíritos de paz, muito poderosos, que saberão levá-los à calma. As montanhas vos
contarão em breve a situação de tais demónios. Não temais nada, pois espíritos que se acham fora da Minha Ordem não dispõem de força e poder."
Em seguida, Roberto trata-os com pão e vinho para o fortalecimento da Vida eterna. Eles, não se atrevem a servir-se até que Eu lhes ordene, como ordenei o lava-pés a Pedro. Após se terem saciado, eles sentem-se fortemente encorajados e começam a louvar-Me sobremaneira.
Espíritosguerreirose fanfarrões.
Terminados estes elogios à Minha Pessoa, rompe o sábado com a aproximação de inúmeros espíritos vestidos de vermelho, carregando uma bandeira vermelha e uma branca. Virando-se para Mim, Roberto diz:
"Senhor, que aparição estranha, assemelha-se ao conto das mil e uma noites. Qual será a intenção deles?"
Respondo: "Trata-se de espíritos belicosas, iguais aos da Terra que sentem satisfação somente em épocas de guerra. Embora não lucrem nada com isso, o clamor da guerra é-lhes sumamente agradável, e entendem despertar a tendência belicosa em povos e regentes. Os espíritos de bandeira branca, tem inclinações defensivas. Sabendo que Me encontro Pessoalmente na Terra, isto é, na proximidade da cidade de Graz, aproximam- se em boa ordem a fim de averiguar se Eu venho determinar um julgamento sobre o orbe, pois tudo que tenha aspecto de comício é do agrado deles.
Certamente, percebes outro grupo de espíritos de veste escura, azul cinzenta e algo suja. Trata-se de espíritos inclinados a mentiras e calúnias com tamanha verbosidade, que muitas vezes chegam a acreditar nas suas próprias invenções. Não são de índole má, e sim, bufões que não fazem nada de mal, nem tampouco algo de proveitoso. Os belicosos serão atacados por estes, havendo enorme bulha, porque surgirão do Sul alguns amigos da verdade para esclarecer os belicosos acerca das mentiras dos outros. Os espíritos guerreiros exigirão satisfação, momento em que nos poderemos aproximar deles."
Diz Roberto: "É realmente estranho e gostaria de estar presente quando houver o encontro." Digo Eu: "Eis a tua tarefa e foi a razão pela qual te avisei. Vai, em companhia de Peter e das vossas mulheres, e procura conquistar alguém, a fim de se tornar pacificador entre os partidos quando começarem a discutir."
Rapidamente Roberto e Peter descem, no momento em que um espírito de veste vermelha enfrenta um de azul-cinzento e diz: "Amigo, ouvimos dizer que se encontra nesta, região, o poderoso espírito do célebre Nazareno, chamado Jesus, em companhia de numerosos outros espíritos importantes. Porventura não poderíeis indicar-nos onde estão e nos informar quais os planos de tão elevada entidade junto à humanidade maldosa e teimosa? Ao chegarmos aqui, ouvimos que ele permitirá a guerra sobre toda a Europa. Se souberdes algo a respeito, poderemos transmiti-lo à Terra a fim de que se prepare."
Responde um oponente: "De facto aqui se encontra o mais poderoso espírito, com milhões de outros, igualmente de bastante poder. Lastimamos não poder precisar o ponto exacto, mas erguendo os olhos haveis de ver tudo repleto de espíritos." Os de veste vermelha constatam, admirados do facto. O outro prossegue: "O boato que corre não se refere a uma guerra europeia, mas de uma conflagração mundial que, qual dilúvio, aniquilará tudo com excepção de poucos, pois a humanidade tornou-se por demais maldosa e louca."
A esta informação, os espíritos de vermelho expressam grande alegria e dizem: "Certamente assim será, e o motivo, não resta dúvida, tem origem na política entre a Áustria e a Prússia. Conseguimos informes no corpo diplomático secreto e percebemos que tais rusgas entre os dois poderes nada mais são que maquinações dirigidas à França. Sob o pretexto de quererem discutir o problema com auxílio das armas, ambas as potências se preparam para outra finalidade. A Prússia procura entrar numa aliança com a França contra a Áustria, A França não a aceita, porque é desconfiada e se arma como nunca. Quando as duas potências estiverem inteiramente armadas, atirar-se-ão sobre as repúblicas europeias, fazendo delas poderosas monarquias com o apoio da Rússia. Se tal empresa fracassar — o que suspeitamos — teremos a guerra mundial à porta, uma luta sem fim entre a escravidão do absolutismo e a liberdade incondicional do cidadão. Então a treva lutará contra a luz até que esta conquiste a vitória final. Que dizeis?"
Respondem os outros: "Talvez assim seja, entretanto ouvimos coisa diferente." — "O quê? Algo ainda pior? Pior do que uma conflagração mundial?" — Indagam os de vermelho. Dizem os de azul-cinzento: "Certamente. De espíritos merecedores de fé, ouvimos que o Espírito Supremo pretende fazer surgir o grande julgamento final, para o que já foram tomadas medidas incompreensíveis para nós." Recuando de pavor, os de vermelho bradam: "Isso é impossível! Porventura falais do julgamento que obscurecerá o Sol e a Lua, e das estrelas caindo à Terra quais flocos de neve?"
Concordam os outros: "É isso mesmo. Tal julgamento estaria em preparo e, com ele, a destruição de toda a natureza." Perguntam os de vermelho: "De quem ouvistes isto? Teria o Espírito Supremo Pessoalmente feito tal declaração, ou foram os Seus mensageiros incumbidos de tal tarefa? Já se ouviram as trombetas do julgamento?"
Respondem os espíritos de azul-cinzento: "Nada nos foi dito a respeito, muito embora alguns espíritos informassem que talvez assim seja. Por que vos assusta isso, se com a notícia da conflagração mundial vos alegrastes tanto? Perturba-vos o grande julgamento feito pelo poderoso Espírito de Jesus, anunciado por Ele Mesmo frente à cidade de Jerusalém?"
Retruca um espírito de vermelho: "Naturalmente, pois com tal julgamento terminam todos os mundos e os seus produtos. Não haverá criaturas sobre o solo e jamais se falará de uma guerra interessante. Que faremos, caso não haja mais guerras? Sem guerras não existe vida, lucro e prazer. E tal conflagração seria a última neste planeta, que seria aniquilado."
Dizem os outros: "Por certo, pois não havendo criaturas, quem faria guerra? Ainda que sobrassem algumas dezenas e a Terra se conservasse
por mais cinquenta anos, não poderia haver guerra, porque todos teriam suficiente terreno, sem necessidade de conquistas maiores. Se os remanescentes se encontrarem no conhecimento de Deus, podendo facilmente aplicar as Suas Leis, em virtude da ausência de milhares de tentações a incitarem a humanidade a agir de modo contrário, — quem haveria de pensar em guerra?
Após a grande conflagração mundial não haverá possibilidade de outras, o que é de se desejar com sinceridade. Se realmente o grande julgamento tiver consequências benéficas — como o término definitivo da guerra — eis uma questão duvidosa. Ao menos não passariam bem os heróis belicosos, para os quais a maior miséria da humanidade representa um prazer."
Retrucam os de vermelho: "Mas por quê? Acaso não foram eles sempre os homens mais meritosos, representando a glória de todos os povos? Troféus e condecorações, não são nada aos vossos olhos? Somente os heróis cheios de glória vivem na História da Humanidade, enquanto o resto é cinza e palha."
Contestam os de azul: "Qual a vantagem para vós, se continuásseis na recordação de criaturas fracas quais sombras, por mais alguns séculos? Também haveis de cair em esquecimento. E se as guerras tudo destruírem, acaso subsistirão os livros de história? Quem haveria de lê- los quando terminasse toda a vida física? Aqui, no mundo dos espíritos, terminou por si só, toda e qualquer diferença, e onde houver, existe o inferno. Se procurais aqui diferença de classes, sois espíritos infernais e podeis aproveitar a oportunidade de vos afastar, de contrário a isso sereis forçados."
A este convite, os espíritos de vermelho silenciam de raiva, enquanto os portadores de bandeira branca se adiantam e dizem: "Não somos guerreiros por prazer, mas por necessidade, isto é, defensores. Não procuramos a guerra, mas se ela se apresenta, saberemos enfrentar o inimigo. Por esse motivo não teriam valor os nossos heróis e as condecorações dos homens mais importantes?"
Respondem os de azul: "Isso de nada vale aqui. Não sois melhores que os outros, porque procurais a glória, tanto como eles. Os vossos inimigos procuram a guerra enquanto esperais enfrentá-los com volúpia abrasadora. Que diferença haveria entre dois demónios, um desafiando o oponente que aceita com prazer a luta? Nenhum deles teria maior mérito, pois são iguais."
Com esta explicação, os defensores da bandeira procuram reagir, querendo massacrar os de azul. Nisto aparecem Roberto e Peter afastando os de vermelho que, com esta reacção, se enchem ainda mais de volúpia bélica.
Condenaçãohumanaejulgamento Divino.
Todavia, os de vermelho não se atrevem a qualquer atitude agressiva, porque notaram que Roberto e Peter possuem força excepcional, que os repeliu. Ainda assim se unem para deliberar o meio de expandir a sua fúria.
Entrementes, Roberto e Peter dirigem-se aos de azul, dizendo: "Amigos, conforme vimos estais mais perto do Reino de Deus do que supondes. Falta-vos algo de importante, quer dizer, deveis esforçar-vos pela verdade e desistir de enganar alguém como fizestes com os de vermelho. Para o cego já basta a infelicidade de ser cego. Por que sentir prazer em enganá-lo, provocando toda a sorte de aborrecimentos? Tal atitude não se baseia no amor ao próximo, portanto deixai de agir contra espíritos mais inteligentes.
A consequência de certas brincadeiras, ainda que sem maldade, praticadas a um imbecil pode ser bem amarga. Basta perceber que fora ridicularizado, para tentar uma vingança. Se encontrar um meio para tanto, agirá sem escrúpulos. Não precisamos analisar o efeito disso, pois sois bastante inteligentes. Evitai estas atitudes e procurai dirigir-vos para o Senhor que sereis admitidos no Seu Reino."
Os de azul agradecem pela admoestação amistosa perguntando o que deviam fazer aos espíritos, porquanto os enganaram com relação à guerra mundial e ao julgamento final.
Respondem os dois amigos: "Aquilo foi realmente forte demais. O facto de terdes produzido certa impressão moral naqueles espíritos bélicos, ser-vos-á levado em conta porquanto poderemos corrigi-la na próxima ocasião. Na realidade virá uma guerra tremenda sobre o orbe, com efeito moral e natural. Um julgamento rigoroso sobre os potentadosericosegoístas,terremotoseoutrosfenómenosvirãosobreoplaneta, provando a veracidade da vossa zombaria. — Agora recuai e fazei o que aconselhamos, a fim de obterdes vantagens para a vossa vida. Encontrais-vos mais perto do Reino de Deus do que imaginais. Basta seguirdes a Ordem Divina para entrardes no Reino de toda a Vida. Anteriormente, eramos idênticos a vós. O Senhor elevou-nos, de sorte que nos encontramos junto Dele, para sempre. Segui-nos, que não sereis expulsos, pois na Casa Dele existem muitas moradas."
Obtemperam os de azul: "Fomos sempre cidadãos honestos, tanto
na vida terrena quanto na espiritual. Apenas tínhamos a tendência da zombaria sem más intenções e segundo sabemos jamais prejudicamos alguém. Quando se apresentava qualquer prejuízo, sempre procuramos repará-lo. Em pessoas muito pretensiosas, as nossas zombarias até
mesmo produziram bons efeitos morais. As criaturas simples nunca foram desonradas. A nossa intenção era fazer brincadeira inocente que castigasse as tolices alheias.
Assim, esperamos que Deus, o Senhor, não nos venha a julgar com muita severidade. O próprio apóstolo Paulo dizia que convinha ser-se alegre com os alegres, e triste com os tristonhos. Quem nos procurava jamais teve motivo para chorar, pois sabíamos levar-lhe o consolo por meio de ajuda ou bom humor. Não descobrimos nada que nos pudesse condenar, se bem que também não esperamos receber um prémio. Temos a firme convicção, contrária às prédicas dos religiosos, de que Deus não pode ser juiz inclemente como são os magistrados na Terra. Eles condenam os pobres segundo a lei, sem considerar a graça e misericórdia. Junto de Deus, uma alma penitente poderá contar com o perdão."
Diz Roberto: "Não resta dúvida. O julgamento de Deus nada mais é que um caminho para a redenção e aperfeiçoamento da alma, enquanto a condenação humana provoca a ruína e a morte da alma. Vinde connosco àquele monte, onde sabereis pelo Próprio Senhor quão diversos são os julgamentos Dele e dos homens. O julgamento de Deus é um bálsamo para a cura de todas as feridas da alma. O do mundo assemelha-se à fera que ataca as suas vítimas sem qualquer piedade a fim de despedaça-las. Acompanhai-nos, pois espera-vos um juiz meigo."
Respondem os espíritos de azul: "Assim faremos. Antes, porém, desejávamos saber quem são aquelas jovens tão lindas que vos acompanham. Estranhamos que apenas palestram entre si, sem nos dirigirem uma palavra. Seriam espias celestes observando-nos para analisarem se pronunciamos algo injusto?"
Diz Roberto: "Que receio tolo. São as nossas esposas, dadas por Deus para toda Eternidade, e assistem-nos em qualquer empreendimentos que Ele nos incumbe. Aqui não pode haver espionagem, porseroSenhorOmnisciente,enós,Seus mensageiros,
perscrutamos qualquer espírito em suas tendências, pensamentos, palavras eacções. Embora não pertençamos aos espíritos perfeitos,
vemos e ouvimos até mesmo a erva crescer e compreendemos a linguagem dos infusórios, quanto mais não o fará o Senhor.
Daí deduzireis que o Reino de Deus não necessita de delatores, tampouco de confissões, a fim de se conhecer os pensamentos, desejos e inclinações mais ocultos de todas as almas. Conhecemos-vos intimamente. Caso percebêssemos que sois inaproveitáveis para o Reino de Deus, não vos convidaríamos, como deixamos de fazer com os espíritos de vermelho, que ainda necessitam de provações bastante amargas para tanto.
Podeis fazer o que vos aprouver. Preferindo permanecer como sois, ninguém vos imporá outra atitude. Querendo acompanhar-nos, tereis que
fazê-lo imediatamente, pois o tempo urge. O sábado está terminando, e o Sol está prestes a desaparecer. Ainda esta noite teremos que partir daqui e não podemos perder tempo. Vinde agora, ou ficai."
Respondem os espíritos de azul: "Vamos sem mais delongas, pois o Senhor será Misericordioso. Eis que vem um mensageiro do Alto e convém aguardá-lo. Tem aspecto agradável, mas os seus olhos traduzem certo rigor do qual poderá advir algo importante."
O mensageiro posta-se no meio dos espíritos de azul e diz: "Sede felizes, pois encontrastes o caminho da Salvação. As vossas vestes tornar- se-ão azul-claras e os vossos corações, constantes no amor para com Deus, o Senhor, e para com o próximo. Libertai-vos de tudo. Fazei o bem a todos. Que ninguém seja pequeno ou grande. No Reino de Deus reina a mais perfeitaigualdadedetodasasclassesenacionalidades. Vinde sem receio."
Conceitohumanoarespeitode Deus.
Respondem os espíritos, que se vêm subitamente vestidos de azul- claro sem compreenderem a maneira pela qual se dera a transformação: "Amigo, como és estranho! Ao pronunciares uma palavra logo as coisas acontecem. Nem percebemos quando as nossas vestes se transformaram. Também o nosso entendimento se modificou, pois sentimos a fundo certos factos, que anteriormente nem podiam ser imaginados por nós. Deves ser um importante amigo do Senhor. Os outros dois também eram formidáveis, pois aquela corja vermelha que nos desafiava, foi prontamente repelida. Tal força de vontade parece basear-se no poder de impor um limite a certas inclinações e actividades. Poder transformar as coisas pela palavra, é algo bem diferente do que estamos habituados.
Um marechal pode fazer tremer metade do orbe pelas suas ordens destruidoras, mas transformar uma flor vermelha em azul requer algo mais. Explica-nos com que poder é efectuado tal milagre? A nossa fé nos milagres de Cristo era um tanto frágil, enquanto aceitávamos a Sua Doutrina como divina. Agora aceitamos os Seus milagres excepcionais, mas queremos saber o como."
Retruca o mensageiro: "Só posso afirmar o seguinte: Para Deus todas as coisas são possíveis. Quem O ama acima de tudo, unindo-se a Ele por esse amor, poderá realizar tanto quanto Ele . Cristo não disse: Tudo que pedirdes ao Pai, em Meu Nome, vos será concedido? Quem, portanto, se ligou a Deus no amor e por amor, poderá fazer o mesmo que Ele. Compenetrai-vos deste amor para com Deus, o Senhor, que sereis fortes como Eu. Todaaforçaresideunicamentenoamor,inclusive a
Omnipotência Divina Se concentra em Seu infinito Amor. Destarte pode qualquer espírito atingir tal poder imenso à medida que alimenta o amor. Sem amor não existe vida nem qualquer poder . Compreendestes?"
Respondem os espíritos de azul-claro: "Amigo sublime, quem não haveria de compreender as tuas palavras que fluem qual suave bálsamo em nossos corações. Rogamos-te nos conduzas a Jesus, o Senhor, ao monte onde Ele Se encontra. Vibramos de amor e ânsia de vê-Lo e talvez ouvir algumas palavras, caso seja como na Terra, isto é, cheio de Amor e Meiguice."
Diz o mensageiro: "Mas quando Ele enxotou os vendilhões do Templo e derribou as barracas dos agiotas e vendedores de pombos, não estava imbuído de grande meiguice, como também não o fora por ocasião de amaldiçoar a figueira seca e demonstrar aos fariseus as suas acções criminosas. Que pensais a respeito?"
Retrucam os espíritos: "Justamente naquela oportunidade foi muitíssimo meigo, pois teríamos agido de outra forma, se fôssemos possuidores do Seu Poder. Os vendilhões e agiotas teriam sido tratados com fogo e o sacerdócio judaico receberia o mesmo tratamento dado em Sodoma e Gomorra. Quanto à figueira estéril, o Senhor apenas mostrou a situação da Igreja Católica igualmente cheia de folhas cerimoniosas do paganismo sem apresentar qualquer fruto. Portanto vamos a Ele que terá de suportar o nosso amor."
Com este entusiasmo a subida ao monte é encetada com os espíritos de azul-claro, em número de trinta, contando a sua criadagem. Ao passarmos pelas incontáveis fileiras de espíritos de boa índole, nos defrontamos com os três apóstolos, os imperadores e vários bispos que nos cumprimentam com muito respeito. Naturalmente os de azul indagam do nosso suposto mensageiro, diante de quem estavam se curvando, na hipótese de serem igualmente espíritos. Por isso, dizem: "Talvez estejam percebendo o Cristo, que nós, em virtude da nossa indignidade, ainda não conseguimos ver? Se assim for, mostra-nos de onde Ele virá, para podermos prostrar-nos e Lhe dar a Honra merecida."
Diz o suposto mensageiro: "Certamente este grupo vê e conhece o Senhor, pois muitos existem que vêem e falam com Ele, às vezes durante anos, sem conhecê-Lo, porque o seu coração é cego. São os que perguntam constantemente: Oh, se pudéssemos ter a grande ventura de ver Jesus, nada mais pediríamos. Revestir-nos-íamos de profunda humildade, louvando-O com todos os salmos de Davi e os cânticos de Salomão. — Isto, eles dizem ao Senhor, a Quem vêem e falam, sem conhecê-Lo, aguardando pela Presença Dele, apesar de estarem habituados a confabular com Ele.
De que adianta a visão quando falta a percepção?Esta torna-se difícil porque o coração humano ocultando noções de orgulho, não consegue imaginar a Divindade mais humana , pois, pela compreensão comum, deve ser algo tremendamente extraordinário. Ainda que tivesse a forma humana, teria ao menos que brilhar qual Sol.
A criatura só consegue imaginar a Divindade como alguém excepcional. O motivo disso prende-se à visão do mundo material, tanto na sua extensão, quanto na sua organização. O céu estelar testemunha um Ser Supremo de dimensões gigantescas, o Sol prova a Sua Luz, a Terra, o Seu Poder e Força. O Papa, os cardeais, bispos e outros representantes espirituais de todas as religiões traduzem-No como alguém jamais imaginável. A isto juntam-se o orgulho do próprio coração e o seu intelecto apurado, que se envergonhariam de um Deus despretensioso, não lhe agradando pronunciar o Nome de Jesus na alta sociedade, muito menos afirmar a Sua Divindade incontestável.
Isto acontece mormente aqui no mundo espiritual, e vez por outra também na Terra, onde o Senhor priva por muito tempo com espíritos sábios e criaturas humanas, sem que O conheçam. Estas exigem muito mais que os espíritos, pedem grandes milagres, pois os pequenos não são dignos de Deus. Chamam-No de O Grande e Poderoso Deus, Criador do Infinito e Guia dos mundos. Se Jesus recebe os homens semelhantes a Ele, dotados de certas fraquezas, permanecendo com eles, não desaparecendo qual espírito e participando da sua mesa, — ninguém O conhece, muito embora Ele Mesmo tivesse prometido ficar em companhia dos Seus, até ao fim do mundo.
O Senhor aproxima-Se dos Seus filhos somente na humildade, mas eles, não O percebem por julgarem Deus cheio de orgulho, assim como um nobre permite que um de hierarquia mais elevada venha a reinar sobre ele. Se fosse obrigado a submeter-se a um simples cidadão, toda a obediência e respeito teriam tido fim, ao menos moralmente. O mesmo acontece com a Divindade em relação aos orgulhosos. Se o Senhor não corresponder às elevadas exigências da sua classe, não apresentando luxo oriental, não manifestando rigor estóico e fenómenos excepcionais, como fogo, tempestade, raios e trovões, a Sua Origem é bem duvidosa.
Almas devotas seriam capazes de se deixar martirizar, menos supor que o Senhor as tivesse visitado como homem inteiramente sem importância. AfirmoquedurantedezoitoséculosoSenhortemsidoexpulsodacasadepessoassimplesedevotas. Por isto torna-se cada vez mais difícil a aproximação Dele às Suas criaturas. Impossível fazê-lo desmentir o Seu Verbo. Vindo com simplicidade, ninguém O reconhece. Que fazer a fim de consegui-lo?
No céu somente é o primeiro e melhor de todos, quem parece ser o mais simples e despretensioso. Como poderia Deus Mesmo, o Ser
Primário e mais Perfeito, fazer excepção de tal Ordem eterna? — Perguntai-vos se em relação ao conhecimento de Deus não se dá a mesma situação. Quiçá vedes Cristo, o Senhor, há bastante tempo, mas não O quereis aceitar porque a Sua Aparência não é divina."
Os espíritos de azul começam a analisar o mensageiro mais de perto e dizem: "Será que és tu mesmo? Que horror! Se assim for, que será de nós, pecadores? Mas tuas palavras deixam deduzir, que sejas Deus?"
OverdadeiroSerSupremo,emrelaçãoà criatura.
Responde o mensageiro: "Esse receio é outra prova da vossa compreensão antiquada a respeito da Divindade Suprema. Tais conceitos não se prestam para a vida verdadeira do amor. Que tendes a ver com o Infinito do Ser Supremo? Guiai-vos unicamente pelo amor que deseja conservar bem próximo de Si o que conseguiu atrair.
O amor é fogo que atrai e não destrói nem dispersa. A Luz que irradia das chamas do amor segue em raios pelo Infinito sem retornar, a menos que o Amor de Deus lhe imponha limites onde esbarra e inicia a volta à sua origem. Se fordes ajuizar a Divindade, segundo a irradiação infinita da sua projecção luminosa tornando-vos cavalgadores de luz, sucumbireis diante da Sua Imensidade, sem conseguirdes erguer-vos no coração para vislumbrar a verdadeira Natureza de Deus, Pai. Se um Espírito como Eu vos disser: Sou Eu, a Quem procurastes tão inutilmente por tanto tempo! O choque provocará um desfalecimento em vós. Por quê? Por olhardes o Espírito que Se vos apresenta em Sua Natureza Original, com os olhos do Infinito, enchendo a vossa alma com imaginações fúteis, qual balão que se perde pelo espaço.
É justo que um espírito ou criatura perceba o Ser Divino em Suas Obras, todavia não se deve deixar tragar por elas. Nos primórdios, os homens apreciavam a construção de edifícios colossais. Nimrod construiu Babilónia e uma torre que ultrapassava as montanhas. A rainha Semíramis mandou demolir montanhas. O rei Ninos edificou Nínive. Os antigos faraós inundaram o Egipto com construções e imagens colossais. Os chineses, uma muralha de centenas de milhas de comprimento, para proteger o seu país contra a invasão de povos inimigos. Se fôssemos considerar tais empreendedores segundo as suas obras, qualquer pessoa inteligente nos tomaria por doidos. Aqueles construtores originais não eram maiores do que vós, fisicamente falando. Entendiam apenas estender as suas forças e aplicá-las.
Se os homens de tamanho normal conseguem realizar obras fenomenais, por que deveria a Divindade corresponder às Suas Obras,
pois consta: Deus criou o homem segundo a Sua Semelhança. Então deveria ser Deus um gigante, e as criaturas comparadas à Medida Dele, quais infusórios capazes de viver aos triliões em uma gota de água?
Porventura foi o Cristo um gigante quando realizou na Terra a obra de Salvação, pois foi em plenitude Deus e Homem? De modo algum foi Ele gigante, conquanto as Suas Obras demonstravam tamanho imensurável. E justamente este Jesus ora Se encontra diante de vós, em carne e osso. Somente o Espírito Dele, que Se projecta por Ele como Luz do Sol, age em todo o Infinito com Poder constante. Este Espírito não vos diz respeito, nem o pode. Mas, encontrando-vos junto da Fonte Original, ou seja, junto do Senhor de todos os espíritos, aceitai-O pelo Seu Amor, e não pela Sua Luz projectada. Então sereis realmente Seus filhos, e Ele o vosso Pai. O Infinito não vos diz respeito.
Não seria tolice da parte dos astrónomos caso quisessem medir o Sol pelo alcance dos seus raios? Os raios solares penetram pelas profundezas do espaço infinito e a sua medida aumenta de segundo em segundo. Quais seriam os meios para medirem tal projecção? Por isso os cientistas medem o próprio Sol, pois a sua medida é constantemente igual.
Fazei o mesmo. Procurai medir-Me com a justa medida do amor e não com excessivo temor perante Mim, porque sou a medida exacta como vós e vos amo com todo o poder do Meu Coração. Deste modo agradais- Me, podendo ser felizes no âmbito restrito do amor, fora do qual não haverá verdadeira felicidade. Tereis compreendido?"
Respondem os espíritos, admirados: "Ó Senhor, como és diferente daquilo que imaginávamos. Assim podemos amar-Te de todo coração, sem precisarmos de purgatório, inferno ou céu. Quem não Te reconhece como és, traz tudo isso dentro de si, enquanto os outros conseguem transformar tais complexos, em Céu.
Quem seria culpado da compreensão tola a Teu respeito? Na maior parte é a Igreja Católica que ensina aos confessores o temor, mas nunca o amor para com Deus. Muitas vezes pensei por que razão um cidadão não podia apaixonar-se por uma princesa, pois ainda que fizesse uma tentativa, isso era tão impossível como uma viagem à Lua. Tomando conhecimento com uma filha do povo, o coração se inflama de amor sincero. Agora compreendo tal fenómeno: o amor tece e age em círculos restritos, mas claros. Não somente esquenta o grande como também o pequeno, o artista e o sábio. Ele é tudo em tudo. Senhor, como és Bom."
Ocoraçãohumanocomolocaldaverdadeira felicidade.
OcaminhoaoCéu,ésubidaenão descida.
Concordo: "Isso mesmo, somente na trilha estreita e no local restrito é possível alcançar-se a verdadeira felicidade. Quem a procurar em ruas largas, julgando encontrar a bem-aventurança em locais cheios de brilho, jamais a encontrará. Somente o orgulho constrói em estradas largas da perdição e edifica praças sumptuosas. Em tais lugares também se constroem tribunais, prisões e patíbulos ao lado dos palácios. Aquelas instituições certamente não contribuem para a felicidade humana, nem material nem espiritualmente.
Por certo já vistes na Terra como os ricos se abastecem à custa dos pobres e humildes. E as igrejas sumptuosas — quem teria sido feliz com o seu ouro, prata e pedrarias? Ninguém. O sacerdócio que lá trabalha não o consegue em virtude da sua ganância e ambição não poderem ser saciadas, procurando dia e noite aumentar os seus proventos. Tais preocupações o atormentam e contribuem para a insatisfação. A pessoa insatisfeita não é feliz. Uma grande localidade necessita de muitos objectos para ser preenchida, e quando isso é conseguido, o proprietário procura aumentar o local, que novamente exige ornamentação. Em tal círculo vicioso não pode haver felicidade para quem quer que seja.
A ânsia do Infinito perfaz a maior desgraça de todos os espíritos infernais. O Infinito não tem limites, portanto é lógico que um espírito do mal jamais encontre a sua felicidade. Quemprocurarabem-aventurança no Infinito, jamais a descobrirá, pois quanto mais nele penetrar tanto maior será o abismo intransponível.
O Meu Reino é localizado no coração de cada criatura. Quem lá quiserentrar,teráquefundarumlocaldepazquesechamahumildade,amor e satisfação. Estando satisfeito com tal lugarzinho, a sua felicidade será eterna, pois lá há-de encontrar muito mais do que esperava.
Certamente será mais fácil organizar uma casinha com tudo que for necessário, a um palácio de aspecto vazio, ainda que tenha muitos objectos de considerável valor.
ÉprecisonãoformardesideiasvagaseinfinitasdosMeusCéus,e sim, imaginar situações modestas como existem em habitações camponesas, que havereis de encontrar nelas a verdadeira felicidade. Um
coração cheio de amor para Comigo e aos irmãos, uma vontade activa, eis o que constituirá para todos a eterna bem-aventurança.
esse pequeno trajecto, estareis no Céu verdadeiro. Não penseis que faremos uma ascensão às estrelas; a nossa caminhada será uma descida ao coração, onde descobriremos o Céu e a Vida eterna."
Inteligênciaeintuição.Uma parábola.
Respondem os espíritos de azul-claro: "Não alimentamos a menor dúvida de seres Deus Eterno, Senhor, Criador e Salvador de todos os Céus e mundos. Ainda que não Te reconhecêssemos, bastaria ouvir-Te, que todas as dúvidas se dissipariam qual neblina na luz do Sol. Numa linguagem simples e sem pompa se projectam torrentes da verdade mais sublime e profunda, da Sabedoria divinamente amorosa como se fossem fontes enormes que suprem o oceano com o seu alimento inesgotável.
Quão maravilhosa é a explicação do caminho ao Teu Reino. Apenas sentimos o mesmo que Nicodemos, que também ignorava o que fazer após a explanação do renascimento. Realmente é o caminho da cabeça ao coração bem curto. Mas como percorrê-lo? O problema parece um tanto misterioso e poderíamos perguntar: Senhor, como conseguiremos penetrar com os pés em nosso corpo e até mesmo no centro do coração? Com o nosso físico talvez fosse mais fácil atingirmos a última estrela, do que marchar directamente para dentro do coração. Rogamos-Te uma elucidação maior, como fizeram os Teus apóstolos que também não entendiam as Tuas dissertações doutrinárias."
Digo Eu: "A vossa tendência materialista impede a compreensão das Minhas Palavras. Devíeis ao menos compreender não ter Eu referido a marcha física, mas a viagem espiritual da alma. Nicodemos era inteiramente materialista e era compreensível achar o corpo materno imprescindível ao segundo nascimento. Vós vos encontrais fora de toda a matéria, como podeis pensar tão materialmente?
Nunca descobristes uma dupla actividade espiritual, isto é, uma no intelecto e outra no coração? Na cabeça reside o intelecto calculador da alma . A razão, o seu ajudante, é qual braço estendido cheio de olhos e ouvidos. O intelecto aumenta esse braço, querendo finalmente atrair o próprio Infinito. Esta tendência tola e louca do intelecto, nada mais é do que orgulho, tendência perigosa que traz morte e condenação. — No coraçãorepousaoamor,virtudetiradadoMeuCoração. Este espírito, tal qual o Meu, já possui tudo o que o Infinito contém do mais ínfimo ao mais colossal.
Se o pretensioso intelecto percebe a futilidade dos seus esforços tolos, ele retrai o braço mencionado, com humildade e modéstia como faz o caramujo quando recolhe as suas antenas dotadas de olhos diante do Sol, e não mais estende o braço ao Infinito, mas para o coração, morada do Meu Espírito no homem. Assim terá feito o trajecto de três palmos e nesse caminho atingirá a Vida eterna e verdadeira, a sua paz real, onde encontrará tudo o que contém o Infinito.
Esse Reino infinito se apresenta paulatinamente, como o vegetal surge do germe oculto no centro da semente. Naturalmente o desenvolvimento e amadurecimento da sementeira de Minhas Obras dependem da força do amor para Comigo e do amor ao próximo. O amor para Comigo é qual luz e calor do Sol, e o amor ao próximo é a chuva necessária e fertilizante. Toda a sementeira progredirá e amadurecerá quando o Sol e a chuva agirem dentro da verdadeira ordem.
Para melhor compreensão deste facto apresentarei uma parábola. É o mesmo que um pai que leva os seus filhos no verão, ao jardim repleto de árvores carregadas de frutos. Cheios de avidez, os filhos querem subir nas árvores para colher e comer à vontade. Ele, então diz: Ficai comigo, pois se fordes trepar com as vossas forças inexperientes, facilmente podereis levar uma queda, fracturando pés e mãos, e talvez até mesmo morrer. Eu e os meus servos somos fortes e bastante altos, e sabemos como se devem colher os frutos. Vou, pessoalmente, colhê-los e entregá- los a vós; então podeis saboreá-los com calma. Quando crescerdes, sereis igualmente mestres das árvores altas. Compreendeis este quadro?" Respondem os espíritos de azul: "Agora tudo é claro como o Sol, e nada mais há para explicar."
Interpretaçãodepãoevinho.Conhecimentoe acção.
Digo Eu: "Se compreendestes tão bem, tereis de agir de acordo, de contrário o Meu Ensino não surtirá efeito. Providenciarei pão e vinho. O pão é igual ao Meu Corpo, e o vinho representa o Meu Sangue. Este alimento vos fortificará e não haveis de sentir mais a morte, pois a Vida eterna será vossa posse para sempre. Roberto, manda servir o que falei."
Roberto dirige alguns passos na floresta, em direcção ao Sul, onde descobre um pequeno barril do melhor vinho, quantidade de taças e cerca de cinquenta pães de excelente trigo. Diante da quantidade enorme de alimento celeste, Ele chama Helena, Peter e sua esposa que acorrem para ajudá-lo. Todavia, os quatro não conseguem transportar esta quantidade.
Os ex-imperadores percebem a sua dificuldade, pois estavam palestrando com os três apóstolos sobre várias organizações celestes, e ajudam Roberto, no transporte e distribuição entre os espíritos de azul, que se saciam com prazer.
Então, viro-Me para os ex-monarcas e digo: "Caros amigos e irmãos, não deixa de ser louvável instruir-se a Meu respeito e sobre o Meu Reino. No entanto, é muito melhor, exercitar-se nos afazeres dos Céus. Naturalmente, é preciso preceder o conhecimento; em seguida, deve surgir a acção. Uma acção pequena e boa, vale mais que grandes
noções sem actividade. A primeira terá como consequência uma obra. Ao puro conhecimento nada segue, se não for transferido à actividade.
De que adiantaria ao oleiro a sua profissão, se nunca colocasse o barro no torno a fim de executar a sua obra artística? Assim também a fééumaciênciadocoração. Enquantonãoforpostaemactividade,écomomorta. Somente a obra realizada lhe dará vida. Foi, portanto, grande alegria para Mim a vossa disposição em bem servir, sem o Meu pedido. Realmente, até mesmo um copo de água oferecido a um sedento, será considerado por Mim que não dou valor ao conhecimento e sim, à acção.
Quem possui conhecimento certo e não age de acordo torna-se pecador tanto quanto quem age contra a justiça, embora a conheça, todavia não condiz com o seu comodismo. A fim de se tornar bomcidadãonoMeuReino,precisoésobrepor-seaocomodismoepraticarobem, segundo o conhecimento consciente. Só então é o homem aquilo que deve ser, de acordo com a Minha Ordem eterna."
Voltando-Me para os espíritos de azul-claro, prossigo: "Porquanto já estais fartamente fortificados, voltai às profundezas e despertai o maior número possível de almas. Procurai ao mesmo tempo acalmar os ânimos a fim de evitar uma guerra entre os homens. Com a realização deste Meu Desejo podereis aguardar grande prémio nos Meus Céus, nos quais facilmente haveis de entrar, porquanto Eu Mesmo vos demonstrei o caminho certo e claramente descrito pela vossa própria assertiva.
Tratai de vos antecederdes aos espíritos de vermelho, pois farão tudo para incitar a guerra entre os regentes. Será impossível evitardes tudo; mas se fordes activos em Meu Nome, muita coisa será impedida que poderia atirar a Humanidade em terrível miséria. Após a obra concluída, voltai aqui onde um mensageiro vos ajudará a entrar no Meu Reino. Amém."
Diz um espírito: "Senhor e Pai, onde obteremos pão e vinho quando sentirmos necessidade durante o nosso empreendimento?" Digo Eu: "Perguntai a Roberto e aos seus companheiros há quanto tempo foram saciados com pão e vinho e se algum dia sentiram fome e sede. Quem tivercomidooMeuPãoebebidooMeuVinho,jamaissentiráalguma necessidade. O Meu Pão é um alimento vivo e real que se reproduz no estômago da tua alma, alimentando-a junto ao espírito. De igual modo é o Meu Vinho uma bebida especial à qual não segue sede alguma. Ide em paz desempenhar a vossa tarefa, pois a partir de agora jamais haveis de sentir fome e sede."
A este ensinamento, os espíritos de azul-claro se encaminham para a sua missão. O seu êxito é realmente duvidoso, porquanto os oponentes já iniciaram plena actividade em toda a parte para conseguirem o seu fito. Ainda assim poderão abrandar a fúria dos outros.
Concluo: "Virá uma grande punição sobre todos os que se esquecerem de chamar por Mim na aflição e reconhecer o valor do homem que por Mim foi trazido ao mundo para outra finalidade, que não o brilho da coroa e do trono, pelos quais se deixaria matar. Ao povo comedido será dada a vitória para todos os tempos. Só então o Meu Reino se estabelecerá no mundo. Se todavia o povo for ávido e cruel, o que Eu não quero antever nem determinar, dificilmente alcançará a vitória final."
PartidaparaoReinoCelesterealizadonocoraçãode Roberto.
Eis que Roberto se aproxima de Mim e diz: "Senhor, que faremos então? Todos os que nos procuraram foram encaminhados. Os antigos sacerdotes, agora fortalecidos, conseguem bom êxito entre os seus milhares de irmãos. Os espíritos de azul já agem com tenacidade e não consigo ver outras falanges. Não suporto a inacção, por isso peço-Te que me dês alguma tarefa."
Digo Eu: "Não resta dúvida ser a actividade o traço principal do espírito; mas, vez por outra é bom que repouse um pouco. No repouso se refazem asforçasextintasdaalma,órgão doespírito. Esta é a razão de haver necessidade de descanso para vos fortificardes para uma grande e nova tarefa em Meu Nome. Termina o sábado. Tudo que necessitava de ordem, foi feito e completamos boa tarefa nesta Terra. Olha para Leste. O portão que não conseguias abrir, está aberto. Todos os antigos amigos esperam com grande ansiedade. Por isso partiremos deste monte terreno para entrarmos por aquela porta, em Meu Reino, que surgiu como nova comunidade do teu coração, Meu caro irmão Roberto-Uraniel.
Fortalecidos por este pequeno repouso, iniciaremos a caminhada em boa ordem. Não necessitamos passar por cima de vales e montes, mas palmilharemos em linha recta a estrada feita por Mim de luz plena, para atingirmos rapidamente o portal aberto. Tu, Uraniel, proprietário e guia desta comunidade, vai na vanguarda com o teu ajudante e a tua esposa. Seguirei com os três irmãos e serei acompanhado por todos os ex- monarcas, bispos e esta grande multidão. Vamos, e a bênção seja levada aos bons desta Terra. Amém."
Novaregiãocelesteefuturamissãode Roberto.
Dentro em pouco atingimos o portal, onde nos aguardam vários milhares de almas que Me louvam, em virtude de Minha enorme
Bondade, Misericórdia, Amor e Graça, e o Meu julgamento acertado, segundo o qual o Verbo da Ordem eterna se torna juiz de cada um.
Voltando para junto de Mim, Roberto diz: "Santo Pai, falanges incalculáveis se estendem para além do portal, sobre paragens celestes. E de todas se ouvem louvores dirigidos a Ti! Tudo está repleto de luz e brilho celestiais, e ao fundo vislumbro algo parecido com uma cidade, cuja forma, em virtude da forte luz, não consigo precisar. Meu Pai, que região é esta, que país é este? Perto do que vimos no Sol, em companhia de Sahariel, é treva em comparação ao dia radioso. Que maravilhas indescritíveis nos recebem! Deve ser o Céu mais elevado."
Concordo: "Sim, e além disso representa o terceiro andar da tua casa que viste primeiro externamente no início da tua evolução, para em seguida tomar posse dela. Esta região é igualmente a comunidade criada em teu bom coração, organizada dentro da Minha Ordem. Nela hás-de agir e zelar como chefe, visando a sua ordem perfeita. Ao mesmo tempo inspeccionarás daqui uma parte da Terra mais afim com a tua índole. Os dois locais por nós visitados na Terra, deves considerar com especial carinho: Viena, onde sofreste bastante, deve receber de ti acções boas e nobres. O último país onde passamos, deves aproveitar como instituto de purificação para espíritos impuros, seja qual for a sua origem.
A ponte que construí daquele monte para cá, deve permanecer, pois quem por ela se encaminhar nessa direção, deve ser aceite. No próprio monte porás um guarda para que todos os espíritos que o pisarem com boas intenções encontrem um guia e amigo. Aqueles que ainda se encontram na Terra, devem receber neste monte um estímulo para a sua fé e serem despertados no amor, sem coacção ou crítica. Enfermos encontrarão lenitivo para as suas dores, e os bons e crentes receberão sete vezes a sua saúde.
Se posteriormente as criaturas da Terra quiserem erigir um monumento naquele monte, não devem ser impedidas nem estimuladas, pois facilmente tal empreendimento se tornaria motivo para a ganância e a fraude. Querendo todavia colocar um marco onde houve uma ocorrência celeste na Terra, não devem ser impedidas, pois os ditos montes "Sinai", "Tabor" e "das Oliveiras" devem existir para constante recordação do que foi instituído por Mim. Agora, entremos no verdadeiro Reino da Vida eterna."
Jerusalém,Cidadedetodasas cidades.
Todos entram Comigo e se sentem penetrados por um êxtase sublime, louvando a Minha Sabedoria e Bondade. A extensa região é
cravejada de pequenas habitações agradáveis e cada um recebe a sua residência particular, inclusive o terreno celeste, bem organizado. Somente Roberto-Uraniel e o seu ajudante não vêm habitação para eles e Me perguntam onde haviam de morar.
Digo Eu a Roberto: "Tudo que vês, é a tua casa. Representa o teu lar e do teu amigo. Fora disto tens uma residência naquela cidade onde Eu Mesmo costumo morar. Trata-se da Nova e Celeste Jerusalém, Cidade de Deus, teu Senhor, teu Pai, e em espírito, o Amor de teu irmão. De lá poderás cuidar e organizar esta tua propriedade, para o que te darei os meios necessários.
Como todos que aqui trouxemos da Terra já foram bem cuidados, segue-Me até Jerusalém, para onde poderás levar quem quiseres. Percebo que desejas levar a todos. Por ora isso é impossível. Podes convidar os ex- imperadores José, Leopoldo e Rodolfo. As suas residências acham-se perto da rua principal. Chama-os para nos acompanharem até à Cidade dos Céus."
E assim acontece. Os três ex-imperadores aparecem na entrada das suas residências, cuja arrumação não se cansam de louvar e em seguida nos acompanham. Então Roberto pergunta onde estavam os espíritos que aqui entraram com os patriarcas.
Apontando-lhe a zona Sul, digo: "Lá hás-de encontrá-los, pois também moram em tua casa. Os patriarcas habitam em residências próprias, que conhecerás aos poucos. Moradias como a tua, existem inúmeras em Meu Reino e não haverá fim quanto ao teu conhecimento. Em Minha Casa as verás segundo as necessidades celestes. Conheces o espírito que neste momento se dirige para nós?"
Diz Roberto: "É o célebre Cado que provocou muita dor de cabeça a Satanás." Concordo: "Exactamente. Entrega-lhe a vigilância do monte, pois tem força suficiente e coragem para tanto. Após um ano, ninguém deve vigiar na Terra, nem mesmo Cado."
Nesse instante ele aproxima-se e diz: "Senhor, já ouvi qual será a minha incumbência e me apresso em cumpri-la." Roberto o abraça e diz: "Sê bom, justo e severo, pois a Terra está em má situação." Cado curva-se e dirige-se ao local da sua primeira missão.
Em seguida continuamos pela estrada recta que se assemelha a uma fita dourada muito larga, na qual as cores do arco-íris parecem estar bordadas em fios de seda, em direcção à Cidade Santa, indescritível à mente humana. A sua glória, grande extensão e vibração extasiante são infinitas. Cada casa tem externamente a forma de um homem limitado, mas o interior é ilimitado assim como é infinito o interior do germe em cada semente. O coração do espírito é ainda muito mais rico em sua multiplicidade.
Roberto, o seu ajudante, as suas esposas, José, Leopoldo e Rodolfo I estão perplexos diante de tão gloriosa projecção. À medida que nos aproximamos, mais deslumbrante se torna a forma da cidade e de todos os lados irradia a máxima benevolência. Com todo o amor, Roberto pergunta qual o Sol que irradiava luz para o Infinito muito mais potente que o nosso Sol, mas tão suave como a luz da estrela da manhã.
Digo Eu: "Este Sol sou Eu Mesmo! Abaixo de nós existem mais duas esferas celestes, isto é, para o Norte, o Céu da Sabedoria , e para o Sul, o Céu do Amor unido à Sabedoria. Os habitantes de ambos Me vêem apenas como o Sol que vês no zénite desta Cidade.
Somente aqui, no Céu mais elevado, Me encontro fora do Sol, se bem que também dentro dele. Nele estou apenas espiritualmente pela força de Minha Vontade, Meu Amor e Sabedoria. Eu Mesmo sou tal Sol. Todavia existe diferença entre Mim e este Sol. Eu sou a Origem, e este Sol é irradiação do Meu Espírito que penetra todo o Infinito, em força constante, emanando em toda a parte a Minha Ordem. Agora reparai as imensas falanges que nos recebem com imenso carinho."
Diz Roberto: "Quanto Te fito, Senhor, quase desfaleço de êxtase! Estás connosco e isto tudo é Tua Obra. Quem somos nós, por nos considerares com tamanha benevolência? Quão maravilhoso e santo és Tu, Senhor!"
ACidadeCeleste,fontedealimentoparao Universo.
Em seguida, o ex-Imperador Rodolfo louva-Me de coração transbordante e finaliza: "Como são diferentes as coisas e relações deste mundo comparadas às da Terra. Quanta injustificável pretensão o homem imagina, pois enquanto caminha na carne, seja imperador ou mendigo, é perecível nas condições terrenas. Fui grande Imperador. Mas quando a morte se apossou de mim, que fui eu? Nada mais que um punhado de pó e cinza. Aqui, certamente em nada sou melhor que qualquer cidadão deste mundo, desta Cidade de Deus. Entretanto julgo- me mais importante do que na Terra, como regente poderoso, perante o qual estremecia todo o mundo.
Por quanto tempo a pretensão terrena me tentou, mesmo após a morte. Coube a um homem livre, dentro da liberdade provinda da verdade, sacudir a rocha porosa de seu sono. A rocha foi destruída e agora me encontro diante de Ti, Senhor, em minha nulidade, qual criança recém-nascida que se admira do mundo novo e as suas relações abençoadas. É assim como me sinto em tudo que pertence a este Reino maravilhoso. Mas quanta vantagem não usufrui diante de soberanos,
sábios e poderosos. Tudo aqui é grandioso e sublime. A menor partícula de todas as maravilhas levada à Terra, haveria de destruí-la. Ó Pai, quão Santo e Grandioso és Tu!"
Digo Eu: "Tens razão. Na Terra é preciso haver diferenciações , de contrário ela não seria o que deve ser. Aquiéprecisosertudoigual. Não
há classes, senão a da filiação divina. No entanto, existem diferenças e ninguémperderáalgoquerealmentepossuiunaTerra. Foste imperador justo, e aqui também o serás de um reino muito maior que em vida. Lá, o teu reino media alguns milhares de milhas quadradas. Aqui hás-de reger um Sol inteiro, no qual caberiam triliões de planetas. Na cidade, em tua casa, conhecerás o teu futuro destino. Chegamos ao portal. Entremos ao som de harpas."
Entramos na Cidade cheia de luz e vida, na qual jamais haverá qualquer necessidade material porque comporta tudo em abundância, para sempre. DestaCidade,oUniversoabsorveoseualimentonaturaleespiritual.
Roberto e os seus companheiros admiram-se da graciosidade das habitações incontáveis, pois as moradias da Cidade de Deus, têm início, mas não têm fim. A sua construção inicial forma um quadrado, que se estende até ao Infinito. Após demorada admiração, Roberto diz: "Agora compreendo melhor o significado: Ninguém jamais viu, ouviu e sentiu o que o Senhor reserva aos que O amam. Se as criaturas na Terra tivessem o menor vislumbre daquilo que as espera aqui, cada segundo lhes seria um peso insuportável, preferindo morrer mil vezes. O grande Amor e Sabedoria do Senhor ocultam tais coisas dos olhos dos mortais, para atingirem a justa consolidação do espírito através da provação terrena, sem a qual não suportariam tamanha plenitude de êxtase. Agora também sei porque às vezes espíritos iguais a mim, conseguem esquecer-se tão facilmente dos seus irmãos e raramente lhes aparecem. Quem não haveria de olvidar a Terra má e trevosa diante de tantas maravilhas, caso Tu não despertasses a recordação de vez enquando."
ContrasteentreamagnitudedaCidadeCelesteeasimplicidadedo Senhor.
Prossegue Roberto: "Senhor e Pai, que palácio estupendo é aquele a uns cem passos daqui, em direcção ao Levante?" Respondo: "É a Minha Própria Casa que contém muitas acomodações, e também hás-de ocupar uma, para sempre. Assim como todos vós, e garanto que vos agradarão muito."
Exclama o ex-Imperador José: "O quê? Ficaremos Contigo, em Tua Companhia directa? Isso seria felicidade demais para nós, pecadores. Já
nos satisfaremos com qualquer cantinho." Digo Eu: "Meu irmão, consta que onde Eu estiver, estarão os que Me amam acima de tudo. Amais-Me sobre tudo e sempre o fizestes além da vossa consciência. Portanto tereis que morar onde Eu Mesmo moro, para poderdes agir Comigo em eterna comunhão. Em Minha Casa encontrareis muitos habitantes, pois ela é grande e possui inúmeras acomodações. Vamos, os três irmãos poderão ir na frente."
Assim entramos no grande peristilo. O solo é de ouro puro e translúcido. Nas partes laterais se encontram doze colunas que sustentam o tecto e brilham qual sol nas cores luminosas do arco-íris. A sua consistência é de diamante. As paredes são de pórfiro, o tecto de esmeralda e os degraus no primeiro andar de rubis incrustados a ouro conduzindo directamente para uma grande porta, que somente Eu posso abrir. Todos os presentes não conseguem expressar o que sentem diante de tamanha riqueza, e José diz: "Porventura seriam todos os soberanos da Terra capazes de construir peristilo tão maravilhoso, ainda que dispusessem do mesmo material celeste? Que luxo, que majestade indescritível!
O Senhor, todavia, continua em Sua Simplicidade conforme palmilhava na Terra, ensinando as criaturas e mostrando-lhes os caminhos da vida. Não há brilho, fulgor ou aparato de miríades de anjos, pois somente nós somos os Seus acompanhantes. Nas ruas há grande movimento. Milhares de vozes entoam loas acompanhadas de melodias de harpas. O próprio ar está repleto dos mais maravilhosos cânticos e harmonias. Convém chamarmos a atenção dos habitantes desta casa a fim de tomarem conhecimento da Presença do Senhor."
Digo Eu: "Deixa isso. Eles sabem o que fazer com a Minha Chegada. Estais habituados a fazer balbúrdia e pensais que nos Céus se aja do mesmo modo que na Terra. Nada disso é preciso. Se na Terra e em suas regiões espirituais os corações Me recebem com amor, gratidão e vida, após obra realizada com a Minha Presença, já recebi a sua devoção sincera. Quando entrarmos nos diversos recintos, seremos saudados da maneira mais amorosa de todos os Céus."
Abro então a porta e todos os Meus amigos se deitam por terra, quer dizer, nos degraus em que se encontram, e Roberto exclama de coração palpitante: "Ó Pai, isto é demais para um espírito criado, um pequenino átomo em Teu Universo! Esta luz e os maravilhosos anjos que de olhos húmidos Te estendem os braços! Perto deles somos informes, muito embora já tenhamos algum cunho celeste."
Com estas palavras, Roberto volta-se para Helena a fim de fazer uma comparação entre ela e os habitantes da Minha Casa. Ela, porém, já possui a beleza dos Meus filhos. Assustado, Roberto diz: "Senhor, que
aconteceu com Helena e Matilde Eliá? São tão belas que nem ouso fitá- las!"
Digo Eu: "Erguei-vos e não vos admireis em excesso, pois também sois tão formosos quanto elas." Os sete espíritos se levantam e mal se reconhecem diante da sua figura harmoniosa. Então Roberto aparteia: "Por acaso sou eu mesmo?" Respondo: "Sim, és tu. Entremos no primeiro recinto."
Roberto,arcanjoepríncipe celeste.
Entramos no primeiro salão, ao qual se chega pelos degraus de rubis. Roberto e o seu ajudante Peter estão estatelados diante do quadro. Originando-se ambos do planeta Urano (facto desconhecido de Peter por motivos importantes), sentem grande alegria com as construções, mormente quando colossais. Como à grandiosidade ainda se alia correspondente magnificência e majestade, os dois amigos vibram com intensidade. De olhos colados às elevadas galerias e nas colunas artísticas que as suportam, ambos nem percebem o grupo celeste que saúda em Roberto, um novo arcanjo e chefe de uma nova e grande comunidade.
Helena o toca com o cotovelo e diz: "Caro Roberto, não te percas em devaneios e observa de que forma és recebido." Voltando a si, Roberto vê que os anjos mais belos lhe entregam uma coroa maravilhosa em cima de uma almofada de veludo vermelho, e um ceptro de puro ouro translúcido que irradia um brilho qual Sol na aurora, e finalmente uma espada envolta de chama inextinguível.
Os portadores destas insígnias curvam-se diante de Roberto- Uraniel e dizem com delicadeza: "Recebe, irmão, o prémio justo, conferido pelo Pai desde que existe o mundo. Em virtude da Doutrina de Cristo te tornaste um mártir na Terra. Teria sido possível evitá-lo, caso o quisesses. Assim tornaste-te mártir principalmente em virtude da Doutrina pura do Senhor Jesus, nosso Deus e Pai, amoroso e santo, de Eternidades em Eternidades.
Na realidade não acreditaste que Jesus, nascido em Belém e por ti chamado o Sábio de Nazaré, fosse Deus, o Próprio Senhor. Tu O amavas especialmente e no coração percebias a Sua Divindade, conquanto o teu intelecto não concordasse com o sentimento. Esse teu amor fez com que conservasses Amor e Graça Dele, que ora te tornam um príncipe dos Céus. Aceita a coroa, o ceptro e a espada da força, poder, amor, sabedoria e justiça, tornando-te regente justo e sábio desta grande e nova comunidade. O Senhor te abençoou e assim o quer!"
Estupefacto, Roberto diz com humildade: "Caros amigos celestes! Se me tivésseis entregado as insígnias de sapateiro em vez destas reais, aceitaria com a máxima veneração. Estas, não as posso aceitar. Como seria possível aceitá-las, se o Senhor e Rei de Céus e mundos, não ostenta coroa, ceptro nem espada? Ao meu lado se encontram três imperadores habituados a usar coroa. Passai-lhes estes distintivos que não os farão mais vaidosos, enquanto eu poderia cair na vaidade, sem benefício para mim, nem para a comunidade ou para o Reino de Deus no meu coração. Esta é minha morada certa, que tenho de dirigir dentro da ordem e em Nome do Senhor e nosso Pai. Desisti daquilo que não me compete."
Retrucam os anjos: "Porventura queres opor-te à Vontade do Senhor?" Diz Roberto: "O meu Senhor e meu Deus ainda não Se manifestou. Caso me fale, obedecerei em Nome Dele. Sem o pronunciamento Dele não farei nada, pois Ele é tudo para mim, e sem Ele todos os Céus de nada me servem. Consta: Todos vós deveis ser ensinados por Deus. Quem não for educado por Ele como Pai, não se prestará para os Céus e não atingirá o Filho que é o Reino Eterno do Pai."
Eis que os portadores dos distintivos se dirigem a Mim, dizendo: "Pai, que faremos? Ele não os aceita." Digo Eu: "Querendo ele ser igual a Mim, deixai-o em paz. Aqui rege apenas a liberdade mais perfeita e incondicional. Este irmão não é um espírito comum. Há poucos iguais a ele, por isso temos que fazer uma excepção. Levai as insígnias ao recinto dele. Quando for preciso, ele as usará. Agora trazei coroas, ceptros, espadas e púrpura para os três regentes terrenos. Assim seja."
AimportânciadodestinodoscidadãosdoCéumais elevado.
Imediatamente os distintivos de realeza são trazidos. A entrega é feita da mesma forma, em almofadas de veludo vermelho, no entanto, também estes três regentes se recusam a usá-los em Minha Casa e ao Meu lado.
Digo-lhes: "Meus amigos, não se trata do uso constante destes emblemas, portanto tereis de aceitá-los. Existem aqui condições e tarefas da vida, muitas vezes ocorrem visitas formidáveis de todos os mundos e importantes migrações para mundos e sóis diversos. Há emissários para os dois enormes Céus inferiores, mormente para as suas incontáveis sociedades, outros para inúmeras regiões espirituais, sem fim. Para tais ocasiões os arcanjos enviados daqui tem que se munir de insígnias como prova de que conquistaram a maior vitória sobre si mesmos, tornando-se senhores de todo o Universo.
Em missões dirigidas à Terra, onde já viveram e se educaram os Meus filhos, tal não é preciso, pois têm que ser criados na maior simplicidade. Por isto não devem ser despertados com algo reluzente em sua humildade dificilmente mantida. — Outra coisa sucede com espíritos, habitantes de grandes sóis centrais que nascem no maior brilho e fulgor, vivendo em habitações tão formidáveis que tudo que ora vedes se apresenta como tosca choupana. Por isso às vezes é preciso aparecer em pompa e brilho máximos, como regentes terrenos.
Em tais ocasiões, não raras, necessitais destes distintivos pelos quais transmitis aos espíritos, que sois príncipes dos Céus mais elevados e igualmente irmãos do Espírito Supremo. Regiões solares hão-de estremecer com os vossos passos e a vossa voz tem que se assemelhar ao trovão das tempestades que mantêm em profundo respeito as índoles fogosas dos habitantes poderosos dos imensos mundos solares. Espero que compreendais a razão por que vos são entregues tais distintivos.
AcoroaéprovadequesoisMeusfilhos, em virtude da vossa
alma que ora é corpo purificado; e pelo Espírito, que se origina do Meu Coração sendo o Meu Eu em vós, sois Meus irmãos. — O ceptrodemonstra que sois regentes do Infinito, para sempre, porque sois portadores do Meu Eu. — Aespadaé sinal de poder e força, dados por Mim para sempre. — Finalmente, apúrpuradesignaqueovossoexterior e interior são puro amore que quereis iguais a Mim organizar, domar e dominar tudo pelo poder do amor. Aceitai, portanto, estas provas de realeza."
Diz o ex-Imperador Rodolfo: "Senhor, fomos tão enaltecidos que jamais poderemos agradecer-Te na altura. Acontece que os meus outros filhos ainda se encontram fora desta cidade, se bem que neste Céu mais elevado; todavia não podem ser tão felizes quanto eu. Não seria possível que aqui viessem, para desfrutarem da nossa situação?"
Digo Eu: "Meu irmão, a tua preocupação vem tarde demais. Volta- te para a porta e hás-de vê-los, todos com as mesmas insígnias. Estão se aproximando para agradecer-Me com devoção. Entre eles e vós três existe a diferença de que eles receberam os distintivos antes que vós; receberam- nos em suas moradas majestosas, razão pela qual já os trazem, enquanto só agora os aceitastes. Que Me dizem?" Responde Rodolfo: "Pai e Senhor, a Tua Bondade e Poder são imensos. Não encontro palavras para me expressar. Terão eles a mesma incumbência que nós?"
Digo Eu: "Naturalmente. Todos os moradores deste Meu Céu mais elevado têm a mesma finalidade. Aliás, a tarefa é maior para os que se encontram na Minha directa Companhia, assim como se acham em constante actividade os nervos humanos, que se encontram mais próximos do coração."
Rodolfo e os outros regentes agradecem-Me emocionados. Em seguida chamo a Roberto e digo: "Vai com Pedro, Paulo e João, conhecedores da organização doméstica, e arranjai a maior mesa possível, pois existem muitos que dela participarão."
OimensopomardaCriaçãoeosseusfrutos celestes.
Eis que Roberto-Uraniel pergunta se deve levar o seu amigo Peter e as duas jovens. Então respondo: "Não ouviste que aqui se emprega a mais perfeita liberdade individual, quando pretendias rejeitar as insígnias? Se assim é, para que fim tal pergunta? Podes fazer aqui, como na Terra, tudo que desejas, que estará bem. Neste ambiente chegam apenas criaturas que se despojaram inteiramente da sua vontade pessoal, aceitando para sempre a Minha Vontade em sua vida complexa. Se assim não tivesses agido, não estarias Comigo, no Céu mais elevado, portanto não podes querer outra coisa senão o que Eu Mesmo quero. Jamais e em parte alguma existe liberdade mais elevada e perfeita senão a idêntica à Minha Própria Vontade. Se te apossaste dela na íntegra, como poderias estar limitado à tua vontade que de certo modo é apenas a Minha?
Se não houvesse liberdade máxima e incondicional, Eu e todos que se uniram a Mim, seríamos simples ilusão, e a suprema bem-aventurança dos Meus filhos, uma mentira, Podes agir como perfeito anfitrião e outros, poderão fazer o mesmo, pois na Minha Casa não existem graduaçõesdeposto. Todos são irmãos, somente Eu, sou o Senhor e Pai de todos. Quanto ao espírito e a verdade intrínseca, sou igualmente vosso Irmão. Creio estares orientado e podes agir sem indagações futuras."
Assim, Roberto vai ao próximo recinto, acompanhado de Peter, Helena e Eliá, Pedro, Paulo e João. Ele não se contém novamente de admiração e diz a Pedro: "Pareces achar muito natural entrar aqui, sem tomar conhecimento das inúmeras maravilhas que enfeitam este átrio gigantesco. Para mim, ele seria motivo de observação e estudo eternos. "Retruca Pedro: "Enganas-te julgando-me insensível em meio das obras mais sublimes do Senhor, como se o hábito me levasse a tomá-las como corriqueiras e menos dignas de atenção. Dá-se justamente o contrário. Observo tudo com certa calma do meu espírito, externando o Louvor do Senhor, em meu coração. Ainda és novato e desconheces o uso caseiro e além disso és um espírito vivo e fogoso, por essa razão, tudo se inflama prontamente dentro de ti. Quando conheceres a grande Residência do Pai Eterno e o Seu amoroso uso doméstico, concordarás certamente com a minha atitude.
Aliás agradas-me bastante em virtude do teu entusiasmo, pois o teu espírito é semelhante ao do nosso irmão Paulo, igualmente cheio de fogo e exuberância. Aprecio muito tais espíritos, conquanto não seja apreciador menos entusiasta de tudo que vem do Senhor. Apenas pareço mais calmo e não faço alarde, mas vibro no coração.
Agora, mãos à obra. Vê aquela mesa de ouro puro e translúcido. Vamos empurrá-la para o centro da sala e supri-la de pão, vinho e de frutas celestes, que encontraremos em abundância no grande armário da parede sul."
Satisfeito com a orientação, Roberto e os demais se aprontam para a tarefa. Quando ele avista os frutos maravilhosos, exclama: "De facto, todos os frutos especiais que certamente aparecem em planetas mais adiantados, aqui se encontram em pleno amadurecimento e abundância, sendo que o ananás de nossa Terra é o único que conheço."
Diz Pedro: "Porventura desconheces uvas, figos, pêssegos e melões? Existem igualmente aqui. Chega a esta janela ao lado sul e observa o grande pomar, onde descobrirás todas as qualidades imagináveis que viste na Terra, ao natural ou em quadros."
Roberto aproxima-se da dita janela e queda estupefacto diante de um enorme pomar em plena pujança. Após algum tempo, ele diz: "Este é certamente o pomar de todos os pomares do Infinito, pois a sua extensão não pode ser calculada. Que ordem maravilhosa e que riqueza de incontáveis qualidades de frutos raros. Deste pomar poderia abastecer-se a Terra toda com uma só colheita, durante mil anos. Quem seriam os consumidores?"
Responde Pedro: "Os primeiros somos nós; os segundos, são todos os habitantes desta cidade, que pelo sul não tem limites. Os terceiros consumidores são os dois Céus inferiores e, através deles, a totalidade do mundo espiritual e, por ele, toda a Natureza. É ele um pomar modelo para o Universo inteiro. Compreendes?"
Responde Roberto: "Sim, já calculei que assim fosse. Apenas queria conhecer os lavradores que organizam um pomar como este, em Nome do Senhor." Diz Pedro: "Tudo é feito por Ele Mesmo, através da Sua Vontade Poderosa. Tudo que Ele quer, se apresenta. A reprodução é efectuada por anjos e espíritos especiais, incumbidos da fertilização de todos os planetas.
Estes espíritos não costumam continuar nessa tarefa, pois são revezados por outros com regularidade, enquanto os primeiros espíritos recebem outra incumbência. Nos Céus não existe monotonia na actividade. Em toda a parte rege a mais livre variedade. Cada um se ocupa daquilo que mais lhe agrada, enquanto isso lhe dá prazer e felicidade . Tão logo uma ocupação deixa de produzir o mesmo prazer,
existem outras tantas à escolha individual. Não resta dúvida que isto estimula a liberdade."
Diz Roberto: "Realmente, isto se chama vida inteiramente livre. Ó Terra, jamais pudeste sonhar com a tua liberdade infinita. Que faremos agora? Convém darmos um sinal, pois que a mesa está posta?" Protesta Pedro: "Que pensamento mais material. Julgas que o Senhor e os moradores desta casa ignoram se terminamos a nossa tarefa?"
Concorda Roberto: "Tens razão, o Senhor o saberá. Mas, os outros?" Explica Pedro: "Para tanto, existe aqui determinada organização. Em todos os incontáveis recintos, principalmente nos três andares, acha-se um quadro orientador. Lá, o Senhor designa o que deve ocorrer, e cada morador se dispõe a obedecer instantaneamente.
Organização semelhante existe em todos os demais Céus, apenas em escala menor que aqui, na Casa do Pai. Tudo irás conhecer mais nitidamente. Aqui,nuncasecompletaoestudo,continuandoalunopor toda a Eternidade. O nosso aperfeiçoamento consiste apenas no amor e na aceitação da Graça cada vez maior do Pai. Quanto ao conhecimento e à experiência, seremos eternos discípulos do Senhor. Somente Ele é Omnisciente. Nós o somos à medida que Ele o quer e achar útil para nós.
Eis por que aqui se sucedem constantes indagações e explicações, ao lado do conhecimento formidável dos espíritos, com referência às mais variadas aparições e factos. Inclusive tu, jamais encontrarás um ponto final com as perguntas. O melhor ajuste se consegue preferindo o amor aosaber; oamorsatisfaz,osaber,jamais."
EloentreRobertoeosantigosimperadoresde Habsburgo.
Diz Roberto: "Tal axioma representa a infinita Sabedoria do Senhor. Se a criatura chegasse a um fim no saber, nada mais haveria que perguntar, tornando-se a existência insuportável para um espírito pesquisador. Deste modo, um espírito perfeito continua limitado no saber, na Casa do Pai, onde um milagre reveza outro, não obstante ter ele noções muito mais profundas do que atingiriam todas as criaturas, em mil anos. Sentimo-nos inúteis sem compreendermos o que se acha diante de nós. Isto é muito salutar porque conserva o coração e espírito em uma constante actividade.
Muitas vezes meditei qual a relação entre mim e os imperadores alemães e austríacos. Como se deu este encontro e o que tenho a ver com Rodolfo I, e os seus descendentes. Para o meu núcleo, admito espíritos que viveram durante a minha passagem na Terra, alimentando a mesma maneira de pensar e os que dos Estados austríacos entraram comigo no
mundo espiritual. É-me inteiramente enigmático como os regentes da Áustria, com os quais nunca tive contacto, porquanto desempenharam a sua regência muito antes da minha existência, pudessem aderir ao meu grupo, inclusive alguns bispos católicos. Não compreendo a razão disto, não obstante o meu progresso espiritual."
Diz Pedro: "A razão é muito simples. Foste sempre verdadeiro adversário da dinastia dos habsburguenses, à qual atribuías todos os problemas da Europa. Jamais poderias ser habitante deste Reino do Amor puro e eterno, com tamanho rancor. Por isso, o Senhor te proporcionou a oportunidade de te reconciliares com os teus oponentes, reconhecer o seu valor e aceitá-los como irmãos, respeitá-los e amá-los como a ti mesmo. Compreendes?"
Concorda Roberto: "Sim, de facto. A sucessão imperial instituída por Rodolfo foi para mim um horror de devastação de quase todos os direitos humanitários. Com ela são preteridos todos os demais espíritos, ainda que mil vezes mais inteligentes que aquele que ocupa o trono. Um príncipe regente torna-se com isso soberano ainda no ventre materno. O mais inteligente cidadão no Reino tem que silenciar, sem ser percebido e empregado a bem do povo, pelo soberano que sempre se julga um Salomão em virtude do direito hereditário. Esse e milhares de outros importantes motivos me encheram de rancor contra os habsburguenses, e me revoltava quando me lembrava do ambicioso Rodolfo. Não lhe bastava ter-se designado imperador, mas queria manter a sucessão para sempre.
Agora acabo de receber outra orientação, pela qual concluo que um império medíocre é muito melhor do que o mais excelente reino electivo no qual os candidatos à sucessão imperial sempre se tornam inimigos daquele que foi eleito. Nunca teria chegado a esta compreensão por mim mesmo. O Senhor, não somente permite, e sim, foi da Sua Vontade que terminassem os reinos electivos, dando início aos de sucessão. Quanto a um término próximo, quiçá já existente, das dinastias e seus reinados, o Próprio Senhor ventilou de modo explícito através dos Seus Discursos orientadores. Que me dizes?"
Retruca Pedro: "Meu amigo, aqui isso não nos diz respeito. Os homens são livres em relação às ligações políticas e organizações governamentais, podendo empregá-las como quiserem. Cabe-lhes apenas obedecer à autoridade, unindo-se a ela, que terão paz e sossego. Todos os cidadãos de um Governo devem estar unidos ao seu regente, auxiliando- o em época de necessidade com as suas posses, coragem e sangue. Assim, farão um povo feliz e rico em todas as coisas materiais.
Um povo que despreza o seu soberano, atribuindo-lhe a culpa de todas as desditas que o atingem por sua própria falta, pouco terá de registar de uma felicidade. Sempre que os pov