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OBRAS DA NOVA REVELAÇÃO

Recebidas pela Voz Interna

de

JAKOB LORBER

O REINO DAS CRIANÇAS NO ALÉM

Revelações sobre as condições de vida no além de crianças falecidas em tenra idade

ÍNDICE

Apresentação ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9

Notas biográficas de Jacob Lorber ----------------------------------------------------------------------------- 11

Prefácio da editora alemã --------------------------------------------------------------------------------------- 13

Introdução da editora alemã ----------------------------------------------------------------------------------- 19

ENTRADA NO REINO DAS CRIANÇAS

Método prático para o autodesenvolvimento das crianças --------------------------------------------- 23

Ensino das matérias por degraus progressivos ------------------------------------------------------------- 27

Escola celeste para o ensino da Geografia e da História Universal ------------------------------------ 30

Ensino sobre a Terra: Sua natureza e formação ------------------------------------------------------------ 34

Sobre a escola sagrada da vida --------------------------------------------------------------------------------- 38

Sala de aula da história da criação do homem -------------------------------------------------------------- 42

ESCOLA DOS 12 MANDAMENTOS DE DEUS

Primeira sala — Explicação do Primeiro Mandamento --------------------------------------------------- 47

Como é que se deve procurar Deus --------------------------------------------------------------------------- 50

Saudade de Deus — uma prova de Sua existência ------------------------------------------------------- 54

Segunda e Terceira salas — Ensinamento sobre o Segundo e Terceiro Mandamentos ---------- 58

O Quarto Mandamento na Quarta sala (no sentido espiritual) ---------------------------------------- 63

O Quinto Mandamento na Quinta sala (no sentido espiritual) ---------------------------------------- 65

O Sexto Mandamento na Sexta sala — O que é impudicícia? ------------------------------------------ 68

Duas espécies de amor ------------------------------------------------------------------------------------------- 71

O que é fornicação? ---------------------------------------------------------------------------------------------- 75

Sétima sala — Sétimo Mandamento ------------------------------------------------------------------------- 78

O que significa "furtar"? ----------------------------------------------------------------------------------------- 81

Avisos sobre a questão social ---------------------------------------------------------------------------------- 84

Oitava sala — Oitavo Mandamento — O meio para mentir -------------------------------------------- 87

O que significa um falso testemunho? ----------------------------------------------------------------------- 90

Nona sala — Nono Mandamento ----------------------------------------------------------------------------- 94

Considerações sobre o Nono Mandamento --------------------------------------------------------------- 98

O sentido intrínseco do Nono Mandamento ----------------------------------------------------------- 104

Sobre a bênção da sábia limitação -------------------------------------------------------------------------- 107

Quem peca contra a primitiva ordem do Nono Mandamento --------------------------------------- 110

Espírito de usura — o mais condenável perante o Senhor -------------------------------------------- 112

Décima sala — Décimo Mandamento ---------------------------------------------------------------------- 116

Quem é o “TU" no Décimo Mandamento? ---------------------------------------------------------------- 119

Exemplos da compreensão errada do 10.o Mandamento --------------------------------------------- 120

Por que o sentido verdadeiro do 10.o Mandamento está encoberto? ----------------------------- 124

O verdadeiro sentido intrínseco do 10.o Mandamento ------------------------------------------------ 129

Undécima sala — 11.o Mandamento — O Amor a Deus ----------------------------------------------- 133

Amor de Deus — O princípio original de todas as criaturas ------------------------------------------- 137

O que quer dizer: "Amar a Deus acima de tudo"? ------------------------------------------------------- 139

Em que consiste o Amor a Deus? ---------------------------------------------------------------------------- 143

Como se ama a Deus acima de tudo? ----------------------------------------------------------------------- 147

Duodécima sala — 12.o Mandamento — O amor ao próximo ---------------------------------------- 150

Em que consiste, no fundo, o verdadeiro amor ao próximo? ----------------------------------------- 154

ENSINO PRÁTICO DOS ALUNOS DO ALÉM

Ensino prático dado aos alunos do Além sobre o amor ao próximo -------------------------------- 159

Natureza e consequências do vício ------------------------------------------------------------------------- 163

No segundo inferno --------------------------------------------------------------------------------------------- 166

Em toda a Criação não há nada que possa ser aniquilado -------------------------------------------- 169

Imagens do primeiro e segundo infernos ------------------------------------------------------------------ 172

Conforme sua individualidade, cada homem leva consigo o Céu e o inferno -------------------- 175

Corpo, Espírito, Princípio de Vida --------------------------------------------------------------------------- 178

Imagens terrestres do inferno fundamental ------------------------------------------------------------- 181

Uma outra imagem do inferno mais baixo ---------------------------------------------------------------- 182

Ambição de poder e soberba — sementes do inferno ------------------------------------------------- 185

Frutos que amadurecem para o inferno ------------------------------------------------------------------ 188

Em estado espiritual, todos os segredos são revelados ------------------------------------------------ 190

Céu e inferno — polaridades do homem ------------------------------------------------------------------ 193

Princípios celestes e infernais -------------------------------------------------------------------------------- 196

O espírito, criador de seu próprio mundo ----------------------------------------------------------------- 199

Continuação da evolução dos alunos do Além — O Reino intermediário (o HADES) ----------- 202

Cada vida tem seus próprios caminhos designados pelo Amor do Senhor ------------------------ 205

Continuação da conduta dos alunos pelos planetas e as Sete esferas do Sol rumo à sua meta celeste -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 207
RETROSPECÇÃO

Olhar retrospectivo às Dez Esferas espirituais percorridas -------------------------------------------- 211

Cada homem traz em si uma semente diferente para o desenvolvimento do seu mundo espiritual ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 213

O Reino dos Céus é igual a este tempo atual ------------------------------------------------------------- 216

Uma árvore como exemplo da natureza do Reino dos espíritos ------------------------------------ 219

Uma criança como imagem do Reino dos Céus e do Universo -------------------------------------- 223

APRESENTAÇÃO

"O Sol Espiritual" (dois volumes) do qual o presente livro constitui a parte final, é a obra principal sobre o Além, que Jakob Lorber, o "servo-escrivão de Deus", recebeu pela Voz Interna logo nos primeiros anos após sua vocação.

Ao passo que "Bispo Martim" e "Roberto Blum" — as duas outras obras relativas ao nosso assunto — nos mostram os caminhos especiais, pelos quais as almas destes dois personagens chegaram a reconhecer o Pai em Jesus, seguindo-O até alcançarem a filiação Divina Casa do Pai, "O Sol Espiritual" leva nossa visão, pelo que humanamente é possível, aos mistérios entre a Terra e os Sóis Centrais, deixando-nos enxergar a concatenação entre os mundos visíveis e invisíveis do Universo.

"O Reino das Crianças no Além" constituí parte importante e conclusiva deste quadro universal, revelando-nos a imensidão de Amor, Sabedoria e Onipotência do Criador, pelos quais Ele, como Pai, leva, na imagem das crianças, Seus filhos ao seu destino eterno.

Que a leitura desta obra traga muita luz e ricas bênçãos para quem a acolher com boa vontade.

Rio de Janeiro, 12/09/1995

Jaime M. Murböck

Título original: Das jenseitige Kinderreich

Lorber Verlag, 74321 Bietigheim

NOTAS BIOGRÁFICAS DE JAKOB LORBER

Jacob Lorber nasceu em 22 de julho de 1800 em Kanischa, pequena vila nas margens do rio Drau, então Áustria. Era filho de pais pobres que viviam do cultivo da vinha. Desde a escola primária revelou um notável talento musical e aprendeu a tocar harpa, violino, piano e órgão. Cursou durante 5 anos o ginásio, mas devido a uma série de dificuldades o largou, mantendo-se em seguida como professor particular. Sua tentativa de obter a nomeação para professor de uma escola regional não teve êxito; desanimou e resolveu dedicar-se então inteiramente à música.

Nos anos de 1830 a 1840 ele deu aulas, fez composições e apresentou-se em concertos públicos, uma vez até no teatro Scala de Milão. Ao mesmo tempo, cultivava particular interesse pela astronomia e dedicava-se ao estudo de obras espirituais, sobretudo dos grandes místicos Jakob Böhme e Swedenborg.

Aos 40 anos, veio-lhe inesperadamente uma oferta para regente de orquestra em Trieste, proporcionando-lhe finalmente um bom sustento material. Aceitou-a e preparava-se para partir, quando seus planos foram interceptados por um acontecimento de ordem transcendental.

Foi em 15 de março de 1840, após fazer uma prece matinal, quando Lorber ouviu uma voz no coração: "Levanta-te e escreve!" — Obedeceu a esta chamada misteriosa e escreveu as palavras que ouviu numa admiração sagrada, como um fluxo de pensamentos claros no coração:

"Assim fala o Senhor para cada um, e isto é verdadeiro, fiel e certo: Quem quiser falar Comigo que venha a Mim, e Eu lhe darei a resposta em seu coração. Somente os puros, porém, cujos corações são cheios de humildade, deverão ouvir o som de Minha Voz. E quem Me prefere diante de todo mundo, quem Me ama como uma noiva dedicada ama seu noivo, com este Eu caminharei de braços dados; poderá ver a Mim como um irmão vê seu outro irmão e como Eu o vi eternidades, antes que ele existisse!"

Era a hora de sua vocação. E a Voz continuou a falar e surgiu um capítulo inteiro, cheio de maravilhosos ensinamentos de Amor e Sabedoria Divinos. No dia seguinte, o mesmo — um capítulo após outro. Podia ele se esquivar desta Voz maravilhosa? — Não! — Mas, e o emprego em Trieste? O convocado, porém, resistiu à tentação. Renunciou à oferta sedutora e dedicou-se pelo resto da vida — 25 anos — a servir à Voz misteriosa, como humilde servo-escrivão de Deus.

Externamente, Lorber levava uma vida bastante penosa; sustentava-se dando lições de música e afinando pianos. Com a idade avançando, sua saúde fraquejou; amigos deram-lhe então o necessário amparo. E em 24 de agosto de 1864, o servo-escrivão de Deus fechou seus olhos em paz para este mundo.

O legado espiritual deixado por Lorber é uma gigantesca obra de cerca de dez mil páginas impressas, revelando inúmeros segredos da Criação de Deus e da Vida no Além, bem como os pormenores da Vida e Doutrina de Jesus, sendo a Obra principal, a coroação de todas as outras, o "Grande Evangelho de João", em dez volumes. Ao lado da Bíblia, o mundo não possui obra mais importante!

PREFÁCIO

"O que é a vida? — O que é a morte? — E por que crianças hão de morrer?" Não são só aqueles que prestam assistência a uma criança moribunda ou que se veem diante da morte repentina de crianças e menores que fazem estas perguntas. Um jovem de nove anos, doente de câncer, fez estas três perguntas comovedoras à Dra. Elisabeth Kübler-Ross, célebre pesquisadora da morte humana. No seu valioso livro "Crianças e morte" (Editora Kreuz) ela conta: "Usei os lápis coloridos de minha filha e mandei-lhe uma cartinha bem legível e em estilo simples, ilustrando-a com desenhos. A reação dele foi não somente muito positiva, mas se sentiu também bastante orgulhoso de ter recebido de Elisabeth um pequeno livro ilustrado." Ele o deu para ler não apenas a seus pais, mas também aos pais de outras crianças moribundas. Esta carta ilustrada da fabulosa médica de coração cheio de amor foi reproduzida, em cores, no livro acima citado, para que também outras crianças pudessem informar-se sobre estas perguntas vitais de suma importância. Citamos a seguir algumas de suas claras, simples e afetuosas frases que ela dirigiu ao jovem que sabia que deveria morrer:

"Não existe acaso na vida. Deus não faz diferença entre os homens. Somos todos Seus filhos. — Seu Amor não impõe condições! — Ele compreende tudo e não condena nunca. — Ele é o Amor incondicional. — Tu e Deus, escolhestes juntos os teus pais entre um bilhão de homens. — Da tua parte, para ajudá-los a crescer e aprender e eles também são teus professores. A nossa vida é uma escola onde podemos aprender muita coisa: dar-se bem com outras pessoas — compreender os sentimentos delas — ser sinceros conosco e dar amor a outros, como também receber deles amor. Quando passamos em nossas provas, podemos terminar a escola — isso quer dizer: podemos voltar à nossa verdadeira casa — a Deus, de Quem viemos. Lá vamos encontrar de novo todos aqueles que amamos na vida. É como um encontro em família após um exame...”

Uma das observações que a médica Kübler-Ross fez ao lado de leitos de morte, é que crianças, pouco antes de morrer, muitas vezes vivem "um momento de clareza" que as faz sábios instrutores para nós adultos. Muitas vezes, elas têm um íntimo conhecimento daquilo que as espera, e uma compreensão intuitiva do mistério de vida e de morte. Esta experiência é importante para todos os que devem Assistir a uma criança moribunda. Pois se as pessoas presentes mostram compreensão e intuição, é mais fácil para as crianças despedirem-se da vida sem medo. A Dra. Kübler-Ross menciona em seu livro o jovem Mike, enfermo com uma doença incurável, que deixou, no dia de sua morte, o seguinte bilhete na mesinha de cabeceira. As palavras dele "confirmam a convicção", escreve ela, "de que é melhor para as crianças, se podem comunicar-se com sua família aberta e honestamente, como felizmente era o caso com aquele jovem."

O tempo chegou.

Minha obra está feita.

Agora vem algo novo.

Em breve, as portas estarão abertas.

Parto agora, até à vista.

O tempo, o tempo não termina jamais — o tempo eterno.

O amor, o amor é eternidade.

Para sempre, com amor.

Sempre vos amarei.

Na maneira pela qual a médica Kübler-Ross consegue tirar o medo de morrer, tanto em crianças como em adultos, podemos ver um verdadeiro carisma em um tempo em que muitos perderam a fé na continuação da vida após a morte, num mundo no Além, isto é, numa outra dimensão. De acordo com todos os grandes visionários e peritos do Além, ela diz: "A morte nada mais é senão a saída do corpo físico, da mesma maneira como uma borboleta sai do seu casulo. A morte é a passagem para um novo estado de consciência, onde continua a faculdade de sentir, ver, ouvir, entender, rir e crescer. Nosso corpo físico é a única coisa que perdemos nesta transformação, por não mais precisarmos dele."

Durante séculos sobretudo pela doutrina de Tomás de Aquino — reinava a crença de que o homem, após a morte física, não possui mais um corpo. Eis uma das causas principais da ignorância da maioria das pessoas sobre a continuação da vida após a morte. Gomo poderia um homem existir sem um corpo? Compreende-se que a maior surpresa para cada novo recém-chegado no Além é a constatação de que possui ainda um corpo com os mesmos membros do seu antigo corpo físico. Em Jakob Lorber (Grande Evangelho IV, 51, 3) chegamos a saber: "A alma possui um corpo etéreo que é tão real como o é o corpo físico para a carne." Este corpo etéreo (que Lorber chama também de fluido nervoso), é o elo entre o corpo físico e alma durante a vida terrestre. É nele que o homem, após a morte, passa para a realidade do Além.

Pais que perderam um filho pela morte na mais tenra idade, podem perguntar como pode ele continuar sua vida, uma vez que na Terra era apenas um pequenino ser desamparado que dependia totalmente dos cuidados de outros. A médica Kübler-Ross informa no seu livro sobre a faculdade de "crescer mais também no Além". Com isso, ela chama a atenção a uma situação básica de fundamental importância no mundo do Além. Lá continua o desenvolvimento tanto, interior como exterior, não terminando com a morte. Após a morte, a criança não fica sempre criança; ela cresce na sua estatura exterior e desenvolve suas faculdades espirituais. O místico indiano Sadhu Sundar Singh, que constantemente estava em íntima ligação com Jesus, e que teve muitas visões do mundo espiritual que correspondiam com as Mensagens sobre o Além de Jakob Lorber, relata a esse respeito:

"Uma criança morreu de pneumonia. Vieram anjos para conduzir sua alma ao mundo dos espíritos. Quanto teria eu sido feliz, se a mãe dela tivesse podido perceber este quadro magnífico! Então, ela não teria chorado, mas cantado com júbilo; pois os anjos cuidam dos pequeninos com um desvelo e amor de que uma mãe jamais seria capaz. Ouvi um anjo dizer a um outro: 'Olha, como a mãe desta criança chora pela breve separação temporal! Em poucos anos ficará de novo com sua criança.' Os anjos levaram então a alma da criança para aquela bela parte, cheia de luz do Céu, que é destinada às crianças (segundo Jakob Lorber, a esfera espiritual do Sol!). Lá, os anjos cuidam delas, ensinando-lhes toda a sabedoria celeste, até que as crianças sejam adultas, tornando-se pouco a pouco elas mesmas como anjos.

Depois de algum tempo, também a mãe da criança morreu, e seu filho que já se tornara igual aos anjos, veio com outros anjos dar as boas-vindas à alma de sua mãe. Disse-lhe: 'Mãe, não me conheces mais? Sou teu filho Theodor!' Então o coração da mãe foi vencido pela alegria, e eles se abraçaram. Foi uma cena comovente. Quando então se foram, ele lhe mostrou e explicou todo o ambiente. Ficou com ela durante o tempo que devia permanecer no estado intermediário (reino mediano). Ao terminar finalmente o período de ensinamento naquele mundo, ele a levou consigo para uma zona superior, onde ele mesmo morava. Lá, havia regiões belíssimas. E o filho disse à sua mãe: 'No mundo terrestre, que nada mais é do que o triste reflexo deste mundo verdadeiro, nossos entes queridos se afligem por nossa causa. Mas dize-me: É isto aqui a morte, ou não é antes a própria vida pela qual nosso coração sempre ansiava?' Respondeu a mãe: 'Meu filho! Esta é realmente a vida verdadeira. Se eu tivesse conhecido no mundo toda a verdade sobre o Além, nunca me teria afligido com a tua morte." —

Quando o homem compreender de onde veio e para onde vai, alcançará a consciência interior de que o corpo terrestre é somente o portador temporal de sua essência psico-espiritual, e que o homem interior, encerrado no invólucro corporal, é o verdadeiro homem imortal. E se reconhecemos Deus como nosso Criador e Pai, que nada cria para depois destrui-lo, mas sempre para levá-lo, por caminhos adequados, a um estado superior, mais ditoso, — então, confiando em Seu Amor e Sabedoria, compreenderemos que — considerando as tantas razões possíveis — só Ele pode saber por que na Terra, um tem uma vida tão longa, quando a de outro passa como um sopro fugaz. Só Ele pode saber se é profícuo para uma alma usar a veste material por tempo mais longo ou mais breve, ou se esta seria um impedimento para um mais rápido caminho evolutivo. Mas seja a vida na Terra mais longa ou mais curta, cada um leva em seu coração, numa Centelha do Espírito Divino, o selo da eterna indestrutibilidade.

Para que não haja no homem motivo de dúvida quanto à Bondade Infinita de Deus, Deus lhe dá conhecimento de Seus Eternos Desígnios, de Suas Providências e Permissões, Suas Condutas e Seus Caminhos, Suas Intenções para conosco, homens, para que não precisemos apenas acreditar nos Seus sábios Desígnios Divinos, mas que possamos também compreendê-Los com nossa razão. Deus sempre agiu assim. E age sempre desta maneira. De modo imponente, Ele o fez em Suas Revelações dadas a Jakob Lorber, nas quais recebemos ensinamentos e esclarecimentos sobre todas as questões que nos afligem e agitam como homens. Neles, as manifestações sobre o Além ocupam uma parte importante da Doutrina inteira. Ao lado do "Grande Evangelho", com sua descrição pormenorizada de todos os acontecimentos na Vida de Jesus durante os anos de Doutrinação em Seus caminhos, são sobretudo as grandes Obras sobre o Além: "Bispo Martim", "Do inferno ao Céu" (= "Roberto Blum") — em 2 tomos — e o "Sol Espiritual" (2 tomos) que nos transmitem vivas descrições das condições de vida no Além: Relatos daqueles invisíveis mundos interiores, nos quais o homem tem sua origem essencial, e para onde ele volta conscientemente após despir seu corpo físico, para, completada sua maturação espiritual, viver com Deus em eterna união.

Jesus nos prometeu: "Na Casa de Meu Pai há muitas moradas". Como se poderia duvidar então que na Casa do Pai há também moradas, isto é, esferas espirituais para acolher as almas que voltam prematuramente? E as possibilidades dos mundos espirituais, não sujeitos à matéria, não são elas infinitamente maiores para conduzir tais almas infantis para seu desenvolvimento superior, do que no perdido mundo terrestre fundado na experiência, que nada mais é senão um fraco reflexo dos primeiros?

Os capítulos deste livro são parte do "Sol Espiritual", obra dedicada ao Além. O que aí nos foi dado a conhecer sobre o acompanhamento cheio de amor destas almas infantis, seu aperfeiçoamento e sábia instrução sobre a Sabedoria e o Amor celeste-divinos até a perfeição de um cidadão celeste, ultrapassa todas as concepções humanas a este respeito. E se O Senhor disse na Terra a Seus discípulos: "Deixai vir a Mim os pequeninos", Sua afetuosa intimação vale mais ainda para estas almas de crianças no mundo espiritual. Numa cena comovente exprime-se isso, onde o Senhor Se abaixa para uma criança e pega-a nos braços com a pergunta: "Sou" Eu realmente Aquele teu (celeste) professor?" E a criança responde: "Oh sim, tu O és; reconheço-O pela Tua Bondade Infinita, pois quem seria tão bom quanto tu, me tomando em Seus Braços, me acariciando e afagando como Tu? Eu Te amo, entretanto, de forma tão indescritível que nunca mais vou poder me separar de Ti... Pai querido e Santo!..." e o Senhor, ouvindo o medroso pedido da criança de nunca mais abandoná-la, diz as Palavras consoladoras: "Não temas, Minha criancinha! Quem Me encontrou como tu, não Me perderá nunca mais... "—

Que esta edição especial, "O Reino das Crianças no Além", leve luz e consolo, sossego e paz aos que choram por um filho e aos que acompanham uma criança moribunda, corroborando e firmando também em todos os leitores a confiança nos Caminhos de Deus!

*"Digo-te que os Caminhos do Senhor são singulares; seu número é infinito, e cada Caminho que o Senhor escolhe para alguém é um insondável milagre até para o mais pensativo querubim, e santo cm cada aparência, por estranho que seja..." Todos os Seus Caminhos são plenos de Misericórdia, e Seus Desígnios são a Justiça de Seu Coração".

(*) "Bispo Martim" e "Roberto Blum"

A Editora

INTRODUÇÃO

Para melhor entendimento desta Edição especial, seguem algumas indicações sobre a Obra "O Sol Espiritual", da qual foram tirados os seguintes capítulos. Atrás de todas as formações naturais e aparências visíveis, é o Espírito de Deus que dirige e vivifica tudo. O espiritual é a íntima força que contém e penetra toda forma, qualquer coisa e cada criatura. O menor átomo, assim como o maior Sol primário central, não existiriam, se uma Centelha da Vontade do Criador não tivesse prefigurado Sua Ideia, dando a estes Pensamentos forma e consistência. Também nosso Sol natural nada mais é senão a veste exterior de um Sol Espiritual de origem Divina que penetra toda a Criação. O Senhor o chama de "Centelha De Graça do Meu Ser".

Daí se compreende que ao nosso Sol, como mediador da vida natural, correspondem espiritualmente aquelas esferas não materiais onde vivem e agem seres espirituais "afins ao Sol", isto é, iluminados pelo raio divino de Amor e Sabedoria — os perfeitos filhos de Deus. E da mesma maneira como cada espírito, unido a Deus, pode criar de si sempre novos mundos interiores que refletem a verdade de Ideias de criação Divina, assim também, quem está renascido em espírito pode informar outros seres sobre suas próprias esferas interiores: é uma espécie de comunicação espiritual que exprime muito profundamente a Lei Cósmica do serviço e sacrifício mútuo — do amor ao próximo por amor a Deus.

É neste sentido que o leitor do "Sol Espiritual" entra nas esferas de dez grandes, perfeitos espíritos, que outrora foram na Terra profetas, apóstolos ou videntes, ajudando a preparar o futuro Reino de Deus. Descrições de situações espirituais podem ser proporcionadas aos homens terrestres só por parábolas com imagens tiradas do mundo natural. Eis por que é usado aqui, como modo de demonstrar, um grande panorama cósmico, chamado "Diorama", cujo mundo se nos revela como que por "janelas", permitindo-nos perceber assim aparências espirituais como paisagens, acontecimentos e pessoas em ação!

O Reino das Crianças no Além é apresentado ao espectador como visto da esfera espiritual do antigo evangelista João, aquele discípulo que pela força do amor teve a mais profunda compreensão da eterna Divindade do Senhor. Desvenda-se nele uma admirável imagem de cuidados misericordiosos que envolvem as almas das criancinhas recém-chegadas no Reino espiritual, onde elas amadurecem numa longa escola de educação, dirigida com profunda sabedoria, até alcançarem a perfeição. É provável que a expressão "Kindergarten" (Jardim de Infância), utilizada na Terra, tenha daí a sua origem, pois, qualificados espíritos humanos que foram outrora grandes amigos de crianças, cuidam, quais amorosos jardineiros, destas tenras plantas psíquicas, conforme a vontade do Bom Pai Celeste. A função da suprema vigilância sobre as crianças foi dada à Maria, a Mãe corporal de Jesus; ela a executa com a máxima dedicação, sendo assim como que um exemplo das eternas qualidades de mãe.

As almas das criancinhas fazem as primeiras tentativas de andar e falar numa espécie de viveiro, de onde passam então ao ensino elementar; o método prático de autodesenvolvimento deveria servir de modelo a todas as escolas terrestres. O próximo degrau de desenvolvimento é o ensino das letras, que no Reino espiritual são todas relacionadas com o homem, deixando ainda perceber seu original modelo do Além nas antigas línguas primárias da Terra. Depois, acompanhamos os pequenos alunos para a casa da Geografia, onde as alminhas, entrementes já mais desenvolvidas, recebem um vivíssimo ensino da natureza primitiva das matérias terrestres, como também da construção e finalidade básica do nosso planeta. Na aula da história da criação do homem e da Terra espiritual formada pela humanidade, termina a primeira fase de ensinamento.

No seguinte intervalo de ensino, as almas das crianças recebem às vezes a permissão de visitar seus pais terrestres, em que são acompanhadas por espíritos angélicos; como esta visita se dá geralmente nas horas do sono, os pais quase nunca têm consciência dela. Mas ela não deixa de ser uma expressão do elo indestrutível do amor.

O primeiro Jardim de Infância era, pois, de certo modo dedicado ao ensino elementar preparatório; no próximo, estas almas devem conhecer a fundo os Mandamentos Divinos. Em dez salas, são-lhes, pois, ensinados os Dez Mandamentos bíblicos à luz de sua Verdade eterna: esta parte do livro é importantíssima para todos os leitores, porque o significado mais profundo destes Mandamentos transcende muitíssimo os ensinos usuais do catecismo eclesiástico. Nas 11.a e 12.a Salas evidencia-se, com profundos exemplos tirados da vida, como estes Dez Mandamentos do Antigo Testamento encontram sua última realização no Novo Mandamento, isto é, na Doutrina de Jesus sobre o amor a Deus e ao próximo.

Para as almas entrementes já crescidas e amadurecidas, vem agora a hora de se provarem na prática. Elas são então incumbidas, como espíritos protetores, de acompanharem homens na Terra — deveres estes que exigem muita paciência e abnegação. Na execução desta tarefa, elas devem entrar nas esferas psico-espirituais dos homens, conhecendo assim também suas imperfeições e muitas paixões que correspondem a "estados infernais". Acompanhando na leitura tais espíritos protetores em seus caminhos, aprendemos a conhecer a verdadeira natureza de tais baixos estados d'alma que seria tão necessário vencer já durante a vida na Terra. Pois é o estado da veste humana da alma que após a morte deixa seu portador conscientizar-se de um feliz, ou doloroso, mundo do Além.

Nesta altura, as almas de nossas pequenas crianças já se tornaram servidores úteis do Plano Divino, devendo agora regular a já mencionada, importante passagem do homem para o Além, o Reino dos espíritos, conduzindo cada um àquela esfera que corresponde ao seu amor fundamental. Chegamos a saber também que estes espíritos protetores e instrutores entram também, juntamente com as almas humanas que lhes são confiadas, nas esferas espirituais dos outros planetas, se o desenvolvimento ulterior daquelas o exigir.

Ao todo: um rico campo inesgotável de provas nas inumeráveis moradas na Casa do Pai para almas que outrora deixaram a Terra em tenra idade. Apesar de serem choradas pelas ignorantes famílias na Terra, elas são eternamente envolvidas pelo Amor de Deus que não tem fim e que guia cada alma por caminhos que garantem o alcance da grande meta final, que é a união completa com o Espírito Divino. Primeiro, elas recebem amor no Jardim de Infância espiritual, e depois, elas dão amor quando amadurecidas; assim, estas almas sobem esferas cada vez mais altas, até alcançarem aquela Nova Jerusalém que simboliza, sob a imagem da Cidade Santa, a comunidade de todos os bem-aventurados com o Pai de tudo que foi criado. Sabendo isso, torna-se transparente para todos os leitores o sentido profundo da Palavra de Jesus: "Em Verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tomardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus."—

ENTRADA NO REINO DAS CRIANÇAS

Método prático para o autodesenvolvimento das crianças

1. Eis-nos diante da porta; entremos, pois, corajosamente! Olhai como no jardim tudo está belo e em perfeita ordem! Alamedas sombreadas cruzam o grande jardim. Em cada cruzamento avistamos uma pequena rotunda de árvores, enfeitada no meio com um pequeno templo. Os caminhos cobertos de belíssima relva proporcionam um passeio delicioso. Entre as alamedas, descobrimos espaços abertos, salpicados de lindas florezinhas, como as há na primavera nos prados terrestres.

2. Talvez estranheis pela falta de jardinagem, porque as flores crescem misturadas. Mas por ser aqui já um mundo perfeito, tudo o que cresce num determinado lugar corresponde às capacidades de compreensão dos respectivos habitantes.

3. Acontece que aqui vivem as almas das pequeninas crianças que na Terra morreram fisicamente pouco depois de seu nascimento. Não seria possível estas crianças já possuírem ordenados conceitos e ideias do Senhor e de Seu Verbo; esta é a razão por que aqui tudo se encontra em estado jovem, pequeno e misturado.

4. Olhai agora para frente! No meio deste grande jardim descobrireis uma casa que quase se assemelha a uma grande estufa terrestre. O que será isto? É só entrar, e já veremos o que é.

5. Vede, já estamos passando pela porta que está aberta, e logo poderemos ver o que há dentro. Uma quase interminável fila de pequenas camas estende-se como num terraço, cerca de três pés acima do chão. Atrás da primeira fila, pode-se avistar uma segunda, depois uma terceira, quarta, quinta até uma décima. E em cada uma destas caminhas vemos deitada uma criancinha, sendo que por cada um dos

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corredores passam de um lado para o outro várias centenas de enfermeiros e enfermeiras, verificando se uma ou outra criancinha precisa de algo.

6. Quantas pequenas camas pensais que há nesta seção? É fácil calculá-lo. Cada fila abrange dez mil pequenas camas, e como contamos dez filas, dá cem mil. Mas quantas seções semelhantes haverá nesta casa? São dez; por conseguinte, o total das pequenas camas é de um milhão. Mas cada seção cresce de um dia para o outro conforme a vossa contagem; e as pequeninas crianças que hoje amadurecem nestas maravilhosas caminhas de vida, são logo levadas para a próxima seção.

7. Quando as pequeninas crianças evoluíram desta maneira em todas as dez seções desta casa, passam para uma outra onde não podem mais deitar em tais caminhas. Aqui foram-lhes construídas certas filas de suaves corrimãos, onde aprendem a ficar de pé e a andar. Também nesta casa há dez seções onde se desenvolve constantemente a faculdade de andar. Quando sabem bem caminhar, uma outra casa com dez seções as recebe; ai aprendem a falar. Os cuidados a este respeito são tão inteligentemente planejados, que vale a pena nos dirigirmos para lá a fim de conhecermos o método.

8. Nesta casa não temos mais muita coisa para aprender, pois é evidente que somente o Amor do Senhor leva estas pequeninas crianças, que chegaram prematuramente do mundo, a alcançar sua maturidade, sendo elas guardadas por espíritos angélicos que já na Terra eram grandes amigos de crianças em tarefas semelhantes. Cientes disto, vamos à terceira casa.

9. Vede, ela se encontra mais para o sul e parece ser bastante vasta; aproximemo-nos e entremos! Estamos na primeira seção, que parece ser um formigueiro de pequenas almas com seus amáveis e pacientes professores e professoras. E vede como estas pequenas crianças são providas de uma variadíssima quantidade de brinquedos multicoloridos. Para que servem eles? Primeiro, para a muda coleção de conceitos em sua alma, que no fundo é aqui sua essência. Aqui não se ouve ainda falar; mas passemos para a segunda seção.

10. Vede, as pequeninas crianças não são mais tão misturadas sem distinção, mas sim sentadas em extensas filas de baixos

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banquinhos macios. Diante de cada dez criancinhas vemos um professor que segura um objeto na mão e dá-lhe um nome, fazendo as crianças repeti-lo da melhor maneira possível. Os objetos são sempre escolhidos de maneira a atraírem a atenção das pequeninas crianças.

11. Observareis também que as longas filas de banquinhos são divididas, para cada dez crianças, por paredes transversais ---- isso para evitar que na apresentação dum objeto a atenção das crianças dum grupo seja desviada pela apresentação dum objeto do grupo ao lado.

12. Nesta seção, as criancinhas aprendem apenas a dar um nome objetos simples. Na próxima seção devem aprender a dar nome a conceitos compostos, onde um conceito designa sua causa e o outro sua finalidade. Na quarta seção aprendem já por si mesmas a ligar os conceitos e a conhecer aquelas palavras pelas quais se expressam ações, bem como estados, natureza e qualidade das coisas.

13. Na quinta seção já há muita conversação. Os professores compõem, mediante vários objetos, certos quadros instrutivos, representando pequenos teatros, e pedem então às crianças de contar o que viram e o que se deu.

14. Na sexta seção continua-se este ramo de ensino numa medida maior e com um sentido mais profundo. Mostram-se quadros de imagens de maior significado e encenam-se teatros de maneira que incluem já uma referência ao Senhor. Todavia, é-lhes mostrada por enquanto apenas a imagem exterior, devendo elas, no determinado tempo de aprendizado, contar como a viram.

15. Na sétima seção as crianças já estão em condição de expressar-se perfeitamente, pois sua faculdade de concepção atingiu um grau bem superior. Mostram-se lhes grandes representações históricas referentes ao Senhor, não só na fora de quadros figurativos, e sim já dramáticos, e isto de uma maneira tão atraente, que as crianças literalmente se enamoram de tudo, tanto que se confundem no entendimento; mas compenetrando-se desta maneira tanto mais profundamente de tudo o que viram e ouviram.

16. Na oitava seção os professores levam as crianças a representar elas mesmas pequenas peças, fazendo-as explicar depois qual era sentido desta viva representação.

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17. Por este meio, as crianças aprendem de maneira mais oportuna a agir e pensar por conta própria.

18. Na nona seção as crianças devem começar a inventar elas mesmas novas representações − naturalmente orientadas por seus sábios professores; e o que inventam devem depois também representar, primeiro pela mímica, mas depois também falando.

19. Na décima seção avistamos já um grande número de atores e autores dramáticos cuja linguagem é tão culta, que certamente direis: Deveras, na Terra muita gente não é capaz de falar assim, apesar de ter cursado uma universidade. É preciso, porém, admitir o seguinte:

20. No espírito se aprende mais rapidamente do que no corpo material, por ser este não raramente acometido de grandes fraquezas e falta de jeito. Isto não se pode negar. Mas se na Terra fosse observado um método semelhante de ensinamento, as crianças que vivem e crescem lá chegariam também incomparavelmente mais depressa à aspirada meta espiritual do que pelos métodos atuais, que primeiro abarrotam a criança de toda sorte de coisas inúteis, que depois, numa formação mais sólida, devem ser eliminadas com muito trabalho, antes que a alma se torne receptiva para algo mais puro.

21. Para dar-vos uma imagem mais compreensível, chamo vossa atenção sobre o que vós mesmos já experimentastes muitas vezes. Tomemos uma criança dotada para a música. Quanto poderia ela alcançar ainda muito nova, se lhe fosse dado um ensinamento verdadeiro e competente? Mas, tendo, em vez de um professor capacitado, um trapalhão que sabe tudo menos a arte que deveria ensinar; e mais, se o instrumento à disposição produz poucos sons e é continuamente desafinado — tudo isto sob o pretexto que para um principiante, mais não é necessário! Será que um tal estudante de música, apesar de ser bem dotado, vai fazer carreira? Vamos ver.

22. Após três anos gastos inutilmente, nosso aluno recebe finalmente um professor melhor. Mas este precisa ao menos de três anos para eliminar tudo o que há de errado em seu aluno. Passaram-se agora seis anos, e nosso aluno nada sabe ainda. Para remediar o primeiro erro, e a fim de garantir ao jovem um futuro, lhe é dado agora um exímio professor. Mas este não tem paciência, e o aluno já não tem mais grande vontade. De novo passam-se três anos, e nosso aluno

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talentoso chegou a ser apenas um medíocre remendão, ao passo que poderia ter conseguido uma ótima formação profissional, se lhe tivesse sido dado um justo treinamento já nos primeiros três anos.

23. Vede qual o andamento de todo ensinamento na Terra.; por isso, o avanço da formação se processa tão lentamente. Aqui, porém, tudo está organizado da maneira mais conveniente possível, o que garante também o avanço da formação a passos de gigante. − A continuação nos mostrará resultados ainda mais brilhantes. −

Ensino das matérias por degraus progressivos

1. Vistes agora como as pequeninas crianças aprendem a falar. Qual é o próximo passo? Vede, diante de nós já se acha outro edifício. Entrando, veremos logo o que se passará com as crianças. O interior é de construção maravilhosa. Aqui não descobrimos mais as seções anteriores, mas todo o edifício é uma única imensa sala, suficientemente grande Para comportar um milhão de pequenos alunos, e mais um professor para cada dez crianças.

2. O que se faz aqui? Vede diante de nós um tal grupo de dez, comodamente instalado, com seu mestre, ao redor duma mesa redonda. Avistamos nela livros com folhas algo rígidas, representando pequenas imagens pintadas com grande maestria.

3. Os alunos observam estas imagens, descrevendo-as em seguida ao professor. Isto é o início da leitura; leem-se aqui apenas imagens perfeitamente elaboradas.

4. Vede no primeiro plano uma quantidade de mesas, distribuídas em linha reta e ocupando toda a largura da sala. Como podeis ver, há ai somente principiantes na arte de ler. Todavia, podeis objetar: tudo isto é justo, bem feito e bonito por tratar-se somente da leitura de uma simples escrita por imagens; mas se aqui é praticada também a leitura por meio de sinais mudos, ou das chamadas letras, então não compreendemos bem de que maneira estas letras mudas, correspondendo cada uma a um único som, se depreenderão destas bonitas, pequenas imagens.

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5. Não falemos mais disto, meus queridos irmãos e amigos! Como isto acontece, vos será claro nas próximas fileiras de mesas e vos convencereis ser possível apreender, de modo bem natural, a ler perfeitamente sem ter que soletrar primeiro letra por letra.

6. Vede já estamos na segunda fila; o que avistais aqui? Direis: no fundo, nada mais do que os mesmos livros, observando, porém, que as imagens não são mais elaboradas; elas mostram apenas as chamadas linhas de contorno. Descobrir então, pela combinação das linhas, a imagem anteriormente bem elaborada, isto já exige maior raciocínio da parte dos alunos. Ao mesmo tempo, deduzireis disto que, quanto mais fica suprimido para a contemplação externa duma imagem, tanto mais a mente é iniciada em tomar-se ativa; ou seja, a mente é levada a elaborar ela mesma o que falta na imagem. Já vimos, pois, qual a atividade dos alunos na segunda fila.

7. Passemos à terceira. O que vedes aqui? Dizeis: De novo livros, como anteriormente. Mas aqui vemos somente as linhas fundamentais sendo que as demais linhas de contorno são apenas pontilhadas. Vede, aqui já é mais difícil reconhecer a própria imagem, mas é evidente que desta maneira a mente vem sendo reconduzida à própria significação primitiva, de certo modo ao fundamento da imagem. Ao mesmo tempo, os alunos aprofundam aqui o significado das imagens, e as linhas começam a ganhar mais sentido já por si sós.

8. Então lhes é também explicado o que é uma linha reta, uma curva e uma circular.

9. Vamos agora à quarta fila, onde de novo avistamos livros. Embora haja neles ainda as linhas fundamentais, essas já são expressas por pontos de contorno. Ora, as imagens ai representam grande número de situações históricas que geralmente se referem ao Senhor, o que faz aparecer em cada imagem uma ou mais figuras humanas. As linhas fundamentais representam, pois, claramente todas as partes e membros do corpo humano, pelo que é fácil aos alunos verem de que maneira suas partes são ordenadas e qual o significado das simples linhas com referência às diversas partes e membros do corpo humano.

10. O que resulta disto? Logo o veremos na próxima fila.

11. Vede, já estamos lá. Avistamos as mesmas linhas, enfileiradas em formato reduzido e mostrando seus terminais se perderem

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certos pontos. O que quer dizer isto? A imagem é sempre a mesma; mas as linhas já se transformaram mais em mudos sinais; e os alunos devem reconhecer nestes mudos sinais a completa imagem.

12. Passemos à próxima fila. Aí podem-se discernir nos livros apenas uma, duas ou três linhas fundamentais em tamanho bastante reduzido. Elas são ligadas aqui e ali com pequenos arcos, para mostrar que andam juntas. As linhas acessórias são indicadas cá e lá com poucos tracinhos curtos e com pontos.

13. Vede, não é isto já uma escrita formal? Sim, perfeitamente; a verdadeira escrita original que corresponde inteiramente à natureza do homem. Dizeis: Está certo; mas, então, que tal com os próprios sons e alfabeto? Afirmo-vos que tudo isto já está contido; pois as chamadas vogais são indicadas pelos pontos e os pequenos tracinhos, ao passo que as consoantes são representadas pelas linhas fundamentais e suas ligações. Jamais se leem aqui as letras isoladas; não é preciso, pois aprendê-las primeiro para permitir a leitura é exatamente o método contrário. Como vistes, aqui aprende-se primeiro a ler à base de sinais gerais, e só depois a conhecer os isolados sinais básicos de sons, a coordená-los, e a achar de novo os sinais gerais naqueles compostos.

14. Eis a maneira mais breve e mais adequada de ensinar aos alunos a arte de ler.

15. Não é necessário frisar em quão alto grau a prévia faculdade de falar contribui para aprender a ler. A única diferença nos meios utilizados consiste em que, na aprendizagem da fala, eles são plásticos e dramáticos, ao passo que no ensinamento da leitura são gráficos e de pequeno tamanho.

16. Divisamos aqui mais filas ainda. O que se fará lá? Aperfeiçoa-se continuamente a leitura; é que por fim, pela forma desta escrita interior, de caráter espiritual, os alunos aprendem por correspondência a encontrar e a reconhecer também todas as escritas exteriores do mundo. Este edifício é exclusivamente dedicado à leitura. Nem é preciso mencionar que os alunos aprendem na ocasião, espontaneamente, também a escrever. Assim consegue-se como costumais dizer, matar de uma cajadada dois coelhos.

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17. Perguntar-vos-eis certamente: Se estas crianças de cinco a sete anos de idade (conforme a medida terrestre) já aprendem tudo isto, o que lhes resta ainda para estudar? Pois vimos que – ao aprenderem a falar – já se apropriaram, pelos inúmeros quadros ilustrativos, de quase tudo aquilo que a inteligência humana pode imaginar. E a aprendizagem da leitura forneceu-lhes ainda muito mais, pois os quadros mostraram-lhes tantas situações variadas, que sua realização poderia preencher toda uma infinidade. Deveras, é difícil imaginar que tipo de escolas superiores poderiam lhes ser ainda úteis.

18. Não falemos mais nisto! A sequência vos mostrará que muita coisa tem que ser ainda aprendida aqui. Não deveis pensar que pelo fato de chegar ao Reino do espíritos, a alma − de certo modo ela mesma já espírito − se tivesse tornado já muito douta em toda a Sabedoria dos Céus. Encontrar-se numa situação tal que não fosse mais capaz de um aperfeiçoamento redundaria numa extraordinária monotonia de vida. E se o próprio Senhor sempre progride no desenvolvimento de Sua Força Infinita − algo difícil para vosso entendimento, se bem que facilmente perceptível pela contínua criação e propagação de todas as coisas − como poderiam Suas crianças cessar seu desenvolvimento? A sequência mostrará de que maneira poderá operar-se este progresso.

Escola celeste para o ensino da Geografia e da História universal

1. Vede, diante de nós já há outro edifício bem maior; logo veremos o que se ensina aqui. Sabeis que estas criancinhas nunca tiveram oportunidade de conhecer a Terra onde nasceram, devido a sua prematura morte corporal logo após seu nascimento. Mas como é indispensável para o conhecimento do Senhor de conhecer melhor lugar principal escolhido por Ele para o desdobramento de Sua Misericórdia, estas pequenas crianças também devem conhecer este lugar mais de perto, para ver onde e como o Senhor encarnou a fim de salvar o gênero humano e fazer da Terra uma escola para Suas crianças

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− Ensina-se, pois, aqui a própria geografia da Terra, e isso certamente por um método mais apropriado que o vosso.

2. Logo vamos convencer-nos disso. No meio da ampla sala em que estamos encontra-se, sobre um grande e magnifico pedestal, um globo terrestre bem semelhante a um dos vossos. Não deveis simplesmente aceitar isso, mas deveis convencer-vos de que nada existe na Terra, qualquer que seja o ramo, que não tivesse existido muito antes em espírito de maneira correspondente.

3. Isto tornar-se-vos-á evidente se vos perguntais: O que existia primeiro: a Terra, ou um globo fabricado por homens que representa sua atual forma, apenas de maneira muito pobre e imperfeita?

4. Sou de opinião que a Terra existia já há muito no Espírito do Senhor; sendo que o mesmo terá acontecido com sua reprodução. Portanto, também este globo, considerando espiritualmente, está dentro de sua ordem. E ele se encontra deveras numa ordem muito maior do que poderia sê-lo junto a vós na Terra.

5. Aproximai-vos e observai-o! Sua superfície não mostra o mesmo desenho que costumais fazer na Terra; pelo contrário, este globo é uma típica forma plástica, reproduzida por raios, semelhante às vossas projeções luminosas que também revelam o menos vistoso objeto em mínimo formato. Mas a diferença essencial entre os raios terrestres de cunho exterior, e os raios interiores, espirituais, é incalculavelmente grande; pois aqui, a mais meticulosa observação não deve acusar a falta nem de um átomo, e a natureza inteira da Terra deve ser reproduzida com perfeição absoluta.

6. E que isto se consegue aqui, podeis constatar à primeira vista de perto; pois vede, os regatos, as torrentes, os rios e os mares são aqui mostrados com toda naturalidade: as águas dos rios correm, e mar as acolhe.

7. Observai mais: as montanhas, fielmente reproduzindo, em pequeno formato, as da Terra, são claramente dos mesmos materiais. As geleiras têm sua neve e seu gelo; as serras calcárias têm sua cal; os Alpes mais baixos, suas pastagens, e mais abaixo, suas matas. E vede com atenção: cada cidade, cada aldeia é reproduzida conforme é em realidade.

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8. Eis, por exemplo, a cidade onde viveis. Observai-a e vereis que não falta nada. Mas notai também que até as nuvens e névoas passam em cima em igual direção e nas mesmas formas que ostentam no mesmo instante na Terra. Este globo é verdadeiramente perfeito. Sem dúvida, enorme; deve ter um diâmetro de cerca de vinte braças, segundo vossas medidas (seria cerca de 44 metros).

9. Como então é possível abrangê-lo com a vista de todo os lados? É muito fácil; pois vede: ele é pendurado, ou antes, repousa sobre um grande pedestal por meio de um potente fuso horizontal, paralelo a uma galeria circular que atinge a altura dos polos. Nossos alunos com seus professores encontram-se sobre esta galeria e estudam a fundo um meridiano. Quando se inteiraram bem dele, o globo é mudado para o próximo meridiano, e assim por diante, até terem estudado desta maneira a Terra inteira.

10. Será que este é o único globo, terminando os alunos com o estudo dele a matéria geográfica? Oh não! Vede, mais adiante já há uma outra grande sala com um globo semelhante que representa a Terra no estado em que se encontrava mil anos antes; e numa ampla sala contígua, outro globo de mais de mil anos anteriores, e assim por diante até os tempos de Adão.

11. Desta maneira, os alunos aprendem, juntamente com a Geografia, também a História Universal; só que seguem sempre o caminho inverso. Começam pelos tempos atuais, passando das aparências às suas causas, o que é o mesmo que andar do exterior ao interior.

12. Aqui perguntareis sem dúvida: “Não raramente há na Terra, de ano a ano, importantes transformações; como é possível inteirar-se delas nos grandes globos que só mostram o estado das coisas de mil em mil anos?” A isto respondo: Olhai um pouco e observai tudo o que há numa destas vastas salas. Vede, bem afastados há ainda em cada sala dez outros globos um pouco menores. Eles reproduzem o estado da Terra de cem em cem anos, e isso com a. mesma viva precisão que notamos nos grandes globos. Atrás destes dez globos descobrireis ainda grande quantidade de outros, em boa ordem, onde se reproduzem as mudanças ocorridas de ano a ano. Atrás destes, finalmente, vê-se a última fila que é a mais extensa, onde vedes globos bem pequenos, de apenas três pés de diâmetro representando as modificações da Terra a cada dia.

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13. Na primeira sala, que representa vosso atual milênio, podeis notar que na última fila acrescenta-se, a cada dia, um novo globo. Mas para evitar que os alunos se ocupem demais com os pequenos globos, os professores indicam-lhes de antemão, nos grandes globos, as modificações ocorridas num lugar ou noutro da Terra. Desta maneira, os alunos ficam já cientes de tudo, podendo em seguida verificar pessoalmente os fatos nos pequenos globos.

14. No fundo da última sala, onde a Terra é representada nos tempos de Adão, encontra-se uma abertura através da qual os alunos podem observar, como por um tubo, a Terra real a fim de ganharem a plena convicção de tudo aquilo que aprenderam nestas saias sobre a Terra.

15. Segundo vossa cronologia, qual é a duração de um tal curso de Geografia e História? Quando muito, de seis a sete dias; pois deveis ter em conta que, por não haver obstáculo nenhum e ser totalmente espiritual, a faculdade de concepção é aqui muito maior. Uma criança, destarte espiritualmente desperta, compreende em um minuto mais do que vós na Terra em um ano. Em contrapartida, no reino dos espíritos que não são perfeitos, há situações onde um deles faz em cem anos menos progresso do que um homem na Terra em um minuto.

16. Assim, existem também em vossa Terra, e principalmente na Lua, estabelecimentos de ensino ou de correção para espíritos, onde seu progresso é lamentavelmente lento. Mas seu lugar não é este, porque os espíritos daqui se encontram em estado perfeito e em sua pureza original.

17. O que aprendem então as crianças após este curso? Vedes diante de nós, mais para o sul, encontra-se já outro edifício enorme. Aí se ensina a base exterior da Terra, isto é, a Geologia natural e a formação da Terra. Quando toda esta matéria for clara e profundamente compreendida, passa-se ao estudo da Terra histórica, e em seguida ao da Terra espiritual. Conhecereis a maneira deste ensinamento no próprio lugar, assim como aconteceu com tudo até agora.

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Ensino sobre a Terra: Sua natureza e formação

1. Eis diante de nós um novo edifício; entremos nele. O que vemos na grande sala é aparentemente nada mais que outro globo que não difere de um anteriormente visto. Mas como estudar neste globo a Geologia? Aproximemo-nos e logo o saberemos.

2. O que primeiro constatamos é que este globo se abre no meio em duas partes. Basta fazer uma pequena pressão, e toda a configuração da Terra torna-se visível de um polo a outro. A estrutura corresponde exatamente à da Terra real, sendo que até o mineral aqui é mostrado idêntico. Contemplando esta esfera partida, vereis que a Terra contém de, certo modo, uma Terra de medida menor, a qual todavia está ligada à Terra externa por firmes laços orgânicos.

3. Nesta Terra menor vedes mais para o polo norte, ainda outra esfera algo oval, porém aqui partida ao meio; em seu interior, ela está cheia de filamentos e canais. Precisamente abaixo do equador encontra-se um grande espaço oco, aparentemente entretecido por uma massa semelhante ao fogo, da qual vedes o fogo subir para o exterior da Terra através de inúmeros órgãos. Desta cavidade ígnea interna vedes partir, sobretudo para o polo sul, vários grossos tubos sinuosos, percorridos por abundantes vapores ardentes. Estes se formam constantemente pelas águas que afluem da superfície da Terra a este espaço ígneo e, escoando por torrentes poderosas para o polo sul, produzem a rotação cotidiana da Terra.

4. Não é ainda o momento de analisar toda a vida da Terra: queremos apenas mostrar de que modo nossos alunos espirituais mais avançados aprendem aqui a conhecer a natureza interna da Terra. Creio não ser necessário entrar em mais detalhes, pois cada um de vós concordará, à primeira vista, não ser possível ensinar a Geologia ou a estrutura da Terra inteira de uma maneira mais sábia e inteligente do que esta.

5. Juntamente com o ensino da Geologia material, os alunos adquirem uma ideia de que todas as matérias, bem como os órgãos por ela constituídos, nada mais são senão formas espiritualmente correspondentes, nas quais uma vida espiritual aprisionada vem sendo preparada para sua libertação. Mostra-se-lhes também a graduação

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pela qual a vida aprisionada, partindo do centro da Terra, vai subindo por inúmeros degraus a fim de se manifestar e aperfeiçoar em inúmeras formas novas na superfície da Terra. Vede, é nesta sala que os alunos aprendem tudo isto.

6. Todavia perguntais: Para tantos alunos espirituais, um único globo não deve ser suficiente; olhai ao redor de vós na sala e avistareis grande número de aparelhos semelhantes, de igual ou menor tamanho. E todos estes globos podem ser desmontados em todas as partes imagináveis. Podemos agora nos dirigir para a próxima sala.

7. Ela tem a forma de uma extensíssima e alta rotunda, dividida redor por mil nichos em forma de pórticos bastante amplos e profundos, assemelhando-se a capelas. No centro desta rotunda há uma mesa, sobre a qual vedes nada mais senão uma volátil névoa esbranquiçada-cinzenta.

8. O que significa isto? Olhando em todas as direções, observai as janelas redondas em cada capela, de onde a luz se projeta diretamente sobre esta mesa.

9. E pelo encontro dos raios que se provoca a aparente névoa. O que poden1 os alunos aprender disso? Nada mais do que o ordenado nascimento de um mundo. De que maneira a confluência de tais raios faz nascer um mundo conforme a Vontade do Senhor, isto pode ser observado nas mil capelas ao redor.

10. Na primeira capela avistamos o mesmo fenômeno, numa medida algo menor da que vimos antes do centro da sala. Na próxima capela, a névoa confusa já tem uma forma redonda levemente alongada, mas ainda fortemente oscilante.

11. Numa das capelas seguintes, a forma torna- bola aquosa de se cada vez mais estável e de cerro modo também mais sólida. Passamos assim por cem capelas. Depois da centésima avistamos através da bola de névoa ligeiramente transparente, já uma gota d’água suspensa de pureza perfeita. E após ter passado por mais algumas de centenas de capelas, encontraremos em cada uma delas a bola aquosa em tamanho maior, até atingir o tamanho da bola de névoa anterior.

12. A partir daqui avistamos, no centro da bola aquosa, pequenos cristais transparentes que lembram um pouco os lisos flocos de neve que, num intenso frio, costumam voar como pequenas lâminas de diamante.

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13. Nas Capelas seguintes, estes cristais, cada vez mais numerosos, começam a ser envolvidos no meio por uma espécie de plexo azulado, ligando desta maneira os cristais que antes eram soltos.

14. Continuando a visita destas capelas, avistamos, no centro da bola aquosa, cada vez mais um torrão grisalho e opaco, ao redor do qual se prendem, semelhantes a neve num galho no gélido inverno, outros cristais transparentes que transluzem na bola aquosa quais diamantes.

15. Continuando nossa volta, vemos que estes novos cristais já se encontram como atados por um novo tecido azulado, e que do torrão cada vez mais escuro sobe para todos os lados grande número de borbulhinhas redondas, pelas quais começa a formar-se, acima da bola aquosa, já uma espécie de ar atmosférico. E quanto mais avançamos, mais esta ação se intensifica e se torna evidente.

16. Depois de termos passado por mais algumas centenas de capelas, na próxima delas se nos apresenta, no meio de uma bola aquosa bastante grande, um torrão efervescente com ímpeto. Borbulhinhas consideráveis desprendem-se dele continuamente. Elas já são portadoras de uma espécie de substâncias vaporosas e se espalham -- ao rebentar das borbulhinhas ascendentes -- sobre a superfície da bola aquosa, assim como ligeiras névoas fazem sobre a superfície da água. E vede, esses fenômenos tornam-se, de uma capela a outra, mais violentos. Na centésima capela, podemos já observar, cá e lá, através da bola aquosa fortemente cristalizada, pontos incandescentes, dos quais sobem continuamente vapores em numerosas bolhas e bolhazinhas, assim como acontece com a água fervente.

17. Mais adiante, descobrimos já consideráveis pontas de cristal que se estendem para além da superfície da água, e a bola aquosa começa a se livrar esporadicamente dos vapores flutuantes sobre ela.

18. Mais adiante ainda, vemos consideráveis raios de fogo, saindo do interior, rasgarem a superfície da água, o que a faz ondear fortemente, pelo que pequenos cristais recém-formados vêm sendo levados para as fendas internas. Desta maneira, a bola interna e opaca fica cada vez mais redonda, igual à superfície da água, consolidando-se progressivamente.

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19. Avançando mais de capela em capela, deparamos com raios de pequeno tamanho oriundos dos vapores que envolvem de tal maneira a própria bola, que é difícil vê-la através deles.

20. Perto do fim deste museu da formação do mundo, vemos veementes erupções ígneas que levantam a massa interior dura para cima da superfície da água, formando assim montanhas e outra terra firme e seca. Seguindo adiante, descobrimos as sólidas rochas nuas esporadicamente já cobertas de musgo, e nas regiões mais baixas a presença de solo mais mole, devido à formação de musgo sobre as pedras e a dissolução destas pelo fogo.

21. Sempre continuando, encontramos a água animada por infusórios, como costumais dizer, e a formação de solo vegetativo está se processando mais rapidamente. Na próxima capela, já descobrimos certos bichinhos na água. Mais adiante, a formação de animais aquáticos está se potenciando e diversificando. Assim, avançando de capela em capela, observareis que a Terra finalmente chegou ao estado em que a formação do homem pôde começar. Assistiremos a ela numa próxima sala.

22. Qual será o intervalo de tempo de uma capela para outra? Digo-vos que, apesar destes espaços de tempo não serem iguais, podeis calcular, sem risco de vos enganar muito, que milhões de anos separam as capelas umas das outras. Ao contemplardes a magnitude da Terra, podereis compreender que uma infinidade de eões é necessária para se chegar a obter do éter luminoso de substância nula uma gota de orvalho, e esta, pelo contínuo e progressivo acréscimo potenciado, estender-se até o atual tamanho da Terra, vendo-a por fim solidificada. É inútil dar mais precisões a este respeito.

23. É evidente que os alunos aprendem desta maneira, na prática, a formação dum mundo, e aqui especificamente da Terra, usando-se, portanto, o ensino visual. Podemos então passar para a próxima sala, onde está sendo apresentada a criação do homem, começando com isso também a demonstração da Terra histórica e espiritual.

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Sobre a escola sagrada da vida

1. Este não é, evidentemente, o local onde se apresentará toda a história da criação do Homem, bem como a sua história desde então até os dias de hoje; o que veremos aqui será somente a maneira pela qual tudo isso será ensinado aos nosso pequenos alunos.

2. Podeis saber antes de mais nada que, para vossa satisfação tudo quanto se faz aqui, no reino dos espíritos perfeitos para qualquer bom objetivo, é feito de forma incalculavelmente mais sábia e mais inteligente do que na face da Terra. Isto se baseia na razão muito simples, de que não se começa a contar do um para chegar ao infinito, e sim, pelo contrário, começa-se a contar do infinito para se descer até o um; ou, para dar outra expressão à mesma coisa, aqui não se vai de dentro para fora, e sim de fora para dentro, o que indiscutivelmente seria também o melhor dos caminhos na Terra, não fossem os homens tão vaidosos, insensatos e estúpidos.

3. Como, entretanto, o que os homens almejam na Terra são somente as coisas mais fúteis e insensatas, eles só creem e confiam no Senhor (e isso para falar da melhor parte dos homens) enquanto nada de mundano lhes falta. Diante da menor tentação, entretanto, voltam para as suas velhas dúvidas e se atiram para os braços — não do Senhor, mas de um mundo que lhes será de pouca valia e mau serviço. Assim são até mesmo os melhores homens; o que demonstra que o seu sentido não se volta para dentro, e sim e somente para fora.

4. Onde, porém, a fé, a confiança e o amor ao Senhor são de tal maneira escassos, não se poderá esperar uma tão rica formação espiritual em que o homem poderia conseguir em um minuto um progresso maior do que lhe é possível pela mísera, paupérrima maneira do mundo em vinte, e às vezes até em cem anos, se a vida humana assim se prolongasse.

5. Todos os homens são avisados pelo Senhor de que é esta a única educação que devem aceitar. Mas eles deixam de lado a escola sagrada da Vida, não sabendo em absoluto o que fazer dela, e preferem atormentar-se durante toda uma existência com conhecimentos fúteis sobre a natureza morta e suas relações. E se eles, então, no final de suas vidas, se perguntarem: O que foi que conseguimos de

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importante e de grandioso com esse nosso estudo tão extenuante? A resposta poderá Ihes vir do seu próprio interior: Levamos isso tão longe que agora, no momento mais Importante de nossas vidas, não sabemos nem sequer, na realidade, se somos machos ou fêmeas, e nem mesmo se há uma vida a nos esperar ou não.

6. O Céu, o inferno e o Mundo dos Espíritos serão apenas invenções criadas no ócio dos conventos, ou será que há algo de verdade em tudo isso? Se tudo isso não existir, o que é que existe e o que é que acontecerá conosco? E se houver algo nisso, onde é que chegaremos? Lá no alto ou lá embaixo?

7. Vede: esses são os frutos certos da erudição externa do mundo. Seria de se perguntar, então: Se são esses os frutos da erudição, quais seriam os frutos dos homens que, tanto no campo como nas cidades, crescem com discernimento não muito maior do que o do gado dos pastos ou o dos animais da floresta? Não vou lhes dizer nada além das Palavras do próprio Senhor:

8. "Quem não renascer no Espírito não entrará no Reino dos Céus ou da Vida Eterna!"

9. Para que se chegue ao renascimento do espírito, entretanto, é necessário que se observe em todas as suas partes a sagrada Escola da Vida, conforme pregou pela Sua Santa Boca o grande e Santo Mestre de toda a vida para os homens da Terra, confirmando a Sua pregação com o Seu Próprio Sangue.

10. Aquele que não aceitar essa escola, assumindo o trabalho que ela exige, será culpado pela perda da vida do seu espírito.

11. Entretanto, também é claro que qualquer proprietário deve saber em primeiro lugar que ele possui um bem, qualquer que seja a sua natureza, e em segundo lugar que bem é esse e qual o seu valor.

12. Assim, se alguém quiser discutir o seu direito de propriedade, ele com certeza lhe revidará com um processo rude; por que? Porque ele sabe que possui e o que possui.

13. Entretanto, dizei, se alguém é dono da Vida Eterna no Espírito, poderá ele perguntar se a sua alma e o seu espirito desaparecerão ou não com a perda da vida do seu corpo? Quem pergunta: Como, quando e o que, de onde e para onde? não é proprietário da Vida

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Eterna — não passa de criado venal e fugaz do mundo e teme, acima de tudo, perder a vida do seu corpo. E por que? Porque ele não conhece outra.

14. Mas aqueles que são e outrora foram verdadeiros alunos na Escola do Senhor para a Vida Eterna, desprezaram a morte do corpo e aguardaram com grande alegria e deleite o desenlace da parte mais pesada e externa da vida do mundo. Eles deram testemunho da verdade da Escola da Vida do Senhor, como mártires, com seu próprio sangue.

15. Procurai os mártires dos dias de hoje! Existem, aqui e ali, verdadeiros e bravos defensores da sagrada Escola da Vida de cristo, o Senhor. Esses defensores, porém, são como galinhas refugiadas em galhos de árvores, que podem se divertir às custas da raposa que lhes fica abaixo porque o instinto lhes diz que o seu inimigo não pode alcançá-las. Se, porém, as galinhas estiverem no chão e a raposa vier, termina a "diversão" com o inimigo, e o medo da morte faz com que os nossos valorosos heróis emplumados se dediquem à mais rápida das fugas.

16. É o que acontece hoje em dia com a intensidade da fé. Enquanto alguém, em qualquer lugar do planeta, se sentir seguro diante das presas dos altivos e ávidos grandes do mundo, falará como se fosse Moisés no Sinai. Se, entretanto, esses grandes e poderosos amigos do mundo e inimigos da verdade seguirem a pista do nosso Moisés e fizerem cara de quem irá recebê-lo da maneira mais desagradável possível, do ponto de vista do mundo, o nosso pregador procurará qualquer porta entreaberta para escapar. Se encontrar trancadas todas as portas, ele passará por um inquérito mundano, e o profeta que se sentir fortemente ameaçado tomará a mesma medida preventiva tão corajosa que adotou, conforme a vossa ciência, o astrônomo Copérnico, quando avistou diante de si a fogueira para seu único consolo; como fizeram também muitos homens realmente devotos na Espanha dos tempos "louváveis" da Inquisição, visto que eles também preferiram queimar vários ensinamentos recebidos do próprio Senhor, do que dar a si próprios um desgosto tão profundo.

17. Entretanto, esses homens serão sempre dignos de louvor e respeito, porque eles se convenceram da verdade em seu interior, embora não tenham tido a coragem de reconhecê-la externamente.

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O Senhor disse, entretanto, claramente: "Quem Me confessa diante do mundo, também Eu o confessarei diante do Meu Pai", ou dito de outra forma: Quem Me receber verdadeiramente no seu espírito também Me confessará com toda a força da verdade diante de todo o mundo; e Eu também, portanto, o receberei com todo o Meu Amor de Pai.

19. Quando, entretanto, se colocam as coisas desta forma, o que se revelará em primeiro lugar é dito pelas próprias Palavras do Senhor: "Muitos são chamados, poucos os escolhidos" − ou, de forma mais cIara: muitos conseguirão, realmente, atravessar o portão da Vida Eterna, mas muito poucos participarão da grande felicidade de serem recebidos como crianças na verdadeira Casa do Pai. Pois obtenção dessa Graça custa esforço; e quem não se apoderar dela com violência, não a obterá.

20. Por outro lado, também está escrito: "Meu jugo é suave e Meu fardo é leve". Esta passagem deve servir de consolo aos que se convenceram internamente da Verdade, mas que não têm coragem de reconhecer isso abertamente diante do mundo. Esses terão realmente, na Verdade da Vida Eterna que há neles, um jugo suave e um fardo leve. Mas aqueles que, em número menor, baniram de si todas as coisas do mundo, ganham o espírito da força e do vigor, não temem mais o mundo, confessam abertamente a Verdade da Vida Eterna neles e, pela força de sua fé e de seu amor pelo Senhor, se apoderam da Casa do Pai.

21. É fácil perceber isto também no caso de um chefe de família que tenha uma propriedade rural e, junto de seus filhos, alguns bons criados. Se, entretanto, entram ladrões e assaltantes na casa, os criados se encolhem de medo e pavor; os filhos, entretanto, já crescidos, enfrentam e prendem os ladrões e assaltantes, e protegem, com sua coragem e sua força, a vida do pai e da mãe.

22. Os empregados seriam ruins porque se deixaram intimidar? Não, eles não são ruins; eles são apenas fracos, menos ativos e, portanto, sem coragem. Mas os filhos têm como base de vida a vida do pai -- e por isso para eles nada é tão sagrado como ela. Seria certo, entretanto, recompensar os criados por se terem acovardados? Creio que não é preciso ser um jurista para ver que nesse caso os tremores de medo não merecem remuneração nenhuma.

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23. E isso já está dito na Palavra da Vida: "Quem muito semeia, muito colhe, e quem semeia pouco, também colherá pouco."

24. Creio que com tudo o que se disse até aqui não é difícil de perceber que os homens que estão no caminho de sua Escola do Mundo não se apropriaram muito do ponto de vista da Vida Eterna; e que a semeadura muito pobre terá como resultado uma colheita pobre.

23. Por isso vos mostro também, conforme a Vontade do Senhor, as escolas vivas para crianças no Sol, o que vos fará deduzir como deveriam ser as Escolas da Vida na Terra! Fiquemos na sala, pois em seguida seremos instruídos sobre a História da Criação do Homem e de sua história na Terra e sua condição espiritual.

Sala de aula da história da criação do homem

1. Vede, no centro dessa sala extremamente grande encontra-se um globo enorme, em torno do qual existe uma galeria. E como esta sala também é, por sua vez, uma grande rotunda, cuja parede circular se apresenta com diversas capelas consideravelmente amplas, podemos ver nessas capelas, também, uma grande quantidade de globos menores, que servem aos objetivos ali pré-estabelecidos.

2. Caminhemos Pela galeria e vejamos o grande globo ali colocado; vamos assistir aí à história da criação do homem. Estamos na galeria; atenção, vede como o Mestre aqui presente se manifesta aos seus alunos.

3. Vede: ele se inclina sobre a grande esfera e a toca. E no local onde ele a tocou aparece imediatamente uma luz forte, a luz se condensa, toma uma forma, e essa forma é a de um homem. Vede mais: o Mestre toca de novo a esfera, e do ponto tocado sai um pó fino que envolve a forma de luz recém-criada, e a luz deixa de brilhar e fica envolvida por um invólucro telúrico que tem uma forma igual à sua.

4. Vede que agora o Mestre se debruça mais uma vez sobre a forma ainda sem vida, e ela se toma viva, movimentando-se

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por si mesma pelo local e contemplando as coisas que a cercam. E vede ainda mais: a forma se cansa de contemplar as coisas, cai por terra e entra em um estado de sono.

5. O Mestre se debruça mais uma vez c toca a forma adormecida no lado e, vede, do lado da forma surge nova luz, essa luz se condensa em uma segunda forma humana que se queda imóvel diante da primeira forma, ainda adormecida. Mas o Mestre toca de novo a primeira forma, e dela sai uma massa suarenta um pouco úmida, como uma gota turva, que se dissolve em uma pequena névoa que vai recobrir a segunda forma de luz. − A luz desaparece, e a segunda forma é semelhante à primeira, mas ainda não é animada; por isso o Mestre a toca de novo e, vede, ela está viva e se desloca, alegre, para lá e para cá.

6. Eis que o Mestre toca de novo a primeira figura; vede, ela se levanta e, como vê a outra, que lhe é semelhante, sente uma alegria visivelmente grande e começa a falar com ela por meio de mímica. − O Mestre representa aqui, de certa forma, o Senhor, e realiza agora, aparentemente, com a força que o Senhor lhe outorgou, o que o Senhor executou na grande realidade. Ele também diz exatamente as mesmas palavras que o Senhor disse, e os alunos observam a grande força de tais palavras.

7. Vede, agora o Mestre se manifesta ao primeiro casal humano criado e como Ele os ensina.

8. Vede, o Mestre se toca no peito. Isso faz com que imediatamente saia do ponto tocado um raio claro que vai até o casal humano recém-criado e que se apresenta diante deles como um terceiro homem de luz. E o que o Mestre passa a dizer aos alunos, conforme as palavras do Senhor que já conheceis, diz o terceiro homem representado pelo raio de luz do peito do Mestre ao primeiro casal humano criado.

9. Não é mais necessário fazer-vos continuar a acompanhar a apresentação, visto que agora se passará tudo o que já sabeis pelo Velho e pelo Novo Testamentos, palavra por palavra, ocultando-se somente os atos da procriação. Para tal existe ainda um outro tipo de idade, de certo modo espiritual, no qual os nossos alunos, tendo a sua mente mais amadurecida, receberão ensinamento sobre isso da maneira mais edificante.

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10. Eu vos digo, entretanto, que os Mestres apresentam da mesma maneira aos seus alunos toda a condução do gênero humano da forma mais adequada, terminando pelo povoamento de toda a face da Terra e deixando que os povos se cuidassem por si mesmos sobre ela. Estes constroem cabanas e cidades, domesticam animais para seu uso, fazem guerras e se perseguem da mesma forma que o fazem, na realidade, na Terra. E, vede, isso ocorre até os dias de hoje.

11. Os momentos especiais da história do mundo, tais como, em primeiro lugar, a criação do homem, depois o Dilúvio de Noé, a Aliança com Abraão, Isaac e Jacó, a condução do povo israelita por Moisés e seus sucessores, história de Davi e Salomão, o nascimento do Senhor e os momentos mais importantes da propagação da Sua Doutrina, constituem os pontos principais do ensino.

12. Terminado cada um desses pontos principais, os alunos são levados aos globos pequenos das capelas onde deverão repetir diante dos seus Mestres, como se eles mesmos fossem os criadores, o que os Mestres lhes mostraram no globo grande. Com isso o conjunto do ensino se torna vivo, e os alunos passam a conhecer os acontecimentos da Terra detalhadamente de forma tão viva, como se eles os tivessem testemunhado na Terra real em sua época.

13. Quando os alunos incorporam esse ensinamento importante, são conduzidos de volta ao globo grande e Os Mestres lhes mostram então a Terra espiritual e como esta se forma a partir do gênero humano.

14. Eles mostram aos alunos as esferas, como elas se formam cada vez mais limpas e mais claras acima da Terra material propriamente dita, e como mesmo essas esferas recebem uma configuração regional quando o espírito de um homem falecido sobe em uma dessas esferas e, por assim dizer, se apropria dela.

15. Mas os Mestres também mostram aos alunos as esferas subterrâneas cada vez mais sombrias e como as almas dos homens maus que morrem caem em tais esferas. Onde eles estabelecem, por assim dizer, uma posse conveniente, aglomeram-se logo mais outros espíritos que, através da cólera, chegam a inflamar-se e, tendo se inflamado, como veem os alunos, essas almas sombrias vão passando para as

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mais diversas formas repelentes, indo para esferas cada vez mais profundas e mais sombrias.

16. Nesta oportunidade se explica também aos alunos o que é o pecado e como o ser livre que vive na face da Terra pode pecar.

17. Tendo os alunos compreendido tudo isto, são conduzidos para fora dessa sala e levados a um outro jardim maior, onde já se encontram estabelecimentos de ensino mais elevado. É óbvio que nesse primeiro jardim os alunos não aprendem tudo de um só fôlego, e sim com intervalos de recreio regulares. Isto porque até o espírito precisa de períodos de descanso para o seu fortalecimento, o que o Senhor demonstrou na primeira história da criação, quando após os conhecidos seis dias de trabalho da criação determinou que o sétimo fosse de descanso.

18. E, nos tempos do Cristo, O Senhor mostrou por Si Mesmo que após realizado um trabalho descansava como qualquer outro homem. Assim sendo, os espíritos também têm aqui períodos de descanso, em que se revigoram para o próximo ensino; e assim há também, principalmente nas passagens de um jardim de ensino para outro, um período significativo de descanso. Nesse período os alunos têm a satisfação de, com os seus Mestres, se assim quiserem, fazer visitas aos seus parentes no corpo terreno real, o que entretanto, em geral, só ocorre quando os seus parentes moradores da Terra estão em sono profundo, e estes, quando em vigília, muito raramente se dão conta do que aconteceu; e realmente não sabem de nada quando são pessoas de sentimentos mais terrenos do que espirituais.

19. Vários desses alunos, como já sabem muito sobre o Senhor, têm o desejo de vê-Lo. Tal desejo, entretanto, só é satisfeito raramente, visto que eles ainda são fracos demais, como espíritos, para ficarem firmes diante do Espírito Eterno e Onipotente de Deus e suportarem tal proximidade. Sua maior alegria, entretanto, ocorre quando têm licença de visitar Maria, na qualidade de sua supervisora espiritual geral e Mãe. Na realidade, Maria visita com muita frequência esses estabelecimentos de ensino, embora nem sempre seja visível para os alunos, enquanto que os Mestres sempre a veem.

20. Vós perguntais se todas as crianças que morrem desde o seu nascimento até o décimo segundo ano de vida têm de passar por

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essas escolas? De fato, mas não sempre no mesmo jardim; porque há um jardim inicial próprio para cada idade. Atingindo o segundo jardim, elas já passam a ficar todas juntas. Como e o que esses espíritos quase incontáveis de crianças aprendem lá e para que condição passam, é o que vos mostrarei a seguir.

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ESCOLA DOS 12 MANDAMENTOS DE DEUS

Primeira Sala — Explicação do Primeiro Mandamento

1. Daqui não precisamos fazer viagem muito longa para que o próximo jardim já esteja diante dos nossos olhos. Vede, já a uma certa distância nos saúdam fileiras de árvores das quais não se vê o fim, e atrás delas se acha um grande e magnífico palácio. Eis o jardim ao qual tínhamos de, vir e aqui se encontram também as crianças que o Senhor vos tirou na Terra.

2. Se as reconhecereis de pronto, isso é certamente uma outra questão: pois em espírito as crianças não apresentam mais a semelhança da figura dos seus pais terrenos, e sim somente a semelhança com o Senhor, na medida da sua receptividade ao Amor, que é o Bem, e à Fé, que é a Verdade, no Senhor. — Apesar disso elas podem também, sob certas circunstâncias, adotar a aparência terrena, que se prende às suas almas, e dessa forma se fazer reconhecer por aquelas que chegarem da Terra e que ainda não sabem muito.

3. Inicialmente, entretanto, não queremos nos alongar sobre isto, sendo preferível que nos dirijamos ao jardim, para que lá possamos verificar com os nossos olhos espirituais o que de outra forma só conseguiríamos pela palavra.

4. Eis-nos nas fileiras de árvores ou aleias, nas quais já descobristes os mais belos caminhos floridos e onde aqui e ali se vê as crianças passarem alegres. Vamos avançar mais e logo estaremos no palácio que havíamos visto.

5. Vede, já se acha diante de nós, com o seu comprimento quase inalcançável pela vista. Mil milhares de janelas em uma fileira, cada uma delas com sete braças de altura. Acima das janelas descobrimos outra fileira de janelas, menor, que ficam em cima de cada uma das janelas maiores.

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6. Direis e perguntareis: Mas, pelo amor de Deus, todo esse edifício, esse palácio que se perde de vista, é só uma sala? -- E Eu digo: De modo algum, ele tem doze divisões. Entretanto, na altura onde vistes a segunda fileira de janelas menores, existe uma galeria bela e larga que se estende por toda a volta da sala e da qual se pode ver as doze divisões, uma após a outra, verificando tudo o que se passa nelas, sem que de forma alguma os alunos do nível térreo sejam incomodados. − Vamos para lá, para que tudo se vós torne claro.

7. Vede, estamos na entrada. Não precisamos, entretanto, ir para a galeria, já que somos invisíveis para a maioria desses pequenos espíritos de crianças. Só seremos visíveis para os Mestres; mas esses já foram instruídos sobre a razão de estarmos aqui.

8. Vede, eis-nos agora na primeira sala. O que vedes no meio dessa grande sala escrito sobre uma lousa branca presa verticalmente a uma coluna? Dizeis: em cima, o número 1, que conhecemos e que deve indicar o número da sala, e abaixo: Caminho para a liberdade do espirito! − e o número um significa, eu vos digo, não o número da sala, mas o Primeiro Mandamento de Deus através de Moisés.

9. Vós perguntais: O que tantas crianças, que vemos aqui já bastante crescidas, têm a ver com a lei terrena de Moisés, válida para os homens mortais, terrenos e sem fé, mas com certeza não para as crianças, que há muito tempo aqui, na qualidade de espíritos puros, tiveram a mais vívida comprovação da existência de um Deus, se, pelo que pudemos ver, isto já lhes foi mostrado desde as primeiras aulas elementares, e mais do que suficientemente em todas as oportunidades?

10. Meus queridos irmãos e amigos, as coisas se comportam de forma totalmente diversa da que pensais. Ocorre coisa semelhante também na Terra, onde também podeis perguntar às crianças e observá-las, onde quiserdes, e encontrareis em todas uma fé viva em um Deus. Pois ninguém tem mais fé do que as crianças, e não é fácil encontrar pais tão maldosos que neguem aos seus filhos, principalmente no início de suas vidas, o reconhecimento de um Deus, visto que isso é prescrito por todas as religiões e que os pais, pelo menos por razões de ordem político-moral, têm como obrigação fazer seus filhos aprenderem e reconhecerem.

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11. Pensais que estas crianças que recebem seu ensinamento por Deus nada mais necessitam aprender sobre Ele? Vós mesmos podeis reconhecer e dizer: Sim, de uma lição assim todo mundo precisa, até o final da vida; pois Com muita facilidade as primeiras impressões dos anos de infância se apagam, e os homens adultos, que já saíram da infância, se comportam como se nunca tivessem ouvido falar de Deus. Eu vos digo: tal obscurecimento aqui é difícil de acontecer; mas é preciso considerar que essas crianças, devido à sua chegada prematura, não tiveram oportunidade, na Terra, de passar pela prova da liberdade dos seus espíritos, que é a real prova da vida. Por essa razão é preciso que se realize aqui essa ação sumamente importante para a vida do espirito. Até agora esses espíritos de crianças eram, de certa forma, máquinas espirituais vivas. Agora são eles próprios que têm de se tornar vivos, e para tal é preciso que conheçam todos os Mandamentos, verificando e experimentando na prática, em si mesmos, de que maneira sua própria natureza espiritual se comporta diante de um dado Mandamento.

12. E assim se dá aqui também o Primeiro Mandamento, que diz: "Crerás em um só Deus e nunca pensarás que não há Deus nenhum ou que haja dois, três ou mais deuses".

13. Aqui se pergunta de novo: Como é que se pode pedir que creia em Deus a quem já crê em um Deus vivo e que não tem nenhuma dúvida sobre isso? Esta é, na verdade, uma boa observação; entretanto, mesmo aqui as crianças são colocadas pelos seus Mestres, por meio de vários ensinamentos e atos, em tais situações a suscitarem todo tipo de dúvida sobre a existência de Deus; e este modo de ensino se chama de alienação do próprio espirito.

14. Para provocar tal reação nessas crianças, os Mestres costumam fazer com que as coisas mais esquisitas pareçam ocasionalmente diante dos olhos dos alunos, deixando-os considerar isso tudo e lhes perguntando então se para tal Deus seria necessário, já que não O haviam visto participar de nada. E se então as crianças dizem: Deus pode fazer isso somente por meio de Sua vontade, sem que seja necessária Sua Presença essencial, então os Mestres fazem seus alunos pensarem por si mesmos diversas coisas, e o que as crianças pensam aparece pronto. E os Mestres voltam a perguntar às crianças quem fez tal coisa?

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15. Com isto muitos já vão para a penumbra. Alguns dizem que o fizeram por si mesmos, outros opinam que foi o Mestre que o fez, lendo os seus pensamentos. Alguns, entretanto, dizem que pensaram, sim, mas que era preciso que um Deus Todo-Poderoso o permitisse, para que o que haviam pensado surgisse de pronto diante deles.

16. E se os alunos permanecem ainda bastante ligados a uma fé forte em um Deus, os Mestres lhes perguntam como é que eles sabem que existe um Deus. Os alunos costumam responder: Isso quem nos ensinou foram os nossos primeiros e sábios professores, E os atuais Mestres continuam perguntando: O que diríeis se nós, que somos Mestres claramente mais sábios, disséssemos e ensinássemos que não existe Deus nenhum e que tudo que vedes foi feito e construído por nós? E o que diríeis se disséssemos que somos nós os verdadeiros deuses?

17. Vede, então as crianças os interrompem e com ímpeto perguntam aos Mestres o que devem fazer nesse caso.

18. Os Mestres lhes dizem, então: Procurai em vós o que precisais fazer; se houver um Deus, deveis procurá-Lo em vós. Se não houver Deus nenhum, nem em toda a eternidade O encontrareis.

19. Quando, então, as crianças perguntam como devem realizar tal busca, os Mestres dizem: Procurai amar em vossos corações ao Deus que pensais existir. Crescei nesse amor e, se houver um Deus, Ele vos responderá em vosso Amor; mas se Ele não existir, não obtereis resposta em vossos corações.

20. Vede, aqui os alunos se dirigem ao seu interior e procuram amar seriamente o Deus em que antes acreditavam de forma apenas infantil. Acontece, porém, que o Senhor Deus não Se manifesta de pronto, o que faz com que as nossas crianças caiam em grandes dúvidas. Veremos a seguir como conseguem dissipá-las.

Como é que se deve procurar Deus?

1. Vede, lá estão alguns que se dirigem de pronto ao seu Mestre para dizer que agora devem seriamente crer que não existe nenhum Deus,

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a não ser os próprios Mestres, que realizam coisas maravilhosas diante deles; enquanto que Deus, apesar do apego do amor com que eles O têm no seu coração, não deu a nenhum deles qualquer sinal de Sua existência.

2. O que fazem, entretanto, os Mestres diante da manifestação dos alunos? Ouvi somente aquele a quem as crianças se dirigiram neste sentido. Ele (o Mestre) fala aos seus alunos:

3. "Minhas queridas crianças! É possível que Deus ainda não tenha Se anunciado a vós; embora seja também possível que Ele tenha Se anunciado e que vós não estivésseis alertas, não tendo percebido tal comunicação.

4. Dizei-me pois: Onde estáveis, quando pressentistes a presença de Deus em vossos corações? Estáveis lá fora, sob as árvores do jardim ou nas galerias do salão, ou estáveis na grande varanda do edifício, ou em qualquer das câmaras? Ou em vossos muitos quartos construídos fora deste grande edifício da escola? E dizei-me também tudo o que vistes, observastes e descobristes, aqui e lá."

5. As crianças dizem: "Estávamos lá fora, sob as árvores, e observávamos a magnificência da criação de Deus, em Quem devemos crer, e O louvávamos por ter feito coisas tão magníficas. Nós O imaginávamos como um Pai muito amável, que gosta de visitar Seus filhos, e com isto o nosso coração se tomou de um grande desejo de vê-Lo, de olhar para Ele e de correr para Ele, de abraçá-Lo e de acariciá-Lo com todo o nosso amor filial.

6. Mas não veio Pai nenhum de lugar algum até nós. Perguntamo-nos com preocupação, se ninguém havia percebido algo do Pai. E cada um de nós teve de reconhecer com sinceridade que não percebia nem o mais leve sinal Dele.

7. Deixamos então esse local, fomos para a varanda do edifício da escola e fizemos o mesmo. O resultado foi igual ao obtido sob as árvores. Saímos de lá para as nossas acomodações, onde rezamos muito, pedindo-Lhe que Se apresentasse a nós, supondo que ali o Pai nos fosse visitar logo. Mas foi tudo em vão! E como tínhamos seguido o teu conselho sem sucesso, vimo-nos forçados a concordar com o teu ensinamento, ou seja, que não existe Deus. E concluímos entre nós: Se existe algum Deus, então Ele não é inteiro, e sim dividido por

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todos os seres vivos de livre atividade, como vós e nós. Deus é, portanto, apenas a mais alta representação da força viva, a qual, somente em seres como vós Se manifesta; é neles que Ele reconhece tanto a Si como a outros, revelando-Se, assim, como grande força ativa’.

8. Vede, pois, aqui os pequenos filósofos, e reconhecei também o argumento ou a falsa semente, cujo fruto são todas essas equivocadas especulações racionais!

9. O que diz o nosso Mestre sobre estes argumentos dos seus alunos? Ouví suas palavras: "Minhas criancinhas queridas! Agora vi claramente em vós a razão pela qual não se vos apresentou Deus nenhum, nem sob as árvores, nem no terraço, nem nos quartos, ou seja: nem na pesquisa da Natureza por meio de experiências e da concatenação delas, nem pelo caminho das mais altas especulações da razão e do entendimento, nem em vosso ânimo de todos os dias, porque já tínheis, de saída, dúvidas.

10. Esperáveis por Deus sem convicção, e sim como uma possibilidade. Mas, se existe um Deus, Ele deve ser em Si Mesmo a suprema, definitiva certeza. Quando, entretanto, buscáveis mais alta certeza de Deus com a incerteza do vosso pensamento, fé e vontade, como teria Ele podido Se manifestar diante de vós? Observai, portanto, o que vos direi agora:

11. Quando quiserdes ir à busca de Deus, desejando encontrá-Lo também visível, é necessário fazê-lo com maior certeza. Deveis crer, sem a menor dúvida, que Ele É; e se por muito tempo ainda não chegardes a vê-Lo, deveis agarrá-Lo firmemente com o vosso amor, uma vez que sem dúvida O amais. Então Ele Se evidenciará se atingistes a maior certeza possível no vosso pensamento, fé, vontade e amor.

12. Tendo assim atingido este ponto, Deus certamente Se apresentará a vós, se é que Ele existe. Enquanto não atingirdes essa certeza, voltareis a mim sem ter conseguido coisa alguma, como foi o caso desta vez."

13. Eis que as crianças pensam sobre o ensinamento recebido do Mestre, e uma delas, aparentemente a mais fraca de todas, dirige-se a ele e diz: "Ouve, meu querido e sábio Mestre! Se eu fosse sozinho

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para o meu quarto e lá quisesse abraçar a Deus, o Senhor, como o Pai Amantíssimo, sozinho com o meu amor, sem nunca ter podido duvidar da existência de Deus, mantendo-me em Deus sem observar qualquer prova em contrário, − não acreditas, então, que Ele Se mostraria a mim se eu Lhe quisesse dar todo o meu amor? Pois para mim se torna cansativo tanto pensamento e fé."

14. O Mestre diz à criança: "Vai, minha criancinha querida, e faze o que te parecer bem; quem sabe se não tens razão? Eu não posso te dizer sim nem não, e só te digo: Vai e verifica quanto o amor consegue!"

15. Vede, a criancinha sai correndo da sala e vai para o seu quarto, e os demais alunos perguntam ao Mestre se ele preferia a iniciativa daquela criança que se afastava em direção ao seu quarto, ao que eles estavam fazendo agora mediante o seu conselho, ou seja, partir de uma certeza completa e buscar a Deus.

16. E o Mestre responde: "Ouvistes o que disse ao vosso colega, ou seja, nem sim nem não; digo o mesmo a vós. Ide para dentro ou para fora; fazei o que vos parecer melhor, e a experiência indicará o caminho melhor e mais curto, ou se um é certo e o outro errado, ou ainda se os dois são certos ou errados."

17. Vede, agora uma parte das crianças prende-se à certeza, e a outra só ao amor. As que se prendem à certeza vão para o jardim cheias de pensamentos, vontade e fé firme; mas uma parte vai para os seus quartos a fim de procurar Deus.

18. Eis então que chega de volta a criança que saiu cheia de amor a Deus, conduzida por um homem simples, e vai direto ao Mestre. O que dirá afinal?

19. Ouvi, ela (a criança) diz: "Mestre amado e sábio, olha só! Quando comecei a amar o grande e amável Pai do Céu no meu pequeno quarto, chegou junto a mim esse homem simples e me perguntou se eu amava assim de verdade o Pai do Céu. E eu lhe respondi: Oh, meu querido, isto se pode ver pelo meu rosto! — Mas então o homem me perguntou como eu via o Pai do Céu na minha alma. E eu lhe disse: Eu O imagino como uma pessoa; mas Ele deve ser muito grande e forte e ter, com certeza, um brilho muito grande, pois.mesmo este mundo e o sol que o ilumina são magníficos e resplandecentes.

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Então o homem simples me levantou, me apertou contra o seu peito, me deu um beijo e me disse: Leva-me até a sala de aula e ao teu Mestre; lá nós saberemos como proceder e veremos em pormenores como é o Pai do Céu, se é que Ele existe, e de que maneira Ele cria, conduz e rege tudo a partir de Si Mesmo. E vê, meu querido e sábio Mestre, aqui estou com o homem simples. Quem te parece ser esse homem, e porque me tratou com tanto carinho?"

21. E o Mestre diz, visivelmente cheio do maior amor e respeito: "O criança ditosa, encontraste Aquele que procuraste. Vê, Este é Deus, o nosso Pai Amantíssimo!" — E o Senhor Se abaixa para pegar a criança nos Seus Braços e pergunta: "Sou Eu realmente Aquele descrito pelo teu professor?" — E a criança responde, com grande excitação: "Oh sim, Tu O és, reconheço-o pela Tua Bondade Infinita, pois quem seria tão bom quanto Tu, me tomando em Seus braços e me acariciando e me afagando como Tu? Eu Te amo, entretanto, de forma tão indescritível que nunca mais vou poder me separar de Ti! Não deves mais me deixar aqui, Pai querido e santo! Pois nunca senti uma Felicidade e um Amor como nos Teus braços!" —E o Senhor diz: "Não temas, Minha criancinha! Quem Me encontrou como Tu não Me perderá nunca mais. Agora, entretanto, precisas calar a Meu respeito, pois aí vêm as outras criancinhas que Me procuravam, mas ainda não Me encontraram. Vamos fazer uma pequena prova com elas, pela qual elas também deverão Me encontrar; fica, portanto, quieto, até que Eu te acene!"

Saudade de Deus — Uma prova da Sua Existência

1. Vede, agora entram as demais crianças que procuram. É fácil ele ver nos seus rostos que elas não encontraram Aquele a Quem saíram para buscar, nem de uma maneira nem de outra. Elas se aproximam do Mestre pela segunda vez, muito acanhadas, e o Mestre lhes pergunta: "Muito bem, minhas crianças queridas, como é que ficamos agora com vossas buscas sob as árvores, nos terraços ou nas galerias, ou ainda com as buscas daqueles que, dentre vós, foram procurar o Senhor nos seus pequenos quartos? Vejo que vós todos

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encolheis os ombros; não vistes nem encontrastes, portanto, o bom e querido Pai, o único Deus de todo o Céu e de todos os mundos? Como é que está a vossa fé? Duvidais ainda da existência de Deus?"

2. As crianças dizem: "Querido e sublime. Mestre, quanto às dúvidas as temos mais agora do que antes; pois vê, nem nossa vontade forte, nem nossa fé mais viva, nem nossos mais bem fundamentados pensamentos sobre Deus, o Senhor, e nem nosso amor mais firme conseguiram algo. Se houvesse algum Deus e Senhor, Ele certamente Se teria manifestado a nós de uma ou outra maneira; e no final, reunimo-nos firmando-nos na fé de que deve haver um Deus e Senhor Santo, Bom e Amoroso. Dirigimos-Lhe todo o nosso amor e O chamamos pelo Seu Nome que nos revelaste, dizendo: Ó nosso amado e santo Pai Jesus, vem, vem a nós, ouve a nossa súplica filial e mostra-nos que Tu O és e que também nos amas como nós Te amamos! — E vê, caro e sublime Mestre, assim fizemos durante um bom tempo, sem que percebêssemos o menor indício de qualquer Pai Celestial. Tudo foi em vão; estamos, portanto, plenamente convencidos de que não há nenhum outro Mestre ou Deus além de nossos sublimes Mestres.

3. Não queremos com isso dizer que as nossas dúvidas já estejam assentadas sobre terra firme. Mas podemos pensar, após todo esse esforço ineficaz da busca da existência de Deus, que alcançamos mais dúvidas do que uma fé firme.

4. Mas estamos vendo também aquele que se separou de nós para procurar o Senhor somente pelo amor: ele também não encontrou nada?"

5. Diz o Mestre: "Minhas queridas criancinhas, por enquanto não posso vos dizer nem sim nem não." − Mas as crianças continuam perguntando ao Mestre: "Caro e sublime Mestre! Quem é aquele homem desconhecido com roupas simples, acompanhado por nosso colega que o olha com tamanho encantamento? Será que o seu pai da Terra veio até aqui?"

6. O Mestre diz: "Minhas queridas criancinhas, isto também não vos posso dizer. O que posso vos adiantar é que aquele homem simples é extraordinariamente sábio, de modo que deveis conter-vos se ele quiser falar-vos sobre este ou aquele assunto."

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7. As crianças dizem: "Mas, caro e sublime Mestre, então homens assim tão simples também podem ser sábios? Pois observamos até agora que os Mestres, com exceção de ti, quanto mais sábios eram, tanto mais elevada e resplandecente era sua aparência. Aquele homem, entretanto, não parece tão sublime e resplandecente, e é muito mais simples e modesto do que tu. Eis porque estranhamos que ele seja excepcionalmente sábio."

8. O Mestre diz: "Sim, minhas queridas criancinhas, a mais profunda das sabedorias internas não se revela pelo brilho externo, pois o que ocorre é o seguinte: Quanto maior o brilho de fora, tanto menor a luz de dentro; e quanto mais luz de dentro, tanto menor o brilho para fora. — Ide a ele, porém, e perguntai-lhe algo, para que verifiqueis de pronto como ele é sábio."

9. Agora as criancinhas vão até aquele Senhor e Lhe perguntam sem reconhecê-Lo: "Caro homem simples e modesto! Poderias nos permitir uma pergunta?"

10. O Senhor diz: "Oh, com prazer e de todo o coração, Minhas criancinhas queridas! Perguntai, e Eu Me ocuparei da resposta." —As crianças perguntam ao Senhor: "Nesse caso, vamos te perguntar sobre o que nos importa sobre tudo. Vê, nós buscamos saber e comprovar há já um longo tempo, para lá e para cá, com prós e contras, se existe um Deus, que seria para todos os homens um Pai no Céu sobremaneira Bom. Não conseguimos, entretanto, encontrar a pista desse Pai, e o nosso Mestre não pode ou não quer nos dizer nada a esse respeito. Ele nos disse, entretanto, que és excepcionalmente sábio; e nós gostaríamos de saber de ti se existe ou não tal Deus e Pai. Se sabes alguma coisa a respeito, dize-nos por favor, e nós ouviremos com a maior atenção cada palavra da tua boca."

11. O Senhor diz: "Sim, Minhas caras criancinhas, vós me fizestes uma pergunta realmente muito difícil, que terei dificuldade de responder; porque se Eu vos disser que existe tal Deus e Pai, direis: Isso não nos basta enquanto não O pudermos ver. — E se, em seguida, dissésseis: Deixa-nos ver o Pai, — o que poderei vos dizer então? Eu poderia vos apontar com o dedo para cá ou para lá, e não veríeis nada; pois para onde Eu pudesse apontar, vós não encontraríeis nunca vosso Deus e Pai. Mas se vos dissesse: Crianças, o Pai está aqui entre vós! Acreditaríeis nisso?

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12. Não perguntaríeis: Onde está Ele então? É ele um dos Mestres deste grande salão? — E se Eu vos dissesse: Oh, não, Minhas crianças queridas! O que iríeis então fazer? Iríeis Me olhar com os olhos arregalados e dizer: Vê, esse homem zomba de nós. Se não for um dos muitos Mestres, quem poderá ser então? Por certo não serás Tu! Pois tão simples, humilde e sem brilho como és não poderias ser o Pai do Céu a Quem tudo pertence!

13. E se Me désseis tal resposta, o que Eu vos poderia replicar? Por isso deveis fazer-Me outra pergunta, pois parece não ser possível responder-vos satisfatoriamente à vossa primeira pergunta."

14. As crianças dizem: "Ó homem querido e sábio! Vê, não pode ser assim. Não estamos interessados em receber resposta a outra pergunta; pois só nos interessa saber se existe ou não um Pai Celestial; é nisso que reside a nossa felicidade. Pois se houver um Pai no Céu, então somos todos bem-aventurados no mais alto grau; mas se não houver, então estamos aqui como se estivéssemos sem fundamento, não sabendo para que, através de que e com que finalidade. Por isso, se te for possível, responde-nos somente a primeira pergunta; isso te pedimos com a maior insistência.

15. Pois, que tu és um homem muito sábio, isso já percebemos pela tua resposta evasiva. Leva-nos, portanto, pelo menos uns dois passos mais para perto do único Pai, visto que é certo que deve haver um. Isto percebemos pelo fato de sentirmos um desejo cada vez maior de ver esse Pai Celestial, porquanto Ele ainda Se oculta por trás de nossas dúvidas infantis.

16. Pois se Ele não existisse, de onde nos viria essa vontade de vê-Lo, que em nós é tão viva quanto nós mesmos? Com o desejo deve crescer também a certeza de que há um Pai Celestial!"

17. O Senhor diz: "Agora, Minhas criancinhas queridas, vós já Me tirais as palavras da boca! E certo, no desejo existe uma comprovação realmente grande; mas qual é afinal a consequência do desejo? Não é assim, minhas criancinhas queridas, que a consequência seja que se deva querer uma comprovação, e é por isso que se anseia? Direis que é uma boa resposta. E Eu vos pergunto agora: Qual será então a razão do desejo de ver? — Vós Me respondereis: é o amor que se tem por aquilo pelo que se anseia.

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18. Quando, entretanto, se quer ver alguma coisa a fundo e em toda a verdade, será suficiente ficar só com o desejo de ver e a sua consequência? Vós Me direis: Oh, não, querido homem de sabedoria realmente grande! É preciso ir até o fundo da questão. Se a grande Verdade se anunciar aí, então tudo estará errado; mas se ela se anunciar, então se chegará à convicção viva de que ela só pode ser reconhecida e vista, sempre na sua própria base.

19. Vede aqui, criancinhas! Este vosso irmão já trilhou esse caminho; e ele encontrou o Pai! Perguntai-lhe onde Ele está, e ele vos indicará o Pai."

20. Agora os outros investem para ele e exigem que o faça. E ele diz: "Oh meus queridos irmãos! Vede lá, aquele a quem considerastes modesto e simples, esse é pessoalmente Aquele a quem há tanto tempo buscáveis inutilmente, Ele é o bom e querido Pai do Céu! — Santo, Sacrossanto é Seu Nome! Acreditai em mim, pois eu já vi o Seu Esplendor. Acreditai, não porque eu vo-lo digo, mas aproximai-vos Dele com vossos corações, e O encontrareis de forma verdadeira e magnífica, assim como eu O encontrei!"

21. Vede, essas crianças se unem em uma só voz, assim que reconhecem o Paí: "Ó Pai, Pai, Pai!!! Tu O és, Tu O és! Pois o sentimos com toda a força perto de Ti! Mas agora que Te encontramos, não deverás mais ocultar-Te de nós, para que não tenhamos mais que Te buscar tão arduamente!"

22. E o Senhor diz: "Amém! Criancinhas, de agora em diante vossos rostos não deverão mais se afastar de Mim! Não estarei sempre assim, como agora, entre vós, mas estarei sempre presente naquele Sol que vos ilumina! — Quanto ao mais, vosso Mestre se manifestará sobre Mim,"—

Segunda e Terceira salas — Ensinamento sobre o Segundo e Terceiro Mandamentos

1. Agora não precisamos mais observar o que essas crianças ainda aprendem de seus mestres sobre o Senhor; porque a época ou a

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condição em que elas O tinham como que perdido totalmente já foi superada por elas, e assim também a primeira sala de aula, das doze que existem nesta divisão que já vimos antes. − Seria muito cansativo acompanhar a continuação do ensinamento dessas crianças em todas as salas de aula que se seguem. Mas, para que saibais o que se ensina nessas salas e de que maneira, eu vos digo que já no primeiro quadro, no meio da primeira sala de aula, pudeste perceber do que se trata neste grande edifício escolar ---- nada mais nada menos do que dos Dez Mandamentos de Moisés e, finalmente dos Dois Mandamentos do Amor.

2. Em cada uma das salas que se sucedem ensina-se e pratica-se um novo Mandamento, sempre da mesma maneira observada com o primeiro Mandamento na primeira sala.

3. Assim, logo na sala seguinte trata-se do Mandamento “Não tomarás o Nome de Deus em Vão". Quanto a isto, vós também não percebeis o que este Mandamento significa verdadeiramente, e por isso quero, com pequenos empurrõezinhos, vos encaminhar para o seu significado correto.

4. Assim, nesta segunda sala este Mandamento não é interpretado como se então ninguém pudesse, em ocasiões pouco importantes, pronunciar o Nome de Deus seja Ele qual for— sem a devida alta consideração e veneração, proibição essa que de certa forma não significaria quase nada. Pois se alguém achasse que só deve pronunciar o Nome de Deus nos casos de extrema necessidade, e assim mesmo sempre com a mais alta veneração e respeito, isto na realidade quer dizer que não se pode, de certa forma, jamais pronunciar o Nome de Deus, determinando-se aqui duas condições sob as quais o Seu Nome deve ser pronunciado. Essas condições, entretanto, baseiam-se primeiro no fato de que certamente ninguém seria capaz de decidir em que situação ocorre tal caso de extrema necessidade em que se possa pronunciar o Nome Santíssimo. Segundo, se tal caso surgisse, como por exemplo num perigo evidente de morte que pode acontecer a qualquer um, resta saber se em tal situação de extrema gravidade alguém teria a presença de espírito e a força interior para, com toda a dignidade, pronunciar o Nome Eterno do Senhor, qualquer que Ele seja?

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5. Se, portanto, considerardes a explicação deste Segundo Mandamento da forma como é dada geralmente na Terra, chegaríeis necessariamente à conclusão de que o Nome do Senhor nunca deveria ser pronunciado, pela simples razão de que é difícil pensar na coincidência das duas condições. Eu gostaria de conhecer o homem que, diante da maior dificuldade, conseguisse se colocar na mais sublime condição de veneração e piedade para poder pronunciar o Nome de Deus.

6. Se isso fosse verdade, ninguém poderia rezar, porque nas orações também se menciona o Nome do Senhor. O homem deve, entretanto, rezar todos os dias para honrar a Deus e não limitar a oração aos casos mais extremos.

7. Depreende-se daí que este Mandamento é interpretado incorretamente. Mas, para finalizar de um só golpe todas essas reflexões, eu vos digo em poucas palavras como ele deve ser entendido. Assim: "Não tomarás o Nome de Deus em vão" significa:

8. Não deves proferir o Nome de Deus somente pela boca, articulando apenas algumas sílabas, mas, como Deus é o Fundamento da tua vida, deverás pronunciá-Lo sempre com esta compenetração, isto é, não mecanicamente, e sim de forma viva e atuante em todas as tuas ações; pois tudo o que fazes, o fazes com a força que Deus te outorgou. Se utilizares essa força para coisas ruins, profanas o que há de Divino em ti; e essa força em ti é o Nome Vivo de Deus!

9. Vede, este Mandamento diz portanto que é preciso reconhecer em primeiro lugar o que representa o Nome de Deus, e em que consiste; e então que Ele não deve ser pronunciado de forma fútil, com palavras externas como um outro nome qualquer, mas sim e em todas as ocasiões de forma ativa, porque o Nome de Deus é a Força Criadora do homem. Por essa razão, tudo o que o homem faz deve fazê-lo neste Nome. Se ele assim proceder, então não tomará o Nome de Deus em vão e com palavras externas, e sim de forma ativa e viva em si.

10. E vede, é dessa maneira prática que este Segundo Mandamento é ensinado aos alunos nesta segunda sala, e cada um repete os exercícios até se firmar na prática. Isto feito, eles seguem para a terceira sala, do Terceiro Mandamento, o qual, como sabeis, reza:

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11. "Deverás santificar o sábado” − O que quer dizer isto aqui, logo aqui, onde não há sucessão de dias e noites, e sim um dia eterno? Quando é então o sábado? Mas como o Mandamento vem de Deus, ele deve ser uma regra eterna e nâo temporária e deverá ter no Reino dos espíritos o mesmo significado que na Terra.

12. Ora, costumais dar a isso o significado de que não deveis nos dias de guarda, caracterizados como sábado, prestar qualquer trabalho servil, ou seja, qualquer atividade para garantir a subsistência. É permitido, entretanto, realizar espetáculos, jogar e dançar como os pagãos. É preciso jejum no dia anterior ao sábado, para que nele se possa devorar cada vez mais e melhor alimento. Os proprietários de restaurantes têm permissão para vender refeições e para enganar seus clientes nos dias de guarda muito mais do que nos dias comuns. A isto se chama, juridicamente, de santificar o sábado; somente o trabalho abençoado dos campos e lavouras não pode ser feito; tudo o mais é permitido.

13. O Senhor mostrou ao mundo, entretanto, que se pode muito bem trabalhar e fazer o bem no sábado. Se o próprio Senhor trabalhou no sábado, isto é no meu entendimento uma prova suficiente de que a "santificação do sábado" deve ser entendida como algo bem diferente do que abster-se de trabalhar ou de tomar nas mãos o que for útil e benéfico.

14. O que é que se deve, então, entender pela santificação do sábado? O que é o sábado? Vo-lo direi em poucas palavras:

15. O sábado não é a véspera do domingo, nem o domingo, nem mesmo o domingo da Páscoa ou de Pentecostes, e nem qualquer outro dia da semana ou do ano, e sim e somente o Dia do Espírito no Homem, a luz divina no espírito humano, o nascente Sol da Vida na alma humana. Este é o dia vivo do Senhor no homem que ele deve constantemente reconhecer e santificar mais por meio de todas as suas ações, que deverão ser feitas pelo amor a Deus e, consequentemente, pelo amor ao próximo.

16. Como entretanto o homem não pode encontrar esse dia sagrado de descanso do Senhor no burburinho do mundo, é preciso que ele se recolha do mundo e busque esse dia da vida da Santa Paz de Deus em si mesmo.

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17. É por issoque foi prescrito também ao povo israelita que determinasse ao menos um dia da semana em que se afastasse dos negócios mundanos para dedicá-lo exclusivamente à procura da vida em si mesmo. Mas o Mandamento foi considerado de forma somente material, e isso foi levado a tal ponto que nem o próprio Senhor do Sábado foi reconhecido, Ele, o Pai Santo, quando veio à Terra movimentado pelo Seu Amor Infinito a Seus filhos!

18. Penso que com essas palavras esteja perfeitamente caracterizado o que se deve entender com a santificação do sábado e como esta deve ser vivida.

19. Ao mesmo tempo deve vos parecer compreensível a questão de saber se a vossa santificação do domingo é na verdade a guarda do sábado, se por uma hora de serviço religioso seguida de meras distrações mundanas se pode bem chegar ao interno e eternamente vivo dia de descanso do Senhor?

20. Se eu estivesse convosco na Terra, pagaria um preço muito alto para elucidar sobre a possibilidade de encontrar e santificar o verdadeiro sábado no espírito com uma ida à igreja seguida de valente comilança, de passeios a pé, de carro ou a cavalo, dançar, jogar e beber, quando não mentir e enganar e fazer visitas difamatórias. Quem sabe não haja filósofos capazes de fornecer tal prova; mas para nós ela se apresentaria como moeda falsa.

21. Não é preciso dizer em maior detalhe que as crianças aqui são treinadas, de maneira prática, por ensinamentos e exercícios sobre a santificação viva do sábado. Podeis fazer-vos daí uma ideia sólida sobre a maneira como esses Mandamentos do Senhor devem ser entendidos.

22. Queremos dar-vos ainda uma breve noção do espírito em que os demais Mandamentos, além dos três primeiros, são ensinados às crianças. A seguir, passaremos ao ensinamento sobre o Quarto Mandamento, ministrado na quarta sala.

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O Quarto Mandamento na Quarta sala (no sentido espiritual)

1. O Quarto Mandamento, tal conto o tendes na Terra, reza: "Honra pai e mãe, para que tenhas vida longa e de bem-estar na Terra". − Este Mandamento tem a mesma origem divina que os três primeiros. Mas o que manda ele, e o que promete? Nada além da obediência dos filhos a seus pais e de uma recompensa temporal por tal obediência.

2. Não seria então natural perguntar-se: Com é que um Mandamento divino pode ser sancionado apenas por promessas temporais, aparentemente sem oferecer vantagens espirituais eternas? Que importância tem um tal favor temporal: um bem estar, uma vida longa, — se a isso não se seguir algo mais elevado?

3. É verdade: uma vida boa e longa é melhor do que uma ruim e curta. Quando, entretanto, ao término do período de vida surge a inóspita morte, que vantagem apresenta a vida boa e longa sobre a ruim e curta? Não é preciso ser um grande matemático para poder dizer que a diferença simplesmente se reduz a zero; pois em ambos os casos nada se recebe no Além, nem se pergunta qual foi o caminho, se bom ou ruim.

4. Avaliado por esse padrão, o Quarto Mandamento parece basear-se em alicerces muito escorregadios, e os pais teriam de fato pouca sorte se seus filhos chegassem ao mundo com uma filosofia deste tipo, que pouco os incitaria a obedecer a seus pais — Ainda há um outro aspecto crítico desse Mandamento; da maneira como é enunciado, parece ter uma base apenas temporal, fundada na obrigação dos filhos em relação aos pais.

5. É de se perguntar, entretanto: Para que serve esse Manda-mento aqui no Reino espiritual, onde as crianças estão afastadas para sempre dos seus pais, sendo portanto necessariamente também afastadas das obrigações terrenas a seu respeito? Não obstante, encontra-mos este Mandamento inscrito na lousa da quarta sala. Será que ele se refere ao relacionamento das crianças com o Senhor? Poderia ser assim se a promessa não fosse unicamente "para que tenhas uma vida longa e de bem estar na Terra" — Se lá estivesse: "para que

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tenhas uma vida longa e de bem estar no Céu", o Mandamento seria fácil de entender; mas uma promessa temporal no reino eterno dos espíritos soa lealmente algo estranha.

6. O que pensais que se pode fazer aqui para conseguir-se um aspecto divino bem fundado desta Lei? Encolheis os ombros e dizeis bem baixinho para vós mesmos: Querido amigo e irmão! Se queres ouvir nossa opinião, há um forte obstáculo que exclui para esta Lei a aplicação de um aspecto puramente espiritual-divino; pois, considerando tudo o que foi dito antes, não é fácil descobrir nela também algo espiritual como se pensava.

7. Eu vos digo, entretanto, que justamente este Mandamento, como talvez nenhum outro, é puramente espiritual. Agora arregalais vossos olhos; mas isto não altera o fato. Para que o percebais de um só golpe, é preciso formular este Mandamento com palavras algo alteradas, como é também apresentado aqui nesta sala de ensinamento; e vereis logo seu sentido verdadeiro. Como é que ele fica, então? — Ouvi!

8. Crianças! Obedecei à Ordem de Deus, que emana do Seu Amor e Sabedoria (isto é, Pai e Mãe) para que tenhais uma vida longa e de bem-estar na Terra. O que é uma vida longa, e o que é em contrapartida a vida eterna? A "vida longa" designa a vida na sabedoria; ela se entende "longa" não pela duração, mas pela sua extensão e seu poderio cada vez maior; pois a palavra ou o conceito de "vida" já encerra em si a noção do eterno. Mas a palavra "longa" de modo nenhum significa, aqui, a duração, e sim apenas uma ampliação da força da vida, com a qual o ser vivente alcança cada vez mais as profundidades da Vida Divina, com o que a sua própria vida se torna sempre mais perfeita, mais sólida e mais atuante.

9. Até aqui chegamos; mas quanto a "uma vida de bem estar na Terra", o que significa isso? Nada mais do que o apropriar-se da Vida Divina, pois o que se entende aqui por "Terra" é o próprio Ser, e o bem estar nesse Ser não é senão o ser livre em si mesmo, de acordo com a Ordem Divina da qual ele se apropriou.

10. Esta pequena explicação é suficiente para compreenderdes que este Mandamento é de natureza puramente espiritual. Se quereis comprová-lo com vagar, verificareis na própria Terra que assim é. Eis

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porque também aqui é ensinado assim às crianças de forma prática, com máximo aproveitamento. Cientes disso, nos encaminharemos logo à quinta sala.

O Quinto Mandamento na Quinta sala (no sentido espiritual)

1. Nesta quinta sala vedes de novo uma lousa na qual está escrito com letras claras: "Não matarás!" Considerando os termos deste Mandamento, e examinando ao mesmo tempo a história do povo israelita, deveríeis estar acometidos de cegueira se não deduzísseis de imediato que este Mandamento tem ossos de roer. "Não matarás!" — De que maneira, onde, quando e o que?

2. Enfim, o que quer dizer "matar"? Trata-se somente de derribar a faculdade de viver de um corpo, ou de privar o espírito de sua força de vida celeste? Se a Lei visa a proteção apenas do corpo do homem, a morte do espírito não pode ser compreendida com este Mandamento. Antes, não consta que cada um deveria matar sua carne a fim de vivificar seu espírito, já que o próprio Senhor disse: "Quem ama sua vida — isto é, a vida da carne —, a perderá; mas quem foge dela por Minha causa, a obterá"?

3. Encontramos o mesmo também na natureza das coisas. Se a casca exterior de um fruto, ou seja seu invólucro, não morrer, este fruto não produzirá um germe vivo. De tudo isso resulta que matar a carne não implica também na morte do espírito. Mas se com este Mandamento só se compreende a morte do espírito, que segurança teria então a vida do corpo?

4. Ao contrário, é do conhecimento geral que os estímulos da carne, tão freqüentes em nossa época, nada mais são senão "mortes do espírito". Ao comparardes a história do povo israelita, que foi o primeiro a receber estes Mandamentos, com as ações do próprio legislador Moisés, vereis quanto elas contrastaram da Lei, pois ele mesmo mandou matar grande número de israelitas, e seus sucessores foram obrigados a fazer o mesmo com os que infringiram a Lei.

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5. "Não matarás!" — Este Mandamento fora depositado — assim como os demais — na Arca da Aliança. Mas o que fez todo o exército israelita com os habitantes anteriores ao tomar posse da "Terra prometida”? O que fez o próprio David, o homem conforme o coração de Deus? E Elias, o maior dos profetas? — Vede, todos eles mataram, e isso freqüentemente, e muitas vezes de modo bastante cruel.

6. Quem de vós for de espírito franco e sóbrio, será que não chegará a formular intimamente o seguinte julgamento: Que Mandamento é este, contra o qual se viram obrigados a agir até os primeiros profetas despertados por Deus?

7. Tal Mandamento não teria nenhum sentido.Em tempos de guerra, também em nossa época é uma questão de honra matar o inimigo, que nem por isso deixa de ser nosso irmão. Sim, o próprio Senhor mata todos os dias os corpos de legiões de homens; mas mesmo assim consta: "Não matarás!" E David teve até de mandar justiçar um comandante que se mostrara clemente demais para com uma cidade que ele devia arrasar; — é verdade, porém, que se tornara perjuro.

8. Eis como se afigura este Mandamento na Terra. Mas o encontramos aqui, no Reino dos Céus, onde ninguém pode mais matar o outro, e onde certamente também ninguém jamais pensará em matar alguém. Então, para que fim o vemos escrito aqui na lousa? Talvez somente por um respeito histórico, para que os alunos aprendam aqui que tipo de Mandamento está e esteve em vigor na Terra? Ou será que estas crianças cujo espírito está cheio de boa vontade deveriam, por causa deste Mandamento, passar por um certo tempo a conhecer o impulso de matar, a fim de terem ocasião de lutar contra este instinto, como manda a Lei? Poderia se pensar nisso: mas qual seria a conclusão ou o resultado final de tal procedimento? Só posso responder o seguinte: Dado que as crianças, após terem-se provado diante da Lei, deveriam por fim dominar a vontade de matar, é de se supor que não teriam tido nem ganho nem perda se nunca tivessem experimentado tal impulso.

9. Mas vejo que no final desta exposição detalhada, vós mesmos não sabeis o que pensar deste Mandamento. Não vos inquieteis;

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bastarão poucas palavras para, dirimir rodas as dúvidas, e nosso Mandamento brilhará qual um Sol, tanto na Terra como no Céu!

10. A fim de compreenderdes a fundo a seguinte explicação, chamo vossa atenção para o fato que EM DEUS, A CONSERVAÇÃO ETERNA DOS ESPÍRITOS CRIADOS É A CONDIÇÃO FUNDAMENTAL E CONSTANTE DE TODA ORDEM DIVINA. — Cientes disso, olhai para o contrário, isto é, para a destruição: e tereis diante de vós o significado espiritual e material do Manda-mento.

11. Em vez de "Não matarás!", dizei portanto: "Não destruirás, nem a ti mesmo, nem tudo aquilo que pertence a teu irmão!" — pois a conservação é a eterna Lei fundamental, estabelecida no Próprio Deus, resultando daí que Ele é Eterno e Infinito em Seu Poder. E como na Terra também o corpo do homem é necessário para o perpétuo aperfeiçoamento do espírito até o limite temporal fixado por Deus, ninguém tem o direito, sem expresso Mandamento Divino, de destruir teimosamente seu próprio corpo ou o de seu irmão.

12. E como aqui a conservação é enfatizada pela Lei, é fácil entender que ninguém está autorizado a destruir o espírito de seu irmão, ou o seu próprio, por quaisquer meios, incapacitando-o para alcançar a vida eterna. É verdade que Deus mata todos os dias os corpos de muitos homens, mas isso em seu justo tempo, quando o espírito atingiu de uma ou outra maneira uma certa maturidade. Também os anjos do Céu, constantes servidores de Deus, matam sem descanso os corpos de homens na Terra, mas sempre dependendo da prévia Ordem do Senhor, que determina também a maneira pela qual isso deve acontecer.

13. É, pois, na prática e no sentido espiritual que as crianças aprendem aqui em que consiste a conservação das coisas criadas, que sempre devem ser manejadas com o máximo cuidado, em concordância com a Vontade do Senhor. Se o compreendestes de algum modo, vós mesmos vos inteirastes da grande dignidade deste Mandamento, assim como da razão porque ele aparece também aqui no Reino dos espíritos infantis no Céu. — Cientes disso, podemos logo passar para a sexta sala.

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O Sexto Mandamento na Sexta sala — O que é impudicícia?

1. No meio da sexta sala avistamos de novo uma lousa onde está escrito com letras bem claras: "Não praticarás impudicícia — Não cometerás adultério!" — Trata-se evidentemente do Sexto Mandamento que Deus decretou por Moisés ao povo israelita. E um dos Mandamentos mais difíceis de ser compreendido na sua condição fundamental, e a ser observado na vida.

2. O que se proibe exatamente por este Mandamento? — E a quem diz respeito: ao espírito, à alma ou ao corpo? Qual destas três entidades não deve praticar a impudicícia? Pergunta difícil! Mas o que é, em verdade, a impudicícia e o adultério? Quer se designar como impudicícia o ato sexual recíproco? Se este fosse o caso, cada procriação seria embargada por este Mandamento, pois não se prevê, na sua redação simples, qualquer condição ou exceção; só é dito: "Não praticarás impudicícia!"

3. Se, pois, o ato sexual fosse considerado de certo modo como o ponto culminante da impudicícia, quem seria capaz, sob o atual estado de coisas na Terra, de realizar uma procriação sem este ato proibido? Se feito dentro ou fora do matrimônio, o ato é o mesmo. É o mesmo também se feito com ou sem a intenção de procriar. Além disso, o Mandamento não estabelece nenhuma condição pela qual um matrimônio regular fosse isento da impudicícia.

4. Sob outro ponto de vista, deve ser óbvio para cada um que o Senhor Se importa de preferência com a propagação do gênero humano e de sua sábia educação. Mas de que maneira o gênero humano deveria se propagar, se o ato da procriação lhe fosse proibido sob pena de morte eterna? É mais do que evidente que nisso não haveria lógica.

5. Além disso, cada um deve concordar quer nenhum dos outros Mandamentos que nos foram impostos vem sendo universalmente tão impedido pela própria natureza humana como este. — Cada criatura com uma educação algo regular observa sem maiores dificuldades os outros Mandamentos, ao passo que este causou um forte contratempo até ao apóstolo Paulo!

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6. Pelo visto, estamos diante de uma proibição do gozo carnal, inseparavelmente inerente ao ato da procriação. Se a interdição só se refere ao gozo carnal e não ao próprio ato, importa saber se ambos podem ser diferenciados. Mas quem de vós poderia afirmar e provar que dois legítimos cônjuges, no ato da procriação não sentissem também o prazer temporal? E onde estaria o casal que não fosse levado ao ato da procriação, ao menos em parte, pelo iminente prazer carnal?

7. Vemos daí que não conseguimos aplicar este Mandamento que proíbe a impudicícia ao ato carnal da procriação. Ou deve existir um ato puro de procriação que nada tem a ver com o desejo carnal, ou, se um tal ato não existe, o ato carnal da procriação não deve ser sujeito a esta Lei, devendo ser considerado como um ato espontâneo e impune do homem. — Como já foi observado, esta Lei é rigorosa, não permitindo nenhuma exceção condicional.

8. Todavia, a necessária subsistência do homem opõe-se em voz alta à proibição deste ato, assim como a exigência sempre implacável do desejo carnal. Pois ninguém, qualquer que seja sua posição, escapa a isso quando tiver atingido a maturidade — a não ser que se mutile, matando assim sua natureza. Sem isso, não poderá suprimir sua concupiscência, ainda que circunstâncias externas impedissem sua atividade sexual.

9. Portanto, examinando este problema sob o ponto de vista apenas carnal, não chegamos a nada. Porventura, este Mandamento só se referiria à alma? Ora, a alma sendo o princípio vital do corpo, e a livre ação deste dependendo unicamente da alma sem a qual a carne está morta, dificilmente uma autoridade científica poderia afirmar a sério que a alma nada tem a ver com as ações livres do corpo.

10. E de fato, o corpo é apenas o instrumento da alma, engenhosamente organizado para o seu uso; então, como poderia haver um Mandamento válido apenas para o corpo, que por si mesmo é uma máquina inanimada? Se alguém der um golpe desajeitado com a enxada, quem tem culpa, a enxada ou a mão? Ninguém certamente atribuiria falta de jeito à enxada.

11. Tampouco se pode atribuir o ato da procriação ao corpo, taxando-o-de pecado, mas unicamente ao princípio atuante, no caso, à alma viva. Por conseguinte, também o exame crítico deste Mandamento

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que fizemos até agora só pode valer para a alma que pensa, quer e age no corpo. Mas, conforme o critério acima exposto, nem a alma é atingida por este Mandamento. Será então que ele se refere ao espirito? Vamos ver!

12. Mas, o que é o espírito? Ele é o próprio princípio de vida da alma, e a alma sem o espírito nada é senão um órgão etéreo substancial dotado de todas as faculdades para receber a vida, mas que, sem o espírito, é apenas um pólipo etéreo-espiritual que constantemente estende seus braços para a vida, absorvendo tudo o que corresponde à sua natureza.

13. A alma sem o espírito é, pois, apenas uma muda força polar com o interesse inerente de saciar-se, mas que não possui o discernimento que lhe faria compreender o tipo e a finalidade desta saturação. Poderia ser comparada a um imbecil que não sente outro desejo senão o de saciar-se. De que e por que? Não tem ideia disso. Quando muito faminto, ele engole o que encontra, seja imundície ou pão ou comida para os porcos, tanto faz.

14. Vede, o caso é o mesmo da alma sem o espírito. Os cretinos aos quais acabamos de nos referir, possuem tão somente uma vida psíquica, o que quer dizer que na alma deles há um espírito fraco demais ou até espírito nenhum. Para vos convencerdes disto, basta lançar um olhar no mundo dos espíritos das trevas. O que são eles? São almas que continuam vivendo após a morte física, mas que durante a vida tanto enfraqueceram e oprimiram seu espírito, — e isso pela maneira mais leviana e muitas vezes malévola — que ele, no estado em que se encontra, mal lhes pode proporcionar a escassa estimulação de vida que lhes é atribuída, mas que não raramente impede todas as vantagens da vida!

15. Ora, como se comportam estes seres no Além em confronto com os vivos espíritos na bem-aventurança? Não de outra forma que puros imbecis, isto é, cretinos espirituais, deformados em todos os sentidos, de maneira que freqüentemente não se pode mais descobrir neles o mínimo traço de uma forma humana. Estes seres, em seu proceder no mundo dos espíritos, são tão pouco responsáveis como os cretinos junto a vós na Terra. Daí resulta que a alma não é responsável por si mesma, mas só estando de posse do espírito, único

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detentor do livre arbítrio. É pois o Mesmo que dizer que, em verdade, só o espírito é responsável.

16. Com esta evidência a que chegamos, pergunta-se: Como e de que maneira pode o espírito absoluto praticar a impudicícia? Pode o espírito sentir desejos carnais? Creio que não poderia haver maior contradição do que imaginar-se a sério um "espírito carnal", que forçosamente teria que ser material para poder abrigar desejos grosseiramente materiais.

17. Se já um preso certamente não se sente à vontade em sua prisão, o que dizer do mal-estar de um espírito absoluto que deveria unir-se para sempre em sua natureza libérrima à grosseira matéria, deleitando-se com ela. Neste sentido, um espírito praticar impudicícia, por certo é o maior absurdo que um homem pode cogitar. Importa, pois, saber: O que é a impudicícia e quem não deve praticá-la, enquanto vimos que nem o corpo, nem a alma e nem o espírito podem praticá-la, como a entendemos até agora?

Duas espécies de amor

1. Alguns poderiam alegar: Moisés se pronunciou mais tarde a esse respeito, permitindo o ato sexual regular apenas entre legítimos esposos, proibindo-o porém fora do matrimônio. Decretou até que este ato entre um homem casado e a mulher de um outro constitui um adultério, tornando-se ambos réus de morte. Efetivamente, foi assim; mas decretos posteriores não transformam a Lei dada no início. Quem quer prender-se aos decretos posteriores deve justificar sua posição diante da primeira Lei, pois nesta, nem a impudicícia nem o adultério são proibidos de uma forma concreta.

2. Já explicamos claramente o que talvez poderíamos entender por impudicícia. Mas dado que tudo isso aponta para o ato da procriação, não é possível que a natureza da impudicícia que conhecemos até agora seja considerada como proibida por esta Lei.

3. Introduz-se agora um que conhece bem a matéria, dizendo: Por impudicícia entende-se apenas a vã satisfação do impulso sensual.

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Está bem, digo, citando porém os seguintes casos: Se um homem gerar um filho com a mulher de um outro que está incapacitado de fecundá-Ia, será que cometeu um ato pecaminoso de adultério? — Pergunto mais: Se um jovem, impelido pela sua natureza, gerar um filho com uma moça, poderia isso lhe ser imputado como pecado de impudicícia?

4. Pergunto ainda: Se um homem, sabendo por experiência que sua mulher não pode ser fecundada, continua tendo relações sexuais com ela, atraído pela opulência da sua carne, satisfazendo desta maneira sua sensualidade, poderia isso lhe ser imputado como pecado de impudicícia, por seu ato ser evidentemente desprovido da finalidade da procriação?

5. E mais: Na época atual, como em todos os tempos, inúmeras pessoas de ambos os sexos não podem casar, apesar de estarem aptos para a procriação e possuírem uma natureza que as incita fortemente a satisfazê-la, sendo porém impedidas de contrair matrimônio devido a circunstâncias políticas ou a uma situação social mui precária. Se tais pessoas, duplamente pressionadas, cometerem o ato da procriação, será que elas pecam contra o Sexto Mandamento?

6. Poderia-se dizer: Devem sacrificar seus impulsos carnais a Deus, renunciando ao ato sexual, e ficarão sem pecado. Mas Eu digo: Qual é o juiz que poderia taxar tal falha de pecado real? Qual é o mérito de um homem em situação abastada que lhe permite casar-se condignamente, em relação a um pobre que deve carecer de tal felicidade? O rico teria maior direito de gerar filhos do que o pobre? O dinheiro consagraria então o ato sexual porque o abastado pode casar-se regularmente, o que para mil outros sem meios não é possível?

7. A esse respeito convém perguntar ainda: Quem é, no fundo, culpado da pobreza de tantos homens? De certo, ninguém mais senão o rico felizardo que consegue, com especulações egoístas, acumular muitos tesouros que habilitariam milhares de pessoas a contrair matrimônio, — E mesmo assim, seria apenas o rico esposo isento do pecado da impudicícia, podendo criar filhos com sua mulher, ao passo que só o pobre seria o bode expiatório porque não pode casar? Seria a mesma coisa que se se designasse um lugar de peregrinação com a ordem que ninguém pode visitá-lo a pé para conseguir

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uma determinada graça, que só seria dada a quem chegar com uma carruagem elegante!

8. Quem achar justa tal ordem, deve originar-se de um mundo por certo desconhecido ao próprio Criador do Céu e da Terra, ou seja, de um mundo inexistente, a não ser que se trate de um emissário de Satanás!

9. Resulta de todas estas considerações que a costumeira explicação do Sexto Mandamento não tem cabimento. Que fazer para encontrar nele um sentido perfeitamente válido? Digo-vos de antemão que não é tão fácil como alguém poderia pensar. Sim, vos digo:

10. Para descobrir o sentido verdadeiro deste Mandamento, é preciso aprofundar-se e prender-se à sua verdadeira raiz; caso contrário, nos encontraríamos na situação duvidosa onde é considerado pecado aquilo que nem de longe o é, ao passo que aquilo que é pecado seria desprezado como insignificante.

11. Mas, qual é esta raiz? A resposta não demorará. Sabeis que O AMOR É A BASE ORIGINAL E A CONDIÇÃO FUNDAMENTAL DE TODAS AS COISAS. Sem amor, jamais algo teria sido criado, nem se poderia pensar na existência de alguma coisa, como tampouco se poderia admitir que um mundo fosse formado pela Vontade do Criador sem a força da atração mútua. Quem não compreender isso, tente imaginar um mundo onde não haja a força da atração mútua e logo verá como todos os átomos se separariam uns dos outros, como que volatilizando-se para o nada.

12. O AMOR é, pois, a base de tudo e também a chave para todos os segredos.

13. Mas, como podemos explicar que há de fato um relacionamento entre o AMOR e o Sexto Mandamento? Nada mais fácil do que isso, visto que não há nenhum ato no mundo em que o Amor esteja tão intimamente entrelaçado como naquele que incluímos nos pecados da impudicícia.

14. Sabemos, porém, que o homem é capaz de duas espécies de Amor: O Amor Divino, contrário a todo amor-próprio; e o amor-próprio, contrário a todo Amor Divino.

15. Daí a pergunta: Realizando alguém o ato da procriação, qual espécie de Amor era o motivo: o amor-próprio do qual também é

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tributária toda sorte de sensualidade, ou o Amor-Divino que só quer oferecer o que possui, totalmente desinteressado de si mesmo? Vede, já estamos chegando na pista do problema principal.

16. Suponhamos agora dois homens: um realiza o ato por sensualidade egoísta, enquanto o outro está cônscio e agradecido de poder transmitir seu sêmen a uma mulher para procriar um ser humano. Qual dos dois pecou? Não será difícil proferir aqui uma justa sentença.

17. Para entendermos plenamente nosso problema, devemos nos familiarizar com o conceito da impudicícia. O que é castidade, e o que é impudicícia? Castidade é aquele estado de ânimo em que uma pessoa está totalmente livre de egoísmo, ou puro de todas as máculas do amor-próprio. Impudicícia é aquele estado de ânimo em que alguém só toma em consideração a si mesmo, agindo só por si e esquecendo-se totalmente do seu próximo, sobretudo no que diz respeito à mulher.

18. O egoísmo em parte alguma é mais ignominioso do que no ato em que se trata da procriação de um ser humano. Por que? É evidente: Tal o solo e a semente, tal o fruto. O Amor Divino, isto é, a castidade sendo a semente, um fruto divino virá à luz. Mas qual será o fruto se a semente vem de um estado de ânimo impudico, marcado pelo amor-próprio, pelo egoísmo e pela sensualidade?

19. Vede, é isso o que o Sexto Mandamento proibe. Se este Mandamento tivesse sido observado, a Terra seria ainda um Céu, pois não haveria nela um só homem egoísta e dominador! Mas este Mandamento já foi transgredido desde o início da humanidade, e o fruto dessa transgressão foi o interesseiro e egoísta Caim.

20. Resulta daí que não apenas a chamada "impudicícia", que deveria melhor chamar-se de sensualidade, faz parte dos pecados aqui tratados, mas qualquer tipo de sensualidade deve ser considerado pecado de impudicícia, sobretudo se um homem transforma a mulher, de natureza mais fraca, em objeto de gozo egoísta de sua sensualidade. — A seguinte breve exposição tornará o assunto ainda mais claro.

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O que é fornicação?

1. Considerando que o Sexto Mandamento só reza "Não praticarás impudicícia!", sem nenhuma proibição específica da fornicação, poderíamos ser da opinião que essa não faz parte dos pecados proibidos. Mas eu digo: Em que consiste a fornicação, seja qual for sua espécie, espiritual ou carnal? E uma acomodação certa ao vício, e isso da seguinte maneira: Forma-se uma filosofia que não se importa com a possibilidade de um pecado, colocando tudo na conta de "necessidades naturais". Se essas levam o homem a satisfazê-las, ele — por meio de sua inteligência e seu gênio inventivo — só age de forma louvável e benéfica se cria meios para satisfazer todas as necessidades impulsivas de sua natureza. Quanto ao animal, ele deve satisfazer suas necessidades de maneira instintiva e brutal, já que não dispõe de inteligência, razão e espírito inventivo. Só o homem pode satisfazer suas exigências naturais de um modo refinado, distinguindo-se com isso do animal, que segue simplesmente seu instinto natural. Daí, a inteligência do homem civilizado raciocina assim:

2. Quem poderia considerar pecado se alguém, com ajuda do seu intelecto, se constrói uma casa confortável, em troca duma anterior caverna ou da cavidade duma árvore? Ou se alguém enxerta uma árvore, transformando suas maçãs ou peras em frutas doces e saborosas? Alguém poderia ser chamado pecador se se constrói uma carruagem e doma um cavalo, locomovendo-se em seguida com maior conforto do que caminhando com seus fracos pés? E quem seria culpado por cozer e temperar as frutas naturais, tornando-as em nutrimento mais agradável ao paladar? As coisas no mundo foram criadas unicamente para o homem, a fim de que se sirva delas de maneira conveniente.

3. Quantas coisas bonitas e úteis o homem não inventou para sua comodidade e divertimento! Seria pecado se desta maneira ele fizesse honra ao seu Criador, utilizando bem seu intelecto, sem o qual a Terra se apresentaria como um mero deserto onde tudo cresceria na maior desordem caótica?

4. Consta o homem não cometer falha ao cultivar o solo da Terra por diversas maneiras, com a única finalidade de um gozo mais agradável

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e cômodo das coisas do mundo; teria, pois, sentido de repreendê-lo pelo gozo mais refinado do ato da procriação, pelo qual até o homem mais culto menos se distingue do animal? Portanto, deve ser possível ao homem satisfazer também este instinto de uma maneira mais enobrecida e refinada, já que ele também se constrói casas confortáveis, confecciona vestes macias, prepara pratos de bom gosto e outras coisas mais.

5. Tomemos o caso de um homem culto e de boa situação que, para satisfazer suas necessidades sexuais, deve escolher entre uma relaxada moça aldeã e a filha de uma família conceituada, bem educada e vestida, de um físico impecável e sumamente atraente. Não é preciso perguntar qual das duas moças o pretendente escolherá. Certamente será a segunda, pois a primeira lhe causará nojo. Assim também em nosso assunto, vem a propósito um certo requinte pelo qual o homem manifesta seu ser superior, que tem em si o poder e a força de purificar tudo o que se apresenta desagradável e sórdido, tornando-o mais condizente consigo.

6. Ora, tanto o homem como a mulher sentem a premente necessidade de uma satisfação mais frequente, não se podendo exigir, no entanto, que cada vez se gere um filho. Será então um abuso de sua inteligência se ele estipula meios pelos quais pode satisfazer este instinto, seja por um ato com mulheres desprovido de sua finalidade, seja pela masturbação ou, em caso de necessidade, pela chamada pederastia? O que distingue o homem do animal é exatamente a possibilidade dele satisfazer este instinto natural por outros meios que os que a primitiva natureza predispôs. Portanto — chega-se a raciocinar — poderiam especificamente serem aprovados bordéis bem acondicionados ou instituições semelhantes que, longe de desonrar a inteligência humana, até lhe fariam honra!?

7. Vede, o que se pode objetar a tudo isto, se o único critério aplicado é a natureza física? Pois não se pode negar que o animal é incapaz de produzir tais graduações e refinamentos na satisfação de seu instinto sexual; neste assunto, de certo modo deve-se reconhecer uma verdadeira maestria do intelecto humano. Tudo isso está certo, pois no animal a satisfação deste instinto está limitada a um tempo bem restrito, fora do qual ele é inexistente.

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8. Mas, o que representam todos estes refinamentos? A pergunta é breve, mas sua resposta é séria e importante. — Por certo, estes refinamentos não têm outra motivação fundamental do que a triste e terrível sensualidade, que é, como sabemos, um produto inconfundível do amor-próprio, intimamente ligado ao espírito dominador.

9. Está certo que numa casa confortável pode-se morar mais agradavelmente do que numa cabana baixa; mas consideremos os habitantes dum palácio: seu comportamento é bem ostentoso e, diante dele, o simples morador duma cabana abaixa-se como em contrição!

10. Comparemos os habitantes duma grande cidade com os duma pequena aldeia rural. Os primeiros não sabem mais como contentar sua sede de prazeres; todos querem viver confortavelmente, divertir-se, distinguir-se e, se possível, dominar um pouco. Quando um pobre camponês vem à grande cidade, deve no mínimo tratar qualquer engraxate com "Vossa Senhoria", se não quer expor-se a uma grosseria.

11. Numa aldeia, porém, encontramos ainda pais de família, frequentemente tranquilos vizinhos que não se tratam de "Vossa Se-nhoria" ou coisa semelhante. O que é melhor: se um camponês trata o outro de "irmão", ou se na cidade uma pessoa menos abastada dirige-se à outra mais rica com "Vossa Senhoria"?

12. Creio não ser necessário prosseguir com tais produtos insensatos de refinamento da inteligência humana; antes podemos logo proferir a sentença cabal: Na luz do que foi exposto anteriormente, todos estes refinamentos sensuais nada mais são senão idolatrias; pois eles constituem sacrifícios do espírito humano às leis externas da natureza inanimada.

13. Mas se eles são idolatrias, também devem ser classificados de mera fornicação; sua tendência comprova que não fazem parte da esfera da castidade.

14. Por que foi Babel chamada de "prostituta"? Porque abrigava toda sorte imaginável de refinamentos. No fundo, "entregar-se à fornicação" significa servir com toda força vital à impudicícia. Assim, um rico esposo que tomou para si, unicamente pelo gozo, uma mulher voluptuosa e lasciva, nada mais é senão um fornicador, e a mulher é uma prostituta. E é desta maneira que aqui se faz compreender

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às crianças a impudicícia na sua raiz, que é puro egoísmo e sensualidade.

15. Era necessário elucidar-vos este Mandamento mais a fundo, porque está sendo transgredido mais facilmente que qualquer outro. Penso que compreendestes bem estas explicações, e passemos, pois, logo para a sétima sala. —

Sétima sala — Sétimo Mandamento

1. Encontramo-nos na sétima sala. Vede, em seu centro há uma coluna reluzente, branca, com uma tábua que mostra com letras bem legíveis: '" Não furtarás!" — Ao deparar com esta tábua de Mandamento, qualquer um logo se perguntará:

2. O que poderia ser furtado aqui, já que ninguém possui qualquer propriedade particular, sendo que cada um só usufrui do que o Senhor dá? Essa pergunta, natural e lógica, também se aplica ao globo terrestre, pois é o Senhor que dá tudo o que se encontra nele. Mesmo assim, os homens conseguem furtar um ao outro, de todas as maneiras.

3. Poder-se-ia perguntar e dizer: Não criou o Senhor o mundo para ser igual para todos os homens, e não tem cada homem direito igual a tudo o que o mundo criado oferece para seu usufruto? Mas se é certo que o Senhor não criou o mundo para somente alguns privilegiados, e sim, para todos, e por isso todos têm o direito de desfrutar dos produtos do mundo de acordo com suas necessidades, para que serve então este Mandamento pelo qual, aparentemente, concedeu-se aos homens certo direito à propriedade, só assim sendo possível o furto? Pois onde não existe "o meu" e "o teu", e sim tão somente "o nosso" em geral, eu gostaria de ver aquele que seria capaz de furtar alguma coisa de seu próximo, mesmo se quisesse.

4. Não teria sido mais inteligente impedir para sempre qualquer direito à propriedade, em vez de estabelecer este Mandamento que, de forma perigosa, concede o direito à propriedade particular? Assim procedendo, este Mandamento se tornaria dispensável, e em

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nenhum momento teriam surgido no mundo os tribunais julgando delitos contra a propriedade, e os homens poderiam viver facilmente como verdadeiros irmãos.

5. Há de se considerar, também, que o Senhor estabeleceu este Mandamento através de Moisés numa época em que nenhum dos inúmeros filhos de Israel possuía qualquer bem como seu pertence, já que o ouro e a prata que levaram do Egito eram propriedade do povo como um todo, sob o controle de seu líder.

6. Quanto à vestimenta, pode-se dizer que ela era muito simples e tão miserável, que uma única peça de roupa, hoje em dia, não valeria mais do que uns vinténs. Além disso, nenhum dos israelitas possuía uma roupa de reserva, mas só aquela que lhe cobria o corpo.

7. E aí vem aquele Mandamento. Certamente, no seio do povo de Israel um perguntou ao outro, com olhos arregalados: O que um poderia furtar do outro? Certamente não nossos filhos, já que naqueles tempos difíceis cada um procurava ter o menor número possível de filhos. Será que um deveria roubar a panela do outro? O que ganharia com isto? Pois quem não tem panela, mas alguma comida para cozinhar, pode usar a panela do seu próximo, por ser seu direito. E no caso de já possuir uma panela, não vai precisar apoderar-se de mais uma, só para ter mais objetos a carregar consigo. Em verdade, não dá para entender o que um poderia furtar do outro. Talvez a honra? Somos todos servidores e servos do único e do mesmo Senhor, que conhece muito bem o valor de cada um de nós. Mesmo se quiséssemos diminuir mutuamente o nosso valor, o que ganharíamos com isso em face Daquele que, a qualquer momento, vê a nossa alma e o nosso coração? Realmente, não sabemos o que fazer com este Mandamento! Será que ele servirá só para tempos vindouros, caso o Senhor Se digne nos conceder propriedade particular? Se for assim, rogamos que Ele nos deixe da maneira como somos, e o Mandamento se tornará dispensável.

8. Vede, assim o povo de Israel realmente arguia vez ou outra, sendo coisa muito natural de um povo colocado naquela situação em meio ao deserto, pois cada um, em riqueza e estima, era igual ao outro.

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9. Mas, não poderiam também os povos de nossos tempos, acreditando no Novo Testamento, se insurgir perante o Senhor com o argumento: Ó Senhor, por que estabeleceste um Mandamento assim, pelo qual foi concedido, com o tempo, aos homens da Terra um direito à propriedade especial e, em consequência deste direito, formou-se uma quantidade inúmera de ladrões, assaltantes de rua e assassinos? Faze abolir, pois, este Mandamento, a fim de que pare de atuar a vasta tropa de ladrões, assassinos e assaltantes, e diversos tipos de impostores e um segundo exército de juízes do mundo, cada qual segundo a sua espécie, sem amor ao próximo!

10. E eu vos digo: este apelo tem sua razão de ser, e sob este aspecto crítico parece perfeitamente justificável. Então, como e por que? Primeiro, não se pode esperar de Deus, o Pai de máximo Amor, outra coisa senão a mais plena benevolência. Como seria possível pensar que Deus, como o melhor Pai dos homens, promulgaria uma constituição de mandamentos que trouxesse a eles a infelicidade, tanto temporal, como eterna? 11. Mas quando se atribui forçosamente a Deus a máxima Bondade, a mais alta Sabedoria e, assim, a plena Onisciência, pela qual Ele devia saber quais as consequências que tal Mandamento inexoravelmente traria, então não há como se esquivar da pergunta: Senhor, por que nos deste semelhante Mandamento, trazendo-nos assim muitas vezes uma inominável infelicidade? Foi esta verdadeiramente a Tua Vontade, ou não foste Tu a nos dar este Mandamento, e sim foram os próprios homens que o intercalaram, posteriormente, para satisfazerem seus próprios interesses particulares, com o propósito de se apartarem da comunidade de seus irmãos e, nesta condição, terem um justo pretexto para amontoar tesouros particulares e, com seu auxílio, dominar todos os seus irmãos pobres? Vede, tudo isso é plausível, e ninguém pode negá-lo. E ainda há de se elogiar a inteligência humana por ter se dado ao trabalho, naquela época, de analisar criticamente desta forma os Mandamentos de Moisés. Mas, quem ganha alguma coisa com esta crítica? Os homens não, e certamente tampouco o Senhor, pois esta crítica não é indício de Amor e Sabedoria Divinos.

12. Então, de que maneira deve-se entender e considerar este Mandamento, para que pareça perante Deus e todos os homens como

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inteiramente Santo, exprimindo o supremo Amor e Sabedoria Divinos e englobando a sábia assistência do Senhor, para que se ganhe felicidade temporal e eterna? Pois, da forma como foi explicado agora, em particular nos tempos atuais, este só conseguiu espalhar a desgraça. Por isto, segundo a Misericórdia do senhor, vamos desvendar o verdadeiro significado deste Mandamento, para que os homens possam, daqui em diante, encontrar a salvação, e não sua condenação. Para poder fazê-lo, devemos em primeiro lugar contemplai o conceito "furto".

O que significa "furtar"?

1. É evidente que, no início, era impossível entender-se sob o conceito "furto", a subtração para si de um bem material alheio, que na época do estabelecimento do Mandamento ninguém do povo israelita possuía propriedade. Mesmo quando o povo terminou seu êxodo à Terra Prometida, sua constituição era de tal forma estabelecida, que a ninguém era permitido possuir legitimamente bens pessoais. Ao contrário, dentro do possível, visava-se a comunhão de bens e qualquer israelita necessitado cuja vida era integrada na Ordem Divina podia contar com a hospitalidade e o abrigo de qualquer pessoa.

2. Porém, se o Mandamento de não furtar fosse entendido como subtração arbitrária do bem alheio, a censura cairia infalivelmente sobre o autor legislador do Mandamento, como foi provado à saciedade durante a presente explanação, dando Ele tacitamente Sua aprovação ao ganho, à indústria e à usura. Salta imediatamente aos olhos de qualquer um, desde que este tenha um raciocínio mais lúcido, que no momento em que se estabelece uma lei pela qual parece perfeitamente garantida a propriedade individual, o direito à propriedade é plenamente sancionado e ratificado.

3. No entanto, como se poderia esperar semelhante Mandamento daquele LEGISLADOR que, pelas Suas próprias Palavras, ensinou aos Seus discípulos: "Não andeis preocupados pelo que haveis comer e de beber, nem com vosso corpo pelo que haveis de vestir,

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pois isto é preocupação dos gentios. Buscai, antes, o Reino de Deus, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo."

4. Disse ainda o mesmo Legislador: "As aves têm seus ninhos e as raposas têm seus covis, mas o Filho do Homem não tem uma pedra sobre a qual possa descansar Sua Cabeça." Por outro lado, Seus discípulos colheram espigas até num sábado, isto é, "furtaram". Porém, quando o dono do campo se queixou, dizei quem recebeu do Grande Legislador a reprovação e áspera censura? Lede no livro, e tudo será explicado.

5. Ainda vemos o mesmo Legislador sendo obrigado a pagar o imposto das duas dracmas. Ele tirou o dinheiro do seu próprio bolso? Claro que não, pois Ele sabia que no lago próximo dali um peixe havia engolido uma moeda perdida. Foi Pedro quem teve de tirar a moeda da boca do peixe capturado pela força do Senhor e pagar o imposto.

6. Eu pergunto, porém, se de acordo com vossas leis de propriedade, aquele que achar um bem, seja qual for a maneira, tem direito de dispor livremente de seu achado? Será que o Grande Legislador não sabia — ou não queria saber — que lhe cabia somente a terça parte do bem achado no peixe, na verdade apenas após a publicação oficial dando notícia de seu achado? Ele não fez isto. Assim sendo, Ele evidentemente perpetrou o furto ou, o que é a mesma coisa, a malversação de dois terços.

7. Além do mais, é permitido questionar, com base nos princípios da lei, pressupondo que somente poucos judeus tinham plena ciência de QUEM era CRISTO — quem Lhe outorgou o direito de confiscar tal mula e usá-la segundo Sua própria Vontade?

8. Aqui pode-se dizer: Ele era o Senhor de toda a Natureza, o dono de tudo. Certo, mas como então falou, com vistas aos assuntos terrestres, que o Filho do Homem não possuía nem uma pedra e que, por outro lado, não veio abolir a Lei, e sim cumprí-la até a última vírgula?

9. Se acompanhássemos Sua história, ainda encontraríamos muita coisa onde, — de acordo com os atuais princípios do direito à propriedade e segundo a abrangente explanação jurídica do Sétimo Mandamento, — Ele, o próprio Legislador, evidentemente infringiu

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os ditos princípios da lei. O que aconteceria aqui a quem destruísse uma árvore ou abatesse uma manada numerosa de porcos de certo proprietário e outras coisas mais? Sou de opinião que temos suficientes exemplos que evidenciam muito claramente que o Supremo Legislador deu um sentido bem diverso ao Sétimo Mandamento, comparado ao que a humanidade ávida e egoísta deu ao longo dos tempos.

10. Pode-se dizer: isto é muito claro e evidente; mas o verdadeiro sentido dado por Ele ainda está oculto por um denso véu! Digo, no entanto: tenhamos paciência! Se consideramos até agora a interpretação errada deste Mandamento, com certeza encontraremos facilmente também seu significado correto; pois, quem passa pela noite escura enxergando bem, não deverá ter medo que lhe falte luz na claridade do dia.

11. O que realmente quer dizer, no seu verdadeiro sentido, "Não furtarás"? Significa:

12. "NÃO ABANDONES NUNCA A ORDEM DIVINA, NÃO TE APARTES DELA, ARROGANDO A TI OS DIREITOS DE DEUS."

13. Quais são os Direitos de Deus e em quê eles consistem? Somente Deus é Santo, cabendo somente a Ele todo o poder. Aquele a quem o Próprio Deus sacramenta, concedendo-lhe poderes, esse tem poderes legítimos. Porém, quem consagra a si mesmo, usurpando do Poder Divino para reinar sob o resplendor do poder usurpado, de forma egoísta e ávida, é verdadeiro ladrão, assaltante e assassino.

14. Quem se eleva sobre seus irmãos de maneira arbitrária e egoísta por quaisquer meios exteriores de aparência e ilusão, de forma, mundana ou espiritual, é aquele que infringe este Mandamento. É neste sentido que é ensinado às crianças aqui, com a demonstração prática de que nenhum espírito deve arbitrariamente abusar de sua força e poder inato, e sim somente em consonância com a Ordem Divina.

15. Pode-se dizer, porém, agora: Se for assim, o notório furto e roubo será lícito. Mas Eu digo: Tende paciência, a próxima sequência elucidará tudo. Por enquanto, vamos nos contentar em saber o que

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se entende por furtar, e que o Senhor nunca estabeleceu um direito à propriedade mediante o Mandamento em questão.

Avisos sobre a questão social

1. Cabe agora a pergunta, já que o Senhor nunca estabeleceu um direito à propriedade e, por conseguinte, não proferiu um Mandamento pelo qual deva ser respeitada, em particular, uma fortuna ganha por usura de tantos especuladores ávidos, em face a um sem-número de pessoas paupérrimas: Será que é lícito furtar o que tais usurários, ao arrepio da Lei Divina, acumularam avidamente? De acordo com as leis mundanas, confiscam-se os objetos furtados do ladrão apanhado em flagrante. Não teríamos tanto mais direito de subtrair as riquezas acumuladas dos que são os verdadeiros ladrões e assaltantes, segundo a Lei Divina, para distribuí-las entre os necessitados?

2. Raciocinando friamente, não há como se opor a esta tese; no entanto, o homem possui forças mais sublimes do que a sua inteligência. Como, porém, estas forças se manifestarão em face a este direito deduzido da inteligência?

3. Vamos consultar nosso amor ao próximo e nosso amor a Deus. O que manifesta ele no seu espírito mais íntimo e eternamente vivo em Deus? Este amor não manifesta outra coisa senão o que o Próprio Senhor disse, isto é, "O Meu Reino não é deste mundo!" — E quem ama sua vida exterior perderá a interior; no entanto, quem abnega de sua vida exterior, desprezando-a, guardará sua vida interior. — Eis o que diz o espírito interior.

4. Em nenhum lugar encontramos o convite para assaltar os bens dos ricos. O próprio Senhor fala: "Dai a César o que é de César". Da mesma forma, Ele não manda o jovem rico vender seus bens, mas somente o aconselha amigavelmente a fazê-lo, além de prometer-lhe a vida eterna.

5. Como não encontramos, em nenhum lugar, um Mandamento do Senhor pelo qual Ele ordena expressamente que se deva apoderar-se da riqueza dos usurários, é por certo evidente que um verdadeiro

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cristão não terá o direito de lançar-se sobre os bens dos ricos. —Até mesmo o mais necessitado não tem autorização do Senhor de se apoderar dos bens do mais evidente ladrão; no entanto, um povo inteiro em estado de grande emergência tem este direito.

6. Mas, por que? Porque então o próprio Senhor atua, agindo no povo, levando os usurários insaciáveis a um justo julgamento. — Mesmo assim, ninguém se deveria permitir, a nao ser em extrema necessidade, matar os usurários e os ricos impiedosos, mas tão somente tirar das riquezas supérfluas o estritamente necessário, para que o povo possa recomeçar a ganhar os meios para uma sobrevivência pacífica.

7. Deixem ao rico usurário o suficiente, para que não passe por necessidades neste mundo, pois este é o único lucro de seu trabalho. O Senhor não quer castigar ninguém, e sim recompensar cada um de acordo com seu gênero de trabalho.

8. Como o rico e o usurário não têm mais nada a esperar após sua vida terrena, é justo e correto que ele seja recompensado no lugar onde trabalhou.

9. Além do mais, o Senhor não quer condenar ninguém totalmente neste mundo, deixando assim a cada um a estrada aberta para abdicar, espontaneamente, deste mundo e voltar para o Senhor. Caso se tirasse tudo de um rico usurário, ele já estaria definitivamente julgado; pois ficaria com a raiva do desespero infindável, com a qual lhe seria impossível caminhar na trilha do bem. Ficando, no entanto, com bens suficientes, ele de início não passará por necessidades mundanas e não lhe faltará certa recompensa pela sua capacidade de economizar. E, por não ter sido condenado definitivamente, ele ainda estará em condições de acolher o conselho que o Senhor deu ao jovem rico, podendo alcançar a vida eterna.

10. Muito menos devem ser praticadas atrocidades sangrentas durante tais medidas extremas de um povo na miséria, pois neste caso não será mais o Senhor que estará atuando em meio ao povo, e o seu empreendimento não será, portanto, abençoado. Pois mesmo alcançando hoje a vitória, amanhã será novamente vencido, derramando-se sangue contra sangue! O homem nunca deve se esquecer que todos são seus irmãos. O que ele faz, deve sempre ser feito

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com o coração cheio de amor; não deve jamais querer fazer o mal a outrem, e sim sempre o bem, em especial aquilo que espiritualmente leva à vida eterna.

11. Se estiver imbuído neste sentido, o Senhor abençoará seus atos; caso contrário, Ele os amaldiçoará! Já que o Próprio Senhor, — que possui todos os Poderes no Céu e na Terra e não precisa pedir a ninguém conselhos sobre o que deve ou não fazer, — não quer ser para ninguém um eterno juiz inclemente, muito menos deve o homem praticar atos na Terra seguindo maus impulsos.

12. Ai do povo que se subleve, sem extrema necessidade, contra os ricos e poderosos! Este vai ser severamente castigado por seu ato, pois a pobreza é do Senhor. Quem ama o Senhor, também ama a pobreza ; mas a riqueza e a opulência são do mundo e de satanás! Quem cobiçar com amor o que é do mundo, está incorporado da cabeça aos pés em satanás!

13. Enquanto um povo consegue saciar-se sofrivelmente uma vez por dia e assim sobreviver, não deve sublevar-se. No entanto, se os ricos e usurários se apoderarem de quase tudo, e milhares de pobres forem ameaçados com a morte pela fome, então chegou o momento de se revoltarem e de repartirem os bens supérfluos dos ricos; pois, neste caso, é da vontade do Senhor que a maioria dos ricos seja castigida pelo seu egoísmo e avidez.

14. No final do tratado sobre este Mandamento, alguém poderia ainda perguntar se a cobrança de juros sobre empréstimos de capitais não contradiz também, de certa forma, o Sétimo Mandamento? Eis que lhe digo: Quando num Estado se estabelece legalmente uma taxa de juros, é lícito cobrar dos ricos baseado nesta taxa de juros; no entanto, se alguém emprestar um capital necessário a um pobre, deve abster-se da cobrança de juros.

15. Quando o necessitado em questão se recuperar economicamente, de modo tal a poder praticar com civismo sua atividade econômica, ele deve devolver ao amigo o capital levantado como empréstimo. Caso ele faça questão de pagar, por gratidão, os juros legais, então o credor não deve aceitá-los, porém aconselhar o devedor a passá-los a seus irmãos mais pobres, dentro de suas possibilidades.

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16. Aos paupérrimos, porém, nao se deve emprestar um capital, mas o que se dá a estes deve ser dado em definitivo. Eis a vontade do Senhor a este respeito. Quem a obedece, terá o Amor do Senhor. —Como tudo foi abordado no que tange ao Sétimo Mandamento, poderemos nos dirigir logo para a Oitava Sala, onde conheceremos um Mandamento que se assemelha em vários aspectos ao Sétimo.

Oitava sala — Oitavo Mandamento — Invólucro Material — O Meio para Mentir.

1. Encontramo-nos na Oitava Sala, vendo na tábua redonda bem conhecida das salas anteriores, com escrita legível: "Não darás falso testemunho contra o próximo!" — ou, o que significa a mesma coisa: "Não mentirás!".

2. No reino dos espíritos puros, soa estranho semelhante Mandamento, já que um espírito no seu estado puro não consegue mentir. E impossível a um espírito falar diferentemente do que pensa, pois o pensamento já é sua palavra. O espírito puro, conseqüentemente, não pode proferir inverdades, pois é um ser simples, não conhecendo artimanhas.

3. Por conseguinte, somente um espírito impuro é capaz de mentir, quando ele se encobre com um invólucro material. No entanto, sendo um espírito, mesmo de propriedades impuras, se estiver despido de seu invólucro mais grosso, ele é incapaz de proferir uma mentira.

4. Por esta razão, os maus espíritos se mascaram com vários gêneros de fantasias para, encobertos desta maneira, poderem mentir.

5. Assim sendo, o notório "satanás" no paraíso teve que se fantasiar com a feição material de uma serpente perante o primeiro casal humano, a fim de poder, por este meio, realizar uma emboscada e, em seguida, falar de maneira diferente do que pensava.

6. Por esta única razão, os homens da Terra são capazes de mentir quantas vezes quiserem, porque eles guardam dentro de seu corpo uma emboscada e, a partir desta, podem movimentar a máquina corporal em sentido contrário ao do que pensam.

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7. Isto, como já foi dito, é impossível aos espíritos puros. É verdade que eles podem se manifestar em termos correspondentes, quando se comunicam com seres humanos na Terra, e então, não raras vezes, dizem uma coisa totalmente diferente do sentido intrínseco de sua fala. Mas isto não quer dizer mentir, e sim, apresentar a verdade espiritual por imagens terrestres, que correspondem exatamente a esta verdade.

8. No entanto, aprendemos disto que este Mandamento não serve para os espíritos, porque eles não têm, em absoluto, a faculdade de mentir.

9. Então, a quem se dirige este Mandamento? — Sei que surgirá rapidamente uma resposta, dizendo: Serve aos espíritos envolvidos com matéria, mandando-lhes não usarem o seu invólucro de uma forma que não corresponda ao seu pensamento e à vontade resultante dele em estado puramente espiritual.

10. Sabemos, porém, que este Mandamento, bem como todos os anteriores, se origina de Deus, como causa primária de tudo o que é espiritual. Assim sendo, é impossível que tenha somente um valor material e não, ao mesmo tempo, um valor espiritual.

11. Para poder chegar bem ao fundo da questão, devemos ventilar o que se entende realmente sob o conceito "MENTIR" ou "DAR VALSO TESTEMUNHO". O que é, em si, a mentira ou um falso testemunho? Direis: Qualquer inverdade. Mas eu pergunto: O que é uma inverdade? Aí alguém poderia prontamente responder: Qualquer frase que o homem profere para enganar alguém é uma inverdade, uma mentira, um falso testemunho. Aparentemente, isso está certo, porém não no sentido interior. Para tanto, sirva uma pequena prova.

12. A pergunta é: A vontade pode pensar? Qualquer um deve negar isto, dizendo: A vontade está em relação ao homem, como o animal de tração à carruagem. O animal puxa a carruagem com força, mas para onde vai levá-la sem o carroceiro pensante?

13. Ainda pergunto. Pode o pensamento ter vontade? Voltamos à carruagem. Pode o carroceiro, com toda sua sabedoria, deslocar a pesada carruagem sem a força dos animais de carga? Qualquer um vai dizer agora: Mil carroceiros dos mais inteligentes, ao lado da carruagem carregada, podem estabelecer todas as teses filosóficas possíveis,

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e ainda assim não conseguirão deslocar a carruagem com suas esplêndidas ideias, enquanto seus pensamentos não convergirem para o fato de que há de se colocar uma força de tração adequada na frente do carro.

14. Aprendemos deste exemplo que a voluade não pode pensar, nem o pensamento ter vontade. Mas quando pensamento e vontade estiverem unidos, a vontade só pode pôr em ação o que o pensamento sugere.

15. Agora continuo perguntando: Neste caso, quem é que pode mentir no homem? A vontade com certeza não, pois ela é algo que sempre se norteia pela luz do pensamento. Pode o pensamento mentir? Certamente que não, pois ele é simples e indivisível. Será que o corpo pode mentir no homem? Seria muito curioso ficar sabendo como poderia mentir o corpo, na qualidade de uma máquina morta acionada somente pelo pensamento e pela vontade do espírito através da alma.

16. Porém, acabo de descobrir um psicólogo, a saber, da classe dos dualistas espirituais, e este diz: A alma do homem é também um ser inteligente, consciente de si, e pensa em parte a partir das imagens da Natureza, e em parte das imagens espirituais. Assim, nela podem se formar dois gêneros de pensamentos, isto é, naturais e espirituais. Por conseguinte, ela pode bem pensar dentro de si os pensamentos espirituais, mas como tem à sua disposição também a vontade do espírito, ela pode proferir, em lugar da verdade a ser expressa ou do pensamento espiritual, o pensamento natural inteiramente oposto à verdade espiritual. E, quando assim proceder, ela mente ou dá um falso testemunho. Em vossa opinião, está correta esta conclusão?

17. Ela parece ser correta, considerada do ponto de vista de um homem material, mas apesar disso, no fundo está errada, pois que resultado surgiria se, por exemplo, para deslocar uma carruagem, fosse colocada tanto na sua frente como atrás dela uma quantidade igual de cavalos de tração da mesma força, colocando ainda carroceiros para conduzir os cavalos?

18. Da mesma forma, como a carruagem nunca seria deslocada, assim aconteceria também com a vida de um homem quando baseada

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em dois vivos princípios opostos. Isso equivaleria a mais um e menos um, que adicionados resultam em zero.

19. Entao só deve haver UM princípio vivo; porém, como poderia este mentir ou dar falso testemunho?

20. Ou, como comprovado, este princípio não pode mentir nem dar falso testemunho, ou sob o conceito "mentir" ou "dar falso testemunho" deve ser entendido algo diferente do que se pensava até agora.

21. Aí alguém pode dizer: Se é assim que se deve entender estas coisas, então deve-se considerar sem pecado e normal qualquer mentira ou perjúrio, assim como qualquer quebra de palavra. Pois é, digo eu: a réplica não estaria errada, porém, de acordo com vosso provérbio: "Ri melhor quem ri por último", reservamo-nos tal gozo para o final.

O que significa um falso testemunho?

1. Para que possamos, porém, desatar este nó górdio, também de certa forma de uma só vez, vamos logo ventilar o conceito principal contido neste Oitavo Mandamento.

2. Sabemos que Deus conferiu a cada espírito o livre-arbítrio, e assim também um pensamento livre para iluminar o livre-arbítrio. Este pensamento no espírito é propriamente a visão e a luz do espírito, pela qual ele pode discernir as coisas dentro de sua esfera natural.

3. Ao lado desta luz que cada espírito recebeu particularmente e substancialmente de Deus, ele tem ainda uma segunda faculdade, que é a de acolher de Deus uma luz intrínseca, de suma santidade ; porém, não através de seu olho, e sim por seu ouvido, que na realidade é um olho também. A bem dizer, não um olho para a percepção de aparições exteriores, que são produzidas pela Vontade Onipotente do Senhor, mas um olho para a percepção da luz puramente espiritual emanada de Deus, a saber, O Verbo Divino.

4. Já podeis reconhecer isto pela vossa própria natureza, se prestardes atenção para o fato de como é diferente o que vislumbrais

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através de vossos olhos do que ouvis através de vossos ouvidos. Pelos vossos olhos conseguis somente ver imagens naturais, porém com os vossos ouvidos podeis receber raios da mais íntima profundidade divina.

5. Podeis ouvir a linguagem dos espíritos na harmonia dos sons, ou melhor, já através de vossos ouvidos carnais podeis ouvir, da maneira material externa, as formas secretas da mais íntima criação espiritual. Quanto fica o olho para trás com relação ao ouvido!

6. Vede, assim acontece também com o espírito. Devido à tal disposição, ele é capaz de absorver duas coisas distintas, a saber, a aparência externa e a verdade essencialmente intrínseca.

7. Nesta visão dupla reside o segredo do livre-arbítrio.

8. Qualquer homem, seja puramente espiritual ou ainda envolto por matéria, fica naturalmente suspenso, através dessa faculdade, entre um Exterior e um Interior. Conseqüentemente ele pode avistar a qualquer tempo uma infinidade de formas exteriores, e pode, também ao mesmo tempo, absorver outro tanto da verdade interior puramente divina.

9. Com a luz que lhe vem de fora, ele capta apenas a forma exterior de tudo o que vê; desta maneira, ele pode ser, em si mesmo, exatamente pela absorção destas formas, o criador de seus pensamentos.

10. Com estes pensamentos ele pode também acionar sua vontade livremente disponível, da maneira e quando ele quiser.

11. Se ele não utilizar o outro olho da luz interior divina, contentando-se e ocupando-se somente com as aparências, então ele é um homem que evidentemente se ilude a si mesmo, pois as formas são para ele meras aparições vazias, até ele conseguir percebê-las na sua profundidade.

12. Mas quando um homem tem, ao mesmo tempo, como dádiva do Senhor, a Luz interior, e avista, se assim o desejar, o interior das formas, porém se disfarça e presta — sobre as formas exteriores — testemunho diferente de seu alto significado, percebido por ele mediante o olho espirtual interno, que é o ouvido, evidentemente ele dá então sobre as formas exteriores avistadas um falso testemunho.

13. Com isso, acabamos de ventilar o que significa, em verdade, "dar falso testemunho". Repito: o essencial é que o homem não deve

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falar da Verdade em si de maneira diferente da que ele vê dentrode si. No entanto, eis o sentido mais intrínseco da questão: O Amor é igual à Luz da Verdade oriunda diretamente de Deus e vislumbrada no próprio íntimo, e a Sabedoria é igual à Luz que irradia de Deus para todos os infinitos espaços eternos.

15. Quando alguém possui Amor, mas não o usa e, através de sua luz exterior e sua vontade partilhada por essa luz, somente agarra os raios irradiando continuamente mais e mais para o infinito, tal homem se torna cada vez mais fraco; mas, devido à sua emanação para todos os lados, do ponto de vista espiritual, se torna cada vez mais arrogante e menos suscetível à Luz interior da Verdade e Amor vinda de Deus.

16. Se este for o caso, tal homem torna-se cada vez menos parecido com Deus e, com cada átomo de sua existência, dá basicamente falso testemunho da Essência Divina da Qual deveria ser um perfeito reflexo.

17. Portanto, quem ouve a Palavra Divina, mas não a segue, e sim somente o que seduz seus olhos externos, excitando assim sua vontade sensual, presta falso testemunho a cada passo que dá, com cada palavra que fala, e com cada gesto de mão que efetua. Mesmo querendo falar a mais pura Verdade Divina, o Verbo puro do Evangelho, ele mente e dá falso testemunho ao Senhor; porque não age de acordo com a Palavra e a Verdade.

18. Aquele que faz sua prece e se entrega com devoção a Deus, porém não vive de acordo com a Palavra do Senhor, é um mentiroso, enquanto estiver vivo. Sua oração é somente uma fórmula exterior, cujo valor interior se perde totalmente, porque a Luz Divina interior não é utilizada para iluminar e vivificar o âmago desta forma exterior.

19. É como se alguém contemplasse com o maior encanto uma estrela. De que lhe serve todo este encanto e contemplação, se ele não pode ver a estrela bem perto de si como um mundo maravilhoso? Ele se parece com um faminto em frente a um armário fechado cheio de pão. Ele pode olhar o armário com toda ansiedade e veneração, mas será que ele se saciará com isto? Certamente que não. Pois enquanto não conseguir mastigar o pão e ingeri-lo no seu estômago,

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de nada lhe adiantará toda a contemplação, veneração e encanto do armário de pão.

20. Mas, como pode ele abrir em seu íntimo o armário de pão da verdadeira semelhança de Deus e matar a sua fome? Certamente só utilizando dentro de si o meio mais íntimo e, desta forma, guiar-se pela Verdade ouvida de Deus; e ainda adotando, dentre as formas exteriormente avistadas, somente aquela parte necessária para o uso diário que for achada em perfeita correspondência e harmonia com a luz íntima, provando assim sua Verdade Divina. Quando este não for o caso, tudo o que o homem faz e empreende é falso testemunho acerca da intrínseca Verdade Divina e, assim sendo, é pura mentira perante qualquer semelhante.

21. Por isso diz o Senhor: "Quando orardes, fazei-o em espírito e em verdade", e "Quando orardes, entrai em vosso cubículo" e ainda: "Não vos preocupeis com o que falareis, pois na hora as palavras vos serão colocadas na boca".

22. Aqui, evidentemente, foram indicados pensamentos externos, que por si só não são a verdade, visto que são pensamentos, pois a verdade é inteiramente interna, constituindo o motivo para que a ação seja de acordo com a Palavra de Deus, e manifestando-se sempre antes de uma subseqüente avalanche de pensamentos vazios.

23. Por isto, qualquer um deveria se nortear por esta verdade interna, seguindo-a com seus atos. Então, ele unirá cada vez mais seus pensamentos e ações a essa Luz interior, e destarte ele alcançará em si a união e a semelhança Divina, na qual lhe será impossível para sempre ser um mentiroso.

24. Conseqüentemente, entende-se por si só que qualquer um que fala diferentemente do que pensa e age diferentemente do que fala e pensa é um mentiroso, pois este já está soterrado na mais externa e grossa matéria, tendo privado seu espírito de toda a forma divina. — É assim que este Mandamento é explicado aos alunos aqui, no seu teor mais intrínseco. Cientes disto, podemos, logo em seguida, nos deslocar para a Nona Sala.−

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Nona sala — Nono Mandamento

Já nos encontramos na Nona Sala e fitamos novamente nossa tábua redonda, onde está escrito: "Não cobiçarás os bens do teu próximo, sejam eles sua casa, seu boi, seu jumento e sua terra, nem aquilo que sobre esta cresce".—

3. Ao analisarmos este Mandamento, devemo-nos perder evidentemente nos mesmos julgamentos e passar pelas mesmas críticas por nós já conhecidas no Sétimo Mandamento. Pois também aqui se fala novamente da propriedade, e que não se deve cobiçar aquilo que foi conseguido legalmente por outrem.

4. Quem não perguntaria novamente: Como se podia impor este Mandamento ao povo israelita no deserto, já que ninguém possuía casa, boi, jumento, terra ou sementeira para a mesma? Tal propriedade do povo israelita somente poderia ter sido fruto de imaginação recíproca. Nesta hipótese, se poderia talvez ordenar assim: Quando teu próximo imagina possuir qualquer coisa, não deves imaginar, também, coisa semelhante, ou adotar a imaginação do teu próximo como sendo a tua, como se ela fosse, com efeito, tua propriedade, ou querendo que ela assim o fosse.

5. Sou de opinião que não são necessárias muitas avaliações críticas para que se possa, de relance, perceber que semelhante Mandamento seria muito abstrato. Um Mandamento deve ter valor a qualquer tempo, para assegurar uma realidade concreta, com cuja perda qualquer um se importa. O que perde, porém, um arquiteto de castelos no ar em comparação com outro, quando este ousa construir semelhantes castelos no ar? Acho que, para avaliar tal enorme dano, seria necessária uma balança etérea tecida de fios invisíveis. Ainda que, de acordo com determinada seita terrestre, o arcanjo Miguel seja abundantemente dotado com semelhantes instrumentos, estou firmemente convencido que lhe falta um instrumento de medição de peso tão sensível.

6. Faço menção disto somente para mostrar, com a maior clareza possível, a total futilidade de uma propriedade meramente imaginária. Assim sendo, para que ser um Mandamento desta natureza, que certamente não garante a propriedade de outrem, quando ninguém

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possui uma propriedade semelhante e que, conforme este Mandamento, não deve ser cobiçada?

7. Alguém pode replicar dizendo: O Senhor previa que, com o tempo, os homens estabeleceriam entre si um direito à propriedade, adiantando para isto um Mandamento que garantisse futuramente a propriedade dos homens e proibindo apropriar-se dos bens do seu próximo por qualquer maneira que fosse. Seria uma bela conclusão! Acho que não há difamação maior do Amor e Sabedoria Divinos do que por esta conclusão.

8. Poderia o Senhor estabelecer semelhante Mandamento no interesse e para o favorecimento de avidez, egoísmo, usura e avareza, um Mandamento para provocar com certeza a inveja mútua, — o mesmo Senhor que certamente desaconselha a cada homem apropriar-se de algo na Terra, o Senhor perante o Qual qualquer riqueza terrestre é coisa abominável?

9. É óbvio que não, pois o absurdo de tal exegese é evidente para qualquer um, não sendo necessário justificá-lo com palavreado demorado e prolongado.

10. No entanto, para tornar o assunto evidente ao mais obstinado cego, faço a seguinte pergunta a todos os sábios juristas: Em que se baseia o primitivo direito à propriedade? Afinal quem concedeu ao primeiro homem o direito de propriedade sobre certo objeto? Consideremos a hipótese de haver uma dúzia de emigrantes com destino a uma região da Terra ainda não habitada. Chegando lá, eles habitam o lugar. Qual seria o documento comprovando o direito à propriedade numa terra assim virgem?

11. Já sei o que direis neste caso: Quem chega primeiro tem a posse e o direito sobre a terra. Pois bem, digo eu; mas quem dentre os doze emigrantes tem maior ou menor direito sobre a terra descoberta? Pode-se dizer: a rigor, aquele que primeiramente motivou a emigração, ou quem primeiro avistou a terra do convés do navio possui mais direito sobre a terra. Pois bem, qual a vantagem daquele pioneiro sobre os outros? Se os outros não o tivessem seguido, ele certamente teria permanecido em sua casa. O que o descobridor da terra teria a mais do que os outros? Olhos mais aguçados do que os demais? Deveriam estes ficar prejudicados, por esta vantagem individual?

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Isso seria uma injustiça. Então todos os doze devem ter igual direito à propriedade sobre esta terra descoberta. Mas o que deverão eles fazer para poder exercer seu igual direito à propriedade sobre esta terra? Eles deverão dividi-la em doze partes iguais. Mas, quem não vê logo que haverá discórdia nesta divisão? Pois, certamente, A vai falar para B: Por que devo eu aceitar a parcela de terra que, de acordo com meu julgamento, é evidentemente pior do que a tua? E B responderá, pela mesma razão: Não entendo por que devo trocar minha parcela pela tua. E, assim sendo, podemos deixar nossos doze colonos por dez anos dividirem a terra e não veremos resultado satisfatório para todos com esta divisão.

13. Será que os doze se entenderão entre si, tornando a terra propriedade comum? Pode-se neste caso estabelecer um Mandamento para os doze que garanta a propriedade? Será que um pode tirar algo do outro quando toda a terra pertencer a todos em igual condição e, assim sendo, também os produtos dessa terra, dos quais cada um pode tirar o quanto necessite, sem que ao outro apresente a conta?

14. Vê-se através deste primeiro caso que, em princípio, não é fácil pensar em um direito à propriedade. Para certificar-se de que este é realmente o caso, olhai apenas os primeiros colonizadores de certas regiões de vosso próprio país, por exemplo, os assim chamados religiosos de conventos que, de certa forma, foram os primeiros colonos de uma região. Se estes tivessem entrado num acordo acerca da divisão de terra, achando-o correto, certamente não teriam estabelecido uma propriedade comunitária.

15. Sejamos breves: De nenhuma maneira, conseguiremos achar em algum lugar um direito à propriedade original. E quando alguém alega seu direito imobiliário, pergunto se o descendente, ao nascer, deve ser logo morto ou ser entregue à morte lenta pela fome? Ou deve ele ser expulso desta terra, ou ser entregue à misericórdia dos proprietários de terras, e, ao mesmo tempo, instigado contra estes com o mais novo Mandamento?

16. Acho que é lícito perguntar por qual razão tal descendente, logo na sua primeira aparição, pela qual ele é inocente, deve ser o bode expiatório perante os proprietários de terra, enquanto estes, entre si, não podem pecar desse modo? Qual o jurista que poderá me provar

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tal comportamento como sendo juridicamente válido? Acho que aqui se deveria constituir Satanás como o advogado que teria condição de provar semelhante fato, pois a um homem de inteligência comum seria impossível uma tal prova de direito.

17. Já vejo, porém, o que vai ser dito: Durante as primeiras colonizações de uma terra não pode haver um direito mútuo à propriedade entre colonos, especialmente quando eles estabeleceram entre si uma propriedade comunitária. Porém, entre as colonizações que constituem as primeiras formações de Estados, haverá certamente o direito à propriedade, tão logo eles tenham se identificado mutuamente como existentes.

18. Pois bem, digo eu, se for este o caso, qualquer colônia deve-se legitimar através de um direito primitivo à propriedade. No entanto, como poderá fazê-lo, já que ela somente tem o domínio útil, mas não o direito à propriedade concedido pelo Senhor?

19. O domínio útil tem sua justificativa no estômago e na pele. Mas onde se expressa o direito à propriedade, em particular, quando se leva em consideração que qualquer homem, sendo nativo ou estrangeiro, carrega consigo, no seu estômago e sobre a pele, o mesmo divino título de domínio útil plenamente em vigor como o nativo o tem? Quando se diz: o direito à propriedade tem sua origem na base do domínio útil, tal sentença certamente revoga qualquer propriedade específica, porque qualquer um tem o mesmo domínio útil. Invertendo-se, porém, o assunto, dizendo: Somente o direito à propriedade faculta o domínio útil, então não se pode contestar mais nada do que a antiga expressão jurídica: "Potiori jus", o que em outras palavras quer dizer mais ou menos: Mata tantos titulares de domínio útil quantos forem necessários, para que possas apropriar-te de um terreno pela violência de teu punho.

20. Quando, ainda assim, alguns titulares forasteiros de domínio útil tiverem a cobiça de contestar tua propriedade pela qual lutaste duramente, em virtude de seu domínio útil, então mata todos ou, na melhor das hipóteses, emprega-os como súditos contribuintes, para que eles trabalhem para ti com o suor do seu rosto, na tua propriedade conquistada, deixando-os com seu domínio útil à mercê de teu critério.

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21. Considerando o enfoque divino, quem pode justificar a guerra? O que é uma guerra? Nada além do mais cruel golpe de violência de tirar dos homens o domínio útil e, no lugar deste, introduzir por força o direito à propriedade; isto é, aniquilar o direito Divino e estabelecer, em substituição, um direito satânico.

22. Quem poderia, pois, esperar de Deus uma Lei que revoga a original Lei Divina de domínio útil que se manifesta claramente na existência de cada um, e pôr em vigor no seu lugar, com Autoridade e Poder Divino, uma lei de propriedade satânica? Acho que o absurdo desta afirmação torna-se óbvio até para um cego, sendo possível apalpá-lo até com as mãos enluvadas.

23. Disto resulta, por conseguinte, que esta lei certamente deve ter outro significado do que aquele exposto pelos homens, vendo nela somente a garantia da propriedade. Na qualidade de Lei Divina, ela deve ser válida em todos os Céus, oriunda da profundidade da Ordem Divina. Mas onde, no Céu, alguém possui casas, bois, jumentos e campos? No Céu há seres com domínio útil, e somente o Senhor é titular de propriedade. — Assim sendo, passemos logo à análise do verdadeiro significado dessa Lei.—

Considerações sobre o Nono Mandamento

1. Antes de nos pronunciarmos a respeito da solução definitiva, será necessário fazer ainda algumas observações, pelas quais se pretende tapar a boca de vários comilões jurídicos e sabichões proclamadores de direitos humanos. Pois estes poderiam eventualmente derivar o direito à propriedade do direito de recolher, pelo qual eles, teoricamente, poderiam pelo menos aparentemente nos derrubar. Por isto, queremos nos proteger também neste ponto.

2. Não há, na verdade, como negar que para qualquer um o direito de recolher tem preferência sobre o direito ao domínio útil. Pois ninguém pode valer-se de seu direito ao domínio útil sem antes colher e preparar alguma coisa com suas mãos e sua força. É correto, sem dúvida, que alguém que queira comer uma maça necessite antes colhê-la da árvore ou pegá-la do chão.

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3. Quanto ao "direito de recolher”, ele também dispõe de vários títulos divinos. O títulonúmero um são os olhos. Mediante estes, ele deve enxergar onde algo existe. O título número dois, são os pés. Mediante estes, ele deve-se deslocar até aonde algo se encontra. O título número três, são as mãos. Mediante estas, ele deve lançar mão e pegar onde algo se encontra. Pois é consoante este título que o homem recebeu do Senhor, sob forma de direito primitivo, o direito de recolher para compor sua propriedade incontestavel.

4. Não se poderia nesta altura dizer: O que foi recolhido não será então inteiramente propriedade daquele que recolheu para seu próprio uso, de acordo com seu direito divino de recolher? Terá então um outro o direito de lançar suas mãos, ou sua cobiça, sobre o que seu próximo recolheu? Pois, evidentemente, um direito condiciona o outro. Se eu tiver recebido do Criador o direito natural ao domínio útil, o qual está inscrito no estômago e na pele, então devo ter também o direito de recolher, pois sem o direito de recolher não posso satisfazer o direito ao domínio útil.

5. Em que, porém, me serve o direito de recolher, se este não me garante o alimento que levo à boca? Pois, se qualquer um tiver o direito de tirar da minha mão a maçã que eu mesmo colhi, segundo o meu direito de recolher, porque ele é preguiçoso demais para colher uma para si, eu, com meu direito ao domínio útil, pereço aos poucos e devo, querendo ou não, morrer de fome.

6. Por isso, é necessário que o direito de recolher possa reclamar para si o direito à propriedade ao menos daquilo que recolheu, sob pena de não se poder pensar honestamente em direito ao domínio útil.

7. Com o direito de recolher correlaciona-se o direito de preparar e de fabricar. Se não me é permitido fazer valer o pleno direito à propriedade sobre o que foi por mim preparado e fabricado, será em vão todo o meu esforço, e eu serei obrigado, primeiro, a consumir clandestinamente todos os comestíveis em estado cru e, segundo, a andar sempre nu. Pois, quando confecciono uma roupa para mim, um outro, preguiçoso demais para também fazer uma para si, a tira de mim, baseando-se no seu direito ao domínio útil, pergunto: O que seria do meu próprio direito ao domínio útil?

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8. Se construo uma casa para meu uso numa região mais fria, sem ter, consoante o uso de recolher e fabricar, o direito à propriedade, qualquer um pode expulsar-me daquela casa e, no meu lugar, exercer seu direito ao domínio útil.

9. No entanto, disto fica patente que, junto com o natural direito de aquisição, certo direito prerrogativo à propriedade deve ser concedido ao homem economicamente ativo, sendo evidente que nenhuma sociedade humana pode ser imaginada como tendo existência possível sem tal direito à propriedade.

10. Uma vez admitido o direito de recolher e de transformar o recolhido como sendo inteiramente válido, então deve ser também adjudicado como propriedade legítima um pedaço de terra na qual coloquei a sementeira e plantei e enxertei uma árvore.

11. Prossigo, porém, perguntado: Quem me adjudicaria este bem ao iniciar uma colonização? Isto se explica facilmente. Os colonos escolhem entre si um chefe livre de qualquer cobiça e, ao mesmo tempo, o mais sábio. A este concedem os direitos de distribuição e, com isto, também os direitos de adjudicação, sob a garantia juramentada da mútua manutenção e obediência à sua decisão. Em consequência desta garantia, este ou aquele oponente será reconduzido pelos homens ordeiros aos limites da decisão, por parte do chefe. Não importam os meios utilizados para este fim, pois estes devem ser determinados e depois aplicados de acordo com o grau da oposição.

12. Quem não vê, de imediato, a submissão e a primeira fundação monárquica de um Estado? Quem não reconhece também, ao mesmo tempo, que tão logo seja ligado sistematicamente o direito de recolher, de adquirir e de transformar o adquirido com um direito legítimo à propriedade, a ninguém pode ser limitado, na sua propriedade adjudicada, seu direito de recolher, de adquirir e de transformar. Pelo contrário, o chefe que lidera deve ser o principal interessado em encorajar, tanto quanto possível, seus liderados à máxima diligência, para recolher e transformar nas suas propriedades. E quanto mais alguém consegue ganhar na sua propriedade, através de sua diligência, tanto maior situação confortável ele alcança para garantir de forma irrestrita seu direito ao domínio útil.

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13. Porém, uma vez constatado o direito à propriedade como necessário para garantir o direito de recolher, de adquirir e de usufruir, este direito acarreta forçosamente o de ser protegido; pois, sem este direito, ninguém pode ser legalmente proprietário do bem que o chefe lhe adjudicou.

14. Este direito de proteção, porém, requer, em primeiro plano, a correta medição dimensional da propriedade. Só depois de demarcados os limites, o proprietário poderá fazer uso do seu direito de proteção ou direito de defesa de sua propriedade.

15. Porém, sem guardas autorizados, este direito de proteção não é realizável. Deve ser, pois, criado um corpo de guardas que possua o direito irrestrito de garantir as fronteiras de cada um. Por isto, eles devem ter o direito de executar, isto é, um direito de punir ou castigar. No entanto, quem deve comandar estes guardas? Certamente, ninguém outro senão o chefe de toda a colônia.

16. Eis-nos necessariamente diante da formação da classe militar; ao mesmo tempo, porém, constatamos que o chefe detém um poder ilimitado, que agora já pode mandar sancionar seus mandamentos através do corpo de guardas.

17. Se chegamos a este ponto em nossa demonstração, quem poderia ainda entrar em cena e afirmar que as atuais constituições de um Estado não são fundamentadas neste Direito Divino? Sim, para um crítico tudo isto está certo; mas ele não consegue ainda entender o direito supremo à propriedade do monarca. Eu digo, entretanto: Se comprovamos todas as questões anteriores, o que foi muito mais difícil, o direito maior de um monarca à propriedade deixa-se comprovar de uma forma bem mais simples. — Senão vejamos.

18. Quando agora, com vistas à sabedoria do chefe que lidera, tudo possui direito à propriedade, e quando são colocados à sua disposição, para vigilância da propriedade dos colonos, guardas prontos a entrarem em ação a qualquer tempo, o chefe tem então o duplo direito de declarar aos colonos agraciados com sua sabedoria: Eu estou entre vós, cuidei de vós com minha sabedoria e, por isto mesmo, me elegestes vosso chefe, porque me reconhecestes como o menos ávido dentre vós.

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19. Em seguida, eu distribui entre vós a terra de forma justa; agora, com minha sabedoria e com o corpo de guardas sabiamente dirigido, protejo vossa propriedade. Porém, no ato da distribuição, devido ao meu desinteresse altruísta, me esqueci completamente de mim mesmo. Reconhecereis certamente, — desde que quiserdes minha futura sábia direção indispensável — que não posso viver de ar. O que terei, pois, para poder me sustentar e para viver? Não tenho tempo para recolher, pois devo usá-lo para meditar sobre a constante proteção de vossa propriedade.

20. Vós reconhecereis, pois, que um trabalhador fiel faz por merecer também a sua recompensa. Eis porque ordeno que entreis num acordo, a fim de que me seja garantido meu sustento com uma parte de vossas provisões que eu garanto. Tenho o direito de exigir isto de vós, já que a preservação de vosso mútuo direito à propriedade depende exclusivamente do meu sustento. Além do meu sustento, porém, ainda será necessário o do corpo de guardas que garantem vossa propriedade, pois eles tampouco têm tempo para trabalhar enquanto vigiam vossas fronteiras em boa ordem.

21.. Vossa própria tranquilidade e bem-estar devem logicamente evidenciar-vos que eu e o corpo de guardas ficamos sem ganhos com relação a vós, e que por isto, cada um de vós, no interesse da consolidáção de seu próprio bem, deve consentir em pagar-me um certo imposto.

22. Esta reivindicação parece justa a todos os colonos, e eles aceitam o imposto. Deste modo, o chefe já faz valer junto a todos os colonos seu primeiro direito natural, expressão não de sua superioridade, mas de seu direito à co-propriedade.

23. Entre o direito à co-propriedade e o direito supremo à propriedade há um vão tão pequeno, que sobre este a menor das crianças pode meter a mão no saco da outra. Aqui o chefe precisa simplesmente dizer: Meus caros colonos! Sabeis que defronte a nós uma outra colônia, igual à nossa, estabeleceu-se da mesma maneira. No entanto, para nos protegermos dela, deveis conceder-me o direito irrestrito a tudo, de modo que, em caso de emergência, eu fique, como vosso chefe, de certa maneira como proprietário supremo de vossa propriedade, e que em tal caso possa fortificar as fronteiras externas

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de acordo com meu juízo. Devo ter o direito, em nome de todos vós e no interesse de vosso bem, de negociar apropriadamente com uma nação estrangeira, caso esta seja mais poderosa do que nós.

24. Além disto, vós, como meus colonos dependendo de minha orientação, deveis também reconhecer -- como é fácil entender —que eu sendo vosso chefe, preciso em vosso meio de uma habitação sólida, dentro da qual, primordialmente no interesse de vosso próprio bem, possa me abrigar e manter. Porém, para minha segurança destinada ao vosso bem, não é suficiente me construirdes uma moradia, e sim, que em torno de minha casa sejam construídas outras moradias para abrigar o corpo de guardas e de defesa dependente exclusivamente de minhas ordens. Isto quer dizer, com outras palavras: Deveis construir para mim, em vosso meio, uma morada firme onde eu fique totalmente seguro, tanto contra ataques de estrangeiros, como também, eventualmente, de vossa parte.

25. Vemos aqui claramente como o monarca arroga ser necessariamente o proprietário supremo de um país. No entanto, isto não é suficiente. Queremos analisar ainda outras razões, a saber, da boca do próprio fundador, pois ele diz ainda:

26. Meus caros colonos, apresentei para vossa compreensão a razão incontestável para a construção de uma morada firme para mim em meio a vós. É esta a primeira razão. Ouvi-me ainda: O país é vasto; é impossível que eu esteja em todos os lugares ao mesmo tempo. Por isto quero fazer-vos passar por um teste, e os mais sábios dentre vós serão por mim distribuídos como meus executivos e representantes no país. A estes representantes cada um deve então a mesma obediência como a mim, para o seu próprio bem.

27. Se por estes executivos, escolhidos por mim, for praticada uma alegada injustiça contra um ou outro de meus súditos sujeitos à minha sábia direção, neste caso cada um terá o direito de fazer sua queixa perante mim, podendo estar certo que lhe será feita justiça, de acordo com as circunstâncias da causa. Em contrapartida, no entanto, e para vosso próprio bem, deveis dar a garantia mais fiel e consciente para que sejam evitadas quaisquer contendas, sujeitando-vos de boa vontade à minha sentença final, sem a menor contestação posterior. Caso contrário, deve-me ser assegurado por todos, para seu

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próprio bem, também o direito incontestável de obrigar um eventual renitente contra minha sentença final, com força e castigo, a obedecer minha vontade. Quando tudo isto for instituído e aplicado de maneira ordenada, somente então sereis um povo verdadeiramente feliz.

28. Vemos aqui um segundo passo derivado de tudo o que foi anteriormente exposto; número um, para a monarquia; e número dois, para a suprema posse à propriedade de todo o país. E assim teríamos de maneira incontestável, demonstrada a primeira razão inteiramente fundamentada na natureza da coisa. Esta razão pode ser denominada a natural necessária, derivada da sociedade humana. Alguém dirá, porém: Tudo isto está certo, da mesma forma que o homem, evidentemente, precisa de olhos para ver e ouvidos para ouvir. Vemos os colonos ainda totalmente primitivos e avistamo-los, na verdade, cheios de atividade e obediência perante o seu chefe.

29. Porém, exatamente devido a esta obediência, os colonos começam, cada vez mais, a sentir medo de seu chefe. E com este medo começam a se perguntar: Por que motivo somente este homem é tão extraordinariamente inteligente, enquanto nós todos devemos nos considerar como verdadeiros tolos? Esta pergunta, que embora de início pareça insignificante, é de extraordinária importância e aplica em sua resposta o selo oficial inviolável à circunstância da autocracia e da propriedade suprema de um monarca. Isto soa esquisito, poderiam alguns dizer de antemão; porém tende apenas um pouco de paciência, e veremos o assunto logo iluminado por outra luz! –

O sentido intrínseco do Nono Mandamento

1. Vede, até agora vimos tudo desenvolver-se pela razão natural, mas, até agora, faltava a cada razão uma superior sanção Divina, pela qual somente o homem na Terra, em particular no seu estado simples natural, é conduzido à observância cega de tudo aquilo que lhe foi imposto pelo seu superior, como seu dever.

2. Quanto mais, no início, um deste monarcas primitivos governa sabiamente seu povo, e quanto mais o povo se convence pelos

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êxitos obtidos de que o dirigente é realmente sábio, tanto mais o povo começa a perguntar-se um ao outro: Donde tira esta sua sabedoria, e nós a nossa ignorância? O povo sabe ainda muito pouco, ou nada, de Deus; o líder, no entanto, tem noções mais ou menos claras a respeito.

3. O que precisa ele então fazer, quando o povo já se encontra, na medida do possível, bem organizado nos assuntos materiais, particularmente quando ele fica ao par de tais perguntas de vários lados? Ele convoca os mais capazes, anuncia-lhes um Ser Supremo que criou e dirige tudo. Diz a eles, então, para dar resposta às suas múltiplas perguntas, que ele recebeu diretamente deste Ser Supremo a Sabedoria dirigente para o bem deles. Com a maior facilidade mostra a eles, que são um povo muito crente, a inegável existência de uma Suprema Divindade que cria, conserva e dirige tudo, e que justamente por esta Divindade será dotado de profunda sabedoria tão somente aquele que Ela destinou à direção dos povos.

4. Isto quer dizer "Pela graça de Deus", ou como dito pelos romanos: "Favente Jove". Uma vez dado este passo, o autocrata e proprietário supremo está pronto e preparado, e está agora perfeita e seguramente instalado no centro de seu reino, amparado por uma poderosa necessidade natural e ainda mais poderosa espiritual.

5. Qualquer um, tendo analisado tudo isto cuidadosamente, tem que dizer finalmente: Em verdade, contra tudo isto nada se pode objetar, pois tudo é tão estreitamente correlato aos primeiros dados do direito natural de cada homem, que não se pode cortar o menor fio, para não destruir uma feliz sociedade humana até em seus mais profundos fundamentos. Pois tire-se de lá o que se quiser, e logo pode-se perceber o defeito nos primeiros princípios naturais de cada homem.

6. Fica então logicamente claro que o Senhor dos Céus e da Terra, através deste Nono Mandamento, estabeleceu o legítimo direito a uma certa propriedade, visando a manutenção dos primeiros princípios do direito natural. E, assim sendo, não pode haver outro sentido neste Mandamento, senão aquele que suas palavras designam.

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7. Pois, quando se quer ou se pode dar outro sentido a este Mandamento, a razão principal da primeira associação civil de direito natural, sancionada por um Ser Supremo, é revogada. O direito à propriedade, uma vez anulado, forçosamente também anulará as anteriores referências originais de cada homem, e ninguém pode mais recolher e fabricar coisa alguma. E se não pode, sucumbem seu estômago e sua pele, e a existência do homem fica pior do que a de qualquer animal. Com a eliminação do sentido literal deste Mandamento, suprime-se de antemão qualquer chefe dirigente, e a humanidade se encontra no seu primeiro mais selvagem, caótico e rebaixado estado natural, abaixo do reino animal.

8. Isto é certo, meus caros amigos e irmãos. Até agora, temos visto que, pela apresentação do intrínseco sentido espiritual, o sentido externo natural não está sendo violado em parte alguma no seu justo efeito externo. Vimos também que, pelo desconhecimento do sentido intrínseco, um dado Mandamento só é observado com grande dificuldade, frequentemente apenas em sua terça parte, e às vezes é totalmente desrespeitado.

9. No entanto, quando um Mandamento é compreendido de acordo com o seu sentido intrínseco, ele é observado naturalmente, como quando se coloca uma boa semente na terra e dela se desenvolve a planta frutífera automaticamente, sem que o homem acrescente uma manipulação por si só inútil.

10. E assim é o caso também com este Mandamento. Sendo ele intrinsecamente conhecido e observado, cai automaticamente, devido à boa Ordem Divina, tudo que é externo no sentido literal da palavra. Porém, não sendo este o caso, e em se atendo somente no sentido externo, anulam-se por isso mesmo todos os direitos originais do homem. Os soberanos tornam-se tiranos e os súditos, ávaros e usurários. A pele dos mansos é estirada sobre o tambor militar, ou os ingênuos súditos tornam-se maliciosos instrumentos de brinquedo dos poderosos e usurários.

11. As consequências disto são as insurreições de povos, revoluções, golpes de Estado e destruições, mútuo ódio entre os povos, seguindo-se longas guerras sangrentas, carestia, epidemias e morte.

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12. Qual é, porém, aquele sentido por cujo cumprimento todos os povos devem encontrar sua indestrutível felicidade temporal e eterna? Eis o que ele diz sucintamente:

13. Respeitai-vos com mútuo e verdadeiro amor fraternal, e que ninguém tenha inveja do outro que, devido a seu amor maior, tiver recebido mais graças de Mim, o Criador. O mais agraciado faça, como irmão, beneficiarem-se todos os seus irmãos, tanto quanto possível, das vantagens que resultam disto; assim constituireis entre vós uma eterna associação de vida que jamais poder nenhum será capaz de destruir.

14. Quem não constata à primeira vista, por esta explanação do Mandamento, que pelo seu cumprimento nenhuma vírgula do sentido literal foi distorcida? E então, como é fácil observar naturalmente este Mandamento, quando é observado espiritualmente. Pois quem respeita seu irmão em seu coração, respeitará também o que ele recolheu e fabricou. Pela observância espiritual deste Mandamento evita-se qualquer usura e exagerada ganância, que tem na exclusiva aplicação do sentido literal seu sancionado representante ou advogado. — O breve comentário que se segue colocará tudo isto para nós em plena luz.

Sobre a bênção da sábia limitação

1. Nisto tudo, assim como no próprio Mandamento, não é apontado, espiritualmente e naturalmente, como pecado ou erro que alguém se aproprie daquilo que colheu e fabricou com suas mãos para sua necessidade, e isto em tal proporção que seu vizinho não tenha em absoluto o direito de contestar-lhe semelhante direito à propriedade, por qualquer modo que seja. Pelo contrário, qualquer um encontra nisto somente uma garantia total de sua propriedade legitimamente adquirida.

2. No entanto, em tudo o que foi dito, assim como no próprio Mandamento, impõe-se a cada um uma sábia limitação do direito de colher. Que o Mandamento tenha pretendido isso no sentido natural, até pela Ordem Divina, deixa-se comprovar de modo bem claro

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através dos primeiros títulos originais de propriedade, herdados por cada homem. Como, então? Isto é o que veremos em seguida.

3. De quanto precisa o primeiro título legal dentro do homem, a saber, o estômago, de acordo com a medida justa? Certamente, qualquer um sabe determinar isso com a mais acertada exatidão. Suponhamos que alguém necessite por dia de 1,5 quilo de alimento; então é fácil calcular quanto isso dá para 365 dias. Esta é, conseqüentemente, uma necessidade natural do homem. Ele pode colher esta quantidade anualmente. Quando tem mulher e filhos, pode colher para cada pessoa a mesma quantidade. Agindo assim, ele age plenamente de acordo com seu direito natural. Para alguém que tem de efetuar trabalhos pesados, deve-se permitir uma quantidade dupla de alimento.

4. Quando isto for respeitado universalmente, não haverá mais miséria na Terra. Pois o Senhor dimensionou a área fértil de tal maneira a permitir — com a devida lavoura e distribuição do solo — o sustento para 12 bilhões de pessoas. No entanto, atualmente não habitam mais que 1 bilhão de homens na Terra, dos quais cerca de setecentos milhões passam necessidades. (*)

5. Qual a razão disto? Porque as condições desta Lei Divina, fundamentadas na natureza de cada homem, não são postas em prática de maneira viva e efetiva.

6. Prossigamos, porém. Também pode ser facilmente avaliado qual o tamanho de um homem, e quanto ele precisa para cobrir sua pele. No entanto, a cada homem seja permitido, de acordo com a estação, dispor de quatro vestes. Esta é a medida natural para determinar a quantidade de tecidos para as roupas e sua confecção. Quero acrescentar, porém, outra quantidade idêntica no que diz respeito às roupas de cima, e quatro vezes mais para as de baixo, isto devido à troca freqüente necessária.

7. Quando esta medida for respeitada, não haverá sobre toda a superfície do globo terrestre nenhum homem nu. Mas, se na Terra estabeleceram-se fábricas colossais de tecidos que compram a matéria-prima por preços vergonhosamente exorbitantes, confeccionando então inúmeras quantidades de vestidos muito mais luxuosos do que úteis, e vendendo-os por preços absurdos à humanidade necessitada;

* Meados do século XiX. Hoje somos 8 bilhões, 2/3 da capacidade máxima indicada pelo Pai. – A tradutora

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e se, por outro lado, muitos ricos, especialmente do lado feminino, abastecem-se durante uma década com mais de cem roupas para trocar, aí a medida natural é brutalmente perturbada. — Mas prossigamos.

8. Qual deve ser o tamanho de uma casa para abrigar honesta e comodamente uma família e os criados necessários? Ide para o campo e deixai-vos convencer, e vereis que para um abrigo correto e cômodo não há necessidade de castelos e palácios de cem quartos.

9. O que ultrapassa a justa proporção é contra a ordem de Deus, e assim é contrário ao Seu Mandamento.

10. Qual deve ser o tamanho de um terreno? Tomemos um solo de rendimentos médios. Neste pode ser explorada, numa área de mil de vossas braças quadradas, a necessidade vital para um homem, perfeitamente suficiente para durar um ano, mesmo em anos de colheita média considerando-se uma lavoura regular. Quando o solo é bom, basta a metade; quando se trata de um solo ruim, reservemos o dobro do solo regular para uma pessoa. Quantas pessoas uma família tem, tantas vezes pode ela se apropriar desta área determinada de solo de direito natural. No entanto, queremos ser generosos com respeito à dimensão, dando por pessoa o dobro, e considerando isso ser de direito natural aprovado por Deus. Quando os terrenos forem distribuídos desta forma, mais de sete bilhões de famílias poderiam achar igualmente sua propriedade de terreno perfeitamente assegurada na superfície terrestre. (*)

11. Mas, da maneira como atualmente o solo da Terra está distribuído, os terrenos pertencem a poucos grandes proprietários. Os outros são apenas co-proprietários, sublocatários ou arrendatários, e a grande maioria da população terrestre não possui uma pedra sobre a qual possa descansar sua cabeça.

12. Quem, por conseguinte, possui, de uma maneira ou outra, acima desta medida indicada, o faz contrariando a Lei Divina e a lei natural, e carrega consigo o constante pecado contra este Mandamento, que só pode ser extinto quando tiver, no maior grau possível, a generosidade, considerando-se, de certa forma, apenas um administrador para lavrar sua posse grande demais, no interesse de um justo número de pessoas que nada possuem. De que maneira tal

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exigência faz parte da razão deste Mandamento, veremos no segundo item do presente comentário suplementar.

Quem peca contra a primitiva ordem do Nono Mandamento?

1. Em segundo lugar, o Mandamento em si exprime, de maneira evidente e palpável, a sábia limitação do direito de recolher e fabricar. Se considerarmos, ao lado disso, o que é proporcionalmente uma propriedade primitiva, conforme foi descrito no 1.o item, o Nono Mandamento aponta exatamente para isto, em proibir expressamente cobiçar aquilo que pertence ao outro.

2. O que então pertence ao outro? No solo criado pelo Senhor em benefício geral dos homens, ao outro pertence exatamente tanto quanto lhe compete pela medida do direito natural derivado de sua necessidade. Quem recolhe e fabrica acima desta medida peca efetivamente já em primeiro grau contra este Mandamento, dado que nele até a cobiça já é apontada como culpável.

3. Em segundo grau, peca contra este Mandamento o indolente que é preguiçoso demais para exercer seu legítimo direito primitivo de recolher, querendo em troca, por cobiça, apoderar-se do que um outro recolheu e fabricou pelo primitivo direito natural.

4. Vemos daí, que se pode infringir de duas formas este Mandamento; a saber, em primeiro lugar, por uma exagerada cobiça de recolher e fabricar e, em segundo lugar, pela omissão completa da mesma. Para ambos os casos, porém, o Mandamento tem o mesmo teor e sábia limitação. No primeiro caso, ele limita a exagerada cobiça de recolher e fabricar, e no segundo caso, limita a preguiça, almejando com isto o meio justo; pois não expressa outra coisa senão a consideração unida ao amor, em prol da justa necessidade natural do próximo.

5. Haverá aqui quem conteste: Nesta época há homens muito ricos e bem situados que, não obstante toda sua riqueza e bem-estar, não possuem nenhum palmo quadrado de propriedade de terra. Eles

* Meados do século XiX. Hoje, com as modernas técnicas agrícolas e os conhecimentos adquiridos, cada metro quadrado de terra pode produzir três a quatro vezes mais. – A tradutora

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acumularam uma grande fortuna pecuniária através de bem sucedidas especulações comerciais, ou através de herança, vivendo agora de seus juros legais. O que dizer destes? Sua fortuna está de acordo com o primitivo direito divino, em consonancia com a lei natural, ou não? Pois, pela sua fortuna pecuniária eles não limitam a propriedade de terra de ninguém, porque não querem adquirir nada, preferindo emprestar seu dinheiro vantajosamente na base dos juros legais; ou eles praticam outros negócios cambiais lícitos, aumentando anualmente seu capital por vários milhares de florins, mesmo que, de acordo com o direito das necessidades naturais, não precisariam nem da centésima parte de sua renda anual para seu bom sustento. Aliás, não raramente, são homens muito corretos, às vezes também caridosos. Pecam também estes contra o Nono Mandamento?

6. Digo aqui: Tanto faz, se alguém possui, seja qual for a maneira, tesouros em dinheiro ou terrenos em demasia, além de suas necessidades. É tudo a mesma coisa. Pois, se possuo tanto dinheiro para poder comprar, pelas leis do Estado, várias milhas quadradas de terras, como propriedade legal, é o mesmo como se eu tivesse realmente adquirido, por este dinheiro, tanto terreno e solo como propriedade. Pelo contrário, é até pior e contraria muito mais a Ordem Divina. Pois quem possuísse tanta propriedade em terrenos, deveria necessariamente proporcionar o sustento a algumas milhares de pessoas, porque sozinho ele seria incapaz de cultivar uma propriedade territorial tão vasta.

7. Vamos considerar porém um homem que, embora não seja proprietário de terras, tem tanto dinheiro que poderia quase que comprar um reino. Ele pode, a rigor, administrar sozinho lucrativamente este dinheiro, ou precisar no máximo de alguns poucos contadores ajudantes que, em comparação com a renda do patrão, recebem dele um salário bem modesto, que muitas vezes mal é suficiente para suprir suas necessidades, particularmente quando têm família.

8. Porém, nenhum destes possuidores de dinheiro pode se desculpar pela maneira e forma com a qual conseguiu o dinheiro, seja por especulação, seja por um ganho na loteria, ou por uma herança. Em todo caso, ele está perante Deus como alguém que acoberta o ladrão. Como assim, poderia alguém perguntar?

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9. O que significa ficar rico através de uma bem sucedida especulação? Isto nada mais significa do que apoderar-se de um ganho legal de muitos mediante a usura, privando-os assim do justo ganho, adjudicando-o só a si próprio. Neste caso, um homem que enriqueceu através de bem sucedida especulação não passa de um ladrão. No caso de ganhos na loteria, ele o é da mesma forma, pois ele se beneficia sozinho da contribuição de muitos. No caso de herança, porém, ele — tornando posse da mesma forma — acoberta a atitude ilegal de seus antepassados, que só puderam adquirir o bem pelas duas maneiras acima mencionadas.

Espírito de usura — o mais condenável perante o Senhor

1. No entanto, dir-se-á: Esta determinação soa estranha; pois qual a culpa do herdeiro, quando ele recebeu, por força da lei do Estado, a fortuna de seus pais ou de outros parentes ricos? Em caso de tal transferência de bens, deveria ele computar a sua parte, conforme o direito natural, tirar da herança somente essa parte para si e, em seguida, dar o restante de presente a quem quer que seja? Ou deveria ele assumir a fortuna total, mas receber como propriedade somente a parte devida a ele por direito natural, e administrar, ele mesmo, o grande excedente em apoio aos preguiçosos que se tiverem tornado necessitados, ou logo ceder tal excedente em prol de instituições beneficentes, entregando-o aos seus dirigentes?

2. Esta pergunta é daquelas que habitualmente não recebem resposta nenhuma ou, no máximo, uma bem lacônica. Será que a Lei Divina e a lei do Estado, ou seja, a Divina Sabedoria e Providência, e a mundana política estadual e sua chamada diplomacia são uma só coisa? O que diz o Senhor? Ele diz: "Tudo o que é grande perante o mundo é um horror aos Olhos de Deus!" 3. O que há de maior no mundo do que um poder estadual usurpado que, — visto do lado Divino e nunca consoante o Conselho Divino, mas só pela política e diplomacia mundanas, — subjuga

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os povos e usa suas forças para seu próprio bem de maneira profusa, exploratória e consumista?

4. Mas, já que é horroroso e abominável trair somente um, dois ou três de seus irmãos, quanto mais horroroso deve ser perante Deus usar a força para se coroar e ungir, para depois, mediante tal coroação e unção e no interesse de suas próprias vantagens luxuosas, trair de toda maneira povos inteiros, ou através da chamada política ou, não conseguindo por ela seu alvo, com aberta crueldade e violência!

5. Sou de opinião que, por estas palavras, torna-se evidente quanto os direitos da maioria dos Estados atuais contrariam frontalmente o Direito Divino. Penso ainda que quando o Senhor diz ao jovem rico: "Vende tudo o que tens e dá-o aos pobres; depois segue-Me, e terás um tesouro no Céu", espera-se que esta sentença seja suficien-te para se aprender como o homem rico no mundo deve distribuir sua riqueza, se quer ganhar o Reino de Deus. Não o fazendo, deve culpar-se a si mesmo se o atingir a mesma sentença que o Senhor proferiu ao jovem entristecido, isto é: que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um tal rico entrar no Reino dos Céus! Neste julgamento percebemos a compaixão do Senhor com o interlocutor, pois certamente tratava-se de um jovem herdeiro.

6. Poderia-se aqui perguntar: por que teve que aparecer aqui exatamente "um jovem rico", e por que não algum especulador já de certa idade, ao qual o Senhor teria demonstrado Seu eterno desagrado com toda sua riqueza mundana? A resposta é óbvia: o jovem ainda não era um arraigado administrador de riquezas, mas se encontrava no ponto onde um jovem assim não costuma ainda dar o devido valor à riqueza mundana. Por esta razão, ele pôde aproximar-se do Senhor, pelo menos por um breve tempo, para ouvir Dele a correta orientação e o justo uso de sua riqueza. Somente ao conhecer a Vontade Divina, ele abandona o Senhor e volta às suas riquezas.

7. Assim, o jovem teve este privilégio de aproximar-se do Senhor exatamente por ser jovem e ainda não dispor da necessária responsabilidade pessoal. Mas o incorrigível rico hospedeiro já com mais idade, o especulador e usurário, ficam como camelos atrás do fundo da agulha, pela qual deveriam primeiro passar para, igual ao jovem, poderem chegar perto do Senhor. Consequentemente, a um tal rico já

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não é mais facultado e concedido de vir, igual ao jovem, ao Senhor. Para estes, infelizmente, o Senhor citou um outro exemplo digno de toda a consideração, mediante a parábola do "rico avarento". Mais não preciso vos dizer.

8. No entanto, quem dentre vós for capaz de refletir um pouco, vai compreender que para o Senhor do Céu e de todos os mundos nenhum vício humano é tão abjeto e abominável como a riqueza usurária e suas habituais consequências. Para nenhum outro vício vemos o Senhor sobre a Vida e a Morte abrir o abismo do inferno de maneira tão clara, como para este pecado.

9. Ninguém na Terra ouviu ter o Senhor condenado ao inferno quem tivesse praticado homicídio, adultério, luxúria e outros pecados. Mas Ele castigou o vício da usura com palavras e atos de maneira mais enfática possível, tanto em relação ao clero, como a qualquer classe civil!

10. Quem pode provar que o Senhor levantou Sua Mão Onipotente para castigar quem tivesse cometido qualquer outro delito? No entanto, os cambistas, vendilhões de pombos e semelhante corja de especuladores foram castigados e enxotados do Templo pela Mão Onipotente do próprio Senhor mediante um açoite de corda trançada!

11. Sabeis o que quer dizer isto? Este verídico evento evangélico quer dizer que o Senhor no Céu e em todos os Mundos é o mais declarado inimigo deste vício. Com relação a qualquer outro vício, Seu Amor Divino fala em paciência, indulgência e misericórdia; mas sobre este vício, Sua ira e revolta falam mais alto!

12. Pois aqui Ele tranca o acesso a Ele pelo conhecido fundo da agulha, e abre visivelmente o abismo do inferno, mostrando nele um verdadeiro condenado. Defronte dos fariseus despóticos e ávidos, Ele Se pronuncia de forma tão espantosa a fazer-lhes claramente compreender que, antes deles, entrariam no Reino de Deus os fornicadores, adúlteros, ladrões e ainda outros pecadores.

13. Finalmente, Ele até apanha no Templo uma arma de castigo, e expulsa sem piedade os usurários de qualquer espécie, chamando-os

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de assassinos do Reino Divino, por terem transformado o Templo, que representa o Reino Divino, em covil de assassinos.

14. Poderíamos citar ainda outros exemplos semelhantes que nos mostrariam em quão alto grau o Senhor é inimigo declarado deste vício. Mas o que foi dado aqui basta para quem sabe refletir. —Nesta oportunidade, podemos olhar ainda rapidamente o nosso Nono Mandamento e veremos que o Senhor, em nenhuma outra relação humana, em nenhuma outra ocasião e atividade, mesmo proibida, limitou até o desejo, como o fez no caso de usura, que mais Lhe desagrada.

15. Em todas as ocasiões Ele proíbe expressamente só a prática, mas neste caso já o desejo, porque o perigo que aqui resulta para o espírito é grande demais. Ele desvia o espírito completamente de Deus e o dirige inteiramente para o inferno. Podereis deduzir isso do fato que qualquer outro pecador sente remorso após ter cometido um pecado, enquanto que o usurário rico, após uma especulação bem sucedida, se regozija com ar triunfante!

16. Eis o triunfo certo do inferno, e o príncipe das trevas tenta pois, de preferência, induzir os homens de toda maneira ao amor pela riqueza mundana, pois sabe bem que-eles, cheios assim deste amor, são mais abomináveis perante o Senhor, sendo por isso menos objeto de Sua Misericórdia! Mais não preciso vos dizer a respeito.

17. Feliz aquele que toma a peito estas palavras, pois elas são a eterna e incontestável Verdade Divina! E podeis julgá-las inteiramente verdadeiras e acreditar nelas, pois não há nelas nenhuma sílaba em demasia; antes podeis supor que deveria ser dito muito mais ainda a respeito. No entanto, lembrai-vos do seguinte: o Senhor fará em qualquer outra circunstância todo o possível antes de deixar alguém perecer; mas perante este vício Ele nada fará, a não ser manter aberto o abismo do inferno, como Ele mostrou no Evangelho. Tudo isto é certo e verdadeiro, e assim conhecemos o verdadeiro sentido deste Mandamento. E repito uma vez mais: Cada um tome a peito o que foi dito aqui! — E agora chega desse assunto. Eis a Décima Sala, entremos nela!—

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Décima sala — Décimo Mandamento

1. Encontramos-nos dentro dela, e avistamos na tábua o nítido escrito:

"Não cobiçarás a mulher do teu próximo!"

2. Que este mandamento aqui no puro reino espiritual, e em especial no reino das crianças, certamente soa um tanto estranho a qualquer pensador, sequer precisa ser mencionado. Em primeiro lugar, estas crianças ainda não sabem o que é uma mulher núbil, e em segundo lugar, aqui também não é corriqueiro o casamento entre ambos os sexos, em especial no reino das crianças. Em vista disto, este Mandamento não encontra evidentemente aplicação no reino dos espíritos.

3. Dir-se-á no entanto: por quê o Senhor não deveria ter dado dentre os Dez Mandamentos, um que correspondesse exclusivamente às relações terrenas? Pois, na Terra, a união entre homem e mulher é normal, sendo por isso uma relação de longa data fundamentada na Ordem Divina, que não pode ser mantida sem um mandamento. Consequentemente, pode-se aqui pressupor que o Senhor, dentre os Dez Mandamentos, deu um somente para a manutenção da ordem de uma relação externa, terrena, para que, através da manutenção desta ordem, não seja perturbada uma ordem espiritual, interior e mais elevada.

4. Neste caso, eu digo: este Mandamento é, pois, somente uma repetição supérflua do Sexto Mandamento que ordena exatamente a mesma coisa. Pois também em todo o contexto deste, proíbe-se tudo que tenha qualquer relação com a luxúria, a fornicação e o adultério, tanto no sentido carnal, como sobretudo espiritual.

5. Se nós ponderamos tudo isto, chegamos à conclusão que este Mandamento não serve para o Céu, sendo ainda, ao lado do Sexto Mandamento, plenamente supérfluo.

6. Vejo porém alguém objetando: Alto lá, bom amigo, você está errado! Este Mandamento, embora proibindo quase que a mesma coisa que o Sexto Mandamento, é por si só todo peculiar e mais elevado, e vai mais a fundo do que aquele. No Sexto Mandamento somente

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é proibido, pelo visto, o efetivo ato rude; neste Décimo, porém, a cobiça e o desejo, que sempre são as causas básicas da ação. Pois é fácil reparar que sobretudo maridos jovens costumam ter bonitas jovens esposas. Como é fácil para um homem, então, esquecer-se de sua mulher talvez não tão bela, aproximar-se pela bonita mulher de seu próximo e, despertando em si um impulso e desejo cada vez mais forte, cobiçá-la para consumar com ela um ato adúltero.

7. Bem, digo Eu, quando se considera este Mandamento sob este ponto de vista, resulta disto nada mais do que uma legião de coisas ridículas e loucas, pelo que o Divino de tal sublime Mandamento é necessariamente degradado para a mais suja poeira e lama fétida do insulto mundano. Queremos então citar alguns casos precisos, para exemplificar tal absurdo, mostrando assim, claramente a qualquer um, de que maneira pouco profunda e superficial este Mandamento foi compreendido, explicado e promulgado durante mais de oito séculos.

8. Um homem não deve, portanto, cobiçar a mulher do seu próximo. E lícito aqui perguntar: que tipo de cobiça ou desejo? Pois existe grande número de cobiças e desejos honestos e lícitos, que um vizinho pode nutrir para com a mulher do seu próximo. Mas o Mandamento reza indubitavelmente: "não cobiçar". Com isto, somente os vizinhos homens poderiam conversar entre si, ao passo que deveriam olhar para suas mulheres sempre com menosprezo. Isto nada mais é do que uma interpretação turca deste Mandamento mosaico.

9. Além do mais, quando se considera o assunto de maneira literal e material, tudo deveria ser tomado neste sentido, e não umas palavras literalmente e outras espiritualmente, o que seria o mesmo que se alguém vestisse uma calça tendo uma perna de cor preta e a outra de um branco transparente. Ou se alguém quisesse afirmar que numa árvore o tronco deveria de um lado ser coberto com casca, ficando o outro lado sem ela. De acordo com esta maneira de ver, o Décimo Mandamento somente proíbe o desejo à mulher do "próximo". Quem pode ser este, no sentido literal? Ninguém outro senão os vizinhos ou também parentes mais próximos. Então, no sentido literal, seria tão somente ilícito cobiçar as mulheres destes dois tipos de próximos; e, consequentemente, as mulheres de moradores distantes,

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mormente de estrangeiros que certamente não são próximos, poderiam ser cobiçadas sem mais nem menos. Por isto qualquer um compreende, sem ser perito em matemática e geometria, que —comparado com o vizinho mais próximo — não se pode considerar como tal um outro que fica a algumas horas de distância, ou menos ainda, um estrangeiro. Vede, isto é de novo bem turco, pois para os turcos este Mandamento só vale para seus compatriotas, sendo que para nações estrangeiras eles não têm uma lei.

10. Prossigamos, porém. Eu pergunto: Então, a mulher do meu próximo não precisa obedecer à Lei divina? Pois, consta na Lei somente que o homem não deve cobiçar a mulher do próximo. No entanto, nenhuma sílaba do Mandamento proíbe uma mulher lasciva de cobiçar o seu vizinho. Desta forma, dá-se aparentemente às mulheres o privilégio de seduzir sem restrição homens que lhes agradem. E quem lhes proibirá de fazê-lo, visto que por parte do Senhor não existe nenhum mandamento neste sentido? Isto também vem da filosofia turca, pois os turcos sabem, pelo sentido literal, que as mulheres são isentas de semelhante lei. Por isso, eles as trancam, para que não cheguem ao ar livre e induzam outros homens a cobiçá-las. Nos casos em que um turco permite a saída para uma de suas mulheres, ela deve dissimular tão bem seus atrativos físicos que faria fugir àté um urso que cruzasse seu caminho. Ela só pode revelar seus encantos a seu marido. Quem pode pretender, afirmando o contrário, que tal não fosse o sentido literal do Mandamento? Evidentemente, é no próprio Mandamento que esse aspecto ridículo tem sua razão insofismável. Prossigamos, porém.

11. Não poderiam os vizinhos mais próximos ter filhas adultas ou lindas empregadas? É licito ou não, de acordo com o Décimo Mandamento, cobiçá-las, mesmo sendo casado? Aparentemente tal procedimento é lícito, pois no Sexto Mandamento, a questão não é de cobiça, mas somente de ação. — O Décimo Mandamento, porém, proíbe somente cobiçar a mulher do próximo; consequentemente, é lícito, sem contestação, cobiçar as filhas e outras lindas moças do próximo (?) — Vede, temos aqui mais uma interpretação turca da lei. No entanto, para tornar a coisa bem clara, vamos citar mais algumas proposições ridículas.—

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Quem é o "TU" no Décimo Mandamento?

1. Reza a Lei: “Tu não cobiçarás a mulher do teu próximo". — Não seria lícito perguntar quem é afinal o referido “Tu"? É ele um cônjuge, um viúvo, um rapaz solteiro, um jovem adolescente ou afinal também uma mulher, para a qual igualmente se pode dizer: Não farás isto ou aquilo? A resposta será: Isto, de preferência, é destinado para o sexo masculino, pouco importa se solteiro ou casado; e que as mulheres, casualmente, também podem ser incluídas, não podendo ter o direito de seduzir ou cobiçar outros homens, entende-se por si só.

2. Porém, meu argumento contrário é: já que os homens são capazes de definir nitidamente seus estatutos, prevendo neles para cada caso sutis e inteligentes diferenciações, não se pode imputar ao Senhor de ter, por ignorância, lavrado leis ambíguas, ou de ter-lhes dado, igual a um advogado astuto, um sentido variável para que os homens se percam nelas, caindo inevitavelmente no pecado.

3. Sou de opinião que seria de fato exagerado tirar-se semelhante conclusão a partir da consideração aprofundada desta Lei, cujos termos parecem efetivamente imprecisos. É mais justo concluir que esta Lei, como todas as demais, é de suprema definição, só que foi de tal maneira distorcida e mal interpretada com o tempo, principalmente durante a época da formação da hierarquia, que agora ninguém mais entende seu verdadeiro sentido primitivo. E isto foi causado por pura cobiça. No seu verdadeiro sentido intrínseco, esta Lei nunca teria rendido um centavo ao clero; porém, no seu sentido camuflado, deu origem a diversas intercessões, dispensas e divórcios, e isto nos tempos passados, naturalmente em grau muito mais elevado do que agora. Pois naqueles tempos, as circunstâncias eram tais, que dois ou mais vizinhos não tinham como se precaver contra a violação desta Lei. Como assim?

4. Estava claro que eles eram obrigados a se confessar conscienciosamente várias vezes ao ano, devido a seu medo desmedido do inferno. Nesta ocasião, eram meticulosamente examinados; e no caso de qualquer vizinho ter tido uma jovem mulher bonita, já um simples pensamento, um olhar, ou até talvez uma conversa iniciada por

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outros vizinhos masculinos, era considerado como pecado adúltero contra esta Lei, e via de regra multado com uma oferenda. Havendo ocorrido uma aproximação mais íntima, já era o caso de uma condenação completa; e quem descesse num prato da balança de São Miguel para o inferno tinha que colocar, no outro prato vazio da balança, oferendas importantes para contrabalançar e felizmente içar do inferno o pobre pecador. Os sacerdotes detentores do Poder Divino não somente exigiam muito, mas, na verdade, queriam logo tudo.

5. Desta maneira, outrora muitos cavalheiros e condes ricos tiveram que perder a vida e, ainda como pena para absolvê-los do inferno, doar seus bens à Igreja. Suas mulheres, se as houve, eram recolhidas a um convento para expiar o pecado do seu infiel marido. Isto ocorria também com seus filhos de ambos os sexos, que eram recolhidos a tais conventos, onde não era lícito possuir riquezas terrestres.

6. Que isto seja o suficiente para reconhecer todas as abomináveis consequências que resultaram da distorção desta Lei. O "Tu" indefinido da Lei era a fonte das dispensas, que geralmente rendiam o máximo. Se alguém fazia um grande sacrifício, o "Tu" podia ser de tal forma modificado a impedir que o pecador fosse condenado ao inferno. Em caso contrário, o “Tu" em questão podia ser de tal maneira condenado — e isso devido ao arrogado poder de ligar e desligar — que só oferendas muito importantes podiam salvar o pecador do inferno.

7. Vimos agora a quais aberrações o "Tu" indefinido deu ensejo. No entanto, não nos contentaremos com isto, mas consideraremos mais algumas circunstâncias ridículas, para que fique ainda mais claro para todos quão necessário é o conhecimento puro do sentido da Lei, sem o qual não é jamais possível tornar-se livre, devendo ficar subjugado como escravo à maldição da Lei! — Prossigamos então! —

Exemplos da Compreensão errada do Décimo Mandamento

1. Sabemos qual o teor da Lei: ela proíbe um desejo ou uma cobiça. Agora importa saber: certo homem empobreceu, enquanto

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seu vizinho é um homem rico. A mulher do vizinho, que é o mais próximo de nosso homem pobre, tem, como ele sabe, um coração piedoso e caridoso. Nosso pobrezinho sente agora o desejo pela mulher caridosa de seu vizinho e quer que ela lhe sacie a fome. Pergunto, pecou este ou não? Ele, evidentemente, nutriu seu desejo e cobiça pela mulher de seu vizinho. Quando é dito: não cobiçarás a mulher do teu vizinho — quem poderia aqui, com boas razões, declarar este justo desejo do pobrezinho como sem pecado? Pois sob o conceito "não ter nenhum desejo ou cobiça", certamente qualquer desejo e qualquer cobiça deve ser proibido, uma vez que na palavra "nenhum" não se pode evidenciar alguma exceção. Assim sendo, deve ser proibida uma cobiça de qualquer natureza.

2. Não faria esta interpretação obviamente pensar que, com isso, o Senhor quisesse evidentemente alienar o sexo feminino de fazer caridade? Então qualquer benefício que uma anfitriã fará a um pobre será considerado como pecado, contrariando o Mandamento Divino?

3. Será admissível um Mandamento tão obscuro da parte do supremo Amor do Senhor? Certamente se dirá aqui: o Mandamento restringe-se apenas ao desejo voluptuoso. Eu, porém, digo: Bem, contentemo-nos com isto; mas seja-me permitido fazer algumas observações. Se elas invalidam o "Contentemo-nos com isto", então qualquer oponente deve conformar-se com a escolha de outro caminho na definição deste Mandamento. Eis as observações:

4. O Mandamento interditaria, pois, apenas um desejo sensual carnal. Mas, pergunto: fala-se no Mandamento de uma determinada mulher, ou compreendem-se nele todas as mulheres, ou há certas naturais exceções?

5. Suponhamos que vários vizinhos morando frente-a-frente tenham mulheres idosas já não mais atraentes. Neste caso, estes vizinhos certamente não têm mais desejos carnais pelas suas mulheres. Consequentemente, deve tratar-se apenas de mulheres jovens, e isso somente se forem bonitas e atraentes. Também é certo que homens idosos e vividos não serão mais muito atormentados por desejos sensuais carnais perante as mulheres de seus vizinhos.

6. Vemos daí, que esta lei somente vigora sob certas condições, mostrando assim omissões e não tendo portanto validade geral. Pois,

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já que a natureza faz exceções, não tendo uma lei a plena validade natural, como poderia estender-se seu sentido ao âmbito espiritual? Quem não consegue entender tal coisa, que abata uma árvore, e veja se ela ainda cresce carregando frutos.

7. Uma Lei Divina, no entanto, deve ser formulada de tal maneira, que sua validade sublime seja estabelecida para toda a eternidade. Porém, se em seguida, já durante o decorrer da curta existência terrestre, ela, sob certas condições, for naturalmente empurrada para além de suas delimitações em vigor, isto é, quando para de ser efetiva já no estado natural do homem, que valor teria então para a eternidade? Não é cada Lei de Deus fundamentada no seu infinito Amor? O que ocorrerá então, se tal Lei perder sua validade? Não seria o mesmo que querer afirmar que o Amor Divino também seria revogado para os homens, sob certas condições?

8. Porém, nisto se baseia também a triste crença de vosso lado pagão-cristão, pela qual o Amor de Deus dura somente enquanto o homem viver nesta Terra. Uma vez morto seu corpo, e existindo ele somente em forma psico-espiritual, começa logo a invariável e terrivelmente severa justiça punitiva de um Deus irado, quando nem se pode mais pensar em Amor e Misericórdia.

9. Quando o homem merece o Céu pela sua conduta na vida, ele não entra no Céu pelo Amor Divino, mas somente segundo a Justiça Divina, naturalmente devido ao seu próprio mérito que serve e agrada a Deus. Mas quando o homem não viveu assim, há no mesmo instante a condenagio eterna, da qual nunca se pode esperar uma salvação. Em outras palavras, isso significaria: existiria um pai tolo que estabelecesse na sua casa uma lei dirigida a seus filhos, com o seguinte teor:

10. Eu dou a liberdade total a todos os meus filhos, desde seu nascimento até seus sete anos de idade. Neste período, eles desfrutarão sem distinção de meu amor. Após o sétimo ano, porém, eu retiro meu amor de todos os meus filhos e a partir de então eu os julgo ou os cubro de felicidade. Aqueles que, como menores, obedeceram às minhas severas leis, gozarão, após o sétimo ano, de minha máxima complacência. Mas os que durante os sete anos não melhoraram, em estrita observância das minhas severas leis, estes serão desde

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então amaldiçoados e banidos de minha casa paterna para todos Os tempos. Dizei, o que pensaríeis a respeito de um pai tão cruel e ignorante? Não seria isto mais monstruoso do que a mais abominável tirania de todos os tiranos?

11. Já que acharíeis má tal atitude em um homem indescritivelmente tolo, quão horrivelmente absurdos deveriam ser os homens capazes de imputar e atribuir sentimentos ainda bem piores a Deus, que é o supremo Amor e Sabedoria!

12. O que fez o Senhor na cruz, — Ele, a única Sabedoria Divina— no momento em que Ela era de certa maneira, em sua aparência externa, como que separada do Amor Eterno? — Ele, como a Sabedoria e, como tal, a razão dc toda a justiça, Se dirigiu pessoalmente ao Pai ou ao Amor Eterno e não exigiu Dele, — com certa razão — vingança, mas pediu ao Amor que perdoasse todos estes malfeitores, inclusive sumo-sacerdotes e fariseus, uma vez que não sabiam o que estavam fazendo.

13. Eis como age a Justiça Divina. Deveria então o infinito Amor Divino condenar onde a Justiça Divina roga o Amor infinitamente mais misericordioso pelo perdão?

14. Quando não se acredita na sinceridade deste pedido que o Senhor só teria feito para dar um exemplo, não se faria então do Senhor um hipócrita que apenas simuladamente teria rogado na cruz pelo perdão, mas que no Seu íntimo teria nutrido indelével vingança, condenando todos estes malfeitores para o mais feroz fogo do inferno?

15. Oh mundo! Oh homens! Oh mais terrível absurdo que jamais poderia ser imaginado em todo o infinito e eternidade! Será possível pensar uma coisa mais infame, fazendo do Senhor na cruz um mentiroso, falso pregador, traidor e, desta maneira, um impostor universal que teria justificado durante um certo tempo a exploração lucrativa do medo do inferno? De qual boca então, senão do próprio Satanás, podem se originar tal doutrina e tais palavras?

16. Vede que aberrações podem resultar de uma interpretação errada do sentido de uma Lei Divina! Que isto acontece em vossa Terra, é mais do que óbvio. Mas o porque disto, não soubestes nem pudestes saber, pois o nó da Lei era confuso demais, e nunca ninguém teria sido capaz de desatar este nó.

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17. Eis por que o Senhor teve pena de vós, e no Sol, onde há luz suficiente, Ele vos faz anunciar a verdadeira solução deste nó, para que possais reconhecer a causa geral de toda maldade e das trevas.

18. Certamente direis: Bem, como pode a compreensão errônea dos Dez Mandamentos de Moisés surtir tanto mal?

19. Porque estes Dez Mandamentos foram dados por Deus e trazem dentro de si toda a infinita Ordem do próprio Deus.

20. Quem sai desta Ordem Divina em qualquer ponto ou de qualquer maneira, não ficará mais em nenhum ponto na Ordem Divina, sendo esta igual a um caminho reto. Quando alguém se desvia deste caminho, seja em que ponto for, pode ele dizer: eu só me desviei de um quarto, de um quinto, de um sétimo ou de um décimo do caminho? Certamente não. Pois ao se afastar só um pouco do caminho, já está fora dele por completo. Se ele não quiser voltar ao caminho, pode-se certamente afirmar que naquele ponto onde o caminhante se desviou, ele se afastou inteiramente do caminho.

21. O mesmo vale também para cada um dos pontos da Lei Divina. Haverá dificilmente alguém que tenha pecado contra a lei inteira, sendo isto quase impossível. Mas se alguém cai em um ponto, persistindo em seu pecado, ele se afasta da Lei inteira, e se ele não quiser e o Senhor não vier em sua ajuda, ele nunca retornará ao caminho da Lei ou da Ordem Divina. Assim sendo, sabei que a maioria dos males do mundo se origina primeiramente da falta de juízo, teimosa ou maldosa, ou, antes, da malévola distorção do sentido destes dois últimos Mandamentos Divinos.

22. Mas já salientamos suficientemente os absurdos e as interpretações erradas deste Mandamento; vamos pois abordar o significado correto da Lei, em cuja luz vereis ainda todas estas tolices de maneira incomparavelmente mais clara.

Por que o sentido verdadeiro do Décimo Mandamento está encoberto?

1. Muitos dos que leram estas explicações, dirão agora: Estamos de fato bastante curiosos sobre o verdadeiro sentido deste Mandamento,

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pois todas as nossas interpretações foram terminantemente ridicularizadas. Quem será, então, o "tu", o "próximo" e a "mulher" dele? O próprio Mandamento não nos dá uma resposta certa. O "tu" poderia ser qualquer um, mas é muito duvidoso se também uma mulher pode ser incluída nisso. O sentido do "próximo" poderia talvez ser mais facilmente determinado, sobretudo quando a palavra é tomada num significado geral em que cada um que precisa de nossa ajuda é nosso "próximo". A maior dificuldade surge no justo entendimento da "mulher", pois não se sabe se falamos só duma mulher casada, ou do sexo feminino em geral. É mais provável que se deva tomar em consideração o significado singular e não o geral; mas se pensamos no regime da poligamia que vigora em certos continentes, complica-se a situação de novo. Por isso, estamos cada vez mais curiosos para descobrir o verdadeiro significado deste Mandamento, cujo sentido literal não é nada convincente.

2. E acrescento: Não há dúvida que, partindo do sentido literal, só se chega ao maior absurdo, mas nunca a uma verdade fundamental.

3. Dir-se-á então: Mas por que o Senhor não deu a Lei de uma maneira clara para todos, evidenciando assim em que sentido deve ser observada?

4. Vista por fora, a objeção parece sábia e justificada; mas, considerando mais profundamente, ela carece de toda sensatez. É preciso esclarecer bem isto, a todos, abrindo-lhes os olhos. É como se alguém estivesse a pouca distância do Sol, sem vê-lo no início, e de repente o percebesse; ou outro que nem se apercebesse da floresta na qual está devido à quantidade de árvores. Darei, pois, algumas breves considerações para dissipar a cegueira.

2 5. Suponhamos que um naturalista botânico, por ser preguiçoso nas suas pesquisas, perguntasse: Por que a Força Criadora do Ser Supremo não constituiu as árvores e plantas com o cerne por fora e a cortiça por dentro, permitindo assim a fácil observação microscópica da seiva subindo para os ramos, e das reações e consequências que isto produz? O Criador não pode ter tido a intenção de impedir que o homem pensador da Terra jamais penetre no mistério da atividade milagrosa da Natureza. — Que diríeis a esta pretensão? Não seria sumamente tola?

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6. Mas, suponhamos que o Senhor Se deixe influenciar por tal desafio, invertendo as árvores e as plantas; — não viriam outros naturalistas dizendo: Que proveito temos da observação do cerne exterior se isto nos impede de descobrir a formação maravilhosa da cortiça interna? O que segue daí? O Senhor deveria de novo submeter-Se, remetendo — de uma maneira incompreensível para mim — cortiça e cerne para o lado exterior da árvore. Suponhamos que conseguisse fazê-lo e que o interior da árvore fosse então somente de madeira. Não reclamaria então outro naturalista que a cortiça, e de um lado o cerne, cobre agora a maravilhosa formação da madeira? Não poderia a árvore ser formada de modo que tudo — cerne, madeira e cortiça —ficasse na parte exterior ou ao menos transparente como o ar?

7. Que os óticos e matemáticos decidam se é possível formar uma árvore, necessariamente composta de muitos órgãos, transparente como o ar, ou ao menos como água pura. E que tipo de frutos poderia uma árvore aérea produzir? As regiões do pólo norte ou sul poderão talvez nos informar a respeito, pois lá há às vezes o fenômeno que — devido ao intenso frio — árvores de gelo cristalino crescem para o ar, comparáveis aos cristais de gelo que cobrem no inverno as vossas vidraças. Mas nunca ouvimos até agora que tais árvores produzam figos ou tâmaras.

8. Mas, quanto às árvores onde tudo -- cerne, madeira e cortiça — deveria se encontrar do lado de fora, seria tão fácil construir uma bola quadrada, como tal árvore. Sou de opinião que esta reflexão mostrou claramente a tolice da objeção acima. Todavia — e como de costume — acrescentamos ainda outras considerações para tornar o assunto definitivamente esclarecido.

9. Suponhamos o caso de um médico cuja profissão exige um enorme estudo, e que já assimilou, qual um pólipo, um monte de conhecimentos. Quando é chamado a um enfermo grave, acontece não raras vezes que não sabe o que fazer. Os circunstantes lhe perguntam: O que lhe parece? O que tem ele? Pode curá-lo?

10. A essas perguntas, o médico, com ar douto mas muito embaraçado, diz: Por enquanto, nada pode ser definido. Primeiro, devo conhecer sua reação a determinado remédio, o que me dará o resultado. Se, porém, não houver reação nenhuma, deveis concordar que não

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posso ver o interior do corpo, para descobrir o foco da doença e sua natureza.

11. Isso provoca a observação lacônica de um presente: Doutor, então Deus teria feito melhor criando o homem do mesmo modo como um carpinteiro fabrica um armário que se pode abrir para olhar dentro; ou ainda, deveria ter colocado por fora as partes mais delicadas, que ora são dificilmente acessíveis, como é o caso com os dedos, as orelhas e o nariz, o que permitiria que se chegasse a prestar-lhes ajuda por meio de um emplastro, um bálsamo ou uma compressa. Melhor ainda seria se tivesse criado o homem transparente como a água, ou — em vez de compô-lo com partes muito perigosas — dotado com a solidez de uma pedra.

12. O médico torce o nariz e diz: Sim, caro amigo, mas acontece que este não é o caso. Assim sendo, devemos contentar-nos com o que temos, e ficar felizes se a experiência e os exames à nossa disposição nos permitem conhecer o estado interno de saúde e doença duma pessoa. Pois, se o homem pudesse ser aberto como um armário, correria perigo de vida muito maior do que agora; uma manipulação desajeitada poderia de repente custar-lhe a vida. E mesmo se se pudesse — abrindo o corpo — ver as entranhas, isto pouco nos adiantaria. As entranhas e seus órgãos delicados deveriam ficar fechados; abrindo-os, todos os humores vitais se espalhariam imediatamente, prejudicando qualquer atividade orgânica. Mas quanto à colocação exterior das partes internas — isso, meu caro, daria à figura humana um aspecto nada estético. E se o homem fosse inteiramente transparente, cada um se assustaria diante de seu semelhante, pois perceberia ao mesmo tempo a pele, a musculatura, o sistema vascular e nervoso, e finalmente o esqueleto. Podes imaginar que tal aspecto não seria nada agradável.

13. Estas considerações fazem saltar aos olhos toda a tolice da objeção mencionada acima.

14. Mas alguém ainda diz: Seria absurdo pensar que o interior das coisas naturais, materiais, deveria ao mesmo tempo constituir seu exterior. Mas a palavra não é nem árvore, nem animal, nem homem, mas é por si mesma ordem espiritual, não tendo nada de material em si. Por que razão teria ela, igual a uma árvore ou a um homem, ainda

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um incompreensível sentido interior? Como poderiam palavras, de natureza simples e claras, conter ainda um outro sentido?

15. Bem, tomemos a palavra "pai". O que significa? É a palavra já o próprio pai, ou designa ela um pai real, indicando dele porém apenas o tipo distintivo externo? — Dir-se-á: Obviamente, a palavra não é o próprio pai, mas apenas sua designação externa. — Está bem, digo eu; mas pergunto: O que deve ser entendido com esta palavra para poder ser reconhecida como expressão certa do tipo exterior a ser designado? — Resposta: A palavra deve representar um homem de certa idade, casado, que gerou com sua mulher crianças vivas que ele sustenta como verdadeiro pai, tanto física como espiritualmente.

16. Quem poderia negar que a simples palavra "pai" deve necessariamente conter este significado bastante extenso e essencial, sem o qual perderia seu caráter de palavra?

17. Considerando que se deve admitir que já nas relações externas cada simples palavra implica uma explicação e análise mais intrínseca, quanto mais deve ela conter um sentido interior espiritual, posto que tudo que se designa com palavras externas, necessariamente encerra também um conteúdo espiritual, dotado de força para agir. Um pai possui certamente também alma e espírito. Será que a palavra "pai" designa corretamente o conceito de pai, se exclui seu lado psíquico e espiritual? Certamente não, pois o pai real consiste de corpo, alma e espírito, isto é, da parte exterior, interior e íntima-espiritual. Sendo esta a natureza real do pai, não deve ela ser perfeitamente refletida, como num espelho, pela palavra que designa o pai real como "pai"?

18. Penso que não é possível descrever mais claramente a necessidade do sentido intrínseco duma palavra. Daí pode-se concluir que o Senhor — querendo manifestar Sua Vontade no mundo, e portanto para a humanidade no seu aspecto exterior, — só pode fazê-lo conforme Sua Eterna Ordem Divina, por representações exteriores e figuradas que implicam um sentido interior e íntimo. Com isso, o homem inteiro está sendo provido, desde seu íntimo até seu exterior, pelo grande Amor Divino.

19. E como demonstramos de maneira mais que tangível a necessidade e certeza destas disposições, será fácil achar quase por si

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mesmo o verdadeiro sentido intrínseco de nossa Lei. Reconhecereis que a descrição que darei dele é irrefutável, e a unicamente verdadeira e de valor universal. — Passemos, então, logo a esta explicação!,—

O verdadeiro sentido intrínseco do Décimo Mandamento

1. Como já sabemos de cor, a Lei reza assim: "Não cobiçarás a mulher do teu próximo!", ou "Não desejarás a mulher do teu próximo!", o que vem a dar na mesma. Quem é, pois, "a mulher", e quem é "o próximo"?

2. A mulher é o que cada um ama, e o próximo é cada pessoa com quem entro em contato, ou que precisa de minha ajuda, onde quer que isso for possível e necessário. Sabendo isso, já sabemos tudo.

3. O que significa, portanto, o Mandamento? Nada mais do que: Ninguém deve, por egoísmo, atrair ou exigir o amor de seu próximo em seu próprio proveito; pois, a rigor, o amor-próprio significa querer só para si o amor de um outro para o próprio prazer, sem lhe retribuir a mínima centelha de amor.

4. É este o sentido espiritual originário da Lei. Mas alguém dirá:

5. Pelo visto, aqui se dá o sentido da letra; se este tivesse sido dado logo no início, muitas aberrações teriam sido evitadas. — Digo eu: É de fato assim. Quando se fende uma árvore pelo meio, seu cerne é posto à luz, podendo ser tão facilmente contemplado como antes a cortiça.

6. Mas o Senhor sabiamente encobriu o sentido interior numa imagem exterior material, a fim de que este sentido interior sagrado e vivo não fosse atacado e destruído por pessoas malévolas, o que poderia ter causado o maior dano em todos os céus e mundos. Por esta razão disse o Senhor: "Estas coisas devem ser ocultadas aos grandes e potentes sábios do mundo, e reveladas apenas aos fracos pequeninos."

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7. Já nas coisas da natureza, encontramos o mesmo princípio. Suponhamos que o Senhor tivesse criado as árvores de maneira que seu cerne e os principais órgãos vitais se encontrassem no exterior do tronco. Dizei vós mesmos a quantos perigos uma árvore seria exposta em cada segundo?

8. Sabeis que quando o cerne duma árvore vem sendo de propósito traspassado, ela está perdida. Se algum verme nocivo rói de parte a parte a raiz principal que está intimamente ligada ao cerne da árvore, esta murcha. Quem não conhece o maligno escaravelho? Que faz ele às árvores? Ele rói primeiro a madeira e penetra aqui e ali nos órgãos principais da árvore, que em seguida morre. Se a árvore, apesar de estar bem protegida pela sua constituição natural, já se acha exposta a vários perigos vitais, quantos não seriam estes, se os principais órgãos vitais ficassem no exterior do tronco?

9. Vede, o mesmo acontece — mas de modo infinitamente mais delicado — com a Palavra do Senhor. Fosse seu sentido interior logo no início exposto exteriormente, há muito não haveria mais religião alguma entre os homens. Teriam roído e arranhado a parte vital deste sagrado sentido interior, da mesma maneira que aplicaram à cortiça exterior da árvore da vida. Há muito a sagrada cidade interior de Deus teria sido destruída, não ficando pedra sobre pedra, como fizeram à antiga Jerusalém e também à palavra exterior com seu sentido exclusivamente literal.

10. Pois a Palavra de Deus no seu sentido exterior, literal, como a tendes diante de vós na Escritura Sagrada, é tão diferente do texto original, como a mísera vila da Jerusalém atual difere da antiga metrópole que era Jerusalém.

11. Mas toda esta alteração, este desmembramento e também esta abreviação no único sentido exterior literal não está prejudicando o sentido interior, porque o Senhor, na Sua sábia Providência, desde eternidades constituiu a Ordem, de maneira que a mesma Verdade Espiritual pode ser preservada intacta e transmitida sob as mais diversas imagens exteriores.

12. O caso seria bem diferente, se o Senhor tivesse dado a Verdade intrínseca espiritual de forma nua, sem protegê-la por um invólucro exterior. Esta Santa Verdade viva teria sido roída e destruída à vontade, e assim, toda vida teria sido perdida.

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13. Mas, sendo o sentido interior tão ocultado que o mundo jamais o poderá descobrir, a vida continua protegida, mesmo se sua veste exterior fosse dilacerada em mil pedaços. E quando o sentido interior da Palavra vem a ser revelado, soa como se fosse idêntico ao seu sentido exterior, podendo igualmente ser expresso por sons ou palavras articuladas. Mas isso não altera em nada o assunto. Mesmo assim, ele continua sendo um vivo sentido interior, espiritual, podendo ser reconhecido com tal pelo fato que abarca a inteira Ordem Divina, ao passo que a imagem (exterior) que o contém só exprime uma relação especial que jamais pode ter um valor geral, como pudemos ver.

14. Uma pequena consideração suplementar evidenciará claramente como a imagem usada para o Mandamento aqui tratado é somente um invólucro exterior, e como seu sentido ocultado, que ora publicamos, é de fato um vivo sentido intrínseco, espiritual.

15. O 10.o Mandamento em sua imagem exterior é conhecido; interiormente soa assim: "Não tenhas desejo do amor de teu irmão ou de tua irmã!"

16. Mas, por que este Mandamento de sentido rigoroso para a vida foi envolvido na imagem da mulher que não deve ser cobiçada?

17. A este propósito, chamo a vossa atenção para uma Palavra do próprio Senhor, onde Ele Se pronuncia sobre o amor do homem pela mulher: "Por esta causa o filho deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher".

18. O que o Senhor quer indicar com isso? Que o amor mais forte do homem nesta Terra é aquele pela sua mulher. Pois, o que mais ama o homem dentro da ordem terrestre do que sua boa e querida mulher? Portanto, concentra-se na mulher todo o amor do homem, como também a mulher na sua natureza não ama nada mais do que o homem que corresponde ao seu coração.

19. Assim, é no símbolo da mulher que todo o amor do homem, ou do ser humano em geral, é representado neste Mandamento, porque a mulher não é, a sério, senão um tenro invólucro exterior do amor do homem.

20. De posse desta explicação, a ninguém pode mais passar desapercebido que a expressão simbólica: "Não cobiçarás a mulher do

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teu próximo!" diz apenas: "Não desejarás, para o teu proveito, o amor do teu próximo!", isto é: o amor total, dado que também a mulher contém no mundo todo o amor do homem.

21. Considerando isto com certa justeza, vereis claramente que todas as indeterminações exteriores que encontramos na imagem da Lei exterior, são em realidade meras determinações gerais, interiores. Veremos logo, o porquê disso.

22. Vede, o "tu" é indefinido. Por que? Porque assim, pelo sentido intrínseco, cada qual é compreendido, tanto o homem como a mulher. Também a "mulher" é indefinida, porque não está sendo indicado se se trata de uma idosa ou jovem, se de uma só ou de várias, se de uma moça ou viúva. Por que não foi definido? Porque o amor do homem é um só, não entrado no caso se a mulher é idosa ou jovem, se viúva ou moça; mas ela, como o amor, é única em cada ser humano. E é este amor que ninguém deve desejar, porque constitui a vida peculiar de cada homem. Aquele que nutre por este amor um desejo interesseiro, invejoso ou avarento é de certo modo um assassino potencial do seu próximo, por querer apoderar-se do amor ou da vida dele para seu próprio proveito. — Igualmente, o "próximo" é indeterminado. Por que? Porque no sentido intrínseco, cada um, sem distinção de sexo, é compreendido.

23. Penso não terdes mais dúvidas sobre o sentido intrínseco que vos manifestei como sendo o único verdadeiro, porque engloba tudo.

24. Talvez alguns dentre vós se ufanem agora, iluminados apenas pela fraca luz lunar, nos seguintes termos: Neste caso, não constitui pecado ter relações sexuais com a mulher ou as filhas do próximo, ou de pedir-lhes o consenso para tal. Aqui eu digo: Alto lá, querido amigo! Te enganaste redondamente! Constando que não deves cobiçar o amor do teu próximo, isto é, todo o seu amor, — não se compreende com isso tudo aquilo que lhe importa muito na vida? Vê, desta maneira o Mandamento opõe-se ao teu desejo, não apenas quanto à mulher e às filhas do teu próximo, mas a tudo aquilo que o amor de teu irmão engloba.

25. Por esta razão, os dois últimos Mandamentos foram inicialmente dados como um só. A única diferença é que no Nono Mandamento

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exige-se o respeito ao amor do próximo de modo particular, ao passo que o Décimo Mandamento o apresenta em seu sentido intrínseco para a sua observaçáo geral.

26. É evidente para qualquer um que é proibido cobiçar a mulher e as filhas do próximo. Por comparação, valha: ao dar a alguém um boi, dá-se também suas extremidades, sua cauda, seus chifres, suas orelhas e seus pés, etc... — Outro exemplo: Se o Senhor desse a alguém um mundo, Ele o daria certamente com tudo o que há nele, e não diria: Apenas o interior do mundo é teu; a superfície pertence a Mim.

27. Penso que não se pode explicar tudo isso de maneira mais clara. Conhecemos, pois, perfeitamente o verdadeiro sentido intrínseco deste Mandamento, como vigora eternamente em todos os céus e condiciona a bem-aventurança de todos os anjos, frustrando ao mesmo tempo todas as objeções. Chegamos, pois, ao fim e podemos nos dirigir logo à brilhante décima primeira sala à nossa frente. Aí teremos a confirmação clara de tudo o que foi explicado até aqui, como se fosse resumido em um único ponto. Entremos, pois! —

Undécima sala ---11.o Mandamento --- O Amor a Deus

1. Já estamos nesta sala e avistamos em seu centro, numa grande coluna resplandecente, uma lousa redonda que brilha como o sol, e tem em seu meio, em rubi-luminoso, esta escrita:

2. "Amarás a Deus, teu Senhor, acima de tudo, de todo coração, e com todas as forças vitais que Deus te deu!"—

3. Além deste magnífico quadro solar de importante conteúdo, avistamos também, mais do que em qualquer outra sala, grande número de crianças já crescidas as quais, ou contemplam a lousa, ou conferenciam com seus professores que se acham ali quais estátuas, em profunda meditação, com as mãos cruzadas sobre o peito. Sabemos, pois, tratar-se aqui de algo sumamente importante.

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4. Quanto a isso não há dúvida, dirão alguns; mas, considerando tudo mais de perto, este Mandamento inscrito no quadro solar não diz outra coisa do que todos os outros Mandamentos em conjunto. Poer que então este quadro é tão brilhante, ao passo que todas as anteriores dez lousas eram de um branco simples, e sua inscrição de uma substância escura? Esta observação não deixa de fazer sentido, mas aqui ela perde seu valor, da mesma maneira como uma única Palavra da Boca do Senhor eclipsa as demais doutrinas e afirmações.

5. A grande Natureza nos fornece dia a dia uma evidente elucidação do assunto. Cada noite, milhares e milhares de luzes de menor e maior tamanho brilham na abóbada celeste sobre a Terra sombria. A própria Lua se acha frequentemente a noite toda no firmamento. Além destes magníficos astros, os homens acendem à noite outras tantas luzes artificiais na Terra.

6. Poder-se-ia pensar que tal abundância de luzes faria as noites na Terra insuportáveis pelo excesso de luz. Mas a experiência sempre mostrou que, após o pôr-do-sol, o céu se torna cada vez mais escuro, apesar de se acenderem na Terra mais e mais luzes com a descida do Sol abaixo do horizonte. Quem poderia negar a magnificência destas luzes? De fato, um medíocre admirador dos milagres de Deus, contemplando à noite o céu estrelado, deve bater-se no peito e dizer: Ó Senhor, não sou digno de caminhar neste Teu Sacrário, no imenso Templo de Tua Onipotência! − Deveras, em cada noite pode-se exclamar com toda razao: Ó Senhor! Quem contempla as Tuas Obras acha um vaidoso prazer nisso!

8. Por que vaidoso? Porque cada homem, em seu prazer e enlevo, tem, em verdade, bastante razão de sentir devoção e vaidade, pois quem criou estas maravilhas é seu Pai!! Assim, cada um tem justamente um sagrado direito de alegrar-se quando, recolhido, contempla numa noite as grandes obras maravilhosas de seu Pai Onipotente. Deveras, a chama duma lâmpada ou duma lareira não é menos uma maravilha do Pai Onipotente do que as luzes brilhantes das inúmeras estrelas do céu!

9. E vede agora: A Palavra do Antigo Testamento iguala em esplendor, em todas as suas partes, esta maravilha que merece nossa admiração.

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10. Avistamos neste velho céu ainda cheio de trevas da noite, uma infinidade de luzes maiores e menores. Seu brilho é resplandecente e quem as contempla sempre se enche duma secreta e santa veneração. Por que? Porque seu espirito pressente algo maior atrás destas luzes. Sua distância, porém, é ainda demasiadamente grande. Ele bem pode olhar, tentar alcançá-las e senti-Ias, mas as luzes pequenas não se aproximam, com seu grande conteúdo, do seu espírito investigador.

11. Mas quem são estas luzes celestes no velho Céu do espírito?

12. Vede: São todos os patriarcas, profetas, instrutores e guias do povo que conheceis, e que são cheios do Espírito de Deus. — Porém, na Terra existe também uma multidão de luzes artificiais; quem seriam elas no Antigo Testamento? São aquelas pessoas estimáveis que viviam fielmente conforme a Palavra dos homens inspirados, e cuja vida inspirou e aliviou o seu próximo.

13. Assim, sempre temos esta magnífica cena notuma diante dos nossos olhos. É verdade que às vezes tempestades parciais noturnas escurecem aqui e ali os raios do céu com suas nuvens apressadas. Mas a mesma tempestade que primeiro eclipsou com uma nuvem inimiga da luz a esplêndida abóbada estelar, a empurra agora para abaixo do horizonte, tornando o firmamento mais puro do que antes. Todos receiam uma tal breve tempestade, desejando que a noite adquira logo sua paz e esplendor, iluminada por milhares de luzes. Mas um naturalista vos dirá que tais tempestades são apenas os costumeiros precursores da aurora; nenhum medo seria, pois, justificado.

14. E isso é verdade. Pois, onde grandes forças são metidas em obras, pode-se justamente concluir: Aqui, uma causa maior sim, a maior de todas — não pode estar longe, pois ventos fracos são apenas correntes laterais de um grande furacão não muito distante. Assim, nosso naturalista tem razão, e podemos ainda recrear-nos com o magnífico esplendor da noite encantada. −

15. Semelhantes aos namorados, vagueamos debaixo das muitas janelas do grande palácio e, cheios de fantasia e desejo, dirigimos nossos olhares às aberturas fracamente iluminadas da casa, atrás das quais pressentimos o objeto do nosso amor.

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16. Muitos pressentimentos, mil pensamentos carregados de grave contendo atravessam, quais estrelas cadentes, nosso céu de amor, mas nenhuma dessas fugazes luzes efêmeras bastará como bálsamo à sede de nosso amor.

17. O mesmo se dá também com o homem no velho céu estrelado noturno do espírito. Mas o que acontece? Na alvorada, o horizonte começa a tingir-se de vermelho, tornando-se, no lugar do nascer do sol, cada vez mais claro. Lançando mais um olhar ao céu há pouco tão esplêndido, o que se vê? Nada mais do que o desaparecimento paulatino de cada estrela. −

18. O Sol, no seu esplendor eterno, nasce a cada dia, e não se pode descobrir nenhuma estrelinha no céu, pois o Sol com sua única luz tornou cada átomo celeste mais claro, do que todas as inúmeras estrelas em conjunto teriam sido capazes de efetuar.

19. Para o apaixonado, na sua entusiasmada mas frustrada expectativa durante toda a noite, só uma única janela naquela casa é significativa para ele. Ao abrir-se, ele é saudado pela sua amada e lhe diz com um só olhar amoroso mais do que suas inúmeras fantasias e pensamentos durante a noite!

20. Assim, a grande Natureza nos oferece todos os dias um espetáculo que corresponde perfeitamente à cena espiritual que descrevemos.

21. Vemos a Lua minguante, qual Moisés, descer com sua luz empalidecida atrás da montanha notuma, quando o Sol poderoso sobe no horizonte. E tudo aquilo que a noite cobriu com sua misteriosa escuridão está agora em plena luz diante de todo o mundo!

22. Tudo isso é o efeito do Sol. E no Céu Espiritual, tudo é causado pelo único Senhor, Jesus, que — só Ele — é o único Deus do Céu e de todos os mundos!

23. E o que Ele é em Si como o Sol Divino entre todos os Sóis — cada Palavra de Sua Boca o é em comparação com as inúmeras palavras proferidas pelos patriarcas e profetas inspirados. No Antigo Testamento encontramos inúmeras admoestações, leis e prescrições: são estrelas e luzes artificiais na noite. Então chega o Senhor: Ele diz UMA só Palavra, e essa Palavra pesa tanto quanto o Antigo Testamento inteiro.—

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24. E vede, é por esta razão que essa única e primeira Palavra aparece aqui, na Undécima Sala, qual Sol resplandecente cuja Luz ilumina inúmeras estrelas, sem jamais precisar se servir, em toda a Eternidade, do reflexo da luz delas. Pois Ele é a Luz Original da qual todas as inúmeras estrelas receberam sua Luz parcial.

25. Assim, é bem compreensível porque os anteriores dez quadros eram apenas de um branco fosco, ao passo que aqui o vemos inundado da Eterna luz Solar que não precisa de uma luz precursora ou notuma, já que contém em si mesma TODA A LUZ. Quem tomar isso a peito, compreenderá perfeitamente por que o Senhor disse: "Esse Mandamento de Amor contém Moisés e todos os profetas." Com outras palavras: Durante o dia, não se percebem mais as estrelas, nem se precisa mais de sua luz, uma vez que toda sua cintilação é mil vezes compensada pela única luz do Sol. — Provaremos em seguida que este sentido do nosso quadro é a plena verdade.

O Amor de Deus — O princípio original de todas as criaturas

1. O Amor de Deus é o princípio original de todas as criaturas, pois sem Ele jamais algo teria podido ser criado. Este Amor corresponde ao calor que cria e vivifica tudo; e é só o calor que faz verdejar a terra sob vossos pés.

2. O calor orna de folhagem a rígida árvore e a faz florescer, e amadurecer seus frutos. Nada, nenhum ser ou objeto na superfície terrestre poderia originar-se na falta total de calor.

3. Objetar-se-á: O gelo, mormente o gelo polar, carece sem dúvida de todo calor; não há termômetro que possa descobrir, num frio de quarenta graus negativos, algum traço de calor. — Aqui respondo: Os sábios da Terra não inventaram ainda o instrumento pelo qual poderiam isolar o elemento específico do calor daquele do frio, permitindo assim a medição exata da temperatura. Conosco que nos encontramos no centro do puro conhecimento interior, foi introduzida e está em uso uma medida bem diferente.

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4. Os sábios da Terra começam a medir o frio no ponto em que a água congela. Se é verdade que o próprio frio começa na marca zero do termômetro, gostaria de conhecer a razão, as leis e a maneira como o frio pode aumentar? Por que uma temperatura de 4 a 5 graus negativos é considerada ainda como sofrível, mas ela descendo até 18 graus negativos, o frio já é muito aflitivo. Não se poderia dizer então com plena razão: 18 graus negativos se fazem mais sentir do que 4 graus, porque com 4 graus há ainda mais calor do que com 18 graus? E 18 graus seriam já o frio mais intenso? Não, porque já se registram temperaturas com 30 graus negativos, muito mais aflitivos do que as com 18 graus. Por que? Porque incluíram muito menos calor do que as com 18 graus. E 40 graus abaixo de zero serão ainda mais dolorosos do que 30 graus. Mas poderíeis declarar os 40 graus como totalmente desprovidos de calor?

5. Digo-vos que se trata somente de transições de calor para o, frio, e vice-versa. Eis porque podemos aplicar a seguinte maneira de medir, muito mais justa:

6. Cada coisa, cada corpo ainda suscetível de aquecimento, não pode ser chamado de totalmente frio, pois contém um grau de calor correspondente ao seu tamanho e densidade. Um bloco de gelo do extremo norte pode ser derretido pelo fogo e levado até a ebulição. Nunca este gelo poderia ser aquecido, se não contivesse um certo grau de calor latente.

7. Frio é, por conseguinte, aquela característica de um ser na qual não há mais possibilidade alguma de aquecimento. Deste feito, e com toda razão, até a formação do gelo no Pólo Norte pode ser atribuída exclusivamente à reação do calor que — em face da ameaça pelo frio — agarra seus corpúsculos, os contrai e solidifica a fim de poderem resistir mais firmemente ao próprio frio.

8. O calor é, pois, igual ao amor; o verdadeiro frio, porém, à falta infernal de amor. Onde essa quer se manifestar de modo dominante, contra ela se arma o amor que vivifica e conserva tudo, impedindo assim a vitória do frio propriamente dito que destrói tudo.

9. O que quer, então, dizer: "Ama a Deus acima de tudo!"? Considerado sob o ponto de vista natural, só pode significar:

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10. Une o calor vital que Deus te deu, ao calor original de teu Criador que te deu a vida e a mantém, e não a perderás mais em toda a eternidade.

11. Mas se separares volunrariame o teu amor, ou teu calor vital, do calor original Divino, querendo te afirmar de certo modo como um ser independente e autoritário, o teu amor ficará sem alimento.

12. Passarás com isso para um grau de frio cada vez maior. E quanto mais desceres para graus de crescente frio, mais difícil te será aquecer-te de novo. Mas se tiveres atingido o frio absoluto, terás te tornado completamente presa de Satanás, porquanto — em teu frio absoluto — terás perdido a faculdade de reaquecimento!

13. Qual será, então, tua sorte posterior, — nenhum anjo do Céu poderá dizer-te.

14. É verdade, porém, que em Deus há profundezas insondáveis. Mas quem poderá explorá-las sem perder a vida? Creio que esta breve consideração preliminar permitirá compreender porque este Mandamento, esta única Palavra do Senhor, é a soma de tudo, um Sol de todos os Sóis e uma Palavra de todas as Palavras. A seguir, diremos ainda mais a esse respeito. —

O que quer dizer: "Amar a Deus acima de tudo"?

1. Eis chegando alguém que diz: Tudo estaria bem, mas como esta única Palavra Divina deveria se realizar para com o próprio Deus? Como se deveria amar a Deus em realidade, e isso acima de tudo? Espera-se de nós que nos enamoremos de Deus assim como um jovem noivo de sua bela e rica eleita? Ou deveríamos nos apaixonar por Deus como um matemático por seus cálculos, ou um astrônomo por suas estrelas? Ou ainda como um especulador por suas mercadorias, um capitalista por sua fortuna, um latifundiário por suas terras, ou ainda como um monarca reinante por seu trono? Estas são as únicas possíveis referências de um sério amor humano, pois o amor dos filhos a seus pais não pode ser tomado em conta, uma vez que o exemplo

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ensina que os filhos podem deixar seus pais, quer para fazer um bom casamento, quer para ganhar muito dinheiro ou ocupar um alto cargo honorífico. E tudo isso — sendo de estímulo mais forte —coloca o amor dos filhos para com seus pais em segundo plano. Eis porque mencionamos aqui apenas os exemplos de atrativo mais potente do amor humano; mas qual deles pode servir de medida comparativa para o Amor a Deus?

2. Ora, se alguém vem nos dizer: 'Deve ser com este ou aquele amor!' — vou replicar: Isso não pode ser!

3. É verdade que as escalas de amor que apresentei são, sem dúvida, as únicas que permitem avaliar a maior força do amor do homem; mas consta que deve-se amar a Deus acima de tudo, o que quer dizer: mais do que tudo que há no mundo.

4. Daí a pergunta: Como proceder para levar o amor a uma potência que fica além de conceito mensurável ou comparável pelo espírito humano? Talvez se diga: Deve-se amar a Deus ainda mais do que a própria vida. Retruco: O maior amor a Deus suporta ainda menos uma comparação com o amor à própria vida do que com o amor dos filhos a seus pais. Pois é necessário muito para as crianças arriscarem sua vida por amor a seus pais; ao contrário, preferem ver seus pais arriscarem a vida e a morte por elas.

5. Assim, o amor-próprio das crianças não raramente parece ser muito mais potente do que seu amor aos pais. Por outro lado, constatamos que os filhos muitas vezes arriscam sua vida quase com desprezo, por outras vantagens. — Um veleja no oceano durante noites procelosas; outro afronta a impetuosa linha de batalha; um terceiro desce para profundezas pouco seguras da Terra na esperança de descobrir tesouros de metal. Vemos por aí que estes valores exteriores de amor humano, de séria apreciação mundana, são mais fortes e têm valor mais generalizado do que o amor dos filhos para com os pais ou a própria vida.

6. Mas, para que servem todas estas escalas, se o Amor a Deus ocupa uma tal potência acima delas, que relega todas as outras escalas de amor para o puro nada? Vede, meus caros amigos e irmãos, nosso opositor nos causou um severo ataque, e precisaremos de todas as nossas forças para contestá-lo com sucesso.

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7. Mas vejo neste instante alguém que assume, com ar sério, o papel de defensor. Muito certo de sua vitória, ele diz: Oh, com essa objeção facilmente chegaremos à solução, pois o Senhor nos deu, Ele Mesmo, a medida de como se deve amar a Deus. Basta repetir Suas Palavras: "Quem observa Meus Mandamentos, é aquele que Me ama". — Eis a verdadeira medida de como se deve amar a Deus.

8. Que o opositor tente estabelecer outra insuperável balança de amor! Ouçamos o que tem a nos dizer, pois já se prepara para proferir seus argumentos. Ele diz:

9. Bem, meu caro e amável contestador! Na tua réplica a respeito da medida para o máximo amor a Deus não me provaste mais do que uma boa memória que te permite citar muitos textos da Escritura Sagrada. Mas vê, quem quer tirar um vivo proveito de todos os textos deve não apenas conhecer o seu teor, mas também compreender vivamente o seu sentido interior.

10. Que dirias se te citasse, não apenas um, mas vários pronunciamentos do Próprio Senhor, dos quais resulta que o simples cumprimento da Lei não é suficiente para o amor? Conjeturas: Textos deste gênero são certamente bastante raros na Escritura! — Mas te respondo: Caro amigo, de modo nenhum! Presta atenção, pois te mostrarei logo meia dúzia, se quiseres!

11. Conheces o colóquio do Senhor com o jovem rico? Este perguntou: "Mestre, o que devo fazer para conquistar a Vida Eterna?" — O que respondeu o Senhor? Já pressinto tua resposta, com ar de triunfo: "Guarda os Mandamentos e ama a Deus, e viverás!" — Bem, digo, mas o que responde o jovem? Ele diz: "Mestre, tudo isto tenho observado desde minha infância".

12. Está certo. Mas por que, pergunto, deu o jovem esta resposta ao Senhor? Ele queria dizer com isso: Apesar de ter observado tudo isto desde minha infância, não sinto nada em mim de uma maravilhosa Vida Eterna.

13. Por que declara agora o Senhor ao jovem, que guardar os Mandamentos para conquistar a Vida Eterna ainda não é suficiente; mas acrescenta o grave complemento: "Vende, então, todos os teus bens, reparte-os com os pobres e segue-me!"

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14. Pergunto: Se o mesmo Senhor acrescenta este conseiho, podem as leis observadas serem a suficiente prova do máximo amor a Deus? Eis uma objeção séria; mas continuemos!

15. O que diz o Senhor aos Seus apóstolos e discípulos quando lhes recomenda o cumprimento de seus deveres? Nada mais do que as simples palavras cheias dc gravidade: "Depois de terdes feito todo o vosso dever, confessai que sois servos preguiçosos e inúteis!"

16. Pergunto-te: Será que o Senhor define como suficiente guardar os Mandamentos, se declara que aquele que cumpre perfeitamente a Lei deve considerar-se como servidor inútil? Vê, esta é a segunda objeção de peso mais grave. Continuemos, porém!

17. Conheces a parábola do fariseu e do publicano no Templo? O fariseu testemunha fielmente, com satisfeita consciência diante do Santuário, ter sempre observado minuciosamente todos os Mandamentos de Moisés, o que muitos outros não podem afirmar. O pobre publicano, porém, atrás num canto do Templo, deixa perceber, pela sua atitude humilde e contrita, que estava faltando muito ao cumprimento do Lei Mosaica. Cônscio de seus pecados, nem se atreve a levantar seus olhos para o Santuário de Deus, mas confessa sua falta de valor perante Ele, suplicando por Sua clemência e misericórdia.

18. Ora, gostaria de saber de ti, meu amigo perito nos textos, o seguinte: Se é suficiente observar a Lei, por que o Senhor despede o fariseu sem justificação, apesar de ele ter observado rigorosamente toda a Lei, enquanto que o pobre publicano pecador pode sair justificado do Templo?

19. Considerando tudo isso, parece que o Senhor, pela terceira vez, mostrou a insuficiência da mera observância da Lei. Encolhes os ombros e não sabes o que argumentar. Não te importes com isso; vejamos ainda mais.

20. O que dirias, se te citasse um texto da Escritura, precisamente da Boca do Próprio Senhor, onde ele declara indiretamente ser toda a Lei nula, substituindo-a por outro meio bem diferente, pelo qual Ele Mesmo, unicamente, garante o alcance da Vida Eterna?

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21. Tu me dizes: Caro amigo, gostaria também de conhecer esse texto. — Ei-lo então: O que disse o Senhor quando encontrou no caminho uma criança tomando-a no colo e acariciando-a? "Se não vos tornardes como esta criança, não entrareis no Reino dos Céus!"

22. Pergunto: Será que esta criança que mal podia balbuciar algumas palavras e jamais estudou as Leis de Moisés, vivia estritamente conforme elas? Ninguém no mundo inteiro seria tão tolo de afirmar afirmar isso. Pergunto então: Como pôde o Sennor declarar uma criança como exemplo para alcançar a Vida Eterna, uma criança que nunca teve o mínimo conhecimento da Lei de Moisés? − Amigo, nada mais posso dizer-te agora; apenas: Se queres, podes me contestar a respeito. — Te calas. — Concluo assim que, em vista da 4.a objeção, te retiras do debate. —

Em que consiste o Amor a Deus?

1. Estes quatro pontos te mostraram que, para o Senhor, a mera observância da Lei não é suficiente para alcançar-se a Vida Eterna, sendo que no quarto ponto até a revoga indiretamente.

2. Mas o que dirias se te indicasse umas passagens onde o Senhor até desaprova a observância da Lei? Isto não te parece possível! Mas posso te citar mais do que um exemplo. Escuta, pois:

3. Todo conhecedor da Lei Mosaica deve saber quanto importava a Moisés que o povo judeu cultivasse a hospitalidade. Era declarado passível de castigo quem pecava contra a hospitalidade. E como o povo judeu era muito inclinado à cobiça, a lei da hospitalidade foi-lhe tanto mais inculcada para resguardá-lo do amor-próprio e da cobiça, e guiá-lo ao amor ao próximo.

4. Portanto, era lei receber um hóspede forasteiro e servi-lo com toda atenção, sobretudo tratando-se de um conterrâneo judeu; e esta Lei provinha de Deus, pois Deus, e não Moisés, era o legislador.

5. Mas, quando o Mesmo Senhor, que outrora promulgara as Leis por Moisés, vem a Bethânia, na casa de Lázaro, — Martha, atendendo à Lei, esforça-se ao máximo para servir com toda dedicação este digníssimo hóspede. Maria, sua irmã, cheia de alegria pelo

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ilustre visitante, esquece-se da Lei e, sem tornar qualquer providência, senta-se aos pés do Senhor para ouvir, com a máxima atenção, seus contos e parábolas. Martha, solícita e algo irritada pela ociosidade de sua irmã e seu esquecimento da Lei, dirige-se então ao Senhor com as palavras: Senhor, estou tão ocupada, dize a minha irmã que me ajude um pouco! — ou, mais claramente falando: Senhor, Tu que fundaste a Lei Mosaica, lembra minha irmã que a observe!

6. Mas o que diz o Senhor? "Martha, andas inquieta com muitas coisas mundanas! Maria, porém, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada em eternidades."

7. Dize-me, meu caro amigo, se o Senhor, com isto, não repreendeu obviamente a solícita e meticulosa observância da Lei, louvando, ao contrário e em termos enfáticos, aquela que de certo modo não cuidou da Lei inteira, mas cuja atitude poderia ser descrita com as seguintes palavras:

8. (Maria) Senhor, contanto que possua a Ti, o mundo inteiro pouco me importa! — Não temos aqui novamente o testemunho do Senhor de que a simples observância da Lei não dá a ninguém a melhor parte que não lhe será tirada eternamente? Eis, pois, a quinta objeção. Mas continuemos!

9. O que diz o próprio Senhor por Moisés, no Terceiro Mandamento: "Deverás santificar o Sábado!"? Mas, o que faz o Senhor na presença dos que cumprem literalmente a Lei? Ele, em Pessoa, profana aparentemente o Sábado no sentido literal da Lei e permite a Seus discípulos apanharem espigas nesse dia e se saciarem com os grãos. Como te agrada esta observância da Lei Mosaica quando o Senhor, e não apenas a título pessoal, desfaz por assim dizer o Sábado inteiro, provocando o maior escândalo dos cumpridores literais da Lei? Dirás que o Senhor pôde fazê-lo por ser também um Senhor do Sábado.

10. Mas, será que os fariseus escandizados sabiam que o filho do carpinteiro é também um Senhor do Sábado? Opinas que eles deveriam tê-Lo reconhecido por Suas Obras milagrosas. Digo, porém: Para este povo, obras milagrosas não eram suficientes para reconhecer-se a perfeita Divindade em Cristo, pois, todos os profetas em todos os tempos operaram obras milagrosas, tanto os genuínos como

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às vezes também os falsos. Portanto, não se pode pressupor que os milagres de Cristo deveriam ter convencido os fariseus do esplendor de Sua Divindade.

11. Todos os profetas antes Dele santificaram o Sábado; só Ele o desprezou. Não era isto necessariamente um escândalo para os cumpridores literais da Lei? Sem dúvida, mas mesmo assim o Senhor foi intransigente.

12. O que se pode deduzir disto? Nada mais do que, para o Senhor, a mera observância do Mandamento, vista .por si só, fica em último lugar. Por que? Uma pequena parábola da tua própria esfera e da de todos os homens que já viveram no mundo, te dará a resposta:

13. Um pai tinha dois filhos aos quais comunicou sua última vontade. Mostrando-lhes um campo e uma vinha, disse: Já vos tornastes fortes, e assim exijo de vós que cultiveis por mim diligentemente a vinha e o campo. Vossa dedicação me mostrará qual de vós dois me ama mais. Eis a lei que determina que a soberania do pai pertencerá àquele filho que tem o maior amor ao pai.

14. O que fazem os dois filhos? Um pega a enxada e cava com afinco a terra o dia todo, lavrando campo e vinha. O outro faz o trabalho mais à vontade, pois raciocina: Estando no campo ou na vinha, sempre fico longe do meu querido pai; além disso, não me importa tanto a soberania como a meu irmão. Contanto que esteja com meu querido pai, ficando perto dele, meu coração está plenamente satisfeito, e pouco me importa quanto será meu na partilha.

15. De vez em quando, o pai se dirige a este seu segundo filho: "Vê com que dedicação teu irmão trabalha procurando merecer meu amor." Mas o filho diz: "Querido pai, ficando no campo, estou longe de ti e meu coração não me dá sossego, mas em mim fala em voz alta: O amor não habita na mão, mas no coração; por isso, deve ser merecido não com a mão, mas com o coração. Dá, meu pai, o campo e a vinha a meu irmão que trabalha com tanto afinco. Quanto a mim, sou suficientemente recompensado, se me permites poder amar-te de todo coração, pois quero e devo amar-te sempre, porque és meu pai e és tudo para mim."

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16. O que lhe dirá então o pai, do fundo do seu coração, senão:

17. "Sim, meu filho muito querido, teu coração descobriu o meu; quanto à lei, era somente um teste. Meu filho, o amor não está na lei, pois aquele que só observa a lei, o faz por amor-próprio para ganhar com isso, pelo seu trabalho, meu amor e minha soberania. Quem observa deste modo a lei está ainda longe de meu amor, pois seu amor não está ligado a mim, e sim à recompensa.

18. Mas tu tomaste uma atitude contrária, não desprezando, na verdade, a lei porque dada por teu pai, mas elevando-te para acima dela, e teu amor te reconduziu a um ponto mais elevado, ao teu pai. Por conseguinte, teu irmão herdará o campo e a vinha e assumirá a minha soberania; mas tu, meu filho muito amado, terás aquilo que procuraste: teu pai mesmo, e todo o seu amor!"

19. Penso, meu caro amigo, que esta parábola te evidenciará claramente o que tem mais valor: a mera e seca observância da lei, ou, passando-a por alto, ficar só no amor.

20. Se tiveres ainda alguma dúvida, pergunto: Suponhamos teres de escolher entre duas noivas, estando convicto do sincero amor de ambas, sem saberes, no entanto, qual delas te ama mais. Não gostarias de chegar a sabê-lo, a fim de escolher aquela com amor mais, profundo? — Dizes: "Não há dúvida, mas como fazer?" — Verás que é fácil.

21. Eis que, visitando a primeira, a encontras muito ocupada. Por amor a ti, não sabe mais o que fazer, pois está muito atarefada confeccionando camisas, meias, coletes e outras semelhantes vestimentas para ti. E quando vens visitá-la, acontece várias vezes que nem te dá atenção, tão absorvida está em seus trabalhos. Eis a primeira. — A segunda também trabalha por ti, mas é mais indolente, de modo que seu coração está demais ocupado contigo e não pode dar sua atenção ao trabalho. Quando a visitas e ela te vê chegar de longe, nem se fala mais de trabalho; pois, para ela, não há nada mais elevado e meritório do que tu! Tu, unicamente, és tudo para ela; e ela daria o mundo inteiro por ti! Dize-me, qual das duas escolherias?

22. Dizes: Querido amigo! Por tudo no mundo prefiro a segunda; pois, o que me importa ter algumas camisas e coletes? Vê-se daí

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que a primeira só procura conquistar-me pelos seus méritos. Mas a outra procura conquistar-me pelo seu amor. Ela não se preocupa com seus méritos, só considerando a mim e a meu amor. É com ela que me casaria.

23. Digo então: Meu caro amigo, não vês agora claramente as atitudes de Martha e de Maria? Lembras-te do que o Senhor responde a Martha, toda ocupada para satisfazer à Lei, e o que diz a Maria, sentada e ociosa?

24. Deste exemplo podes concluir o que o Senhor exige de cada um, além da Lei, tornando bem claro em que consiste o amor do homem a Deus. — Pela mesma razão, o Senhor — irritado intimamente — amaldiçoa os que só cumprem a Lei ao pé da letra (isto é, os fariseus e escribas), enquanto elogia o publicano pecador; e torna o Reino dos Céus mais acessível aos ladrões, fornicadores e adúlteros, do que aos que se prendem apenas à letra da Lei.

25. Eis porque eu, o contendor, pergunto mais uma vez e com pleno direito, qual a medida que deve orientar o amor a Deus? Conhecendo esta medida, tenho tudo; não a conhecendo, amo a Deus como alguém que não sabe o que é o amor. Eis porque mais uma vez pergunto:

26. Como se deve amar a Deus acima de tudo? E eu, João, digo: Amar a Deus acima de tudo, quer dizer: AMAR A DEUS PARA ALEM DA LEI! — de que maneira, mostrarei em seguida.—

Como se ama a Deus acima de tudo?

1. Para compreender profundamente como se deve amar a Deus para além da Lei, é preciso saber que a Lei, a rigor, nada mais é senão o árido caminho que conduz ao verdadeiro Amor a Deus.

2. Quem começa a amar a Deus em seu coração, já percorreu este caminho; mas quem ama a Deus só pela observância da Lei, ainda é viajante no árido caminho onde não crescem frutos e onde muitas vezes salteadores e ladrões estão à espreita do viajante.

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3. Mas quem ama simplesmente a Deus, já O ama acima de tudo! Pois, amar a Deus acima de tudo, quer dizer amá-Lo para além de toda Lei. Quem está ainda em caminho deve progredir passo a passo, a fim de alcançar, com muito esforço, a meta prefixada. Mas quem já ama a Deus passa por cima do caminho inteiro, quer dizer, de toda a Lei, e ama destarte a Deus acima de tudo.

4. Aqui se poderia objetar: Isso soa estranho pois, segundo nosso entendimento, "Amar a Deus acima de tudo" quer dizer: amá-Lo mais do que tudo no mundo. — Pergunto então: Que medida possui o homem para medir um tal amor? O contendor explicou com suficiente clareza as medidas para o máximo possível amor do homem no mundo, mostrando deste modo não haver medida aplicável ao amor acima de tudo para com Deus.

5. Mas eu retruco: A Lei que foi dada ao homem já não demonstrou fartamente como ele deve se comportar na sua cobiça pelas coisas mundanas? Por conseguinte, tudo foi descrito na Lei, assim como as justas limitações para o amor humano que regulam sua atitude para com as coisas mundanas.

6. Mas se alguém ama a Deus além da Lei, certamente O ama também além de todas as coisas mundanas, pois já foi dito que é a Lei que demonstra o aproveitamento das coisas mundanas e seu enquadramento na Ordem Divina. Um breve aditamento comparativo evidenciará perfeitamente o assunto.

7. O Senhor diz ao jovem rico: "Vende tudo, reparte-o com os pobres, e segue-Me!" — O que quer dizer isso? Em outras palavras, nada mais do que: Se tu, jovem, observaste a Lei, ergue-te agora por cima dela, devolvendo ao mundo todas as leis e tudo o que é dele. Então fica Comigo, pois assim terás a Vida!

8. Quem não reconhecerá aqui o que quer dizer amar a Deus acima da Lei?

9. Além disso, o Senhor diz aos discípulos: "Se não vos tornardes como esta criança, não entrareis no Reino de Deus." O que quer dizer isso? Nada mais do que:

10. Se não chegardes a Mim como esta criança, sem reparar em tudo o que é do mundo, tanto na Lei como nas coisas do mundo, agarrando-vos a Mim com todo amor como esta criança, não entrareis

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no Reino de Deus! — E por que não? Porque o próprio Senhor fala novamente: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida!" Assim, quem quer chegar a Mim, que sou UM com o Pai, deve por Mim entrar no aprisco ou no Reino de Deus.

11. Enquanto alguém se agarrar ao próprio Senhor, não pode chegar a Ele, embora tivesse, qual pedra, invariavelmente observado mil leis. Pois, quem ainda se encontra em caminho, não chegou ainda ao Senhor; mas quem já está com o Senhor, o que teria ainda que lidar com o caminho?

12. Mas entre vós ainda há tolos, e isso às centenas de milhares, que tomam o caminho por muito mais importante do que o Senhor. E se já se achegaram Dele, voltam novamente para trás, afastando-se Dele, só para recomeçar o mísero caminho! Pessoas assim têm mais prazer na servidão e escravidão no duro jugo, do que no Senhor que liberta cada homem, e cujo jugo é suave, e leve o fardo. O jugo é suave para que não pese no percurso da vida sobre a nuca do Amor ao Senhor, e o fardo é bem leve, já que é a única Lei do Amor! — Um exemplo nos mostra isso:

13.0 fariseu justo exalta a si mesmo no caminho; mas o publicano acha todo o caminho muito penoso, pois não consegue enxergar sua meta. Por isso, ele se abaixa profundamente em seu coração diante do Senhor, reconhecendo sua fraqueza e incapacidade de seguir o caminho com justeza. Mas, em compensação, ele se agarra ao Senhor Deus com seu coração, vencendo assim d'um salto gigante todo o penoso caminho, e alcança sua meta!

14. Eis aqui um critério evidente do que quer dizer "amar ao Senhor acima de tudo". — Prossigamos, pois: Martha está ainda em caminho, mas Maria já alcançou a meta! Nada é preciso acrescentar, pois está plenamente claro o que quer dizer "amar ao Senhor acima de tudo."

15. Mas, querendo ainda uma elucidação mais clara, observemos a cena quando o Senhor pergunta três vezes a Pedro, se O ama. — Por que lhe pergunta três vezes, se certamente sabia que Pedro O amava, conhecendo também a idêntica resposta de Pedro, dada com o mesmo coração e a mesma boca. A pergunta não era, pois, motivada pela dúvida, mas visava a confissão de Pedro de estar inteiramente

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livre e que amava ao Senhor acima de toda Lei. Assim, a primeira pergunta: "Pedro, tu Me amas?" significa: Pedro, Me encontraste no caminho? − Diante da resposta afirmativa de Pedro, o Senhor lhe diz: "Apascenta os Meus cordeiros!", ou seja: Ensina também teus irmãos a Me encontrarem assim! — A segunda pergunta: "Pedro, tu Me amas?", quer dizer: Pedro, estás ao Meu lado, junto à porta? —Pedro confirma, e o Senhor lhe diz: "Pastoreia as Minhas ovelhas!", ou seja: Traze também os irmãos para que se encontrem Comigo na Porta para a Vida! — E pela terceira vez, o Senhor pergunta a Pedro: "Tu Me amas?", quer dizer: Pedro, chegaste a superar inteiramente a Lei? Estás em Mim como Eu estou em ti? — Inquieto, Pedro confirma isso, e o Senhor lhe diz novamente: "Então, apascenta as Minhas ovelhas e segue-Me!", o que quer dizer: Traze, pois, também os irmãos, para que fiquem em Mim, e habitem em Mim e na Minha Ordem e Amor, igual a ti.

16. Pois, seguir ao Senhor quer dizer: morar no Amor do Senhor. Ora, seria supérfluo acrescentar algo mais a respeito do que quer dizer "Amar a Deus acima de tudo." E como o sabemos agora, reconhecendo a Luz da Luz, dirijamo-nos logo à duodécima e última sala!

Duodécima sala — 12.o Mandamento — O amor ao próximo

1. Já entramos e avistamos, no centro desta grande e magnífica sala, novamente uma tábua que brilha como o Sol; ela tem em seu meio uma escrita em vermelho luminoso: "Este aqui é igual ao primeiro: que deves amar ao teu próximo como a ti mesmo; nisso consta a Lei e os profetas." — É de supor-se que logo alguém se adiantará dizendo: Como se deve entender isto: amar ao próximo como a si mesmo? O amor-próprio sendo um vício, também o amor ao próximo, que lhe é conforme, deve sê-lo, uma vez que se baseia nele. Querendo viver como um homem virtuoso, não devo amar a mim mesmo. Consequentemente, tampouco devo amar ao próximo, dado que o amor deve perfeitamente corresponder-se nos dois casos; pois "amar ao

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próximo como a si mesmo" significaria não amar ao próximo, como também não se deve amar a si mesmo.

2. Vede, esta seria uma objeção comum, contudo não difícil de contestar. De fato, o amor-próprio de cada um confundiu-se com a própria vida; é perfeitamente normal neste contexto, pois não se amar a si mesmo seria o mesmo que não ter vida!

3. Trata-se, pois, de reconhecer a diferença entre o amor-próprio legítimo e o não justificado.

4. O amor-próprio é legítimo quando seu desejo pelas coisas do mundo não é maior do que lhe foi atribuído na justa medida pela Ordem Divina, como foi suficientemente mostrado pelos Sétimo, Nono e Décimo Mandamentos. Nutrindo desejos além desta medida, o amor-próprio excede os limites fixados pela Ordem Divina, podendo-se considerar já a primeira transgressão como pecado. A mesma medida vale também para o amor ao próximo; pois quem amar um irmão ou uma irmã além desta medida, idolatra seu irmão ou sua irmã, tornando-os piores em vez de melhores.

5. Os atuais governantes dos povos, bem como os de todo o passado, são geralmente frutos de tal exagerado amor ao próximo. Por que? — Um povo qualquer afeiçoou-se a alguém de seu meio além da justa medida por causa de seus talentos brilhantes, elegendo-o seu soberano. Depois, teve que conformar-se com a dolorosa punição que lhe foi infligida por ele ou seus sucessores por causa deste defeito.

6. Alguém dirá aqui: Mas é indispensável que reis e soberanos governem os povos, sendo que a realeza foi instituída por Deus Mesmo. — Não quero pronunciar-me negativamente a esse respeito, mas sim mostrar a situação tal qual é, e como deveria ser.

7. O que disse o Senhor quando o povo israelita exigiu um rei? Nada mais do que: "A todos os pecados que este povo cometeu diante de Mim, juntou ainda o maior: o de exigir um rei, por estar insatisfeito com Meu Governo". — Ao meu ver, este pronunciamento demonstra claramente que Deus dá os reis aos povos não como bênção, e sim como julgamento.

8. Pergunta-se: É necessário que haja reis, ao lado de Deus, para governar os povos? Esta pergunta pode receber a mesma resposta que

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aquela outra: Precisava o o Senhor, na Criação do mundo e do homem, de algum ajudante?

9. Outra pergunta: Quais são os reis e príncipes que em qualquer tempo ajudaram o Senhor, e O ajudam ainda, a manter os mundos em sua ordem, guiando-os por suas órbitas? Que duque Lhe é necessário para os ventos, que príncipe para a distribuição da luz, e rei para controlar o infinito espaço com seus mundos e sóis? Se o Senhor é capaz, sem a ajuda de um príncipe ou rei humano, de cingir o Orion, alimentar o Cão Maior e manter em ordem perfeita o imenso Universo de mundos e sóis, precisaria Ele, então, instituir reis e príncipes que O ajudassem a tomar as necessárias providências junto aos homens desta Terra?

10. Remontemos à história primitiva de cada povo, e veremos que cada um tinha no início uma constituição puramente teocrática, quer dizer que não tinha outro soberano senão o único Deus. Só com o tempo, quando aqui e acolá os povos se tornaram insatisfeitos com o libérrimo Governo liberal de Deus, quando sob este regime todas as coisas andavam bem demais, eles começaram a afeiçoar-se uns aos outros de maneira exagerada. E geralmente, alguém se tornou centro desta afeição universal por causa de seus talentos excepcionais. E exigiram-no para dirigente. Mas não ficou nisso, pois o dirigente devia legislar, as leis precisavam ser sancionadas, e assim, o dirigente se tornou um senhor, um soberano, um patriarca, a seguir um príncipe, um rei e um imperador.

11. Imperadores, reis e príncipes jamais foram eleitos por Deus, mas apenas confirmados para o julgamento dos homens que os elegeram livremente de seu meio, concedendo-lhes plenos poderes sobre eles.

12. Creio que esta elucidação faz ver com suficiente clareza que todo excesso de amor-próprio, assim como do amor ao próximo, é um horror diante de Deus.

13. Amar o próximo como a si mesmo, quer dizer pois: amar o próximo segundo a Ordem Divina, ou seja, naquela justa medida que fora por Deus atribuída a cada homem desde o princípio. Para aqueles que não tiverem ainda a compreensão justa disso, vou juntar alguns exemplos que lhes mostrarão claramente as consequências de cada excesso.

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14. Suponhamos que numa aldeia vive um milionário. Será ele benfeitor desta aldeia, ou a arruinará? Veremos. O milionário vê que os bancos locais oficiais trabalham com base instável; o que faz ele? Vende suas obrigações, comprando com o resultado bens reais. O senhorio, do qual era antes apenas súdito, encontra-se, como sempre, com grande escassez de dinheiro. Pede-se ao nosso milionário de emprestar capitais ao senhorio. Ele o faz contra bons juros e uma hipoteca garantida pelo próprio senhorio. Seus vizinhos, os outros aldeões, também precisam de dinheiro. Ele lhes faz empréstimo contra registro cadastral. Assim continua por alguns anos. O senhorio está cada vez mais pobre e os vizinhos da aldeia não passam melhor. O que acontece? Nosso milionário age primeiro contra o senhorio, e este, não dispondo mais de recursos, deve render-se sem condições, recebendo, se muito, por generosidade, o dinheiro para a viagem, e nosso milionário torna-se o novo senhorio e também patrão de seus vizinhos endividados. Estes, não podendo lhe pagar capital nem juros, vão sendo avaliados e penhorados. 15. Eis aqui a natural consequência da fortuna que um milionário, ou proprietário com excesso de amor-próprio, causou aos aldeões. É inútil dizer mais a respeito. — Passemos para o segundo exemplo.

16. Tomemos o caso de uma família muito pobre. Mal dispõe do necessário para levar uma vida miserável. Um homem muito rico e excepcionalmente caritativo chega a conhecer esta boa e respeitável família. Ele, possuindo vários milhões, compadece-se dela e pensa consigo: Quero tornar esta família feliz de um só golpe. Vou presenteá-la com uma propriedade e a considerável importância de meio milhão. Nisso, quero sentir a alegria de ver como os rostos desta pobre família se animarão. — E assim foi feito. E durante uma semana não se viam senão lágrimas de alegria nesta família, e também agradecimentos a Deus.

17. Observemos esta família felizarda mais ou menos um ano depois, e vamos descobrir nela todo o luxo habitual que se encontra nas casas dos ricos. Além disso, esta família torna-se desapiedada, querendo vingar-se secretamente de todos aqueles que a desprezaram quando em condições difíceis. Não se ouvirá mais o "Graças a Deus", mas em compensação aparecem carruagem, empregados fardados e outras coisas mais.

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18. O grande excesso de amor ao próximo teria sido, para esta família, vantajoso ou prejudicial? Não é preciso dizer muitas palavras, mas apenas apalpar com as mãos todo o luxo, e tornar-se-á evidente quê proveito para a vida eterna esta família recebeu pelo excesso de amor ao próximo outorgado a ela. Vê-se daí que tanto o amor ao próximo como o amor-próprio sempre devem ficar dentro dos limites da justa medida da Ordem Divina.

19. Se o homem ama sua mulher em excesso, corrompê-la-á. Ela se torna vaidosa e se terá em grande estima, tornando-se uma coquete. E o homem terá grande dificuldade para satisfazer as exigências de sua mulher.

20. Um noivo que ama sua noiva em excesso a tornará ousada e, por fim, infiel.

21. Resulta disso ser sempre necessário respeitar a justa medida do amor. Contudo, o amor ao próximo consiste em algo totalmente diferente daquilo que conhecemos até agora. — O que seja o amor ao próximo, interiormente e espiritualmente, vamos compreender claramente em seguida. —

Em que consiste, no fundo, o verdadeiro amor ao próximo?

1. Para saber a fundo em que consiste o verdadeiro "Amor ao próximo", primeiro é preciso ter um conhecimento profundo do que seja um próximo. Eis o nó da questão. Dir-se-á: De onde se orientar? Pois o próprio Senhor, como o único Promotor do Amor ao Próximo, em parte alguma o definiu. Quando os escribas Lhe perguntaram quem era "o próximo", mostrou-lhes apenas por uma parábola que, para o conhecido samaritano acidentado, o próximo era um outro samaritano que aplicou óleo e vinho nos seus ferimentos e o levou para uma hospedaria.

2. Resulta disso que somente sob certas circunstâncias as pessoas acidentadas têm seus "próximos" em seus benfeitores, tornando-se assim, pelo inverso, também os "próximos" deles. Se, pois, só há

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"próximos" em casos excepcionais, quem são os "próximos" de pessoas comuns que nunca passam por uma desgraça nem chegam a situações onde poderiam ajudar um acidentado? Não há um texto geral, com sentido mais extenso? Pois, no caso citado, vemos confrontarem-se de um lado uma situação de extrema necessidade, e do outro, grande riqueza num homem de bom coração.

3. Procuremos, pois, um texto mais explícito. Eis um que soa assim:

4. "Bendizei aos que vos maldizem; fazei o bem aos vossos inimigos!" — Deste texto pode-se ver que o Senhor estendeu muito o amor ao próximo, ao incluir até os inimigos e os maldizentes.

5. Outro texto diz: "Fazei amigos com as riquezas de origem iníqua!" O que quer o Senhor indicar com isso? Nada mais senão advertir que ninguém deve deixar passar uma ocasião de fazer o bem ao próximo. Visto por fora, o Senhor permite até uma aparente mal-versação dos bens de um rico — todavia só no caso de uma extrema urgência — se com isso muitos, ou ao menos vários indigentes podem ser ajudados.

6. Em mais um texto, o Senhor diz: "Sempre que fizerdes, em Meu Nome, o bem a um destes pobres, o tereis feito a Mim." — O Senhor confirma esta frase na descrição do Juízo Final ou Espiritual, quando Ele dirá aos escolhidos: "Vim a vós nu, com fome e sede, doente, prisioneiro, sem abrigo, e vós Me recebestes, cuidando de Mim e Me vestindo, dando-Me de comer e beber." — E Ele incrimina os reprovados que tal não fizeram. Os bons desculpam-se como se nunca tivessem agido desta maneira; e os maus dizem que certamente o teriam feito se tivesse vindo a eles. E o Senhor torna então explícito:

7. "Sempre que o fizestes ou que deixastes de fazê-lo aos pobres, em Meu Nome, isso disse respeito a Mim."

8. Este texto já evidencia com bastante clareza o que seja o genuíno "Amor ao próximo", mostrando quem são, portanto, os verdadeiros "próximos".

9. Mas vamos consultar mais um texto. Ei-lo: "Quando preparardes um banquete, não convideis aqueles que, por sua vez,

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vos convidem e sejais recompensados. Agindo assim, não recebereis recompensa no Céu, pois já a recebestes no mundo. Pelo contrário, convidai indigentes, aleijados, adoentados — numa palavra, pobres em todos os sentidos que não têm com que recompensar-vos, e tereis vosso prêmio no Céu. Igualmente, emprestai vosso dinheiro a quem não está em condições de reembolsar-vos, e recebereis com isso juros no Céu. — Mas, emprestando vosso dinheiro a quem está em condições de devolvê-lo com juros, já recebestes o vosso galardão. —Ao dardes esmola, fazei-o em segredo, e que a vossa direita não saiba o que faz a esquerda. E vosso Pai no Céu, que vê em segredo, vos abençoará e recompensará no Céu."

10. Creio que estes textos mostram com toda clareza a quem o Senhor designa como o verdadeiro próximo. Procuremos encontrar o sentido intrínseco disso.

11. Por toda parte vemos o Senhor defrontar apenas pobres com abastados. O que se pode deduzir disso? Que o Senhor designa os pobres, em confronto com os ricos, como os verdadeiros próximos, e não ricos para com os ricos, ou pobres para com os pobres. Ricos só -podem se considerar como "próximos" para com outros ricos quando seus esforços se unem para boas obras do agrado de Deus. Da mesma maneira, pobres são os "próximos" de outros pobres apenas na hipótese de ambos se unirem fraternalmente na paciência e no amor para com o Senhor.

12. O primeiro grau do amor ao próximo situa-se, portanto, sempre entre abastados e pobres, bem como entre fracos e fortes, estando na mesma relação ao amor entre pais e filhos.

13. Mas por qual razão os pobres antes dos abastados, os fracos antes dos fortes, as crianças antes dos pais devem ser considerados e tratados como os "próximos" mais próximos? Pela simples razão que o Senhor, que é o mais Próximo de cada homem, é representado neste mundo de preferência nos pobres e fracos, bem como nas crianças. Eis Suas próprias Palavras: "O que fizerdes aos pobres, a Mim o tereis feito! " — Com isso, Ele queria dizer: Mesmo se não Me tiverdes sempre Pessoalmente entre vós, em Minha Natureza humana, tereis, não obstante, sempre pobres entre vós, de certo modo Meus perfeitos representantes.

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14. No mesmo sentido o Senhor Se expressou falando duma criança: "Quem receber uma criança como esta em Meu Nome, a Mim terá recebido."

15. De tudo isso depreende-se que os homens, nas suas mútuas relações, devem considerar-se mais ou menos como "próximos", quanto mais ou menos forem plenos do Espírito do Senhor. O Senhor, porém, não dá Seu Espírito aos ricos do mundo, mas sempre só aos pobres, fracos e aos pequenos. O pobre já se acha mais pleno do Espírito do Senhor pelo fato de ser pobre, pois a pobreza caracteriza principalmente o Espírito do Senhor.

16. A pobreza confere ao pobre uma semelhança com o Senhor, o que não é o caso do rico. O Senhor conhece os pobres, mas não os ricos. Por isso, os pobres devem ser os próximos dos ricos, que devem, procurá-los se querem aproximar-se do Senhor, pois é impossível que os ricos se considerem como os mais próximos do Senhor. No conto do rico glutão (Lc. 16,19) o próprio Senhor evidenciou o imenso abismo que há entre Ele e os ricos, quando coloca somente o pobre Lázaro no seio de Abraão, quer dizer, como o mais próximo dó Senhor.

17. Também na ocasião do jovem rico, o Senhor mostrou quem deveriam primeiro ser os seus próximos, antes de ele voltar ao Senhor para segui-Lo. E por toda parte, o Senhor apresenta assim os pobres e as crianças como Seus mais próximos ou também como Seus diretos representantes. É a esses que o abastado deve amar como a si mesmo, mas não aos seus iguais. Eis porque disse o Senhor ser este Mandamento igual ao primeiro, o que é apenas uma outra forma de dizer: O que fizerdes aos pobres, o fareis a Mim!

18. Os ricos não devem se considerar mutuamente como os pró-ximos; isto é evidente pela advertência do Senhor, que os ricos não devem convidar outros ricos para banquetes, nem emprestar-lhes dinheiro; assim como aconselhou ao jovem rico de distribuir seus bens aos pobres, e não aos ricos.

19. Mas se um rico qualquer disser: Meus filhos são os mais próximos de mim, eu direi: De modo algum! Pois o Senhor acolheu apenas uma criança pobre que mendigava no caminho, dizendo: Quem receber uma criança como esta, em Meu Nome, a Mim terá recebido! Com as crianças dos ricos, o Senhor nunca teve nada a ver.

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20. Por essa razão, o rico que preocupa-se com demasiado cuidado de suas crianças, comete um grave pecado contra o amor ao próximo. A melhor maneira para o rico de cuidar de suas crianças, é providenciando-lhes uma boa educação e não fazendo economia para elas, mas sim contemplar os pobres com a maior parte de seus bens. Fazendo isso, o Senhor cuidará de suas crianças, conduzindo-as pelo melhor caminho. Não o fazendo, o Senhor desvia Seu Rosto delas, retira Suas Mãos e deixa sua tenra juventude nas mãos do mundo, isto é, do diabo; e elas serão filhos do mundo, homens mundanos, ou seja, tornar-se-ão elas mesmas diabos.

21. Se soubésseis até que grau os capitais sociais, e particularmente os fideicomissos são amaldiçoados pelo Senhor — até ao terceiro, o ínfimo grau do inferno — ficaríeis pasmo de pavor e medo, petrificando-vos na dureza dum diamante!

22. Eis por que todos os ricos, onde quer que estejam, deveriam desviar seu coração de suas riquezas, transformando-as em obras de bem, a fim de escapar ao fogo do inferno. Pois há no Além uma dupla instituição infernal. Uma de longa duração e em lugares sombrios de onde há apenas saídas incrivelmente estreitas, não muito melhores para os viandantes do que para os camelos diante do fundo de agulhas. E há outra eterna, da qual, ao que saiba, até agora não há saída. — Que isso sirva de meditação para os ricos, assim como para qualquer um que possui o suficiente para dar algo aos pobres. Assim, foi-vos demonstrado em que consiste o verdadeiro amor ao próximo. E é desta maneira que ele é também ensinado e constantemente praticado aqui no Sol. — como isso se faz, veremos em seguida mais de perto.

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ENSINO PRÁTICO DOS ALUNOS NO ALÉM

Ensino prático dado aos alunos do Além sobre o amor ao próximo

1. Sabeis que o conhecimento e a fé somente não levam a nenhum resultado. De que adianta se alguém encheu sua cabeça com mil teorias, por mais certas que elas sejam? De que serve alguém julgar verdadeiro tudo o que está escrito no Livro da Vida? Tudo isso seria o mesmo que se alguém se tivesse literalmente se apropriado de todas as teorias musicais, chegando à convicção de poder realizar as mais eminentes composições ou ao menos tornar-se um exímio virtuose em algum instrumento, se se servisse na prática das teorias. Pergunto: Será ele capaz de fazer uma composição de certo valor por meio de todos estes conhecimentos teóricos, mas sem a mínima habilidade prática? Ou poderá, se muito, conseguir cantar ou tocar mal num instrumento o mais fácil trecho de uma composição? Certamente que não, pois nenhuma teoria tem valor sem o exercício prático.

2. Seria o mesmo que se um pai insensato cuidasse de seu filho, desenvolvendo o seu intelecto, mas atando sempre seus pés um ao outro. Pergunto. Poderá a criança andar, se bem que visse outros caminharem e tivesse chegado a conhecer teoricamente todos os modos de andar e movimentos dos pés por um mestre de dança espanhol? O primeiro passo que ousaria fazer, seria tão inseguro, que a criança, formada apenas teoricamente, acabaria logo no chão.

3. Com isso foi claramente mostrado que o mero saber não vale nada sem a prática! É comparável a um lustre aceso numa sala vazia, cuja luz brilha por si só sem levar proveito a alguém. Portanto, a efetiva execução daquilo que se chegou a saber é indubitavelmente o essencial. E como no Reino dos espíritos puríssimos trata-se de preferência da ação, sendo a atividade por amor ao próximo o máximo

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princípio de toda atuação espiritual, este Mandamento do Amor ao próximo também vem sendo ensinado aqui mais praticamente do que teoricamente.

4. Mas de que maneira? Como vedes, os espíritos já mais perfeitos levam em várias ocasiões estes alunos já adultos consigo, para aprenderem a discernir, nos recém-chegados da Terra, os verdadeiros próximos, os menos próximos e também os afastados, devendo, então, reconhecer como proceder para com cada um deles.

5. Como se sabe, a compaixão dos jovens é maior do que a da idade viril. Por isso, esses alunos tomam com grande compaixão e consideração tudo o que encontram.

6. Eles gostariam de empurrar logo todos para dentro do Céu, pois falta-lhes ainda a experiência de que o Céu proporciona uma grande bem-aventurança apenas aos que são deveras os mais próximos, ao passo que ele causaria aos menos próximos e aos afastados um grande, ou máximo, tormento. Só nestas ocasiões eles aprendem a reconhecer perfeitamente de que consta o verdadeiro amor ao próximo, em deixar-se a cada ser a sua liberdade, dando-lhe o que é do seu amor.

7. Pois, ao se dar a alguém outra coisa do que reclama seu amor, não se lhe presta um serviço. Se alguém pedir ao seu vizinho um casaco e recebe dele em vez disso um pão, será que o requerente ficará contente? Sem dúvida que não, pois pediu um casaco, e não um pão.

8. Se alguém vai a uma casa para pedir uma noiva, recebendo em vez disso um cesto de sal, ele se contentará? E se alguém quer se dirigir para o Norte a fim de resolver um negócio num determinado lugar, mas um amigo dele o leva com seu carro para o sul, isso lhe será de alguma ajuda?

9. Eis porque os espíritos, antes de aplicarem, na prática, seu amor ao próximo, devem perscrutar a índole de amor dos espíritos que lhes são conduzidos. E o amor que encontrarem deverá determinar exatamente sua ação.

10. Quem quer ir ao inferno deverá ser acompanhado até lá, pois este é seu amor, sem o qual não há vida para ele. E quem quer ir ao

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Céu, deve ser guiado de maneira que, após a purificação pelos justos caminhos, seja perfeitamente qualificado para chegar ao Céu, apto para aí habitar como verdadeiro cidadão santificado.

11. Mas também nao basta fazer chegar um espírito para um mesmíssimo Céu, devendo o Céu corresponder exatamente ao amor do espírito, pois qualquer outro Céu não seria compatível com um cidadão celeste, e ele sofreria lá o mesmo que um peixe no ar.

12. Pois a espécie de amor de cada homem é seu elemento de vida característico. Se não o encontrar, em breve estará perdido. Por isso, também o amor ao próximo no Reino dos Espíritos puros deve ser minucioso e justamente purificado e formado. Só depois, estes espíritos estarão em condição de receber, dentro da Ordem Divina, tanto os recém-chegados, como os que já se encontram há muito no Reino dos Espíritos, proporcionando-lhes bem-aventurança e animação.

13. A formação e sublimação deste amor ao próximo consiste, pois, em que a espécie de amor nos espíritos seja estudada e reconhecida; em seguida, devem ser reconhecidos e entendidos os caminhos da Ordem Divina, pelos quais, e de que maneira, estes espíritos devem ser guiados.

14. Nenhum espírito deve ser forçado a nada. Seu livre arbítrio, unido ao seu conhecimento, determina o caminho, o modo de sua direção, dependendo do amor do espírito.

15. Quando, finalmente, os espíritos chegam ao lugar do amor de seu agrado, mostrando aí um mau comportamento, então somente está na hora de reagir com punições — mas também apenas conforme a espécie de sua malícia.

16. E vede: agora, nossos alunos são ensinados minuciosamente na prática sobre tudo o que diz respeito ao amor ao próximo. Quando alcançarem perfeita habilidade, receberão a consagração da realização. Depois são enviados, por um período proporcionalmente fixado, como espíritos protetores aos homens que vivem na Terra, e isso geralmente para se exercitarem na verdadeira paciência do Senhor. Dificilmente podereis imaginar quanto custa a um tal espírito, formado no Céu, dedicar-se aos homens obstinados desta Terra, sempre cedendo à vontade deles, para que estes não percebam serem em

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todos os caminhos acompanhados de um espírito protetor e guiados conforme seu próprio amor.

17. É de fato muito difícil estar de posse de todo poder e força, mas, como principiantes, não poder chamar fogo do céu, e sim, mesmo ciente do próprio poder e força, dever constantemente tolerar que o homem que lhe foi confiado se entregue às maldades do mundo, esquecendo-se mais e mais do Senhor.

18. Uma criada, cuidando de uma criança travessa e grosseira, vive um verdadeiro Céu comparado a um espírito protetor que está nó começo de sua missão. Este terá que verter muitas lágrimas, devendo toda sua ação consistir só numa imperceptível insinuação na consciência da pessoa, ou, se muito, e em ocasiões extraordinárias, na prevenção de acidentes que o inferno trama sempre contra os mortais da Terra. Em todo o resto, é-lhes vedado intervir.

19. Imaginai agora a sorte muitas vezes amarga de um preceptor quando recebe crianças rudes e travessas para educá-las. Não se acha um lenhador em situação melhor? Não há dúvida, pois a lenha deixa-se abater e partir conforme a vontade do lenhador, mas a criança mal-educada zomba da vontade de seu mestre. Este estado, no entanto, é apenas uma fraca sombra em comparação com o de um espírito protetor cujo protegido é avarento, ladrão, bandido, assassino, jogador, fornicador ou adúltero. A estes horrores, o espírito protetor deve sempre assistir passivamente, sendo-lhe vedado contrariá-los antecipadamente, apesar de toda sua força. Mesmo se em certas ocasiões uma intervenção antecipada é autorizada, deve ser entabulada tão inteligentemente, que o protegido não seja de modo algum impedido na esfera de sua livre vontade, mas somente, se muito, na execução efetiva da mesma.

20. Vede, é esta a segunda tarefa prática na qual nossos alunos consagrados devem exercitar-se no amor ao próximo e, principalmente, na paciência do Senhor. O que deverão fazer depois, será mostra-do em seguida.

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Natureza e consequências do vício

1. Nossos alunos, bem exercitados na paciência, voltam geralmente da sua missão neste mundo exterior após a morte de um de seus protegidos; contudo, devem ficar perto dele enquanto durar o estado natural-espiritual da alma de um falecido. Quando este entra na fase da revelação, perdendo cada vez mais a atração material, quando cada espírito é totalmente entregue a si mesmo, eles voltam então ao Sol espiritual. A partir daí, aguarda-os novo destino. — Qual será? É fácil adivinhar, considerando que nossos alunos tiveram até agora farta ocasião de observar e reconhecer as ilegalidades, primeiro como aprendizes no plano espiritual-científico, e depois como espíritos protetores, na prática.

2. Após terem assimilado estes dois conhecimentos, eles devem ainda passar por um terceiro estágio, e depois por um quarto. Isto é evidente para cada um que sabe que todo vício tende, como consequência, a satisfazer o seu desejo, e que só nesta realização pode ser reconhecida a causa ou a origem principal do vício. Pois, se alguém não contemplou as consequências do vício, nem conhece totalmente sua causa, não está ainda suficientemente e livremente firme na aversão contra o vício. Só tendo esta experiência e reconhecendo vivamente como o vício já encerra a causa de uma consequência irrevogável dentro de uma determinada ordem, só então se tornará, por livre conhecimento e vontade, um inabalável adversário de todo vício.

3. Mas onde nossos alunos podem ter esta experiência? Eles devem, ao lado de espíritos poderosos e experientes, atravessar os infernos, a saber, desde o primeiro até o último, mais abaixo. No primeiro e segundo, eles vêem as consequências do vício, e é sobretudo no segundo que, no meio das evidentes consequências, já se faz perceber mais e mais a causa dos vícios. Somente no terceiro e ínfimo, eles chegam a conhecer a origem ou a causa principal de todo vício.

4. Alguém poderia alegar: A consequência e a causa são dois pontos de uma circunferência que se encontram no mesmíssimo ponto, pois certamente quem comete uma ação quer ver realizada a consequência de sua ação.

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5. Quando alguém toma a decisão de furtar o dinheiro de outrem, certamente foi o amor pelo dinheiro e a esperada vantagem que o determinaram para este ato; sem dúvida, era esta a causa. E após ter-se apoderado do dinheiro pelo furto, esta apreensão foi certamente a consequência de sua ação, ou a realizada causa anterior para a própria ação.

6. Mas eu digo: Quem considerar o assunto sob este ponto de vista, não faz outra coisa senão cometer alta traição contra seu próprio entendimento, mostrando com isso jamais ter tido que lidar com a sabedoria interior. Por isso, façamos logo um exemplo em contrário, que evidenciará que a consequência e a causa verdadeira da ação são bem diferentes.

7. Antes de dar este exemplo, devemos estabelecer algumas proposições que derivam da Ordem Divina, indicando para cada ação, desde toda eternidade, a determinada consequência da qual, em conformidade com a ação, pode ser deduzida a causa.

8. Eis as proposições: Cada ação produz um efeito correspondente, determinado e ratificado por Deus. Este efeito constitui o julgamento irrevogável inerente a cada ação. Desta maneira, o Senhor estabeleceu que, no fim, cada ação se julga a si mesma.

9: E como toda boa ação tem uma única causa, que é o Senhor, o mesmo se dá também com toda má ação. Pois também toda má ação tem sempre uma única e idêntica causa. São essas as proposições.

10. Vamos agora elucidá-las por um exemplo. Tomemos o caso de um fornicador. Este se entregou a vida toda à luxúria de maneira irrefreável e sem tomar em consideração quem quer que fosse. Externamente, ninguém pôde notar nele as consequências do vício, pois o corpo nem sempre reflete os seus efeitos. Este homem, pela sua atitude depravada, rebaixou inteiramente seu espírito para o grosseiro amor carnal-material, desperdiçando suas forças vitais tanto material como espiritualmente. O que lhe sobra no fim? A vida da sua alma não passa de um pólipo, chegando no Além apenas com sua sensualidade carnal. Sua ânsia é a de um pólipo: continuar sem cessar os prazeres de sua índole. Nem se fala mais de uma reação espiritual,

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pois durante a vida do corpo, o espírito se amalgamou totalmente com a alma sensual.

11. Deve-se perguntar: Pode tal alma no Além ser acessível ou capaz de receber uma vivificação mais elevada? Quem quiser chegar a uma conclusão certa a este respeito, deverá pegar um pólipo marinho e tentar transformá-lo em saltimbanco acrobático — tarefa impossível de realizar por quem quer que seja, pois, assim que o pólipo for tirado do seu elemento lamacento e colocado num lugar seco no ar puro, ele encolherá e morrerá, passando a decompor-se e finalmente formando um montão pegajoso e ressecado.

12. Vede, o mesmo se dá com uma alma sensual, lasciva. Ela é um pólipo lamacento, e seu único desejo estimulante é gozar. Toda sua inteligência é centrada na procura de prazeres. A consequência disso é o estado lamentável e miserável da alma de recair cada vez mais profundamente na baixíssima animalidade. E este estado é o que se chama o "primeiro inferno". É esta a consequência natural dentro da Ordem justa, já que a alma, pelo modo de agir proibido, volta no fim àquele mais baixo estado animalesco, do qual outrora o Senhor a elevara por muitos degraus à condição de homem livre.

13. Este estado lamentável, que é consequência da vida passada, é mantido pelo Senhor em condições paupérrimas quanto à realização de desejos sensuais, esperando-se que o espírito ainda presente na alma consiga, com isso, eliminar cada vez mais sua sensualidade. Este procedimento é o único meio pelo qual tal alma, juntamente com seu espírito, poderá talvez ainda ser salva. Pois, se a alma fosse constantemente nutrida na sua sensualidade, esta se tornaria cada vez mais forte, o que dificilmente deixaria ainda aberto um caminho para salvar o espírito.

14. Mas o que costuma ser, no pior caso, a segunda consequência deste necessário modo de tratamento?

15. Ouvi! Visto que o espírito de tal alma estava totalmente unido a ela, também todo seu amor se integrou na concupiscência de sua alma. Se o jejum de sua alma o torna mais livre, ele acaba por manifestar-se malévolo, profundamente ofendido e magoado, por ter sido deixado atrofiado, privando-se a ele o nutrimento para sua alma viva, a fim de domá-lo.

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16. Este insulto e ofensa tornam o espírito irado, a ele exige uma indenização. Mas onde a encontra? No segundo inferno!

17. Ora, o que é o segundo inferno? Nada mais do que a consequência do primeiro. E nesta consequência, já pode ser vislumbrada a verdadeira origem do primeiro modo de agir.

18. Pois a ira nada mais é senão um fruto do excessivo amor-próprio que tem, por sua vez, suas raízes na ambição do poder; que é a força motora de todos os vícios, tendo sua sede no terceiro ou ínfimo inferno. Em seguida, veremos como, do segundo inferno, acaba de formar-se também um terceiro, e como nossos alunos devem ter, de tudo isso, uma contemplação e experiência prática.—

No segundo inferno

1. Sabeis porque os homens da Terra prestam obediência? A resposta é fácil. Será por causa da grande estima pela pessoa do soberano? Certamente que não! Pois, o objeto de nossa alta consideração não se insulta às escondidas e menos ainda se amaldiçoa, o que não raramente os súditos fazem contra o seu monarca. Mas a quem não se obedece por respeito, menos ainda se fará por amor. Não podemos, pois, encontrar outro motivo para a obediência do que o medo.

2. Em que se baseia o medo? Primeiro, na própria impotência; segundo, na prepotência do governante; e terceiro, no reconhecimento de que, em certas ocasiões, um monarca não poupa a vida de seus súditos. E de maneira alguma convém confiar em um homem que frequentemente dispõe de mais de um milhão de armas mortíferas, não devendo dar contas da morte, seja de uma pessoa, seja de uma multidão; pois a ira de um soberano pode significar a morte de muitos milhares.

3. Considerando a questão deste modo, chegamos cada vez mais à conclusão de que o medo da morte é o motivo principal da obediência.

4. Suponhamos que num Estado vivem somente homens perfeitamente renascidos e espiritualmente despertados; para eles, não haveria mais motivo de ter medo da pena capital. Neste caso,

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o soberano deveria tomar medidas bem diferentes, se quisesse ficar na direção do povo.

5. Mas em que se baseia nos homens o medo da morte? Digo-vos: somente na incerteza de unia outra vida após a perda desta (descrença). Quem de vós teria medo de ir deitar-se, apesar de o sono não ser outra coisa do que uma morte periódica do corpo? E por que não se tem medo de dormir? Por se ter, pela experiência, a certeza de despertar depois do sono para a mesma vida, mesmo tratando-se, sob certo ponto de vista, de uma nova vida. Sem esta experiência, cada um teria o mesmo medo de dormir que da morte corporal. Existem, de fato, pessoas na Terra que acreditam possuir uma vida efêmera que definha todos os dias, encontrando-se, no próximo dia, alguém diferente no seu corpo do que no dia anterior. —

6. Esta crença é um ramo de uma classe popular numa parte da Ásia que acredita na metempsicose, opinando que sua alma passa, de um dia para o outro, de um animal para um outro, demorando, no máximo, um dia no corpo de um homem. Se, no dia seguinte, uma outra alma no mesmo homem se lembrar do passado, explica-se isso pela organização do corpo. É que cada alma sucessiva deve necessariamente compartilhar daquela consciência que tem sua origem na organização do corpo. Eis a filosofia daquela gente que tem medo tremendo do sono, vendo nele apenas o meio para afastar do corpo a alma anterior, a fim de abrir caminho a uma outra. Por esta razão, tais pessoas procuram, tanto quanto possível, afugentar o sono por vários meios. Esta atitude assemelha-se multo ao medo que pessoas comuns têm da morte corporal.

7. Se o homem fosse de espírito desperto, a perda do corpo lhe importaria tão pouco como a um homem comum o sono do qual ele não tem medo. Pois a experiência do espírito é a vida eterna, que é indestrutível, assim como a experiência mostra que o corpo adormecido acordará de novo no próximo dia, razão porque a alma não tem medo do sono.

8. O medo da morte, como de um possível aniquilamento da existência, mantém-se na alma enquanto o espírito não despertou nela, levando-a em seguida a uma consciência totalmente diferente.—

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9. Munidos deste conhecimento preliminar, voltemos agora de novo ao primeiro inferno. Neste, a alma nada mais é do que um pólipo guloso e ávido de prazeres, dominado por um mudo egoísmo e amor-próprio, uma vez que a falta de realização da sua sensualidade o confronta constantemente com a possibilidade de extermínio.

10. Já sabemos que no segundo inferno a alma sensual encolhe-se cada vez mais por ser submetida a um forte jejum; por este método de privação, o espírito, amalgamado com ela, ganhou mais liberdade. No melhor dos casos, o que é raro, o espírito muda de tendências, fortalece-se e eleva mais e mais a sua alma. No caso pior, que é o comum, o espírito também desperta, mas, despertando, se inteira das privações de sua alma, começa a sentir-se sumamente ofendido e magoado e pessoalmente menosprezado. Encoleriza-se e deixa-se cada vez mais dominar pela ideia de que deveria receber da Divindade, em troca da injustiça sofrida, uma extraordinária reparação.

11. Quanto mais esta ideia ganha terreno nele, maiores são suas pretensões e seu descontentamento com cada proposta de reparação que lhe é feita do Alto.

12. Como consequência desta exigência cada vez maior, que tem sua raiz na crescente insatisfação, o espírito cada vez mais desperto passa a nutrir um sentimento de autossatisfação que trama vingança. E, com este sentimento, torna-se cada vez mais um "desprezador de Deus" (diabo). Aumenta também sua consciência de ser indestrutível, reforçando nele a ideia de que o espírito, pela exaltação de seus conceitos e suas exigências, pode fortificar-se ao infinito. Daí nasce até a ideia satânica de que a Divindade, com medo do poder cada vez mais forte de tais espíritos, se esconda e, usando certos tímidos e fracos espíritos espiões, faça secretamente observar suas ações. Em situações críticas, a Divindade Se retiraria mais, procurando preservar-Se de toda maneira das agressões poderosíssimas de tais espíritos valentes.

13. Por esta ideia, orgulho prepotente do espírito e a sede de vingança contra a suposta astúcia da Divindade tornam-se mais e mais fortes. Naturalmente, a Divindade é imaginada cada vez mais impotente e o espírito até mesmo passa a nutrir aversão contra Ela, odiando-A profundamente, mas considerando-se a si mesmo um ser superior.

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14. Chegando-se a este ponto, o terceiro inferno já está pronto. Nossos alunos devem secretamente observar a maneira dele se formar, beneficiando-se, no caminho, da proteção da Divina Providência, e chegar a tudo conhecer, pela experiência, até a verdadeira origem do vício. Em seguida, veremos como no fim do caminho, no ínfimo e mais perverso de todos os infernos, eles conhecerão a base do próprio vício.—

Em toda a Criação não há nada que possa ser aniquilado

1. Poderia-se perguntar: Como entender que uma força de vida inteiramente subordinada possa, considerando-se a esfera de sua consciência, se rebelar contra uma Infinita Potência de Vida de absoluta perfeição, que ela deve conhecer de alguma maneira, devendo perceber que um mínimo de força vital jamais pode afirmar-se diante do Infinito, e muito menos vencê-Lo! — Bem, digo, esta objeção que, quando muito, se aproxima da Verdade, faz sentido, mas provém ainda de um alto grau de incompreensão. Mas como no puro reino dos espíritos não existem hipóteses, e consequentemente tampouco aproximações, mas unicamente verdades, a referida objeção não pode contar com uma resposta completa.

2. No plano espiritual, uma resposta é uma plena verdade. Se a pergunta não a contiver, não haverá resposta. Quem faz a pergunta não deixará de receber uma resposta, mas essa nunca se ajusta diretamente à sua pergunta, sendo apenas uma verdade indireta. Será também o caso aqui. Dando-se a resposta, a objeção em tela cai por si mesma.

3. Alguns pequenos exemplos vão logo mostrar se é possível ou não que uma potência de vida inferior ou, como no nosso caso, sumamente subordinada, se rebele, ou se ela pode ser inteiramente destruída pela Potência Infinita.

4. Quem já teve de lidar com o transporte de algumas pequenas pedras, não precisa de maiores explicações sobre o peso de uma montanha

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rochosa. De que é constituída uma pequena montanha rochosa? De uma infinidade de pequenas partículas atômicas, solidamente unidas umas às outras pela recíproca atração. Se cavamos um túnel na montanha até o lugar que se encontra diretamente sob o cume, isto é, do maior peso, descobrimos por toda parte paredes de rocha bem conservadas e extremamente sólidas. Se retiramos destas paredes um pedacinho, colocando-o em seguida sobre uma placa de aço ou pedra, e se fazemos com um martelo uma pequena pressão sobre esta partícula, ela se pulverizará.

5. Pergunta: Por que este pedacinho de rocha não pôde resistir à pressão do martelo, enquanto que antes, durante milênios, pôde resistir a uma pressão incalculavelmente possante de uma cordilheira inteira? Dir-se-á: Sob a montanha, ele era uma parte concreta de toda a massa, podendo assim, com a ajuda de outras partes, resistir à pressão geral; isolado, porém, e despojado desta ajuda, teve que ceder até a uma pressão pequena. — Bem, mas será que esta pequena pressão destruiu a partícula inteiramente? De modo nenhum; apenas a fragmentou para partículas muito menores.

6. Não seria possível exercer tal pressão que aniquilasse estas partículas? — isto tampouco é possível, seja por pressão ou aplicação de qualquer outra força. Pois pela pressão consegue-se apenas sua fragmentação em partes mínimas; por qualquer outro meio, contudo, uma transmutaçao em um elemento simples ainda menos destrutível.

7. Assim, também todo o peso da Terra repousa sobre seu pequeno, mínimo centro. Como pode este resistir a uma tal força de gravidade que influi sobre ele de todos os lados? Contbrme a eterna Ordem Divina, isto se dá pela simples razão de não haver nada em toda a infinita Criação que possa ser destruído. E as coisas mínimas podem constantemente se afirmar diante das máximas, se não na mesma forma, então em outra.

8. Emprestemos agora a estas partículas uma perfeita consciência, para que saibam serem elas eternamente indestrutíveis. Pergunta: Que força poderia sujeitá-las e vencê-las? Ou será que uma montanha inteira perde algo, se a mínima parte de sua base é indestrutível? Certamente que não, pois se um átomo fosse destrutível, também

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os outros deveriam sê-lo e, deste modo, toda a grande montanha estaria perdida.

9. O mesmo caso valeria para a Terra, e, no fim, o Próprio Deus não ficaria em situação melhor se em toda Sua Infinidade existisse algo destrutível.

10. Eis, então, a firme, eterna e Divina Ordem de que o mínimo pode subsistir ao lado do máximo. Assim, se a mínima potência de vida reconhece que, em sua esfera espiritual, não lhe pode ser tirada a vida e que é indestrutível, ela não tem mais medo diante da Suprema Potência de Vida. E esta consciência faz crescer a ínfima potência para um sentimento dominador que lhe faz dizer: Eu sou tão necessária e indispensável à existência da suprema Potência de Vida, a qual Se considera como a Divindade, que sem mim, Ela não pode subsistir. Se várias ou até inúmeras de nossas potências inferiores se unirem para uma só, podemos agir desde o centro e fazer com que a pretensa Suprema Potência seja a ínfima. Será, pois, a vez Dela nos adorar, assim como Ela o exige agora de nós. Como deve ser possível virar o íntimo de um mundo para fora, pode aplicar-se este caso também às nossas forças de vida. Unamo-nos nós, as potências inferiores, e suscitemos uma tempestade no lado de fora, e a Divindade estará, como potência de vida inferior, aos nossos pés.

11. Vede, esta é uma filosofia puramente infernal e é, ao mesmo tempo, a verdadeira causa de todo vício; seu nome é — ambição de poder!

12. Com este conceito, chegamos ao conhecimento da verdadeira natureza do ínfimo inferno, e esta natureza corresponde à aparência externa de um corpo celeste. — Na superfície — na procura de prazeres, semelhante a um pólipo, pode nitidamente ser reconhecido o primeiro grau do inferno, pois tudo o que vedes ali visa a satisfação de seus desejos. Na casca mais interior da Terra, manifesta-se o jejum e o emagrecimento; em parte alguma há qualquer vegetação. Tudo tem aspecto de uma morte rígida, tramando vingança; quando muito, mostram-se aqui e ali fontes de fogo e água quente, como imagens correspondentes à ira dos espíritos deste inferno, visível já por toda parte.

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13. Ao passar para o interior da Terra, descobrimos somente um grande número de espíritos constantemente revoltos e mesclados uns com os outros. Um fogo desperta e sufoca o outro. Cada gota d'água que penetra aí é logo transformada em ardente vapor.

14. Quanto mais se passa aqui, maior é a reação na superfície da Terra, reprimindo sempre com a maior facilidade todas estas reações internas. As sábias disposições do Senhor fazem com que todos estes infernos, apesar de sua mais forte relutância, sirvam na manutenção eterna das coisas. E este serviço bem conhecido dos espíritos infernais, que não podem se esquivar dele, constitui seu maior tormento, porque vêem que, apesar de sua repugnância, todas as suas ações devem em geral corresponder exatamente à Ordem Divina.

15. Mas isto testemunha também o infinito Amor e Sabedoria do Senhor, pois é o único meio que permite pôr limites ao procedimento

ambicioso destes seres malvados. Pois, ao verem que o Senhor sempre transforma seus empreendimentos malignos em bem, eles se irritam, não fazendo mais nada, — até cogitarem de um novo projeto dirigido contra o Senhor, que naturalmente será utilizado por Ele como os anteriores. — Eis, em teoria e atividade, a natureza do ínfimo inferno.

16. Mas para vermos como tudo isto se manifesta na aparência, faremos em seguida algumas observações, passando por todos os três infernos! —

Imagens do primeiro e segundo infernos

1. Pelas comunicações recebidas do Sol, já tivestes uma descrição das aparências no primeiro inferno, assim também das diversas entradas que conduzem para lá. Devo só acrescentar o detalhe que o fervor daqueles espíritos infernais que vistes no primeiro inferno, procura de preferência gozar ou, no vosso modo de falar, devorar o que lhes agrada. Este estado é semelhante àquele terrestre que leva os homens a apanhar todas as coisas possíveis para satisfazerem seus desejos.

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2. Uns exercem vários negócios, outros ambicionam a posição de funcionários, outros ainda um bom casamento. Mas não fazem tudo isso por causa do bem, mas somente para satisfazerem e garantirem sua subsistência. Neste estado, pouco lhes interessa alguma posição de destaque, mas sim de assegurarem o seu futuro.

3. À maneira do Céu, não há outro desejo do que o amor e o conhecimento de Deus. Pois para todo o resto, cuida o Senhor! A maneira do inferno, a preocupação é inversa. Procura-se uma provisão segura, pensando, no caso mais favorável: Quando estiver abastecido de todas as necessidades externas, verei se o espírito se contenta com isto. Alguém alcançando, então, um provimento externo que geralmente está ligado a um certo prestígio, passa a ser dominado pela correspondente altivez e se esforça para conseguir aumentá-lo. Por esta razão, jovens funcionários, como também industriais principiantes, começam — cada um em sua esfera — a ensoberbecer-se. Dentro em breve, não sabem mais que postura tomar quando sentados, de pé, andando, olhando, escutando e falando, para que se note e se reconheça, já no primeiro momento, quase lendo no seu rosto, qual é seu prestígio e quão importante é a função que ocupam.

4. Estes homens, providos desta maneira, não deveriam procurar mais nada, pois já obtiveram seu rendimento e o necessário pão. Deveriam começar agora a cuidar do lado espiritual. Mas — bem ao contrário—com o provimento assegurado, manifestou-se o desejo de brilho e ambiçâo de poder. Mais do que nunca, eles se esforçam agora para subir, e os industriais a enriquecer cada vez mais. Nesta altura, enchem-se de inveja e ódio contra quem os estorva. 5. O amor ao próximo chega neles ao ponto que vários funcionários subordinados nada desejam mais ardentemente do que a morte do seu respectivo superior, então esperando poderem ocupar o seu lugar. O industrial anseia pela ruína comercial de seus colegas, a fim de apoderar-se de todo o negócio. Sim, em seu amor ao próximo, gostaria de matar com uma gota d'água todos os seus colegas comerciais, se isto fosse possível. Empreende tudo o que lhe for possível para arruinar seus concorrentes.

6. Observando atentamente este procedimento mundano, ávido de atrair tudo para si, já tendes perfeitamente o primeiro inferno

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diante de vós, e assim também sua passagem para o segundo inferno, consubstanciado em ódio, ira, inveja e ambição. Basta riscar as externas leis do Estado com seu regulamento de costumes e cidadania, e o primeito e segundo infernos estão literalmente representados perante nós.

7. O que no mundo, sob o pretexto das leis morais e cívicas, se apresenta numa certa decência, toma logo aspecto de roubo, guerra e assassinato, mal se tiram estas leis. E já tendes a imagem perfeita do primeiro inferno.

8. Agí da mesma maneira, se quereis obter a imagem do segundo inferno. Começareis por descobrir por toda parte uma clandestina astúcia. Não encontrareis homens ou espíritos que não sejam, um frente ao outro, mútuos inimigos mortais. Mesmo que externamente eles se encontrem com gentileza e cortesia, estes sinais de amor, apesar de tudo, nada mais são senão puro ódio. Tudo isto é política para dispor o adversário à paz, desarmando-o da maneira mais sutil, para depois poder assaltá-lo com maior segurança e sem resistência, arruinando-o totalmente.

9. Observai somente em vossa Terra os chamados aduladores e bajuladores. Geralmente são eles os piores inimigos mortais daqueles que adulam. Eles os exaltam pela mesma razão que um abutre que leva uma tartaruga à grande altura, para depois deixá-la cair, podendo assim devorá-la melhor.

10. Vede, isto é, tanto literalmente como figuradamente, o amor infernal de segundo grau. Por isso, neste inferno manipulam-se vários artifícios enganadores, a fim de se prenderem e se arruinarem mutuamente, na opinião absurda de que a queda dos outros —quaisquer que sejam os meios — aumente o próprio ganho.

11. É desta maneira que nossos alunos aprendem a fundo os infernos, primeiro por teoria e depois na prática. E assim também nós observamos com a devida brevidade, mas também profundidade, os primeiros dois infernos. — Quem refletir um pouco, tem uma clara visão de tudo. Mas quanto à aparência do terceiro inferno, dedicar-lhe-emos considerações particulares; ele deve ser conhecido a fundou, pois é a origem de todos os vícios. —

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Conforme sua individualidade, cada homem leva consigo o Céu e o inferno

1. Pensais sem dúvida, e mais ainda muitos outros, se assistissem a esta comunicação: bem louvável e de utilidade moral receber revelações deste tipo, pelas quais o mal absoluto é mostrado de certo modo por imagens; mas acontece que já existem na Terra inúmeras descrições do inferno. Todas elas parecem ter semelhante origem, mas qual não é a diferença entre umas e outras! Para uns, o inferno é um charco ardente de enxofre; para outros, um abrasado verme roedor; para outros ainda, um fogo furioso, uma escuridão ou uma morte eterna. Há os que vêem os condenados serem torturados, fervidos ou assados, quando para outros eles são verdadeiros barões. Há ainda aqueles para os quais o inferno nada mais é do que um frio terrível; para outros, porém, uma ira em brasa. Alguns avistam nele misérrimas formas humanas, aleijadas e esfomeadas, outros ainda um conjunto de figuras esquisitas e sumamente monstruosas, que só podem provir da fantasia humana. Desta maneira, o conceito do inferno mostra-se-nos como um verdadeiro Proteu que não se pode segurar sob forma alguma.

2. Eis com efeito aqui uma descrição do inferno compatível com os puros conceitos humanos e bem compreensível pela inteligência dos nossos tempos; — mas, quem garante que esta descrição não será com o tempo suplantada por outras? Pois nada existe sob formas tão múltiplas entre os homens como este lugar pavoroso chamado "o inferno".

3. Bem, meus caros amigos, vossa critica objeção é bem fundada, pois baseia-se perfeitamente na realidade do conceito que se tem do inferno. É por isso que quero e devo vos mostrar aqui o inferno sob um ângulo geral, que justifica plenamente qualquer descrição do inferno dada até agora na Terra.

4. Considerando o inferno apenas superficialmente em seu aspecto externo, compreende-se que se apresenta qual verdadeiro Proteu, variando constantemente de aparência. Mas é bem diferente quando o critério aplicado baseia-se na causa principal.

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5. Para que possais entender nitidamente este assunto capcioso, vamos elucidá-lo pela luz do Sol por pequenos exemplos.

6. Tomemos um Estado no qual vivem muitos milhares de cidadãos. Todos eles — com exceção de cretinos, imbecis e crianças menores — têm as mais diversas ideias sobre a política secreta do Estado. Quem quiser se inteirar a respeito, deve só travar conversa com vários deles. Alguns só vêem o perigo iminente de guerras, outros vêem traições secretas, outros ainda clandestinas imposturas contra o povo, outros, porém, a mera presença da inteligência. Há os que clamam com altos gritos contra a injustiça, enquanto que outros não se cansam de elogiar e adular a constituição e a política secreta do Estado.

7. Estas são ainda as opiniões sensatas da parte mais instruída do povo a respeito da secreta administração política do Estado. Mas quem quiser ouvir pronunciamentos ridículos, que vá às sombrias tavernas de aldeias de lavradores. Então ouvirá aí tudo o que uma rude e inculta fantasia humana é capaz de produzir. Por exemplo: que o imperador tenciona mandar envenenar uma cidade, ou que pretende mandar inocular a peste ao povo de um país, ou que teria feito um pacto com um monarca estrangeiro para numa noite matar pela espada os cidadãos de determinada região, a fim de apoderar-se com violência dos bens dos súditos trucidados — sem falar de outras tolices, segundo as quais o monarca teria empenhado ao diabo em certa ocasião a sua própria alma, ou as almas de seus súditos, a fim de conseguir uma grande vantagem terrena! Que isso é de fato assim, não são necessárias provas; cada um pode convencer-se disso dia a dia.

8. Mas resta saber qual das milhares e milhares de opiniões políticas corresponde à realidade, e quem lançou a base da administração secreta do Estado? Em última análise, ninguém; mas não obstante, cada um com ar sábio e misterioso só considera certa a sua convicção. Como é possível, então, estabelecer um princípio fundamental de algo que escapa da própria compreensão?

9: Vede, a razão disso está em parte na aparência exterior, como também na individualidade daquele que contempla a aparência. Quanto menos é ele espiritualmente desperto, mais absurdo são seus

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conceitos que nutre da aparência. Eis o que se passa até agora com os conceitos sobre o inferno.

10. Pouquíssimos visionários tiveram o privilégio de lançar um profundo olhar naquele lugar, mas a muitos foi dado vislumbrar uma ou outra faceta dele. Assim, devido à sua curiosidade, essas descrições sempre sobrepujaram a sua realidade. Por esta razão, as feições que se formaram do inferno se multiplicaram bastante, e ninguém até hoje sabe o que pensar daquele lugar.

11. Outra pergunta: quem no Estado seria capaz de expor o conceito fundamental da constituição secreta do Estado? Ninguém, certamente, senão o próprio inteligente monarca.

12. Sendo esta a resposta incontestável, ela se aplica também à pergunta pelas circunstâncias sombrias do Além, confirmando-se na resposta que ninguém mais pode estabelecer o justo conceito fundamental de valor universal, senão Aquele que é Senhor tanto de todos os Céus como também de todos os infernos!

13. Ora, se alguém que é iniciado na gestão da administração secreta do Estado facilmente distinguirá a razão cle todos os conceitos que circulam entre o povo, também aquele que conhece, da parte do Senhor, a verdadeira razão de ser deste lugar, chamado inferno, compreenderá a razão de todos os outros conceitos ridículos.

14. Conforme sua individualidade, cada homem leva consigo tanto o Céu como o inferno.

15. Se o homem, devido a uma certa circunstância, se tornar consciente de sua individualidade, ele divisará apenas seu próprio inferno mal acabado, ou seu Céu sumamente imperfeito. Desta maneira, inúmeros infernos de aspecto diferente podem surgir.

16. Mas será que isto já pode ser considerado como o fundo do inferno? Tampouco, certamente, como se alguém medisse com sua bengala à beira-mar a profundidade da água que aqui mal cobre seu sapato, afirmando depois que sua medição teria comprovado a profundeza do mar como sendo de pouco menos de seu sapato. O mesmo vale da afirmação de todos os videntes que dizem: Eu vi o inferno desta ou daquela maneira. Tampouco como alguém pode considerar a baixa beira-mar — que é, sem dúvida, parte do mar — como o

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verdadeiro fundo do mar, tampouco uma tal percebida aparência do inferno pode ser tomada como seu verdadeiro fundo.

17. Em seguida, veremos como se pode chegar ao seu fundo propriamente dito, e examiná-lo-emos em pormenores.—

Corpo, Espírito, Princípio de vida

1. Querendo-se avistar este fundo principal do inferno, é preciso procurar vê-lo lá onde os olhos são susceptíveis de ver a respectiva luz das formas aparentes, chegando-se em seguida a tirar as correspondentes conclusões mediante orientação espiritual. Sendo este o propósito; deve-se, de antemão, aceitar e entender a verdade invariável de que as condições de vida e suas manifestações continuam idênticas sob o mesmo Senhor eternamente imutável. Com outras palavras:

2. O homem continua vivendo em espírito exatamente como vive em seu corpo na Terra, sendo a vida do corpo apenas uma co-vivência ou uma vivência pela alma.

3. Dir-se-á: Isto soa estranho e parece não corresponder à realidade, pois a vida espiritual certamente deve ser diferente e ser enxergada sob condições totalmente diferentes do que a vida corporal na Terra.

4. Mas eu digo: Quem fala assim, certamente não tem a mínima ideia da maneira como ele vive conforme a natureza. Pergunto:

5. É o corpo ou é o espírito que vive durante a vida do corpo? Qual é o princípio de vida? É o corpo ou é o espírito? — Na minha opinião, quem é capaz de raciocinar um pouco melhor não procurará os princípios da vida no corpo, mas somente no espírito. Pois, se os princípios da vida estivessem no corpo, este seria imortal. Mas o corpo é mortal, portanto não é ele que pode abrigar os fundamentos da vida, mas só o espírito, que é imortal. Assim, a vida do corpo é unicamente condicionada pela vida do espírito. O corpo todo se acha em relação ao espírito de maneira passiva e totalmente negativa. Por isso, a vida do corpo não é mais do que uma co-vivência vivificada pelo

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espírito exatamente ao modo de um instrumento na mão de um operário que tem vida passiva, entretanto, é dirigido pela mão viva deste. Quando ele o deixa cair ou o guarda, sua vida emprestada e sua atividade efetiva terminam.

6. Quem será tão tolo para defender a seguinte tese: O operário deve governar-se pelas condições do instrumento — em vez de admitir o óbvio: é o operário que forja instrumentos úteis conforme precisa deles em certas circunstâncias? Então, se é o mestre de obras que determina a espécie de instrumento conforme o serviço a ser feito, é evidente que as condições do corpo com sua vida emprestada dependem do espírito vivo, e não ao contrário.

7.O espírito vive, pois, sempre e unicamente segundo seus próprios princípios e suas específicas condições de vida, e o corpo se acha tão pouco capaz de alterá-los como o instrumento inanimado nas mãos do operário.

8. Alguém observando a maneira como um operário usa seu instrumento, e conhecendo o seu plano, seria tolo se quisesse afirmar: O uso do instrumento modificará inteiramente o plano delineado, e obter-se-á uma obra totalmente diferente daquela prevista pelo mestre de obras segundo o plano elaborado. Não seria essa uma afirmação absurda? Certamente, pois o produto obtido será sem dúvida o efeito da vontade do mestre de obras, e não do instrumento.

9. Da mesma maneira, também a relação da vida do espírito é constante, quer ele se sirva ou não do instrumento do corpo. — E quem deseja minuciosamente explorar o inferno, deve fazê-lo sempre sob a mesma relação, tanto na vida corporal como um dia na espiritual, absoluta. Pois o inferno é idêntico, ponto por ponto, aqui na Terra como no estado espiritual, absoluto. Ele não apresenta nada mais e nada menos, seja aqui como no Além. E é nesta imagem que vamos explorá-lo de maneira mais clara e efetiva.

10. Mas para tornar ainda mais clara e viva a verdadeira imagem do inferno para cada um neste mundo, vamos, de antemão, pôr o mais possível em evidência a muita pequena diferença que há entre a condição de vida natural da humanidade, e a outra espiritual, absoluta.

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11. Imaginai um marceneiro que deve fabricar uma arca. Ele precisa para isso de vários instrumentos familiares a vós. Ele trabalha com dedicação e termina a arca em alguns dias. Foi o impulso interior que o estimulou a trabalhar com afinco. Mas por que obedeceu a este seu impulso interior? Porque queria terminar o quanto antes a arca por causa do proveito. Pergunto mais: De onde vem este impulso, qual é sua origem? Ele é oriundo da faculdade criadora do espírito. Como assim? É próprio do espírito de realizar logo de maneira objetiva o que concebeu na ideia.

12. Isso é possível no estado puramente espiritual, pois o que se pensa logo se realiza. Mas unido ao seu corpo, que constitui para ele um estorvo, isso não lhe é possível com a matéria exterior. Por isso, ele deve incitar seu corpo, como seu instrumento, a uma sucessiva atividade, a fim de realizar deste modo pouco a pouco a sua ideia. Esta particularidade foi determinada pelo Senhor, para que o espírito se exerça, sempre que possível, na qualidade mais indispensável de toda a vida. E esta qualidade chama-se, como mãe da humildade, a Paciência Divina. E aquele que sabe raciocinar um pouco, deve compreender que a paciência é tanto mais necessária pela vida eterna, pois essa não tem fim. Ela já é para a vida terrestre a base de todos os bons e grandes resultados, − e esta vida é apenas passageira.

13. Certamente, o marceneiro preferiria criar sua arca logo após tê-Ia idealizado. Mas onde ficaria, então, o exercício da paciência, importantíssimo sob qualquer ponto de vista, e onde a recíproca segurança exterior necessária à natureza, se o espírito, ligado ao seu corpo, pudesse dispor de modo ilimitado de sua original faculdade criadora neste mundo material?

14. É verdade que cada espírito recobra esta faculdade após ter despido seu corpo, mas apenas o bom espírito o recebe de maneira real e efetiva, ao passo que o mau espírito só de forma fantástica e quimérica; pois, tal a base, tal o efeito.

15. Este exemplo vos demonstrou, de modo palpável, a diferença entre a vida natural e a puramente espiritual, sendo que o espírito só pode realizar suas ideias devagar e nunca de modo perfeito enquanto vive ligado ao corpo, porque a matéria grosseira que o envolve o impede nisso; ao passo que em estado absoluto ele quer ver sua ideia

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instantaneamente realizada, A vontade é sempre a mesma, assim como a ideia; só a execução é limitada na vida conforme a natureza. Esta limitação é, pois, a única diferença entre as formas de vida, não havendo outra. — É quase desnecessário mencionar que é só na matéria que se prende esta diferença. — Ficando claramente informados a este respeito, podemos logo indicar imagens características do inferno fundamental.

Imagens terrestres do inferno fundamental

1. Primeiro. Imaginai um rico especulador. Olhai bem esse perpétuo insaciável. Qual é seu amor e seu querer? Ele não tenciona outra coisa, do que adquirir por qualquer maneira legal os haveres de um país e finalmente de um reino inteiro. Conseguindo-o, pretende apoderar-se de vários reinos, quiçá de toda a superfície terrestre. Naturalmente, não consegue realizar inteiramente este plano, mas nem por isso desiste dele e pensa ainda: Se dispusesse de uma força militar de alguns milhões de guerreiros invencíveis, acumularia todo o ouro e prata, todas as pedras preciosas e pérolas do mundo inteiro.

2. Outros nutrem o seguinte desejo: Oxalá uma peste assole todo o país, sendo eu o único a ser salvo; eu seria então o herdeiro universal de todo o país. E se os habitantes de qualquer outro país vierem me disputar a herança—que a peste os aniquile na fronteira!

3. Eis uma boa imagem do inferno fundamental, como a podeis encontrar todos os dias entre os homens de todas as classes, a começar pelo simples merceeiro até o grande especulador. O que é que os impede de realizar tais "louváveis" ideias? Só a fatal matéria! Fazendo abstração dela e considerando o espírito absoluto quando dotado das mesmas tendências, temos diante de nós o inferno fundamental em sua melhor forma.

4. Segundo. Tomemos o caso de um oficial de patente inferior. Qual é o seu pensamento principal? Prestar serviços úteis ao Estado? Seria sua última preocupação. Sua ideia predominante é ser

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promovido e, se possível, subir a cada hora um passo na escada, para tornar-se general em um ano e alcançar quanto antes graus superiores. Supondo que alcance o máximo grau, seu plano ou ao menos seu pensamento principal — será: Para frente agora com ingentes tropas de guerra, a fim de triunfar sobre todos os povos! E com o poder em minhas mãos após a vitória, todos os imperadores, reis e príncipes estremecerão diante da minha espada!

5. Quem não reconhece nisso o espírito de dominação em nosso oficial! E por que ele não consegue realizar seu intento? São as naturais circunstâncias materiais que o restringem, como foi o caso no exemplo citado acima. A matéria adverte o nosso herói e, querendo ou não, ele deve contentar-se com sua patente de oficial inferior. Em compensação, ele reclama muito e desabafa sua vontade de dominar sobre seus subordinados tanto quanto possível. Castiga a mínima falta de um deles com impiedade tirânica. Fazendo abstração dos impedimentos materiais que restringem nosso oficial, tereis diante de vós uma segunda, perfeita imagem do inferno fundamental.

6. Muitas vezes podeis encontrar esta imagem, principalmente junto à classe de pessoas que estão autorizadas a levar uma espada, ou também àquela que tem o privilégio de associar ao seu nome insignificante um brasão de nobreza. Sempre encontrareis aí a característica vontade de dominar, que é exatamente a razão de ser do ínfimo de todos os infernos, que é insaciável e quer estender sua vontade dominadora e sua cobiça até ao infinito. Logo mais seguirão outras imagens a respeito!—

Uma outra imagem do inferno mais baixo

1. Consideremos agora um amante velhaco e uma cortezã de semelhante vida devassa. A contínua tendência de tais inclinações carnais seria, se possível fosse e a condição física o permitisse, de namorar incessantemente de todos os modos imagináveis as mais belas e voluptuosas moças. Onde quer que o olhar de uma tal criatura encontre um ser feminino mais ou menos atraente, pode-se ler nos seus olhos que gostaria de servir-se dela imediatamente para satisfazer

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sua voluptuosidade, sem tomar em menor consideração a finalidade do ato de procriação instituído por Deus. Se não houvesse o impedimento pelas cívicas leis, moça nenhuma estaria segura da sua cobiça, até mesmo numa praça pública.

2. Mas, mesmo que não possa soltar as rédeas de suas paixões; sua responsabilidade não é menor, pois na sua cobiça já pecou. Suponhamos que este homem sensual disponha de bens suficientes para poder se proporcionar, com poucas exceções, todos os prazeres. Que faz então? Ele percorre países inteiros para proporcionar-se gozos requintados, já que no seu país não pode mais satisfazer seus apetites, pois já desfrutou de todas as possibilidades; e o que ainda almejasse, é-lhe inalcançável apesar de sua grande fortuna.

3. Quando nosso herói sensual tiver gozado tudo, do mais alto ao mais baixo grau, e sua natureza começar a negar-lhe seu vil serviço, ele recorre a meios artificiais, a fim de reanimar sua natureza insensibilizada. Se estes ficam sem efeito, ele procura o concúbito vergonhoso com garotos e rapazes sadios, com o que de novo restabe-lece um pouco sua natureza enfraquecida.

4. Com isso, sua natureza se inverte totalmente; ele começa, então, a ter repugnância pela carne das mulheres e procura satisfazer-se com a carne vivificante da juventude masculina, até que também isso o repugna. Sua impotência enche-o de raiva contra a instituição supostamente deficiente da natureza.

5. Sua crença em Deus há muito já se tornou vítima dos pecados carnais, cuja característica é de matar em primeiro lugar o que é de cunho espiritual. Por este pecado, o homem torna-se um materialista grosseiro e egoísta, amando só a si mesmo, e querendo que todo objeto de seus desejos sensuais sirva unicamente a ele. É um apaixonado sem limites por si mesmo, razão por que odeia tudo o que não se presta para sua cobiça. Por esta razão, ele se torna, como foi dito, um materialista egoísta, não havendo mais nele nenhum cunho espiritual ou de fé na Divindade.

6. Ele se torna, então, também ateu, e seu deus é a visível, externa natureza grosseira. A este deus ele faz seus sacrifícios enquanto consegue utilizar a força de sua própria natureza, experimentando assim que esse deus da natureza lhe proporcione excitantes e agradáveis

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prazeres por tal instituição. Ai, porém, deste deus da natureza quando priva nosso herói de seus serviços! Ira e raiva, vingança e são então os brasões que substituem sua devoção. Podeis acreditar-me que a ira secreta de um típico amante velhaco, ao lhe serem negadas suas forças físicas, ultrapassa todos os conceitos humanos. Um incendiário, um homicida, um assaltante, guardam provavelmente mais sentimento humano do que um amante velhaco, ávido da carne, quando sua própria carne vem a negar-lhe o serviço.

7. Pensais que são poucos tais homens a serviço dos prazeres carnais na Terra? Qual nada! Posso assegurar-vos que por um avarento de dinheiro há muitos de tais heróis carnais. Quem é pai e tem uma filha de semblante agradável, pode estar certo — sobretudo numa cidade — que ela muitas vezes é objeto de cobiça sensual.

8. Dir-se-á então: Isso não tem importância, pois pensamentos e desejos irrealizáveis não pagam direitos. Mas eu acrescento: Sem dúvida, para quem é cego no espírito, não podendo vislumbrar nada além da matéria. Mas o que diria um pai se lhe fosse aberto o olho espiritual e ele pudesse ver todos estes olhares voluptuosos que violam sua filha diante de seus olhos de todas as maneiras imagináveis?

9. O corpo da filha pode estar protegido, é verdade. Mas quem protegerá seu espírito e a esfera de sua irradiação, com a qual esses demônios da carne se comunicam para pervertê-la em sua cobiça infame? Se credes que isso não causa uma influência prejudicial à vossa filha, vos enganais redondamente!

10. Levai vossa filha com mais freqüência a lugares onde ela é objeto de muitos olhares sensuais, e dentro de pouco tempo ela começará a se abrir aos prazeres sensuais e a troçar e a rir-se secretamente das advertências morais dos pais. Seus sentidos se dirigirão mais e mais para onde pressentem tais homens sensuais. Podeis pensar que estou exagerando. Que influência prejudicial teria um desejo inocente ou um secreto pensamento voluptuoso sem o mínimo contato físico com um objeto alheio? Respondo apenas que esta comunicação não se dirige àqueles que perguntam desta maneira —sinal de pouca espiritualidade — assim como o Sol não ilumina o centro ela Terra. Pergunto, então, àqueles que já fizeram experiências no campo da vidência e que puderam, eles mesmos, observar o efeito

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perturbador que pessoas magnéticas sentem pela aproximação de tais criaturas libidinosas: de onde veio este efeito e qual a sua causa? Pois mesmo que este hóspede. intruso não tenha tocado na médium, essa, no momento da sua entrada, sente uma reação convulsiva e não raramente dolorosa.

11. Vede, a causa disso está na imediata degradação vergonhosa da esfera espiritual da médium, não resultando disso para ela um mal moral, devido à sua esfera estar mais fechada, e porque a médium faz logo um extremo esforço para libertar-se de tal hóspede.

12. Pergunta: Acontece isso também no estado natural, quando a esfera de cada pessoa é muito mais extensa e ela não percebe a sensação do prejuízo dentro de si? Em verdade, a influência em estado natural é muito pior do que em estado vidente, razão por que foi dado um Mandamento especial para que cada um se abstenha de pensamentos e desejos impúdicos.

13. Observando, pois, o comportamento de tal demônio da carne vê-se novamente um quadro perfeito do inferno. Basta despi-lo da matéria e considerar unicamente seu espírito absoluto e se admirarão diante do que verão: no início um lascivo de todas as maneiras imagináveis que depois se torna furioso e com raiva, que quer vingar-se violentamente do Criador e de toda a Criação por causa da suposta imperfeição de sua natureza. Não é preciso dizer mais a respeito, pois quem tem olhos verá pessoalmente. — No próximo quadro feminino, teremos ainda mais clara a aparência deste inferno diante de nós.—

Ambição de poder e soberba — sementes do inferno

1. É preciso um certo grau de conhecimento psicológico para descobrir que a ambição de poder é a feição principal do sexo feminino; pois ambição de poder e vaidade são irmãs gêmeas e têm a mesma raiz. Qual a mulher que não tenha algum grau de vaidade, seja no modo de se vestir, na mobília ou em outras coisas mais?

2. Examinai a tendência desta vaidade e encontrareis atrás dela unicamente a semente viva da soberba e a consequente ambição de poder.

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3. Objetar-se-á aqui: Não, isso é atacar o assunto de maneira rude demais! Ao contrário, deveria-se antes louvar até um certo grau a vaidade feminina, em vez de condená-la sem piedade. Pois, este certo grau de vaidade é, sem dúvida, apenas uma derivação do pudor feminino e do inerente sentido de asseio, o que é uma qualidade louvável e jamais um defeito do sexo feminino! — Bem, digo: Lamentavelmente chegou-se no mundo até a considerar o sentimento do pudor “planejado” como uma virtude, coroando-a com toda honra. Eis a melhor colheita para o inferno; pois por este caminho as pessoas necessariamente devem cair no pecado, ao passo que por um outro, quando muito, talvez o façam.

4. Retruca-se: Como assim? Mas eu pergunto: Do que faz parte a honra terrestre: da humildade ou da soberba? O humilde aspira ocupar o ínfimo degrau onde não há mais honra e distinção, assim como o Senhor procedeu com Seu grande exemplo, pois escolheu como Sua honra a mais profunda humilhação, o que constitui a maior ignomínia para o mundo.

5. Semelhante honra foi o destino de todos os Seus primeiros seguidores. Mas eu pergunto: Qual a função de tal pudor quando se é perseguido, escarnecido, nu e finalmente crucificado? Quanta honra, quanto pudor planejado ficará ainda no corpo de quem é levado à forca? Nesta ocasião, estes dois atributos da humanidade, tão altamente estimados, são postos de lado. 6. Se alguém quer classificar algo como virtude, deveria ser possível relacioná-lo, ao menos sob um ou outro aspecto, com Cristo na Sua qualidade de ponto central de toda virtude. Mas eu pergunto: Enalteceu Ele o pudor planejado e o sentimento de honra como uma virtude do homem? Ao contrário, ele proibiu Seus discípulos e apóstolos de ambicionarem qualquer honra, dizendo-lhes que não deveriam fazer-se saudar e honrar como exigiam os fariseus, que gostavam de ser saudados nas ruas e chamados "Rabbi".

7. Por conseguinte, não consigo compreender por que razão se possa qualificar de virtude o pudor planejado e a inerente cobiça de honras, tão predominante no sexo feminino.

8. Pode-se objetar: Que se tire ao sexo feminino o pudor, e em breve só haverá prostitutas. Mas eu afirmo resolutamente: Não há

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melhor meio sedutor para o sexo feminino do que o pudor. Basta que a ocasião se apresente e, em virtude deste sentimento, todo ser feminino se acha à beira da luxúria; pois nada é mais fácil do que se servir deste sentimento que se origina da sua própria vaidade. A pouca honra que é contrária ao pudor é um apoio tão fraco da virtude, que o mínimo sopro de vento a faz desaparecer num instante.

9. Resulta disso claramente que este lado da virtude feminina tem um defeito fatal. Para realçar isso, darei alguns exemplos tomados do vosso dia a dia.

10. Se um de vós chegar de manhã por acaso num quarto de vestir para moças, onde algumas estão ainda em trajes menores, elas gritarão e fugirão querendo ocultar-se por todos os cantos e atrás de cortinas — naturalmente movidas pelo sentimento de pudor planejado. Mas o que pudestes então ver de todos os seus encantos femininos? Se muito, uma cabeça desgrenhada, um rosto sonolento e ainda não lavado, um antebraço descoberto até o cotovelo e talvez metade de um seio. E agora, as jovens se vestem. Os braços desnudam-se não raramente até debaixo dos ombros, a nuca e o peito ficam despidos nos limites permitidos por uma certa decência ou são, quando muito, cobertos por renda transparente para elevar os encantos das partes descobertas. Completou-se o sentimento de pudor matinal.

11. Pergunto: Onde aninhou-se o sentimento de pudor, nas moças ou no négligé? Mas há mais! A mesma pudica jovem que de manhã, devido à visita do intruso, quase sofreu um derrame e que, naquela hora, por nada no mundo se teria deixado tocar por um homem — esta mesma mocinha superpudica é levada à noite em estado seminu a um baile onde se deixa, sem cerimônia, tocar e não raramente afagar por seu parceiro. Onde ficou aqui o matinal sentimento de pudor? Certamente em casa junto da roupa de dormir que não valorizou suficientemente seus encantos. Mas continuemos!

12. Num baile, ou em outra ocasião, talvez numa visita social ou num passeio inocente, a mesma jovem cruzou o olhar com um rapaz de quem gostou. E em cada ocasião que se oferece, ela despede-se agora do sentimento planejado de pudor. Não demora para que nossa jovem pudica descubra para onde se dirige de preferência o olhar do rapaz, e, com todo cuidado, ela procura tornar-se o mais possível atraente naquelas partes para todos.

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13. Mas se seu preferido a encontrar numa reunião social onde ela quer se mostrar do seu lado mais respeitável, ele deverá se contentar em receber dela, em momentos propícios, uns olhares furtivos; ela quer sobretudo fazê-lo admirar o lugar de destaque que ela já ocupa na sociedade. E coitado dele se quiser aproximar-se demais dela. Mas quando se trata de um encontro, sobretudo num lugar ao abrigo dos raios do Sol e dos ruídos do mundo, o pudor planejado não existe mais e nossa jovem, tão pudica na manhã, entrega-se aos olhares dele da cabeça aos pés. E nem se fala de violação do puro sentimento de pudor, se o preferido a apalpar à vontade.

14. Desta maneira, este sentimento tão exaltado se perde totalmente; e eu pergunto: Onde está agora o efeito desta virtude tão elogiada? Evaporou-se, mostrando seu verdadeiro semblante ao retirar a máscara. E todo homem sensato verá que ela nada mais é do que uma serpente no peito feminino, ou a primeira semente do inferno mais baixo, a qual, após se ter desenvolvido, faz brotar, como de uma cornucópia, todos os vícios femininos imagináveis. — Em seguida, mostraremos as etapas deste desenvolvimento, como fizemos até agora.—

Frutos que amadurecem para o inferno

1. Voltemos à nossa pudica jovem, acompanhando-a novamente para uma sociedade onde ela faz papel de rainha por causa de seus encantos femininos. Seu namorado também está presente naquela sociedade. O que faz sua favorita? Será que se dedica a ele? De modo nenhum; pelo contrário, ela o faz a tantos outros frequentadores da sociedade, aceitando que estes lhe façam profusamente a corte. Por que razão age assim?

2. Como conheço bem o mundo, vo-lo direi: Ela não o faz por querer tornar-se infiel a seu namorado, mas para demonstrar-lhe seu grande valor. Com isso, indiretamente lhe diz: Reconhece que tesouro excepcional tens em mim!

3. O namorado, porém, não sendo onisciente, toma tudo de outra maneira. Seu ar se torna sombrio, e ele devolve seus olhares do lugar

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onde sua namorada está sendo cortejada. Mesmo olhando-a furtivamente, ele o faz já com ardente ciúme.

4. Nossa jovem percebe isso, mas não altera de modo nenhum sua atitude. Antes, incrementa seu jogo para vingar-se de seu namorado, já que este não soube apreciar seu grande valor que ela queria demonstrar-lhe desta maneira. O namorado procura, então, retirar-se o quanto antes da sociedade, pensando, cheio de raiva no coração: Espera-me, desgraçada! Se nos encontrarmos a sós, ouvirás o que penso de ti, e o farei duma maneira que não esquecerás! Pois agora só quero vingar-me da tua infidelidade!

5. Há um encontro entre eles que resulta em ardentes repreensões, seguidas pelo término do namoro. Raramente chega-se a restabelecê-lo, mas neste caso, ele não resiste mais do que da primeira vez. Mas, separação ou conciliação, o resultado não é muito diferente. Se há reconciliação, ela lhes serve geralmente para ressaltarem mutuamente ainda mais seu valor, sendo que tal amor recomeçado na maioria dos casos nada mais é senão uma vingança disfarçada. E se não chegam a reconciliar-se, eles procurarão fazer sentir um ao outro — até ultrapassando-se nisso — em toda ocasião e da maneira mais impiedosa, o quanto se desprezam.

6. Dentro em breve, a moça, por pura vingança, não se importa mais com os limites do pudor, tornando-se uma coquete. Se o antigo namorado não se dá por vencido com isso que ela deseja, pelo mesmo sentimento de vingança ela se torna prostituta, o que leva o ex-namorado a apagar do seu coração o último vestígio de seu prévio sentimento para com ela. E uma vez que nossa jovem outrora pudica gozou do doce aguilhão da voluptuosidade, nem um deus, como costumais dizer, será capaz de levá-la de volta ao caminho da virtude. Ficando infeliz com isso, na maioria dos casos afasta de si toda a culpa, incriminando — com o coração cheio de raiva — aquele primeiro namorado que vergonhosamente não compreendeu suas boas intenções.

7. Eis que estamos agora diante do fruto inteiramente desenvolvido do planejado pudor feminino, tão apreciado no início. E eis o nome do fruto: ínfimo inferno perfeito! Ou ainda: Inferno totalmente maduro ao cair a casca externa! Pois, o que uma tal infeliz jovem seria capaz

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de fazer àquele que ela considera, se bem que erroneamente, como causa de sua desgraça?

8. Se fosse possível vê-lo, no auge de sua raiva, despedaçado por mil serpentes ardentes, esta vingança mal seria uma refrescante gota de orvalho para seu furioso coração.

9. Quem duvidar disso, que vá visitar uma de tais infelizes jovens para travar conversa com ela sobre a referida causa de sua desgraça. Na melhor das hipóteses, ele verá irromper da boca da moça como que todos os vulcões da Terra; em caso pior, ouvirá: Por favor, dispensa-me deste assunto! Ao ouvirdes isso, já sabeis o que pensar dela. — Enfocamos já bastante o amadurecer dos frutos para o inferno; mas em breve, daremos uma elucidação mais especial.—

Em estado espiritual, todos os segredos são revelados

1 Não são raros os casos em que uma tal jovem magoada, por mera vingança contra seu anterior namorado, casa-se com outro por quem não sente nenhum amor em seu coração. Agindo assim, ela quis punir gravemente ou até matar seu anterior namorado por não a ter apreciado devidamente. Que acontece então?

2. O antigo namorado não se ofende, procurando tranquilamente outra namorada que muitas vezes é melhor que a anterior. Qual é o efeito disso sobre a primeira namorada, agora casada? Torna-se mal humorada e pouco comunicativa. Em vão seu marido lhe pergunta a causa disso! O que a oprime é-lhe pesado demais, não podendo confiá-lo a ele sem provocar suspeitas. Abstém-se, é verdade, de fazer mais diligências contra seu antigo namorado, prejudicando-o ou provocando-o, mas a causa de seu rancor grava-se ainda mais profundamente no seu coração. Passam-se os anos, e como o tempo é sempre o melhor remédio — se bem que só paliativo — para curar certas feridas, cura também esta. Frequentemente acontece que antigos namorados do gênero tornam-se ainda bons amigos.

3. Dir-se-á então: Bem, se acontece isso, também o inferno terá recebido o golpe mortal; pois, onde a amizade substitui a prévia

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inimizade, conseqüentemente o Céu também toma o anterior lugar do inferno. — Vista por fora, a situação parece ser esta. — Mas temos diante de nós um guerreiro coberto de feridas, curadas por emplastro paliativo e pelo passar do tempo. Quando faz bom tempo, nosso guerreiro chega caminhando alegremente, mal sabendo que seu corpo está coberto de feridas cicatrizadas. Mas, aproximando-se uma tempestade, as feridas começam a se fazer sentir, e quanto mais piora o tempo, tanto mais ardem as feridas, tornando-se a dor insuportável. Desesperadamente, ele dá voltas no leito, amaldiçoando a guerra, os generais, o imperador, até a Deus, seus pais e o dia em que nasceu.

4. Eis uma imagem fiel de tais amizades morais e paliativas que são uma consequência da falta de memória do tempo terrestre. Mas quando vem uma má tempestade, (— quer dizer que os espíritos absolutos de tais amigos se reúnem no Além no momento em que pecaram na Terra um contra o outro e no momento em que percebem, mediante a clarividência do seu espírito, os prejuízos resultantes das mútuas ofensas, bem como as vantagens que poderiam ter auferido se não tivessem pecado —) os veremos encontrarem-se com o maior desprezo e com terríveis maldições. E não há dúvida que isso não é um Céu, como parecia externamente, mas o próprio inferno em sua mais ínfima potência.

5. Eis por que está nas Escrituras que cada um deve examinar muito bem a sua consciência, e que não há nada tão oculto e tão secreto no homem que não será um dia proclamado dos telhados das casas. Isso quer dizer: O homem não abriga nada de tão íntimo em si que não se torne exteriormente perceptível no estado espiritual absoluto. Por isso, cada um deve ser vivamente aconselhado de examinar minuciosamente todas as relações amigáveis e também as inimigas que jamais experimentou, e de imaginar como reagiria se fosse passar novamente por elas. Pois todo homem que vive agora na Terra deve preparar-se para ser colocado no Além, em estado puramente espiritual e de maneira muito viva, em todas aquelas fatais situações que na Terra lhe eram as maiores pedras de escândalo; — pois o próprio Senhor nos precedeu com este exemplo.

6. Em primeiro lugar, Ele foi julgado na Terra por Seus inimigos que O crucificamm no meio de criminosos; depois, Sua Alma substancial

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não subiu logo ao Céu, mas desceu ao inferno onde aguardavam Seus maiores inimigos, se bem que também muitos velhos amigos, como os antigos ancestrais e numerosos profetas e instrutores (que formaram uma forte proteção entre o próprio inferno e o mundo dos espíritos — 'nota do editor alemão').

7. Quem não devolveu, neste mundo, o último tostão devido, não poderá entrar no Reino dos Céus. Eis porque se aconselha vivamente a cada um de passar a vista pelos velhos livros de dívidas, sobretudo aqueles com o título de amor. No Além, as dívidas contraídas contra o amor são as mais tenazes. Na câmara da memória, o roubo de um milhão é mais facilmente apagado do que uma dívida de amor. Por quê? Porque o roubo de um milhão é apenas uma grande dívida exterior que não diz respeito ao espírito; mas uma dívida contra o amor afeta geralmente todo o espírito, porque tudo o que é amor constitui a própria essência do espírito. Por esta razão, nada no mundo é tão perigoso ao homem do que "apaixonar-se", como dizeis; pois este estado cativa inteiramente o espírito. Se em seguida obstáculos exteriores se apresentam que impedem a realização deste tipo de mútuo amor sexual prematuro, os espíritos ofendidos se retiram, sim, e cicatrizam as feridas recebidas por toda sorte de enfeites mundanos. Contudo, a cura, se bem que operada no fundo do ser, tem caráter paliativo.

8. Surgindo então uma perigosa tempestade espiritual, estas feridas rebentam de novo. Este segundo estado será muito pior do que o primeiro; também a Escritura se refere a isso quando fala dos sete espíritos expulsos. Lemos aí que a casa foi limpa por meios externos, devendo o mau espírito atravessar estepes e áridos desertos. Mas não encontrando aí alojamento, volta com sete outros ainda piores, entrando de novo em sua antiga casa purificada.—

9. A antiga casa purificada é o espírito que neste mundo é purificado por meios externos. O mau espírito é o estado ruim em que um homem se encontrou uma vez nesta Terra. Ele foi expulso totalmente por meios externos. Atravessa então estepes e áridos desertos, isto é, o espírito do homem cura e cicatriza suas feridas de maneira que não mais sangram e se tornam secas. Mas o mau espírito volta com sete outros espíritos, o que quer dizer que no estado espiritual absoluto, todas as feridas são novamente expostas e abertas, e com

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muito maior veemência; eis então o estado denominado pior de que o anterior. 10. Mas em todo lugar onde um ser se apresenta com a mais profunda, perniciosa ira contra um outro, o inferno fundamental se acha diante de vós!

11. Por esta razão, eu, João eterno servidor bem experiente e servo do Senhor, aconselho à todos os homens e principalmente aos pais, de prevenir seus filhos para se precaverem da, paixãó mais do que de qualquer outra coisa. Podeis observar quanto o espírito de um jovem estudante sofre quando se apaixonou antes do tempo; pois este jovem é muitas vezes arruinado por toda a vida, e não mais capaz de um progresso espiritual. Se ele tiver qualquer outra paixão, podeis, por uma justa direção, ajudá-lo a vencê-la e tornar-se um homem de valor. Mas é mais fácil remover um monte, do que afastar uma viva imagem de encanto que se tiver amalgamado com o espírito de um jovem coração de um ou outro sexo.

12. E é exatamente o apaixonar-se prematuro que tem suas raízes na maior impudicícia espiritual; pois tudo o que pretende enganar o espírito, é impudicícia e luxúria.

13. Mas como o amor é uma característica principal do espírito, fraudar o amor ou pecar claramente contra ele, é o mais profundo e ínfimo grau da verdadeira luxúria espiritual, ou seja, o próprio, ínfimo inferno.

14. É sobremaneira importante que cada um tome vivamente a peito tudo o que foi dito até agora. — Brevemente, seguirão mais considerações especiais do gênero.—

Céu e inferno — polaridades no homem

1. Direis que é de fato provável que as coisas tomarão este rumo e que cada ferida sofrida pelo espírito se torna manifesta em seu estado absoluto, fazendo-se nele sentir. Mas em vista das explicações básicas recebidas sobre o inferno fundamental, não entendemos como as reminiscências de um amor ofendido neste mundo possam, no estado absoluto espiritual, justificar sua qualificação como

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inferno fundamental. Pois, dificilmente haverá alguém na Terra que não, tivesse sofrido, ou originado tais ofensas. Admitindo-se a possibilidade que no estado absoluto espiritual tais reminiscências sejam qualificadas de basicamente infernais, gostaríamos, com efeito, de saber, quantas pessoas, no curso de um século inteiro, chegam ao Céu?

2. Como tais faltas poderiam merecer uma condenação tão forte, se um homem chega a pecar, em estado puramente passivo, contra uma Ordem Divina cuja observação não lhe é possível por falta da necessária força e de toda sorte de experiências?!

3. Bem, digo, peço a quem me replica desta maneira que releia profundamente tudo o que já foi dito. Verá, então, que nunca disse quem irá ao inferno e para quantos este será o destino. Apontei apenas para todos, o que, no homem, é uma aparente manifestação infernal. Pois em toda a Terra não há ninguém tão perfeito, que não leve em si, no fundo, o inferno inteiro, assim como o Céu inteiro.

4. Do mesmo modo como já demonstrei suficientemente o que é no homem o Céu e de que modo este é criado e reproduzido, da mesma maneira devo também mostrar como se cria e reproduz no homem o inferno.

5. Seria bem triste e sumamente desumano, se um homem, pelo fato de conter em si a bem aparente imagem do inferno, já fosse seu habitante. Nesse caso, também todos os anjos deveriam ser espíritos do inferno; senão a nenhum anjo seria possível penetrar naquele lugar, a fim de pacificar os espíritos rebeldes. Eu mesmo não poderia mostrar-vos e revelar-vos o inferno, se não o tivesse integralmente em mim. Aliás, seria muito perigoso para os habitantes do Céu, se não tivessem em si a correspondente imagem aparente do inferno, pois então não poderiam perceber todas as tramóias que o inferno engendra contra eles.

6. Mas devido à presença da imagem infernal em nós, anjos, nenhum espírito do inferno inteiro poderia empreender algo que não pudéssemos instantaneamente avistar em nós.

7. Inferno e Céu comportam-se nos homens como duas palaridades opostas, sem as quais a existência de coisa alguma poderia ser imaginada.

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8. Assim, cada um tome nota que aqui não se trata de dizer quem irá ao inferno, pois isso seria julgar a humanidade terrestre. O nosso intuito é somente tornar bem claro em que consiste o próprio inferno.

9. Cada um pode concluir disso que semelhantes infidelidades no amor são propriamente o puro inferno, pois têm como fundamento o amor-pró rio e a ambição de poder.

10. Enfim, não é o ciúme que desperta o amor-próprio, o egoísmo e a ambição de poder? Ninguém é ciumento porque o eleito de seu coração não tem suficiente amor, mas porque ele mesmo se vê frustrado na sua exigência, achando seu valor desprezado por aquele ou aquela de quem esperava receber a máxima consideração.

11. Pergunta: Não é o ciúme o polo diametralmente oposto àquele estado onde a pessoa, de um ou outro sexo, deve esquecer-se inteiramente de si, a fim de poder dedicar-se totalmente ao bem do seu próximo?

12. Mas de que maneira pode cada um subjulgar este inferno fundamental, transformando-o de ativo para puramente passivo?

13. É muito fácil. É só perdoar de todo coração, em Nome do Senhor, tanto a pessoa ofendida como a que ofende, abençoando um ou outro também em Nome do Senhor — e é claro que isso deve ser feito com toda seriedade — e o inferno inteiro já estará subjugado no homem!

14. Em verdade vos digo que um simples olhar arrependido para o Bom Pai é suficiente para escapar para sempre do inferno! — Mirai o malfeitor na cruz, que era bandido e assassino; mas elevando seu olhar ao Senhor, disse com grande e aflitiva contrição de seu coração: "Ó Senhor, quando chegares ao Teu Reino e nos julgares, que somos grandes malfeitores, lembra-Te de mim e não me punas severamente demais pelos grandes crimes que cometi!"

15. E vede, o grande Juiz Onipotente lhe disse: "Em verdade te digo que hoje estarás Comigo no paraíso!"

16. Este acontecimento verídico permite a todo cristão razoavelmente fiel ver quão pouco é preciso para subjugar para sempre todo o ínfimo, poderoso inferno.

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17. Semelhante é o exemplo da mulher de Samaria junto à Fonte de Jacó. À ela que já vivera com sete homens, o Senhor disse: "Mulher, dá-Me de beber!" E ainda: "Se conhecesses Quem é Aquele que te pede: `Dá-Me de beber!', tu Lhe pedirias que te dê da água viva, para que nunca mais tenhas sede!" Eis as Palavras trocadas naquele lugar.

18. Quem não vê logo quão pequena é a compensação que o Senhor pede a esta pecadora em troca do Reino do Céu — apenas um gole d'água! Igualmente, todos os cristãos razoavelmente versados nas Escrituras conhecem o episódio da adúltera, e também a vida de Maria Madalena. O pecado da primeira, o Senhor o escreveu duas vezes na areia; e Maria Madalena teve o imenso privilégio de ungir-Lhe os pés e de ser a primeira a ver o Senhor Ressuscitado! Também no relato do filho pródigo, e no outro da procura da centésima ovelha perdida, o Senhor mostra quão pouco Ele exige do pecador, para obter a Graça e a Misericórdia!

19. Por isso, não vamos revelar aqui quem vai ao inferno, mas somente em que ele consiste.—

Princípios celestes e infernais

1. Novamente alguém quer me contradizer. Ele diz: Está tudo bem; a contemplação da aparência do inferno pode ser útil para alguns, mas não antes de eles saberem a partir de que momento o inferno aparente se mostra tão positivo no homem, ou numa sociedade humana inteira, que se torna sua polaridade principal, e com isso efetivamente parte do inferno. Em poucas palavras: primeiro é necessário saber claramente quem vai ao inferno, de que maneira e quando isso acontece; pois, sem isso, todo conhecimento da aparência do inferno, por necessário que seja, não serve para nada. Quem não sabe onde pode cair nas mãos do adversário, de que maneira e em que tempo isso se pode dar, já está perdido; pois será no ponto onde ele se julga em plena segurança que será atacado de improviso por seu adversário, sem que haja para ele salvação. Daí a pergunta

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decisiva: Quando um pecador, qualquer que seja sua índole, vai ao inferno ou não?

2. Esta pergunta parece legítima, já que na Escritura Sagrada há tantos exemplos de pecadores da mesma gravidade, dos quais uns vão ao inferno e outros são salvos. — Mas eu, João, digo: Esta pergunta parece justa, mas contudo não o é. Mostrando-vos a aparência do inferno, indico também, indiretamente, a quem de fato ele cabe. Espero que nesta exposição não penseis que sob o conceito de inferno se deva imaginar um lugar de carceragem concreto, onde as respectivas almas são aprisionadas, mas apenas um estado que um ser com livre arbítrio assume pela sua maneira de amar e por suas ações. Quem tiver certa maturidade de pensar compreenderá facilmente que alguém pertence ao inferno enquanto agir conforme os princípios do mesmo. E os princípios do inferno são: ambição de poder, amor-próprio e egoísmo, que são estritamente opostos aos princípios celestes, a saber: humildade, amor a Deus e amor ao próximo.

3. É tão fácil, ou até mais fácil ainda, distinguir estes princípios opostos do que discernir a noite do dia. Quem quiser chegar a saber sem dúvida se pertence ao inferno ou ao Céu, deve cuidadosamente interrogar sua suposta consciência. Se ela, baseada na sua inclinação principal e no seu amor, diz sucessivamente: Isso é meu, e aquilo também é meu; e queira ter esta coisa e também aquela; este peixe é meu, e quero ainda apanhar o outro; dai-me tudo, pois quero, sim, quero tudo! — Onde a “consciência” se manifesta desta maneira, o inferno, é ainda o polo preponderante.

4. Entretanto, se a consciência disser: nada é meu, nem isto nem aquilo, pois tudo pertence ao Senhor e eu não valho nada; e se algo realmente me pertence, ou se me pertencesse, o consideraria como propriedade de meus irmãos. — Se a resposta do meu íntimo fosse esta, o Céu é o polo positivo.

5. Por conseguinte, se alguém escolheu uma moça, e se ela for escolhida ainda por outro, e se isso for motivo do mais grosseiro ciúme no primeiro pretendente, é sinal que nele a polaridade do inferno já é predominante. — Mas se ele disser: Querida, tu unicamente és a dona do teu coração. Amo-te realmente, por isso não quero que te sacrifiques, mas pelo contrário, estou pronto a fazer qualquer

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sacrifício por ti; portanto, de minha parte, és inteiramente livre. Age como te parece melhor; jamais perderás por isso meu amor sincero e minha amizade. Pois se eu quisesse forçar-te a dar-me tua mão, amaria só a mim e faria de ti uma escrava! Mas não amo a mim em ti, e sim, unicamente a ti em mim. Por isso de minha parte és perfeitamente livre de fazer a escolha que julgas a melhor para tua felicidade.

6. Vede, nesta linguagem já se percebe a irradiação de um cidadão do Céu, pois é assim que se fala no Céu. E quem é capaz de falar assim, do fundo do seu coração, naquele não há mais nenhuma gota positiva infernal.

7. Quem é capaz de abnegar-se deveras neste ponto espinhoso, tanto mais facilmente poderá abnegar-se nos outros pontos menos delicados. Mas quem se torna ciumento, rompendo logo a amizade com sua namorada, amaldiçoando-a em seu coração com desprezo, rancor e ira, assim como seu rival, já está agindo como habitante do inferno, que forma nele claramente o polo positivo.

8. Eis a norma para o homem celeste: Quem percebe que num assunto qualquer entra também o amor do seu próximo, deve logo retirar-se sem criar obstáculos contra a realização do seu amor; pois é melhor perder em qualquer assunto mundano, do que ganhar algo por uma luta, por menor que seja.

9. Pois quanto mais alguém sacrifica na Torra, mais ganhará no Além. Quem renuncia aqui a um vestido simples, lá encontrará um de ouro; quem dá dois, lá receberá dez. E quem renuncia aqui a uma jovem de sua escolha, virão ao seu encontro no Além cem imortais. Quem cede aqui um árido pedaço de terra a um necessitado, receberá ali um mundo inteiro. Para quem prestou na Terra ajuda a um só pobre, centenas de braços se estenderão no Além, ajudando-o a entrar na vida eterna! — Assim, nada do que se sacrifica aqui será perdido. Quem semeia ricamente terá também colheitas abundantes; mas quem semeia escassamente, terá igualmente colheitas fracas.

10. Creio agora ser esta exposição suficiente para tornar bem claro a cada um, se e a partir de que momento é o inferno ou o Céu que se tornam nele a polaridade positiva. Assim, ninguém mais precisa fazer a pergunta ridícula: Quem vai ao inferno ou ao Céu? E, como e quando

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isso acontece? — Pois ninguém vai ao inferno ou ao Céu, pela simples razão de que cada um já leva ambos em si.

11. Se o inferno é positivo, o homem inteiro já perfaz o inferno pela maneira como vive e age; e se o Céu é positivo, o homem inteiro já é o próprio Céu, porque assim é sua vida. E ninguém precisa perguntar-se: Que aspecto tem o Céu ou o inferno? Mas cada um observe a própria polaridade e verá nitidamente qual o aspecto do inferno ou do Céu.

12. Pois em parte alguma há um lugar que se chama Céu ou inferno, porque cada um o é por si mesmo; e ninguém chegará a um outro Céu ou a um outro inferno do àquele que já leva em si.

13. Já vos convencestes suficientemente quando nos encontrávamos naquele Sol Central, onde vimos coisas maravilhosas. Onde se achava este Sol? Em vós mesmos! Onde estamos neste momento? Conforme a aparência, no Sol Espiritual, mas em realidade estais em vós mesmos.

14. Todo sonho vos mostra como isto é possível, e já recebestes explicações acertadas a respeito. E é o mesmo caso, com a maior e mais clara firmeza, no estado espiritual absoluto (com a única diferença que no sonho as duas existências do ser são ainda indefinidas). — Para compreenderdes isso mais profundamente, em breve refletiremos com alguns exemplos.—

O espírito, criador do seu próprio mundo

1. Um bom paisagista volta para casa de um dos lindos passeios ao campo que ele muito aprecia. Ele está tão fascinado pela região que percorreu desta vez, que gostaria de mudar-se para lá definitivamente. Mas seus negócios não o permitem. Só lhe resta imaginar-se nesta magnífica paisagem que tanto o atrai. Na sua sala de estar há duas grandes paredes vazias que ele decora, pela sua exímia arte, com tão perfeitas pinturas desta belíssima paisagem — de resto bem conhecida — que cada visitante a reconhece imediatamente e lhe exprime toda sua admiração.

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2. Pergunta: De onde tomou nosso pintor o modelo para sua obra? Serviu-se ele talvez de gravuras? Ou tinha feito esboços da região em outra ocasião? Não, nem um nem outro; gravou na sua imaginação os vivos contornos da região, podendo então reproduzi-la fielmente na parede.

3. Esta certo, e cada um deve admitir que isso é possível; mas não há dúvida que nem todos compreendem de que maneira nosso pintor conseguiu transferir em sua fantasia a linda paisagem para a parede. Pergunta-se, pois: como e de que maneira este pintor projetou para a parede a paisagem que tinha viva em sua imaginação? Vede, este é um importante processo vital de grande significado; por isso, vamos esclarecê-lo um pouco mais. Quando da contemplação do nosso Sol Central, aprendemos a conhecer e compreender, o mais claramente possível, tudo o que há no espírito do homem; se tudo isso não existisse no espírito humano, como poderia ele ter uma ideia e imaginar o que nenhum olho humano jamais viu?

4. Acontece, porém, que o homem pode atingir em si mesmo concepções inconcebivelmente elevadas e de suprassensorial espiritualidade; portanto, deve conter em si tudo o que a imaginação pode produzir.

5. Ora, a imaginação do homem pode ser pura ou impura. Ela é pura quando — o que é mais raro — o espírito imortal do homem já alcançou em seu corpo um grau tão absoluto, que suas imagens puras não são escurecidas ou manchadas pelas imagens do mundo exterior. Assim, a imaginação pode ficar pura, mesmo assimilando imagens apenas exteriores, quando, pela força da alma, segura as imagens recebidas, reproduzindo-as na ocasião com fidelidade à natureza. No entanto, a imaginação é impura quando o espírito se comporta, em seu corpo de maneira passiva demais, tanto em relação com suas próprias imagens interiores como com as do mundo exterior, misturando tudo, o espiritual e o natural; e quando ele cria uma imagem de fantasia, ninguém compreende se seu sentido é espiritual ou natural. A esta categoria de imagens de fantasia impuras pertencem todas aquelas místicas obscenidades medievais que mostram o Céu numa forma esquisita, e onde o inferno e o chamado purgatório viram um forno, e outra tolices mais.

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6. Disso resulta que no espírito que constitui toda a vida de sua alma e de seu corpo, tudo já deve existir antecipadamente, do mínimo ao máximo do, que é contido ao Infinito, portanto também Céu e inferno, e no meio destes dois extremos todo o mundo natural E esta infinita faculdade do espírito, cheia de vida, é o que chamais, em sentido geral, de "fantasia".

7. Quando, então, alguém quer tirar algo desta rica despensa, basta despertar seu amor. Quanto mais forte é o amor, tanto mais impetuosa é sua chama, e tanto mais vivo seu calor e sua luz.

8. Por esta característica do amor, a própria imagem captada por ele torna-se viva, exprimindo-se, pela luz do amor, cada vez mais nítida, até alcançar, semelhante à paisagem do nosso pintor, a plena maturidade. E esta imagem amadurecida no homem pela propriedade do amor constitui o verdadeiro mundo interior do espírito.

9. Sabemos agora de onde o pintor tomou o modelo de sua imagem. Mas isso não basta. Sabemos algo mais, e precisamente que desta maneira é o espírito o criador do seu próprio mundo.—

10. Mas também sabemos que cada coisa no mundo pode respectivamente ser boa ou má, conforme o amor a condicione. O amor estando dentro da ordem de Deus, tudo o que faz é bom. Contrariando o amor a ordem de Deus, todos os seus efeitos serão maus. — É desta maneira que cada homem desenvolve em si ou o Céu ou o inferno.

11. Cada feito, cada ação, precisa de um ponto de partida e, em princípio, de uma certa forma, ou melhor: duma cerimônia que condiciona sua realização.

12. Ora, que impressão tendes de uma região na Terra onde há monumentos que enaltecem numerosas atrocidades? Ao vê-los, ficareis certamente arrepiados. Eis aí uma forma do inferno; pois, em espírito forma-se também um mundo semelhante, cheio de monumentos que glorificam as atrocidades. Neste mundo, o espírito vê infinitas profundezas do passado e nelas seu próprio, incorrigível mau comportamento. Mas é bem diferente quando chegais numa região onde moravam desde sempre homens nobres, ricos em ações boas e nobres. Lá vos sentireis aconchegados e sereis acometidos de

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um sentimento de transfiguração, como se vos encontrásseis no seio de Abraão. Eis um pressentimento do Céu. — No estado espiritual absoluto, é esse sentimento e essa forma que se exprimem com toda vivacidade. E esta forma é o lugar espiritual do Céu e também uma obra do espírito, como facilmente compreendeis.

13. De tudo isso resulta claramente que, segundo seu amor, cada um torna-se o criador do seu próprio mundo interior, não podendo nunca chegar a qualquer outro Céu ou inferno, mas unicamente ao ambiente criado pelo seu amor. Por isso consta também: "E vossas obras vos acompanham." — E pelo mesmo modo, como agora estudamos a aparência do inferno, passam também nossos conhecidos alunos no Sol. Logo mais veremos por quais experiências eles passarão.—

Continuação da evolução dos alunos do Além O Reino intermediário (o HADES)

1. Será que eles retornam — como costumais dizer — do inferno ao Céu? Seria uma maneira de falar muito terrestre, pois estes alunos jamais entram em verdade no inferno, mas apenas em um estado que lhes faculta contemplá-lo em sua própria esfera. Basta uma justa aversão pelo estado infernal tão oposto à sua própria polaridade, para que nossos alunos se achem de novo na sua verdadeira, positiva esfera celeste. Mas não se atinge o Céu pelos conhecimentos e a inteligência, nem por um amor limitado ao culto de preces ociosas num claustro, mas unicamente por obras de amor, baseadas no benéfico fazer-bem ao próximo; nossos alunos, para alcançar o verdadeiro Céu, devem, portanto, concordar em assumir um sério estado ativo.—

2. Em quê consiste este? Em poucas palavras, podemos dizê-lo. — Observai a esfera espiritual de vossa Terra que ainda pertence ao seu estado natural. E o chamado "Reino intermediário", apelidado também de "HADES", que corresponde mais ou menos ao que os católicos-romanos entendem — mas muito erradamente — sob o conceito de "purgatório". Este reino pode ser melhor comparado a uma grande sala de entrada, para onde todos se dirigem, sem distinção de

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classe e posição, preparando-se ai de certo modo à ulterior entrada nas repartições propriamente ditas, destinadas aos hóspedes.

3. É, pois, também este Hades aquele primeiro estado natural-espiritual em que o homem e chega logo após sua morte.

4. Pois ninguém vai imediatamente ao Céu, nem ao inferno, a não ser que no primeiro caso tivesse já na Terra conseguido o perfeito renascimento pelo puro amor ao Senhor, ou que, no segundo caso, ele fosse um pérfido malfeitor contra o Espírito Santo. No primeiro caso, deveria-se, pois, esperar o acesso direto ao Céu; no segundo caso, porém, ao ínfimo inferno, sem passar pelo reino intermediário. O Céu, no primeiro caso, pelo fato que tal homem já leva em si o Céu na mais alta perfeição; e no segundo-caso, o inferno, por este homem se ter livrado totalmente até dos últimos vestígios celestes. Mas esta é apenas uma observação secundária que não entra na matéria; assim, não nos deteremos neste assunto, mas focalizaremos logo o que nossos alunos devem realizar agora, e em que lugar.

5. Este grande REINO INTERMEDIÁRIO é a oficina principal para todos os espíritos celestes. E a todos distribuem-se tarefas que os ocupam plenamente. Pois imaginai este lugar onde em cada hora de cada dia há mais de cinco a sete mil recém-chegados. Eles devem ser logo examinados e dirigidos ao lugar que corresponde exatamente ao seu estado, ou seja: devem ser levados ao estado que coincide perfeitamente com seu amor fundamental. Eis porque devem ser sondados e experimentados em todas as suas tendências. Dependendo então da sua inclinação, deve ser-lhes espiritualmente aberto o caminho.

6. Decerto na Terra isto não seria possível, pois abriria o caminho à simonia, que dentro de pouquíssimo tempo transformaria toda a Terra em um covil de salteadores e assassinos. Mas no Reino dos espíritos mantém-se justamente a simonia, e cada um pode, portanto, entregar-se sem entraves às sua tendências.

7. Sem dúvida, me dirão: Neste caso, quem jamais poderá chegar ao Céu? Mas no Além vigoram outras leis, ou seja: Cada médico deve conhecer seu doente desde o princípio, antes de receitar-lhe um remédio que deve levar-lhe a cura total. Pois no Além, a ninguém serve uma cura paliativa. Por isso, cada recém-chegado deve, de certo modo ativamente, fazer uma confissão geral de sua vida, do princípio

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até o fim. Só depois que isso tiver sido feito, seu estado sofre uma transformação, chamada o desvendamento completo. Neste estado, cada espírito aparece totalmente nu, passando então a um terceiro estado, chamado alienação, ou também mortificação de toda sorte de sensualidade que o homem trouxe do mundo.

8. Somente depois de ter concluído este processo, o homem espiritual vai, no caso bom, ao Céu ou, no caso mau, ao primeiro inferno.

9. A aparência deste lugar de alienação já vos foi demonstrada suficientemente, pelo meu predecessor, quando estivestes numa região escuríssima em meio de "comedores de musgo". Como estes espíritos chegam então pouco a pouco ao primeiro Céu ou ao primeiro inferno, foi-vos claramente mostrado por imagens.

10. A esta altura, já podemos responder à pergunta: Qual é, em todas estas ocasiões, a tarefa dos nossos alunos? Cabe-lhes sondar os recém-chegados e abrir-lhes os caminhos até o lugar da alienação. Lá, por enquanto, termina sua missão; pois, a partir de lá, são necessários espíritos angelicais mais habilitados.

11. Ora, como agem Os alunos nesta sondagem e na abertura dos caminhos? Mencionamos há pouco a simonia, e vamos indicar, com a devida brevidade, por um pequeno exemplo, como eles executam sua tarefa. Escutai, pois:

12. Todo aquele que viveu em consonância com os deveres de sua classe e que, ao deixar este mundo, foi provido de todos os chamados bens espirituais da Igreja, ao chegar no Além pergunta logo pelo Céu. E de fato é imediatamente elevado para um aparente estado que representa para ele o Céu.

13. Este Céu é porém sempre representado em sua verdade intrínseca, que difere mil vezes da ideia que o recém-chegado trouxe consigo. E fácil compreender-se que para ele um tal Céu agradaria tão pouco como aqui para um bispo, um prelado ou outros dignitários eclesiásticos, se tivessem de pegar com a própria mão um arado para o bem de seus irmãos.

14. Por isso, um tal hóspede que não se sente à vontade num semelhante (verdadeiro) Céu, pede logo para sair dele. Recuperando

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seu estado costumeiro, procura em seu íntimo o que na Terra lhe proporcionou o maior prazer. Talvez tivesse sido a companhia de belas mulheres e moças muito jovens. Os espíritos que o sondam e guiam, ao perceberem isso, o advertem que tal desejo, por ser impuro, não se presta para o Céu. Então ele começa a protestar, dizendo: Ponham-me à prova, dando-me as mais belas mulheres como companhia, e entreter-me-ei com elas com toda decência. Mal pronuncia estas palavras, seu desejo é satisfeito. Ele vai sendo levado para aquelas circunstâncias onde pouco a pouco encontra mesmo todo o cenário que tanto o divertiu na Terra. Mas aqui os espíritos dirigentes recuam, deixando-o agir sozinho, observando-o, porém, sem serem por ele notados.

15. Não é preciso mencionar que o hóspede repete aqui todos os atos que outrora praticava na Terra. Em seguida, sereis informados sobre o que acontece com ele após este teste, e qual será a incumbência dos nossos espíritos.

Cada vida tem seus próprios caminhos designados pelo Amor do Senhor

1. Depois de ter-se entregue à vivência de uma de suas antigas paixões principais, o hóspede é geralmente preso de repugnância por um tal fugitivo prazer, convencendo-se que não há nada de real nisso. Deveis saber que tais espíritos também no Além se copulam; mas em vez de terem uma sensação voluptuosa, seu prazer é acompanhado por forte sensação dolorosa (*); e esta particularidade deixa-os bem mais rapidamente tomar avesão à sua paixão.

2. Sendo assim, vencida esta paixão, o espírito procura outro pra-zer que o divertiu na Terra, por exemplo, um jogo. Deseja então en-contrar uma companhia de jogadores, o que também lhe é concedi-do. Ele se junta a amigos conhecidos, e já em sua primeira reunião combinam rapidamente uma partida. Ele é então levado a um estado em que encontra tudo aquilo de que precisava na Terra para jogar em sua casa: baralho, dinheiro e tudo mais. Começa o jogo, mas geralmente

* Dor na consciência – Ver Roberto Blum e Bispo Martin – a tradutora

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termina com a perda de todo seu dinheiro e da própria casa. É fácil compreender-se que ele se enche de raiva não só do jogo, mas também dos companheiros de jogo que o privaram de tudo. Mas eis que se apresentam logo nossos guias que lhe mostram a futilidade de sua paixão, fazendo-o compreender que com isto ele se afasta de Deus em vez de aproximar-se Dele.

3. Desta maneira, tudo que nosso novo hóspede fez na Terra, desde sua infância, reaparece de novo. Até a música — quando ela foi praticada mais com paixão sensual, com altivez e como fonte de lucro — figura na lista das más paixões que de maneira semelhante devem, sucessivamente, ser eliminadas.

4. O espírito deverá, entretanto, fazer tudo isso de bom grado, pois ninguém é forçado e de certo modo julgado, seja de que maneira for. Cada um deve esforçar-se e julgar-se pessoalmente!

5. É justamente esta, de preferência, a incumbência dos espíritos angélicos que servem de guias para os recém-chegados, levando pouco a pouco cada um deles a conscientizar-se perfeitamente de si mesmo e, ao fazê-lo, encontrar aí tudo aquilo que durante sua vida terrestre acumulou em si, a começar pelo mais grosseiro até o que há de mais sutil.

6. Para muitos, sobretudo para os católicos romanos, isto não é

justo, pois opinam que não têm mais nada a ver com os pecados já confessados; além disso, eles acreditam que o Senhor fará com cada alma desencarnada, logo após a morte, um julgamento particular.

7. Assim, eles dificilmente aceitarão que o Senhor nunca julga alguém, e ainda menos no mundo dos espíritos. Antes, tal seria concebível no mundo material, quando se quer considerar como julgamento os vários castigos infligidos a pessoas ímpias. Mas no mundo dos espíritos, tudo isso não tem mais vez. O espírito está perfeitamente livre, podendo fazer o que quer. Em seguida, suas próprias ações serão seu juiz, pois, de acordo com seu amor, serão suas ações e sua vida.

8. Só uma coisa foi firmemente determinada pelo Senhor, isto é, que cada vida tem seus caminhos definidos, dos quais não há saída. Mas estes caminhos são tão intimamente entrelaçados com a natureza da vida, que formam com ela a vida mesma. Se se cortasse a

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alguém um tal caminho, se tolheria sua liberdade e, consequentemente, também sua vida. E isso constituiria um verdadeiro julgamento que causaria a morte do espírito.

9. Ora, o próprio Senhor não seria inteiramente livre, se privasse um único espírito da plena liberdade; assim como é o caso de um juiz do mundo que perde sua liberdade e julga a si mesmo ao condenar um único homem à prisão. Pois, mesmo que ele seja livre em suas outras atividades, ele é limitado no caso deste único condenado; assim como esse definha na prisão, a sentença do juiz definha também, não podendo sair da prisão antes do próprio preso. É verdade que no mundo material este tipo de prisão não se apresenta muito convincente, mas tanto mais óbvio e eficaz se torna no mundo espiritual

10. É certo que o Senhor, pelo Seu infinito Amor e Misericór-dia, fixou para cada vida fundamental um objetivo perfeitamente correspondente; e este objetivo não constitui um julgamento, mas apenas um ponto de reunião, onde cada espírito deve reencontrar em plenitude os elementos dispersos de sua vida, conscientizando-se das consequências que ela criou. Tal alvo pode ser tanto o inferno como o Céu; conduzir os espíritos em sua plena liberdade a um ou outro alvo constitui, pois, a tarefa principal dos nossos conhecidos espíritos angelicais no Reino Intermediário.

11. Já vimos de que maneira esta conduta se efetua e sabemos também o que advém depois aos espíritos conduzidos. — Resta-nos apenas saber quais são as novas tarefas que nossos espíritos dirigentes são chamados a cumprir em seguida.—

Continuação da conduta dos alunos pelos planetas e as Sete esferas do Sol rumo à sua meta celeste

I. Isso tampouco nos custará um grande esforço; é só nos lembrarmos que além da Terra há ainda grande número de outros planetas onde moram seres livres, como nesta Terra. Não será difícil descobrirmos qual a próxima ocupação de nossos espíritos. Cada planeta

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pertence a todo, um sistema planetário; e em cada sistema planetário tudo está em ligação e ação recíproca, tanto espiritual como naturalmente.

2. O sistema planetário do vosso Sol é o primeiro para onde nossos espíritos são chamados a agir. Em primeiro lugar vem a Lua. Nela, todavia, estes espíritos executam um ensino mais correcional do que didático. Eles representam aí aproximadamente a função de vossos professores primários que têm, ao lado de seu manual, também uma vara para castigar.

3. Sabeis muito bem porque isso é necessário aqui. Tampouco ignorais qual o aspecto da Lua, qual o caso de seus habitantes e de que maneira eles são ensinados. Nada mais é preciso ser dito a respeito.

4. Da lua, os espíritos guias com seus alunos não passam logo para o Céu, mas para a esfera espiritual do planeta Mercúrio, onde já se encontram instrutores duma categoria superior. De Mercúrio passam em seguida para Vênus, e de lá para Marte, onde os alunos devem aprender a humilhar-se mais. Aqueles que em Marte não atingiram ainda o justo grau de humildade, deverão fazer um desvio pelos quatro pequenos planetas, como os chamais aqueles; porém os que em Marte já alcançaram um alto grau de humildade, têm logo franqueada a subida para Júpiter. De lá, passam ao sumamente esplêndido Saturno, em seguida a Uranos e finalmente ao último planeta que já conheceis sob o nome de Miron (Netuno). Subentende-se que em todos os planetas são visitadas apenas as esferas espirituais.

5. Provavelmente perguntareis se todos os espíritos devem normalmente ser conduzidos por este caminho, a fim de alcançarem finalmente o Céu. Oh não! — vos respondo; este caminho, sob a direção dos nossos conhecidos espíritos, é reservado apenas àquelas almas que na Terra eram muito materialistas e de grande sensualidade. É necessário que elas sigam este mais longo caminho científico, a fim de alcançarem o Amor e a Sabedoria do Senhor. Isso tem que ser assim, porque a sensualidade natural do homem é uma consequência da ação planetária, como vós a chamais.

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7. Na verdade, ninguém é obrigado a sofrer passivamente esta influência planetária; Mas quem se predispõe para isso pelo estímulo da carne e de outros prazeres que excitam a sensualidade, absorve as influências planetárias, em parte passivamente e em parte ativamente. Sendo, porém, estas influências em geral de ordem sensual, elas são más; e o homem que as possuir em correspondência espiritual não pode entrar no Reino dos Céus antes de ter sido livrado de todas estas obsessões.

8. Assim, por exemplo, uma exagerada vontade de viajar e fazer comércio é uma influência de Mercúrio, o que já era do conhecimen to dos sábios de antigamente. De Vênus vem a inclinação estética, fomentando a procura de relações amorosas. De Marte, o ardor bélico e a ambição do poder — tudo isto também ja conhecido aos antigos sábios. Júpiter predispõe para uma exagerada cobiça de honras oriundas de profunda erudição. Saturno inclina à fácil irritabilidade das paixões; Uranos ao fausto e Miron (Netuno) ao desejo exagerado por várias artes, como música, poesia, pintura, mecânica, indústrias diversas etc...

9. A questão não é que o homem terrestre recebe tudo isso dos planetas; antes, ele já possui tudo isso na medida justa desde sua origem, podendo despertar e usar essas tendências para justas causas, Mas se o homem exagera na sua aplicação, num ou noutro ramo,

excede a medida de influência de um tal planeta, por realçar em especial a respectiva presença planetária que já leva em si, abandonando-se à sua influência. E ao despertar sua particular paixão, ele abre caminho à livre ação das polaridades recíprocas. Isso é fácil de compreender por quem guardou na memória minhas primeiras explicações sobre a origem da faculdade de ver, segundo a qual ninguém pode ver algo que já não possui em si. Precisamente por esta razão, tais espíritos devem passar pela viagem planetária, depositando de certo modo, por via de experiência científica, a parte estranha à sua natureza naquele lugar onde a colheram.

10. No término de sua viagem, eles vêm ao Sol, onde também devem passar primeiro por todas as mesmas características fundamentais. Só depois de terem terminado esta escola, eles se tornam os simples guardas das pequenas crianças.

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11. Os guias, porém, tornam-se aqui instrutores principais. E só depois de terem terminado uma escola até a perfeição, são admitidos como cidadãos da Santa Cidade de Jerusalém, onde no início ocupam os mais humildes lugares, aceitando a orientação dos cidadãos principais para a execução de grandiosas tarefas celestiais que um mundo de livros não seria capaz de enumerar! Pois, os afazeres dos anjos do Supremo Céu são tão infinitamente diversificados como, o são as próprias Criações do Senhor.

12. Conheceis agora todo o processo de evolução e o destino final dos anjos protetores dos espíritos das crianças e, da mesma maneira, a organização espiritual do Sol. — Com isso, meu ensino para vós está terminado. Voltai, pois, para lá onde o Próprio Senhor vos espera! -----

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RETROSPECÇÃ0

Olhar retrospectivo às Dez Esferas espirituais percorridas

1. O Senhor: Eis-vos novamente de volta! Não gostaríeis de Me fazer conhecer (em vosso íntimo) tudo o que vistes, experimentastes e aprendestes com Meu João? Estais cheios de respeito diante de Mim, conjecturando: Que deveríamos relatar-Te, ó Senhor, já que conheces nossos pensamentos antes de os termos elaborado e antes que um Sol tenha atraído os raios do vasto Infinito para irradiá-los de novo com força muitas vezes redobrada? —

2. Sim, Minhas queridas crianças, tendes razão; é verdade que o Pai sabe tudo, mas, não obstante, Ele gosta de Se entreter com Suas crianças, como se tudo não Lhe fosse conhecido. Mas vejo em vós uma questão oculta, ou seja:

3. Ó Pai, Tu, Amor Eterno e Verdade! O que vimos, ouvimos, experimentamos e aprendemos de Teus espíritos angelicais, da primeira até a última esfera, é inconcebívelmente grande e excede em maravilha todos os conceitos humanos. Agora pedimos de Ti uma Sagrada Palavra se tudo isso é de fato a plena Verdade?

4. Eis vossa questão oculta, Minhas queridas crianças; e eis a Minha resposta: Logo no início, quando contemplamos o mostrador externo do nosso relógio, ou melhor, a esfera exterior do Sol Espiritual, Eu vos disse que o Céu e todo o mundo espiritual não apresentam localidades aparentes; mas eles se encontram, da mesma forma que todo o mundo espiritual, nos próprios espíritos. Ou seja: O mundo que um espírito habita é sua esfera de vida.

5. A fim de vos convencer disso, dei-vos uma parábola na qual contemplastes o que chamais de Diorama. Conforme esta parábola,

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levei-vos à presença, dentro de uma certa ordem, dos Dez Espíritos ainda presentes aqui, mostrando-vos na ocasião, que ireis encontrar aí também um Diorama espiritual, oferecendo-se à vossa contemplação, na esfera de cada espírito, uma imagem diferente do mundo espiritual.

6. Isso de fato acontece, como vos convencestes até agora, por dez vezes, chegando sempre a conhecer (na esfera de cada um destes dez espíritos angelicais) o mundo espiritual numa forma bem diferente. Tudo isso está agora perfeitamente claro para vós; acrescentei ainda que podeis passar repetidas vezes este Diorama espiritual pelos mesmos espíritos, revelando-se o mundo espiritual cada vez numa forma bem diferente.

7. Mesmo se entrásseis nas esferas de outros espíritos, avistaríeis em cada uma destas esferas uma forma totalmente diferente do mundo espiritual, tanto nas suas proporções particulares como na sua forma geral. Em vista disso, não posso vos dar uma resposta aplicável a todos os casos, a não ser dizendo-vos que aqui vale em tudo o seguinte: Tal a semente, tal o fruto; tais as obras, tal a recompensa; e tal o amor como base das obras, tal a forma do mundo que ele cria em si no espírito.

8. Apesar de terdes contemplado várias formas, havia em todos os lugares uma só e igual Verdade. Pois a forma não tem nenhuma importância; em tudo, só a Verdade conta.

9. Não queria mostrar-vos o aspecto do Céu, do mundo espiritual ou do inferno, mas somente como tudo isso se forma de acordo com os moldes do amor no espírito de cada homem.

10. Eis porque vistes em abundância mil e mil formas, e para cada forma foi-vos explicada a verdade intrínseca. Posso assim afirmar-vos que pudestes contemplar, na esfera da Verdade, toda a extensão da vida espiritual.

11. Naturalmente, no que diz respeito às formas, seu número é infinito, de maneira que em todas as eternidades jamais podereis explorá-las inteiramente, nem em sua mínima parte! — Podeis assim, em toda quietude e paz de espírito, contentar-vos do que vos foi mostrado da plenitude da Verdade, ainda mais se vos digo que, desde que esta Terra está habitada por homens, nunca as circunstancias da vida

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espiritual foram desvendadas de maneira tão ampla e completa como desta vez.

12. Seja o que for que alguém procura, sejam quais forem as circunstâncias em que alguém se encontra, é por esta revelação que poderá chegar a conhecer, em todas as minúcias, em que ponto se encontra seu íntimo.

13. Quem ler tudo com a máxima atenção e elevado fervor religioso, encontrará a grande, convincente Verdade, não só nesta revelação solar, mas vivamente em seu íntimo.

14. Para que cada um possa se convencer da plena veracidade de tudo isso, acrescentarei em seguida algumas breves parábolas e imagens que devem elucidar-vos todos os recantos secretos desta revelação. — Mas, basta por hoje — e recebei a Minha Bênção! —

Cada homem traz em si uma semente diferente para o desenvolvimento do seu mundo espiritual

1. Ao lerdes o Evangelho, encontrareis facilmente as imagens gerais, pelas quais Eu Mesmo representei o Reino dos Céus. Entre as parábolas, a que mais se adapta aqui é aquela da semente de mostarda. Este grão é pequeno; quem diria, ao vê-lo, que nascerá dele uma grande planta arbórea? Mas esta semente de mostarda traz em si uma infinidade de sementes iguais que podem nascer dela. Semeando inúmeros grãozinhos de mostarda no solo, obtereis outras tantas idênticas plantas. Mas quanto à certa simetria da forma, nenhum tronco se parecerá com outro; da mesma maneira, não encontrareis numa árvore duas folhas perfeitamente simétricas.

2. Quem considerar este exemplo sob este ponto de vista, certamente concluirá que não importa a forma simétrica, que poderíamos chamar de constante. É indiferente se uma folha aparece num ou noutro ponto do tronco ou de um ramo, se é um pouco maior ou menor, se o próprio tronco cresce mais ou menos alto, se brota maior ou menor número de ramos, e estes sempre num arranjo diferente.

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O que importa é se a substância e a estrutura da planta e sua utilida-de continuam sendo as mesmas.

3. Vede, no fundo isso é a mesma coisa que vos dizer: A forma e aparência do mundo dos espíritos, em si mesmas, não têm nenhuma importância, contanto que toda esta infinidade de formas e aparências tenham por base a única e mesmíssima verdade e idêntica finalidade.

4 . E assim, cada homem traz em si uma semente diferente para o desenvolvimento do seu mundo espiritual , e esta cresce nele até tornar-se uma árvore, que é a forma do seu mundo interior.

5. Se semeais sementes diferentes no mesmo pedaço de terra, pensais que nascerão daí plantas iguais, ou que sementes da mesma espécie produzirão renovos perfeitamente idênticos? De modo nenhum; tudo será diferente, e no caso de sementes da mesma espécie, o aspecto de cada planta diferirá nos pormenores.

6. Mas, apesar disso, a matéria prima fica constante; podeis decompor quimicamente toda matéria como quiserdes e puderdes, e encontrareis, em última análise, nada mais do que dois elementos primários, ou seja: o bem conhecido e volátil carbono e o adstringente oxigênio.

7. Vede, isso nos reconduz à verdade fundamental e ao objetivo principal de toda aparência de formas no Reino dos espíritos.

8. Em todo lugar só há um Deus, um Pai, um Amor e uma Sabedoria de onde nascem o Infinito e o Eterno.

9. Observai as nuvens que passam todos os dias na atmosfera sobre o solo da vossa Terra. Já descobristes nelas alguma vez uma forma constante? Terão elas à tarde o mesmo aspecto que pela manhã, ou no próximo dia ou ano?

10. Os contornos das nuvens se transformam numa diversidade infinita; jamais podereis avistar os mesmos de antes. Desconcerta-vos isso? Certatnente que não, pois, seja qual for a forma da nuvem na sua passagem pelo ar, ela nada mais é do que uma nuvem, do que uma verdade que tem por finalidade fazer chover, e isso sempre da mesma maneira, se todas as condições necessárias para provocar a chuva existem na ordem da natureza.

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11. Daí se vê também que a forma é de nenhuma importância, mas sim, e unicamente, a base e a finalidade.

12. Em geral, no que diz respeito à aparência da natureza, a constante diversidade da forma só serve para despertar o espírito, que nisso se deleita. Pois uma eterna e total uniformidade das coisas levaria tudo a um sono perpétuo.

13. Todavia, o homem não deve procurar sua felicidade e bem-aventurança na forma, e sim na realidade. Quanto à forma, tomei desde eternidades as providências para que haja nela uma eterna mudança, a fim de proporcionar sempre um novo estímulo. O texto básico do Evangelho prova isso também:

14. "Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e Sua Justiça; e todo o resto vos será acrescentado!"

15. Não pergunteis, pois, a um ou outro: Qual é o aspecto do Céu e do Mundo dos espíritos? Tudo isso é vão! Mas esforçai-vos de vivificar em vós, pelas obras do amor, cada uma de Minhas Palavras; deste modo, já tendes vivamente em vós tanto o Céu, como tudo o que é do Mundo dos espíritos.

16. Pois jamais alguém irá a um Céu cujo aspecto será semelhante às descrições que sua memória e sua imaginação registraram. Cada um traz em si o próprio Céu e o próprio Mundo dos espíritos, cuja forma sempre se orientará segundo a espécie de amor que há nele, e segundo as obras que dele nasceram.

17. Alguém querendo demonstrar a um forasteiro a forma de uma macieira, lhe diz: Vê, diante de nós se acha uma macieira; observa bem sua altura e grossura do tronco, assim como a posição de seus ramos, e também as folhas e o córtice; reconhecerás assim cada macieira que corresponde a esta forma.— O forasteiro anota exatamente a forma da árvore e dirige-se então a um grande pomar onde quase só há macieiras. Ele compara seu rascunho à forma das árvores; mas como não pode constatar uma perfeita concordância, não há para ele nenhuma macieira neste pomar.

18. Eis porque ninguém deve se basear numa aparência qualquer, pois nunca conseguirá nada. Se, porém, considera o assunto no espírito da verdade, encontrará sob qualquer forma a Verdade e o Caminho e a Vida!

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19. Este assunto é de grande importância; por isso, cada um deve, refletir bem sobre o que aqui foi dito, meditando profundamente para encontrar assim a verdadeira pedra fundamental da Sabedoria. Assim é, e será eternamente bom e verdadeiro. — Para maior esclarecimento de tudo isso, seguirão brevemente alguns exemplos! —

O Reino dos Céus é igual a este tempo atual

1. Falando ainda mais sobre "o Reino dos Céus", ele iguala-se ao tempo em que viveis, e este ao semeador do Evangelho que lançou semente boa que em parte caiu no caminho, em parte na mata, em parte em solo rochoso e em parte em boa terra.

2. Observai o vosso tempo; não se parece ao semeador e ao Reino dos Céus?

3. A Palavra é difundida por toda parte; e por toda parte vivem ainda pessoas que a explicam em seu sentido intrínseco. Mas no tempo atual, as necessidades da humanidade tornaram-se semelhantes ao caminho sobre o qual cai a semente, ou seja: tornaram-se inteiramente mundanas. A Palavra produz nelas a mesma impressão como se se lançassem ervilhas à parede, onde nenhuma delas fica presa, e menos ainda deita raízes na dura e lisa superfície.

4. Assim, Eu deveria mandar todos os anjos do Céu para divulgarem, por toda parte e de maneira mais prodigiosa, a Palavra da Vida; — hoje, amanhã e depois de amanhã os homens A escutarão e A aceitarão comovidos; mas depois começarão a contemplá-La com indiferença, para correr atrás, como antes, dos seus negócios mundanos.

5. Estes são os homens industriais com suas necessidades jamais satisfeitas. Eles se parecem com a mata e os espinhos. Mesmo que a Palavra cresça no início, logo mais será sufocada, deixando os homens mais indiferentes do que antes. Pois primeiro disseram: Se recebêssemos a Palavra duma maneira milagrosa, acreditaríamos e agiríamos de acordo. E Eu condescendo também a este desejo, divulgo-A como aqui, quase por toda parte, de maneira extraordinária. Mas quais os efeitos? Quando muito, aqui e acolá umas hesitações

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políticas — a mais não chega. Mas, que alguém tome em consideração a Minha Palavra — onde está esta boa terra?

6. Digo-vos: Onde vivem cem milhões de pessoas, nem de longe chega-se a mil que A estimam. Qual é o proveito se dez ou cem mil escutam a Palavra com fe, mas quando se trata de pô-La em prática, eles dão tempo ao tempo a cada dia, pois dizem: Por que esforçar-se tanto para alcançar uma vida eterna? Se existe como eles acreditam, não deve ser difícil atingi-la; por isso, divirtamo-nos durante a vida, tendo, não obstante, uma morte bem-aventurada! — O que mais pode ser dito?!

7. Agora vejamos o terreno pedregoso e arenoso. Este aceita a semente que cresce até ao meio; mas não havendo umidade no solo, mesmo o que já germinou perece no fim.

8. Igualmente, a fé somente nunca se mantém, se não for animada pela obras; assim como ninguém se torna um homem prático pela simples teoria, sem exercitar-se pela sua aplicação.

9. Podeis encontrar agora legiões de palradores morais e religiosos. Mas todos eles se esquivam de provar sua sabedoria pela própria vida; não tocam nem uma pedrinha com seu dedo. Cada um pensa ter feito algo sumamente meritório se fez uma boa prédica, conseguindo impressionar alguns tolos devotos e entusiastas pela sua palrice moral e religiosa.

10. Ninguém quer seriamente tentar seguir os caminhos pelos quais poderia entrar em contato imediato comigo Mesmo, recebendo da Minha Boca um vivo Ensinamento que poderia transformá-lo em boa terra fértil.

11. Entre os muitos teólogos e teósofos há dificilmente um que seja realmente ensinado por Deus segundo o Evangelho de João, que anuncia que todos devem, ser instruídos por Deus.

12. Em verdade, se Eu, na Minha grande Misericórdia, não despertasse aqui e lá alguém, assim como um diligente patrão sacode a indolente e preguiçosa criadagem, quase ninguém saberia, desde o tempo dos apóstolos até hoje, o que significa "a Palavra Viva", e o que quer dizer "ser ensinado por Deus".

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13. Os teólogos atuais preferem Me relegar misteriosamente para além de todas as estrelas, abandonando-Me numa Luz totalmente inacessivel. Por que agem assim? Há várias razões. Primeiro argumentam: Quem está longe, não corre perigo de ser atingido. — Um segundo argumento poderia soar assim: Homem nenhum pode aproximar-se tanto de Deus a ponto de ser ensinado por Ele. — E mais uma razão, baseada na precedente: Deus deu ao homem razão e intelecto. Eis a viva Palavra de Deus no homem. Quem tem isso em consideração, vive conforme a Vontade de Deus; e quem instrui sua razão e seu intelecto, já está sendo ensinado por Deus; pois ninguém pode ser diretamente ensinado por Deus, e sim, apenas indiretamente, uma vez que Deus habita na Luz inacessível, além de todas as estrelas.

14. E se, apesar destas misteriosas teses teosóficas, Eu desperto alguém aqui e lá, fazendo-o receber, diretamente de Mim, uma Palavra viva, a maior parte da humanidade atual o declara um tolo e visionário, ou até um impostor e charlatão que sabe pôr em relevo algumas faculdades de seu intelecto. Dizei-Me se não é assim!?

15. Certamente conheceis vários homens que receberam a Palavra viva, e isso nos tempos modernos, nos séculos XVIII e XIX, como alguns também em séculos anteriores. Qual o destino deles? O mudo esquecimento! Os sábios do mundo se contentam em conhecer seus nomes. Mas os Ensinamentos que estes homens receberam diretamente de Mim, não os interessam. E mesmo que um ou outro leia um tal livro, facilmente encontra frases que não estão de acordo com sua razão. Então rejeita o livro todo e não se fala mais do homem que fora por Mim instruído.

16. Na melhor das hipóteses, fazem, quando muito, ainda certa justiça a Mim; mas Meus mensageiros não são senão tolos e impostores.

17. Não é assim em vosso tempo? Creio que isso é evidente para um.

18. Mas como o Reino dos Céus não existe em algum lugar, mas é essencialmente apenas um estado de vida, ele é perfeitamente igual ao vosso tempo, isto é, ao tempo atual, ou seja: mesquiinho, pobre, pequeno, parco.

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19. E mesmo onde se encontra, não é puro. Mas pode-se realmente mente falar de um Reino dos Céus, se lhe falta a pureza absoluta? Digo-vos: A este respeito, o Reino dos Céus é muito relativo, porque cada louco tem sua teimosia.

20. Cada um encontra seu Reino dos Céus em sua tolice. Mas se é o verdadeiro — o Meu — eis uma outra questão. E este tornou-se, em verdade, raro, escasso e parco. Por que? Porque não há mais entre os homens a boa terra fértil! Por isso, mesmo se Eu semeio a melhor e mais pura semente, ela só cai nos caminhos, entre espinhos e em terra pedregosa, e raramente numa fenda na borda do caminho. Assim, se numa fenda entre as rochas caem um milhão de sementes, cerca de mil pegam, e cem alcançam a maturidade. Eis a safra, e o que se ganhou para o Reino dos Céus!

21. Mas uma vez podeis concluir disso que tudo o que foi dito até agora está bem fundado, e que a aparência superficial do espiritual importa tão pouco como as aparências do tempo. Estas são surdas e ocas, mas para o sábio constituem uma escrita cujos sinais característicos deixam facilmente descobrir a verdade interior; pois cada manifestação aparente é precedida por uma causa ativa. Sendo a manifestação nobre e boa, é sinal que a causa o é na mesma medida; mas uma manifestação ignóbil — isto é, de caráter mundano, material e mau — prova que também a causa o é na mesma medida.

22. Quem quiser avistar tudo o que é espiritual na sua forma verdadeira, não se prenda à aparência, mas sirva-se dela unicamente para averiguar sua causa espiritual. Tendo-a encontrado, já conhece a natureza completa de todo o mundo espiritual. — Em seguida, será mostrado como a causa espiritual pode ser investigada pela aparência.—

Uma árvore como exemplo da natureza do Reino dos espíritos

1. No curso de toda a comunicação vinda do Reino do Sol espiritual, tudo o que se refere ao mundo dos espíritos e ao seu relacionamento com o mundo natural vos foi mostrado nos seus mínimos detalhes.

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Por conseguinte, poder-se-ia dizer: A fim de concluir das aparências a sua causa, parece ser quase desnecessário acrescentar algo mais, visto que este tema foi suficientemente elucidado em todos os seus aspectos.

2. Mas Eu digo: O Bem, o homem não pode tê-lo em demasia, mas sim o Mal; pois, muitas vezes, grande quantidade de Bem não consegue melhorar o Mal; mas um pouco de Mal não raramente deprava o Bem.

3. Eis por que queremos elucidar o nosso assunto o mais possível por alguns exemplos concretos.

4. Observai uma árvore: sua natureza, como a vedes, representa, em correspondente aparência, toda a natureza do Mundo dos espíritos em sua relação ao mundo natural.

5. O mais interior da árvore, isto é, o cerne, é o celeste; o tronco e os ramos são o verdadeiro Reino dos espíritos que recebe sua vida do cerne interior. Sobre a madeira do tronco vereis a cortiça, que é a aparência exterior da árvore. A cortiça propriamente dita é morta, mas sob a cortiça exterior, morta, encontra-se ainda uma outra cortiça que chamais de "viva". Esta corresponde ao estado intermediário, em que o espiritual passa para o material.

6.Contemplemos agora a ação desta cortiça viva. Origina-se dela primeiro a cortiça morta exterior, depois também toda a folhagem efêmera, a forma externa da flor, e finalmente até a casca exterior do fruto.

7. Todos estes produtos não são duradouros; após terminarem o seu serviço, eles caem.

8. Vede, o mesmo se dá com o mundo e com tudo o que lhe pertence. Tudo isso se parece com a cortiça exterior, com as folhas e as flores, e finalmente também com os frutos duma árvore. Eles caem. Mas a árvore continua, trazendo em sua vida interior uma quantidade incalculável da imagem exterior daquilo que é aparente e efêmero. Mas como se pode concluir da aparência para a verdadeira causa interior? Digo-vos que nada é mais fácil do que isso. É só representar-vos a aparência multiplicada ao infinito, executando ela, ao mesmo tempo e em sua totalidade, uma ação útil, e já tendes diante de vós o fundo do que é espiritual.

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9. Mas a causa fundamental se torna evidente quando observardes toda a ação vegetativa duma árvore em muitos anos. Ela consiste no contínuo aumento e na constante intensificação do fortalecimento da vida.

10. É o que podemos observar num pequeno grão colocado na terra. Qualquer um pode verificar qual seja a força vital originária neste grão, por exemplo, duma bolota de carvalho, quando a toma na mão e brinca com ela como se fosse uma pluma.

11. Quando, porém, esta insignificante bolota é colocada na terra, a vida vegetativa nela começa a corroborar-se. No início aparece um pequeno carvalho com, no máximo, duas folhas. Nesta primeira fase, a vida vegetativa do carvalho em formação é ainda fraca. Seu peso mal chega a ser dez vezes superior ao da original bolota lisa. Voltemos, então, a vê-la trinta anos depois. Adquiriu uma tão potente força vital vegetativa, que podeis amarrar no seu tronco vários cavalos, e com toda sua gigantesca força eles não poderão arrancá- la do solo. Mas contemplai-a numa idade de cem anos. Que árvore gigantesca e majestosa é ela então, e que imensa força há nela, capaz de fazer frente às mais fortes tormentas! E quantas milhares de vezes este carvalho centenário reproduziu em suas bolotas sua pequena vida vegetativa original, adubando com seus despojos, que são de certa forma o excesso de sua força vital vegetativa, o solo ao seu redor, vivificando-o assim pelo contínuo aumento da própria força vital!

12. Numa palavra: esta árvore tornou-se um mundo cheio de vida. E tudo isso teve sua origem numa única, insignificante bolota.

13. Vede, da mesma maneira, parte originariamente de Mim apenas uma Centelha da Força Vital, dotada do poder de corroborar-se e fortificar-se como uma força vital até o infinito. Eis como serve a imagem da árvore, proporcionando a cada um a mais nítida compreensão.

14. Dissemos há pouco que da cortiça viva origina-se a folhagem visível, a flor externa e até a casca do fruto. No próprio fruto, o germe do cerne recebe apenas uma centelha infinitamente pequena da vida geral do cerne da árvore. O cerne amadurece com o fruto, representando o homem na sua aparência no mundo. Sua forma exterior é muito simples e pouco expressiva, e sua força é mínima. Mas é igual

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a uma bolota. Sendo colocado na boa terra de Minha Vontade, seu germe interior brota, tornando-se ele mesmo, no fim, uma árvore imponente, cuja força supera a força de inúmeras bolotas anteriores.

15. E vede: Assim, cada homem já traz em si o germe de seu estado espirimal, que é o verdadeiro Mundo dos espíritos. No mundo aqui, ele é uma pequena centelha de vida que deve fortalecer-se, tornando-se um Sol de vida. De um germe de vida do tamanho de um átomo, deve formar-se uma imensa, poderosa árvore de vida. É este o fato.

16. Assim como a bolota traz em si inúmeras florestas de gigantescas árvores, pois que todas podem desenvolver-se da única bolota, assim também o homem, em sua vida aparentemente insignificante neste mundo, traz em si uma infinita corroboração e potenciação dessa vida.

17. Mas reza o Evangelho que aquele que esconde seu talento na terra diz: "Eu sei que és homem severo, que ceifas onde não semeaste. Onde colocas um, queres ganhar mil; por isso, escondi o talento na terra, para que possa restituí-lo como mo tinhas dado."

18. Respondeu-lhe, porém, o senhor do talento: "Ai, servo malicioso, se sabias que sou um homem injusto que quer ceifar onde não semeou, por que não entregaste o talento a um banqueiro que teria juros devidos?"

19. Vede, esta passagem mostra claramente que Eu espalho de Mim a vida nas mínimas quantidades possíveis nas regiões infinitas do Meu Ser sobemno, a fim de receber de volta, de cada uma destas mínimas partículas de vida, uma vida potenciada ao extremo.

20. Eis a verdadeira, íntima causa de toda vida espiritual. Mas, de fato, sou por isso um usurário duro, egoísta e injusto? Oh não! Pois, fora de Mim não há vida em parte alguma, e isso pela simples razão que em toda a eternidade não há, em parte alguma, algo que esteja "fora de Mim"! Eu sou para sempre a fonte nutritiva para toda vida!

21. Que seria da vida nos tempos dos tempos, se esta Fonte primária de toda vida secasse? Vede, toda vida volatilizar-se-ia então ao Infinito, e nada sobraria no fim senão uma imensidão eternamente vazia, escura e morta!

22. Mas se Eu, como Fonte primária nutritiva de toda vida, em cada momento Me corroboro e fortifico sem fim, voltando infinitamente

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a Mim Mesmo também toda vida parcial que se exprime em vós, homens criados, vem sendo com isso igualmente potenciada, nutrida e fortificada para o infinito.

23. Quanto mais forte o pai, tanto mais também os filhos. Duma formiga nascem apenas efemérides, mas nunca águias e leões. Em toda parte, o fraco gera de novo algo fraco, e o forte, algo forte. Assim como o fraco jamais gera algo forte, também o forte nunca gera algo fraco. Uma águia nunca gera uma pomba medrosa, e o coelho não pode vangloriar-se como se o leão fosse seu genitor.

24. Mas dado que sois filhos de um Pai onipotente e tendes o germe vital do Pai em vós, fortificai este germe na boa terra de Minha Vontade e fortificai o Pai em vós; assim vos tornareis, na mesma medida, fortes no Pai. Pois o Pai não pede vossa força para Si, mas para vós mesmos, para que também vos torneis tão perfeitos como Ele é em Si Mesmo ou no Céu. —

25. Vede, aqui tendes uma imagem, como concluir da aparência exterior para a causa interior da vida. Em seguida, darei mais uma imagem para a mesma finalidade! —

Uma criança como imagem do Reino dos Céus e do Universo

1. Com a última comunicação, cada um recebeu uma imagem vigorosa que lhe faculta concluir facilmente das aparências exteriores para a causa interior. Mas como este campo é muito vasto, e as aparências que há nele são inumeráveis, o homem nunca dispõe em demasia de boas imagens que lhe proporcionariam o justo conselho em cada situação de sua vida externa. Por isso, vamos passar a uma outra imagem mais geral, muito simples em si, é verdade, mas de conteúdo tanto mais grave para elucidar o nosso assunto.

2. Que poderia ser mais simples do que uma pobre criança inocente? Ela tem duas pernas para movimentar-se, um corpo cheio de vísceras, dois braços móveis, e sobre eles o pescoço, uma cabeça móvel. Na cabeça, há duas orelhas, ficando elas sempre a mesma

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distância uma da outra; mas mesmo assim, tanto uma como a outra ouvem sempre o mesmo. Há ainda dois olhos fixos na cabeça que nao podem ser aproximados um do outro, apesar de cada um ser capaz de movimento próprio. Com estes dois olhos, cada objeto por si pode ser contemplado. Entre os olhos há o nariz com dois orifícios, que inala o ar vital e deixa escorrer a impureza da cabeça. Há ainda uma boca onde só a parte inferior é móvel. Na boca há dentes fixos, mas uma língua tanto mais ágil. O resto do corpo é constituído de pele, carne, sangue, de nervos e filamentos, de veias e de ossos, e dentro deles a medula óssea. — Eis a imagem da nossa criança.

3. Mas quem adivinharia tudo o que se esconde atrás desta aparência tão simples? Quem poderia perceber nela um Céu inteiro e mesmo todo o Universo infinito?

4. Quem pensaria que esta simples figura representa um conflito de toda a Criação, tanto na esfera espiritual como na natural?

5. Alguém certamente diria: Custa-me crer que tudo isto se poderia perceber na criança; mas aguardemos que se torne homem. Então se poderá notar, pelo pensar e agir, que o homem é ao menos uma parte importante da Criação.

6. Mas Eu digo: Não é preciso esperar; a própria criança o comprova. Seus dois simples pés atestam Minha preocupação amorosa, que se exprime pelos Dez Mandamentos que conheceis. Segundo esta Ordem, os pés são munidos de dez dedos, para garantir apoio e segurança.

7. Na esfera natural, eles representam, porem, o sistema planetário que também é o apoio inferior de um sistema solar. Com efeito, semelhante aos pés, o modo de movimento dos planetas coage o grande corpo-mor do Sol ao seu movimento principal.

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10. No corpo há o coração ir base fundamental da vida e a imagem mais clara do amor. Este amor é continuamente ativo e leva alimento a todas as partes do corpo.

11. Junto a este amor encontra-se o estômago, que é a cozinha hospitaleira, onde o amor, pelo seu fogo, consome os alimentos, levando-os em seguida, magnificamente preparados, para todas as partes.

12. O pulmão é quase um segundo estômago, uma segunda cozinha que acrescenta comida etérea aos alimentos preparados na primeira cozinha, vivificando assim os alimentos desta e tornando-os aptos à manutenção da vida.

13. A imagem destas duas cozinhas, em cuio meio atua o coração, mostra maravilhosamente como o espiritual intervém no físico para espiritualizá-lo e levá-lo a um destino superior. E tudo isso se da por intermédio ativo do coração, esta fidelíssima imagem do amor.

14. Quem desconheceria aqui a Minha própria atuação de amor, como, de um lado, sempre recolho tudo o que se perdeu e o consumo na grande cozinha da criação material, vivificando-o depois pelo hálito de Minha Graça e Misericórdia, oriunda da segunda grande cozinha que é o Céu, semelhante ao pulmão no homem!

15. Cada respiração pode confirmar ao homem a Minha incessante influência dos Céus a fim de que a vida consista no Meu empenho de transformar constantemente, por esta Minha ação, a morte em vida.

16. Quem é capaz de pensar com discernimento, sem dúvida receberá muita luz por esta magnífica imagem de correspondência. — Mas prossigamos.

17. De ambas as partes do corpo encontram-se duas mãos. No plano espiritual, elas representam o amor ativo que pode se movimentar por toda parte em largos espaços, atuando e criando constantemente.

18. Por conseguinte, as mãos representam também Meu Poder soberano e independente, que, contudo, não opera fora da Ordem fundamental fixada e eterna; pois, cada mão termina em dedos, cujo número é igual aos dedos dos pés; só que esses são sujeitos a uma

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ordem determinada, ao passo que os dedos das mãos significam a livre atividade nesta Ordem.

19. Assim, quem não é renascido em espírito é semelhante à ordem fixa dos pés, e um renascido, à livre ordem das mãos.

20. Quem é capaz de pensar encontrará a Verdade correspondente, sobretudo se considera o Sol natural cujos raios, ao irradiarem, representam, perante todos, suas mãos que atuam livremente.

21. Resta-nos contemplar a cabeça, uma sólida parte por cima do corpo, que em sua forma arredondada representa, em si mesma, um homem completo em sua esfera espiritual. Ela tem, como pés, as orelhas que lhe servem para movimentar-se. Os olhos são seus braços; com eles, pode estender-se à longa distância. O nariz é o pulmão, a boca é o estômago. Nela encontra-se, semelhante ao coração, a língua que ajuda a assimilar os alimentos, tanto materiais como espirituais; os materiais, por colocá-los entre os dentes que os trituram para serem tragados. Eis sua tarefa material. Mas, além disso, é pela língua que a voz adquire um som compreensível e articulado, e é ela que transforma os pensamentos interiores em palavras inteligíveis.

22. O cérebro, que é o miolo da cabeça, representa todas as visceras correspondentes do homem, ou seja, sua vida refinada e espiritualizada.

23. Assim, o homem em sua totalidade apresenta, em sua simples forma visível, o homem nos três degraus que são sua verdadeira natureza: nos pés, sua pertinência à firme matéria física; no corpo, sua esfera espiritual que ainda haverá de lidar e lutar com muita coisa; e pela cabeça, sua esfera celeste. Nesta, o homem per si tem constituição firme e imutável, mas devido a isto, possui uma esfera de atividade tanto mais vasta, já que as partes da cabeça do homem físico abrangem um raio infinitamente maior do que os componentes do corpo. —

24. Como vedes, esta é uma imagem bem simples, mas clara. Nesta imagem de aparência reside o Céu inteiro, todo o mundo dos espíritos subordinado ao Céu, como também a totalidade do mundo físico, em todas as suas particularidades, que está subordinado ao Céu e ao mundo dos espíritos.

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25. Penso que, ao comtemplardes esta imagem, sobretudo na simplicidade de uma criança inocente, encontareis facilmente sob esta aparência, também qualquer outra, e sereis capazes de descobrir, com a mesma facilidade, seu verdadeiro fundo. Vimos, pois, bastante imagens; e só nos resta acrescentar alguns suplementos * a esta obra, que vos dirão como lê-la e aplicá-la com proveito.

(*) Estes suplementos foram publicados num livro separado, sob o título "Explicações de Textos da Escritura Sagrada", já publicado em Português.

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